Biblio "SEBO"
Àqueles que superam o Medo
"Alma", termo derivado do latim anima, refere-se ao princípio que dá movimento ao que é vivo, o que é animado ou o que faz mover. Na Bíblia, a "alma" é a pessoa, a vida que ela usufrui. Na doutrina espiritualista, a "alma" está presa temporariamente a um corpo material, presa a um ciclo de reencarnação temporário, o que anima o corpo carnal, que está nele e vive na Terra temporariamente. Na ciência moderna, alguns cientistas tentaram encontrar evidências de sua existência e natureza, porém falharam em decifrar o seu segredo.
A alma sempre foi motivo de controvérsia entre as diferentes denominações religiosas e crenças, mesmo porque nunca foi totalmente compreendida, explicada ou observada. Apenas acreditava-se que ela era uma energia divina; a existência além da matéria, funcionando como uma bateria dando vida e animação para o corpo. Tire a bateria e o corpo não funcionará.
Devido ao pouco conhecimento e às mentes focadas ao mundo material, a humanidade até então não imaginava o imenso poder adormecido que possuía adormecido dentro de si. As pessoas mal sabiam da importância que era a busca pelo sonho pessoal e como isso implicava em sua existência, ao contrário da busca pela fama e pelo dinheiro.
Finalmente, é chegado o dia em que um homem que se dedicou a esse segredo descobrisse o poder oculto em cada alma. Porém, seu coração estava tomado pela amargura e ódio da humanidade. Decidiu guardar sua descoberta para si e para quem seguisse sua filosofia. Ele usaria contra o mundo a maior descoberta já feita.
Terra - Meado do século XXI
Era um dia como outro qualquer. As pessoas estavam ocupadas com seus afazeres. Estudantes preparavam-se para os testes que estavam por vir, dando início às avaliações, alguns estavam mais preocupados, já que não entendiam o conteúdo, enquanto outros já dominavam e gastavam seu tempo livre se divertindo com seus amigos em algum lugar especial. Como o sol estava forte naquele dia, seria ótimo ir à praia ou a algum clube para aproveitá-lo. Homens e mulheres trabalhavam pensando na hora de chegarem às suas casas e reverem seus filhos, aqueles que os tinham, ou reverem seus parentes que não viam com muita freqüência. Em alguma parte do mundo já era noite, e as pessoas estavam exaustas depois de um dia cansativo e estressante. Já para outros, geralmente jovens, era hora de sair noite a fora para divertir-se ou festejar algum evento qualquer.
Eram cerca de 20h em Washington - D.C e cerca de 8h em Tóquio quando o sinal satélite foi roubado e usado para transmitir uma mensagem que iria mudar o mundo, infelizmente, para pior.
Uma imagem surgiu nos televisores. Um homem de cabelo preto e alguns fios grisalhos, barba curta, bigode e pele queimada do sol. O homem proclamou ser, a partir daquele instante, a suprema lei e poder do mundo. Ele ordenou que os representantes de cada país entregassem o governo a ele; caso não aceitassem e não se rendessem de maneira pacífica, o seu imenso exército iria dominar à força país por país.
O misterioso homem, após passar por um breve momento de decisão, determinou aos presidentes de cada país vinte e quatro horas para pensarem em sua proposta. Eles já sabiam das conseqüências, dependia deles escolher com sabedoria e cautela o futuro de todo uma raça. O homem, cuja imagem aparecia em todos os televisores e sites populares, deixaria que os representantes usassem o sinal do satélite durante as vinte e quatro horas para mandarem suas respostas. E após o término do tempo, o sinal seria usado por ele para ditar suas ordens de acordo com as decisões.
Enquanto o homem, que se dizia ser a suprema lei do mundo, falava em inglês, sua fala era traduzida para as línguas específicas de cada país através de legendas. Sua voz era grave e inflexível.
O mundo inteiro passava por momentos de dúvida e surpresa. Para alguns, era a piada do século, as pessoas não acreditavam que alguém poderia tomar posse do mundo e esperava que fosse entregue em vinte e quatro horas, nem os maiores exércitos do passado, como o império romano, pôde algo tão ousado. Enquanto o tempo passava, nenhum dos presidentes pensava em entregar os seus respectivos países para um louco que se achava superior às forças de cada país. Aqueles que tinham tecnologia de ponta tentavam descobrir de onde viera a mensagem e como o sinal fora roubado.
As vinte e quatro horas se passaram, e o homem que aparentava estar na meia-idade voltara para dar suas ordens. Como nenhum país havia aberto suas portas a ele, a supremacia do mundo enviou seu imenso exército, como havia prometido, para tomar cada país à força.
A transmissão foi cortada e todos aguardavam o que iria acontecer sem saber ao certo se era real ou se era uma brincadeira de muito mau gosto.
De repente, pessoas com roupas pretas começaram a aparecer de todos os lugares cercando todas as casas, edifícios, lojas e todos os cantos das grandes cidades. Eles estavam em maior número onde os presidentes de cada país se localizavam. Cada grupo de soldados trazia consigo uma bandeira vermelha com a figura de um sol negro e uma sigla, B.M.S.E (Sangue, mente e alma pelo Führer, em inglês), escrita em preto.
Em menos de um dia o mundo inteiro foi se rendendo a esta força surpreendente e inacreditável, as pessoas se perguntavam se aqueles seus inimigos eram realmente humanos, pois tomaram país por país, alguns com armas de fogo outros com armas brancas e alguns até de mãos vazias e não havia exército que se comparasse a eles. Em pouco menos de uma semana, o homem que deu a mensagem instalou-se na Europa e proclamou sua ditadura.
"A partir de hoje todos pagarão por seus pecados. E por se acharem maiores que minhas forças, a começar por hoje, homens e mulheres a partir de dezoito anos trabalharão para o meu exército até ficarem velhos e, então, trabalharão cuidando das crianças que serão educadas com a minha filosofia nas escolas. O meu exército é agora a suprema lei e aqueles que o desafiarem, serão punidos com a morte" - pronunciou-se. E aquele era apenas o começo de uma era sombria que estava por vir.
O mundo não sabia de que pecado o ditador se referia, mas sabia que não podia fazer nada se quisesse viver. Os mais sábios compreendiam que estavam diante de uma força sobrenatural. Algo que era totalmente diferente do que conheciam.
Alguns anos se passaram e surgiu a Liga de Brian Oak, que tentou tomar o poder do ditador. Mas ninguém foi páreo para o tirano e seu exército, o que serviu apenas para demonstrar o tamanho de seu poder.
Quando as esperanças estavam perdidas, surgiram boatos da existência de uma organização rebelde que possuía a mesma fonte de poder do exército e que prometia acabar com todo aquele sofrimento. Apesar desta nova motivação, todos hesitavam, pois em suas mentes estava gravado o símbolo que trouxe o pesadelo à realidade.
Capítulo 1
A Organização Rebelde
Rio de Janeiro, Brasil - Cinco anos após o início da ditadura.
Em uma sala de aula, no período matutino, um professor lecionava história. Relembrando como iniciou a nova era da ditadura há cincos anos. Os alunos prestavam atenção em cada detalhe e anotavam o que podiam em seus cadernos. Todos, menos um garoto sentado na última carteira da última fileira da sala.
Ele não parecia interessado nem preocupado com a matéria. O lado de fora da sala parecia mais interessante, prendendo sua atenção.
Quando teve início a ditadura, foram construídos dormitórios para servirem como escola e moradias para os jovens de até dezessete anos, facilitando a fiscalização dos estudantes.
O garoto tinha dezessete anos. Seu cabelo era curto, como era exigido pelo exército, e castanho. Tinha a pele clara, l,70m de altura, média dos jovens da época. Os olhos eram castanho-escuros com uma expressão cansada e vazia no rosto. O corpo magro dava a impressão de que não era forte, mas ele sabia defender-se caso precisasse.
Não demorou muito quando o sinal do almoço soou. Cada estudante teria uma hora e meia para descansar e comer alguma coisa. A maioria seguia para seus respectivos apartamentos para suas refeições, mas naquele dia o garoto de expressão vazia resolveu levar o almoço consigo e comer ao ar livre no terraço do dormitório.
Quando caminhou até a porta rumo ao corredor movimentado, uma garota o interceptou:
True! Vai almoçar no terraço novamente? - indagou a garota percebendo a vasilha de comida que o garoto carregava. - É meu dever te alertar sobre seu horário. Sempre que resolve ir ao terraço, você se atrasa. Já te falei que isso pode complicá-lo! E me complicar! - ela deu ênfase na última parte.
A garota era uma dos representantes da classe, assim, era o seu dever cuidar dos problemas que surgiam, no caso, a pontualidade dos alunos. Ela era um pouco mais baixa que ele, o cabelo castanho-escuro estava preso atrás da cabeça, demostrando sua expressão irritada, concluindo que aquela não era a primeira advertência que dera. Duas alunas estavam logo atrás observando o comportamento do garoto que era olhado torto por uma das alunas.
Não irei me atrasar. Assim que terminar minha refeição, estarei de volta - prometeu True saindo da sala antes que a representante tivesse mais alguma coisa a se queixar.
A voz do garoto transmitia um tom amigável, não era tão grave nem muito aguda.
Assim que chegou ao terraço, ele alimentou-se e deitou em uma sombra que a estrutura das escadas oferecia, observando o céu e as nuvens que se moviam vagarosamente.
O mesmo céu de todos os dias - pensou ele.
True parecia entediado. A expressão sempre séria era tópico de conversa entre os alunos que se perguntavam se o garoto havia alguma vez sorrido. Mesmo com o intervalo entre os períodos, ninguém aparecia para ficar ao seu lado. A solidão era sua única companheira, mas ele não parecia importar-se.
Ele, assim como era realidade para muitos, não via seus pais e parentes há muito tempo. Aos poucos a ditadura ia transformando o mundo, as pessoas iam sendo mandadas para diferentes países a mando do exército para a realização de algumas tarefas.
O garoto ainda sonhava que tudo mudasse um dia, ao contrário de muitos que se adaptavam a nova era. Houve aqueles que lutaram, mas isso já era passado, as últimas tentativas de retomar o controle haviam acontecido há dois anos e, desde então, todos pensavam em somente seguir as leis e ficarem vivos. O exército possuía um poder oculto que todos desconheciam e aqueles que o desafiaram não duravam mais do que um ano.
Já estava na hora de True voltar à sua sala de aula. Antes que a representante viesse procurá-lo, ele apanhou suas coisas e se preparou para voltar.
Ele descia pelas escadas de incêndio quando avistou um pequeno grupo de alunos conversarem entre um dos andares que passava. True achou estranho o local que o grupo adotara para falar entre si, uma vez que a escada de incêndio só era usada para emergências e quando os elevadores estavam congestionados. Ou talvez, assim como ele, o grupo queria ficar sozinho.
Eu não acredito nisso, seria loucura! - sussurrou uma garota, que parecia ser do ensino fundamental, para um garoto de série avançada.
True agachou-se para ouvir melhor sobre o que os alunos conversavam.
Eu concordo com ela, acho tudo isso uma bobagem - falou uma garota mais velha, discordando de algo.
É verdade, acreditem! Meu amigo garante que viu com os próprios olhos! Um homem criou uma espécie de muro dourado que repeliu o ataque dos soldados! - retrucou o garoto de série avançada.
Repeliu o ataque dos soldados? — True se surpreendeu ao ouvir.
E não é só isso, Lúcia. Há boatos de que eles estão procurando por novos membros. Talvez essa organização possa enfrentar o exército! — Outro garoto, de mesma idade, tentava defender a história do outro aluno.
Uma organização que pode enfrentar o exército? Isso seria possível? Rebeldes? - True tentava imaginar sem conseguir conter um sorriso que nasceu junto à esperança.
Agora, vamos, ou chegaremos atrasados!
O pequeno grupo se desfez deixando o caminho livre para que True chegasse ao seu andar. Ele já não conseguia manter sua atenção na aula; agora, com aquelas informações, ele não pensaria em outra coisa.
Despois das aulas da tarde, todos os alunos voltavam para seus respectivos dormitórios para passarem a noite. Apenas em raríssimas ocasiões, era permitido que os jovens saíssem nesse período. Mas teriam de voltar antes do toque de recolher.
True saiu de sua sala e foi até o primeiro piso, onde havia construído uma passagem que levava para o lado de fora do dormitório, só ele sabia de sua existência.
A passagem dava acesso à parte dos fundos do dormitório, local onde se tinha pouca iluminação, o que facilitava não ser visto. Logo ao lado do prédio ficava uma antiga academia que agora estava abandonada.
Através de uma passagem estreita, o garoto pôde entrar na antiga instalação. Assim que adentrou, ele dirigiu-se ao centro de um antigo ringue de box onde se encontrava um saco de areia usado no treinamento da arte marcial, e retirou a parte superior de sua farda, uniforme que todos os alunos deveriam usar. Uma camisa sem mangas, branca, de algodão estava por baixo da farda.
Depois de fazer um rápido aquecimento, o garoto começou a golpear sem cessar o saco de areia. Do lado de fora, ele podia ouvir uma tropa marchando, seguindo seu percurso diário.
Quando terminou sua série de golpes, o menino apanhou uma garrafa térmica em sua mochila e bebeu seu conteúdo. Cansado, sentou-se e aproveitou para olhar cada canto do lugar abandonado, perguntando-se se no passado, muitas pessoas vieram a frequentá-lo.
Quando sua respiração se estabilizou, agarrou uma toalha que tinha trazido e limpou o suor que escorria da lateral de seu rosto. Exausto para fazer mais exercícios, caminhou até o outro extremo do salão onde se encontrava um rádio amador.
O garoto ligou alguns componentes que serviam para vários fatores, um deles era evitar que o exército soubesse a origem do sinal. Ele puxou uma cadeira velha e sentou-se para dar início à transmissão.
"Bom fim de tarde a quem estiver me ouvindo. Meu nome é True, True Constantine. Eu sei que devem achar meu nome estranho para alguém, como eu, que nasceu e cresceu no Brasil, mas tenho uma árvore genealógica bem complicada. Meu pai é britânico e minha mãe americana. Eles se conheceram aqui no Brasil, onde vieram morar e se casaram. Enfim, não quero falar muito sobre eles, já faz muito tempo que não os vejo e ficar me lembrando dos meus pais só irá me trazer mais saudade."
True fez uma pausa, mas logo continuou:
"Eu não sei por que continuo transmitindo essas mensagens. Hoje faz, deixe-me pensar... seis meses e vinte dias aproximadamente que envio, toda semana, essas mensagens na esperança de que alguém do outro lado esteja me ouvindo. Porém, durante todo esse tempo, não recebi sequer uma resposta ou pelo menos a pista de uma.
Já tentei de outro modo, através de panfletos anônimos, os quais jogava pelas ruas e outros lugares públicos de grande circulação. Já deixei mensagens nas paredes de becos e até em portas de banheiro.
"O que eu estou procurando? Uma chance de escolha se quer saber. Daqui a alguns meses farei dezoito anos, a maioridade vai chegar e meu ingresso no exército também. Não tenho nenhuma vocação para isso. Sou o tipo de pessoa que não consegue seguir ordens da pessoa errada. Não que eu queira ser dono de tudo, não. Só não quero seguir ordens daquele homem, o qual todos o chamam de Führer."
"O mundo precisa mudar, meus caros ouvintes anônimos, e talvez, precise de heróis" — o garoto sorriu. — "Quando era criança, adorava as histórias em que existiam o bem e o mal um de cada lado. O herói salvava todo mundo e a paz reinava. O único problema é que a vida real não é assim."
True fez outra pausa como se estivesse retomando o ar. Depois de alguns segundos voltou com a sua mensagem.
"Nenhum civil tem chance contra o exército, por mais organizado e precavido que seja. Eles possuem algo a mais, algo que não sabemos o que é. A Liga de Brian Oak foi nossa última tentativa de rebelião, mas foi massacrada anos atrás assim que o exército soube de sua localização."
Ele se lembrou do grupo de alunos que conversava na escada de incêndio sobre uma organização rebelde que havia impedido o ataque de soldados. True olhou bem para o microfone. Estava em dúvida se dizia ou não aquela informação.
Daqui alguns meses minha vida vai virar um inferno mesmo. Eu não tenho nada a perder - pensou dando de ombros.
"Hoje pela manhã ouvi boatos sobre uma nova organização rebelde. A diferença? Simplesmente um homem da organização conseguiu competir com a força sobrenatural do exército. Talvez eles tenham conhecimento dessa força oculta. Se alguém me ouve, peço apenas uma coisa: Save our souls. Aqui éTrue finalizando mais uma transmissão semanal".
O garoto desligou os aparelhos e colocou os cotovelos sobre a mesa feita de madeira enquanto apoiava o rosto com as mãos. Sua esperança estava se esgotando assim como o seu tempo.
Um pouco afastado de onde estava. Um relógio apontava as horas, fazendo o garoto dar um salto da cadeira.
Já é noite! Como pude ficar tanto tempo aqui! — True gritava consigo em sua mente.
Ele apanhou sua mochila, guardou seus utensílios rapidamente e saiu pela passagem estreita que dava acesso ao beco escuro. O garoto estava faminto e teria que voltar para o dormitório o mais rápido possível, porém sua mente estava atordoada com todos os acontecimentos, então, antes de voltar ao seu minúsculo apartamento, decidiu comer algo na cidade, uma vez que o horário da refeição noturna já havia passado.
A noite estava calma, quase não dava para ouvir nenhum barulho, apenas o sussurro do vento e ruídos dos talheres e pratos em um restaurante criado especialmente para alimentar jovens e crianças de até dezessete anos.
Eram 19h57, o toque de recolher estava quase na hora de soar, todos deveriam voltar aos seus respectivos dormitórios organizados pelo exército. Como as famílias foram desfeitas e os maiores de idade foram mandados para para os lugares em que eram solicitados pelo exército, os dormitórios se tornaram os novos lares das pessoas. Poucas famílias ainda tinham a sorte de estarem juntas.
O único estabelecimento ainda aberto naquele momento era o restaurante onde True estava junto a mais três homens, um deles era o cozinheiro, que também era dono do estabelecimento a comando do exército, e outros dois homens tinham acabado de chegar ao estabelecimento.
O homem, dono do restaurante, os impediu:
Desculpe-me cavalheiros, mas não poderei deixá-los entrar. Esse restaurante fornece alimento somente para os jovens menores de dezoito anos, queiram me desculpar, mas são ordens.
Os dois homens barrados vestiam capas que tampavam seus rostos, apenas dava-se para ver o começo da boca até o queixo.
Desculpe senhor, nos enganamos, mas quero lembrá-lo que está quase na hora do toque de recolher, o senhor não acha que está na hora de fechar o seu estabelecimento?
Tem toda razão, só estou esperando aquele jovem terminar sua refeição.
Os dois homens misteriosos olharam para True que comia faminto.
Ei! Garoto! Está terminando? - perguntou o dono do restaurante.
Por que a pressa? - indagou de boca cheia e quase que o homem não entendeu o que dizia. - Não acha que uma refeição deveria ser apreciada? - disse o garoto após esvaziar a boca.
Você terá que se apressar e...
Enquanto o cozinheiro falava, foi interrompido pelo barulho da sirene que significava o toque de recolher.
Que droga! - resmungou ao checar o relógio. - Desculpe garoto, terei que recolher seu prato e fechar o restaurante imediatamente. Se fosse você, ia correndo para seu dormitório antes que o exército te encontre.
Ao pronunciar aquelas palavras, surgiu uma idéia na mente do cozinheiro e então, ele virou-se para os dois homens misteriosos para fazer uma pergunta:
Vocês não são do exército, são?
Porém mais dúvida surgia do cozinheiro, pois os homens já não estavam no estabelecimento.
Que estranho - pensou o cozinheiro coçando a área falha onde já começava a cair os cabelos. Nem percebi que eles tinham partido.
Enquanto isso, True se levantou, agradeceu pela deliciosa refeição e foi embora.
Ele andava calmamente pela rua sem se preocupar com o exército ou punições. Entrou em um beco que lhe servia de atalho para o dormitório quando percebeu que estava sendo seguido. No momento em que começou a correr, olhou por cima dos ombros, se certificando que a pessoa ou o soldado estaria longe, quando voltou a olhar para frente, surpreendeu-se com um homem de capuz que surgira do nada, Ele parou no momento exato para não tombar com o estranho.
Outra pessoa com capuz se manifestou atrás do rapaz, cercando-o. Ele então se lembrou dos dois homens que foram barrados no restaurante há poucos minutos.
O que vocês querem? Se forem do exército, não estou nem ai...
Calma, garoto! Nós não somos do exército - disse um dos homens tirando o capuz. Ele tinha aparentemente cerca de 28 anos, pele branca, olhos azuis, cabelo curto e loiro. Possuía a mesma altura de True.
Meu nome é Light e esse é o meu fiel amigo Romeo.
O segundo homem retirou o capuz. Esse tinha um cabelo que batia nos ombros, o qual castanho-escuro e ondulado, olhos também castanhos e pele clara. Aparentava uma idade de cerca de 20 anos, mas sua altura superava a dos dois outros presentes, o que fazia o garoto imaginar que ele teria l,80m.
Nós somos da América do Norte, estamos aqui para procurar mais pessoas para nossa organização — disse Romeo.
Que organização? - perguntou, franzindo o cenho.
Nós te explicaremos mais tarde, venha conosco - falou Light.
Não vou a lugar algum com pessoas que não conheço. Só sairei daqui à força.
Imediatamente o garoto sacou duas facas curtas que escondia em seu coturno. Ele as tinha roubado no restaurante que estava.
Light deu um curto assobio e disse ironicamente:
Nossa! Olha o mundo em que vivemos! Queremos conversar um pouco com um jovem e ele saca duas facas para nos agredir - finalizou Light com um pequeno sorriso no canto esquerdo da boca enquanto sacudia a cabeça em um gesto de decepção.
São tempos difíceis, mas agora se afastem! - justificou-se o garoto tentando amedrontar o máximo, pois sabia que estava na desvantagem.
Light arregalou os olhos por um instante e disse sorrindo:
Você tem uma alma interessante, rapaz.
O garoto não entendeu o que o estranho quis dizer, mas não abaixou a guarda. Foi então que Romeo avisou-os:
Temos que sair daqui o mais rápido possível, o exército logo estará aqui.
Tarde de mais — disse Light. - Nós fizemos muito barulho, meu amigo. Olhe para cima.
Romeo e o garoto olharam para cima quase ao mesmo tempo e seus olhos se arregalaram, principalmente o do garoto, quando viram dois soldados na cobertura dos prédios que entre eles faziam o beco escuro onde estavam.
Eu cuido disso - disse Romeo muito calmo e arregaçando as mangas.
Quem você pensa que é? Eles são dois e são do exército! Eles dominaram o mundo em vinte e quatro horas, quanto tempo acha que vão levar para nos matar!
Light, que aparentava sempre ter um leve sorriso no rosto, botou as mãos sobre os ombros do rapaz e disse acalmando-o:
Relaxe, apenas assista.
O garoto não entendia o que estava acontecendo nem o que aqueles homens achavam que eram, mas decidiu ficar quieto e ver o que aconteceria.
O primeiro soldado, vestido todo de preto como eram conhecidos, saltou em direção a Romeo com uma espada de lâmina média que desembainhou, enquanto o segundo sacava suas pistolas para atirar em Romeo no momento em que tivesse chance.
Um imenso barulho de metal chocando-se em algo sólido fez o silêncio da noite desaparecer. Era Romeo quem tinha defendido o ataque do soldado.
True não tinha entendido como aquele homem havia feito a defesa, pois estava desarmado e já era milagre este estar vivo e não morto jogado no chão. Ele encarou a mão de Romeo surpreendendo-se. A unha tinha crescido instantaneamente, formando uma espécie de garra, além disso, sua mão ficou com uma proteção maior, como se fosse cristalizada, foi o que teria parado o ataque. A garra possuía uma aparência estranha, era cinza e com as bordas brancas brilhantes, criando uma espécie de aura.
Enquanto uma mão impedia o avanço, Romeo usou a outra para contra-atacar o soldado, tirando sua vida, e lentamente o soldado caiu no chão, sem ter tempo para revidar. O segundo soldado, com frieza, não demonstrou qualquer sinal de raiva ou tristeza com a perda do parceiro, e enquanto Romeo virava para encará-lo, o soldado disparou dois tiros em direção ao peito de seu oponente. Romeo, por sua vez, se moveu tão rápido que nem o garoto nem o soldado puderam ver onde ele foi parar. Com apenas três saltos, Romeo estava frente a frente com o inimigo. O soldado encarou o rosto do misterioso homem e antes que mudasse a mira de sua arma, Romeo o derrotou.
Como? Você os derrotou! Como saltou tão alto? - gritou o garoto atônito.
Grave isso na sua mente garoto: se tiver medo de algo, enfrente esse medo e você se tornará mais forte - disse Romeo voltando ao encontro dos dois, desfazendo-se das garras.
Light deu uma leve risada e disse:
Acredito que já tenha ouvido sobre nós ou estou enganado?
O rapaz ficou pensativo por um tempo e depois arregalou os olhos:
Vocês são da organização rebelde? Aquela que alguns estão falando?
Isso mesmo. Nós ouvimos sua mensagem pelo rádio. Não me admiro que não tenha recebido muitas respostas, pois além de ter muita interferência na transmissão, o sinal não vai tão longe. Mas agora me responda, garoto: você sabe alguma coisa sobre o exército, a fonte de seu poder?
True pensou um pouco, mas não tinha idéia.
Eles não são humanos normais; ou melhor, são. Mas eles possuem conhecimento de algo que é limitado entre as pessoas, eles são aqueles que podemos chamar de caídos. Explicarei melhor exatamente quem são eles, isso, é claro, se disser "sim" a minha pergunta.
E qual seria? - indagou True curioso.
Você gostaria de se juntar à nossa organização?
Capítulo 2
A Alma de Tao
- Acorde, True! Seu dorminhoco, já é tarde! - disse uma voz rouca e fraca, porém doce.
Ainda estou com sono, me deixe dormir mais um pouco! - True respondeu, cobrindo-se por inteiro com o lençol.
Nada disso! Já está quase na hora do almoço!
Quase na hora do almoço! Por que não me acordou para ir à escola, Ducy?
A idosa Ducy era aposentada pelo exército. Ela trabalhou servindo o ditador em diversas tarefas: nas indústrias de armas, na área urbana, plantando, colhendo, capinando e várias outras funções cansativas.
Como era lei, após alcançar a terceira idade, todos teriam que cuidar de crianças até que completassem 18 anos. Assim que essas crianças alcançavam a maioridade teria de cuidar de outras até que as mesmas fizessem 18 anos. E isso até o fim de sua vida. Ducy não teria escolha, assim como os outros idosos que faziam as mesmas tarefas que o exército mandava.
Hoje você não irá para a escola, meu querido. Você passou mal ontem à noite, além disso, você tem companhia.
Ducy era uma dos poucos idosos que tratavam as crianças com boa vontade. A maioria descontava a raiva que sentia do ditador nas pobres crianças que náo tinham nenhuma culpa daquele fardo que todos iriam carregar se o mundo não mudasse.
Companhia? - ele estranhou.
Sim, dois homens. Eles trouxeram você para casa ontem à noite, fiquei preocupada, você náo tinha chegado ao dormitório e já tinha soado o toque de recolher. Se o exército tivesse te encontrado... - Ducy colocou a mão nos olhos enquanto falava. - Não quero nem pensar!
Enquanto Ducy falava, as lembranças da noite passada surgiam na mente de True.
Então não era um sonho! — refletiu.
Agora vamos. Você tem que comer alguma coisa e os seus amigos estão te esperando.
True não sabia se eram de fato seus amigos, mas sabia que devia muito a eles.
Ele se trocou e abriu a porta do seu quarto, avistando Light e Romeu sentados à mesa da cozinha esperando por ele.
Bom dia, garoto! Está melhor? - disse Light, curioso e como sempre de bom humor.
Melhor? - indagou ainda sem se lembrar dessa parte.
Sim, ontem você nem respondeu à minha pergunta e logo desmaiou.
Que pergunta? - Ducy interveio.
Se ele estava perdido - respondeu Romeo imediatamente para que não levantasse suspeitas.
Bom, vou deixar os cavalheiros conversando e irei até a área de distribuição. — A suspeita de Ducy se fora.
A área de distribuição foi criada pelo ditador para fornecer as necessidades de cada pessoa. No local havia alimentos, remédios, ferramentas, entre outras coisas, mas só o necessário para cada um exercer a tarefa que lhe fora designada. No caso de Ducy, ela ganharia, uma vez por mês, uma quantidade de alimentos suficiente para ela e o número de crianças que estava cuidando no momento; no caso, apenas ela e True. O exército tinha relação por nome de cada pessoa e com o que trabalhava.
Ducy fechou a porta do pequeno apartamento e foi a caminho da área de distribuição. Agora que tinha partido, eles podiam conversar livremente sobre a noite passada.
Então, rapaz, sente-se e coma alguma coisa para então começarmos a conversar. - Light disse convidando-o.
Sim, claro. — True sentou e observou Romeo, que era mais calado e observador que Light.
Agora poderia responder à minha pergunta?
True lembrou-se da última coisa que ouviu antes de tudo ficar escuro e acordar em sua cama.
Sobre eu entrar na sua organização?
Isso também, mas você está melhor?
True não sabia onde ele queria chegar, mas respondeu educadamente.
Sim, estou muito melhor, obrigado. Eu estava treinando e não vi a hora passar, eu fiquei muitas horas sem me alimentar, então passei naquele restaurante para comer alguma coisa, estava morrendo de fome. A hora do jantar no dormitório já havia passado, não teve jeito, tive que improvisar.
Treinar?
Sim, como podem ver, não sou muito forte e daqui a alguns meses vou fazer 18 anos, então serei obrigado a trabalhar para o ditador. Caso eu não agüente os serviços, acabarei morrendo por não suportar o trabalho duro.
De onde tira tempo para treinar? As escolas são em período integral, tendo apenas descanso para o almoço e à noite.
É verdade, mas uso a hora do almoço e a noite para treinar.
Os estranhos se entreolharam por um breve momento.
Não vai precisar fazer isso se você se juntar a nós - continuou.
Light finalmente começou o assunto que queria, mas True não sabia por que foi escolhido.
Antes de te dar minha resposta, queria saber por que gostaria de minha ajuda. Não sou tão forte e também não sou tão inteligente, como poderia ser útil?
Light e Romeo se olharam novamente e juntos fizeram um sinal de aprovação com a cabeça.
Vimos suas notas na escola. Você não é a pessoa mais inteligente do mundo, mas as suas médias estão entre sete e oito. Você, apesar de não ter muita força física, tem reflexo rápido. Mas o fato mais importante para o querermos em nossa organização é por sua alma ser extremamente rara.
"Você tem uma alma interessante rapaz" - True lembrou-se daquela fala, mas não sabia o significado.
O que quer dizer com isso, senhor?
Não precisa me chamar de senhor, apenas Light. Nós somos amigos, certo?
Sim — True assentiu sem ter muita certeza.
Bom, vou explicar o que quero dizer, mas antes vou começar de uma maneira geral para depois chegar ao seu caso, tudo bem?
True assentiu e observou a maneira que Light falava, apesar de ele ser americano, falava português fluentemente.
Certo, vou tentar explicar da maneira mais fácil possível. - True viu um leve sorriso crescendo na boca de Romeo, parecendo que estava o subestimando. — Todas as pessoas, sejam elas boas ou ruins, possuem uma alma que é dividida em dois grupos: as almas puras e as corrompidas. A alma também pode ser diferenciada pela forma, grave bem isso!
True, que já estava concentrado, dobrou sua atenção e então Light, percebendo que o garoto estava prestando bastante atenção, continuou:
A forma da alma mais pura é a do anjo e a mais corrompida é a do demônio. Entre elas existem outras formas que variam entre formas de animais ou seres únicos, que surgem com mais raridade, essas formas variam de acordo com a personalidade da pessoa. Um exemplo é a do Romeo, que tem a forma de um lobo, que significa...
Espere! Não quero que fale da minha alma para ele! - berrou Romeo furioso, batendo a mão contra a mesa. True arregalou os olhos e se afastou.
Tudo bem, meu amigo, vou respeitá-lo.
Light não perdeu a calma nem por um segundo e fez um sinal para True, informando que estava tudo bem. Ele se sentou novamente enquanto Romeo ia ao banheiro para molhar o rosto e se acalmar. True pediu para que Light continuasse.
Aqueles que têm a alma corrompida são chamados de caídos, pois eles eram almas puras assim como todo mundo, mas algum motivo forte e pessoal fez com que eles caíssem. Para você entender melhor, imagine que as almas puras são como pássaros felizes voando no céu. Os pássaros que não aprenderam a voar ou por algum motivo não voam são como as pessoas que não acreditam na existência de uma alma ou pensam somente no mundo material, por isso não podem "voar". As almas corrompidas são como pássaros que, por algum motivo forte e pessoal, estavam voando pelo céu, mas caíram no mar e lá ficam afundando até que alguém ou eles mesmas possam sair e voar novamente.
Os dois pararam e observaram Romeo chegar e sentar-se em seu lugar anterior.
Cada tipo de alma tem algumas habilidades, como, por exemplo, a do anjo, que pode trazer um caído de volta aos puros apenas sabendo o motivo dele ter caído, dando uma solução para o problema pessoal. A habilidade do lobo, do Romeo...
True arregalou os olhos com medo de que Romeo ficasse irritado. Light percebeu que o garoto ficara preocupado, logo o acalmou com um sorriso.
Tudo bem garoto, disso posso falar.
Romeo assentiu com a cabeça e ao mesmo tempo soltou um leve suspiro.
A do lobo, como eu ia dizendo, pode materializar garras e a velocidade do proprietário é aumentada consideravelmente.
True se lembrou da luta que Romeo teve com os dois soldados. Se fosse há alguns anos talvez o garoto não acreditasse nas palavras do rebelde, mas em vista dos acontecimentos, as informações certamente eram verdadeiras.
Além dessas habilidades, se a pessoa com a alma do lobo estiver em grupo, seu poder e velocidade aumentam ainda mais, podendo ganhar até novas habilidades.
True se maravilhou com aquilo, estava nascendo uma esperança em seu coração, talvez aquela organização pudesse mudar o rumo do mundo.
O exército e o ditador são todos caídos, e eles têm conhecimento da existência desse poder. Foi por isso que o mundo foi tomado de forma tão rápida. As pessoas, sem saber da existência desse poder, apenas se renderam.
Então se nós juntarmos um número considerável de pessoas com o conhecimento dessas habilidades, faremos o mundo voltar a ser como era - disse o garoto imaginando e seus olhos brilhavam esperançosos.
Na verdade - continuou Light -, não precisamos de muitas pessoas, até porque seria difícil achar almas puras nesse mundo. Com a ditadura, as pessoas não têm esperança e alegria no coração, fazendo, consequentemente, sua pureza ficar baixa. Assim, acabam virando aqueles pássaros que não voam, como te expliquei. Os soldados do exército, no momento em que caíram, perderam seus sentidos na vida, apenas obedecem às almas mais corrompidas. Sabe me dizer quem são elas?
True ficou pensativo por um momento e respondeu:
Os generais! — disse True com empolgação.
Sim, e existem apenas cinco deles. Um na América do Sul, outro na América do Norte, na África, na Ásia e por último na Europa junto ao ditador.
Então se derrotarmos todos eles, esse tempo sombrio chegará ao fim!
Não apenas derrotar.
O garoto franziu o cenho em dúvida.
Temos que descobrir o motivo deles terem caído. Se conseguirmos fazer isso com o poder da alma do anjo que pode entrar na "consciência" da pessoa por alguns instantes, mostraremos a solução. Dessa forma, ele se tornará um puro novamente. Se tudo der certo, os teremos como aliados para lutar contra os outros generais.
E se eles recusarem?
Então não teremos escolha a não ser matá-los - respondeu Light no único momento em que o sorriso desapareceu de seu rosto.
Parece complexo... E quanto aos outros caídos com a corrupção menor?
Para eles será o bastante derrotá-los, a maioria dessas almas desejaram poder e, ao serem derrotadas, mostraremos que o lado puro é mais forte, então eles mesmos entrarão na própria consciência para achar uma solução para si.
True ficou refletindo sobre o assunto durante alguns minutos.
Tem alguma pergunta? - questionou Light.
Sim, duas. Primeiro como você vê o formato delas?
Isso é simples, como tenho a alma do anjo, possuo a habilidade de vê-los um pouco acima da cabeça do proprietário, refletido através dos olhos.
True não ficou nem um pouco surpreso em saber que Light tinha a alma em forma de anjo, ele parecia tão calmo e feliz o tempo todo, sempre sorrindo, que True conseguia sentir a bondade o cercando.
E a outra pergunta?
Eu queria saber o formato da minha alma.
Light ficou feliz em chegar onde queria, então deu um longo sorriso e disse:
Esse é o ponto que queria chegar. O motivo da explicação de tudo isso. Sua alma é uma alma única, True. Eu conheci apenas mais uma pessoa com essa alma, mas isso já faz muito tempo.
E qual seria?
A alma de Tao! Sua alma é ambos: pura e corrompida; ela é metade anjo e metade demônio.
True não sabia o que estava acontecendo, seu coração batia forte, ele estava com medo de ser uma pessoa ruim, mas estava feliz por ser também metade anjo. Algo não estava certo, ele poderia ser uma pessoa muito boa assim como Light ou terrível como o ditador e seus generais.
Capítulo 3
Um Único Ser
Responda, Light! Eu sou bom ou sou mal? - True perguntou ainda sem acreditar que sua alma era metade anjo e metade demônio.
Eu já te disse garoto: você é ambos! Acredito que seja o equilíbrio dos puros e dos caídos. Você será o nosso trunfo para poder dar um fim a essa era de ditadura.
Mas por que eu? Eu não estou sempre de bom humor e calmo como você para merecer a alma do anjo, mas também não sou tão cruel como o ditador e seus generais para merecer a alma do demônio. Por quê? Responda-me!
True aumentava o tom de sua voz a cada palavra que falava.
Light sorriu brevemente com a menção que o garoto fizera em relação ao anjo e suspirou logo em seguida quando surgiu uma idéia em sua mente que podia fazer com que o garoto entendesse de uma vez.
Você não prestou atenção no que falei, não foi? Você é inteligente True, mas não presta atenção nos detalhes. Por isso não tira nota máxima na escola.
Como sabe das minhas notas?
Nós fazemos parte de uma organização rebelde, invadir sistemas escolares do governo é fácil para nós e necessário.
Vocês são realmente os mocinhos? - True disse com ironia, e Light sorriu.
Voltando ao assunto, como assim não presto atenção nos detalhes? - perguntou True ansioso.
Lembra que te falei sobre o tipo de alma depender da personalidade de cada pessoa?
Aquilo fez dar um leve estalo na mente do garoto ao que logo se recordou.
Sim, me lembro.
Então, garoto - disse Light agora em dúvida por que True não aceitava sua alma. - Náo sou eu quem escolhe o formato da sua alma, mas, sim, a sua personalidade que faz com que ela se torne o que é.
E o que é esse "Tao" de que falou?
Light não tinha outra escolha a não ser explicar, ele esperava que o garoto entendesse apesar da complexidade.
"Tao" vem de Taoísmo, uma filosofia chinesa que acredita que toda a vida é regida pelos elementos yin e yang que se complementam e são opostos, transformam-se e estão em eterno movimento, equilibrados pelo Tao. Yin: Lua, escuro, frio, água, esquerda, negativo, trevas. Yang: Sol, claro, quente, fogo, direita, positivo, luz. Ou seja, você possui a alma desses dois elementos, a alma do equilíbrio.
True agora parecia mais calmo, porém desanimado.
Olha, True, se prometer juntar-se a nós e nunca desistir até que tenhamos a paz de volta ao mundo, te ensino a usar sua alma e o melhor, a conversar com ela.
O garoto arregalou os olhos confusos, mas interessado.
Como?
Primeiro responda de uma vez se quer entrar em nossa organização.
Eu não tenho escolha, se quiser descobrir o motivo da minha alma ser assim. De todo modo, também não esquecerei esse assunto facilmente — pensou True e então assentiu.
-Tudo bem, prometo que irei ajudá-los nessa tarefa.
Light deu um sorriso e encarou Romeo como se tudo seguisse parte do plano. Romeo, sempre quieto, apenas retribuiu o sorriso.
Muito bem, começaremos a treinar, mas antes, que também náo deixa de fazer parte do treinamento, te ensinarei a conversar com sua alma como prometido por ter se unido a nós. Pense nisso como um prêmio de boas-vindas.
True ficou animado, mas logo foi tomado por dúvida.
Só tenho uma pergunta.
E qual seria?
Minha alma é outra pessoa? Como posso conversar com ela se não for outro ser?
Light ficou feliz que True tinha voltado a ter interesse pelo assunto. E achou ótima sua pergunta.
Não, sua alma não é outra pessoa. É parte de você. Sem ela você seria com um robô ou um boneco com movimentos próprios. Você já deve ter conversado com sua alma, tenho certeza. Nunca tinha feito perguntas para si mesmo como: "O que devo fazer agora?", "Como será que me saí nos testes?" ou "Deu vontade de...". Tudo o que você pergunta para si vai para sua alma. Quando você fala na sua mente, não escuta sua voz dentro de você?
True pareceu surpreso, tinha mesmo feito aquilo diversas vezes.
Sim, escuto.
Então, só precisa ter mais concentração e vai escutar ela responder; na verdade, ela não, vocês responderem.
E como posso fazer isso?
No seu caso, o Tao Yin, um termo chinês associado às práticas de meditação de origem Taoísta desenvolvida na China. Este tipo de meditação também é conhecido como Sentar na Calma.
Meditação? - disse True sem gostar muito do método que teria que fazer.
Sim, é o jeito mais rápido — insistiu Light.
Romeo deu uma risada baixa, ele já tinha passado por vários métodos de treinamento e sabia que, além de chato, era difícil, em sua opinião.
Tudo bem, vou tentar.
Os três se levantaram e pegaram as almofadas do sofá para forrar o chão da minúscula varanda do dormitório que o exército cedera para True e Ducy. Depois do chão bem forrado, True se ajeitou até ficar sentado de uma maneira confortável, o vento que soprava na varanda o ajudava a relaxar.
Aqui está bom? - indagou Light.
Sim, e agora, o que eu faço? - perguntou True apressado.
Primeiro feche seus olhos e tente esquecer o mundo aqui fora. Só se concentre no seu mundo.
No meu? - indagou franzindo o cenho.
Light sempre tinha a mania de falar as coisas confiando que as pessoas sabiam o que queria dizer. No entanto, lembrou-se que se tratava de uma novidade para True, então começou a explicar:
O mundo a que me refiro, True, é como um lugar alternativo, único de cada pessoa. Ele é, para todo indivíduo de boa índole, um paraíso criado pela própria mente.
Romeo revirou os olhos, ele já sabia quando Light começava com suas histórias. Ele, por outro lado, não tinha essa paciência de ensinar. Enquanto isso, True refletia a respeito do conceito.
Acho que entendi... Quando fico entediado na escola, fecho os olhos e penso em um lugar que queria estar. Como um sonho.
Light deu outro leve sorriso, notando que o garoto estava no caminho certo.
É exatamente isso. Como um paraíso em sua mente. É esse lugar que serve como ponto de encontro entre nossa alma e corpo. Mas não é tão simples quanto parece, pois não é todo pensamento que gera nosso mundo. O pensamento deve alcançar o íntimo de nossa mente.
True passava a mão no cabelo, pensativo. Aquilo parecia complexo, mas ele estava certo que entenderia com a prática.
O íntimo de nossa mente... - disse para ninguém em especial - Light, se eu estiver certo, seriam os nossos pensamentos e desejos mais pessoais. — Deu de ombros.
Isso mesmo, garoto! Percebo que está começando a entender - Light sorriu assim como True. — Quando você pensa em algo pessoal não se sente aprofundando em sua mente?
True assentiu.
O nosso mundo é esse lugar secreto em nossa mente. E agora que tocou no assunto, sobre os desejos mais pessoais, acho que está na hora de falarmos sobre o núcleo do mundo.
Núcleo? Então há um requisito para que ele exista... — comentou estranhando sem querer perder o raciocínio que desenvolvia.
Sim. Esse núcleo é o que decide se nos tornaremos um caído ou um puro, por isso é tão importante. Quando decidimos nossa personalidade, escolhemos também esse núcleo, que em outras palavras é a nossa razão de viver. Pensando assim, sabe me dizer qual o núcleo do mundo de uma mãe?
True ficou pensativo por um instante e balançou a cabeça negativamente. Ele se lembrou de sua mãe, que não via já fazia muito tempo, por ela receber ordens do ditador para prestar serviços na Ásia.
São os filhos, True. A coisa mais importante para uma mãe são seus filhos, tornando-se o núcleo do mundo dela. Para você entender melhor, imagine que o mundo em que vivemos é a coisa mais importante para você. Agora imagine se o tirassem de você, a partir daquele momento você ficaria sem chão e então perdido no universo, é isso que acontece se essa mãe perder seus filhos ou alguém perder seu núcleo do mundo.
True pareceu surpreso de saber o quão importante era aquela teoria e o que poderia influenciar em cada um.
Como fica muito extenso dizer "o núcleo de um mundo", nos referimos apenas como mundo, que se entende como o lugar e a coisa mais importante para cada pessoa — disse Light fazendo uma pausa para provocar uma tosse, por ter a garganta seca. - Então você já sabe me dizer qual é o seu mundo? - continuou e procurou saber.
Enquanto True pensava, olhou para o rosto de Romeo e percebeu que estava surgindo uma lágrima nos olhos do homem. Vendo aquilo, ele não hesitou em perguntar:
Está tudo bem, Romeo?
Romeo arregalou os olhos como se fosse acordado enquanto estava tendo algum tipo de pesadelo e em seguida enxugou as lágrimas que brotavam de seus olhos.
Sim, está tudo bem, só estou cansado — respondeu apressado. — Posso me deitar na sua cama, garoto?
Sim, fique à vontade - True respondeu meio preocupado.
Light encarava seu amigo com uma expressão de preocupação, e True percebeu que algo tinha acontecido no passado de Romeo. Primeiro ele não quis que falasse de sua alma e agora as lágrimas.
Light voltou a encarar True e esperou pela resposta da pergunta que tinha feito antes que ele notasse a lágrima de Romeo.
Hmm... Não sei ao certo. Seria a Ducy?
Light recuperou o bom humor e corrigiu calmamente, como era de costume.
Não. Você está confundindo algo que você ama para algo que é a coisa mais importante para você, mas tudo bem, será mais uma pergunta que você fará para sua alma. Agora que você sabe o que é o mundo, tente meditar. Concentre-se apenas em você e em seu próprio paraíso.
True assentiu e fechou os olhos, sentando-se de uma maneira confortável.
Estava difícil esquecer o mundo exterior. Ele abriu um dos olhos e viu que Light estava sentado na cozinha, mas perto da porta da varanda, vigiando e avaliando-o.
Err... Light?
- Sim?
Poderia fechar a porta da varanda? E que não consigo me concentrar sabendo que alguém está me olhando - True pediu envergonhado.
Claro, enquanto isso, vou ver como está o Romeo.
Obrigado.
Light se levantou da cadeira e fechou a porta como True havia pedido. Ele agora podia concentrar-se. True cerrou novamente os olhos e sentiu quando o vento passou pelos seus cabelos lisos, fazendo com que fossem jogados na direção que o vento soprava.
O barulho dos carros do exército que passavam ia diminuindo, ele já não podia ouvir as pessoas que conversavam nos andares acima e abaixo, o cheiro das indústrias que ficavam a poucos quilômetros já não o incomodava. Tudo foi sumindo e, antes que percebesse, já não podia ouvir mais nada.
Certo pânico tomou sua mente, aquele sentimento de vazio o fez imaginar que estava surdo. Seu coração foi acelerando e quando percebeu que não podia mais agüentar, como sua última tentativa, procurou acalmar-se e abrir os olhos. Ele começou a reabri-los lentamente e quando o fez por completo, percebeu que não estava mais vendo a porta que separava a varanda da cozinha. Ele estava em outro lugar que nunca tinha estado antes ou, pelos menos, não conscientemente.
O lugar tinha água que batia em sua cintura, mas não era uma água qualquer... ela não molhava suas roupas nem seu corpo. Ele não conseguia tocá-la. Para movimentar-se, andava lentamente, como se estivesse em um lago, mar, piscina ou outro lugar qualquer que houvesse o líquido. Ele notou outra coisa estranha, com a mão esquerda sentia que a temperatura da água estava fria e com a mão direita estava quente, apenas sentia a temperatura, nada mais. Sem saber se aquilo era um sonho, ele avistou uma figura distante, quase imperceptível no horizonte. O local não parecia ter um fim, era tudo preto, lembrava muito o universo fora do planeta. Por um instante, tentou identificar o que era aquela coisa ao longe, mas falhou em ver os detalhes.
True, se arriscando, gritou:
Oi! Pode me ouvir?
A voz ecoou até a figura que não se moveu de imediato, mas após alguns segundos começou a se virar e vir em sua direção. True começou a ficar nervoso e percebeu que a figura, que parecia pequena, ia crescendo conforme se aproximava.
True forçava seus olhos para ver o que de fato era aquilo, mas apenas conseguia reconhecer a forma de uma pessoa, e que seus pés não estavam na água, mas acima dela. Foi aí que percebeu, a figura, que continuava a crescer à medida que se aproximava, possuía um par de asas. Com medo, True fechou os olhos e esperou que a figura misteriosa aparecesse de uma vez à sua frente. Ele não via lugar para correr, ou melhor, não tinha como fugir. Sabia que não podia competir com a estranha figura, pois enquanto ele andava lentamente pela água, ela voava. Não importava o quão rápido ele fosse, certamente ela o alcançaria.
Porque está com os olhos fechados?
O corpo inteiro de True tremeu, e seus olhos abriram encarando a água. Ele logo percebeu que a voz que ouvia era idêntica à dele.
True querendo acabar com o suspense, olhou para cima para encarar a figura, que, agora, estava defronte a ele.
Quando a encarou, não acreditou no que via, era como se ele olhasse no espelho. Apesar de parecer um clone, tinha algumas poucas diferenças: a figura tinha uma asa branca, que lembrava a de um anjo, e uma asa negra, que supostamente seria de um demônio. Outro detalhe era a coloração de seus olhos; o esquerdo era azul-claro enquanto o direito era alaranjado.
Que... Quem é você? - disse True gaguejando.
Por que sempre respondemos uma pergunta com outra? Sempre odiei isso em nós.
Ele percebeu quando a figura disse "nós".
Eu sou a nossa alma e você nossa mente e corpo - respondeu a figura com asas de anjo e demônio.
Minha alma?
Nossa alma — disse a figura, corrigindo-o. — É como Light tinha nos dito; nós somos inteligentes, mas não prestamos atenção em detalhes.
True mantinha sua atenção em cada "nós" e "nosso" que a figura tinha o cuidado em dizer.
Você conhece o Light?
Claro que sim. Nós conhecemos. Falamos com ele agora há pouco.
True não sabia o que estava acontecendo, então a figura, que dizia ser a alma do garoto, percebendo, começou a explicar:
Eu sou nossa alma; a alma de Tao. Se quiser, pode me chamar de Taiji - disse, apresentando-se. — Aqui é o nosso mundo, tem água até a metade do seu corpo porque somos metade puro e metade caído. Os caídos são como os pássaros que se afogaram, como Light lhe explicou.
True, agora ciente de onde estava, olhou atentamente à sua volta. O lugar estava longe de ser seu local ideal, mas pensando melhor, percebeu que há muito tempo viveu assim, vazio e sem forma. Os anos em que passou no dormitório eram totalmente dispensáveis a seu ver. Como se fosse programado, seguia sempre a mesma rotina todos os dias, esquecendo-se daquilo que verdadeiramente se identificava.
Se é assim, por que você também não está com água até a cintura? - indagou receoso.
No momento, estamos felizes e calmos devido a esse conhecimento que Light está compartilhando conosco. Então, o nosso lado puro fica mais forte, dando-me força para voar, mas quando ficamos com medo, tristes, entre outros sentimentos ruins os quais passamos nesses últimos anos, o nível da água aumenta e eu não posso voar. Está tudo bem agora, não se preocupe — acalmou-o.
True se tranqüilizou, acreditando que aquele ser seria mesmo sua alma.
Por que nosso mundo é assim escuro?
Nós ainda não achamos o nosso sentido para a vida, a nossa razão de viver, sendo assim, o nosso mundo ainda não existe.
Entendo... Taiji, responda mais uma pergunta, qual é o principal motivo para eu ter vindo aqui: Por que você é um anjo caído?
Taiji o fitou e desceu para que ficasse na mesma altura de seu corpo.
Há coisas que até mesmo eu não sei a resposta, mas acredito que assim como minha aparência é um espelho do nosso corpo, ou seja, de você, a nossa alma é um espelho da nossa personalidade. Ao mesmo tempo em que amamos e queremos muito proteger as pessoas, desde aquelas importantes para nós até aquelas que somente temos simpatia, queremos destruir aqueles que odiamos e aqueles que nos desmerecem.
Mas por que o anjo e o demônio?
Talvez porque o amor que sentimos é tão puro, que seja equivalente ao de um anjo, que náo possui a maldade. E o demônio é o ódio que sentimos do mundo lá fora, que não possui misericórdia. Porém, percebo que está se esquecendo de um fato importante: os demônios são anjos caídos, e como pode ver, apenas metade de nossa alma é corrompida. Por esse motivo Light ligou nossa alma ao Tao, onde existe a harmonia dos opostos.
Eu tenho medo de que... - True ia terminar a frase quando sua alma continuou para ele.
De que machuquemos as pessoas queridas para nós e nos tornemos um demônio completo, como o ditador e seus seguidores.
True assentiu.
Isso não vai acontecer, nossa alma nunca poderá ser totalmente corrompida ou totalmente pura. Existe uma balança na qual sempre temos que procurar estabilizar. Porém, caso a corrupção seja maior, é possível que tenhamos atitudes similares a de um demônio, portanto, devemos ficar atentos.
Por um momento, True preocupou-se em deixar que a balança se desestabilizasse. Era muita informação para entender ao mesmo tempo, e Taiji, percebendo o acúmulo que começava a causar certo desconforto no garoto, resolveu acalmá-lo.
É melhor que não nos preocupemos com isso agora. Por ora, vamos nos dedicar e descobrir a razão de nossa existência e ajudar Light em seu propósito.
True assentiu. Ele reconheceu que estava exagerando; afinal, passou todo aquele tempo sem ter ciência das almas e nada havia acontecido a ele.
Fico feliz que minha voz finalmente tenha o alcançando — disse Taiji cerrando o punho e movendo o braço para a direção do garoto em um comprimento.
Também sinto o mesmo - True cumprimentou do mesmo modo ao encontrar os punhos.
Ambos sorriram ao mesmo tempo, e quando True piscou, estava de volta ao dormitório onde tinha começado sua meditação.
Capítulo 4
Olho da Verdade
True acordou exausto da meditação, devido ao tempo que passou se concentrando na mesma posição. Sentindo um incomodo, passou sua mão levemente na nuca, onde havia uma queimada superficial que os raios do Sol causaram, sobressaindo em sua pele clara, deixando a região avermelhada. Após ter se levantado meio desajeitado com a perna dolorida devido à posição que permaneceu, apoiou-se na parede e procurou logo entrar para a cozinha, escapando do calor que a tarde oferecia.
Ao entrar na cozinha, viu que Ducy já havia voltado da área de distribuição, ela agora terminava de lavar alguns talheres. Light ainda estava lá, sentado no banco onde esteve antes de ajudá-lo com a meditação, porém Romeo já tinha partido e True achava que havia algo relacionado à expressão que vira em seu rosto. Quando True entrou, Ducy e Light logo o fitaram.
Oi, meu filho, não sabia que fazia meditação - disse Ducy rindo enquanto balançava a cabeça, pois, para ela, a mediação não era algo que achasse útil.
Não faço, foi apenas desta vez - ele se defendeu e encarou Light para certificar-se de que não repetiria o exercício.
Light, percebendo que True esperava uma resposta, assentiu com a cabeça e se levantou para se despedir dos dois, já estava na hora dele ir e não podia ficar no dormitório de estudantes por muito tempo. O exército costumava fazer rondas pelo prédio para averiguar se tudo estava em seus devidos lugares.
Eu já vou indo, True, e obrigado, Ducy, por tudo - despediu, parando ao lado da porta para que cumprimentasse a senhora.
Tudo bem, Light. True precisa mesmo de amigos. - Ducy apertou a mão do misterioso homem que ainda continuava ser para ela, após enxugar a mão em uma toalha de pratos.
O garoto revirou os olhos. Ele não precisava que Ducy fizesse amigos por ele ou que deixasse tão claro o quanto era anti-social.
Até mais — falou Light estendendo a mão, desta vez, para cumprimentar o garoto.
True estendeu a mão para cumprimentá-lo da mesma forma e, ao apertar sua mão, sentiu algo entre elas, logo percebeu que era um pedaço de papel, mas não sabia o que Light queria com aquilo. Depois de se despedirem, Ducy abriu a porta para Light e esperou para fechá-la.
O almoço já estava pronto, um alívio para o garoto faminto, feito com os novos alimentos que Ducy havia recebido junto aos remédios que tinha direito. Depois de se servirem, sentaram e comeram juntos à mesa. Ducy não tinha feito nenhuma pergunta sobre a meditação ou sobre os visitantes, o que parecia suspeito. True deu de ombros, imaginando que Light havia inventado alguma desculpa; assim, apenas continuou a comer. A comida estava ótima, ele não conhecia cozinheira melhor que Ducy. Além da comida ser saborosa, era bem nutritiva. Ela sabia cozinhar alimentos que não eram tão apetitosos à primeira vista, deixando o gosto escondido nos outros alimentos que o garoto adorava.
Depois de terminarem, True foi para seu quarto, deixando todo o serviço da cozinha para Ducy, não que ele não a ajudava com algumas tarefas, afinal, ela já tinha uma idade avançada, mas Ducy sempre preferia fazer a maioria das tarefas, dizia que ajudava a passar o tempo. Uma espécie de terapia - era como se referia.
True, chegando ao quarto, fechou a porta para que examinasse o bilhete sem que Ducy o visse, pois Light tinha dado para ele discretamente, e se ele fizera isso, certamente era para que Ducy não notasse.
Ele sentou na cama e desembrulhou, nele tinha uma mensagem e quando ia começar a ler, ouviu uma batida na porta.
True, posso entrar?
Sim, claro.
Enquanto respondia, rapidamente guardou o papel na gaveta da estante ao lado da cama.
Sua perna está melhor? Notei que está mancando.
Está tudo bem, só fiquei com câimbra devido ao tempo que fiquei meditando.
Não ficou tanto tempo assim - estranhou. - Eu cheguei logo após você entrar na varanda, segundo o que Light disse. E depois você não demorou tanto, foi o tempo que as verduras cozinharam.
True nem acreditava no que ouvia. O tempo em que passou com sua alma deveria ser pelo menos o triplo do que Ducy descrevera. Ele tinha feito sua primeira descoberta sem a ajuda de Light, pelo que demostrava, o tempo em seu mundo passava mais rápido do que o tempo no mundo exterior.
Se está tudo bem, continuarei meus afazeres. — Ducy não era muito fã dos assuntos de meditação, então logo mudava de rumo.
Aproveitando a ausência de Ducy, ele esperou até que a porta fosse fechada completamente e apanhou novamente o pedaço de papel para ver do que se tratava a mensagem escrita por Light.
"Nós temos que continuar o treinamento, eu sei que está cansado, mas não temos tempo a perder. Encontre-me à meia-noite na cobertura do seu dormitório."
No que Light estava pensando? - pensou o garoto aflito. - Não posso sair do dormitório a essa hora! O toque de recolher já vai ter soado há muito tempo. Haverá soldados por todos os cantos, e, além disso, Ducy nunca me deixará sair do quarto, é muito perigoso! Uma coisa sou eu estar alguns minutos atraso, mas isso!
True se jogou na cama pensativo, sem saber como poderia falar com Light. Era inviável ter treinamento àquela hora. Por um tempo pensou que Light havia marcado o horário se baseando na noite em que se conheceram, mas aquele era um caso diferente. Na noite anterior, os soldados ainda saiam de seus respectivos postos dando tempo suficiente para que voltasse ao dormitório vizinho de onde se encontrava. Também se lembrou que mesmo tendo a vantagem da curta distância, os soldados ainda o encontrariam. Se tentasse algo tão ousado debaixo do nariz dos soldados, certamente seria pego. O garoto estava certo que não iria àquele encontro.
Porém, havia um problema: ele não sabia nada sobre Light, onde morava, nem seu telefone, apesar de os telefones serem grampeados e dificilmente permitidos. As pessoas só podiam ligar para o exército para passar informações importantes ou para médicos; fora essas alternativas, qualquer telefonema seria considerado traição e a pessoa seria presa ou executada dependendo da ameaça que o exército considerasse a informação passada ao telefone.
Desse modo, após muito refletir, True não tinha escolha a não ser ir ao encontro de Light na cobertura do dormitório. Ele estava ciente de que era perigoso, pensaria em um plano e tudo daria certo. Tinha que dar, pois essa era sua única chance de mudar o rumo dos acontecimentos de sua vida.
O dormitório funcionava da seguinte maneira: o térreo e os três primeiros andares eram usados como escola e do quarto até o décimo segundo andar eram dormitórios para os alunos e professores da escola. Na entrada do prédio ficava um soldado que vigiava dia, tarde e noite, mas náo era um único soldado, a tarefa era dividida em turnos. O prédio tinha apenas uma entrada e uma saída, com exceção da passagem secreta que True usava. Além do soldado que ficava na entrada e na saída, havia mais dois; um ficava andando pelos andares do térreo ao sexto andar enquanto o outro vigiava do sétimo ao décimo segundo andar. Felizmente, True morava no sétimo andar, então só teria que ter cuidado com apenas um soldado até a cobertura. Seria mais fácil ir pelo elevador, mas era desligado à noite e chamaria muito a atenção, restando, então, a única passagem até a cobertura, a escada de incêndio.
Decidido, o garoto agora só via um problema: Ducy. Depois de tantos serviços domésticos durante o dia, ela certamente ficaria cansada à noite e dormiria. Era nessa questão que estava o problema. Enquanto dormia, a sua audição não descansava, ficava alerta durante toda a noite, um leve estalo a acordaria, conseqüência do seu trabalho no passado, onde tinha que vigiar a indústria durante o período noturno. Com a pressão de a qualquer momento a indústria ser atacada, e o cansaço depois de passar por outras tarefas cansativas durante o dia, fazia com que ela vivesse uma pressão psicológica imensa. Se dormisse, poderia não escutar a chegada de algum intruso e teria que enfrentar conseqüências terríveis por não fazer sua tarefa com eficiência.
True ficou pensando por horas sem achar uma solução, até que teve uma idéia que poderia dar certo. Ele pegou o relógio que ficava ao lado de sua cama e o programou para despertar às 23h, durante uma hora, teria certeza que chegaria à cobertura com tempo de sobra.
Quando foi soado o toque de recolher, as luzes foram se apagando, ficando apenas a dos postes nas ruas vizinhas, para que o exército ver se alguém perambulava pelas ruas fora do horário e para que usassem os automóveis com visibilidade.
Já estou com sono, Ducy, vou para cama mais cedo hoje - disse True enquanto simulava um bocejo.
Mas já? Não é de seu costume ir para cama tão cedo.
Amanhã tenho aula e como não fui hoje, acordei muito tarde. Amanhã posso ficar com muito sono e não conseguir levantar.
Se é o que quer. Boa noite, meu filho.
Boa noite, Ducy.
Enquanto a esperava dormir, ficava relembrando passo a passo do seu plano, o que ia fazer e o que poderia acontecer de errado, se tinha esquecido alguma coisa. A hipótese do soldado encontrá-lo fez com que seu corpo tremesse de medo, deixando dúvidas se faria aquilo ou não. Refletindo, lembrou-se que enquanto ele hesitava outras pessoas, os inocentes, sofriam nos presídios, acusados injustamente pelo ditador. Lembrou-se também das pessoas que, assim como ele, não viam seus pais havia anos, e daqueles que foram mortos por apenas não suportarem as tarefas pesadas que eram impostas.
O corpo de True não tremia mais com o medo, mas agora queimava de ansiedade. Ele queria treinar logo para poder ser forte o suficiente e ajudar a acabar com aquele terror da ditadura.
