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ABRAÇO MORTAL / Jackie Collins
ABRAÇO MORTAL / Jackie Collins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ABRAÇO MORTAL

Primeira Parte

 

                 Terça feira, 10 de Julho de 2001, Los Angeles

O avião da American Airlines vindo de Nova Iorque estava com três horas de atraso na sua chegada a L. A. e Madison Castelli não estava agradada com isso. Tinha planeado dirigir-se directamente à casa da sua grande amiga, Natalie de Barge. No entanto, Natalie informara-a de que se iriam encontrar com o irmão dela, Cole, num restaurante às oito horas, e como o avião estava tão atrasado, Madison decidiu que seria melhor seguir directamente para o Mario's - um pequeno restaurante italiano no Beverly Boulevard.

- Encontramo-nos lá - disse ela, falando com Natalie pelo telemóvel, enquanto caminhava a passos largos através do aeroporto.

Estava ansiosa por se encontrar com os seus amigos. A verdade é que não podia esperar pelo momento em que varreria os destroços da sua vida. Ao longo dos últimos dias tudo se tinha desmoronado. O seu pai, Michael, estava a ser acusado de duplo homicídio. A mulher de quem estava separado, Stella (madrasta de Madison) e o amante que com esta vivia agora tinham sido baleados, executados profissionalmente. Agora havia um mandado de captura pendente sobre Michael e ele conseguira desaparecer misteriosamente.

Como se já não existissem motivos suficientes de preocupação, o seu namorado, Jake, estava também desaparecido. O seu Jake maravilhoso, sexy e esperto - um magnífico fotógrafo que tinha estado com alguns colegas a registar as actividades de um cartel da droga na Colômbia - não dava notícias há dez dias, o que era terrivelmente preocupante. Os raptos eram muito frequentes na Colômbia, tal como o assassinato.

Tudo isto lhe passava pela cabeça enquanto ela recolhia a bagagem, apanhava um táxi e partia para o restaurante. Esta visita à região oeste dos EUA era exactamente o que ela precisava para compor a sua cabeça. Alguns dias de convívio com os seus amigos sem fazer nada era o seu plano. Sem trabalho. Sem chatices. Depois regressaria a Nova Iorque revigorada e pronta para lidar com qualquer coisa.

Cole estava já no restaurante quando ela chegou. Sendo treinador pessoal de ginástica, Cole era um negro alto e extremamente bem-parecido, com cerca de vinte anos, um físico poderoso e bem tonificado e um sorriso matador. Era também gay e orgulhoso disso.

Beijaram-se e abraçaram-se.

- tás d'arrasar, miúda! - disse Cole, apreciando-a.

- Eu não - disse ela, tristemente. - E estás a soar muito a L. A.

- Deve ser porque vivo cá - disse ele, acompanhando-a até à mesa do canto.

- Então, é assim que os homens de L. A. falam às suas mulheres? - disse ela provocando.

- Não - disse ele, sorrindo. - Assim é como eufalo com os homens.

- Essa vais ter de me ensinar - disse ela, sentando-se.

Madison, aos trinta anos, era uma mulher de estarrecer: alta e magra, com seios grandes, uma pequena cintura e pernas excepcionalmente compridas. Ela tentava habitualmente minimizar o seu bom aspecto, mas os seus olhos verdes amendoados, faces bem definidas, lábios cheios e sedutores e ondas de cabelo negro faziam-na excepcionalmente bela. Uma beleza muito inteligente, porque ela era uma respeitada jornalista que se especializara em análises aprofundadas dos ricos, famosos e poderosos. Trabalhava para uma revista chamada Manhattan Style, vira recentement publicado um livro seu sobre relacionamentos e trabalhava presentemente numa reportagem de investigação sobre as antigas e notáveis famílias do crime de Nova Iorque. Ao longo do último ano descobrira que o passado do seu pai não era exactamente aquilo que parecia. De facto, já nem sabia se o conhecia de todo. Decidir que, se pretendia descobrir toda a verdade, teria de batalhar por ela.

- Onde está Natalie? - perguntou, deitando um olhar ao relógio.

- Atrasada, como é costume - respondeu Cole. - Há alguma novidade nisso?

- Estou com saudades dela - disse Madison, melancolicamente.

- Ela também tem de ti. É uma pena que vocês não vivam na mesma cidade. Pensa nos sarilhos em que se poderiam meter.

- Que tal vai o programa de rádio dela?

- É uma coisa em grande. Ela adora pôr a sua voz no ar. Conheces a nossa Natalie, adora atenção.

Minutos mais tarde, Natalie irrompeu pela sala, mostrando-se luminosa e bonita como habitualmente. Era baixa mas espevitada, com um corpo cheio de curvas e lábios voluptuosos.

- Desculpem, desculpem, desculpem! - exclamou, envolvendo Madison num forte abraço. - Só para sair do estúdio foi um autêntico pesadelo. Uff - acrescentou tombando sobre uma cadeira. - Eu preciso de uma bebida.

- Também eu - concordou Madison, acenando ao empregado. O empregado aproximou-se. Tinha um corpo magro e um ar muito italiano, com cabelo negro desgrenhado e um sotaque encantador.

- Vinho - disse Natalie. - Estou desesperada.

- Branco ou tinto, signora?

- Tinto da casa para todos.

- Boa ideia - disse Madison.

O empregado afastou-se apressadamente.

- Hmmm... - disse Natalie, olhando para o seu rabo em retirada. - Belo rabiosque!

- Sim, eu reparei - disse Cole. - Para que lado é que ele deve jogar?

- O meu! - afirmou Natalie. - Consigo sempre notar.

- Não teria tanta certeza - disse Cole, sorrindo.

- Vocês! - exclamou Madison. - Ninguém está seguro perto de qualquer dos dois.

- Isso não é verdade - objectou Natalie. - Estão os velhos e todos os que tenham menos de quinze anos.

- Escândalo! - repreendeu-a Madison.

- Não, apenas honesta - disse Natalie.

Subitamente, a sua atenção foi desviada para uma enorme agitação no balcão da entrada.

- Que diabo se passa? - disse Natalie, espreitando sobre as cabeças.

- Não sei - respondeu Cole.

E então aconteceu o impensável. Três homens irromperam pelo centro do restaurante brandindo armas.

- Tudo quieto, cabrões, ou rebento-vos a puta da cabeça! -As palavras geladas, gritadas por um homem com máscara de esqui que empunhava uma metralhadora Uzi, silenciaram imediatamente o restaurante em bulício.

Madison olhou-os sem poder acreditar. Tinha sido uma semana dura e agora isto. Não era possível. Aquilo simplesmente não podia estar a acontecer.

Mas era verdade. O Mario's estava sitiado e eles estavam bem no meio de tudo, enquanto os três bandidos armados, todos vestidos de preto, com máscaras de esqui em malha a cobrir-lhes a face e a cabeça, controlavam a sala, impedindo a saída e a passagem para a cozinha.

- Jesus Cristo! - murmurou Cole por entre dentes, enquanto Natalie se mantinha completamente imóvel, gelada de medo.

Madison compreendia porquê. Dez anos antes, quando ainda eram colegas de quarto na faculdade, Natalie fora vítima de uma violação colectiva bastante traumatizante. Conseguira superá-la e prosseguir na sua profissão até ter sucesso como entrevistadora de celebridades - agora, aquele despropositado assalto à mão armada deixara-a em choque.

- Fiquem calmas as duas - avisou Cole. Estava preparado para lidar com qualquer situação, embora até ele soubesse que não era inteligente argumentar contra uma arma.

Automaticamente, Madison inclinou-se sobre Natalie para a reconfortar, murmurando:

- Não acredito nisto! - Enquanto atirava para trás os seus longos cabelos negros e os seus olhos verdes perscrutavam a sala, com a sua mente de jornalista anotar cada detalhe.

- Acredita, querida - disse Cole em voz baixa. - Estás em L. A. Estas merdas acontecem.

- Fechem as putas das bocas - gritou o líder, o que tinha a Uzi. Estava nervoso e agitado, andando de um lado para o outro mas quase sem tocar no chão com os seus pés calçados com ténis, como um atleta excitado no final de uma corrida especialmente animada. Madison reparou nos seus olhos fitando-os através da aberturas na máscara. Eram olhos encolerizados, repletos de ódio não disfarçado. Calculou que ele fosse jovem, provavelmente ainda um adolescente.

Jovem, nervoso e lixado com o mundo. Exactamente aquilo de que precisavam!

- Esvaziem as putas das carteiras, tirem as jóias e rápido! - gritou ele.

Um outro bandido, armado com uma pistola e um saco de lixo preto amarrotado começou a percorrer as mesas recolhendo dinheiro, carteiras, relógios, anéis, telemóveis, tudo o que tinha valor, enquanto o terceiro homem mascarado empurrava o pessoal da cozinha para o centro da sala.

Madison tentava convencer-se a manter-se calma, mas o seu coração já batia fortemente. Não tinha nenhuma vontade de se tornar uma vítima, tinha necessidad de fazer algo, qualquer coisa - e não apenas ficar ali sentada e entregar as suas coisas como um cãozinho obediente.

Uma mulher idosa na mesa ao lado tentava tirar o colar de pérolas. As suas mãos tremiam tanto que ela não conseguia fazê-lo. A mulher mais jovem que a acompanhava debruçou-se e tentou ajudá-la.

Crash! O bandido que recolhia o saque atingiu a segunda mulher na face com o punho da sua pistola. Ela tombou, com o sangue a correr de uma terrível ferida nas suas têmporas.

- Oh, meu Deus! - arfou a mulher idosa. - Que fez você à minha filha? Madison não pôde conter-se; era um acto de violência sem provocação e não estava disposta a tolerá-lo.

- Cobarde! - sibilou ao ladrão de máscara de esqui. - Um homem grande com uma arma na mão.

- Não vás - disse Cole, em tom de ordem urgente. - Fica calma, fica sossegada!

Demasiado tarde. O homem voltou-se para Madison, acenando imprudentemente com a arma diante da sua cara.

- Mete-te na tua vida e dá-me o relógio. - Apontou a arma em direcção a Natalie. - Tu também.

Natalie mantinha-se colada à cadeira, com os seus olhos castanhos congelados de medo.

- Dá-lhe o teu relógio, Nat - instou Madison, desejando que a sua voz se mostrasse calma e firme.

Natalie não se moveu.

- Anda, querida, dá-lho - tentou Madison persuadi-la.

Natalie continuou sem se mover.

Sem aviso, o ladrão agarrou o braço de Natalie, arrancando-lhe do pulso o relógio Cartier de ouro.

Natalie gritou, um alto e lancinante grito que quase abafou o som das sirenes da Polícia à distância.

- Filhos da puta - gritou o líder, voltando-se para Cole com os olhos a cintilar perigosamente através das aberturas na máscara. - Qual de vocês, cabrões, chamou a Polícia?

- Ei, meu - disse Cole, calmamente. - Não olhes para mim.

Enquanto ele falava, o homem corpulento na mesa ao lado agiu, fazendo aparecer subitamente uma pistola de dentro do casaco e apontando-a ao chefe do bando.

- Larga a arma! - ordenou o homem num tom agressivo. - Desiste agora antes de te meteres em sarilhos ainda piores.

Por um segundo, Madison julgou que o cabecilha iria obedecer e instruir os outros dois para que fizessem o mesmo. Mas não; embora as luzes dos carros da Polícia já piscassem para lá das janelas fechadas da frente, ele não estava preparado para desistir.

- Larga a puta da tua arma - escarneceu. - Ou fazes ideia do que é que eu vou fazer?

O homem corpulento manteve-se firme. Era um detective reformado pronto para a sua última tentativa de se tornar um herói e nenhum vadio com uma arma iria detê-lo.

- Ouve, miúdo, não sejas parvo... - começou ele, num tom condescendente com um ligeiro toque de sotaque irlandês.

A palavra parvo, desencadeou uma acção imediata do bandido que deu um disparo repentino da sua arma. Todos gritaram. O homem corpulento caiu ao chão, com uma expressão de total surpresa na sua cara.

- Quem é o parvo agora? - escarneceu o líder, apontando ameaçadoramente a Uzi em redor da sala. - Eu não!

Depois começou a gritar aos seus dois parceiros para fecharem as portas e juntarem as pessoas no centro do restaurante.

- Deus! - murmurou Cole. - Estamos fodidos.

E Madison sentia nas suas entranhas que ele tinha razão.

 

         Terça feira, 10 de Julho de 2001, Las Vegas

Vincent Castle observava a sua linda mulher, com os olhos semicerrados. Ela não era simplesmente bonita, era uma verdadeira brasa, com pele suave como seda, cabelos pelos ombros de loiro natural-cor de mel, olhos azul-pálidos bem colocados, seios verdadeiros e pernas extraordinariamente longas.

No que toca ao aspecto, Vincent também não era nenhum desmazelado: um metro e noventa de altura, cabelo preto encaracolado, olhos de um negro-profundo, nariz direito, covinha no queixo e corpo musculado. As mulheres derretiam-se por Vincent Castle. Ele não só era sócio do Hotel e Casino Castle, como também era uma brasa, rico, e com somente trinta e seis anos. Mas, infelizmente para as mulheres que continuamente orbitavam em volta daquele belo partido, ele estava casado com a deleitante Jenna.

E, para ainda ser um maior obstáculo, ele era fiel.

Claro, ainda não se tinha passado um ano desde o casamento, pelo que ainda havia tempo.

- Jenna parece estar feliz esta noite - disse a mulher de botas em pele vermelha sentada ao lado de Vincent, numa subtil e sedutora voz, colocando uma elegante mão sobre a coxa. O seu nome era Jolie Sanchez e era a mulher do sócio e amigo de infância de Vincent, Nando. Jolie também era muito bela. Com trinta e poucos anos, tinha ainda olhos de gata cor de âmbar, sensuais lábios arredondados e longos cabelos negros como um corvo.

Vincent sabia que, se o quisesse, poderia servir-se de tudo o que ela tinha para oferecer.

Não o fazia, porque as mulheres dos outros não eram o seu estilo e muito menos se aproximaria da mulher do seu sócio. Além do mais, Nando - que era meio colombiano e meio francês - tinha um temperamento descontrolado. Em tempos tinha cortado a orelha a um rival de quem pensava que o tinha tramado num negócio. Infelizmente, o homem quase sangrara até à morte, fazendo com que Nando começasse a pensar bem antes de dar largas novamente ao seu temperamento violento.

- Ela adora as estrelas de cinema - disse Vincent, descruzando indiferentemente a perna para forçar Jolie a retirar a mão.

- Ah, mas nenhuma estrela de cinema é tão estonteante como o marido dela - murmurou Jolie, lisonjeando-o como era seu hábito.

Vincent esboçou um ligeiro sorriso, mantendo a sua crescente irritação sob controlo. Jenna estava a desrespeitá-lo na forma como se pendurava em Andy Dale, uma estrela com um só êxito, de cabelo liso loiro-sujo e sorriso pueril. Andy Dale estava na cidade por causa do grande combate que teria lugar na noite seguinte. Estava acompanhado por Anais, uma intratável supermodelo negra que estava obviamente demasiado drogada para se preocupar com quem ele se estava a meter.

Nando tinha-os convidado para jantar e depois saíra rapidamente, com a desculpa de que tinha uma reunião de negócios.

Ultimamente, Vincent tinha começado a perguntar-se se teria cometido um erro em casar com Jenna. Ela era muitojovem, com vinte e dois anos, e surpreendentemente inexperiente. Ao contrário dele. Ele já experimentara de tudo, exactamente como o seu pai, Michael, lhe ensinara. Quando ele tinha dezassete anos, Michael preparara-lhe um encontro com uma prostituta de vinte e dois anos, numa suite do MGM Grand, durante vinte e quatro horas, com todas as despesas pagas. Que negócio! Que pai!

A jovem ensinara-lhe tudo o que ele devia saber para agradar a uma mulher e, embora na altura ele não tivesse gostado de meter a língua entre as pernas dela e de a lamber, depressa aprendeu como as miúdas se excitavam com isso.

