O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/1_A_PROPOSI_O.jpg
Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
CONTINUA
O céu está claro, exceto por algumas estrelas brancas brilhantes. Elas estão longe, fora de alcance, incrivelmente bonitas e distantes. O ar tem aquele cheiro de outono, e eu sei que haverá geada esta noite. Papai teria coberto suas plantas com plástico para obter mais algumas semanas de suas vidas frágeis. A lona está no porão, ainda dobrada, onde ele guardava. Os amores-perfeitos irão congelar e desaparecer. Esta é a última noite nesta casa, como sendo minha.
Empurrando o balanço na varanda de trás com a ponta do meu pé, começo balançando novamente. A vida é tão fugaz, tão sem sentido. O buraco que esta me engolindo é implacável. Eu pensei que choraria mais, mas não tenho sido capaz de fazer isso. As lágrimas não vão cair. Neil diz que é porque a morte do meu pai não me bateu ainda, mas isso bateu. O peso de sua perda pressiona tão forte em meus ombros que eu não posso levantar o meu rosto da sujeira. Durante todos esses anos, éramos só nós dois.
Ele estava sempre lá para mim. Ele me salvou da miséria incompreensível e agora que ele se foi, eu me encontro de volta às sombras, incapaz de escapar.
Meus olhos passam pela cerca de madeira, levando-se em tábuas podres. As coisas estavam apertadas e eu sabia que meu pai se sacrificou por mim, mas não tinha ideia de quanto até agora. Minhas contas da faculdade, meu carro e todas as coisas que eu precisava eram pagos sem pestanejar, mas nunca parei para pensar de onde o dinheiro veio. Papai trabalhava duro, então eu assumi que era o suficiente.
Eu estava errada.
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Não havia o suficiente por um longo tempo, e eu não tinha ideia. Ele nunca disse
nada. Quando chegava em casa das aulas no final do dia, ele me dava uma nota de vinte e
dizia-me para ser uma criança e ir me divertir. Ele dizia esse tipo de coisa o tempo todo.
Isso faz pensar se ele sabia o que estava por vir, mas não havia como prever isso.
Quando cheguei em casa da aula na semana passada, encontrei-o no quintal, de
bruços em uma pilha de folhas. Minha garganta aperta e eu afasto a lembrança. Não é algo
que eu queria ver de novo, mas a lembrança aparece uma e outra vez em minha mente.
Meus sentidos estão sobrecarregados. Eu ainda posso sentir a pele fria do meu pai e o peso
do seu corpo sem vida quando o virei. A textura do casaco de flanela esfarrapado ainda
está em minhas mãos. O som da minha voz estrangulada gritando seu nome repetidas
vezes, ainda ressoa em meus ouvidos. Faz um bom tempo desde que eu senti tanto medo.
Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Meu telefone está no balanço de madeira e toca ao meu lado. Eu não sinto vontade
de falar. O silêncio me envolve em um túmulo de miséria desde aquele dia. Neil ficou ao
meu lado e segurou a minha mão, até que horas transformaram-se em dias. Ele não queria
me deixar aqui sozinha esta noite, mas eu insisti. É a minha última noite em casa. Eu nunca
vou cruzar a porta novamente. Eu nunca vou sentir o cheiro de loção pós-barba do meu
pai em seu pequeno banheiro. Todas as memórias serão perdidas e será como se ele nunca
tivesse existido.
Não há sepultura para colocar seu corpo, nenhuma pedra para marcar sua epígrafe.
Essas foram coisas que eu não podia pagar. Isso me mata deixá-lo no necrotério, e deixá-
los tê-lo, mas eu não sei o que fazer. Não há dinheiro suficiente para mudar nada, então
quando eu descobri que a hipoteca também precisava ser atualizada ou eles a executariam,
eu desmoronei. Era demais. Eu entendo a preocupação de Neil e ele tem sido um bom
amigo, mas existem algumas coisas que uma pessoa tem de enfrentar sozinho.
Esta última noite em minha casa é uma delas. É a minha única chance de realmente
saber e ouvir que o meu pai foi embora. Ele não vai andar pelo corredor e eu não vou ouvir
seus passos na escada. Sou só eu agora.
O texto de Neil emite um sinal sonoro uma segunda vez e eu finalmente aperto a
tela para a vida. Você está bem?
