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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A MALDIÇÃO DE ANNE
A MALDIÇÃO DE ANNE

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

XII


Logan olhou para o relógio de bolso pela sexta vez. Elas estavam prestes a chegar. Andou de um lado para o outro, inquieto, ansioso para vê-la entrar e descobrir o que aconteceria quando se encontrassem novamente.

Voltou para a cadeira, sentou-se e pegou a carta que o próprio Moore escreveu para informá-lo de que sua filha, acompanhada por Mary, a segunda das irmãs, o visitaria no horário combinado. Com o papel na mão direita, ele olhou para a porta e sorriu. Desde que recebeu a nota, não conseguiu ficar quieto um único instante. Em menos de dez minutos, elaborou um plano. Um onde ele teria que controlar tudo o que aconteceria quando as duas irmãs chegassem em sua casa. Dessa vez, não deixaria Anne desmaiar na sua frente ou permitiria que a presença de sua irmã o impedisse de descobrir o que passava pela mente de Anne desde que seus lábios tocaram a boca dela.

Então pediu a Philip, que ainda continuava em sua casa, saciando a sede que a luta proporcionou, que perguntasse sobre aquela irmã e descobrisse o que a agradava. Se a mantivesse entretida com o que a interessava, ambos poderiam ter um momento fortuito de intimidade para conversar livremente.

Logicamente, depois de pedir o favor, Giesler se recusou terminantemente a cumprir a missão alegando que, aquela mulher, foi quem jogou os tubos de metal e quem causou o maior choque de sua vida. No

entanto, depois de ingerir mais dois copos de seu melhor uísque, ele aceitou a encomenda e saiu em busca de respostas. Enquanto isso, Logan começou a concretizar tudo o que aparecia em sua cabeça. Fez com que a cozinheira preparasse doces, na travessa onde estariam as tortas, que adicionasse algumas tâmaras que trouxe de sua última viagem ao Magreb, que pegasse o melhor chá que tinham no armário e comprasse o café mais saboroso de Londres. Ordenou que vários criados decorassem sua casa com as mais belas flores que pudessem encontrar no jardim. Falou com seu criado para que ele mesmo escolhesse e engomasse o traje que melhoraria sua masculinidade. Não parou de organizar, de ter controle total da situação, até o relógio bater oito horas da noite e que um dos criados anunciasse que o jantar estava pronto. No momento em que se sentou e se preparou para servir uma taça de vinho, Kilby lhe disse que a carruagem do sr. Giesler acabava de entrar no jardim. Um sorriso cruzou seu rosto quando entendeu que o desejo de seu servo era antecipar aquela aparição, já que uma vez que ele passasse pela porta da frente, Philip não permitiria que alguém o anunciasse corretamente.

Depois da partida de Kilby, ele se levantou, foi até o móvel de bebidas, encheu dois copos e os segurou nas mãos até que seu amigo aparecesse como sempre, sem pedir permissão. Mas o sorriso que desenhou antes desapareceu ao observá-lo, porque Giesler mostrava um rosto sério,

irritado e até ressentido.

?O que descobriu? ? Perguntou, caminhando em direção a ele com os copos erguidos.

Com raiva, Philip se aproximou, pegou o copo, bebeu de um só gole e, como não parecia o suficiente, assumiu o controle do outro e fez o mesmo.

?Verdammte Leute[5]! ? Ele exclamou depois de beber o licor.

?Que diabos aconteceu? Com quem conversou para estar com esse mau humor? ? Logan perguntou.

?Maldita seja! Bastardos malditos! ? Trovejou com raiva indo até a mesa, ignorando a presença de seu amigo.

?O que acontece, Giesler? ? Bennett insistiu, virando-se rapidamente e indo até ele. ? Quão horrível foi? O que eles disseram? Quais informações teve?

?Não gosto de comer comida fria, ? disse Philip, olhando para os pratos. ?Além disso, preciso recuperar um pouco das minhas forças antes de sair daqui e arrancar cabeças, ? ele resmungou.

?Quer me dizer de uma vez o que diabos aconteceu! ? Gritou desesperado.

?Sente-se e vamos conversar com calma. Hoje deve tirar aquela parte sensata da qual sempre fala para me apaziguar, porque senão amanhã

terá que me tirar da prisão, ? pediu sem relaxar seu tom de raiva.

Logan, atento às palavras de seu amigo e sem tirar os olhos daquele corpo tão tenso quanto às cordas de um violino, caminhou lentamente até a cadeira, sentou-se e cruzou os braços.

?Com quem conversou? O que foi dito sobre essa irmã para que tenha ficado assim? Alguém reforçou sua teoria sobre o caráter amargo da mulher? Acha que será incapaz de se afastar de sua irmã? ? Considerou com o tom de voz que seu amigo pedira.

?Não tem um caráter amargo, ?Philip murmurou. ? Tudo o que essa jovem possui é uma inteligência sublime.

?Isso não é ruim, é? ? Logan insistiu.

?De acordo com quem... ? ele comentou antes de cortar um pedaço de carne que ele mesmo tirou da bandeja e fatiá-lo como se estivesse rasgando a pele de um adversário. ? Depois de indagar pelas ruas de Londres, consegui falar com a única pessoa que conhece perfeitamente a família Moore, ? anunciou ele, mastigando aquele pequeno pedaço de carne.

?Quem?

?Dr. Flatman, ? ele disse, fatiando o bife novamente.

?E? ? Logan perguntou depois de descruzar os braços e pegar a taça de vinho que havia sobre a mesa.

?No começo se recusou a falar sobre a família Moore porque, segundo ele, uma grande amizade os une. Com isso, tive que esclarecer ao bom médico que não queria interferir na vida familiar de seu colega de profissão, mas que tudo o que queria era saber sobre uma das filhas ? disse ele, depositando o garfo com aquele pedaço de carne no prato. ? Quando o nome da jovem em questão foi revelado, ficou branco como se, de repente, tivesse ficado doente.

?É tão horrível? Das cinco irmãs é mais feia? Tem algum defeito físico? ? Logan perguntou, arregalando os olhos.

?Não! ? Philip respondeu rapidamente. ? Ela não é feia nem tem defeitos! É verdade que não tem a beleza da pequena Elizabeth, mas seu corpo é tão... Como eu estava dizendo ? mudou de assunto rapidamente ao lembrar novamente as curvas de Mary sob a camisola ? o bom médico ficou atordoado ao ouvir o nome. Quando se recompôs, me informou que, se eu estava procurando por uma esposa, ele tinha duas filhas adoráveis que superavam a segunda do Sr. Moore em beleza.

?Achou que estava procurando por uma esposa? ? Logan soltou rindo.

?Isso mesmo. Não me ofereceu algo para saciar minha sede, mas sim algo para me matar antes de sair de sua casa ? Philip explicou seriamente.

?O que mais?

?Depois de supor que minhas intenções estavam longe de encontrar uma esposa para distorcer minha vida, gentilmente me convidou para me retirar da casa porque, de acordo com seus princípios morais, não podia falar sobre qualquer família em Londres, ? disse ele com mordacidade.

?Mas... não me disse que falou com ele?

?Realmente falei.

?Como o fez mudar de ideia? Não o ameaçou, não é? Sabe que não posso tolerar...

?Não o ameacei, ? disse Philip. ? Tudo que fiz foi tirar do bolso a bolsa que me deu antes de sair.

?E ele aceitou o pagamento? Não se sentiu humilhado ao ver que pagava pela confissão? ? Ele perguntou.

?Humilhado? Eu não definiria isso assim... ?murmurou sarcasticamente. ? O bom homem empilhou as moedas em uma pequena montanha, abriu uma das gavetas de sua mesa e as colocou dentro enquanto sorria para mim muito feliz.

?Bem, todo mundo sabe que sua esposa é uma mulher muito volúvel e tenho certeza de que com a soma pagará algumas contas, ?

argumentou Logan antes de tomar um pequeno gole da bebida.

?Eu não ligo para onde vai o pagamento! ? Exclamou, irritado novamente. ? Mas juro por minha honra que esse homem não cuidará da vida de nenhum membro da minha família. Ele não possui um único valor moral daqueles que declara e podem dizer tudo o que deseja se tocar um bolso de sua jaqueta. Rato podre, bastardo! ? A raiva atacou novamente.

?Philip, por favor, concentre-se na conversa que teve e não pense mais sobre a natureza imoral de um médico. O que ele disse sobre ela? Que informação conseguiu para entrar em minha casa com essa amargura? Eu só o vi desse jeito sanguinário quando uma de suas amantes rejeitou seus encantos, ? ele comentou ironicamente.

?Tenho que confessar que preferiria ser rejeitado por mil mulheres do que permanecer impassível após a descoberta, ? ele murmurou.

?Mas... quer me contar de uma vez o que aconteceu? Talvez tenha descoberto que as pessoas acham que ela também é amaldiçoada? -

Logan perguntou.

?Não, felizmente para ela, sua maldição não tem nada a ver com matar seus pretendentes, de fato, parece que nenhum homem se atreveu a cortejá-la, ? disse ele sarcasticamente.

?Por sua irmã?

?Não, por ela mesma, ? ele disse. Pegou a garrafa de vinho,

tirou a rolha com os dentes e encheu a taça em frente ao prato. ? O

honorável médico me explicou que a segunda filha de Randall Moore tem uma mente tão brilhante que assusta o intelectual mais destacado de Londres.

?Por Cristo! ? Exclamou Logan, aliviado. ? Esse é o mistério? É por isso que vem tão alucinado? Deve ser muito difícil entender que a única mulher que rejeitou sua presença tem uma mente formidável ?

Logan disse zombando.

?Realmente acredita que estou com medo de uma mulher inteligente? ? Ele perguntou, levantando as sobrancelhas loiras. ? Porque se a resposta for sim, está muito enganado. Depois de descobrir o que é, quero saber ainda mais o que está escondido debaixo de todo aquele cabelo.

?Por Cristo! ? Logan disse espantado. ? O que descobriu sobre ela para que esse estranho interesse tenha crescido?

?De acordo com Flatman, essa moça acompanha seu pai em todas as assembleias que os médicos celebram uma vez por semana. Ele me contou que debate energeticamente princípios médicos que leu em diferentes artigos ou manuais. Adquire um caráter tão correto e firme que destrói qualquer declaração errônea sobre princípios médicos. ? Depois dessas frases, ele tomou um longo gole de vinho, se recostou na cadeira e olhou para Logan sem piscar. ? Ele também me revelou que na última reunião

vários jovens estudantes tentaram refutar um tópico sobre uma nova doença e ela os silenciou expondo todo o conhecimento que tinha sobre o assunto.

?Interessante... ? ele murmurou, tocando o queixo. Não achava que uma de suas filhas tivesse herdado a habilidade do Sr. Moore e que ele permitisse que ela falasse livremente na frente de seus companheiros.

Embora seja compreensível. Viu como meu irmão trata Evah. Parece que a sociedade está finalmente mudando em relação às mulheres.

?Nem todo mundo pensa como seu irmão, ? disse ele cruzando os braços. ? Mas é verdade que o Dr. Moore é muito especial e mantém um tratamento digno de elogios. Aparentemente, pai e filha visitam pacientes de bairros pobres, aqueles que não podem pagar sequer uma mísera massa de pão. De acordo com Flatman, Moore permite que sua filha os ajude. E sabe o que eles pensam dela?

?Não.

?Que é maravilhosa, que é a mulher mais benevolente do mundo e que eles não sabem como agradecer pela solidariedade que ela demonstra ao ficar com eles e curá-los.

?Pelo que diz, a segunda filha do Sr. Moore é uma mulher admirável. Muitas pessoas nem sequer poderiam pisar na rua onde vivem essas pessoas pobres, ? disse Logan, sem tirar os olhos do rosto de Philip, que cada vez ficava mais sombrio.

?Essa bondade teve consequências... ? Ele respirou fundo, franziu a testa e continuou com uma voz rouca. ? Outra coisa que o Sr.

Flatman me contou é que um pequeno grupo de adversários masculinos foi criado para tentar humilhá-la toda vez que acompanha o pai nas assembleias.

?Imagino que muitos homens não irão gostar de encontrar uma mulher com esse tipo de intelecto e bondade, ? disse Logan, observando todas as expressões de seu amigo.

?Costumam rir dela. Zombam de seus conhecimentos e a recriminam por estudar tanto para não ser nada na vida. Os próprios cretinos aconselham que pare de ler e se concentre em encontrar um marido para sustentá-la! ? Ele murmurou. Se serviu de vinho novamente e bebeu em um só gole. ? Flatman foi bem discreto ao falar das opiniões que outros médicos têm sobre Mary. Mas antes de sair, me confessou que, se alguma vez adoecesse, não hesitaria, nem por um momento, em estar sob seus cuidados.

?Então, ela tem minha absoluta admiração, ? disse Bennett, levantando o copo para brindar. No entanto, ele ficou com o copo levantado porque Philip não aceitou o brinde.

?Lê tudo o que cai em suas mãos, embora prefira livros que possam fornecer mais treinamento em medicina ? continuou olhando seu amigo com desconfiança.

?Bem, vou encontrar todos os livros sobre ciência e medicina da minha biblioteca e colocá-los diante de seus olhos, ? disse Logan, abaixando o copo sobre a mesa. ? Quer me dizer mais alguma outra coisa? Porque eu posso ler no seu rosto que tem muitas coisas para me dizer sobre isso.

?Não. A vida de Mary é bem simples. A única coisa que vê no meu rosto é a raiva que gerou em mim, descobrir que a maioria dos homens que moram nessa cidade são idiotas completos. Não poderiam ouvi-la? Tanto ódio pode ser causado pelo fato de que uma mulher sabe como usar a cabeça para algo mais do que usar um bom penteado? ? Philip disse, apertando a mandíbula.

?Bem, talvez, como me disse quando cheguei esta manhã, o mau humor dela também ajudou a descrevê-la dessa maneira.

?Isso não explica por que eles desejam humilhá-la e, sobre o que comentei de Mary esta manhã, esqueça. Tenho de lembrá-lo de que eu invadi sua privacidade e ela me recebeu como eu merecia. ? Ele a defendeu.

Seus olhos mostravam tanta raiva que Logan permaneceu em silêncio. Era verdade que Philip adorava mulheres e as protegia sempre que tinha oportunidade. Mas sempre fez isso com um objetivo: deitar com elas.

No entanto, dessa vez era diferente: Mary Moore nem mesmo estava presente para ver como a ira de Philip apareceu quando descobriu que ela foi

humilhada por outros homens, nem ela cairia em seus braços ante um ato de proteção contra uma donzela em perigo. Fosse o que fosse, seu amigo tinha mudado drasticamente seu parecer depois de descobrir quem era a segunda filha de Randall Moore.

?O que pretende fazer? Como pensa separar Mary da irmã?

?Philip perguntou a Logan, depois daquele silêncio em que só ouviu como respirava profundamente.

«Tenha cuidado, pensou Bennett, ele acaba de chamá-la, pela quarta vez, pelo primeiro nome, e isso não é comum em Philip. É melhor medir suas palavras, se não quiser ver como o ataca com o garfo que estava prestes quebrar».

?Só preciso que ela me deixe ficar algum tempo sozinho com a sua irmã, ? ele o informou calmamente.

?Como vai conseguir essa intimidade? ? Ele perguntou, apertando os olhos claros.

?Usando as informações que me deu, ? ele continuou em uma voz relaxada. ? Eu as receberei na biblioteca, um lugar que... Mary vai adorar. Durante essa noite procurarei todos os livros que possam interessa-la e, se eu não errar, quando passar pela porta e descobrir esses volumes, pedirá permissão para revisá-los e lê-los. Quando eu aceitar o seu pedido, vou levar Anne até a minha escrivaninha e lá estaremos longe de sua irmã

para falar com alguma paz de espírito.

?Bom, ? disse Philip, levantando abruptamente, como se estivesse com pressa para sair. -- Espero que a trate apropriadamente.

?Claro, antes de tudo sou um cavalheiro! ? Logan exclamou com raiva. ? Quando Anne sair por aquela...

?Não estava me referindo a ela, mas a Mary. Espero que não a humilhe como todo mundo faz, ? declarou ele, colocando as mãos sobre a mesa.

?Confie em mim, Philip. Não farei nada de errado com nenhuma delas, ? ele disse solenemente.

?Perfeito, eu tenho sua palavra. Agora, se me der licença, vou descobrir quem são esses homens que querem degradar mulheres como Mary e fazê-los ver a razão, ? ele murmurou.

?Não vai querer lutar com todos aqueles que desprezaram a senhorita Moore, certo? Porque deveria começar batendo em si mesmo. Quero lembrá-lo novamente que esta manhã...

?Não sou como eles, nem queria insultá-la! ? Exclamou Philip. ? Nunca humilharia uma mulher que dedica sua vida a cuidar da saúde dos outros! Quem acha que eu sou, Bennet?

?Está bem... ? Logan disse rapidamente, confirmando suas suspeitas hipotéticas. ? Tenha uma boa noite ? disse em despedida.

?Vou tê-la quando eliminar a praga de ineptos, ? disse ele antes de virar para a porta e sair deixando para trás uma trilha tão sombria que causava arrepios.

Logan se levantou quando ouviu o som de uma carruagem entrando em seu jardim. Correu para a janela, cuidadosamente afastou a cortina e os espiou até pararem na frente da entrada. Animado, ansioso para vê-la chegar, voltou ao seu lugar, colocou alguns papéis à sua frente, como se revisse algo interessante, e tentou controlar a respiração agitada, por poder admirá-la novamente. Tudo devia seguir de acordo com o plano para que nada os perturbasse. Sua casa, a comida que haviam colocado em sua mesa, para o caso de elas não terem tomado o café da manhã, os livros, para que a irmã desse a ele a intimidade que desejava ter, até ensaiara o tipo de voz que ofereceria para não a assustar. Já agiu assim com suas amantes? Tomou o cuidado de se preparar para um ambiente descontraído e confortável? Alguma delas lhe causou aquele estado de excitação que Anne provocava? Não.

Absolutamente não. Em primeiro lugar, nenhuma delas fazia seu coração bater em um ritmo tão desenfreado e ele não queria fazê-las se sentirem em casa. Para não mencionar o trabalho que teve para fazer sua casa parecer diferente. A única coisa que as mulheres que passaram por sua vida causaram nele, até agora, foi a ansiedade da paixão que viveria instantes depois. No entanto, Anne era diferente. Não preparou tudo para levá-la para o quarto.

Seu único objetivo era contar sobre o plano que elaborou para colocá-la no lugar que merecia e, ao fazê-lo, buscar respostas para as perguntas que surgiram em sua mente. Uma vez que ele as encontrasse e fosse a hora de Anne se tornar uma mulher adequada para a sociedade, ele a deixaria ir, ficaria longe dela e permitiria aos outros cavalheiros a oportunidade de seduzi-la.

A felicidade de ver isso acontecer começou a se dissipar. A ilusão de tê-la por um tempo ao seu lado transformou-se em raiva. Como seria ficar em segundo plano? Como ele agiria quando se tornasse uma mera testemunha dos truques que uma multidão de cavalheiros planejaria para fazê-la se apaixonar? Ele seria capaz de não se incomodar quando a visse dançando com outros homens? Será que seria impassível quando ouvisse as risadas de paquera que Anne daria a eles? O que faria se um deles se atrevesse a beijá

la, tocar aquela mão que ela deslizou em seu rosto e acariciou?

Então, bastou imaginar que outro homem sentiria os lábios que ele beijou e tocaria aquela mão que ela levou a sua bochecha, para a raiva se apoderar dele fazendo seus olhos azuis ficarem negros.

?Milorde? ? Kilby disse depois de abrir a porta.

?O que?! ? Ele gritou de maneira inadequada.

E depois daquele rude tom de voz todo o esforço que ele fez, durante a tarde e à noite anterior para que ambos permanecessem calmos, foi

eliminado de uma só vez.


XIII


Logan estava tão rígido e pálido quanto uma das esculturas brancas de marfim que adornavam a entrada da biblioteca. Ele permaneceu perplexo e mudo por alguns minutos. Durante esse tempo de silêncio, olhou para a expressão nos olhos cinzentos de Kilby e viu a mesma confusão neles. Por que diabos agiu de uma maneira tão brusca? Nunca ficou bravo com seus servos. Ele os tratava como parentes, os considerava pessoas como ele, mas agiu instintivamente ao pensar que outros homens tentariam seduzir Anne. Todo o seu domínio desapareceu e surgiu uma falta de controle que o transformou em uma besta sedenta de sangue. Quanto ela poderia significar para ele? E por quê? Por que sentir algo estranho com apenas dois míseros beijos? Ou talvez a resposta estivesse na visão que teve quando a tocou. O

tinha enfeitiçado? Estaria sob a influência de um feitiço? Apertou a mandíbula e os punhos, aumentando a raiva que havia brotado. Não se tratava de magia ou feitiço. O que sentiu por dentro foi... ciúme! «Eu não posso ficar sem ela, - ele lembrou as palavras de seu irmão. - Toda vez que ela sai do meu lado, percebo como minha alma deixa de ser completa. Sou possessivo, egoísta, ciumento e dominador, mas Evelyn sabia disso desde o momento em que a descobri naquele vestido vermelho. Ela é minha, só minha, até que eu pare de respirar ".

Logan abriu aqueles dedos rígidos que haviam formado dois punhos duros e os esfregou em seu rosto com desespero. Ele não se parecia em nada com seu irmão. Sua situação com aquela mulher era diferente: Anne não pertencia a ele, não tinha nada com ela, exceto o acordo que iam fazer.

No entanto, a imagem mental que sua mente oferecia de outros cavalheiros tentando cortejá-la, o levou a uma extraordinária loucura. Por quê? Alguma vez se importou tanto com uma mulher para que fosse dominado pelo ciúme? Não, nem mesmo com Rose havia acontecido. Conhecia as escapadas amorosas que a viúva fazia quando ele estava navegando e o que acontecia quando desembarcava de uma longa viagem? Ele ficava com raiva? A censurava por não o respeitar? Não. Nem uma vez ele mencionou isso. A única coisa que acontecia, quando ele chegava a Londres, é que ocupava a cama que outros homens tinham visitado durante sua ausência, não se importando com nada além de satisfazer o prazer sexual de que seu corpo precisava.

?Milorde, as Senhoritas Moore chegaram, ? informou Kilby, percebendo que seu senhor era incapaz de falar, um ato tão impróprio nele.

E todo o controle que insistiu em reaver foi reduzido a nada quando confirmou que elas estavam no corredor e que ouviram sua explosão.

?Desculpe minha reação, Kilby, foi totalmente inapropriada, ?

disse ao seu mordomo enquanto se levantava da cadeira. ? Se puder ter a

gentileza de fazê-las entrar. Irei recebê-las agora mesmo, ? acrescentou enquanto caminhava ao redor da mesa.

?Claro, ? disse o mordomo.

O empregado se virou devagar e olhou para o lugar onde as jovens estavam paradas. Seus corpos estavam tão rígidos quanto um tronco de árvore e seus rostos estavam pálidos. Ele deu vários passos em direção a elas, esboçou um sorriso, minimizando o que aconteceu e falou no tom mais caloroso que poderia oferecer.

?Podem entrar, o visconde as atenderá como haviam combinado.

Mas nenhuma delas entrou na sala, estavam presas no chão que haviam pisado antes de ouvirem o tremendo grito de Sir Devon.

?É melhor voltarmos outra hora, ? disse Mary, pegando a irmã pelo braço para puxá-la para a saída. ? Como vimos, o visconde não está de muito bom humor.

?Senhoritas, por favor, milorde deseja ajudá-la...

Percebendo que não mudariam de ideia, Kilby virou-se para a porta da biblioteca, viu que o visconde se posicionara no meio da sala, arregalou os olhos e disse:

?Milorde, a senhorita Moore está saindo.

Logan reagiu depressa. Saiu da biblioteca e não parou até estar na frente delas. Respirou fundo, abaixou a cabeça ligeiramente, em sinal de

arrependimento, e estendeu a mão direita para as irmãs.

?Senhoritas Moore, eu imploro seu perdão. Não pretendia assustá-las. Juro que a terrível falta de controle não se deve à sua presença. Apenas que, quando meu servo entrou, eu estava revendo algumas contas do meu barco que pareciam excessivas para mim. Peço-lhes que esqueçam esse comportamento inadequado e não partam.

?Excelência, não deve se desculpar, está em sua casa e pode fazer o que quiser. Nós é que não devemos ficar aqui. Se concordar, voltaremos em outro momento. Um em que não esteja tão incomodado com os pagamentos excessivos, ? Mary disse desconfiada.

?Eu imploro, ? ele disse olhando para Anne, que expressava um grande medo em seus olhos. ? Prometo que não vou incomodá-las e que meu tom não subirá mais do que o que ouve agora.

?Anne? ? Mary perguntou, notando que ela estava tão paralisada que nem se movia para a porta de saída, nem desviava o olhar do visconde.

?Eu lhe imploro, não saia. Me dê uma chance, ? Logan insistiu.

Anne observou silenciosamente o visconde. Primeiro contemplou seu rosto, notando o desespero que apresentava; seus lábios permaneciam firmes, assim como sua mandíbula. Ele tinha um profundo vinco na testa, o que aumentava sua expressão de angústia. Notou até o movimento suave que

as narinas faziam quando ele respirava. Então continuou, discretamente, pelo resto do corpo. Aquele terno se agarrava ao seu corpo como se quisesse mantê-lo prisioneiro. Uma de suas mãos estendeu a mão para ela, convidando-a a aceitar seu pedido. Mas o que a deixou intrigada foi a leve inclinação de seus joelhos. Dava a impressão de que estavam prestes a tocar o chão, para se ajoelhar diante delas para que pudessem perdoá-lo. Embora fosse apenas uma percepção falsa, porque aquele homem, que emanava domínio, segurança e bravura, não poderia exibir tal atitude submissa. Ela ergueu o queixo, confrontando sem medo naqueles olhos claros que a encantavam toda vez que olhava para eles e, depois de respirar, finalmente respondeu ao que perguntava.

?Nós aceitamos suas desculpas, Excelência. ? Imediatamente ouviu como Mary bufou em negação. —Mas, se em qualquer momento nos sentirmos desconfortáveis, sairemos e nunca mais retornaremos, ? ela disse, assumindo a integridade que desenvolveu por ser a irmã mais velha.

?É claro, ? disse Logan, exalando todo o ar que retinha em seus pulmões e desenhando, pela primeira vez, durante essa aproximação, um grande sorriso. ? Se fizerem a gentileza de me acompanhar, vou levá-las para a biblioteca.

Ele colocou a mão, que ele havia estendido para cumprimentá-las e que não haviam aceitado, nas costas e com a outra, ele apontou o caminho,

convidando-as a irem na frente. No entanto, as irmãs não se mexeram, continuavam paradas. Depois de deduzir que não seguiriam o protocolo habitual de cortesia, decidiu esperar que ambas se colocassem ao seu lado. Como iguais. Embora fossem burguesas, essas mulheres eram tão orgulhosas quanto qualquer aristocrata masculino. E embora ele devesse ter ficado surpreso, depois do que aprendeu através de Philip, não estranhava nada.

?Gostam de flores? ? Lançou a pergunta no ar. ? Elas foram colhidas em nosso jardim. Minha cunhada, a marquesa de Riderland, ficou encarregada de plantá-las quando comprei a residência.

?Sim, elas são lindas, ? respondeu Mary cortês. ? Apesar de não prestar muita atenção a elas. É minha irmã Elizabeth que ama jardinagem.

?Ah, pequena Eli! ? Logan exclamou, esperando que essa maneira afetuosa de falar sobre a terceira irmã quebrasse a tensão no ar.

?É assim que a chamamos em nossa casa, ? resmungou Mary. ? É íntimo demais para...

?Não me entenda mal, ? ele disse parando em seco. ? Sua irmã é a melhor amiga da minha e depois de descobrir esse laço afetivo, ela se tornou uma pessoa muito importante para mim. Como bem sabe, nem todo mundo é respeitoso com os herdeiros de Bennett.

?A fama que precede seu sobrenome é um pouco peculiar, ?

Mary insistiu. Ela notou como Anne agarrou seu braço para silenciá-la. Mas não estava disposta a manter meus lábios fechados como ela. Tomaria as rédeas da situação, já que sua irmã não era capaz de fazê-lo depois do impacto que sofrera ao vê-lo.

?Sabe que as pessoas costumam falar sem conhecimento de causa? ? Logan respondeu de uma maneira estudada.

?O que dizem sobre seus ancestrais é falso? ? Mary comentou, estreitando os olhos.

?Todos nós temos um caráter próprio, senhorita Moore, ?

explicou Bennett, de pé junto ao batente da porta e apontando para a entrada,

? e não é justo que todos sejam julgados com o mesmo martelo. Não se sentiu discriminada em algum momento?

?Em alguns... ? disse recordando todas aquelas situações que poderiam se equiparar à quantidade de estrelas no céu.

?Uma comparação apropriada, para explicar meu raciocínio, é argumentar que por ser mulher, não possa superar o intelecto de um homem.

E nesse momento, Mary abriu bem os olhos, deu um leve sorriso e afastou a mão da irmã, que não parava de machucá-la.

?Acha que as mulheres podem superar um homem em inteligência? ? Ela perguntou, atordoada e animada.

?Sabe ler? É capaz de manter em sua cabeça algo mais do que banalidades? Já ouviu conversas tão absurdas que poderia refutá-las com os olhos fechados? ? Logan continuou corajosamente.

?Sim, ? ela respondeu com um suspiro suave.

?Certamente, senhorita Moore, é mais inteligente do que muitos dos cavalheiros que conheço, ? disse ele antes de insistir para que entrassem na biblioteca.

Feliz por esse comentário, Mary ultrapassou Anne e entrou no lugar mais agradável para ela. Sem dúvida, esse homem não era comum. Não apenas pelo que havia indicado, mas também pelo que guardava naquela sala.

Poderia abrir mais os olhos? Não, porque se o fizesse, eles cairiam no chão e parariam de observar a parte mais bonita da vida. Depois de olhar para as duas esculturas que o visconde tinha em cada lado da entrada, que para seu gosto eram um pouco ousadas por mostrar, sem pudor, dois corpos nus de mulheres, fixou os olhos naquilo que ansiava descobrir e ficou tão surpresa que não conseguia respirar. Centenas, milhares de livros, colocados perfeitamente em prateleiras de madeira escura, variando do chão ao teto, encontraram-se na frente dela e todos gritavam para ela tocá-los.

?Mary, se comporte, ? murmurou Anne quando passou por ela, que andava como se pedras tivessem sido colocadas em suas meias.

Depois de grunhir baixinho, desviou os olhos daqueles belos

tomos e acompanhou sua irmã até as duas cadeiras em frente a uma mesa grande. Passaria muito mal o tempo. Péssimo! Porque de onde estaria sentada, a visão daqueles maravilhosos livros ficaria longe dela nos próximos minutos.

?Se fizerem a gentileza de se sentarem, ? Logan disse quando as viu em pé ao lado das cadeiras.

Enquanto as irmãs se acalmavam, ele deu a volta na mesa, sentou-se e afastou os papéis, aqueles que, supostamente, lhe deram a tremenda raiva, e aproximou a pasta na qual Arthur Lawford havia escrito o contrato que iria oferecer a Anne.

Uma vez que estava na frente dela, não conseguia parar de olhá

la. Ela estava linda naquele vestido rosa e os cachos tocando seus ombros nus, fazendo com que ele quisesse afastá-los para tocar a pele sedosa. Sem dúvida, Anne era uma mulher muito sedutora. Não só por causa de sua figura, que, apesar de muito alta, mostrava perfeita elegância, mas também por causa dos seus olhos, do formato de seus lábios, do modo como tocava o tecido daquele vestido..., no entanto, faltava alguma coisa. Logan não sabia exatamente o que sentia que faltava nela. O que chamou sua atenção na primeira vez que a viu? O que tinha em comum com a segunda? ? A cor laranja... ? ele pensou. Hoje ela deixou a essência de seu sangue cigano em sua casa.

Anne era incapaz de abrir a boca para falar. Ela ficou atônita olhando para ele sem piscar. Seus cabelos escuros novamente estavam presos com uma fita preta. Seus olhos azuis brilhavam com entusiasmo. A barba, apesar de estar maior do que na última vez, continuava afastada de seus lábios, mostrando a forma de coração que a atraía tanto. O terno combinava perfeitamente com seu corpo esbelto e a convidava a observá-lo até que ficasse cega. Embora, sem dúvida, o que estava prestes a fazê-la desmaiar fosse que, quando desabotoou os botões de sua jaqueta para se sentar, pôde ver muito de perto como o colete se agarrava a seu peito largo e forte. Como poderia ser tão magnífico? Cultivaria seu corpo como a maioria dos aristocratas? Qual esporte gostava de praticar? No entanto, enquanto essas questões surgiram em sua mente, seus olhos não paravam de contemplá-lo até que se concentraram em um detalhe. Um que chamou sua atenção. No bolso daquele impecável colete cinza de pérolas, logo atrás do lenço azul para combinar com o terno, viu a ponta de um papel de cor sépia. Naquela extremidade, naquele canto minúsculo, quase imperceptível, havia um ponto verde. O que seria esse minúsculo papel? O que seria tão importante para que carregasse escondido perto de seu coração?

Mary esperou que qualquer um deles começasse a conversa pela qual tinham ido, mas eles não o fizeram. Ambos estavam em silêncio, pensativos e olhando um para o outro sem piscar. Com o canto do olho

observou sua irmã e suspirou. Por que o visconde a inquietava tanto? Ainda estava assustada com o grito? Ou estava desconfortável em um lugar que exalava tanta masculinidade? Ela, por outro lado, se sentia muito calma. Talvez o fato de descobrir que esse homem não era como os outros e que pudesse valorizar o intelecto de uma mulher de uma maneira diferente a relaxasse. Mas sem dúvida ela teria que fazer algo antes que a situação se tornasse mais desconfortável. Mais uma vez teve que interceder em algo que não lhe dizia respeito e não a importava em nada.

?Segundo nossos pais, encontrou uma maneira de colocar Anne em seu lugar de direito nesta sociedade, ? disse ela depois de esticar a saia de seu vestido cinza.

?Certo, ? disse Logan, olhando para ela e agradecendo que o silêncio constrangedor foi finalmente interrompido. ? Como sabem, seu pai veio me ver para propor um acordo: o de embarcar com a mais velha de suas filhas na minha próxima viagem. Era de se esperar que eu recusasse, já que velejar com uma mulher em um navio cheio de homens é uma loucura. No entanto, devo confessar que a angústia expressa por seu pai naquela noite me deixou intrigado, por isso perguntei sobre a senhorita, ? disse ele olhando para Anne. ? Porém a única coisa que encontrei sobre sua pessoa, foram as mortes trágicas de seus dois prometidos e o talento que tem como retratista.

?Por que fez uma coisa dessas? ? Mary interveio rapidamente.

Se para seu julgamento, a recepção foi catastrófica, o fato de que comentasse a pior parte de Anne rematava sua má escolha.

?Foi estranho para mim que o Sr. Moore, cuja reputação como um homem sábio e protetor de sua família é memorável em Londres, desejasse afastar uma de suas amadas filhas.

?Como disse, após as infelizes mortes, Anne não recebe o reconhecimento merecido como artista e todos pensamos que, se ela sair daqui, encontrará um futuro melhor em outra cidade, ? resmungou Mary.

?É lamentável que as pessoas não sejam valorizadas por seus méritos e sim pelo berço em que nasceram ou pelo gênero. Mas é ainda mais horrível que sejam acusados por algo que não fizeram, ? disse ele solenemente.

?Estamos de acordo novamente, ? disse ela com mais calma.

?Como eu estava dizendo, ? ele continuou, sua voz lenta enquanto entrelaçava os dedos, ? depois da visita do Sr. Moore, senti a necessidade de devolvê-la para esclarecer pessoalmente minha decisão e fazer chegar as suas mãos o envelope com o pagamento que me ofereceu.

? Quando não o encontrei na residência, decidi que, apesar de ser mulher, sua esposa teria a mesma capacidade que ele para que pudesse apresentar minha decisão e estabelecer um acordo, ? enfatizou desconfiado.

?Um acordo, ? disse Anne. ? Conforme disse nossa mãe,

depois da conversa que teve com o senhor, ambos estabeleceram um acordo.

?De fato, ? ele disse em um tom calmo. ? E essa é a razão pela qual a chamei. Sei como posso ajudá-la a encontrar a reputação que deseja e fazer todo mundo esquecer seu passado.

?Poderia ser mais concreto? ? Mary interveio, que, apesar de tentar não virar a cabeça para os livros que insistiam em olhar para ela, não conseguiu evitar. Era como se sussurrassem para que se levantasse da cadeira, que os deixasse sozinhos e se colocasse na frente deles para tocá-los com as pontas dos dedos.

?Até agora, quem retratou, senhorita Moore? ? Logan perguntou a Anne, olhando para ela sem piscar.

?Quase todas minhas encomendas foram feitas por membros da aristocracia e da burguesia de Londres, ? respondeu com dignidade. Eles...

?Eles ou... elas? ? Logan interrompeu, levantando a sobrancelha direita.

?Elas, claro. Nenhum cavalheiro quer uma mulher para retratá

lo. Eles preferem artistas de seu próprio gênero para evitar controvérsias, ?

explicou ela, movendo-se desconfortavelmente em seu lugar.

?Eu temia isso... -- disse Logan acariciando a barba. ? Mas não sou um homem que tem medo da controvérsia. Como já deixamos claro, os Bennett não temem nem os rumores nem as controvérsias geradas nessa

sociedade. De fato, até o presente, sempre fizemos o que queríamos sem discernir o resultado que terá no futuro.

?No entanto, a família Moore sempre se manteve discreta, ?

disse Anne, estreitando os olhos.

?Não tenho a menor dúvida. Tanto seu pai como o resto da família são muito bem considerado entre os seus pares, ? ele argumentou com um certo encantamento. ? Senhorita Moore, algo está errado? Está chateada? Quer pegar algo da bandeja? Eu a noto distante, como se não quisesse estar aqui, ? ele perguntou a Mary, que estava observando as estantes de livros desde que ele começou a falar.

?Desculpe minha indiscrição, excelência. Estava apenas admirando sua biblioteca. ? Ela se desculpou enquanto tentava acalmar seu rubor.

?Gosta

de

ler?

?

Logan

perguntou

com

algum

entusiasmo. Talvez nem tudo estivesse perdido. Talvez o destino lhe desse uma segunda chance de estar sozinho com Anne.

?Sim milorde, ? disse Mary, um pouco embaraçada.

?Foi o que entendi... ? comentou enquanto se levantava.

?Também perguntou sobre mim? ? Ela retrucou com raiva. ?

Porque motivo?

Nesse momento, suas bochechas não mostraram rubor por causa

da vergonha, mas da raiva.

?Não perguntei sobre a senhorita, ? disse ele, virando-se para ela. ? Mas asseguro-lhe que testemunhei conversas nas quais era o assunto principal.

Não mentia. Ele e Philip haviam falado sobre ela, embora ele tenha preferido, naquele momento, referir-se à descoberta do amigo na tarde anterior, em vez de como ele a descreveu depois do primeiro encontro.

?Nem tudo o que eles dizem é verdade... ? ela resmungou. ?