Não é por ter uma cara bonita que se chega a algum lado, ensinara- lhe o seu pai. Tens de ser o mais rápido e o mais esperto nos negócios e tens de saber como tratar uma mulher na cama. Dessa maneira, irás agarrar o mundo pelos tomates. Acredita em mim, filho, é isso que faz um homem.

Michael Castelli era um homem que tinha realmente o mundo agarrado pelos tomates. Vincent respeitava-o - apesar do facto de Michael nunca ter casado com Dani, a mãe dele.

Vincent ainda não tinha conhecimento do mandado de captura e do desaparecimento do seu pai. Raramente contactava com a sua meia-irmã, Madison, com quem se encontrara apenas uma vez, alguns meses antes, em circunstâncias constrangedoras. Michael mandara-o chamar e dissera-lhe que precisava de um favor. Naturalmente, Vincent concedeu-lho.

E que favor. Madison estava trancada num quarto de hotel em Las Vegas com uma amiga, Jamie, e o cadáver do filho de um bilionário. Aparentemente, Jamie fodera o desgraçado até uma morte prematura. A tarefa de Vincent era fazer desaparecer discretamente o cadáver. O que fez, sem fazer perguntas.

Vexara-o o facto de Madison não fazer ideia acerca da restante familia de Michael. Por que é que a ele tinha sido dita a verdade e, no entanto, ela levava uma espécie de vida protegida, acreditando ser filha única?

Bem, não era. Havia ele e a sua irmã mais nova, Sofia. E se Madison se achava melhor do que eles, estava mesmo muito enganada.

- Ohh, pára! - guinchou Jenna, com as suaves faces enrubescidas enquanto empurrava divertidamente Andy Dale.

- Que se passa? - perguntou Vincent, mantendo o seu temperamento efervescente sob controlo.

- Andy está a tentar descobrir se tenho cócegas - disse Jenna com uma risadinha.

- Aposto que tens! - disse Andy, atacando novamente, com as suas mãos mexendo e tocando-lhe nos seios excitados.

Vincent ergueu-se.

- Andy - disse, agradavelmente -, tenho uma coisa para te mostrar.

- O que é? - questionou Andy. Ele era jovem, famoso e achava-se importante. Foda-se, afinal ele era uma estrela de cinema do caraças, por amor de Deus. Podia ter o que quisesse ou quem quisesse.

- Vais gostar - prometeu Vincent, com um sorriso ténue.

- Não - murmurou Jolie por entre a respiração.

Andy ergueu-se. Tinha um metro e setenta e dois, graças a calços bem camuflados nos seus sapatos feitos por encomenda - sem eles mal chegava ao metro e sessenta e oito.

- Onde vamos? - perguntou, seguindo Vincent do luxuoso restaurante emr direcção ao casino que estava a abarrotar.

- Tenho algo no meu escritório que talvez te interesse - disse Vincent calmamente.

- Se for para snifar ou foder, podes contar comigo, meu - gargalhou Andy. Cretino, pensou Vincent. Mais dois filmes e estás acabado.

 

         Terça feira, 10 de Julho de 2001, Marbella, Espanha

Sofia Castle era selvagem. Alta, morena, esbelta e com experiência da rua, não fazia ideia do que queria fazer da vida. Tendo desistido da escola aos quinze, nem sequer queria pensar em universidades, e durante três anos percorrera o mundo, de mochila às costas, com duas amigas e um homem gay. Um por um, todos se tinham metido em sarilhos. Primeiro, uma das amigas fora detida na Tailândia por traficar droga. Um ano mais tarde, no Havai, a sua outra amiga fugira com um surfista casado que conhecera apenas cinco dias antes. E Jace, o seu amigo gay, arranjava sempre maneira de ser espancado onde quer que fossem.

- Mas que raio é que tu fazes - questionava-o ela.

- Nada - respondia ele de forma afectada. - Excepto ser eu próprio. Mas isso era demasiado gay para a maioria das pessoas.

Assim, Sofia acabara por ficar sozinha, se não contarmos com uma série de namorados passageiros.

Apesar de estar por sua conta e risco, Sofia não tinha vontade nenhuma de regressar a Las Vegas, onde o seu irmão mais velho, Vincent, a mandava fazer todas as merdas que ele quisesse e a sua mãe sempre a tentar dizer-lhe o que fazer. Sim, Capital do Jogo" deixara de exercer qualquer atracção há muito tempo, pelo que em vez de voltar para casa, ela seguiu para Marbella e conseguiu um emprego como fotógrafa de rua, cobrindo o circuito das discotecas durante a época de férias.

Aos dezoito anos, Sofia tinha um espírito livre e ninguém conseguia detê-la.

Nem a sua mãe - que, Deus sabe, tentara. Nem Vincent - com quem ela partilhava uma relação de amor/ódio. E muito menos, com certeza, o seu pai, Michael, um homem por quem ela sentia grande ressentimento porque nunca estivera por perto quando ela precisara dele.

Sofia era senhora de si mesma. Apenas esta noite não se sentia tão segura. Esta noite estava encurralada num apartamento de último andar com dois playboys espanhóis completamente drogados, mais velhos (pelo menos quarenta) e muito excitados.

Anteriormente, juntara-se a um grupo de pessoas numa das discotecas e achara-os divertidos. Nunca sendo mulher para recusar champanhe de graça e erva em abundância, fora com o grupo para o apartamento e de repente todos os outros pareceram desaparecer, deixando-a encravada com dois velhos excitados.

- Tenho de ir - anunciou ela de forma indiferente.

- Não! - disse o espanhol excitado número um. O seu nome era Paco e tinha olhos estreitos e cabelo castanho-brilhante puxado para trás.

- Ficas connosco - disse o espanhol excitado número dois, fazendo sons de beijos com os lábios. Era um homem magro, num fato de linho indiano esbranquiçado e reluzentes sapatos de verniz de duas cores. Cheirava a lavanda.

Pedrada como estava, Sofia ainda sabia que era o momento de se ir embora. Também suspeitava que eles tivessem trancado a porta da frente, o que não era bom sinal.

- Desculpem, rapazes - disse ela, dirigindo-se para a porta e experimentando a maçaneta. Sim, estava trancada. Merda! - O meu velhote é polícia - disse ela vivamente, furiosa por se ter deixado apanhar numa situação tão estúpida. - Por isso, não queremos sarilhos, pois não? É melhor deixarem-me sair. E é já.

- Não, não; vem aqui, cara - cantarolou Paco, aproximando-se dela e pousando no seu ombro nu a palma suada da sua mão. - Nós mostrar-te momentos sexy.

- Não, obrigada - disse ela, rodando para se afastar dele. - E abram a puta da porta antes que eu o faça a pontapé.

Os homens trocaram olhares conspirativos, depois Paco agarrou-a, enquanto o outro homem se aproximou.

Sofia sentiu um arrepio de medo pela primeira vez na sua curta vida. Sabia que estava em sarilhos e não era uma sensação que lhe agradasse.

 

         Terça feira, 10 de Julho de 2001, Las vegas

A minha filha está em sarilhos. O pensamento percorria a mente de Dani Castle sem parar. Acordara nessa manhã depois de ter um intenso pesadelo acerca de Sofia e não conseguira deixar de pensar nisso desde então. Agora já era de noite e estava ajantar com o homem com quem devia ter casado, mas, mesmo assim, não se conseguia concentrar: a sua cabeça estava noutro lugar.

Dean King, um homem bem-parecido na casa dos sessenta, alto e de peito largo, com uma densa cabeleira cor de prata, nunca lhe falhara, nunca a deixara ficar mal. Não obstante, apesar do seu longo relacionamento, ela continuava a viver na esperança de que um dia Michael casasse com ela e legalizasse a sua união.

Michael Castelli. O amor da sua vida.

O pai dos seus dois filhos, Vincent e Sofia. Ela amava-o. Sempre o amaria.

Dani, aos cinquenta e três anos, era uma mulher bela, alta e loura natural, com pele suave, olhos azul- marinho e um corpo de corista. Outrora cabeça de cartaz em Las Vegas, ela organizava agora ocasionais eventos de relações públicas no hotel do filho. Estava muito orgulhosa de Vincent, ele saíra-se muito bem - com apenas uma pequena ajuda do seu pai.

Sim, Vincent sabia muito bem tomar conta de si mesmo; era com Sofia que ela se preocupava.

Ambos os seus filhos tinham fortes parecenças com Michael. Tinham herdado a sua pele escura corde azeitona e o seu cabelo negro de azeviche. E Sofia tinha decididamente herdado o seu lado selvagem. Num dia memorável, após uma grande discussão com o pai, ela abandonara a escola e partira, deixando apenas um curto bilhete.

Só com quinze anos e já se fora embora. Os únicos contactos que Dani tivera com ela desde então haviam sido os ocasionais telefonemas ou postais.

Não havia nada que ela pudesse fazer acerca disso. Sofia tinha uma vontade de ferro, exactamente como Michael, que não parecera nada preocupado com a partida da filha. A miúda sabe cuidar de si mesma", assegurou-lhe ele. Tens de parar de te preocupar.

Era fácil para ele dizê-lo.

Por vezes, Dani achava que o único filho com quem ele realmente se preocupava era com Madison, a filha da outra mulher.

- Em que estás a pensar? - perguntou Dean, debruçando-se sobre a mesa e tentando agarrar-lhe a mão.

Ela recuou; a devoção de Dean era ilimitada, talvez a rejeição fizesse mesmo o coração querer mais. No caso dele sem dúvida que fazia.

Dean vivia em Houston. Era dono de poços de petróleo, extremamente rico e bastante poderoso à sua própria maneira.

Então, por que nunca casaste com ele, Dani?

Porque nunca o amei.

- Estou a pensar na Sofia. - suspirou ela, bebendo o seu vinho. - Preocupo-me tanto com ela. Quem me dera poder vê-la.

Dean avaliou a expressão dela.

- Tens tido notícias dela ultimamente? - perguntou.

- Há poucas semanas atrás. Está algures, em Espanha, nunca diz onde.

- Já te disse muitas vezes - disse ele. - Se quiseres posso contratar pessoas que a encontrem e a tragam para casa.

- Não. - Ela acenou com a cabeça. - A Sofia voltará quando estiver preparada.

- Então, tens que parar de te preocupar.

Deus! Ele fazia-lhe lembrar Michael a falar!

- Tenho uma reunião cedo pela manhã - disse ela, pousando o guardanapo na mesa e empurrando a cadeira para trás.

- Isso quer dizer que o jantar está terminado? - perguntou ele, erguendo uma sobrancelha trocista.

- Não te importas, pois não?

- Faria alguma diferença se me importasse? - disse ele, reflectindo que aquela mulher o punha louco, sempre o fizera. O problema era que ele não conseguia deixar de se sentir louco por ela. Dois casamentos com outras mulheres ao longo da vida não tinham servido de nada para extinguir a chama.

- Claro que faria - mentiu ela, tentando perceber por que é que mantinha Dean ao alcance da mão.

- Bem... - disse ele, hesitante -... posso adiar a minha partida e ficar mais um dia.

Não te vai servir de nada", queria ela dizer, mas não o fez. Dean vivia para lhe agradar e ela vivia para agradar a Michael, de quem não ouvia notícias há meses.

Perguntava-se onde estaria ele e a fazer o quê.

Recusava-se a procurá-lo. Tinha o seu orgulho.

Trinta e seis anos atrás, com dezassete anos de idade, ela dera à luz o único filho dele e depois, dezoito anos mais tarde, uma filha. Ele nunca casara com ela e, no entanto, não havia forma de ela alguma vez o deixar de amar.

Sim, é verdade, pensou ela, pesarosamente. A rejeição faz mesmo o coração querer mais.

 

         Terça feira, 10 de Julho de 2001, Nova Iorque

Estou a fugir, pensou Michael Castelli. Estou a fugir como um rato através dos esgotos e odeio-me por ter de fazer isto.

"Mas não tenho escolha.

Não tenho uma puta de uma escolha.

O seu passado apanhara-o finalmente e a alternativa era fugir e descobrir a verdade, ou apodrecer nalguma prisão de merda.

Michael sabia que se fosse encarcerado outra vez não sobreviveria. E no mundo de Michael, a sobrevivência era a regra número um.

 

         Michael: 1945

Anna Maria era uma rapariga bonita. De cabelo negro, com uma cara em forma de coração, falava apenas um pouco de inglês. O seu marido, Vinny Castelino, tentara ensiná-la mas sem grande sucesso. Ele não se importava: pela parte que lhe tocava Anna Maria não fazia nada errado. Que mal tinha se ela não falava a língua? Ele estava presente para cuidar dela e do bebé de que ela estava à espera.

Vinny era o homem mais orgulhoso do quarteirão. Não conseguia tirar os olhos da sua mulher. Que rapariga tão pequena com uma barriga tão grande.

Cruzara-se com Anna Maria no final da guerra, nos arredores de Nápoles. Estava assustada e sozinha - a maior parte da sua familia desaparecera e ela estava por conta própria. Vinny protegeu-a, deu-lhe chocolates e meias de nylon, dormiu com ela e prometeu manter-se em contacto.

Depois regressara à sua namorada fixa na América e tentara esquecer a jovem rapariga italiana de grandes olhos chorosos e corpo voluptuoso. A sua namorada Mamie, uma vistosa cabeleireira loira que vivia perto dele em Queens, ficou imediatamente desconfiada.

- Fizeste alguma coisa que não devesses ter feito enquanto estiveste no estrangeiro? - perguntou ela, enquanto o brindava com uma vigorosa mamada no banco de trás do amolgado e velho Pontiac do primo.

- Claro que não - respondeu ele, cheio de culpa.

- De certeza - insistiu Mamie.

- De certeza - mentiu ele.

- Espero que não tenhas feito nada - ameaçou ela -, ou faço brincos dos teus tomates!

Mamie tinha uma forma colorida de dizer as coisas.

Vinny estava habituado.

- Oh, sim, sim - gritou ele alcançando um satisfatório clímax. A verdade é que não conseguia tirar Anna Maria da cabeça. Ela mantinha-se nos seus pensamentos e, à medida que as semanas passavam, ele sabia que tinha de voltar a vê-la, apesar das ameaças de Mamie de danos físicos se ele olhasse sequer para outra mulher. Mamie estava decidida a casar-se. Se não tivesse cuidado, ela pô-lo-ia a percorrer a coxia da igreja antes que ele se apercebesse.

Alguns meses mais tarde, ainda não tinha conseguido esquecer Anna Maria, pelo que informou Lani, a sua mãe, uma mulher forte de origem siciliana, que ia regressar a Itália.

- Por que queres fazer isso? - perguntou Lani, com as grandes e calejadas mãos sobre as suas largas ancas. - A Europa ainda não é segura. A guerra ainda mal terminou.

- Há uma pessoa que tenho que ver. É tipo destino, entendes.

- Destino, o raio! - exclamou Lani, revirando os olhos. - Tens uma rapariga lá, n'é?

- Não, mãe - protestou ele.

- Ah! Mentiroso! - resmungou ela, limpando as mãos ao avental. - Como é que vais pagar um bilhete para Itália?

- Tu emprestas-me o dinheiro - disse ele, confiantemente.

E Lani emprestou, porque Vincenzio era filho único e, desde que o seu pai falecera alguns anos antes, ela dava-lhe praticamente tudo o que ele queria. Além do mais, ela ansiava por ver Mamie pelas costas - um sentimento que tinha desde a primeira vez que pusera as vistas na loira aparatosa e desbocada que, obviamente, não era suficientemente boa para o seu precioso filho. Talvez aquela fosse uma maneira conveniente de os separar.

Assim, Vinny viajou para Itália com a bênção da sua mãe e imediatamente entrou em contacto com Anna Maria, que ficou emocionada por voltar a vê-lo.

Algumas semanas mais tarde, para grande surpresa de Lani, ele regressou a casa com uma mulher grávida - uma rapariga italiana de dezassete anos que mal falava uma palavra de inglês.