De repetente, o silêncio. A televisão que Ducy assistia foi desligada, quebrando os pensamentos de True, que agora estava alerta aos movimentos que Ducy faria em seguida.
Porcaria de programas - Ducy resmungou.
Quase nenhum dos programas que eram transmitidos antes do ditador e seu exército aparecerem ainda existiam. Todos os programas eram censurados e rigorosamente selecionados pelo próprio Führer e muitos eram sobre sua política, para que ninguém tivesse um meio de comunicação que pudesse dar chance a uma rebelião.
Ducy tirou as sandálias e se deitou na cama que rangia. True conseguia ouvir tudo com clareza e sorria por finalmente poder colocar seu plano em prática. Esperando alguns minutos, aproximadamente dez, já se ouvia a forte respiração de Ducy, que parecia dormir profundamente.
Eram 22h45 quando True foi tomado por um arrepio gelado em seu corpo. Como eu sou burro! — pensou batendo a mão contra a testa. Ele tinha programado o relógio para despertar às 23h, mas, ao tocar, iria fazer um barulho enorme que não só acordaria Ducy, como também chamaria a atenção do soldado responsável pelo andar que certamente iria checar o motivo daquele barulho. True rapidamente pegou o despertador e retirou a programação que havia feito, agradecendo por ter se lembrado disso antes que o despertador tocasse. Pelo menos, aquele episódio serviu para deixá-lo mais alerta.
True levantou com sua roupa preparada para o frio que a madrugada oferecia, colou duas meias que serviriam para que diminuíssem o ruído de seus pés ao andar, depois pegou o óleo de cozinha que tinha colocado debaixo de sua cama antes de dormir e usou na porta para que ao abri-la não fizesse tanto barulho com o atrito dos metais. Feliz por abrir a porta sem qualquer som que pudesse acordar Ducy, ele sussurrou para si:
— Volto logo, Ducy.
Ele colocou o ouvido para fora, verificando se o soldado estava naquele andar. Como não ouviu nada, prosseguiu fechando a porta levemente para que não gerasse nem um ruído sequer. True não perdeu tempo e logo andou dando passos largos para que andasse o mais rápido possível, sempre alerta para escutar qualquer movimento que indicasse alguém se aproximando. Ele também pensou nas possibilidades de alguém além dele querer sair à noite. Eram poucas as chances, mas existiam.
Chegando à porta que levava à escada para o oitavo andar, True pegou o óleo de cozinha que levava consigo e jogou no canto da porta para que
não fizesse tanto barulho, como fez na porta de seu dormitório. Ao abrir a porta redobrou o cuidado, pois caso fizesse isso de qualquer maneira, poderia criar um enorme estrondo com a ajuda do eco, fazendo os soldados dos andares inferiores irem averiguar o que teria originado o barulho.
Após aberta a porta, passou para a escada e bem devagar fechou a passagem, havendo apenas um pequeno estalo, nada que fizesse os soldados se alarmarem. As pessoas que dormiam já estavam acostumadas com aqueles ruídos, pois os soldados responsáveis por cada andar viviam subindo e descendo, andar por andar, abrindo e fechando aquelas portas.
True já tinha passado por três andares chegando à porta que levava a escada que ligava o décimo ao décimo primeiro andar. Quando ia mover a mão em direção à maçaneta, a mesma se mexeu indicando que alguém do outro lado vinha ao seu encontro. Paralisado, tentou reagir o mais rápido que pôde. Ao encontrar forças para se mexer, seguiu a passos largos para que chegar rapidamente à porta onde os produtos e acessórios de limpeza ficavam. Ele abriu a mesma e rapidamente entrou com a mão na maçaneta para fechá-la em um só movimento. Ele agradeceu a si mesmo pelo pensamento que foi rápido suficiente para que se escondesse.
O lugar estava escuro e era pequeno. True conseguia ouvir os passos do soldado chegando perto da porta onde tinha entrado. Ele procurou diminuir o ritmo da respiração para que não houvesse nenhum som forte o suficiente que fizesse o soldado perceber sua localização. Os passos pararam e parecia que o soldado estava parado ao lado da porta onde True se escondera, quando ele escutou vozes.
Senhor, poderia me ajudar? - era a voz de uma idosa que parecia estar aflita.
Senhora, não deveria estar dormindo? - A voz do soldado era grave e não demonstrava simpatia, além de não parecer que estava cansado.
Os soldados não eram pessoas comuns, e True sabia bem disso. Eles nunca pareciam com sono e estavam sempre alerta, faziam tudo para o ditador, cumprindo ordens sem questionar. Mesmo sendo o mais absurdo que fosse, sempre as cumpriam sem falhas.
As minhas crianças ficaram com fome durante a noite, então fui preparar algo para elas. Eu fui descuidada e deixei cair o leite quente no chão, mas infelizmente meu esfregão quebrou. O senhor poderia pegar um esfregão nessa cabine aí na frente. Eu já vi as pessoas o utilizarem, tenho certeza que aí tem um.
True arregalou os olhos e o seu coração acelerou, se o soldado abrisse a porta, ele o encontraria e seria o seu fim. Rapidamente, ele se camuflou entre as vassouras e baldes que estavam empilhados, criando uma espécie de esconderijo que tampava todo o seu corpo quando abaixado. Ele também teve a esperteza de deixar o esfregão bem localizado para que o soldado pegasse rapidamente e desse à senhora que esperava pelo objeto.
Vou pegar, mas quero que limpe isso rápido e vá dormir!
Sim, senhor... Eu farei isso.
O soldado abriu a porta e deu uma rápida olhada no local, localizando facilmente o esfregão, agarrou-o e fechou a porta. O garoto suou frio, mas logo se aliviou com o plano que tinha dado certo. Ele esperou durante alguns segundos para que o soldado deixasse o corredor, dando tempo suficiente para que ele chegasse aos andares inferiores.
True abriu a porta cuidadosamente certificando-se de que não tinha nenhum outro morador acordado. Não se ouvia nada, o silêncio tomava conta do recinto. Aliviado, procurou andar o mais rápido que pôde, fazendo o menor barulho possível, até que, enfim, o garoto chegou ao último andar do prédio, no local marcado do encontro.
Boa noite, garoto - cumprimentou Light que o esperava.
Desculpe a demora, tive um problema. Romeo não veio? — indagou ao notar o rebelde desolado.
Não. Quanto menor o número de pessoas, menor a chance de ser visto. Quanto à demora, estou satisfeito só de você está aqui - disse Light sorrindo pela coragem e dos objetos que True carregava.
Não era para eu vir? — True estava confuso, imaginou que era uma daquelas vezes que Light dizia coisas esquecendo-se antes de se explicar.
Claro que sim, mas foi um teste, se você não conseguisse chegar nem na cobertura do seu prédio, dificilmente conseguiria fazer parte da nossa organização, estamos sempre nos arriscando e em perigo.
True se perguntava quando os testes iriam acabar. Porém, estava contente e aliviado por não ter desistido.
Vamos começar, mas não se preocupe com os soldados, eles não nos vêem: criei uma barreira que nos deixa invisíveis, porém se algum soldado entrar no raio da barreira, digamos que não será nada bom.
Eu nem estava preocupado, qualquer coisa você facilmente acabaria com eles - disse confiante.
Acabar? - sorriu. - A alma do anjo não dá sequer uma habilidade ofensiva, apenas habilidades de suporte.
A confiança deixou no mesmo momento o rosto do garoto. O medo havia retornado à sua mente. Sem Romeo eles estavam totalmente vulneráveis, e ele, até o momento, não sabia controlar sua alma. Mas ao lembrar que Light estava o tempo todo o testando, se concentrou para que o medo se dissipasse e pudesse ter concentração no treinamento.
Tudo bem, vamos começar - falou True seguro que tudo daria certo. Light, percebendo a atitude do garoto, deixou um novo sorriso nascer no canto do rosto.
Certo. O que vou ensinar agora é uma das habilidades da alma de anjo. Como você só possui metade dela, não vai poder aprender todas as habilidades. A que eu vou te ensinar se chama olho da verdade. Com ela, você poderá, assim como eu, ver as almas das pessoas, sabendo se elas são caídos ou puros e, consequentemente, descobrir sobre suas personalidades.
True parecia empolgado, mas algo tirou sua concentração: um soldado estava no prédio vizinho, vigiando qualquer movimento que chamasse sua atenção.
Bem na hora - disse Light animado. - Esse soldado que está ali será nossa cobaia para que treine. Eu vou fazer um barulho, fazendo com que ele olhe para sua direção, mas vale lembrar: ele não nos verá. Nesse momento quero que olhe nos olhos dele; na verdade, não nos olhos, mas tente ver o que está mais a fundo.
O que quer dizer?
"Os olhos são os portais da alma", nunca ouviu isso garoto?
Não me imagino nessa situação, mas vou tentar.
Light encaro o garoto fez um gesto perguntando se ele estava pronto. True assentiu e Light jogou uma pedra perto de onde estava o garoto fazendo o soldado olhar diretamente para ele. True suava frio, mas fez o que Light tinha dito, encarou o soldado nos olhos. Quanto mais o garoto o fitava fixamente, uma imagem ia se formando pouco a pouco, porém o soldado desviou o olhar, impedindo que identificasse a imagem que estava a ponto de se formar.
Como foi?
Havia alguma coisa nos olhos dele, mas não consegui ver o que era.
-Tente de novo, mas já aviso, se nós fizermos esse barulho várias vezes, com certeza ele virá para este prédio.
Light sabe como deixar alguém mais nervoso - pensou True.
O rebelde, ao arremessar outra pedra, fez com que o soldado olhasse diretamente para o garoto mais uma vez. True, dessa vez, se concentrou melhor e viu que ia se formando algo de corpo fino. Uma cauda - pensou ele, e logo viu que tinha mais.
Está indo bem, agora, tente sentir o que o olhar dele transmite.
A medida que True fitava o soldado, a imagem ia se formando, e obedecendo a Light, tentou imaginar o que aquele olhar passava. A imagem seguia o olho de True e ao final, formou-se uma cobra. Espantado, olhou para Light esperando uma explicação.
Cobra - Light começou, falando baixo e se aproximando de True para não chamar muito a atenção do soldado - isso significa que ele pode ser uma pessoa gananciosa ou mentirosa ou um tipo de pessoa que gosta de causar intrigas.
Incrível — os olhos de True brilhavam de empolgação agora que podia ver as almas assim como Light -, foi exatamente o que senti.
Você vai ficar melhor nisso, levou muito tempo agora, por ser a primeira vez, com a prática poderá ver as almas com um simples olhar. Quero que treine isso enquanto estiver na aula e depois me conte que tipo de almas encontrou.
Vou fazer isso. - True não tinha mesmo nenhum interesse pelo que era ensinado naquela falsa escola que foi feita com o objetivo de lecionar os ideais do ditador.
Light disse que encontraria True no outro dia e queria ouvir sobre os resultados, depois ordenou que voltasse para o dormitório antes que Ducy,
por algum motivo, percebesse sua falta. Light escoltou o garoto até o dormitório e disse que daria um jeito sem ser visto. True, cansado após chegar ao dormitório, se jogou na cama e logo pegou no sono. Teria um grande dia quando o sol nascesse.
Capítulo 5
Tenente-coronel Esmeralda
Eram 7h30 da manhã quando True se levantou da cama para fazer o desjejum e arrumar-se para a escola que tanto odiava, já que a filosofia ensinada não acordava com o que achava correto. A mesa não estava farta, mas tinha coisas saborosas e nutritivas para começar o dia. Ainda com sono, resolveu tomar um banho para despertar e tirar o suor do corpo devido ao treinamento da noite passada. Enquanto a água caia sobre seu cabelo, ele olhava para baixo pensativo na nova habilidade que aprendeu, recordando-se do pedido que Light fizera para que treinasse na escola. O garoto agora estava animado, pelo menos algo tiraria o tédio das manhãs e tardes cansativas que teria que passar. Após terminar o banho, vestiu-se com a farda que todos os estudantes eram obrigados a usar, identificando caso um estudante estivesse andando nas ruas nos horários em que deveria estar na escola.
Já estou indo, Ducy. Hoje não vou para o terraço, almoçarei com a senhora - despediu-se True.
Vá meu filho, vou te esperar para almoçarmos juntos.
Enquanto esperava pelo elevador, True pensava que horas Light apareceria para o treinamento. Ele teria que ficar na escola pela manhã e a tarde, e quando chegasse à noite, já estaria cansado para qualquer treinamento. Apesar de já estar treinando há algum tempo, nada se comparava ao treinamento das almas. Ele não sabia se agüentaria mais uma noite de surpresas.
O elevador tinha chegado e então apertou o botão para o terceiro andar, onde ficavam as salas do Ensino Médio. O elevador estava lotado de estudantes que também desciam para os seus respectivos andares. Alguns preferiam ir pelas escadas a esperar pelo elevador, além deste demorar, poderia vir lotado. Atingindo o terceiro andar, ele saiu junto de mais três alunos que também eram do Ensino Médio, mas não tinha ninguém que conhecesse.
Era na sala trezentos e três onde True estudava, ela tinha um total de quarenta alunos e os lugares eram mapeados de acordo com o nome em ordem alfabética. Assim, no caso de alguém ter faltado, a cadeira ficava vazia, facilitando para que os soldados descobrissem quem estava ausente e irem até o respectivo dormitório.
A aula começava exatamente às 8h, todos os alunos teriam que chegar antes do professor entrar na sala, pois caso chegassem atrasados, teriam que passar o dia fazendo exercícios cansativos e repetitivos. No caso de doenças ou algum outro problema, até às 9h deveria ser entregue uma carta explicando o motivo da ausência. Mesmo com a carta, seria mandado um representante ao dormitório para certificar se o aluno, realmente, passava por algum problema que o impedisse de comparecer a aula. No dia anterior, True não tinha ido à aula, então Ducy entregou a carta para o professor responsável explicando sobre o ocorrido, omitindo a parte em que ele foi achado nas ruas após o toque de recolher. O médico o examinara, confirmando seu estado, deixando-o isento das atividades do dia. True se sentava na última fileira e última carteira, por seu nome ser o último da chamada.
Todos estavam conversando entre si. Ele, no entanto, entrou e apenas se sentou sem cumprimentar ninguém. O garoto preferia observar pela janela um novo dia começar, o qual não podia aproveitar como queria.
Oi, True, por que não veio ontem?
O garoto levou um pequeno susto... estava concentrado no que via que mal conseguiu ouvir o colega chegar até ele.
Eu estava fraco, não tinha me alimentado devidamente no dia anterior. - True sempre utilizava palavras formais, pois não considerava as pessoas que tinha ao seu redor seus amigos, apenas colegas com quem era obrigado a passar a manhã.
Entendo. Você está melhor hoje? - perguntou o colega, insistindo.
Sim.
Após responder, voltou a encarar a vazia cidade e o vazio céu de todos os dias.
O garoto que tinha falado com True, percebendo que ele o evitava, logo se afastou. Ele não era um aluno qualquer da sala, era o representante e tinha sempre que se comunicar com todos, saber dos problemas e informá-los aos superiores caso houvesse necessidade. Além desse garoto tinha mais um representante, uma garota, que no dia anterior advertiu True sobre o horário, o seu dever era saber dos problemas e reclamações das meninas, mas também auxiliava o outro representante caso este precisasse de ajuda.
O motivo de True não se comunicar não era por náo gostar das pessoas, mas por não ter interesse nelas, as pessoas o cumprimentavam, e ele apenas respondia do mesmo modo. Os outros alunos não tinham medo dele ou o achavam estranho, apenas imaginavam que ele seria uma pessoa reservada, o que era muito comum naqueles tempos.
O professor entrou pela porta e todos os alunos se levantaram ao sinal dos representantes batendo continência, prática que todos deveriam executar assim que algum superior dividisse o mesmo local.
Bom dia, vai começar a aula de filosofia da ditadura - proclamou o professor que deveria ter cerca de quarenta anos e antes de começar a aula, ele observava se não estava faltando alguém para dar queixa aos soldados. — Bom, parece que não está faltando ninguém, quero que abram seus cadernos e copiem o que vão ouvir.
O professor pegou o pequeno aparelho de som e nele seriam transmitidas as palavras do próprio ditador, orientando os jovens para os caminhos que iriam trilhar após a maior idade.
True odiava aquelas palavras, já tinha as ouvido várias e várias vezes e sabia que se Light não tivesse aparecido, teria que passar por aquilo. Entediado, aproveitou para treinar o seu olho da verdade, logo procurou um alvo e então se deparou com um colega que True sempre achava que seguia os outros, nunca tinha visto o garoto agir sozinho, sempre nas sombras colado a alguém, sem nunca dizer o que pensava. Ele achou que seria interessante saber que tipo de forma a alma de seu colega teria. Na posição em que True estava, conseguia ver não o olho inteiro, mas boa parte dele, o suficiente para que usasse sua habilidade. Ele o encarou e em menos de cinco segundos uma ovelha se formou, projetada acima da cabeça do colega. Ovelha - ele pensou e logo riu de si mesmo, satisfeito que sua opinião estava certa sobre o colega. Procurando outro alvo, tentou o colega do outro extremo da sala. Esse já era uma pessoa que sempre se concentrava nos estudos, conversava com os outros alunos, mas não era muito popular. True não pensou duas vezes e logo usou seu olho, porém nada se formou, ele então se perguntou se algo teria acontecido de errado, mas como tinha conseguido ver o do outro colega, concluiu que não era erro dele, e sim que aquele era como o pássaro que ficava pousado na terra, como Light havia explicado sobre a alma que não tinha forma. Agora, True estava desanimado, a maioria de seus colegas era como aquele garoto do outro lado da sala. Foi então que seu pensamento foi cortado por uma instrução do professor.
Quero que façam um círculo para que possamos debater sobre as palavras ouvidas agora a pouco.
Todos arrumaram suas carteiras fazendo um círculo. True reparou que aquela seria uma ótima chance para usar sua habilidade, tinha várias pessoas de frente para ele, então começou a procurar um alvo. Ele olhou rosto por rosto esperando que alguém chamasse sua atenção enquanto o professor começava o debate.
Para dar início ao nosso debate, ninguém melhor para começar do que a senhorita Esmeralda, que acabara de chegar de seus deveres.
Esmeralda? — True logo a encarou, atônito. — Ela está de volta!
Esmeralda não era uma aluna qualquer, ela era a única que tinha 18 anos e ainda estava cursando o Ensino Médio, mas não era por algum motivo de repetência ou algo parecido; afinal, mesmo que os jovens não terminassem o Ensino Médio antes dos 18, eram obrigados a largar os estudos e servir o exército imediatamente. No caso dela, já servia o exército e era de uma patente alta, era a Tenente-coronel Esmeralda. Todos tinham que ter muito respeito com ela, caso contrário, teriam que acertar as contas com o próprio general. Até os soldados e professores a temiam. Apesar de ser uma garota muito respeitada, tinha um corpo perfeito: cabelos pretos, olhos verde-claros, seios generosos, cintura fina, quadris largos, pele bronzeada e cerca de l,65m de altura. Os homens diziam que ela se parecia com uma deusa. Os olhos de True, assim como os dos outros garotos da turma, começaram a olhar cada curva do corpo de Esmeralda, foi nesse momento que True reparou nos lindos olhos verdes que a garota possuía; o que justificava seu nome, Esmeralda. A coloração de seu verde era única.
Inconscientemente, True ficou encarando os olhos verdes por algum tempo e logo recuperou a consciência, abalado. Seu corpo tremia com o que via, ele, ao admirar os olhos da jovem, acabou vendo também sua alma, e o formato que avistou não era algo que ele esperava ver. A alma tomou a forma de uma mulher-demônio.
Ela é uma caída? - pensou True estarrecido. - Não pode ser. Não ela!
Por mais que Light havia lhe avisado sobre as almas corrompidas daqueles que faziam parte do exército do ditador, True imaginava que Esmeralda era uma exceção à regra. Pois em seu íntimo, ele guardava uma paixão pela jovem.
"Ainda lembro perfeitamente do dia em que fui transferido da capital do país para a cidade do Rio de Janeiro. Segui a viagem de ônibus junto a muitas outras crianças na época. Fomos escoltados durante toda a viagem para que ninguém tentasse fugir. Tínhamos acabado de nos separar dos nossos pais e familiares. Muitas crianças choraram no começo, mas foram repreendidas pela violência dos frios soldados. Eu, como qualquer outra criança, sentia saudade dos meus pais e queria estar ao lado deles ao invés de estar naquela prisão sobre rodas a qual chamavam de 'veículo de transferência', mas não queria demonstrar minha fraqueza, não para aqueles soldados que se divertiriam a cada lágrima que caísse.
Quando chegamos à cidade e fomos levados a nossos respectivos dormitórios, conheci Ducy e a princípio pensei que não nos daríamos bem, mas o cotidiano mostrou que respeitávamos um ao outro; afinal, nós dois éramos vítimas da ditadura. E foi naquele lugar onde passei meus últimos cinco anos.
Tinha se passado pouco mais de um ano desde que o dormitório se tornou meu novo lar, ou melhor, prisão domiciliar, quando conheci Esmeralda. Na verdade, náo nos conhecemos exatamente, ela foi apresentada a todos do dormitório, apartamento por apartamento, para ficar claro que ela era um Tenente-coronel e todos deveriam ter o devido respeito, lembrando, é claro, das conseqüências caso a desacatassem. Quando a vi pela primeira vez, me senti estranho, como se não fosse digno de fitá-la em meio a tanta beleza, mas logo esse sentimento passou.
Foi em uma aula extracurricular quando de fato me interessei por ela. Até então, apenas a via como os outros garotos, deslumbrados com a beleza, o que depois de um tempo decidi ignorar, já que nunca teria os requisitos para me aproximar dela. Mas em um breve instante, superando dias e dias de convivência em uma mesma sala de aula, notei algo em Esmeralda que ninguém havia percebido, e se tivesse, não dera o mesmo valor que dou até hoje. Na excursão até a Ilha das Cobras, onde Esmeralda morava junto ao general em uma imensa mansão, ela estava sendo assediada - como todo dia — pelos soldados de grande mérito que lhe davam presentes e mais presentes, um mais caro que o outro. A multidão que a cercava brigava entre si na disputa pelo reconhecimento da bela jovem, e enquanto eles estavam distraídos, um tentando ser mais esnobe que o outro, notei algo no olhar de Esmeralda, algo que não imaginava surgir naqueles lindos olhos verdes. Contradizendo os sorrisos e as palavras de satisfação, seus olhos transmitiam tristeza. Eram vagos como se perdessem sua identidade, assim como... os meus.
Eu já fui uma pessoa otimista e vivia sempre sorrindo, motivando e animando a todos que me cercavam, mas isso foi antes, daquele pesadelo começar. O mesmo certamente tinha acontecido a inúmeras pessoas, mas não podia imaginar ocorrer com Esmeralda. Ela tinha tudo: respeito e admiração de todos, inúmeros pretendentes aos seus pés, a mansão mais desejada para se morar, dinheiro que nunca faltava, tudo! Muitas mulheres dariam a própria alma para estar em seu lugar, mas então, por que aquele olhar? E eu só tinha uma resposta: porque nada daquilo importava a ela. É por isso que hoje não posso acreditar naquela forma que a alma dela havia tomado."
O resto da manhã foi um terror, True não conseguia concentrar-se em nada, só pensava no que tinha descoberto.
Tenho que contar isso para Light — dava a ordem a si mesmo, dando coragem para entregar a colega.
Finalmente chegou a hora do almoço e True seguiu a passos largos rumo ao seu dormitório. Chegando ao andar, empurrou todos que estavam à sua frente. A porta já estava aberta. Ducy o esperava para o almoço, quando entrou e se deparou com Light o aguardando.
Light? - indagou o garoto surpreso, mas aliviado.
Boa tarde, garoto, tenho boas notícias.
E eu, infelizmente, não posso dizer o mesmo.
Light pareceu confuso, ficou pensando no que poderia ser, enquanto pensava, Ducy se envolveu.
True, coma logo, não se esqueça de que terá aula daqui a uma hora.
Ele não irá para o turno vespertino - disse Light interrompendo a senhora.
Não irei? - True franziu o cenho.
Ducy, quero que você entregue esta carta ao professor responsável. Diga a ele que True foi fazer exames para certificar-se que o que ele teve na noite retrasada não foi nada grave.
Ducy, perdida, sem saber o que fazer, apenas olhou para True e perguntou:
Posso confiar nesse homem?
Sim, ele é de extrema confiança.
Se você confia, darei um voto de confiança a ele também, mas quero que volte antes do toque de recolher.
Não será necessário. Nós ficaremos aqui, só precisamos conversar - disse Light explicando.
Ótimo, assim fico mais tranqüila.
True, morrendo de fome, convidou Light para comer, durante a refeição contaria o que descobriu.
Ducy pegou a carta e foi levar para o professor responsável pela sala trezentos e três, aproveitando a ausência dela, True começou a conversa:
Lembra de que me mandou treinar meu olho?
Light não disse nada apenas assentiu com a cabeça, ele parecia estar prestando bastante atenção e preocupado.
No começo, não achei muita coisa interessante, a maioria das almas da minha turma não tinham forma. Porém, ela chegou.
No começo... Ela...? Aonde quer chegar?
Uma garota chamada Esmeralda, ela é uma caída.
Light deu um suspiro despreocupado.
Garoto, é natural que achasse pessoas caídas, muitos jovens carregam sentimentos ruins no coração, principalmente, nesses tempos difíceis. Mas não se preocupe, eles amadurecem com...
True, ficando de pé, tentou mostrar que a situação era um pouco mais problemática.
Eu vi a forma da alma dela, era a de um demônio! Ela é a Tenente-coronel do general da América do Sul! Demônio não é o nível mais corrompido?
Light desta vez ficou mais preocupado percebendo a seriedade da descoberta. Ele não esperava que o general tivesse um Tenente-coronel e principalmente não uma tão perto.
Ducy estava na sala dos professores, que ficava no térreo no prédio, e falou com o soldado que desejava entregar uma carta ao professor responsável pela sala trezentos e três. O soldado então a guiou até o local onde estava o professor. Chegando lá, Ducy viu que o professor estava acompanhado de uma bela moça, logo reconheceu que era Esmeralda.
Boa tarde, Tenente-coronel - cumprimentou Ducy em sinal de respeito.
Esmeralda não a cumprimentou, mas encarou o professor e os dois soltaram uma gargalhada. A garota estava sentada no colo do professor em uma postura inapropriada. Ducy, confusa, não sabia qual era o motivo da graça, mas logo Esmeralda começou a explicar:
Tenho certeza de que você deve estar se perguntando por que estamos rindo. — Antes que Ducy pudesse responder, ela continuou. — Eu fiz uma aposta com o professor de que a criança que você toma conta, True o nome dele, não é?
Sim, senhorita.
Está traindo nosso Führer e para isso está fugindo de suas responsabilidades para planejar tomar a posse do governo. Não estou certa, Ducy?
-True nunca faria isso, nunca! - Ducy defendeu o garoto não entendo o fundamento da acusação.
Deixe-me continuar... Como eu ia dizendo, o professor apostou que ele não iria trair o governo, que ele era muito medroso e fraco para tal tarefa, mas eu apostei que ele iria. Ele mandaria uma carta dizendo que estava passando por algum problema, para que à tarde tivesse tempo para armar seu plano. E não é isso que você veio fazer aqui?
Ducy estava congelada, ela de alguma maneira, sabia que True se ausentaria à tarde, mas o motivo nem Ducy sabia.
Soldados! - Esmeralda os chamou e logo seus soldados de defesa pessoal bateram continência esperando as ordens.
Quero que entrem no dormitório de Ducy e executem o garoto e quem estiver com ele. - Enquanto dava suas ordens, ela pegou a carta e deu para o professor, sussurrando no ouvido dele que tinha ganhado a aposta. - E levem essa velha daqui direto para a penitenciária mais próxima, acusada de ser cúmplice de traição.
Na ditadura, as pessoas não tinham direito nem a uma audiência, nem advogado e muito menos a um telefonema. As palavras dos tenentes eram lei.
Não! Por favor, ele é apenas um garoto!
Mesmo sendo julgada inocentemente como cúmplice, Ducy continuava a proteger True das acusações. O garoto era, para ela, como um neto.
Temos que sair daqui imediatamente! - exclamou Light enquanto andava pensativo.
Por quê? E a Ducy?
True, a alma daquele demônio é muito sensível aos sentimentos, a habilidade se assemelha a do anjo, a diferença é que nós sentimos a personalidade dela e ela sente as nossas intenções. Isso significa que ela sabe que suas intenções são acabar com a ditadura.
Não pode ser, e a Ducy?
Já deve estar presa nesse momento, temos que sair daqui agora!
True não queria aceitar o que estava acontecendo. Ducy tinha sido presa por sua culpa. Light abriu a janela e olhou para baixo analisando o local.
Podemos fugir, tem um toldo logo abaixo de nós, ele amortecerá a queda.
Está falando sério?
Quer morrer ou salvar Ducy?
True se concentrou e juntou coragem para fugir, ele estava determinado que salvaria algum dia a pessoa que cuidou dele por todo esse tempo desde que seus pais partiram.
Ele olhou pela janela e viu que o toldo era comprido, náo seria difícil acertá-lo. Quando então se ouviu a porta sendo arrancada da parede, antes que True pudesse olhar para os soldados, eles começaram a atirar na direção dos dois. Light, pensando rápido, criou um escudo dourado impedindo que se ferissem.
Rápido, True! Antes que cerquem as ruas!
Sem pensar duas vezes, o garoto se jogou na direção do toldo, que com sucesso amorteceu a queda, e depois pulou mais uma vez para chegar ao chão. As pessoas que passavam nas ruas se assustaram ao ver o momento incomum, mas não ficaram para ver o final, apenas se distanciaram temendo que fossem influenciadas no episódio.
Light agora estava em uma situação difícil, teria que se defender dos três soldados que atiravam sem descanso. Foi então que teve uma idéia, pronunciando algumas palavras que pareciam uma prece, Light criou uma enorme quantidade de luz que cegou os soldados por alguns segundos, dando tempo para que ele saltasse da janela e chegasse ao toldo. Assim que chegou ao chão, puxou o garoto pela manga, fazendo-o correr.
Vamos! Teremos que andar um pouco.
True e Light cumpriam os últimos metros do percurso de dois quilômetros que percorreram até o local onde o rebelde pensava em se abrigar. Durante a caminhada, True aproveitou para ver a alma de Light. Era de um anjo, assim como ele dissera, igual ao rebelde, as únicas diferenças eram as asas e os cabelos longos que levava o garoto a se perguntar o motivo. Naquela manhã, True também aproveitou para ver se a alma de Ducy teria alguma forma, mas como imaginava, a senhora não era crente nas questões espirituais, o que justificou a ausência de um formato.
Quando enfim haviam cumprido toda a trajetória, eles chegaram a uma casa abandonada que ficava fora da cidade. O local estava em péssimas condições, o que fez True perguntar-se se ali seria o esconderijo de alguém que desafiava o exército. Ao entrarem no casebre, Light arrastou uma mesa e debaixo dela tinha um tapete, que ele logo o retirou. Finalmente, viu um pequeno alçapão, que, quando aberto, fez com que True se surpreendesse com uma escada que levava para algum lugar no subsolo. Interrompendo o olhar de curiosidade do garoto, Light pediu para que o seguisse.
No subsolo foi construído um projeto de dormitório, assim como era o pequeno apartamento onde True morava. Descendo a escada chegavasse a uma pequena sala, tinha um sofá e um colchão ao centro.
Light? Já está de volta? - Aquela voz era conhecida, logo True a reconheceu.
Romeo!
O que o garoto faz aqui? - Romeo perguntou parecendo surpreso.
Temos péssimas notícias.
Light contou toda história para o amigo, fazendo com que ele também concordasse com sua atitude. Os três estavam pensando no que fariam agora. Foi então que True se lembrou:
Light, quando me viu na hora do almoço disse que tinha boas notícias, o que era?
Estava pensando em você passar a tarde treinando comigo, mas agora não se trata de um simples treinamento de falhas ou sucessos. Você terá que aprender tudo o mais rápido que puder. Inclusive começaremos nesse momento.
Mas antes queria saber mais sobre a alma da Esmeralda.
nalidade dela e ela sente as nossas intenções. Isso significa que ela sabe que suas intenções são acabar com a ditadura.
Não pode ser, e a Ducy?
Já deve estar presa nesse momento, temos que sair daqui agora!
True não queria aceitar o que estava acontecendo. Ducy tinha sido presa por sua culpa. Light abriu a janela e olhou para baixo analisando o local.
Podemos fugir, tem um toldo logo abaixo de nós, ele amortecerá a queda.
Está falando sério?
Quer morrer ou salvar Ducy?
True se concentrou e juntou coragem para fugir, ele estava determinado que salvaria algum dia a pessoa que cuidou dele por todo esse tempo desde que seus pais partiram.
Ele olhou pela janela e viu que o toldo era comprido, não seria difícil acertá-lo. Quando então se ouviu a porta sendo arrancada da parede, antes que True pudesse olhar para os soldados, eles começaram a atirar na direção dos dois. Light, pensando rápido, criou um escudo dourado impedindo que se ferissem.
Rápido, True! Antes que cerquem as ruas!
Sem pensar duas vezes, o garoto se jogou na direção do toldo, que com sucesso amorteceu a queda, e depois pulou mais uma vez para chegar ao chão. As pessoas que passavam nas ruas se assustaram ao ver o momento incomum, mas não ficaram para ver o final, apenas se distanciaram temendo que fossem influenciadas no episódio.
Light agora estava em uma situação difícil, teria que se defender dos três soldados que atiravam sem descanso. Foi então que teve uma idéia, pronunciando algumas palavras que pareciam uma prece, Light criou uma enorme quantidade de luz que cegou os soldados por alguns segundos, dando tempo para que ele saltasse da janela e chegasse ao toldo. Assim que chegou ao chão, puxou o garoto pela manga, fazendo-o correr.
Vamos! Teremos que andar um pouco.
True e Light cumpriam os últimos metros do percurso de dois quilômetros que percorreram até o local onde o rebelde pensava em se abrigar. Durante a caminhada, True aproveitou para ver a alma de Light. Era de um anjo, assim como ele dissera, igual ao rebelde, as únicas diferenças eram as asas e os cabelos longos que levava o garoto a se perguntar o motivo. Naquela manhã, True também aproveitou para ver se a alma de Ducy teria alguma forma, mas como imaginava, a senhora não era crente nas questões espirituais, o que justificou a ausência de um formato.
Quando enfim haviam cumprido toda a trajetória, eles chegaram a uma casa abandonada que ficava fora da cidade. O local estava em péssimas condições, o que fez True perguntar-se se ali seria o esconderijo de alguém que desafiava o exército. Ao entrarem no casebre, Light arrastou uma mesa e debaixo dela tinha um tapete, que ele logo o retirou. Finalmente, viu um pequeno alçapão, que, quando aberto, fez com que True se surpreendesse com uma escada que levava para algum lugar no subsolo. Interrompendo o olhar de curiosidade do garoto, Light pediu para que o seguisse.
No subsolo foi construído um projeto de dormitório, assim como era o pequeno apartamento onde True morava. Descendo a escada chegava-se a uma pequena sala, tinha um sofá e um colchão ao centro.
Light? Já está de volta? - Aquela voz era conhecida, logo True a reconheceu.
Romeo!
O que o garoto faz aqui? - Romeo perguntou parecendo surpreso.
Temos péssimas notícias.
Light contou toda história para o amigo, fazendo com que ele também concordasse com sua atitude. Os três estavam pensando no que fariam agora. Foi então que True se lembrou:
Light, quando me viu na hora do almoço disse que tinha boas notícias, o que era?
Estava pensando em você passar a tarde treinando comigo, mas agora não se trata de um simples treinamento de falhas ou sucessos. Você terá que aprender tudo o mais rápido que puder. Inclusive começaremos nesse momento.
Mas antes queria saber mais sobre a alma da Esmeralda.
Light não queria falar sobre aquilo tão cedo, mas não tinha escolha.
A alma dela é a de Súcubo. Uma mulher-demônio.
As habilidades são muito poderosas? - True queria saber com o que estava lidando.
Não sei se "poderosa" seria a palavra certa. Esse tipo de alma usa a sedução como arma, o maior problema é que essas almas não surgem tão facilmente, o modo como ela caiu é difícil de reverter. As portadoras dessas almas passaram por muitas coisas cruéis. Ainda assim, tem um jeito de salvá-la.
Como? - True se animou.
Essa habilidade é o que difere qualquer alma do anjo, essa habilidade é única e muito poderosa, ela pode fazer um caído se tornar um puro novamente. Mas, primeiro, a pessoa portadora de tal poder tem que saber usar o olho da verdade, e isso você já sabe, faltando apenas mais um passo, sincronizar a sua alma!
Capítulo 6
O reerguer de um caído
O sol não tinha começado a se pôr quando Light iniciou o treinamento com True para que pudesse sincronizar sua alma ao corpo. Light fez com que o garoto se lembrasse de quando Romeo derrotou os soldados na primeira vez em que se viram. Naquele momento, Romeo tinha mudado o seu aspecto físico, fazendo com que sua mão se transformasse em uma garra, era nesse ponto que Light queria chegar. Ele começou a explicar que para ativá-la, teria que achar um ponto de encontro entre sua alma e seu corpo, em outras palavras, eles teriam que pensar em algo que ambos queriam, fazendo com que corpo e espírito ficassem em perfeita sintonia. True não sabia como começar, mas teria que dar um jeito. Ducy estava esperando por ele, assim como todo o mundo esperava, para acabar com aquela era de trevas.
- Sei que prometi ser a primeira e última vez, mas... Quero que você medite de novo, os resultados foram ótimos da primeira vez e tenho certeza que também dará certo agora. Vá e converse com sua alma, ache um desejo mútuo, uma motivação. Assim poderá entrar em sincronismo.
Sem questionar, True assentiu para Light e foi para o sofá, que parecia mais confortável do que o colchão. Ele já sabia como fazer a meditação, então sem demora, em pouco menos que dois minutos, voltou ao seu mundo.
Desta vez, ao reabrir os olhos, não estava em um lugar escuro. Ele se mantinha em um pilar enorme, tão alto, que mal conseguia ver o chão. Olhou para frente e encontrou Taiji em um pilar de pedra igual ao que se encontrava.
O que aconteceu aqui?
Durante esses dias nós passamos por mudanças, já começamos a criar nosso mundo, agora temos luz, e a água está muito abaixo.
Isso é bom. Sinal que não é preciso se preocupar com nossa corrupção por enquanto, mas vim aqui por um motivo importante, temos que criar um ponto de encontro entre nós para que possamos ficar em sincronismo.
Concordo, mas, para isso, precisamos pensar ambos da mesma forma, satisfazer tanto o corpo como o espírito.
Eu quero salvar Esmeralda. - True começou propondo e quando o fez, metade da ponte se formou na fenda que separava o garoto do ser celeste.
O nosso corpo a quer, nossas necessidades como homem, mas nossa alma não tem interesses em um corpo vazio.
A ponte se quebrou caindo no oceano logo abaixo de onde estavam. True estava certo de que não era apenas a aparência encantadora de Esmeralda que lhe chamava a atenção, mas talvez esse outro sentimento não fosse forte o suficiente para uni-los.
Eu quero salvar Ducy. - Taiji propôs e metade da ponte se formou do seu lado.
Nossa alma pede por isso, mas nosso corpo não tem vontade - disse True, entendendo melhor como funcionava aquele tratado.
E a ponte caiu novamente.
True não sabia o que propor, ele teria que satisfazer seu corpo e sua alma, uma tarefa que parecia tão simples era tão complicada. Ele pensou um pouco e percebeu que para ambos terem o que queriam, teriam que obter poder para salvá-las, não deixando de ser uma opção, ele logo propôs à alma:
Ambos queremos "poder" para salvar aquelas que amamos, não concorda?
Concordo - assentiu Taiji.
Ao entrarem em conformidade, a ponte inteira se formou, porém ela não parecia segura e mal agüentaria uma pessoa.
Com um sinal de concordância, decidiram refazer a ponte, agora mais resistente. Enquanto a ponte se desfazia por inteira, True pensou como aquilo tudo fazia sentido. O "poder" poderia fazer com que eles caíssem facilmente, assim como no mundo exterior, onde pessoas traem umas as outras para obter mais e mais "poder".
O garoto não sabia mais o que tentar, já tinha pensado em tudo ou talvez estivesse pensando apenas nos outros.
Taiji, o que realmente queremos? Até agora só falamos sobre salvar alguém, salvar o mundo da ditadura... Não acha que deveríamos primeiro nos salvar? — Ele não sabia se era egoísmo de usa parte, mas sabia que sem antes achar uma solução para seu problema, não poderia achar para os outros.
Tem toda razão - respondeu Taiji pensando no assunto. - Como podemos salvar os outros se estamos presos. Quero muito seguir os passos de Light, acredito que ele tenha muito a nos ensinar.
E eu quero fugir do mundo exterior, onde sempre faço as mesmas coisas todos os dias sem um sentido. Eu poderia acabar como os outros da nossa sala, vazio, sem personalidade.
O que realmente queremos é... — Taiji começou.
Nos sentirmos vivos! - True completou.
No mesmo instante em que eles chegaram a uma decisão, uma nova ponte se formou unindo os pilares ao longo da fenda. Esta agora era forte e poderia agüentar bem mais de uma pessoa. Ambos deram passos em direção ao outro e quando se encontraram no centro, deram um aperto de mão.
Estamos prontos - disse True seguro.
Agora vamos recuperar aquilo que perdemos há muito tempo...
Quando o garoto acordou, reparou a mudança de seus braços: o esquerdo estava revestido por uma nova camada, negra, com uma aura sombria e fria a envolvendo. As grandes unhas pretas, pontudas e afiadas, o lembravam de seu lado demônio. Quando viu seu braço direito, não pareceu muito contente, era como se o mesmo estivesse pegando fogo, a pele estava muito vermelha e dava para ver um vapor saindo dela. Além disso, uma luva sem dedos, que se estendia até pouco antes do cotovelo, se materializou, era branca, feita por um material que nunca vira antes. Light avaliava a forma com que a alma se adaptara ao corpo.
Light, eu consegui? - True não sabia ao certo se tinha feito tudo correto.
Sim, meus parabéns! Poucos têm uma alma tão conectada ao corpo. Até hoje só vi você e Romeo fazerem uma sincronia tão perfeita — Light respondeu animado.
True encarou novamente seu braço direito, apesar de não sentir dor alguma, seu braço parecia ter sofrido uma queimadura de segundo grau. Poderia esperar uma aparência bizarra da metade demônio, mas não do anjo. Romeo, percebendo a preocupação do garoto, o acalmou:
-Tudo bem garoto, é só a forma que sua alma se adaptou, também me espantei com a minha na primeira vez.
Como já era noite, Romeo sabia que True estaria com fome e decidiu ir até a cidade conseguir comida.
Volto em poucos minutos - disse Romeo se despedindo.
Seja rápido, em menos de quinze minutos vai tocar a sirene - alertou Light.
Quinze minutos? São aproximadamente dois quilômetros da cidade até aqui! - True se envolveu, imaginado que era impossível entrar e sair da cidade a tempo.
Não se esqueça de que tenho a alma do lobo, posso ir mais rápido que vocês.
Entendendo de onde tinha vindo a confiança, True decidiu dar de ombros.
Não demorou muito, cerca de dez minutos depois Romeo já estava de volta com comida para os três. True realmente admirou a velocidade daquele homem. Ele correu quatro quilômetros em dez minutos contando toda a viagem, mas logo Romeo o corrigiu:
Menos de dez minutos, levei um tempo para subornar o dono do restaurante para que me desse comida, já que o único restaurante que achei era para estudantes.
Light esperou que todos acabassem para que pudessem sair, True não podia perder tempo com seu treinamento. E para a próxima parte do treino, era necessária a participação de Romeo, pois o treinamento envolveria um soldado, o que fez o garoto engolir em seco. Todos subiram as escadas e do lado de fora encontrava-se um soldado amarrado a uma pilastra de madeira atrás da casa que estavam usando como esconderijo.
Por que foi preciso que o amarassem? - indagou True querendo saber o que seu tutor pretendia.
Chegou a hora de você aprender aquela habilidade de que te falei. A que eu particularmente batizei de Solstice ou Solstício, como preferir, como uma forma de simbolizar o início da vitória da luz sobre a escuridão, que é exatamente o que essa técnica faz — explicou. — Você já aprendeu a usar o olho da verdade e a sincronizar sua alma, então creio que conseguirá usá-la. O objetivo dela é fazer um caído voltar a ser um puro, porém você deve julgar se ele é merecedor de uma segunda chance ou se ele deve ser julgado no outro mundo, em outras palavras, se ele continuará vivo ou merece a morte.
Isso pareceu muita responsabilidade para ele, não sabia se seria digno para julgar alguém.
Não se preocupe, quero que antes de tomar sua decisão, quero que fale ela para mim, ou melhor, me fale tudo o que ver dentro do mundo dele.
Eu vou entrar no mundo dele? - True espantou-se ainda mais.
Sim, mas tome cuidado para não ser afetado pela corrupção ou então o equilíbrio de sua alma poderá ser afetado.
True engoliu em seco e ficou pensativo por um minuto, mas se decidiu: teria que fazer isso. Estava certo de que Light o ajudaria caso as coisas saíssem do controle. Antes de avançar, reconheceu a forma da alma do sujeito, que era de um guaxinim, uma forma até agradável para o que esperava, mas a expressão hostil do animal espiritual o fez logo mudar de idéia.
Primeiro, ative sua alma ou sincronize ela ao seu corpo, a expressão que preferir; depois, ponha a mão respectiva a do anjo na testa do soldado e então é o mesmo princípio da meditação. Concentre-se na mente do soldado e esqueça tudo à sua volta.
O garoto assentiu e obedeceu. Assim, ativou sua alma e com a mão direita chegou perto do soldado e a colocou sobre a superfície da testa.
Tire sua mão de mim, garoto! Sou um soldado e se não tirar essa sua mão imunda agora...
True recuou um passo amedrontado, enquanto Romeo criou sua garra e ameaçou o soldado:
Fique quieto! Você não está em posição de fazer afrontas!
O garoto, ainda hesitante, decidiu confiar, tentar mais uma vez, devido à presença de Romeo, se sentiu mais confiante. Ele colocou a mão novamente na testa do soldado e começou a se concentrar, ele já não podia ouvir os insultos que o caído dizia um após o outro. O soldado agora estava ficando sem forças e seus olhos se arregalaram, como se sua vida estivesse passando diante seus olhos.
Ele entrou - Light avisou ao amigo.
Sim, espero que dê tudo certo - concordou Romeo um pouco apreensivo.
True abriu os olhos e verificou que estava em um apartamento. Ele viu o soldado sentado em um sofá com uma mulher que aparentemente seria sua esposa e uma menininha que saiu correndo dando um pulo no colo do soldado que parecia ser seu pai. A pequena família estava sentada vendo algum programa que passava na televisão. True se lembrou daquele programa que há muito tempo não via e como a família estava unida, concluindo que aquilo era antes da ditadura. O tempo passou rápido, as memórias iam avançando em cenas. Na cena seguinte, o soldado estava sentado com a mulher na mesa da cozinha; eles pareciam tristes e choravam.
À medida que ele via as coisas, narrava em voz alta para que Romeo e Light escutassem e acompanhassem o que estava vendo. Apesar da diferença de tempo entre os mundos, aqueles que permaneciam no mundo material não percebiam a mudança temporal.
O casal parecia estar com muitas dívidas e iriam ser despejados do apartamento se não pagassem os meses atrasados de aluguel no outro dia. O soldado decidiu que naquela noite conseguiria o dinheiro para pagar as contas. Decidido, pegou uma blusa com capuz, uma arma que estava guardada no criado-mudo e saiu noite afora. O homem avistou uma mulher saindo do banco com uma bolsa, ele não pensou duas vezes e a assaltou, depois de sair correndo, contou o dinheiro, mas ainda não era suficiente. Então fez mais três assaltos naquela noite, no último, o homem não queria entregar o dinheiro, então o soldado atirou, tirando a vida daquele que tentara resistir.
O dia estava amanhecendo quando chegou ao apartamento, seu casaco estava lotado de dinheiro, acordou a mulher mostrando que tinha conseguido o valor para pagar suas dívidas, esperava que ela o abraçasse e ficasse contente com o que fizera, mas a reação foi outra. A mulher disparou a chorar não acreditando na atitude do marido e ao perceber uma mancha de sangue na sua blusa, no mesmo segundo, começou discutir sem acreditar no que ele tinha feito. O homem estava confuso e indagava, em um ato de defesa, se a esposa preferiria morar na rua. Ela, por sua vez, dizia que preferia morar na rua desde que fosse ao lado do marido, porém ela não mais o reconhecia.
No dia seguinte, a mulher e a menina foram morar com uma amiga, enquanto o homem pagou os meses de atraso que devia e viveu sozinho no apartamento. Divorciado e desempregado, continuou a roubar e se tornou capanga de um influente mafioso, em um de seus trabalhos para a máfia, encontrou um homem muito alto de cabelos curtos e morenos que lhe fez uma proposta ambiciosa, contou que estavam criando um exército que tomaria o mundo e desejava que ele fizesse parte. O homem misterioso disse que receberia muito dinheiro e benefícios, sendo assim, o meliante aceitou e então veio a ditadura, a qual ele ajudou a acontecer.
True tirou a mão da testa do soldado, que chorava devido às lembranças recordadas.
Esse homem é um monstro, não merece uma segunda chance! - rugiu True entredentes devido às ações que acabara de presenciar.
Light pareceu triste, como se True tivesse falhado. A face de Romeo ficou vermelha e os olhos se arregalaram de raiva, ele pegou o garoto pelo colarinho o erguendo alguns centímetros do chão.
"Monstro", você disse? - Romeo gritava aborrecido. - Se o seu mundo fosse tirado de você, queria vê-lo, o perfeito, não cair!
True não sabia de onde se originou tanta raiva e antes que pudesse se defender, Romeo fechou o punho da mão livre e atingiu o rosto do garoto com um soco, com tanta força que Light virou seu olhar como se tivesse sentido a dor. O garoto ficou paralisado no chão, ainda sem saber o que tinha feito de errado.
Light, eu vou dormir, não quero mais fazer parte disso - disse Romeo furioso, cuspindo no chão antes de sair.
Light assentiu e foi até o garoto para ver se não estava sangrando.
Desculpe-me por isso, garoto, não foi culpa sua.
Como não foi? Pelo jeito, eu fiz algo de muito errado aqui. - True não tinha voz, ele respondia pausadamente meio atordoado.
Light foi até o soldado, tocou em sua testa e disse:
Eu o perdoei de seus pecados, siga sua vida sem cair.
Ao pronunciar aquelas palavras, a alma, agora deforme, aparentava ser apenas uma nuvem. O soldado deu um sorriso e, mesmo naquela situação, dormiu, brotando uma última lágrima em seu olho. Voltando ao garoto, falou em voz baixa:
Devia ter te contado sobre o passado do Romeo. Se eu tivesse contado, isso não teria acontecido - culpou-se.
Passado? - indagou True soando em um tom extremamente cansado.
Romeo era um caído. Eu o dei uma segunda chance — Light falou entristecido, e ao ouvir as palavras do rebelde, True começou a entender melhor a reação de poucos instantes. - Vou te contar a história dele, pois é necessário. Apesar dele não gostar que eu fale sobre isso, direi mesmo assim, ou então esse episódio de poucos instantes poderá voltar a acontecer, e isso eu não quero mais presenciar.
Capítulo 7
O lobo sem alcatéia
Ao contrário de como o reservado homem foi apresentado a True, Romeo, na verdade, se chamava John Strongheart. Um americano que morava junto à sua querida e grande família nas cidades movimentadas dos Estados Unidos. Com exceção dos avós que moravam em outro país, com os quais tinha pouco contato e só via durante as férias devido ao seu dever nos estudos e de seus pais no trabalho, ele morava com toda a sua família: os pais e os seis irmãos. O grande número de filhos foi um desejo de seus pais quando ainda eram noivos, por serem filhos únicos, queriam compensar, ter uma vida agitada, para que a solidão e o silêncio nunca visitassem aquela alegre e barulhenta família.
John, o caçula, convivia bem com os irmãos, apesar de algumas divergências que ocorriam, naturalmente, como em qualquer outra família, os irmãos viviam uma relação de pleno apoio e confiança. E seus pais, orgulhosos da família que tinham constituído, não imaginavam uma vida melhor que aquela: eles tinham um ótimo emprego, a maioria dos filhos terminaram a faculdade e alguns já estavam empregados, enquanto John acabara de ingressar, saúde não lhes faltava assim como muitos sorrisos e pessoas andando pela casa.
Tudo que eles desejavam estava ali, pelo menos, até o obscuro dia em que o inesperado exército surgiu levando o medo a cada canto do mundo.
Felizmente, a família Strongheart era abençoada com muita sorte, ou assim pensavam até então. Mesmo após a ditadura ser proclamada, a família permaneceu unida, o que era muito raro, principalmente para uma família grande como eram. Geralmente, cada pessoa era mandada para cidades, estados e até países diferentes; contudo, eles apenas se dividiram em alguns dormitórios, perto o suficiente para se encontrassem no dia a dia. John foi o único que dividia o apartamento com outra pessoa, mas, para sua tranqüilidade, era Ethan, um antigo amigo de escola.
Três anos depois a família foi convocada para prestar serviço em um presídio da região. Como os Strongheart havia demonstrado um excelente comportamento durante os anos que serviram, já que cumpriam seus deveres com eficiência, não houve problemas para que trabalhassem juntos. Na verdade, aquela era uma estratégia do ditador, uma vez que percebeu o modo como aquela família agia. O comportamento exemplar que possuíam não era por acaso, e sim porque temiam que um dia fossem separados, e aproveitando-se desse desejo, o Führer ordenou que cuidassem do presídio onde sabia que nenhum membro dos Strongheart se aventuraria em desafiar sua autoridade.
Era assim como o ditador e a família pensavam, porém o destino planejava algo muito maior, além da compreensão dos Strongheart ou do próprio Führer.
Foi em um dia normal de serviço quando tudo começou. John andava pelos corredores do andar respectivo do presídio que ele e sua família vigiavam quando parou em determinada cela de onde ouviu o choramingar de algum prisioneiro.
O choro, acompanhado de alguns soluços, era mais sutil do que os gritos de pânico e pavor que estava acostumado. Quando se aproximou curioso para averiguar, seus olhos se arregalaram de espanto com o que encontrou. Deixados naquela cela fria de péssimas condições, estavam três crianças, dois garotos e uma menina.
Um dos garotos estava de joelhos com as mãos firmes nas barras de metais, a cabeça no vão entre elas enquanto fitava o chão. O outro, por sua vez, estava recostado na parede de tijolos com as pernas esticadas e olhos vidrados enquanto riscava o chão com uma pedra, levando-a para frente e para trás de maneira uniforme e sem qualquer tipo de pausa. A menina era a única que ainda demonstrava alguma reação, e era dela que se originavam os prantos. Ela estava no centro, sentada com os joelhos próximos ao corpo onde escondia seu rosto, suas mãos envolviam as pernas em um abraço enquanto as lágrimas caiam uma após a outra.
Ei! Garota, o que houve? - John indagou, batendo cuidadosamente a lanterna que carregava contra a barra de ferro, o suficiente para que chamasse atenção da menina e não a assustasse.
Ela se contraiu ainda mais ao perceber a companhia inesperada se dirigir a ela. Por um instante, continuou a tremer e a chorar, mas, aos poucos, notando o cuidado do estranho em não assustá-la, conteve as lágrimas e procurou erguer sua cabeça.
Quem é você? - a garota estranhou. Não esperava que ninguém se preocupasse com seus lamentos.
Meu nome é John, sou um dos responsáveis pela vigilância deste andar.
Um civil... — ela reconheceu, e John assentiu, notando a voz da garota que começava a normalizar. - Nesse caso é melhor que volte ao que estava fazendo, ou poderá ter o mesmo destino que o nosso...
"Destino"? Sobre o que está falando?
Ele não sabia ao certo por que continuava a insistir, deveria deixá-la assim como a menina propôs e cuidar de seus próprios afazeres, mas não pôde. John nunca ouvira falar de detentos que eram crianças e aquela visão que estava presenciando o incomodava. Sua mente estava confusa, sentia-se no dever de tirá-las daquele horrível lugar, mas não podia; pelo menos, não se quisesse permanecer vivo com sua família.
Nós fugimos do nosso dormitório. Estávamos a ponto de enlouquecer, principalmente, aqueles dois... - A garota começou a explicar e John percebeu os rostos pálidos das crianças, como se não comessem há horas. Os lábios secos e rachados também indicavam que não bebiam já fazia um bom tempo. — Não conseguimos ir muito longe quando fomos capturados, e o resultado... foi a pena de morte.
Aquelas palavras foram como um golpe em seu orgulho, não podia aceitar que crianças que deviam ter cerca de 11 anos fossem punidas daquela maneira por algo tão insignificante. Porém, ele sabia mais do que todos que a pena, uma vez sentenciada, dificilmente era recorrida. Ele tinha acompanhado vários casos de presos que nada puderam fazer em sua defesa. O destino daquelas crianças estava traçado, a não ser que ele as ajudasse. Naquele momento, se viu em uma bifurcação: de um lado estava a segurança daquelas crianças que mal conhecia e de outro sua própria segurança.
Qual é o seu nome, garota?
Emily, senhor. Emily Whitfield.
Whitfield? Você tem o mesmo nome do último presidente dos Estados Unidos.
É o que todos dizem.
Muito bem, Emily, já me decidi. Avise aos seus amigos, mas não deixe que demonstrem algo fora do normal...
Não estou entendendo - Emily franziu o cenho e se aproximou de John, que sussurrava enquanto olhava para o longo corretor, verificando se ninguém estava por perto.
Eu irei libertá-los! É uma promessa!
Apesar das corajosas palavras, John sabia o quanto estava se arriscando. Ele sabia exatamente o que fazer, mas ainda lhe faltava algo muito importante naquele momento: o apoio de sua família.
Quando tiveram a chance de se reunir, John contou a todos os Strongheart sobre suas intenções, no entanto, as reações foram contrárias ao que esperava. Acostumado à união que sempre fora capaz de vencer qualquer obstáculo, desta vez se via sozinho, pois todos, pais e irmãos, foram totalmente contra sua vontade. Depois de muito argumentar, percebeu que nada adiantaria e a decisão já fora tomada, se quisesse ajudar aquelas crianças, teria que agir por conta própria.
Ethan, preciso de sua ajuda! - disse John assim que chegou ao dormitório, antes mesmo de se preocupar em tirar a farda que o acompanhara durante todo o dia.
Olá, John. Eu estou bem, obrigado - retrucou Ethan com ironia. Ele lia uma revista que havia ganhado dos soldados pela manhã. O rapaz era de extrema confiança do exército, e em algumas épocas colhia frutos de tal confiança.
Desculpe chegar desta maneira, mas só você pode me ajudar!
Ethan fitou John pelo canto dos olhos e estranhou a seriedade das palavras do colega. John costumava fazer muitas piadas na maior parte do tempos mas, naquele instante, ele não parecia de bom humor.
O que quer? - indagou abaixando a revista para que se concentrasse no pedido que John estava prestes a fazer.
Preciso que consiga a chave de uma das viaturas - disse finalmente e quando Ethan estava prestes a questioná-lo, ele o impediu. - Não me faça dizer o motivo. É algo que preciso fazer sozinho e não posso te envolver nisso. Apenas me prometa que irá trazê-la amanhã durante o dia, que não vai estar no presídio no período noturno e que nunca contará essa conversa para ninguém!
Ethan franziu o cenho e estudou atônito o comportamento do colega, mas, por fim, visto a determinação no olhar de John, assentiu.
Muito bem... Eu prometo!
Era uma noite de neblina quando decidiu botar seu plano em prática. Sua família havia prestado serviço durante o dia, diferente dele, que teria uma noite se surpresas pela frente. Em sua mente, havia calculado que salvaria as crianças e voltaria antes que notassem sua falta. John sabia muito bem como funcionava o presídio e sabia que ninguém se envolveria no posto de outro vigia, estava certo de que tudo aconteceria como planejado pelo menos era o que pensava.
Por ter acesso às chaves e ser o único no andar naquela noite, John não teve dificuldades em libertar as crianças da cela. Elas pareciam atônitas sem conseguir acreditar que o estranho cumprira a promessa, mas John não esperou que acreditassem, apenas pediu que ficassem quietas e o seguissem com cuidado.
Ele guiou o pequeno grupo até o andar inferior onde ficavam as viaturas de patrulha dos soldados. Apesar de servir o exército, havia uma grande diferença entre ele e um soldado: soldados eram apenas aqueles que ajudaram o Führer a conquistar todo o território mundial ou aqueles que o próprio ditador nomeava por algum mérito. Fora essas condições, aqueles que trabalhavam para o exército não passavam de servidores, que em outras palavras, eram escravos. E utilizar os veículos era uma das coisas de que um servidor era privado.
Procurando controlar a adrenalina que a ocasião oferecia, John olhou atentamente o recinto do estacionamento para verificar se nenhum soldado passava furtivamente pelo local. Ao perceber que o caminho estava livre, ele fez um gesto para que as crianças o seguissem até uma viatura que, possuindo as chaves que Ethan lhe entregara naquele mesmo dia, usaria para escapar. John entrou cuidadosamente para que não fizesse muito barulho e esperou até que as crianças se posicionassem no banco traseiro. Tudo pronto, ele deu a partida, permanecendo com os faróis desligados, e avançou velozmente em direção à saída.
Em todo o presídio havia duas saídas e duas entradas. Uma saída e uma entrada ficavam no andar principal onde existia um enorme portão de fiscalização, obrigando cada veículo, ao passar por ele, parar para que fosse examinado. Porém, a outra entrada e saída, que funcionava em uma mesma passagem, era a da garagem onde John se encontrava naquele momento, onde uma cancela e alguns soldados fortemente armados impediam o avanço de alguém não autorizado.
O ronco do motor era ouvido pelos soldados que se perguntavam quem era o responsável pelo barulho. Eles se viraram e tentavam avistar qualquer movimento entre as sombras, mas era inútil. A escuridão e a neblina da noite, somada à falta de iluminação da garagem, além da cor preta que revestia a viatura, camuflou totalmente o veículo que avançou ferozmente contra os soldados, destruindo a cancela e permitindo que John deixasse o presídio com as crianças a salvo.
Emily e os garotos, que quase nunca falavam, devido às experiências traumáticas, comemoravam com gritos de alegria no banco traseiro enquanto John sorria ao volante orgulho do que tinha feito. Os soldados deixados para trás se levantavam ainda zonzos com a imagem do vulto que passou por eles antes que conseguissem fazer algo para impedir.
John e as crianças seguiram viagem até um antigo orfanato que ainda funcionava sem o conhecimento do ditador. O lugar era distante da cidade, o que levou toda a noite, fazendo com que chegassem na manhã seguinte.
A primeira impressão que elas tiveram ao ver o incomum estabelecimento foi de total encanto. No orfanato havia várias crianças correndo de um lado para outro, subindo e descendo, se divertindo no playground improvisado que fora construído na área ao lado do casarão. John foi cumprimentar os proprietários e apresentou a eles os três novatos. Os garotos imediatamente se sentiram em casa e como se morassem no lugar há anos. Correram imediatamente ao serem encorajados pelas outras crianças que os chamavam para brincar. Emily, no entanto, hesitava.
O que foi, Emily? Não gostou do lugar? - indagou John, notando um discreto desconforto da garota.
Não é isso! Não, mesmo! Estou tão feliz pelo que fez por nós, John, que nem sei como agradecer em palavras. É só que...
Ora, rapaz, não vê o motivo? Emily já está se tornando uma mocinha! É claro que ela se sentiria desconfortável perto dessas crianças bagunceiras - disse a senhora, dona do lugar, com um sorriso contagiante.
Emily retribuiu o sorriso, porém singelo.
Acho que ela está em boas mãos - John se tranqüilizou ao notar a atitude materna da senhora. Certamente, ela cuidaria bem daquelas crianças, as outras pareciam confirmar seus pensamentos. - Obrigado por poder cuidar delas. Agora preciso ir antes que os soldados percebam minha ausência.
John e a senhora, assim como os outros ajudantes do local que foram apresentados, trocaram um rápido cumprimento para que ele fosse até a viatura e retornasse à cidade.
John! - Emily o chamou, correndo até ele com um sorriso antes que entrasse no automóvel.