Não, claro que não, mas isso não muda a minha resposta. Sim, eu estou bem. Isso é o que as pessoas dizem quando estão em desespero tão profundo que não há palavras. Eles
fingem estar bem e tem esperança em Deus, que um dia estará. A fantasia de que há um
dia, em algum lugar à frente onde tudo vai ficar bem, me mantém respirando.
Ligue-me se você quer que eu vá. Amo-te, querida.
Neil é ótimo, mas tenho que fazer isso sozinha. Dizer adeus não é algo que ele
pode fazer. Além disso, não posso desintegrar-me em seus braços e cair aos pedaços. Por
um lado, Neil está na graduação trabalhando em seu diploma de psiquiatria. Ele não vai me
deixar cair aos pedaços. Perder o controle é ruim para a alma, ele diria. Eu não sei se eu
concordo com ele, mas agora ele se sente mais seguro para sentar no meu casulo sombrio e
olhar para o gramado doente. Eu quero mergulhar em cada detalhe e dizer adeus antes que
eu seja expulsa pela manhã.
Quando o frio no ar punge através de meu pijama, eu caminho pela grama crocante
em pensamentos. Meu laptop está na mesa da cozinha, onde o deixei. A tela brilha
palidamente e eu olho para a minha história. Nas últimas noites, derramei meu coração
para este computador. Eu realmente não sei o que escrevi ou por que escrevi. As coisas
nesta história não são recentes. Elas são de uma vida passada, onde eu era feliz, amada e
segura. Eu revivi as noites, as que eu passei nos braços de Bryan Ferro, fazendo coisas que
Neil nunca aprovaria. Enquanto escrevo, acho que o amor tem duas faces, paixão e
companheirismo. Os dias perdidos há muito tempo estão cheios de histórias bobas de
coisas que relembro de fazer com meu pai - aprendendo a dirigir e atropelar um ganso
canadense. São as coisas que flutuam na minha cabeça, então as escrevo sem pensar, sem
julgamento.
Era a minha vida, e agora não é.
As histórias enchem e transbordam de uma página para outra, mudando entre
alegria e agonia, a dor e o prazer. A luz solar e as trevas se misturam, fraturando a estrutura
da minha vida. Elas derramam para fora de mim como um ser vivo que precisa escapar. Eu
não posso conter isso. As palavras bloqueiam a dor que perfura meu coração e abafa a dor
que nunca acaba. Eu encontro consolo perdido em um mundo de memórias, em um
mundo que não é mais real.
Eu vou até o final do documento e começo a escrever. Este é o fim. O devaneio vai
quebrar depois de hoje à noite e pela manhã vai trazer a realidade da minha vida. Estou
sem casa. Neil é a única pessoa que me ofereceu ajuda, então aceitei a oferta dele. Seu rosto
se iluminou quando ele me pediu para morar com ele e eu disse sim. Mas esta noite estou
perdida no passado, escrevendo sobre coisas que aconteceram há muito tempo. Luto
derrama de mim em ondas, até que eu escreva a palavra final, mas não é o suficiente. A dor
lancinante que está no centro do meu peito não facilita. Eu ainda me sinto lá, torcendo e
puxando como um demônio que está tentando sugar a alma do meu corpo.
Meus olhos mal conseguem se concentrar mais. Eu os esfrego com a palma da
minha mão e abro o site que eu estava olhando outro dia. A confissão é boa para a alma e
uma vez que o meu espírito se sente como estivesse morrendo, eu quero tentar. Qualquer
coisa que vá aliviar minha agonia vale a pena o risco. Até a minha última parte está se
afogando na dor e este pequeno ato poderia me dar um apoio na realidade. Talvez ele esteja
vivendo no passado, ou talvez seja porque eu sei que essas coisas eram reais e isso me
ancora. As palavras fazem alguma coisa, elas querem dizer alguma coisa. As letras não são
coisas estáticas, presas em uma página. Elas vivem e respiram. Eu não sei como explicar
isso e não consigo verbalizar o que me obriga, mas quero fazê-lo.