Inicialmente, Lana ficou profundamente desapontada por o seu filho ter casado sem a sua presença, mas o facto de ele ter encontrado para si uma rapariga da terra-mãe ajudou-a muito a ultrapassar o seu desapontamento inicial - embora ela achasse que teria sido mais bonito se Anna Maria tivesse esperado para se deixar engravidar.

Fosse como fosse... estavam casados, Mamie estava definitivamente afastada do cenário e Lani decidiu aproveitar a situação.

Rapidamente se apaixonou por Anna Maria - todos se apaixonavam. A rapariga tinha em si uma doçura e uma vulnerabilidade que eram quase irresistíveis.

Quando o pai de Vinny falecera (Lani dizia que era de ataque cardíaco - a verdade é que ele bebera demasiadas cervejas, caíra num entorpecimento alcoólico, batera com a cabeça numa prateleira e nunca recuperara), Lani tomara conta do negócio, a loja de conveniência na esquina. Geria o estabelecimento sozinha, fazendo as encomendas, tratando da contabilidade e tomando conta de todas as coisas que deviam ser feitas. Frequentemente, atendia os clientes na loja, embora tivesse un empregado chamado Ernie, que já entrara há muito na casa dos sessenta e a quem Lani considerava inútil:

Pouco depois de Vinny ter regressado à América com a sua noiva, Lani pôs os dois a trabalhar. Afinal, eles viviam com ela, era perfeitamente justo. Fez com que Emie tomasse conta da loja pelas manhãs, a Anna Maria cabia as tardes e Vinny, ficou com o turno mais tardio.

- Mas, mãe - objectou Vinny, inicialmente -, não achas que eu devia arranjar um negócio meu? Agora tenho uma mulher e uma família a caminho.

- Este é o teu negócio - realçou Lani. - Quando eu me for, a loja será toda tua, por isso vê se tomas bem conta dela.

Vinny amava a sua mãe; no entanto, não podia esperar pelo dia em que tudo seria seu. Não que ele lhe desejasse qualquer mal, ele adorava-a, e o melhor era que ela e Anna Maria tinham criado uma ligação com a qual ele apenas sonhara.

No início de Fevereiro, o tempo estava frio e tempestuoso. Anna Maria estava enorme, com o nascimento do bebé a poucas semanas de distância. No entanto insistia em trabalhar na loja, atravessando a neve e a chuva, sempre preocupada em chegar a horas, recusando-se a deixar ficar mal a sua sogra. As coisas estavam difíceis por toda a parte e Anna Maria sabia que era mesmo uma rapariga de sorte. Não tomava nada por garantido. De resto, o trabalho duro não era uma coisa estranha para ela. Antes de conhecer Vinny, trabalhara como empregada num hotel cheio de alemães e lutara para ter o suficiente para comer. Fora violada duas vezes, espancada algumas outras e, apesar da sua aparência delicada, aprendera a tomar conta de si mesma. Depois chegara Vinny e salvara-a, e ela faria tudo por ele. Adorava o seu marido. Para ela, era o sonho americano personificado. Alto, bonito, gentil. Que mais poderia desejar qualquer rapariga?

Aos fins-de-semana, Emie não trabalhava, pelo que, naquela manhã de sábado, Anna Maria estava por sua conta. Teve dificuldade em rodar a chave na ferrugenta fechadura afixada à porta das traseiras. Tinha os dedos inchados e sentiu uma ligeira náusea. Prometera a Vinny que aquele seria o último fim-de-semana em que trabalharia antes do nascimento do bebé. Lani já falara com Emie para que ele trabalhasse as horas dela e ele concordara.

A loja cheirava a cerveja choca misturada com o vago aroma de queijo rançoso. Havia um bar na porta ao lado e o cheiro de cerveja choca parecia pairar permanentemente no ar.

Anna Maria arrepiou-se. Estava demasiado frio para abrir a janela das traseiras de forma a poder livrar-se do desagradável cheiro, pelo que esfregou as mãos para aquecer, acendeu as luzes, preparou a caixa registadora, abriu a porta da frente e esperou pelos primeiros clientes.

Havia alguns habituais e Anna Maria depressa aprendera os seus nomes. O Sr. Rustino, que comprava sempre dois cacetes e uma dúzia de ovos. A Sr.a Bellimore que pedia três garrafas pequenas de gasosa e depois descia o quarteirão até à loja de bebidas para comprar uma garrafa de gim - como se não fosse algo que ela já tivesse pensado. A viúva, Sylvana, que nunca comprava nada, mas gostava dos mexericos.

Os clientes adoravam Anna Maria. Todos perguntavam pela sua saúde, apalpavam a sua barriga e perguntavam quando chegava o bebé. Apesar de toda a vizinhança saber exactamente quando ele deveria chegar, perguntavam sempre, felizes por gastarem o seu tempo com a doce e jovem italiana, que lhes lembrava as suas raízes.

À medida que o dia corria, o céu foi escurecendo e a neve começou a cair. Anna Maria atarefava-se a limpar a parte de trás da loja, assegurando-se de que tudo estava no seu devido lugar.

Alguns minutos depois das duas, uma rapariga loira e roliça irrompeu pela loja acompanhada por dois jovens com ar bruto. Nenhum dos três lhe parecia familiar, mas Anna Maria sorriu delicadamente e perguntou se podia ajudá-los.

Os olhos fortemente pintados da loira examinaram Anna Maria dos pés à cabeça.

- Então és tu a vadia estrangeira que enganou o meu Vinny para casar com ele! - escarneceu ela. - Não és lá muito bonita e és gorda como uma porca.

- Desculpe? - arriscou Anna Maria, pressentindo sarilhos. - Meu inglês, não é bom.

- Aposto que não - disse Mamie ironicamente, sacudindo o seu cabelo pintado para trás.

Anna Maria voltou as suas atenções para os dois homens, que vagueavam pela loja de forma suspeita enquanto iam observando tudo. Um deles percorria as revistas, dobrando-lhes as páginas. O outro brincava com uma pilha de latas, quase a derrubando.

- Por favor. Posso ajudar? - perguntou ela, emergindo por detrás do balcão.

- Sim, querida - disse Mamie, arrastando-se. - Podes devolver-me o namorado que me roubaste. Embora, pensando bem, eu não quisesse o cretino de volta nem que o embrulhasses em notas de dólar e o entregasses à minha porta. Ela riu-se ruidosamente com a sua própria piada. - Vamos, rapazes - disse ela, dirigindo-se para a saída. - Este sítio tresanda a spaghetti. Estou a precisar de ar fresco.

Saíram os três, deixando Anna Maria com uma sensação de desconforto. Mais tarde, nesse dia, quando Vinny chegou para a substituir, ela já esquecera o trio. Vinny beijou-a e abraçou-a, disse-lhe que ela era a rapariga mais bonita do mundo e avisou-a para ter cuidado na curta caminhada até casa porque os passeios estavam escorregadios e vinha uma tempestade a caminho.

- Talvez eu devesse fechar a loja e levar-te a casa - sugeriu ele. - De qualquer modo, não anda ninguém na rua.

- Não - respondeu ela, abanando a cabeça. - Eu fico bem.

- De certeza?

- Sim, Vinny.

Ele abraçou-a de novo, roçando o seu queixo na face dela.

Ela adorava sentir os fortes braços dele à sua volta, especialmente quando a bebé dava pontapés na sua barriga e ela sabia que ele também podia sentir. Secretamente, ela desejava um rapaz. A vida - tal como ela a conhecia - era demasiado dura para as raparigas.

A meio do caminho para casa lembrou-se da loira vistosa e dos seus dois companheiros de mau aspecto. Havia algo neles que a fazia desconfiar, especialmente porque a rapariga mencionara Vinny pelo nome. Lembrou-se de que, quando começara a trabalhar na loja, Lani a avisara para que lhe comunicasse tudo o que achasse suspeito. Bem, eles tinham decididamente um ar suspeito e agora ela sentia que deveria ter alertado Vinny.

Apesar do gelo nos passeios e do frio cortante, ela decidiu voltar para trás e contar o incidente ao seu marido. Ao voltar-se para percorrer novamente os seus próprios passos, o bebé deu subitamente um pontapé. Colocando as mãos sobre o estômago, ela murmurou, com um sorriso nos lábios:

- Mio bambino. Mio piccolo bambino.

Um trovão soou à distância enquanto ela se aproximava da loja. A rua estava escura e deserta: a maioria das pessoas apercebera-se da tempestade que chegava e recolhera- se às suas casas.

No exterior, bloqueando a entrada da loja, estava a loira que aparecera anteriormente, com um lenço amarrado sobre o seu cabelo cor-de-latão. Pareceu espantada quando viu Anna Maria.

- Com licença, por favor - disse Anna Maria, tentando contorná-la.

- Mais devagar, querida - disse Mamie.

- Porfavor, deixe-me passar. Quero entrar-disse Anna Maria, franzindo o sobrolho.

- Não me parece - disse Mamie bruscamente, com um trejeito arrogante no seu queixo pontudo.

- Oh, sim, parece, parece - disse Anna Maria, impondo-se. E, com isso, empurrou a loira para o lado e entrou na loja.

A cena que encontrou fê-la arquejar de horror. Vinny estava encurralado por trás do balcão, com os braços no ar. Um dos companheiros da loira tinha uma arma encostada à cara dele, enquanto o outro se atarefava a esvaziar a caixa registradora.

- Bastardo! - gritou Anna Maria, com a fúria a apoderar-se de si à medida que regressavam rapidamente todas as más recordações da violência que sentira no seu passado. - Bastardo! Bastardo! - repetiu ela, antes de se atirar ao homem que tinha a arma, com os braços a bater tresloucadamente e a sua bonita face contorcida pela fúria.

- Não! - gritou Vinny, freneticamente, tentando detê-la. - Não, querida! Não!

Era demasiado tarde. O homem que empunhava a arma reagiu de imediato, apontando-a a ela, gritando um áspero Sai de cima de mim, sua cabra doida!

Mas ela continuou a atacá-lo, embora o seu coração batesse descontroladamente e o bebé pontapeasse o seu estômago.

Vinny saltou para o meio da refrega, mais preocupado em salvar a sua mulher do que com a sua própria segurança.

E então aconteceu. Um tiro. Dois. Três.

E os homens agarraram no dinheiro e fugiram.

 

         NEW YORK TIMES DE FEVEREIRO DE 1945

Um bebé deu à luz em segurança, ajudado por médicos, na noite de sábado, após a mãe da criança, Anna Maria Castellino, ter sido fatalmente alvejada ao fim do dia, durante um assalto a uma loja. O seu marido, Vincenzio Vinny Castellino, foi também atingido e está neste momento a ser operado com vista à remoção de uma bala alojada na coluna vertebral. O tiroteio ocorreu na Lanis, uma loja de conveniência em Queens. A Polícia procura dois suspeitos do sexo masculino, que assaltaram a loja e fugiram a pé com uma mulher loira como cúmplice.

O bebé, um rapaz, Que nasceu prematuro de várias semanas, pesava um Quilo e novecentos gramas, e o seu estado é considerado estável.

E, assim, Vincenzio Michael Castellino veio ao mundo. Foi uma entrada a valer.

 

         Dani: 1948

Dashell Livingston tinha três mulheres, embora no estado do Nevada isso fosse propriamente legal. Dashell não se importava: denominava-se a si próprio como um mórmon* em suspensão e vangloriava-se a quem quisesse ouvir que qualquer homem tinha o direito de possuir tantas mulheres quantas quisesse. Dashell perfilhara sete crianças, todas raparigas, o que não o preocupava, porque entendia que raparigas tomariam conta dele na sua velhice. As raparigas eram úteis - nunca fugiriam nem o abandonariam.

Dashell, um homem grande na casa dos cinquenta e muitos anos, com uma face gasta pelo tempo e uma crina de cabelo branco em cascata pelos ombros, era jogador inveterado. Nos intervalos da criação de cavalos, no seu decrépito rancho, a alguns quilómetros de Las Vegas, fazia ocasionais incursões à Strip** e ganhava dinheiro suficiente para o sustentar, a si e à sua sempre crescente família, durante os meses seguintes. Enquanto por lá andava, visitava o bordel local e servia-se de uma rapariga ou duas. Dashell tinha um apetite sexual voraz.

A mulher número um de Dashell chamava-se Olive. Com quase quarenta anos, ela era a mãe de quatro das suas filhas e a verdadeira chefe da casa. Se Dashell não desse ordens, ela dava.

A mulher número dois era Mona, uma mulher pequena e de aspecto débil, com uma expressão permanentemente assustada. Mona produzira três crianças para o grandalhão do seu marido.

E finalmente havia a prima de Olive, Lucy, que, com vinte e dois anos, era a mais jovem das três mulheres e também a mais bonita, com longos cabelos cor

 

* Em Portugal, esta seita dá- se pela denominação de Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias". (N. do E. )

* * Designação da avenida, com quase cinco quilómetros de extensão, onde se situam os principais casinos de Las Vegas e que constitui imagem de marca da cidade. (N. do I)

 

de milho e olhos azul-brilhantes. Lucy viera viver para o rancho depois de um mau casamento com um homem que a insultava e lhe batia diariamente. Na altura em que chegou, vinha frágil e exausta.

Dashell e as suas duas mulheres tinham-lhe oferecido consolo e um lugar para ficar e, embora ela não tivesse achado Dashell fisicamente atraente, depressa se apercebeu de que com ele estaria pelo menos segura.

Pouco tempo após se tornar a mulher número três, Lucy viu-se grávida da sua primeira criança. Lamentavelmente, porque logo que ela descobriu o seu estado, imediatamente mudou a atitude de todos. Dashell tornou-se frio e distante, Olive, autoritária e exigente - forçando-a a fazer mais do que a sua parte nas tarefas caseiras e Mona, que nunca a recebera bem na família, optou por ignorá-la.

Lucy depressa se apercebeu de que juntar-se à extensa família de Dashell talvez tivesse sido um grande erro.

Mas depois de entrar, não era possível sair. Não tinha dinheiro, nem meios para abandonar o rancho, que ficava no meio de nenhures. E estava grávida.

Dashell, como depressa descobriu Lucy, não acreditava em médicos.

- Sacanas gananciosos. Tudo o que eles querem é o dinheiro de um homem! - queixava-se ele, na sua voz áspera. - Por estes lados nós tratamos dos nossos.

Lucy não podia crer que ele não tencionasse levá-la a um médico, ainda que ela o tivesse suplicado.

- Não! - disse ele com severidade. - E pára de me chatear, mulher. Lucy tentou obter ajuda das outras duas mulheres de Dashell.

- Que é que te faz diferente de nós? - inquiriu Olive, com um trejeito de insensibilidade nos seus lábios finos.

- Eu... eu só pensei...

- Bem, não penses - interrompeu Olive, enquanto Mona observava. - Vais ficar bem. Aqui é o Dashell que assiste aos partos dos nossos filhos. Já o fez sete vezes.

Quando Lucy finalmente entrou em trabalho de parto, foi a meio da noite. Sem enfermeiras nem médico que a ajudassem através da gravidez, não fazia ideia do que esperar quando as suas águas rebentaram.

A falta de conhecimento fê-la entrar em pânico. E quando as contracções se iniciaram, ela começou a gemer alto com dores, acordando Mona, que dormia no mesmo quarto juntamente com Emily, a sua filha mais nova.

Mona sentou-se na cama.

- Fica calada! - ordenou ela. - Pára com esse horrível barulho. Até acordas os mortos.

- Eu... eu acho que o meu bebé vem aí - balbuciou Lucy, assustada e confusa.

- Não podes tê-lo agora - disse Mona, como se as suas palavras pudessem impedir o bebé de vir ao mundo. - O Dashell foi à cidade. Só regressa de manhã.

- Então, tens de me arranjar um médico - arquejou Lucy enquanto uma nova contracção a acometia com uma intensidade como ela nunca antes tinha sentido. Gritou, sentindo-se como se todo o seu corpo estivesse a ser despedaçado.