Ele se virou e abaixou para que suas estaturas se eqüivalessem, com as sobrancelhas franzidas na tentativa de adivinhar o que a menina faria. Antes que abaixasse completamente, Emily se aproximou e deu um beijo carinhosamente em sua bochecha, obrigando-a a ficar nas pontas dos pés.
Após o gentil agradecimento pelas nobres ações de John, Emily e o corajoso homem se dividiram em seus caminhos. John seguia para viatura e antes de entrar no veículo, olhou uma última vez sobre ombros, quando viu que Emily fazia o mesmo movimento antes de chegar até a senhora que a esperava. E naquele segundo em que seus olhares ficaram conectados, Emily deu um sorriu sincero antes de se virar completamente, deixando que John partisse.
Na viagem de volta, John aproveitou os minutos que tinha de vantagem, já que não havia trânsito naquele início de manhã, e parou em uma lanchonete à beira da rodovia. Como estava de farda, ninguém o questionou, permitindo-o que fizesse seu desjejum sem que alguém o interrompesse.
Sentia-se em paz consigo. A sensação de que havia feito a coisa certa o preenchia. Porém, seu pesadelo estava prestes a começar. Algo que carregaria sobre os ombros durante toda a sua existência.
Interrompendo a tranqüilidade que pairava no recinto, a chamada de um noticiário proclamou:
"Interrompemos esse programa para dar um aviso urgente: a família Strongheart, que cumpria o mandato de vigiar o andar de um presídio, foi acusada de ter libertado três detentos ontem à noite. Segundo um civil que servia no local, a família agiu sozinha e o procurou para que fosse um álibi. Toda a família será executada daqui a poucos instantes e será transmitido ao vivo. O filho mais novo do casal, John Strongheart, ainda está foragido, e caso seja localizado, deverá ser contatado imediatamente às autoridades."
John estava atônito. Por um momento pensava estar tendo algum tipo se alucinação, mas tudo era bastante real. Bastou apenas alguns minutos para que a imagem de seus pais e irmãos surgisse no televisor, confirmando o que ele não queria acreditar.
Toda a família estava vendada com as mãos amarradas e de costas para um paredão. Soldados foram postos em fileiras e carregavam suas armas. O comandante do pelotão preparava para dar as ordens e consultava o relógio para que começasse.
John fixou seus olhos naquela cena que jamais deixaria de assombrar sua mente enquanto previa as palavras que estavam prestes a surgir dos lábios do comandante.
Preparar...
O coração de John batia mais forte, ele não conseguiu permanecer sentado e se aproximou do televisor em um movimento inconsciente, como se de algum modo pudesse impedir o episódio.
Apontar...
As armas se moveram novamente, e aquele ruído o deixava a ponto de enlouquecer. O dono da lanchonete notou o modo como John via o acontecimento, uma reação incomum, visto que as pessoas, infelizmente, já estavam acostumadas com a freqüência do acontecimento.
Fogo!
Finalmente, o comandante deu a ordem, fazendo com que os soldados fuzilassem a indefesa família. No momento dos disparos, John desabou de joelhos enquanto lágrimas jorravam de seus olhos. Seu corpo tremia e sua força o traía. Após a morte dos Strongheart a imagem foi cortada, voltando a transmitir o programa anterior quando foi interrompido, como se tudo voltasse ao normal e aquela cena caísse no esquecimento. Talvez de alguns, mas não dele.
Uma foto de John foi posta no canto inferior direito enquanto uma mensagem passava no rodapé alertando aos civis de que aquele homem era perigoso e estava sendo procurado. O dono do estabelecimento, percebendo a semelhança do civil que estava caído de joelhos, reconheceu de que se tratava da mesma pessoa. John, percebendo o olhar que o homem lhe dirigia, esforçou-se para deixar o lugar o mais rápido que pôde.
Sem tempo para lamentar a perda que sentia, John entrou no veículo e arrancou em direção à rodovia. Ele chorava ao volante, memórias ocupavam sua mente. Sem saber para onde ir ou o que fazer, decidiu, após muito pensar, procurar a única pessoa que lhe restava. Seu amigo: Ethan.
Esperou durante todo o dia o regresso de seu amigo. Após estacionar a viatura em um beco escuro de pouca circulação, foi até o dormitório onde escalou a escada da saída de emergência para que entrasse pela janela. Ethan, ao entrar e se deparar com o colega, assustou-se. Imediatamente, John disparou a contar a ele o que havia passado naquela tarde enquanto Ethan, ouvia atentamente e assentia dizendo que ele havia feito a coisa certa em ir ao seu encontro.
Foi tudo tão de repente... E eu não pude fazer nada! - culpava-se, mais consciente após Ethan o acalmar.
Eu soube pelos outros. Estava a serviço quando tudo aconteceu... Sinto muito.
Ethan deu uma palmada nas costas de John. Um gesto comum entre amigos que ele interpretou como uma forma de Ethan mostrar que estava preocupado. Ao interpretar o gesto, John indicou que já estava melhor.
Agora, vá lavar esse rosto enquanto vou preparar algo para nós comermos - disse Ethan ao se levantar e seguir para a cozinha.
John assentiu. Em seguida, atravessou a pequena sala rumo ao estreito corredor onde procurou pelo banheiro. Antes de abrir a torneira, resmungou do cheiro pouco convidativo que pairava no recinto, tomando nota em sua mente para limpar o lugar no dia seguinte; afinal, devia cuidar bem do local onde morava. Onde eu moro... - refletiu após acumular a água na concha que fez com as mãos. John não sabia quanto tempo podia ficar escondido ou para onde iria a partir dali. Pelo menos podia contar com os cuidados de seu amigo; desse modo, imaginou que deveria agradecê-lo.
John fechou a torneira e antes de concluir o que o fez ir até ali, voltou ao corredor e procurou pelo amigo.
Ethan, eu...
John de repente congelou. Ele seguia em direção à cozinha quando, antes que atravessasse todo o corredor, viu que Ethan estava ao telefone preso entre o ombro e a cabeça enquanto terminava de armar sua pistola que ganhara para fazer a segurança no presídio.
Ele está aqui... É claro que tenho certeza! Quanto tempo acha que eu o aturei... Sim, venham logo! - dizia Ethan ao telefone.
Não, não poder ser... - John imaginava ter entendido errado. Por um momento pensara que seu amigo estava o entregando para os soldados do dormitório, uma vez que o telefone só era permitido para passar informações ao exército ou para casos de emergência. Decidido a desfazer o mal entendido em sua mente, ele apoiou-se na parede e tentou dar alguns passos para que ouvisse melhor o que estava sendo dito.
Ele é mesmo um idiota por não ter percebido... Não, não se preocupe. Ele foi ao banheiro, não pode nos ouvir...
"Segundo um civil que servia no local, a família agiu sozinha e o procurou para que fosse um álibi". - As palavras ditas pelo jornalista vinham automaticamente à sua mente.
Devido ao choque dos acontecimentos, John náo percebeu no ato do ocorrido que o civil ao qual o noticiário se referia era ninguém menos que Ethan. O golpe que recebera em suas costas pelo seu próprio amigo doía como se fosse um ferimento real ao seu corpo. Sua vontade, naquele momento, era de agarrar o pescoço do traidor e socá-lo até que ficasse irreconhecível. Ele poderia desarmá-lo facilmente, porém os soldados já estavam a caminho. Então, se quisesse viver, náo havia tempo a perder.
A porta e a janela por onde entrou não eram acessíveis por Ethan estar próximo a elas naquele momento, vendo-se sem alternativa, John virou-se e fitou a ampla janela. Movido pelo instinto de sobrevivência, correu em direção à sua única saída e saltou, estilhaçando-a. A poucos instantes de atingir o chão, John rolou diminuindo o impacto do pouso. Seus músculos ficaram dormentes devido ao encontro brusco com o solo, mas não foram suficientes para pará-lo. Perto de seu dormitório, nos limites da cidade, havia um bosque onde John partiu como seu único meio de refúgio. E do local que ficara para trás, apenas ouvia a voz daquele que dizia ser seu amigo:
- Ele fugiu pela janela! Atrás dele!
No dia seguinte, John despertou com o chamado de uma bela voz. Era uma mulher de belas feições que Light nunca soube como exatamente ela era, como se a mente de John se recusasse a lembrar. Seu corpo doía devido à fuga da noite anterior, a qual não sabia como de fato conseguira fugir.
A estranha, porém amável, cuidou de suas feridas enquanto lhe explicara como havia parado ali. Ela, assim como John, era fugitiva, e aquele bosque lhe servia como refúgio há bastante tempo. Pondo um dos braços do ferido sobre seus ombros, ela deu sustendo ao seu corpo e o levou cuidadosamente até uma cabana que tinha construído por conta própria com galhos, troncos e inúmeras folhas há algum tempo.
John passou algum tempo de repouso até que se recuperasse totalmente. Os músculos que excederam seu limite estavam rijos e latejavam, impossibilitando que andasse. Durante a recuperação, John foi criando
afinidade com a mulher e depois de certo tempo, confiança. Talvez ele ainda não percebera, mas havia se apaixonado pela bela moça, e ela, aos seus olhos, parecia demonstrar o mesmo.
O tempo passou. John estava recuperado e já ajudava a companheira nas tarefas diárias e necessárias para a sobrevivência. Havia dias que alguns soldados rondavam o bosque, mas não adentravam o suficiente para que avistassem os foragidos. A cabana foi construída em um lugar estratégico para que não fosse avistada ou encontrada por alguém que não fosse convidado. Por viverem isolados da sociedade, garantir as necessidades básicas era algo que exigia esforço. John aprendera a caçar e, quando necessário, ir até a cidade conseguir alimentos sem que alguém o notasse. Em um desses dias, John havia ido à cidade, e a mulher permaneceu no refúgio com a desculpa de que não se sentia disposta. John concordou que ela ficasse. Afinal, não podia arriscar sua saúde e depois de tudo o que ela fez por sua recuperação, era o mínimo que podia fazer por ela. Quanto menor o grupo, menor a chance de ser visto — pensou.
Assim que John partiu, a mulher se levantou da cama onde estava jazida e seguiu para fora da cabana, onde cumpriria seu verdadeiro motivo de estar ali. Ela parou próxima a uma clareira e olhou à sua volta como se procurasse por alguém.
Eu estou aqui! Como prometido! - disse em bom som fazendo sua voz ecoar entre as árvores.
De súbito, ouviu-se o balançar de galhos e os ruídos do caminhar sobre a mata. Entre dois arbustos, três soldados surgiram com sorrisos sombrios. Eles estavam armados como de costume, mas a mulher parecia não se importar.
Já era hora! - resmungou a mulher.
Meça bem suas palavras, mulher! Não se esqueça de que você é uma reles foragida diante de três agentes do exército - disse um dos soldados. - Agora diga-nos onde ele está!
Ela engoliu em seco, mas não queria perder todo o controle da conversa.
Primeiro, vamos rever o acordo...
Não demorou muito quando John retornou ao bosque carregando uma sacola cheia de alimentos. Ele percebeu que o solo estava cheio de pegadas que iam em direção onde estava a sua amada, o que o deixou preocupado e sobre alerta. Com o tempo, John aprendeu algumas habilidades de caçador, sabendo, agora, ler os rastros deixados pelas pessoas ou animais. Quando se aproximava do fim da trilha, escondeu-se atrás de uma árvore e ouviu a mulher conversando com os soldados:
Se eu o entregar, estarei livre?
Já disse que tem a nossa palavra! - o soldado reiterava.
John estarreceu. Ele não acreditava no que ouvia, a mulher com quem criara um relacionamento de confiança o entregava. O choque do acontecimento o fez soltar a sacola no chão, espalhando os vegetais e todos os alimentos, revelando sua localização. Ao reconhecerem o homem por detrás da árvore, o fitaram com sorrisos perversos.
Renda-se, John Strongheart! Acabou para você!
Não vai fugir de nós novamente! — acrescentou outro soldado.
Os soldados falavam sorridentes, e a mulher continuou no mesmo tom de vitória:
Eu sabia que você valeria alguma coisa quando te encontrei.
O corpo de John estava paralisado, mas dentro de sua mente começava uma explosão de angústia, tristeza e ódio. As lembranças do que tinha acontecido com ele, desde sua família ter sido morta até o momento em que seu melhor amigo e a mulher por quem se apaixonara o estavam delatando, fez sua mente e alma entrarem em conflito. Até que então escutou pela primeira vez a voz de sua alma.
Vamos fazê-los pagar, John!
John aceitou o convite sem hesitar, tornando-se um caído. Seu corpo adotava uma forma monstruosa: garras, presas, músculos e pelos surgiram transformando-o em um lobo bípede.
Sem se conter, investiu contra os soldados. Como também eram caídos, os soldados puderam contê-lo por alguns segundos, mas John estava muito mais fundo no mar da tristeza, em um nível muito mais corrompido. Depois de ter acabado com um por um dos soldados, virou-se para a mulher que o traíra. Ele não a reconhecia, apenas queria vê-la morta.
As garras enormes, os dentes visíveis saltando da boca e sua força sobre- humana faziam a mulher tremer. E antes que ela implorasse por misericórdia, John bateu com toda força na lateral do corpo da delatora, quebrando os ossos de seu braço e algumas costelas, arremessando-a em direção a uma pedra que esmagou sua cabeça.
Após saciar toda a sua sede de vingança, John voltou ao normal. Porém, agora não sabia o que fazer. Ele se lembrava de quando era feliz com sua família, tinha amigos que sempre o ajudavam, mas agora só restava ele e a solidão.
Por causa da luta contra os soldados, John tinha graves ferimentos. Estava perdendo muito sangue, deixando-o sem forças. Aos poucos sua visão foi escurecendo, até perder a consciência.
Quando despertou, notou que não estava mais jazido na mata. Estava em um quarto pequeno de mobília simples, deitado sobre uma cama de lençóis remendados. Sem saber como havia parado ali, levantou-se assustado. O movimento brusco o fez sentir a dor das feridas, que por um momento tinha se esquecido.
Você acordou! - disse uma jovem que estava parada na porta. Ela tinha algumas semelhanças com John, como a cor dos olhos, a pele clara, a estatura e a expressão séria. Os cabelos lisos, longos e morenos era o que mais a diferenciava. - Light, ele acordou! - chamou por alguém que estava na antessala.
John puxou os lençóis e os arremessou para longe de seu corpo, o que causou novamente as dores.
Por favor, volte a se deitar! - pediu a jovem, preocupada. - As feridas podem reabrir!
Ela se aproximou perto o suficiente para que a mente abalada de John, como um meio de defesa, projetasse a imagem da mulher que o havia delatado aos soldados. Como se não bastasse às lembranças que despertavam seu sofrimento, John viu pelo canto dos olhos quando um homem loiro de olhos azuis entregou no quarto, e sua mente novamente o traiu, projetando a imagem de Ethan no lugar do estranho.
Laura, saia de perto dele! - Light alertou na tentativa de impedir o que John iria fazer.
Laura afastou-se no momento exato, jogando-se contra o chão, antes que John sofresse novamente a metamorfose e a atingisse com suas enormes garras.
Rapaz, preste atenção somente na minha voz! Você é um caído! E eu posso te ajudar!
Ao ouvir a proposta, John começou a gargalhar.
Se quiser me ajudar, traga minha família de volta! O que, é claro, você não pode. Afinal, as pessoas só sabem fazer uma coisa: mentir! — respondeu John avançando em direção ao estranho e espatifando tudo no seu caminho. Quando ele estava prestes a atingir o estranho com sua garra, o homem o paralisou tocando-o na testa.
Quem diabos é você? - indagou, esforçando-se para falar ao mesmo tempo em que estava atônito pelo movimento sutil, mas que impediu seu feroz avanço.
Meu nome é Light. Vamos ver pelo que você passou, rapaz.
Naquele instante, Light teve acesso ao mundo de John e a toda sua história. Após usar o Solstício para purificar sua alma, John voltou a ser um puro, apesar de ainda não saber o que era ser um. Aquele estranho o havia ajudado sem qualquer interesse, o que perturbou sua mente por um tempo.
Com a brusca mudança que acontecia em sua vida, John ficou curioso a respeito do homem que lhe ajudara em seu momento mais difícil. Aos poucos, Light ia ensinando sobre um poder oculto que John possuía e sobre sua alma do lobo. Aos poucos começava a confiar em Light, e talvez, estivesse nascendo uma nova esperança para ele. John já tinha achado seu novo melhor amigo e sabia que nesse podia confiar. A última coisa que lhe faltava era uma esposa que o fizesse esquecer-se da mulher que o traiu, assim, consequentemente, recuperando a confiança que perdera.
Eles estavam acomodados pela família Silvermoon, na qual todos possuíam almas semelhantes a de John, de um lobo. Laura, filha do casal fundador da família, deu início ao seu treinamento ao lado de John. Ambos tinham Light como tutor, que percebera uma rivalidade entre os dois que procuravam mostrar rápidos resultados. À medida que o treinamento ia progredindo, os dois jovens aprendizes foram conhecendo melhor um ao outro, e o que começou como uma competição, resultou em casamento.
A família Silvermoon tinha uma tradição de que quando as filhas e filhos arranjassem alguém especial, teriam que realizar uma cerimônia na qual mudariam seu nome de nascimento, isso, para eles, significava um novo nascimento. Para que fosse realizada a cerimônia, eles tiveram que esperar até a lua cheia para que pronunciassem seus votos e os novos nomes. Os pais de Laura queriam que eles esperassem até a terceira lua cheia, mas John estava ansioso demais para esperar.
Quando, enfim, a lua cheia pairava sobre o céu, a família deu início ao ritual. Laura foi a primeira a proclamar seus votos e logo em seguida renasceu com o nome de Juliet. Uma homenagem ao romance "Romeo e Juliet" que tanto adorava. Na vez de John, ele fez o mesmo, pronunciando seus votos até que mudou o nome para Romeo, para que alegrasse ainda mais sua esposa. Laura, que agora se chamava Juliet, deu um grande beijo no marido para finalizar o ritual. Dando início a noite cheia de comemorações.
Após o tempo de descanso e passada sua luademel, John voltou a ajudar Light em suas tarefas. Agora que dominava bem o controle de sua alma, dava suporte ao amigo em suas viagens.
Prometo que voltarei logo, Juliet - despediu-se Romeo com um beijo apaixonado.
Eu estarei aqui, te esperando.
Deixando a família Silvermoon, Romeo e Light partiram em busca de novas almas puras.
A viagem durou pouco mais de um mês quando voltaram, sem sucesso, ao encontro dos Silvermoon. Romeo estava ansioso para rever a esposa, passou todo o caminho apressando o amigo para que chegassem logo ao destino. Imaginando como o amigo se sentia, Light o encorajou a ir na frente. Romeo tinha uma velocidade muito superior a dele e levando em consideração a curta distância, Light não se preocupou em seguir o resto do caminho sem a proteção extra do amigo. Agradecido, Romeo sincronizou sua alma e desapareceu no horizonte.
No entanto, quando chegou à velha casa, ninguém estava lá. Todos os pertences desapareceram, nenhum sinal de algum Silvermoon era visto ou ouvido ali. Angustiado sem saber o que havia acontecido ou se tratava-se de uma brincadeira de muito mau gosto, Romeo começou a procurar por rastros que levassem ao paradeiro da família. Aos poucos foi percebendo que eles partiram há pouco tempo e quando teve certeza da direção, seguiu a trilha de galhos quebrados onde o solo não estava mais fofo, sinal de que alguém passara pelo local.
Romeo avistou a minúscula família, vista de seu ponto, subindo a montanha e gritou para que eles parassem. Eles se viraram, e como se não o conhecessem voltaram ao seu percurso, indiferentes. Romeo não entendia o que havia acontecido e se alguma coisa tinha feito para que aquilo acontecesse. Ele estava a ponto de enlouquecer quando Light chegou e parou ao seu lado, ofegante devido à corrida quando avistou a casa totalmente abandonada.
- Está tudo bem, amigo? Quero dizer... Sei que não está tudo bem... Se quiser ir atrás deles, nós podemos...
Antes que Light pudesse achar as palavras certas, Romeo o interrompeu.
-Tudo bem. Sei que você quer ajudar, mas não vou cair. Não se preocupe. As pessoas têm esse hábito de me iludir... Na verdade, a culpa é minha, por minha família ter morrido e também alguma coisa que eu fiz para que os Silvermoon e Juliet fossem embora.
Light queria dizer que não era culpa dele, mas falando isso apenas iria fazer Romeo se culpar ainda mais, o que poderia aumentar as chances dele voltar ao seu abismo.
Após esse episódio, Light convidou Romeo para a organização. Incapaz de alcançar seus objetivos, completamente sem rumo, ele por fim aceitou o convite, decidindo seguir Light aonde quer que ele fosse, uma vez que era a única pessoa em quem poderia confiar. Sem esperança de que pudesse restaurar o seu mundo novamente incompleto, com apenas 22 anos desistiu de seus propósitos, passando aqueles anos posteriores vagando e ajudando seu único e verdadeiro amigo.
Durante dois anos Romeo viajou dando suporte à organização. Em uma dessas viagens, foram para a América do Sul, onde encontraram True.
True ainda estava jazido ao chão enquanto Light, que estava sentado ao seu lado, terminava de contar sobre a história trágica do amigo.
Esta é a história de Romeo. Espero que entenda e perdoe os atos dele de agora a pouco.
True, tentando levantar-se segurando na mão que Light oferecia, estava triste por Romeo ter passado por todo aquele sofrimento. - Light...
O que é?
E se Romeo tivesse caído pela segunda vez? - O garoto quis saber ao tentar imaginar a dor que Romeo sentiu ao fitar sua esposa desaparecer no horizonte.
Aquelas palavras deram um aperto no coração do rebelde, fazendo-o sentir um medo que atingia até mesmo sua alma. Apesar de sempre estar com um sorriso no rosto, odiava ter que pensar nessa possibilidade.
Se ele cair uma segunda vez pela mesma razão, nem eu nem ninguém com a alma do anjo poderá trazer ele de volta. A alma de Romeo atingirá um nível extremamente corrompido.
Igual à de um general? - comparou.
Não, True, muito pior! Para que você entenda, pense como os soldados sendo a forma primária de um caído; os generais, a intermediária. Caso Romeo venha a cair, ele irá superar esses dois níveis!
True teve medo e, ao mesmo tempo, pena. "Uma alma que superaria a corrupção de um general" — ele pensava. Ele não conseguia imaginar tanto poder e tanto sofrimento dentro de uma única pessoa.
Não se preocupe. Por enquanto não há chance dele cair, mas não é impossível. Talvez um dia, Romeo terá que enfrentar novamente seus pesadelos.
Washington D.C. - Estados Unidos - América do Norte.
Em certo aeroporto, alguns soldados embarcavam em uma aeronave com destino ao Brasil. Dentre a tropa, três indivíduos olhavam atentamente ao seu redor, estudando o ambiente ao qual pareciam náo pertencer. Assim que adentraram a aeronave militar, dirigiram-se para a última fileira de assentos, de onde podiam avistar o restante da tropa.
Aline, procure se acalmar! O medo está nítido em seus olhos! — disse um homem com baixa estatura, de barba e bigode grisalhos para a jovem trêmula que estava ao seu lado.
Desculpe. Tem razão. Não quero que descubram nosso disfarce por minha causa - respondeu a linda jovem com sua voz adorável.
Fale baixo! - resmungou o homem, olhando discretamente para certificar-se de que ninguém havia ouvido a conversa.
Os soldados continuavam a se posicionar sem nenhuma curiosidade com o trio mais distante.
Eu disse que era uma má idéia, Edgar! - murmurou a outra mulher, que até então permanecia em silêncio, para o homem barbado ao seu lado.
Talvez para você - ele retrucou. — Mas, segundo o que nos disse, eles são habilidosos. Portanto, é melhor que esqueça de uma vez seu orgulho.
A mulher cruzou as pernas e os braços e ficou pensativa, refletindo seus próprios problemas.
Está tudo bem, Juliet? - indagou Aline, notando o desconforto da companheira.
Quantas vezes vou ter que repetir, Aline? Pare de me chamar de Juliet! Meu nome é Laura!
Capítulo 8
Novo lar
Estava ficando tarde e o frio surgia na madrugada. Light ajudou True a se levantar e mandou que entrasse na casa feita de madeira, que de tão velha dava para ouvir os rangeres das tábuas ao serem pisadas.
Antes de descerem ao subsolo da casa, True pediu cinco minutos para falar com Romeo. Ele, de qualquer maneira, sabia que True tinha agora conhecimento de seu passado, que Light teria contado, então para evitar aborrecimentos, True preferia conversa com Romeo a sós. Light permitiu, mas se houvesse alguma briga, ele teria que interferir. True aceitou a proposta e desceu as escadas pensando no que ia dizer.
Romeo estava deitado no sofá e não dava para ver seu rosto, que estava virado para a parte onde dava apoio às costas. True preferia assim, ele não queria ver a expressão zangada do homem que, mesmo indiretamente, julgou. Ele se apoiou na parede e sentou no outro extremo do colchão onde ficava o mais distante de Romeo, se o assunto o irritasse, ele não agüentaria outro soco igual ao que recebera.
Romeo, posso falar com você? - True começou cauteloso.
O que você quer, garoto? - O tom da voz de Romeo parecia mais brando, mas ainda demonstrava sua irritação.
O garoto respirou fundo e então começou decidido:
Light me contou sua história, não quero que fique zangado com ele, acho que fez a coisa certa ao me contar. Claro que deveria ter te consultado, mas como você estava aborrecido, dificilmente permitiria - enquanto falava, ele prestava atenção em cada movimento de Romeo, se percebesse que o veterano estava ficando desconfortável, pararia a conversa onde estava e esperaria o tempo resolver o assunto. — Foi a primeira vez que entrei no mundo de outra pessoa e sei que náo posso julgá-la apenas pelos atos presentes, se eu estivesse no lugar daquele soldado, talvez tivesse feito o mesmo. Aquele soldado deveria amar muito sua família para ter coragem de fazer o que fez. Depois de ter ouvido sobre sua história, sei que te causei uma grande dor com minhas palavras, fazendo-o lembrar de seu passado e de certa forma acabei te julgando. Espero que possa me perdoar e sei que a gente pode se dar bem. Também espero que ache aquilo que procura, é justo depois de tudo que você passou. É isso que queria te dizer... Desculpe mais uma vez pelos problemas. Boa noite.
Sem dizer mais nada, True pegou o travesseiro e o lençol que Light tinha posto anteriormente em cima do colchão e foi dormir. Ele estava exausto por causa do treinamento e do golpe que recebera, agora só pensava em descansar. Light desceu as escadas e viu que ambos já estavam dormindo, feliz por não terem destruído o local e não se matarem em sua ausência.
Light? — Romeo sussurrou para que não acordasse o garoto.
Está acordado, Romeo? Eu pensei que já estivesse dormindo.
Esse garoto pode realmente fazer a diferença em nossa missão, fez bem ter contado a ele minha história.
Que bom que concorda comigo - Light suspirou aliviado.
Mais uma coisa...
Romeo pegou o travesseiro que apoiava sua cabeça e bateu com força no rosto de Light que estava deitado no colchão ao lado do sofá.
Isso é por não ter pedido minha permissão!
A manhã chegara e True foi acordado com a voz de Romeo gritando em seu ouvido.
Acorda garoto! Temos que fazer o desjejum e andar bastante hoje!
O garoto se levantou meio zonzo, sem saber onde estava ao certo.
Isso é para você. Como tem uma sincronização parecida com a minha, você precisa ter mobilidades nos braços.
Melhorando pouco a pouco do sono, True pegou a roupa que Romeo tinha lhe dado e a examinou. Era uma regada preta e uma calça jeans cinza.
Sem as mangas vai poder movimentar seus braços mais facilmente. Quanto à calça, não sabia o que gostava de vestir, mas imaginei que uma calça lhe daria mais proteção pelo que vamos passar hoje. Achei que não seria uma má escolha. Seu coturno é resistente, agüentará nossa jornada. Agora vá se trocar e jogue logo essa farda fora — Romeo terminou de esclarecer e logo após foi se juntar a Light enquanto murmurou comparando True com uma pedra quando estava dormindo.
O garoto, que agora estava totalmente acordado, foi se trocar. Ele estava faminto, aqueles treinamentos, apesar de não usar muito esforço físico, eram muito desgastantes mentalmente.
Após True ter colocado a roupa que ganhara, juntou-se aos outros para fazer o desjejum. Assim que terminaram, guardaram as roupas de cama no pequeno guarda-roupa que ficava em um corredor estreito perto de onde dormiram.
Bom, agora que está tudo em ordem vamos seguir viagem, lembrando que será a pé, pois não temos carro e mesmo que tivéssemos poderíamos ser barrados se passasse algum soldado, o que estragaria tudo. Ontem tivemos muita sorte de não sermos seguidos no meio de toda aquela confusão.
Para onde vamos?
Não acha que aqui é o nosso esconderijo, acha? Temos uma base aqui na América do Sul e ela é bem maior que isso, tem muitas pessoas que nos ajudam com algumas tarefas. Quando chegarmos à base, mostrarei cada canto dela — prometeu Light, explicando tudo sempre com muita calma e um sorriso no rosto.
True deu de ombros e se adiantou subindo as escadas, seguido por Romeo e por último Light que tampava a passagem que levava ao subsolo.
Eles começaram a andar em direção a uma floresta fechada onde andaram pelo resto do dia. Começava a anoitecer quando alcançaram a encosta do morro que subiam. Do local onde estava, True pôde ver uma enorme cachoeira que nem imaginava que existia. Um lugar belo, ele admitia, cercado pela mata e talvez tivesse sido esse o motivo do garoto nunca ter visto ou ouvido falar sobre a cachoeira que via.
Chegamos - disse Light.
True imaginou que tinha ouvido errado. Eles estavam no meio de uma floresta contemplando uma cachoeira, não seria lá o esconderijo que Light tinha falado com tanto ânimo. Se bem que duvidava que alguém os encontrasse ali.
Como assim "chegamos"? Não vejo nada além dessa cachoeira que, na verdade, nem sabia de sua existência.
Apenas observe, garoto - Romeo sussurrou próximo a ele.
Light ergueu uma de suas mãos e sobre ela surgiu uma luz que oscilava. True assistia a tudo sem entender, parecia que Light acenava para alguém, mas quem?
Enquanto o garoto observava o local atentamente esperando que algo acontecesse, escutou um grande estrondo. Os olhos procuravam atentamente pela origem do barulho.
Vai começar — Light avisou abaixando o braço.
Novamente, outro barulho, agora era o som de metais que pareciam vir do topo da enorme cascata. Os olhos de True se arregalaram com a cena incrível. Paredes feitas aparentemente por rigorosos metais se erguiam no topo da cachoeira, impedindo que a água caísse. Quando toda a queda d'água cessou, uma ponte feita pelo mesmo metal surgiu e cruzou a depressão alcançando o local onde True, Light e Romeo estavam.
Inacreditável! - disse o garoto maravilhado com a engenhosidade da entrada.
Você ainda não viu nada, garoto - comentou Romeo sorrindo e se lembrando da primeira vez em que viu o processo.
Light foi à frente e True o seguiu para não se perder, entrando em um túnel onde luzes se acenderam ao passarem por um detector de movimento. True, após entrar no túnel, se assustou quando a água voltou a cair e a ponte retornou ao seu ponto inicial.
O que achou? - indagou Light percebendo o espanto no rosto do garoto.
Incrível! Nunca iria imaginar que algo assim existia.
Você tem razão de não conhecer esse local, já que ele é artificial. Tudo, até mesmo a cachoeira não passa de uma obra bem planejada.
Quem é você, afinal? - O garoto se espantou ainda mais, a criação de um projeto dessa magnitude era muito complexa para ele.
Light sorriu e fez um gesto para que seguissem em frente. Após descerem vários metros em um elevador, chegaram a um túnel que parecia não ter fim. True avistou o pequeno metrô que fazia o transporte.
Entraram no vagão, e Romeo foi até a cabine para que iniciassem a trajetória. Não demorou muito para enfim avistarem a plataforma onde desceriam. True estava feliz por finalmente descansar suas pernas depois do dia de caminhada, um assento era tudo o que queria.
Assim que desceram, Light deixou para que True abrisse a porta que dava acesso à base, ele, com certeza, teria uma grande surpresa. Ao abri-la, o garoto ficou sem fôlego pelo que via. O lugar era enorme, tinha de quinze a vinte pessoas trabalhando com computadores e outros aparelhos eletrônicos, fora outras dezenas de pessoas que faziam outras tarefas que ele não reconheceu a princípio. Além do andar em que eles estavam, havia mais dois pisos onde Light o levaria como prometido.
Uma curiosidade que ele pôde notar eram as várias línguas estrangeiras que eram ouvidas no recinto. Provavelmente, as diferentes formas de comunicação era uma conseqüência do envio das pessoas para outros países a serviço do exército. Light deveria tê-los recrutado ao notar suas almas que emanavam fidelidade e bondade.
Assim que o líder adentrou e foi anunciada a sua chegada, todos pararam o que estavam fazendo para aplaudi-lo. Aquilo constrangia o garoto. Light era o centro das atenções e True estava bem ao lado dele, fazendo as pessoas o fitarem e se perguntarem a respeito de sua identidade.
Uma mulher levou um microfone para que Light pudesse falar algumas palavras em sua língua materna para as pessoas que o aguardavam.
É muito bom rever a todos! Já faz muitos dias que não retorno e como prometido, trouxe mais um guerreiro que nos ajudará a acabar com a ditadura! A América do Sul logo estará livre!
Houve muitos aplausos e assobios para Light quando deu as boas notícias. As pessoas pareciam ter grande afeto e fé por ele.
Onde estão meus representantes? - Light perguntou para a mulher que tinha lhe entregado o microfone.
Eles saíram hoje pela manhã e disseram que voltariam amanhã no mesmo horário, sem erros - a mulher respondeu.
Entendo. Nesse caso, True, venha comigo, quero te mostrar nossa base - Light o chamou puxando-o pelo ombro, após despedir-se da mulher. - Neste primeiro piso ficam os computadores que essas pessoas usam para atualizar o número de nossos membros e onde estão. Conseguimos usar um dos satélites para passar mensagens de uma base para a outra. Nesse exato momento estamos na capital do Rio de Janeiro, onde se encontra o atual general que comanda toda a América do Sul. Através dos túneis, por onde passamos, é possível ir para cidades vizinhas, como Niterói, facilitando nossa movimentação sem sermos vistos.
Espere - True interveio. - Você disse Niterói? Do Rio não é possível ir para Niterói a não ser por barco ou pela ponte - lembrou. - Um túnel só seria possível por baixo do mar - acrescentou, imaginando que aquilo seria impossível; no entanto, a expressão de Light e Romeo era contraditória à sua opinião.
E exatamente isso que fizemos — disse Light com seriedade. - Utilizando máquinas de perfurar túneis, semelhantes as que foram usadas no Canal da Mancha que liga a Inglaterra à França, junto às minhas habilidades e de outras almas extremamente habilidosas para esse projeto, pudemos concretizá-lo.
True nada disse, apenas manteve-se estarrecido e boquiaberto. Romeo, notando a expressão, sorriu. Ele recordava de suas reações quando conheceu a engenhosa base rebelde pela primeira vez.
Eu disse que você não tinha visto nada — sorriu e fez um gesto discreto para que o garoto fechasse a boca.
Após esclarecer a dúvida do novo integrante, Light continuou a mostrar a base.
No segundo piso ficam os dormitórios, a área de alimentação e a ala médica. No terceiro, meu predileto, fica nosso arsenal e a sala de reuniões. Nossas almas não necessitam de acessórios, pois elas mesmas modelam nosso corpo fazendo ser nossa própria arma, porém há aqueles que a alma só fornece o aumento dos sentidos, fazendo com que necessitem de armas. O elevador fica bem no centro da nossa base e é através dele que podemos chegar à superfície. Nós não o usamos antes devido à nossa fuga inesperada, então se quiser subir para os outros andares, quero que use a rampa, o elevador é apenas para ir à superfície, tudo bem?
Entendido - True respondeu admirado. - Mas poderia me mostrar melhor à área de alimentação, não acha?
Light, entendendo a vontade do garoto, assentiu.
Também estou com fome, então vamos.
Depois de comerem uma ótima refeição, feita por um dos ajudantes de Light, True testava seu olho da verdade sempre que possível e o resultado foi melhor do que na escola. Ele tinha visto várias formas de alma cada vez mais rápido. Ele estava melhorando, sabia disso.
Light, vou até a superfície dar uma volta, quero sentir o ritmo da cidade de novo - avisou Romeo. Ao mesmo tempo em que gostava do silêncio, adorava a agitação das grandes cidades.
Vou mostrar a ele um pouco mais da nossa base, nos encontramos mais tarde.
Até mais, garoto.
True se despediu do amigo e achou interessante o comportamento de Romeo ao se despedir dele, parecia que não guardava nenhum rancor.
Romeo pegou o elevador que o levou até a superfície. Os barulhos dos carros, as pessoas correndo cada uma para o seu local de destino, os restaurantes cheios de pessoas que almoçavam; tudo aquilo o lembrava dos velhos tempos antes da ditadura. As pessoas agora corriam não porque podiam chegar atrasadas e perder seus empregos, mas, sim, porque podiam perder suas vidas por desobediência ao Estado. Os carros, a maioria deles, ao invés de serem de moradores que iam planejar uma ida a algum lugar em especial para se divertirem, eram dos soldados fazendo patrulha para ver se tudo estava em perfeita ordem. Apesar das várias pessoas que passavam pelas ruas, não havia os velhos murmúrios das pessoas conversando ou uma explosão repentina de risadas. Todos andavam rapidamente, temerosos com o que podia lhes acontecer e sem qualquer interesse pelos outros que passavam à sua volta.
A capital era bem mais vigiada do que as cidades menores, Romeo sabia que devia tomar cuidado, mas isso não o intimidava. Andou até achar uma biblioteca onde os estudantes passavam a maior parte do tempo, já que a internet fora extinta, faziam suas pesquisas em outro lugar. O governo as criara em lugares estratégicos, onde se localizava mais soldados para vigiar. Já que a porta da frente estava fortemente vigiada e, mesmo que não estivesse, ele seria barrado por não ser um estudante. Romeo entrou em um beco onde pulando de parede em parede escalou o prédio. Ele se orgulhava de sua habilidade, eram poucas as almas que possuíam tal maestria. Abrindo a porta da cobertura, desceu as escadas até abrir outra passagem onde ficavam alguns estudantes, eram poucos, pois nesse andar haviam menos livros e a maioria deles não faziam parte do que era estudado na escola do governo. Ele então foi até o fundo de um corredor onde não tinha nenhum aluno. As duas prateleiras com livros o camuflavam, a pessoa responsável pelo andar dificilmente andava entre as prateleiras para ver se algum estranho estava por lá, como a entrada era bem vigiada, ninguém se preocupava em fazer rondas.
Sentou-se e apoiou as costas na parede, fechando os olhos, aproveitando o silêncio e a tranqüilidade que a biblioteca oferecia. Após alguns minutos seu silêncio foi quebrado por sons de passos. Reabrindo os olhos, procurou de onde vinha o ruído, foi quando percebeu que outra pessoa estava do outro lado da prateleira na direção em que olhava. Era uma garota, que após pegar um livro, se sentou quase em frente onde Romeo estava, a diferença era de poucos centímetros mais para a direita. Enquanto a garota lia o livro, Romeo a encarava percebendo que não era uma garota qualquer, ela era linda: tinha cabelos pretos, pele levemente bronzeada, olhos castanhos, lábios pequenos, usava uma blusa preta sem manga, calça jeans e uma sandália rasteira prata. Romeo se lembrou do passado, quando tinha a idade de True, a garota era certamente o tipo de Romeo e se fosse alguns anos antes, certamente iria falar com ela, porém seu passado mostrava muitas dores e dúvidas. Aqueles pensamentos faziam ele lembrar-se da namorada que o entregou para os soldados no bosque e da mulher, Laura Silvermoon, que o abandou sem explicações.
Quando voltou a encarar a garota, ela o olhava nos olhos. Romeo, envergonhado, olhou para o lado oposto, esperando alguns segundos, voltou a encarar a garota do outro lado da prateleira. Ela ainda o olhava, sem saber o que queria, ele levantou e saiu o mais rápido que pôde antes que criasse falsas esperanças e ela o entregasse para o vigia do andar.
Romeo saltou do prédio, voltando ao beco que usou para se camuflar e escalar o prédio. Ainda não estava pronto para voltar à base subterrânea, a qual não apreciava.
Ele passou o resto da tarde andando e vendo a cidade para passar o tempo, sentindo a brisa que passava entre os edifícios. Então, interrompendo sua paz, viu soldados correndo na direção oposta a que andava, ele pôde ouvir que nos rádios dos soldados era transmitido um pedido de reforços para um quarteirão onde Romeo tinha acabado de passar.
A mensagem era passada na língua inglesa. Os soldados que cuidavam do Brasil sabiam falar português, mas entre eles falavam a língua oficial que o ditador adotou, assim facilitava o entendimento entre eles, já que, aparentemente, não eram de uma única nação.
Romeo podia chegar ao local facilmente, não era tão longe; na verdade, nada era longe quando se podia correr como o vento, outra habilidade que Romeo se orgulhava em ter. Aproveitando a desordem dos soldados, rapidamente deu um jeito de subir nos prédios para chegar ao local mais rápido. Pelo alto, conseguia vê-los chegando de todas as direções, quando avistou uma roda que se formava no centro da rua de onde chegavam mais e mais soldados.
Romeo alcançou um prédio maior para ver o que acontecia exatamente, foi quando se admirou. A garota que tinha visto na biblioteca estava enfrentando os soldados um a um e, para a sua surpresa, ela tinha garras que se assemelhavam as dele. Sem pensar uma segunda vez, desceu do edifício e foi ajudar a garota.
A garota reparou quando os soldados voltaram sua atenção para alguma coisa fora do círculo que se formou ao seu redor. Neste momento, avistou Romeo abater alguns soldados e ir ao seu encontro, cobrindo sua retaguarda.
Precisa de ajuda? - Romeo se ofereceu.
Eles são muitos!
As palavras pareceram um sim para ele, que reparou, mesmo naquela situação, como a voz da garota era doce.
Os reforços vão continuar a chegar, estamos com sorte que esses soldados usam armas corpo a corpo, mais cedo ou mais tarde eles irão perceber que são inúteis e mandarão soldados especializados em longo alcance.
O que sugere?
Apenas me siga, vou abrir uma passagem e depois vamos até um beco que leva a um setor de residências, nele tem muitas árvores que podemos nos esconder. Confie e tudo dará certo.
Sem escolha, a garota apenas assentiu.
As residências eram dadas apenas aos soldados e civis que tinham mérito e eram de extrema confiança do exército, as outras pessoas eram confinadas nos dormitórios para que fossem vigiadas vinte e quatro horas por dia.
Esperando pelo momento certo, Romeo e a garota lutavam bravamente contra os numerosos soldados. Ele percebeu que sua velocidade estava ficando cada vez maior e o trabalho em dupla, apesar de nunca tê-la visto, era incrível, eles pareciam desfrutar de uma só mente sabendo exatamente o que o outro ia fazer.
Com suas habilidades melhoradas, foi fácil para Romeo achar uma brecha. Sabendo a hora certa, forçou os pés contra o chão para que tomasse impulso e empurrasse uma boa quantidade de soldados. Quando investiu no primeiro, perdeu o equilíbrio e esbarrou em mais dois que caíram, levando mais um que tinha acabado de chegar, abrindo-se uma passagem que Romeo e a garota usaram para fugir.
Correram o mais rápido que puderam para o beco que Romeo descrevera, pulando pelos muros das casas até chegarem às árvores que estavam exatamente onde Romeo tinha dito que estaria. Ambos eram muito rápidos e os soldados não puderam acompanhá-los. Respirando forte, os dois se acalmavam pouco a pouco nos galhos fortes da grande árvore que usaram como esconderijo.
A garota reparou que o homem que tinha lhe ajudado possuía uma mão em forma de garra assim como a dela. Sem agüentar mais a curiosidade, perguntou:
Você também possui a alma do lobo, não possui?
Também? - Romeo franziu o cenho.
Eu e minha família somos todos portadores da alma do lobo. Estamos à procura da organização rebelde, existem boatos de que eles estavam por aqui, na capital do Rio de Janeiro. Como você me salvou, não deve ser do exército e acho que te devo um voto de confiança.
Romeo sorriu. Pensando no que tinha feito e pela sorte que a garota tivera.
Você está com sorte hoje, garota, eu também tenho a alma do lobo e não só conheço a organização como faço parte dela. Posso te contar isso porque tenho certeza que não é uma armadilha do exército, como vi a ativação da sua alma, sei que você é pura.
Não acredito! Finalmente achei vocês! Minha família vai ficar contente em saber que achamos a organização. Todos nós sabemos sincronizar nossas almas e queremos fazer parte dela para libertar a América do Sul. Sabia quando te vi na biblioteca, tinha certeza de que você era um portador do lobo!
Tenho certeza de que temos vagas para você e sua família. Mas como sabia da forma da minha alma?
Bem, quando portadores do lobo estão acompanhados, eles ficam mais fortes e velozes, além disso, você tem cara que é um.
Romeo não entendeu como podia ter um padrão para as pessoas portadoras da alma de lobo. Talvez o cabelo que batia em seu ombro o entregava. O cabelo da garota também não era curto, batia aproximadamente na metade das costas.
Meu nome é John Strongheart, mas pode me chamar de Romeo.
Romeo? E o mesmo nome de um antigo membro de nossa família. Meu nome é Aline, Aline Silvermoon.
O sobrenome da garota machucou Romeo como se enfiasse uma faca em seu peito. Silvermoon, a família dos portadores do lobo. Ele se perguntava várias vezes porque não tinha pensado naquela possibilidade, ele estava ficando descontrolado, os sentimentos ruins estavam voltando, as dúvidas.
Encontre-me na cobertura do prédio da biblioteca, aonde nos vimos mais cedo, você e sua família, amanhã, ao meio-dia.
Antes que ela pudesse responder, Romeo saiu correndo desesperado para a base rebelde antes que os pensamentos o controlassem.
Capítulo 9
Os fantasmas do passado
Enquanto Romeo estava fora, Light mostrava cada canto da imensa base para True. Os olhos do garoto brilhavam cada vez mais, ele nunca imaginava uma base que era quase uma cidade em miniatura embaixo de outra cidade. Ficava ainda mais empolgado só de saber que ninguém da superfície sabia da existência da base. Light passou boa parte da tarde respondendo às curiosas perguntas do garoto.
Então o ar vem por esses dutos que são ligados à superfície, fazendo com que ele circule. - Light respondia à última pergunta que True tinha em mente sobre a circulação do ar dentro da base a vários metros da superfície. — Estou ficando cansado, acho que já te mostrei tudo o que tinha para mostrar. Com a prática, você vai saber andar aqui tranqüilamente.
Queria saber quem projetou toda esta base.
Esta fui eu - disse com um sorriso que descrevia seu orgulho. - Pelo meu sobrenome você rapidamente saberá. Meu nome é Light Adam.
Adam! E mesmo, aquela famosa família que construiu grandes bases militares e abrigos subterrâneos nos Estados Unidos? Como não imaginei isso antes!
True se lembrava das aulas de economia na qual tinha ouvido a respeito da empresa multinacional, corporações Adam. Ela se destacava, pois quando o exército tomou conta de suas ações, a empresa já estava falida. Um golpe feito pelos antigos donos, dessa forma, hoje o exército não sabia suas localizações, assim retiraram todo o dinheiro antes que o Führer desse a ordem para tomá-lo. A construtora era muita requisitada, em especial, para fins militares e para o governo em geral, pela sua eficiência e precisão nas datas de entrega.
Essa mesma — disse Light sem conseguir conter uma risada.
Enquanto as surpresas sobre a base da organização não cessavam para True, a conversa foi interrompida quando um dos membros da organização gritava ao encontro do líder.
Senhor Adam! Senhor Adam!
O que está acontecendo? - Light não entendia o motivo do desespero.
É o Romeo, Senhor. Ele acabou de voltar da superfície e assim que saiu do elevador, despencou no chão e apenas grita para que chame o senhor.
Sem saber o que teria acontecido com o amigo, Light e, em seguida, True correram até o centro da base onde ficava o elevador. Quanto mais chegavam perto do local, escutavam cada vez mais altos os gritos de Romeo:
Chamem o Light!
Chegando ao centro da base onde estava Romeo, que gritava sem cessar, Light, ao invés de descer as rampas, jogou-se do primeiro andar até o local onde o amigo estava. True dava a volta pela rampa quando via atentamente o que Light fazia antes que pudesse bater com o corpo contra chão, ele empurrou a mão em direção ao solo fazendo um pequeno redemoinho que amorteceu a queda. True pensava em quantas habilidades Light possuía que ele ainda não tivesse visto.
O que aconteceu, meu amigo? - Inúmeras possibilidades passaram na mente de Light, ainda zonzo com tudo aquilo.
Rápido, Light, eu quero que me faça dormir! Se eu não apagar agora, os pensamentos podem dominar minha mente!
Isso é perigoso, dependendo do corpo pode sofrer danos.
Faça agora!
Light, ignorando todos os sentimentos que poderiam atrapalhá- -lo, mirou o dedo indicador e o mediano em direção à testa de Romeo enquanto a outra mão o apoiava no colo, fazendo algum tipo de prece, criou-se um pequeno raio que percorreu todo o corpo de Romeo fazendo-o desfalecer. Uma técnica que só era possível se houvesse a vontade da pessoa em adormecer.
True, chegando perto para ver o que tinha acontecido, viu Romeo desmaiado e Light pensativo.
O que houve?
Acredito que... Os fantasmas do passado de Romeo voltaram para assombrá-lo.
O garoto sabia sobre o que Light queria dizer. Os Silvermoon estavam no Rio de Janeiro.
Levem-no para a ala hospitalar imediatamente! - Light deu a ordem para que alguns dos espectadores agissem.
Eram cerca de lh da madrugada do dia seguinte quando Romeo abriu os olhos. Ele olhava em volta para saber onde estava e viu True na cama ao lado e Light em pé, esperando por seu despertar.
Obrigado, Light. Se não me fizesse parar de pensar não sei se resistiria.
Romeo deve estar se referindo a cair pela segunda vez — imaginou True.
Você os viu, não foi? A família Silvermoon?
Sim, e você nem sabe a maior novidade - Romeo abriu o sorriso irônico. - A família inteira quer se unir a nós - disse cuspindo as palavras.
True deu um salto da cama sem acreditar no que aquela família estava pensando. Por um momento, professor e aluno se entreolharam atônitos.
-Acalmem-se, me deixem explicar... - Romeo interveio e começou a informar tudo o que havia feito no período em que esteve ausente no dia anterior, o que fez Light ficar cada vez mais preocupado com a situação do amigo.
Se quiser não precisamos aceitá-los na organização - ele propôs.
Não, eu quero que eles entrem - respondeu Romeo, e True se surpreendeu com a resposta. - Eles têm a garota que te contei, ela luta muito bem. Só precisa ter mais experiências de batalha.
Romeo, sabe o que isso pode fazer com você, não sabe?
Estou ciente. Quase caí há poucas horas. Mas agora que sei o que vou encontrar, posso me controlar melhor.
Tudo bem. Amanhã ao meio-dia vamos, nós três, ao local marcado.
Romeo apenas virou para o lado e voltou a dormir, imaginando que não teria mais nenhum pesadelo.
Tem certeza disso, Light? - True estava preocupado depois da cena que presenciou.
Não tenho, mas é o desejo dele.
O sol nasceu, porém na base não chegava a luz solar, as pessoas tinham que se orientar pelo relógio para saber se era dia ou noite. True estava dormindo em seu quarto quando ouviu vozes altas e muita agitação, perguntando-se o que estava acontecendo. As lembranças do dia anterior foram tomando sua mente, se lembrando da cena de Romeo gritando.
Seria ele outra vez? - pensou agora agitado. Levantou-se e vestiu a roupa que Romeo tinha lhe dado.
O garoto correu se guiando pelas vozes de sotaques incomuns que se misturavam. Uma era extremamente grave predominava sobre a outra alta, porém mais aguda. Ambas não se pareciam nada com a de Romeo, mas se não era ele, True não tinha idéia de quem pudesse ser. Quando virou para a esquerda na encruzilhada dos corredores, esbarrou em cheio com alguém, fazendo-o cair ao chão botando a mão sobre o nariz que estava doendo pelo baque.
Por que esse moleque não olha por onde anda! - A voz era alta, mas era de uma mulher. True olhou para encará-la e o corpo dele gelou quando a avaliou. Sua expressão era hostil, além dela ter no mínimo 1,80m de altura.
Acalme-se, irmã. O garoto não viu que você estava aí - disse um homem que mais parecia um urso de tão grande. Ele chegava a ter quase 2m de altura, seu corpo parecia extremamente forte, qualquer um podia notar isso só de olhar para o tamanho dos músculos. A voz era grave e o garoto percebeu que era ele quem falava há pouco tempo.
Calma? Esse garoto não devia andar por aí tropeçando nas pessoas.
Light estava rindo com toda a situação e, antes que aquilo ficasse pior para True, explicou:
Tudo bem, ele é o garoto de quem falei. O proprietário da alma de Tao. True, estes dois são os substitutos que ficaram cuidando da base enquanto estive fora. A mulher se chama Acauã que significa "Ave que come as serpentes" e esse "monstro", seu irmão gêmeo, se chama Piatã que significa "Forte, Vigoroso".
True percebeu que Piatã ria com a piada que Light tinha feito sobre ele ser "monstro". O homem parecia ter mais senso de humor que a irmã.
São nomes estranhos — True criticou.
A mulher encarou True nos olhos e apontou a pistola, presa ao cinto em direção ao rosto do garoto.
Quem tem nome estranho aqui? — Dava-se para ver uma veia subir na testa da mulher de cabelos amarrados e escuros como a noite.
Light, essa mulher é louca! — gritou True enquanto levantava as mãos para o alto.
True via Piatã e Light gargalharem enquanto ele pensava que ia morrer.
Após Acauã se acalmar, eles foram até a área de alimentação para fazer o desjejum. Enquanto comiam, Light explicou mais sobre os irmãos. Eles eram indígenas, por isso os nomes tão incomuns. Light tinha pedido para que True usasse o olho da verdade para checar como a habilidade tinha evoluído. True, obedecendo, olhou para os dois irmãos nos olhos e desta vez não demorou nem dois segundos para ele conseguir ver a alma da mulher que era de uma águia; depois olhou a do irmão e verificou que era de um urso. Ele não se admirou em saber que a alma de Piatã era de um urso. Light deu os parabéns pela evolução da habilidade e logo começou a explicação sobre aqueles tipos de almas.
A águia dá ao usuário grandes melhorias no sentido da visão, além de fornecer certo equilíbrio nos movimentos, porém aquele tipo de alma não fornecia uma arma específica como a do Tao, que materializava a luva no braço direito e a garra da mão esquerda. Graças a essa grande habilidade com a visão e equilíbrio, Acauã adotou armas de fogo como suas armas de batalha, fazendo com que ela dificilmente errasse um tiro que é sempre destinado em pontos vitais. - True se lembrou de quando ela mirou a pistola na cabeça dele, agradecendo por não saber daquilo naquela hora. - A do urso garante grandes defesas físicas ao Piatã, capaz de resistir a grandes danos.
True se maravilhava com as habilidades dos companheiros e também agradecia por eles serem aliados. Light, pondo um fim à alegria de True, disse que Acauã seria sua professora para o treinamento e Piatã seu adversário.
Romeo já tinha acordado e se juntou a eles para o desjejum. Os irmãos sabiam de toda história de Romeo, então também estavam cientes dos perigos que a família Silvermoon podia oferecer a ele.
O tempo passou e quando estava perto das 11h, Light ordenou que Acauã e Piatã ficassem cuidando da base até ele voltar. True esperava Romeo para que fossem para a superfície. Light dava as últimas instruções aos irmãos quando True o chamou dizendo que Romeo já estava pronto. Eles entraram no elevador que possuía espaço de sobra para os três.
O pequeno grupo chegou ao local de encontro quinze minutos adiantado da hora marcada para o encontro, fizeram isso propositalmente para que Romeo se preparasse psicologicamente para o encontro.
Romeo!
Ele olhou para frente e avistou Aline e mais duas pessoas que a seguiam. Romeo ficou na frente enquanto True junto a Light cobriam a retaguarda, caso ele enlouquecesse, True iria segurá-lo, apesar de não saber se conseguiria superar a força de Romeo, enquanto Light usaria a mesma técnica que tinha usado no dia anterior.
A garota foi à frente, deixando os outros dois membros de sua família para trás.
Bom tarde, Romeo. Estes são Laura e Edgar Silvermoon. - O coração de Romeo recebeu uma pontada de dor quando falou de Laura, seu corpo estava tenso e o calor o deixava inquieto.
Boa tarde, Aline. Eu quero te apresentar o criador da nossa organização: Light Adam. E a nossa alma mais rara: True Constantine, o Taiji.
True corou um pouco quando foi dito que era a alma mais rara, se sentindo especial, e de fato, ele era.
E um prazer conhecê-los. - Light e True apenas assentiram com a cabeça.
Não sabia que você tinha uma organização, Light, nem que você era da família Adam — Laura disse interrompendo Aline.
True deu uma boa olhada em Laura, ela parecia o par perfeito para Romeo. Os dois tinham quase a mesma altura, cerca de l,76m. Ambos possuíam a mesma postura e seriedade. A diferença entre os dois era apenas no cabelo. Laura tinha um cabelo mais comprido, liso e moreno. A pele, assim como a de Romeo, era clara o que a diferenciava dos outros membros da família.
Você os conhece, Laura? - Edgar agora se intrometeu. Ele parecia um anão, deveria ter l,40m de altura, mas parecia bastante forte, a barba grisalha que chegava ao peito dizia que ele deveria ter cerca de 70 anos. Além de usar um tapa-olho no olho esquerdo.
Sim, eu os conheci quando era mais jovem. - Os três estavam atentos sobre como exatamente ela diria que conhecia Romeo. - Eles estavam viajando e passaram algumas noites hospedados em minha casa, mas, na época, o garoto não estava com eles.
Romeo fechou o punho, mas logo se acalmou. Eles precisavam de força ofensiva, não podiam perder a chance de fazer uma aliança com a família Silvermoon.
Eu me lembro dos seus pais, Laura. Onde eles estão neste momento? - Light retrucou.
Nós os perdemos em uma batalha. O general descobriu sobre nós, sabíamos que não podíamos com eles, então meus pais se ofereceram para servirem de isca para que o resto da família fugisse. Por isso precisamos de ajuda, sozinhos não somos nada contra aquela aberração!
Aline... - Romeo disse para que a conversa voltasse para os dois — que grau de parentesco você tem com eles?
Light entendeu onde Romeo queria chegar. Caso Aline fosse filha de Laura com Edgar, ele tinha certeza que Romeo atacaria os dois.
Na verdade... - Aline começou. - Eles não têm nenhum grau de parentesco comigo. Edgar era dono de um orfanato onde eu morava, com o começo da ditadura, nós fomos expulsos do orfanato e seríamos mandados, no meu caso, para uma idosa me criar, e Edgar iria prestar serviços para o exército. Os membros da família Silvermoon não são necessariamente parentes de sangue, e sim parentes de alma. Se você for proprietário do lobo, pode fazer parte da família. Nós não temos o olho para ver as almas assim como os possessores da alma do anjo, mas temos um instinto que nos faz reconhecer apenas os de mesma raça.
Romeo perdeu esse instinto por já ter caído uma vez.
Eu sei disso — Romeo disse com um sorriso no canto da boca. — Eu sei porque meu nome é Romeo Silvermoon.
A atmosfera ficou pesada naquele instante. Laura encarou Romeo nos olhos, ela queria saber até onde ele pretendia ir. Light tinha se enganado com o propósito de Romeo, era óbvio que Aline não era filha de Edgar e de Laura; afinal, Laura era um ano mais velha que Romeo e Aline parecia ter no mínimo 18 anos. Seu objetivo era saber até que ponto Laura teria contado sobre eles.
Qual é a sua idade, Aline? - Light perguntou apenas para se certificar de suas teorias.
Vinte e um, mas vou fazer 22, no fim do ano, senhor.
Sem "senhor", apenas Light — ele cobrava o título apenas para seus ajudantes, para aqueles que lutavam ao seu lado nas batalhas só bastava que o chamassem pelo primeiro nome.
Tenho 22, mas completei no começo do ano. Sabe por que sua família sabe sobre tudo isso, Aline? - Romeo estava gostando de estar no comando da conversa, ele encarou Laura para ver a expressão em seu rosto. — No período que passamos na casa dos pais de Laura, Light ensinou a mim e a eles tudo o que sabia, e agora estamos colhendo o fruto disso, somos companheiros de batalha - disse respondendo à própria pergunta.
Aline encarou Laura para saber se a informação era verdadeira. Laura assentiu sem hesitar, mas se perguntava o motivo do ex-marido não ter contado o verdadeiro passado deles.
Se você é um Silvermoon, somos parentes? - Aline agora estava confusa sem saber onde Romeo se encaixava na família.
Romeo estava gostando do rumo que a conversa ia tomando, colocando cada vez mais Laura contra a parede, então ele respondeu a pergunta:
Eu era casado com uma mulher de sua família, mas com a ditadura nos separamos e recentemente soube que ela faleceu — mentiu, preferindo ocultar quem verdadeiramente era sua esposa. - Você deve saber sobre o ritual de casamento. Foi por isso que meu nome mudou de John Strongheart para Romeo Silvermoon.
"Agora tudo faz sentido" - Aline pensava consigo mesma, mas ela quis voltar à proposta que fez surgir aquele encontro.
Light, quero saber sua resposta sobre nos unirmos à sua organização. Não temos nenhum pertence, apenas as roupas que usamos, então podemos partir neste momento.
Light encarou os outros dois companheiros para saber suas opiniões, True deu de ombros e Romeo assentiu.
Vocês têm minha aprovação, venham conosco.
Capítulo 10
Experiência e poder
Light teve que repetir todo o processo que fez com True com os novos membros da organização, tirando alguns detalhes que eles não tinham curiosidade assim como o garoto. Romeo foi falar com os irmãos indígenas para saber se teve alguma novidade enquanto estiveram fora. True estava entediado. Todos estavam ocupados e logo ele também estaria, o que o deixava ansioso.
O silêncio foi quebrado com a voz de Light pedindo para que todos os membros de guerra comparecessem à sala de reuniões, eram eles: True, Light, Romeo, Acauã, Piatã, Aline, Laura e Edgar. Apesar de serem apenas oito pessoas, tinham habilidades incríveis, além de serem as únicas esperanças da América do Sul.
True não lembrava exatamente onde era a sala de reuniões, sabia que ficava no terceiro andar e as portas eram grandes de cor vermelha. Ele tinha certeza de que assim que chegasse ao andar, acharia a sala em poucos minutos.
Assim como havia previsto, não foi complicado chegar à sala de reuniões, porém foi o último a chegar. Envergonhado, escolheu uma cadeira e se sentou. A imensa mesa retangular tinha sobre ela um mapa da América do Sul e, em especial, o mapa do Rio de Janeiro ampliado e bem detalhado. Com todos presentes, Light pode começar:
- Agora que temos força suficiente para atacar a base onde o general se encontra, explicarei como será feita a invasão. Já faz algum tempo que venho elaborando esse plano e com a união da família Silvermoon será muito mais fácil colocá-lo em prática. O quartel se localiza na antiga Ilha Fiscal, como era chamada a ilha antes do início da ditadura, o local é relativamente pequeno tendo apenas dois pavimentos, sendo que o superior é ainda menor, onde se encontra o aposento do Tenente-coronel. A única maneira de se chegar à base é usando as barcas, apenas com uma rara exceção, quando estão em manutenção, a travessia é feita em um ônibus por uma única passagem. A entrada é fortemente vigiada e, ao ancorar, existe um pequeno pátio onde se encontram vários soldados.
E como vamos fazer para chegar à base sem sermos percebidos? — Piatã perguntou.
Através da ponte Rio-Niterói, por onde são transportados os presos para que o próprio general decida o destino deles. Sabendo dessa informação, eu, True, Romeo e Aline fingiremos ser soldados que estarão transportando vocês para a base militar. Um detalhe importante é que há uma grande chance de os soldados detectarem as almas puras, então preciso que diminuam o máximo sua sincronização. Como eles não possuem o olho da verdade, será fácil passar por eles. True não precisará se preocupar com isso, como é metade caído, os soldados não desconfiarão de nada.