Olhando fixamente para a tela, eu me pergunto se fizer isso, se eu acertar publicar -
que problema vai trazer? É bobagem pensar que alguém verá minha história. As
probabilidades são de que ela caia no vasto deserto de e-books que ninguém encontra,
então de quê eu tenho medo? Não há ninguém para me julgar e se uma pessoa ler isso- não
é isso o que eu quero? A confissão? Talvez eu devesse falar com um padre e não derramar
minha alma atormentada na internet. Meu dedo paira acima da tecla ENTER. Neil irá me
condenar por isso. Eu sei que ele faria, mas isso não é para ele. É para mim, e, por vezes, a
única maneira de avançar, é dar uma boa olhada para trás e ver onde você esteve. Deus sabe
que eu já passei por turbulência suficiente para que eu possa suportar isso, mas não sinto
isso sendo certo agora. Quando o senhorio chegar pela manhã, eu não sei como vou
conseguir ir embora.
Minha garganta aperta quando eu aperto meus lábios juntos e a dor no centro do
meu peito palpita. Inalo lentamente, fecho meus olhos e imagino o rosto do meu pai. Eu
penso sobre o que ele diria. Quando eu olho para a tela novamente, sei o que eu vou fazer.
Um toque no botão do mouse e clico publicar.
Capítulo 2
Pedaços de meu passado estão emaranhados dentro da minha mente. Emoções,
memórias e pensamentos passam por trás dos meus olhos durante o dia e espero até a
noite para desvendar. Sentindo-me desgastada nem sequer começo a descrever como estou.
É como se um buraco negro se abrisse e engolisse toda a minha vida. De repente, tudo é
arrancado e destruído. Não há nada que eu possa fazer, não há nenhuma maneira de mudar
isso. E a parte mais cruel é que fui poupada. Não há família para me confortar, nenhuma
mãe para me segurar.
Até agora, era só eu e meu pai, e eu estava bem com isso. Na verdade, eu adorava.
Eu chegava em casa depois da aula e falava sobre o meu dia. Ele tinha o jantar na mesa e
nós riamos. Algumas pessoas não se dão bem com o pai, mas eu era próxima do meu.
Talvez porque éramos só nós dois por tanto tempo. Sua atenção nunca estava dividida,
sempre focada em mim.
Houve apenas outra pessoa na minha vida que me tratou assim, mas eu o perdi.
Bryan Ferro era o pesadelo de qualquer pai e a fantasia de cada menina. Ele era um garoto
mau ao extremo com uma quedinha por mim. Isso é outra parte do meu passado que eu
nunca vou voltar. Mas isso é passado, e este é o agora.
Neil é o meu namorado e ele se preocupa comigo. Estamos juntos há muito tempo,
tempo suficiente para ele conhecer os meus caprichos e não se importar que seja um
pouquinho louca. A forma como eu vejo, somos todos um pouco loucos, e é isso que torna
a vida interessante. Neil concorda, mas isso faz a vida dele interessante, porque ele quer
corrigir seus cérebros quebrados. Eu não sou assim. Eu vejo as coisas que ele quer conserta
como pátina 1, um esmalte maravilhoso muito louco sobre uma escultura de forma chata.
Estamos em extremos opostos do espectro, Neil e eu, mas tudo bem porque ambos
nos preocupamos um com o outro.
1 Pátina natural é o processo de oxidação das tintas, metais e vernizes que, ativados pela ação do tempo,
vão se transformando pela ação da luz.
Neil abre um recipiente das minhas coisas e olha para dentro. Há pequenas pilhas
de caixas, empilhadas como um forte no quarto. Considerando-se que é uma vida inteira de
roupas e objetos, não há muito. Desde que eu tentei manter a casa, vendi tudo de valor.
Isso me matou, mas a recompensa vale a pena. Eu conseguiria manter um teto sobre minha
cabeça e a casa de meu pai. As memórias ainda estariam ali para mim enquanto eu
lamentava a perda do meu pai. Eu teria uma chance de passar por suas coisas quando
estivesse pronta, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Havia muita dívida, muitas
pessoas que ele devia dinheiro e cada centavo foi para a minha educação, que está em
espera até eu descobrir o que fazer.
— Remoção da embalagem seria um bom começo. — Neil oferece e segura uma
das minhas camisas. Seu cabelo cor de areia está escovado para o lado e ele está vestindo
uma camisa polo com calça cáqui. Ele está sempre vestido como um cara velho. Pense na
sexta-feira casual em alguma empresa, e essa é a melhor combinação de Neil. Eu pensei que
ele dormia naquelas calças perfeitamente passadas até que me mudei. Acontece que Neil é
um homem pijama.