Há muitas pessoas entediadas nesta cidade e usam esse tempo livre para falar sobre as falhas dos outros, ? ela argumentou com altivez.

 

?Deve me deixar dizer que a última conversa que ouvi sobre a senhorita foi muito interessante e não encontrei nada de depreciativo sobre ela, ? disse Bennett, esperando por sua reação.

?Então não falavam sobre mim, milorde, ? disse Mary com raiva. ? Não sou uma mulher que tenha um grupo de amigos, mas sim inimigos e, até onde sei, os inimigos geralmente não exaltam as virtudes das pessoas, mas os defeitos.

?Então, a senhorita não é a filha que acompanha o Sr. Moore nas assembleias que a associação médica realiza todos os meses? ? Ele insistiu, mantendo uma distância adequada para que a segunda das irmãs não se sentisse encurralada ou intimidada.

?Sim, ? ela disse, erguendo o queixo com orgulho.

?Portanto, eu confirmo que a senhorita é aquela de quem foi falado. Pelo que entendi, tem uma mente privilegiada e não é valorizada como merece. Embora eu deva declarar que a pessoa que me informou sobre suas façanhas ficou zangada com o despotismo masculino e gritou em voz alta que uma mulher tem os mesmos direitos que um homem.

Naquele momento, Mary estendeu tanto os lábios que os cantos quase tocaram os brincos de pérola que ela usava, as mãos relaxaram, ela começou a respirar calmamente e um brilho de felicidade apareceu em seus olhos.

?Comentaram isso? ? Retrucou surpresa.

?Sim, ? disse Logan, não só com aquele monossilábico, mas também com um leve aceno de cabeça. ? Mais de um distinto cavalheiro pediria sua ajuda se adoecesse. Pelo que entendi, tem um dom maravilhoso para a medicina e, infelizmente, muito poucos sabem apreciar.

?Obrigada por suas palavras, Excelência, e tenho que dizer que o senhor está certo. Eles ainda não me permitem entrar para a associação, mesmo que meu conhecimento de medicina exceda o do aluno mais notável,

? ela declarou com tal felicidade, que Anne teve que piscar duas vezes para estar ciente de que não estava vivendo um sonho.

O que Elizabeth avisou sobre o visconde? Que era um libertino,

que seduzia mulheres com sua habilidade de falar e que todas acabavam se rendendo diante dele. Bem, por mais improvável que parecesse, ali estava Mary, a irmã mais mal-humorada de todas, movendo os cílios como as asas de uma borboleta e sorrindo tanto que seus lábios seriam danificados.

?Gostaria de mostrar-lhe o maior tesouro que tenho, se não se importar, ? ele disse a Mary, estendendo a mão. ? Muito poucos podem avaliar um livro semelhante e tenho certeza de que a senhorita está entre esse pequeno grupo.

?Medicina, filosofia, aritmética? ? Mary perguntou sem respirar quando aceitou a mão, que a segurava como se ela fosse uma linda e tenra fada.

Entretanto, Anne não saia de seu assombro. O que devia fazer?

Seria apropriado se levantar e lembrá-los de que deveriam se concentrar no acordo e não desviar o assunto? Que imagem mostraria ao visconde? A de uma pessoa egoísta e egocêntrica. Então, para seu espanto, ela decidiu ficar quieta enquanto assistia à ilusão de Mary. Embora fosse incrível, esse homem estava conseguindo de sua irmã o que ninguém havia conseguido: entusiasmar e lisonjeá-la. Apenas em sua casa, e quando seu pai lhe trazia um novo livro ou conversava sobre o tratamento de outro paciente, Mary mostrava esse brilho em seus olhos.

?Medicina, claro, ? respondeu Bennett, sorrindo docemente. ?

Uma mente como a sua certamente apreciará o que mantenho com o maior cuidado.

?Isso me deixa sem palavras, milorde, ? disse Mary depois de suspirar e adotar um tom de voz incrivelmente gracioso. ? Mas não acho que deva.... Nós viemos para que o senhor...

?Por favor, senhorita Moore... ? ele insistiu com bravura.

?Mary, pode me chamar de Mary, sua Excelência, ? sugeriu, revelando um toque de timidez em suas palavras.

?Só se concordar em me chamar de Logan. E tenho que explicar que será uma grande honra para mim poder manter um relacionamento tão cordial com uma mulher tão inteligente. Além disso, pode me adicionar a essa interminável lista de pacientes aos quais deve curar.

E naquele momento, Mary soltou uma gargalhada enorme.

O que estava acontecendo? O visconde cortejava Mary sem se importar com sua presença? Anne, zangada, apertou as mãos, transformando-as em dois pequenos punhos. Ela não estava disposta a vê-los flertar, nem ouvir as palavras sedutoras do visconde. Abriu as palmas das mãos e sentiu um leve conforto quando parou de cravar suas unhas. Se mexeu na cadeira, se virando para eles. Devia parar aquela cena ipso facto[6] ou teria que dar muitas explicações para sua mãe. Mas no momento em que abriu a boca para interrompê-los, os dois estavam em frente à grande estante e apreciou a

expectativa de sua irmã. O que havia de errado em permitir a ela um momento de felicidade? Se o visconde não fingia sua atitude, Maria devia se sentir, pela primeira vez, a princesa de uma história. Então ela se virou e fixou os olhos nos papéis que o visconde tinha sobre a mesa. A melhor opção era deixá-los sozinhos enquanto recapitulava o pouco que ouvira sobre o assunto que a trouxera.

?Não sei se já ouviu falar dele, ? disse Logan, virando as costas para Mary para procurar aquele volume muito apreciado. ? Porque é muito jovem...

O som de um sorriso fez Bennett se virar para Mary, mas não era ela quem ria baixinho, mas Anne. Então, afastou os olhos da acompanhante e os pregou nela. Por alguns segundos, a mais velha das irmãs não olhou para ele, no entanto, notando que era observada, virou o rosto levemente para e, quando seus olhos se encontraram, Logan a olhou tão apaixonadamente que ela corou instantaneamente.

«Eu estarei com você em breve, querida -- ele pensou. E quando tivermos a intimidade que quero, essas bochechas nunca mudarão de cor».

?Eu sou, ? Mary respondeu à sugestão sobre sua idade.

Enquanto os olhos do anfitrião estavam em sua irmã, os dela não conseguiam fugir dos volumes desses livros. «Poderia bater palmas? Seria apropriado uma mulher de vinte e cinco anos realizar um ato tão infantil»?

?Acredito que esteja aqui... ? Bennett murmurou assim que voltou para a tarefa de encontrar o livro. ? Aha! É este! ? Ele pegou com cuidado e levantou a capa gentilmente. ? O próprio médico deu ao meu avô.

Aparentemente, ele era um dos patronos do Sr. Huxham, ? ele especificou.

?É um livro de John Huxham? ? Ela gritou, arregalando tanto os olhos que eles podiam sair de suas órbitas.

?O mesmo, ? disse Logan, estendendo a cópia para ela. ?

Pode tocá-lo, ? insistiu ele quando viu que as mãos dela tremiam tanto que não ousava colocá-las sobre ele. ? Se quiser, se gostar tanto deste assunto, pode lê-lo enquanto converso com sua irmã.

?Eu não deveria... ?Mary comentou, incapaz de tirar os olhos do título do livro. ? Minha mãe confiou-me a tarefa de cuidar dela e, se descobrir que passei todo o tempo lendo, queimará todos os livros que tenho em casa.

?Mas ela não precisa saber disso, não é? ? Perguntou tentadoramente. ? Sua irmã não revelará esse segredo e se encontra diante de um cavalheiro que cumpre suas promessas, ? ele insistiu, colocando o volume nas mãos de Mary. ? Além disso, vamos ficar na mesma sala e pode nos observar daqui, ? acrescentou. Vendo que ela ainda estava duvidando, ele adotou uma voz ainda mais sugestiva, quase como um sussurro: ? É a primeira edição do Essay on Fevers. Como bem sabe, foi publicado em...

?Mil setecentos e cinquenta, ? Mary terminou com uma voz trêmula.

?Exatamente, ? disse Bennett, afastando-se um pouco do sofá, que havia sido colocado na tarde anterior para que ela pudesse ler em voz baixa. ? Não se segure, Mary. É um livro único. Muito poucos são os afortunados que podem apreciar a beleza e a sabedoria que há nele, ? ele continuou naquela voz aveludada.

Anne ainda estava esperando pela situação. Aquele homem parecia a serpente da qual falava Gênesis. Ele estava prendendo sua irmã com aquela cópia, ele a estava afastando porque, se Mary concordasse em ler, sua mente e corpo se afastariam desse lugar. Então, enquanto ponderava sobre essa opção, ficou tensa. Ele não estaria fazendo tudo isso para que ambos pudessem falar com alguma privacidade, certo? Qual era o seu plano ao ficar obcecado por manter Mary longe? O que ele dissera antes que sua irmã o interrompesse? " Trabalhará para mim», lembrou ela.

E

nesse

exato

momento,

ela

sentiu

sua

força

desaparecer. Envergonhada, confusa e desconcertada, estendeu a mão para a mesa, onde colocaram uma bandeja de doces saborosos e pegou um. Se Mary estivesse certa, o açúcar lhe daria energia suficiente para não desmaiar de novo.

?Gosta deles? ? Logan perguntou uma vez que estava ao lado

dela. ? Minha cozinheira, a senhora Donner, se gaba de preparar os melhores doces de Londres, embora não saiba se é verdade. Nunca comi outros que não fossem os dela porque, se descobrisse que sou infiel, poderia preenchê-los com veneno como uma vingança. ? Ele pegou um igual ao que ela havia escolhido e colocou em sua boca.

?Pode dizer a sua cozinheira que ela não está errada, são deliciosos, ? disse Anne depois de tragar aquela bola doce, que havia se formado em sua garganta e que lhe custou engolir porque não tinha notado sua presença até que ele falou.

?Vou dizer a ela, ? disse ele, virando-se para Anne. Ele descansou as coxas na borda da mesa, cruzou os braços e, depois de confirmar que Mary não tirara os olhos do livro, preparou-se para continuar com o seu plano. ? Como estava dizendo, quero que trabalhe para mim.

?Quer me encomendar um retrato? ? Bennett assentiu. ? Sua irmã, a marquesa, talvez? ? Ela perguntou com expectativa.

?Não. No retrato que desejo encomendar, aparecerei sozinho. ?

Ele disse imutável, como se tivesse informado sobre as nuvens que cobriam o céu naquela manhã.

?Seu? ? Ela retrucou, surpresa.

?Pelo que ouvi da senhorita mesmo, os homens não se atrevem a posar na frente de uma mulher por causa da luxúria que isso pode

produzir. No entanto, não tenho medo de despertar qualquer interesse e, de acordo com seu pai, devo ficar longe porque é amaldiçoada. Embora depois de conhecer as verdadeiras razões pelas quais seus noivos faleceram, não tenho tanta certeza sobre isso.

Anne corou tanto que poderia acender um pedaço de papel se chegasse perto de suas bochechas. Por que ele estava se dirigindo a ela com tanta imprudência? Onde ele havia deixado àquela voz aveludada que oferecera a Mary? Respirou fundo, se acalmando quando sentiu os pulmões se encherem, levantou o queixo, olhou para ele e disse:

?Não.

?Não, senhorita Moore? ? Ele perguntou, descruzando os braços e franzindo a testa.

?Não vou aceitar o seu acordo, ? ela esclareceu.

?Não tem outra escolha, ? ele respondeu com firmeza. Prometi a sua mãe que a colocaria no lugar que merece e que a única maneira de o realizar é fazer com que os senhores entendam que, quando há talento, não se deve olhar para o gênero da pessoa.

?Se eu aceitar sua proposta, todo mundo vai falar sobre um relacionamento amoroso entre nós dois e não estou disposta a manchar meu sobrenome. Está acostumado a ouvir milhares de rumores sobre sua família, mas na minha não houve nenhum...

?Exceto por essa maldição, certo? ? Ele apontou com malícia. Se forçou a não olhar para ela. Não queria ver seu rosto zangado ou refletindo aquele desejo de dar-lhe uma bofetada na cara por sua ousadia. Precisava que ela relaxasse, que ficasse calma e que ouvisse cuidadosamente tudo o que planejava contar a ela. ? A vi na outra noite, na festa que minha irmã Natalie ofereceu quando se casou com o Sr.

Lawford. No começo pensei que tinha uma personalidade azeda e por isso que nenhum cavalheiro pediu uma dança. No entanto, após a visita de seu pai, cheguei à conclusão de que esse rumor sobre sua maldição se espalhou e a senhorita não está ciente disso.

?É discutível... ? ela comentou em voz baixa depois de entrelaçar algumas dobras da saia do vestido entre os dedos.

?O que é discutível, senhorita Moore? O fato de que eu poderia posar por alguns dias ou aquele sobre essa maldição? ? Ele perguntou. ?

Não acha que esse acordo pode ajudá-la? Ou acredita que posso morrer ficando tanto tempo ao seu lado? Prometo que não irei pedi-la em casamento, se é isso que a preocupa.

?Acha apropriado que uma mulher solteira e um homem com sua reputação permaneçam por tantos dias sozinhos? ? Ela se defendeu diante da afirmação absurda.

E essa ideia parecia muito interessante para Logan, no entanto,

ele prestou mais atenção ao tom e às palavras ofensivas que ela escolheu para descrevê-lo do que em sentir prazer imaginando-a sozinha com ele.

?Minha reputação? ? Ele disse ao dar a volta na mesa para se sentar novamente.

?Lembre-se, milorde, que todo mundo fala sobre sua atitude libertina quando sai ou retorna de suas viagens, ? ela apontou com mordacidade.

Poderia ser mais perversa? Poderia rezar aos seus ancestrais para que tirassem o seu dom para a pintura por alguns minutos e concedessem a ela o poder de aniquilar a pessoa à sua frente? Porque naquele momento estava disposta a fazer um feitiço para que parasse de respirar. Onde estava o visconde de palavras bonitas, aquele sedutor que fez Mary rir? Talvez ele tivesse desaparecido no breve e furtivo caminho até ela.

?Está certa, ? disse ele, recostando-se na cadeira, adotando a mesma postura que ofereceu quando Philip apareceu na cabine para explicar por que havia voltado para lutar com um tripulante. ? Minha reputação de libertino excede a que meu irmão, o marquês ou até mesmo meu pai, poderia possuir. Por essa razão, será interessante e benéfico para a senhorita que um homem com minha reputação de sedutor possa ficar ao seu lado sem pensar, nem mesmo um segundo, em seduzi-la e levá-la para o meu quarto, ? disse ele com firmeza.

?Ainda não entendi os benefícios do qual está falando, ? ela respondeu com indignação. Para o seu quarto? Como lhe ocorria dizer tal coisa? Ele falava para todas as mulheres com aquela sinceridade angustiante? Eli se referia a esse comportamento inadequado quando o chamou de charmoso e sedutor? Porque com ela era um homem completamente espinhoso. ? Apesar dessa abordagem, minha honra será destruída e não creio que uma pessoa decente me contratará novamente.

?Decente? ? Logan estalou, erguendo o lábio superior para enfatizar seu sarcasmo. ? Posso assegurar que não há pessoas decentes nessa cidade.

?Nós somos! ? Ela exclamou furiosamente.

?De fato, são. Por isso que seu pai me implorou para embarcá-la na minha próxima viagem para levá-la para longe de sua família e desta cidade, ? lembrou-lhe cruelmente.

?Acho que estamos perdendo nosso tempo, ? disse Anne, levantando-se. ? O acordo que oferece é insano e nunca aceitaria tal atrocidade.

?Não deve sair sem ouvir tudo o que tenho analisado, Senhorita Moore. Até agora nos concentramos apenas na minha má reputação e não quis que me explicasse, ? disse ele severamente.

?Não permitirei que manche o meu nome, milorde. Meus pais

são…

?Seus pais são como todo mundo, ? ele interrompeu, se levantando, colocando as mãos sobre a mesa e olhando para ela desafiadoramente. ? Sua mãe é cigana e eles esconderam isso por anos alegando que ela era filha de um burguês, certo? ? Anne arregalou os olhos e sentiu suas bochechas queimarem. Como eles tinham sido tão tolos em desvendar um segredo tão importante? Eles estavam tão desesperados que não conseguiam pensar com clareza?

?Para mim, a mistura que transporta esse sangue não parece repulsiva, Excelência. Tenho muito orgulho em ter a mãe que tenho e que ela pertencesse a uma comunidade cigana é insignificante, ? explicou com firmeza. ? Há muitas pessoas em Londres que são bastardos e ninguém as aponta para humilhá-las. Por essa razão, não entendo qual é a sua intenção. Quer ridicularizar o bom nome da minha família por não ser tão perfeito quanto o seu?

?Não, ? ele disse, rangendo os dentes. ? Não é minha intenção degradar seu sangue, senhorita Moore e está certa, nas ruas desta cidade andam muitos bastardos se escondendo sob ternos elegantes e títulos nobres que não merecem.

?Então? O que pretende? ? Ela retrucou, de forma agressiva.

?Quero fazer o que prometi a sua mãe: posicioná-la no lugar que

merece. Para isso vai pintar um retrato de meu e não terá que ficar sozinha, pode estar acompanhada por suas irmãs. Além disso, eu apreciaria se elas ficassem ao seu lado durante o tempo que precisar para realizá-lo. A senhorita não quer ver seu bom nome manchado, nem quero que todos pensem que tenho certas intenções com a senhorita.

Naquele momento, depois de ouvir aquelas palavras duras, Anne desabou na cadeira e se lembrou de Josephine e sua arma inseparável. Se a menina estivesse ao seu lado, teria ordenado que ela atirasse em sua virilha por ser tão cruel.

? O tio do meu cunhado, o Sr. Arthur Lawford, foi capaz de elaborar um contrato. Quero que o leia lentamente e entenda que a única ligação que pode existir entre nós se restringe, única e exclusivamente, ao trabalho. A senhorita me pinta em uma bela tela e eu vou exibi-la, elogiando seu excelente dom para a pintura e o profissionalismo que manteve durante o tempo que passou trabalhando nele ? explicou oferecendo o papel escrito pelo Administrator. ? Assim, não terá que se afastar de sua família, aumentará as encomendas e poderá ter tudo o que uma mulher deseja quando chega a sua idade.

?Não sabe quantos anos tenho, nem pode saber o que desejo, ?

disse ela com raiva.

?Vinte e sete. Nasceu no dia 14 de fevereiro, vinte e sete anos

atrás. Sua mãe, depois de dar à luz, ficou inconsciente por alguns dias e, quando acordou, contou ao seu pai que estava amaldiçoada. Também contou a ele sobre a visão que teve durante aquele desmaio. Revelou que teria várias filhas e que Elizabeth, a amiga de minha irmã Natalie, nasceria prematuramente. Estou errado, senhorita Moore? ? Ele perguntou rudemente.

Felizmente para ele, o médico disse-lhe tudo na noite que o visitou e nada tinha sido apagado de sua memória, uma vez que descobriu quem era a jovem que estava na foto. A mesma que estava atrás do lenço que usava.

?Verdade... ? ela respondeu confusa.

Como o visconde poderia ser um homem importante para ela?

Seus sonhos estavam errados! Ele não poderia ser a pessoa que iria salvá-la da maldição! Nem tão pouco que a amaria daquela maneira... O visconde era cruel, desprezível, despótico e tão petulante quanto qualquer aristocrata.

Naquele instante, se arrependia de ter sonhado com ele, de ter sentido em seus sonhos um desejo tão ardente que ainda queimava sua pele, e até queria esquecer a possibilidade de criar um vínculo entre eles. Estava fora de alcance! Como Elizabeth tinha avisado, o visconde não era o homem que ela esperava.

?Leia o acordo, ? disse ele, segurando o papel ainda mais

perto, ? e o aceite se não quiser navegar em um navio cercado por homens e lutar em cada segundo de sua viagem para que nenhum deles se aproxime da senhorita. A experiência me diz que eles acabarão arruinando a honra que orgulhosamente declara.

Anne, ainda mais zangada se pudesse, pegou o documento e leu em silêncio. Mas não conseguia se concentrar no que estava escrito. Sua mente não parava de pensar em milhares de males para aquele aristocrata arrogante. Talvez devesse seduzi-lo até que acabasse se apaixonando por ela e, uma vez que pedisse para se casar com ela, como seus dois pretendentes tinham feito, ela deixaria a maldição funcionar. Ao imaginar a situação, um leve sorriso apareceu em seu rosto irritado.

?Algo engraçado? ? Logan perguntou, levantando as sobrancelhas. ? Se sim, diga-me, porque posso assegurar que li o acordo cem vezes e não encontrei nada engraçado. Para mim, é uma condenação estar vinculado a uma mulher por um período tão longo de tempo.

?Uma condenação? ? Anne retrucou, estreitando os olhos.

?Sim, ? disse Bennett sem piscar.

Antes desse comentário, ela não pensara nisso. Se a única maneira de fazê-lo sofrer era ficar com ele por um mês, seria a melhor vingança que jamais imaginara. Ela se inclinou para frente, pegou a caneta na mesa e assinou ao lado da assinatura do visconde.

?Fico feliz por finalmente concordar em algo, ? disse ela, oferecendo o documento. -- Espero fazê-lo sofrer tanto que finalmente admita a existência de uma maldição.

?Eu irei, tenho certeza, ? disse ele, pegando o papel.

Uma vez que ele contemplou sua assinatura, seu lábio superior apareceu triunfante. Conseguiu. Anne aceitava o acordo. Agora era necessário anunciar onde iriam trabalhar e como, mas isso seria deixado para o dia seguinte, uma vez que o contrato estivesse guardado com Lawford e ela não conseguisse rasgá-lo em mil pedaços.

Com o documento em suas mãos, ele se inclinou ligeiramente para ela e sussurrou:

?Este é apenas o começo, senhorita Moore. Espero que se prepare para tudo o que vai acontecer conosco.

?Isso? ? Disse Anne, levantando-se.

?Sim isso. Nosso acordo, nossas reuniões...

?Trabalho, milorde. Eu assinei apenas um novo trabalho que farei o mais rápido possível. Espero que me diga a hora e o dia certo para começar e não se esqueça de enviar um servo o mais rápido possível para minha casa.

?Para que? ? Queria descobrir.

?Terá que arcar com todas as despesas desse trabalho ?

comentou orgulhosa. ? Telas, tintas, papel, carvão, pincéis... ? ela enumerou satisfeita, esticando o pescoço para poder olhar diretamente para ele.

?Compre cinco de tudo que precisar, ? disse Logan depois de virar a cintura o suficiente para colocar o documento sobre a mesa.

?Cinco? ? Ela disse com uma carranca.

?Claro. Tenho que confessar que se não gostar de como me retratará pela primeira vez, vamos fazer um segundo e assim por diante, até que eu e esteja satisfeito, ? disse ele dando um passo em direção a ela.

?Ninguém se queixou de nenhuma das minhas obras, Excelência, e até hoje só precisei de um mês para completar os trabalhos, ?

ela respondeu arrogantemente.

?Possivelmente porque todos com quem trabalhou se contentassem com pouco. No meu caso, não é assim, senhorita Moore, ?

explicou ele, estendendo a mão, apontando a saída descaradamente. ?

Amanhã terá aquele servo à sua porta, ? acrescentou.

?Esperarei por ele com prazer, ? ela disse caminhando tão ereta para onde sua irmã estava, que acabaria machucando suas costas. ? Mary, vamos embora ? informou quando passou por ela.

Mary se levantou e observou os dois. Ela estreitou os olhos e se perguntou o que teria acontecido para que ambos mostrassem tanta raiva em

seus rostos. Eles não chegaram a um acordo?

?Excelência... ?reportou, oferecendo-lhe o livro, ? foi um verdadeiro prazer.

?Por favor, lembre-se de me chamar de Logan e não me devolva. Tenho certeza de que ele estará melhor em suas mãos do que nas minhas ? disse Bennett, devolvendo o volume. ? Aceite isso como um avanço para o acordo que estamos fazendo.

?Temos um acordo? ? Mary perguntou surpresa quando pegou o livro novamente.

?Claro. Lembre-se que a única pessoa que poderá me curar, no dia em que ficar doente, será a senhorita, ? Logan disse com um meio sorriso.

?Eu ficarei encantada, Logan, ? ela respondeu, fazendo uma ligeira reverência antes de ficar ao lado de Anne, que já estava de frente para a porta.

?Bom dia, senhoritas Moore, ? disse o visconde, incapaz de tirar aquele sorriso do rosto. ? Logo terão notícias minhas.

?Milorde, se me permite o atrevimento ? disse parando na metade do caminho e virando-se para ele ? quero dizer que foi um prazer conhecê-lo e descobrir que há no mundo um cavalheiro que entende as mulheres que não querem ser simples vasos.

?Garanto que conheço outro cavalheiro que raciocina de uma maneira similar, ? argumentou Logan antes de estender a mão para ela para se despedir como se ela fosse uma dama de alto nascimento.

?Estarei ansiosa para conhecê-lo, ? ela disse depois de aceitar o beijo casto em seus dedos.

?Talvez já o tenha feito, ? disse ele em um tom misterioso.

No momento em que Mary ia perguntar o nome do cavalheiro, sentiu uma grande pressão no braço. Anne estrangulava suas veias, tendões, músculos e poderia quebrar seus ossos se continuasse a apertá-los daquela maneira. Depois de mostrar ao visconde um último sorriso, porque ele parecia ser o homem mais encantador do mundo, se colocou ao lado de sua irmã e deixou a biblioteca.

Em silêncio, as duas caminharam em direção ao corredor. Kilby lhes devolveu os casacos e ficou surpreso ao notar que, após a reunião, quem mostrava um rosto duro antes, naquele momento exibia tanta felicidade e gentileza que parecia outra mulher.

?Ele é um homem adorável, ? disse Mary quando o cocheiro abriu a porta para elas. ? Agora entendo a razão pela qual todas as mulheres caem em seus braços.

?É petulante, arrogante, elusivo, severo, frio, insensível e....

?Nós falamos do visconde? ? Mary retrucou, arregalando os

olhos.

?Nós conversamos sobre ele, sim, ? murmurou Anne depois de se sentar.

?Acho que perdi algo interessante enquanto lia esse magnífico ensaio, ? concordou Mary, incapaz de desviar o olhar da irmã.

?Perdeu tudo, como sempre, ? ela murmurou, se recostando no banco.


XIV


Quando voltaram para casa, Anne esperava encontrar sua mãe e o resto de suas irmãs na porta, ansiosas para descobrir o que teria acontecido. Mas não havia ninguém lá, exceto Shira, que pegou seus casacos e informou que estavam esperando por elas na sala de jantar. O tempo passara muito depressa, tanto que não percebera que haviam ultrapassado as duas da tarde e que a família costumava almoçar às 13h30. Quando elas apareceram, todos os olhos estavam nelas. Mary, faminta como sempre, caminhou até a cadeira, escondendo o novo livro nas costas, sentou-se e permaneceu em silêncio enquanto era servida. No entanto, Anne não conseguia pensar em levar nada à boca. Seu estômago permanecia fechado e a única coisa que podia engolir era uma xícara de chá para acalmar a inquietação

produzida

pelo

comportamento

atrevido

do

visconde. Lentamente, e sem tirar os olhos de sua mãe, que a inspecionava sem piscar, sentou e pediu a Eugine para servi-la da única coisa que poderia engolir. Estranhamente, ninguém falou. Permaneceram em silêncio, comendo o que tinham em seus pratos. Por que não faziam perguntas? Sua mãe avisou-os para não as fazerem até que terminassem de almoçar? Recostou-se na cadeira, depois de perceber que a criada estava se aproximando com a xícara de chá de limão, colocou as mãos em torno dela e, embora estivesse muito

quente, as segurou juntas.

?Por Deus! Quão horrível foi? ? Elizabeth finalmente perguntou, ansiosa para descobrir o que havia acontecido e ignorando o suposto comando de sua mãe. ? Não se interessou pelas condições que ele ofereceu?

?Há apenas uma condição, ? disse Anne, acariciando a borda da xícara com as pontas dos dedos da mão direita.

?Qual? ? Elizabeth insistiu em saber.

?Que ele apareça em um quadro, ? disse a mais velha das irmãs.

? Ele? ? Disse Sophia, espantada. ?Por que decidiu fazer um retrato de si mesmo?

?Conforme deduziu, depois da minha breve explanação, o fato de eu pintá-lo incitará a sociedade a valorizar minha habilidade como artista, evitando assim o absurdo preconceito de uma mulher retratar um homem sem cair na luxúria. ? Informou.

?Firmou esse acordo? ? A mãe perguntou.

?Sim, embora no começo tivesse minhas dúvidas sobre como ele me tratou ? disse ainda irritada com o que havia experimentado.

?Não exagere, ? rebateu Mary. ? O visconde se comportou de maneira educada durante nossa visita.

?Tem certeza? ? Ela perguntou, franzindo a testa. Teria se esquecido de como agiu quando elas chegaram? Sim, deve ter esquecido quando ele lhe deu o livro que ela segurava nos joelhos, fora do alcance dos olhos da mãe.

?Não me lembro dele ter feito nada inapropriado quando entramos na biblioteca, ? comentou com um tilintar. ?Mas é verdade que Anne, depois do que aconteceu ontem, estava predisposta a recusar tudo o que o visconde oferecesse. Sabe a mudança que sofreu desde que seu primeiro pretendente morreu. Não é a mesma de antes...

?Bobagem! ? Exclamou a vítima. ? Ela fala assim, porque a verdade é que ele a tratou com muito carinho, demais pelo que percebi. No entanto, quando se dirigiu a mim, foi cruel e despótico ? ela se defendeu.

?Acho que a atitude que manteve ao seu lado foi muito sensata,

? Sophia ponderou enquanto colocava os talheres no prato vazio. ? O

visconde quis colocar alguns limites desde o início e não deveria recriminá

lo, mas agradecer a ele. Outro, em seu lugar, teria tentado seduzi-la e esquecer por que apareceu em sua residência.

?Viu! Eu não disse! ? Exclamou Mary exultante. ? Se o boato sobre ser um libertino fosse real, ele não teria se comportado dessa maneira. A única coisa que ele tentou, com suas palavras e ações, foi confirmar que não o atrai de nenhuma forma e que a única coisa que os unirá

no futuro será a relação de profissional que aceitou. Além disso, depois de fazer referência à sua reputação, pediu que ela não aparecesse sozinha.

Qualquer uma de nós pode acompanhá-la sempre que quisermos, ?

acrescentou com um sorriso enorme. O fato de Anne ter contado a ela durante a viagem o que tinha acontecido, a ajudou para que sua mãe não a repreendesse por ter ficado distante.

?Logan

nunca

age

assim,

?

Elizabeth

interveio

novamente. Quando sua mãe franziu a testa ao ouvir o nome do visconde daquela forma familiar, pegou o guardanapo, limpou os lábios com cuidado e continuou: ? Ele não permite que as mulheres apareçam em sua casa. É

verdade que está relacionado a elas, com muitas, como dizem, mas nenhuma, exceto aquelas que compõem sua família, visitam a residência Whespert. Devo acrescentar também que ele não fala sobre sua vida particular, não é um homem que se orgulha de suas conquistas. Por essa razão, não entendo por que ele mencionou sua vida libertina, ? ela disse, olhando para Anne.

?Bem... talvez eu tenha dito a ele sobre a fama que o precede em Londres e, por essa razão, quis me lembrar que uma maldição recai sobre mim para levar em conta. Ele também deixou claro que não há espaço para um relacionamento romântico entre nós, apenas trabalho, se ele quiser continuar vivendo, é claro ? disse Anne, olhando para a xícara de chá.

?O que disse, Anne Moore? ? Sophia gritou de espanto. ? Foi capaz de olhar o visconde no rosto e censurá-lo pela vida que ele leva?

?Não me repreenda, eu apenas insisti em avisá-lo que não haverá nada entre nós, exceto o acordo que assinamos. Além disso, o que as pessoas vão pensar se me virem em sua casa todos os dias? Um libertino nasce e morre sendo um libertino, nada o fará mudar. Eles são como corvos que se lançam em tudo que brilha, no caso do visconde, a todo ser humano que usa um vestido. E, para que não houvesse dúvidas, me parecia coerente, para a família e para mim, esclarecer certos pontos inflexíveis entre nós.

?E o que ele respondeu? ? Madeleine interveio, prendendo a respiração toda vez que ouvia o tom que Anne usava para falar sobre o visconde. Talvez tenha interpretado mal sua visão e o que viu na sala na tarde anterior.

?Que estaria seguro porque eu não sentiria qualquer atração por ele, nem ele tentaria se aproximar de mim depois do que meu pai contou sobre a maldição, ? ela explicou indignada. ? Não que fosse me apaixonar por um arrogante como ele! Sabe que ele tentou me intimidar me falando sobre a mistura do nosso sangue? Como visconde, ? disse ela com sarcasmo, ? ele tem uma linhagem pura, se vê na posição de julgar os outros. Mas deixei bem claro que tenho orgulho de quem sou e de quem serei. ? Ela terminou erguendo a voz como se fosse a líder de um grupo de

combatentes.

?Disse bem! ? Josephine exclamou ao aplaudir a atitude guerreira de sua irmã.

?O

visconde

está

certo,

?

Sophia

comentou

solenemente. Quando suas filhas olharam para ela espantadas, respirou fundo e continuou: ? Apesar de se sentirem orgulhosas de sua origem, é certo que, se descobrirem de onde vem, terão muitos problemas. Temo que suas amizades desapareçam e que o trabalho de seu pai diminua. É por isso que nunca falamos com ninguém sobre minha verdadeira identidade.

?Exceto com o visconde, ? disse Anne com raiva.

?Exceto com ele, ?disse a mãe. ? Mas sei que ele é um homem em quem podemos confiar e nunca quebrará sua promessa de permanecer em silêncio. Como estão entendendo por si mesmas, seu único propósito é ajudar sua irmã e isso faz dele um homem digno da minha confiança.

?Não pensou que isso nos coloca em uma posição delicada? Porque pode chegar o dia em que esqueça essa promessa e tente nos chantagear ? acrescentou Anne com mais raiva ainda.

?Impossível! Ele nunca agiria dessa maneira indigna! Conheço a família Bennett há quase vinte anos e nenhum deles usaria tal segredo para coagir ninguém. Pelo contrário, eles nos ajudariam a protegê-lo. Não se

recordam com quem Natalie se casou? Com o sobrinho do Sr. Lawford, não menos! ? Elizabeth disse em voz alta: ? E.... sabe o que é dito sobre aquele homem? Quão longe poderia ter ido? Sem contar o romance com....

?É claro que sabemos quem é o Sr. Lawford e, nesta casa, ele sempre foi respeitado, ? interrompeu Sophia, se levantando e concluindo o almoço e o assunto que Elizabeth havia começado. ? Mas não estamos falando da vida desse estimado administrador, mas do pacto que o visconde ofereceu à sua irmã. Temos que ser coerentes com o que acontecerá se tudo correr bem, mas também devemos considerar a possibilidade de não alcançarmos nosso propósito. O fato de o visconde ter se oferecido pessoalmente para ser retratado é um triunfo insuperável. Assim que Anne terminar o trabalho e ele puder expô-lo publicamente, conseguirá a posição social que merece, ? acrescentou ela, ao começar a caminhar em direção à saída.

?Mas não pretendíamos encontrar um homem que nos salvaria da maldição? Como esse trabalho ajudará Anne? —Josephine perguntou, se levantando também.

?Se sua irmã se tornar uma artista famosa, ninguém se lembrará das infelizes mortes de seus noivos e aparecerá em nossa casa um grupo de pretendentes ansiosos para se casar com uma mulher tão esplêndida, ? ela disse se virando para suas filhas, esperando que todas se colocassem do seu

lado.

?E ela vai matá-los um por um até que o certo chegue? ?

Josephine espetou de novo, arregalando os olhos.

?Não, ? disse Sophia, aproximando da menina para acariciar sua bochecha esquerda. ? Seu pai e eu investigaremos a procedência de qualquer um que deseje ser prometido a sua irmã e não aceitaremos ninguém novamente, a menos que seja a pessoa certa para ela.

?Entendo... ? Josephine murmurou.

?Agora temos que esperar que o visconde informe a Anne quando e onde ele quer que este trabalho comece. Alguém irá querer acompanhá-la? ? Sophia perguntou.

?Vou primeiro! ? Apontou Elizabeth caminhando em direção a sua mãe. ? Ficarei feliz em ajudar minha irmã. Lembre-se de que sou amiga da família há muito tempo e ninguém questionará minha presença na residência do visconde ou na casa dos Lawford.

?Se não estou enganada em meu palpite, o visconde não vai querer que o pinte na frente de uma bela paisagem, ? disse Anne.

?Porque pensa isso? ? Mary se interessou, se aproximando de sua mãe.

?Porque tem um comportamento severo e dominante. Talvez ele sente em uma cadeira preta chique, cruze as pernas e exiba orgulhosamente

outro de seus preciosos trajes, ? disse Anne, se aproximando-se do pequeno grupo familiar.

?Não é tão petulante, ? disse Mary, ? e não deveria reclamar tanto. É afortunada por poder retratar um homem tão bonito, desta forma seu talento será aprimorado e não ofuscado.

?Bonito? ? Anne estalou, franzindo a testa. ? Os sapos da lagoa no nosso jardim são mais bonitos do que ele!

?Está falando sério? ? Elizabeth perguntou. ? O visconde é o homem mais desejado entre as damas de Londres. Todas suspiram quando o veem aparecer.

?Bem, essas damas estão confusas, ? disse Anne, cruzando os braços. ? Vi homens muito mais atraentes do que ele.

?Sim, onde? ? Interveio Mary novamente. ? Porque estive ao seu lado esses vinte e cinco anos e não vi ninguém assim.

?Meninas... ? Sophia chamou quando previu uma disputa sobre um assunto tão absurdo. ? Vamos continuar com nossas vidas. Não podemos ficar o dia todo falando sobre a aparência física do visconde. Se não me engano, antes de Mary e Anne chegarem, a três conversavam sobre tudo o que planejavam fazer durante a tarde.

?Sim, mãe, ? disseram as três citadas em uníssono.

Em silêncio, as irmãs andaram atrás de Sophia. Assim que saíram

da sala de jantar, Josephine foi ao jardim, alegando que aproveitaria o bom tempo para limpar a arma e realizar mais alguns tiros, porque, finalmente, sua punição havia sido perdoada. Madeleine foi para a cozinha, porque Eugine precisava dela para preparar o jantar e Elizabeth à estufa. Mary, Anne e Sophia estavam na escada observando os três saírem. Uma vez sozinhas, Sophia se virou para a segunda de suas filhas e ficou olhando o livro que ela guardava nas costas.

?O que está escondendo de mim, Mary?

?Eu? Nada, ? ela respondeu, corando.

?Comprou outro livro? Voltou a gastar suas economias em outro ensaio absurdo? Não disse para vir direto para casa? ? Ela perguntou com um pouco de raiva.

?Ela não comprou, o visconde deu a ela, ? disse Anne.

?Explique-se, ? perguntou Sophia.

?Sabe que Mary gosta de livros e, felizmente para ela, a reunião foi realizada na biblioteca, ? começou Anne. ? De repente, e embora ela tenha tentado, seus olhos se fixaram nas prateleiras e o visconde percebeu.