Light havia explicado a todos sobre o caso especial da alma de True. Apesar de não ter sido aceito de primeira impressão, eles confiavam em Light a ponto de irem contra seus próprios julgamentos. Além disso, o objetivo da organização também era de ajudar os caídos a se tornarem puros, então não podiam se prender a preconceitos.
Usaremos nosso túnel para chegar à Niterói e esperando por nós estarão veículos similares aos que são usados pelo exército. Se passarmos despercebidos, quando chegarmos à base, simularemos a seguinte cena: Acauã, Piatã, Laura e Edgar, que serão os presos, vão se soltar das algemas e começarão o ataque fingindo resistência. Com toda a atenção voltada para vocês, eu, True, Romeo e Aline iremos procurar pelo general, porém preciso que alguém fique responsável pela Tenente-coronel.
Eu cuido dela! - True disse com voz confiante e estava feliz por ter uma chance de salvar Esmeralda.
Por um breve momento, todos fitaram o jovem e novo membro de guerra se pronunciar.
Muito bem, problema resolvido.
Finalmente esse garoto falou como um homem. — Acauã tinha interesse pelo garoto, mas não queria demonstrar.
Continuando, com True segurando Esmeralda, o caminho estará livre para o general. Eu, Aline e Romeo iremos enfrentá-lo. Como não posso usar habilidades ofensivas, usarei o máximo de habilidades possíveis para ajudá-los a vencer. Todos de acordo?
Os membros concordaram com o plano sem terem nenhuma objeção.
Agora os preparativos. Acauã e Piatã ficarão responsáveis pelo treinamento de True. Romeo avaliou Aline e acha que ela pode ser de bom uso na batalha. Ele passará seus conhecimentos para ela. Laura e Edgar têm os mesmos conhecimentos que eu e Romeo, então Laura me ajudará a encontrar possíveis falhas no plano enquanto Edgar ficará avaliando o desenvolvimento do treinamento de Aline e True. Agora que todos já têm suas ordens estão dispensados.
True suspirou aliviado. Ele pensou que Light o impediria por ainda conhecer muito pouco sobre as almas. Também não podia negar que sentia certo temor, nunca tinha travado uma batalha tão grande como aquela, mas sua determinação em salvar a colega era maior que seu medo.
Vamos, garoto, temos muita coisa para fazer — Acauã ordenou.
Aline, nós podemos ir? — convidou Romeo.
Aline e Romeo se dirigiam para a área de treinamento número 2. Nela haviam vários obstáculos para se escalar. Era como uma pequena cidade em miniatura.
Aline, o exercício é bem simples, ao meu sinal, cada um de nós se esconderá pelas casas e tentará encontrar um ao outro. O objetivo é encontrar o oponente primeiro e vencê-lo ou imobilizá-lo. A medida que formos treinando, vou te apresentar seus erros. Se eu te derrotar ou te imobilizar, você perde e a gente começa de novo.
Mas e se eu te derrotar? - Aline teve um pouco de dúvida, mas tinha idéia da resposta.
Então não será mais necessário esse treinamento.
Cada um foi para um extremo da quadra que era usada como simulação de uma cidade. Romeo deu um longo assobio que significava o início do treinamento. Aline pôde ouvir com clareza e logo correu entre os becos estreitos para se esconder. Apesar de ser apenas uma simulação, o coração da garota palpitava rapidamente com o suspense da prova. Andando devagar, viu um vulto passar pelo outro corredor por onde ia, se encheu de esperança pensando que Romeo tinha passado por ali e ainda estaria de costas para ela. Confiante, foi até onde ela pensava que seu opoente estaria quando uma mão passou pelo seu pescoço fazendo-a congelar.
Isca pode ser uma ótima tática para você capturar seu inimigo. Depois de tê-la localizado, apenas tive que atrair sua atenção, fazendo acreditar que você estava no comando, quando, na verdade, eu tinha escalado a casa e vindo te prender por trás - enquanto explicava ele colocava a sua garra afiada perto da garganta da garota, fazendo-a permanecer imóvel. — Vamos recomeçar.
Romeo assobiou novamente para que começassem. Aline agora teve a idéia de subir no telhado das pequenas casas; com a altura, ela poderia ver por onde Romeo se movia. Ela pulava de casa em casa olhando cada rua tentando localizá-lo. Quando foi pular para uma casa onde a distância não era tão grande como as outras, olhava para a direita tentando ver algum movimento, nesse instante, Romeo puxou uma das pernas da garota que estava com a guarda baixa. Ela se assustou pensando que o chão tinha desaparecido. Romeo a puxou tão rápido que ela mal pode ver onde tinha parado.
A idéia de usar o telhado para me localizar foi muito boa, mas como eu sabia de sua existência, foi fácil te encontrar apenas olhando para cima. Não desista e lembre-se: o medo não é um sentimento ruim, ele a deixa alerta e vencendo-o, você ficará mais forte.
O exercício foi repetido diversas vezes e Aline sempre era pega pelo seu instrutor. Tentava de diversos modos, mas Romeo sempre estava um passo à frente dela. Cansada de sempre fracassar, resolveu bolar um plano que garantisse sua vitória de uma vez, mas, para isso, precisava testar suas teorias.
Eles fizeram o exercício mais duas vezes e percebendo que Aline estava cansada, Romeo perguntou se queria que fizessem um intervalo.
Não... Eu estou bem... Além disso... Esta será a última vez! - Aline disse confiante, com a voz que demonstrava seu cansaço, enquanto encarava o instrutor nos olhos.
Romeo surpreendeu-se com a atitude da aluna, queria poder saber que planos ela teria feito para capturá-lo. E ele sabia que em breve descobriria.
Aline estava na posição inicial para começar o exercício e Romeo na sua. Quando foi soado o sinal, Aline disparou para pôr em prática seu plano. Romeo andava calmamente entre as miniaturas de casas enquanto procurava pela garota, olhando por cada rua estreita, atento a qualquer movimento. Depois de andar por alguns minutos, viu um vulto e concluiu que seria a garota, ele, para pegá-la de surpresa, foi pelo telhado, seguindo-a para ver aonde ia. Aline tinha parado em uma encruzilhada e ficou com as costas na parede, checando se Romeo não vinha por nenhum dos lados.
Ela não tem jeito — Romeo murmurou para si enquanto se preparava para surpreender a aluna.
A garota no último segundo entrou na rua e correu até uma casa. "Que sorte" - pensou ele, por ela ter saído do local no momento em que ele ia prendê-la.
Ela apenas tinha adiado o fim daquela partida, ele só teria que segui-la por dentro da casa e tudo acabaria. Seguindo a garota, viu que tinha entrado em uma casa de apenas um pavimento, que mais parecia um toca de tão pequena. Ele com cuidado procurava pela aluna à medida que entrava. Foi quando foi surpreendido por Aline que estava nas suas costas com a garra bem próxima ao seu pescoço.
Parabéns! Agora poderia dizer como bolou tudo isso? - o professor elogiou a aluna que finalmente tinha passado no teste.
Nas últimas duas partidas eu pensei em um plano, mas para colocá-lo em prática teria que testar minhas teorias antes, e foi isso o que fiz. Primeiro, tinha que ter certeza de que você me seguiria; segundo, precisava achar um local para me esconder e atingir sua guarda baixa. Essas casas menores têm portas que eu posso facilmente escalar e ficar em cima delas sem que alguém me veja, confirmando essas teorias, foi fácil trazê-lo aqui e o surpreender como fez comigo na primeira vez que fizemos esse exercício.
Entendo, acho que te subestimei - Romeo disse com um sorriso no rosto.
A aluna soltou o professor e deu um longo abraço nele, enquanto Romeo falava que iriam passar para a segunda e última fase do treinamento.
Edgar chegou ao local de treinamento onde Aline estava e se sentou distante para que nem ela nem Romeo percebessem sua presença, pois isso poderia atrapalhar a concentração deles no treinamento.
Romeo e Aline concordaram que antes de começarem a última parte do treinamento fariam uma pausa para retomar as energias. Romeo, sabendo que Aline estava exausta, propôs irem até a área de alimentação para buscarem algo para comer. Aline concordou e agradeceu pela gentileza.
Os dois foram para a área de treinamento de número 1, junto com Edgar, que ainda preferia ficar oculto. O local não tinha obstáculos como os outros, era apenas uma área para treinar combate corpo a corpo, o chão era forrado por colchões que amorteciam as quedas caso houvesse. Romeo tinha achado de comer e Aline terminava de beber o suco que Romeo trouxera para ela. Enquanto isso, Romeo encarava Aline, admirado pela sua beleza e também por sua personalidade. Conversaram bastante durante o intervalo, e ele descobriu que tinham muitas coisas em comum além de possuírem o mesmo tipo de alma, o que era normal devido à alma tomar forma dependendo da personalidade. Ele sentia que estava nascendo uma nova esperança em seu coração, talvez aquela garota devolvesse o mundo para ele. Depois de se recuperarem, Romeo anunciou a nova etapa do treino:
Essa última parte é mais simples do que o treino de antes. Vamos lutar um contra o outro, quando ver que possui alguma dificuldade, vou te ensinar como melhorar. Começaremos sem ser uma batalha séria, você vai anunciar como vai me atacar e ao fazer, mostrarei como vou me esquivar do golpe ou como vou desarmá-lo. Quando se sentir segura de que pode lutar a sério comigo, lutaremos até que alguém saia da área dos colchões ou não consiga mais lutar. Alguma dúvida?
Não. Podemos começar.
Aline começou a usar seus golpes, Romeo desviava e falava o que ela teria que fazer depois. O resto do dia foi tomado por esses exercícios, cada golpe que Aline aplicava pensando que era perfeito, Romeo mostrava os defeitos. Ela não ficava triste em saber de tantas imperfeições em seus golpes, pelo contrário, queria saber o máximo como melhorar, aumentando sua motivação.
Romeo também estava gostando do treinamento, nem via o tempo passar ao lado de Aline, sempre corrigindo a posição das mãos, dos pés, a forma certa de equilibrar o corpo. Cada vez que corrigia a postura de Aline, seu coração batia forte em estar tão perto da bela jovem. Assim que Aline aprendeu como atacar devidamente, Romeo propôs atacá-la e ela se defender, com isso poderia aprender não só a atacar como a se defender devidamente. Então começou a usar os golpes e Aline não teve muitos problemas na defesa, só teria que aprender a se equilibrar melhor depois que a força do golpe a acertava. Após alguns minutos, Aline já parecia ter melhorado significativamente e parecia segura.
Romeo, estou pronta.
Percebendo segurança em suas palavras, Romeu concordou em fazer o duelo.
A área da luta era equivalente a uma quadra de voleibol, teriam bastante espaço para se moverem. Romeo começou avançando e Aline já o esperava para desarmar seu ataque. Ela, em seguida, devolveu com outro ataque enquanto ele se desviava facilmente. Para Edgar, que assistia ao duelo, aquilo parecia uma dança, ambos dirigiam ataques um ao outro, mas nunca conseguiam acertar. O equilíbrio do corpo dos dois era perfeito, as esquivas eram feitas no último segundo e com elegância. Quando os ataques não eram esquivados, eram defendidos e dava-se para ouvir o impacto do soco e dos chutes acertando a defesa do outro. O combate durou cerca de dez minutos, e Edgar estava ficando entediado. Porém, Aline teve o azar de pisar em um colchão que estava com pouca espuma fazendo com que seu pé afundasse. Romeo, percebendo a chance, dirigiu golpes fortes para que Aline defendesse propositalmente, fazendo com que a perna apoiada no colchão, que afundava, recebesse todo o peso dos ataques. A garota não conseguiu agüentar por muito tempo e logo sua perna dobrou facilitando para Romeo, que apenas deu o golpe final fazendo com que ela rolasse para fora da arena de colchões.
Bom duelo! Se você não tivesse tido o azar de afundar o pé no colchão, talvez fosse você a vencedora — Romeo estendeu a mão para que Aline se levantasse.
Talvez.
Edgar assistia tudo de longe, escrevendo seu relatório sobre o treinamento de Aline. Assim, Light ficaria informado dos acontecimentos enquanto estava ocupado com Laura vendo possíveis erros no plano.
Agora só restava o membro mais jovem da Ordem: True.
Capítulo 11
O equilíbrio dos opostos: o Taiji de fogo e gelo.
Acauã carregava suas pistolas enquanto seu irmão se equipava com um enorme colete e um escudo da largura de seus ombros. True, vendo aquilo, engoliu em seco ao imaginar o que o esperava. Após se equiparem devidamente, eles foram até a área de treinamento de no 3. Ela possuía nela tinha um espaço equivalente a um campo de futebol, porém havia várias pilastras que True não entendia o motivo de estarem ali. O recinto era coberto por areia, para que exigisse uma força maior das pernas e equilíbrio devido ao terreno irregular. A areia também servia como meio de proteção, para que durante as quedas eles não sofressem um dano maior, como ocorreria se fosse em um terreno de concreto. Um pouco mais afastado, quase imperceptível devido à extensão da arena, havia um suporte para as armas, que naquele momento tinha somente um bastão, provavelmente esquecido.
— Estes pilares servirão como obstáculos. Você poderá usá-los para se esconder ou para se defender. Seu primeiro desafio será contra meu irmão. Sua tarefa será movê-lo. Parece algo simples, mas na prática você vai descobrir que pode ser algo realmente problemático, a não ser que... - Acauã apanhou a mão do garoto e apalpou os músculos do braço. — Esquece. Vai ser bem difícil para você - concluiu dando uma palmada no ombro de consolação.
Ignorando a provocação, True se dirigiu junto ao Piatã para a arena de areia enquanto Acauã ficou no perímetro de proteção de onde podia assistir e guiar o garoto durante a luta.
Ficarei de longe observando seus erros. Não se preocupe, eu irei ajudá-lo. Agora sem demora, ative sua alma! - Acauã deu a ordem.
True sem questionar ativou Taiji, fazendo o braço direito ter um aspecto avermelhado de onde se originava um vapor, os dedos da mão esquerda se alongaram e se tornaram afiados enquanto eram revestidos por uma proteção escura que se estendia por todo o braço. A metamorfose fez os irmãos hesitarem por um instante. Eles não estavam acostumados a ver almas que moldassem o próprio corpo.
Gostei dos seus braços, garoto. Agora comecem! - Assim que Acauã ordenou, Piatã fixou seu escudo na vanguarda e se concentrou em seu oponente.
O homem robusto parecia firme em seu lugar, os músculos contraídos demonstravam a força que era aplicada para que permanecesse imóvel. True, por sua vez, era tomado pelo nervosismo de sua estreia. Até então, o garoto nunca havia participado de um combate, apenas tinha trocado ameaças com aqueles que tentaram intimidá-lo no colégio. Como o interior dos dormitórios são vigiados rigorosamente durante o dia, dificilmente ocorriam brigas entre os alunos. True participou de poucas exceções, mas nada que fosse além de alguns empurrões e pontapés. Apesar do boneco de treinamento e o saco de areia com os quais estava acostumado a treinar, agora se via contra um adversário digno, que merecia toda a atenção e a qualquer instante podia revidar.
Está tudo bem, True. Siga sua intuição, eu irei guiá-lo — disse Taiji em sua mente.
Com as palavras de sua alma, o garoto se sentiu mais seguro e avaliou o oponente que deveria derrotar.
Piatã é dotado da alma do urso, a qual proporciona um vigor sobre-humano, fazendo-o ser capaz de resistir a golpes mortais. True estava ciente das características únicas de seu adversário e agora pensava se esse diferencial não era passado aos seus equipamentos de defesa, uma vez que o escudo e o colete que Piatã levava ao corpo pareciam mais rijos.
Antes de atacar, ainda restava uma dúvida em sua mente: como faria o assalto. A falta de experiência em combates e de conhecimento em relação à sua alma o deixavam praticamente desarmado. Graças a Light ele havia aprendido a usar o olho da verdade, pelo qual descobriu as características de seu oponente ao sincronizar sua alma. Romeo também deu algumas dicas de como se comportar em uma batalha, a primeira delas: nunca subestimar seu oponente. Mas subestimar Piatã nem passou pela cabeça do novato.
— Não temos o dia todo, True! Em um combate real, seu oponente não vai esperar pelo ataque! - resmungou Acauã, e True sabia que ela estava certa, mas antes precisava ver suas opções.
O jovem rebelde fitou seus braços por um instante. O braço direito do anjo, em que se originava o vapor, não parecia muito útil. Por outro lado, a garra de sua mão esquerda, respectiva a do demônio, parecia sua única escolha em uma batalha. Os dedos que se alongaram e se tornaram afiados como o fio de uma espada eram a escolha mais óbvia naquele momento.
É hora de avançar! - True pensou e foi o que fez.
O jovem rebelde investiu escolhendo a garra de sua mão esquerda para realizar o golpe. Primeiro teria que diminuir a proteção de Piatã, foi pensando nisso que True pensou em atingir seu escudo, com a garra ele imaginava que certamente a destruiria.
True avançou em linha reta sem temer o adversário na defensiva. Acauã notou o erro do aluno, mas não o impediu. Há momentos em que as pessoas devem aprender com suas próprias experiências, e foi o que a tutora deixou que ele fizesse.
O garoto contraiu o braço envolto de corrupção e calculou o tempo certo para que incidisse. No entanto, antes que True encontrasse o tempo e espaço adequado, Piatã, com um sorriso, brandiu o escudo e em um movimento habilidoso atingiu o garoto na lateral do rosto, fazendo-o perder o equilíbrio por um instante e ser arremessado alguns metros para trás.
A força de Piatã era equivalente a de um urso, talvez superior, e True pôde sentir essa força em sua pele. O garoto pareceu um brinquedo arremessado por uma criança, sua face imediatamente ficou avermelhada na região do golpe e certamente ficaria dolorida no dia seguinte. Piatã era um exímio protetor, e como um, deveria saber invalidar seus oponentes e afastá-los a todo custo de seu protegido. True sabia que se Piatã quisesse, poderia tê-lo deixado inconsciente com o golpe, mas fez somente o necessário para que ele entendesse a mensagem.
Nunca vá tão confiante para seu oponente, garoto! Deve atingido quando estiver desprevenido, e não quando estiver preparado - disse Acauã.
Poderia ter avisado - murmurou o aprendiz.
Poderia, mas não surtiria o mesmo efeito. Tenho certeza de que você não cometerá esse erro novamente - retrucou.
True percebeu um leve tom de satisfação nas palavras de sua tutora e ele se perguntava se ela não estava se divertindo com tudo aquilo. Porém, como não tinha tempo de se preocupar com algo tão insignificante, ele deveria encontrar um meio melhor de alcançar seu oponente.
True investiu novamente, desta vez hesitante. Ao diminuir a distância entre eles, True parou a menos de um metro e alternou entre as direções, na tentativa de encontrar alguma falha na defesa do oponente. Piatã percebeu a estratégia e procurou esconder o sorriso para que o garoto pensasse que estava no controle.
Assim que Piatã parou de segui-lo com os olhos, o jovem investiu e pouco contraiu o braço, dando uma importância maior em permanecer com ambos os pés próximos ao chão, para que esquivasse se fosse necessário. A garra estava a poucos centímetros de atingir o escudo quando Piatã desfez sua proteção e apanhou o braço de seu oponente pelo pulso. True esbugalhou os olhos ao ser alcançado, e antes que tentasse algo, Piatã, com seu sorriso de costume, o arremessou novamente para o outro lado da arena, caindo sobre a região onde a areia estava em maior volume.
True se levantou rapidamente, cuspindo alguns grãos de areia que adentraram em sua boca. Ele ouvia claramente a risada de Piatã que soava a alguns metros de onde estava, mas aquilo não o irritou. Ele sabia que aquele pouso poderia ter sido muito pior se seu oponente assim desejasse. Demonstrando total controle da situação, Piatã desarmou o ataque do garoto e o arremessou em um lugar escolhido.
Não deve se dirigir eufórico contra seu oponente, mas agora você recuou demais. Encontre um ponto de equilíbrio entre essas duas investidas - Acauã o ajudava.
True tomou nota mentalmente das palavras de sua tutora e se reergueu para uma nova tentativa.
True, você está pensando demais! —Taiji o alertou. - Um estilo calculista não combina muito com você, ou melhor, com nós. Não pense, sinta!
O garoto estava certo que encontrara o ponto certo entre as duas velocidades, mas decidiu abandonar seu plano original. Taiji estava certo, True não gostava de ser calculista e ficar testando suas hipóteses, ele preferia agir através de seu instinto e evoluir com sua experiência.
Com esse pensamento, ele atacou.
True investiu de uma maneira incomum. À medida que avançava em uma corrida, ele penetrou as pontas de sua garra na areia de modo que o obrigasse a fazer um esforço maior para prosseguir. Os irmãos indígenas estranharam a princípio o movimento, mas logo entenderam.
Piatã posicionou seu escudo no ângulo desejado e esperou pelos últimos passos de seu oponente. Acauã assistia ao combate atenta quando viu a garra de True iniciar sua subida.
Piatã ia atingir o garoto novamente com o escudo, mas foi impedido. Quando a garra deixou a areia, avançou com uma velocidade surpreendente contra o escudo, o que criou um baque surdo que obrigou o garoto a recuar alguns passos após atingir o rijo bloqueio.
Acauã refletia sobre o movimento. True havia enterrado parte da garra para que obrigasse a usar uma força maior para avançar. Quando a garra deixou a areia, manteve a mesma aceleração que era imposta enquanto avançava sob ela, no entanto, quando deixou o terreno arenoso que exercia uma força contrária a que seguia, não havia nada que desacelerasse seu avanço, o que permitiu que toda a força que era imposta a ela fosse direcionada ao escudo. Apesar da boa tentativa, o escudo facilmente o repeliu.
True se reequilibrou rapidamente e saltou em seguida contra Piatã. Ele, ao ver a investida de seu oponente, posicionou o escudo acima dos ombros onde True incidia com sua garra. O garoto pousou e aproveitou o peso do corpo para criar uma força maior. A garra penetrou o escudo e por poucos centímetros não acertou o braço de Piatã que equipava a proteção. O indígena, vendo sua vantagem, brandiu o escudo com o objetivo de arremessar o jovem rebelde que estava com a garra presa ao escudo. True, notando o perigo, chutou o escudo para que retirasse a garra e recuasse alguns metros.
— Muito bom, garoto! - elogiou Acauã reconhecendo o progresso, porém True não parecia satisfeito.
Ele já estava ofegante. Enquanto Piatã permanecia imóvel, ele era obrigado a correr pelo terreno de areia que exigia mais de seus músculos da perna, comparado a um lugar plano. Mas o fato que mais o perturbava era o de Piatã não ter se movido sequer um passo. O habilidoso oponente havia defendido todos os seus assaltos apenas com o movimento de seus braços, sem que derramasse uma gota de suor ou fosse obrigado a se esquivar.
Avaliava seu oponente enquanto retomava o fôlego. Quando atingiu o bloqueio de Piatã, ele pôde sentir a dureza do escudo, o que confirmava sua teoria da alma do urso estar aumentando a proteção do equipamento com sua aura. A força que usou contra o escudo havia retornado para ele, e se continuasse assim, True só se desgastaria.
Isso é difícil! - resmungou o garoto em sua mente.
Quer desistir? - indagou Taiji.
Desistir? Nunca! Só foi um comentário. Afinal, se não fosse difícil não teria graça.
E assim que se fala. Agora, se me permite a pergunta, por que não usa seu braço direito?
True interrompeu seus pensamentos e fitou seu braço respectivo ao do anjo.
Bem... Light sempre diz que alma em forma de anjo não possui habilidades ofensivas.
Talvez ele esteja certo, mas isso não se aplica a nós.
Não? — True pareceu confuso.
Com certeza não. Lembre-se, True, nós não somos um anjo porque possuíamos corrupção e também não somos um demônio porque possuímos pureza. Nós somos o equilíbrio entre eles!
Então... O que esse braço pode fazer?
Não saberemos até tentarmos, mas antes nós devemos cuidar da defesa de Piatã.
Tem razão - assentiu True, voltando a se concentrar no oponente.
A alma do urso é incrível, pode fazer alguém se tornar uma verdadeira muralha... - comentou Taiji.
Com as palavras de sua alma, um estalo veio à mente do garoto.
Espere, você disse muralha?
Sim. Algo errado?
True sorriu e sua alma pôde sentir uma onda de confiança tomar a mente e o coração do jovem aprendiz.
Taiji, procure descobrir o que esse braço direito pode fazer. Eu cuidarei de enfraquecer as defesas de Piatã.
Entendido.
Sem conseguir conter o sorriso, True deixou que ele se formasse no canto de seu rosto. O oponente, atento aos seus movimentos, notou a confiança se manifestar no garoto. Acauã assistia curiosa e tentava imaginar o que True estava tramando.
True iniciou sua corrida e Piatã manteve-se firme. No primeiro momento, tudo indicava que o garoto realizaria um ataque direto, mas não foi o que fez. Quando Piatã brandiu seu escudo, imitando o golpe anterior que usou para abater o jovem rebelde quando fez uso da mesma tática, True seguiu para esquerda, deixando seu oponente atônito ao perceber que fora enganado.
True aproveitou sua chance e fez um corte no cotovelo de Piatã, não muito profundo, apenas deixaria uma pequena e discreta cicatriz. O oponente, sem sair do lugar, girou e tentou atingir o escudo no garoto que se esquivou por pouco em um salto. True aproveitou e fez outro corte de mesma profundidade em uma região específica do ombro, e antes que fosse atingido, cruzou os braços e esperou pelo baque inevitável.
Piatã, ao atingir True com seu escudo, o fez recuar cerca de quatro metros. Sem desviar os olhos de seu oponente, ele verificou seus ferimentos e soube que nada muito profundo ou que poderia lhe trazer riscos foi feito. Apesar do ferimento quase superficial, a região que True havia atingido causava um incômodo quando Piatã movia seu escudo. Por isso, foi obrigado a trocar seu equipamento de braço.
Acauã, com sua visão superior, estudou os ferimentos de seu irmão e concluiu que não era nada grave, mas o que a intrigava era se aquele ferimento foi feito propositalmente ou o garoto não conseguira fazer nada de maior gravidade.
True investiu novamente e repetiu o mesmo percurso, porém no lado oposto. Ele causou os mesmo cortes no outro braço e ombro e em seguida recuou ao receber o golpe de Piatã. Em um movimento involuntário, o robusto adversário intercalava o escudo entre as mãos, e foi nesse momento que True soube que sua estratégia daria certo.
O garoto simulou uma expressão de insatisfação para que seu adversário não lesse através de sua face e descobrisse que seu plano estava se concretizando. Contendo seu sorriso, True continuou a investir.
Tornozelo, a região detrás dos joelhos, os dedos e outras áreas específicas foram atingidas. Os dedos exigiram um esforço maior da parte do garoto, que precisou receber alguns golpes com o escudo e falhar em algumas tentativas até que os atingisse como queria.
True estava recuado, recuperando o fôlego enquanto fitava seu oponente que não demonstrava sentir mais nenhuma dor, mas que alternava o peso do corpo entre uma perna e outra. Piatã, antes imóvel como uma rocha, agora se mexia inquieto com os pequenos incômodos, mas nada que o fizesse dar um passo.
Taiji, tudo pronto! Algum progresso com nosso braço?— disse True à sua alma.
Não muito. Esse vapor que surge de nosso braço direito ainda me parece um mistério, mas posso afirmar algo.
True dobrou sua atenção e recuou alguns passos para que não se arriscasse.
Ela responde à nossa vontade de lutar. A garra de nosso braço esquerdo reage apenas pelo fato de estarmos em um combate, mas nosso braço respectivo ao do anjo é diferente - continuou Taiji.
Está dizendo que o braço direito vai reagir quando canalizarmos nossa determinação?
É exatamente isso. A energia pura é criada desse sentimento. Portanto, concentre toda a energia no braço direito, deixe que a vontade de seu coração se manifeste! Tenho certeza de que irá funcionar!
Ótimo, mas está esquecendo de que não sabemos o que pode acontecer. Pode surgir qualquer coisa, como a garra da mão esquerda.
True, eu não sei como explicar. Eu apenas... sei. Confia em mim?
True ficou pensativo por um instante e sorriu.
É claro que confio! Senão, era o mesmo dizer que não confio em mim.
No ínterim do diálogo de True com sua alma, Acauã o observava atentamente. Até que ela percebeu uma mudança brusca na aura do garoto.
O que é isso? Mesmo a esta distância consigo sentir um aumento na sincronização daquele garoto... Seja lá o que ele fez, a alma está respondendo perfeitamente. O que ele estará pensando? - refletia a tutora.
True recuou o braço esquerdo e se concentrou em seu direito. Ele fitou Piatã brevemente e deixou que o sorriso se manifestasse em seu rosto.
Vamos, Taiji! — pensou True e iniciou sua corrida.
Piatã avistou a investida em linha reta e alinhou o escudo. Diferente do início do confronto, não estava confiante quanto ao lugar onde True atacaria. Nos últimos assaltos, True demonstrou se aperfeiçoar na esquiva e atacar onde não é esperado. Em apenas um combate, o garoto havia absorvido completamente o conhecimento que Acauã lhe passou em palavras.
True começou o avanço com confiança, mas assim que seu olhar encontrou o de Piatã, ele temeu que não conseguisse.
Não desvie seu olhar!— disse Taiji ao sentir o medo começar a assombrá-lo. - Olhe para frente, True! Não há nada a temer! Lembre-se de nossos objetivos! Precisamos salvar Ducy e alcançar o coração perdido de Esmeralda, e para isso, alguns obstáculos estarão em nossa frente. Piatã é apenas mais um deles, assim como subir os andares de nosso dormitório no auge da noite! Tudo o que precisamos fazer é...
Superá-los! - respondeu True, e naquele instante sua alma sentiu a confiança retornar ao garoto.
Acauã, que assistia a luta sentada de longe, foi obrigada a se levantar para acreditar no que via. Algumas faíscas saltavam do braço direito do garoto, mas logo Acauã foi obrigada a corrigir seu pensamento.
Não são faíscas, são...
Brasas! — reconheceu Piatã atônito, que agora não tinha mais dúvidas que o ataque seria direto.
Agora, True! Acenda a chama de sua determinação!
Obedecendo às palavras de sua alma, True canalizou sua vontade de luta e focalizou seu oponente. O garoto náo mais via o robusto adversário que segurava o escudo fixamente na vanguarda, ele apenas via uma muralha que se opunha ao caminho de seus sonhos.
Acauã via as brasas rapidamente se transformarem em labaredas. O fogo tomava conta de cada centímetro do braço, fazendo-a imaginar se o garoto estava sentindo alguma dor, e se estivesse, como ele suportava.
Piatã, que manteve sua formação atrás do escudo, via o olho direito de True atingir um tom esverdeado, no lugar do castanho, que era a cor de seus olhos.
— Saia da frente! — berrou True, convencido que Piatã não passava de um obstáculo.
Com ímpeto, True golpeou o escudo do oponente com seu braço envolto em chamas. O bloqueio não suportou e se estilhaçou devorado pelo fogo. Piatã se via desarmado e antes que pudesse detê-lo, True manteve sua força e velocidade. O golpe atingiu seu colete, que suportou a investida por poucos segundos.
True liberou sua voz com um grito de batalha e obrigou as chamas a se multiplicarem. A sincronização de True com sua alma era invejável. O fogo respondia ao seu comando e alimentado com a vontade de superar o desafio imposto a ele, o garoto realizou seu último golpe.
Contraiu o braço e, após um estrondo provocado pela propulsão das chamas, golpeou a proteção no abdômen de Piatã. O homem robusto conseguiu manter-se firme por um instante, mas algo que ele não esperava aconteceu.
Como se os ferimentos do seu corpo fossem várias peças de dominó enfileiradas de pé próximas a outra, tudo começou a desmoronar. Ao ser atingido pelo soco chamejante em seu abdômen, Piatã recuou uma perna para que se equilibrasse, no entanto, os ferimentos nas juntas o fizeram perder a força e quando buscou apoio na outra perna, a mesma estava enfraquecida devido aos machucados. Sem equilíbrio, Piatã procurou impedir o avanço do golpe com suas mãos, ignorando as chamas que o envolvia, mas a mesma situação se repetiu. Com os pontos específicos do braço e ombros feridos, o forte e resistente braço de Piatã não foi capaz de aparar o golpe.
Seu corpo caía como uma muralha após várias de suas estruturas básicas serem destruídas. Piatã viu ali sua derrota.
Sem que pudesse fazer algo para impedir, o indígena foi jogado para trás. Seu corpo voou poucos metros e logo atingiu a areia, onde caiu abismado.
Acauã, apavorada, foi correndo checar se seu irmão estava bem enquanto True equilibrava sua alma novamente, dividindo a pouca energia restante para os dois braços.
Irmão, está tudo bem?
Esse garoto... sabe como dar um soco! - Piatã respondeu com seu senso de humor que parecia nunca ter fim. Ele mostrou para a irmã o colete derretido com o impacto das chamas e os vários ferimentos que o impediram de revidar.
Acauã olhou horrorizada o tamanho da força que a alma do garoto possuía. Ela virou para True confusa e esperou por uma explicação.
Despois que passei a ver Piatã, literalmente, como uma muralha, eu me baseei na Lei de Hooke. Se eu fizesse cortes em lugares estratégicos, comprometeria toda a estrutura do corpo - disse pondo a mão no queixo. - Quem diria que aquela escola irritante me ajudaria em uma horas dessas?
Lei de Hooke? - pensou Acauã atônita. - E ele conseguiu pensar em algo assim no calor da batalhai
Muito esperto, garoto — disse Acauã ao ajudar Piatã a levantar. — Vamos fazer um intervalo de duas horas. É o tempo que levarei para cuidar dessas feridas de meu irmão. Mas quando eu voltar...
Ela fitou o garoto, que notou seu próximo desafio prestes a ser anunciado.
Vamos ver como você se sai com um oponente de agilidade - falou Acauã. - Agora é você e eu, mas saiba desde já que não sou como meu irmão. Eu não fico parada no campo de batalha, esperando o golpe.
True engoliu em seco. Tinha certeza de que seria bem mais difícil enfrentar Acauã.
Uma hora foi adicionada ao tempo previsto pela tutora. True, assim como Piata, estava com muitos ferimentos para serem tratados. Nada muito grave, mas que precisavam de atenção.
True foi o primeiro a retornar para a arena e agora teria que enfrentar Acauã, uma mulher que não era, em nenhum ponto, fácil. Além da visão muito precisa de sua oponente, teria que lidar com sua velocidade e equilíbrio.
Acauã chegou logo em seguida, mas sem o irmão, que continuava na enfermaria tratando os cortes causados pela garra da mão esquerda do Taiji. Sem haver a necessidade de esperar por Piatã, eles deram início ao treinamento.
True pensou rápido e se protegeu entre os pilares, desse modo, dificultaria Acauã de acertá-lo. As balas que a tutora usava eram de borracha, garantindo que o garoto não corresse risco de morte, pelo menos, não quando era ela quem estava com o dedo no gatilho. Apesar de saber disso, True ainda não queria ser atingido pelos projéteis e antes que sua instrutora realizasse qualquer disparo, investiu dirigindo o mesmo soco que derrotou Piatã, mas o resultado foi diferente. Ela se esquivou com facilidade, e como ele estava muito próximo, Acauã deu um chute lateral que acertou em cheio o abdômen do garoto, fazendo-o cair sentindo o impacto do chute.
Durante os primeiros minutos não houve grandes mudanças. True foi obrigado a manter-se na defensiva enquanto Acauã esperava o momento oportuno para acertá-lo. Houve algumas tentativas do garoto atingi-la com seu braço em chamas e com sua garra, mas todas resultaram em novos hematomas onde as pequenas esferas de borracha atingiram.
- E só isso? Se quiser me acertar terá que ser bem mais rápido garoto!
True ouvia as palavras de sua tutora enquanto se escondia atrás de uma das pilastras.
Isso não é bom! Se continuar assim eu não vou conseguir vencer!— pensou True preocupado. Ele estudava suas opções, mas a cada tentativa se via sem idéias. Mais uma vez fitou seus braços. Apesar de ter dominado o fogo de seu braço direito, não sabia como deveria usar o esquerdo. Ele sentia a pulsação de seu braço respectivo ao seu lado corrompido pedir para lutar; no entanto, aquilo apenas o deixava mais hesitante em usá-lo.
- Preciso arriscar! - disse para ninguém em especial.
Quando True se virou para ir ao encontro de sua adversária, encontrou Acauã a pouco mais de um metro, estendo sua arma que apontava para sua cabeça.
Essa não! — espantou-se o garoto, reagindo por reflexo ao som do disparo e voltando ao local que lhe fornecia proteção.
Ele estava ofegante. Ao menos o susto serviu para deixá-lo mais alerta. Enquanto sua respiração se normalizava, pôde ouvir o som das armas de Acauã sendo recarregadas e viu ali sua chance de investir.
True deixou a proteção e avançou com toda a velocidade contra sua oponente, dirigindo um soco chamejante na altura do ombro. Acauã não esperava pelo golpe, mas reagiu a tempo para esquivar e contra-atacar com um chute. Imediatamente, ela descarregou rajadas contra o garoto que recuava a cada impacto.
O seu corpo doía e quase não tinha forças para levantar, no entanto, o garoto foi obrigado a reagir rapidamente quando escutou os passos de sua adversária irem à sua direção. Levantou vagarosamente e fez o que pôde para se mover para a próxima pilastra. Acauã o seguiu e não deu descanso para o garoto que tentava a todo custo se esquivar.
Acauã se movia velozmente pela área das pilastras, procurando por sua vítima. True tentava enganá-la com movimentos do corpo, simulando que ia para uma direção quando ia para a outra. Sua estratégia funcionou no início, mas logo Acauã conseguiu prever seus movimentos e True foi obrigado a deixar a área se não quisesse ser pego.
O jovem paladino criou suas chamas e atingiu o chão em um golpe intenso, criando uma cortina de poeira que escondeu sua presença.
Sem conseguir vê-lo, Acauã não hesitou e dirigiu novas rajadas com suas armas de repetição aleatoriamente pela cortina de areia que se levantou. Alguns projéteis atingiram o alvo e True sentia seu corpo cada vez mais pesado. Ele estava cansado de fugir e não agüentaria continuar por muito tempo. Tudo que ele pensava em fazer era acertar sua exímia oponente à distância.
True, tente fazer alguma coisa! Você esta perdendo a concentração!— Taiji tentava reanimá-lo, ciente da exaustão de seu corpo.
A cortina de poeira começava a se assentar. True tinha que agir rápido e procurou se afastar o mais rápido que pôde. Ele se arrastava pelo terreno arenoso até que suas costas bateram em algo que True não se lembrava de estar ali. Ouviu o balançar de algo feito de madeira, então ele se virou e reconheceu o suporte preso à parede onde se guardavam lanças, espadas e outras armas de combate. No entanto, no suporte, apenas estava um bastão abandonado, o qual estava velho e aparentemente não lhe era muito útil.
Você perdeu, garoto - disse Acauã, apontando suas pistolas em direção ao peito desprotegido de True.
O garoto se assustou com a presença da oponente. Ele imaginava que tinha se afastado o suficiente para que lhe desse algum tempo para pensar, mas estava enganado.
Eu não quero atirar. A essa distância pode ser muito doloroso, então desista - continuou a tutora.
Bem devagar, True levantou suas mãos na altura da cabeça, com as palmas viradas para a tutora.
Acabou - disse Piatã entristecido. - Por um instante pensei que ele venceria — continuou enquanto passava a mão pelo cabelo bem aparado.
O indígena olhou em volta da arquibancada e encontrou Edgar em um canto mais distante. O Silvermoon bufou e deu de ombros quando começou a anotar o resultado do treinamento para entregar ao Light.
Se pelo menos tivéssemos mais tempo.., - Piatã se levantou, espanou a areia de sua calça, que havia pousado quando a cortina de poeira se manifestou, e em seguida se dirigiu ao encontro da irmã.
Eu ainda não ouvi — insistia Acauã para que o derrotado garoto assumisse a derrota.
True mantinha-se em silêncio, pensativo.
Deixe disso, irmã. Ele perdeu. Acabou. Não precisa humilhá-lo!
Não o estou humilhado - retrucou. - É apenas mais uma lição. Se fosse uma batalha real, ele já estaria morto! E preciso que ele perceba que perdeu.
Piatã pôs as mãos na cintura e bufou, balançando a cabeça em desaprovação.
O que vai ser, garoto? — ela voltou ao aluno.
True estava cabisbaixo, e quando ergueu a cabeça, encontrou os olhos de Acauã.
Quer me ouvir dizer que perdi? Pois muito bem... - True arquejava, mas não desviou seu olhar da tutora. - Meu corpo perdeu.
Piatã se dirigia para deixar a arena, mas parou quando ouviu as palavras do garoto. Edgar teve a mesma reação.
Seu corpo? — Acauã indagou franzindo as sobrancelhas.
True assentiu.
Meu corpo é fraco, não possui muita resistência. Minha mente não é tão brilhante para criar estratégias muito elaboradas.
A medida que pronunciava aquelas palavras, True levava suas mãos para trás, em um movimento quase imperceptível.
Porém, minha alma é forte! E é ela que me faz ser incapaz de desistir!
Em um rápido movimento, True pegou o bastão que estava suspenso no suporte a um passo de distância de suas costas e o incidiu contra a oponente.
Não me subestime, garoto! Um bastão não vai me...
Booom! Ouviu-se um estrondo assim que Acauã se esquivou e True atingiu o chão com sua nova arma.
O que foi isso? - disse Acauã atônita em sua língua indígena.
Por reflexo, a tutora havia recuado o suficiente para que não fosse atingida, mas não imaginava que o bastão pesava tanto para criar tamanho estrago.
Piatã também foi pego de surpresa e voltou para a arquibancada, junto a Edgar, com um sorriso no rosto.
Vamos à prorrogação - brincou.
Uma nova cortina de areia se levantou e com ela um zumbido que tomou conta do local. Piatã, que assistia, o treinamento a olhou para a irmã para certificar-se de que ela sabia o que fazia o barulho. Ela respondeu dando de ombros. A visão que a alma da águia dava à Acauã era inútil com aquela nuvem de poeira que escondia o garoto, foi então que viu um objeto ser atirado de onde True estava em direção a ela. Surpresa com o ataque inesperado, ela foi forçada a se jogar para trás, caindo ao chão para se esquivar. O objeto foi puxado de volta para a nuvem de poeira que se assentava.
Acauã agora podia ver claramente o que True segurava. Os olhos da tutora se arregalaram admirados com o que via. True havia materializado uma foice que estava presa por uma corrente, substituindo o bastão que usou. Ele apoiava o cabo da foice com uma das mãos enquanto a outra enrolava o final da corrente no braço para garantir que ela não escapasse de suas mãos.
Minha nossa! - Piatã levantou para poder olhar melhor a arma que o garoto criara.
A foice era negra com alguns detalhes prateados e sua lâmina parecia bastante afiada. Piatã se perguntava como True conseguiria usá-la sem passar por um treinamento prévio. Aparentemente, a foice era pesada e para se usar a corrente, certamente precisaria de certa perícia.
Quase a peguei - True disse orgulhoso de si com a ótima combinação que tinha feito. A foice é uma arma de médio alcance, com a corrente amarrada a ela, poderia aumentar esse alcance arremessando-a e, além disso, arremessaria girando como se fosse um laço, ganhando 360° e um raio de l,20m. Aquela era uma arma que poderia ser usada em um combate de curta e longa distância.
Taiji, por que não me disse que era capaz de criar algo assim? - indagou True animado.
Eu não sabia. Quando pegou o bastão, deixei que minha energia fluísse pela arma, o que a transformou na foice. No entanto, ela não parece ser uma arma normal...
O que quer dizer?
Apesar de ter nascido da fusão de nossa energia, tanto pura quanto corrompida, e do bastão, sinto que ela não pode ferir uma pessoa. A lâmina é capaz de cortar objetos inanimados, mas, no caso de um ser, acredito que ela atinge a alma ao invés do corpo.
True fitou sua foice e tentou imaginar que segredos ela teria. Por um instante hesitou em usá-la, mas não tinha opção. Ele tinha que ganhar aquela luta, de outro modo, não poderia fazer parte da rebelião. O destino de Esmeralda, Ducy e de toda a América do Sul estava em suas mãos. Decidiu que não sairia dali sem uma vitória.
Acauã, percebendo o perigo, correu até os pilares onde poderia usá-los como escudo.
- Não vou permitir! - disse True. Ao entender o que sua habilidosa oponente queria, jogou sua foice mais uma vez. Acauã já imaginava que ele faria isso, então com sua visão avançada viu a foice se aproximar lentamente, e quando chegou perto o suficiente, ela deu um salto e usou a foice como apoio para dar outro salto. True não acreditou no que viu, ele sabia que sua oponente tinha uma visão bem melhor que a dele, mas não imaginou que ela era capaz de se apoiar na foice em movimento, o que provavelmente foi possível graças ao equilíbrio que a alma da águia proporcionava.
True se levantou com dificuldades, mas sua expressão obstinada não havia mudado.
A batalha contra Acauã está nos levando ao limite. Enquanto Piatã é lento e resistente, Acauã é rápida e mortal— comentou Taiji. - Apesar de serem irmãos gêmeos, são ambivalentes.
Ambivalente? Ambivalência! E isso, Taiji! Libere o restante da energia. Eu tenho um plano.
Taiji, que compartilhava a mesma mente que True, logo entendeu a estratégia do garoto.
True investiu veloz em direção à área dos pilares. Ele corria alternando as direções para que dificultasse a mira de Acauã. Porém, mesmo seu oponente estando em movimento e realizando movimentos alternados, a indígena foi capaz de acertá-lo, mas com uma quantidade menor de disparos.
Assim que o garoto alcançou os pilares onde Acauã se escondia, antes de adentrar, ele cravou a lâmina de sua foice em um dos pilares e investiu com sua garra contra a tutora. Acauã desviou facilmente, fazendo seu oponente atingir o pilar que estava detrás da tutora.
Taiji, essa corrente tem um limite de extensão? - True procurou saber.
Desde que tenhamos energia, ela poderá aumentar o quanto desejarmos. — explicou.
True enrolou o braço direito com o fim da corrente e continuou suas investidas contra Acauã.
O garoto fizera várias tentativas, mas todas terminaram com o mesmo resultado. Ele investia com sua garra da mão esquerda, e Acauã esquivava sem nenhum esforço, obrigando True a atingir o pilar do local onde estava. Enquanto se movimentava, a corrente se alongava. True não interrompia os ataques e os intervalos eram somente o tempo dele retirar a garra que penetrava nos pilares.
Cansada daquele jogo, Acauã começou a reagir. Por ora, apenas continuou a se esquivar até que encontrasse um ângulo para disparar com sua arma. Quando teve a chance, ela mirou sua pistola no abdômen do garoto, onde ele fora atingido inúmeras vezes, e disparou. Porém, algo inesperado ocorreu.
O ângulo e o tempo haviam sido perfeitos e atingiria seu alvo exatamente onde Acauã queria que atingisse. Contudo, ela não contava com um bloqueio. Quando a tutora estava prestes a tirar, True percebeu o movimento ao ler sua expressão e rapidamente pôs o braço esquerdo na frente do corpo. Dele surgiu um escudo, feito de um rijo gelo que repeliu o projétil.
Um escudo? — pensou Acauã. — Desde quando ele é capaz de criá-lo?
Após o fracasso, a tutora não se entregou. Continuou a disparar sem cessar, obrigando True a recuar. Ora o garoto repelia as balas com seu escudo, dando uma importância maior aos pontos vitais, ora ele usava os pilares para se esconder. Alguns projéteis atingiam algumas partes da perna e braço, mas True parecia não se importar, uma vez que sabia que se desfizesse a proteção em lugares mais frágeis, poderia ser atingido pela exímia atiradora.
Mais algumas tentativas ocorreram até que True começou a recuar a uma distância maior. Ele atravessou toda a área até que se abaixou e pulou para fora da área dos pilares. Acauã, que o seguia, esbarrou com a corrente que estava enrolada pelo lado de fora e dava voltas pelos pilares, impedindo seu avanço.
True saiu no mesmo lugar por onde tinha entrado. A foice ainda estava presa ao pilar e o garoto logo a recuperou. Acauã, ao perceber o perigo que corria, tentou recuar, mas novamente seu movimento foi impedido por uma corrente que estava estendida na altura de sua cintura, dando voltas pelos pilares.
Acauã olhou à sua volta à procura de uma saída e se surpreendeu com o que viu. Sem que ela percebesse, True enrolou sua corrente por todos os pilares, delimitando cada vez mais a área até que a prendesse.
- Você perdeu - disse True ao puxar sua foice e fazer toda a corrente imitá-lo.
Os locais onde True havia atingido com sua garra serviram para enfraquecer a estrutura dos pilares, para que fosse mais fácil derrubá-las. Acauã imaginava que estava se esquivando dos golpes, quando, na verdade, o objetivo de True sempre foi os pilares.
Assim que True se afastou puxando a corrente, toda a estrutura cedeu. Acauã se abaixou e buscou abrigo enquanto os pilares despencavam sobre ela.
Acauã! - Piatã gritava preocupado. Assim que presenciou os pilares caírem sobre sua irmã, ele se levantou imediatamente da arquibancada e correu ao seu encontro.
Ela está bem - True respondeu apontando para onde ela estava.
Acauã sentou sobre os destroços e começou a tossir no meio da imensa nuvem de poeira que tinha se formado com o desmoronamento dos pilares. Abrindo os olhos, viu que True erguia a mão para ajudá-la a levantar. Ela sorriu assumindo a derrota e aceitou a ajuda do garoto.
Piatã correu para ver o estado da irmã. Agora que ele a via de pé, sentiu um alívio por não ter se machucado. No lugar da preocupação, veio um forte sentimento de raiva contra o garoto.
Você ficou louco! Poderia tê-la matado! - Piatã estava com uma aparência bem zangada, mas True não se intimidou.
Não se preocupe, eu nunca tive a intenção de feri-la. Quando cravei minha foice no pilar, percebi que ele não era feito de um material resistente. Light provavelmente pensou na possibilidade deles caírem durante o treinamento, portanto os fez com um material mais leve, que não oferecesse perigo aqueles que usassem a arena.
Isso mesmo... - Acauã confirmou, mas foi interrompida devido à tosse. - Agora me diga, garoto. Quando aprendeu a criar aquele escudo?
Bem, foi quando Taiji comentou sobre os opostos — disse sem querer detalhar que sua alma falava das diferenças entre os dois irmãos. - Minha alma é o equilíbrio entre os opostos, pensando nisso, conclui que se um lado era fogo o outro poderia ser...
Gelo - Acauã completou e True assentiu.
Incrível. Ele conseguiu criar os dois elementos em uma única batalha. Com a experiência ele poderá controlar melhor esses elementos e será de grande ajuda para a Ordem — pensava a tutora admirada.
Você fez o certo em não desistir — ela continuou. — Aquilo foi um teste e você se saiu muito bem. Nunca esperei que me derrotasse e o resultado me surpreendeu. Mas se tivesse desistido em vez de continuar lutando, eu não poderia aprová-lo.
Então eu...
Acauã assentiu.
Você passou. Você está pronto para enfrentar Esmeralda.
True, feliz com sua vitória, viu que Acauã não era tão ruim como ele pensava. Na verdade, ela era muito bonita. Os cabelos negros, os quais estavam soltos, faziam uma perfeita combinação com a pele morena, além de sua aparência indígena lhe dar certo charme. Podia ser rigorosa, mas seu critério de avaliação era correto.
Edgar resmungou por ter que apagar seu relatório e reescrevê-lo agora que True ganhara. O Silvermoon agradeceu por seu dever ter chegado ao fim, ele não agüentaria ficar mais tempo intercalando entre os locais que eram realizados os treinamentos.
True, exausto, desabou na areia com o corpo esticado.
Não consigo dar nem mais um passo - murmurou o garoto.
Deixe de ser mole! — a aprovação de Acauã se foi rapidamente.
Piatã não hesitou em sorrir.
Tudo bem, irmã. Deixe-o descansar. Eu o carrego até a enfermaria para ter certeza de que não houve nada grave.
Piatã, você é um cara legal — True agradeceu em um bocejo. Sentia suas pálpebras pesarem e logo adormeceu. Sua sincronização foi desfeita e junto a ela a foice desapareceu.
E pensar que eu perdi para um moleque desse - resmungou a tutora. - Devo estar envelhecendo.
Ora deixe disso, irmã. Você é ainda muito jovem - sorriu. - Vai me dizer que não reconhece a força desse garoto? Ela é a mesma força que nos fez lutar e despertar nossas almas naquele dia. Esse garoto não luta para si, luta pelos outros.
Acauã parecia remexer em suas lembranças, mas, por fim, concordou com o irmão.
Talvez tenha razão... — disse. — Dessa vez — acrescentou com um sorriso.
Capítulo 12
O início da rebelião
Light reuniu todos novamente na sala de reuniões para debater os últimos detalhes do plano e algumas modificações que tinham feito. True agora que sabia o caminho não foi o último a chegar à sala. Assim que todos se reuniram, Light começou:
- Como havia dito, eu e Laura ficamos encarregados em observar possíveis erros no plano. Foram poucos, mas existem. O primeiro problema que vimos foi a nossa defesa. Enquanto os soldados possuem uma farda que não é feita por um material qualquer, nós apenas temos roupas comuns, foi pensando nisso que decidimos avaliar a farda de um soldado que foi capturado por nós e descobrimos como aquele material foi fabricado. As roupas que usaremos na invasão serão feitas desse material. Outro ponto fraco é a nossa comunicação, se houver problemas com um dos nossos grupos, o plano poderá falhar. Por exemplo, se o grupo encarregado em entreter os guardas não concluir com êxito, o grupo que estiver invadindo correrá grande perigo, pois estarão com a guarda baixa pensando que o grupo encarregado fazera seu papel. Como solução, decidimos acrescentar na roupa um pequeno rádio que nos manterá em comunicação e a mensagem será enviada para todos os membros. Um último possível erro que analisamos seria se True não conseguisse impedir Esmeralda, mas de acordo com o relatório de Edgar e dos instrutores responsáveis por seu treinamento, foi concluído que ele tem total habilidade para impedi-la.
True encarou Piatã e Acauã que sorriram para o garoto.
- A invasão acontecerá amanhã. Hoje quero que vocês descansem para que estejam com toda força. A partir de agora estarão dispensados para fazerem o que quiserem o resto do dia.
Light é uma pessoa muito sábia, ninguém questionava suas decisões. Ele sempre pensava no bem estar de cada membro. Mesmo ansiando o início da invasão para libertar a América do Sul, sabia que Aline, True e os instrutores estavam exaustos com os treinamentos.
Romeo chamou Aline para que fossem à área de alimentação conversar e comer alguma coisa, convite que ela aceitou animada. Acauã e Piatã chamaram True para contar histórias indígenas de seus antepassados, o garoto adorava histórias antigas e então foi com os irmãos sem pensar duas vezes. Edgar e Laura foram ver como andava a fabricação das roupas e Light aproveitou que todos estavam ocupados e foi averiguar como andava sua base: checar como estava o estoque de comida, o gerador que era fiscalizado pelos engenheiros bem capacitados e como andavam seus ajudantes que viviam lá há bastante tempo. Também anunciou para toda a base que no dia seguinte colocariam a operação de libertação em prática, a base inteira comemorou.
As horas passaram voando para todos. Passar o dia descansando foi ótimo para que se esquecessem da tensão do dia seguinte. Romeo se encantava por Aline cada vez mais e ela também parecia sentir o mesmo. Eram quase 23h da noite quando todos se despediram e foram para seus respectivos quartos para dormirem, pois no dia seguinte teriam que acordar cedo para iniciar a invasão. Todos, com exceção de Romeu, que decidiu fazer uma visita antes de se recolher.
Laura estava se preparando para dormir quando ouviu batidas em sua porta, o que a fez se perguntar quem poderia ser àquela hora da noite. Imaginando que fosse Aline ansiosa pelos acontecimentos, Laura atendeu ao chamado. No entanto, quando abriu a porta, soube que não era Aline quem a procurava, mas alguém que ela não esperava ver tão tarde da noite.
- John?
- Imaginei que você não estivesse dormindo - disse Romeo enquanto demonstrava que não pretendia entrar. — Vim aqui e quero que você apenas me escute.
Laura estreitou os olhos, irritada com o tom de voz do ex-marido, mas não ousou dizer sequer uma palavra.
Eu não sei que loucura passou pela sua cabeça e da sua família para partirem naquele dia sem me darem uma explicação. Mas eu não me importo, não mais. Você me deixou uma cicatriz quando partiu, e ela é a prova que você não me amava. Então, independentemente do que aconteça amanhã, a relação que um dia tivemos não existem mais.
Não existe? - retrucou Laura logo em seguida. - Então por que continua com o nome de Romeo? Por que permite que todos o chamem por esse nome ao invés de John, que é seu verdadeiro nome? - ela deu um tempo para que ele pensasse e continuou. — Tem certeza de que não quer saber o motivo de tê-lo deixado?
Romeo não respondeu. Ele ficou mudo por um tempo até que disse simplesmente:
Adeus, Laura.
E partiu, deixando-a com seus pensamentos.
Romeo caminhava silenciosamente pelo andar dos dormitórios até que chegou ao seu respectivo aposento, porém hesitou ao abrir a porta.
Maravilha... Agora não vou conseguir dormir...
True rolava de um lado para o outro, não conseguia pegar no sono. Em sua mente memorava cada detalhe da invasão; caso ele falhasse, seria horrível para o plano. Dúvidas paravam sobre sua cabeça, impedindo-o de dormir. Então, resolveu andar pela base para esvaziar a mente. Assim que deu o primeiro passo para fora do quarto foi surpreendido por Light que passava pelo local.
Dificuldades para dormir? - Light indagou já imaginando a resposta.
Sim. Você também?
Sou uma pessoa ansiosa, apesar de tudo. Imaginei que você também estaria inquieto e vim te chamar para ir à superfície.
Superfície? O que vamos fazer lá? - True perguntou sem entender, a base era enorme podiam ficar por lá até a ansiedade passar.
Romeo, Acauã e Piatã também estão lá. Os irmãos fizeram uma rogueira para ficarmos conversando debaixo do céu que está cheio de estrelas.
Depois de passar o dia com eles, True sabia que isso era típico dos irmãos indígenas. Ele aceitou o convite.
Sairam pelo túnel que levava à floresta de onde tinha vindo, quando chegaram lá, True viu Romeo e os irmãos sentados em volta da fogueira.
True! Que bom que você veio! Sente-se e junte-se a nós - Piatã convidou sorridente.
Light e True sentaram em um pequeno tronco que servia como assento. Piatã estava terminando de contar as histórias de seus antepassados para Romeo, as mesmas histórias que contara para True mais cedo. Depois que Piatã terminou, fez-se um enorme silêncio em volta da fogueira, todos estavam pensando no dia seguinte. Percebendo isso, Light propôs:
Eu tenho uma idéia que pode afastar esse sentimento de angústia.
Todos encararam Light esperando pelo que ia falar.
Podíamos falar os motivos que nos levaram a fazer parte desta organização. O por quê de amanhã irmos para o campo de batalha.
True entendeu o objetivo do líder, fazendo com que cada um falasse o motivo pessoal de estar ali e, assim, acendendo a determinação de cada um novamente.
Certo, eu começo - Light disse antes que alguém desistisse do passatempo. — Criei esta organização primeiramente para encontrar meu irmão gêmeo, Arthur, que há muito tempo está desaparecido. Além disso, vi que muitas pessoas passavam pela mesma situação, as famílias foram separadas com a ditadura, e isso é muito triste em minha opinião. Meu objetivo é acabar com a ditadura para que as famílias se unam de novo.
Quando Light terminou, viu que True o encarava de uma maneira diferente, então pensou nas palavras que dissera e entendeu o espanto.
Eu não contei a você que tinha um irmão gêmeo?
O garoto balançou a cabeça negativamente com veemência, queixando-se mentalmente por ser o único não informado.
Eu e meu irmão nos separamos quando éramos crianças. Minha mãe viajava muito e em uma dessas viagens Arthur foi com ela, porém era uma viagem sem volta. Minha mãe sofreu um acidente e morreu, no local do desastre, o corpo de meu irmão não foi encontrado, mas testemunhas disseram que o viram entrando no carro junto a ela antes do acidente. Desde então está desaparecido.
Enquanto Light falava, retirou um pequeno camafeu que estava em seu pescoço e, dentro dele, continha a foto de seu irmão ao seu lado. Nela, os irmãos deveriam ter cerca de 8 anos, eram idênticos, poucos conseguiriam diferenciá-los.
True ficou realmente surpreso com a notícia, não imaginava o fato e refletia o motivo de Light não tocar com mais freqüência no assunto, mas logo seu pensamento foi cortado com a fala de Acauã.
Acho que é a nossa vez - disse indicando que o motivo era mútuo entre ela e Piatã. — Estou aqui porque quero mostrar a toda a minha tribo que posso me tornar uma guerreira. E como sabem, por sermos gêmeos, somos indesejáveis entre nosso povo.
True fez uma expressão de dúvida e Light logo explicou:
Algumas tribos acreditam que gêmeos representam o bem e o mal. Um trará a harmonia para a tribo e o outro a encarnação do mal, nasceu para amaldiçoar a tribo. Por não saberem quem é o bem e quem é o mal, sentenciam os dois. As formas variam desde enterros à abandonos.
Isso é inumano! — exclamou True atônito. — Como sobreviveram?
No dia de nosso nascimento, quando fomos enterrados vivos, por obra do destino o pai de Light fazia um estudo no Brasil sobre a cultura indígena e sua arquitetura. Foi naquele dia, enquanto estudava nossa tribo, que ouviu nosso choro. Piatã foi meu salvador. Até onde sei, por milagre, meu irmão ficou em uma posição que manteve uma fenda, permitindo que o ar circulasse a três palmos abaixo do solo.
True ouvia tudo surpreso, não imaginava que os irmãos haviam passado por algo dessa magnitude.
Meu pai, em parceria com um órgão federal responsável na época, cuidou deles até que convencessem a tribo a nos aceitar em seu meio. O fato de meu pai ter filhos gêmeos foi o que ligou nossas histórias — explicou Light.
Demorou algum tempo, mas voltamos. Porém, nem tudo acabou ali. Ainda não éramos completamente aceitos pela tribo. Olhares de reprovação como se fôssemos demônios — continuou Acauã com : olhar fixo na fogueira de onde se ouvia o estalar dos galhos. - E se não fosse o bastante, não me deixaram fazer o que eu sabia fazer de melhor: caçar.
Esse sempre foi o dom dela, mas óbvio que não a deixaram fazer um trabalho de homem - concordou Piatã. - O maior problema era que nosso povo ainda se perguntava qual de nós levava o mal encarnado, e com o interesse incomum de Acauã, suspeitaram dela - os ouvintes notaram quando o homem robusto se entristeceu. Quando viu que as pessoas o fitavam, logo recuperou o bom humor. — Ela nunca foi do tipo 'dona de casa, vocês podem perceber.
Acauã estreitou os olhos golpeou o irmão com um soco no braço, o que ocasionou um momento de risos e descontração.
As suspeitas estavam ficando fora do controle e por um momento pensei que seria morta. Apesar de meu irmão ter me acalmado inúmeras vezes, eu não conseguia me conter, ficava cada vez mais irritada com aqueles olhares... - recordava-se. - Até que começou a ditadura. Nossa tribo foi atacada e nossos guerreiros foram derrotados facilmente. No fim, restava apenas eu e meu irmão; os outros estavam presos ou haviam sido mortos. E por mais que fossemos tratados de maneira preconceituosa, ali estava nossa família, tínhamos que protegê-los.
Foi quando despertaram suas almas - True concluiu e os irmãos assentiram.
Conseguimos evitar o pior e nosso povo se abrigou na mata. Alguns vieram se abrigar aqui no Rio, entre eles, nosso pajé. Mas a partir daquele dia juramos que libertaríamos nosso país e, assim, ganharíamos o respeito de nosso povo.
Essa é uma história para poucos - True admitiu em sua mente. Os irmãos indígenas tiveram muita sorte naquele dia ou, talvez, realmente fosse o destino agindo ali. Era para os bebês morrerem como na tradição, porém o pai de Light esteva lá naquele dia. O garoto agora se perguntava se a existência de Acauã e Piatã significava algo mais. Se eles conseguissem alcançar seus objetivos, poderiam mudar o pensamento daquele povo.
Agora era a vez de Romeo. True arrumou a postura no assento para que ficasse mais confortável e esperou que ele começasse. Ele já sabia da história trágica de Romeo e sabia que todos ali também estavam cientes.
Eu sei que vocês conhecem minha história, mas não sabem toda a história.