- Não posso - disse Mona, terminantemente. - Dashell levou a camioneta. Olive entrou de rompante no quarto, apertando o roupão, com uma expressão carrancuda na sua cara sem graça.

- Morde nisto - disse ela com objectividade, entregando um dos cintos de cabedal de Dashell à sua jovem prima. - E, por amor de Deus, fica sossegada, assustas a criança.

- Por favor... - sussurrou Lucy, com dores insuportáveis a percorrerem-na. Vocês... vocês têm de me levar a um médico.

- Vais ficar bem - disse Olive, rasgando lençóis em tiras, enquanto Mona empurrava a pequena Emily para fora do quarto. - Não és a primeira mulher a ter um filho.

- Porfavor! - suplicou Lucy. - Eu... preciso... de um médico!

- Abre as pernas e faz força - disse Olive, asperamente. - E pára de fazer esse espalhafato horrível.

A bebé Dani nasceu vinte e cinco minutos mais tarde. A sua mãe sangrou até à morte.

 

         Michael: 1960

- Que idade tens tu? - perguntou a rapariga.

Ela tinha dezanove, Michael sabia isso de fonte segura. Dezanove anos e uns grandes seios, cabelos pretos e lisos e uma ligeira sombra de buço. O seu nome era Polly e vivia a poucos quarteirões de distância. Ele fizera questão de descobrir tudo o que pudesse sobre ela porque a achava a mulher mais sexy que alguma vez vira.

- Dezoito - mentiu ele. Na realidade tinha quinze, mas parecia muito mais velho e estava confiante de que conseguiria fazer passar a mentira.

- Sim? - disse ela, não completamente convencida.

- Sim - confirmou ele, pestanejando rapidamente; longas e espessas pestanas curvadas sobre profundos olhos verdes.

- Hmm... - disse Polly, observando-o com um olhar avaliador. Talvez ele não tivesse dezoito anos, mas era certamente o borrachinho mais giro que ela alguma vez encontrara. O seu namorado de ocasião, Cyril, não andava nem lá perto.

- Então, tens mesmo dezoito? - disse ela, convencendo-se a si própria.

- Claro - respondeu ele, confiantemente, acrescentando um pretensioso Porquê? Achas que pareço mais velho?

Estavam parados na esquina da rua à porta do apartamento da amiga dela, Sandi. Sandi organizara uma festa de aniversário para si própria. Michael ouvira falac do assunto e prontamente apareceu sem ser convidado. Ninguém questionou a sua presença, pelo que pouco depois ele começou a atirar-se a Polly. Quando ela saiu da festa ele foi logo atrás.

O som de Elvis Presley a cantar Are you Tonesome tonight saía do apartamento de Sandi - talvez fosse um sinal.

- Então... - arriscou ele -... queres ir comer um gelado?

- Gelado - resmungou ela ironicamente, torcendo o nariz. - Não podes ter dezoito.

Os actos falaram mais alto do que as palavras. Agarrando-a pelo braço, ele encostou-a à parede do prédio e começou a beijá-la, enfiiando-lhe a língua até à garganta.

Ela começou a empurrá-lo.

Ele não ia desistir tão facilmente. Guiado pelo instinto, atacou-lhe os grandes seios, tocando-lhe os mamilos com os dedos, tal como vira algum tipo horroroso fazer num filme porno presenciado com um grupo dos seus amigos.

Bingo! Ela parou de se debater e soltou um pequeno gemido. Ele sentiu uma erecção a crescer nas calças e rezou a Deus para que nessa noite tivesse um lugar onde a meter. Algum sítio, qualquer sítio; estava farto da sua avó Lani a espreitar pela porta da casa de banho, gritando: Que estás a fazer aí dentro? Espero que não seja nenhuma porcaria ou dou-te um estalo."

Pressionou o seu corpo contra o de Polly, assegurando-se de que ela podia sentir a sua excitação. Ao mesmo tempo, continuou com o seu trabalho manual nos grandes seios dela enquanto se perguntava se deveria introduzir a outra mão sob a sua camisola ou se seria demasiado cedo.

Naquele momento já ela retribuía os beijos com muita língua molhada e bastante entusiasmo. Isso era um bom sinal.

Decidindo que não tinha nada a perder, fez deslizar a mão por baixo da camisola dela, empurrou o soutien para cima e agarrou uma mão-cheia de carne macia e quente.

- Pára com isso - disse ela entre risinhos, arfando. - Estamos na rua, toda a gente pode ver.

- Não, não podem.

- Podem, sim.

- Vamos para outro sítio. - Ele engoliu em seco, esperando não estar prestes a vir-se nas cuecas.

- E qual sítio, Sr. Excitadinho? - perguntou ela, puxando a camisola para baixo e recuperando a compostura.

- Que tal um hotel? - sugeriu ele.

- Que tipo de mulher pensas que eu sou? - disse ela, indignadamente. Uma mulher que eu vou foder, pensou ele, ou morrer a tentar.

Ela lançou-lhe outro olhar. Ele era tão terrivelmente bonito. E uma brasa grande, naquilo que interessava. Tudo aquilo que Cyril não era.

- Tens dinheiro para um hotel? - perguntou ela. - Porque eu vivo com os meus pais, por isso não podemos ir para lá.

- Tenho dinheiro - alardeou ele, tentando controlar a sua excitação com o que poderia estar prestes a acontecer.

- Então, de que estamos à espera? - perguntou ela, dando-lhe o braço.

C'um raio! Finalmente, estava prestes a dar uma queca. Nem podia acreditar. O mais longe a que já tinha chegado fora com uma rapariga da escola, Tina, e embora Tina fosse bonita e popular, não estava a fim de experimentar. O máximo que conseguira dela tinham sido alguns beijos molhados e um rápido toque nos seus seios - que nem de longe eram tão grandes como os de Polly e estavam sempre completamente cobertos.

O sexo é para o casamento, dizia-lhe Tina frequentemente, com uma expressão terrivelmente séria na cara. Temos de esperar.

Como se ele estivesse pronto para o casamento. Nem pensar. Além do mais, estava farto de esperar. Sabia o que queria e, se não o obtivesse depressa, ficaria louco.

Tinha quinze anos. Era um homem. Precisava de sexo.

Numa ocasião tentara puxar o assunto do sexo com o seu pai que, infelizmente, estava confinado a uma cadeira-de-rodas. Vinny fitara-o durante alguns minutos silenciosos antes de abanar melancolicamente a cabeça.

- Evita apaixonar-te - avisara ele. - Só leva ao desgosto.

Michael sabia que o seu pai era uma pessoa amarga, embora fosse difícil ignorar que Vinny nunca tivera uma palavra boa a dizer sobre alguém ou alguma coisa. Sentava-se na sua cadeira-de-rodas, em casa ou na loja, e raramente falava. Quando não estava na loja, estava especado à frente da televisão - o seu sítio favorito.

Que raio de vida é esta? pensava Michael. Certamente não era o tipo de vida que ele queria.

Nunca conhecera Anna Maria, a sua mãe, embora conhecesse bem o seu aspecto. Havia um grande retrato dela sobre a lareira, rodeado por velas. Todos os domingos pelas seis horas o seu pai acendia as velas e rezava uma oração.

Lani explicara-lhe que uns homens maus tinham matado a sua mãe e que ele nascera pouco antes de ela morrer. Quando ouviu a história pela primeira vez, não teve um grande significado para ele, mas, à medida que crescia, começou a pensar cada vez mais nela. Em vez de ter uns pais afectuosos, como a Tina, estava preso a uma avó que quase não tinha tempo para outra coisa que não fosse o trabalho e a um pai que estava confinado a uma cadeira-de-rodas. Isso fazia-o pensar na sua mãe e em como as coisas poderiam ter sido diferentes se ela estivesse viva.

Cada vez mais sentia vontade de saber como acontecera o crime, pelo que, um dia, foi até à esquadra de Polícia e perguntou se poderiam analisar o caso e fornecer-lhe mais informações.

O agente de serviço era um indivíduo jovial que conhecia Lani, pelo que teve a amabilidade de procurar o ficheiro.

- Não há muito a dizer, excepto que nunca conseguiram apanhar os criminosos - disse ele. - Lamento, rapaz.

- Alguém descobriu quem eles eram? - perguntou Michael.

- Não. - O detective abanou a cabeça. - Receio que o caso esteja encerrado. Parecia-lhe estranho que numa vizinhança em que todos sabiam a vida de todos os outros, ninguém tivesse uma pista sobre quem matara a sua mãe, estropiara o seu pai e roubara a loja.

Polly pendurou-se do seu braço enquanto caminhavam pela rua. Ela tinha um cheiro de certa forma floral. Ele perguntava-se a que cheiraria ela quando lhe tirasse a roupa.

Ele tinha um plano; a ideia do hotel não lhe tinha propriamente surgido do nada. O seu melhor amigo, Max, tinha um trabalho nocturno como assistente de porteiro num pequeno hotel de baixa categoria. Max frequentemente se gabava de que, se ele alguma vez precisasse de um quarto, lho poderia arranjar.

Muito bem, pensou Michael. Vamos lá ver se é tudo treta. O hotel era escuro, com um aspecto triste e o acre aroma de couves cozidas a pairar no ar. Fortemente agarrado a Polly, Michael marchou até ao pequeno e gasto balcão da recepção, onde um velhote de óculos folheava uma já muito usada revista de meninas.

Que sorte a minha, pensou Michael. Logo nesta noite o Max não deve estar a trabalhar.

Precisamente quando já estava a ficar desapontado, surgiu Max, com duas canecas de café quente a fumegar. Max, que não era nabo em termos de desenrascanço, viu o que se passava e entregou uma caneca ao velhote.

- Toma lá, Burt - disse ele, animadamente. - Faz um intervalo. Estás com ar de quem precisa.

- Não me importo nada - disse Burt, levantando-se e desaparecendo para uma sala interior.

- Viva - disse Michael ao seu amigo.

- Viva - respondeu Max, esforçando-se por manter uma expressão de entendido na face. O seu olhar cruzou-se com o de Michael, reconhecendo a situação.

- Eu, bem... queria um quarto - disse Michael, tentando parecer mundano.

- Claro - disse Max. Pegou num gasto e manchado livro de reservas e fitou as páginas em branco. - Temos um muito bom no primeiro andar, número oito. Voltou-se e esticou o braço na direcção de um dos cacifos por detrás de si. - Aqui tem a chave - disse ele, entregando-a a Michael, enquanto lançava uma vista de olhos furtiva a Polly.

Ela fitou-o provocadoramente, desafiando-o a dizer alguma coisa. Michael agarrou-a pela mão e levou-a na direcção das escadas.

- Não me disseste que tinhas um amigo que trabalhava num hotel - disse ela, acusadoramente. - Não admira que estivesses tão ansioso.

- Não é que eu venha aqui muitas vezes - explicou ele, com um sorriso tímido.

- Vezes suficientes para saberes o que estás a fazer, espero eu - disse ela, decidindo que, se ia trair Cyril, mais valia assegurar-se de que valia a pena.

- Sei orientar-me - vangloriou-se ele.

- Estou certa que sim - respondeu ela, galanteadora.

O quarto, pintado num verde- desbotado, era pequeno e deprimente. No centro havia uma cama estreita, coberta com uma colcha de retalhos que já conhecera melhores dias. Uma pequena janela com vista para coisa nenhuma.

- Hmmm... - disse Polly, olhando em redor. - Não é propriamente o Plaza, pois não?

- Não sabia que tinhas vindo por causa das decorações - disse Michael, ardendo de antecipação.

- Ah! Vamos ver que tipo de decorações tens tu - disse ela, lambendo os lábios, de uma forma muito sugestiva.

Ele tinha a respiração acelerada. Aquilo era uma grande experiência. Tinha uma rapariga, a sua rapariga de sonho, mesmo à sua frente, num quarto de hotel com uma cama. E então ocorreu-lhe que não sabia exactamente o que deveria fazer. Sim, sabia que tinha de lhe tocar nas mamas. Sim, sabia que tinha de a beijar de uma forma apaixonada. Mas o que fazia depois disso? Limitava-se a metê-lo lá para dentro? Seria isso que ela esperava?

Teria sido bom se o seu pai lhe tivesse dado algumas indicações. Os colegas da escola também não eram grande ajuda. Virgens, todos eles, por muito que afirmassem o contrário. Ele era o primeiro a chegar a vias de facto e não podia esperar.

Polly entrou para a minúscula casa de banho.

- Saio já - disse, fechando a porta atrás de si.

Apressadamente, ele puxou a colcha de cima da cama. Uma barata correu por entre os lençóis que já tinham sido brancos. Ele deu-lhe com o sapato e empurrou o cadáver para trás de uma cadeira. As raparigas não gostavam de coisas rastejantes, isso ele sabia.

Devia tirar as calças ou mantê-las vestidas? Essa era a questão candente. Decidiu mantê-las vestidas.

Quando Polly surgiu alguns minutos depois tinha retirado a camisola, mas ainda tinha as botas brancas pelo joelho, a mini-saia de pele sintética e um soutien branco.

- Então - disse ela, encarando-o, com uma expressão provocadora nos olhos -, vais-me levar até à Lua, ou quê?

Ele agarrou-a numa demonstração de força e começou a beijá-la de novo, passando a língua pelos seus dentes, massajando-lhe os seios, alcançando o fecho nas costas do soutien, esforçando-se para o desapertar.

Impacientemente, ela ajudou-o. O soutien soltou-se e os seus seios soltaram-se, grandes e redondos, com enormes mamilos.

Jesus! Novamente, ele quase se veio nas calças.

De alguma forma, conseguiu manter o controlo e, quando os dois caíram de costas sobre a cama, ele já decidira que ia tentar saborear cada momento daquela fantástica experiência nova, fazê-la durar tanto quanto conseguisse. O que, pela forma como estava a correr, não seria muito tempo.

- Onde estiveste? - perguntou a avó Lani no momento em que Michael entrou pela porta. Estava sempre a interrogá-lo, a criticar os seus amigos e a tentar descobrir o que ele andava a fazer. Punha-o doido.

- Que foi? - resmungou ele, com pouca disposição para conversar. Tinha um objectivo e esse era chegar em segurança ao seu quarto onde poderia reviver toda a incrível experiência que tivera com Polly, e talvez tocar uma, porque já estava excitado de novo.

- Perguntei onde estiveste, rapaz? - repetiu Lani, cruzando os braços sobre o peito. Ele perguntava- se se ela suspeitaria que ele tinha acabado de dar uma queca. A avó Lani era muito intuitiva.

Vinny, colado à televisão a ver The Andy Griffth Show nem se incomodou em desviar o olhar.

- Estive, uh... com uns amigos - disse Michael.

- Esses rapazes com quem tu andas só arranjam sarilhos - reclamou Lani. Devias passar mais tempo connosco em casa.

Claro, pensou ele. Isso ia ser um divertimento constante.

- Seja como for - continuou ela -, esteve cá uma rapariga com bolinhos para ti. Parecia bastante gentil.

- Quem era ela?

- Acho que se chamava Tina.

- Ah, sim - disse ele, lembrando-se subitamente que prometera telefonar-lhe e não o fizera. Provavelmente, tinha vindo para tentar descobrir o que ele andava a fazer; as raparigas eram assim, sempre a quererem saber tudo. - Perguntou onde é que eu estava?

- Perguntou - disse Lani. - Só que eu não lhe podia dizer, pois não? Porque tu não me dizes nada, ou dizes?

- Estive com o pessoal - disse ele, repetindo-se. - Tu conheces, Max e Charlie.

- Esses dois palermas - disse Lani, com a voz carregada de desaprovação. Espero que não tenhas estado a fumar.

- Quem, eu? - disse ele, inocentemente.

- Todos os rapazes fumam - resmungou Lani. - Não penses que não sei naquilo que te metes, rapaz. E é bom que não me deixes apanhar-te. Fumar é um hábito nojento. E eu detesto hábitos nojentos.

Eu sei disso, pensou ele, tentando escapulir-se da sala.

- Não queres os teus bolinhos? - perguntou ela, seguindo-o. Ele resmungou um rápido não".