— Você vai superar isso, Hallie. — Superar é a palavra errada. Eu vou passar por
isso, mas eu nunca vou superar. Neil não entende o que sinto ou o que está passando pela
minha cabeça agora. Experimentar perda e ler sobre isso é duas coisas diferentes.
Concordo com a cabeça, porque minhas palavras vão ser muito afiadas e ele está
tentando ser gentil comigo. Eu vejo isso em seus olhos. — Neil eu vou desempacotar. Eu
só não sinto isso agora. — Minha bunda estava colada a esta cadeira durante os últimos
sete dias. Eu não assisto à televisão. Não jogo no meu celular e nem uso o Twitter ou faço
qualquer coisa exceto olhar para fora da janela. Preciso de descanso, longe de tudo e de
todos. Faz minha vida mais suportável.
Neil suspira e balança a cabeça. — Eu gostaria de poder fazê-la feliz.
— Você tem feito. — A falta de emoção na minha voz é perceptível, apesar de eu
tentar transmitir alguma. Eu só não tenho isso em mim agora.
Neil balança a cabeça, e vai até a cadeira onde estou sentada. Ele se abaixa diante de
mim e inclina a cabeça para chamar minha atenção. Meu olhar estava sem foco, olhando
para a parede, até que ele fez isso. — Faz uma semana e você mal se move dessa cadeira.
— Eu sei. — Mas não tenho chorado ou perdido completamente minha cabeça. Eu
quero dizer-lhe isso, mas não posso, porque ele vai saber que estou muito mais machucada
por dentro do que ele pensa.
— Hallie, eu comprei uma coisa. Eu não ia dizer nada até chegarmos lá, mas eu sei
o quanto é importante para você. — Neil soa estranho quando fala e seus olhos escuros
abandonam os meus.
O que ele poderia me comprar? Eu não quero nada que seja remotamente
alcançável e Neil junto, então não é como se ele pudesse ter milhões e resolver tudo. Ele
tem o suficiente para manter sua cabeça acima da água e isso é tudo.
— Oh? — Eu tento ser educada.
Ele balança a cabeça e sorri para mim, pegando minhas mãos nas dele. — Sim, é
meio que um presente estranho, mas eu sei o quanto é importante para você, então
comprei um lote no cemitério. Eu sei que você quer um túmulo para o seu pai. Eles já
transferiram o corpo e terminaram a lápide hoje. Ele deve estar lá agora, se você quiser ir e
olhar.
— É por isso que as suas cinzas não estavam prontas? — Eu inalo uma vez, com
força.
Ele balança a cabeça. — Sim, baby. Achei que você precisava de um lugar para
chorar.
Os cantos dos meus lábios puxam para cima e eu vacilo. — Eu não sei como reagir.
Eu queria... — Minha voz treme e eu fecho minha boca. Neil acena como se entendesse.
Eu me inclino para frente e jogo meus braços ao redor dele.
Ele me tirou da cadeira.
Capítulo 3
No caminho para o cemitério, Neil muda o programa de rádio. Ele ouve coisas -
bem estranhas - estações que eu acho que são estranhas e segue em frente, em seguida, é
uma programação de mulheres. Elas estão discutindo um novo livro que não poderia obter
o suficiente. É evocativo e cheio de sexo úmido, o suficiente para enrolar os dedos do
locutor, ou assim, diz ela.
Neil vai para frente e desliga. — Ótimo. Mais lixo literário. Apenas o que o mundo
precisa.
Concordo com a cabeça distraidamente e desenho linhas na janela embaçada, o que
provavelmente está deixando Neil louco, mas ele não diz nada. O céu parece que está
prestes a se abrir. Grandes nuvens cinzentas bloqueiam completamente o sol e não há
pedaços azuis do céu aparecendo. Está ficando escuro muito rápido. Neil se inclina em
direção ao para-brisa. — Pode ser que essa viagem tenha que ser rápida, Hallie.
Concordo com a cabeça lentamente enquanto o carro se move no cemitério. A
grama é verde brilhante e parece continuar para sempre. Existem muitas linhas
perfeitamente retas para contar. Os códigos alfanuméricos que são pregados em árvores em
pequenos quadrados de plástico, orientando-nos pela massa de túmulos e em torno da
seção mais recente na parte de trás.
Neil para ao lado de uma lápide com o meu sobrenome escrito em grandes letras:
RAYMOND.