?Então ele disse que tinha ouvido conversas sobre mim, ?

continuou Mary, agarrando-se ao livro. ? E elas não falavam mal, mas bem.

?Isso é novo... ? Sophia murmurou, observando a felicidade da segunda de suas filhas.

?Portanto, nem todos os cavalheiros criticam meu conhecimento sobre medicina. Há alguém que os elogia, ? ela disse com tal satisfação que seus olhos voltaram a brilharam. ? Ele me levou a este livro e explicou que o próprio John Huxham o deu ao seu avô. Um tesouro, mãe! Uma cópia única! ? Ela exclamou eufórica.

?Por que ele lhe deu o livro, Mary? ? A mãe insistiu imperturbável para a emoção de sua filha.

?É o adiantamento de um acordo que fizemos ? confessou.

?Outro acordo? Em que consiste exatamente?

?O visconde confia na minha habilidade em medicina e me pediu que se, um dia, ele ficasse doente, eu fosse a única a tratá-lo, ? ela disse com orgulho.

?E você irá?

?Claro! Dei minha palavra e vou cumpri-la, ? ela respondeu um pouco ofendida. ? Ele sabe que o papai não vai negar isso para mim.

?Esperamos que isso aconteça daqui há muito tempo, certo? Queremos que o visconde permaneça saudável e forte até que Anne consiga a posição que merece ? lembrou-a.

?Não pensei em envenená-lo, mãe. Por enquanto estou contente em ler este ensaio e descobrir a cura para certas febres, ? ela disse sarcasticamente.

?Esse é o seu plano para esta tarde? Vai se trancar em seu quarto novamente e passar horas lendo? ? Ela censurou.

?Por acaso vê um cavalheiro ilustre na porta que queira andar comigo pelas ruas de Londres? ? Ela retrucou mordazmente.

?E mesmo se houvesse, não o aceitaria, ? sussurrou Anne divertida.

?Se não tem mais nada a me dizer, quero me retirar e encher minha cabeça com sabedoria antes que o cavaleiro misterioso apareça, ? ela murmurou, caminhando em direção à escada.

?Vou pedir a Eugine que suba quando se aproximar a hora do chá. Seria bom que descansasse um pouco. Acho que não é muito benéfico encher sua cabeça com tanta sabedoria em uma tarde ? anunciou Sophia com certa animosidade.

?Prefiro tomar uma xícara de café se.... ? Vendo o rosto zangado de sua mãe, Mary se calou e terminou dizendo: ? O chá será bom para mim e esse descanso intelectual também.

E subiu as escadas pisando nos degraus como se quisesse quebrá

los em seu caminho. Enquanto escutavam os sussurros de Mary, Sophia agarrou o braço de Anne e empurrou-a para o lado.

?Mãe? ? Ela perguntou espantada. ? O que acontece?

?Quero que me conte toda a verdade ? ela pediu.

?Eu te disse mãe. O acordo que assinamos...

?Não! Não me refiro a esse acordo! ? Insistiu. ? Por que Mary tem um livro que pode custar mais de duas mil libras? Por que tem uma opinião tão estranha sobre o visconde? Por que vejo tristeza e dor nos seus olhos? O que aconteceu, Anne?

Anne notou como seus olhos se encheram de lágrimas. Toda aquela força que mantivera até o momento, foi se eliminando pouco a pouco. Ela agarrou os braços de Sophia, olhou para ela, deixando aquelas gotas salgadas escorrerem por suas bochechas e disse:

?Alguma vez os sonhos erraram?

?Os que teve durante essas noites? ? Anne afirmou com a cabeça lentamente. ? Eu não sei... por que está me perguntando?

?Porque acho que os meus são falsos. Ele não pode ser o homem que Morgana tem em mente para mim... ? ela soluçou.

?Minha avó materna sonhou com meu avô, minha mãe com meu pai e eu com o seu.... Seria a primeira vez que algo assim aconteceria na família ? ela explicou confusa. ?Tem certeza do que diz?

?Sim. Tenho. Não sabe como é esse homem. Não nutro a esperança de manter nada com ele, exceto o miserável acordo que assinamos. Garanto que, depois de deixar a casa, meus desejos e anseios desapareceram.

?Por quê? ? Sophia disse.

?Porque ele é um aristocrata da cabeça aos pés. Além disso, asseguraria que ele seria o primeiro Bennett a destruir sua própria família.

?Talvez... ? a mãe começou a dizer abraçando-a com força ?

esteja certa e a única coisa que pode acontecer é que ele a leve ao homem que vai nos libertar da maldição.

?Se existir, se Jovenka realmente jogou essa maldição em nós, tenho que dizer que não acho que sobreviva...

?O que? ? Sophia perguntou, abrindo os olhos e afastando levemente a filha para longe dela.

?Para suportar a presença daquele homem, ? ela disse com firmeza.


***


?Quero que acompanhe a senhorita Moore pessoalmente, ?

Logan disse a Kilby depois de contar sobre o acordo a que ambos tinham chegado. ? Conforme me informou, ela tem que comprar novos utensílios.

Não economize nas despesas e, se a considerar em dúvida, lembre-a de que sou uma pessoa exigente e que nunca ficarei satisfeito com mediocridades.

?Sim Excelência. Não se preocupe, contarei à senhorita Moore o

quão meticuloso é o cavalheiro e como fica satisfeito quando se faz um bom trabalho ?disse o mordomo, de pé à mesa de Bennett.

Depois que as irmãs saíram, Kilby ficou tentado a falar com seu lorde e informá-lo de que uma delas parecia furiosa, mas não precisou abusar da confiança entre eles. O próprio visconde o chamou e explicou tudo o que havia acontecido, enfatizando o presente que ele oferecera à jovem chamada Mary, para o caso de as empregadas não o encontrarem ao limpar a estante.

?Deseja algo mais, milorde?

?Sim, ? ele respondeu, entregando-lhe três envelopes. ?

Primeiro, leve esse documento selado para Arthur Lawford, ele sabe do que se trata. A segunda é para o meu irmão Roger, quero informá-lo de que estarei fora da cidade por um mês e não quero que se preocupe. O terceiro e último é para a senhorita Anne Moore. Seria aconselhável que o lesse antes de fazer as compras. Terá que prover de tudo o que será necessário antes de sair de Londres. A cidade mais próxima de Harving House é Brighton e é cerca de uma hora de distância.

?Quer ir para a sua residência no campo? ? Kilby estalou, arregalando os olhos. ? Com a senhorita Moore? ? Ele acrescentou estupefato.

?Não virá sozinha, peço-lhe na carta que seja acompanhada por todas as irmãs que desejar. Não quero que minha fama de libertino destrua a

reputação da qual ela é tão orgulhosa, ? esclareceu amargamente.

?Muito eloquente da sua parte, mas pensou na possibilidade de que ela possa não querer viajar? Poderia se recusar a deixar a cidade por ser uma jovem solteirona. Talvez devesse reconsiderar sobre isso, milorde, ?

disse ele.

?Não terá escolha, ? ele disse, se levantando. ? Ela assinou um contrato e até mesmo o Sr. Lawford é uma testemunha, com sua assinatura nele.

?Fala do tio de seu cunhado? Aquele a quem todos procuram para conseguir o que ninguém pode fazer legalmente? ? Ele disse estupefato.

?O próprio, ? ele respondeu com certa arrogância.

?Mas... assinou um contrato de trabalho, certo? ? Ele retrucou com uma mistura de surpresa e confusão.

?Sim, Kilby, é apenas um contrato de trabalho, ? ele respondeu, esboçando um leve sorriso. ? Fui eu quem redigiu o contrato e posso assegurar-lhe que não usei uma única frase em que aparece contrato de casamento. O que aconteceu com meu irmão aconteceu há muito tempo e ele estava tão bêbado que não sabia o que assinava. Embora, segundo ele, repetiria o que fez mil vezes.

?E tem que viajar para Harving House? Não acha que a entrada

desta residência é linda? Poderia mandar os jardineiros arrumarem para uma linda pintura. Talvez se o jardineiro aparasse as sebes da entrada, a luz do sol, se fosse um bom dia, poderia atravessar a....

?Está tentando me convencer a não sair daqui? ? Ele estalou, erguendo as sobrancelhas.

?Não, milorde, ? ele respondeu rapidamente. ? Só cuido do seu bem-estar e proteção.

?E?

?E gostaria de continuar trabalhando para o senhor por muito tempo, ? disse ele.

?Teme pela sua posição? A que vem isso? O que diabos está acontecendo, Kilby? Por que mantém essa atitude estranha? ? Logan insistiu.

?Excelência, não sei se ouviu o que estão dizendo sobre a senhorita Moore.

?Qual delas? Porque são cinco irmãs, ? ele disse, apoiando os quadris na mesa e cruzando os braços.

?A pintora, claro, ? esclareceu o mordomo.

?Sim, ouvi o que é dito sobre ela e pode ficar tranquilo, a única relação que existirá entre a senhorita Moore e eu é o trabalho, ? ele disse solenemente.

?Apesar dessa afirmação, muitas donzelas que trabalham aqui, quando a viram sair, começaram a rezar e acender velas, ? ele disse em voz baixa. ? Elas dizem que é amaldiçoada e que matou seus dois pretendentes.

?E acha que vou cair aos seus pés? Ou que vá me enfeitiçar até a morte? ? Ele perguntou antes de soltar uma risada.

?Não, milorde. Tudo o que queremos, todos nós que trabalhamos para o senhor, é continuar fazendo isso por mais algumas décadas, ? disse Kilby.

?Prometo que não haverá nenhum romance estranho entre a senhorita Moore e eu, nem morrerei de uma maldição, ? disse Logan, acariciando seu fiel lacaio no ombro esquerdo. ? Lembre-se que meu sangue é Bennett e tenho muitas tentativas de assassinato nas minhas costas.

?Sim, milorde, mas até agora o Sr. Giesler cuidou de sua segurança.

?Certo! ? Ele exclamou, parando brevemente. Se virou, foi até a mesa e, depois de escrever algumas palavras ao amigo, ofereceu-a a Kilby. ? Isso é para ele. Quero que nos acompanhe na viagem.

?Graças a Deus! ? O mordomo exclamou como se uma enorme pedra tivesse sido removida de cima dele. ? Agora nada de ruim acontecerá com o senhor.

?Se diz... ?Logan murmurou, saindo da biblioteca primeiro.


XV


?Não, não e mil vezes não! ? Randall gritou desesperado depois de ser informado do acordo que Anne assinou com o visconde. ?

Como foi capaz de assinar um acordo tão descarado? ? Ele atacou sua primogênita. ? Não está ciente do que vai acontecer?

Esfregou o rosto desesperado e olhou para as mulheres. Sentia-se como um leão enjaulado, embora não estivesse cercado por barras de ferro, mas por cinco figuras de carne e osso. Ele olhou para Anne e observou-a se arrepender. Sob o vestido marrom, que ela usava toda vez que se fechava na sala de pintura, ele podia observar sua respiração sufocante. Então fixou os olhos em Mary, sentada em uma cadeira com aquele vestido cinza áspero parecendo mais uma governanta do que uma moça cheia de juventude e feminilidade. Ele continuou com Elizabeth. A terceira de suas filhas, como sempre, usava um lindo vestido verde, muito apropriado para suas feições e a cor de seu cabelo. Continuou com Josephine, que novamente mostrava uma aparência de bucaneiro com sua camisa branca e calça marrom. Tentou descobrir o que Madeleine estava usando, no entanto, sua quinta filha estava tão longe dele que não podia dizer se era um vestido vermelho com tons amarelos ou amarelo com tons vermelhos. Sem espantar sua raiva, se virou para a esposa e, depois de desamarrar o nó da gravata, que o impedia de

respirar, olhou-a suplicante e disse:

?Fale com ele e diga que não concordamos, que nossa filha não estava em seu juízo perfeito para assinar aquele maldito contrato e que decidimos inutilizá-lo imediatamente.

?Como irei fazer tamanha loucura, Randall? ? Sophia perguntou incrédula. ? Anne é uma mulher sensata e o acordo não é tão ruim.

?O que não é tão ruim? ? Ele gritou. ? Estamos falando de um visconde, um libertino, um homem sem escrúpulos e....!

?Um homem a quem se dirigiu para colocá-la em seu navio, ?

sua esposa o lembrou.

?Por acaso sou tão perfeito que não posso me dar ao luxo de cometer um erro miserável? Além disso, foi ela quem me implorou para procurar um capitão de navio para levá-la àquela maldita cidade, e o único nome que apareceu, ao pedir informações, foi o visconde de Devon ? ele se defendeu.

?Ninguém é, e nós não pedimos que seja perfeito, ? disse Mary, que ainda carregava o precioso presente em suas mãos. ? Mas é verdade que foi o senhor quem colocou o visconde em nossas vidas.

?Sim, eu não nego, no entanto, tudo que queria era que ela zarpasse em seu navio, não que se intrometesse em nossos negócios ?

Moore resmungou quando viu que nenhuma de suas filhas, ou mesmo Mary, parecia apoiá-lo nessa ocasião.

?Não parece uma boa alternativa? Realmente quer que fique longe de nós e viva em um lugar estranho? ? Josephine disse tristemente.

?Não, Josh, eu não quero que ela vá embora. Além do mais, se o negócio tivesse sido feito por outro cavalheiro, eu a levaria todos os dias até a porta principal da residência. Mas... estamos falando do visconde de Devon, de um Bennett!

?As pessoas falam sem estarem conscientes do que podem fazer com seus rumores indesejados, ? Mary concordou novamente, ? e, depois de encontrá-lo esta tarde, ele tem meu apoio absoluto. É um cavalheiro, um nobre que só quer ajudar uma pobre família desesperada.

?Diz essas palavras com sinceridade ou foi seduzida pelo que tem em suas mãos? ? Randall retrucou, levantando os óculos com um dedo.

?Estive presente durante toda a conversa, ? ela disse indignada,

? e não ouvi uma única palavra maliciosa, maldosa ou suspeita dele, ? ela disse altiva.

?Anne ? O médico perguntou a sua filha, que permaneceu em silêncio o tempo todo. ? Acha que o acordo é gratificante para você? Está realmente capacitada para passar o tempo que precise para terminar o trabalho com esse homem?

Anne ficou pálida com a compreensão do significado das perguntas. Seu pai acreditava que ela cairia no mesmo erro de quando era jovem. No entanto, após a reunião, ela saiu pronta para abater o visconde e isso não tinha nada a ver com a rendição a uma paixão que havia desaparecido nos primeiros minutos da conversa.

?Estou ? ela assegurou com firmeza. ? Além disso, como expliquei à mamãe, ele mesmo pediu que não fosse sozinha em suas propriedades.

?Josephine? ? Randall gritou, olhando para a quarta de suas filhas e pulando de seu assento.

?Sim papai? ? Ela respondeu em um tom militar.

?Conhece uma arma que tem vários canhões? Acho que vou ter que te presentear...

?Randall Moore! ? Exclamou Sophia, horrorizada. ? Não pretende usar a nossa filha para tal atrocidade, certo?

?Ela vai acompanhar Anne em todas as suas visitas e se ele tentar se aproximar de nossa filha de forma inadequada, ela tem a minha permissão para matá-lo, ? disse o pai a sua esposa.

?Chega! ? Exclamou Elizabeth indignada. ? Não está ciente sobre quem está se referindo?

?Não falamos sobre o Bennett? ? Randall respondeu, apertando

os olhos. ?Porque, se meu estado de irritação não afetou meu senso de audição, passamos mais de duas horas lidando com um problema que diz respeito a eles.

?Acha que são ogros? Eles são tão normais quanto nós! ? Ela os defendeu enfaticamente. ? Tenho frequentado suas casas desde que Natalie e eu nos conhecemos e, em momento algum, agiram de forma inadequada.

?Enquanto estava presente, ? o médico murmurou. ? Mas duvida da fama de libertino que ostenta o visconde que mencionamos?

?É verdade que ficou com muitas mulheres, no entanto, todas elas aceitaram seus abraços com prazer ? continuou seu argumento de defesa.

?Elizabeth! -- Sophia gritou quando a ouviu falar de maneira tão desrespeitosa.

?É verdade mãe. Natalie me contou, em muitas ocasiões, que seu irmão manteve várias amantes ao mesmo tempo, porque elas aceitavam.

?Acho que estamos nos desviando do assunto, ? disse Mary, que, idolatrando o visconde por ser um homem tão atencioso com ela, não gostava que falassem de tais intimidades. ? Nossa irmã só fará outro trabalho. A única coisa que este terá de especial será que ao invés da imagem de uma mulher aparecerá a de um homem. Esta família começa a discriminar

o gênero das pessoas? ? Ela disse, levantando-se. ? Não acha que é pesar suficiente a provação que sofro porque nasci uma mulher? Ninguém aprendeu nada sobre esse assunto absurdo?

?É diferente... ? Randall bufou com a pergunta, toda a sua raiva desaparecendo rapidamente.

?Por quê? O que acha diferente, pai? ? Mary disse. ? O

senhor mesmo escolheu Josephine para atirar nele quando quiser, o que parece irracional para mim depois do buraco que ela fez na pequena janela da sala de estar, e Elizabeth pode se juntar a essa pequena comitiva de proteção, pois ela conhece, como bem disse, a família há anos e ninguém terá dúvida sobre o relacionamento entre ele e nós.

?Também posso pedir a Natalie para vir conosco, ? disse Eli com um sorriso. ? Se a própria irmã do visconde supervisionar o trabalho, os rumores desaparecerão antes de aparecerem.

Randall relaxou os ombros, suspirou profundamente e deixou os óculos caírem na ponta do nariz. O que devia fazer? Devia permitir essa loucura? Suas filhas estariam certas? Como haviam comentado durante as duas longas e intensas horas que discutiram o assunto, ele mesmo fora pedir ajuda ao visconde. No entanto, nunca pensou que ele se apresentaria em sua casa, oferecendo outra alternativa. Isso deveria indicar que talvez, como se preocupavam em defender Elizabeth, eles não fossem tão maus quanto

pensava?

?Pai? ? Anne perguntou, se aproximando lentamente daquela figura cansada e angustiada que ela adorava mais do que sua própria vida.

?Eu não sei o que fazer... ? ele disse com uma voz cansada. ?

Não quero que seja o centro das fofocas novamente. Saiu de uma grande depressão, que eu sofri como se fosse minha, e gostaria de...

?Vou atirar nele, pai! Eu juro, que se ele se aproximar de Anne mais do que deveria, vou puxar o gatilho sem hesitar por um único segundo!

? Clamou Josephine com aquela segurança militar que corria por suas veias.

?Randall, querido, ? disse Sophia depois de se aproximar dele e colocar a mão em seu peito. ? Nós devemos dar uma chance. Não quero que Anne parta, mas se não quiser aceitar o acordo, se realmente tem dúvidas...

?Está bem! ? O médico finalmente cedeu, um segundo depois, o pai se viu cercado por braços e sentiu em suas bochechas dezenas de beijos.

Quando todos começavam a sorrir, quando finalmente os rostos sérios começaram a desaparecer, alguém bateu na porta da sala, pedindo permissão para entrar.

?Entre! ? Randall respondeu uma vez que sua esposa e filhas se separaram dele.

?Senhor... ? Shira comentou quando abriu a porta. Seu rosto

estava pálido de novo e seu corpo rechonchudo estava tenso como uma barra de ferro.

?Sim? ? O médico perguntou, temendo que ela fosse portadora de outra má notícia que perturbaria a família novamente.

?Chegou uma carta para a senhorita Moore, ? informou.

?Para qual delas? ? Sophia interveio.

?Para a senhorita Anne, ? ela esclareceu.

Anne abriu os olhos como janelas, colocou as mãos no peito e estava prestes a desmaiar de novo. Seus instintos de mulher gritavam que havia apenas uma pessoa que poderia se dirigir a ela: uma pessoa arrogante que ordenava através de um papel miserável e que não admitia qualquer rejeição.

?Obrigada, ? disse Sophia, pegando o envelope ela mesma. Depois de verificar que era do visconde, desviou os olhos da missiva e fixou-o na filha, que permanecia imóvel diante do divã em que seu marido costumava descansar. ? Abra! ? Ela proferiu, sacudindo o papel com a mão direita.

Um estranho silêncio tomou conta da sala. Nem se ouviam os ligeiros movimentos feitos ao caminhar em direção a Anne. Todos olhando para ela com expectativa, todos prendendo a respiração...

Esquecendo que se tornara o centro das atenções, Anne

lentamente abriu o envelope, não sem antes notar que dentro havia mais do que apenas uma folha. Lentamente, sem pressa de descobrir o que aquele arrogante exigia dela, tirou a primeira folha que encontrou, desdobrou e começou a ler:


Cara senhorita Moore:

Entro em contato novamente para informá-la de que houve uma pequena mudança de planos. Não tenha medo, nosso acordo continua, embora tenha que ser feito em outro lugar. Para meu pesar, exigiram minha presença em Harving House, a residência rural que possuo em Brighton, e tenho de ir com urgência. Imagino que essa mudança não será um revés porque, pelo que entendi, artistas como a senhorita amam paisagens costeiras. Não acha que é uma ótima ideia? Me retratar em frente ao mar, quero dizer. Deixe seus estimados pais saberem que pode ir com várias de suas encantadoras irmãs e que todas as despesas que esse pequeno contratempo traz, sairão da minha conta. Também quero esclarecer que meu mordomo Kilby se apresentará amanhã de manhã para ajudá-la da maneira que quiser.

Primeiro PS: Gostaria que informasse à sua querida irmã Mary que a biblioteca que possuo naquela residência excede a que encontrou essa tarde.

Segundo PS: Caso veja a necessidade de adquirir mais de cinco peças de tudo o que listou, dou à senhorita o poder de fazer o que quiser. É

claro que, quando terminar o trabalho, eu mesmo supervisionarei se estará apropriado para mim como já o referi.

Terceiro PS: A senhorita tem até amanhã à tarde para preparar sua bagagem, porque, como disse antes, minhas tarefas como visconde são uma prioridade a qualquer momento.

Quarta PS: Nunca tive que usar tantos esclarecimentos, mas com a senhorita faço uma exceção. Como notará, estou lhe enviando uma cópia do contrato que assinou esta tarde para provar que, entre as cláusulas, concordou em se deslocar comigo se precisarem da minha presença fora da cidade.

Atenciosamente:

Logan Bennett, visconde de Devon.


Anne rompeu o envelope para verificar se o contrato estava dentro. Rasgou como se fosse a pele de uma galinha que tinha que preparar imediatamente. Como podia ser tão impertinente? Como podia forçá-la a se deslocar? Com a carta entrelaçada em seus dedos, leu atentamente o contrato que assinou e, com efeito, uma das cláusulas era viajar com o visconde durante o tempo que durasse o trabalho.

? Maldito filho da mãe! ? Gritou fora de si. ? Que o diabo o carregue!

?Santo Deus! ? Exclamou Randall, horrorizado com as palavras de sua filha. De Mary esperava tudo, mas de Anne, nunca!

?O que diz? O que ele escreveu? ? Se interessou Sophia que, ao ver o rosto vermelho de sua primogênita, temia o pior.

?Leia! ? Ela disse, sacudindo os papéis como se para atiçar um fogo que estava quase extinto. ? Não disse que os Bennett eram pessoas gentis e educadas? ? Ela repreendeu Elizabeth. ? Bem, não é verdade!

?Pelo amor da nossa mãe! ? Exclamou Sophia depois de ler o conteúdo dessa carta. ? O que está ocorrendo?

?O que acontece, mãe, é que essa pessoa vaidosa acha que todos devem fazer o que ele manda sem oferecer resistência. Como toda aquela aristocracia miserável! ? Ela gritou, mostrando em sua garganta o desespero que estava vivendo.

?Randall! Faça algo! ? Ela perguntou ao marido que estava imerso na leitura do contrato.

Ele, enquanto passava as páginas, caminhou para trás, esperando que suas panturrilhas se deparassem com uma cadeira onde poderia se sentar. Ele não acreditava no que sua filha havia assinado. Por acaso não era tão sensata quanto supunha?

?De quem é esse selo? Quem elaborou o contrato? A quem devemos ir para cancelar? ? Sophia perguntou.

?Não há como invalidar isso ? Randall comentou depois de encontrar uma cadeira para se acomodar. ? O visconde usou Lawford como advogado e há várias testemunhas...

?Não

pode

falar

com

ele?

?

Sophia

perguntou

desesperadamente. ? Ele lhe deve um favor e acho que é o momento certo para lembrá-lo do que aconteceu no passado. Essa é a assinatura de Arthur, certo? De quem é a outra? Nós o conhecemos?

?O príncipe, ? acrescentou ele.

?O que?! ? Sua esposa disse com tanta impetuosidade que ficou rouca.

?O contrato foi selado pela coroa e a coroa concordou com o acordo, ? disse ele, estendendo os documentos para ela.

?Não existe uma maneira de cancelá-lo? ? Ela insistiu, pegando aqueles papéis que sentenciavam sua filha com a mão direita trêmula.

?Não.

?E o que vamos fazer? ? Ela continuou desesperadamente.

?O que nossa filha assinou, ? disse Randall, finalmente erguendo o olhar para fixá-lo no rosto zangado de Anne.

?Ele diz que pode ir com algumas irmãs. Eu vou, ? Elizabeth falou. ? Ele também fala sobre Mary.

?Sobre mim? ? A garota ficou surpresa.

?Sim, leia, ? disse Eli, mostrando-lhe a carta.

?Não posso. Me desculpe, mas me recuso a ficar em um lugar que não quero. O contrato especifica que é Anne quem deve aparecer e, embora a ideia de estar diante de uma biblioteca maior do que a que vi hoje me agrade, não irei embora.

?Eu... eu... ? Madeleine tentou dizer, mas como ela não conseguiu terminar a frase, disparou em direção à saída.

?Randall... querido... não podemos encontrar uma solução antes...? ? Sophia sugeriu.

O médico negou rapidamente com um duro aceno de cabeça.

?Como já disse, vou junto. Não quero que minha irmã esteja em apuros e sei que Natalie virá assim que eu a informar do que aconteceu ?

disse Elizabeth com voz firme.

?Se Mary se recusa e Madeleine é incapaz de imaginar....

Sobrou apenas, Josephine, ? disse Sophia, olhando para sua quarta filha.

Ela sorriu de orelha a orelha. Parecia que era a única que estava feliz com tudo o que estava acontecendo. E assim foi. Quando ela leu a carta, já podia ver a si mesma correndo nas costas de um rápido corcel, com uma

arma nas mãos e atirando em todos os animais que voavam sobre sua cabeça. Havia uma imagem mais bonita do que essa? Por fim, ela teria a liberdade que queria, afinal em um lugar onde pudesse se vestir como homem e ninguém a olharia com desprezo.

?Estou disposta a assumir essa responsabilidade, ? disse em seu tom habitual. ? A honra da minha irmã mais velha está em jogo e juro que aquele homem não se aproximará dela inapropriadamente.

?Randall? ? Sophia perguntou a ele, ao não o ouvir respirar.

?Está bem! ? Ele exclamou, se levantando do seu lugar. -- Isso será feito conforme foi acordado. As duas podem preparar suas bagagens. ?

Ele apontou para Anne e Elizabeth.

?E eu? ? Josephine perguntou, um pouco desanimada.

?Virá comigo ao armeiro e me dirá de que armas precisa, ? ele disse, caminhando firmemente em direção à porta.

?Tudo o que quiser? ? Ela exclamou esperançosa. ?Também posso comprar alguns punhais? Os que tenho guardados são antigos e alguns têm a folha amassada.

?Pode comprar a maior e mais afiada adaga que pudermos encontrar ? Randall assegurou antes de sair da sala.

?Bendito seja, visconde! ? Josephine exclamou, correndo atrás de seu pai.

Sophia e as três filhas ficaram na sala em silêncio até que ouviram pai e filha fecharem a porta depois de sair da residência. Elas não precisavam conversar para expressar o que pensavam: que tudo era uma loucura.

?Anne, Elizabeth, vão para seus quartos agora e façam com que Shira as ajude a preparar sua bagagem, ? ela ordenou com firmeza. ? Antes de nos reunirmos para o jantar, quero confirmar que tudo está pronto.

?Mas...? ? Anne tentou dizer.

?Não me venha com mas! ? Ela repreendeu-a. ? Assumiremos com coragem o que selou com sua assinatura e não reclame. Espero que esta catástrofe a ajude. É a segunda vez que mancha o sobrenome do seu pai. A única coisa que espero é que seja a profissional que declara ser e termine o seu trabalho o mais rápido possível.

?Sim, mãe, ? disse ela antes de girar nos calcanhares e sair do quarto com Elizabeth, a segunda irmã mais feliz depois do que aconteceu.

?Não parece estranho que, horas depois de Anne assinar o acordo, o visconde tenha decidido deixar a cidade? ? Mary perguntou uma vez que estavam sozinhas.

?O que parece estranho para mim é que, como acompanhante de sua irmã, permitiu que ela assinasse um contrato dessa natureza. O que estava fazendo, Mary? Não cumpriu sua missão?

?Tem razão, mãe. Nossa irmã deve ser uma profissional respeitosa e digna do nome que temos. Se me der licença, tenho que cuidar de um assunto muito importante nesse momento e que ninguém pode fazer por mim, ? comentou ela rapidamente.

?O que? ? Sophia perguntou, levantando as sobrancelhas.

?Urinar, mãe. Com tanto escândalo, fiquei com vontade de urinar, ? ela respondeu caminhando rapidamente em direção à saída.

?Vejo-a no jantar, Mary, ? disse Sophia.

?Não se preocupe. A essa hora, terei livrado minha bexiga de um tremendo inchaço, ? disse ela antes de levantar as saias do vestido cinza com uma mão, porque a outra ainda segurava o livro, e subir as escadas como se o próprio Lúcifer a estivesse perseguindo.

Uma vez que Sophia foi deixada sozinha, ela se sentou em uma cadeira e juntou as mãos. Ele tinha planejado. Não tinha dúvida de que o visconde já tivesse em mente porque, se não, para que acrescentara uma cláusula tão estranha? Ela suspirou profundamente, tentando adotar uma postura calma, mas não conseguiu. Como fazer se três de suas filhas permaneceriam sob a proteção de um homem com uma reputação tão imoral? Por que o visconde planejou tal loucura? Desesperada, ela pulou da cadeira, foi até o escritório do marido, sentou-se e pegou uma folha de papel em branco para escrever uma nota para o próprio visconde. Suas filhas iriam

embora se ele desse a sua palavra de que nada de mal lhes aconteceria, porque, se não o fizesse, seu sangue vingativo e cigano iria se sobrepor àquele criado depois do casamento com Randall e agiria de acordo com a justiça de seus ancestrais. Depois de pegar a caneta e escrever tudo o que lhe passou pela cabeça, chamou uma de suas donzelas.

Leve esta carta para o Visconde de Devon e avise-o de que não sairá de sua residência até receber uma resposta.

?Sim, madame ? disse a criada antes de fechar a porta, vestir o casaco e sair de lá tão rápido quanto suas pernas curtas conseguiam.

Se ele contestasse o que pedia, ela deveria apenas rezar para que Morgana vigiasse as vidas dos três tesouros que sairiam em breve.

XVI


Logan se afastou da escrivaninha, colocou as mãos atrás das costas e caminhou calmamente até a janela. Estava começando a amanhecer. Os primeiros raios do novo dia mal eram vistos nos telhados dos edifícios de Londres. Foi a primeira vez que ele se levantou tão cedo em sua casa. O habitual era ficar até as primeiras horas da manhã, bebendo e fumando acompanhado de um parente, amigo ou cliente em potencial e, depois de terminar a eterna noite, subia para o quarto e tentava fechar os olhos para encarar um novo e aborrecido dia. No entanto, aquele hábito monótono havia sido interrompido desde que ele agendara a viagem para sua residência em Brighton. Estava excitado, nervoso e muito inquieto para adormecer. Teria feito a coisa certa ou talvez tivesse se deixado levar por um impulso inadequado? Olhou para a mesa e franziu a testa para a carta que recebera da Sra. Moore. Ela enumerou severamente todas as consequências do novo plano e implorou que não deixasse suas filhas à mercê do destino. Ela literalmente implorou a ele para cuidar delas como se fossem sua própria irmã Natalie. Embora quando terminou esses extensos pedidos, normais em uma mãe, ela o avisou que se algo acontecesse com elas, faria de sua vida uma tortura, uma sentença tão terríveis que ele só se livraria dela se matando.

Um sorriso extenso se desenhou em seu rosto quando afirmou que, por trás daquela aparência dócil e estudada, se escondia uma autêntica cigana. Uma que cortaria sua garganta no meio da praça sem pensar no que aconteceria depois de fazê-lo em público. Havia vivido com pessoas assim. Teve até mesmo que lutar contra seus pares para conseguir algum respeito. No entanto, a única maneira de ter alguma obediência e consideração surgiu quando assinou os documentos que o declararam como o filho legítimo do marquês. Esse pensamento passado apagou seu sorriso. Ele nunca esperou alcançar a situação em que estava. Nem pediu a Roger para torná-lo seu sucessor. A única coisa que queria, se pudesse sonhar com algo, era se tornar uma pessoa diferente da que ele havia nascido. E, embora parecesse ilógico, mesmo que já fosse, não gostava de sua vida. Onde estava a liberdade? Por que ele deveria pesar cada fato ou ação sua? Por que olhavam para ele com desconfiança? Todos se sentiam obrigados a examiná

lo quando ele aparecia, quando se movia ou quando falava...

Fixou os olhos em suas propriedades e reconsiderou novamente a trama que havia começado. É claro que as três irmãs estariam sob sua proteção e cuidaria delas acima de sua própria vida. Tudo o que ele queria era passar algum tempo com Anne e descobrir o motivo pelo qual, ao tocá-la, tivera uma visão tão real. O que o fogo significava? Por que ele saia de uma fogueira sem se queimar? Novamente houve perguntas para as quais não

tinha resposta. Talvez, assim que saíssem de Londres e ambos pudessem estar livres para agir como bem entendessem, receberiam as respostas relevantes.

?Milorde, ? Kilby comentou depois de ouvir o visconde lhe dar permissão para entrar, ? o desjejum está pronto. Quer que o traga a esta sala?

?Hoje eu ficaria feliz em tomar o desjejum fora, ? disse ele, virando-se para o criado. Quando viu o rosto surpreso deste, acrescentou: ?

Preparou tudo o que precisa para ir à residência dos Moore?

?Se refere a levar sua autorização de compra ou a carregar um crucifixo que me proteja da dama em questão? ? Disse Kilby.

?Que não poupe despesas, ? anunciou ele, sorrindo novamente para a transparência de seu leal criado. ? Não quero que, uma vez em Harving, ela interrompa seu trabalho pela falta de algum material.

?Como me explicou nossa cozinheira, a senhorita Moore costuma usar poucos utensílios para seus retratos, embora também tenha feito referência ao bom resultado dessas obras.

?Como a senhora Donner conhece um assunto tão específico?

? Ele perguntou, caminhando em direção à saída e mantendo as mãos na cintura.

?Porque uma das criadas de Lady Whatninfer é uma parente distante dela e, na ocasião, ela explicou como a Senhorita Moore trabalhou

com suas filhas, ? informou Kilby, andando atrás de Logan.

?Ela contou mais alguma coisa? Algo que deveria me interessar? ? Ele perguntou.

?Exceto pelo fato de que todos fofocam sobre a morte de seus dois pretendentes saudáveis, nada mais, ? disse ele.

?Pediu que preparem a bagagem? ? Ele perguntou, não se referindo ao comentário sobre Anne. Já estava se acostumando com a maldita injustiça, mesmo que não conseguisse evitar que seu sangue fervesse sempre que a ouvisse.

?Tudo está pronto, milorde. Inclusive poderá partir esta mesma tarde ? sugeriu ele.

Não, quero acompanhar as Moore durante a viagem. Não acho apropriado mantê-las desprotegidas durante uma viagem tão longa, ? disse ele, virando-se para a entrada principal. ?A que horas planeja se apresentar na casa do médico?

? Estou apenas esperando as lojas abrirem, milorde. Não acho que os lojistas gostem de que os levantem de suas camas quentes antes que a luz do dia passe através de suas janelas ? ele disse sarcasticamente.

Que o visconde deixasse seu quarto antes das dez da manhã, não fazia com que todos agissem da mesma maneira no mesmo instante. Ele tinha que ser paciente, o que sempre tinha sido, até agora. No entanto, notou que,

desde o aparecimento das duas irmãs, seu senhor estava bastante nervoso e mostrava uma atitude imprópria. Alguma noite, de todas as que o havia servido, ele se retirou para a cama antes das três da manhã? Nunca. Apenas durante as viagens que fazia em seu navio que abria os olhos antes do resto da tripulação. Segundo percebera, durante a sua permanência naquela casa, ele esquecia a retidão de um capitão de navio para se tornar o jovem que realmente era. Mas lá estava ele, mais acordado do que ele mesmo e com um rosto pensativo. Lamentaria sua decisão? Estaria pesando, finalmente, nas consequências que acarretaria a ele mesmo pela decisão que tomara? Se fosse assim, seria a primeira vez que o faria, como se levantar tão cedo.

?Recebi alguma resposta às cartas que enviou ontem? ? Ele perguntou, mesmo sabendo que o fiel mordomo teria informado a ele no ato, caso tivesse recebido.

?Não, Excelência.

Não era normal que seu irmão adiasse uma resposta, e muito menos não lhe pedir uma explicação para sua viagem repentina. Se a experiência não o iludisse, uma vez que Roger lesse a carta, investigaria o motivo de sua rápida partida. Acharia que estava fugindo de um marido irritado? Não duvidava que esse fosse seu primeiro raciocínio. Os Bennett tinham uma reputação de libertinos que não podiam eliminar, embora não tenham feito nada para que desaparecesse. Quando se tem o sangue

contaminado pela devassidão, a mantém até que, como Roger, encontre a mulher perfeita. No entanto, ele não a encontrou nem estava procurando por ela. Precisava esclarecer muitas coisas antes de dar um passo tão importante.

Olhou novamente para as janelas ao lado da porta da frente. O sol ainda estava escondido atrás das montanhas. Concluindo que dez minutos não haviam passado desde que olhou pela janela do escritório. Se durante o dia ele não procurasse certos entretenimentos que pudessem acalmá-lo, as horas pareceriam anos.

?Diga

ao

cavalariço

para

preparar

Bucéfalo[7]

imediatamente. Decidi cavalgar antes do café da manhã, ? ele comentou, depois de entender que precisava sair dali antes que o seu desespero o enganasse.

?Tem certeza? ? Kilby perguntou, perplexo.

?Sim, ? Logan respondeu depois de virar para a esquerda e subir os degraus de três em três.

?Vou checar seu valete imediatamente! ? O mordomo informou-o, assim que seu senhor alcançou o meio daquelas intermináveis escadas de mármore cinza.

?Ele já deveria estar alisando meu terno! ? Logan respondeu sem olhar para ele.

Kilby suspirou profundamente, caminhou até a ala dos criados e,

depois de explicar ao jovem Howlett que o lorde precisava dele, foi até a cozinha dizer a cozinheira que o café da manhã seria atrasado... de novo.