- E é bom que não esqueças, amanhã vais trabalhar para a loja.

- Quantas vezes tenho de te dizer? - disse Vinny, arrastando o olhar da televisão. - Michael não trabalha na loja aos sábados.

- Isso é ridículo! - resmungou Lani. - É só uma superstição da tua parte.

- Não, não é - disse ele, voltando-se para o filho. - Estás a ouvir-me, Michael? Não vais trabalhar para lá num sábado. Não ouças o que ela diz.

- Deus me ajude! - suspirou Lani, erguendo as mãos ao alto. - Alguém me salve destes dois homens impossíveis.

- tá tudo bem, vó - disse Michael, tentando apaziguá-la. - Eu faço tudo o que tu quiseres.

- Não, não fazes - interrompeu Vinny, furiosamente. - Não te aproximas daquele lugar num sábado, como sinal de respeito pela tua falecida mãe. Estás a entender?

- Sim, sim - disse Lani, irritadamente. - Ele entende. Arranjo mais ajuda se me ajudares nisso. As coisas já estão suficientemente más, mas que é que te importa se eu tiver que pagar alguém?

- Faz isso - disse Vinny, voltando a sua atenção para a televisão. Michael escapou-se para o seu quarto e bateu com a porta. O quarto era pequeno, mas pelo menos era todo dele. Na parede tinha um enorme poster de Wilt Chamberlain pregado ao lado de uma deslumbrante fotografia de Elizabeth Taylor, deitada sobre um sofá a imitar pele de leopardo, com um sexy fato de banho branco.

Esta noite ele não precisava da inspiração de Elizabeth.

Esta noite dormiria como o homem que agora era.

 

         Dani: 1961

No dia em que lhe chegou o período, Dani percebeu que tinha de fugir do lugar horroroso a que chamava casa. Aos treze anos era ainda uma criança, embora fisicamente parecesse uma jovem mulher, com o seu corpo a desabrochar, os fartos cabelos amarelos, os claros olhos azuis e um bonito corpo.

- Mal posso esperar que esta cresça - dizia frequentemente o seu pai, a quem o quisesse ouvir. - Está tão madura como um pêssego pronto para colher.

- É melhor teres cuidado - avisou-a Emily, uma das meias-irmãs mais velhas. - Mal ele saiba que já sangras, não te vai largar.

- Não - disse Dani em tom de desafio. - Eu não o vou deixar.

- Tenta impedi-lo - disse Emily. - Ele forçar-te-á, exactamente como comigo.

Mal sabia Emily que Dashell já molestara Dani. Quando ela era mais nova, levava-a, por vezes, para o seu quarto, trancava a porta e fazia-a tocar-lhe.

Quando fores maior vais fazer muito mais do que isto, prometia ele com riso malévolo.

- Qu-qu-queres dizer que dormiste com ele? - gaguejou Dani, mantendo seu segredo para si mesma.

- Não tive escolha - disse Emily, torcendo o nariz perante a lembrança. Ele é um porco.

- Isso é horrível! Nojento! - disse Dani, estremecendo.

- A seguir é a tua vez - avisou Emily.

Emily era baixa, com cabelo encaracolado castanho-claro, um corpo compacto e seios grandes. Tinha dezassete anos e era muito esperta. Dani venerava-a e seguia-a para todo o lado sempre que podia.

Embora já tivesse passado dos setenta anos, Dashell abusava de todos os elementos femininos da sua família. Desde a desgraçada morte de Lucy (tinha enterrado o seu corpo no jardim das traseiras e, quando Dani cresceu, disseram que Olive era a sua mãe), ele tinha arranjado mais duas mulheres. Uma delas era uma ex-prostituta, a outra uma adolescente fugida de casa. Entre si tinham-lhe dado mais cinco crianças.

Dashell governava a sua casa como o paxá que imaginava ser. Todas as sete raparigas mais velhas tinham de dormir com ele sempre que as convocasse, tal como as suas quatro mulheres. Nos últimos tempos, duas das suas filhas tinham ficado grávidas dele. Ele chamava a isso o grande círculo da vida,

Dani temia o dia em que ele viria atrás de si. Emily tinha razão, ela sabia que seria em breve.

- Se não o queres em cima de ti, é melhor fugires - disse Emily. - Meu Deus! Quem me dera tê-lo feito.

- Fugir para onde? - perguntou ela.

- Qualquer lugar, desde que seja longe daqui.

- Vens comigo?

- Talvez - respondeu Emily, enigmaticamente. - O problema é que, se formos apanhadas, ele arranca-nos a pele de pancada. Aquele homem é um poço de vingança, não se importa com o que faz.

Emily sabia coisas que as outras não sabiam devido ao facto de ter convivido com Sam Froog, um jovem pretensioso de cabelo ruivo-brilhante que trabalhava ocasionalmente empart-time no rancho e só tinha olhos para ela. Ela também gostava dele. Ele trazia-lhe livros e revistas sem que ninguém visse e, por eles, ela aprendia muito acerca do mundo exterior, informação que por vezes partilhava com Dani.

Sam chegava na sua motocicleta por alguns dias em cada mês. Tinha-se sentado ao lado de Dashell na mesa da roleta em Las Vegas, numa ocasião, e o velho tinha-lhe oferecido bom dinheiro para que fosse ao rancho ajudá-lo. Cuidava principalmente dos cavalos, limpando as suas cocheiras, escovando-os e tratando da forragem.

- O teu velhote é um tarado! - disse ele a Emily, num dia em que estavam a ser mais do que apenas amigos nas traseiras do celeiro.

- Que quer isso dizer? - perguntou ela, tirando pedaços de palha do cabelo.

- Anda a comer todas estas mulheres. Que é que achas que isso faz dele?

- Um porco! - disse Emily.

- Um tarado - disse Sam.

E depois recomeçaram a acariciar-se.

Depressa, Sam começou a contar-lhe todo o tipo de histórias acerca de Las Vegas e da vida fora do rancho. Emily nem podia acreditar como tudo soava tão entusiasmante.

- Sabes, há uma maneira mais agradável de viver lá fora - confidenciou ela a Dani, transmitindo o seu conhecimento. - Tenho andado a pensar que talvez devêssemos ir descobri-la. Não temos nada a perder.

- Sim - disse Dani, anuindo fervorosamente com a cabeça. - Quero sair daqui. mais do que qualquer outra coisa!

Assim, fizeram os seus planos, solicitando a ajuda de Sam, que estava certo de conseguir apertar as duas na traseira da sua motocicleta, desde que elas estivessem mesmo decididas a partir.

- Se vos ajudar, nunca mais vou poder voltar aqui - disse ele. - O velhaco paga-me muito bem, pelo que vou sair a perder.

- Vê as coisas assim - disse Emily, persuasivamente. - Vais estar a salvar Dani e a mim. Isso faz de ti úm verdadeiro herói.

- Achas que sim? - disse Sam, gostando da ideia de ser herói.

- Oh, sim - disse Emily, encorajando-o, dando-lhe um rápido beijo na face.

- Não é como se ele soubesse onde eu moro ou coisa parecida - reflectiu Sam. - Só vem à cidade de dois em dois meses, portanto, não conseguirá seguir o nosso rasto. Daremos por ele antes que ele dê por nós.

- Então, levas-nos? - perguntou Emily.

- Por que não? - disse Sam, imaginando-se a si próprio como uma espécie de imagem do Super-Homem. - Eu ajudo-vos.

- Nós recompensamos-te - prometeu Emily.

- Podes ter a certeza! - brincou ele.

Dois dias depois, partiram a meio da noite, enquanto todos dormiam. Sam puxou a motocicleta até uma boa distância da propriedade antes de se arriscar a ligar motor.

- Não precisas de ter medo que ele acorde - disse Emily, saltando para o banco de trás e ajudando Dani a subir. - Ele dorme como os mortos, ressona tão alto que não ouviria o peido de um urso nem que estivesse ao lado dele.

- Eu sei, mas o velhote é uma espécie de louco - disse Sam, pensando duas vezes. - Não queremos que ele nos apanhe.

- Não apanha - assegurou-lhe Emily.

- Eu podia denunciá-lo à Polícia, sabes - disse Sam. - Ter aquelas mulheres todas, tem que ser contra a lei.

- A sério? - disse Dani, pensando como seria agradável ver Dashell ser levado algemado.

- Oh, sim - disse Sam, confiantemente. - E isso de nenhuma de vocês ir à escola? Isso não é legal, de certeza.

- Eu ensinei Dani a ler e a escrever - disse Emily, orgulhosamente. - Ela aprendeu bem.

O coração de Dani batia desordenadamente só de pensar nesta nova aventura. Tudo o que ela sempre conhecera fora o rancho, e Olive a forçá-la a trabalhar. Todos os dias tinha de alimentar os animais, limpar a casa, fazer a comida, lavar, coser e esfregar. A sua carga de trabalho era interminável.

Agarrou-se a Emily, com os braços em volta da cintura da irmã, esperando e rezando para que conseguissem fugir sem problemas e Dashell não viesse atrás delas.

Ao aproximarem-se das brilhantes luzes de Las Vegas entrou em choque.

- É... é como um país encantado - arquejou, voltando a cabeça em todas as direcções.

- Então, espera - disse Sam, rindo-se por entre dentes. - A melhor parte ainda vem aí.

- A sério?

- Podes ter a certeza.

E, na verdade, no momento em que chegaram à Strip, ela mal conseguia falar.

- Oh, meu Deus! - exclamou. - Vejam só a quantidade de gente. Depois de passarem para cima e para baixo um par de vezes, pararam numa cafetaria, onde Sam lhes trouxe hamburguers, batidos e grandes fatias de tarte de maçã.

- O que é que eu vou fazer com vocês as duas agora que chegámos aqui? disse ele, apercebendo-se de que talvez tivesse cometido um acto imprudente.

- Podes deixar-nos dormir no chão de tua casa por alguns dias - sugeriu Emily. - Prometo que não te incomodamos.

- Eu não tenho propriamente um palácio ou coisa parecida - explicou Sam.

- É só um quarto, pelo que teremos de lá dormir todos juntos. Emily soltou uma risadinha e lançou-lhe um olhar cúmplice.

- A mim parece-me divertido.

- Sim, mas não com a tua irmã a ver.

- A Dani não fica a olhar - prometeu Emily. - Ela enrosca-se num canto e dorme.

- Podes acreditar - concordou Dani, devorando a sua tarte. - Eu certifico-me de que não vos incomodo.

- Amanhã vamos as duas à procura de emprego e depois arranjamos um lugar para viver - disse Emily. - Não te vais arrepender de nos ter trazido aqui.

- Não conseguem arranjar emprego se não tiverem um cartão da Segurança Social - realçou Sam.

- Que é isso? - perguntou Dani.

- Uma coisa que é preciso ter.

- Como arranjamos um? - quis saber Emily.

- Bem - Sam hesitou por um momento. - Conheço um homem que conhece alguém que talvez arranje. Suponho que vocês não tenham certidões de nascimento.

- Não - disse Emily. - Já temos sorte em ter roupa.

Dez dias mais tarde, Sam apareceu com dois cartões da Segurança Social falsos.

- És o maior! - gritou Emily, beijando-o sonoramente nos lábios.

- Obrigado - disse ele, parecendo embaraçado. -Agora vocês estão realmente em dívida para comigo.

- Não me importo - disse Emily, com um meio sorriso.

- És tão simpático - acrescentou Dani, timidamente. - Deus há-de recompensar-te por seres tão simpático.

- Não comeces a palrear sobre essas tretas de Deus - disse Emily, mal humorada, olhando severamente para a sua irmã mais nova. - Agora não estamos no rancho, por isso esquece.

- Desculpa - murmurou Dani.

- Era assim que ele nos mantinha na linha - continuou Emily. - Ameaçando-nos, dizendo-nos que tudo era vontade de Deus. Não é vontade de Deus que ele nos metesse.

- Isso é incesto, sabes - disse Sam, informadamente.

- Que quer dizer incesto? - perguntou Dani.

- Vai à biblioteca e descobre - disse Sam.

- O que é uma biblioteca?

- Oh, senhores - exclamou Emily, exasperada. - Pensei que te tinha ensinado essas coisas.

- Não muito bem - disse Sam, rindo-se.

Armada com o seu falso cartão da Segurança Social, Dani passou por ter dezasseis anos e arranjou emprego como criada de um dos grandes hotéis. Emily conseguiu trabalho como empregada de mesa no mesmo hotel. Com os seus salários juntos, conseguiram mudar-se do quarto de Sam e alugar um minúsculo apartamento, embora Emily passasse a maior parte do seu tempo livre na casa de Sam.

Dani, quando não estava a trabalhar, visitava a biblioteca pública, para absorver informação. Ser ignorante não era uma boa coisa. Ela estava sedenta de conhecimento e determinada a obtê-lo.

Desconhecendo a sua idade, mas bem conhecedores da sua beleza, os homens começaram a fazer-lhe avanços.

Ela estremecia só de pensar em estar com um homem. Dashell, o seu ilustre pai, tirara-lhe os homens da ideia para sempre.

Muitas noites, ela, deitada na cama, tinha pesadelos acerca das coisas que lhe fizera quando era mais nova. Toca aqui, acaricia ali, lambe aqui."

As suas abjectas palavras e acções permaneciam um segredo dela. Ela convencera-se a si própria a tirar as perturbadoras memórias da sua mente mas havia alturas em que os pesadelos eram demasiado intensos para desaparecerem.

Agora era umajovem rapariga numa grande cidade e finalmente estava a aprender a sobreviver.

 

         Terça Feira, 10 de Julho de 2001, Los Angeles

Nunca os deixes a ver-te suar, pensou Madison, recordando a frase de um estúpido anúncio de televisão. Por um momento quase sorriu. Depois tomou consciência de como era potencialmente perigosa a situação em que fora apanhada e de que um homem acabara de ser alvejado.

O homem armado reunira toda a gente junto à parede da sala mais próxima da cozinha e agora estavam a discutir a situação uns com os outros, enquanto o homem continuava a acenar com a arma. Havia cerca de vinte e cinco pessoas no total. A mais idosa era a mulher que tinha estado sentada junto a eles e a mais nova aparentava ser uma adolescente magricela e sardenta, que parecia estar prestes a desfazer-se em lágrimas. E quem poderia censurá-la se o fizesse?

Madison atravessou com o olhar a sala até ao homem corpulento que fora alvejado. Estava deitado no chão, perfeitamente imóvel.

- Achas que ele está morto? - sussurrou ela a Cole, receando pela resposta.

- Quem sabe? - disse ele, encolhendo os ombros.

- Não podemos fazer nada... talvez tentar estancar o sangue?

- Não queres levantar-te e ir até lá!

- Não, mas talvez possa pedir a um dos assaltantes para o ajudar.

- É Óbvio - disse ele, sarcasticamente. - Tenho a certeza de que eles estão dispostos a isso.

Apercebendo-se de que Cole tinha provavelmente razão, ela tentou imaginar como lidaria Jake com uma situação daquelas. Hmm... se bem conhecia Jake, ele provavelmente sacaria da sua máquina fotográfica e começaria a fotografar toda a gente.

Raios! Desejou que ele estivesse ali com ela. E depois começou a pensar se ele estaria bem e quando voltaria a vê-lo. Jake era um homem muito especial; não suportava a ideia de o perder. Também era um homem muito inteligente e se estava em sarilhos na Colômbia, não havia ninguém melhor do que ele para livrar-se de uma situação difícil.

- tás bem, miúda? - perguntou Cole.

- tou bem - murmurou ela, pensando que, na época em que ela e Natalia tinham estado na faculdade, Cole não passava de um vadio adolescente que não fazia nada de bom e agora estava a chamar-lhe miúda. Estranho como as coisas mudam. - É com a tua irmã que estou preocupada.

Ambos olharam para Natalie, que parecia continuar em estado catatónico, o que não era normal nela: Natalie era habitualmente aquela que não conseguia parar de falar. Inclinando-se para ela, Madison apertou-lhe o braço. - Vamos ultrapassar isto - sussurrou. - Tu sabes isso.