Todos se olhavam na dúvida sobre o que ele poderia estar falando. Light era o único que o conhecia bem. Viu tudo o que passou quando fez Romeo voltar a ser um puro e desde então os dois procuram por novos membros.
Como sabem, para que eu restabeleça meu mundo, é preciso que eu obtenha um amigo e companheira leal. Mas esses requisitos são, na verdade, para que eu possa concluir certo... rito - disse Romeo, e True pôde notar um momento de hesitação, como se sentisse envergonhado por dizer o nome daquilo que verdadeiramente queria. - A princípio parece algo simples, porém é preciso ter habilidade, fruto de confiança, honestidade e sentimentos do casal, chamada de Laço. O Laço é capaz de unir os mundos dos parceiros e elevar suas habilidades a um nível inimaginável. Com tal habilidade, não haveria general que nos impedisse — concluiu com um sorriso e um olhar reluzente.
Então é por isso que esses dias têm passado muito tempo com a Aline — Acauã disse zangada e do mesmo modo que o sorriso nasceu no rosto de Romeo, desapareceu.
Não pensem coisas precipitadas! - irritou-se. - Eu me aproximei de Aline sabendo, sim, que ela poderia ser aquela que estou procurando, mas nunca pensei em usá-la para obter esse poder. Nesses dias tenho passado muito tempo com ela por ser uma garota interessante, e não por ambição.
True notara como o amigo havia dado atenção em aquela. Até o momento, o garoto pensava que o veterano estava atrás de uma companheira qualquer, mas, ao que parecia, se tratava de alguma garota específica. Ele ficou feliz pelo amigo, depois de sofrer tanto talvez voltasse a ser feliz ao lado de Aline.
E antes que pudesse dar asas à sua imaginação, foi interrompido quando percebeu que todos o observavam, agora seria sua vez de explicar seus objetivos.
Bem... — True começou sem saber o que dizer. - Assim que conheci Light, ele me explicou sobre as almas, os puros e os caídos. Então percebi que aquela seria uma ótima oportunidade para tomar um rumo diferente, üu não gostava da vida que levava: acordar, ir a uma escola onde é ensinado coisas que não concordo, ser obrigado a conviver com pessoas que só falavam comigo por obrigação...
Naquele momento, o garoto se lembrou da escola onde não tinha nenhum amigo e percebia que agora estava cheio de companheiros valiosos que o ajudavam.
Eu também quero salvar Ducy e Esmeralda. Para tanto, tive que me juntar à organização, que prometeu me ensinar a controlar minha alma - ele agora lembrava o que lhe motivava e estava determinado: salvaria Esmeralda no dia seguinte e, em seguida, Ducy.
True se levantou e agradeceu às pessoas que estavam na fogueira.
Obrigado, Light, por me lembrar de meus objetivos e por tudo o que tem feito. Eu também agradeço a vocês: Piatã, Acauã e Romeo; por me ajudarem a ter uma chance de alcançá-los - assim que terminou, ele se virou para que entrasse no túnel onde o levaria de volta à base.
Esse moleque fala cada bobagem - Acauã disse virando o rosto para que não vissem que tinha se emocionado com as palavras do garoto.
Light avaliava o garoto enquanto caminhava até o túnel. Ele sorriu e sentia que suas expectativas estavam certas.
Todos, assim que levantaram e fizeram o desjejum, se encontraram perto do túnel que conectava a capital com Niterói. Laura distribuía as roupas respectivas de cada um. A roupa de True era uma regata branca com capuz e uma calça comprida preta, nas costas foi colocada a imagem do yin-yang. A roupa de Romeo era similar a de True, a diferença era a regata cinza com a figura do lobo nas costas. A roupa de Aline e de Laura era um vestido curto sem mangas e um short legging para que tivessem facilidade no movimento das pernas e braços, nos vestidos tinham o símbolo da família Silvermoon, a Lua cheia prateada. Edgar também possuía o mesmo tipo de calça que Romeo e True, apenas a camisa de manga o diferenciava, nela também foi bordado o símbolo da família Silvermoon. Acauã usava calça e uma blusa de mangas compridas de gola em "V", a águia nas costas da regata simbolizava sua alma. Piatã era o único que não possuía as roupas que foram feitas do material do exército, para ele foi feita uma armadura com o melhor metal que eles tinham acesso. O escudo tinha a figura do urso, a armadura foi guardada no porta-malas da viatura que usariam como disfarce. Light estava com roupas sociais, no lugar do paletó usou-se um sweater sem mangas sobre a blusa com a imagem de um anjo. Todas as roupas foram equipadas com rádios comunicadores, instalados nas golas.
Os ajudantes da base levantaram cedo para ver a partida das pessoas que lhes devolveram a esperança. Assim que todos se equiparam devidamente, se dividiram em dois grupos de acordo com o plano e se encaminharam à cidade. Fora da base, esperando por eles, tinha dois carros que se assemelhavam aos do exército.
Eram 5h30 da manhã e não havia muitas pessoas nas ruas. Quando os grupos se dividiram, a equipe um, que era composta por: True, Light, Edgar e Laura, foi à frente enquanto a segunda, composta por: Romeo, Aline, Acauã e Piatã, os seguia.
Antes de subirem à superfície, True, Light, Romeo e Aline vestiram um falso uniforme para se passarem por soldados. Enquanto os outros colocaram roupas comuns para parecerem civis.
Adeus, garoto yin-yang — Piatã despediu-se com seu conhecido bom humor. True entendendo a piada sorriu para Piatã, mas não o deixou sair impune.
Até mais homem-lata — retrucou e Piatã sorriu junto ao garoto.
Assim que o primeiro grupo saiu, o segundo foi logo atrás. Pouco tempo se passou e eles começaram a atravessar a ponte Rio-Niterói, que ligava a cidade à capital, mas para isso teriam que passar despercebidos pela fiscalização da ponte. Light, que estava dirigindo, avisou-os do perigo através do rádio:
Estamos nos aproximando da fiscalização, quero que todos, com exceção de True, diminuam o máximo sua sincronia com a alma.
O carro de Light foi o primeiro a parar seguido por Romeo. O soldado 5 e aproximou enquanto mais dois soldados davam a volta para fiscalizar o veículo.
Sangue, mente e alma pelo Führer! - disse o soldado em inglês britânico batendo no peito.
Light imaginou que aquilo seria um cumprimento, então imitou a saudação.
Estamos levando estes civis para serem julgados. Preciso que me permita a passagem.
O soldado olhou para seus outros companheiros para se certificar que estava tudo certo. Como Light havia imaginado, aqueles outros dois soldados eram rastreadores.
Podem seguir - falou o soldado quando os rastreadores indicaram que não havia nada com o que se preocupar.
O próximo era o carro que Romeo e os outros estavam. O primeiro grupo esperava mais à frente. Light olhava pelo retrovisor para poder ajudar caso algo desse errado.
O mesmo procedimento se repetiu, o soldado fez a saudação padrão e Romeo pediu passagem explicando que estava levando civis para serem julgados. No entanto, Aline estava muito nervosa, perdendo o controle de sua alma. Romeo pôde perceber ao notar a mão da garota que tremia. Os rastreadores sentiram a aura e quando iam interrogá-la, Romeo os impediu:
Escutem! Eu tenho que levar esses civis o mais rápido possível até o general e se o meu senhor perguntar o motivo da demora, vou dizer que alguns soldados, fiscalizadores da ponte, demoraram a me dar passagem! - ameaçou Romeo enquanto apanhou a mão da garota, que estava gelada, para acalmá-la.
Os rastreadores engoliram em seco, todos temiam o general e sabiam que uma ordem deveria ser cumprida perfeitamente, principalmente no prazo.
Podem passar! Só acalme sua amiga — disse um dos soldados.
Eu entendo seu medo - um dos rastreadores disse a Aline, batendo em seu ombro, imaginando que o medo que ela sentia era referente à punição do general. — Já presenciei a morte de muitos por fracassarem em suas missões.
Aline fez um gesto de concordância para o soldado rastreador e evitou encontrar seu olhar. Com a passagem permitida, o segundo grupo realizou a travessia.
Muito bom, Romeo - pensou Light vendo tudo pelo retrovisor.
Obrigada - Aline agradeceu ao amigo quando os soldados não podiam mais ouvir.
Agora que os dois grupos passaram pela ponte, apenas teriam que seguir caminho até as embarcações. O percurso era menor e a tensão cada vez maior.
Ambos os grupos seguiram sem problemas. Quando enfim chegaram ao local de embarque, Light avistou algo nada agradável.
Qual é o problema, Light? - True quis saber, imaginando que algo tinha saído errado.
Os barcos não estão aqui! Creio que eles mudaram a rota pra chegar à ilha.
Um soldado, vendo as duas viaturas paradas, foi em direção a eles para checar o que estava acontecendo.
O que está fazendo aqui, soldado - o homem perguntou.
Tenho ordens para levar estes civis ao general. Onde estão as embarcações?
Mudamos a rota ontem à noite, sua unidade não informou?
Passei a noite toda atrás destes civis - apontou. - Eles resistiram e fugiram quando estava escurecendo. Desde que os encontrei, segui direto para levá-los ao general.
O soldado examinou cada passageiro dos carros, achando que algo estava suspeito, perguntou:
Sabe que tem permissão para matar estes civis em caso de resistência. Por que não os matou?
E perder toda a diversão de vê-los sendo torturados pelo general?
O soldado deu um sorriso maldoso e por um tempo ficou pensativo como se recordasse das cenas. Então resolveu desistir das suspeitas.
Voltem pelo mesmo caminho que vieram que irão encontrar a ponte para a Ilha das Cobras, quando chegarem, um guia vai mostrar o novo local de embarcações para chegar à Malevolência.
Light cumprimentou o soldado e seguiu em direção à Ilha das Cobras.
"Malevolência"? - Aline indagou franzindo o cenho.
"Malevolência" foi o nome dado à antiga Ilha Fiscal, mas isso não é importante. Estamos correndo sério risco indo para lá. A Ilha de Cobras é um local destinado somente aos melhores, isto é, piores soldados. Quartéis luxuosos para aqueles que cumprem todas as ordens do general, mesmo sendo as mais baixas. Agora não é algo que estou pedindo. Se quiserem ficar vivos, não deixem que percebam nem um pouco da pureza de suas almas.
Light sabe como deixar alguém mais nervoso — pensou True engolindo em seco.
Ao chegarem na entrada que dava acesso à ilha, Romeo e Light estacionaram seus veículos e todos desembarcaram. Seguindo o plano, True, Romeo, Aline e Light escoltaram os falsos civis para poderem passar. Romeo levava consigo uma grande mala contendo todas as partes da armadura de Piatã.
Espere, soldado! — disse um dos homens que impedia a passagem para a ponte que levava a ilha. - O que querem?
Sangue, mente e alma pelo Führer! - disse Romeo e Light batendo no peito, procedimento padrão entre o exército. - Estamos levando esses civis para o general.
O soldado encarou os prisioneiros e sorriu.
Você prendeu um dos grandes — disse o homem ao encarar Piatã. — Tudo bem, vocês podem levá-los - Light, Romeo, Piatã e Acauã passaram sem problemas, mas quando chegou a vez True e Aline, foram barrados. - Quanto a vocês dois, esperem um minuto!
O medo tomou conta da mente de ambos, eles pensavam no que os teria delatado ou o motivo de terem sido barrados.
Precisamos passar! - retrucou o garoto.
Fique quieto, franguinho! - O segundo homem se envolveu, ele era maior e mais forte que a primeira sentinela.
Quem é esse aí? Nunca te vi na ilha antes - o primeiro homem perguntou.
Há poucas semanas completei dezoito anos, agora estou cumprindo ordens.
Não tente me enganar, franguinho! Um civil não pode se tornar um soldado, apenas aqueles que ajudaram o nosso Führer a conquistar a glória ou que seja reconhecido por ele, o que não deve ser o seu caso.
O coração de True batia forte, ele sabia que se continuasse do jeito que estava, seria descoberto.
E quanto a você, doçura - o soldado agora se dirigia à Aline, esticando sua mão para tocá-la no rosto.
Não me chame de doçura! Tenha mais respeito, soldado! — disse Aline se defendendo ao mesmo tempo em que agarrou o braço do soldado e o torceu. - Sou da guarda pessoal do Tenente-coronel, apenas tive um trabalho extra, encontrando esses civis foragidos. Caso não me deixe passar, creio que contarei uma boa história à minha superior.
O soldado se contorcia de dor e gritava para o parceiro o ajudar. A outra sentinela fitava boquiaberta a garota que aparentemente parecia frágil.
Largue ele, senhoria, por favor. Desculpe nosso engano, deixaremos você e seu soldado passarem - o segundo homem implorou.
Assim é melhor - falou Aline ao libertar o soldado.
Você teve sorte, franguinho - o segundo homem empurrou True, que perdeu o equilíbrio e caiu ao chão. — Vou levá-los ao local de embarcação, me sigam.
True se levantou, mas pode ouvir outros soldados zombando de sua situação.
Tudo bem, garoto? — Romeo indagou.
Nada que eu já não tenha passado antes — True respondeu e foi a caminho do grupo.
Quanto a você, Aline, se saiu muito bem.
Eu tive um ótimo professor - disse a garota sorrindo.
A medida que iam penetrando pelos arredores da ilha, puderam ver os olhares maliciosos de cada soldado que estava nas ruas. Os olhares acompanhavam seu caminho como se fossem presas para os animais famintos que os cercavam.
O barco está logo ali. Use-o para chegar até Malevolência. Eu vou voltar para o meu posto. Sangue, mente e alma pelo Führer!
O soldado se despediu, deixando finalmente o grupo a sós.
Estamos chegando ao nosso destino. Assim que todos desembarcarem, vou criar uma barreira ao redor da ilha para que não chegue reforços. Assim que eu criar, Edgar, Laura, Piatã e Acauã causarão o tumulto, essas algemas estão soltas, então não se preocupem - explicou Light.
Os grupos subiram a bordo e foram em direção ao seu objetivo. Eles sentiam medo, mas precisavam libertar a América do Sul naquele dia.
Quando concluíram a travessia e todos desembarcaram, Light perguntou através do minúsculo rádio:
Estão prontos?
Todos assentiram e então eles deram início à invasão. Piatã se libertou das algemas e arremessou uma granada, que Light lhe entregara, na multidão de soldados.
Estão soltos! — Romeo gritou para fingir a resistência dos civis.
Light rapidamente criou uma enorme barreira ao redor da ilha, impedindo que qualquer pessoa entrasse ou saísse dela.
Um alarme soou em Malevolência alarmando todos os soldados que estavam fora, dentro e sobre os muros. O grupo, aproveitando a confusão, correu em direção à entrada da base. Piatã se equipou rapidamente com sua armadura.
Que desordem é essa?
True parou quando reconheceu a voz de Esmeralda. Ele ergueu seu rosto e lá estava ela, a Tenente-coronel no andar superior, apoiada no parapeito. Mesmo com toda aquela situação, o garoto admirava a beleza da antiga colega de classe, mas ele sabia de seus deveres.
Esmeralda!
True criou sua foice e a arremessou sobre o muro, fazendo a Tenente-coronel desviar-se para não ser atingida. O garoto, conseguindo fixar a foice no topo, usou a corrente como apoio para escalar o muro.
Preciso falar com você! Por favor, não quero te machucar!
Você? Não o vejo desde que... mandei te matar - Esmeralda deu uma pausa e sorriu. - Espere um minuto, você me machucar? Está se esquecendo quem é a Tenente-coronel aqui?
Com True distraindo Esmeralda, o restante do grupo continuou o avanço no interior da base militar. No momento que entraram, outros soldados tentaram impedi-los, porém Romeo e Aline os derrotaram facilmente antes que chegassem a Light.
Enquanto o grupo avançava subindo uma pequena escada de aproximadamente oito degraus penetrando no interior da base, um dos soldados correu até o general para comunicá-lo da invasão:
General! Rebeldes estão atacando a base! Eles estavam disfarçados, por isso não pudemos prever o ataque. Nossas defesas não são suficientes para pará-los. Eles se dividiram em dois grupos de quatro integrantes. Um grupo está vindo até o senhor enquanto o outro está contendo nossas forças. Além disso, um deles criou uma barreira impedindo que nossos reforços da Ilha de Cobras entrem em Malevolência. Eles parecem ter ciência de nosso poder e acreditamos que o objetivo deles é matá-lo, senhor!
Matar-me? - A voz do general não tinha vida, as pessoas sentiam-se tristes apenas em ouvi-la. - Não me faça rir. Nossas tropas superaram os maiores exércitos da antiga era em menos de um dia. Então eu te pergunto seu insolente, acha que um grupo de quatro pessoas poderá me matar? - Enquanto falava, o general sacava sua espada da bainha.
O grupo avançava sem hesitar. A antiga Ilha Fiscal não foi totalmente reformada, mas para que fosse usada como base do general, algumas reformas foram feitas. Em vez de vários cômodos e divisórias, tudo foi unido criando um salão, somente o local onde o general exercia suas funções políticas era reservado. Light guiava o caminho até o general. Refletindo, Romeo queria saber como Light teria obtido a informação.
Light. Como você sabe sobre esta base?
Apenas capturei um soldado e entrei em sua mente. O mesmo que eu e Laura capturamos para estudar o uniforme.
Muito esperto.
Quando enfim atravessaram a sala que levava ao general, a porta do salão estava aberta. Romeo fez um sinal para que esperassem e fossem com cautela. Ele foi primeiro, andando perto da parede e esticando a cabeça para ver onde estava o general. O local estava escuro e vendo que não tinha problemas, fez um sinal para que avançassem.
Assim que entraram, as janelas foram abertas por um mecanismo moderno controlado pelo general. Agora que a luz tinha tomado conta do local eles puderam ver claramente uma lâmina atravessada em um soldado.
Que bom que vieram, tive que me entreter com meu subordinado enquanto não chegavam. Esperava que viessem os quatro, mas creio que o outro se perdeu durante o percurso - enquanto falava, retirou a lâmina do homem que acabara de matar, deixando que o corpo caísse sobre os pequenos degraus que elevava a cadeira onde o general estava sentado.
Os olhos de todos estavam direcionados para a figura sentada de pernas cruzadas, o rosto era apoiado pela mão esquerda, o qual também segurava o controle remoto das janelas. Seu rosto era belo, os cabelos muito curtos e morenos, os olhos eram escuros como a noite e a pele, bronzeada. O general se levantou e todos puderam ver como ele era alto e magro, deveria ter a altura de Piatã. A farda era negra e as mangas estavam dobradas, apenas o rosto, mãos e antebraço estavam descobertos.
Deveriam ter me atacado enquanto me levantava, seria o único instante que estaria sem equilíbrio. Agora que estou de pé, podem começar suas preces para seu Deus! - O general brandiu sua espada fazendo o sangue que estava na lâmina ser arremessado na parede; depois, esperou pelo movimento dos invasores.
Capítulo 13
A princesa da luxúria
Finalmente True estava frente a frente com a antiga colega de classe, a única pessoa que tinha despertado sua atenção. No dia anterior, pensava no motivo de querer tanto salvá-la. Seria apenas desejo? Não, há algo mais. "Algo que vi naquele dia" - pensou ele, lembrando-se de quando foi à Ilha das Cobras na aula extracurricular. True sempre admirou os lindos olhos verdes que Esmeralda possuía, mais do que qualquer curva de seu corpo. Ele via que em seus olhos havia algo mais do que seu título ou sua beleza.
O garoto avistou quando o restante de seu grupo adentrou em Malevolência, o que o acalmou, pois além de salvar a antiga colega, precisava garantir que o plano continuasse.
Você realmente acha que me impediu de detê-los? Eu não tinha interesse nos seus amigos. Ainda bem que eles foram até meu mestre, assim posso me divertir um pouco já que você está aqui e não precisarei sujar minhas mãos - disse Esmeralda, interrompendo os pensamentos do garoto.
True encarou Esmeralda pensando no interesse que ela tinha nele. Ele percebeu que a garota, que parecia mais uma mulher já formada, usava uma roupa bastante sensual, inapropriada para uma batalha. Pensando melhor, a luxúria era sua maior arma, então talvez a roupa que estava usando fazia parte de sua estratégia.
Por que você caiu?. — True foi direto ao assunto.
Eu "caí"? Por acaso esta me vendo no chão? — Esmeralda disse com ironia, com a mão na boca fingindo que estava pensativa.
True não aceitou as provocações de Esmeralda, sua consciência estava limpa de que tentaria da maneira mais fácil, caso ela não cooperasse teria que ser da maneira mais difícil.
O que quer comigo? - O garoto se lembrou de sua dúvida de poucos instantes.
Quero seu corpo. Você está malhando não está? Por que não me mostra seus músculos? — A cada pergunta ela dava um passo à frente abrindo os traços para alcançar o garoto.
True sabia que aquilo não levaria a nada. Esmeralda estava usando sua íbia para atraí-lo a uma armadilha. Infelizmente, o garoto teria que passar para força bruta.
Ele investiu em direção a garota e a dois passos de distância tentou icertá-la com seu soco em chamas. Esmeralda se esquivou com facilidade e True não ficou surpreso, aquele ataque possuía uma força imensa, mas era facilmente desviado se o oponente concentrasse na batalha. Aquele ataque foi apenas para testar Esmeralda. True, agora perto da extremidade do muro, usou as pequenas torres para ter um impulso, aumentando a velocidade do ataque, mas Esmeralda, a poucos centímetros de ser atingida, desviou com um sorriso no rosto. Com equilíbrio, ele ainda girou e tentou acertá-la mais uma vez. Ela jogou as costas contra chão em uma esquiva e com as pernas puxou True para perto dela.
Por que você não me beija? - Esmeralda forçou as pernas para puxar o quadril do garoto ainda mais perto.
Ele aproveitou que Esmeralda estava com os olhos fechados e usou toda sua força para atingi-la em cheio na barriga. Ela não podia fugir, teria se colocado mesma naquela situação, porém True sentiu algo que parou seu golpe. Ele olhou para as duas facas médias que tinham aparado com facilidade seu soco. Esmeralda as tinha retirado da longa bota que usava.
Como? - True não entendeu como duas facas podiam parar seu soco que derreteu até o gigante escudo de Piatã.
Taiji, o que houve? - True perguntou a sua alma.
Não estamos totalmente sincronizados, nosso corpo se distraiu com Esmeralda! — Taiji respondeu.
Temendo que fosse atingido, o garoto se esforçou até que conseguiu se libertar, afastando-se o máximo que pôde da adversária. Ele tinha se distraído e aquilo não podia se repetir. Esmeralda era perigosa, sabia como provocar os homens, e isso poderia ser ruim para a sincronização de True. Ele teria que lutar a distância, assim como fez contra Acauã, lembrando-se do treinamento, trocou a força do seu punho pela foice com a corrente.
Infelizmente, a foice e as chamas de seu braço necessitavam de muita energia, o que o impossibilitava de usá-las simultaneamente, pelo menos no nível que se encontrava.
Gostei da foice, True. Vamos ver se gosta da minha alma — disse a garota com um longo sorriso no rosto e arremessou as duas facas que carregava para o pátio de Malevolência.
True viu a Súcubo desaparecer no topo da cabeça da oponente e então assistiu a ativação de sua alma. As roupas de Esmeralda queimaram, deixando-a apenas de roupa íntima, um par de asas de demônio surgiu nas costas da garota e um enorme chicote com espinhos se materializou em sua mão. True assistiu a transformação percebendo algo que achava impossível. Esmeralda, que já era linda, ficou ainda mais encantadora com a ativação da alma, apesar do par de asas que levava nas costas e o pequeno par de chifres que ornamentava o topo da cabeça.
O garoto, ao vê-la, perdeu totalmente a sincronização com sua alma, deixando-o vulnerável.
Por que recolheu sua alma? Não seja tímido. Logo agora que íamos brincar! - Esmeralda mudou seu tom de voz, fazendo uma cara emburrada que True sabia que era parte da encenação.
Ele estava com sérios problemas, sem a sincronização com Taiji, não podia ativá-lo. Cada vez mais Esmeralda o provocava, sem saber o que fazer, tentou fechar seus olhos para concentrar-se em sua alma, mas foi inútil. Esmeralda arremessou seu chicote, prendendo-o na perna, e com um forte puxão fez o garoto desabar e ser levado até ela. A concentração de True foi interrompida com o impacto de seu corpo contra o chão e em poucos segundos Esmeralda o imobilizou. Ela segurava seus braços, deixando-os abertos, e sentou em cima do garoto, impedindo-o de mover as pernas. Para provocá-lo ainda mais, beijou lentamente seu pescoço.
Ele não sabia o que fazer. Seu corpo e sua mente estavam paralisados, nada o obedecia e um forte arrepio gelado tomava conta de seu corpo. Esmeralda ergueu novamente sua cabeça e encarou os olhos de True. Os olhos verdes de Esmeralda o enfeitiçava, deixando seus olhos arregalados por tanto beleza. True estava quase se entregando quando a voz de Taiji ecoou em sua mente.
Eu lhe disse, não disse? Você só quer salvá-la por desejar o corpo que ela possui.
Não é verdade! - contradisse.
É claro que é. Não tente me enganar, garoto; afinal, sou parte de você!
Está enganado! — retrucou e havia verdade em suas palavras.
Estou? Então prove! - Taiji provocou com um sorriso. Imaginando que aquilo seria suficiente para lembrar o que os trouxeram até ali.
Aquele não foi o primeiro dia que True viu Esmeralda, eles compartilharam a mesma sala durante todo o Ensino Médio. True sempre quis o coração de Esmeralda, mas sabia que nunca o teria. Lembrou-se de que não havia chance contra os outros garotos, que também admiravam a Tenente-coronel em matéria de posição social e beleza. Mas havia um diferencial que apenas True possuía. Ao contrário dos outros, ele via algo além de Esmeralda, algo que ia muito além do corpo físico e a mostraria naquele momento.
Esmeralda, no ínterim em que se aproximava para beijá-lo, um beijo mortal que o enfeitiçaria e o faria se esquecer de quem ele era, assustou-se com a aparência do garoto. Uma nova expressão nascera em sua face, uma que ela não sabia distinguir. A expressão não era prazer, nem medo, nem raiva; assim que os olhos de True se encontraram aos dela, Esmeralda soube que o garoto via muito além do que qualquer pessoa havia visto nela.
Ele via sua alma, sua verdadeira identidade.
- Que cara é essa, True? - Esmeralda perguntou fazendo a voz ficar com um tom o mais meigo possível.
Antes de responder, aproveitou a folga nas pernas e as libertou dirigindo um chute duplo na barriga de Esmeralda que recuou alguns passos devido ao impacto. Sem perder sua chance, o garoto passou sua energia para a mão direita, criando seu braço em chamas, e, em um piscar de olhos, acertou a lateral do corpo de Esmeralda, arremessando-a muro abaixo indo parar no pátio de Malevolência.
Agora que ele estava totalmente livre, respondeu à pergunta:
Parece que você percebeu. Então, você já pode parar com seus joguinhos de sedução - True fez uma pausa até que seus olhares se encontraram novamente. - Não se preocupe, Esmeralda, eu vou salvá-la!
Eu estou bem, True. Não há nada de que precise me salvar...
Não falo com você, Tenente-coronel — interrompeu elevando a voz. - Falo com a verdadeira Esmeralda dentro de você.
Por um momento, os olhos de Esmeralda ficaram úmidos e tremeram. O movimento foi rápido e imperceptível ao garoto que estava há alguns metros de distância. Confusa e tomada pela raiva por seu plano ter falhado, ela se levantou, enquanto botava a mão sobre a queimadura em sua cintura.
Você poderia ter morrido depois de passar por um momento de prazer, mas agora sua morte será lenta e com muita dor! - Esmeralda gritava com ódio do garoto. E após levantar-se, usou o chicote para acertá-lo no rosto.
Taiji, o escudo - True falava para sua alma enquanto pulava do andar superior e ia ao encontro de sua oponente.
Ele se defendeu com perfeição do ataque de Esmeralda, acumulando e consequentemente alargando o escudo feito de gelo. Esmeralda estava com tanta raiva que nem percebeu quando o garoto havia criado o bloqueio, apenas admirou a rapidez com que se reequipou.
Taiji, a foice, por favor — pediu o garoto equipando a foice com a corrente que usou na batalha contra Acauã.
Sem hesitar, arremessou a foice na direção de Esmeralda, que desviou do ataque com dificuldades, em seguida, tentou acertar o garoto novamente com seu chicote. True rapidamente trocou para o escudo, se defendendo da investida e acumulando mais energia, em seguida, mudou para a foice para golpear a garota. Nesse momento, Esmeralda percebeu algo que a ajudaria na batalha.
Com a troca do escudo para a foice, levava certo tempo para que toda energia passasse para o lado que True desejava, naquele momento, seria a hora certa para ela atacar. Esmeralda mudou também sua arma, dividindo ru enorme chicote em dois menores. True não entendeu o motivo, mas logo descobriria.
A garota se aproximou e jogou o primeiro chicote para prender a foice, assim ele não poderia arremessá-la, com o outro chicote na mão livre, acertou True no ombro, mas foi impedida quando ele se defendeu com o escudo. Esmeralda sorriu, era isso que ela queria. Usando a energia para se defender do ataque, True estava vulnerável à segunda investida do outro chicote que agora estava livre, ele não tinha tempo para se defender nem cara trocar de equipamento, recebendo o ataque de Esmeralda no peito. Os espinhos que faziam parte do chicote poderiam ter feito ferimentos profundos no corpo do garoto, mas felizmente ele estava com a roupa especial que Light lhe entregou, protegendo-o de maiores danos.
Ao cair no chão, Esmeralda já preparava mais dois ataques para acertá-lo. Feliz por ter treinado seus reflexos, True rolou dando uma distância segura dos ataques de Esmeralda.
Taiji, temos que acabar logo com isso - disse True para sua alma.
O que propõe'! - Taiji pareceu curioso.
Primeiro quero saber se é possível ativar o escudo e a foice ao mesmo tempo.
Sim, é possível. Assim como fizemos contra Acauã, mas como sabe, só temos que fazer essa transição por não termos energia suficiente para ativar os dois. No treinamento nos arriscamos por passarmos por riscos reais, agora é diferente.
Eu não vejo diferença. No treinamento não podíamos falhar, e agora também não podemos. Então me diga como conseguimos mais energia.
Aumentando nossa sincronização, aumentamos nossa energia - respondeu sua alma.
True fechou os olhos para se concentrar em Taiji. Prometeu que salvaria Esmeralda; todos estavam contando com ele. True não suportaria ter que informar ao rádio que tinha falhado em sua única tarefa. Todos estavam dando o melhor de si para tirar a América do Sul daquele terror. Laura, Edgar, Piatã e Acauã estavam lutando contra vários caídos e teriam que segurá-los ali. True não queria ouvir a bronca de Acauã por não ter cuidado de um único inimigo.
Taiji e True estavam mais sincronizados do que nunca, ele sentia a energia fluir sobre seu corpo. No momento que reabriu seus olhos, viu Esmeralda saltar para cima dele, esticando suas mãos para trás com a vontade de acertar os dois chicotes de uma só vez contra seu opoente. Felizmente, o ataque de Esmeralda não pôde ser concluído, a pressão da energia de True fez com que ela fosse jogada para trás. O garoto conseguiu ativar seu escudo e a foice simultaneamente, além disso, seus olhos adquiriram colorações diferentes: o olho esquerdo estava com uma coloração vermelho-sangue e o olho direito com um verde-claro que quase se igualava ao de Esmeralda.
Esmeralda o encarava com dúvidas. "Onde se originou essa energia que ele manifestou de repente" - ela se perguntava.
A batalha de True e Esmeralda seguia para seu desfecho. Os dois jovens trocavam os últimos e decisivos golpes.
Esmeralda contava com seus dois chicotes que poderia atacar em um intervalo menor do que True. O garoto, por sua vez, possuía o escudo para protegê-lo e a foice para investir; no entanto, ele não podia arremessá-la.
Tudo ao redor dos dois parecia não existir, ambos se concentravam nos movimentos de seu oponente. O mundo inteiro pareceu se resumir àquele lugar para os dois jovens.
Os assaltos, apesar de mortais, eram precisos e sincronizados. True e Esmeralda atacavam e se esquivavam perfeitamente como em uma dança.
Que sensação é essa? Sinto meu corpo mais leve, é como se nada pudesse me atingir — pensava o garoto.
Por que esse garoto me irrita desse modo? — Esmeralda refletia. - Aquele olhar... é como se ele olhasse para dentro de mim, para minha alma. O que é essa sensação? Não! Ele é igual aos outros! Eu devo matá-lo!
Os golpes se tornavam cada vez mais intensos, e os combatentes investiam mais próximos.
De onde vem essa vontade de sorrir? Será que estou ficando louco? Será medo? — True se questionava na tentativa de entender o que sentia naquele instante. - Eu estou... feliz? Taiji, eu devo estar parecendo um idiota agora.
Não, True. Eu também estou sentimento a mesma sensação - disse Taiji.
True fitou os olhos de Esmeralda e, no mesmo instante, sorriu.
Eu estou contente apenas por estar ao lado dela. Isso faz de mim um tolo?
Um tolo? Não. Você seria um idiota se não sorrisse quando se sentisse alegre. Por que deveríamos hesitar para o que nos faz feliz? Corra até sua felicidade!
As palavras de sua alma o confortaram, e na presença da garota que tanto admirava True deixou que o sorriso se manifestasse, um sorriso radiante o qual interrompeu até os pensamentos mais sombrios de Esmeralda, que por um segundo sentiu a paz retornar a sua mente.
Esmeralda estava desatenta e não teve tempo para reagir quando True se aproximou subitamente, redirecionando com intensidade o chicote, permitindo que uma abertura fosse feita na defesa de Esmeralda.
Adeus, Súcubo! - True levantou a foice e incidiu contra Esmeralda, atingindo-a.
A garota soltou um enorme grito que ecoou por toda a ilha de Malevolência.
True? O que foi isso? Responda! - Era a voz de Light ao rádio, mas True não respondeu.
Esmeralda caiu ao chão, enfraquecida, após a foice cortar a corrupção de sua alma.
Não se preocupe. A foice não corta o corpo, mas, sim, a alma do meu oponente. Agora me deixe salvá-la - disse True para que a garota se acalmasse ao mesmo tempo em que fazia sua alma voltar à forma original.
O garoto agachou e colocou Esmeralda em seu colo, apoiando a cabeça dela com o braço esquerdo enquanto a mão direita tocava em sua testa.
Vamos começar - anunciou o garoto ao usar o Solstício.
True reabriu os olhos notando que estava no mundo de Esmeralda. Ele olhou em volta e percebeu que o mundo era modelado como uma cidade, nas ruas não havia muitas pessoas, os únicos lugares abertos eram bares e outros lugares que adultos freqüentavam. Por alguma razão, ele se sentia muito mal em estar naquele lugar. Enquanto procurava por Esmeralda, ele ouviu:
Socorro! Alguém, por favor, me ajude! - a voz era de uma menina, parecida com a voz doce de Esmeralda, mas parecia mais jovem.
Ele viu uma menina que deveria ter 13 ou 14 anos fugir de algo em seu encalço. A menina não parava de correr. Ela pedia ajuda sem cessar, desesperada. E logo atrás dela, True pôde avistar três sombras em forma de homens. Os sorrisos diabólicos em seus rostos fez com que True tirasse conclusões de seus atos.
A menina caiu exausta e mal deu para ouvir seu último pedido de ajuda. Em nenhum momento olhou para trás, e mesmo ao chão, tentava fugir se arrastando.
Uma das sombras a alcançou e rasgou um pedaço de sua blusa enquanto outro a agarrava pela perna. True correu o mais rápido que pôde até onde a garota estava caída e atacou o primeiro que tinha a alcançado com seu braço em chamas. Antes que os outros homens fugissem, True os acertou, desfazendo-os. Ele sabia que não eram homens de verdade, eram apenas lembranças de Esmeralda, partes de um pesadelo. Agora que não havia perigo, True agachou perto da garota para ver seu estado.
Por favor, não me machuque! - implorou a garota com o resto da voz que possuía. True notou as lágrimas que eram derramadas dos olhos verde-claros da menina.
Não vou te machucar. Só quero conversar com você. Posso ficar distante se preferir.
A menina hesitou, mas logo concluiu que aquele garoto era diferente dos outros; afinal, ele a tinha salvado. Mais confiante, a menina se sentou sem força e enxugou as lágrimas ainda tremendo. Suas roupas viraram trapos devido à violência dos agressores.
Qual é o seu nome, menina? - True começou.
Esmeralda — ela respondeu devagar.
Os pensamentos de True estavam certos, ele reconheceu a voz doce e os olhos verde-claros que ela possuía. A única coisa que não entendeu era o motivo dela ser uma pré-adolescente.
Por que aqueles homens estavam atrás de você?
Eles... — True viu que outra lágrima se formava nos olhos de Esmeralda. - Queriam abusar de mim.
True levou um choque em seus nervos, seu corpo passava por um forte sentimento de ódio por aqueles homens e de tristeza pela menina.
Não conseguia suportar a idéia de homens abusarem da indefesa e jovem menina.
Esmeralda perdeu o equilíbrio do corpo e ia bater com a cabeça no chão, mas True a impediu de se machucar.
O que uma garota dessa idade faz tarde da noite nas ruas? — pensou ele.
Ela reabriu os olhos e sem forças para lutar, ficou sem se mexer no colo do estranho.
Está tudo bem, não quero seu mal. Eu vim aqui para te ajudar - repetiu, deixando clara suas intenções. - Poderia me contar a sua história e como veio parar aqui?
Esmeralda inicialmente teve receio em dizer, mas ao ser envolvida— pelos braços do estranho, que por algum motivo lhe transmitia uma sensação de segurança, decidiu contar a ele.
Eu sempre fui linda desde pequena. Meus pais acreditavam que eu recebi uma benção divina de tão bela. Minha mãe adorava me enfeitar como podia, deixando-me ainda mais encantadora. Simbolizando o quanto eu era preciosa para meus pais, eles me deram o nome de Esmeralda, pois, assim como a gema esmeralda, meus olhos tinham a mesma coloração verde. Porém, nem tudo era belo... Nossa família era muito pobre, morávamos em uma cidade esquecida pelo governo. Meu pai trabalhava de mascate e minha mãe de doméstica. Eles se esforçavam muito para garantir nossas necessidades básicas e, em especial, minha educação. Devido a tanto trabalho, meus pais começaram a adoecer e se recusavam a tratar de suas doenças para economizar. O que mais me doía era não poder ajudá-los nas despesas. Pelo menos, não até ele chegar... - ela fez uma pausa recordando-se do episódio. - Um homem de belas feições, vestido com um elegante terno, cujo nome deve ser esquecido, bateu em nossa porta. Ele se apresentou e explicou que estava interessado em me fazer uma modelo de sucesso. Apesar de ser muito jovem e ter apenas 14 anos, aparentava ter um corpo de 18 anos. Meus pais hesitaram no início, mas eu os convenci, para que pudesse ajudá-los nas despesas. O que eu não havia percebido era que tudo se tratava de uma grande armadilha...
True pensou que Esmeralda começaria a chorar, mas ela continuou:
O que começou com poucas fotos, se tornou em um eterno pesadelo. Com o dinheiro dos álbuns comprei alguns remédios para meus pais, mas não era o suficiente. Eu tinha que crescer financeiramente, e o homem viu ali sua chance. Em uma viagem para fora do Estado, paramos em uma pousada para passar a noite. Dividíamos o mesmo quarto e não havia muitas pessoas hospedadas naquela noite, foi quando ele mostrou quem realmente era e abusou de mim...
Com aquelas palavras, o coração de True parou. A dor que ele sentia por Esmeralda fez lágrimas brotarem de seu rosto, enquanto ela continuava, ele a abraçou mais forte.
O homem, na verdade, fazia parte de uma quadrilha internacional e um dos seus trabalhos era seqüestrar crianças e adolescentes para servirem de escravas por todo o mundo. A maioria das garotas, assim como eu, foi obrigada a vender o corpo, fazendo encontros com quem pudesse pagar. Aquele tempo, que parecia uma eternidade, pensei que nunca acabaria. Eu já não sabia quem era, tinha nojo de mim mesma, e à medida que era forçada a fazer aqueles trabalhos, minha alma ia sendo destruída...
Esmeralda deu uma pausa para retomar o fôlego e conter as lágrimas para que continuasse.
Quando a ditadura começou, aquela quadrilha foi completamente extinta. Os malfeitores, que nos mantinham em cárceres, foram mortos diante de nossos próprios olhos de maneiras brutais pelos soldados do ditador. Nós, que éramos vítimas de suas atrocidades, não conseguimos sentir em nenhum momento pena daqueles bárbaros. E então percebi em que havia me transformado. Os soldados não pouparam as crianças e adolescentes, pois não queriam testemunhas. Apenas eu sobrevivi. O líder dos soldados, ao colocar seus olhos em mim, admirou minha beleza e decidiu que eu seria dele a partir daquele dia. E percebi aquele mesmo olhar de quando fui tirada de minha cidade e de meus pais. Aquele comandante tinha um cabaré em seu nome, no qual fui posta para trabalhar. O cabaré ficou conhecido por todos. Os soldados faziam fila só para me ver, cada um deles aumentava a quantia de dinheiro do antecessor só para ir ao quarto comigo. O comandante, dono do estabelecimento, ganhava muito dinheiro; aquela teria sido a melhor decisão que havia tomado. Essa vida se repediu dia após dia, até que em uma noite, o general da América do Sul ficou sabendo da minha existência e foi pessoalmente ao cabaré onde eu trabalhava. Ele se encantou quando me viu e decidiu me levar junto a ele. O comandante que era meu dono ficou revoltado pela decisão do seu superior, mas ele não podia fazer nada, as palavras de um general eram eis, e por ele não querer aceitar a decisão, foi morto na frente de todos. O general me deixou ir uma última vez à cidade onde morava e foi quando descobri que meus pais haviam falecido. Graças ao general, meus pais tiveram um enterro digno e depois que me despedi, fui morar na mansão do general na Ilha de Cobras, onde era tratada como uma princesa. Qualquer soldado ou civil que tentasse se aproveitar de mim seria morto. Apesar de sentir saudades de minha família, eu adorava o lugar: ter um imenso banheiro só para mim, produtos de beleza nunca faltavam. Mas nem tudo era bom, eu também tinha que fazer as tarefas que o general me ordenava: colher impostos, tomar grandes decisões e até mesmo matar. Quando fui nomeada Tenente-coronel, voltei a estudar. A corrupção começava a me afetar e antes que percebesse, havia me tornado uma pessoa completamente diferente de quem era. Eu adorava provocar os homens, pois sabia que se tentassem algo, seriam mortos. Aquela era uma maneira de me vingar do destino. Todos me diziam que a beleza era uma benção, que era algo que deveria agradecer em possuir. Eu era a única que achava o contrário, até onde vivi, a beleza era uma maldição.
True não conseguia conter seu choro, derramava lágrimas e mais lágrimas que caiam em Esmeralda.
Por que está chorando? — Esmeralda indagou, confusa.
Como por que... Você não deveria passar por isso... Não foi culpa sua ter nascido em um mundo de aberrações! - True respondia soluçando devido ao choro. - Eu posso te tirar dessa escuridão, apenas me deixe protegê-la! Nunca mais terá que vender seu corpo nem terá que matar ou obedecer ninguém para isso, você será livre!
Parece ótimo - a menina disse fechando os olhos novamente, desta vez, com um sorriso. — Leve-me à luz novamente.
True olhou para cima e viu que o céu, na verdade, era água, concluindo que toda aquela cidade onde estavam teria caído junto com Esmeralda. Ele, com toda a determinação que possuía, emergiu junto a menina, levando-a, para a superfície novamente.
True? - era voz de Romeo no rádio.
Responda, True! De quem foi esse grito? — agora era Light quem falava.
True, o que está acontecendo aí? Por acaso está chorando? — Acauã gritava impaciente.
O garoto segurava forte a linda mulher que tinha nos braços, com as últimas gotas de lágrimas caindo sobre ela, pôde responder:
Que droga de mundo é esse! - True gritou o mais alto que pôde em desabafo.
Seus companheiros ficaram tentando imaginar o porquê daquele comportamento.
A... Aqui é True falando — um silêncio se fez no rádio para que todos ouvissem. — O grito de antes foi de Esmeralda quando a acertei com minha foice, mas não se preocupem. O Flagelo das Almas não acerta o corpo da pessoa e sim a alma.
"Flagelo das Almas"? - ouviu-se alguém perguntar.
É como decidi chamar minha foice - explicou e logo continuou. -Aquele Súcubo não existe mais nesse nem no outro mundo. Eu consegui trazer Esmeralda de volta, agora ela não é mais uma caída. No momento ela está dormindo. Esmeralda passou por muitas coisas ruins, e eu não quero que passe por tudo aquilo de novo.
Todos os outros membros soltaram um suspiro de alívio.
Aqui é Light falando. Fez um ótimo trabalho, garoto! Agora descanse que nós cuidaremos do general.
Aqui é Acauã. Não estou zangada com você, garoto, até os homens mais fortes choram às vezes. Nosso grupo concluiu a tarefa com perfeição. Edgar está com um corte no peito, mas nada grave. Quando terminarmos os primeiros socorros, nos encontraremos com True e Esmeralda.
Não tenham pressa - disse True. - Preciso de um tempo para descansar.
Agora, o único inimigo que faltava era o general. Romeo o encarava nos olhos, estudando o forte oponente que teria que enfrentar.
— Vamos logo dar um fim nisso! - Romeo ordenou, investindo contra o general.
Capítulo 14
O demônio de Malevolência
Até o momento, o plano fora um total sucesso. O grupo liderado por Acauá cuidou dos guardas com perfeição, e True, como prometido, salvou sua antiga colega deixando o caminho livre até o general. Agora só teriam que lidar com mais um inimigo e tudo acabaria, falhar não era uma opção.
O grupo, composto de três pessoas, podia se concentrar apenas no inimigo à frente. Seus aliados fizeram como planejado para que eles tivessem essa chance, agora, frente a frente, eles não podiam perder.
Romeo seguiu na dianteira e atacou o general, enquanto Aline investiu pela lateral. Light usou uma habilidade para que o general ficasse preso no chão, incapacitando-o de movimentar suas pernas.
O general percebeu a habilidade que Light sem se preocupar, apenas bloqueou o ataque de Romeo, fazendo-o ser jogado para trás. No momento do ataque de Aline, o general desarmou o golpe e a agarrou pelo cabelo.
Aline! - Romeo gritou.
Não deveriam atacar seu inimigo tão diretamente - disse o general.
Romeo, aproveitando que seu inimigo estava distraído com Aline, correu para perto do general e usou a garra para ferir a mão que mantinha sua aliada presa. Com o ataque o general não teve escolha a não ser soltá-la. Romeo agarrou a companheira e deu um salto pra trás, recuando.
Você é rápido rapaz. Qual é o seu nome? - o general se interessou pelo inimigo que o tinha ferido.
Romeo ficou em silêncio, encarando o homem com hostilidade.
Entendo. Eu não me apresentei para vocês. Meu nome é Victor, apenas Victor, não possuo um sobrenome.
Light aproveitou e avaliou a alma do general. Como previa, ele acertou o formato que a alma possuía.
Romeo, a alma dele é a de um demônio. Então não espere compaixão.
Yictor olhou para Light que estava o mais distante dele. O general deu um longo sorriso e Light percebeu que era ele o motivo da graça.
Incrível! Vocês acharam uma pessoa portadora do anjo. Eu acho que entendi seus planos. Se eu não me engano, vocês pretendem me derrotar e usar o Solstício em mim, não estou certo? - Victor provocou quase dando gargalhadas.
Você merece a paz tanto quanto nós. Se estiver disposto, podemos te ajudar a ser um puro novamente.
O general agora gargalhava o mais alto que pôde. Os corredores de Malevolência foram tomados pelas risadas irônicas de Victor.
Enquanto o general estava distraído com o rumo que a conversa tinha levado, Romeo fez um sinal para que Aline o seguisse para tentar atacá-lo novamente. Dando passos lentamente para o lado, Romeo ia por trás para acertá-lo nas costas e Aline escalava a janela para saltar e acertá-lo na cabeça.
Romeo olhou para ver se a companheira estava em posição e fez um sinal para saber se estava pronta. Ela assentiu, fazendo com que Romeo desse a primeira investida contra o oponente. Porém, quando Romeo pensou que o acertaria, Victor deu um giro desviando do ataque e desferiu um corte em suas costas. Aline saltou e o general bloqueou o ataque com a espada que tinha erguido um pouco acima da cabeça. Victor girou o corpo acertando um chute nas costelas de Aline, fazendo a garota ser jogada para o meio do salão.
Achavam mesmo que por algum minuto eu não estava concentrado em vocês? Todos vocês subestimam o título de general dado a mim!
Romeo se arrastava com a esperança de alcançar Light. A ferida em suas costas fez um grande dano, impossibilitando-o de se esquivar rapidamente.
Aonde pensa que vai? - Victor perguntou sorrindo com a cena que via e agarrando Romeo pelo pescoço. — Então essa é a atual força da família Silvermoon. Eu ouvi falar que essa família possuía habilidades inacreditáveis, mas pelo visto era tudo mentira.
Light não deixaria seu amigo naquela situação, antes que o general pudesse notá-lo, Light investiu e dirigiu um pequeno raio no pulso do general, fazendo perder o movimento do membro por alguns segundos, tempo suficiente para que Light desse apoio ao amigo e o levasse para longe do perigo.
Talvez você esteja atento a eles, mas parece que me subestima, general — disse Light em uma distância segura.
Manipulação do vento, entendo, foi assim que me alcançou tão rápido. Seu insolente, vai desejar nunca ter feito isso! - retrucou Victor, furioso.
Light cuidou dos ferimentos de Romeo e Aline, nada que deixasse o corpo dos dois como antes da luta, mas o suficiente para que pudessem continuar a lutar.
Escutem — pediu Light para os companheiros. - Nós não temos tempo para que os ferimentos sejam totalmente curados, mas eu restaurei o suficiente para que possam lutar. Se levarem um ataque desses novamente, não poderei cuidar de ambos ao mesmo tempo. Então vamos fazer o seguinte...
O general recuperou o braço paralisado furioso com o inimigo que atrapalhara sua diversão. Brandindo novamente sua espada, não esperou pela investida do inimigo, ele mesmo atacou. Victor avançava com o objetivo de perfurar Light no peito, porém ele não estava sozinho.
Romeo se pôs à frente do amigo e com suas garras direcionou a lâmina para outra direção. Do atrito entre as duas armas surgiam faíscas devido à velocidade do ataque. Aline, vendo a guarda baixa do inimigo, direcionou um chute no abdômen de Victor, atordoando-o tempo suficiente para que Romeo continuasse a seqüência de golpes. A cada golpe que Romeo e Aline dirigiam ao general, suas velocidades e forças iam aumentando como efeito da habilidade passiva que os proprietários do lobo possuíam. Victor não podia responder a nenhum golpe, enquanto Aline atacava em lugares estratégicos para atordoá-lo por pequenos segundos, Romeo o atingia em pontos vitais.
Não me subestimem! - rugiu Victor criando forças para acertar sua espada no rosto de Romeo.
A lâmina, quando ia atingi-lo, foi repelida por algum tipo de escudo que o protegia.
Como? - perguntou o general a si mesmo, mas ele já sabia a resposta. Procurando pelo salão, sentado no canto quase imperceptível, estava Light com cs mãos em posição de prece conjurando algumas palavras. - Anjo insolente!
A velocidade da dupla já tinha atingido seu limite. Victor era forçado 2 recuar a cada golpe até que atingiu os degraus que elevavam sua poltrona, fazendo-o perder o equilíbrio. O frio tomou seu corpo, sua guarda estava aberta e seu equilíbrio quebrado. Romeo e Aline não deixaram a oportunidade passar. Ambos forçaram o banco para trás e em uma investida ensaiada, atingiram o peito de Victor, que foi jogado contra a poltrona feita de algum tipo de minério. O assento não aguentou e rachou, para finalizar, Romeo abaixou a mão para dar apoio à Aline, que a utilizou como impulso para um salto. Com algumas cambalhotas bem realizadas no ar, aterrissou finalizando com um chute duplo no corpo do general, destruindo totalmente o assento que estava atrás de seu corpo.
Uma cortina de poeira se formou devido à intensidade do golpe. Aline deu um passo para fora da cortina para que pudesse respirar melhor. Romeo foi até Light para certificar-se que estava tudo bem.
Conseguimos? - perguntou Light ansioso.
Romeo não soube responder ao certo então esperou até que a cortina de poeira se assentasse. Aline estava afastada do restante do grupo, mas não abaixou sua guarda até que tivesse certeza do resultado.
Quando a poeira abaixou, eles puderam ver o corpo de Victor atirado ao chão sem se mover. De sua boca escorria sangue. Os braços estavam abertos e sua espada, afastada a alguns centímetros de sua mão esquerda. Os olhos fechados não mostravam nenhum sinal de vida, então Aline olhou para os dois companheiros para saber o que fazer.
Parece que conseguimos - disse Aline.
Romeo e Light deram um suspiro de alívio. Romeo tentou usar o rádio para passar a mensagem aos outros companheiros, mas o sinal não estava bom, talvez o aparelho tivesse sido afetado durante a batalha. Para se certificar, Romeo foi até a entrada do salão para verificar se o sinal melhorava e enquanto isso Light sentou e esticou as pernas, aliviado que tinha acabado.
Aline, agora tranqüila, deu as costas ao corpo do inimigo e começou a andar ao encontro de seus companheiros.
Romeo, sem sucesso no sinal de rádio, refletia sobre a batalha de há poucos instantes, então veio um pensamento em sua mente que fez seu corpo congelar. — Não pode ser!
Aline! Saia de perto dele agora! — gritou Romeo, mas era tarde de mais.
Aline só conseguiu ver um vulto a envolver pelo pescoço.
Não acharam que se livrariam de mim tão fácil, acharam, seus lixos? — Victor estava de pé com um sorriso malicioso envolvendo a garota em seu braço.
Romeo correu o mais rápido que pôde para salvar a amiga. Fazendo o mesmo movimento que a livrou da outra vez, tentou acertar o braço do general, porém algo aparou seu golpe.
A garra de Romeo tremia na tentativa de penetrar no braço que mantinha a Aline presa. A pele de Victor foi coberta por uma nova camada mais resistente, suas mãos se transformaram em garras e seu rosto foi deformado, tomando a aparência de um demônio.
Ele ativou a alma! Saia de perto dele! — Light alertou o amigo.
Antes que Romeo se esquivasse, o general o pegou pelo braço e o arremessou acertando Light, fazendo-os serem jogados contra a parede do salão.
Agora é sua vez, garotinha - disse Victor iniciando seu ataque.
O general a segurou pelo braço levantando a alguns centímetros do chão. Em uma tentativa desesperada, Aline tentava chutá-lo e acertá-lo com sua garra, mas era tudo em vão.
Sem piedade, Victor acertou Aline com socos e chutes por todo o corpo. A cada golpe, a garota ia ficando mais cansada, o sangue escorria por seu rosto através das várias feridas, alguns cortes eram feitos pela nova camada que revestiu o corpo do general. Quando Victor a ergueu ainda mais alto e percebeu que a garota mal se movia, agarrou sua espada para dar um fim a ela.
Romeo viu a cena de longe e em uma tentativa desesperada para salvar a amiga, correu enquanto gritava pelo nome de Aline.
Não faça isso, general! Aline! - Romeo correu para tentar impedir o pior.
Sem misericórdia! — respondeu Victor que voltou sua atenção à garota. - Adeus, mocinha.
O general olhou no fundo dos olhos de Aline que imploravam para que ele parasse. Victor olhou uma última vez para Romeo, que corria na esperança de salvá-la, e com um sorriso diabólico, cravou a espada no abdômen da garota.
ALINE! - Romeo gritou novamente vendo a lâmina atravessar o corpo da jovem.
Victor retirou a espada e a deixou cair ao chão gélido do salão de Malevolência. Um sorriso incontrolável tomou seu rosto e a insanidade tomou sua mente. Ele ergueu suas asas, similares a de um morcego, e voou sobre o salão.
Aline! Fale comigo! - implorava Romeo ao alcançar a garota e a segurar nos braços.
Aline não respondeu, apenas olhava o rosto do tutor, amigo e companheiro de batalha que a ajudava sempre que necessitava.
Light! Tente curá-la! — Romeo recorreu ao amigo na esperança de que ela não morresse.
O general gargalhava enquanto planava, o que fazia Romeo ficar ainda mais irritado.
Não sei se posso curá-la a tempo, meu amigo, mas vou fazer o que posso.
Faça de tudo para salvá-la! Eu cuidarei do general!
Romeo! Você também está fraco, não posso cuidar de suas feridas enquanto estiver me concentrando em Aline.
Romeo ficou de pé após deixar a garota aos cuidados de Light. Ele via o sorriso de satisfação de Victor, o que o enfurecia. O rebelde ficou pensativo por um instante e depois decidiu realizar sua estratégia.
Vou fazer aquilo que lhe disse, não temos outra escolha!
-Tem certeza? - Light viu a determinação nos olhos do amigo, mas já que não podia impedi-lo, tentava fazê-lo mudar de idéia.
Romeo apenas o encarou assentindo.
Assim que True havia saído do local onde estavam ao redor da fogueira, os irmãos indígenas não demoraram muito e logo foram dormir, deixando Light e Romeo a sós. Naquela noite Romeo propôs um plano "B" na invasão, que se eles falhassem em derrotar o general, ele queria que Light fizesse uma barreira para trancar ele e o general, assim Romeo poderia lutar à vontade contra o inimigo. Light viu um problema nesse plano, apesar do amigo ser forte, talvez não fosse o suficiente para derrotar um general. Romeo apenas disse que daria um jeito e Light acreditou; afinal, Romeo sempre tinha cumprido com suas palavras.
Realmente não há outro jeito — Light pensou.
Victor! Desça agora mesmo! Ou será que você é do tipo que só consegue matar mulheres mais frágeis?
O general se irritou com o insulto, desfazendo no mesmo momento o seu sorriso. Romeo investiu contra o general, atacando-o novamente. Victor se defendeu facilmente e Romeo, com uma de suas garras, segurou a espada do general e com a outra garra livre tentou atacar o rosto de Victor, mas ele apenas segurou seu pulso. Aqueles ataques foram apenas para imobilizar o general enquanto Light criavam imensas barreiras que impediam qualquer um de entrar ou sair.
No momento em que ficou preso aqui, você perdeu, general - Romeo disse seguro de sua estratégia.
Tem certeza disso, inseto? Você esquece que eu sou Victor, o demônio de Malevolência!
Romeo não sentia medo. A aparência de Victor pouco o amedrontava. Romeo só sentia uma coisa, vontade de fazer justiça.
Ambos se soltaram e recuaram. Victor olhava o oponente como um louco, se ele não conseguiu vencê-lo com a ajuda de duas pessoas, como poderia vencer sozinho?
Tenho que admitir, você tem coragem, inseto. Mas nada do que está planejando vai dar certo.
Victor fez uma pausa avaliando o comportamento do rebelde. Romeo estava exausto, mal conseguia ficar de pé, sua respiração estava ofegante e seus olhos pesados pediam por descanso. O general, vendo isso, sorriu.
Você me lembra de quando eu era mais jovem. Quando eu era criança, era um menino qualquer que vivia na favela, aqui mesmo no Rio de Janeiro. Hoje elas não existem mais, foram todas destruídas pelo meu superior - Victor fez outra pausa, pensativo. - Eu nunca tive nada, mal sabia quem era meus pais, vivi cada dia como se fosse o último. Mas sobrevivi e aqui estou agora, poderoso, temido e rico. Eu era visto como um lixo por todos, uma criança qualquer de rua, um inseto que se desaparecesse do mundo ninguém sentiria falta. "Menos um", diriam as pessoas.
A visão de Romeo estava embaçada, não conseguia ver claramente onde estava seu agressor, caso Victor atacasse, seria seu fim.
"O mundo dá voltas", eu sou a prova disso. De centenas de pessoas que convivi na favela e durante minha vida, apenas uma me tratou como igual. Em um dos "arrastões" que fazia para sobreviver, quando corria levando tudo que era valioso pelo caminho, uma garotinha entrou em meu caminho. Ela erguia a bolsa me entregando de boa vontade, não havia medo nos olhos dela, mesmo em toda aquela confusão. Eu me lembro de perguntar: "Não está com medo?", e ela respondeu: "Eu sou de uma família rica, acho que você precisa disto mais do que eu". Eu tomei a bolsa e voltei para a favela, mas a imagem daquela garota nunca saiu de minha mente.
Romeo começava a recuperar a visão e seus sentidos. Os poucos minutos de descanso o ajudavam a recuperar o fôlego. Light, fora da barreira, tentava salvar a garota, conseguindo até então estancar o sangue.
Eu voltei à praia no dia seguinte - Victor continuou. - Eu a vi brincando na areia e ela notou minha presença e perguntou se eu não queria me juntar a ela. Eu não tive tempo de responder, os pais dela a levaram para longe para que eu não falasse com ela, mas já estava acostumado, pois como poderia um menino de rua se sentar com uma filha de milionários e se divertir? Eu nunca soube seu nome, só sabia que ela tinha os olhos verdes mais lindos de todos - o general sorriu com a sua atitude. - Não sei por que estou te contando isso, rapaz, mas a vida não é assim. Eu aprendi com o.tempo que as pessoas não se importam umas com as outras, apenas algumas coisas fazem diferença na vida. O dinheiro, o poder, o medo, com isso posso dominar até mesmo um continente inteiro. Algumas de minhas vítimas morreram defendendo o amor — Victor sorriu. — O amor não existe, existe o interesse individual! E apenas isso importa na vida.
Está enganado! - Romeo o interrompeu. - Eu entendo a sua dor, mas o que está dizendo está errado. As pessoas podem unir forças e se ajudar, e não há interesse nenhum entre elas.
Todos ficaram em silêncio. Romeo sabia o que Victor estava sentindo e sabia que podia ajudá-lo.
Eu também passei por coisas nada fáceis... Eu tive uma família, mas por minha culpa eu a perdi... Tive um amigo, mas ele me traiu... Uma esposa, mas ela foi embora sem dar explicações... Já caí uma vez, mas... Apesar de tudo isso, nasceu uma nova esperança em meu coração!
Do que está falando, rebelde? - Victor se envolveu. - Prove o que está dizendo!
Romeo se virou para encarar o local onde seus companheiros estavam.
Aline... - disse Light aliviado, ao notar que a garota voltara a se mexer.
Fico feliz que está bem — Romeo disse aliviado enquanto Light ajudava a garota a se sentar.
Aline olhou para ele confusa sobre o que estava acontecendo naquela hora.
Aline, eu não posso vencê-lo no meu estado atual - Romeo continuou e a garota mantinha total atenção em suas palavras. - Para vencê-lo, preciso que você me responda uma pergunta.
O silêncio era absoluto, nem Victor interrompeu, ele queria saber até onde aquilo chegaria.
Eu, desde o momento que te vi sentada na biblioteca, sinto um calor tomar conta do meu coração, algo que não sentia há bastante tempo. Depois que nos conhecemos, percebi que tínhamos muito em comum e um sentimento mais forte foi crescendo cada vez mais. Eu quero que saiba que eu a amo e preciso saber se, assim como eu, você me ama? — Romeo finalmente perguntou.
Então era esse o plano de Romeo! — Light pensou atônito. — Se Aline responder que o ama, seu mundo estará completo e receberá habilidades incríveis, mas caso ela responda que não, tenho certeza que ele caíra novamente.
True tinha uma sensação boa, como se alguém estivesse passando as mãos em seus cabelos. Pouco a pouco ele ia voltando à consciência, abrindo seus olhos devagar. Assim que abriu, admirou-se com o rosto de Esmeralda. Ele olhou para o lado, tentando entender onde estava. True reconheceu o pátio e aos poucos ia se lembrando do que tinha acontecido. A garota passava sua mão levemente pelos cabelos de True que estava deitado em sua perna.
O garoto sentou rapidamente saindo do colo da garota onde sua cabeça descansava.
Está tudo bem? - Esmeralda indagou preocupada.
Não quer me matar? - True perguntou cuidadoso.
Por que desejaria? Você me salvou. - Esmeralda respondeu agora confusa.
True se lembrou do terrível mundo de Esmeralda, tudo que ela tinha passado, voltando a sentir o peso da tristeza em seu coração, mas logo desviou o sentimento, contente que a tirou daquele lugar.