Meu estômago afunda. Vendo o seu último nome em uma lápide faz coisas para
uma pessoa. Pessoas normais não pensam sobre sua mortalidade ou morte, mas ver algo
como isso, faz você refletir. Adicione a terra recém-revolvida e me sinto passando mal.
Mentalmente, eu me repreendo. Isto é o que eu queria para o meu pai. Eu queria coloca-lo
para descansar aqui, mas eu não podia pagar. Neil deu o presente mais generoso que se
possa imaginar e tenho medo de sair do carro. Eu respiro fundo, preocupada que Neil vai
me apressar, mas ele não diz nada. Depois de desligar o motor, ele embolsa as chaves e
espera por mim.
Meu telefone toca com toque de Maggie. Maggie Chichilad é a minha melhor
amiga, e vem tentando obter um pouco de mim o dia todo. Na semana passada, ela tentou
me tirar todas as noites e todas as noites eu não aceitei. Eu não posso suportar falar com
ela agora, então eu saio e bato a porta atrás de mim para selar o som.
Uma coisa de cada vez Hallie. Você pode fazer isso.
Embora eu caminhe ao lado de Neil, eu me sinto sozinha. Não importa que
estejamos namorando há anos ou que ele me conhece de dentro para fora. Todo mundo
lida com a morte sozinha. Um ombro para chorar é bom uma vez quem se aceita o
inevitável, mas eu não quero aceitar isso. Eu não posso acreditar que meu pai se foi. Cada
dia se passa como o anterior, comigo sentada naquela cadeira, esperando que essa coisa
toda fosse apenas um erro terrível. Não, Hallie, não era o seu pai no gramado, ele está bem.
Nós todos rimos e vamos para dentro da casa que ele ainda possui. Eu ainda tenho um
lugar para descansar minha cabeça. Minhas memórias ainda ecoam nos corredores daquela
casa, alto e claro, porque tenho uma casa apenas em minha mente.
Então eu sento e olho para o nada, dia após dia, esperando entender uma piada
divina que não posso perceber, porque não importa qual é a verdade, é muito difícil de
aceitar. Não há nenhuma maneira que papai teria me deixado assim, não depois de tudo o
que eu tinha passado antes de ele me adotar. Fantasmas daquele tempo da minha vida havia
se calado, mas agora eles estão esticando as suas garras e rastejando para fora, entre cada
fenda mental. O passado e o presente se confundem em uma lavagem de apatia e agonia.
Dormência me consome até que eu não sinto nada.
Por isso, me surpreende que o meu nariz registre o ar fresco e que a minha pele
sinta as gotas molhadas lisas que caem dos céus congelados e agitem em minhas faces.
Quando caminho em direção ao túmulo recente, eu desejo ter dado a ele um enterro, que
eu poderia tê-lo salvo de ser abandonado e esquecido. Mas eu não podia. E se não fosse
por Neil, papai não estaria aqui de jeito nenhum.
Alcançando a mão de Neil, eu emaranho nossos dedos e engulo o caroço na minha
garganta. — Eu vou te pagar por isso. — Eu sei quanto custou, o quanto ele gastou. Antes
que isso acontecesse, eu pensava que funerais fosse uma parte da vida, que todos tinham
um. Isso até que eu fui à única herdeira que aprendi a realidade da situação.
Neil aperta minha mão. Sinto-o com os olhos no lado do meu rosto. — Nem pense
nisso, Hallie. Eu gostaria de poder ter feito mais, mas isso me deixou limpo. Nós estaremos
comendo cachorros-quentes por um tempo.
— Eu comeria lixo se eu tivesse que fazer.
— Bem, isso é bom, porque provavelmente há muita sujeira nas salsichas baratas.
— Ele se inclina e me beija na face. — Eu vou te dar um minuto. Volte para o carro,
quando estiver pronta. — Neil vai embora, deixando-me olhando para nova moradia do
meu pai.
O vento pega e sopra os pequenos cristais irregulares de precipitação mais forte.
Cada gota parece como uma pequena navalha que atinge a minha pele. Não tenho ideia de
quanto tempo fico lá. Parece muito tempo, mas dificilmente o tempo suficiente. Eu fico
olhando para lápide do meu pai e tento aceitar que este é o lugar onde ele vai estar de agora
em diante. Eu não dei muita atenção para a vida após a morte, mas, mesmo se houver uma,
ainda significa que estou aqui sozinha por um tempo. Tremo e mantenho os braços em
volta da minha cintura, esperando que papai não esteja realmente no chão frio, sozinho. Eu
não poderia suportar isso, e ainda assim, tenho que fazer.