Silenciosamente, Natalie anuiu com a cabeça.

- Calem a puta da boca! - gritou o homem armado. - Não há conversa! Deitados no chão, todos. Deitou! Deitou!

Madison estendeu-se no chão como os restantes. Estava a escrever a notícia na sua cabeça, consciente de que quando se livrassem daquela confusão, seria importante lembrar-se de todos os detalhes.

- Está a ficar quente aqui - segredou Cole, com o suor a perlar-lhe a testa. Eles devem ter desligado o ar condicionado.

- Quem iria fazer isso? - perguntou Madison, tirando o casaco.

- A Polícia. Provavelmente, já cercaram o restaurante.

- Então, somos reféns?

- Bem, sim - disse Cole, lançando-lhe um olhar como se não pudesse acreditar que ela dissesse algo tão estúpido.

- Posso parecer parva, mas não deveria estar alguém a tentar falar com estes tipos?

- Hão-de fazê-lo - disse Cole de modo sinistro.

- Seja como for - sussurrou ela -, por que haveriam os polícias de desligar o ar condicionado.

- Porque querem criar condições tão desconfortáveis quanto possível.

- É reconfortante saber isso.

- Não é propriamente um grande plano.

- Porquê?

- Porque significa que estes tipos vão ter de tirar as máscaras e seria melhor que não os pudéssemos identificar.

- Acho que tenho de te felicitar pela óptima escolha de restaurantes - sussurrou ela, tentando suavizar a situação.

- Hem, achei que devias ter uma vida aborrecida em Nova Iorque, e pensei em tornar esta noite memorável.

- NÃO VOLTO A DIZER OUTRA VEZ! - gritou o homem armado. - CALEM A PUTA DA BOCA!

A mulher idosa levantou o braço como se estivesse na escola.

- Preciso de ir à casa de banho - disse, numa voz trémula.

- Mija nas calças, dona - rosnou o assaltante -, porque não vais a lado nenhum.

Então, para alívio de todos, ouviram uma voz saída de um megafone, vinda do exterior.

- Pousem as armas, saiam e ninguém se magoa. Estão a ouvir? Mãos ao alto e venham cá para fora.

- Filhos da puta! - resmungou o assaltante. - Devem ter merda na cabeça se pensam que eu vou fazer isso.

Não, desejou dizer Madison. Tu é que tens merda na cabeça! Mas, por uma vez, manteve-se serena. Sabia que era a única forma de superar aquilo.

- Que é que querias mostrar-me? - resmungou Andy Dale, já aborrecido, enquanto se arrastava de um lado para o outro no interior do escritório ricamente decorado de Vincent.

Vincent estava sentado por detrás da sua impressionante secretária de mogno e observava a pequena e insignificante estrela de cinema.

- Os meus livros, as minhas pinturas, os meus objectos - disse ele, gesticulando.

- Fixe, tá bem, será que algum dos teus objectos tem um pouco de coca em cima? - perguntou Andy, com uma risadinha demente. - Por que se não, não estou a entender.

- Por que é que te drogas? - perguntou Vincent, avaliando o actor com um olhar frio.

- Por que é que tu te levantas de manhã? - retorquiu Andy, caindo sobre uma cadeira de couro.

- Eis o que eu tenho para te dizer - disse Vincent, num tom baixo e regular. Voltas a pôr as mãos na minha mulher e parto-te esse pescoço de galinha. Estás a perceber?

- Estás a falar comigo - disse Andy Dale, estarrecido, porque ninguém falava com ele daquela maneira.

- Não estou a ver mais ninguém aqui - disse Vincent, calmamente. Andy Dale estreitou o olhar.

- Tu fazes a puta da ideia de quem eu sou?

- Mais importante - respondeu Vincent, friamente. - Tu sabes quem é que eu sou?

- O quê? - disse Andy Dale, com o nariz contraído e a face pálida.

- Olha para o espelho e diz-me o que vês? - disse Vincent. - Porque eu digo-te o que vejo quando olho para ti. Um astro do cinema, burro e consumido pela coca, que acha que é o dono do mundo. Só que eu estou aqui para te dizer que não és.

- Mas que merda é esta? - disse precipitadamente Andy Dale.

- Estou a mostrar-te a realidade, Andy - disse Vincent. Estou-me nas tintas para quantas pessoas adoram o teu cu escanzelado. A minha mulher não é uma delas e se voltas a tocar-lhe outra vez, será um gesto de que te vais arrepender o resto da vida.

- Estás a ameaçar-me? - perguntou Andy Dale, ultrajado.

- Não - disse Vincent, calmamente. - Apenas a dizer-te como são as coisas.

- E eu digo-te a ti, cretino - retorquiu Andy Dale, erguendo-se de um salto -, que, quando o meu empresário e o meu agente souberem disto, rebentam-te com a porra dos tomates.

- Que idade tens tu? - perguntou Vincent.

- Idade suficiente para fazer o que me apetecer - respondeu Andy Dale, agressivamente.

- Ninguém faz o que lhe apetece - disse Vincent. - Existem sempre condicionantes. - Ergueu-se por detrás da secretária. - Agora vens comigo para a mesa como um lindo menino e, quando lá chegares, comportas-te. Porque se não o fizeres... - As suas palavras arrastaram-se, com a ameaça implícita.

- Que raio pensas que isto é, uma porra de umfilme do Al Pacino? - explodiu Andy Dale, com a face vermelha.

- Queres testar-me? - disse Vincent, dirigindo-se para a porta. - Vai em frente. Mas é bom que acredites em mim, Andy, mais uma mão na minha mulher e veremos a quem rebentam os tomates.

- Onde estiveste? - perguntou Jenna, dirigindo a sua questão a Andy Dale, e não ao seu marido, o que era um grande erro da sua parte.

Ignorando-a, Andy Dale estalou os dedos na direcção da sua exótica amiga supermodelo, que bebericava um Apple Martini* e perguntava a si mesma quem é que ela teria de foder para sair dali para fora.

- De pé! - disse Andy Dale, olhando-a irritadamente, com a voz tensa.

- O quê? - disse Anais, inexpressivamente.

- Vamos embora.

- Para onde?

- Por amor de Deus!

Percebendo a indirecta, ela deslizou pelo assento, mostrando um bom pedaço de coxa, bem tonificada e cor de chocolate, além de um laivo de pêlos púbicos bem aparados porque usar calcinhas estava muito out.

- Por que é que te vais embora? - perguntou Jenna, com a voz como uma lamúria queixosa.

 

* Cocktail à base de vodca e licor de maçã. (N. do I)

 

Anais encolheu os ombros. Andy Dale lançou um olhar carrancudo. Jolie mostrou um sorriso de entendimento - ela sabia por que iam eles embora: Vincent tinha, sem dúvida, proferido o discurso tira as mãos da minha mulher, ao astro garanhão.

- Eles precisam de ir a um sítio - disse Vincent bruscamente, sentando-se ao lado de Jenna.

- Aonde? - insistiu Jenna, com a sua bonita face num trejeito de desapontamento.

- Isso interessa-te? - disse Vincent, fitando-a com um olhar gelado. Ela abriu a boca para dizer algo, pensou melhor e fechou-a de novo. Vincent estava com os azeites.

Andy Dale saiu impetuosamente com a amiga a reboque.

- Bom trabalho, Vincent - murmurou Jolie, acariciando o pé do seu copo de champanhe com as mãos elegantes. - Apostava em ti, fosse quando fosse.

- Onde é que o Nando encontra estes vadios? - perguntou Vincent, abanando a cabeça. - E, como se não bastasse encontrá-los, despeja-os para cima de mim.

- Jenna, aparentemente, não tinha queixas a fazer - disse Jolie, lançando achas para a fogueira.

- Jenna é demasiado jovem, para o seu próprio bem.

Jenna, entretanto, tinha adoptado uma atitude enfadada e batia na mesa com as suas unhas cuidadas de fresco, preparando-se para ter um ataque. Não sabia o que Vincent tinha dito a Andy Dale, mas, fosse o que fosse, não tinha sido bom. Afinal, que mal havia em conversar com uma estrela de cinema? Quantas vezes tinha ela esse tipo de oportunidade?

Maldito Vincent e o seu lado ciumento. Ela não era pertença dele, era sua mulher; havia uma grande diferença. E Jolie era tão irritante, com o seu sorriso presunçoso e expressões de entendimento. Jolie tinha simplesmente ciúmes porque Andy Dale não se atirara a ela.

- Vou à casa de banho - anunciou Jenna, levantando-se.

- Não demores - disse Vincent.

- Queres vir comigo? - retorquiu ela, num tom desafiador.

- Sabes, querida, piadas engraçadinhas não são o teu género - respondeu ele, pensando que já era altura de engravidar a sua mulher para que ela se deixasse de disparates.

- Então... - disse Jolie, mal Jenna desapareceu da vista. -... Que é que lhe disseste?

Vincent encolheu os ombros.

- Ter estrelas de cinema por aqui é bom para o negócio - realçou Jolie. Nando não vai gostar que tenhas espantado o Sr. Dale para outro casino.

- Talvez se o teu marido estivesse connosco, isto não tivesse acontecido - disse ele, pedindo um uísque com gelo. - Aliás, onde anda o Nando?

- Tinha uma reunião de negócios - disse Jolie, perguntando a si mesma se Nando lhe teria dito a verdade. Talvez reunião de negócios, fosse um eufemismo para um encontro amoroso. Las Vegas estava a abarrotar com mulheres bonitas, ambiciosas e fáceis. Ela sabia-o muito bem, tinha sido uma delas. E Nando era um grande partido.

- Negócios, hem? - disse Vincent, e os seus olhares cruzaram-se por um longo momento.

- Ai, Deus! - suspirou Jolie, tentando perceber se Vincent estaria a par das infidelidades de Nando. - Por vezes penso que escolhi o sócio errado.

- Bem, não comeces - disse Vincent, plenamente consciente do que Jolie sentia em relação a ele.

- Começo o quê? - perguntou ela inocentemente, puxando um cigarro.

Crescer com um irmão dezoito anos mais velho tinha algumas vantagens. Sofia lembrava-se de Vincent lhe ter ensinado autodefesa quando ela era uma magricela de onze anos.

Tens de lhes dar um pontapé nos tomates e cortar-lhes a cara com as unhas, informava-a ele. E não te ponhas a brincar. Sê enérgica. "

Onde são os tomates deles? perguntava ela, com uma expressão confundida, como se não soubesse.

Aqui, dizia ele, apontando para o meio das suas pernas.

Rápida como um raio ela pontapeava-o fortemente. Ele roncava de dores e, logo que se recuperava, perseguia-a por toda a casa, gritando que ela o tinha arruinado para sempre.

Quando finalmente a apanhava, rolavam pelo chão e ele fazia-lhe cócegas até ela gritar para que ele parasse.

Ela nunca tinha precisado de usar o método pontapé nos tomates e unhas na cara" de autodefesa, mas esta noite era obviamente a noite.

Paco estava com tesão, ela sentia-o a pressionar-lhe a coxa enquanto ele lhe apalpava os seios. O outro estava a tirar o seu casaco branco e a desapertar o fecho das calças, preparando-se para a acção.

Sim, pensou Sofia, lembrando-se do conselho do seu irmão mais velho, vocês não têm ponta de hipótese, parvalhões. De uma maneira ou de outra estou no ir. "

A porta da frente podia estar fechada, mas as portas duplas de vidro que davam para o terraço elevado estavam completamente abertas; ela sabia disso, porque anteriormente todos tinham estado a beber lá fora. E, tanto quanto ela se lembrava, o terraço ficava directamente sobre uma piscina.

De maneira nenhuma ela ia deixar- se ser vítima de abuso sexual ou, ainda pior, violação por parte daqueles dois cretinos. Isso era impensável. Ela era Sofia Castle, sabia cuidar de si própria. Sempre soubera.

Enquanto Paco atacava de novo, ela ergueu ojoelho, pressionando-lho contra os tomates. Surpreendido, ele soltou um ganido de dor. Ela prosseguiu com um rápido pontapé na mesma direcção.

Espantado, o outro homem deu um salto para a frente. Sem perda de tempo, ela raspou-lhe as unhas pela face, fazendo correr sangue e depois, para equilibrar, deu-lhe também um pontapé.

- Puta! - gritou ele. - Puta americana!

Ela já corria através da sala, precipitando-se para o terraço.

O apartamento ficava no oitavo andar. Ao chegar ao parapeito e olhar para baixo, a piscina pareceu mais longe do que ela pensara. Tu consegues", disse ela a si mesma. Tu consegues. Qualquer coisa é melhor do que ficar encurralada neste apartamento com aqueles dois falhados.

Ainda conseguia ouvir os gemidos daquele a quem pontapeara nos tomates. O outro já corria para o terraço em direcção a ela.

Que tinha ela a perder por saltar?

Apenas a vida", pensou ela, sombriamente.

Descalçando os sapatos, trepou para o corrimão, calculou a distância, reteve a respiração e saltou, impelindo-se para a frente tanto quanto pode.

Enquanto voava pelo ar, cem pensamentos lhe percorreram a cabeça - com os principais a serem: Será que vou conseguir? Ou vou esborrachar-me no cimento, lá em baixo?

Oh, meu Deus! ", rezou ela. Se alguma vez precisei da Tua ajuda. é agora.

Dean acompanhou Dani até ao átrio de entrada do prédio onde ela morava. Ela desejou-lhe boa-noite com um simples beijo na face.

- Suponho que isto signifique que não queres que eu suba? - disse ele, pesarosamente.

- Esta noite não - disse ela, deixando sempre uma pequena porção de esperança a pairar no ar. - Quando é que voltas cá?

- Quando? Queres que eu volte?

- Telefona-me - disse ela.

- Não faço eu outra coisa. - Suspirou e foi embora.

O filho dela, Vincent, tinha-lhe comprado um sumptuoso apartamento num condomínio fechado a dez minutos de distância da Strip. Tinha todas as comodidades modernas - um ginásio, sauna, piscina, restaurante. Se ela quisesse, podia viver com grande luxo e não fazer nada. Só que ela preferia trabalhar em algo em que fosse boa e organizar importantes eventos de relações públicas no casino-hotel do seu filho. Agradava-lhe.

O apartamento de três quartos que ela possuía ficava no décimo segundo andar. Ela quisera um apartamento suficientemente grande para acomodar netos - para o caso de Vincent alguma vez decidir procriar. A rapariga com quem ele se casara, Jenna, não era propriamente a sua favorita. Jenna era uma loira bonitinha com um corpo espectacular e total ausência de miolos. Jenna não era suficientemente inteligente para Vincent.

Infelizmente, ele casara-se com o corpo em vez dos miolos. Não era esse o problema da maioria dos homens?

Sentia-se mal por ter despachado Dean esta noite; obviamente, ele esperara algo mais do que apenas a sua companhia para jantar. O problema era que ela tinha demasiadas coisas no pensamento e não estava com disposição para ouvir as intermináveis declarações de amor de Dean.

Ela saiu do elevador, meteu a chave na fechadura do seu apartamento e entrou para o frio vestíbulo de mármore. Ao esticar o braço para o interruptor, alguém a agarrou por detrás.

O medo correu-lhe pelas veias.

Ela abriu a boca para gritar, mas nenhum som saiu.

 

         Michael: 1962

No dia seguinte ao seu décimo sexto aniversário, Michael abandonou a escola e, para inveja dos seus amigos, começou a trabalhar a tempo inteiro na loja.

- Por que é que só tu é que tens sorte? - perguntou Max.

- Porque é um menino bonito - gozou Charlie. - E a avó deixa-o fazer tudo o que lhe apetece.

- Vão-se os dois lixar! - contra-atacou Michael. - Agora sou um trabalhador, por isso é melhor vocês, falhados, terem cuidado.

- Pois, pois - disseram Max e Charlie, num uníssono trocista. - Estamos cheios de medo!