***


Anne, como todas as manhãs, depois do seu banho habitual, caminhou para a saída do quarto sem fazer nenhum barulho. Mary esteve lendo até altas horas de novo e não queria ouvi-la resmungando sobre o descanso mental que precisava para continuar sendo a irmã mais instruída. Antes de abrir a porta, deu uma última olhada na dorminhoca e suspirou. Não conseguia ficar zangada com ela por dispensar o convite do visconde, a entendia. No entanto, teria gostado que ela viajasse ao seu lado em vez de suportar as conversas agonizantes que teria com Elizabeth ou cuidando de Josephine para que não atirasse onde não devia com sua nova arma. Pensando em como enfrentaria as atitudes malucas de suas irmãs e se concentrar em terminar seu trabalho o mais rápido possível, ela saiu, fechou a porta devagar e caminhou pelo corredor na ponta dos pés. Se a luz que entrava pelas janelas não a iludisse, estava amanhecendo e, com exceção da mãe ou do serviço, ninguém teria acordado tão cedo. Desceu as escadas suavemente, como se estivesse andando entre algodões. Quando parou em frente à porta de entrada, estendeu as mãos para ela, como se estivesse sendo

convidada a sair de casa e encontrar alguma paz. Uma que não tivera desde que o visconde invadiu sua vida. Pensando nas alterações que ele provocava, franziu a testa. Estava com raiva, demais para não gritar e acordar todo mundo. Era inconcebível que tivesse que seguir as ordens daquele homem. Imagino que essa mudança não será um revés porque, pelo que entendi, artistas como a senhorita amam paisagens costeiras. Não acha que é uma ótima ideia? Me retratar em frente ao mar, quero dizer. Como poderia ser tão arrogante? Como poderia ter como certo que ela adoraria uma paisagem costeira? Bem, ele estava errado! A melhor paisagem para um ser tão odioso quanto ele seria colocá-lo em uma caverna escura, cercado por insetos repugnantes e exibindo aquela aura autoritária e sombria que tentava esconder sob aquela figura espetacular. Sim, um par de cobras iria de acordo com sua imagem. Pintaria uma de cada lado, enroladas em volta do pescoço, como se tentassem sufocá-lo. A imagem desse retrato provocou nela uma grande gargalhada, que calou colocando as mãos sobre a boca. O que o orgulhoso visconde pensaria quando o visse? Pareceria correto para sua pessoa? Sem apagar aquele sorriso do rosto, ela caminhou em direção à cozinha. Deveria tomar café antes de enfrentar a chegada do criado. Ainda não havia elaborado a lista com tudo o que precisava para realizar seu trabalho e teria que se concentrar nela. Ele não disse para comprar cinco unidades de cada coisa? Bem, aumentaria essa quantidade. Talvez a

triplicasse, para que sua grande fortuna diminuísse.

Enquanto caminhava para aquela parte de sua casa, continuava pensando no contrato que assinara e na velocidade em que o usara. Planejara isso? Antes do acordo ser assinado, o visconde já havia decidido onde aconteceria? Lembrou novamente das frases que usou para se expressar e ficou com raiva de novo. Como ele podia ser tão insolente? Seu ego era tão grande quanto os mares nos quais navegava? Bem, pelo menos teve a gentileza de se encarregar de todas as despesas que o infeliz plano traria. E, claro, ela se encarregaria de fazê-lo gritar mais do que a fatura que seu navio naquele dia. Quantas criadas seriam necessárias para servi-la? Uma para cada irmã? Ela acrescentaria mais dois, um para ajudá-la a mover o pesado cavalete e outro para acalmar a sede causada pelo esforço de pintá

lo. Certamente, quando tivesse que enfrentar os pagamentos, aquele sorriso malicioso desapareceria de seu rosto...

?Bom dia, Shira, ? disse para a donzela quando a encontrou em frente ao fogão.

?Senhorita Anne! ? Ela exclamou surpresa. ? Por que se levantou tão cedo? São apenas sete e meia ? ela apontou, abandonando suas tarefas para se aproximar da jovem.

?Não fui capaz de dormir, ? disse enquanto se dirigia para uma das cadeiras que cercavam a mesa de madeira grossa e escura.

?Imagino, ? Shira murmurou.

?Mamãe está acordada? Está no salão matinal? ? Ela perguntou, escolhendo a cadeira à sua direita.

?Não, a senhora não se levantou ainda.

?Não? ? Ela exclamou um pouco antes de suas nádegas roçarem o assento.

?Seu pai foi o único que se levantou antes da senhorita. Um par de horas atrás, um servo de Lady Fingher reivindicou sua presença porque ela entrou em trabalho de parto, ? declarou antes de se virar para o fogo. Quer que eu faça chá para a senhorita?

Anne não conseguiu se sentar, ficou parada quando soube que seu pai ajudaria a trazer outro bebê ao mundo. Como a futura mãe se sentia? Ficaria nervosa? Gostaria que sua dor parasse logo? O que faria quando tivesse aquele filho há muito esperado em seus braços? O rejeitaria como tinha feito a sua mãe?

?Ainda não estou com fome, ? disse, se afastando da mesa e da cadeira. ? Acho que vou dar um passeio no jardim.

?Sua mãe não vai gostar de saber que saiu sem café da manhã. Sabe disso...

?Não se preocupe. Antes de que saia do seu quarto, terei cumprido essa regra estrita, ? ela disse, caminhando em direção à porta.

?Precisa do seu casaco? ? Ela insistiu em atendê-la.

?Vou pegar o manto que deixei na sala de estar. Com isso terei o suficiente, porque não quero me demorar muito, ? disse antes de deixá-la sozinha.

Caminhou lentamente até a sala onde encontraria sua amada mantilha laranja, se sua mãe não a tivesse feito em pedaços como avisara. Felizmente para ela, depois da comoção que se formou na tarde anterior, ela se esqueceu de cumprir aquela ameaça absurda e, depois de chegar na sala, encontrou-a nas costas da cadeira de balanço de sua mãe. Sem perder um único segundo, a pegou, cobriu os ombros com ela e saiu de casa com pressa. Se ela quisesse ficar sozinha por um tempo, não poderia se demorar.

Quando abriu a porta, o frescor de um novo amanhecer a saudou. Esfregou os braços, para aquecê-los, olhou para cima e suspirou. Como seria o céu de Brighton? Haveria nuvens ou poderia contar todas as estrelas que seus olhos veriam à noite? Quantas haviam? Com certeza, Mary saberia a resposta...

Lentamente, ela desceu os degraus e continuou olhando para o céu até que seus sapatos afundaram no gramado do jardim. Sem saber por que, fixou os olhos no portão de entrada, que ainda não havia sido aberto. Sua mãe iria repreendê-la se descobrisse que sairia sem uma criada? Que perigo

poderia causar uma pequena caminhada na rua? Chegaria à última residência e voltaria logo. Só precisava, por alguns minutos, sentir uma liberdade que não alcançava por muitos anos.

Abriu o trinco na cerca, olhou de lado para a sua casa e esboçou um sorriso infantil. Ela ia fazer uma pequena travessura, mas ninguém saberia por que voltaria antes que sua mãe se levantasse.


***


Seu cavalo galopou com uma fúria sem precedentes. Parecia que, depois de montá-lo, ele transmitira seu desejo de liberdade, que não possuía quando estava em Londres. Mal teve que estimulá-lo a percorrer as ruas solitárias da cidade. Ansioso, desesperado e cheio de energia, ele continuou com aquela corrida que durou pouco mais de meia hora. A crina de seu cavalo negro dançava ao ritmo do vento. Como seu garanhão, Logan decidiu montar com o cabelo solto. Qualquer um que saísse de suas casas retornaria rapidamente ao testemunhar uma imagem tão bárbara. Mas não se importava com o que pensavam dele, aqueles momentos pareciam tão bons que não interromperia o laço que cavalo e cavaleiro adquiriam quando estavam juntos. Ambos precisavam daquele tempo de liberdade e paz.

Logan fechou os olhos novamente para sentir o vento batendo em

seu rosto. Era maravilhoso para ele abandonar, por um breve espaço de tempo, o controle de sua vida, do seu entorno e longe da pressão da realidade... seu sangue cigano, controlado a cada minuto, fluía em suas veias com tal ardor que fazia seu corpo doer. Como poderia esquecer essa parte dele? Como conseguiria tirar definitivamente essa metade do seu verdadeiro eu, se ela lhe trazia tanta felicidade? Perdido pelo pensamento repentino, abriu os olhos e diminuiu o ritmo. O que estava acontecendo com ele? Por que ansiava por algo que havia derrubado no passado? Não se lembrava das consequências do seu nascimento? Não podia aludir a esse estágio de sua vida. Precisava esquecê-lo e continuar sendo a pessoa na qual se tornara: um aristocrata.

Irritado, por se deixar persuadir sobre algo que rejeitara com firmeza, entrelaçou as rédeas do cavalo e reduziu a corrida a um trote suave. Anne era a culpada desses distúrbios. Ela, em sua bravura e arrogância, confessara a ele que adorava ser uma mestiça e que seu sangue cigano era tão valioso quanto o da burguesia. Isso o chocou tanto que, embora não quisesse, sua mente determinou que talvez ele pudesse fazer o mesmo: ter orgulho de ser uma pessoa diferente daquela que mostrava aos outros. Mas era errado. Ele se tornaria um marquês. Se Deus fosse benevolente, talvez ele não tomasse posse do título. No entanto, até agora, não havia outra opção.

Lentamente, soltou as rédeas para incitar Bucéfalo, mas as reteve rapidamente tentando notar onde estava. Visitou aquela área de Londres há dois dias. Por que estava andando pela rua onde os Moore moravam? Por que agia estranhamente desde que conheceu Anne? Tinha certeza de que aquela mulher, de cabelos e olhos castanhos, não o enfeitiçara? Freou seu cavalo, puxando as rédeas rudemente. Bucéfalo relinchou em desagrado. Logan, como recompensa por sua submissão, acariciou seu pescoço grosso e o satisfez com palavras amorosas. E lá permaneceu por vários minutos: montado em seu grande cavalo, mantendo uma pose ereta, como se fosse o próprio Alexandre, o Grande, observando o poder de suas tropas, e sem poder desviar o olhar da entrada da casa dos Moore. Por um momento, apenas por um décimo de segundo, a ideia de aparecer na casa do médico e acompanhar Anne até as compras pareceu requintada. Mas ele rapidamente eliminou isso de sua mente. Não poderia ser tão ousado. Deveria se comportar como um cavalheiro enquanto eles estivessem em Londres. Tudo seria diferente em Harving. Lá, longe dos olhares que o observavam com mesquinhez, ele se deixaria levar e permitiria que Anne descobrisse quem ele era realmente.

Com um trote suave, ele desceu a rua, tentando desviar o olhar da propriedade dos Moore. Era arriscado ser visto vagando por aquele lugar. As pessoas podiam sussurrar sobre o motivo real sobre presença dele e a viagem repentina das irmãs. Ele não devia estar ali, tinha que fugir, devia ficar

afastado até que ela estivesse sob sua proteção.

Levantou as duas mãos, pronto para incitar o cavalo a outro galope selvagem, mas novamente seu desejo se dissipou enquanto observava uma figura alta deixar a casa do médico. Quem seria? Qual irmã deixaria seu lar acolhedor neste momento? Porque motivo? Seria Mary? Ela iria em segredo para alguma residência onde permitissem sua presença? Lentamente, avançou para essa imagem feminina. A cada passo que Bucéfalo dava, o perfil dessa figura ficava mais claro. Não era Mary, mas Anne. O manto laranja revelava quem estava escondido debaixo dele. Ele parou o trote, pensando se seria certo abordá-la. Não, não seria. Deveria esperar até que estivessem em Harving. No entanto, sob seu olhar atento, a jovem continuou sua caminhada sem perceber que alguém a observava. Ela parecia andar decidida, como se soubesse para onde deveria ir. Logan sentiu um calor estranho em seu corpo. A mente ofereceu-lhe uma miríade de razões pelas quais uma mulher deixaria seu lar tranquilo naquela hora da manhã e sem a devida vigilância. Aquele calor se tornou tão intenso que as mãos, envolvidas nas luvas que costumava usar, começaram a suar. Não podia ser. Ela não faria essa loucura. Ela era... diferente?

Atordoado, irritado, bateu os calcanhares de suas botas na barriga Bucéfalo e ele assumiu outra corrida semelhante a anterior. No entanto, quando nem de dez passos o separavam de Anne, puxou com força as rédeas,

fazendo com que o cavalo levantasse os seus quartos dianteiros e relinchasse com a brutal frenagem.

?Por Cristo abençoado! ? Anne gritou, colocando o antebraço esquerdo em seu rosto para que nenhum casco daquele animal feroz pudesse alcança-la.

?Que diabos está fazendo aqui? ? Bennett explodiu depois de tranquilizar o cavalo dando uma palmadinha em seu pescoço.

Anne, ouvindo a voz do terrível cavaleiro, que quase a atingiu, lentamente afastou o braço do rosto e olhou para ele com ódio.

?Que diabos eu faço aqui? ? Ela respondeu. ? O que diabos o senhor está fazendo aqui?

?Por acaso perdeu o pouco raciocínio que poderia ter? Como se atreve a caminhar a essa hora e sem uma proteção relevante?

?Que? Como...? Quem pensa que ele é, milorde? ? Ela levantou tanto a voz que sentiu uma dor terrível na garganta.

?Sou um cavaleiro entusiasta que interrompeu sua esplêndida cavalgada matinal por sua causa ? disse ele, desenhando um sorriso enorme.

Mas toda essa zombaria que ele queria mostrar era falsa. Os pensamentos que teve sobre ela, antes de reconhecê-la, atormentavam sua cabeça. Pretendia visitar seu amante? Ela teria ido em busca do homem que amava depois de ser informada de que deveria empreender uma longa

viagem? Quem seria ele?

Ciúme. Aquele maldito ciúme voltara e fizera dele uma fera furiosa.

?Não está ciente do que pode acontecer com a senhorita se alguém a encontrar andando sozinha? ? Ele perguntou com raiva quando desmontou. Que imagem quer oferecer, senhorita Moore?

?Mais do que está me culpando? ? Anne disse fora de si.

?Da imagem que mostra ? Ele respondeu tentando manter a compostura.

?E, de acordo com seu bom julgamento, que imagem eu ofereço, milorde? ? Ela perguntou, colocando as mãos na cintura.

?A de uma amante desesperada que deixou sua casa respeitável para visitar a cama quente de um homem ? ele disse, em pé na frente dela.

Mesmo que os olhos de Anne estivessem cheios de raiva, para Logan pareciam preciosos. Apesar de que sua testa estivesse enrugada como um acordeão, era perfeita e, embora seus lábios estivessem apertados, para não cuspir após o comentário audacioso, eles pareciam tão sensuais e eróticos que ele queria beijá-los e eliminar a pressão a que eram submetidos.

?Para um homem que reprova ser julgado incorretamente, devo dizer que tem uma língua muito afiada, ? resmungou, se virando.

Nem dois minutos. Não havia desfrutado daquela caminhada nem

dois miseráveis minutos quando o visconde a agrediu. Ele se escondeu como um ladrão para vigiá-la? Por que a interrompera daquele jeito não-decoroso? E, ao invés de se desculpar, a acusou de ser uma prostituta? Ela não tinha o suficiente com o boato de que as mortes de seus pretendentes para que acrescentasse o da concubina! Mas o que ela havia feito para o mundo?

?Não pretende visitar seu amante? ? Logan disse mordazmente.

?Se não quiser que o mande para o inferno, por favor me deixe em paz. Até que apareceu, estava muito calma e salvaguardava a minha honra, ? ela murmurou.

?Garanto que sob minha proteção, sua honra permanecerá intacta, ? ele astutamente apontou.

?Acredita? ?Ela se virou para ele, apertando os olhos. ?

Porque entendo que não é a companhia que uma mulher respeitável gostaria de ter. Sua reputação como um libertino o acompanha onde quer que apareça,

? ela acrescentou vitoriosamente.

?Percebo em seu tom de voz, certa nuança espinhosa? ? Logan insistiu.

?Percebeu apenas isso? ? Ela disse antes de dar um longo passo em direção à sua casa.

Logan observou esse corpo rígido com cuidado. Ele a insultou,

humilhou-a e só porque sua cabeça lhe ofereceu informações erradas. Por que era tão insensível a Anne? Por que começou uma conversa tão inapropriada? O que teria feito se não fosse ela? Teria se desculpado pelo susto, teria se apresentado e, depois de desmontar, teria conversado cordial e sedutoramente até marcar um encontro. No entanto, ele novamente agiu de forma inconsistente com a senhorita Moore.

?Mil perdões, ? ele disse, de pé atrás dela. ? Sinto muito, Anne. Eu não queria assustá-la desse...

?Não me chame assim de novo! ? Ela disse, se virando com tanta força que a saia de seu vestido azul se emaranhou entre as pernas. Essa brusquidão fez com que vários fios de cabelo escapassem do coque, dando a ela uma imagem mais sedutora do que a que estava tentando oferecer àquele homem. ? Não é ninguém para se dirigir a mim dessa maneira familiar.

?Serei seu próximo cliente, ? ele disse, dando um longo passo em direção a ela. As botas de montar, pretas e brilhantes, emitiam alguns sons leves quando pisavam na estrada. Seu cabelo solto, arrepiado pela corrida, deu-lhe a imagem do homem selvagem que ele era. A camisa branca, liberada da pressão da jaqueta, agarrava-se ao peito como se fosse uma segunda pele. Mas o que deixou Anne horrorizada não foi aquela aparência indomável, mas o tom de voz que ele utilizou para falar com ela e a intensidade de seu olhar. ? Lembre-se que pela duração do contrato, posso

chamá-la pelo seu nome se isso me agradar.

?Adicionou essa cláusula ao contrato também? ? Ela disse indignada, afastando-se da fera na frente dela. Uma que, apesar de tudo, causou uma queimação em seu baixo ventre. Como era capaz de despertar nela algo tão inapropriado naquele momento? Por que seu coração batia tão rápido? Por que suas pernas enfraqueceram? Por que não conseguia voltar para casa e concluir essa conversa absurda? Talvez porque, apesar de tudo, a ferocidade que o visconde exibia no rosto era o resultado de um sentimento que a seduzia completamente.

?Caso não tenha lido, tenho que dizer que há muitas cláusulas nele ? ele disse com firmeza, encurtando novamente aquela distância que ela insistia em manter.

?Então acrescente está aqui, ? Anne comentou, mostrando sua raiva na mistura daquelas sensações que não podia controlar.

?Qual? ? Logan perguntou com expectativa.

?A de não se aproximar de mim... nunca! ? Ela gritou.

?Impossível.... Sabe bem que devo estar presente para que...

?Não me siga, ? ela disse, levantando um dedo para ele. ?

Fique longe de mim. Eu não quero vê-lo ao meu lado, exceto o que for estritamente necessário.

?E o que significa para a senhorita o estritamente necessário? ?

Ele estalou zombeteiramente.

?Descobrirá ? disse antes de se virar com tanto ímpeto que a saia de seu vestido girou inadequadamente entre as pernas.

Quando tentou dar um primeiro passo, não conseguiu separar as pernas e sentiu o corpo começar a cair em direção à calçada. Mas não chegou a tocar o chão. Os grandes e fortes braços do visconde ergueram-na como se ela não pesasse mais do que uma pluma.

?Isso foi o que quis dizer com suas palavras, senhorita Moore? ? Ele perguntou divertido. ? Porque se não for assim... Poderia deixar...

Logan não conseguiu terminar o comentário suspeito. Seus olhos permaneciam fixos nos de Anne, que expressavam modéstia. Sua boca entreaberta, respirando por ela, convidou-o a beijá-la, até que acalmasse a sede que crescia por ela. E seu corpo, sustentado pela força de seus braços, se petrificou ao contato de ambos. Lentamente, devagar demais para um homem bruto fazendo movimentos indesejados, ele a colocou no chão.

?Senhorita Moore... ? ele disse quase sem voz, ? está bem?

Anne não respondeu. Ela ficou tão embaraçada que as palavras não saíram. Ela levantou a saia até os tornozelos, se virou e correu chorando em direção a casa. Como tinha ocorrido a ela sair sem Shira? Como pensou que uma caminhada insignificante poderia lhe trazer alguma paz? Não. Ela

nunca encontraria um momento de calma enquanto continuasse a respirar. E

por que havia assumido que sua alma não teria mais paz? Porque os olhos do homem lhe mostraram algo que ela nem sequer podia explicar.


XVII


Anne observou a comoção formada em frente à entrada de sua casa. Cinco carruagens estavam atrás do portão de metal preto, esperando por elas. O temido dia havia chegado. Por mais que orasse para que as horas passassem devagar, para deixá-lo doente ou que torcesse o tornozelo, suas súplicas não foram ouvidas. Tudo correu como planejado pelo afortunado visconde. Ela emaranhou os dedos da mão direita na cortina ao observar a figura enorme caminhando em direção ao interior de sua casa. Ali estava o homem que a assustava, exibindo muita segurança e determinação, com seu terno elegante e grande porte. Ela levou as mãos ao peito, tentando aplacar as batidas alteradas. Como de costume, desde que ele invadiu sua vida, não diminuíram, mas aceleraram. Encostou a testa no vidro e suspirou. A sorte estava lançada, não havia como voltar atrás, tudo o que tinha que fazer era se controlar e exibir a atitude sombria que Mary havia ensinado a ela na tarde de ontem. «Se ele sorrir, você mantém os lábios apertados. Se ele a convidar para acompanhá-lo a uma área solitária, peça que Josephine fique ao seu lado. Explique que ela é tão corajosa que poderia salvar os dois de uma situação perigosa, mas deve estar atenta ao cano daquela arma abençoada. Sabe que ela puxará o gatilho sem pensar nisso e não seria certo que levasse outra maldita morte nas suas costas. Não se esqueça de se cercar

de pessoas. Se for deixada sozinha, terá um problema. Responda com monossílabos, os homens se aborrecem com mulheres incapazes de manter uma conversa, bem, também com aquelas que podemos tê-las.... Jamais fale de si mesma, isso a faria se mostrar vulnerável. Os homens são como hienas, perseguindo suas presas até que a debilidade delas os torne fortes». Com o conselho ecoando em sua cabeça, ela suspirou novamente. A primeira coisa que devia explicar era o que ela precisava fazer para não sentir o turbilhão de emoções que sentia quando o via. Se pudesse controlar essa preocupação, poderia continuar com todo o resto.

Virou para a porta quando ouviu passos. Retirou-se da janela, caminhou até a cama e enrolou em um lenço branco as poucas joias de cor de laranja que pode esconder de sua mãe, que se certificara de que não haveria nada com aquela tonalidade nos baús. Colocou em seu corpete, adotou uma atitude serena e foi até a saída para confrontar a pessoa que veio para informá-la de que tudo estava pronto e que ela tinha que descer imediatamente.

?Corra! Depressa! ? Josephine gritou animada depois de bater na porta. ? O visconde chegou!

Sem poder negar esse pedido efusivo, partiu, não sem antes dar uma rápida olhada ao lugar ao qual demoraria para voltar. Por que sentia que era a última vez que descansaria em sua cama? Por que sentia anseio pelo que

ainda não havia perdido? Ficaria fora de casa apenas por um mês. No entanto, esses trinta dias já pareciam trinta anos.

?Vamos embora! ? Estalou a irmã pegando no braço dela e puxando-a ao vê-la andar tão devagar. ? Estão esperando por nós!

Com um sorriso fingido, ela apareceu no topo da escada, com o vestido que sua mãe forçou que usasse. Embora não gostasse da cor magenta, supunha que lhe convinha muito bem. Josephine deu um passo à frente, saltando os degraus como se fossem troncos jogados em um caminho. Ela, por outro lado, desceu devagar, esperando que, a qualquer momento, alguém informasse que não iria embora porque havia ocorrido um contratempo. Mas ninguém disse nada para ela. Seus pais e irmãs ficaram parados, observando-a com expectativa e em completo silêncio.

Assim que chegou ao salão, ficou diante deles e olhou para seus rostos. Sua mãe mostrou uma estranha ilusão da qual tentara disfarçar. Seu pai não escondeu a tristeza que sentia naquele momento, expressou-a com total liberdade. Elizabeth amarrou cuidadosamente a fita do chapéu. Um que comprou na manhã anterior porque, segundo ela, isso traria sorte. Mary usava um vestido casto com sua cor favorita, cinza. Pelo menos tinha que agradecê

la por não descer de camisola e com aqueles bobs na cabeça. Madeleine se escondeu atrás das cortinas, como se não quisesse estar lá ou testemunhar sua partida. E Josephine... bem, para a ocasião ela havia comprado outras calças

pretas e uma camisa turquesa, prendera os cabelos loiros num rabo de cavalo, muito parecido com o que o visconde usava, e escondia no cinto o novo facão que compraram para ela. Eles eram a imagem da família digna de uma pintura. Talvez, quando voltasse, pudesse se trancar em sua sala de pintura para capturá-los. Assim, nunca esqueceria o primeiro dia de seu temido fim.

Logo quando ia abrir a boca para dizer algumas palavras amorosas para Madeleine, para fazê-la eliminar aquelas lágrimas e sua tristeza, a porta da entrada abriu e apareceu uma figura alta que reconheceu rapidamente.

?Bom dia, Sr. Moore. Senhora... ? Logan cumprimentou o casal com respeito e admiração. Mostrando aquela educação dos aristocratas: estudada em detalhe, feita com precisão e apresentando uma imagem de homem honrado. ? Garanto que cuidarei da segurança de suas filhas e que nada de ruim acontecerá com elas durante essas semanas. Espero que confiem em minhas palavras porque elas são verdadeiras, ? acrescentou, olhando para eles sem piscar, assegurando que aquele rosto firme selava um acordo que ele cumpriria até a morte.

?Milorde, ? Sophia disse com uma leve reverência, ? parte com três de minhas filhas e espero que elas voltem com a mesma integridade com a qual foram.

?Juro que voltarão tal como partiram, ? disse o visconde,

estendendo a mão para ela para selar um acordo entre iguais.

?Logan! ? Exclamou Elizabeth ao poder finalmente se dirigir a ele. ? Milorde ? se corrigiu rapidamente, abaixou a cabeça e fez uma pequena genuflexão. ? É uma honra poder acompanhar minha irmã e me tornar sua protegida.

Diante desse comentário sério e inadequado da jovem, Logan ergueu a sobrancelha esquerda, perplexo com a estranha apresentação, mas quando Elizabeth fez um leve movimento com os olhos, indicando que deveria se comportar assim diante de seus pais, ele sorriu, aceitou a mão que se estendia e deu um beijo casto nas juntas brancas.

?O prazer e a honra são meus, senhorita Moore, ? assegurou-lhe antes de apresentar novamente a retidão e o porte aristocrático.

?Milorde, esta é Josephine, a quarta das minhas filhas. Ela também estará com o senhor ? disse Randall, pegando a filha pelo braço e colocando-a entre ele e o visconde.

?Senhorita Moore, ? Logan disse elegantemente. Por um segundo miserável, ele observou a garota. Ela não era tão alta quanto as outras, mas tinha cabelos dourados semelhantes aos de Elizabeth, embora seus olhos fossem tão castanhos quanto os de Anne. Ele também notou que seu rosto mostrava uma dureza mais típica de um homem do que a de uma terna jovem.

?Visconde, ? disse ela, estendendo a mão de maneira masculina.

Logan aceitou aquela saudação, minimizando o rosto amedrontado da mãe, que parecia horrorizada pela a forma como sua filha se vestia e se comportava, o que contrastava com a satisfação expressada pelo médico. «Bem, Josephine, imagino que seja a irmã que apontou uma arma ao meu amigo», pensou ele. No momento em que ia direcionar seu olhar para Anne, que seria a próxima a saudar, algo chamou sua atenção. Estreitou os olhos quando descobriu que a menina, que o médico havia colocado como se fosse um temível soldado, escondia um cabo escuro nas costas. Philip não disse que uma das garotas apontou uma arma para ele? Bem, ele havia se esquecido de dizer que ela também usava pequenas adagas. Sorriu maliciosamente ao perceber que era um punhal igual ao que ele mesmo havia adquirido duas semanas antes no armeiro. Então o médico havia escolhido uma escolta ameaçadora para Anne? Bem, ele sabia como agir diante de novos contratempos e essa jovem mudaria seu propósito durante a viagem.

? Procurando problemas, senhorita Moore? ? Ele perguntou com um halo de mistério.

?Porque diz isso? ? Josephine respondeu com seu tom militar habitual.

?Porque se alguém... com um leve movimento... avisa que...

Josephine arregalou os olhos quando o visconde tirou a adaga do cinto sela sem que ela notasse. Então, depois daquele torpor, estendeu a mão e a tomou de volta, irritada com sua falta de experiência e descuido.

?Conforme fui informada, o lugar para onde está nos levando pode estar repleto de perigos, ? ela explicou rudemente e mostrando em seu tom de voz a brecha que fizera em seu orgulho.

?Sabe como usá-lo? ? Logan perguntou, depois de colocar as mãos atrás das costas e fixar o olhar no brilho da lâmina afiada.

?Acha que carregaria uma arma de dimensões semelhantes se não soubesse como lidar com ela? ? Repreendeu ofendida.

?Boa resposta, ? ele assegurou, esboçando um enorme sorriso. ? Então, se quiser, quando nos instalarmos em Harving, posso mostrar a coleção que guardo no meu escritório. Adquiri cem adagas de diferentes países.

E o rosto de Josephine se iluminou... O sorriso que apareceu em seus lábios se estendeu tanto que Logan pôde ver o brilho de dentes dela.

?Será uma honra, milorde, ? ela respondeu com tal cortesia e respeito, que Randall piscou várias vezes para admitir a nova atitude de sua filha feroz.

?Devemos ir embora, ? ele disse sem saudar Anne, que estava completamente em silêncio. ? Quero chegar a Crowley antes do

anoitecer. Lá nós vamos descansar em uma pousada e no dia seguinte seguiremos para Harving, ? ele informou. Foi até Sophia, beijou sua mão novamente e então terminou com o médico que, pela palidez de seu rosto, parecia ter se arrependido da decisão de enviar a jovem valente. ? Garanto que suas filhas estarão seguras e que irei devolvê-las com a honra intacta, ?

disse ele sarcasticamente. Ele juntou os saltos de suas botas, que soaram ao leve impacto, balançou a cabeça para a frente e se virou.

Quando Logan se virou para a porta, notou que a cortina da janela da direita estava se movendo, instintivamente, ele olhou para o chão, encontrando dois sapatos femininos azuis. Com as mãos para trás novamente, as costas completamente rígidas, ele deu vários passos em direção a esse tecido, inclinou-se para a frente, como se estivesse sussurrando no ouvido de um amante e adotando a voz terna e encantadora que ele usava para deslumbrar uma mulher e disse:

?Deve ser a tímida Madeleine Moore. Prazer em conhecê-la, mesmo através desta cortina dura. Garanto que suas irmãs estarão seguras sob minha tutela e que elas retornarão sãs e salvas. Caso contrário, eu mesmo irei até o telhado do edifício mais alto e me jogarei como um pássaro sem penas.

Uma pequena risada foi ouvida por trás do tecido, que se movia de um lado para o outro, continuando a esconder a figura de Madeleine.

?Chegamos a um acordo, senhorita Moore? ? Ele insistiu sem

se mexer.

?Sim... milorde, ? ela disse timidamente.

Madeleine puxou a cortina um pouco para estender a mão para ele. Por mais estranho que parecesse a ela, o tom quente e despreocupado do visconde a relaxara a ponto de querer se mostrar por completo, mas mantinha a reserva porque, segundo sua mãe, a desconfiança em relação aos outros não podia ser esquecida.

Enquanto aceitava esse gesto, ouviu os ofegos de vários membros da família. Uma vez que soltou a mão macia e pálida da jovem, se virou e descobriu que os gemidos foram provocados pelo médico e por Anne. Era tão estranho que ele soubesse como conquistar uma mulher? Eles achavam que a fama de um libertino, aquela que Anne recriminava, era falsa? Pois eles haviam testemunhado sua graça e autoconfiança. Com um sorriso triunfante, ele caminhou até a porta, voltou para se despedir do casal com um leve aceno de cabeça e desceu devagar as escadas.

Em alguma ocasião ela havia dito que aquele homem a assustava?

Bem, agora ele triplicou seu medo. Como poderia ser tão encantador e perverso ao mesmo tempo? Como era possível que a presença dele perturbasse o mundo inteiro? Que diabos ele escondia sob aquela figura masculina? Como poderia suportar isso por trinta dias?

?Lembre-se de tudo o que dissemos, ? o médico disse a Anne

depois de lhe dar dois sonoros beijos. ? Fique no seu lugar, que ninguém poderá difamá-la. Se tiver algum problema, escreva para nós. Se quiser nos perguntar algo, escreva-nos. Se quiser vir para casa antes de terminar o trabalho...

?Calma, pai, escreverei todos os dias, ? ela disse antes de abraçá-lo com força.

?Embora tenha dado sua palavra, embora tenha mostrado tanta seriedade, pode voltar quando quiser, ? disse Sophia, abraçando-a também.

?Estaremos fora apenas algumas semanas e temos certeza de que nada acontecerá conosco, ? ela disse, expressando em seu tom uma certeza que não sentia.

?Claro

que

nada

acontecerá

conosco!

?

Elizabeth

exclamou impaciente, ela beijou seus pais, suas irmãs e desceu as escadas correndo para descobrir em que carruagem viajaria.

?Josephine, atire assim que o ver se aproximar, ? Randall pediu a sua quarta filha depois de beijar suas bochechas. ? Sabe que tem meu apoio total.

?Sim, pai, ? ela respondeu com alguma relutância, porque em sua mente havia apenas uma imagem: a daquelas adagas que logo contemplaria. De onde elas seriam? Encontraria diferenças com a sua? O

visconde saberia como lançá-las? Deixaria que ela praticasse? Como se

comportaria seu novo guardião quando pedisse um cavalo para galopar por seus domínios? Permitiria que ela fosse caçar?

?Então já sabe, avise-nos assim que chegarem... ? Sophia terminou de dizer a Josephine.

A jovem olhou para ela com os olhos arregalados, escondeu a surpresa e respondeu a algo que havia dito, mas ela não escutara.

?Acalme-se, tudo ficará bem.

?Sentirei sua falta, pequena, ? Anne disse a Madeleine depois de abraçá-la e beijá-la. ? Mas voltarei em breve. Pode riscar os dias no calendário que papai tem na biblioteca.

?Eu sei, ? disse Madeleine, que não tinha mais uma única lágrima no rosto. E mais, parecia feliz demais para uma jovem que passara as últimas horas chorando pela partida de suas irmãs.

 

-?Sabe? ? Anne perguntou levantando as sobrancelhas.

?Sim! ? Ela exclamou antes de beijá-la na bochecha e correr ao redor da galeria pulando.

?O que deu a ela? ? A pergunta foi dirigida a sua mãe, muito propensa a obrigá-la a beber várias xícaras de tília para que a pequena suportasse qualquer situação angustiante.

?Nada. Também estou surpresa ? disse Sophia. ?Talvez tenha entendido que era o melhor a acontecer e tenha aceitado isso com integridade.

Mas Anne não se conformava com esse raciocínio. Sua bruxinha nunca pulou daquele jeito infantil. Algo a deixara feliz e, quando voltasse, perguntaria sobre essa mudança de atitude.

?Quer sair de uma vez? ? Mary disse irritada com a pantomima familiar. ? Eles à estão esperando, ? ela disse apontando para as carruagens.

?Não vai me dar um beijo de despedida?

?Não existe despedida, Anne, nos veremos em apenas algumas semanas, ? disse rudemente.

Não, é claro que ela não ia chorar, que não ia dizer que sentiria falta dela toda vez que aparecesse no quarto e que não ficaria feliz em apagar a luz sem vê-la dormir. Tinha que manter seus sentimentos em segredo para que não ficasse vulnerável, como havia explicado na tarde anterior.

?Então... vamos nos ver, ? disse Anne, colocando o casaco.

?Sim, isso, ? ela disse, se virando e indo para algum lugar onde pudesse chorar sem ser observada.

Anne desceu os degraus com cuidado. Agora que tudo estava pronto, não seria correto torcer o tornozelo que desejara luxar na tarde anterior. Andou calmamente pelo caminho estreito que levava ao portão, à saída, a ele. A borda do vestido arrastou as pequenas pedras que estavam em seu caminho. Apertou o casaco com força, como se um furacão tivesse

aparecido de repente. Cruzou o portão, se apresentou diante das cinco carruagens que a aguardavam e procurou por suas irmãs.

?Pode sentar onde quiser... ? Uma voz sussurrou atrás dela.

Anne se virou para enfrentar esse homem respeitável e educado. Olhou para cima, pois embora ela fosse alta o suficiente para uma mulher, ele estava um par de cabeças acima dela. E, quando seus olhos se encontraram, seu coração deixou seu peito para se acomodar em sua garganta.

?Vou viajar ao lado de minhas irmãs, ?disse com uma voz quase inaudível.

Seu cheiro, aquela mistura de essências picantes, colônia e tabaco, alcançou seu nariz e entrou em seus pulmões sem uma barreira para detê-lo. Ela engoliu em seco, tentou manter a calma e respirou fundo. Como enfrentaria um homem como ele todos os dias? Como poderia esquecer aquelas sensações estranhas que sentia toda vez que ele estava ao seu lado?

?Se fizer a gentileza, ? ele disse, oferecendo-lhe o braço, ? eu a levo até elas.

Mantendo uma força que ela não sentia, Anne colocou a mão naquele antebraço. Quando o tocou, sentindo-o, uma faísca elétrica a fez se sobressaltar. Tentou afastar a mão, mas ele colocou uma das mãos dele sobre a dela, forçando-a a ficar ao seu lado.

?Quero me desculpar pela interrupção de ontem, ? Logan comentou, dando uns passos tão curtos que até uma menina de dois anos os ultrapassaria. ? Meu comentário sobre... estava fora de lugar.

?Visitar um amante? ? Ela o interrompeu, sem olhar para ele e quase sem mover os lábios.

?De fato, ? ele assegurou a ela. ? Foi uma loucura falar com a senhorita daquele jeito e eu não tinha o direito de...

?Nada. ? Ela cortou novamente. ? Não tem direito a nada. A única coisa que nos une é um contrato de trabalho.

?Sim, senhorita. Isso é o que nos une até o momento..., ? ele sussurrou antes de parar na frente da porta da carruagem em que as irmãs estavam viajando. Ele a ajudou a subir, fechou a porta e a observou sentar no banco. Ela não o olhou. Agiu como se não existisse, mas essa atitude elusiva iria mudar... Depois da noite em claro que ele havia passado por causa dela, muitas ideias haviam aparecido e, felizmente, ele teria trinta dias para realizálas.

?A informação foi útil? -- Kilby perguntou quando seu senhor subiu na carruagem.

Por causa das exigências do visconde e do espaço, porque a Srta.

Moore acrescentara cinco donzelas à lista infinita de artigos para atendê-las, ele deveria viajar com sua Excelência.

?Não pode imaginar o quanto... ? Logan respondeu depois de bater no teto para o cocheiro começar a viagem.