Sua voz ecoa em meus ouvidos como uma música distante. Ele me dizia para não
ficar aqui e chorar. Ele me dizia coisas que me fazem sorrir e que poderíamos conseguir
qualquer coisa. E esse é o problema, a erradicação de “nós”. Com ele, nada poderia me
deter. Eu planejei tomar o mundo pela tempestade e conseguir coisas impressionantes. Mas
sozinha, eu não tenho nenhuma ideia de como sou fraca ou o quão rápido vou me dissipar
em nada.
Naquele momento, eu não tenho futuro. Não há nenhuma imagem da vida a minha
frente ou o que eu irei me tornar. Meu futuro está em branco e eu tenho que começar de
novo.
Capítulo 4
Eu estava ao lado de Neil, de costas para ele. Não ficamos juntos desde antes do
funeral. Sexo não soa atraente agora, e eu realmente não me importo por sentir assim.
Minha suposição tem sido que eu sentirei quando eu estiver pronta.
Neil não me pressionou, mas sei que as coisas não podem ficar assim. Ele se move
atrás de mim na cama, pressionando seu corpo contra o meu, e sussurra em meu ouvido:
— É sexta-feira.
Sexta-feira é o nosso dia de sexo. Nenhum de nós tem que estar em qualquer lugar
na parte da manhã e por isso foi apelidado como o dia mais lógico da semana para
estarmos juntos. Não é romântico, mas eu não me importo. Na verdade, eu gostava por
que era a hora para apenas os dois, não importando o que estivesse acontecendo. Desde
que Neil gosta de planejar tudo, é um bônus duplo para ele. Às vezes, ele planeja as coisas,
pequeno gesto romântico e posso dizer que ele está pensando em estar comigo durante
dias. É doce, realmente. Talvez seja um pouco de TOC, mas desde que eu tendo voar pelo
assento da minha calça, funciono. Neil traz ordem ao meu caos.
A respiração dele bate no meu ouvido em uma onda quente. — Eu não quero
pressioná-la, mas às vezes a melhor maneira de levar a vida é retomar suas atividades
normais. Poderíamos tentar Hallie. — Ele acaricia o cabelo longe do meu rosto para que
possa me ver melhor.
Eu não me sinto como ele agora, mas realmente não sinto nada. Talvez não seja
uma má ideia. Relacionamentos são dar e receber, e, além disso, não posso deixar Neil
sozinho para sempre. Ele estava lá para mim e eu preciso estar lá para ele.
Sem dizer nada, eu me viro de frente pra ele. É a permissão não verbal para ele
continuar. Neil tira minha roupa em silêncio, mas eu me sinto mais como um paciente do
que sua amante. Ele diz coisas doces quando as mãos vagueiam sobre o meu corpo e ele
me cobre de beijos, antes de se acomodar entre as minhas pernas. Balançando lentamente,
Neil faz o que ele sempre faz.
Meu corpo responde, estou molhada, mas eu não sinto nada. Eu sei que ele está lá e
me tocando. A sensação de suas mãos na minha pele nua registra, mas isso é tudo que faz.
Então, eu olho fixamente e olho para longe, desejando que pudesse me perder e me tornar
tão invadida por pensamentos luxuriosos que minha mente ia sair dessa eterna queda livre.
Embora Neil faça as coisas certas. Toca nos lugares certos, meu corpo não queima
a vida. Não é o suficiente para puxar a minha mente de volta dos lugares escuros que
consomem minha alma. O corpo de Neil está liso quando ele desenvolve um ritmo,
batendo em mim uma e outra vez, finalmente enrijecendo quando goza. Eu fico com ele
apertado e olho para a escuridão, me perguntando se ele pode me puxar para trás do
abismo.
Estou afundando, eu não consigo sentir nada, e sei que está piorando. A apatia está
tomando conta e eu não posso removê-la. Neil beija minha face e se levanta da cama. Um
segundo depois, o chuveiro é ligado. Ele vai me esperar para acompanhá-lo, mas eu não me
movo.
Fiquei ali sentindo o mesmo que antes, nada.
O melhor da literatura para todos os gostos e idades