O garoto percebeu que seus ferimentos tinham sido cuidados. Os ferimentos das pernas e do peito estavam enrolados, provavelmente teria sido Esmeralda quem havia cuidado de seus ferimentos.
Meu aposento é logo ali, onde peguei minha maleta de primeiros socorros - esclareceu. - Desculpe ter te deixado aqui, no chão, mas se eu tentasse te levado até lá, poderia piorar seus ferimentos e também não sei se tenho tanta força para te carregar.
True encarava Esmeralda, pensativo. Com certeza, ela teria força para carregá-lo, ela mostrou isso na luta. Talvez agora que ela não possui mais a alma do Súcubo, ela não tivesse a mesma força. Ele também percebeu que a garota tinha um ferimento na lateral da cintura, uma queimadura que ele havia provocado.
Desculpe por isso - True indicou.
Ah? Isto? Não se preocupe, eu também não estava sendo a menina mais comportada naquele momento. - Esmeralda sorriu enquanto pressionava o curativo no local da queimadura.
Esmeralda ainda estava apenas com a roupa íntima que usava na batalha, antes que True corasse, ele ofereceu a roupa que estava usando. Apesar de Esmeralda ter 18 anos, era menor que True, fazendo com que a regata que batia um pouco abaixo da cintura do garoto, fosse um pequeno vestido para ela. Depois de Esmeralda colocar a peça de roupa, True pediu ajuda para que andassem até onde Romeo e os outros estavam. Ela concordou, mas assim que ficaram de pé, Laura, Edgar, Acauã e Piatã chegaram e quando viram que Esmeralda ajudava o garoto, eles hesitaram sem saber ao certo se ela era amiga ou inimiga.
Está tudo bem, ela é uma de nós agora - lembrou o garoto.
Acauã olhava desconfiada, mas acreditou em True. Todos então entraram a procura dos outros.
Enquanto atravessavam o corredor, True encarou pela primeira vez os corpos de seus inimigos que foram mortos pelas mãos de seus aliados: fraturas expostas, poças de sangues, feriadas abertas. Por um momento não conseguiu mover o corpo, impressionado com o cenário da guerra. Seu coração martelava acelerado e sua boca, seca.
Está tudo bem, garoto? - Acauã perguntou vendo True botar a mão sobre a boca.
Sim, só vou levar algum tempo até me acostumar a tudo isso. Quando o exército do ditador atacou a todos para tomar o mundo, meus pais fizeram de tudo para que eu não visse as cenas de horror que aconteciam no lado de fora, então é a primeira vez que vejo tantos corpos.
Vai ficar tudo bem, garoto. Vamos nos encontrar com os outros - respondeu Piatã compreendendo o que ele sentia.
Chegando ao salão, viram a enorme barreira que prendiam Romeo e Victor em seu interior. O que os faziam se perguntar por que Romeo estava lutando sozinho.
O que houve aqui, Light? - indagou Acauã.
O plano original não deu certo. Romeo tinha outra estratégia e está aplicando agora — Light respondeu.
Acauã estudou o lugar, vendo que Aline estava bastante ferida. Light estava intacto, mas sua expressão era séria. Quando ela olhou melhor Aline, não entendeu a expressão em seu rosto, ela parecia surpresa. A roupa da garota estava ensopada de sangue o que deixou a todos preocupados, mas notaram que Light havia curado seus ferimentos.
Por que Aline está assim? - Edgar perguntou se envolvendo, referindo-se a expressão de surpresa de sua parenta.
Isso faz parte do plano de Romeo. Ele acabou de confessar seus sentimentos e agora quer saber se Aline corresponde ao dele - Light respondeu encarando o resto do grupo que chegou.
True arregalou os olhos, assim como Light, ele sabia aonde Romeo queria chegar. Foi uma aposta alta, mas se tudo desse certo, não haveria razão para se preocupar com o general.
Capítulo 15
Alone Walker
O silêncio pairou no salão, todos esperavam pela resposta de Aline. Sua resposta seria decisiva para o destino de todos, principalmente de Romeo. Até mesmo o general esperava ansioso, se eles conseguissem provar o que Romeo dissera, Victor poderia aceitar o Solstício e voltar a ser um puro. As almas de Romeo e Victor pareciam pertencer ao mesmo destino, dependendo da resposta, elas se tornariam puras ou corrompidas.
Ro... Romeo, quero que saiba de uma coisa antes que eu responda... - Aline começou. - Todos esses dias que passamos juntos foram ótimos. Desde quando o vi na biblioteca, quando me salvou, o treinamento, na área de alimentação. Eu sempre... — Aline deu novamente uma pausa agora sentindo a dor do ferimento. — Guardarei essas lembranças comigo. No treinamento você foi muito gentil em todo instante, paciente... Trazendo comida para mim sabendo que eu estava faminta e exausta...
Droga, se ela recusar... - True pensou preocupado.
Romeo vai... — continuou Light com o mesmo raciocínio que True.
Espere. Preciso de um tempo... — Aline pediu.
True sentou junto à Esmeralda, se apoiando na parede. Apesar da torcida pelo Romeo, Esmeralda estava aflita pelo general. Acauã e Piatã congelaram esperando pelo que ia acontecer. Edgar também assistia inquieto, mal sentia o ferimento da perna. Laura estava mais afastada, não sentia mais nada por Romeo e o assunto não a interessava.
Vou te dar minha resposta - respondeu Aline decidida, querendo dar logo um fim ao assunto.
Enquanto esperava pela resposta, o mundo de Romeo estava desabando. Ele moldou seu mundo como uma grande cidade de arranha-céus, cheio de pessoas andando para todos os lados. Porém, naquele dia, as ruas estavam cobertas pelo oceano que invadira a cidade como um tsunami que destrói tudo por onde passa.
Romeo estava ao lado de sua alma no prédio mais alto. Mesmo vendo tudo rachando e quase desmoronando, uma visão de outro mundo vizinho o confortava. Logo à sua frente estava um prédio equivalente à mesma altura, em seu topo, estava Aline, parada, o observando. Ele iria arriscar um salto para atingir o prédio vizinho.
Está pronto para fazer isso? - Romeo perguntou à sua alma e ela assentiu.
Decidido, ele e sua alma correram e pularam esperando que alcançassem o mundo vizinho, caso não conseguissem, eles cairiam no mar que engolia a cidade, destruindo os prédios menores, até atingir onde estavam. Eles, por mais alto que pulassem, não alcançariam o outro lado. Dependiam da ajuda da garota no topo do outro prédio. Se ela estendesse sua mão, eles poderiam chegar ao outro lado, ambos a salvo.
Não posso! — o silêncio agora era absoluto, todos pararam a respiração só para ouvir melhor a decisão de Aline. - Nós nos damos bem, mas não sinto algo tão forte por você. Eu te admiro Romeo, por isso não posso mentir.
Romeo paralisou, ele estava confiante que tudo daria certo, mas no final, o seu último voto de esperança se foi e com ele seu mundo foi devorado pelo mar de corrupção.
Não! - Light e True gritaram ao mesmo tempo olhando para Aline, mas foram obrigados a se virarem para ver o estado de Romeo.
Dentro do mundo de Romeo, ele caía sem parar junto ao lobo que era sua alma. Ele a encarava com tristeza por não poder fazer mais nada.
Desculpe meu fiel companheiro, eu não o mereço.
Não fale bobagens, John - a alma respondeu. - Nós somos a mesma pessoa, vamos cair juntos e renascer juntos!
Eu sei disso, mas não queria que fosse assim. Queria que nós renascêssemos puros, queria vê-lo como uma luz que guiaria aqueles que habitam na escuridão - Romeo deu uma risada e continuou. - Sabe o que acho irônico?
A alma ficou quieta esperando pela resposta.
As mulheres sempre reclamam que sofrem. Dizem que não conseguem aquilo que tanto querem. Elas ficam horas e horas conversando sobre o amor da vida delas, sobre seus príncipes encantados. Dizem que o homem está mudado, que hoje em dia o homem não sente mais nada por elas, que não possuímos mais romantismo. Será mesmo que nós somos o problema? Será que não são elas que estão perdendo a sensibilidade? Queria poder viver para saber as respostas - ele fez uma pausa suspirando quando atingiu finalmente o oceano. — Eu queria poder entender o porquê delas passarem tanto tempo beijando príncipes sabendo que são sapos, do que beijar sapos sabendo que são príncipes. Será que todo aquele treinamento para ficarmos fortes para protegê-las foi tudo em vão? Infelizmente, nunca saberemos as respostas...
Romeo virou para encarar o lobo que o ajudou tantas vezes.
Adeus, velho amigo. Espero que na outra vida, se for para sofrer, possamos sofrer juntos.
Os dois afundavam cada vez mais no mar da tristeza e da solidão.
Enquanto a dor ia preenchendo o vazio em seu peito.
Victor gargalhava sem parar do episódio que tinha acabado de presenciar. Os outros esperavam alguma reação de Romeo que estava imóvel olhando para baixo.
Eu sabia! Eu sabia! - Victor falava, continuando a sorrir. - Você cometeu um grande erro em acreditar nos humanos, rapaz, agora você perdeu! Bem-vindo ao mundo sem luz! - ele continuou a gargalhar.
Eu perdi? Acho que você tem problemas de audição, general - Romeo interrompeu Victor que agora estava sério. - Eu disse que no momento em que ficou preso junto a mim, você perdeu! - Romeo se virou para Victor, mas ele não pôde ver seu rosto, pois Romeo o tampava com a mão.
Light não o reconhecia, Romeo tinha mudado seu tom de voz. Nunca o tinha visto com uma presença tão assassina como estava naquele momento. A energia pura que emanava da alma do lobo se fora completamente, dando lugar a uma energia corrompida, a qual nunca tinha presenciado em todos aqueles anos.
Se por acaso Aline respondesse que sim, eu atingiria o grau de pureza equivalente a de um anjo ou maior, mas como ela me rejeitou, cai pela s egunda vez. Agora sou tão corrompido que supero seus poderes — Romeo explicou.
Agora tudo fazia sentido para Light. O plano de Romeo era para derrotar de qualquer forma o general e, além disso, para decidir finalmente se existia ou não aquela esperança que passou a vida toda procurando.
Romeo estava com a mão no rosto e, ao retirá-la, todos puderam ver o sorriso assustador que guardava além do olhar sombrio e sem vida. Ele parecia procurar por alguém quando finalmente fixou seu olhar em Laura.
Laura Silvermoon, quero te deixar ciente de que usarei a habilidade proibida da família.
Eu o proíbo! Essa habilidade só pode ser usada se... - Laura começou.
Se a família Silvermoon estiver correndo risco — Romeo concluiu. — E pelo que vejo vocês não estão na melhor situação.
Habilidade proibida? - indagou True.
É uma habilidade da alma do lobo, ela foi descoberta pela família Silvermoon, que decidiu proibir essa habilidade por ser um ato cruel mesmo contra um caído. Então criaram uma condição, seria usada apenas para manter algum membro da família a salvo - Laura explicou.
True assistia ao desfecho da luta aflito, sem poder fazer nada, esperou pelo que ia acontecer. Esmeralda se encontrava na mesma situação, com os olhos úmidos, temendo o fim do general que, apesar de tudo, foi como um irmão mais velho para ela.
A partir de agora, John e Romeo morreram! O que estão vendo nesse momento é o nascimento de um novo ser! Eu nunca mais deixarei que mintam para mim, nunca mais acreditarei em ninguém! Meu nome é Alone Walker!
Seus companheiros não aceitavam o que estava acontecendo. Estavam tristes por Romeo ter perdido as esperanças e agora a única coisa que vagava pelo mundo era seu corpo esperando pelos últimos dias de sua vida.
Alone direcionou seu olhar para Victor e disparou em sua direção.
Agora é você e eu — disse Alone com um sorriso maldoso.
É inútil, rapaz - respondeu o general atacando com sua espada, mas antes que notasse, Alone desapareceu de sua frente e reapareceu em suas costas. O general ficou surpreso com a agilidade que seu adversário obterá. Antes que Victor pudesse acertá-lo, Alone agarrou seu par de asas e o arrancou, impossibilitando que Victor voasse novamente.
O general gritou com a dor, mas não era uma dor física já que as asas não pertenciam ao seu corpo, a dor que sentia, era em sua alma.
Com Victor preso às mesmas condições que Alone, ele investiu em direção ao general e o agarrou pelo pescoço. A força era tanta que Victor não conseguia respirar, se contorcia e lutava para se livrar do oponente. A garra de Alone apertava mais e mais forte, elas penetravam pouco a pouco no pescoço do general, fazendo o sangue ser jorrado.
Alone quis fazer Victor sofrer ainda mais, então usou a habilidade proibida dos Silvermoon, mordendo e arrancando um pedaço de seu ombro. O general deu um grito de dor e pavor, enquanto Alone arremessou o pedaço de carne do general contra o chão.
O que ele acabou de fazer? - Acauã disse encarando Laura.
Laura não teve escolha a não ser contar para os companheiros.
Os lobos não caçam suas presas usando as garras para matá-los, e sim as presas. Essa habilidade só pode ser usada por algumas almas, usando os dentes, o usuário pode cortar e destruir qualquer coisa, inclusive o corpo humano — Laura esclareceu.
Aquilo tudo fazia sentido, os lobos tinham fortes presas para arrancar a carne de suas caças. Como se não bastasse a brutalidade dos ataques de Alone, Light viu algo que o fez arregalar os olhos, quase o deixando sem controle.
True! — Light chamou pelo garoto que estava encostado na parede em palavras pelo que via. — Veja a alma dele!
True, obedecendo, olhou para Alone, ele já não precisava encará-lo nos olhos, pois já tinha visto a alma de Romeo anteriormente.
O garoto ficou no mesmo estado que Light. O lobo de Romeo agora era um cachorro enorme com mais de três cabeças.
Que diabos é isso, Light? - True perguntou perplexo.
A alma de Romeo renasceu como um Cérbero! - respondeu Light ainda sem acreditar.
Alone assistia sorridente seu oponente ficar imóvel com a dor. Victor o encarava sem acreditar no que estava acontecendo. Ele tentava mover seu braço, mas era inútil.
Eu cortei o tendão de seu braço, não tem como você mexê-lo. Você perdeu Victor - Alone disse sorrindo, com o sangue envolto nos lábios.
Como? - a voz de Victor estava rouca.
Ao contrário de você, que caiu apenas uma vez, eu me corrompi duas vezes - Alone lembrou.
Como consegue suportar? Eu mal consigo dormir com todas as imagens ruins em minha mente, não entendo como consegue ficar de pé.
Não consigo, general. Não consigo - respondeu Alone encarando Victor fixamente nos olhos.
Querendo acabar com a batalha, Alone deu um rápido passo para perto de Victor e o atingiu com um chute no rosto, fazendo o general ser atirado ao chão com os braços abertos.
Agora darei o golpe final.
Não faça isso, Romeo! Ele sabe onde Ducy está! - gritou True correndo até o antigo amigo, mas foi impedido por Light.
Não podemos fazer mais nada, garoto. Foi uma fatalidade.
True encarou Light vendo as lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Seus olhos também se encheram de lágrimas, apesar dos poucos momentos que passaram, True admirava Romeo. Eles eram amigos, pareciam confiar um no outro, mas o destino os separaria naquele momento.
"Sem misericórdia" - repetiu as mesmas palavras que o general pronunciara ao atacar Aline. Alone olhou uma última vez para sua vítima e rapidamente cravou sua garra no coração do general tirando sua vida.
Victor! - Esmeralda berrou aos prantos e True a conteve.
Naquele momento, a barreira foi desfeita e Light pôde ir até o corpo de Victor.
Espere, general. Só me responda uma última coisa. Há poucos dias uma senhora chamada Ducy foi presa acusada de ser cúmplice de traição. Se sabe onde ela está nos diga, por favor!
Se... - Victor gemeu com a dor e a hemorragia. — Se ela foi acusada de traição, deve ter sido mandada para a prisão da Europa.
Light suspirou aliviado, agora sabiam onde estava Ducy e que estava viva.
Victor! Fique conosco, você ainda pode mudar!
Não me entendam mal - Victor sussurrou. - Não pedi para que Esmeralda morasse comigo para que eu abusasse dela. Eu só a quis por ser tão semelhante à menina que me tratou como uma pessoa um dia.
O demônio de Malevolência estava morto, mas ninguém comemorava a vitória sobre o general; afinal, não foi uma vitória. Esmeralda correu até Victor e chorava ao lado do corpo. Eles perderam a chance de trazer uma alma de volta à luz, além do antigo amigo, Romeo, que se foi.
Alone se virou e caminhou lentamente meio zonzo deixando o corpo de Victor para trás, até que perdeu o equilíbrio e bateu os joelhos contra o chão.
Es... - eles pensaram ter ouvido algo de Alone. - ta... doen... — Alone falava muito baixo, eles não conseguiam ouvir o que queria dizer. — Está doendo! Minha... cabeça! Light! Alguém! Está queimando! Meu coração! Alguém! Eu imploro! - Alone gritava com todas as forças.
True se lembrou daquela cena quando Romeo se reencontrou com a família Silvermoon, gritando por ajuda, mas a situação parecia muito mais grave do que a anterior. Light fechou os olhos de Victor e o deixou com Esmeralda para acudir Alone que estava sofrendo. Seu coração estava apertado, ele condoía junto ao amigo.
Rápido, Light! Está... - Light deu o mesmo choque de antes para deixá-lo inconsciente. Ele agachou e abraçou o corpo do amigo. - Não precisava ser assim, meu amigo - as lágrimas escorriam pelo seu rosto.
True chorava com o episódio, nunca se interessara por ninguém. Aquela organização o estava mudando, aprendia coisas novas sobre as pessoas todos os dias e naquele dia, aprendeu sobre a dor de perder um amigo.
Onde estou? - Alone se perguntava. — Vozes? Não... São risadas. Mas por quê? Talvez haja uma festa, mas para quê?
Enquanto as dúvidas tomavam sua mente, ele ouvia vozes mais altas e similiares. Light e True — ele reconheceu.
Alone abriu os olhos e viu True, que estava sentado na cama ao lado onde Esmeralda dormia, e Light, que estava de pé, parado, logo à sua frente.
Onde estou?
Na enfermaria - respondeu o garoto.
Alone sentou-se, botando a mão sobre a cabeça.
Como está se sentindo? — Light indagou.
Vazio - respondeu Alone.
Ele não entendera o motivo de o trazerem à base. Daquele dia em diante seriam inimigos.
Quem é você? John, Romeo ou Alone? — perguntou Light cuidadoso.
True também estava curioso pela resposta. Queria saber exatamente o que o amigo tinha se tornado.
Eu sou uma pessoa sem esperança - respondeu Alone.
Light encarou True preocupado, ele não sabia o que fazer naquela situação.
Eu não sou totalmente o mesmo, Light. Minha alma mudou e não tenho mais esperanças. Então não tem porque continuar na organização - Alone continuou.
True ficou surpreso com a decisão de Alone, mas entendia seu ponto de vista.
Como é cair pela segunda vez? - Light perguntou. True também tinha a mesma pergunta em mente, mas achava melhor não fazê-la, aquilo só o faria relembrar dos acontecimentos. - Só responda se quiser.
Alone refletiu por um instante.
-Tudo bem. Como havia dito, não sinto mais nada agora. Quando se cai pela segunda vez, você passa por três etapas, pelo menos foi o que aconteceu comigo até agora. A primeira é a insanidade; seu corpo treme e você fica louco, rindo sem saber o motivo. Depois vem uma dor insuportável, como se estivesse arrancando seu coração pela boca, ficando um buraco no lugar dele; sua alma se estilhaça como se fosse um vidro acertado por uma pedra. O último é quando a dor se estabiliza, você não sente mais nada, inclusive esperança, apenas um vazio, como se nada mais fizesse sentido. Tudo perde a cor, ficando cinza. O som desaparece e a única coisa que se escuta são os pensamentos. É como me sinto agora.
Alone olhou para a cama ao lado e viu que Esmeralda estava deitada dormindo profundamente.
Parece que você conseguiu, garoto.
True seguiu o olhar de Alone e logo compreendeu.
Sim, o mundo dela era horrível. Eu realmente não sei como ela lidava com esse fardo por todos esses dias, com aquelas lembranças em sua mente.
Interessante como é esse mundo. Eu sempre lutei para que uma mulher confiasse seu coração a mim, e agora, vejo um garoto fazer isso apenas na primeira tentativa.
Light e True se olharam preocupados se Alone iria se revoltar.
Eu não consegui o coração dela — True se defendeu.
Claro que conseguiu garoto, talvez não como queira, mas conseguiu. Ela confia em você como nunca confiou em ninguém. Por isso não faça bobagens - Alone se virou para encarar os olhos de True, e ninguém falou nada por alguns instantes.
O silêncio entre eles foi cortado pelas risadas e assobios do lado de fora da enfermaria.
O que está acontecendo? - Alone perguntou curioso.
A base inteira está em festa, comemorando nossa vitória. Não só a nessa base como toda a América do Sul. Vários soldados estão deixando o continente, amedrontados com a morte do general.
- Alone tinha se esquecido de tudo, as memórias voltavam pouco a pouco. Eles tinham derrotado um dos cinco generais. Mas aquilo não mais o interessava. Então ele se levantou da cama para ir embora.
Aonde vai? - True quis saber.
Não tenho mais motivos para ficar aqui e se nos encontrarmos por aí, lembre-se de que eu sou um caído, então não baixe sua guarda.
True virou para Light, ele queria saber o que fazer. Light apenas fez um sinal para que o deixasse partir.
Mais uma coisa - os dois ficaram atentos esperando pelas palavras de Alone. - Um caído de nível dois, como no meu caso, tem total controle sobre seus atos. Então não se preocupem, não serei manipulado por nenhum general.
Alone foi andando até as rampas que o levavam ao térreo, onde ficava o elevador. Assim que apertou o botão para ele descer, olhou para cima vendo um grande número de pessoas reunidas.
Todos os ajudantes de Light ficaram nos andares superiores junto de Edgar, Acauã, Piatã, True, Aline, Light e Laura. Apenas Esmeralda estava ausente.
Boa sorte, John, e obrigado! - Light gritou e todos aplaudiram.
Alone olhou para eles surpreso com a atitude dos antigos companheiros.
Incrível! Parece uma chuva de Aplausos! - disse Cérbero para Alone.
É verdade - Alone concordou. — Quem diria que você viraria um Cérbero.
"Se for para sofrer, que soframos juntos", não foi isso o que você disse? — lembrou Cérbero.
Cérbero, por que não sinto que isso é uma despedida? Por que não sinto que aqui é o fim, já que acabou? Por que não sinto nada, como se fosse apenas dar um passeio?
Eu não sei as respostas, Alone, talvez as achemos em nossa nova jornada.
Talvez... — disse Alone por fim, dando de ombros.
Quando a porta do elevador se abriu, Alone entrou e deu uma última olhada nas pessoas até que a mesma se fechasse, separando os caminhos que ele e seus antigos amigos trilhariam por ora.
Ele se foi. Será que o veremos novamente? - True perguntou a Light.
Agora só o destino poderá responder a essa pergunta.
Capítulo 16
A Ordem dos Paladinos
Em algum lugar da Europa.
Führer, desculpe-me incomodá-lo, mas um dos seus soldados deseja ter uma audiência com o senhor - proclamou um soldado responsável pela segurança dos aposentos do ditador.
O ditador observava a neve que caía do lado de fora, submerso em seus pensamentos.
Espero que seja algo importante, senão vocês pagarão com suas vidas. Leve-o para a sala de reuniões que logo estarei lá. - O Führer estava vestido com uma farda que apenas ele possuía, o diferenciando dos outros soldados e generais.
O seu guarda pessoal assentiu e deixou os aposentos.
A sala de reuniões tinha uma imensa mesa e na parede estava fixado um enorme mapa-múndi, com alfinetes especificando alguns territórios.
O soldado pôde ouvir a porta sendo aberta. Tremendo, bateu continência para o ditador, que após entrar, puxou uma cadeira e se sentou, razendo um gesto para que o soldado falasse o que o trazia ali.
Führer, trago notícias da América do Sul - o soldado conseguiu dizer apesar do nervosismo e da tremedeira.
Notícias da América do Sul? O que poderia ser tão urgente para atrapalhar meus momentos de reflexão? - disse o ditador com um tom de impaciência, aquilo fez com que o soldado tremesse ainda mais do que já estava.
Uma... Uma rebelião, senhor, na América do Sul, senhor...
Rebelião! - o Führer gritou interrompendo o soldado. - Já houve várias rebeliões nesses últimos cinco anos que governo, mas todas foram inúteis!
O soldado caiu sentado temendo o que aconteceria a ele, mas arranjou forças para continuar.
Desta vez foi diferente, meu senhor... Os rebeldes conseguiram matar o general! - concluiu, pondo os braços à frente do corpo.
O ditador hesitou e por um instante ficou pensativo, ainda sem acreditar na veracidade da notícia.
Quem lhe informou? Preciso saber se a fonte é confiável.
Assim que o general foi morto, um de seus homens ligou diretamente da América do Sul e nos comunicou sobre o atentado. Ele disse que era um grupo de oito pessoas que possuíam ciência das mesmas habilidades que nós.
O Führer ficou paralisado. Ele parecia nunca ter imaginado que alguém descobriria o segredo de sua força. Depois de alguns minutos pensando, finalmente decidiu.
Victor era nosso general mais fraco, os rebeldes tiveram sorte de enfrentá-lo. Se tivesse alguma chance de perder o controle, seria na América do Sul. Soldado, tenho ordens para você.
Estou ouvindo, senhor - disse o soldado levantando-se, esperando pelas ordens.
Conte tudo sobre o que me disse agora para nossa melhor caçadora de elite - enquanto ditava as ordens, pegou um pedaço de papel e escreveu uma carta contendo informações sobre a missão que a aguardava. - Entregue isso a ela; assim, ela saberá o que fazer.
O soldado pegou a carta, fez a continência e saiu da sala deixando o ditador com seus pensamentos.
Finalmente ele apareceu — pensou o ditador com um sorriso.
Base da organização rebelde do Rio de Janeiro, América do Sul.
Todos os membros de guerra estavam reunidos na sala de reuniões. Havia muito que debaterem sobre os acontecimentos durante a libertação aa América do Sul. Além dos membros de guerra, Esmeralda também fazia parte da reunião ocupando o lugar de Romeo. Light tomou seu lugar na ponta da mesa e esperou que todos se sentassem para começar.
Agora vamos começar a reunião do conselho de guerra - Light proclamou, fazendo com que todos ficassem em total silêncio. - Quero, antes de tudo, dar os parabéns pelo ótimo trabalho que fizeram no campo de r atalha há dois dias. O plano foi um total sucesso, e se não fossem por vocês a .América do Sul não estaria livre hoje. Porém, durante a batalha, perdas e ganhos. Infelizmente teremos o nosso companheiro de guerra e amigo, Romeo Silvermoon, se tornou um caído durante a batalha e se auto-nomeou: Alone Walker. Apesar de ter feito parte da nossa organização, quero : ue fiquem cientes de que, agora, ele é nosso inimigo! O mesmo nos alertou enquanto eu e True conversávamos com ele na enfermaria. Portanto, não raixem a guarda se por acaso encontrarem com ele. Laura, eu queria saber romo Romeo, que agora é Alone Walker, se encaixa nas leis de sua família.
Laura estava um pouco distraída, mas entendeu a pergunta.
A família Silvermoon abriga toda e qualquer pessoa dotada com a alma do lobo. Como a alma de Alone, antigo Romeo Silvermoon, renasceu com outra forma, ele foi banido de nossa família por não possuir os requisitos necessários para receber o título de um Silvermoon.
Entendo - Light continuou. - Apesar de termos perdido um membro, ganhamos outro durante a invasão. Esmeralda faz parte agora da nossa organização e estará sob os cuidados de True. — Todos aplaudiram enquanto Esmeralda sorria agradecida.
Devo isso ao True, por ter me salvado - agradeceu Esmeralda enquanto puxava a cadeira para mais perto do garoto, recostando a cabeça no ombro do rapaz.
Light simulou uma tosse para que a atenção voltasse para ele.
Continuando, fui obrigado a criar um nome para nossa organização e um símbolo para a mesma. A partir de agora seremos tratados como uma esperança para o mundo. A América do Sul inteira está em festa e espera que nos apresentemos, para isso, nossa equipe está procurando um meio de nos comunicarmos com toda a América do Sul. Não se preocupem com os soldados que estavam espalhados pelos outros países, pois sem um general eles não têm uma mente superior para liderá-los e organizá-los. Provavelmente, aos poucos, vão voltar a ser puros como nós. A Ilha de Cobras está completamente deserta segundo informações confiáveis.
Qual foi o nome que escolheu? — Piatã indagou curioso.
Na verdade, não fui eu quem escolheu, e sim as pessoas que nos batizaram. Eles chamam nossa organização de "A Ordem dos Paladinos", por levarmos a paz e bondade ao mundo novamente. Tendo a inspiração pelo nome que nos reconhecem, tomei a liberdade de criar o seguinte símbolo: um escudo com duas listras que se cruzam formando uma cruz, no centro, uma coroa simbolizando o "Rei", o qual representa os civis. Duas asas brancas envolvem a lateral do escudo, simbolizando o anjo, a alma mais pura. Atrás do escudo fica uma espada simbolizando nossa força e vontade de lutar por nossa liberdade.
Os membros debateram um pouco sobre o assunto, pareciam aprovar o nome e o símbolo.
Light! - True se manifestou. - Eu não entendi porque o Rei são os civis, não dá a impressão de que eles são os donos da organização?
Imaginei que faria essa pergunta - Light sorriu por poder explicar. - Para você entender melhor, pense como um jogo de xadrez, o Rei é o objetivo do jogo e as outras peças devem protegê-lo a qualquer preço. Por isso os civis são o Rei, devemos protegê-los, pois sem eles não há razão para lutarmos. É esta a mensagem que quero passar.
Não só True como todos pararam para refletir sobre o símbolo da Ordem, ele se encaixava perfeitamente com o objetivo da organização.
Já que ninguém foi contra, está decidido. Pedi para que fizessem novos uniformes com proteção dobrada e reforçada para o frio que teremos que suportar. O uniforme será semelhante ao que vocês usaram na invasão, a diferença será que cada uniforme levará o símbolo da organização no peito esquerdo e também cada membro receberá um sobretudo com capuz resistente ao frio. Por hoje vocês estarão liberados para se despedirem da América do Sul, amanhã iremos para o Canadá.
Canadá! Sempre quis ir à América do Norte! - Esmeralda gritou com empolgação.
A família Silvermoon e Acauã a fitaram com um olhar de desprezo, eles não tinham se acostumado com a inimiga que agora era aliada. Ela rarecia muito relaxada e parecia não se importar com o principal objetivo ze irem para o norte.
Light ia chamar a atenção da garota, mas True o encarou e fez um gesto de cabeça para que Light não interviesse. Ele percebeu e decidiu que depois conversaria com True sobre o comportamento de Esmeralda.
Antes de finalizar. Alguns membros ficarão aqui no Brasil para se certificarem de que a América do Sul não será tomada novamente. Primeiramente, quero agradecer ao apoio da família Silvermoon e quero que essa aliança continue entre nós, vocês serão bem-vindos quando precisarem.
Nós que agradecemos, devemos muito a vocês - respondeu Laura. — Caso haja algum ataque enquanto estiverem fora, fiquem tranqüilos que defenderemos nosso território.
Light fez um gesto de agradecimento e continuou o que estava dizendo.
Acauã e Piatã também ficarão aqui, preciso que administrem a base como tem feito perfeitamente, além de darem apoio à recém-família aliada.
Desculpe Light, mas eu discordo! - True interveio. - É isso que você quer dizer como "Alguns membros"? Nossa força ofensiva diminuirá muito se for apenas eu, você e Esmeralda!
Concordo com você, True, mas não fui eu quem quis a separação. A família Silvermoon só concordou em se unir a nós para libertar a América do Sul e os irmãos indígenas prometeram para sua aldeia que permaneceriam no Brasil.
True ficou decepcionado com a notícia, mas não podia forçá-los. Pelo menos concordaram em defender o local.
Além disso, preciso que Piatã e Acauã ajudem a organizar a América do Sul. Eles estarão encarregados de criar as medidas provisórias até que tudo seja resolvido - Light ficou pensativo por um instante. — Um parlamento seria suficiente. Escolham os representantes de cada país e unifiquem as nações. E não se preocupem, as pessoas que nos ajudam nas tarefas da base estão neste momento acalmando a sociedade sobre nós, deixando claro que não temos intenções de assumir o poder.
Os irmãos se entreolharam e ficaram refletindo sobre sua tarefa.
Vai ser uma tarefa extremamente complicada... — disse Acauã.
Podemos criar uma aliança sul-americana, pelo menos, até tudo se resolver - propôs Piatã, começando a trabalhar nas soluções.
Light assentiu com um sorriso e sabia que os irmãos não iriam decepcioná-lo. Apesar de indígenas, eles foram criados na área urbana e estavam cientes como um país funcionava.
Desculpe uma responsabilidade tão grande para vocês, mas a rebelião não pode parar. Conto com vocês para esse serviço - disse Light e fez um gesto de gratidão. Os irmãos assentiram e começaram a debater entre si sobre as soluções. - Agora que está tudo resolvido, todos estão dispensados, menos você, True.
O garoto ia se levantando com Esmeralda para ir embora, mas teve que pedir para ela aguardar do lado de fora por alguns minutos. Esmeralda concordou sem reclamar e se despediu com um beijo no rosto do garoto.
Quando todos foram embora, deixando True e Light a sós. Light iniciou a conversa:
Percebi que você e Esmeralda estão bem próximos.
É verdade, mas não somos mais do que amigos - True falou um pouco envergonhado.
True, pode me dizer o motivo de ter me impedido de chamar a atenção de Esmeralda? - Light foi direto ao assunto.
True ficou pensativo por um minuto e respondeu:
Quando encontrei Esmeralda no mundo dela, era apenas uma garota de 14 anos. Ontem, enquanto comemorávamos, percebi algumas atitudes infantis em Esmeralda, era como se ela ainda tivesse aquela idade e não a idade que tem. Por isso, quando disse que íamos para o Canadá, ela se empolgou tanto.
Está me dizendo que ela parou no tempo?
Não que ela esteja parada no tempo, mas acho que está vivendo a fase de adolescência que nunca teve - disse o garoto pensativo.
Light refletiu um pouco sobre as palavras de True, aquilo fazia sentido para ele.
Err... Light - True disse começando a corar. — Posso te pedir uma coisa, mas não quero que tire conclusões precipitadas.
Tudo bem. O que é?
Nesses últimos dias, Esmeralda não sai do meu lado, até quando foi dormir, ela deitou-se na minha cama. Eu acho que isso também tem a ver com o tempo que ela ficou prisioneira no seu próprio mundo. Ela foi forçada a crescer da noite para o dia, mas você sabe, é desconfortável para eu dormir na mesma cama com ela. Apesar de não querer mal a ela, sou homem e...
Ok. Já entendi. Na base que vamos ficar tem quartos com duas camas, farei que um deles seja seu e da Esmeralda, mas com uma condição: quero que me conte o que viu no mundo de Esmeralda.
O sentimento sombrio que True sentiu naquele dia voltara, mas ele não tinha escolha a não ser contar para Light, aquilo também seria bom para desabafar.
Tudo bem, sente-se.
True contou cada detalhe do que vira. As sombras em forma de homem, sobre os malfeitores e a brusca mudança de vida. Disse também dos soldados que mataram os seqüestradores e de quando o general a encontrou.
O garoto começou a chorar novamente com as lembranças daquele lugar. Light também se sensibilizou, mas se conteve para não piorar as coisas.
Agora eu entendo o motivo dela passar todo o tempo com você. A única pessoa em quem ela confia é você, True, por isso ela não sente medo em dividir a mesma cama e quarto.
Eu imaginei que fosse isso... - respondeu True pensativo.
Quase ia me esquecendo! - disse Light interrompendo os pensamentos do garoto. Ele foi até um armário para pegar algum tipo de pote e o levou até True. - Aqui dentro estão as cinzas de Victor. Nós tivemos que cremá-lo, pois caso fizéssemos um túmulo, no futuro poderia atrair seguidores e começar tudo novamente. Quero que dê isso à Esmeralda e deixe-a escolher o que fazer.
True assentiu e pegou o pote feito de argila. Ele se lembrou de Romeo que tinha partido e de quanto ele sofreu também.
Light, será que tudo isso faz sentido?
Light não entendeu onde o garoto queria chegar então perguntou:
O que quer dizer?
As pessoas que fizeram o maior mal para Romeo e Esmeralda não eram soldados do ditador. Eles eram pessoas próximas dos dois, apesar de serem falsas. O mundo antes da ditadura também não era um lugar perfeito. Não quero dizer que com a ditadura ficou melhor, mas talvez os caídos não sejam os principais inimigos, e sim, as vítimas.
Light entendeu a filosofia do garoto. Aquele assunto era complicado para debater até mesmo para uma pessoa experiente como ele.
Eu também penso assim, True. Por isso prefiro dar uma chance aos caídos antes de matá-los.
Se eles não são os verdadeiros inimigos, quem são? - True indagou com a esperança que Light soubesse a resposta.
Eu realmente não sei, mas espero saber um dia - respondeu Light entristecido.
O garoto ficou decepcionado, esperava que Light soubesse a resposta, mas procurou entender.
Vou sair com Esmeralda a noite para ver a cidade. Ela deve aproveitar para jogar as cinzas em algum lugar. Não se preocupe, nós voltaremos cedo para descansar e nos preparar para a viagem de amanhã.
Light apenas assentiu e se despediu do garoto. O assunto sobre o verdadeiro inimigo da humanidade fixara em sua mente.
Esmeralda esperava do lado de fora e quando avistou o pote, perguntou o que era e True logo explicou:
Aqui estão as cinzas de Victor. Elas são suas agora. Você era a pessoa mais próxima a ele, então acho justo que você escolha onde deixá-las.
Esmeralda pegou o pote e ficou olhando para ele durante um tempo.
Ele nunca me fez mal. Foi como um irmão mais velho. Ele tinha seus defeitos, me pediu para fazer serviços sujos como general, mas nunca fez mal ao meu corpo; pelo contrário, sempre o protegeu.
True sorriu. Sabia que Victor havia ligado a menina de olhos verde- -claros, que conheceu na infância, à Esmeralda. Foram um para o outro, as únicas pessoas que os viram como pessoas.
A noite chegara e True esperava Esmeralda se arrumar para subirem à superfície. Ela trouxera seus pertences da base militar onde morava com o general, mas não tudo, apenas algumas roupas de que gostava e seus produtos de beleza.
Esmeralda, já estou pronto! Não demore porque temos que chegar cedo. - True gritou, tentando superar o barulho do secador no outro cômodo.
Estou quase pronta! — ela respondeu.
True, que estava sentado no canto da cama, repousou o resto do corpo, fazendo com que fitasse o teto vazio. Sua mente se lembrava de todo o caminho que tinha percorrido até agora.
Incrível como uma noite pode mudar o destino de uma vida — pensou se lembrando da noite em que Light o encontrou no restaurante junto de Romeo. Agora que tinha recordado, sua mente ficou ocupada pensando como Romeo ou Alone, estava naquele momento, para onde teria ido e o que estaria fazendo. Apesar de não ter passado tanto tempo junto dele, True sentia falta da confiança que Romeo passava. — Alone Walker — o garoto se lembrou. - Por que não ficou aqui para que nós te ajudássemos? — queixou-se.
Estou pronta! Vamos? — Esmeralda interrompeu seus pensamentos.
Vamos — disse o garoto se levantando e quando olhou para Esmeralda, ficou paralisado. A garota estava usando um vestido curto e verde com alças, cabelo cacheado nas pontas presos atrás da cabeça, destacando seus olhos e rosto, brilho nos lábios e um salto plataforma.
Por que essa cara? Acha que devo colocar outra coisa? - Esmeralda perguntou sem entender a reação de True.
O garoto desviou o olhar e ficou furioso consigo por ter olhado para a garota daquela maneira. Ela estava tentando esquecer aquelas memórias e os olhares para seu corpo só iriam fazê-la se recordar.
Não, está ótima, vamos - disse True consertando o erro que cometera. Ele apanhou o pote com as cinzas de Victor e estendeu o braço para que ela o segurasse como gostava de andar.
América do Norte, em algum lugar dos Estados Unidos.
Em um setor de residência, onde apenas soldados de grandes méritos com o exército moravam, várias viaturas estavam estacionadas ao redor de uma casa específica. A residência era uma clássica casa americana com garagem, um pequeno jardim e dois pavimentos. A beleza vista de fora da casa era esquecida ao entrar, pois em seu interior havia vários soldados mortos e ensangüentados.
Logo no hall, a passagem era impedida por vários corpos jazidos e outros apoiados na parede, tingindo-a de vermelho. Rastros de sangue alastravam-se pelos outros cômodos. A mobília estava toda revirada. Das poças de sangue originavam pegadas, a maioria dos calçados dos soldados, enquanto o outro padrão levava ao andar superior onde um homem de aspecto sombrio estava sentado sobre uma poltrona, segurando o único sobrevivente pelo pescoço.
Por favor, John... Dê-me uma segunda chance! - Ethan choramingava enquanto tentava se libertar inutilmente da garra que apertava seu pescoço.
O que um homem precisa fazer para ter um pouco de paz hoje em dia... - Alone murmurava para ninguém em especial.
Alone estava com as garras sujas de sangue assim como parte de seu rosto. O olhar vazio não mudara, bem como a expressão sombria que manteve desde sua partida no Brasil.
Diga-me, meu velho amigo... - disse Alone com ironia, cuspindo as palavras. - Onde posso ter um pouco de paz?
Entendendo que Alone se referia ao volume de soldados que o procurava, Ethan pensou rapidamente em um local adequado para que ele o libertasse.
Canadá! — disse em voz trêmula. - Não há muitos soldados nessa região, assim como civis.
Parece perfeito - refletiu Alone coçando o queixo.
É sim! É tudo o que você quer! - afirmou com veemência. - Agora, ror favor, John, me liberte... Você prometeu!
Alone deixou que um sorriso de satisfação preenchesse seu rosto e com sua força sobre-humana, levantou-se e se aproximou Ethan, suspenso a alguns centímetros do assoalho, para sussurrar em seu ouvido.
Eu menti!
Ethan esbulhou seus olhos e o temor tomou conta de sua mente.
Não, John! Eu imploro! Eu já pedi desculpas pelo que fiz a sua família! Faço o que você quiser! Por favor! Não, - John... NÃO! AAARGH!
Rio de Janeiro, Brasil.
True e Esmeralda pediram para que um dos membros da organização os levasse até o Cristo Redentor, local escolhido por Esmeralda para jogar as cinzas do general. Percorreram o trajeto de carro, as pistas estavam livres, poucos possuíam algum veículo depois da ditadura. Enquanto não chegavam, olhavam a cidade em festa com a liberdade restaurada.
Quando chegaram ao local, o motorista preferiu permanecer no veículo, deixando os jovens a sós. Depois de subirem a escadaria, Esmeralda botou o pote sobre o parapeito enquanto admirava a vista. A garota olhava o Cristo pensativa junto a True, que estava ao seu lado em silêncio.
É lindo, não concorda? - disse Esmeralda interrompendo o silêncio. — Victor às vezes me trazia aqui. Ele adorava vê-lo, dizia que era como se o Cristo quisesse abraçar toda a humanidade, e isso o confortava quando não conseguia ficar em paz com sua alma.
True não disse nada. Não havia o que dizer.
Eles foram até o pote e o garoto abriu entregando para Esmeralda.
Prometo a você, Victor, que o mundo se tornará um lugar mais justo e tranqüilo - despediu-se Esmeralda, jogando as cinzas pelo vento que as levava sobre a linda paisagem. - Adeus, irmão. Obrigada por tudo.
True se aproximou e a abraçou gentilmente, reconfortando-a enquanto assistia às cinzas dançarem com o vento.
Assim que terminaram, voltaram ao veículo e depois de seguirem por alguns quilômetros, pediram para que o motorista os deixassem na cidade. Eles queriam andar pelas ruas e ver as pessoas felizes se cumprimentando. Elas teriam um longo tempo de adaptação pela frente, mas, naquele dia, só pensavam em festejar. Os sorrisos nos rostos das pessoas, com certeza, era algo que fazia True se esquecer de seus problemas.
Enquanto andavam, Esmeralda avistou uma praia onde várias pessoas estavam conversando e se reencontrando. Os dois caminharam pela calçada, que ficava ao lado da praia, enquanto viam a alegria que tomava conta do local.
Como é bom vê-los assim - comentou Esmeralda abrindo um sorriso. - Realmente o sorriso é contagiante.
Tem razão - True assentiu.
Um homem que estava dentre a multidão reconheceu True e Esmeralda quando retiraram seus calçados e começaram a caminhar pela praia.
Olhem! - gritou o homem que notara a presença dos dois. - Aquele garoto é da Ordem!
A multidão virou para vê-los.
Você tem certeza? — indagou uma mulher em dúvida.
-Tenho sim - respondeu o homem se defendendo. - Hoje pela manhã estava indo cedo para meu local de serviço e vi esse garoto embarcar para a Ilha de Malevolência.
É verdade! Olhem! Mas não é a Tenente-coronel Esmeralda ao lado dele? - falou outra pessoa que estava junto da multidão, mas desconfiada.
Eu soube que ela se juntou a eles - um garoto acrescentou.
A multidão agora cercou o lugar onde True e Esmeralda estavam. O garoto ficou sem jeito com aquela situação.
Deixe-me passar, por favor! - Era a voz de um senhor de terceira idade que tentava se aproximar dos dois rebeldes.
As pessoas deram passagem para que o homem passasse. Ao ficar frente a frente com True, ele começou a perguntar:
Você é um dos Paladinos? Por favor, me responda, é muito importante para mim! - o homem de aproximadamente setenta e oito anos dizia apressado.
Sim, ele é um deles. True lutou hoje pela manhã para libertá-los da ditadura - disse Esmeralda antes que True tentasse omitir algum fato.
Então quero agradecê-lo, rapaz - o homem disse pegando na mão de True. - Muito obrigado, garoto, fazia anos que não via meu neto, que sempre foi muito apegado a mim. Esses anos eu fiquei separado dele sem ter nenhum tipo de contato devido à ditadura, foi muito difícil para mim, não imagina o quanto! - um menino espiava o rosto de True, se escondendo atrás do avô.
Abram passagem! — disse um homem mal-encarado, que avançava pela multidão enquanto seus seguidores afastavam as pessoas para que ganhassem espaço.
O grupo hostil estava armado. Alguns improvisaram e se esquipavam com pedaços pontiagudos de madeiras e metais enquanto outros seguravam facas de cozinha. A multidão, que antes aclamava os paladinos, se afastou, temendo o que aconteceria ali.
True — disse Esmeralda preocupada, pondo-se detrás do rebelde.
Fique perto de mim e faça exatamente o que eu disser — sussurrou e a garota assentiu.
Vocês são aqueles que todos chamam de "Paladinos"? — O homem, que parecia ser o líder do bando, indagou.
Sim — True respondeu sem demonstrar hesitação. — Aqueles que os libertou — lembrou.
O homem sorriu e notou que o rapaz não tinha se intimidado com sua presença, logo decidiu revelar suas intenções.
Se o que diz é verdade, vocês são superiores as forças do exército que se encontravam nesse país.
O homem fez uma pausa para verificar se tinha ganhado a atenção de todos. Assim que notou os olhares curiosos em sua direção, continuou:
Como nós podemos saber que vocês não farão o mesmo que o ditador? Se desejarem nos escravizar, não há nada que possamos fazer! - Novamente ele fez uma pausa para que as pessoas ao seu redor refletissem em suas palavras. - A garota ao seu lado, é a Tenente-coronel, não é?
True estreitou os olhos e entendeu o objetivo daquele homem. Aquele grupo era da oposição, os civis que temiam que o terror voltasse a reinar naquele lugar logo agora que tudo havia acabado. Por saberem que eram inferiores comparados às forças dos rebeldes, o medo era o que movia aqueles homens.
O que tem ela? - disse True para que o líder da oposição continuasse.
Esta moça, apesar da frágil e bela aparência, foi responsável pela morte de muitas pessoas! - acusou. — E se ela se uniu a vocês, isso só pode significar uma única intenção!
Os murmúrios cresciam a cada instante. True percebia as pessoas confusas, sendo levadas pelas opiniões daquele grupo. Ele já ignorava as palavras do homem que continuava a envenenar a mente das pessoas contra os paladinos. True procurava o mais rápido possível reverter àquela situação.
Quem está comigo? - O líder do grupo indagou e no mesmo instante a maioria da multidão, que antes cercava os paladinos, se posicionou perto do orador. - O que você tem a dizer, paladino? — O homem perguntou, certo da vitória.
True cerrou os punhos e sua vontade foi de investir e acertar o sorriso sagaz daquele homem. Ele não conseguia imaginar que alguém fosse tão ingênuo. Depois de tudo que ele e seus amigos passaram para levar a paz àquele lugar, um descrente está estragando todo o trabalho feito pela Ordem dos Paladinos. No entanto, contrariando sua vontade impulsiva, respondeu de outra maneira.
Esmeralda é tão vítima das atrocidades do exército quanto vocês, se quiserem descontar alguma aflição, façam em mim!
True se ajoelhou e abriu os braços. O homem franziu o cenho e não esperava aquela reação. Para ele, o rebelde investiria contra ele, o que provaria as más intenções da organização rebelde.
Esmeralda, depois de um tempo, imitou o garoto. Ela se pôs ao lado dele e abaixou a cabeça como se esperasse por uma punição. True, por sua vez, fitava o líder opositor diretamente nos olhos.
As pessoas estavam confusas e não sabiam o que fazer e a quem ouvir.
Nós não queremos que vocês nos temam — True continuou. — Eu era uma pessoa comum como vocês, mas o meu líder e amigo, Light, me acolheu e me ensinou seu ofício, foi assim que me tornei um deles.
Está nos dizendo que podemos fazer esses... - o homem procurou a palavra certa, mas falhou - truques que vocês fazem?
Não são truques! É o poder que cada um de vocês possui adormecido em seus inconscientes. Nós podemos ensinar como usar corretamente esse poder, mas peço que vocês tenham paciência, pois há outros iguais a vocês que são vítimas do medo. Eles precisam de nós, e é nosso dever salvá-los!
Os murmúrios aumentaram. O homem não tinha palavras para contradizer o rebelde.
Deixe disso, homem! - O velho senhor, que agradeceu a True por ter unido novamente ele e seu neto, falou. — Olhe para eles! São apenas jovens! Porém, mais sábios que você!
Ouviram-se algumas risadas das pessoas mais afastadas.
Se não fosse por eles, eu não teria reencontrado meu neto e aposto que muitos de vocês também são gratos - continuou o senhor e a multidão se calou, pensativa. — Se vão fazer algo a eles, terão que passar por mim!
O idoso se juntou a True, que agradeceu com um gesto de cabeça pelo apoio. O senhor se ajoelhou e lá permaneceu fitando o homem que causara toda aquela confusão.
Aos poucos, várias pessoas fizeram o mesmo gesto do sábio senhor de terceira idade. Até mesmo aqueles que seguiam o líder opositor largaram suas armas e se uniram à multidão. O líder do pequeno grupo, que agora era formado por nada mais que dez pessoas, viu sua derrota.
True se lembrou de que Light tinha explicado que todos da América do Sul queriam conhecê-los por terem salvado aquele lugar. Aquele momento parecia um lugar e hora perfeita para explicar quem eram eles.
Nós não queremos que vocês se curvem a nós, pelo contrário, nós viemos para servi-los — disse True e a multidão o apoiou eufórica, mas logo ficou em silêncio para que o garoto continuasse. - Agora, se me permite a pergunta, quem entre nós demonstra ter más intenções?
O homem congelou com a pergunta. Ele avaliou a situação e se viu armado com seus seguidores contra civis que se ajoelhavam e não demonstravam nenhuma hostilidade. Derrotado, o homem largou a faca que levava em sua mão e fez um gesto para que o grupo o imitasse.
True se levantou e a multidão ao seu lado o imitou. O garoto deu um passo em direção ao homem cabisbaixo.
Conto com você para proteger essas pessoas - disse True, oferecendo a mão em um cumprimento.
O líder do grupo opositor, ao perceber o gesto, hesitou, imaginando que aquela seria uma forma de humilhá-lo.
Sem ressentimento — True o encorajou. — Essas pessoas confiam em você, faça valer essa confiança.
Sem mais nenhuma desconfiança, ele percebeu que as intenções dos rebeldes eram nobres.
Desculpe, garoto. Eu pensava que...
Não precisa se explicar, se estivesse em seu lugar, também estaria com medo. O que estas pessoas passaram não pode acontecer de novo.
O homem sorriu e cumprimentou o rebelde como igual.
Aproveitando a atenção, True subiu em um banco para que todos pudessem vê-lo.
Por favor, peço que ouçam o que eu tenho a dizer! - A multidão, já concentrada no rebelde, se calou. - Eu sou um dos membros da organização que derrotou o general deixando a América do Sul em paz como era. Porém, ainda não acabou! Eu e os outros Paladinos iremos percorrer o resto do mundo para derrotar os outros generais, derrotar inclusive o ditador que se encontra em algum lugar na Europa! Nós vamos fazer a paz voltar a este mundo, para que todos possam sentir a mesma felicidade que vocês estão sentindo neste momento: o sentimento de liberdade!
A multidão gritava apoiando-o, seguido de várias palmas e assovios. True desceu do assento e falou com cada pessoa que queria vê-lo. Esmeralda estava ao seu lado com um sorriso no rosto ao vê-lo distribuir esperança para todos.
Quando finalmente True terminou de falar com cada um dos civis, chamou Esmeralda para que voltassem a caminhar pela praia.
Foi por pouco! Por um minuto pensei que tudo terminaria em uma tragédia — disse True ofegante.
Também estou surpresa. Como soube o que fazer? - Esmeralda quis saber.
Sinceramente, não sei. Intuição ou sorte, talvez. Eu vi que alguns de nossos ajudantes da base estavam dentre a multidão, o que ajudou muito na hora de me apoiar. As pessoas devem confiar muito naquele homem, e por um momento pensei que a noite terminaria comigo enterrado na areia.
Esmeralda sorriu.
Intuição ou sorte, chame do que quiser, mas você agiu muito bem!
Aproveitando o belo céu estrelado que estava naquela noite, os jovens continuaram a passear pela praia. Eles passavam o tempo conversando e lá permaneceram durante algum tempo. À medida que o tempo ia passando, True podia ver alguns olhares dos homens em direção a Esmeralda, e isso o incomodava, não por sentir algum ciúme, mas não queria fazer a garota lembrar-se de sua antiga vida.
Esmeralda, vamos voltar para a base - True pediu levantando-se e segurando na mão da garota.
Por quê? Não deve ser tão tarde assim.
O garoto fez um gesto com a cabeça, para que Esmeralda visse os olhares dos homens os quais estavam passando a poucos metros. Ela logo percebeu e concordou.
Tudo bem, vamos.
Caminhavam em silêncio pela rua deserta. As pessoas comemoravam nas praças ou em algum restaurante que antes só era permitido servir refeições para estudantes e soldados.
Desculpe, True - disse Esmeralda, que parou e abaixou a cabeça.
Sobre o que está falando?
Você teve que sair de lá por minha causa. Você estava tão feliz com aquelas pessoas...
O garoto ficou em silêncio e com as mãos, ele ergueu levemente o rosto de Esmeralda para que ela o fitasse nos olhos.
Não se preocupe. Eu prometi que cuidaria de você. Apesar de ter gostado dos poucos minutos de fama, prefiro ficar no meu canto - disse True com um sorriso no rosto.
Não entendi - a garota olhou para True, confusa.
Eu não sou o tipo de pessoa que gosta dos outros me admirando o tempo todo. Prefiro ficar em algum lugar fazendo algo que gosto e olhar de longe o que acontece. Quem deveria te pedir desculpas sou eu. Prometi que não deixaria ninguém te fazer nenhum mal, porém não posso controlar os pensamentos dos outros homens.
Esmeralda abaixou novamente a cabeça, mas desta vez ela começou a chorar.
Não sabe como eu odeio ter nascido assim! Preferia ter nascido deformada! — Esmeralda gritava enquanto algumas lágrimas escorriam em seu rosto.
True segurou forte o rosto de Esmeralda, fazendo com que ela não tirasse os olhos dos dele.
Escute aqui! Você é linda e deve se orgulhar disso! Ninguém pode controlar os olhares dos homens e também das mulheres que te invejam, mas uma coisa posso te garantir. Não vou permitir que ninguém lhe faça mal algum!
Esmeralda olhava atônita para o garoto, mas não era de medo, e, sim, admirada com as palavras que tinha ouvido.
Não saia do meu lado, por favor! - Esmeralda o abraçou, e ele retribuiu o gesto com a mesma intensidade.
Não irei a lugar algum. Apenas quando pedir e se sentir segura.
Obrigada - Esmeralda agradeceu, enxugando as lágrimas no canto dos olhos. - Agora vamos voltar antes que Light se preocupe.
Quando voltaram para a base, True e Esmeralda avisaram Light sobre como estava a cidade, principalmente sobre o episódio na praia. O líder rebelde ficou aliviado em saber que tudo deu certo no final, pelo menos, aquilo ajudou para que as pessoas passassem a confiar mais na força que se levantou contra o ditador.
A manhã chegou e Light, True e Esmeralda checavam suas malas para partirem ao Canadá. Apesar dos dois jovens não saberem como exatamente chegariam lá.
As novas formas de proteção foram entregues para os donos respectivos. Todos já estavam devidamente vestidos e foram até o andar onde ficava o elevador. True e Esmeralda esperavam por Light o que estava atrasado, o que parecia estranho uma vez que ele conhecia melhor do que ninguém a base.
Por que será que ele está demorando tanto? - Esmeralda indagou inquieta.
-Também queria saber - True respondeu cruzando os braços, pensativo.
Enquanto esperavam, Light apareceu no andar de cima chamando pelos dois.
Por que ainda estão aqui? Vamos, temos que chegar lá pela manhã.
Esmeralda e True se entreolharam sem saber para onde teriam que ir. Para eles, teriam que pegar o elevador para então ir à superfície e de lá ir ao aeroporto. Porém, não parecia esse o plano, então decidiram dar de ombros e seguir Light para, enfim, saberem no que ele estava pensando.
O líder rebelde foi até um dos túneis que também dava acesso à superfície. Assim que True e Esmeralda o alcançaram e entraram no pequeno metrô, seguiram pelo imenso túnel.
Para onde estamos indo? - True perguntou sem saber o que o amigo estava fazendo.
Estamos indo para o aeroporto - Light respondeu paciente.
O garoto pensou um pouco e lembrou. Os túneis estavam interligados por toda a capital. O aeroporto era um dos principais lugares, com certeza Light não deixaria de construir um túnel que o levaria rapidamente até lá.
Em quinze minutos chegaram ao aeroporto e avistaram os Silvermoon e os irmãos indígenas.
Olha! Todos vieram se despedir! — Esmeralda gritou feliz por ver os companheiros.
Não só para despedir, como também para assegurar que decolemos. Não sabemos se algum caído veio se vingar de nós ou nos impedir de irmos ao Canadá. O que não seria um problema, mas tomaria nosso tempo que está curto - explicou Light.
Um pequeno jatinho os esperava para levá-los. Os olhos de Esmeralda vibravam, pois nunca tinha entrado em um avião. True se perguntava o quanto a família de Light, a Adam, seria rica. Eles tinham várias bases em quatro continentes e ainda possuíam aviões de última geração para transferi-los para os lugares.
Os jovens notaram que havia algo diferente nos irmãos indígenas. Quase toda a superfície de seus braços foi pintada criando diversas formas, as quais foram tingidas com as cores primárias.
True, tem um minuto? - indagou Acauã antes do garoto embarcar.
True franziu o cenho na tentativa de adivinhar o que Acauã tinha para falar com ele. O garoto olhou para Esmeralda, que o esperava na porta do avião, e ela com um gesto indicou que o esperaria no interior da aeronave enquanto Acauã trataria do assunto com ele.
Algo errado? - preocupou-se. A expressão de Acauã parecia séria, mais do que o garoto estava acostumado a ver.
Piatã, que também participava da conversa, sorriu ao notar a hesitação da irmã.
Eu não acredito... Quem diria que Acauã, a exímia caçadora, que enfrentou corajosamente o exército e foi reconhecida como guerreira, fosse tão tímida para dizer "obrigado" - disse Piatã em uma risada.
Fique quieto! - resmungou Acauã. - Só estou procurando as palavras certas!
True não entendia nada sobre o que os irmãos indígenas se referiam, mas notou quando Piatã teve o cuidado de acrescentar que a irmã foi reconhecida.
Espere! - True interveio. - "Reconhecida"?
Piatã alargou o sorriso e Acauã cruzou os braços, desviando o olhar, sentindo-se envergonhada.
Enquanto você e Esmeralda estavam fora, Light nos acompanhou ao encontro do nosso povo para que fosse comprovado nossos feitos na rebelião. O fato de Light ter nos acompanhado simbolizou o compromisso que um dia o pai dele fez com nossa tribo, a de cuidar de nós.
Então... Quer dizer que! - True abriu o sorriso, adivinhando o que Piatã estava prestes a dizer. Ao notar a percepção do garoto, Acauã enrijeceu ainda mais.
Exatamente - Piatã assentiu. - Nosso povo reconheceu que estavam errados. Agora, eu e minha irmã somos tratados como iguais. E Acauã foi autorizada a caçar e faz aquilo que se sente feliz...
Obrigada - Acauã atropelou as palavras do irmão. Ela estendeu a mão para cumprimentar o garoto, que a ajudou em seu propósito, mas ainda sem o fitá-lo.
True notou o cumprimento, mas não apertou a mão da amiga. Por aquele ser um momento único, pensou em fazer algo melhor. Então, em vez de um simples aperto de mãos, True a abraçou.
Acauã foi pega de surpresa pela demonstração de afeto e hesitou antes que retribuir o abraço. Seu irmão sorria como nunca, um sorriso que ensaiou durante anos e, finalmente, tinha chegado a hora de mostrá-lo.
True também cumprimento Piatã, mas de um modo diferente, fazendo uso do humor que Piatã conhecia bem. Aproveitou o momento e verificou o mundo dos irmãos, os quais, por fim, tinham conquistado seus sonhos. O lugar era tão belo que True não conseguia descrever em palavras. Ele sentia a felicidade dos irmãos que preenchia o lugar ao lado da paz que reinaria durante anos.
Por um momento, Piatã pensou que a irmã estava chorando ao notar seus olhos úmidos, mas ela retrucou dizendo que era apenas um cisco que a incomodava desde que acordara. O irmão não quis insistir e apenas ficou ao seu lado, sorrindo.
Assim que o garoto embarcou e foram feitas todas as despedidas, Light se lembrou de algo que o perturbava há algum tempo.
Você conseguiu algum contato com a base do norte? - indagou aos irmãos indígenas, os quais eram seus representantes na América do Sul.
Nada, estamos tentando há horas, mas não conseguimos sequer uma resposta.
Light ficou pensativo por um instante, mas decidiu não se preocupar.
Deve ser algum problema com os mecanismos de comunicação. De qualquer forma, vamos nos encontrar daqui a pouco - Light concluiu e se despediu se seus companheiros para entrar.
Ao sentarem em seus respectivos lugares. Light apresentou o piloto aos dois.
-True e Esmeralda, quero que conheçam meu velho amigo Jack Eagle. Ele trabalha como piloto há muito tempo, antes mesmo de eu nascer.
Light! Não me faça parecer mais velho do que já sou — disse Jack, sorrindo.
O piloto tinha aproximadamente a mesma altura de Light, usava barba aparada, roupas de proteção para o frio, um chapéu característico de aviação que escondia completamente seus cabelos, pele queimada do sol e olhos castanho-escuros.
Além de ser um ótimo piloto, ele é um antigo amigo da minha família. Podem confiar nele, ele não os decepcionará.
Certo. Podem relaxar e aproveitem. O tempo está ótimo, garantindo que chegaremos lá ainda pela manhã sem passar por turbulências - continuou Jack, explicando.
Turbulências? - Esmeralda indagou.
Parece que a senhorita nunca entrou em um avião antes. Assim que decolarmos, vou te levar a minha cabine e te mostrar como se pilota. Também tirarei qualquer dúvida que tiver, como sobre turbulências.
Esmeralda segurou forte na mão de True e virou para encará-lo. Light percebeu o comportamento de Esmeralda, então sussurrou para o piloto.