Kilby mordeu a língua para não insistir em falar sobre isso, mas a culpa que sentia o torcia por dentro. Quando o visconde lhe disse que deveria falar com a Srta. Anne para extrair informações sobre sua família, tentou dissuadi-lo, embora não tenha conseguido. Ele havia proposto reunir-se com todos os membros por algum motivo estranho. Dessa forma, descobriu que Anne adorava a cor laranja, que sua fruta preferida era a Pêra e que gostava de passar as tardes de chuva sentada na cadeira de balanço de sua mãe. O que ele descobriu sobre Mary, a irmã que a acompanhou até a residência Whespert, o deixou congelado. Ele nunca imaginou que uma mulher tivesse tal talento na medicina. No entanto, ficou muito triste ao saber que todos os homens a rejeitaram por causa de seu grande intelecto. Agora ele entendia a razão de seu caráter azedo e a razão pela qual ela estava tão feliz quando apareceu com o livro. A senhorita Elizabeth a conhecia desde que ela era uma criança carinhosa, mas a informação que obteve sobre a doença que sofreu cinco anos atrás era nova para ele. Deve ter sido difícil olhar no espelho e ver um lindo rosto cheio de pústulas. Felizmente, tudo aconteceu e não houve sequelas. Então havia a quarta irmã, Josephine para o resto do mundo e Josh para a privacidade dos Moore. De acordo com o que Anne dissera, ela era a irmã soldado e essa atitude só agradava ao seu pai, porque viu naquela garota

o filho que não pode ter. Embora tenha ficado surpreso ao ouvir que ela praticava todos os tipos de atividades perigosas. Logicamente, uma que deixou seu senhor muito surpreso foi atirar facas. Quem chamaria esse tipo de horror de esporte? No entanto, o sorriso que o visconde mostrou ao ouvir tal loucura permaneceu gravado em sua mente. Finalmente, contou a ele sobre uma jovem garota chamada Madeleine, a última criança a nascer. Anne assegurou que ela era a mais bela e mais doce e que no dia em que um homem a descobrisse, ficaria tão enamorado daquela criatura que seria incapaz de esquecê-la. Mas a timidez que sofria desde o seu nascimento, por parecer tão diferente de suas irmãs que se achava inferior, era uma barreira pessoal intransponível. A única maneira no mundo de levantar o escudo de ferro era fazê-la sorrir. A pessoa que causasse uma leve risada, descobriria o charme da quinta irmã. Também confessou que costumava sair para o jardim e admirar os pássaros.

Kilby olhou de relance para o visconde, que se acomodara no banco, estendendo as pernas compridas para o assento oposto. Um dos desconfortos sofridos pelos Bennett era isso, não serem capazes de se ajustar à estreiteza das carruagens. Desviou o olhar daquelas pernas intermináveis e fixou no rosto dele. Ele sorriu de orelha a orelha, satisfeito com o que fizera antes de entrar na carruagem. O que seria desta vez? Teria usado toda a informação que pediu para fazer algo de que se orgulhasse? Ele teria feito

bem? Fez a coisa certa ao obedecer a seu senhor?

O mordomo jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Preferia pensar que sim, caso contrário, a viagem de dois dias se tornaria um inferno para ele.

XVIII


?Acha que o visconde fará uma festa em nossa honra?

O período de evasão mental a que havia sido submetida desde que partiram, porque não queria ouvir o incessante palavreado de Elizabeth sobre tudo o que faria quando chegassem à Harving House, foi interrompido quando a ouviu fazer a pergunta. Anne abriu os olhos, pregou-os na irmã e fez um gesto horrendo.

?Como pode pensar em tal coisa? Não está ciente de que devemos passar despercebidas? Se o visconde oferecer uma festa, depois da nossa chegada, todos se perguntarão por que motivo quer nos apresentar na sociedade, ? ela disse com raiva.

?Motivo? Não acha que é um ótimo motivo se tornar nosso tutor por um mês? ? Respondeu Elizabeth, tão zangada quanto ela.

?Nosso tutor?! ? Esbravejou Anne. Franziu a testa, apertou as mãos e soltou toda a fúria que havia contido desde que saíram. ? Ainda não sabe qual é o nosso propósito nesta viagem? Porque, até onde entendo, a única razão pela qual deixamos nosso lar acolhedor é cumprir com um contrato de trabalho.

?Não vou ficar sentada sem fazer nada enquanto estará pintando em uma estúpida tela, ? Eli murmurou, movendo-se desconfortavelmente no

banco. ? Pretendo aproveitar ao máximo a magnífica oportunidade que a vida me deu.

?Para que? ? Estalou, virando-se para ela. ? O que planejou, Elizabeth? Não pensa fazer uma das suas loucuras normais, certo? Minha missão, durante este mês, é fazer um bom trabalho para que possamos retornar para nossa casa, conforme solicitado pela mamãe ? disse ela com firmeza. ? Se em algum momento, se em algum miserável momento, tiver imaginado que é livre para fazer o que quiser, está enganada! ? Ela berrou.

?Se tornou tão obtusa que não conserta nosso futuro? ? Ela perguntou cruelmente.

?O que? ? Anne perguntou desnorteada. ? A que futuro se refere? O de se converter na prostituta de um porco aristocrata?

Depois daquelas palavras duras, Anne apertou os lábios e tentou parar sua língua maligna que desejava liberar mais atrocidades. Não era hora de discutir o comportamento descarado de Elizabeth ou sua falta de consideração. A única coisa que deveriam focar era mostrar o respeito e o conhecimento que seus pais lhes ensinaram desde a infância e se esconder dos outros o que realmente eram.

?Fala assim porque tem tudo muito fácil... ? Eli disse, dando as costas para as irmãs. Olhou pela janela e suspirou.

?Fácil? ? Josephine repetiu, silenciosamente e sem olhá-las,

continuou a limpar a lâmina de sua nova faca. ? Por que diz esse absurdo, Eli?

?Porque todas são especiais, exceto eu, ? disse com um ligeiro soluço.

?Todo mundo é especial porque, graças a Deus, não somos iguais, ? disse Anne, aturdida. ? Seu dom para criar belas e estranhas flores é.... lindo ? acrescentou com ternura.

?Sim, claro. Amanhã, quando meu rosto estiver cheio de rugas e me tornar uma velha rabugenta, direi a todos que meu maior charme é cultivar flores. Que apelo aos cavalheiros que ainda são solteiros! ? Ela comentou sarcasticamente.

?Acha que...? Realmente aceita isso...?

Anne não conseguiu terminar nenhuma das perguntas que começara. Talvez porque fosse incapaz de assimilar a confissão de sua irmã. Ela achava que era inferior aos outros? A bela Elizabeth Moore era autoconsciente? Não, não poderia ser verdade. Essa revelação era outro artifício para prejudicá-la. A mente, escondida sob o lindo chapéu, traçou um plano miserável para fazê-la se sentir uma mulher abominável.

?Bem, eu a invejo, ? disse Josh.

?A mim? ? Elizabeth perguntou atordoada, virando-se para ela. ? Por quê?

?Porque está feliz com suas flores, embora agora não queira admitir isso. Cada vez que obtém o crescimento de um novo broto, que ao longo do tempo se transforma em uma bela planta, vejo em seu rosto uma felicidade que não possuo, ? explicou.

?Bobagem! Diz isso para que não me sinta mal... ? Eli murmurou, acrescentando a essa declaração um movimento de desdém com a mão esquerda.

?Não, é verdade, ? ela assegurou. ? Muitas manhãs, quando me levanto e olho pela janela do meu quarto, vejo que sai da estufa bem feliz. Isso, mesmo que não acredite, me dá uma certa inveja. Eu a vejo tão empolgada, tão apaixonada pelo que faz lá, que ninguém suspeitaria que, no fundo, se sente infeliz.

?No dia em que me casar com um aristocrata, alcançarei essa felicidade. Enquanto isso, tenho que me contentar com o pouco que tenho, ?

ela assegurou com firmeza.

?Porque tem que ser um aristocrata? ? Josh perguntou, colocando a adaga no banco.

?Porque esse tipo de cavalheiro não valoriza o intelecto de uma mulher. Eles só querem ter ao seu lado uma linda esposa com quem andar e assistir às celebrações.

?É isso que aspira na vida? ? Anne se intrometeu, estava tão

confusa quanto surpresa.

?Sim, essa é a única coisa com que posso sonhar, ? ela respondeu antes de voltar para a janela e ficar em silêncio.

Não podia ser verdade. Anne não podia aceitar que a atitude da terceira de suas irmãs se devia a um sentimento de inferioridade em relação a elas. Era verdade que poderia se sentir assim quando Mary falava, mas... das outras? Seus olhos não eram capazes de ver a realidade que a rodeava? Ela estava sentada na frente de uma jovem que limpava a lâmina de uma faca com tanto cuidado que a transformou em um espelho. Sem mencionar o número de vezes que quebrou o vidro de sua estufa ou da casa com aquela espingarda perigosa. E as roupas dela? Não a observava com os mesmos olhos que ela? Porque parecia um jovem sem barba, mais do que uma mocinha na puberdade. E Madeleine? Ela também invejava o comportamento retraído e ilusório? Ela desejava se esconder toda vez que alguém entrasse em sua casa ou gritar horrorizada quando se sentia desamparada? E sobre ela? Não havia a humilhação e a tristeza das mortes de seus dois pretendentes ao seu lado? Anne cruzou os braços, reclinou a cabeça para trás e fechou os olhos. Elizabeth a enganou novamente, não havia dúvida sobre isso. Porque só assim poderia dar uma explicação para suas palavras errôneas e absurdas.

Por pouco mais de duas horas, as três irmãs permaneceram em silêncio. Anne manteve em sua mente que tudo o que Eli havia exposto era

uma mentira e estava procurando mil maneiras para garantir sua segurança enquanto permanecessem em Harving. Josephine, depois de limpar novamente os grãos de poeira alojados sobre a lâmina brilhante, decidira dormir e evitar a visão horrível que mostravam suas duas irmãs. No entanto, Elizabeth mantinha seu corpo rígido, não querendo que suas costas tocassem o encosto, o chapéu inclinasse ou o rosto mostrasse os sinais típicos de uma leve sonolência. Aquele silêncio infernal só foi interrompido quando notaram que a carruagem começava a desacelerar. Parecia que finalmente iam sair daquela maldita e agonizante prisão.

?Senhoritas Moore, ? disse Logan depois de abrir a porta,

?decidi descansar nesse bonito e pacífico lugar. Avisei as criadas que contratei, com grande prazer, que as ajudassem em tudo o que precisarem durante essa curta parada.

Depois de comentar e usar o tom encantador que decidira adotar quando se aproximava delas, Logan ficou pensativo ao descobrir que seu comportamento estudado não dera o resultado que imaginara. Sem desviar o olhar das três mulheres, tentou descobrir o que havia acontecido lá dentro para mostrar rostos tão assustadores.

?Muito obrigada, visconde, ? disse Josh, saltando de seu banco depois de pegar a faca novamente. Sem aceitar sua mão, ela deixou a carruagem, colocou a arma na cintura, esticou os braços para o céu e bocejou

alto.

?Que lugar lindo! ? Exclamou Elizabeth aceitando aquela mão que sua irmã havia recusado. ? Escolheu um lugar idílico. Certamente poderemos descansar desta árdua jornada e nos esforçaremos para retomar a marcha.

Desceu devagar, sorriu para o visconde, levou as mãos ao chapéu, para confirmar que não se movera e caminhou sozinha pela estrada até que um dos servos se aproximou para ajudá-la.

?Devo imaginar que sua viagem não tenha sido tão complacente quanto a minha? ? Ele perguntou cruzando os braços.

Não, claro que ele não iria oferecer a mão para ela descer. Não tinha gritado para ele que deveriam ficar afastados? Bem, ele agiria de acordo com seu mandato.

Anne o olhou como se quisesse matá-lo. Agarrou a maçaneta na parte superior da porta com a mão direita, enquanto com a outra levantava o vestido e, sem afastar o olhar fulminante, desceu devagar.

?Seus pais não explicaram que é desrespeitoso ficar quieta quando um gracioso cavalheiro faz uma pergunta? ? Logan insistiu, andando atrás dela. ? Da mesma forma que não é cortês dar as costas a um visconde.

Irritada, ela se virou para ele e quando o encontrou tão perto,

olhou em seus olhos, deu um passo para trás, literalmente mordeu a língua e foi para o lugar onde suas irmãs estavam sem gritar tudo o que tinha aparecido em sua cabeça. Nada de agradável para um gracioso cavalheiro...

O que aconteceu nas quatro horas em que estiveram viajando? O

que aconteceu com as irmãs adoráveis? Elas teriam discutido? Porque motivo? Ele e Roger faziam isso com frequência, mas depois de várias bebidas, a raiva causada pela discussão desaparecia e eles agiam como se nada tivesse acontecido. No entanto, as irmãs mostravam uma expressão dura, como se nunca pudessem se reconciliar.

Ainda pensando no por que estavam agindo assim, ordenou a Kilby que tirasse a cesta de lanches que a Sra. Donner havia preparado para a ocasião. Talvez, como a Sra. Moore explicou quando se conheceram, as três ficassem com raiva e azedassem sua natureza dócil por não terem nada em seus estômagos. Mas também não deu um bom resultado. Uma vez que aquelas criaturinhas provaram e elogiaram a comida de sua cozinheira, a jovem que se vestia como homem pegou a faca e se afastou das outras.

Elizabeth decidiu fazer uma pequena caminhada acompanhada por sua criada e Anne, sentada no cobertor, agarrou seus joelhos e manteve o olhar perdido no prado. O que devia fazer para quebrar essa situação angustiante?

?Milorde, se deseja chegar à estalagem de Crawley antes do anoitecer, não podemos demorar muito, ? Kilby informou que, como seu

senhor, não deixava de observar o estranho distanciamento das irmãs Moore.

?Dê-me quinze minutos, ? ele disse enquanto pegava uma maçã e, enquanto se dirigia para Josh, a jogava para o alto e a pegava.

Se ele quisesse descobrir o que havia acontecido entre elas, a melhor opção era conversar com a jovem atiradora de facas, já que Anne ainda estava absorvida em um mundo alheio ao que viviam e a doce Eli, caminhava em direção a um pequeno bosque onde poderia desempenhar suas funções vitais com intimidade.

Uma vez que se aproximou de Josephine e a descobriu lançando sua adaga, cruzou os braços, se apoiou em um tronco e contemplou a destreza da fera.

?Pena! ? Josh exclamou, vendo que sua pontaria não fora tão precisa quanto esperava. Ela caminhou até o robusto carvalho, pegou a faca presa na árvore, colocou a folha que havia usado como alvo em outro lugar no tronco e percorreu a distância que havia estipulado como adequado para atirar.

?Deve segurar a respiração, ? Logan sugeriu suavemente de onde estava.

?Desculpe? ? Josh perguntou, apontando a ponta da faca para ele como se quisesse perfurar seu estômago.

?Se quiser cravar a adaga naquela folha, tem que prender a

respiração, ? ele continuou explicando enquanto caminhava em direção a ela. ? Me permite? ? Ele perguntou, estendendo a mão direita para o punho da arma.

?Todo seu! ? Josephine ofereceu, com relutância.

?Quantos passos contou? ? Quis saber, sem tirar os olhos da jovem.

?Vinte desde.... Por todos os diabos do submundo! ? Ela exclamou quando viu como o visconde, sem olhar, jogara a faca e perfurara a folha. ? Como fez isso? Como conseguiu fazer isso sem visualizar o alvo?

?Tenho que confessar que nasci com um desses na mão, ? disse Logan divertido. Deixou que Josh, enquanto ainda gritava de surpresa, fosse até a árvore e elogiasse sua destreza. Ela teve que esperar até que o cabo, devido ao forte impacto, parasse de balançar de um lado para o outro para pagá-lo. Então, desenhando um enorme sorriso, a garota voltou ao visconde. ? Não quero parecer um fanfarrão, ? prosseguiu Logan. ? Mas asseguro que posso apontar para uma aranha, andando na moldura mais fina de uma janela e furar seu minúsculo corpo com a ponta de qualquer um de meus punhais, ? explicou ele, lembrando das noites em que Roger fechava as travas das janelas de seu quarto para que ele não tentasse escapar e respondia com boa noite lançando nele uma ou duas facas. ? Quer que tentemos com esta maçã? Podemos começar com dimensões maiores e ir

devagar...

?Se não for doloroso ou lamentável desperdiçar seu tempo me mostrando como fazer, ficarei encantada ? ela disse com entusiasmo.

?Será uma honra, ? falou antes de colocar aquele pedaço de fruta entre dois galhos. Ele se virou para a jovem, que levantava a adaga da maneira errada. Se aproximou dela lentamente, abriu sua mão e a colocou como deveria ser. ? Agora deve se concentrar nessa maçã. Nada pode distraí-la. Precisa manter a calma e, quando sentir como o coração relaxa o batimento cardíaco, segure a respiração e solte.

?Assim tão fácil? ? Josh perguntou, olhando para ele com o canto do olho e expressando alguma descrença em seus olhos.

?Eu garanto, ? disse Logan, cruzando os braços novamente.

Por mais tempo do que ele achava suficiente, a jovem Moore tentou relaxar. Logan esperou ansiosamente que ela prendesse a respiração, e nesse ponto ela lançaria de uma vez por todas o punhal. Mas seu desespero começou a crescer, assim como seu desejo de descobrir o que havia acontecido durante a viagem. Apenas quando abriu a boca para incentivá-la a jogar antes do anoitecer, Josh o lançou e passou pela maçã.

?Perfeito! ? Logan a recompensou. -- É a aprendiz mais eficaz que já tive.

Com aquelas palavras tão lisonjeiras para ela, Josephine pegou as

calças e fez uma reverência exagerada.

?Obrigada milorde. Não teria conseguido se não fosse um professor tão bom.

?Anda! Traga essa maçã e vamos ver o alcance de sua força! ?

Continuou encorajando-a.

A jovem foi correndo até o tronco, pegou o pedaço com o punhal enfiado e, depois de ficar ao lado do visconde, mostrou-se orgulhosa.

?O melhor lançamento que vi em anos! ? Logan comentou quando viu. ? Sem dúvida, confiaria a minha vida a senhorita se estivéssemos em perigo e não duvido que ambos fôssemos vitoriosos.

?Está exagerando, milorde, ? disse Josh, abaixando o rosto.

?Logan, pode me chamar de Logan e não estou exagerando, apenas explicou uma grande verdade. Nunca vi uma pessoa aprender tão rapidamente, ? disse ele, acariciando seu ombro esquerdo com cuidado, assim como faria com um jovem sem barba.

?Josh, ? disse a jovem depois de erguer o queixo. ? Pode me chamar de Josh, se quiser.

?É um lindo nome. Me parece muito de acordo com sua personalidade. Acho que Josephine é muito enfadonho, ? ele disse astutamente.

?Penso o mesmo, mas meus pais decidiram que o melhor nome

para mim era o da minha avó paterna.

?Josephine Moore, ? disse Logan, franzindo o nariz. ? Josh Moore.... É mais curto e mais intenso, não é? ? Ele declarou, oferecendo metade da maçã.

?Concordo totalmente, ? ela disse, aceitando o pedaço de fruta.

Com um leve movimento, Logan se virou para o caminho que os levava para as carruagens. Ele permaneceu em silêncio por um breve período de tempo, ponderando se o que pretendia fazer seria correto. Mas o desejo de descobrir o que havia acontecido durante a viagem superou em muito a culpa que teria depois de extrair da garota a informação que queria.

?Josh? ? Ele perguntou, parando de repente.

?Sim, Logan? ? Ela respondeu imitando a freada.

?Preciso da sua ajuda em algo muito importante. Vital para mim, se puder confessar algo tão...

?Pode confessar o que desejar! ? Ela disse rapidamente. ? Sou muito eficaz em guardar segredos.

?Mas talvez... talvez... eu não devesse... isso poderia... ? Ele continuou falando enquanto dava um longo passo à frente.

?Garanto que meus lábios estão selados e que a conversa que mantivermos não sairá daqui ? expos com solenidade.

?Confiarei na senhorita como se fosse o soldado mais leal do

meu regimento. ? E um enorme sorriso apareceu novamente nos lábios da menina. Um que expressava honra, respeito, orgulho e felicidade. ? Pode explicar o que aconteceu durante a viagem? Observei que suas irmãs estão com muita raiva e não gostaria de ser a razão para esse distanciamento.

?Não se preocupe, o senhor não teve nada a ver com a discussão que Anne e Elizabeth mantiveram.

?Ah não? ?Exclamou, levantando as sobrancelhas novamente.

? Então... discutiram porque não estavam confortáveis? Não gostaram da carruagem que escolhi? ? Ele disse desconfiado.

?Não se trata disso, Logan, ? ela disse, caminhando lentamente para o lado do visconde. Elas são sempre assim. Anne repreende Eli por mostrar um comportamento descarado e Eli insiste que é a única coisa que pode fazer, depois do que aconteceu com os pretendentes de Anne. Não sei se me entende... ? ela disse olhando para ele pelo canto do olho. Quando viu que o visconde assentiu, continuou: ? Nossa casa não é a mesma desde que o primeiro noivo dela morreu. Como sabe, metade do nosso sangue é cigano.

?Sim, eu sei. Sua mãe me contou quando falei com ela no outro dia.

?A nossa bisavó Jovenka foi...

?Jovenka? ? Logan interrompeu olhando para a jovem, ela fez o mesmo gesto que ele para afirmar. ? Não entendo muito bem a razão, mas

esse nome me soa muito... ? Logan comentou pensativo enquanto acariciava a barba.

?Segundo ouvi pela boca da minha própria mãe, ela era uma mulher perversa, como as bruxas que algumas histórias de criança narram. Certamente sua ama de leite lhe contou alguma dessas histórias antes de ir dormir.

?Não tive uma ama de leite, ? ele respondeu com sinceridade.

?De verdade? Pensava que os filhos dos aristocratas eram criados por criadas que os estragavam e os transformavam em crianças manhosas ? Josh disse, um pouco desapontada.

?No meu caso, não. Embora seja verdade que tive uma mulher que cuidou da minha vida durante a infância, mas não a chamaria de babá, mas de mãe, ? Logan disse calmamente.

?Oh, nossa! ? Josh respondeu surpresa. ? Não sabia que os homens eram educados de forma diferente...

?Questão de nascimento, ? Logan disse desconfiado. Se ela imaginava que sua educação tinha sido diferente porque nasceu homem, melhor. Dessa forma, evitaria a verdade. ? Então... o que aconteceu com a sua avó malvada? ? Ele arriscou voltar a conversa ao tópico que o interessava.

?Como estava dizendo, ? ela continuou depois de engolir um

pedaço de maçã, ? minha mãe se apaixonou por meu pai e eles escaparam para evitar a ira de Jovenka. Uma mulher acostumada a que todos a obedecessem por causa do medo que lhes causava. No entanto, o amor entre meus pais sempre foi tão grande que eles fugiram de Londres por muito tempo para evitar sua ira. Embora ela os tenha encontrado e, como não conseguia separá-los, gritou que a primeira de suas filhas nasceria amaldiçoada e que a família sofreria a dor que ela sofreu ao ver sua neta casada com um gajo.

?Como poderia amaldiçoar uma pessoa que ainda não havia nascido? ? Logan perguntou com expectativa.

?Não sei, acho que é coisa cigana..., mas a coisa é que, até agora, a maldição foi cumprida. Os únicos pretendentes que Anne teve estão mortos.

?Sim, mas suas mortes podem ser explicadas de maneira lógica,

? disse Logan.

?Essa é a mesma opinião do meu pai. No entanto, minha mãe, embora queira apoiá-lo em todas as suas explicações, não está conformada e continua acreditando que Anne deve se casar com um cigano para que o feitiço desapareça. Mas, como pode ver, não deseja procurá-lo.

?O que não deseja procurar? —Quis saber, enquanto observava os criados começarem a recolher as coisas e as irmãs retornavam para a

carruagem, sem sequer olharem uma para a outra.

?Um cigano para se casar, ? disse Josephine.

?Essa é a razão pela qual discutiram? ?Perguntou, levantando as sobrancelhas escuras.

?Não. A razão pela qual não querem falar uma com a outra é porque Anne repreende Eli pelo caráter descarado que ela adquiriu há alguns anos atrás e ela a culpa de que, por causa dela, tem que agir dessa forma para encontrar um marido. Embora, lá dentro, tenhamos descoberto que a verdadeira razão pela qual Elizabeth se comporta assim é porque se sente inferior a todas nós.

?Está realmente falando sobre Eli? ? Perguntou estranhando, parando novamente.

?Sim, dela mesma. Acredito que ela pensa que não é tão inteligente quanto o resto de nós e que só pode se casar com um aristocrata porque eles não gostam de mulheres inteligentes ? ela disse, depois de jogar o resto da maçã no chão.

?Realmente acreditam que nós aristocratas não percebemos o que nossas futuras esposas têm em suas cabeças? ? Disse, espantado.

?Exatamente, Logan. Nós pensamos assim. E agora, se me der licença, vou me sentar com elas antes que voltem a colocar as unhas para fora. Um traço muito característico do nosso sangue mestiço é continuar a

guerra que enfrentamos até que um dos oponentes morra.

?Claro, pode ir, ? disse Bennett sem se mover.

Enquanto observava a jovem se aproximar da carruagem, não parou

de

pensar

na

disputa

absurda.

Como

Eli

poderia

se

subestimar? Impossível! Ela não só nasceu com uma beleza impossível de superar, mas, ao falar sobre como fazer uma nova flor germinar, usava palavras que ele mesmo não compreendia. Além disso, quantos homens a contemplavam com discrição? Quantos desejavam tê-la em seus braços? Ele jogou o resto da fruta que mantinha na mão direita, secou-a na perna da calça e esfregou o rosto em desespero. Teria que mudar o plano que havia feito para aquela viagem. Precisava eliminar os problemas entre elas se quisesse alcançar algo do que planejara na noite anterior. No final, sua atitude como tutor seria verdadeira e ele teria que adotar esse comportamento com as Moore. Embora não fosse a melhor pessoa para resolver esses tipos de disputas entre mulheres. Ele fugia de mulheres furiosas! Só se aproximava delas para persuadi-las, para deslumbrá-las com suas boas maneiras e transformá-las em amantes apaixonadas. Nunca tentou descobrir o que tinham em suas cabeças ou ordenou que escondessem suas unhas!

?Por Cristo! ? Exclamou enquanto caminhava em direção à carruagem. —Como consegui entrar em tal encruzilhada?

?Tudo bem, milorde? ? Kilby perguntou quando abriu a porta

abruptamente.

?Não! ? Gritou antes de se sentar, batendo no teto com o punho, cruzando os braços e esticando as pernas.

XIX


Durante as cinco horas seguintes, ele permaneceu em silêncio, pensando em como sair vitorioso daquela situação. A última coisa que queria era aparecer em Harving House com três gatas furiosas. O que seus servos pensariam quando as irmãs andassem pela residência sem se olhar ou falar umas com as outras? Ou pior ainda... e se elas se envolvessem em uma discussão na frente deles? O serviço não daria crédito ao que seus olhos contemplariam porque, até agora, ele nunca levara mulheres à sua residência no campo e, de repente, aparece com três irmãs que tentavam arrancar as línguas umas das outras. Sem dúvida, acreditariam que seu senhor teria enlouquecido. Na verdade, ele também considerou isso, uma vez que, como ele mesmo percebeu, estava cometendo o maior erro de sua vida. Sem abrir os olhos, franziu a testa com o desconforto que aquele pensamento produzia e esfregou as têmporas, como se sofresse de uma terrível dor de cabeça. Como tinha sido tão ingênuo em fingir que tudo correria conforme o planejado? Não prestou atenção às conversas em que Evelyn se referia ao comportamento volátil das mulheres? Não. É claro que não aprendeu nada do que ela falara e o exemplo claro estava na carruagem ao lado da dele, na qual três irmãs poderiam arranhar seus rostos e puxar os cabelos a qualquer momento.

Não esperou que Kilby abrisse a porta quando a carruagem estacionou em frente à pousada que escolheu para passar a noite. Saiu sem ajuda. Quando o criado deixou o interior, com uma expressão de horror devido a sua atitude, esperou por uma ordem, como sempre. Logan observou-o em silêncio, depois fixou o olhar na carruagem em que as irmãs estavam viajando e disse:

?Informe ao estalajadeiro que precisamos de cinco quartos. Em um deles irão dormir as três irmãs. Eu imagino que vão querer se lavar e descansar antes de jantar. Então diga às criadas que contratei para vê-las o mais rápido possível. Quero que sejam cuidadas e mimadas como se fossem membros da minha própria família. Se uma delas não se comportar como ordenado, retornará a Londres na próxima carruagem.

?Sim, milorde. Quer que eu peça um celeiro para abrigar os cavalos? Não seria justo que estes animais nobres descansassem aqui fora.

?Claro! ? Ele comentou um pouco antes de caminhar em direção ao horror.

O que teria acontecido durante essas horas? Elas ainda estariam zangadas? Teriam puxado os cabelos, como imaginou? Josh apaziguaria as brigas entre Anne e Eli, ameaçando-as com a ponta de sua adaga? Haveria a possibilidade remota de que finalmente tentaram a paz? Isso, embora parecesse uma opção muito improvável, também poderia acontecer. Tantas

horas lá dentro, todas as três... pensando sobre mil maneiras de atacar umas às outras e uma única alternativa de reconciliação, ele parou aquela caminhada a quatro passos da porta. Respirou fundo, esboçou um sorriso, estendeu a mão e....

?Por Deus! ? Josh exclamou, abrindo a porta com desespero. Nunca vão parar? Prefiro usar um vestido horrendo a sofrer novamente a ira de suas línguas! Quando ela desceu os três degraus de metal e seus pés finalmente tocaram o chão, olhou para o céu e bufou. Então, no meio daquele bufo, ela sentiu que não estava sozinha. Quando virou a cabeça para a direita, o viu. O visconde estava logo atrás da porta da carruagem, imóvel e olhando para ela sem piscar. Ela o machucou? Teria acertado seu rosto? Ao imaginar que sua exasperação de sair do interior poderia tê-lo ferido sem querer, se ergueu como um soldado diante do capitão e, com um tom desconfortável, perguntou: ? Está bem? Bati no senhor? Juro pela minha honra que não o vi se aproximar. Se eu tivesse feito isso...

?Fique tranquila, Josh, está tudo bem. Não estava tão perto que pudesse me acertar, ? ele disse em um tom gentil enquanto batia de leve nas costas dela.

?Menos mal... ? Ela respirou tranquila. ?Não quero me tornar a próxima razão pela qual elas comecem outra discussão inconveniente.

?Está tão horrível? ? Ele perguntou, rapidamente colocando as

mãos atrás das costas.

?Já andou sobre as brasas de um incêndio? ? Ela perguntou, afastando-se da carruagem para que as irmãs não pudessem ouvi-la.

?Não, e a senhorita? ? Ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.

?Também não, mas suponho que seria menos doloroso notar como a pele queima em um incêndio do que o que passei ali dentro. Se fosse adulta, beberia um uísque para eliminar esse sofrimento.

?Quantos anos tem, Josh? ? Logan perguntou, olhando para a porta. Por fim, várias donzelas se colocaram ao lado das duas irmãs e as ajudaram a descer. Esperava que o tratamento gentil que ordenou aos servos reduzisse a raiva delas. Talvez depois de um banho morno, um jantar farto e uma noite sossegada, suas línguas viperinas decidissem dar uma trégua.

?Dezessete, ? ela disse, contemplando a mesma situação que o visconde observava.

?Tomei meu primeiro gole de uísque quando tinha quinze anos, então está dois anos atrasada. Convido-a para essa taça, se não achar que será perigoso para sua reputação me acompanhar.

?Aceito Logan. E não se preocupe com a minha reputação, prefiro ver o rosto de perplexidade expresso por aqueles que me assistirem beber ao seu lado a ouvir novamente as queixas das minhas irmãs, ? disse

olhando para ele e sorrindo de orelha a orelha.

?Sendo esse o caso... ? Logan respondeu, abrindo a porta para que ela entrasse na frente dele, ? vamos tomar vários deles.

?O que acha de esvaziarmos uma garrafa?

?Poderá aguentar uma ingestão assim em sua primeira vez? ?

Ele retrucou suavemente enquanto se dirigia ao bar da taverna.

?Isso irá me deixar inconsciente por várias horas? ? Josh perguntou, colocando o antebraço direito no balcão de madeira, cruzando as pernas nos tornozelos e adotando a mesma postura masculina do visconde.

?Posso assegurar que em algumas ocasiões bebi tanto que, quando acordei, vários dias haviam passado.

?Bem, é o que eu quero, ? ela disse sem tirar os olhos das garrafas.

?Taberneiro, nos dê o melhor uísque que tiver nesta pocilga! ?

Logan ordenou sem disfarçar a excitação que sentia por ter ao seu lado a primeira mulher que raciocinava como um homem.

Olhares podiam matar? Porque os olhos de Anne, quando o descobriu ao lado de Josephine, bebendo como se fossem dois piratas miseráveis, causaram a mesma dor que o impacto de uma bala na testa. Logan se endireitou, esperando que ela se aproximasse e o repreendesse por seu comportamento inadequado em relação a sua irmã. No entanto, ela

não disse nada. Apertou os lábios, pegou o vestido magenta com as duas mãos e subiu em silêncio. Por que não reprovou sua má ação? Preferia evitar a situação a enfrentá-lo? Sentia tanta repulsa? Em que momento a feriu? Logan engoliu o que tinha no copo, inclinou-se no bar, estalou a língua e imediatamente o taberneiro voltou a enchê-lo. Estava com raiva. Sim, o calor que sentia percorrendo seu corpo não se devia à ingestão de álcool, mas à raiva que aumentara quando ela o evitara. Teria sido o suficiente um...

obrigada, milorde, por dizer às donzelas que cuidassem tão bem de nós, como Elizabeth havia feito momentos antes, ou... o que pretendia? Não está ciente de que há uma jovem ao seu lado? Mas não. Aqueles olhos castanhos o olharam com desprezo e subiram as escadas como se ele não existisse. Não iria proteger a reputação de sua irmã? Não o considerava um homem perigoso? Ou talvez... aquela jovenzinha de olhos castanhos e cabelos loiros, que se vestia como um dos clandestinos em seu navio, fosse mais perigosa que ele?

?Quando disse que a comprou? ? A pergunta de Josh, referindo-se à residência do campo, interrompeu seus pensamentos.

?Faz uns seis anos, logo depois da minha primeira viagem à África.

?Já foi para a África? Como é? Existem muitos selvagens, como diz nosso pai? Já navegou no Nilo? ? Ela exclamou animadamente.

?Não, desembarquei em Cabo Verde, uma ilha na ponta mais ocidental do continente, ? ele disse antes de tomar outro gole. ?Tive que transportar a mercadoria de um dos meus clientes para essa área da África. Mas devo confessar que era um lugar tão agradável que adiei meu retorno a Londres por algumas semanas.

Sede. Sentia muita sede depois daquele olhar intenso e nem mesmo bebendo o Nilo inteiro, poderia acalmá-la. Por que se sentia como uma criança que fez algo errado e sabia que sua má atitude teria sérias repercussões? Nem Anne era uma mãe ranzinza nem ele obrigara Josh a ficar ao seu lado bebendo. Apenas fez um convite cordial...

?Pode repetir a pergunta? ? Perguntou à jovem que parecia esperar pela resposta sobre algo que ele não ouviu.

?Perguntava se o senhor se sente livre quando navega. Um dos meus maiores desejos, e que aguardo ansiosamente, é no futuro visitar outros países. É por isso que quero me tornar um soldado.

Ao ouvir essas palavras, Logan cuspiu o delicioso gole que havia dado.

?Quer se juntar à milícia? ? Ele exigiu, arregalando os olhos.

?Sim. Quando atingir a maioridade, irei me juntar ao nosso valente exército. Sei que estou preparada para enfrentar esse tipo de vida com total integridade, ? ela assegurou sem hesitação. ? O senhor mesmo

testemunhou a facilidade com que aprendo a lidar com punhais e, quando chegarmos à Harving House, mostrarei quão habilidosa sou com as armas e com que aptidão posso cavalgar.

E naquele momento ele entendeu não apenas o olhar que Anne deu, mas também muitas outras coisas sobre a família Moore. Como a jovem era capaz de pensar tal atrocidade? Josh não se olhava em um espelho? Era uma mulher! Por todos os santos! Não havia estranhado suas roupas ou seu amor por armas, já que seu próprio irmão ensinava a Evah coisas ainda piores. No entanto... um soldado? Como o pobre médico poderia suportar uma vida tão atormentada? Agora entendia o desespero que o infeliz pai mostrou naquela noite. Ele teria agido da mesma maneira!

?Tem certeza? ? Ele perguntou, colocando cuidadosamente o copo no balcão.

?Sim, ? ela disse com firmeza.

?Se assim for, desejo-lhe um bom futuro, ? disse ele, se virando para ela. Apoiou o cotovelo direito no balcão, olhou nos olhos dela, notou que não estava mentindo e falava com muita confiança, sorriu para ela e continuou: ? Com certeza vai se sair muito bem. Só tem que levar em conta um pequeno detalhe.

?Qual deles? —Josh perguntou atenta.

?Que por um longo tempo estará cercada de homens e que eles

têm certas necessidades... ? «como expressaria isso para não a machucar»? Ele acariciou sua espessa barba negra por alguns segundos, procurando as palavras certas para uma garota como ela. Deveria ser respeitador ou rude? Ele não hesitou em adotar a segunda opção. Se mostrasse a ela um mundo irreal, continuaria com aquela loucura em sua cabeça. ? As necessidades sexuais dos homens os enlouquecerão. Nenhum militar irá contemplá-la como um deles. Eles vão tratá-la como uma cortesã e, quando se recusar a satisfazê-los, irão estuprá-la. Talvez até engravide... esse é o futuro que quer alcançar? Tornar-se uma prostituta?

?Não! ? Trovejou Josh com raiva. ? Claro que não estou procurando por esse fim!

?Então é melhor repensar esse sonhado futuro. Se o que realmente quer é viajar, há outras alternativas menos... indignas, ? continuou ele severamente.

?Pensei que me apoiaria, ? Josephine murmurou, deixando o copo descuidadamente no balcão. ?Pensei que me entenderia, depois de suas palavras lisonjeiras.

?Entendo uma coisa, Josh. Sob essa aparência masculina esconde-se uma linda mulher, que está prestes a brilhar como uma estrela. Terá centenas de homens encantados e procurando a menor possibilidade de abordá-la e cortejá-la. Pode parecer irreal, mas garanto que

não estou errado. Sabe que tive muitas amantes e aprecio as mais belas qualidades em cada uma das mulheres. A sua é a coragem, além do físico espetacular que quer esconder sob essas roupas masculinas absurdas. Apenas poucas mulheres têm esse dom. Elas são tímidas, indescritíveis e sempre ansiosas pela proteção de um homem. No seu caso, não precisa dos cuidados de um marido para enfrentar o mundo. Isso, querida menina, é mais sensual e atraente do que usar um lindo vestido apertado ao corpo.

?Está errado! ? Exclamou ofendida.

?Não. Não estou, ? disse ele. ? Deixe passar um par de anos Josh, e verá que meu palpite será correto. Terá tantos homens a cortejando que não saberá qual deles escolher.

?Acha mesmo que sou como a Elizabeth? ?Rosnou, erguendo as sobrancelhas.