Eram os três grandes amigos; tinham crescidojuntos. Charlie, filho de um polícia, era grande e corpulento, com uma sólida face irlandesa e patilhas à Elvis. Max era mais baixo e seco, com os dentes da frente tortos, um sorriso amigável e cabelo castanho escorrido. Michael era simplesmente lindo de morrer.

Quando Vinny descobriu que o seu filho abandonara a escola, ficou furioso, mas como ele próprio tinha abandonado a escola numa tenra idade não havia muito que pudesse fazer, especialmente porque a avó Lani recebera de bom grado a ajuda a tempo inteiro. À medida que envelhecia, ela estava gradualmente a abrandar, e ter o seu neto na loja era uma grande mais-valia.

Quando Michael atingiu os dezassete já geria quase completamente o estabelecimento. Era esperto e sensato, sabia o que estava a fazer e os clientes gostavam dele - especialmente quando os deixava ter conta aberta, ajudando-os quando as coisas ficavam difíceis.

Não demorou a encontrar um meio de fazer dinheiro extra, porque o negócio não estava em grande crescimento e depressa ele percebeu que tinha que fazer alguma coisa. Assim, ao fim de algum tempo, começou a fazer negócios paralelos de que Lani não tinha qualquer conhecimento. Por exemplo, ela sempre se recusara a vender cigarros na loja, o que ele achava simplesmente estúpido.

Estamos nos anos 60, vó, informava-a ele, em incontáveis ocasiões. As pessoas fumam, tens de lhes vender o que elas querem. "

Ela acabou por concordar e ele fez um negócio com um conhecido que lhe conseguia entregar caixas de cigarros que por acaso tinham caído da traseira de um camião. Ele comprava a dinheiro e vendia depois na loja ao preço de mercado, fazendo um belo lucro, que reinvestia no negócio. Outro conhecido fornecia-lhe frascos de café e, por vezes, conseguia uma carga inteira de produtos enlatados que nunca tinham chegado ao destino previsto.

A avó Lani não se apercebia do que se passava e, dado que ele era agora o responsável pela contabilidade, as coisas ficavam mais fáceis. A artrite dela estava tão avançada que mal podia usar as mãos, além de que estava a ficar vaga e distraída. Ainda estava suficientemente lúcida para apreciar o interesse activo do neto pela loja, porque Vinny decididamente não queria saber.

Michael não considerava que aquilo que fazia fosse ilegal, era apenas um bom negócio. No entanto, assegurou-se de que não falava sobre o assunto a Max ou Charlie, porque tinha plena consciência de que nenhum deles aprovaria. Vinham de famílias que se importavam com as coisas em que eles se metiam.

Ser o responsável da loja dava-lhe gozo e, dado que aparentava ser muito mais velho do que era, ninguém questionava a sua autoridade.

A sua vida sexual também ia bem. Pouco depois de abandonar a escola, acabou com Tina. Ela descobrira a sua relação com Polly e confrontou-o. Ele admitiu que sim, que andava com outra pessoa, e depois, tão delicadamente quanto pôde, sugeriu que seria melhor deixarem de se ver um ao outro.

Ela gritou, amuou e, algumas semanas mais tarde, agarrou Max - que não podia crer na sua sorte porque Tina era a rapariga mais bonita da escola. Também a mais virtuosa. Nada de sexo antes do casamento - Michael podia garantir isso. Talvez se ela tivesse sido mais evoluída nessa área eles continuassem juntos.

Max perguntou-lhe se ele se importava.

- Vai em frente - dissera ele magnanimamente.

Secretamente, ele considerou que era uma vingança da parte de Tina. Não podia tê-lo, então passou ao seu melhor amigo para tentar fazer-lhe ciúmes.

A novidade era que não estava a funcionar.

Ele encontrava-se regularmente com Polly. Embora ela tivesse quase vinte e um anos e ele apenas dezassete, passavam muitas noites quentes na última fila do cinema local, onde ele descobriu que conseguia fazer as coisas muito melhor.

Por vezes, a amiga de Polly, Sandi, emprestava-lhes o seu apartamento. Essas eram as noites melhores. E havia sempre o hotel, embora Max já não trabalhasse lá, pelo que pagar um quarto não era algo que ele quisesse fazer frequentemente.

Polly admitia abertamente que continuava a encontrar-se com o seu namorado habitual, Cyril, o que não incomodava nada Michael. Ambos sabiam que estavam interessados em sexo - e desde que o sexo fosse bom, por que haviam de se preocupar?

As coisas corriam bem em todos os aspectos. Ele trabalhava duramente, saía com os amigos e Polly estava presente sempre que ele precisava de sexo - o que acontecia a maior parte das vezes. Decididamente, não tinha de que se queixar.

Um dia, dois homens entraram vagarosamente na loja. O mais baixo pendurou o sinal de fechado" e ficou a rondar a porta, enquanto o outro se aproximou de Michael, pousou os cotovelos no balcão e disse:

- Ei, tu. Ouvi dizer que fazes muito negócio aqui.

- Talvez - disse Michael, reconhecendo o homem como sendo um conhecido espertalhaço.

- É o teu dia de sorte - disse o homem, coçando o queixo -, porque estou cá eu para fazer com que as coisas corram ainda melhor.

- Como é isso?

- Como é isso? - repetiu o homem. - Bem, rapaz, pagas-nos uma pequena quantia todas as semanas e com isso não vais ser incomodado.

- Incomodado porquê? - perguntou ele.

- Não te faças parvo - disse o homem, irritadamente. - Sabes bem quem estou aqui a representar.

Ocorreu a Michael que podia fazer-lhes frente; até se lembrar do que acontecera a outros donos de lojas da zona, que tinham resistido ao pagamento de protecção. Pensou nos vidros estilhaçados do bar da porta ao lado. No incêndio na lavandaria. E no velho Sr. Cartwright, da loja de penhores, a ser espancado. O boato que corria na rua dizia que todas as lojas estavam agora a pagar.

- Acho que podemos resolver isso - disse ele lentamente.

- Esperto - disse o homem, tirando um maço de cigarros do balcão e abrindo o invólucro plástico. - O meu patrão gosta de espertalhaços que não lhe criam problemas.

- Quem é o teu patrão? - perguntou ele, embora tivesse quase a certeza que já sabia.

- Não achas que essa é uma pergunta estúpida? - perguntou ele, sacudindo um cigarro para fora do maço.

- Vito Giovanni - disparou Michael. - E eu gostava de conhecê-lo.

- Um vadio como tu? - disse o homem, exprimindo o seu divertimento. Esquece.

Mas ele não esqueceu e, algumas semanas mais tarde, quando estava enroscado com Polly na última fila do cinema, ficou agitado ao ver entrar Vito Giovanni, rodeado por vários homens e de mão dada com a sua mulher loura-platinada.

Rapidamente, tirou a mão de Polly do meio das suas pernas.

- Pára com isso - disse parcamente.

- Que se passa? - perguntou ela, bastante aborrecida.

- Vês aquele tipo sentado ali? - disse ele, inclinando-se para a frente para poder ver melhor. - É o Grande Chefe.

- Grande Chefe? - zombou ela. - Que é que isso quer dizer?

- É o homem que manda neste bairro.

- Quem é ele? Presidente da Câmara ou coisa parecida?

- Não - disse Michael, impacientemente. - E Vito Giovanni. Finalmente, ela percebeu.

- O mafioso? - perguntou ela curiosamente, com o interesse espicaçado.

- Não tanto um mafioso, mas antes um homem que faz as coisas ao seu modo - explicou Michael.

- E que modo é esse? - perguntou ela, inclinando a cabeça.

- O modo que ele quer.

O filme que passava era O Prisioneiro de Alcatraz, com Burt Lancaster. Subitamente, perdera todo o interesse em vê-lo. Apenas conseguia pensar que, sentado algumas filas à sua frente, estava Vito Giovanni, e que estava desesperado por o conhecer. Desde miúdo que ouvia histórias acerca do homem que mandava no bairro. Vito Giovanni era rico. Era tudo o que Michael aspirava ser.

O filme começou e Polly esperava obviamente as actividades habituais na última fila, mas ele não estava com disposição para lhe tocar: tinha coisas mais importantes na ideia.

- Que se passa contigo? - perguntou ela, após alguns minutos.

- Quero ver este filme - mentiu ele. - Importas-te que eu me concentre por uma vez?

- Desculpa - disse ela, lenta e sarcasticamente. - Não sabia que tínhamos vindo ao cinema para ver mesmo o filme.

- Julguei que gostavas de Burt Lancaster.

- Não o atirava para fora da cama - admitiu ela, com uma risadinha maliciosa. Mal o filme terminou, Michael levantou-se, deixando-se ficar na coxia quando Vito Giovanni e os seus acompanhantes estavam prestes a passar.

- Desculpe, Sr. Giovanni - disse, bloqueando a passagem ao homem baixo e entroncado que era famoso por preferir sobretudos de caxemira e exibir lenços de seda branca.

- Sai da frente, vadio - disse um dos guarda-costas, empurrando- o para o lado.

- Eu só queria conhecê-lo - disse Michael indignadamente, quase perdendo o equilíbrio.

- Desaparece - rosnou o capanga, enquanto o grupo prosseguia. No dia seguinte, a Sr. a Giovanni entrou na loja. Michael reconheceu-a imediatamente. Parecia uma estrela de segunda de Hollywood, inchada, com a sua permanente loura e o seu enorme peito. Usava um vestido branco colado à pele e estava acompanhada pelo seu primo Roy, que ficou no exterior da loja a fumar um cigarro.

Ela aproximou-se lentamente de Michael e foi directa ao assunto.

- És o filho de Vinny Castelino?

- Hem... exacto - disse ele, tentando não ficar especado a olhar para os seus grandes seios.

- De que é que querias falar com o meu marido?

- Eu pago-lhe protecção - disse Michael, estarrecido pela sua visita. - Pelo que achei que deveríamos conhecer-nos.

Ela atirou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

- És um pequeno com tomates, não és?

- Não tão pequeno assim - respondeu ele ousadamente.

- Pareces-te com Vinny - disse ela, mirando-o de soslaio através de olhos fortemente pintados. - E tens boca, o que já é mais do que ele tem.

- De onde é que conhece o meu pai? - perguntou ele, bastante surpreendido com o facto de ela ter mencionado Vinny pelo nome.

- Foi há muito tempo - disse ela, avaliando-o minuciosamente. - Que idade é que tu tens?

- Vinte.

Ela soltou uma risada de escárnio.

- Nem pensár, filho.

- Dezanove - mentiu ele.

- Tenta dezassete - disse ela, tamborilando no balcão com as suas longas unhas vermelhas. - Tenho razão?

- Talvez - respondeu ele, cautelosamente.

- Sim, tenho - disse ela, muito segura de si.

- Até que ponto conheceu o meu pai?

- Suficientemente bem - respondeu ela, com um piscar de olhos cúmplice. Se percebes onde quero chegar.

- E a minha mãe, também a conheceu?

- Ah, ela - disse, indiferentemente. - Não era suficientemente boa para o teu velhote. Ele arrastou-a de Itália para cá porque a tinha engravidado. Suponho que tenhas sido tu o pão que ela tinha no seu fornozinho.

Michael ficou a olhar para ela, tentando perceber aquela loira vistosa, com os seus grandes seios e a sua atitude desrespeitosa.

- Bom, miúdo - disse ela, alisando a sua curta saia para baixo. - Por que não vens amanhã ver o Sr. Giovanni às duas da tarde? Eu asseguro-me de que ele te dará atenção. Ah, sim - acrescentou ela -, e podes dizer ao Vinny que a Mamie manda cumprimentos.

- Mamie?

- É o meu nome, fofo.

- Eu digo-lhe.

- Lamento que ele esteja preso a uma cadeira-de-rodas - disse, parando por um momento. - Mas é o que se arranja quando se escolhe mal, não é?

- O quê?

- Nada de especial - disse ela. - Vinny falhou. Eu venci.

- O meu pai não é um falhado! - disse Michael, rapidamente defendendo Vinny, porque a família é a família e ele não queria passar por desleal.

- Como queiras - disse ela, fazendo uma pausa para lamber os seus lábios pintados. - Vejo-te amanhã. E é bom que não te atrases. Não tenho paciência, filho.

Depois foi-se embora.

Michael estava agitado, não podia esperar para questionar o seu pai. Como é que Vinny nunca tinha dito que conhecia a mulher do homem mais importante e poderoso do bairro? Ainda mais fixe do que isso, agora tinha um encontro marcado com Vito Giovanni, e quem podia dizer em que é que isso iria resultar?

Vinny estava a ver Ben Casey na televisão quando Michael chegou finalmente a casa. A avó Lani estava sentada numa cadeira de braços, profundamente adormecida, com a cabeça pendente para um dos lados.

Ele contornou o seu pai.

- Quem é a Mamie? - perguntou, dando-lhe uma pancadinha no ombro.

- O quê? - disse Vinny, erguendo o olhar e franzindo o sobrolho.

- Mamie. A Sr. a Giovanni - disse ele, impacientemente. - Ela afirma que te conhece. Até diz que conheceu a mãe.

- Que andas a fazer misturado com pessoas como essas? - perguntou Vinny, com a face a enrubescer.

- Pessoas como quem, pai?

- A escória do mundo. Gangsters. Cobardes! - disse Vinny, ferozmente.

- Seja como for, de onde a conheces?

- Não interessa - disse Vinny, aumentando o volume do som da televisão. A avó Lani acordou bruscamente.

- Que se passa? - crocitou. - Já fiz o jantar?

- Quem é a Mamie, vó? - perguntou Michael.

- Oh, ela - disse a avó Lani de mau humor. - Não me digas que ela anda por aí outra vez a tentar pôr as mãos no meu Vincenzio. Alguém lhe devia dizer que é demasiado tarde. Ele agora é um homem casado - acrescentou ela, baixando o tom de voz para um sussurro conspirativo. - A mulher dele está grávida.

Em breve teriam de considerar a hipótese de pôr a avó Lani num lar. Percebeu que não chegava a lugar algum com nenhum deles e, como tinha um encontro com Polly e nessa noite tinham o apartamento de Sandi por empréstimo, não queria chegar atrasado.

Correu escada acima, tomou um rápido chuveiro e mudou de roupa. Quando saiu de casa continuava sem a mínima pista quanto à ligação que a Sr a Giovanni tinha com o seu pai, embora, se existisse alguma verdade naquilo que Lani dissera, parecesse que Mamie Giovanni tinha sido uma antiga namorada.

A ideia deixou-o estarrecido. Sexo e Vinny eram coisas que não combinavam.

Especialmente sexo com uma mulher como Mamie. No que lhe dizia respeito, o seu pai era um velhote mal humorado confinado a uma cadeira-de-rodas; era difícil imaginá-lo de qualquer outra forma.

Polly já o esperava no apartamento da sua amiga.

- Estás atrasado - disse ela secamente.

- Estou aqui - disse ele, desejoso de se perder na pura voluptuosidade da carne dela.

- Temos duas horas - disse ela, desapertando a saia e libertando- se dela.

- Deixa ficar as meias - disse ele, enquanto ela tirava as calcinhas de renda rosa.

- Perverso! - exclamou ela, mantendo o seu cinto de ligas cor de pele e meias bronze.

Ele ficou imediatamente excitado. Ela tinha esse efeito nele - embora na sua idade até uma estátua de pedra tivesse esse efeito nele.

- Que tal dançares para mim? - sugeriu ele, sentando-se na borda da cama de Sandi, que Polly tinha atenciosamente coberto com uma grande toalha de pano frisado.

- Não sejas pateta - disse ela com uma risadinha, tirando a camisola pela cabeça.

- Anda lá - aliciou-a ele. - Vai ser o máximo.

- Não temos música - protestou ela.

- Eu canto.

- Está bem - disse ela, no fundo gostando da ideia.

Ele começou a trautear Tossin and Turnin. Polly começou a girar diante dele, meneando as ancas como uma profissional.

Ele estava hipnotizado pelo seu denso triângulo de negros pêlos púbicos, delimitado pelo cinto de ligas, e deu consigo a ficar ainda mais excitado.