Ela teve alguns problemas, então acho melhor levar o garoto junto dela, é assim que ela fica mais calma.
Jack assentiu franzindo o cenho e foi com Light para a cabine, dando início à viagem.
Capítulo 17
Novos aliados e novos inimigos
A viagem ia bem. O tempo, assim como Jack havia previsto, estava ótimo para voar. Esmeralda conheceu a cabine e todos os controles, sobre turbulências e outras dúvidas que surgiram, por exemplo, sobre os radares que monitoravam as aeronaves. Jack trabalhava como piloto para o exército e servia como agente para os paladinos, permitindo que ele os transferisse sem riscos de serem descobertos. A aeronave que Jack usava era, por padrão, utilizada na transferência de civis, o que serviu como pretexto para que fizessem a viagem. O piloto explicou tudo da forma mais simples possível para que a jovem entendesse. Todos estavam em seus devidos assentos, olhando as nuvens pela janela, quando Jack anunciou pelo rádio: - Aqui é o piloto, já estamos chegando ao nosso destino. True olhou para Esmeralda e sorriu. Ele também queria conhecer o Canadá, apesar de saber que não estava lá a passeio. Light estava na cabine ajudando como copiloto, já tinha voado inúmeras vezes, com isso, acabou aprendendo a pilotar.
Quando avistaram a pista, Jack anunciou mais uma vez que iam pousar, fazendo True e Esmeralda colocarem o cinto de segurança. Ele ia pousando a aeronave quando algo que o piloto não esperava aconteceu. As rodas do avião, assim que tocaram a pista, deslizaram, fazendo o piloto perder o controle da aeronave que deslizava sem controle.
Atenção! Perdemos o controle do avião! Quero que se segurem e abaixem a cabeça.
True e Esmeralda obedeceram rapidamente, abaixando a cabeça e colocando as mãos sobre a mesma. Light e Jack faziam de tudo para recuperarem o controle do avião, caso não conseguissem desviar um pouco para a direita, acertariam as outras aeronaves que estavam estacionadas uma ao lado da outra.
Jack usou toda sua força e experiência para fazer movimentos com a roda, com o objetivo de que o avião fosse para a direção oposta à das outras aeronaves, indo parar no campo de terra. O terreno tinha pedras enormes e alguns buracos, com isso, a aeronave balançava enquanto perdia velocidade até parar. Esmeralda estava apavorada por nunca ter passado por uma experiência como aquela, na verdade, ninguém além de Jack tinha passado por aquilo, mas True estava mais confiante por saber que um piloto experiente com certeza daria um jeito naquela situação.
Quando finalmente pararam, True foi ajudar Esmeralda a tirar o cinto enquanto checava se nada tinha acontecido a ela.
Vocês estão bem? - indagou Light, preocupado, ao sair da cabine.
Sim, estamos bem. Esmeralda só está um pouco assustada. E o Jack?
Quando passamos em um buraco, ele foi jogado contra o painel e bateu a cabeça. Vou tirá-lo daqui e quero que faça o mesmo com Esmeralda.
True assentiu e ajudou Esmeralda a se levantar para saírem do avião. Light foi logo atrás dele carregando Jack nas costas.
True! Tem uma passagem para nossa base perto daquele centro de comando — disse Light, apontando para a enorme torre de comando próxima aos aviões.
Enquanto eles caminhavam em direção à torre, começou um forte vendaval e a nevar. True avistou a porta que parecia levar ao subterrâneo, assim como eram construídos nas casas para levar ao abrigo do porão.
Está congelada! — disse True ao tentar abrir, sendo obrigado a elevar a voz por causa do barulho do vento.
Esmeralda tentou ajudar puxando de um lado enquanto o garoto puxava do outro. Realmente o gelo estava bastante rígido, dificultando abrir a passagem com força bruta.
Tente derreter o gelo com o fogo de sua alma - propôs Light. True logo obedeceu e ativou Taiji.
True colocou a mão sobre o local congelado e rapidamente as chamas fizeram o gelo derreter-se, possibilitando a entrada.
O local estava escuro. Light não entendeu o motivo de não haver iluminação. Talvez tivesse ocorrido um blackout e as equipes estavam trabalhando duro como sempre para que o gerador voltasse a funcionar. Light criou uma pequena luz em sua mão, iluminando o local o suficiente para que eles pudessem andar em segurança. Esmeralda já caminhava com seus próprios pés e Jack continuava desacordado.
Olhe! Não é o metrô que nos leva a base? - True gritou, apontando para o meio de transporte que estava todo destruído.
Sim, ele mesmo, mas não entendo o motivo de estar nessas condições - disse Light franzindo o cenho. - Não temos outra escolha senão seguir o resto do caminho a pé.
True e Esmeralda não podiam reclamar, os dois teriam que andar enquanto Light teria que carregar Jack nas costas. A caminhada durou cerca de uma hora quando, finalmente, chegaram à porta que dava acesso à base.
Light viu marcas na porta, concluindo que a mesma tinha sido forçada. Ao notar, mostrou para que True visse e tivesse a mesma conclusão. O garoto entendeu o que Light queria dizer, então ativou novamente a alma e pediu para que Esmeralda ficasse atrás dele, a partir daquele momento poderia aparecer um caído a qualquer momento.
Light entrou e se horrorizou com que viu. A base inteira estava congelada, a neve havia tomado conta do local. Vários corpos estavam no chão, congelados, e Light concluiu que eles estavam mortos. Enquanto ele botava Jack encostado na parede, True entrava em seguida junto a Esmeralda, que fechou os olhos e procurou True para se esconder após ver o horrível local que mais parecia um cemitério de estatuas humanas.
Light? O que está fazendo aqui? - Era a voz rouca de um homem que estava quase em seu fim, atirado ao chão.
Terry! O que houve? - Light indagou enquanto ajudava o amigo a se levantar.
Não! Não me levante. Já estou no meu fim... Não recebeu minha mensagem?
Que mensagem? Acabei de chegar! Primeiro me conte o que houve nesse lugar - disse Light assustado, agora apoiando o amigo no colo.
Terry juntou forças para falar e quando conseguiu, começou:
Caçadores de Elite! Eles descobriram nossa base e atacaram... Eram apenas dois, mas tudo aconteceu de uma forma muito estranha. Eles pareciam fugir de alguma coisa que os perseguiam — Terry fez uma pausa e logo continuou. — Neve! Muita neve! Assim que eles penetraram na base, uma avalanche os seguiu destruindo tudo.
Neve? - Light estranhou. - Como a neve poderia andar por vontade própria?
Eu não sei meu amigo, mas nos dias de hoje isso é bem possível, ou pior, acho que foi tudo planejado. Assim que a neve destruiu tudo, eles procuraram por sobreviventes e perguntaram sobre vocês. Eles souberam de alguma maneira que vocês viriam ao Canadá... - Terry contava dando pausas para recuperar o fôlego. — Eles estão procurando por vocês! Eu disse a eles que tinha passado uma mensagem avisando-os do ataque e então blefei dizendo que vocês partiriam para outra base... Sabiam que eu morreria então me deixaram aqui para sofrer.
Sabe onde estão? — perguntou Light, sabendo que a força do amigo estava acabando.
Devem estar pela cidade... Não há muitos soldados por aqui... Acredito que estão procurando por vocês do outro lado do Canadá...
Obrigado, meu amigo - disse Light enquanto fechava os olhos de Terry, os quais nunca mais se abririam.
Vou fazer os curativos em Jack e depois iremos procurar outro local para ficar.
True e Esmeralda assentiram e sentaram para descansar, estavam exaustos com a caminhada e a tensão do local. Light estendeu o corpo de Jack no chão e puxou as mangas de sua blusa, colocando a mão sobre o rosto dele. Uma luz verde saía da mão de Light enquanto curava os ferimentos do piloto. True assistia estudando como Light fazia aquilo.
Não poderia fazer isso com Terry? — True quis saber.
Terry estava muito mais ferido do que Jack, necessitando de muito mais energia para curá-lo. Eu também sofri danos no avião, meu corpo usou parte da energia de minha alma para me proteger, deixando o que restou apenas para curar Jack.
True compreendeu. Lembrou-se que para criar seu escudo de gelo e materializar a Flagelo das Almas precisou de muita energia.
Jack começou a recuperar a consciência e viu Light o curando.
O que aconteceu?
Não fale nada, deixe-me cuidar disso primeiro — respondeu Light enquanto terminava de fechar as feridas do amigo.
Assim que finalizou, Light contou tudo para Jack, que não acreditava no que tinha acontecido. Quando pôde ficar de pé, todos foram para a superfície para encontrar um novo abrigo. Assim como Terry havia dito, no Canadá não havia muitos soldados, apenas via um ou outro que não fazia rondas pelas ruas, apenas ficavam guardando a entrada de locais importantes. Também não havia muitas pessoas por lá. A maioria ficava nos seus devidos serviços, os quais eram mandados pelo exército.
Enquanto caminhavam, perceberam que a pequena cidade não possuía muitos prédios, apenas alguns estabelecimentos de dois a três andares no máximo. Procuravam por abrigo quando avistaram algo que chamou a atenção do grupo. Uma enorme estaca saiu do chão, chegando a medir mais ou menos seis metros. Ela tinha surgido na outra rua, onde vários soldados entravam e saiam, alguns amedrontados e outros atirando sem parar.
Vamos ver o que está havendo - Light ordenou.
Mas Light! Tem vários guardas que... - True começou e foi interrompido por Light.
Que estão nos ignorando, percebeu que nem notaram nossa presença? Algo de muito importante está acontecendo naquela rua!
O pequeno grupo atravessou e foi checar o que chamava tanto a atenção dos soldados. Quando todos conseguiram um bom ângulo para ver o que acontecia, observavam um garoto asiático com enormes fones de ouvidos que enfrentava soldado por soldado que o atacava.
Light, eu vou ajudá-lo! — disse True ativando sua alma, passando sua energia para o braço direito.
True pulou na frente do garoto quando ia ser acertado por um tiro de um dos soldados, fazendo o projétil derreter antes que o acertasse.
Não pedi sua ajuda - disse o garoto sem qualquer expressão no rosto.
O que disse? - True apesar de ter ouvido com clareza o que o garoto dissera, perguntou para certificar-se de que não tinha se equivocado.
Eu disse que... - O garoto começou, mas foi forçado a desviar de outro golpe, desta vez, de um machado que o soldado possuía.
True se irritou com a situação e decidiu acabar logo, pois queria continuar a conversar com o garoto.
Quando três dos soldados foram atacar o garoto com fones de ouvido, True os viu passarem por ele, mas não pode ir ajudá-lo, já que outros soldados atiravam sem parar em sua direção. True pensou rápido e se concentrou ao máximo em sua alma para adquirir muita energia para atacar. Ele estava agachado atrás de um veículo militar que o protegia dos tiros. O garoto esperou o momento certo e rolou no chão rapidamente, mirou nos soldados que atiravam e, impulsionando seu braço direito para frente, criou uma imensa esfera de chamas fazendo os soldados correrem do local. Agora faltavam só os três soldados que foram atrás do outro garoto asiático.
True se virou e avistou os três soldados, um equipado com espada e os outros dois com machados, pularem com toda força para acertar o garoto. Ele estava imóvel enquanto os soldados o cercava por todos os lados.
Saia daí! - True gritou para o garoto se mover, mas ele não obedeceu.
Com um simples levantar de braços, o garoto asiático fez três estacas saírem do chão e perfurarem em cheio os órgãos vitais dos três soldados que tinham saltado para atacá-lo. True ficou sem palavras com o que via.
Quem é você? Como consegue controlar essas estacas?
O garoto não quis encarar True, então logo desviou o olhar.
Meu nome é Genkaku e essas estacas são meus espinhos.
Espinhos? — disse True quase para si mesmo.
Incrível! - interrompeu Light, que aplaudia sozinho para o garoto. - Sua habilidade é fantástica!
O garoto viu o grupo que estava ao lado de True. Ele parecia não gostar de muitas pessoas, pois assim que eles chagaram perto dele, deu alguns passos para trás. Também parecia demonstrar uma frieza em relação aos soldados, que matou sem hesitar.
Meu nome é Light. Esta garota ao meu lado é Esmeralda e do meu lado esquerdo o nosso piloto, Jack. Esse que te ajudou é True.
Hajimemashite, Boku no namae wa Genkaku Kyõki desu. Yorosbiku onegai shimasu — disse o garoto.
Japonês? — Light perguntou enquanto o resto do grupo se olhava para saber se alguém além de Light havia entendido.
AH! Desculpe! Eu sou japonês e estou acostumado a cumprimentar as pessoas dessa maneira. Mas não se preocupe, posso falar em seu idioma.
Você fala muito bem português - Light o elogiou.
Obrigado. Também falo fluentemente inglês e tenho um pouco de conhecimentos com outras línguas, quando era pequeno, viajava muito com minha família para o exterior.
Light achou melhor não perguntar sobre os pais do garoto, certamente eles foram separados do filho com a ditadura.
Vocês são da organização rebelde, não são? — indagou Kyõki.
Isso mesmo. Somos conhecidos como "A Ordem dos Paladinos", ou apenas Paladinos se preferir.
Estava procurando por vocês. Aprendi a controlar minha alma sozinho, desde criança. Quando morava no Japão, meditava muito, além de ter várias crenças sobre uma força interior dentro de cada um. Foi assim que aprendi a controlar.
True encarou, surpreso, o garoto. Kyõki era mais novo que ele e já tinha aprendido a controlar bem sua alma. Suas habilidades na batalha também não pareciam ser recentes.
Você está querendo juntar-se a nós? - Light perguntou, e Kyõki assentiu. - Então me diga seus motivos.
Quero libertar o Canadá e o Japão que, atualmente, são comandados cada um por um genaral. Posso ser útil dando informações sobre eles - o garoto explicou.
E após os libertarmos, o que fará?
Então não terei mais interesse em ajudá-los - Kyõki, sempre sério, foi honesto com o que queria, e Light gostou de sua atitude.
Tudo bem, estamos mesmo procurando por novos membros. Se não tiver nenhuma objeção... - Light virou para encarar os outros paladinos que deram de ombros. - Certo, Kyõki, você agora é um Paladino assim como nós, então não se preocupe com formalidades.
O garoto abaixou a cabeça junto ao tronco em um sinal de respeito.
Arigatou Gozaimasu! Foi até fácil me unir a vocês, imaginei que tivesse algum tipo de teste para evitar que qualquer um entre.
Ele está nos subestimando: — Taiji se irritou. — Acho que sim - respondeu True.
Você provou o bastante agora a pouco - Light riu, percebendo a expressão zangada de True. - Além disso, posso ver que você é uma boa pessoa, então não tenho motivos para suspeita - disse, referindo-se ao seu olho da verdade. - Agora mudando de assunto, Kyõki, nossa base foi totalmente destruída, então não temos um lugar para ficar. Sabe de algum lugar que podemos passar a noite?
O garoto ficou pensativo por um momento e falou:
Não posso levar vocês para meu dormitório, como sabem, só é permitida a entrada de estudantes. Mas conheço um bar que é usado por soldados à noite. O dono do bar é um homem já de terceira idade. Tenho certeza de que se vocês disserem que são os Paladinos, ele lhes dará abrigo. O estabelecimento fica ao lado de um lago congelado, se vocês seguirem em frente, o encontrarão, não tem erro. Agora eu vou indo para meu dormitório, antes que mais soldados descubram que fugi.
Antes que Light pudesse perguntar como eles manteriam contato, Kyõki saiu correndo desaparecendo na tempestade de neve.
Garoto misterioso, esse aí... — pensou True.
O pequeno grupo andou pelas ruas até finalmente avistarem o lago totalmente congelado. Esmeralda foi a primeira a correr até o lago para ver como seria, mas não chegou a pisar no gelo, apenas olhava de longe. Virou-se para voltar aos outros que a esperavam quando seu cachecol escorregou de seu pescoço, devido à força do vento, indo parar a alguns metros no lago congelado. Light a impediu que fosse pegar, ela poderia escorregar e se machucar, então como ele já tinha experiência, entrou e agarrou o cachecol da garota, devolvendo-o. Naquele momento, a quantidade de neve que caía aumentou, o vento estava mais forte e a visibilidade piorava.
Acho melhor acharmos logo o bar que "o fone de ouvidos" falou, precisamos logo de um abrigo — disse Jack.
O grupo todo concordou e deu as costas para o lago, indo em direção ao bar, onde segundo Kyõki, estaria não muito longe dali.
Fiquem parados onde estão!
O grupo se virou para encarar a pessoa que tinha dado a ordem. A língua que ouviram era inglesa, mas como falavam fluentemente inglês, todos entenderam perfeitamente. True tinha aprendido na escola do governo onde era obrigado a falar corretamente a língua do ditador, Esmeralda aprendeu com os dias em que trabalhou para os soldados e para o general. Quando olharam era uma mulher de cabelos longos e ruivos, atrás dela estavam dois soldados armados que sorriam por algum motivo.
True! Eles são os caçadores de elite! Rápido ative sua alma e proteja Esmeralda! Eu protegerei Jack.
True obedeceu e ativou sua alma e moldou o escudo com seu gelo no braço esquerdo.
Proteger? Não me façam rir, todos vocês estão em perigo nesse momento. Eu sou uma caçadora de elite, não há nada que eu seja ordenada para capturar que não consiga! Os meus subordinados serão suficientes para fazer o serviço. Esmeralda será a primeira, sentenciada à morte por trair o governo.
Um dos soldados levantou a arma mirando em Esmeralda.
Não vou permitir! - disse True, pondo-se à frente da garota.
Não vai permitir? - O soldado falou com a aparência sorridente. - Eu já a acertei!
True não acreditou no que o soldado havia dito, ele então se virou e viu Esmeralda cair lentamente ao chão.
Esmeralda! — exclamou atônito.
A garota fora atingida no pescoço por um dardo. True retirou e a segurou para que não atingisse o chão.
Hahaha! - O soldado não se conteve em rir o mais alto que pôde. - Não se preocupe, eu não a matei de imediato, ela irá sofrer com meu veneno que a matará pouco a pouco.
True virou para encarar os olhos do soldado que envenenara sua amiga.
Muito bem, Sting, agora que já cuidamos da traidora, vamos cuidar do garoto.
O outro soldado saiu para atacar True e antes que o garoto pudesse defender, Light assumiu a vanguarda criando uma barreira que repeliu o ataque. O soldado ficou aborrecido e rapidamente dirigiu outro soco no escudo de Light quebrando-o.
Como? - pensou True sem entender como um subordinado pode quebrar uma barreira que nem um general pôde romper.
True viu que Light estava vulnerável então criou suas chamas no braço direito e concentrou o máximo de energia que pôde para acertar o soldado. O soco atingiu o inimigo em cheio, fazendo-o ser queimado por completo devido a enorme quantidade de chamas.
Quer que eu cuide disso, Senhora? - perguntou Sting que apontava a arma para o garoto.
Não há necessidade, você fez o bastante por hoje. Eu devo matá-los para corrigir o erro de meu subordinado - Sting abaixou a arma deixando Light e True para sua superior.
A mulher ativou sua alma fazendo com que duas lágrimas negras surgissem de seus olhos, deixando duas listras pretas por onde a lágrima tinha percorrido.
Antes que Light e True percebessem, a mulher estava ao lado deles e, com o cabo de uma das facas que tinha tirado da cintura, acertou o garoto em cheio na cabeça, fazendo-o cair no chão, quase perdendo a consciência.
Daqui a pouco eu cuido de você! O seu amigo deve ser o suporte entre vocês - disse a mulher tirando os olhos de True, mudando seu foco.
Light estava surpreso com tamanha velocidade que a mulher possuía, antes que ele criasse outra barreira para se defender, a caçadora retirou um punhal do estojo, que estava amarrado a sua cintura, e investiu para acertá-lo, porém algo a impediu.
Não deveria sair por aí esfaqueando as pessoas, minha senhora - um homem, que deveria ter quase setenta anos, impedira o ataque da caçadora, segurando-a pelo pulso. Ele estava vestido com as roupas necessárias para sobreviver ao frio. Além das roupas de inverno, uma boina bege, usada pelos homens muito antes da ditadura, enfeitava sua cabeça. Apesar de sua idade, seu corpo era robusto e sua estatura, média.
A caçadora de elite, sem acreditar que um homem comum a tivesse impedido, fez um corte com sua mão esquerda no braço do estranho para que a soltasse, porém aquilo não fez o homem a soltar e sim arremessá-la até o lago congelado. A mulher parecia ser uma pedra que tinha sido arremessada por uma criança, fazendo-a deslizar no lago.
Você está bem, senhor? - perguntou o homem.
Sim, mas o senhor está ferido!
Não se importe comigo agora, veja como eles estão - o senhor apontou para os dois jovens.
Light assentiu e foi se assegurar de que True e Esmeralda estavam bem.
A caçadora conseguiu levantar-se enfurecida e voltou ao chão firme. A tempestade de neve tinha aumentado, tornando-se uma nevasca que surgira do nada. A mulher se segurou para não sair voando com a imensa força do vento.
Quem está no meu lago? — Naquele instante, uma terceira figura misteriosa apareceu. True, mesmo a pouco de perder a consciência, avistou um menino, que deveria ter nada mais que 6 anos, vindo do centro do lago congelado.
A mulher ruiva de roupas negras de couro arregalou os olhos e parecia que tinha reconhecido a voz da criança. Ela se virou procurando por ela, mas não conseguia ver ninguém. Seu corpo tremia e seus olhos se arregalavam com o fenômeno. Light via a cena sem entender para onde a mulher olhava, a criança estava próxima a ela, mas era como se não conseguisse ver. A caçadora chamou seu subordinado e correu o mais rápido para longe do local.
Ela fugiu - disse a criança. - Mas não foi só ela que entrou no meu lago. Você também entrou!
Light sabia que era com ele que a criança estava falando, ele tinha entrado para apanhar o cachecol de Esmeralda. Percebendo que algo aconteceria com ele, pediu ao homem:
Por favor, cuide desses jovens!
O homem viu o desespero no pedido do estranho e a preocupação sincera que tinha por eles, então ele assentiu e se virou para apanhar True e Esmeralda, colocando-os em seus ombros. O garoto estava desacordado com o golpe que sofreu da caçadora e Esmeralda mal se mexia devido ao veneno.
Estou falando com você! - A criança gritou aborrecida e dirigiu a enorme nevasca para Light, que tentou desviar-se do ataque.
Apesar de ter escapado da maior parte do dano, sua perna fora atingida, se tornando um bloco de gelo.
O que foi isso! - exclamou Light, horrorizado com a velocidade do gelo em envolvê-lo e olhou para o menino que dirigia mais um ataque em sua direção.
Desculpe True, deixarei tudo por enquanto em suas mãos. - Esse foi o último pensamento de Light antes de ter sido totalmente congelado, virando uma estátua de gelo.
Capítulo 18
O general da América do Norte
True acordou e se deu conta de que não estava no lago glacial onde foram atacados pelos caçadores de elite. Ele agora se encontrava em um quarto não muito grande, mas confortável. O garoto se esforçava para lembrar como tinha chegado ao local enquanto se sentava na cama para despertar. As memórias vinham pouco a pouco, fazendo-o se lembrar do acidente com a criança que transformou Light em uma estátua de gelo.
O garoto não entendia como uma criança possuía tanto poder, ele poderia ser um caído, mas True lembrou-se de que não viu nenhuma forma de alma na criança. Agora, sem Light, True sabia que teria de tomar a liderança. Light lhe dissera que se caso algo acontecesse com ele ou com Romeo, True seria o líder provisório.
Não quero ficar aqui!
Acalme-se, senhorita! Você está doente, deite na cama!
True reconheceu a voz de Esmeralda, então saiu correndo do quarto descalço, pois seus calçados não estavam por perto nem suas roupas, que deveriam ter sido trocadas por alguém. O garoto usava uma roupa que nunca tinha visto, concluindo, então, que os proprietários do local teriam cuidado deles enquanto estava desacordado.
Seguindo o som, pôde localizar o quarto onde Esmeralda estava. Ela tentava se levantar, mas era impedida por duas mulheres que a seguravam.
Soltem a garota! - True gritou para as mulheres e correu para proteger Esmeralda.
True! - ela gritou aliviada.
As mulheres que a prendiam se afastaram, dando passagem para o garoto. Com tamanho tumulto, o homem que os salvaram apareceu e gritou para que todos se acalmassem:
Fiquem quietos! Quero que vocês deixem a garota sozinha, apenas o garoto pode ficar! - As mulheres saíram imediatamente, deixando apenas ele e os dois jovens no quarto. - Desculpem pela bagunça, o piloto de vocês disse que deveriam ficar juntos, mas minha mulher não gostou muito da idéia de deixá-los sozinhos em um quarto.
True segurava a mão de Esmeralda e pôde ver que estava muito mais quente do que o normal.
Você está bem? - True perguntou.
Ela está com febre de trinta e nove graus. A febre vem piorando desse ontem - disse o homem.
True sabia de onde vinha aquela febre. Sting, o subordinado da caçadora de elite, tinha acertado Esmeralda com um de seus dardos. Ele se sentia culpado por não tê-la protegido. Se não estava enganado, a alma do Sting era de uma cobra, uma cascavel.
Maldito! Ele poderia tê-la matado em segundos, mas preferiu injetar um veneno mais lento para fazê-la sofrer — pensou True.
Creio que além de querer fazê-la sofrer, ele queria demostrar seu poder, passando a mensagem de que poderia matá-la se quisesse — concluiu Taiji.
Deixe-a descansando e venha comigo - pediu o senhor, dono do lugar.
Esmeralda fez um gesto com a cabeça de que estava tudo bem e logo caiu no sono, enquanto ela dormia, True seguiu o homem até o andar de baixo, onde ficava o bar. Eles se sentaram, e o homem se apresentou:
Meu nome é Juan Leon. Eu morava com minha família no México, mas fui mandado para o Canadá a serviço do exército - True percebeu um pouco do sotaque da língua espanhola, a pele bronzeada, também indicava que o homem vinha de algum país litorâneo. - Seu piloto teve que voltar para o aeroporto, ele estava bem, apenas preocupado com vocês.
A conversa foi interrompida pelo barulho do sino que ficava perto da porta, anunciando a entrada de qualquer pessoa que entrasse no bar.
Kyõki! Já era hora! — disse Juan com um sorriso no rosto.
True virou para ver o garoto, e só naquele momento pôde perceber a forma de um porco-espinho que a alma do jovem japonês tinha adaptado. Kyõki, percebendo que True o encarava, abaixou a cabeça o cumprimentando.
Boa tarde. Desculpe a demora. Tem muita neve lá fora e foi difícil andar pelas ruas - dizia Kyõki enquanto pendurava seu casaco.
Sente-se aqui! Não há muito trabalho hoje, todas as mulheres vieram, portanto, se junte a nós - convidou Juan, puxando uma das cadeiras para que Kyõki sentasse.
O garoto aceitou o convite de Juan, apesar de ter se sentado na outra ponta da mesa bem distante deles.
Kyõki trabalha aqui no bar durante a tarde, por isso é dispensado do colégio pelo turno vespertino - explicou Juan, e, enquanto explicava, Kyõki arrumava os grandes fones de ouvido que estavam tortos devido à caminhada.
Já é de tarde! - disse True quase gritando.
Sim, vocês estavam cansados com os acontecimentos de ontem. Então resolvi não acordá-los. Daqui a alguns minutos, as mulheres servirão o almoço.
Kyõki percebeu que True estava se recordando dos acontecimentos do dia anterior.
True, podemos conversar a sós depois do almoço? - Kyõki mudou a direção do olhar agora encarando Juan. - Nada que eu queira esconder de você, mas não será algo que entenderá facilmente.
O que ele deve querer comigo? — pensou True.
E verdade. Realmente eu não entendo desses assuntos da juventude - disse Juan dando de ombros.
Tudo bem, depois do almoço nós conversaremos - respondeu True.
No almoço foi servida sopa com alguns pedaços de pães. True não gostava muito de sopa e nem estava acostumado a comer uma no almoço, apenas no jantar, porém não podia reclamar. A sopa tinha um gosto picante. Kyõki, ao começar a comer, disse algo como "itadakimasu", mas True não entendeu o significado.
Uma mulher recolhia os pratos enquanto Juan dizia que ia deixar os dois conversarem. Aproveitando, ele foi ver como estava Esmeralda.
O que significa idadakiu...
Itadakimasu, você quer dizer. É algo que nós japoneses dizemos antes de comer. Na sua língua seria algo como "Obrigado pela comida", agradecendo a pessoa que fez a refeição.
Interessante. Agora... O que queria falar comigo? — True foi logo ao ponto. Ele teve que falar em um tom um pouco mais alto, já que Kyõki estava na outra ponta da mesa.
Percebi que você está com medo da situação na qual você se encontra. Como agora sou um Paladino assim como você, acho que é meu dever ajudá-lo.
True abaixou a cabeça por alguns segundos, pensativo. Kyõki tinha razão, a ajuda dele seria bem-vinda. Apesar de acabar de conhecê-lo.
Quando me encontro em alguma situação difícil, sempre vou sozinho para algum lugar tranqüilo e uso a lógica para solucioná-los.
Lógica?
Sim. Conte-me o que aconteceu ontem depois de nos despedirmos.
True contou tudo o que houve com Light e os caçadores de elite e sobre suas habilidades, inclusive a de ver as almas das pessoas. Aproveitou também para contar melhor sobre Light e Esmeralda, mas apenas o necessário. Kyõki ouvia tudo com bastante atenção, mas estava sério e calmo como sempre. Explicou que no caminho até o bar viu um homem congelado próximo ao lago e foi então que ele reconheceu Light.
Isso é tudo... — disse True terminando. - Eu não entendo como aquela criança pode controlar uma nevasca sem possuir qualquer formato de alma. E aquela caçadora correu muito assustada. Talvez os dois não sejam caídos.
Nesse ponto você está errado - disse Kyõki, interrompendo o garoto. - A mulher é uma caída, assim como a criança. Apesar de não saber por que você conseguiu vê-lo.
Não entendi. Ele estava na margem do lago, tenho certeza de que Light também conseguiu vê-lo.
Kyõki ficou pensativo por um momento. True não conseguia entender a reação do garoto, para ele, todos tinham visto a criança na margem.
Quero que saiba de uma coisa - Kyõki começou e deu uma pausa para se certificar que True estava prestando atenção. - Além de você e Light, ninguém conseguiu ver aquela criança! Somente alguns moradores das redondezas conseguiram ouvir sua voz e apenas sua voz - enfatizou. - Acredita-se que ele seja o general da América do Norte.
True congelou com a notícia.
Aquela criança? Um general!
Geralmente fica andando pelo lago, mas, às vezes, sai por alguns minutos para andar pela cidade. Nós sabemos onde ele se encontra pela força do vento e quantidade de neve que cai. Quanto mais forte o vento e a quantidade de neve, mais perto ele está e quanto mais fraco o vento e quantidade de neve, mais longe - explicou Kyõki, e se lembrando do outro problema que eles tinham, perguntou. - Qual era a alma da mulher?
Era a de um... — True se esforçava para lembrar. — Acredito que seja de um guepardo.
Entendo... Os guepardos são animais extremamente rápidos, isso deve explicar a velocidade da caçadora. Agora que você sabe como encontrá-lo e eu encontrei vocês para me ajudar, não vejo motivos para não tentarmos derrotá-lo. Realmente acredito que, por algum motivo, você possa vê-lo, então você será meu olho e eu sua arma.
True pensou na proposta, mas não era algo simples derrotar um general. Ele presenciou a difícil batalha contra o general da América do Sul. Teria sido bem pior se Romeo não tivesse se sacrificado.
Se todos estivessem aqui, mas Light virou uma estátua humana e não posso deixar Esmeralda nessas condições. Ela está doente e precisa de mim por perto - explicou True.
Eu sou forte o suficiente para substituir Light e Esmeralda, que até o momento não consegue ativar sua alma, então nós podemos cuidar disso.
Desculpe, mas discordo! Prometi proteger Esmeralda, ela estará ao meu lado em qualquer lugar mesmo no campo de batalha. Além disso, quando lutamos contra o general da América do Sul, havia oito pessoas para derrotá-lo.
O lugar era uma base militar e não se esqueça de que esse general caminha pelo território sozinho. Não há muitos soldados por aqui. Só a caçadora de elite poderia complicar nossos planos, porém ela, por algum motivo, teme o general, então o último lugar que ela estará é perto dele. Mas faça como quiser, você é o líder agora, o que eu menos quero é criar uma desarmonia. Vocês me aceitaram de braços abertos, então vou respeitar sua decisão.
Kyõki tentava convencer True. As palavras do garoto não tinham raiva ou qualquer outro sentimento. Elas eram apenas sugestões, True percebeu isso então não se irritou. A conversa foi interrompida com o barulho de alguém descendo as escadas rapidamente.
True! True! - Juan chamava apressado.
O que houve, Juan? - ele perguntou.
Esmeralda piorou!
True, junto de Kyõki, subiram as escadas o mais rápido que puderam ao encontro de Esmeralda que estava deitada na cama e mal abria os olhos. A respiração estava forte, e a garota variava como se estivesse tendo alucinações.
Esmeralda! Está me ouvindo? - indagou True envolvendo a cabeça da garota com os braços.
Esmeralda não respondeu. Ela pronunciava algumas palavras, mas nada que fizesse sentido.
A febre piorou, está em quarenta graus! Ela está sentido dores, fica se contorcendo de um lado para outro - disse uma mulher que estava ajudando Juan na recuperação de Esmeralda.
True pegou um pano com água morna e colocou sobre a testa da garota.
Onde está o termômetro? Quero medir a temperatura novamente.
A mulher entregou o aparelho digital para o garoto que checou a temperatura de Esmeralda.
Quarenta graus e meio! - True estarreceu, não esperava que a febre aumentasse em poucos minutos. - Liguem o chuveiro! Não deixem que a água fique muito fria!
Juan assentiu e voluntariamente foi ligar o chuveiro para deixar a água na temperatura adequada enquanto True pegava a garota nos braços para levá-la ao banheiro.
Deixe isso comigo, garoto. Ela precisará se despir para ter melhor resultado - disse a esposa de Juan que já estendia a mão para pegá-la. Uma senhora de mesma idade que o marido, usava roupas simples e sua aparência demonstrava os anos de trabalho duro.
Não! Eu prometi cuidar dela! Isso é minha obrigação! - True gritava para mulher que recuou alguns passos, amedrontada com a reação do garoto.
Não pode fazer isso sozinho, garoto! Deixe que eu, uma mulher, cuide dela. Por acaso não confia em nós? - retrucou a senhora, mas o marido chamou sua atenção.
Juan fez um gesto para a esposa, dizendo que estava tudo bem. True não perdeu tempo e logo entrou no banheiro, fechando a porta, e tirou as roupas de Esmeralda. A temperatura da água estava apropriada para que ela entrasse sem que houvesse riscos de choque térmico.
O garoto retirou a roupa de frio, ficando apenas de bermuda e com uma blusa fina. Ele segurou Esmeralda nos braços e a levou até debaixo do chuveiro, para que ela recebesse a maior quantidade da água que caía. True estava com suas roupas encharcadas, mas não ligava, o importante era salvá-la. Vendo um pequeno banco ao lado da pia, pegou-o e usou para sentar-se enquanto segurava Esmeralda.
Passaram-se cerca de vinte minutos, mas a temperatura não parecia abaixar. Ele já estava sentido dores por todo o braço, mas não ligava.
Não posso deixá-la partir agora - True pensava aflito. - Você queria conhecer o Canadáainda não vimos nem metade! Fique com a gente, vamos mudar o mundo juntos!
True sentia o corpo de Esmeralda ficar mais e mais quente, ele queria que aquilo fosse sua imaginação, mas, infelizmente, não era. O corpo da garota parecia estar em chamas, começnado a tremer como se alguém a sacudisse.
- Não! Não piore! - True a segurou mais forte. A responsabilidade e o medo tomavam conta de sua mente. - Esmeralda! Eu quero que você melhore, quero que você abra seus olhos e se levante como fez todas as vezes que passou por algo difícil. Agora, por favor, acorde!
True gritou com todas as suas forças enquanto lágrimas se formavam em seus olhos.
Como nós somos barulhentos - queixou-se Taiji.
Taiji? — True perguntou.
Quem mais? — Taiji respondeu. - Se quisesse curar a garota podia ter me pedido, nosso lado anjo tem habilidades de cura esqueceu? Mas tudo bem. Não tínhamos energia suficiente até agora.
O que devo fazer? — True indagou ansioso.
Primeiro, preciso que fique calmo. Depois façamos nossa sincronização e deixe que o fogo flua sobre seu braço.
True suspirou e procurou manter-se calmo; afinal, seu nervosismo não solucionaria aquele problema, muito menos conseguiria fazer algo por Esmeralda. Quando se sentiu seguro, ativou sua alma e deixou que sua energia fluísse para o braço direito, cobrindo seu braço de chamas.
Por que as chamas? — True quis saber.
Porque precisamos somente de energia Yang, em outras palavras, pura.
E quanto ao Flagelo das Almas?
O Flagelo das Almas é diferente. A foice possui tanto energia yin quanto yang, quando a criamos, doamos uma pequena porção de energia de cada lado.
Mas ainda há algo que não entendo, Taiji. Por que concentrou nossa energia nas chamas? Isso não iria só piorar a febre de Esmeralda?
True, o que você pensa sobre o fogo? Talvez sendo a nossa mente e corpo você tenha uma visão errada do que o fogo representa.
O que quer dizer?
Fogo não é destruição, assim como pensa. O fogo não é utilizado apenas para afastar os inimigos e se defender. Ele não é somente usado como meio ofensivo. O fogo, True, é vida, é transformação. Assim como os alquimistas usavam para criar suas invenções ou os homens da terra que usam o fogo em sua mata para melhorar o solo. Lembre-se do Sol, que nos ilumina dia após dia, trazendo a luz e levando a escuridão, que nos aquece protegendo-nos do frio. O fogo está presente também no espírito de cada um, a chama da determinação, o calor dos sentimentos. Nunca se esqueça: fogo é luz!
As chamas cresciam, tomando totalmente o braço do garoto, mas como Taiji havia explicado, aquele fogo não destruía o braço do garoto e nenhuma dor era provocada, pelo contrário, True sentia um calor agradável. Aquele calor lembrava quando Esmeralda segurava sua mão ou quando se apoiava em seu braço. Ele estava determinado que a chama da alma de sua companheira não se apagaria.
True apoiou Esmeralda no braço esquerdo e com seu braço direito, tocou no local onde a garota tinha recebido o tiro do soldado. As chamas se espalharam rapidamente pelo corpo da garota. True se assustou com aquilo, mas procurou lembrar-se das palavras de sua alma, o fogo não a machucaria, ele queimaria a infecção e deixaria o corpo de Esmeralda livre de qualquer impureza.
True podia sentir o corpo da garota voltando à temperatura normal, e à medida que a curava, as chamas iam diminuindo até que foram apagadas completamente. Ele estava fraco com a energia que utilizou, então com suas últimas forças, desligou o chuveiro e vestiu Esmeralda com um pijama que uma das mulheres que trabalhavam no bar tinha separado. Depois, já exausto, True a levou de volta até a cama.
True? Está tudo bem?—Juan logo perguntou vendo o garoto cobrindo Esmeralda com um edredom.
O garoto não tinha forças para responder, então se jogou na cama e logo dormiu.
A esposa de Juan foi até Esmeralda checar sua febre, e colocando a mão sobre a testa da garota, pôde sentir que ela tinha melhorado. A mulher, sem saber como o garoto tinha feito aquilo, olhou para o rosto de Juan e ele percebeu que True tinha conseguido.
Será que ele está bem? - indagou a esposa, vendo que o garoto apenas se jogou na cama com as roupas ensopadas.
Sim, ele está - Juan teve certeza ao dizer, vendo o sorriso no rosto do garoto que dormia profundamente.
True acordou assustado, olhava de um lado para outro à procura de Esmeralda que não estava mais no quarto. Ele viu um relógio no criado ao lado da cama indicando 20h05. Quando ele ia se levantar, Esmeralda entrou no aposentou trazendo uma refeição em uma bandeja.
Boa noite, dorminhoco.
Esmeralda! Você está melhor? - True se apressou em saber.
Sim, graças a você. Juan me contou tudo o que houve. Você deitou na cama todo ensopado, então Juan teve que trocar suas roupas - sorriu.
True corou com a notícia, e Esmeralda percebeu a reação.
Não sabia que você era tão tímido - ela disse alargando o sorriso. - Eu não fiquei assim quando soube que foi você quem me trocou.
Aquilo só fez o garoto corar ainda mais. Esmeralda ria do garoto, mas, no fundo, aqueles sorrisos eram de felicidade por tê-la salvo. Ela entregou o prato com comida para True, que o agarrou e começou logo a comer, já que não tinha comido nada desde o almoço.
Kyõki também me falou sobre o plano de enfrentar o general. Descul... - Esmeralda parou, ela sabia que True não gostava de vê-la se culpando, - Eu achei um bom plano, podemos botá-lo em prática amanhã pela tarde.
Você tem certeza disso? Sabe que depois que usei o Solstício em sua alma, outra forma ainda não apareceu. Além disso, apesar de ser apenas um oponente, ele está invisível aos olhos de vocês. Apenas eu posso vê-lo.
Eu sei, True, mas Kyõki me disse algo que pode ser verdade. Com a derrota do general, Light deixará de ser uma estátua de gelo. Quanto ao nosso número, não temos a quem recorrer, mas não estamos em tanta desvantagem. Você será nosso guia, enquanto eu cuidarei para que nenhum ataque te acerte de surpresa, posso te alertar se vir alguma coisa. Kyõki me pareceu bastante habilidoso, talvez ele realmente possa cuidar do general.
True pensou um pouco na proposta, mas logo concordou.
Já que não temos outra escolha, diga ao Kyõki que aprovo. Com o descanso que tive à tarde estarei com minha energia totalmente recuperada amanhã.
Kyõki estará aqui amanhã à tarde, nessa hora vamos agir - Esmeralda acrescentou.
True assentiu colocando mais um pouco de comida na boca. Enquanto degustava da ótima comida, lembrou sobre ninguém além dele e Light ter visto a criança na margem do lago.
Esmeralda, você tem certeza de não ter visto nenhuma criança ontem no lago? — True sabia que ela não tinha visto muita coisa, após ter sido atingida, ficou paralisada e pouco conseguia se mexer.
A garota se esforçava para lembrar, mas apenas vultos e vozes vinham em sua mente.
Eu não lembro de muita coisa... Tudo foi muito rápido. Lembro-me de que depois de ser atingida, você me segurou, depois vi Juan nos protegendo. Também me lembro da caçadora procurar por alguma coisa no lago, ela ficava olhando para todos os cantos como se não achasse o que queria.
True concluiu que Kyõki estava certo, apenas ele e Light teriam visto a misteriosa criança, apesar de não saber o motivo.
Capítulo 19
O guardião dos caídos
Após a caçadora de elite ter passado pelo episódio no lago com o general, ela e o seu subordinado corriam sem rumo o mais longe possível do local. Depois que eles percorreram quilômetros, a mulher decidiu parar perto de uma pequena praça para descansar.
O que foi aquilo, senhora? - Sting indagou sem fôlego.
Eu não sei... Mas acredito que seja o general - disse a caçadora, recuperando a voz.
O corpo de Sting foi tomado por um longo calafrio. O general da América do Norte tinha fama de um ser que atacava qualquer um, aliado ou inimigo, que entrasse em seus domínios. Apesar de todos conhecerem seus boatos, ninguém o viu, nem o próprio ditador - era o que diziam os boatos. A dupla, exausta, procurou um banco na praça para se sentar. O local estava aparentemente vazio, o frio tomava conta do local afastando as pessoas. A caçadora e o seu subordinado esperavam que o local, estivesse abandonado, mas assim que os dois sentaram, a mulher avistou alguém que não esperava encontrar.
Sting! Olhe no outro banco à nossa frente.
Sting, curioso para ver o que era, seguiu o olhar de sua superiora. Ao contrário do que aconteceu com ela, Sting abriu um longo sorriso. Alone Walker estava do outro lado da praça.
Aquele é John Strongheart! O que está foragido há anos! - reconheceu Sting quase dando uma gargalhada de satisfação. - E ele está distraído! Podemos matá-lo e entregá-lo ao Führer, tenho certeza de que ele ficará muito feliz conosco.
A mulher ficou pensativa por algum tempo e decidiu:
Não quero que ataque agora - disse a caçadora, interrompendo seu subordinado que erguia sua arma. - Nós iremos até ele para ter certeza.
Sting não gostou muito da idéia, mas não podia discutir com sua superiora. A fama da caçadora de elite também era conhecida como um dos caídos que menos se desejava ter como inimigo.
Alone estava olhando para o céu pensativo, mas foi interrompido quando ouviu passos de duas pessoas que vinham em sua direção.
Você é John Strongheart? - A caçadora quis ter certeza.
Alone não respondeu de imediato, esperou que o barulho do vento se assentasse para que ele não precisasse elevar a voz.
"John Strongheart". Chamavam-me por esse nome no passado, se não quiser me irritar, não me chame assim. Meu nome é Alone Walker, caída — Alone mal se moveu, continuou olhando para o céu nublado.
Que seja! - A caçadora gritou impaciente. - Você é acusado de ter ajudado a organização rebelde, conhecida atualmente como Ordem dos Paladinos, na rebelião contra o governo da América do Sul. O que você alega?
Paladinos? - Alone começou dando um sorriso. - Esse nome combina com eles. Fazer parte daquela organização foi umas das poucas coisas que não me arrependo de meu passado.
Como eu pensei! Sua afronta contra o Führer será paga com a morte! - A mulher fez um gesto para que seu subordinado mirasse.
Ela estudou Alone para ver qual seria sua reação, mas do jeito que eles o encontraram, ele permaneceu. Irritada, a caçadora fez Sting atirar, fazendo um enorme barulho interrompendo o silêncio que tomava conta do local.
A mira foi perfeita, o alvo ficou parado e a bala foi na direção certa, mas algo não saiu de acordo com o que eles esperavam. A bala caiu no chão sem que parecesse sofrer qualquer impacto. Sting olhou horrorizado para Alone e a caçadora estava com a mesma expressão. Talvez ele tenha errado — ela pensou, então fez o sinal para que o soldado disparasse mais tiros.
Sting disparava sem parar, mas as balas, quando iam acertar o alvo, caiam ao chão.
Vocês nem sequer conseguem me acertar — quando terminou de falar, Alone, com uma velocidade incrível, reapareceu atrás do soldado, prendendo a cabeça de Sting em seu braço. A caçadora, que estava ao lado de seu subordinado quando percebeu o movimento de Alone se aproximando para imobilizá-lo, deu um longo salto para trás afastando-se. Alone apertava cada vez mais o pescoço do soldado, dificultando sua respiração.
Incrível! Você conseguiu ver meu movimento - disse Alone para a mulher enquanto apertava mais o pescoço do soldado.
Que velocidade é essa? Ela quase se eqüivale a minha! Tenho que ter cuidado com esse homem - a caçadora pensava.
Alone encarou a mulher nos olhos com um olhar provocador, e em um piscar de olhos, Alone arrancou o braço do soldado que carregava a arma. A caçadora só pôde ver o movimento por estar acostumada a se mover em grande velocidade, mas isso não a impediu de ficar surpresa com tamanha força e frieza de Alone.
Vo... Você arrancou o braço dele com os... dentes? - Enquanto a caçadora tentava falar, ela ouvia os gritos de seu subordinado pedindo para que o ajudasse.
Então você percebeu - disse Alone com um sorriso no rosto coberto de sangue.
O soldado iria perder bastante sangue e certamente morreria, mas Alone não gostava que nem os seus inimigos morressem dessa maneira; então, com um rápido movimento, quebrou o pescoço do soldado e o soltou, deixando que a neve fosse tingida com o sangue do caído. A caçadora observava aflita com certa distância, apesar de seu subordinado ter morrido, ela não parecia se importar.
Alone andou lentamente até onde a caçadora estava imóvel. A cada passo o corpo da mulher tremia mais, até que suas pernas não a suportaram, fazendo-a cair sentada. Quando ele ficou frente a frente com a mulher, pôde ver que ela estava chorando, porém algo mais o chamou atenção. No lugar de um olhar de desespero ou medo, ele encontrou um olhar de esperança e um sorriso de alegria.
Por que está sorrindo? Não está com medo de mim? — Alone indagou, confuso. Aquelas perguntas ficavam martelando em sua cabeça, procurando por uma resposta.
Você possui a alma do Cérbero, não possui?
Alone tentava imaginar como aquilo traria felicidade àquela mulher. Interessado pela resposta, afirmou:
Sim, eu sou aquele que possui a alma de Cérbero.
O sorriso da mulher aumentou ainda mais, lágrimas e mais lágrimas deslizavam no rosto da caçadora.
Eu estava te procurando... E agora... Finalmente... Eu o encontrei!
Alone encarava os olhos da mulher, ele não fazia idéia do motivo para ela o estar procurando. Sem ação, ficou parado em dúvida se ajudava ou aquilo seria uma armadilha para pegá-lo de guarda baixa. Sua vida inteira foi assim, cheia de truques e ilusões, o que parecia um sonho se tornava um pesadelo.
Enquanto Alone pensava como agir, sua mente foi tomada por imagens horríveis. Visões passavam em sua cabeça, cenas de morte, desespero, tristeza, horror. Aquilo acontecia algumas vezes durante o dia. Alone colocou a mão na cabeça, pressionando os ouvidos, com a esperança que os gritos sumissem, e ele finalmente pudesse ficar em paz.
A caçadora via a cena com atenção. Alone percebeu que ela, por algum motivo, sabia o que estava acontecendo.
Está tendo visões? Eu sei pelo que está passando, deixe-me te ajudar!
Alone, sem forças para responder, foi levado para o banco e ficou sentado ao lado da caçadora que ele já não sabia se seria uma inimiga ou aliada.
Quando as vozes finalmente desapareceram, ele voltou a sua consciência e puderam continuar o assunto anterior.
Como sabe que tenho essas visões? - Alone perguntou ofegante.
Vou te contar tudo o que sei, mas em troca terá que me ajudar, será um acordo. Você aceita? - Propôs a caçadora estendendo a mão.
Alone não tinha escolha, ele queria muito saber sobre sua alma sobre a qual não conhecia nada. Antes era Light quem o ajudava com essa tarefa, mas ele não estava mais lá. Um favor para mulher seria apenas um detalhe, que com o poder que ele possui, seria rápido e fácil.
Tudo bem. Mas se vou mesmo ou não te ajudar, isso vai depender do que me disser! - disse Alone, aceitando a condição, e então a mulher começou a explicar.
Cérbero é conhecido, baseado na mitologia, como o guardião do portão do submundo. Ele impede que as almas saiam do submundo e vão para o mundo humano. Acredita-se que um Cérbero possui três cabeças, mas esse número não é exato - começou a caçadora e deu uma pausa para recuperar o fôlego. - A alma em forma de Cérbero não é como as outras, ela é extremamente rara, apenas uma a cada um bilhão de pessoas a possui. No caso, você foi o escolhido para tê-la. Assim como Cérbero guarda o portão do submundo, é sua missão proteger este mundo para que ninguém tenha uma alma tão corrompida que supere a sua, em outras palavras, mandar as almas extremamente corrompidas de volta ao submundo. As visões que passam na sua cabeça são as visões que o Cérbero viu nesse exato momento. Vocês estão ligados, tanto ele pode ver o que você vê, como você também pode ver, ouvir e sentir as mesmas coisas que ele vê, ouve ou sente.
Alone fechou os olhos naquele momento e tentou concentrar-se para ver o submundo. A tentativa foi um sucesso, ele viu uma espécie de caverna bem escura e atrás dele tinha um enorme portão feito de ossos e vários crânios tingidos de sangue. Nas frestas do portão dava-se para ver um vapor gelado que petrificava toda a área que alcançava. Os gritos também eram ouvidos do lado de fora, aquilo fez com que Alone liberasse a visão de Cérbero.
Estou sem palavras.
No momento em que você caiu, sua alma atingiu um nível muito abaixo no oceano da corrupção. O Cérbero está em um plano que nenhum corpo físico pode alcançar - a mulher continuou.
Isso é verdade, Cérbero? - Alone indagou a sua alma, que era o único ser que confiava.
Eu também não sabia o que tinha acontecido direito. O que ela falou parece ter sentido — Cérbero respondeu.
Isso explica a dor incomum que sentimos.
O que mais você sabe? — perguntou Alone, inquieto.
Eu sei que suas habilidades são as mesmas de sua alma anterior, mas agora estão inúmeras vezes mais poderosas, além disso, você deve ter ganhado outras habilidades como a troca de visão entre sua alma e corpo. Você é o que conecta esse mundo ao outro, Alone.
Alone estava muito inquieto, levantava e sentava diversas vezes, dava voltas e voltas em círculos, pensando no que tinha acabado de ouvir. Apesar de não saber se a mulher estava ou não o enganando, sua alma concordava com a versão da história.
Como não notou nada? - Alone perguntou novamente para Cérbero.
Pensei que esse local seria nosso mundo, depois de ter sido completamente destruído, fui parar nesse local e estou aqui desde então.
Alone decidiu que confiaria naquela mulher por enquanto, mas não deixaria de suspeitar dela. As vezes em que ele foi enganado serviram como experiência para nunca mais acreditar em alguém.
O que quer em troca?
A caçadora suspirou, aquele era o momento que ela esperava.
Preciso que você encontre um caído para mim, primeiro quero que Cérbero procure na memória dele se esse caído está morto e fugiu do submundo. Se não estiver, você possui a habilidade de sentir a presença dos caídos por perto, é assim que o acharemos.
E depois que o acharmos?
Eu resolverei o que fazer. Sua missão até lá é apenas encontrá-lo.
Alone ficou pensativo por um minuto. Quando finalmente parou, ele encarou o horizonte. A caçadora o examinava desejando saber no que ele estava pensando.
Como é essa pessoa que você procura?
É uma criança de seis anos: cabelo ruivo, pele branca como a neve e sardas no rosto.
Cérbero, quero que procure em suas lembranças uma criança com essa aparência.
Farei o que puder.
Cérbero está procurando... — Alone deu uma pausa e encarou a mulher que notou.
O que foi? Algo errado? - ela indagou confusa.
Qual é o seu nome? É complicado conversar com alguém que não sei como me referir.
A caçadora sorriu, ela estava tão obstinada em conseguir saber sobre a criança que se esqueceu de se apresentar.
Meu nome é Alexandra. Nasci e cresci aqui no Canadá antes de entrar para o exército.
Você é uma caída, certo?
Alexandra assentiu e explicou:
Não quero falar exatamente como foi, mas posso dizer o motivo de ter seguido o ditador. - Alone balançou a cabeça para que ela continuasse. — Quando eu caí, não sabia exatamente o que tinha me tornado, mas sabia que não tinha mais motivo para viver. Foi em um acidente que tudo aconteceu, eu perdi meu mundo e é essa pessoa, que era meu mundo, que estou procurando. O acidente ficou conhecido por todo o Canadá. Foi então que eles me acharam. Eu era um alvo fácil, conseguiram fazer minha cabeça para que eu me juntasse a eles. O exército me ensinou sobre tudo e o que mais me chamou a atenção foram as habilidades individuais de cada alma. Passei dia e noite estudando sobre mitos e lendas que me dessem a possibilidade de chegar ao mundo dos mortos, onde certamente a pessoa que eu perdi estaria. Quando finalmente achei sobre o mito grego de Cérbero, descobri várias coisas interessantes através dele, mas não sabia ainda como eu poderia ir ao mundo dos mortos. Durante o treinamento, meu mestre me disse que os formatos das almas poderiam adotar criaturas mitológicas e adquirirem suas habilidades. A partir daquele dia tenho procurado por alguém que possuísse a alma de Cérbero. Meses se passaram e eu não conseguia nenhuma pista, meu mestre me disse que os formatos de alma eram similares ao nosso mundo, assim como existia vários lobos na Terra, existiriam também várias almas em forma de lobo, como só há um Cérbero, provavelmente, só haverá uma alma em forma de Cérbero.
Alone, eu não encontrei ninguém com essas características.
Tem certeza?
Sim, poucas crianças passam por aqui e as que passaram não eram como a Alexandra descreveu.
Cérbero não encontrou nada. Parece que a pessoa que você procura está viva.
Alexandra congelou como se não esperasse pela notícia. Alone achou estranha sua reação, se essa pessoa não estivesse morta, eles apenas teriam que achá-la ou talvez Alexandra não a quisesse viva.
Como não achou? Eu mesma presenciei sua morte! Eu vi o corpo sendo enterrado! - Alexandra gritava enfurecida, agarrando a gola do sobretudo de Alone.
Acalme-se! - Alone gritou de volta empurrando-a em direção ao banco. - Se essa pessoa está viva vamos achá-la e então você fará o que quiser! Não foi o que disse?
Alone se sentou ao lado da mulher, desta vez ele abaixou a cabeça e colocou sua mão sobre o rosto, se esforçando para pensar. Alexandra estava imóvel, o corpo dela tremia enquanto lágrimas surgiam no canto dos olhos.
Onde podemos começar a procurar? - Alone indagou depois de esperar que ela se acalmasse.
Tem um lago... Ele é um pouco extenso... Podemos começar a procurar por lá... - Alexandra não podia mais esconder o incidente que teve naquele dia pela manhã, então decidiu contar. - Tem algo que você precisa saber antes de irmos para lá.
Alone, que estava com a cabeça baixa encarando o chão cheio de neve, virou para prestar mais atenção às palavras de Alexandra.
Hoje, pela manhã, eu me encontrei com os Paladinos - aquela palavra fez o coração de Alone bater mais rápido, seus antigos companheiros estavam mais perto do que ele esperava estar. — Nós lutamos, mas eles não foram suficientes para me impedir, porém antes que eu acabasse com eles. Ele apareceu... - Alexandra parou nesse momento tentando arrumar forças para continuar.
Quem apareceu? - Alone perguntou inquieto.
O general... Esse general não é igual aos outros, ele não é aliado nem inimigo, qualquer um que cruze seu caminho ele tira a vida. Eu já ouvi muitas histórias sobre ele, mas nunca o vi, assim como outros caídos também nunca o viram. Hoje, quando estava no lago, pude perceber a semelhança com a voz da criança que estou procurando, mas eu não entendo. Eu vi essa criança morta, como pode ela estar viva? - Alexandra não conseguia se controlar, cada vez mais perdia o comando de seu corpo e de suas emoções.
Controle-se Alexandra! - Alone gritou e segurou no ombro da caçadora para que voltasse ao controle de sua mente. - Hoje vamos descansar, pois pelo que me parece, você passou por algo realmente difícil. Não pense que me importo com você, mas se não estiver com a mente controlada, só irá dificultar meu trabalho. Amanhã você me guiará ao lago e eu irei assumir de lá.
Alone ajudou Alexandra a levantar-se para que a levasse até o hotel onde estava hospedado. Por Alexandra ser da elite do exército, eles não tiveram problemas em encontrar um quarto e muito menos com suas despesas.
Quando a noite chegou, Alone havia combinado com Alexandra que eles jantariam no restaurante no térreo do prédio. Na hora marcada, Alone saiu de seu quarto e foi chamar Alexandra para que pudessem descer juntos. Ela dissera que a porta estaria sempre aberta, bastava apenas ele bater três vezes antes de abrir. Alone seguiu a orientação e entrou no quarto. Assim que abriu a porta, encontrou Alexandra olhando pela janela.
Está nevando.
Alone não entendeu o que ela quis dizer e também não sabia o que falar naquela situação, ele preferiu ignorar, mas certamente ela estaria pensando no dia seguinte.
Tem certeza que quer procurá-lo amanhã? Não tem problema se adiar um dia ou dois.
Não! — Alone levou um susto com a resposta. — Esperei muito tempo para encontrá-lo, agora que tenho todas as ferramentas não foi me acovardar!
"Ferramenta", então é isso que eu sou. Por que não pareço surpreso?- pensou Alone.
Está pronta? Estou faminto.
Alexandra apenas se virou e foi para fora do quarto. Apanhou as chaves para fechar a porta. Quando não estava, preferia manter a porta trancada.
Amanhã, Alone! Amanhã, nós vamos encontrá-lo!
Alone assistia a determinação se formar no rosto de Alexandra.
Se tudo isso for verdade. Eu te agradeço, até agora não tinha um sentido para viver desde que caí, parece que você me deu um — agradeceu Alone silenciosamente em sua mente.
Capítulo 20
Destino
A manhã parecia não passar. Cada segundo pareciam horas, o tempo era algo que parecia congelado como os lagos e plantas do lado de fora do alojamento. Juan limpava o pequeno bar no andar de baixo para que mais um dia começasse sempre perfeito e preparado para receber os clientes. Apesar de serem soldados, Juan não os tratava de malgrado. Sua mulher preparava um belo almoço para que o pequeno grupo pudesse agüentar o frio que o esperava do lado de fora. Apesar de não saber exatamente o que os jovens iriam fazer, sabia que precisavam estar fortes e saudáveis. "Com saúde se faz tudo" esse era o lema do casal.
True se exercitava do modo que podia no pequeno quarto, séries de flexões e abdominais eram repetidas sem parar para que seu corpo estivesse pronto para o combate que o esperava. Esmeralda o assistia imóvel na cama com o cobertor enrolado em seu corpo. Depois de ter passado por uma febre tão alta, não queria que aquilo se repetisse, então tomava todos os cuidados. Além dos exercícios servirem para manter o corpo de True no ritmo, também tinha a função de passar o tempo. Assim que terminou todas as séries de exercícios possíveis e se limpou com um pano e água morna, deitou-se no colo de Esmeralda, que acariciava seu cabelo. Sua mente era tomada por estratégias e possíveis armadilhas na parte dos caídos. Aquele era um cuidado que o garoto possuía, ele pensava em situações que podiam colocá-los em risco, caso acontecesse, ele já saberia o que fazer.
Na mente de Esmeralda apenas passava um pensamento: como ela poderia ajudar e não atrapalhar. Ela sabia que True não a deixaria junto de Juan e sua esposa, primeiro que o local era repleto de soldados que iam para o bar passar o tempo; segundo, que ela se sentiria abandonada sem o garoto. Esmeralda estava aliviada por True ter dito que a levaria junto a ele, porém sabia que True não poderia lutar livremente tendo que protegê-la. A garota estava determinada a não atrapalhar e ficaria com a guarda reforçada no caso de algum soldado chegar pelas costas ou outros inimigos tentarem se envolver na batalha.
Quando finalmente a tarde chegou, True e Esmeralda estavam sentados na mesa com oito cadeiras esperando pela refeição. Kyõki chegou poucos minutos depois que os dois desceram. O garoto cumprimentou-os e juntou-se a eles. Juan foi quem serviu o almoço para os jovens ansiosos e famintos.
Não comam depressa, isso vai fazê-los terem dores no estômago.
True era o que parecia mais ansioso e envergonhado com sua atitude, se acalmou e começou a comer devagar. Ele teve que concordar com Juan, comendo devagar pôde sentir melhor o sabor da deliciosa comida que a senhora Leon preparara.
Assim que todos terminaram de comer, True e Esmeralda se vestiram com as roupas que Light tinha mandado fazer na América do Sul especificamente para aquele lugar. Kyõki, como ainda não possuía sua roupa especial, veio com roupas confortáveis, mas que o protegessem do frio. True notou que Kyõki trouxe seu fiel fone de ouvido o qual sempre o acompanhava, e percebeu que nunca tinha visto o garoto sem o aparelho.
Antes de partirmos, quero que olhem este mapa — disse Kyõki estendendo o mapa sobre a mesa.
O mapa era uma réplica do local. Kyõki queria revisar o plano que não era muito complexo, mas era necessário para que True e Esmeralda tivessem uma visão mais completa do local.
Aqui é Yellowknife, onde estamos agora — Kyõki começou a explicar apontando para o local onde estavam. — Seu piloto disse ao Juan que vocês vieram do aeroporto de Vancouver. - Quando Kyõki apontou para o local distante, True pôde perceber finalmente a distância que tinham percorrido pelos túneis da base subterrânea, que foi totalmente destruída. — O lago, onde vocês tiveram o incidente com o general, é este mais perto da cidade, como eu tinha explicado antes, através da força da tempestade podemos saber onde o general se encontra. Moradores relataram que foi ouvida uma voz de uma criança nas fronteiras do leste da cidade. - Kyõki fez um semi- círculo, com um pincel vermelho que segurava nas mãos, na área onde foi ouvida a voz da criança. - O lago inteiro é o território dele, então como a quantidade de neve por aqui está fraca, concluo que ele esteja ou no lago ou então mais ao sul, onde se encontra a floresta e, segundo soldados que a patrulham, foi ouvida a voz de uma criança.