?Não. Não é como ela.

?Então? ? Atacou, colocando as mãos na cintura.

?Josh... São todas diferentes, mas essa diferença a faz especial e bonita.

?Não sou bonita, milorde! ? Ela respondeu, apagando de sua mente o nome daquele que a estava insultando com palavras doces.

?Minha querida Josh.... deveria olhar mais assiduamente em um espelho. Caso não tenha notado, os homens que estão sentados às mesas não

a olham com desprezo, mesmo que adote um comportamento tão masculino.

Eles a observam com expectativa porque veem o que eu notei quando a conheci. A sorte que tem, é que seu segredo estará seguro comigo. Se não, tenho certeza de que hoje à noite alguns deles subiriam no seu quarto, a colocariam em seus ombros, como se fosse um saco de feno, e a fariam sua esposa antes do amanhecer.

?Impossível! Degolaria em um único segundo, sem hesitação, qualquer homem que ousasse entrar no meu quarto sem a minha permissão! ? Ela disse com raiva.

?Se continuar aumentando o tom de voz, ? ele disse em um sussurro, ? se entregará e não poderei fazer nada para salvá-la.

?Ao inferno! ? Ela esbravejou. Olhou para os homens a quem o visconde se referia e percebeu que não estava mentindo. Seus olhos estavam cheios de inquietação e luxúria. Algo que não havia contemplado, exceto naqueles que observavam Elizabeth. Puxou a adaga em seu cinto, mostrou-a e sorriu maliciosamente. ? Posso matá-los antes que terminem seus licores, ?

ela murmurou.

?E tenho certeza de que mais do que um quer comprovar isso,

? disse Logan sarcasticamente.

Ainda mais irritada, ela se virou para o visconde, franziu a testa e apontou para ele sua adaga.

?Não sou bonita, nunca me tornarei a vadia de um homem e realizarei meu sonho, ? ela assegurou com firmeza.

?Espero que sim, ? respondeu Logan, se virando para o bar sem se importar com aquele gesto ameaçador. Pegou o copo, bebeu devagar e fixou os olhos no estalajadeiro horrorizado. ? Que a sala de jantar seja preparada em uma hora.

?Sim, milorde, ? ele respondeu sem ser capaz de desviar o olhar daquela lâmina tão brilhante.

?Vá para o seu quarto e descanse enquanto eles preparam o jantar. Informe suas irmãs que elas não devem se atrasar. Me forçaram a ser seu tutor e a agir assim até retornar com sua família. Algum problema? ?

Ele estalou, erguendo as sobrancelhas.

?Não milorde, ? Josh murmurou, colocando a arma no cinto. ? Nenhum problema.

Ela se virou, caminhou até a escada de madeira que a levaria ao segundo andar e, pisando com força cada degrau, afastou-se dele.

?Uma pequena megera... ? o estalajadeiro murmurou espantado. ? Esse tipo de mulher deveria ser açoitada com um látego para adotar o comportamento apropriado, ? ele se atreveu a dizer, como se fossem velhos amigos que se aconselhavam sobre um problema grave.

?Eu garanto, se tentar tocá-la, ela cortará sua garganta antes que

possa usar esse ditoso látego, ? ele murmurou. Bebeu o uísque de um só gole, procurou por Kilby e, quando o encontrou, fez um ligeiro movimento com a cabeça para que se aproximasse. ? Preciso me limpar antes do jantar. Confirme que a sala esteja preparada para todos os que viajaram conosco.

?Quer que o pessoal de serviço o acompanhe? Nós podemos ficar aqui. Não seria bom se.... ? Ele tentou persuadi-lo de outro possível erro.

?Disse todos eles, ? falou antes de sair em direção ao seu quarto.


***


Naquele momento, ele entendeu o rigor que Roger mostrou quando Evelyn propôs um almoço em família. Ele se sentia como o protetor daquelas catorze pessoas e essa responsabilidade era muito intoxicante para ele. O que inicialmente começou como uma pequena excursão ao seu domínio, de modo que ele e Anne passassem mais tempo juntos e obtivessem as respostas para todas as perguntas que se fazia referente a ela, se tornara mais complexa. Depois de observar a beleza de Eli, que estava sentada à sua esquerda, a nova roupa de Josh, que mudara de cor, mas ainda vestia roupas

masculinas e o vestido marrom áspero que Anne exibia, se recostou no encosto da cadeira e notou que todos imitavam seu movimento. Pegou o copo de vinho e tomou um gole. Então, doze pessoas beberam de seus copos. Apenas duas mulheres, Anne e Josephine, se recusaram a continuar com essa pantomima.

?Eli, não tive tempo de perguntar se as sementes que lhe dei, da minha última viagem, germinaram, ? finalmente quebrou o silêncio que estava na sala de jantar.

?Elas estão crescendo, ? disse a jovem com um enorme sorriso ao ser objeto de atenção. ? Embora deva confessar que no começo tinha muitas dúvidas.

?Porque motivo? ? Logan perguntou, se virando para ela enquanto um criado do taberneiro colocava, indevidamente, meio porquinho em seu prato.

?Tive que construir um pequeno lago na estufa para elas, ?

disse em um tom tão estranho que suas irmãs observaram com espanto. ?

Como bem sabe, o Nymphaea caerulea é uma espécie totalmente aquática e estão acostumadas com a água do Nilo.

?Pensei que o nome era outro, ? Logan comentou com graça. ? O vendedor me contou algo sobre...

?Sim, é comumente chamada de lótus azul, ? ela disse com

certa angústia, como se estivesse horrorizada com o fato de uma flor tão bela ter sido nomeada de uma maneira tão comum. ? Mas na realidade não deveriam chamá-las assim. Degrada-as.

?Degrada-as? ? O visconde insistiu ousadamente.

?Nos tempos antigos, eram flores sagradas, Logan, ? disse com firmeza, como se estivesse defendendo a honra das plantas. ? São tão especiais que os egípcios as adoravam como se fossem deusas.

?Porque motivo? ? Insistiu antes de cortar um pedaço de carne e trazê-lo à boca.

?Porque são... maravilhosas ? salientou com um suspiro. --

Brotam do seu interior quando o sol aparece e voltam a se esconder quando a noite chega.

?Por esse ato simples são consideradas especiais? ? Perguntou Bennett, levantando a sobrancelha esquerda. ?Poderia nomear uma lista interminável de mulheres que estendem os braços ao chegar dia e os fecham, para segurar seus amantes, à noite.

Com aquele comentário inoportuno, Anne largou o garfo que segurava na mão direita e deixou cair no prato, causando um som horrível. Logan olhou para ela, sorriu e continuou dando atenção para a jovem Moore.

?Tenho certeza de que a lista não teria fim, ? continuou Eli,

ignorando o gesto inadequado de sua irmã mais velha e o bufo escandaloso que fez para desaprovar a absurda comparação. ? Mas... aquelas mulheres poderiam alterar a percepção visual de seus amantes? ? Ela argumentou com arrogância e malícia.

?Não me diga que te dei algo com o qual poderá perturbar a mente do mundo, certo? ? Ele estalou zombeteiramente.

?Não, ? ela disse, divertida e flertando. ? Eu não sonharia em fazer uma coisa tão atroz. No entanto, é verdade que hieróglifos foram encontrados explicando como elas foram usadas para realizar rituais sagrados no antigo Egito.

?Com que finalidade? ? Ele perguntou. Limpou a gordura de seus lábios com o guardanapo, bebeu novamente e continuou a olhar para a jovem.

?Tranquilizante.... Elas fornecem um conforto pacífico e lúcido para quem os toma na quantidade certa.

?Como a tisana? ? Interpôs a criada encarregada de ajudá-la durante a viagem e que não conseguia tirar os olhos do visconde.

Elizabeth virou-se para a criada, com mais fúria do que surpresa por ter se intrometido na conversa, mas não devia censurá-la por uma atitude tão inculta. Se o visconde ordenou que o serviço se sentasse com eles, ela tinha que obedecer às regras de seu autoproclamado tutor.

?Não. A tisana é uma mistura de várias ervas. Em vez disso, um pequeno pedaço das folhas dessa flor azulada é suficiente para que atinja um efeito maior do que essa combinação, ? respondeu. Se virou para Logan, deu um enorme sorriso, como se não tivesse sido incomodada por esta intrusão e continuou: ? Esta flor foi usada como um sacramento espiritual, portanto, foi associada com o deus Ra, o provedor de luz. Pelo que li, qualquer um que ingerisse uma infusão de suas folhas poderia alcançar um estado de paz tão sublime que se acreditava que alcançaria o Nirvana.

?A senhorita me surpreende, ? disse Logan, cruzando os braços.

?Por quê? ? Eli perguntou, arregalando os olhos.

?Porque tem um dom incrível com as plantas, pequenina. Muito poucos poderiam adaptar uma flor que emerge do Nilo em uma pequena estufa e também condicioná-la ao clima de Londres. Meus sinceros parabéns.

?Não exagere! ? Exclamou Eli, envergonhada pelo elogio. ?

Qualquer um que ama a natureza tentaria cultivar lindas flores.

?Sim, possivelmente tem razão. Certamente qualquer jardineiro seria capaz de fazê-lo. Mas, diferentemente desse trabalhador, quis conhecê

la, entendê-la e descobrir do que ela precisa. Isso significa apenas que é uma jovem especial, inteligente e perigosa.

?Perigosa? ? Ela retrucou espantada.

?Sim, Eli. Muito perigosa... ? ele disse se levantando e empurrando a cadeira para longe com um leve movimento de suas panturrilhas. ? Mulheres como a senhorita, que além de possuírem um físico invejável tem um intelecto de tal índole, são muito perigosas para qualquer cavalheiro que se preze.

?Por quê? ? A jovem insistiu sem poder sair do lugar.

?Porque faz com que seja mais irresistível... ? ele sussurrou em seu ouvido.

Eli levou as mãos à boca para que a risada que queria libertar não viesse. Seu rubor, que todos podiam contemplar, até mesmo Anne, que estava do outro lado da mesa, a fazia tão bonita quanto uma criança carinhosa. Seus olhos brilhavam com a emoção e a rigidez que exibia, para mostrar a todos que suas maneiras se assemelhavam às da própria rainha, desapareceram.

?É um sem vergonha, ? ela disse baixinho. ? Nathalie sempre me avisou que era um bajulador e que podia deslumbrar a mulher mais fria do mundo.

?E consegui meu propósito? ? Perguntou travesso.

?Sim, conseguiu ? ela disse, aceitando a mão que ele oferecia para ajudá-la.

?Bem, peço para não sele seus belos lábios e conte tudo o que eu disse quando estiver com minha querida irmã em Harving ? confessou

enquanto eles elegantemente saiam da sala.

?Ela virá? ? Perguntou animadamente.

?Assim que souber que a senhorita está lá, não vai demorar um dia para aparecer ? assegurou antes de beijá-la carinhosamente na bochecha.

Bem quando sairiam, Logan olhou de soslaio para Anne. Queria confirmar se seu comportamento a deixara feliz. No entanto, errou novamente com ela. Em vez de mostrar um rosto relaxado e gratificante, ela voltava a franzir a testa, olhava para ele com ódio e, enquanto movia os dedos das mãos, parecia que o pescoço dele estava entre eles. Não era capaz de entender seu propósito? Era tão obtusa? Bem, se não o entendia, deixaria claro para ela assim que tivesse a oportunidade. Vamos ver se, dessa maneira, parava de olhá-lo como se quisesse matá-lo.


***


Duas horas e meia depois, as irmãs descansaram em seu quarto. Anne se levantou devagar e observou-as. Permaneciam quietas e calmas. Algo incomum nelas.

Durante o resto da noite, Elizabeth participara de um absurdo jogo de cartas e, tendo vencido todos os jogos, o visconde continuou a elogiar seu grande intelecto. Quando entrou no quarto, e depois que os criados

saíram, se sentou no colchão, olhou para ela e pediu desculpas por tudo o que havia acontecido durante a viagem. Ela ficou sem fala. Nunca ouviu Elizabeth falar dessa maneira, já que nunca deu o braço a torcer. Ela sempre alegou que o resto do mundo estava errado e que a única que estava certa era ela. Depois de lhe dar um beijo, para assinar aquela trégua entre as irmãs, foi para debaixo das cobertas e, sem conseguir apagar aquela felicidade do seu rosto, adormeceu. Josephine também agiu de forma diferente. Ela não se juntou àqueles jogos entre Elizabeth e o visconde. Sentou no peitoril da janela da sala o tempo todo olhando a escuridão da noite. Parecia que sua cabeça continuava pensando em algo muito importante para ela. Mas... o que seria? No entanto, essa atitude estranha aumentou quando chegaram ao quarto. Até hoje, ela jamais tinha se metido na cama coberta com um camisolão, ela costumava cobrir seu corpo com uma camisa bem larga que liberava suas pernas. Mas, diante de seu olhar atento, ela se despiu ajudada pela criada e deixou que a vestisse. Uma vez que aceitou o toque da roupa, sentou-se no colchão, colocou a adaga no chão e, depois de um breve boa noite, se cobriu, evitando dar uma explicação para seus atos estranhos. O que aconteceu com elas? Por que mudaram suas atitudes e de forma tão rápida?

Colocou os pés no chão, acariciou seu rosto desesperadamente e suspirou. A única coisa que tinham em comum era que haviam estado com o visconde por algum tempo e pareciam viver sob sua influência. O que ele

teria dito a elas? A que tipo de encantamento as havia submetido para que se esquecessem de tais características? Desde quando Josephine não dormia com o punhal embaixo do travesseiro? E Eli? Quando aprendeu a palavra perdão?

Oprimida por tudo o que estava acontecendo, ela se levantou e vagou pelo quarto. Precisava falar com o visconde sobre seu comportamento inadequado. Mesmo que no jantar e na frente de todos tenha se proclamado seu tutor, que a deixou sem palavras e incapaz de engolir um pedaço daquele leitão delicioso, precisava lembrá-lo de que a única razão pela qual as três estavam ali era para cumprir o contrato que assinara. Todo o resto sobrava. Ela não queria que ele se aproximasse delas, sussurrasse para elas, as envergonhasse ou as seduzisse como se fossem o próximo entretenimento sexual dele.

Desesperada e admitindo que não dormiria até ter certeza de como deveria agir com suas irmãs, foi até a cadeira, vestiu o robe de seda preta e, mal fazendo barulho, saiu do quarto.

Felizmente para ela, aquele corredor não era muito longo, então começou a colocar a orelha em cada porta para adivinhar quem estava dentro. O primeiro, sem dúvida, era o quarto da Sra. Donner. Ainda estava resmungando porque o cozinheiro da estalagem não acrescentara legumes ao prato de carne. Continuou com o seguinte, o das donzelas. Elas pareciam

galinhas gargalhando sobre algo que a fizeram rir em voz alta. Se moveu suavemente para o próximo. Silêncio. Muito silêncio até...

?Não! Como pode pensar em tal absurdo?

A voz de Kilby era bastante peculiar, assim como a do jovem Howlett, o criado do visconde. Certamente eles estavam discutindo o traje elegante que o vilão usaria na manhã seguinte. Não tinha dúvida de que Kilby estava procurando algum que desse ao seu senhor uma imagem firme e solene enquanto o jovem tentava explicar que a elegância era primordial para um homem de sua classe e porte.

Incapaz de apagar um leve sorriso do seu rosto, Anne continuou com a próxima porta. De repente, se abriu, como se alguém estivesse esperando por sua chegada. Ela se agarrou à parede, colocou as mãos no peito, por causa do susto, e ficou paralisada quando viu uma criada, de camisola, sair do interior.

?Mil perdões... me desculpe, vossa excelência. Pensei que... ? a mulher gaguejou entre soluços. ? Juro que não vou mais fazer isso. Cometi um erro que...

?Fora! ?Logan gritou. ? Saia agora! ? Acrescentou com aquele tom cruel e rude.

A criada abaixou a cabeça quando a encontrou no corredor, cobriu o decote com as mãos e correu para o quarto onde as outras criadas

estavam hospedadas.

Anne, incapaz de desviar o olhar da porta, incapaz de sequer se mover para fugir para seu quarto e ficar em segurança, viu uma sombra enorme caminhar em sua direção decisivamente. Uma vez que a luz iluminou essa figura, ela engasgou. O visconde não usava a camisa, o cabelo estava solto e o cinto da calça estava aberto. Sem apagar o semblante feroz do rosto, ele a olhou como se ela fosse o maior inimigo de Londres.

?O que está fazendo aí? ? Esbravejou. Descansou o braço esquerdo no batente da porta, mostrando descaradamente a visão oferecida por seus músculos tensos, e acrescentou: ? Estava me espionando? Queria saber qual reação teria ao mandar uma empregada para meu quarto? Achou que me rebaixaria assim?

?Eu... não... ? ela gaguejou. ? Só queria...

?O que? O que quer, Anne? ? Ele disse furiosamente. ? Quer verificar se sou o libertino que todo mundo fala? Quer ter certeza de que suas irmãs estarão seguras comigo? ? Ele acrescentou àquelas perguntas duras, um olhar sombrio cheio de ódio.

?Essa não foi a minha intenção... ? ela terminou dizendo. Colocou as mãos nas lapelas de seu manto, apertou as solas dos pés no chão, virou e tentou se afastar de lá. No entanto, não conseguiu. O

visconde agarrou seu braço esquerdo e puxou-a para ele.

?É esperta, querida, ? disse ele, aproximando o rosto do dela. ? Demais..., mas não conseguirá o que quer.

?Não quero nada, milorde, ? respondeu, erguendo o queixo, desafiando-o com o olhar.

?Não? ? Perguntou com certa zombaria enquanto cravava os olhos no pequeno decote que o manto deixava à mostra. ? Bem, acho que sim, ? declarou antes de unir sua boca à dela.

Nunca a beijaram tão cruelmente. Seus lábios, ao impacto, foram danificados, feridos por aquela pressão selvagem. Rapidamente, tirou as mãos das lapelas do seu manto e colocou-as naquele peito forte e duro para empurrá-lo para trás. Mas ele não se mexeu. O visconde era tão hercúleo que não percebeu que suas palmas haviam sido colocadas naquela parte de seu corpo. Tentou desviar a cabeça de uma só vez, para evitar aquele contato brusco. No entanto, não conseguiu o que pretendia. Ele colocou uma de suas grandes mãos atrás de sua nuca e certificou-se de que ela não se movesse.

?Não gosta de ser beijada? ? Ele perguntou depois de separar um pouco os lábios dos dela. ? Ou seus pretendentes não a ensinaram a beijar com paixão? ? Ele argumentou sarcasticamente.

Em seguida, sua mão direita, que sentia o calor daquele corpo, cujos dedos tocaram o pelo espesso do torso masculino, se afastou de ambos os corpos e, depois de subir, atingiu a face esquerda do visconde.

?Me beijaram muito melhor que o senhor. Então não acredite no direito de me julgar. Até agora, seus lábios tocaram vadias sonhadoras e não se deliciaram com o gosto de uma verdadeira mulher ? disse com orgulho.

?É essa mulher, Anne Moore? ? Ele perguntou, não percebendo a dor que causara a tremenda e merecida bofetada.

?Isso jamais saberá, ? disse antes de se virar e voltar para o seu quarto.

Uma vez que fechou a porta, a trancou, caminhou para sua cama, sentou-se e tocou sua boca. Um líquido quente se derramava do lábio inferior. Ele a machucou. O bastardo a mordeu quando ela não abriu a boca para responder esse beijo. Mas... alguma vez pensou que teria uma chance com ela? Achava que durante a viagem a deslumbraria a ponto de torná-la sua próxima amante? Irritada, limpou com as costas da mão as pequenas gotas de sangue, olhou para elas e jurou que preferia morrer a se entregar a um homem como ele.

Pela primeira vez na história de sua linhagem, uma moça cigana não sonhava com o homem com quem se casaria, mas com o homem que mataria prontamente.

XX


Irritado não era a palavra exata para descrever o estado em que ele estava.

Logan não tinha sido capaz de descansar durante a noite, andou pelo quarto até as primeiras horas da manhã, e quando finalmente recostou no colchão, não foi capaz de fechar os olhos para se permitir um leve descanso. Por que diabos ela elaborou esse plano tão terrível. Estava tão desconfiada que enviou uma empregada para seduzi-lo? Ela achava que era tão perverso quanto seu pai? Não, ele não podia se comparar ao homem que o gerou. Jamais usou o poder que sua posição lhe dava para abusar delas, pelo contrário, as respeitava tanto que às vezes nem sequer falava com elas. Por essa razão, em suas duas residências, as salas de serviço foram estabelecidas no primeiro andar. Ele não queria que nenhuma delas pensasse que, durante a noite, ele aparecia dentro de seus quartos alegando algo que não estava previamente acordado no contrato. Ele era um homem muito atencioso com seus criados. Nunca olhou para uma criada de qualquer outra maneira além de agradecer-lhe pelo seu bom trabalho. Lembrando, além disso, que suas amantes eram viúvas ou solteironas aristocratas. Mulheres libertinas e desavergonhadas como ele.

Ele não era seu pai, maldito seja!

Incapaz de pensar em outra coisa senão na maldade de Anne, observava chegar o novo dia. Levantou-se, foi até a bacia e molhou o rosto, para eliminar quaisquer sinais de fadiga. Então bateu na pequena peça de mobília com força, fazendo-a tremer. A maldita bruxa deduziu, de certo modo, que ele nunca fecharia a porta com um trinco, talvez tenha adivinhado pela imagem arrogante que mostrara, e pressentisse que a criada ignorante entraria sem dificuldade. Foi por isso que ela entrou sem fazer barulho e só a descobriu quando se aproximou da cama. A princípio, achou que era outra visão, pois o que seus olhos observaram não podia ser real. No entanto, quando notou que ela desabotoou os botões de sua camisola e mostrou seus seios, ele se afastou dela e ordenou que fosse embora imediatamente. Apesar de ouvi-la soluçar e se desculpar, sua raiva não diminuiu. Se a mulher não tivesse saído de seu quarto tão rápido quanto exigiu, ele a teria jogado abruptamente no corredor, onde Anne permanecia... Como ela poderia ser tão depravada para ficar do lado de fora ouvindo o que estaria acontecendo lá dentro? Não tinha vergonha? Queria estar presente se aceitasse a oferta? Bem, ela ficou muito desapontada. Não só rejeitou a criada, mas ela recebeu uma punição bem merecida por seu plano diabólico. Beijou-a com violência, com uma fúria excessiva e, para que nunca se esquecesse do que havia acontecido, mordeu seu lábio até machucá-lo. Ele provou o gosto do seu sangue. Um que logo o mataria, porque seu gosto não era doce, mas

azedo, como o de um veneno.

?Milorde? ? Howlett perguntou quando abriu a porta. ? Está acordado? Tenho em minhas mãos o traje que escolhi. Acho que, apesar de o Sr. Kilby não concordar, é a melhor opção para aparecer em Harving House.

Com o cabelo molhado, ele emergiu das sombras oferecidas por aquela parte escura da sala. Caminhou lentamente até o valete e, quando olhou para ele, gritou assustado.

?Por todos os demônios que conheço!

?Onde está Kilby? Por que não bateu na porta? Todos acham que têm permissão para entrar meus aposentos quando quiserem?

?Não fique com raiva. Seu leal mordomo ordenou que eu o acordasse porque ele está lá embaixo fazendo outro trabalho importante, ?

ele explicou, ao depositar as roupas na cama desfeita, colocar as mãos na cintura e observar sem piscar. ?Entendo que depois do que aconteceu, está de mau humor, mas isso não lhe dá o direito de mostrar uma imagem tão inapropriada. Lembre-se de que, durante suas viagens, lhe dou permissão para negligenciar sua aparência, mas no continente não é agradável que alguém o observe de um jeito impróprio a um visconde.

?Me permite? ? Logan rosnou olhando para ele como se quisesse jogar mil facas. ? Eu pensei que trabalhava para mim, não o contrário.

?Bobagens! -- Exclamou o criado sem deixar que intimidasse seu caráter relaxado. ? É um aristocrata, um cavalheiro honesto e, como declarou durante o jantar, o tutor dessas três senhoritas. Então precisa...

?Se pegar essa navalha, juro que vou usá-la para cortar sua língua, ? disse Logan enquanto o observava ir até a bacia para pegar os utensílios de barbear.

?Jesus bendito! -- Gritou assombrado o rapaz, enquanto recuava seus passos. ? Onde está o generoso visconde que tenho servido por cinco anos? Alguém o viu desde ontem depois do jantar? ?

Perguntou olhando para a sala da direita para a esquerda.

?Vai me vestir de uma vez ou também quer voltar para Londres?

? Grunhiu novamente Logan.

?Ah! É isso! ? Howlett disse fazendo um leve movimento da mão direita, como se estivesse espantando um inseto voador. ? Aquela harpia já está a caminho de seu lar pérfido. Que insulto à sua pessoa! ?

Ele acrescentou, pegando as calças primeiro. Mostrou ao visconde e depois de um aceno, começou a vesti-lo. ? Existem mulheres horríveis no mundo. Na verdade, elas são todas harpias. Garanto que já sabia o que aquela donzela era quando a vi pela primeira vez. Receio que ela tenha aceitado o emprego porque presumiu que cuidaria de si mesma, no entanto, quando recebeu o cuidado da jovem Eli, se pôs a gritar ao céu. Não acha que as

premissas do servo são absurdas?

?O que quer dizer? ? Logan perguntou enquanto amarrava o cinto.

?Não tem olhos no seu rosto, milorde? ? Ele respondeu colocando as mãos de volta na cintura. ? Não a notou no jantar? Ela nunca tirou seu olhar maligno do senhor! E aquela intrusão? Por Deus! ?

Exclamou revirando os olhos. ? Como pode interferir em uma conversa entre o senhor e a jovem?

?Todos nós tínhamos o direito de conversar durante o jantar. Foi por isso que pedi a Kilby que todos nos acompanhassem ? esclareceu.

?Que gentil é! ? Ele respondeu pegando a camisa, sacudiu e estendeu esperando que ele se virasse para ajudá-lo a colocá-la. ? É o homem mais benevolente que já conheci. Mas também o mais tolo.

?Por que me define dessa maneira? ? Ele estalou, afastando as mãos para apertar os botões de sua camisa.

?Aquela harpia, porque não posso nomeá-la de outra maneira, estava esfregando as mãos desde que Kilby a contratou. Como os outros servos disseram esta manhã, seu principal objetivo neste trabalho não era atender a jovem Moore, mas descobrir se a reputação de um bom amante que se espalhava por Londres era verdadeira.

?E? ? Logan levantou as sobrancelhas.

?E ela recebeu o que era devido, ? disse Howlett, depois de ajudá-lo a colocar o colete. ? Que horror! Como pode pensar que o senhor permitiria que ela dormisse em sua cama? ? Ele argumentou horrorizado.

?Talvez alguém possa tê-la incitado a isso... ? manifestou-se com suspeita.

?Garanto que não, ? ele disse, se virando para sua jaqueta. ?

Kilby é um grande especialista em descobrir verdades, embora seu gosto para se vestir seja terrível.

? E? ? Repetiu enquanto colocava os braços nas mangas do paletó.

?E a própria ousada confessou que fez isso sozinha e que ela pensou ter visto em seus olhos, durante a noite, um certo convite apaixonado. ? Ele afastou as partículas de pó que haviam caído na roupa enquanto estava no colchão, se afastou do visconde e mostrou-lhe a gravata vermelha. ? Este tom dará um toque muito viril.

?Está me dizendo que essa criada apareceu no meu quarto por vontade própria? ? Perguntou enquanto se recusava a usar aquela roupa de cor horrível.

?Exatamente, ? ele assegurou com firmeza. ? Aquela criatura ruim acreditava que lhe daria o prazer que deu a outras mulheres. Pequena descarada!

?Sim, pequena sem vergonha... ? Logan repetiu quase sem voz.

?Milorde requer algo mais deste humilde servo? ? Howlett perguntou depois de confirmar que o visconde mostrava a imagem que ele queria, mesmo que não tivesse colocado a gravata e não tivesse feito a barba.

?Mais uma coisa, Howlett.

?O que desejar, milorde.

?Sabe se as Moore já acordaram?

?Acordaram, tomaram café da manhã e estão prontas para sair,

? o informou. ? São jovens muito especiais. Qualquer mulher em seu lugar teria esperado por sua criada para acordá-la e vesti-la. No entanto, quando as criadas apareceram no dormitório, estavam prontas.

?Então, não as deixe esperar. Diga a Kilby que não tomarei café da manhã hoje.

?Não está com fome, milorde? ? O jovem exigiu surpreso.

?Perdi meu apetite, ? assegurou antes de se virar, andando até a janela e observando a agitação da rua.


***


?Por mais que procure uma palavra adequada não encontro outra para definir o que aconteceu, exceto a de horrível, ? comentou Elizabeth

quando a carruagem partiu. ? Logan deve se sentir muito mal para não nos acompanhar no café da manhã ou ter entrado em sua carruagem sem nos cumprimentar. Talvez ele se sinta envergonhado pela situação pela qual passou com aquela bruxa.

?Sim, deve ter sido terrível e humilhante para ele... ? apoiou Josephine que, mais uma vez, agia de forma diferente.

Depois que Kilby a ajudou a entrar na carruagem, ela levantou o assento e colocou a adaga dentro, então recostou no banco e fixou o olhar em Elizabeth, que se sentou em frente a ela.

?Se estivesse em seu lugar, teria lhe dado umas chicotadas na frente de todos ? Eli resmungou indignada. ?Ela as merecia por acreditar que Logan seria capaz de se rebaixar a uma mulher de sua posição. Ele nunca toca nas criadas!

?Será o primeiro aristocrata a nascer com alguns escrúpulos, ?

resmungou Anne, que continuava escondendo a ferida no lábio.

?Seu pai, o ex-marquês de Riderland, deixou grávida quase todas as criadas domésticas que trabalhavam com ele. Logicamente, tanto Roger quanto ele não continuaram com essa atrocidade, ? disse Eli rudemente ao comentário doloroso de sua irmã. ? Já lhe disse muitas vezes que eles são uma família muito especial e que, apesar de terem sangue azul, são muito diferentes de outros aristocratas. Sem ir mais longe, o marquês

atual expressa seu amor por sua esposa sempre que o agrada, sem se importar com quem os rodeia.

?E isso parece apropriado? ? Soltou Anne. ? Porque para mim seria desrespeitoso se eles se mostrassem tão afetiva na minha frente.

?Bem, acho maravilhoso, ? respondeu Eli. ? Não há nada mais bonito do que amar a pessoa com quem se casou e que seja correspondido. Caso tenha esquecido, nossos pais agem da mesma forma quando estamos presentes e nunca ouvi de seus lábios uma reprovação a essa atitude afetuosa, ? ela lembrou.

?Como bem disse, na nossa frente, de suas filhas. Mas eles mantêm distância quando há convidados ou vão a uma festa, ? assegurou sem diminuir seu ódio em relação a tudo que se referia ao visconde e ao seu bom comportamento.

Doía. Seu lábio ainda latejava da dor que sentia. Toda vez que se virava e o travesseiro o tocava, ela abria os olhos, amaldiçoava o visconde, virava para o outro lado e avaliava a maneira mais apropriada e sutil para arrancar seu coração. Como lhe ocorreu que ela fizera um plano tão absurdo? Por que ele a beijou de maneira tão prejudicial? Se queria machucá

la fisicamente, tinha conseguido, pois seu lábio estava partido, mas sua dignidade ainda permanecia intacta.

?O que te aconteceu? ?- Josephine perguntou.

?Quando? ? Anne respondeu quando deduziu que a pergunta foi dirigida a ela pela forma como a olhou. Josh tocou um dedo no próprio lábio para repetir aquela exigência com um gesto. ? Eu caí da cama.

?Caiu? ? Eli interveio espantada. ? Como pode fazê-lo se os colchões em que dormimos eram maiores que os nossos?

?O meu era muito desconfortável e, embora tenha procurado uma posição adequada, na qual meus ossos não doessem, não a encontrei. Eu rolei e rolei até meu rosto bater no chão imundo.

?Por que não me acordou? ? Josh comentou. ?Teria pedido ao estalajadeiro algum gelo para reduzir o inchaço e hoje não teria um lábio tão volumoso. Parece que se envolveu em uma briga e que seu oponente lhe deu um bom soco de direita, ? ela disse com algum divertimento.

?Talvez Kilby tenha alguma pomada que possa diminuir sua inflamação. Aquele homem guarda tudo em seu baú. Ontem, a senhora Donner queixou-se de um desconforto na panturrilha esquerda e ele ofereceu um bálsamo para acalmar a dor, ? Eli explicou, enquanto movimentava as pernas.

Ela também estava sofrendo, mas não quis informar o mordomo sobre isso, pois sabia que sua queixa chegaria a Logan e que ele, em um ato de caridade, atrasaria a viagem um dia para que a dor desaparecesse. Como ela insistia em esclarecer, o irmão da Natalie era muito especial.

Olhou para Anne, que continuava tocando o lábio dela. Devia doer muito porque toda vez que tocavam lábio, um ponto de sofrimento e amargura aparecia em seu rosto. Talvez ela tivesse que falar com Kilby e ajudá-la. Essa atitude protetora, sem dúvida, consolidaria a paz entre elas.

?Quando

diz

que

vamos

parar? ? Josephine perguntou movendo-se inquieta no banco.

?Acabamos de sair! ? Eli reprovou-a.

?Bem, minha bunda dói, ? a jovem resmungou. ? Nunca pensei que uma viagem fosse tão angustiante. Estou ansiosa para sair daqui!

?Não disse que o seu maior desejo na vida era viajar? ?

Anne comentou com mordacidade. ? Bem, acostume-se a isso. Nem tudo é tão maravilhoso quanto pensa.

?Tem uma atitude muito negativa desde que deixou a nossa casa

? Josh disse com raiva. ? Pensei que relaxaria esse seu mau humor mudando de ares.

?Ah pensou é? ? Anne respondeu entortando os olhos.

?Por favor... relaxe ? concordou Eli. ? Como Howlett explicou para mim, o visconde não fará uma parada na estrada durante esta segunda viagem. Ele quer chegar a Harving o mais rápido possível e isso significa que ficaremos aqui por cerca de cinco horas.

?Cinco horas? ? Josh esbravejou.

?Vá se adaptando, irmãzinha. Isso será o que conseguirá se quiser ver o mundo, ? Anne murmurou.

No momento em que Josh responderia, Eli colocou as duas mãos sobre seus joelhos, negou com a cabeça e sorriu para ela.

?Estarei longe desta gaiola de abutres assim que chegarmos lá,

? ela disse, cruzando os braços, se recostando e fechando os olhos.

?Uma decisão muito sábia ? Eli respondeu depois de respirar fundo.

Uma vez que Josh se afastou mentalmente delas, olhou novamente para Anne e notou que não só mostrava dor, mas seu rosto expressava um enorme ódio que a perturbou. Onde projetava esse ódio? Ela estava com raiva do colchão ou do golpe? Teria ferido a cabeça também? Mary sempre disse que um golpe na cabeça poderia transformar uma pessoa. Até contou, em detalhes, o que aconteceu com um jovem ladrão que pulou pela janela e, incapaz de segurar qualquer coisa, bateu no chão. Pelo que entendeu, além de não poder andar novamente, sua antiga personalidade desapareceu: ele deixou de ser um ladrão para ajudar outras crianças que estavam começando a cometer crimes. Será que algo semelhante aconteceu à sua irmã? Esse golpe a transformou em uma mulher rude? Se for assim, que Deus a ajude, porque o que aconteceria nos próximos dias nunca seria esquecido...


***


A viagem era muito curta...

Desde que descobriu que a serva não agiu de acordo com as ordens de Anne, Logan foi incapaz de olhá-la nos olhos. Ele cometera um erro, o maior erro de sua vida e não sabia como enfrentar a terrível situação.

Enquanto a carruagem continuava na estrada sem fazer um misero descanso, não parava de procurar uma solução para o problema. Ele finalmente chegou à conclusão de que o melhor curso de ação era se desculpar e prometer que nunca mais duvidaria de sua palavra. No entanto, quanto mais se agarrava a essa ideia, menos sensato parecia. Já estava começando a conhecer o caráter das Moore e sabia que não seria fácil para ele conseguir seu perdão. Não havia apenas ferido seu lábio, um ato que reprovava a cada segundo que passava desde que Howlett explicara a verdade, mas também a culpava por ser uma mulher perversa, uma que não admitia que, sob aquela aparência, havia um homem sensato e capaz de garantir a segurança de suas irmãs. Talvez ele não fosse tão sensato quanto imaginava. Se em vez de ser levado pela raiva, tivesse perguntado a ela a razão pela qual se aproximou de sua porta, talvez nada disso tivesse acontecido...

Lembrando que Anne tinha aparecido na frente de seu quarto com um roupão, seu corpo estremeceu. O que ela queria? Por que esperou que todos dormissem para sair de seu quarto e se dirigir a ele? Logan cerrou os punhos, escondido dentro de seus bolsos, e respirou agitado. O que ela queria? Teria um problema e queria sua ajuda para resolvê-lo? Como ele tinha sido tão miserável para julgá-la sem perguntar a causa pela qual ela se apresentava?

?Milorde... ? Kilby falou enquanto observava seu lorde enrugar a testa, como se sentisse uma dor terrível.

?Diga... ? ele respondeu com uma voz cansada.

?Estamos chegando. Já posso ver os gigantescos telhados de Harving House ? anunciou, esperando que o arrependimento que ele demonstrava desaparecesse quando descobrisse que a cansativa viagem terminaria em breve.

Logan, com um movimento repentino, colocou as solas dos sapatos no chão da carruagem, se sentou à frente e olhou pela janela. Por que o tempo passou tão rápido? Por que não durou até que encontrasse o caminho certo para lidar com esse problema? Agora ele tinha que sair da carruagem, mostrar um sorriso, como se nada tivesse acontecido, e mostrar a elas aquele paraíso. Não estava preparado para fingir uma atitude agradável quando seu coração não parava de bater na pressão da angústia que sofria. Por

que não podia se manter firme com Anne? Por que olhava para ela de forma diferente? Estaria, afinal, assustado com os rumores da maldição e seu subconsciente agia para se defender contra esse terrível fim? Mas ele não havia se apaixonado por ela. A única coisa que poderia garantir era uma ligeira atração, só isso. Além disso, ele nunca estaria em perigo porque possuía o sangue cigano correndo em suas veias e, se Josh não estivesse errada, essa fonte o salvaria da morte.

?Atenda as Moore, ? ele pediu, recostando-se no banco.

?Milorde? ? Ele perguntou virando rapidamente para o visconde, surpreso com a decisão que havia tomado para suas convidadas. ?

Não é apropriado que as ajude. É o senhor quem deve fazer isso, bem...

?Desde quando discute minhas ordens? ? Respondeu acidamente.

?Eu... me desculpe... não queria... ? Kilby abaixou a cabeça, em sinal de submissão e esperou, sem dizer mais uma palavra, que o cocheiro estacionasse na entrada da imensa residência.

Uma vez que pararam, ele abriu a porta, saiu, virou dentro da carruagem e curvou-se ligeiramente para Logan, que manteve os olhos fixos na parede oposta. Kilby se virou para as senhoras, que continuavam sorrindo e as ajudara a descer, como ele havia ordenado.

Enquanto isso, Bennett parou de olhar para aquela superfície

acolchoada e observou-as. A primeira a aparecer foi Josephine. Ela abriu os olhos para a magnitude da propriedade. Em seu rosto, se podia ver claramente o entusiasmo que a jovem sentia. A ele aconteceu a mesma coisa quando aquele tratante a mostrou. A segunda foi Elizabeth que, depois de ajustar o chapéu, colocou a mão esquerda na testa, porque os raios fracos do sol a cegaram e ela sorriu. Logan estava prestes a desviar o olhar quando Anne começou a descer. Ele não queria descobrir a decepção que ela mostraria em seu rosto. Ele tinha certeza de que nada que visse seria agradável depois do que acontecera entre eles na noite anterior. No entanto, quando ela se curvou para a frente, aceitando a mão de Kilby, e levantou um pouco o queixo, para ver o que estava à sua frente e não tropeçar, observou a atrocidade que tinha causado em seu lábio inferior. Estava inchado, como se em vez de um beijo brusco tivesse lhe dado um soco. Como pôde ter sido tão selvagem com ela? Onde estavam as maneiras que aprendeu desde que se tornou um jovem sedutor? As tinha perdido. E, por mais difícil que fosse, sempre desapareciam quando ela estava perto. Agindo por instinto, porque a parte racional de sua cabeça desaparecia junto com seu bom comportamento; abandonou a carruagem e com um passo firme foi em direção à pessoa que havia machucado.

?Senhorita Moore ? disse uma vez que ficou ao lado dela, invadindo o espaço que todo mundo quer ter para que não se sinta

incomodado. Mas Anne avançou, como se ele não existisse.

?Oh Logan! ? Elizabeth exclamou quando se virou e descobriu que tinha saído para atendê-las. ?É linda!

?E grande! ? Josh acrescentou com o mesmo entusiasmo de sua irmã.

?Anne, por favor, preciso falar com a senhorita sobre... ?

Logan insistiu quando viu que ela permanecia fria, distante e em um agonizante silêncio.

?Me permitirá percorrê-la? ? Josh perguntou novamente, refazendo os passos que ele tinha dado até que se colocou ao lado do visconde.

?É claro, ? disse Logan, se rendendo ao desapego e indiferença da Moore mais velha. ? Pode percorrer meus domínios o quanto quiser.

?Tem

estábulos

e

cavalos?

?

Insistiu

a

jovem

entusiasticamente.

?Sim, ? respondeu Logan, aceitando o braço de Eli e a companhia de Josh. Anne, por outro lado, afastou-se dele, evitando-o. ? Mas vamos falar sobre tudo o que pode fazer neste lugar magnífico durante o jantar. Agora, senhoritas, devem se instalar nos quartos que lhes serão designados.

?Vamos ter um quarto para cada uma? ? Josh perguntou

atônita, porque era a primeira vez em dezessete anos que o teria. Ela sempre dividiu um quarto com Madeleine e durante a viagem com Anne e Elizabeth. Como seria ter alguma privacidade? Ela seria capaz de dormir ao se sentir tão sozinha?

?Isso mesmo, ? disse o visconde, depois de ficar em frente à entrada principal. Longe. Anne ficou longe deles e não tinha intenção de se aproximar. ? Kilby, peça que a Sra. Donner entre na cozinha e prepare um jantar saudável para nós. Depois desta longa viagem, temos que compensar nossos hóspedes com as delícias que nossa cozinheira faz.

?Sim, milorde, ? respondeu o mordomo, pisando com firmeza no limiar. Ele esperava que o visconde não tivesse notado a perplexidade que sentia. Esperava que seus anos de doutrinação não o tivessem traído. Mas se isso tivesse acontecido, não se importava. O que realmente lhe interessava era descobrir por que seu senhor estava sofrendo com essas mudanças bruscas de comportamento.

?Senhoritas... ? Deu um passo para o lado e as convidou para entrar em sua casa. ? Sintam-se em sua casa.

Elizabeth entrou primeiro, depois Josephine e Anne ficou parada no último degrau, olhando para as varandas dos quartos no segundo andar, como se contasse os metros de distância que teria que saltar para fugir da casa. Determinando que ela não aceitaria uma única palavra amável de sua

parte e que o distanciamento entre eles seria inevitável, Logan se moveu em direção ao salão, mas não antes de fechar a porta atrás de sua entrada, a deixando do lado de fora.

XXI


Não deveria ter pensado que, depois de tudo, desceria como se nada tivesse acontecido. O ato de fechar a porta para aplacar aquele orgulho, mais típico de uma mulher da classe alta do que de uma burguesa, aumentou a raiva que suportara desde a noite anterior. Mas ele havia dado o primeiro passo em direção à reconciliação, em direção àquela trégua que teriam que manter enquanto permanecessem em Harving e ela se negou, desprezando-o com tanta desfaçatez que o machucou.

Sem dúvida, Anne não guardou sua vaidade em algum baú que trouxe, ao contrário, exibiu-a com uma elegância e educação muito típicas da aristocracia. Cinco minutos antes de Kilby anunciar que a sala estava pronta para o jantar, a criada que a atendia pediu permissão para falar e, concedendo-a, explicou que a Srta. Moore não os acompanharia, que sentia muito por estar ausente, mas sua exaustão impedia que saísse do dormitório até o dia seguinte. Como um bom anfitrião e responsável, ordenou que ela levasse o jantar ao seu quarto e a visitasse regularmente. A segunda ordem era para comprovar se ela não havia pulado pela janela e voltado a pé para Londres, mas isso ele guardaria para si.

?Imagino que amanhã, depois do descanso, ela estará recuperada, ? assegurou Eli, aceitando a mão oferecida pelo visconde para

levá-las à sala de jantar. ? Anne não está acostumada a viajar e se cansa muito rapidamente.

?Bem, se bem me lembro, seu pai me pediu para levá-la no meu barco por semanas... ? ele disse desconfiado.

?Que

incongruência,

não

é?


?A

jovem

disse

rapidamente. Permaneceu calada, para não comentar sobre algo do qual poderia se arrepender em um futuro muito próximo, afastou os cachos loiros que tocaram seu ombro esquerdo e olhou para a sala.

?Não culpe meu pai, Logan. Juro que ele apenas tentou cumprir o seu desejo, ? disse Josh, não parando de observar tudo o que estava ao seu redor.

Boquiaberta. Era assim que ela estava desde que entrou naquele lugar. Não era uma residência ostensiva, nem o visconde se gabava da riqueza que possuía com móveis absurdos, luminárias ou mil ornamentos que vira em algumas residências de Londres. A decoração era um pouco rude, mas muito masculina. Adagas, espadas, escudos, grandes esculturas de guerreiros, telas imensas retratando cenas de guerras importantes ou belas paisagens costeiras, mesas de cerejeiras incríveis e ásperas, tapetes que não tinham fim, cortinas que não escondiam o que estava atrás, mas que lhes dava um tom suave.... Um castelo medieval estava em frente aos seus olhos! Só faltava encontrar uma armadura do seu tamanho e poderia se sentir a dona e

senhora daquelas terras.

?Por que Paris? Durante a sua juventude, alguém a levou para aquela cidade? ? Ele perguntou. Ajudou Eli a se sentar à sua esquerda e depois fez o mesmo com Josh, que se sentou à sua direita.

?Nós nunca tínhamos saído de Londres até agora ? disse Eli.

Sabe que meu pai não pode se ausentar. O que seus pacientes fariam sem seu amado Dr. Randall? ? Ela disse.

?Então, por que escolheu essa cidade? ? Logan insistiu.

?Escutei meus pais falando sobre isso ? Josh compartilhou novamente, endireitando as costas quando notou um servo se aproximando para servi-la. ? Acredito que essa loucura para ir a Paris vem das conversas que ela teve com o Sr. Hendall. Aparentemente, ele só falava sobre esse assunto em seus encontros românticos.

?Josephine! ? Eli exclamou, escandalizado pelas palavras inoportunas de sua irmã.

?O que? ? Respondeu, olhando para ela sem piscar. ? Nós todos sabemos que Anne e Hendall tiveram um romance apaixonado e essa foi a razão pela qual nossos pais foram forçados a..... Oh! Por que me chutou?

?Desculpe minha irmã, Logan, a coitadinha é um pouco confusa. Na verdade, ela não sabe o que aconteceu ? murmurou as últimas quatro palavras. ? Naquela época mal tinha dez anos e era uma menininha

que corria pela casa levantando uma espada de madeira e gritando sem parar.

?Não importa, Eli. Certamente Josh entendeu mal por causa de sua pouca idade.

?Sim, muito mal, ? ela respirou, aliviada.

?Embora... ? ele disse pensativo ? isso explicaria por que seus pais concordaram com esse compromisso não lucrativo, já que todos conheciam a reputação de Dick Hendall. Sua empresa não só estava em falência, mas sua obsessão em visitar as cortesãs dos bordéis era um grande problema para qualquer esposa que demonstrasse certa dignidade.

E Elizabeth queria morrer naquele momento. Como Josh tinha sido tão descuidada? Ela ainda não entendia o que significava o conceito de segredo familiar? Se chegasse aos ouvidos de Anne que sua irmã havia declarado que tinha se comprometido com Hendall por ser descuidada, a Casa Harving seria destruída por um incêndio devastador.

?Existem

muitas

razões

pelas

quais

os

casais

se

comprometem. Mas imagino que não saiba nada sobre os sentimentos porque, como declarou em mais de uma ocasião, nunca procurou uma esposa. ? Depois de sua explicação, ela se sentiu orgulhosa de si mesma. Talvez, como o próprio visconde disse, ela fosse uma mulher muito perigosa por causa da inteligência que supunha não possuir.

?Casamento? ? Logan perguntou como se o tivesse

ofendido. ? Nunca! Sou uma alma livre e jovem demais para ser aprisionada por tamanha loucura... ? Ele se virou para Josh e notou que ela não parava de olhar para a taça, como se tivesse uma sede insaciável. Ele sorriu maliciosamente, agarrou a dele e levantou-a. ? Um brinde?

?Claro! ? Ambas responderam.

?Pela nossa vida, a nossa unicidade e para alcançar sonhos impossíveis.

?Por isso! ? As irmãs responderam antes de beber.

Não podia reclamar, o jantar fora bastante proveitoso para ele. Talvez devesse até ficar feliz com a ausência de Anne, pois descobriu muitas coisas sobre ela. No entanto, ainda estava chateado por saber que ela manteve um idílio apaixonado com Hendall. Como tinha sido tão iludida a ponto de se entregar a um homem tão inadequado para ela? O que Dick fez para que ela se apaixonasse? Declarou seu amor com palavras ou com presentes absurdos? Isso o fez sorrir? Anne desfrutou das carícias daquele canalha?

Essa última pergunta provocou um leve rosnado. Não devia importar para ele, nem o deixar tão perturbado, descobrir se ela gostara daqueles

encontros

românticos

que

Josephine

comentou,

mas

acontecia. Estava completamente furioso, tanto que queria bater em tudo que encontrava em seu caminho. E o que sentia em seu peito? O que a pressão no

peito significava? Raiva? Ciúme de um homem morto? Tinha que agradecer a Deus que Hendall estava fora de seu alcance, porque se o infeliz ainda vivesse, o teria aniquilado. Como poderia ser tão cretino para fazer uma jovem de apenas vinte anos se apaixonar? Tão obcecado em conseguir a honra de casar com a filha do médico que não notara o sofrimento ou a humilhação que sofreria? Planejara isso? Claro que sim! Nenhum pai se oporia a um casamento ruim se sua filha perdesse a virtude. Foi o que aconteceu: os Randall foram forçados a aprovar o casamento porque Anne fora levada por um falso amor.

?Demônios! ? Exclamou, apagando o charuto com fúria. Pegou o copo de whisky que tinha na mesa e bebeu em um só gole.

Não havia escrúpulos na sociedade. Não havia respeito real. Onde as aparências mostravam pessoas dignas, apenas almas podres estavam sob as vestes elegantes. Conhecia pouquíssimos casamentos que se afastavam daquela miséria: o de seu irmão, de seus dois amigos e o de Trevor Reform, cunhado de Philip. Será que ninguém colocava a felicidade acima da obsessão de conseguir uma imagem considerável? Não, claro que não. Só se importavam em como poderiam fazer para alcançar respeito social e admiração. Mas ele era diferente. Nunca humilhou as mulheres, nunca tentou usar o título que teria no futuro para agir em seu prazer. Era honrado...

Aquela reflexão o perturbou tanto que afundou na poltrona. Como

podia julgar os outros tão facilmente? Por acaso não se comportara com Anne da forma que agora criticava? Teve de assumir que usou seu poder para fazê

la assinar um contrato, assegurando que ao seu lado ela alcançaria uma fama adequada e não a havia humilhado? Duas vezes em menos de um dia: na noite anterior e depois fechando a porta na cara dela. Tinha que corrigir, tinha que voltar a ser o homem que realmente era e se afastar da pessoa que havia se tornado. Era verdade que Anne o perturbava, que isso trazia o pior dele à tona, mas ele precisava relaxar e encontrar a sanidade que ela fez desaparecer. Assumiria que ela era sua contratada, que lhe devia um pedido de desculpas e, naturalmente, afastaria de sua mente que ambos compartilhavam o sangue cigano e a estranha visão que teve ao beijá-la.

?Por todos os mundos miseráveis deste universo maldito! ? Ele exclamou quando se levantou. ? Isso acaba aqui e agora! ? Disse para si mesmo enquanto caminhava em direção à porta.

No entanto, a caminho da galeria, lembrou-se das palavras de Josephine sobre o relacionamento com Hendall. Por que seu peito ainda estava doendo? Por que não foi capaz de acalmar a raiva que vinha de dentro? Teria enlouquecido? «Ela é minha e será até que eu morra». As palavras de seu irmão voltaram a atormentá-lo ainda mais. Anne não era sua, nem ele pretendia que fosse. Até que apareceu em sua vida, usando aquele vestido laranja horroroso, ele desfrutava de uma vida de solteiro que adorava,

que desejava manter. Então... o que estava errado? Por que ainda sentia ciúme de um homem morto? Por que queria voltar no tempo para evitar que aquele desgraçado a tocasse? Depois daqueles pensamentos inadequados, o otimismo, a calma, a paciência e tudo o que Evelyn lhe pedia ao tratar uma mulher, desapareceram e fortaleceram o caráter despótico que teve desde que a conhecera. Ela havia viajado para lá para cumprir um contrato, estar sob sua proteção, seu comando e.... para acatar todas as ordens que viessem à sua mente! Desde quando uma mulher recusava sua presença? O que Hendall tinha que ele não era capaz de superar? Todas as mulheres o descreveram como um homem sedutor, charmoso e o mais apaixonado que apareceu em suas camas. Então... o que diabos estava errado com Anne para vê-lo como um ogro?

?Maldita seja! ? Exclamou, parado no meio da escada que o levaria ao segundo andar, onde estavam os quartos de suas convidadas. ? O

que está fazendo comigo? ? Se perguntou depois de acariciar, com desespero, o cabelo já solto. ? O que pretende fazer? Me matar? Foi assim que assassinou seus pretendentes? Não precisou de uma arma, tinha mais do que o suficiente com esse comportamento teimoso e a confusão que provoca nos homens...

Diante de uma consideração tão inadequada, voltou a se sentir como um vilão, o filho do diabo, de que tantas vezes o chamaram quando era

apenas uma criança. Se virou e desceu os degraus que havia subido. Precisava encontrar algum controle antes de confrontá-la. Não estava em posição de se desculpar como ela merecia. Naquele momento se tornou aquele ogro que Anne via quando olhava para ele. Talvez no dia seguinte, quando ambos tivessem ponderado e descansado...

No entanto, assim que chegou ao final, quando só devia continuar pelo piso branco até o escritório, onde estivera desde que as duas irmãs Moore haviam se retirado, respirou fundo e olhou para cima. Precisava esclarecer o que tinha feito antes de se trancar em seu quarto, antes que todos falassem sobre a atitude esquiva de Anne em relação a ele. Tinha que esclarecer o erro trágico e que a paz retornasse ao seu mundo de obscuridade, se afastando finalmente daquele ciúme miserável que havia nascido dentro dele.

Lentamente, abatido por ter que assumir uma derrota, um sentimento que nunca pensou ter por uma mulher, subiu a escada novamente e desta vez não se virou.


***


Anne olhou para a bandeja de comida, que a criada trouxera momentos depois de dar a desculpa perfeita para não comparecer ao jantar, e

fez um bico de aborrecimento. Não tinha apetite. Sentia-se tão triste e zangada que não conseguia nem pegar o garfo para levar um mísero pedaço daquela deliciosa ave à boca. Tudo o que queria era jogá-la pela janela, esperando que isso atingisse a cabeça do homem mais odioso do mundo. Oh, sim, isso eliminaria todo o ódio que sentia e faria dela uma mulher feliz! Teve que apagar rapidamente o sorriso que seus lábios desenharam ao imaginar a situação, já que não queria que a ferida reabrisse e que derramasse mais alguma gota de sangue por causa dele. O odiava. Sim, ela odiava o visconde e a única coisa em que conseguia pensar era dar a ele uma boa lição. Agarrou a camisola com força e puxou-a como se quisesse rasgá

la. Não deveria ter assinado o acordo. Tinha que agir com mais sensatez para não errar novamente. Quando ele insistiu em que faria dela uma pintora famosa, devia ter feito com que soubesse que já era e que a sua presença só lhe traria problemas, como tinha acontecido desde que o conheceu.

Irritada ainda mais ao admitir que tudo o que acontecia com ela era resultado de sua imaturidade e impetuosidade, se virou para a janela e caminhou em sua direção até que suas pernas tocaram a parede fria. Abriu lentamente a cortina, pois não tinham o peso nem o toque das que tinha visto antes e olhou para fora. O brilho de um relâmpago iluminou a entrada da mansão, os topos das árvores eram movidos pelo vento e suas folhas voavam de um lugar para outro. Descansou o ombro direito sobre a moldura da janela

e suspirou enquanto olhava para o caminho que haviam percorrido até chegar à porta. Se aproximou. O visconde se aproximou dela no exato momento em que as irmãs se afastaram e tentou conversar sobre o que acontecera na noite anterior. Sabia que ela não teve nada a ver com a aparição da criada. Na verdade, estava tão surpresa quanto ele e, portanto, não soube como reagir. Por que a rechaçou? Não a queria ou o motivo tinha algo a ver com o que Elizabeth declarou? Preferia se deitar com as mulheres de sua classe?

Enquanto se fazia essas perguntas, ouviu um pequeno ruído no quarto, mas o vento era tão forte que não prestou atenção, porque deduziu que era ele quem o provocava. Se virou para o quarto escuro, porque não havia deixado nenhuma luz acesa e suspirou novamente. O visconde não tinha sido terno com ela, pelo contrário, sua grosseria a deixara tão irritada que não se lembrava de já ter passado tantos momentos com raiva em sua vida. Triste sim, vários. Mas nunca ficou em um ir e vir de cólera. No entanto, ele agia de forma diferente com suas irmãs. Tratava ambas como ternas e doces princesas. As fazia sorrir e as elogiava tanto que se sentiam envergonhadas com suas atenções. E o que fazia com ela? Exceto pela noite em que o encontrou na festa e, por sorte, ele não se lembrava dela, adotou um comportamento severo, autoritário e despótico. O que acontecia entre eles? Por que o destino insistia em uni-los quando não eram capazes de falar duas palavras sem discutir ou se ofender? Virou-se para a janela, levou dois

dedos aos lábios e os acariciou devagar. Como seria um beijo apaixonado do visconde? Machucaria? Todos as suas amantes sangravam depois que ele as beijava? Ou era terno, como se mostrava com suas irmãs?

Um calafrio apareceu no momento em que outro relâmpago iluminou os campos. Anne esfregou os braços para aliviar a sensação de frio. Mas não desapareceu. Há muitas horas que rondava pelo quarto em uma camisola fina e seu corpo estava entorpecido. A melhor coisa para se aquecer era ir para a cama e se enrolar nos dois cobertores grossos fornecidos pela criada. No entanto, antes de se virar para a cama, olhou para fora até as primeiras gotas de chuva baterem no vidro. Amava os dias chuvosos. Adorava porque era o momento em que se trancava na sala de pintura e, enquanto dava forma a uma imagem, o som da água batendo no chão ou nos vitrôs se tornavam uma melodia. Suspirou profundamente, como se aquela respiração profunda lhe desse a força que precisava para continuar vivendo. Tinha que ficar firme, calma e fazer um bom trabalho. Quando tudo terminasse, ela e suas irmãs poderiam voltar para casa e continuar a vida que desfrutavam até a chegada do visconde. Só esperava que fosse em breve...

?Se eu estivesse no seu lugar, eu reconsideraria o que está pensando, ? Logan comentou, acreditando que Anne estava pensando em pular pela janela.

A voz do visconde fez com que ela se virasse tão rapidamente que

sentiu uma ligeira vertigem. Apertou os olhos, procurando nas sombras a figura do autor das palavras. Mas não o encontrou porque estava escondido na escuridão proporcionada por algum canto do seu quarto.

?O que faz nos meus aposentos? ?Esbravejou. ? Saia agora! ? Ordenou irada.

?Se continuar a gritar assim, despertará todo mundo e quando nos descobrirem, pensarão que nós temos um caso. Quer me tornar seu próximo noivo? Isso parece uma ideia atraente, Anne? ? Ele disse, dando vários passos para frente, finalmente se mostrando diante dela.

?Fora daqui! ? Insistiu com um grito tão enérgico que sua garganta doeu. ? Como se atreve...

Uma das mãos do visconde, que se aproximou dela com uma rapidez felina, cobriu a boca, silenciando-a imediatamente.

?Disse para ficar quieta. Não quero que nos descubram ? ele sussurrou.

Mas Anne não se submeteria a essa ordem e lutou contra aquele corpo imenso. Primeiro o chutou na canela, o que lhe causou uma dor terrível no próprio pé. Então levantou as mãos, para puxar o cabelo, no entanto, o visconde, com um movimento ousado, recuou tanto, que seus dedos só conseguiram sentir a maciez daquele cabelo liberado de seu habitual recolhimento.

?Não ouve? É surda? ? Logan murmurou, esquecendo novamente o tratamento educado que havia decidido mostrar a ela.

Anne continuou acenando com as mãos, tentando alcançar um mísero fio de cabelo. No final, cansada, as abaixou, olhou para ele desafiadora e observou a diversão que seu rosto expressava. Como ele conseguia que as mulheres se rendessem? Todas as suas amantes foram agredidas no meio da noite? Pois ela não desistiria e lutaria até que não houvesse uma única gota de sangue em seu corpo. Deu um passo para trás, para se distanciar daquele torso vestido apenas com uma camisa branca meio abotoada. Não teve sucesso, ele a agarrou com a outra mão e a deixou imóvel.

?Vim me desculpar pelo que fiz ontem ? ele disse baixinho. Seu tom, quente e calmo, alterou Anne ainda mais. ? Eu sinto muito, não queria assustá-la ou machucá-la. Juro que me sinto miserável e....

Logan ficou em silêncio quando notou algo quente em sua mão. Não era a respiração dele, porque ele prendeu a respiração. Anne sangrava novamente. Sua ferida se abriu ao pressionar os dedos contra seus lábios. Ele rapidamente tirou a mão da boca e contemplou a evidência. Queria bater em si mesmo por prejudicá-la novamente, por não ser capaz de agir com consideração quando estava na frente dela. Com muito cuidado, o polegar da mão manchada foi colocado no lábio ferido e, como uma carícia, gentilmente

afastou a gota de sangue que queria molhar o queixo levantado. Quando a tirou, olhou para ela e rosnou.

?Pretendia me ferir novamente? ? Anne perguntou com raiva, sem admitir a tristeza que o visconde refletia em seus olhos ou como seu rosto mostrava um sincero arrependimento.

?Juro que nunca machuquei uma mulher ? ele disse, acariciando sua bochecha esquerda com os nós dos dedos. ? Preferia cortar meus braços antes de...

?Corte-os! ? Ela disse, se recusando a reconhecer a agradável sensação que sentia na suave carícia e na calma que lhe causava.

?Anne... ? Logan murmurou, dando um passo para trás, removendo bruscamente essa proximidade e tentando fazer as emoções que corriam por suas veias desaparecerem.

Era como se a parte que odiava, a que repudiou desde o nascimento, ganhasse vida quando a tocava e ansiava por tudo que pudessem oferecer um ao outro. Era por isso que não poderia se comportar com Anne como fazia com as outras? Ela acordava a metade que tanto tinha escondido e a odiava por isso? E por que fazia isso? Seria verdade que os sangues ciganos se chamavam?

?Imploro que saia ? disse ela, com a mesma calma e firmeza. ? Quero que me deixe em paz, e não volte a aparecer dessa

forma. Entendo que a casa é sua e que trouxe centenas de mulheres para serem atacadas no meio da noite, mas não sou como elas. Tenho honra e orgulho, milorde. Bem como sensatez e sanidade ? acrescentou altivamente.

?Não sairei daqui até conseguir o vim buscar ? disse ele cruzando os braços.

Era melhor manter aquela postura defensiva com ela do que beijá

la com o desejo e o ardor que sentia dentro dele. Por que era tão difícil para ele desviar o olhar? Por que não parava de olhar para aquele cabelo comprido, a silhueta que se escondia sob a camisola e aquela boca sedutora? Hipnotizado. Não havia dúvida de que estava hipnotizado.

?-E.... o que é que veio buscar? ? Resmungou.

?Um perdão ? ele respondeu, aliviado ao concentrar a conversa no objetivo que havia estabelecido para si mesmo, em vez das idas e vindas de reprovações.

?Quer que o perdoe por me culpar injustamente? Por ter me machucado? Por invadir minha privacidade? Por fechar a porta? Por...

Ela não conseguiu terminar, o visconde deu um passo em sua direção e se mostrou como ela o enxergava: um monstro. Um monstro enorme e feroz que, com um simples dedo, poderia esmagá-la.

?Se não quer visitas inapropriadas, da próxima vez coloque a trava ? ele disse cruelmente. -- Ou talvez não saiba como fazer isso? Foi

assim que Hendall a cortejou? Permitiu que ele entrasse? O recebeu com calor?

?O que?! ? Ela perguntou, atordoada. ? O que sabe sobre meu relacionamento com Dick? Quem acredita que é para falar comigo desse jeito?

?Seu tutor ? ele declarou em um tom sério e imutável.

?Meu o que? ? Perguntou fora de si. ? Saia daqui! Saia! ?

Continuou gritando enquanto golpeava seu peito nu com os punhos. ?

Perverso! Maldito! Como ousa falar comigo dessa maneira? Como se atreve a falar de Dick? Ele era um cavalheiro! Você...! Não sabe o que isso significa! ? Continuou sem parar de bater nele.

?Tem razão... ? Logan finalmente disse. Agarrou seus pulsos e os puxou para longe de seu peito. ?Sou um desgraçado miserável que te acusou de algo injustamente, que machucou seu lábio e que... ? ele respirou

? e que invadiu sua privacidade para fazer um pedido de desculpas.

?Não... não tem o direito de me tratar assim. Não sou uma prostituta... ? ela soluçou.

?Não tenho direito a nada ? disse solenemente. ? E não a considero assim tão inapropriada. Quero respeitá-la, preciso fazer isso, ? ele assegurou. ? Mas antes de termos um tratamento cordial, preciso aplacar minha consciência. Tenho que confessar que não fiquei nem um segundo em

paz desde que soube a verdade sobre o que aconteceu ontem. Tenho que acabar este calvário o mais rápido possível.

?Não sabe o que essa palavra significa... ? Anne murmurou, afrouxando a força de suas mãos até que o visconde as soltou. Esfregou-as devagar, virou-se para a janela e caminhou em direção a ela sem desviar o olhar de fora. A chuva se intensificara. Aquelas primeiras gotas, que apenas acariciavam o vidro, foram transformadas em minúsculas pedras que o açoitavam como se quisessem quebrá-lo. ?Vá embora, eu imploro. Não quero que me incomode novamente. Não tem o direito de me humilhar dessa maneira. ? Suspirou. ? Se pudesse controlar o tempo, o faria retroceder para que meu pai não pedisse sua ajuda... ? Esfregou os braços novamente.

?Mas veio a mim ? declarou Logan, dando um passo na direção dela, mas parou quando viu Anne levantar a mão para impedir seu avanço. ? E eu quero ajudá-la.

?Não pode me ajudar. Não percebe que não somos capazes de permanecer calmos nem mesmo um mísero momento? Tudo isso se converteu em uma loucura e só vai nos trazer sérios problemas ? pensou em voz baixa.

?Me dê uma chance, Anne. Me deixe mostrar que está errada. Nós temos um acordo e vamos realizá-lo.

?Não... ? ela murmurou, também balançando a cabeça.

?Sim! ? Ele disse, agarrando-a pelos ombros e virando-a para ele. ?Farei o que prometi. Será capaz de ser a mulher que quer, mas primeiro deve me perdoar. Minha raiva me cegou, achei que me colocou a prova.

?A prova? ? Perguntou, olhando em seus olhos.

?Sim, assumi que queria deixar claro para suas irmãs que não sou um homem em quem elas possam confiar. Pensei que estava procurando uma desculpa para quebrar o acordo que assinou e isso me irritou. Apesar de tudo o que ouviu sobre mim, sou um homem de palavra e sempre cumpro minhas promessas ? disse em um tom suave, mas firme.

?Só queria pedir para deixá-las em paz. Não quero que as trate com carinho, com ternura e encha a cabeça delas com falsas esperanças. Nós não somos como os outros ? declarou, incapaz de tirar os olhos dos dele.

Por que começou a acalmar sua raiva? Por que parecia andar em uma nuvem? Que motivo tinha sua cabeça para afirmar que suas palavras eram verdadeiras? Por que a olhava daquele jeito apaixonado? Gostava de estar na frente de uma mulher que o odiava tanto?

?Confia em mim ? ele pediu. Tirou a mão direita do ombro e colocou-a no queixo sedoso, como se estivesse falando carinhosamente com Nathalie. Mas aquele contato, o que sentiu quando a tocou novamente, não causou a mesma reação calorosa que sua irmã causava. O queimou com

paixão. Criara uma necessidade inaudita até então, até o fizera desprezar a vida libertina que teve antes de conhecê-la. Lentamente, bem devagar, o polegar voltou a acariciar aquele lábio ferido, como se o leve toque pudesse curá-lo. Inclinou-se para a frente, com fome de lamber aquela gota seca que vagara sem rumo pelo queixo precioso e que não vira antes. Por que sentia o desejo de abraçá-la, consolá-la, fazê-la entender que em seus braços encontraria proteção genuína? Por que a boca dela o incitava a beijá

la? Confuso, se afastou rapidamente. Não podia pedir a ela para confiar nele e perdoá-lo e depois beijá-la. Que tipo de demente era se agisse assim? A melhor coisa para ambos era manter uma distância adequada e fazer o que prometera, mesmo que não conseguisse naquele momento o perdão que procurara. Talvez, com o tempo, desse a ele. —Amanhã vamos começar o trabalho. Quanto mais cedo terminar, mais cedo poderá ir, ? declarou, virando as costas para ela e adotando um tratamento distante novamente. ?

Até amanhã, senhorita Moore. Vamos nos encontrar depois do café da manhã e não se esqueça de passar o trinco se quiser evitar outra visita inesperada durante a noite ? acrescentou antes de sair e fechar a porta.

XXII


Foi a última das três a descer, embora não tivesse dúvidas de que se levantara da cama primeiro. Mas permaneceu por várias horas dentro de seu quarto pensando na aparição do visconde e na conversa que tiveram. Ela não chegara a nenhuma conclusão exata, exceto que invadira sua privacidade para fazer um pedido de desculpas ao qual ela negara. No entanto, suspeitava que suas palavras de arrependimento fossem verdadeiras. Em nenhum momento demonstrou arrogância, mas simplicidade e humildade. Bem, alguma fúria também, mas só quando fez referência a Dick. Quem contou sobre ele? Como soube que teve encontros românticos e clandestinos? Os seus encontros com Dick foram a fofoca de Londres? Uma enorme tristeza apareceu quando se lembrou disso. Embora tenha descoberto que ele a estava traindo, embora estivesse certa de que suas palavras de amor não eram reais, ansiava por aqueles momentos em que seu corpo parecia flutuar e corar ao ver como um homem a observava furtivamente. Queria sentir borboletas no estômago novamente, queria se sentir como...

Sentou de repente no colchão, fazendo a saia de seu vestido marrom, o que usava quando ia pintar, se mover como uma onda corajosa do mar. Por que o visconde se recusou a levá-la em seu navio? Apesar de todos os perigos que enfrentaria em alto mar, não havia mais qualquer dúvida de

que, se ele ordenasse que não a tocassem, ninguém desobedeceria ao seu comando. O visconde era um homem severo e autoritário, também poderia acrescentar imprudente, porque se alguém os tivesse descoberto no quarto com a luz apagada, ela de camisola e ele com a camisa desabotoada... o que teriam pensado? «Quer me tornar seu próximo noivo? Isso parece uma ideia atraente, Anne? ", se lembrou das perguntas que fez quando apareceu das sombras. Estava prestes a cair no chão ao vê-lo daquela forma tão fantasmagórica. Seu cabelo estava solto, tocando seus ombros, se movendo ao contrário dos passos, o olhar intenso, pois seus olhos em vez de azul pareciam negros, seu queixo firme, escondido sob uma barba negra negligenciada..., mas o que deixou Anne atordoada foi observar o conforto que mostrou quando se apresentou com o torso descoberto. Não sentia vergonha? Era tão vaidoso que tinha certeza de que qualquer mulher cairia aos seus pés, se revelasse uma certa parte de seu peito forte? Anne colocou as mãos no rosto e esfregou-o abruptamente. Não era vaidoso, sabia perfeitamente bem o efeito que causava quando se aproximava de uma mulher e teria conseguido isso nela se não tivesse sofrido um colapso nervoso. Quantas damas rezariam para ele aparecer em seu quarto no meio da noite? Quantas orações foram ouvidas e respondidas? O desespero que percorreu seu corpo tornou-se raiva, cólera, um estranho senso de propriedade. O que acontecia com ela? Por que sua pele queimava? Por que

pensava nesse absurdo? Estaria doente?

?Oh, meu Deus! ? Exclamou, exasperada.

Não, não estava doente. O que realmente acontecia com ela era algo muito comum entre as mulheres de sua raça. O sangue de seu pai não podia lutar contra o da cigana e esse lhe pedia, quase todos os meses, pelo apego ao calor masculino. Mary não disse que era comum entre as mulheres da sua idade? Que seu corpo reclamava aquilo que ainda não havia chegado? Pois estava reclamando novamente. O visconde havia despertado essa necessidade que mantinha guardada porquê da última vez em que não a controlou, cometeu um grave erro.

Exalou todo o ar em seus pulmões, levantou do colchão, foi até a penteadeira e fechou os olhos antes de se ver refletida no espelho. Devia estar ciente do que aconteceria nos próximos dias e esquecer de todas as alterações que sofreria. Assim que tomasse o café da manhã, começaria o trabalho combinado e, se tudo corresse bem, terminaria o mais cedo possível. Deixaria esse estágio de sua vida em algum lugar de seu cérebro, onde as lembranças seriam removidas com o tempo. Assim, voltaria a ser a Anne de sempre e lutaria sozinha contra esses impulsos ciganos.

No final, abriu os olhos e observou a si mesma no espelho. Congelou quando percebeu que seu rosto tinha um brilho estranho. Por que os círculos usuais sob seus olhos não apareciam? Ficara

acordada a maior parte da noite, mal conseguira descansar e, apesar de tudo, estava esplêndida. Depois de se recusar a pensar sobre a razão pela qual sua aparência não coincidia com a dor que sentia em sua alma, saiu do quarto, mas não antes de confirmar que o visconde não estava esperando por ela no corredor, para se certificar de que não enviaria a criada com outra desculpa absurda. Respirou calmamente, descobrindo que ninguém a estava esperando e que a casa permanecia em absoluto silêncio. Desceu calmamente as escadas, admirando finalmente tudo o que encontrava diante dela. Não estava com pressa. Quanto mais cedo terminasse o café da manhã, mais cedo o encontraria novamente e não queria enfrentá-lo tão cedo, não é?

?Bom dia! ? Josephine cumprimentou-a enquanto mastigava um pedaço de torrada. ? Descansou? Está se sentindo melhor?

Anne, depois de repreendê-la por falar com a boca cheia, caminhou em direção a Elizabeth, que decidiu usar um de seus belos vestidos de seda azul e tinha seus cabelos dourados em um coque alto, beijou-a na cabeça e depois fez o mesmo com Josh, que a surpreendeu por não estar com os cabelos presos por um laço como sempre, mas, ao contrário, deixara que sua criada os recolhesse, deixando-o parecido com uma espiga de trigo, ela se acomodou em uma das cadeiras que ficava perto.

?A tempestade me acordou no meio da noite ? disse por fim, enquanto um dos criados servia o chá. ? Então não consegui dormir. Talvez

sinta falta da minha cama mais do que deveria.

?Dormi maravilhosamente! ? Josh exclamou. ? Fiquei encantada com o toque dos lençóis de cetim, o colchão é muito macio, os cobertores tinham um cheiro delicioso de flores silvestres e....

?E os cinco copos de vinho que ingeriu no jantar também lhe pareceram adequados? ? Elizabeth disse com raiva.

Embora sua irmã tentasse não exagerar, o visconde a encorajou tanto que ela perdeu a pouca sensatez que poderia ter. Por essa razão, não apenas sua mente foi liberada, mas também sua língua. Só esperava que Logan adotasse um comportamento apropriado e não usasse tudo que descobriu sobre Anne contra ela. Que homem, sedutor e apaixonado, não a olharia de maneira diferente quando soubesse que havia mantido relações e que estava livre para fazer o que queria?

?Josephine! ? Anne esbravejou com raiva. ? Por que fez isso?

?Estava com muita sede ? a jovem comentou asperamente ? e estava tão delicioso... soube que me excedi quando deitei naquele colchão macio e notei que o teto estava descendo e subindo sobre mim e não pude pará-lo com minhas mãos.

?Eu a proíbo de beber qualquer coisa novamente, exceto água ou chá! ? Me ouviu? ? Disse Anne. ? Se seguir com esse comportamento tão pouco feminino, eu juro por Deus que...

?O

que?

—Perguntou

a

aludida

erguendo

as

sobrancelhas. Cruzou os braços e as pernas, exibindo precisamente o comportamento masculino que sua irmã recriminava. ? Vai me colocar em uma carruagem, como Logan fez com aquela prostituta, e me forçar a voltar sozinha para Londres? O que nossos pais pensarão quando me virem aparecer? Nada de bom... ? Estalou a língua e balançou a cabeça lentamente.

? Tenho certeza que vão determinar que planejou isso, porque sem a minha presença, sem a proteção que ofereço com minhas armas, Elizabeth pode flertar com qualquer aristocrata que puser os pés nesta residência e você conseguirá...

?Não continuará falando assim ou irei colocá-la no seu quarto, prendê-la e jogá-la no primeiro rio que encontrar! ? Anne disse, adotando um comportamento mais parecido com o de uma mãe do que de uma irmã.