Todos que acompanhavam a explicação de Kyõki ficaram maravilhados com a inteligência do garoto. De uma maneira simples, ele resolveu o problema de encontrá-lo, reduzindo o leque de possibilidades de onde a criança poderia estar.
Incrível! Como conseguiu descobrir tanta coisa? - True quis saber.
Apenas usei a lógica e as informações que possuía. O meu dormitório fica no leste, onde consegui ouvir outros alunos falarem sobre uma voz de criança que surgia com os ventos. Quanto à floresta, eu obtive a informação aqui mesmo no bar enquanto os soldados conversavam. O lago foram vocês mesmos que confirmaram minhas teorias. Às vezes, quando vinha trabalhar aqui pela tarde, via as nuvens negras se formando no lago.
True e Esmeralda estavam mais aliviados. Kyõki parecia possuir profundos conhecimentos do local e não era uma pessoa distraída, estava sempre alerta aos detalhes que o cercavam. Aquelas características faziam os dois jovens se lembrarem de Light que sempre pensava em tudo, ficando, assim, mais tranqüilos.
Agora que todos os detalhes foram informados e todos estavam prontos. O pequeno grupo composto por True, Kyõki e Esmeralda partiu ao encontro do general. True tentou levar Juan para ajudá-los, apesar de o homem ser de terceira idade e não possuir uma forma de alma, conseguia lutar como fez no lago impedindo a caçadora de matar Light, porém ele não aceitou. Juan é uma pessoa que não gosta de brigas, apenas se envolve para defender alguém ou para impedir que uma comece. Ele também não fazia idéia do motivo da batalha, além de não se adaptar facilmente a novas experiências.
A medida que o grupo percorria o caminho, a neve caía com mais intensidade e a brisa se transformava em vendaval. Eles percebiam a mudança enquanto caminhavam cada vez mais perto do lago. True viu que Kyõki estava mais afastado dele e de Esmeralda, o que o fazia se lembrar do almoço quando todos se sentaram à mesa e Kyõki era o mais distante.
Kyõki, está tudo bem?
Sim...
Não consigo te ouvir! Por que não fica mais perto da gente para que possamos te ouvir? O vento está muito forte! — True entendeu perfeitamente a resposta do garoto, mas fez aquilo para que ele diminuísse a distância entre eles.
Esmeralda percebeu o objetivo de True e ficou feliz que ele se importasse com os outros, uma atitude que o garoto não possuía antigamente.
Kyõki, que agora caminhava lado a lado dos outros dois jovens, encarou True para saber o que queria. O garoto teve que pensar em alguma pergunta qualquer para fazer a Kyõki.
Errr... — enquanto pensava em qualquer coisa útil, acabou se lembrando de uma pergunta que queria ter feito assim que o conheceu. — Como fez a sincronização de sua alma com seu corpo? Quer dizer, você aprendeu sozinho a controlar sua alma? Eu tive um pouco de dificuldade para passar por esse processo mesmo com a ajuda de Light, então queria saber como o fez sem ajuda.
Esmeralda ouviu a pergunta e também ficou curiosa. Ela talvez pudesse tentar a mesma técnica para ativar a sua nova alma que até o momento estava oculta. Aquilo era estranho para ela, não tinha ganhado uma nova alma, mas, sim, um novo formato com a recuperação depois de ter caído.
Eu, na verdade, não sabia que isso era possível. Eu acreditava que possuíamos uma energia dentro de nós, mas não que essa energia pudesse ser transformada em alguma coisa ou que pudesse ser trazida para fora de nossa mente. Isso aconteceu no meu aniversário de 11 anos. Minha mãe dizia que eu era muito triste e quase não sorria. Então ela decidiu me dar esse aparelho de som de presente. Nele, ela colocou várias músicas que faziam sucesso no Japão e no mundo na época. Eu gostei do presente, ouvia o tempo todo as músicas, os quais, de alguma maneira, faziam minha alma vibrar. Minha mãe ficou feliz que eu tinha gostado então me deu esses fones de ouvido maiores, que, segundo ela, prejudicavam menos a audição - Kyõki explicou mostrando o aparelho que estava no seu bolso e apontou para os fones que usava. - Isso foi no ano em que a ditadura começou. Às vezes que a via ficaram cada vez menores até que meses se passaram e nunca mais pude vê-la.
True passava pela mesma coisa, seus pais foram mandados para a Ásia há quatro anos em um serviço para o exército e nunca mais pôde vê-los.
Enquanto ouvia as músicas, conseguia fazer meu serviço muito mais rápido - continuou Kyõki. - Foi então que minha alma e corpo, através da música, ficaram conectados, e é por isso que sempre estou com meu fone.
Kyõki respondeu a mais uma pergunta de True. Ele não imaginava que a alma poderia sincronizar ao corpo através da música, mas aquilo era arriscado, no caso dele esquecer o aparelho de som, a bateria acabar ou o oponente danificar o aparelho, seria o fim para Kyõki, mas True não queria alertá-lo, aquilo poderia tirar a concentração dele para a luta, e, com certeza ele já teria pensado nessa possibilidade.
O grupo tinha avançado mais da metade do lago então decidiram parar para pensar em um novo rumo.
Como não há tempestade por aqui, acredito que seja um daqueles dias em que ele anda pelas redondezas — explicou Kyõki.
Então vamos para o sul? - indagou True.
Tenho uma idéia melhor. Vou fazer uma grande estaca com minha alma, assim, vou ter altitude suficiente para ver o local. De cima será mais fácil ver onde está a tempestade.
Kyõki não parava de surpreender, suas idéias sempre estavam um passo à frente das de True, mas o garoto não sentia inveja, apenas admiração.
O garoto asiático criou a estaca que se estendia junto a ele em direção ao céu. Olhou para os lados e viu, em duas direções opostas, nuvens negras se formando. Aquilo anularia seu plano para encontrar o general, mas como não estava sozinho, poderia bolar outra estratégia que ainda os manteriam na vantagem.
E então, o que encontrou? — True perguntou.
Nada bom, tem uma tempestade vindo da floresta, mas há outra que vem do nordeste do lago. O único modo de encontrá-lo será nos separando. Alguém vai achar o general e o outro vai apenas se deparar com uma tempestade climática comum.
Nós separar? Isso está fora de questão! Nenhum de nós, sozinho, poderá derrotar um general — True balançada a cabeça em discordância.
Eu sei, por isso, no caso de eu encontrar o general, irei sinalizar para vocês com minhas estacas. Posso andar muito mais rápido sem vocês com a ajuda de meus espinhos, então se eu não encontrar o general, vou para a direção que vocês foram.
True e Esmeralda concordaram com o plano, o objetivo era enfrentá-lo juntos.
Sendo assim estou de acordo, mas tome cuidado!
Vou pela floresta, conheço o local melhor que vocês, a chance de me perder é quase nula e se eu me encontrar com algum soldado posso derrotá-lo facilmente. Você e Esmeralda irão para o nordeste do lago, tem menos chances de se perderem e caso isso aconteça, é só andarem para a margem e segui-la até que encontrem o bar de Juan.
True e Esmeralda assentiram, partindo no mesmo momento que Kyõki para seus respectivos destinos.
Você percebeu que Kyõki gosta de agir sozinho sempre que possível? - Esmeralda reparou. True já estava sentido falta da voz da garota que passou a caminhada toda em silêncio.
Sim, mas eu acho que sei por quê - True respondeu e percebeu que Esmeralda o encarou com um olhar de curiosidade. — Não sei se estou certo, mas em uma das histórias de Piatã, ele me contou sobre o dilema do porco-espinho.
O Porco-espinho não é a forma da alma de Kyõki? — Esmeralda se lembrou.
Sim, isso mesmo. Se eu não estiver enganado, o dilema é o seguinte: um porco-espinho quando se encontram com outro da mesma espécie, tem medo de se relacionarem...
Que tipo de medo?
Eles têm medo de ferir um ao outro com seus espinhos, quanto mais perto, maiores as chances. Não sei se isso faz sentido, mas depois de pensar um pouco, Kyõki talvez tenha medo de que confiemos nele e ele não consiga responder as nossas expectativas. Ou o contrário, ele confie em nós e nós, por algum motivo, o trairíamos - True explicava enquanto o vento ficava mais forte, empurrando-os para trás. Estavam cada vez mais perto de alcançarem seu destino.
Isso é besteira! Nós nunca faríamos isso e sabemos que ele não é perfeito.
Eu concordo, mas é um dilema que ele carrega — disse True e logo após encerrou o assunto por um tempo. - Chegamos, mas pelo visto aqui é a tempestade climática, devemos voltar e ir ajudar Kyõki.
Esmeralda assentiu dando meia-volta e segurando o cabelo que o vento assoprava. Após andarem alguns metros, o garoto decidiu voltar ao assunto anterior.
Concordo com a mãe de Kyõki, ele sempre parece triste, na verdade, nunca o vi sorrir desde que o conheci.
Acho o mesmo, pensando bem, também nunca o vi alegre — Esmeralda concordou.
A dupla já tinha voltado mais da metade do lago, já podiam ver a entrada da floresta que de longe parecia em miniatura.
Pode parecer besteira, mas sabe quem o Kyõki me lembra? - True perguntou caminhando com o rosto abaixado.
Alone!
Sim. Como sabe?
True olhava para Esmeralda que estava com uma expressão preocupada. Ele via os olhos verdes da garota encarar algo na neblina. Ele se perguntou se seria um inimigo então rapidamente ativou sua alma e ficou na frente de Esmeralda, que quase desapareceu atrás de suas costas.
Ele olhava atentamente para a neblina e pôde ver que realmente alguém se aproximava cada vez mais de onde estavam. Os passos no gelo denunciavam qualquer tentativa de se ocultar na neblina e aquilo deixava Esmeralda informada se a pessoa que se aproximava era apenas uma ou haveria mais, se vinha correndo ou vinham lentamente despreocupados. Quando enfim os passos cessaram, True pôde ver a pessoa a qual Esmeralda avistou.
Olá, True, Esmeralda, como vocês estão?
Alone! - True disse com os olhos esbugalhados com a surpresa. Ele agora entendeu que Esmeralda o avisara, não concordado com seus pensamentos.
Ele está sozinho? — True sussurrou para Esmeralda.
Acho que sim, não percebi mais ninguém se aproximando.
Alone estudava os dois. Ele viu que True estava com o corpo à frente de Esmeralda, com o intuito de protegê-la, o que o fez sorrir.
Você tomou uma sábia decisão em proteger a garota, True. Por que eu não sei se você se lembra, mas disse que quando nos encontrássemos de novo, seria como inimigos!
Kyõki avançava sem parar criando os espinhos gigantes que saiam do chão e eram usados para que ele tomasse impulso para alcançar o próximo, e assim sucessivamente. Aquilo dava a ele uma grande vantagem em relação à True e Esmeralda que caminhavam.
O local não tinha muitos soldados, um ou outro era visto deitado, talvez dormindo, o que era difícil para alguém devido à temperatura, mas os soldados do exército estavam longe de serem normais. Kyõki logo concluiu que aqueles soldados não estavam ali descansando, e sim porque foram derrotados pelo general que deveria estar por perto. O garoto pensou em avisar True e Esmeralda que o general estava na floresta, mas queria ter certeza antes de tirá-los de sua rota.
Kyõki avistou mais um corpo de um soldado jogado ao chão. Ele poderia ainda estar vivo; assim, arremessou um espinho em direção à perna do soldado. No caso dele se mexer com a dor, saberia que estava vivo, apesar de não ter certeza se os soldados sentiam dor, mas certamente tentaria localizar a pessoa que arremessou ou pelo menos retiraria o espinho da perna.
Seguindo sua estratégia, após ter arremessado, Kyõki se escondeu na árvore mais próxima, no caso de o soldado estar vivo e procurar por quem arremessou, mas ele não reagiu. O garoto então desceu e viu que realmente estava morto. Examinando o corpo, percebeu que era o mesmo estado em que Light se encontrava, totalmente congelado. Com o corpo naquele estado, não restaria outra coisa além da morte. Ele não queria pensar no pior para Light, mas fatos são fatos em sua mente.
Kyõki pensou na possibilidade do soldado ter sido congelado devido ao clima, mas essa idéia foi abandonada, pois como estava nevando muito, o corpo teria sido coberto pela neve.
Então ele realmente está aqui - afirmou Kyõki seguro que sua dedução estava correta.
Quando foi criar o enorme espinho para sinalizar True e Esmeralda, ouviu alguém vindo em sua direção, então, rapidamente, enterrou suas pernas até a cintura na neve e para esconder a cabeça e os braços, usou o corpo do falecido soldado. Para ver quem se aproximava, teve o cuidado de deixar um espaço mínimo para sua visão.
A pessoa vinha correndo e parou exatamente no melhor ângulo da visão de Kyõki. Ele pôde ver facilmente que se tratava da mulher que True descreveu como a caçadora de elite que os perseguiu no dia anterior.
O que ela faz aqui? - Kyõki se perguntou enquanto a mulher, inquieta, olhava para todos os lados.
- Alone me disse para ir dez metros a sudeste ou sudoeste? Que droga! Não consigo me lembrar!
Alone? O antigo Paladino que deixou a organização? O que será que ele faz aqui? — Kyõki gravava em sua mente perguntas que ele procuraria saber as respostas mais tarde.
A caçadora partiu correndo mais para o sul. Kyõki esperou que ela percorresse alguns metros para que ele saísse de seu esconderijo. Ele sabia que a caçadora possuía as habilidades da alma de guepardo; então, se não andasse logo, perderia ela de vista.
O garoto teve que tomar cuidado dobrado com o barulho, se ela era uma caçadora de elite, com certeza prestaria bastante atenção em ruídos, mas isso não foi problema com a neve solta que diminuía o som das estacas que saiam do solo.
A tempestade estava tornando-se insuportável, o garoto teve que diminuir a velocidade de sua corrida para que não saísse voando com a intensidade do vento, mas isso não foi um problema, já que a caçadora não podia mais correr com tanta neve atrapalhando sua visão. - Quem está aí? — A voz de um menino soou através vento, fazendo a caçadora e Kyõki hesitarem.
Eles sabiam de quem era aquela voz: a criança com enormes poderes de um general finalmente estava presente. Kyõki precisava sinalizar para True e Esmeralda, mas ainda não era o momento apropriado, aquilo só iria chamar a atenção da caçadora e da criança. Ele teria que ter mais paciência e estudar mais o que iria acontecer.
Por que não consigo te ver, general? Estou do mesmo lado que você - disse Alexandra com a alma já ativa.
General? Eu não sou um general! Só sei que você quer fazer maldade com minha mãe!
Não pode ser! É mesmo você? - murmurou Alexandra, e Kyõki pôde entender. Ler lábios era uma das habilidades que adquiriu pessoalmente.
Você morreu! Eu mesma o vi afundando naquele lago! Como pode estar aqui, agora?
Kyõki estava confuso com tudo o que estava acontecendo, de alguma maneira a mulher sabia o que realmente era o general. Enquanto ele pensava, pôde ver uma enorme quantidade de neve se acumular no ar e despencar na direção da cabeça da mulher, que não percebeu já que estava de joelhos, chorando. No momento em que ia ser atingida, Kyõki criou uma série de espinhos que serviram de escudo em forma de pirâmide para proteger Alexandra do ataque.
Venha comigo! — disse Kyõki, puxando a caçadora para fora do escudo forçando-a a correr.
Quem é você?
Kyõki foi obrigado a fazer outro bloqueio, desta vez em forma de uma muralha para impedir outro ataque que surgiu pelas costas, mas o poder do general foi maior, fazendo a proteção de espinhos ser quebrada, arremessando Kyõki e Alexandra morro abaixo. O dano só não foi maior porque Kyõki conseguiu criar em tempo um escudo de espinhos em volta de seu corpo que ao puxar a caçadora para perto, impediu que ela sofresse o impacto.
Meu nome é Kyõki, caçadora. Eu posso te ajudar, mas terá que contar tudo o que sabe sobre o general - disse o garoto asiático enquanto se esforçava para levantar.
Como sabe tanto do que está acontecendo aqui? - indagou Alexandra, ofegante.
Kyõki mordeu os lábios sabendo que se revelasse que era um Paladino poderia estar correndo sério perigo, mas não tinha escolha.
Sou um Paladino, mas teremos que esquecer nossas diferenças por enquanto se quisermos sair daqui vivos.
Alexandra o encarava sem saber se podia confiar no garoto, mas estava desesperada para conseguir o que queria.
Meu nome é Alexandra, rebelde. Antes de te dizer qualquer coisa, prometa-me que não irá matá-lo!
Kyõki revirou os olhos, não matar um alvo que queria matá-lo era algo que não conseguia entender, mas o fato da caçadora decidir ajudá-lo já seria o bastante até que outro plano surgisse em sua mente.
Você tem a minha palavra. Agora me conte o que sabe.
Capítulo 21
Algo chamado esperança
True estava imóvel observando qualquer movimento que Alone pudesse fazer. Enquanto o estudava, protegia Esmeralda com seu corpo e com o braço estendido, impedindo qualquer passagem que chegasse à garota.
O sorriso irônico de Alone fazia True tremer cada vez mais. Ele não sabia o que o antigo companheiro queria e muito menos o que estava fazendo naquele local. Alone não tinha motivos para matá-los ou algo do tipo, talvez ele quisesse reencontrar Light, mas isso era uma das últimas opções. Alone, antes de partir, deixou claro que não voltaria para a organização.
O que você faz por aqui? - True, finalmente, perguntou, querendo acabar com suas dúvidas.
Alone percebeu o tom de medo e dúvida na voz do garoto e se divertiu com aquilo. O garoto, apesar de ter sido um antigo companheiro, fazia-o lembrar de momentos nada agradáveis de seu passado.
Acreditem ou não, eu conheci uma mulher que trabalha para o ditador. Ela me pediu um favor em troca de informações valiosas para mim, então concordei em ajudá-la - esclareceu Alone.
True pensava em quais informações exatamente iriam trazer algum interesse para Alone. O garoto não sabia de muita coisa, e, para ele, Alone apenas vagava pelo mundo sem qualquer interesse nos assuntos que iriam gerar o futuro da humanidade. Com certeza aquela informação não era sobre a família Silvermoon, pois Alone queria distância da família que foi a principal culpada por ele cair.
Se é esse o motivo, então por que não se junta a ela ao invés de estar aqui?
Ela me pediu apenas para orientá-la. O assunto ela mesma irá resolver. Vocês devem conhecê-la, ela me contou que encontrou com vocês ontem pela manhã, ou vocês não se lembram da Alexandra, a caçadora de elite? — Alone explicou com uma voz sarcástica. Ele adorava manipular o rumo das conversas.
True não sabia em que conclusão chegar. Se Alone estava ajudando a caçadora de elite, talvez ele tivesse se unido ao ditador, mas aquilo não fazia sentido.
Ela, neste momento, está na floresta atrás do general — continuou Alone apontando para a floresta.
Os olhos de True e Esmeralda se arregalaram ao mesmo tempo. Kyõki também estava no local e apesar de ser habilidoso, dificilmente conseguiria enfrentar um general e uma caçadora de elite ao mesmo tempo. Eles teriam que ir ajudá-lo, porém Alone estava no caminho e não parecia querer que eles passassem.
Foi bom revê-lo, mas temos que ir. Também fizemos um amigo e ele precisa de nossa ajuda na floresta.
True poderia ter ocultado a parte de que Kyõki estava na floresta. Agora, Alone sabia onde estava o outro Paladino e se suas intenções fossem ruins, certamente as coisas iriam piorar muito para Kyõki.
Esmeralda puxou a manga de True para que passassem por Alone, mas foram impedidos com um de seus braços.
Por que a pressa? Acabamos de nos reencontrar, fiquem mais um pouco e me contem as novidades.
Aquilo estava ficando cada vez mais perigoso, eles teriam que tomar cuidado com suas palavras, ou então, uma luta desnecessária iria começar.
Nós queríamos ficar para conversar, mas infelizmente Light está nos esperando. Ele ficou doente e precisou de remédios, eu e True saímos para procurar por uma drogaria, mas como vê, acabamos nos perdendo. Direi a ele que você mandou iembranças. - Esmeralda explicava abaixando o braço de Alone para que passassem.
Enquanto a garota explicava, Alone fez seu sorriso crescer ainda mais. Porém assim que ela terminou, ele foi forçado a tirar o sorriso e substituí-lo por uma aparência séria e sombria.
Vou ter que explicar melhor o que está acontecendo - True e Esmeralda paralisaram quando Alone começou a falar com uma voz sem vida. — Alexandra me pediu para ficar a sós com o general, o seu amigo já é muito para incomodá-la, mas creio que ela dará um jeito. Deixar mais duas pessoas atrapalharem, irá deixá-la bastante zangada e isso vai me prejudicar, então por que vocês não ficam onde estão e esperam que ela termine o que esteja fazendo?
A conversa chegou a um ponto que True queria evitar. Eles não poderiam deixar Kyõki sozinho, então não tinham outra escolha senão enfrentar Alone.
Essa conversa poderia ter tomado um rumo diferente, mas já que não temos escolha - disse True.
Esmeralda saiu da proteção do garoto e correu para o lado, afastando-se dos dois, ela entendeu que aquele lugar se tornaria um campo de uma batalha nada agradável. True se aliviou quando Esmeralda se afastou percebendo o que ele faria, agora ele tinha espaço para atacar Alone sem que tivesse chance da garota se envolver.
O garoto ativou sua alma e rapidamente dirigiu um forte soco em chamas, mas Alone já esperava, desviando com facilidade em um perfeito salto para trás.
Alone, acho que aqui não é o local ideal para um combate. Com a força de nossos golpes, o gelo pode se romper! - alertou True.
Não se preocupe, criança. O general congelou o lago a vários metros de profundidade. Apesar de nossas habilidades serem a única coisa que pode quebrar esse gelo, ele é bastante resistente mesmo para nós.
True, apesar da difícil situação que se encontrava, estava mais preocupado com Kyõki. Já sabia que o general conseguiria congelar um lago apenas com a presença, mas ele não imaginava que seria mais do que a superfície. Aquilo era mais uma prova do poder do exército.
Alone avançou para atacar o garoto, que foi interrompido de ter outros pensamentos que não fossem sobre a batalha. True materializou sua foice, o Flagelo das Almas, para poder atacar e se proteger ao mesmo tempo. Como Taiji havia dito, a foice consumia energia de ambos os lados, não necessitando que True apagasse suas chamas.
Esmeralda não podia fazer nada a não ser assistir e cuidar para manter True atento no caso de outro inimigo aparecer. Ela odiava ver o garoto ser atacado por Alone, que, com sua força, forçava-o a recuar a cada golpe.
Você se juntou ao ditador? - True questionou enquanto ele e Alone mediam forças.
Alone não pode resistir e sorriu.
Eu disse que não me importava com o destino que o mundo levaria, se sabe disso, por que a pergunta? Mas, respondendo: eu não me uni ao exército.
Os dois recuaram com um salto. Aquilo realmente seria difícil. Alone sabia de todos os movimentos de True, assim como o garoto sabia das grandes habilidades de luta de Alone.
Se não se uniu a eles, por que está ajudando a caçadora?
Ela está atrás de alguém e obedecer ao ditador foi a maneira mais rápida de atingir seu objetivo, mas agora que ela me encontrou, não precisa continuar seguindo ordens daquele barbudo.
Em vez das respostas servirem para esclarecer as dúvidas do garoto, acabavam criando ainda mais. Ele não conseguia entender como Alone poderia ser útil à caçadora.
Eu não consigo imaginar algo que você possa fazer que o exército não possa.
Não me subestime, garoto. Acha mesmo que sou a mesma pessoa que conheceu naquela noite?
Alone estava certo. Tinha acontecido muita coisa. A alma e a vida de Alone mudaram, e para pior na maioria dos sentidos. Com toda certeza, a nova alma de Alone tinha dado a ele novas habilidades que True desconhecia. Devido a esse detalhe, a batalha tinha tomado um novo rumo, Alone estava com toda a vantagem. True teria que proteger Esmeralda de qualquer ameaça, além de não possuir nenhuma habilidade nova que garantisse sua vitória. A sua alma, apesar de ter agora habilidades de cura, não servia para criar um grande dano ofensivo.
True? - Esmeralda falou para se certificar que o garoto não tinha se abalado com a sua atual situação.
Estou bem - True respondeu, segurando mais forte sua foice.
O garoto arremessou o Flagelo das Almas em direção ao adversário que estava imóvel. True não gostou nada da reação do oponente, ele deveria, no mínimo, se preocupar em desviar, mas ao invés disso, estava parado esperando pelo ataque.
Vou te mostrar a diferença entre nós, criança.
A foice tinha sido arremessada com muita força e velocidade. Como Alone estava parado, True acreditava com todas as suas forças que ele o acertaria, porém não foi exatamente o que aconteceu. A foice, no momento em que ia acertar Alone, parou a poucos centímetros de sua garganta. Ela parou no ar, tremendo, como se algo a chacoalhasse.
Como? - True se espantou sem entender o que acontecera. Ele jogou com toda a sua força, a velocidade e precisão foram perfeitas, mas Alone não recebeu nenhum arranhão, na verdade, nem o atingiu.
Alone ria do garoto atônito sem saber absolutamente nada do que tinha acontecido. Algo o dizia que Alone já esperava esse ataque e o usou para mostrar sua superioridade.
Eu vou te explicar para que mude essa sua cara de espanto. Você deve saber como um campo magnético funciona, não estou certo? — Alone perguntou, mas não esperou que True respondesse. — É um pouco parecido com o que acabou de acontecer. Existe um campo em volta do meu corpo que em vez de atrair os corpos para mim, os repele. Essa energia que faz os corpos repelirem tem certa quantidade de força, então se quiser me acertar, terá que usar uma habilidade muito mais forte que esta! - Alone não conseguiu conter o sorriso que ocupava a maior parte do seu rosto.
O garoto não sabia o que fazer, aquele ataque foi o melhor que conseguiu. Além da foice, ele tinha o braço em chamas e a garra do braço esquerdo. O braço em chamas causava muito dano, porém a velocidade do ataque não era grande, dando tempo mais que suficiente para se desviar.
Esmeralda acompanhava a luta aflita. True realmente estava em uma situação difícil. A única coisa que ela pensou em fazer foi animá-lo.
True, não desista! Acerte-o com tudo o que tem! - ela não sabia muito bem o que dizia, mas tinha que acreditar no garoto.
True segurou a foice com sua mão esquerda, deixando o braço em chamas livre para atacar. Até o momento ele não tinha se concentrado totalmente naquela luta. Alone, apesar de ter negado qualquer envolvimento futuro com a organização, ainda simbolizava algo para o garoto e ele não poderia simplesmente ignorar esse fato, mas querendo ou não, teria que ganhar aquela batalha pelo bem de Kyõki e do resto do mundo.
Não tenho escolha, Alone. Eu vou te acertar com toda a minha força.
Eu prometo que não vou me mover - disse Alone estendendo os braços, fazendo com que True se enfurecesse.
Mesmo sendo um antigo aliado, True estava irritado com o comportamento do caído, que o subestimava. Ele não sabia o que estava sentindo naquele momento, raiva, medo e tristeza dominavam seu coração o deixando louco sem saber como agir. Enquanto pensava no que fazer, seu braço esquerdo pulsava, quase possuindo vida própria, pedindo para lutar. O garoto não entendia o que estava acontecendo exatamente, mas decidiu voltar à sua forma original fazendo o fogo de seu braço direito se apagar e sua foice desaparecer.
True ergueu seu braço esquerdo e encarou por um tempo a garra negra de seu lado demônio. Ele quase nunca a usava por medo do que aquilo poderia causar, mas não estava em uma situação que poderia escolher, teria que ver o que aconteceria. O garoto percebeu que pequenos fragmentos do lago glacial rodeavam a garra, quase se unindo a ela. Ele pôde sentir o ar gélido que a circulava e quando olhou envolta de seu corpo, percebeu que os fragmentos de gelo dançavam ao redor de seu corpo como se esperassem por uma ordem. Aquilo deixou Esmeralda e o próprio True surpresos, mas não Alone. Ele estava na mesma posição, parado com os braços estendidos o esperando.
Venha! Seu braço esquerdo está ganhando força por que você aumentou sua raiva! Não se esqueça de que nessa forma é o poder do seu lado corrompido. Ele fica mais forte com os sentimentos negativos - Alone falou sem qualquer tom de preocupação.
Aquilo já estava passando dos limites. True ficou ainda mais furioso, aumentando ainda mais a quantidade de fragmentos que saiam do solo congelado. Então sem pensar uma segunda vez, partiu em direção a Alone, acumulando toda energia que tinha naquele ataque. Enquanto avançava, mais fragmentos surgiam, alguns se unindo ao braço e outros flutuando ao seu redor.
Saia do meu caminho, maldito! - True gritou acumulando ainda mais raiva, fazendo seu olho esquerdo adquirir uma tonalidade vermelha-sangue, o mesmo tom de quando lutou contra Esmeralda.
Investiu com seus dedos encostados, um ao outro, fazendo sua garra ter o mesmo efeito de uma lança. Com o gelo unido a ela, a garra estava mais resistente e afiada.
True mirou no abdômen de Alone, mas seu ataque foi parado com a força que o impulsionava para a direção oposta, o repelindo. Como antes ele estava distante, não pôde sentir a imensa força que cercava Alone. Era como se uma enorme quantidade de vento surgisse, empurrando ele para trás.
O garoto não pôde mais se segurar, então foi jogado metros de distância alcançando o local onde estava Esmeralda. Alone abaixou os braços quando True foi arremessado, ele não riu do garoto, apenas ficou com uma aparência séria, o que vindo dele significava que algo muito pior estava por vir.
True! Está ferido? - disse Esmeralda preocupada enquanto ajudava o garoto a se sentar.
True estava sem fôlego e sem palavras para descrever tamanha força que o repelia. Os fragmentos de gelo que se uniram a seu braço foram todos destruídos e o vento que o cercava foi interrompido. Quando, enfim, conseguiu restaurar o fôlego, respondeu a Esmeralda:
Não estou ferido... Mas não sei o que fazer... Alone possui uma enorme força envolta do seu corpo que parece impossível atravessar.
O coração de Esmeralda agora batia mais rápido, ela não queria admitir, mas até o momento não tinham como eles vencerem aquela batalha. True, que estava bem próximo de Esmeralda, pôde ouvir o coração acelerado da garota.
Não se preocupe. Vou dar um jeito — disse True se levantando.
Esmeralda via o corpo do garoto tremendo depois de tamanho esforço na tentativa de furar a defesa de Alone, o que o fez gastar muita energia.
Minha vez — anunciou Alone ao investir.
True! Ele está vindo! - Esmeralda o alertou.
O garoto materializou o Flagelo das Almas e a girou até que sentisse que estava com força suficiente para acertar o alvo que se aproximava cada vez mais rápido.
Quando Alone tinha percorrido metade do caminho, True conseguiu arremessar a foice com o dobro da força anterior, o que ele não acreditava que seria possível. A lâmina se dirigiu para o rosto do caído e quando True começou a ter esperanças que ia acertá-lo, Alone, em um inacreditável movimento, quebrou a foice cravando seus dentes no metal que mais parecia papel devido à facilidade que ele teve em destruí-la.
Muito lento! - Alone gritou pegando a corrente que estava soldada à foice com uma das mãos e com um único puxão fez True, que segurava do outro lado da corrente, ser levado até ele.
Alone segurou o garoto, que não teve tempo para reagir, pelo pescoço com a mão livre.
Não! - Esmeralda gritou enquanto arranhava o gelo inquieta por não poder fazer nada.
O caído iniciou uma série de golpes no garoto. Socos e chutes acertavam o paladino sem que ele pudesse responder a algum golpe.
Consegue perceber agora, True? A diferença entre nós? - Alone sussurrou no ouvido do garoto paralisado de medo.
Alone ergueu o garoto um pouco acima de sua cabeça e então com a mão livre, esticou o braço para trás o máximo que pôde. Esmeralda, que assistia tudo a distância, entendeu o que Alone estava prestes a fazer e, naquele momento, o pânico tomou sua mente.
Não! Não faça isso, Alone! Por favor, True, reaja! - Esmeralda gritou enquanto tentava levantar-se e correr até onde eles estavam. Porém, a garota estava muita nervosa, perdendo o equilíbrio a cada dois passos que dava.
Aprenda sobre a primeira dor, garoto, a dor física! — Alone usou toda a força que tinha armazenado em seu braço livre para atingir True no abdômen. No momento em que foi atingido, o garoto cuspiu sangue, sendo "arremessado novamente até Esmeralda, mas desta vez ele não caiu simplesmente no chão gelado, o impacto do golpe o fez perder velocidade enquanto seu corpo era arrastado pelo gelo. Ele teria ido mais longe, mas Esmeralda o segurou para que parasse.
- True! Fale comigo! — Esmeralda tremia. O medo de o garoto ter morrido com aquele golpe tomou conta de sua mente.
True virou para o lado e vomitou mais sangue, o que fez Esmeralda temer ainda mais.
Por que sempre atrapalho? - Esmeralda pensava. - Por que nunca posso ajudar em nada? True me salvou daquele abismo e eu não posso ajudá-lo agora. Eu sempre tenho que ser protegida. Se ao menos eu pudesse lutar; True teria ajudado Light a lutar contra a caçadora. Se possuísse algum poder, eu não tinha recebido aquele ataque do Sting e True não se sacrificaria para me curar. Se pelo menos eu tivesse algum poder, poderia ajudar True nessa batalha contra Alone! Mas não possuo...
Esmeralda? — uma voz doce a chamou.
A garota olhou para True, que estava imóvel e cada vez mais pálido, e para Alone que se aproximava devagar, mas nenhum deles tinha a chamado.
Esmeralda, consegue ouvir minha voz? — A voz doce chamou novamente.
Por algum motivo, a garota sentia que aquela voz vinha de seu interior.
Sim, consigo. Quem é você? - respondeu Esmeralda em seu consciente.
Sou nossa alma. Aquela que renasceu depois de termos caído. Eu ouvi que deseja poder, mas qual é o motivo de desejá-lo tanto?
Eu preciso lutar! True, aquele que nos salvou, precisa de ajuda! Ele não pode lutar sozinho!
Esse garoto é tão importante que faz nosso corpo e alma querer ajudá-lo?
Claro que sim! Ele salvou nosso corpo dos horrores do mundo e nossa alma do abismo. Nós somos gratas a ele!
Se for assim, eu posso ajudá-la a lutar quando quiser, mas curar aquele garoto será somente desta vez.
Alone alcançou o lugar onde o garoto e Esmeralda estavam. Ele viu que True estava sem se mexer no chão, enquanto a garota se colocou em pé apoiando as mãos nos joelhos.
Afaste-se daqui! - Esmeralda gritou materializando uma alabarda com a qual tentou perfurar Alone, que, por reflexo, deu um salto recuando e escapando do ataque.
Não se engane, garota, eu apenas desviei por... - Alone interrompeu o que ia dizer quando viu algo que chamou sua atenção.
Cores surgiram no lago glacial tingindo toda a sua extensão. Alone se perguntava como aquilo era possível, mas logo percebeu que as cores não tinham sua origem do lago; eram reflexos do céu.
Aurora Boreal? Não pode ser! - ele admirou confuso, mas quando uma idéia surgiu em sua mente, mudou a direção de seu olhar dirigindo-se agora para Esmeralda, que fez o homem desertor arregalar os olhos.
Esmeralda, além de ter materializado a alabarda, tinha materializado uma armadura azul com detalhes dourados que protegia todo o seu corpo, apenas a cabeça estava sem proteção.
Levante, guerreiro! - disse Esmeralda ficando a alabarda no gelo e estendendo a mão para True.
O garoto não via nitidamente, apenas o vulto. Por instinto, agarrou a mão de Esmeralda que curou todas as suas feridas. A medida que ia melhorando, ele pôde ver melhor o que estava acontecendo.
Esmeralda? - True indagou sem acreditar.
Sou eu - Esmeralda respondeu abraçando o garoto, deixando lágrimas caírem em seu ombro.
Como você? - True estava sem palavras diante do que presenciava.
Eu consegui, True! Minha alma despertou, por isso pude curá-lo, mas apenas desta vez - falou Esmeralda colocando o dedo sobre os lábios do garoto, impedindo que ele fizesse mais perguntas.
A garota, que há pouco tempo estava impotente, agora possuía forças para lutar. Graças a ela, True não chegou a morrer e como ela havia pedido, eles poderiam lutar juntos contra Alone.
True, tenho um plano.
Enquanto Esmeralda explicava o que havia planejado, Alone assistia a tudo de longe ainda sem acreditar na sorte que os dois jovens tiveram. Sorte, na verdade, era algo que talvez não existisse ali. Esmeralda estava à espera do despertar de sua alma e Alone fez com que isso acontecesse. Ele deveria ter esperado por isso, mas já era tarde. A incrível habilidade de cura e a armadura entregaram a forma que Alone facilmente reconheceu.
Então você se tornou uma Valquíria!
True tinha notado o novo formato com seu olho. Uma espécie de guerreira com asas brancas como a de um anjo estava refletida nos olhos de Esmeralda.
"A guerreira alada mandada pelo deus Odin. Cada uma possuía uma habilidade única, até de reerguer os guerreiros para lutar novamente. Segundo as lendas, a Aurora Boreal é o caminho que a Valquíria percorreu com seu cavalo alado" - Alone contava com uma aparência mais animada para a batalha.
Esmeralda alinhou sua alabarda em sua frente e correu em direção ao inimigo. True ia logo atrás enquanto passava toda sua energia para o braço direito, manifestando as chamas. A garota segurou a alabarda com as duas mãos e esticou os braços para que atacasse com um giro.
Isso não vai adiantar — disse Alone subestimando Esmeralda.
Para a surpresa do caído, a garota conseguiu acertá-lo, fazendo um corte logo abaixo de seu peito, e True continuou o golpe o acertando logo em seguida com suas chamas, obrigando-o a recuar.
Eu realmente não conseguiria, mas tenho o poder de True junto ao meu - explicou Esmeralda.
Alone sentia a dor da queimadura causada pelo garoto e quando se recuperou, pôde ver uma linha dourada que ligava os dois paladinos, aquilo fez a mente de Alone ter lembranças nada agradáveis, alimentando sua alma corrompida.
True, pode me ouvir? — Esmeralda perguntou em sua mente.
Sim. Qiie incrível! Como isso é possível? - True respondeu do mesmo modo, notando que suas mentes estavam conectadas.
Agora temos boas chances de vencer! Podemos nos comunicar livremente sem que ele saiba o que estamos planejando.
Maldito! - Alone gritou com tanta força que fez os pensamentos de True e Esmeralda se romperem. - Você sabe que habilidade é essa, True? Você deve se lembrar de quando a citei naquela noite de céu estrelado — Alone perguntava com uma expressão hostil.
True assistia o estranho comportamento do antigo companheiro. Ele nunca o tinha visto daquela maneira, parecia que Alone estava em um estado de insanidade, deixando o garoto amedrontado.
Eu realmente não me lembro - True respondeu baixo.
Não se lembra? Então vou refrescar sua memória. A habilidade que desejei. A habilidade que precisa de uma parceira e que o casal confie a vida um ao outro. Um dos requisitos para o rito supremo. Agora se lembra!
True lembrava vagamente sobre a habilidade. Mas algo não parecia correto, de acordo com o que imaginava, a habilidade era usada por usuários com a alma do lobo, não por anjos.
Ela não deveria ser usada apenas por lobos? - indagou True ainda amedrontado.
A habilidade tem maior efeito com os lobos, devido à existência de outra habilidade de suporte em grupo. Mas existe a possibilidade de ser feita por outras almas, o que é raríssimo! A habilidade chamada de Laço é algo que sempre sonhei em ter e você simplesmente, sem qualquer esforço, consegue as duas coisas que sempre procurei por toda a minha vida! Como isso é possível? O que você possui de tão diferente de mim?
Houve um silêncio. Os dois jovens ficaram quietos, apenas assistiram Alone dar socos e socos no solo congelado. A verdadeira batalha estava para começar e com toda certeza, Alone iria jogar todo o ódio acumulado em cima dos dois.
Eu não possuo muita energia restando. O que posso fazer agora é utilizar meu braço esquerdo e juntar o máximo de fragmentos que conseguir para criar um escudo. Você terá que ser minha arma... - True explicou.
E você será meu escudo — continuou Esmeralda.
Alone levantou o rosto encarando os dois jovens. Sua face estava molhada, deixando dúvidas do que aquela água representava, poderia ser suor ou lágrimas. Quando enfim ficou de pé, encarou o garoto nos olhos, que esperava por sua investida. Após dar alguns passos para frente, parecendo sem equilíbrio, finalmente disparou ao encontro dos dois.
True foi à frente para defender o golpe e Esmeralda foi na seqüência. Os fragmentos se aglomeravam rapidamente, criando o formato de um escudo que True criara em sua mente. O impacto do golpe de Alone foi absorvido pelo sólido bloco de gelo. Antes que ele pudesse contra-atacar, Esmeralda saltou e tentou cravar a ponta de sua alabarda em Alone, que deu um passo para trás desviando, mas a garota foi mais esperta, após enterrar a ponta no gelo, usou o cabo da arma como apoio para dar um chute no torso de Alone.
O golpe aplicado fez com que o oponente perdesse o equilíbrio, já que era difícil mantê-lo com o solo congelado. Sem perder tempo, ela usou as duas mãos para recuperar a alabarda e atacar o oponente desequilibrado. Porém a experiência de batalha foi mais forte naquela situação. Alone usou um dos braços para que o ataque deslizasse para o lado, deixando o corpo livre para um contragolpe.
Em uma luta um contra um, Esmeralda pagaria o risco de usar uma arma de alcance médio, mas True estava ao seu lado bloqueando o golpe que ela iria receber. Agora quem tinha deixado uma brecha em sua defesa era Alone, e Esmeralda soube aproveitar sabiamente dirigindo um chute no abdômen do caído.
Alone foi jogado contra solo congelado, fazendo-o deslizar alguns metros. True e Esmeralda aproveitaram que o oponente continuava sem equilíbrio para atacá-lo novamente sem dar chance dele se recuperar. Mas Alone já estava preparado para isso. Assim que a garota investiu com a alabarda, Alone girou o corpo para fazê-lo deslizar e fazer Esmeralda errar o ataque, fincando a lâmina no gelo. Enquanto a garota puxava com todas as suas forças na esperança de recuperar sua arma, Alone já estava de pé para atacá-la, porém True foi mais rápido e defendeu mais um ataque do inimigo.
— Você está começando a me irritar, rapaz! - disse Alone entre os dentes.
True não aceitou a provocação, apenas se manteve firme e atento no caso de vir outro ataque. A ponta da alabarda penetrou fundo no gelo, dificultando a tarefa de retirá-la, se fosse um gelo normal, ela já a teria recuperado, mas se tratava de um gelo feito pelo general.
Alone começou a atacar incontáveis vezes, não eram golpes muito efetivos, apenas para tentar desequilibrar o garoto que se lembrou de seu treinamento. "Equilíbrio é a chave de uma batalha, faz você perder ou ganhar" - as próprias palavras que aprendera com Alone no passado.
O escudo de True já estava trincando, mas antes que se quebrasse por completo, lembrou-se de quando treinava com Piatã e quando seu tutor usou uma investida com o escudo para fazê-lo recuar. True fez a mesma investida contra Alone, interrompendo os ataques e o afastando alguns metros.
True correu para ajudar Esmeralda a retirar a alabarda, o que foi bem mais fácil com duas pessoas.
Obrigada — agradeceu Esmeralda e True apenas fez um gesto com a cabeça.
Taiji, esse escudo pode agüentar mais tempo? - True perguntou à sua alma e Esmeralda pôde ouvir o que o garoto tinha dito.
Não se preocupe, True — respondeu a alma do garoto. — Você criou o escudo através do gelo, que é a habilidade do nosso lado demônio. O gelo obedece às suas ordens, assim como o fogo no outro braço. Faça-o suportar!
O seu escudo é irritante, garoto - disse Alone esperando os movimentos dos dois jovens e interrompendo a conversa que True tinha com sua alma.
Esmeralda, já levamos muito tempo nessa batalha. Agora é a hora de usarmos o nosso plano - propôs True.
Concordo.
Alone avançou com sua incrível velocidade para cima dos dois. True foi à frente, fingindo que daria outra investida, quando, na verdade, se jogou no gelo, fazendo-o deslizar para tentar uma rasteira no oponente que, percebendo a intenção, esperou que a distância diminuísse para atacá-lo enquanto deslizava. O garoto tinha pensado naquela possibilidade, então apenas ergueu o escudo se defendendo do ataque mais uma vez. Alone foi obrigado a saltar para não receber a rasteira, deixando True passar para o outro lado.
Esmeralda foi a próxima a atacar. Em vez de usar um ataque forte contra Alone, desta vez, ela usou vários ataques rápidos com a alabarda. No entanto, Alone desviou facilmente de cada um deles. A longa alabarda não era de fácil manuseio e como Esmeralda nunca tinha usado uma, não estava acostumada com seu peso e velocidade de ataque.
Por Alone estar concentrado nos golpes de Esmeralda, não viu quando o garoto chegou pelas costas, dirigindo um chute nas dobras de suas pernas. Alone pôde agradecer depois a sorte de seu reflexo, que ao ver o vulto do garoto se aproximando, o fez girar, conseguindo acertar um chute no abdômen de Esmeralda, o que não fez muitos danos devido à armadura, e um soco dirigido ao rosto do garoto, que conseguiu defende-se do ataque, mas com o impacto, o fez recuar.
Os três estavam sem fôlego. Sendo obrigados a permanecerem onde estavam. Alone olhava de um lado a outro para certificar-se de que nenhum de seus adversários estava indo em sua direção. Após ver o rosto dos dois jovens, ele não conseguiu resistir e deixou um longo sorriso nascer em sua face.
O que é tão engraçado? - indagou True irritado.
Desculpe, mas não consegui me conter. Vocês deveriam ver suas caras. Eu não acredito que realmente acham que possam vencer! - Alone agora não apenas sorria como gargalhava. - Talvez eu tenha uma parte da culpa. Sempre disse a vocês para superarem o medo e assim ficariam mais fortes. É o que estão fazendo, não é?
True e Esmeralda assistiam irritados a atuação de Alone. Um oponente nunca deveria subestimar o outro ou poderia se surpreender. Essa era uma das regras que o garoto aprendeu com Alone. Talvez aquele não fosse o antigo companheiro que o ajudou ou talvez ele realmente soubesse o que estava falando.
Eu devo admitir que você possui muita sorte na vida, garoto. Mas não é sempre assim. Você pode ter uma alma rara, pode ter se livrado das tarefas do exército, pode ter encontrado uma fiel companheira, pode ter conseguido uma das mais incríveis habilidades do mundo, pode ter conseguido tudo isso apenas acordando cada dia sem qualquer esforço, mas de todos aqui é o que menos tem chance de sobreviver a essa batalha! - disse Alone.
Aquela provocação fez o corpo de True tremer, seus olhos ardiam de energia, fazendo o olho direito adquirir a coloração verde-claro similar a de Esmeralda. A garota olhava para ele, procurando algum sinal de descontrole. Ele teria recuperado a calma se Alone não tivesse continuado.
Esmeralda ainda é uma criança comparada às dores que ainda não presenciou neste mundo. Ela deveria se envergonhar! Muitas mulheres passaram pelo mesmo passado e não tiveram a mesma sorte, ninguém as salvou, elas que se salvaram! - Alone continuou e aquilo foi o bastante para fazer True explodir.
Basta! — gritou True. — Eu prometi a ela que nunca mais teria que pensar nessas lembranças horríveis, mas você, miserável, a fez relembrar e isso eu não posso permitir!
Alone encarou a expressão na face do garoto, ele podia ver claramente a raiva nascendo. Esmeralda estava chorando, ela não fazia barulho, apenas deixava as lágrimas escorrerem em seu rosto até que sua mente se esquecesse de suas memórias.
Alone, você fala de mais! - berrou True, fazendo um corte com sua garra no rosto de Alone.
Quando ele...? - pensou o caído tentando descobrir como o garoto tinha o alcançado tão depressa.
True se juntou ao lado de Esmeralda, enxugando suas lágrimas e a confortando. Enquanto o fazia, Alone avaliava o braço esquerdo do garoto. O gelo parecia obedecer às suas vontades. Os fragmentos continuavam a surgir ao seu redor, consertando as rachaduras do escudo. Alone concluiu que aquela súbita investida foi possível devido ao gelo ter-lhe dado velocidade. Se ele estivesse certo, o lago era seu território. Enquanto seu lado anjo controlava o fogo, seu lado demônio controlava o gelo, mas parecia que nem o próprio True sabia controlar devidamente.
Esmeralda, ainda pode lutar? - perguntou True em sua mente que estava ligada através do Laço.
Sim, vamos acabar de uma vez com isso — respondeu a garota confiante.
Agora era Esmeralda quem tomou a dianteira. True mandou toda a energia para o braço direito, recriando as chamas. Alone avaliava os dois e sabia que eles estavam tramando alguma coisa. Ele via os olhos brilhantes do garoto com curiosidade, um tingido de vermelho-sangue e o outro em um tom verde-claro, ele não podia ver melhor os detalhes devido ao corte ter sido suficiente para deixá-lo com a visão embaçada. O que era ruim para ele, pois assim não poderia arriscar uma investida em seus oponentes.
Isso é por ter subestimado minha dor! — Esmeralda gritou para Alone colocando a ponta da alabarda em sua frente.
True concentrou toda a sua força em seu braço direito, acumulando o máximo de chamas que podia, gastando o resto de sua energia. Ele abaixou para que Esmeralda se apoiasse em seu braço, e, com toda a sua força, True arremessou a garota com um estrondo devido à pressão que as chamas fizeram ao serem liberadas.
A energia era imensa, a força com que Esmeralda foi arremessada superava a tempestade climática, indo em direção à Alone com uma incrível velocidade. O caído, já recuperado do ataque, se preparou para se defender do incrível ataque combinado. Com seu habilidoso reflexo, segurou a ponta da alabarda assim que o alcançou, mas não foi o suficiente para pará-la, apenas para não atravessar seu corpo. As chamas envolviam Esmeralda e sua lança queimou as mãos de Alone, que parecia suportar a temperatura. O campo, que repelia qualquer coisa que tentasse se aproximar de seu corpo, serviu para que a lâmina não cortasse suas mãos enquanto a segurava e para desacelerar a lâmina que investia com uma força espantosa.
Alone realmente tinha subestimado os dois, ele era empurrado para trás sem que tivesse a chance de inverter o golpe. Talvez aquele fosse o fim para ele, e aquele fim seria sua culpa por não ter lutado a sério com os dois jovens. Além de ter despertado a alma de Esmeralda, ainda os fez aprender o Laço, algo que foi certamente o trunfo para vencê-lo. Ele estava acabado, porém viu algo que mudaria o rumo da batalha.
Alone estava tão concentrado para não ser atingido com a alabarda que não percebeu o olhar que Esmeralda o encarava. Assim que olhou para os olhos de Esmeralda, fez com que cada parte de seu corpo tremesse, mas não era medo o que sentia, era ira.
Os olhos de Esmeralda possuíam confiança, uma confiança sincera entre ela e o garoto. Seus olhos não transmitiam medo e fitavam seu oponente como se já conquistassem a vitória. Alone reconheceu aquele olhar apenas vendo sua sombra, o olhar que tanto desejou ter um dia. O que o fez se lembrar de seu passado, de seus vários e lamentáveis fracassos.
Esmeralda, concentrada em seu alvo, percebeu que o mesmo abaixou a cabeça e alargou seus lábios. Talvez fosse surgir o típico sorriso irônico, mas não foi isso que a garota avistou. Alone rangia os dentes por tamanha raiva que sentia. Para a surpresa da garota, ele soltou a alabarda como se fosse acertá-lo, mas não foi o que aconteceu. Quando ele deixou seus braços estendidos na horizontal, Esmeralda mudou sua expressão de confiança para o medo do desconhecido.
O incrível ataque combinado de True e Esmeralda, que foi perfeitamente executado, não surtia efeito em Alone.
A forte onda que repelia a lança vinha da aura protetora do caído. Esmeralda estava em grande perigo, com uma força imensa a jogando para Alone e o campo a empurrando para o lado oposto, ela seria esmagada se continuasse naquele lugar. Através do Laço Esmeralda pôde avisar True do perigo, que rapidamente fez as chamas se apagarem, impedindo que a garota continuasse a ganhar velocidade.
Esmeralda, ao aterrissar no gelo, recebeu um soco de Alone, fazendo-a ser arremessada até o garoto. A armadura rachou no local que recebera o golpe.
Graças à habilidade que deixava True e Esmeralda conectados, o garoto sabia o que sua parceira presenciara e teve que admitir, só um milagre poderia salvá-los.
True começou a entender como a aura de Alone reagia. A força que o rodeava era medida pelo seu ódio. Quando maior fosse, maior seria a sua proteção. Uma aura protetora alimentada por sua corrupção.
O lago estava começando a se partir, várias rachaduras foram feitas e blocos de gelo foram arrancados durante a batalha. True ajudava a garota a se levantar depois do impacto recebido, assim que ela pôde ficar novamente de pé, eles encararam Alone, esperando por seu movimento. O garoto não possuía mais energia, fazendo sua alma ser desativada, voltando ao seu estado natural. Esmeralda também estava em seu limite, mas ainda conseguia manter a alma ativa.
True, sabe quantas cabeças tem um Cérbero? - perguntou Alone, encarando-o com um olhar penetrante. Mas True não entendeu o motivo da pergunta naquela situação.
Dizem que ele tem três cabeças - respondeu o garoto gaguejando em algumas palavras.
Você disse bem: "dizem". Mas, na verdade, ninguém sabe ao certo quantas cabeças exatamente um Cérbero possui - explicou Alone que continuou. - Creio que você se lembre de que minha alma se tornou um Cérbero, não se lembra?
True assentiu, vendo a criatura mais uma vez com o seu olho da verdade. Na última vez que o viu, a imensa criatura estava de costas, mas desta vez ela estava virada para ele com todos os pares de olhos o encarando. Aquilo certamente o fez temer ainda mais o que aconteceria.
Vocês terão o privilégio de descobrir quantas cabeças o meu Cérbero possui.
Alone abriu os braços e encarou o garoto para ver sua reação. True observava o oponente quando ele e Esmeralda viram algo saindo do corpo de Alone. Primeiro saiu algo como uma pata, as garras arranhavam o gelo para que pudessem sair. Pouco a pouco a criatura ia surgindo e agora eles viam os olhos avermelhados como o sangue junto à sua cabeça com a expressão raivosa, com os dentes a mostra, sedentos por destruição.
Os jovens, que assistiam àquela cena estranha, presenciaram sete cães saírem de Alone e quando, enfim, todos se manifestaram, o homem pôde abaixar seus braços e acariciar cada um de seus cães que andavam em círculo em volta de seu corpo, mas com os olhos fixos nos dois estranhos afastados.
Deixe-me apresentá-los - disse Alone no momento em que os sete cães pararam um ao lado do outro, apenas dois ficaram na frente. — Este é Sadness, eu o obtive quando senti pena das crianças presas sentenciadas a morte pelo ditador - apresentou Alone mostrando o primeiro cão, seguindo pela ordem. - Este outro é Loss, eu o obtive quando meus pais e irmãos foram mortos. O próximo é Fear, eu o possuo desde que fugia dos soldados sentindo medo dia e noite sabendo que a qualquer momento poderia morrer. Os outros dois são Delusion e Betrayal, eu obtive ambos quando confiei minha alma à mulher que conheci na floresta onde me escondia dos soldados. - Alone acariciava cada cão enquanto os apresentava. - E essa foi a primeira vez que caí. Agora estes dois da frente são especiais, antes de apresentá-los, quero que me respondam uma coisa. Qual é a base para a criação de um mundo?
True e Esmeralda se entreolharam sem saber o que responder, então o garoto resolveu arriscar:
É necessário algo que queira. Algo que seja mais valioso para você.
Alone deixou um sorriso nascer no canto de seu rosto e logo corrigiu o garoto:
Resposta errada. Antes disso, tem mais uma coisa.
True não sabia o que era. Light o tinha ensinado que o mundo era o nosso principal motivo de vida, além do lugar onde se encontra a alma. A mente do garoto foi tomada pela dúvida. Light não tinha explicado como exatamente era a criação.
Eu não sei - disse o garoto, e Esmeralda respondeu o mesmo.
Alone chegou mais perto do cachorro a sua esquerda e o acariciou na cabeça.
É algo chamado esperança, que, por acaso, é o nome deste cão. Ou como o chamo: Hope.
Esperançai — aquela palavra ecoou na mente dos dois jovens. Era óbvio, antes de sair à procura daquilo que é mais importante para você, cria-se a esperança para achá-lo e obtê-lo. A esperança é a base do mundo.
Pelas suas expressões, devem ter entendido. Eu o obtive quando estávamos lutando contra o general da América do Sul. Quando minha esperança de possuir minha parceira foi apagada.
True se lembrou da cena. Alone, que na época era conhecido como Romeo, declarou para Aline o que sentia e, infelizmente, não foi correspondido, fazendo-o cair pela segunda vez.
Este cão é especial. Assim como eu, fechou os olhos para a esperança e aumentou seus outros sentidos para sobreviver - Alone continuou, e os jovens puderam ver que o cão era cego. - Agora o último. - Alone caminhou até o último cão para apresentá-lo. - Este se chama Solidão ou Solitude. Ele é o mais parecido comigo atualmente. Apesar de comandar os outros cães, não gosta de ter qualquer relacionamento com eles, na verdade, ele não os comanda, são os outros que o reconhecem como líder e seguem sua filosofia. Como vocês podem ver, eu sou um Cérbero de sete cabeças.
Aquilo realmente era assustador. Os cães não eram comuns, cada um nasceu por meio de uma dor vivenciada por Alone. O motivo de apresentar todos os cães aos dois não fazia o menor sentido se quisesse matá-los ou talvez, ele só queria desabafar antes de acabar com suas vidas.
Agora que se conhecem... Ataquem! - Alone deu a ordem para seus cães, que partiram imediatamente em direção a True e Esmeralda.
Os dois jovens tiveram que se levantar rapidamente para tentar fugir, mas ambos estavam exaustos. True não conseguia fazer a sincronização e Esmeralda não possuía qualquer meio de defesa, sua alabarda fora danificada com a aura de Alone.
Aquele realmente parecia ser o fim.
Quatro dos sete cães morderam os membros de Esmeralda deixando-a esticada no gelo, cada vez que tentava libertar-se, os cães a mordiam mais forte, fazendo mais feriadas e sangue escorrer no gelo. Os outros três cães atacaram True, e assim como havia acontecido com Esmeralda, eles paralisaram seus membros, deixando apenas a mão direita do garoto livre. True não conseguia lutar, os cães tinham muita força nos dentes, parecendo que iam arrancar seu braço e pernas. Alone caminhava lentamente até que chegou ao lado do garoto.
Olhe só para você. Aquele que possui a alma de um puro e de um caído - disse Alone, pisando no pulso direito do garoto. - Até agora você só pôde sentir a dor física. Mas eu irei lhe mostrar neste instante as dores da alma!
Alone agarrou a mão direita do garoto e a colocou em sua testa. Ele sabia que não havia menor perigo, pois True estava sem energia para criar as chamas.
Agora quero que entre em minha mente, não é um Solstício, então não deve gastar tanta energia.
Não! Ainda estou conectado com Esmeralda através do Laço. Eu não quero que ela veja! - True lutava inutilmente.
Essa é a idéia, garoto. Ela também tem que ver!
Os cães mordiam cada vez mais fortes os membros de Esmeralda, que gritava com a dor, deixando o garoto sem escolha a não ser atender ao pedido de Alone.
Tudo bem - disse True, fazendo o caído abrir um longo sorriso.
Desculpe, Esmeralda — True pensou quando ativou sua habilidade.
Agora True e Esmeralda viam as memórias de Alone, que não eram nada agradáveis. Cenas e mais cenas de horror eram mostradas para os dois jovens que só possuíam um único desejo, sair daquele lugar. Coisas que nunca imaginavam ter acontecido eram mostradas a eles. Guerras, fome, miséria, traição, abuso, desespero, sofrimento, tortura eram exemplos do que era passado em suas mentes. Famílias, almas, esperanças eram despedaçadas por todo o mundo, com incontáveis atrocidades. Quando viram todas as memórias que Alone havia selecionado, True pôde cancelar a habilidade e sair da mente do caído.
Todos, sem exceção, deixaram lágrimas derramarem com o que viram. Esmeralda era a que mais chorava. True encarava o céu chocado com o que tinha acabado de presenciar, e Alone apenas enxugava as lágrimas que brotavam de seus olhos.
Este é o verdadeiro mundo em que vivemos. Enquanto estamos em nossas casas com nossas rotinas, essas pessoas sofriam dia após dia. Eu vejo isso o tempo inteiro, é um fardo que tenho que carregar pela alma que possuo.
Ninguém respondeu ou disse qualquer coisa. Alone se levantou e seus cães o seguiram para irem embora. Quando se afastaram a alguns metros, True se sentou e socou o gelo.
Não vou te perdoar! - disse o garoto, fazendo Alone parar onde estava. - Eu vou te derrotar agora mesmo e te fazer pedir perdão a Esmeralda!
A garota via True levantar-se mesmo sem forças, o que fazia perguntar-se como depois de tudo aquilo o garoto possuía forças para se erguer. Alone virou para olhar True que o fitava demonstrando seu ódio. Aquilo fez seu sangue ferver novamente.
Eu ia deixar que vivesse junto a ela, mas, pelo jeito, você não quer essa chance. Já que deseja tanto morrer, que assim seja! - gritou Alone, ordenando que seus cães atacassem novamente.
True tentava ativar sua alma, mas falhava. Ele estava sem energia, exausto com a batalha, ferido e fraco com os danos que recebeu dos cães e do combate. Ele certamente seria morto. Uma atitude impensada da parte dele, colocando não só sua vida como a de Esmeralda em risco.
Alone se virou, ele não quis ver a cena sangrenta que aconteceria. Apesar do ódio que sentia, ainda possuía um mínimo de afeto no fundo de seu coração amargurado pelos dois jovens. Se não mandasse seus cães atacarem, ele não teria coragem de tirar a vida dos dois naquela situação.
Alone caminhou alguns passos quando ouviu o choro de seus cães.
Não pode ser! - disse em sua mente imaginando que True tivesse dado um jeito de enfrentá-los.
Ele voltou a encarar os jovens e teve uma surpresa. Um homem de quase setenta anos, mas com um corpo atlético, abateu os cães, impedindo que eles atacassem. Em sua mão estava um pedaço de madeira quebrada que supostamente foi usada para agredir os animais sobrenaturais.
Juan? — disseram True e Esmeralda em uníssono.
Juan olhou bem para os olhos de Alone os quais tremiam por algum motivo. True notou o comportamento de Alone sem entender exatamente o que tinha acontecido com ele. E então Juan disse algo que esclareceu o comportamento do caído.
Não esperava reencontrá-lo em uma situação como esta... Já faz muito tempo que não o vejo, meu neto!
Capítulo 22
Endo Facul
Kyõki e Alexandra se escondiam atrás das árvores e se camuflavam com a neve, enquanto o general, que os abateu morro abaixo, procurava por eles para ter certeza de que estavam mortos. O fato de nem Kyõki nem Alexandra conseguirem ver o general dificultava o combate, ao menos, eles podiam guiar-se pelo vento irregular que dava voltas em círculos no topo do morro, deduzindo que seria o general.
Nunca ninguém viu o general da A_mérica do Norte, e se alguém o viu, estava morto. Era o que diziam. True e Light eram exceções, eles de alguma maneira, conseguiram vê-lo.
O pequeno redemoinho no topo do morro se foi, fazendo Kyõki e Alexandra saírem de seus esconderijos. A mulher sabia algo sobre o adversário invisível e Kyõki havia percebido. Ele fez um acordo com Alexandra para que ela contasse tudo que sabia; em troca, poderia ajudá-la.
Ele deve ter pensado que fugimos. Certamente, seria o que um soldado, que de alguma maneira sobrevivesse, faria. Apesar de não saber de onde veio o ataque nem quem o atirou - explicou Kyõki.
E uma possibilidade, mas não devemos abaixar nossa guarda - acrescentou Alexandra.
O garoto encarou o rosto da mulher, esperando que ela começasse a contar o que sabia. A caçadora tentou fugir do assunto, mas...
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