?Pularia pela janela... ? respondeu divertida, ao se levantar da cadeira. ? Com sua permissão, damas bonitas, estou indo embora ? disse ela, descartando-as de maneira teatral. ?Vou permitir que tagarele a seu bel prazer enquanto galopo vários quilômetros pela redondeza.

?Vai cavalgar? ? Anne perguntou surpresa.

?Mas é claro! ? Disse Josh efusivamente. ? O visconde me deu permissão para escolher o cavalo que mais me agradar e passear por seus domínios para informá-lo se perceber algo estranho. Também me pediu para

ir para as fronteiras do Norte para verificar se não há caçadores ilegais. Segundo me explicou, esse é a zona silvestre com o pasto mais rico e ali se reúnem centenas de animais de espécies diferentes. Só espero poder caçar algum. Possivelmente a Sra. Donner saberá como prepará-lo em um ensopado saboroso.

?É uma loucura! ? Eli gritou, levantando-se depois de jogar o guardanapo na mesa. ? Não pode fazer tal barbaridade! Caçadores? Armas?

Cavalo? Se lembra que o nosso propósito nesta viagem é acompanhar Anne sempre que ela precisar? Como pode pensar em deixá-la tão desamparada? Não tem coração! ? Adicionou um tom exagerado de drama na última interjeição.

?Desculpa? Fala a sério? Quer me censurar por algumas míseras horas de liberdade? Que absurdo! ? Ela gritou ofendida. Retrocedeu os poucos passos que tinha dado em direção à porta, colocou-se na frente de Elizabeth, levantou o dedo inquisidor, franziu a testa e continuou: ? Acha que não sei o que vai fazer esta manhã? Eu a ouvi falar com o cocheiro de Logan sobre seu magnífico plano.

?O que planejou? ? Anne perguntou com expectativa. Acabou se levantando e se aproximando de suas irmãs. Se continuassem discutindo dessa maneira, Elizabeth sofreria um tornado em sua cabeça, porque Josh iria irritá-la antes que ela pudesse piscar uma vez.

?Nada de estranho ? disse levantando os ombros. ? Logan e eu fizemos uma caminhada antes que ele se retirasse para o prédio ao lado. Durante aquela pequena excursão, me disse que sente muito, porque há uma parte do jardim, aquela que se esconde atrás de uma fonte gigantesca, que nasce selvagem. Quando me levou para aquela área, não pude deixar de soltar um pequeno grito de entusiasmo.

 

?Porque motivo? ? Anne perguntou com uma voz cansada.

?Porque é o lugar perfeito para as magnólias nascerem ? ela disse entusiasmada.

?E? ? Disse Anne sem mudar o tom de voz.

?E Logan me deu permissão para plantá-las. Além do mais, me pediu para ir à aldeia esta manhã, acompanhada por Howlett e Kilby, para que pudesse comprar todas as sementes que quisesse daquela planta. Embora agora esteja pensando sobre isso... ? Colocou o dedo indicador da mão direita em direção à boca e bateu lentamente. ? Também poderia plantar camélias. Sim! Eu poderia plantar uma parte de magnólias e outra parte de camélias! ? Ela exclamou animadamente.

Anne observou suas duas irmãs. Elas nunca tinham estado tão animadas com algo em particular e o visconde era o culpado por essa felicidade. Ele as entendia? Ele realmente sabia como dar a elas o que desejavam? Qual posição devia adotar? Seria apropriado negar-lhes tal

prazer? Não. Se ordenasse que se esquecessem do que as fazia tão felizes, a odiariam pelo resto de suas vidas. Um pouco de liberdade as manteria em silêncio e eliminaria, por algum tempo, seus distúrbios comuns.

?Vão! ? Disse depois de ponderar. ? Podem ir.

?De verdade? ? Eli perguntou estranhando. ? Não vai se sentir mal ficando sozinha com o visconde?

?Deu aquele passeio esta manhã acompanhada por uma criada? ? Repreendeu suavemente.

?Não ? ela respondeu com alguma angústia.

?Algo aconteceu que deveria me contar? ? Disse.

?Como sempre disse, Logan é um cavalheiro. Seus casos de amor têm...

?Vão e se divirtam ? a interrompeu, apertando sua mão direita com força.

?Obrigada! ? Eli exclamou, jogando-se sobre sua irmã para abraçá-la e dar um beijo sonoro na bochecha. ? Não vou me atrasar, prometo.

?Só colocarei uma condição ? disse olhando para Josephine. ?

Pode andar por aquela área que o visconde lhe disse, mas quero que deixe sua arma no quarto.

?Que arma? ? Josh perguntou evasivamente.

?Todas! ? Disse Anne.

?Está bem... admitiu com tristeza. ? Mas se tiver que enfrentar uma ameaça e não tiver algo para salvar minha vi...

?Disse todas! ? Reiterou com energia.

?Vamos, Josh. Não insista ? disse Elizabeth, pegando a irmã pelo braço. ? Já alcançamos mais do que esperávamos. Talvez, em outro momento, possa ser acompanhada por algo menos... perigoso.

Josh fez um leve aceno de cabeça, como se consentindo com essa decisão, no entanto, não iria cumpri-la. Desta vez manteria a pistola, mas esconderia sob a sela a adaga com a qual o visconde a ensinara a atirar.

Ninguém poderia prometer que ela ficaria segura em um lugar tão inóspito...

Quando as irmãs saíram, Anne se sentou novamente e esfregou o rosto desesperada novamente. Não era justo que ela tivesse que enfrentar o visconde sozinha e menos depois que ele apareceu em seu quarto. Como agiria? Seria capaz de esquecer qualquer sentimento e se concentrar em pintá

lo? Insistiria em pedir perdão? Esqueceria o assunto?

?Senhorita Moore... ? A voz da criada que a atendia apareceu às suas costas.

?Sim? ? Perguntou, se virando para ela.

?Sua Excelência indicou que deve aparecer no edifício anexo o mais rapidamente possível ? informou.

?Diga a ele que demorarei um pouco, porque tenho que preparar tudo o que preciso ? disse quase sem voz, quando um caroço se formou em sua garganta, pressionando com tanta força a traqueia que mal conseguia respirar.

?Não tem nada para preparar, só tem que se apresentar ? ela disse sem se mexer no piso branco em que se encontrava.

?Como assim? ? Ela exigiu, surpresa.

?Ele mesmo transferiu tudo o que comprou para esse local da residência esta manhã ? declarou destemida.

?Certo, diga que assim que terminar meu chá, irei para essa instalação, ? ela disse desanimada.

?Se não se importa, irei esperá-la na porta. O visconde me mandou escoltá-la até...

?Está bem! ? Disse, levantando-se. ? Não façamos a Sua Majestade esperar! ? Disse mordaz.

***

Logan se esquivou do impacto, mas sentiu as juntas acariciarem sua bochecha esquerda, sorriu para seu oponente e devolveu o golpe. Enquanto este se queixava da força de seus punhos, olhou para a entrada e fez um beicinho de desagrado. Fazia algum tempo desde que a criada tinha ido procurá-la e era estranho que ela ainda não tivesse

aparecido. Se desculparia novamente para não aparecer? Era assim tão medrosa e covarde?

?A próxima vez que me pedir para vir antes das dez da manhã, vou pensar sobre isso. Pensei que me agradeceria pelo bom trabalho com um delicioso café da manhã da Sra. Donner e acabei seminu e recebendo golpes que não mereço. ? Marco Ortiz, seu advogado, o encarregado de administrar Harving House enquanto estava ausente, acariciou seu cabelo castanho curto, sorriu de lado e insistiu em atingir o rosto orgulhoso do visconde.

?Eu o teria demitido imediatamente ? disse Logan, evitando o golpe.

Não teria cumprido a ameaça. Esse garoto era o melhor advogado que conhecera depois de Arthur Lawford, mas ele devia estar lá como o ponto culminante de seu plano.

Durante a noite, muito longa para uma pessoa que não conseguia dormir, ponderou sobre como agir para que Anne o perdoasse e esquecesse o caráter grosseiro que dirigia a ela. E, logicamente, depois de tantas horas, encontrou. Em primeiro lugar, eles precisavam de um pouco de privacidade, por isso, quando vira as irmãs, pedira-lhes como favor aquilo que poderiam fazer e que as agradaria. Josephine montaria em um de seus melhores cavalos e verificaria a terra mais distante de sua propriedade. Não estaria em perigo, já que ninguém passava naquela área. As únicas pessoas que podiam aparecer

eram a família do barão de Sheiton, porque Federith Cooper, após o nascimento de sua segunda filha, decidiu adquirir uma pequena propriedade naquele lugar. Pelo que ouvira, a garotinha tinha problemas respiratórios e o Dr. Flatman avisou-o de que o local litorâneo era ideal para a menina. Mas eles nunca apareceram na estação do ano em que estavam. Assim, Josephine se divertiria sem sentir nenhum perigo. Então pediu a ajuda de Elizabeth. Não mentiu para ela quando a levou para o lado direito do jardim e explicou que precisava de sua habilidade com as plantas para embelezar aquele pedaço de deserto. Animada, ela respondeu que estava mais do que disposta a transformar aquele lugar de selva em um Éden cheio de uma flor que não conseguia mais lembrar o nome. Claro, não iria sozinha. Ela sairia escoltada pelos fiéis Howlett e Kilby, além de pedir ao cocheiro que levasse as armas necessárias para sua proteção. Em terceiro lugar, ele precisava que Marco aparecesse. Segundo as mulheres, sua beleza era inigualável, assim como sua boa educação. Todos ansiavam pelo jovem advogado, embora nenhuma delas o tivesse em seus braços porque tinha um gosto um tanto peculiar. No entanto, o rapaz responderia a uma pergunta que havia surgido no meio daquela noite. Quantos homens Anne amara? Queria se mudar para Paris porque ouviu que era uma cidade bem luxuriosa? A verdadeira razão pela qual ela queria sair de Londres era viver cercada de amantes? Logo obteria o que desejava. Se Anne não corasse quando visse dois corpos masculinos

suados e seminus, que pareciam tão varonis, diria que Dick não fora o único a tocá-la. Se corasse, talvez, apenas talvez, aquele ciúme que não o deixava em paz desapareceria.

?Bata mais forte! ? Logan repreendeu Marco quando notou uma leveza imprópria do rapaz quando os nós dos dedos bateram novamente em seu rosto.

?Não quero que tenha a desculpa perfeita para me tirar o trabalho ? o jovem comentou sarcasticamente.

?Vou expulsá-lo se não usar a força! ? Bennett gritou, soltando outro soco de direita.

?Vejo que saiu de Londres com muita vitalidade ? ele zombou quando se esquivava do soco de direita. ? Não relaxou com a senhorita Rose?

Ao ouvir o nome de sua última amante, Logan ficou tão enfurecido que se jogou no rapaz e o atingiu no estômago.

?Não a nomeie novamente em minha presença ? ele rosnou. ?

Essa mulher desapareceu da minha vida.

?Já tem outra que o atraia? ? Ele perguntou acariciando-se com cuidado na área onde uma dor terrível aparecia.

?Não ? ele disse, voltando a ficar em guarda.

?Agora entendo o seu excesso de energia ? disse ele divertido,

levantando os punhos novamente. ? Esse estado de abstinência sexual não vai lhe fazer bem ? acrescentou, recuando, escapando de outro impacto rápido. ? Um homem acostumado a ter uma amante que o acalma e aplaca a masculinidade que possui...

?Se considera diferente? ? Ele perguntou, cortando a distância entre eles.

?Claro! ? Marco comentou, aproveitando o descuido do visconde para dar um soco nele. ? Nós temos mais fácil, milorde. Embora ainda estejamos nos escondendo de patifes como o senhor.

?Patifes? Me inclui nesse grupo de imbecis? ? Gritou com raiva. ? Quem, de todos aqueles a quem ofereceu seus serviços, o considerou um homem, apesar do que é? ? Ele censurou.

?O que eu sou? Acha que não sou humano? ? Marcus levantou a mão direita para terminar a luta odiosa, limpou o suor do rosto com o antebraço esquerdo e sorriu. ? Tenho sangue vermelho e quente correndo pelo meu corpo, milorde. A única diferença que tenho em relação a homens como o senhor é que não temos os mesmos gostos.

?Se tivesse essa atração pelo sexo masculino, teria me matado

? declarou Logan ao recuperar o fôlego.

?Não sabe o que está perdendo ? Marco comentou, caminhando para o banco onde estavam as toalhas que usavam para enxugar

o suor causado pelo esforço.

?Não quero saber ? Logan assegurou, estendendo a mão para pegar o pano que ele jogou.

?Sim, mas se tentasse, garanto que mudaria...

Marco ficou em silêncio. Seu rosto marrom empalideceu e seu corpo endureceu como uma folha de madeira. Alguém havia entrado no ginásio e ele sabia quem era.

?Senhorita Moore... ? Ele a cumprimentou quando se virou para ela e a encontrou parada na porta. Seus olhos castanhos expressaram constrangimento e surpresa. Incrivelmente satisfeito, deduziu que Anne não estava acostumada a ver os homens com despudor. Sem dúvida, o único que havia tocado aquele corpo que se escondia sob um vestido marrom áspero era Dick. Se Rose estivesse em seu lugar, ela teria caminhado decididamente para um banco, teria se sentado e assistido com ardor e desejo, imaginando os dois em sua cama. No entanto, Anne ficou paralisada e seu rosto expressou horror, como se na frente dela houvesse dois ladrões que queriam agredi-la. —Conseguiu descansar?

?Milorde... ? respondeu com uma leve reverência ? obrigada por perguntar. Sim, dormi pacificamente.

Logan estreitou os olhos claros e virou a cabeça para descobrir onde as pupilas marrons fitavam na sala. Não gostou de confirmar que elas

estavam se dirigindo a Marco, apesar de não ser um futuro adversário. Por que o olhou dessa maneira? Se perguntaria quem era? Ou... o acharia atraente? E, a propósito, onde estava a Anne que cuspia fogo pela boca? Havia desaparecido na presença de Marco?

?Sr. Ortiz, apresento a senhorita Moore, uma famosa retratista que veio de Londres para capturar meu lindo rosto em uma tela ? disse aborrecido.

?Prazer

em

conhecê-la,

senhorita

Moore

?

Marco

comentou. Ele cobriu o torso nu com a toalha, caminhou em direção a Anne e estendeu a mão.

?Igualmente ? respondeu, aceitando aquela saudação.

?Não acha isso incongruente? ? Logan disse, cruzando os braços.

?O que? ? Perguntou a Marco, que, depois de um leve sorriso, foi até o banco onde tinha suas roupas.

?Que seja uma mulher que retrata o homem mais sedutor de Londres, ? disse ele sem apagar o sorriso no rosto.

E nesse momento, depois de ouvirem ambas as palavras, ficaram boquiabertos. O que o visconde pretendia ao falar de maneira tão inadequada?

?Tenho certeza que a senhorita Moore estará acostumada a

despachar homens de sua classe. E, receio, que sua incrível sedução não será eficaz. Ela é a primeira mulher que não sorriu coquete para vê-lo meio nu e suado. Pelo contrário, acho que ficou desapontada, estou certo? ? Ele perguntou, olhando para ela com alguma cumplicidade.

?Não está errado. Não corei ao ver o visconde de maneira tão inapropriada para receber uma mulher honrada. Além disso, nunca me interessei por um homem que transpira desnecessariamente ? respondeu sem conseguir apagar o sorriso que causou o apoio do jovem.

?Também fujo de homens que cheiram a esterco de vaca ?

disse ele, aproximando-se dela.

A risada de Anne foi ouvida em todo o ginásio. Logan a observou sem piscar e foi cativado por aquele rosto que expressava diversão e felicidade, embora ria às custas dele, o deixou aturdido ao ouvir a suave melodia de sua risada, contemplar a beleza daquelas bochechas coradas e notar o brilho tão magnífico dos seus olhos castanhos. Sem dúvida, Anne não estava ciente de como era bonita quando sorria. Tinha que fazer isso com mais regularidade, contanto que estivesse ao seu lado e cuidasse para que outro homem não encontrasse o que acabara de descobrir.

?O visconde ofereceu tanto que não podia recusar sua oferta? ?

Ele perguntou. Marco, uma vez vestido, a convidou para se sentar e ela aceitou de bom grado.

?Pode-se dizer que me senti obrigada a não recusar ? expressou sem conseguir parar de rir.

Ele era o homem mais bonito que já tinha visto em sua vida. Seu cabelo castanho, seus olhos tão negros como a noite, aquele queixo alongado e a suavidade de um rosto, comparável ao de uma figura grega, a deixaram perplexa. Claro, tinha ficado sem palavras quando entrou. Como poderia dizer alguma coisa quando tinha dois homens com corpos perfeitos na frente dela? Embora houvesse muitas diferenças entre os dois: ali onde o visconde usava o cabelo desgrenhado e sedoso, o jovem apresentava um cabelo bem cuidado e um corte meticuloso. O visconde era mais alto que o senhor Ortiz e este não tinha pelos no torso. O homem que a contratou, mostrava uma mata de pelos negros. Mas tinha que admitir que essas desigualdades aumentavam a masculinidade do arrogante e orgulhoso visconde.

?Entendo. A muitos dos que estão aqui, aconteceu algo semelhante ? explicou sentando-se ao lado dela.

?Não ouvi nenhuma reclamação de sua parte desde que entrou no meu escritório ? disse Logan, caminhando para o canto oposto do ginásio, onde guardava as espadas com as quais praticava esgrima.

?Acha que posso recusar um bom salário e um emprego que não exige muito esforço? Seria tolice recusá-lo ? disse observando atentamente a inquietação do visconde. Ele respondeu que não havia uma mulher depois do

término com Rose? Então... o que ela estava fazendo em um lugar tão sagrado para ele? Pintá-lo? Foi essa a desculpa que ele deu para afastá-la do mundo e vê-la? Bem, se ele quisesse ter algo com ela, suspeitava que a atitude que mantinha até então não era adequada. Se sua primeira impressão não o enganara, a senhorita Moore não sentia nada pelo visconde, pois ela o olhava muito mais. ? Gostou da viagem, senhorita Moore?

?Anne, pode me chamar de Anne, se quiser, e não foi agradável, mas sim terrível. Não estou acostumada a viajar mais de uma hora em uma carruagem e devo confessar que a experiência me desagradou o suficiente ?

respondeu em uma voz quente e terna.

?Por que não me contou? ? Logan disse, movendo o florete da direita para a esquerda.

?Porque não achei conveniente, milorde ? respondeu asperamente. ? Não seria educado censurá-lo por algo que não podia controlar.

?O que não podia controlar? -- O florete já estava se movendo incontrolavelmente. Se ele tivesse tido a maçã com a qual ele ensinou Josh a lançar a adaga, a teria transformado em mil pedaços.

?Minha segunda grande viagem foi monótona e pode me chamar de Marco, por favor ? interveio o advogado rapidamente antes que entre os dois, começasse uma guerra que não teria fim.

?Por quê? ? Perguntou Anne, se virando para ele e tentando não prestar atenção às maldições que o visconde expelia pela boca ao ouvir que não era um ser superior e que não podia controlar tudo o que encontrava ao seu redor.

?Porque foi uma provação viajar de barco da Espanha para Londres ? disse, ainda olhando para a atitude de raiva da mulher e do visconde. «Bem, finalmente ele encontrou uma dama com orgulho», pensou satisfeito.

?É espanhol? ? Perguntou, arregalando os olhos. Agora entendia por que sua cor de pele era mais bronzeada do que a do visconde. Talvez, quem sabe, finalmente tenha encontrado o cigano que...

?Sim, Anne, sou espanhol. Nasci em Sevilha, mas passei toda minha infância em Madri. Meus pais pensaram que, se eles me mandassem embora e me afastassem do satanismo, recuperaria a razão.

?Satanismo? ? Ela exclamou, surpresa.

?Marco não gosta de mulheres ? Logan disse novamente, depois de suas palavras, as dimensões de seu peito triplicaram por se sentir o homem mais satisfeito do mundo.

?Como? ? Anne perguntou, levando a mão à boca.

?Nem todos devem ter o mesmo gosto, certo? Se assim fosse, este mundo seria muito simples.

E tudo o que pensara sobre aquele possível cigano espanhol desapareceu como a névoa antes da chegada do sol.

?Claro... ? respondeu sem voz.

E então a risada veio de Logan.


XXIII


Uma vez que Marco explicou sua intensa vida, que culminou com o dia em que ele apareceu em Harving House para pedir um emprego decente, decidiu encerrar sua visita. No entanto, não saiu sozinho, o próprio visconde o acompanhou, mas não antes de se dirigir a ela e explicar que estaria ausente pelo tempo necessário para se arrumar e se perfumar, evitando assim estragar seu valioso olfato.

Enquanto estava sozinha e a raiva que aquele comentário doloroso produziu foi eliminada, observou o lugar onde ele praticava seus exercícios bárbaros. Era tão simples quanto a casa, embora felizmente as espadas temíveis e afiadas não estivessem penduradas nas paredes. Nunca imaginou que um homem como ele, com um famoso gosto pela beleza e pelas mulheres, decoraria o interior de sua casa com artigos tão impróprios para um amante de coisas atraentes. Parecia mais um cavaleiro medieval do que uma pessoa que vivia quase no final do século XIX. Mas essa decoração o descrevia perfeitamente. Ele proclamava aos quatro ventos que era um homem retrógrado e que tudo em que pensava era na guerra, em sentir o calor de uma mulher e continuar aumentando sua riqueza. Embora tivesse de admitir que, como Marco disse, nem todo mundo seria capaz de contratar um funcionário com gostos tão diferentes. Poderia essa aceitação do jovem

neutralizar todas as coisas horríveis? Quem conhecia que não repudiaria a inclinação sexual do rapaz? Até seus próprios pais acreditaram que Satanás havia entrado no corpo de seu filho! Como puderam pensar tal atrocidade? Não foram capazes de ver as qualidades dele? Como o visconde explicou, com uma voz calma e firme, ele era, segundo Arthur Lawford, o melhor advogado e administrador que conhecera e que, graças à sua capacidade decisiva, mantivera sua propriedade a salvo de maus investimentos. Então... o que acontecia com o mundo? Por que eles o afastaram como se fosse uma praga? «O que aconteceria conosco se alguém descobrisse que nosso sangue tem uma herança cigana? " Se perguntou, deixando para trás as espadas com as quais o visconde praticava a esgrima. «Algo parecido», sucumbiu.

Com as mãos nas costas e sem parar para pensar na tragédia que sua família sofreria se o segredo viesse à tona, caminhou para o lado direito daquela instalação sem fim, onde descobriu uma porta de madeira escura.

Esquecendo todo o pesar que suas conclusões a fizeram sentir, se concentrou no que estava por trás da porta. O que o visconde esconderia? Uma sala cheia de armas? Um enorme canhão? Incapaz de apagar o sorriso em seu rosto, imaginando tal insensatez, colocou a mão direita na fechadura e abriu-a lentamente, causando um eco no interior devido ao barulho que fez ao virar. Ela olhou por cima do ombro esquerdo, para ver que ainda estava

sozinha e, depois de confirmar, abriu a porta, ficando parada ao descobrir o que realmente estava ali. Quando o teriam construído? Quem estaria cuidando dele? Por que não mostrara a Elizabeth aquele paraíso colorido? Anne deu um passo à frente, deixando as pontas dos sapatos no final do grande degrau. Inspirou com força, fazendo com que a diversidade de cheiros daquelas flores enchesse seus pulmões. Sentiu uma brisa leve acariciar seu rosto e ficou tão embriagada com a calma daquele lugar que fechou os olhos para se deixar levar por aquela sensação de bem-estar. Parecia que estava no meio de um prado, correndo alegremente enquanto seu cabelo, liberado do coque que sempre usava exceto quando se retirava para dormir, dançava ao ritmo do vento. Estendeu as mãos, de modo que as pontas de seus dedos tocassem suavemente aquela brisa que se elevava como uma acolhida, respirou de novo e sentiu como seu corpo se libertava da pressão a qual não parava de se sujeitar. Sem dúvida, aquele sangue cigano dominara o Moore e gostava desse contato com o ambiente em que viveu e viveria durante séculos, porque se sentia como um cavalo selvagem galopando por um campo sem fim.

?Lindo, não é?

A voz do visconde a trouxe de volta à realidade, se virou para ele e, naquele momento, notou como suas mãos grandes agarraram sua cintura para que não caísse pelas escadas que ainda não havia pisado.

Por alguns segundos, ele a segurou perto de seu corpo, olhando para ela de um jeito estranho. Ela tentou tirar os olhos daquele rosto que, depois de lavado, emanava um cheiro intenso de loção de barba, mas perdeu a capacidade de decidir ficar hipnotizada naquele semblante que expressava diversão e elegância. Evocando as poucas forças que tinha, porque se sentia muito fraca diante daquele contato afetuoso e da embriaguez que lhe causara o perfume tão masculino, colocou as solas dos pés no chão e se afastou lentamente. No instante em que não precisou mais da ajuda daqueles braços fortes, o visconde recuperou uma séria e altiva compostura.

?Estava perguntando, antes de me forçar a segurá-la, se gostou do lugar que escolhi para me retratar. ? Ele colocou as mãos atrás das costas e desceu os cinco degraus de pedra que o levariam àquele lugar paradisíaco.

?A variedade de cores é perfeita ? comentou sem se mexer nem um centímetro. —Pode se colocar entre as flores azuis e brancas. Isso vai...

?Não estou perguntando se é o espaço certo para pintar. A questão, senhorita Moore, é se a senhorita gosta deste lugar ? disse se virando para ela.

A brisa que a recebera agora lhe dava as boas-vindas. Seu terno, preto como a noite, movia-se lentamente com o ar e o cabelo, que voltou a prender com uma tira, lutava contra esse isolamento. Não estava ciente de

que o ambiente em torno dele queria que se livrasse daquela postura ereta e arrogante? Por que não se deixava levar como ela?

?Sim ? finalmente respondeu.

?Onde devo me posicionar? ? Quis saber se virando para o jardim.

Anne não desviou o olhar das costas largas que mostravam uma sobriedade e elegância que a deixavam sem fôlego. Como ele podia mudar sua atitude tão rapidamente? Como podia deixar de ser o capitão do navio, aquele que não se importava com a aparência que mostrava aos outros, para se tornar um aristocrata orgulhoso e petulante? A qual dos dois odiava mais?

?Preciso das minhas ferramentas ? disse virando e tentando fugir dali o mais rápido possível. Não era apropriado ficar naquele lugar com ele nem um segundo mais. Tinha que adiar o trabalho até que sua alma cigana fosse aplacada porque, se não conseguisse, isso lhe causaria um problema sério. Não podia esquecer quem ele era, por que abandonara sua casa e se deixara seduzir por aquela imagem tão típica dela e tão imprópria para ele.

?Não tem que ir. Caso não tenha notado, os coloquei lá. ? Ele apontou para o tronco de uma árvore grossa, a única que havia sido plantada naquela linda área. ? Se não tiver tudo o que pediu, posso chamar a criada que a atende para lhe trazer o que esqueci ? disse num tom tão severo que não admitia uma resposta.

Sim, não havia dúvida de que odiava o aristocrata mais do que o ousado corsário que aparecia quando o outro se afastava. Mas qual dos dois era mais perigoso?

Sem dizer uma única palavra, Anne desceu os degraus, desviando do corpo do visconde, que havia parado no meio da entrada e procurou o cavalete, a lona e o carvão que usaria em primeiro lugar.

?Onde quer ficar? ? Perguntou, uma vez que arrumou tudo como desejava.

?A senhorita é quem deveria dizer onde devo me posicionar. Não quero que, quando não gostar do trabalho que fez, me culpe por tê-la forçado a....

?Lá! ? Ela exclamou desesperada, apontando o dedo para o centro do jardim.

?Tem certeza? ? Ele perguntou, levantando a sobrancelha direita depois de ver sua escolha.

?Completamente ? disse sem olhar para ele.

Ela ficou na frente do cavalete, esperou que ele alcançasse a área designada, o mais longe dela, pegou o carvão, colocou-o na orelha direita e silenciosamente estudou a luz que aparecia na parede, o tom das flores e, quando voltou a revisar a figura do visconde, ofegou. Enquanto ela estava centrada no entorno dele, ele desabotoou os botões da jaqueta, exibindo um

colete laranja de seda, colocou as mãos nos bolsos e olhou para ela sem piscar.

E sem ter consciência disso, Anne colocou a mão esquerda no ouvido e acariciou o brinco laranja.

?Não gosta? ? Ele insistiu ao observar uma careta estranha no rosto dela. Não passou despercebido que ela havia tocado o brinco.

Bom! Aquilo que se propôs ao colocar o colete, conseguiu. Agora esperava que ela respondesse ao seu pedido de desculpas e deixassem o jardim escondido com um acordo de paz entre eles.

?Por favor, não fale. Preciso do mais absoluto silêncio para me concentrar no trabalho ? ordenou com a pouca voz que saiu de sua garganta.

? Olhe para cima, como se estivesse contemplando uma nuvem.

?Esse lado do meu perfil não vai ampliar meu nariz hediondo, não é?

?Não pensei que sua Excelência fosse capaz de admitir que nasceu com certos defeitos em seu corpo ? disse divertida.

Embora quisesse sorrir, embora seus lábios tentassem esboçar um sorriso ante o comentário, se forçou a não sorrir. Não queria que ele descobrisse que, ao fazê-la rir, toda a raiva que podia sentir desaparecia tanto que faria dela uma criança terna e inocente. Foi assim que Dick a conquistou. Ele sabia que seu ponto fraco era o sorriso e, toda vez que a

olhava em uma festa, ele fazia uma careta que a fazia rir. Não, o visconde não deveria descobrir nada sobre isso. A melhor coisa para ambos era manter uma conduta séria e profissional.

?Sou perfeito ? Logan garantiu ? embora tenha que me olhar pelo melhor lado para confirmar.

?Se diz... ?respondeu antes de apertar os lábios.

Ato que a fez franzir o cenho porque doeu. Exatamente quando desviou o olhar do visconde para fixá-lo naquela lona branca e se esconder para tocar o lábio e confirmar que havia sangrado de novo, notou a presença masculina tão próxima que o calor que ele emitia poderia evitar que congelasse durante um longo e duro inverno.

?Aqui ? ele ofereceu o lenço que guardava no bolso do colete laranja.

?Obrigada ? ela respondeu, aceitando sua oferta.

Ele finalmente se comportaria corretamente? Mostraria a ela a mesma atenção que a suas irmãs? Por que queria que ele fizesse isso? O que diabos estava errado com seu sangue que fervia sob sua pele? Poderia o visconde perceber sua instabilidade, sua loucura?

?Não me devolva ? disse ele antes de virar as costas e voltar para o centro do jardim.

Anne confirmou que infelizmente o manchara. Por isso ele não o

queria de volta. Não gostaria de ter algo sujo em seu terno escuro intocado. Ou talvez se recusasse a guardar no bolso sangue envenenado.

Pensaria isso dela? Que poderia matá-lo com uma gota de sangue? Bem, foi ele quem fez aquela ferida! Jamais poderia esquecer aquela forma de agredi-la, beijá-la e.... Anne forçou sua mente a parar. Não queria se lembrar daquele momento, queria tirá-lo de sua vida porque, embora não quisesse admitir, aquela brusquidão, aquele jeito agressivo de pegá-la e beijá-la, a deixara zangada mais pelo impacto sensual que a fez ver como seu sangue correspondia àquele contato.

?Por favor, se acalme ? pediu quando o viu franzir a testa e mostrar um rosto zangado.

?Tentarei ? assegurou. Mas sabia que levaria uma vida inteira para fazer desaparecer a raiva que sentia. Estava sangrando novamente e aquela prova, aquelas pequenas gotas de sangue a distanciavam ainda mais dele. Só esperava que, quando o lábio curasse, o mesmo acontecesse com seu relacionamento perturbador.

Infelizmente, muito a contragosto, depois de descobrir quem era a verdadeira Anne, observando como ouvia com atenção e se identificava com Marco, lhe dando seu apoio com abraços inesperados, além de responder com sorrisos aos seus comentários irônicos, entendeu que não queria nem desejava que eles continuassem daquela maneira áspera. Precisava ser ele a fazê-la rir,

a pessoa a qual ela olharia com ternura e compreensão e, é claro, o único homem que poderia tocá-la porque, se Marco não tivesse confessado que só se sentia atraído por homens, teria perfurado seu abdômen com a espada inquieta que segurava em sua mão no primeiro abraço deles. «Sou possessivo, egoísta, ciumento e dominador, mas Evelyn sabia disso desde o momento em que a descobri naquele vestido vermelho. Ela é minha, só minha, até eu parar de respirar», lembrou novamente as palavras de seu irmão e admitiu que elas não pareciam mais tão loucas, embora no caso dele o vestido não fosse vermelho, mas laranja...

Anne permaneceu com o carvão entre os dedos mais tempo do que esperava, porque não era capaz de fazê-lo obedecer. Uma vez que as rugas em sua testa desapareceram e seus olhos olharam para o céu, começou a traçar as linhas daquele rosto... masculino. Realmente achava que o nariz o desfavorecia naquela posição? Bem, estava errado. O perfil que mostrava era perfeito, tão perfeito que mal conseguia assimilar. Tentou se concentrar em desenhar algumas linhas, mas era difícil desviar o olhar dele. Todo ele mostrava tanta elegância e solenidade que a menosprezava. Sim, ela se sentia assim. Tão minúscula quanto a pétala de uma flor. Finalmente, fixou os olhos na tela, tão branca quanto no começo, e tentou capturar nela o que seu olhar havia captado. O queixo, a barba espessa, as bochechas duras, o nariz... A forma das sobrancelhas, o perfil dos olhos, aqueles que brilhavam quando a

olhava, quando a pegava, aqueles que permaneciam presos aos seus como se quisessem descobrir o que estava escondendo... O que estava escondendo? O

que é que realmente queria manter para si mesma? Uma loucura. Uma demência própria do sangue que aquecia sua pele e que a fazia sentir uma forte palpitação na parte mais proibida de seu corpo. Ansiava por borboletas em seu estômago, pois agora não sentia borboletas, mas corvos, tão grandes quanto seu sonho. Queria que seu corpo pudesse voar, porque teve que olhar para o chão para confirmar que não estava flutuando, que havia deixado de tocar a terra e que, se abrisse os braços, eles se tornariam asas. Até a ideia de ir a Paris, as conversas que teve com Dick, seus desejos e experiências passadas começaram a sumir de sua mente e.... por quê?

Ficaram em silêncio por dez minutos, quando uma leve tosse veio da garganta do visconde.

?Não se mova. Estou tentando…

?Como conseguiu manter essas meninas imóveis por tanto tempo? ? Perguntou para quebrar o silêncio angustiante, que ele não queria manter por mais tempo. Queria ouvir aquela voz que ela havia dedicado a Marco.

A pergunta estranha a fez suspirar, ela colocou as duas mãos na tela, olhou para ele e evitou rir novamente quando percebeu que ele estava tão inquieto que continuava movendo as pontas de seus sapatos brilhantes.

?Garantia a elas que, se não conseguissem, seriam incapazes de refletir a beleza que possuíam ? disse com algum divertimento.

?Promete isso para mim também? ? Perguntou levantando, de um jeito safado, a escura sobrancelha direita.

?Isso! ? Anne exclamou com entusiasmo. ? Fique assim!

?Assim? Como?

?Não se mova, eu imploro ? pediu.

Ele obedeceu imediatamente. No entanto, deixar a sobrancelha levantada por tanto tempo e congelar o movimento de seus lábios, foi doloroso. Nem mesmo dois minutos se passaram e sua testa e boca já estavam doendo.

?Sinto muito, não posso...

Mas ela não respondeu, fixou os olhos na tela e permaneceu em silêncio enquanto pintava. Tanto havia se afastado do lugar onde estava, que não percebeu que havia se aproximado, que se colocara às suas costas e que estava fascinado por seu trabalho.

O desenho era perfeito, apesar de usar um carvão miserável. Ela capturou a imagem que queria. O queixo, a barba negra, o contorno dos olhos, a sobrancelha... Era magnífico! Sem dúvida, o dom de Anne era a pintura e, pelo entusiasmo que ela expressava, também sua vida. Quis se afastar dela, parar de cheirar o perfume de seu cabelo, de sentir os

movimentos leves que fazia ao traçar essas linhas, de ser afetado por sua presença, por sua paixão pela pintura. Mas assim que se forçou a dar um passo para trás, Anne olhou para cima, para ter certeza de que ele ainda estava onde deveria estar, e a parte de trás de sua cabeça tocou seu peito. Ao notá-lo, assustou-se e ele teve que agarrá-la novamente pela cintura para que não caísse para frente e danificasse a beleza que acabara de fazer.

?Não se mova ?disse ele. —Estou aqui há muito tempo, mas não percebeu a minha presença ? ele sussurrou em seu ouvido. ? Isso me deixou atordoado, senhorita Moore, nunca vi ninguém trabalhar com tanta paixão. Deixara este mundo para viajar naquele de extraordinário esplendor.

?Não deve ter admirado as pessoas certas ? ela disse sem se mover, sentindo a pressão daquelas mãos em seu abdômen, como se tocasse um ventre cheio de vida.

?Deve ser isso ?disse em voz baixa, aproximando os lábios da pequena orelha esquerda, exatamente a que ela havia tocado quando viu o colete laranja.

?Milorde... ? murmurou Anne, respirando fundo.

?Senhorita Moore... ? ele respondeu depois de imitar sua respiração profunda.

?Deve…

?Devo...

?Volte para a posição que indiquei antes, porque...

?Por quê? ? Ele perguntou, virando-a para ele. Pela dor que Jesus sofreu! Como poderia ser tão irresistível para ele? Por que o excitava mais do que todas as mulheres com quem esteve? Por que não podia pensar em nada além de beijá-la como deveria ter feito naquela maldita noite?

?Porque não terminaria o que me propus... ? respondeu Anne, notando como seu coração batia com tanta força que o sentia na garganta.

Seus olhos retornaram aos dele, que brilhavam sem se saber se a razão era a luz que adentrava ao jardim ou a excitação que percebia. Por que não podia se afastar? Por que não podia adotar a atitude que havia mantido até agora? O que mudara? O que havia acontecido para abandonar toda a sua raiva, todo o seu bom senso e desejar pelo toque de seus lábios? Será que esse desejo feminino, tão típico dos ciganos, emergia de dentro, buscando o que ele poderia oferecer? Dick despertara tão fortemente esse instinto cigano? Não. Dick despertou sua curiosidade. No entanto, o visconde causara algo estranho nela, algo inédito até agora. Era como se ele evocasse seu sangue com força, como se ele fosse o autor de um relâmpago e ela o trovão. Seu sangue, o dele, diferente, mas...

?Concederei o que me pede ? comentou o visconde, afastando as mãos dela e recuando, muito lentamente, vários passos. Não quero ser a causa de...

Ele não conseguiu terminar o que pretendia dizer a ela. Vendo a decepção que Anne refletia em seus olhos, como havia estendido os braços ao chão, deixando cair o carvão de entre seus dedos, o desejo que expressava seu corpo, o mesmo que ele sentia por ela, avançou aqueles passos, olhou para ela do alto da a sua estatura, agarrou-a novamente pela cintura, puxou-a para ele e a beijou.

 

 

 


CONTINUA