Polly tentava fazer alguns movimentos de stripper aproximando o seu sexo dele e depois recuando.

Ele agarrou um tufo de grandes pêlos púbicos e puxou-a para a cama, para o seu lado.

- Ai! Isso dói! - queixou-se ela. Mas logo que introduziu a mão entre as suas coxas, ele percebeu que ela estava tão excitada quanto ele.

Freneticamente, ele tirou as calças e as cuecas. Depois fê-la abrir as pernas, preparado para a acção.

- Mete-me, Mike. Mete-me tudo! - gemeu ela, enquanto ele mergulhava dentro de si.

Ela estava tão quente e pronta que ele pensou que se podia vir de imediato. Ela envolveu-lhe a cintura com as pernas e começou a fazer sonoros ruídos. Ele manipulou-lhe as pernas até que os tornozelos ficaram firmemente presos na parte de trás do seu pescoço.

Minha nossa! Seis investidas sólidas e ela já estava a vir-se. A melhor de sempre. Jesus! Parecia que nunca mais acabava.

Mal acabou, ele rolou de cima dela e soltou um grito de vitória.

- Bastante bom, hem? - disse ela, lambendo os lábios.

- Completamente fantástico!

- Ainda bem, porque é a última vez que podemos fazer isto.

- Porquê? - perguntou ele, esperando que não tivesse nada a ver com o seu desempenho.

Ela sentou-se na cama, agarrando indiferentemente no soutien.

- Cyril e eu vamos dar o nó - anunciou ela de forma terminante. - Portanto...

odeio ter que te dizer isto, Mike, mas receio que seja o adeus.

 

         Dani: 1964

- És uma rapariga muito bonita! - disse o Sr. Tomas.

- Obrigada - respondeu Dani, baixando os seus olhos azuis para não ter que olhar para a cara aduladora dele.

O Sr. Tomás era o gerente do Hotel Estradido, onde Dani trabalhava como criada. Ninguém fazia ideia de como ela era nova, o que lhe servia na perfeição, porque tinha consciência de que, se os seus patrões descobrissem a verdade, perderia o emprego.

- Sim - disse o Sr. Tomas, repetindo-se a si próprio. - Muito bonita. Dani fez por se manter calada. Não era como se não tivesse já ouvido aquilo dezenas de vezes. Os homens estavam sempre a atirar-se a ela, usando invariavelmente as mesmas frases repetidas.

Até então tinha conseguido repelir aquilo que ela considerava grosseiros avanços deles, embora pouco tempo antes Emily lhe tivesse dado uma lição.

- Estás quase a fazer dezasseis anos - dissera Emily, bem ao jeito de irmã mais velha. - Não achas que está na altura de arranjares um namorado? Não podes passar todo o teu tempo enfiada na biblioteca.

- Eu gosto da biblioteca - respondera ela teimosamente. - Gosto de descobrir coisas que nunca tive hipótese de aprender.

Emily revirara os olhos. Dani era tão querida, teria sido bom vê- la a sair e a divertir-se em vez de passar todo o seu tempo livre fechada a ler livros.

Emily e Sam estavam agora casados. Viviam juntos no apartamento dele, enquanto Dani se mantivera no pequeno apartamento que tinha partilhado com Emily. Conseguia pagá-lo à justa, embora Sam continuasse a dizer-lhe que seria mais inteligente arranjar uma companheira de quarto e dividir os custos.

As boas notícias eram que, tanto quanto eles sabiam, Dashell nunca viera em busca de nenhuma das duas. Sam mantinha-se vigilante e não o avistara.

- É como se ele soubesse que vocês poderiam tramá-lo por todas as coisas más que ele fez - raciocinava Sam. - Provavelmente, sente-se mais seguro no rancho e não se arrisca a vir à cidade.

- Tenho pena do resto das miúdas que deixámos lá - dizia Dani, melancolicamente. - Pelo menos, nós conseguimos escapar, graças a ti.

- E eu arranjei uma mulher - vangloriava-se Sam, com um largo sorriso. - A melhor rapariga do mundo!

Emily soltava uma risadinha. Eles eram verdadeiramente um casal feliz. Emily trabalhava agora como empregada de mesa no Hotel Stardust e Sam era empregado de estacionamento no Desert Inn. Ambos gostavam do seu trabalho e adoravam viver em Las Vegas. No seu tempo livre conseguiam ver a maioria dos espectáculos, entrando com o seu desconto de empregados. Por vezes, Dani ia com eles, embora poucas, porque estava mais interessada em se instruir.

- Estive a pensar - disse o Sr. Tomas, um homem magro, com escassos cabelos castanhos que penteava cuidadosamente na direcção da testa, e sobrancelhas densas e espessas; dificilmente um candidato de primeira a um encontro com a deleitante Dani.

- Sim, senhor.

- Estive a pensar que tu e eu devíamos sair e, hem... festejar - disse ele, afagando o queixo.

- Desculpe, Sr. Tomas - respondeu ela, cuidadosamente. - Mas o que iríamos exactamente festejar?

- Já trabalhas aqui há algum tempo - continuou o Sr. Tomas, pigarreando. Nunca te vejo com um namorado e como hoje é o teu aniversário, como vi na tua ficha de candidatura, alguém devia sair contigo para festejar. - Soriu, revelando os dentes manchados pelo tabaco. - Conheço um motel simpático perto daqui onde servem um bom jantar.

Sim, pensou ela para si mesma. E tenho a certeza de que também tem um bom quarto com uma boa cama ao lado da boa sala de jantar.

Danijá não era ajovem inocente que chegara à cidade três anos antes. Aprendera muito ao longo do tempo e parecia-lhe que manter-se afastada dos homens era o caminho mais sensato a seguir.

- É muito generoso da sua parte, Sr. Tomas - disse ela, educadamente. Mas não acho que seja boa ideia.

- Porquê? - perguntou ele, com uma contracção nervosa no lado esquerdo da sua estreita face.

- Porque o senhor é casado.

- Não te estou a pedir em casamento, querida - zombou ele, recusando-se a aceitar graciosamente a derrota. - Só estou a convidar-te para um jantar.

- Eu compreendo, Sr. Tomas - respondeu ela, desejando que ele a deixasse em paz. - E talvez se a sua mulher fosse connosco...

- Esquece que te convidei - disse ele, saindo irritadamente.

Fiona, uma das criadas de quarto que se mantivera por perto, aplaudiu silenciosamente.

- Tu disseste-lhe como era - disse ela. - Embora talvez pudesses ter conseguido um aumento.

- Quem é que quer um aumento se for essa a maneira de o obter? - disse Dani, desdenhosamente.

- Tens toda a razão - disse Fiona. - Aquele homem é uma sanguessuga velha e casada. Do pior tipo.

- Podes ter a certeza - concordou Dani.

- Sabes - continuou Fiona -, o meu namorado tem alguns amigos realmente simpáticos. Portanto... se quiseres mesmo sair para festejar...

Dani abanou a cabeça, pensando que era a última coisa que queria.

- Não, obrigada - disse ela de imediato.

- Porquê?

- Não estou interessada.

- Em quê?

- Em me envolver com qualquer pessoa.

- Um encontro não é propriamente ficar envolvida - discordou Fiona.

- Além do mais - acrescentou Dani, tentando suavizar as coisas -, a minha irmã preparou-me uma festa.

- Bonito - disse Fiona, rudemente. - Obrigada pelo convite.

- Não é uma grande festa - acrescentou Dani, rapidamente. - Na verdade somos só eu, a minha irmã e o marido.

- Parece que vai ser uma diversão pegada.

Pouco lhe importava o que Fiona pensava: era o seu aniversário e celebrá-lo-ia como muito bem lhe apetecesse. Além do mais, Sam e Emily eram as duas únicas pessoas de quem ela gostava.

Quando acabou o trabalho e regressou ao seu apartamento, já passava das sete. Emily prometera cozinhar e ela estava ansiosa pelo frango assado e pelas batatas à moda caseira da irmã - a especialidade de Emily.

Sam abriu a porta parecendo agitado.

- Onde está ela? - perguntou, espreitando por detrás dela.

- Quem? - perguntou Dani, desapontada, porque não sentia nenhum cheiro de comida no ar.

- A Emily.

- Como hei-de eu saber? - respondeu ela, tirando o casaco de malha. Pensei que estivesse aqui.

- Também eu - disse Sam. - Mas como podes ver não está.

- Então, onde está ela?

- Eu é que te pergunto a ti - disse ele, exasperado.

- Não a vi. Vim directamente do trabalho.

- Raios! - disse Sam, franzindo o sobrolho. - Já devia cá estar há três horas.

- Ligaste para o restaurante?

- Sim.

- Que disseram?

- Que ela tinha largado o turno às quatro horas.

- Talvez tenha ido às compras.

- Fez as compras todas ontem. A comida está na cozinha, à espera que ela a cozinhe. - Passou a mão pelo seu desgrenhado cabelo ruivo. - Não é o género de Emily fazer destas coisas.

- Achas que lhe possa ter acontecido algo? - perguntou Dani.

- Não sei - disse ele, agarrando no casaco. - Vou até ao hotel ver se ela está lá.

- Eu vou contigo.

No restaurante do hotel onde Emily trabalhava não tinham notícias dela. Saíra do serviço às quatro, tal como o gerente tinha informado Sam pelo telefone.

- Está cá alguém que tenha estado a trabalhar com ela hoje? - perguntou ele.

- Penso que a Sharon ainda anda por aí - disse o gerente.

- Posso falar com ela?

- Espere nas traseiras. Vou ver se a encontro. Não há necessidade de incomodar os clientes.

- Combinado - disse Sam.

Ele e Dani seguiram até um pequeno armazém na parte de trás no restaurante e esperaram.

Cinco minutos depois, Sharon apareceu.

- Que se passa, Sam? - perguntou.

- O que se passa é que a Emily não foi para casa - disse ele, agitadamente. Ela disse alguma coisa acerca de onde ia depois do trabalho?

- Não - respondeu Sharon. - Disse que nos víamos amanhã, só isso.

- Talvez devêssemos ir aos hospitais - sugeriu Dani, juntando-se à conversa.

- Tenho a certeza de que ela aparece - disse Sharon, animadamente. Conheces a Emily. A Miss Confiança.

- Sim - concordou Dani, tentando manter uma atitude positiva. Seis horas mais tarde, depois de passarem pelas emergências dos hospitais, Dani e Sam estavam sentados na esquadra da Polícia, tentando apresentar uma queixa por desaparecimento.

- Não consideramos ninguém desaparecido enquanto não estiver ausente por vinte e quatro horas - disse o polícia de serviço, um homem grande, de olhar cansado e atitude autoritária.

- Ela está desaparecida - disse Sam, energicamente. - Devia ter chegado a casa às quatro e meia. Agora é uma da manhã.

- Lamento - disse o polícia. - Não há nada que possamos fazer.

- Raios partam! - gritou Sam, batendo com o punho na secretária. - Têm que fazer alguma coisa.

- Não podemos - disse o polícia. - Voltem quando tiverem passado vinte e quatro horas.

Resmungando entre dentes, Sam saiu a passos largos da esquadra, com Dani logo atrás de si. Ela nunca o vira tão furioso.

- Vou saltar para a minha mota e percorrer a Strip - decidiu ele. - Tu sabes, ver todos os hotéis, motéis, casinos. Ela tem de estar em algum sítio.

- Estou certa de que ela está bem - tranquilizou-o Dani.

Mas bem no fundo tinha uma sensação nas entranhas de que não voltariam a ver Emily.

 

         Michael: 1964

- Vou ao funeral da tua avó - anunciou Mamie Giovanni, enquanto percorria a loja, pegando em produtos enlatados e atirando-os para dentro de um cesto transportado por um dos sequazes do seu marido, que a seguia.

- Não precisa de fazer isso - respondeu Michael, surpreendido com a sugestão dela.

- Preciso, sim - insistiu Mamie. - Eu conheci-a, portanto, devo ir lá.

- É muito simpático da sua parte, Sr. a G.

- Simpático, o caraças! - disse ela, com um encolher de ombros indiferente. - É o mínimo que posso fazer.

A avó Lani falecera a meio da noite. Não estava sozinha: Michael contratara uma enfermeira para estar com ela. Infelizmente, a enfermeira adormecera, não se apercebendo de que a sua paciente tinha morrido, até de manhã cedo. Depois entrara em pânico e começara a correr pela casa gritando que não era culpa sua.

Com um grande sentimento de culpa por não estar junto da sua avó no seu falecimento, Michael chamara imediatamente o médico, que apareceu, e mais tarde emitiu uma certidão de óbito. Era tudo muito deprimente.

Ele não estava triste por a avó Lani ter morrido. Ultimamente, ela estava senil e tinha dores, pelo que foi quase um alívio ver um fim para o sofrimento dela. Ia sentir a sua falta, não obstante; ela sempre o tratara bem.

Vinny não parecia muito perturbado.

- Ela fica melhor onde agora está - dizia ele, especado diante de uma reposição de love Lucy. - Este é um mundo de merda. Agora, pelo menos, ela pode ter alguma paz.

Michael estava contente por não partilhar da mesma atitude. Não tinha desejo nenhum de seguir o seu pai numa vida lúgubre e triste. Ele queria mais, queria tudo o que conseguisse obter. Na realidade, não se importaria de ser como Vittorio Giovanni, um homem que era respeitado e tinha dinheiro. Todos falavam de Vito como sendo um gangster mas ele não vira sinais disso. Tanto quanto ele podia dizer, Vito Giovanni era um esperto homem de negócios que fazia as coisas à sua maneira.

Dois anos antes, Mamie mantivera a sua promessa e apresentara-o ao marido. Dissera a Vito que conhecia Michael desde criança e que deveriam tratá-lo bem. Para agradar à sua mulher, Vito dera-lhe vários pequenos trabalhos - como entregar ocasionalmente um pacote ou armazenar coisas na sua loja.

- Tenho de admitir que gosto de ti, puto! - dissera-lhe Vito, ao fim de alguns meses. - És esperto, vais-te safar, desde que não faças merda.

- Faça merda em quê? - perguntara Michael.

- Em qualquer coisa - dissera Vito, após o que soltara uma sonora gargalhada.

- Não esperes que o meu marido venha ao funeral - disse Mamie, enquanto deambulava pela loja na sua habitual indumentária de saltos altos, saia justa e camisola de grande decote.

- Nem eu pensava que ele o fizesse - respondeu Michael.

- Vens no carro comigo - acrescentou ela, atirando duas latas de molho de tomate para o seu cesto.

- Não posso - disse ele, passando para trás do balcão. - Tenho de ir com o meu pai.

- Hmm - meditou ela, aproximando-se e debruçando-se sobre o balcão, revelando um bom pedaço do seu busto. - Vai ser qualquer coisa, voltar a ver Vinny.

- Fez uma pausa, lambendo os lábios excessivamente pintados. - Ele costuma falar de mim?

- Hem... eu nunca o ouvi dizer nada - respondeu Michael, tentando desviar o olhar do seu generoso peito.

- Ele sabe que tens feito coisas para o meu marido?

- Não - disse Michael, rapidamente. - E preferia que não lho dissesse.

- Sim, sim - concordou ela, sugando o lábio inferior. - Se bem conheço Vinny, ele não aprovaria.

Até que ponto conheceria ela Vinny? Sempre que ele puxava por detalhes, ela mudava de assunto e sempre que perguntava a Vinny, tudo o que recebia de volta era um olhar vazio.

Agora que a avó Lani falecera, ele perguntava a si próprio a quem teria ela deixado a loja e a casa - a ele ou a Vinny? Não fazia qualquer diferença - acabariam por ser dele. Ele já geria sozinho a loja desde há um ano. Vinny raramente se dava ao trabalho de aparecer e, mesmo quando o fazia, não sabia nada de nada.

Ultimamente, Michael descobrira que as mulheres se atropelavam entre si para chegarem a ele, o que era bom, porque Polly já se fora há muito. Casara-se com Cyril e fora viver para as montanhas. Não era grande perda. Até mesmo Mamie Giovanni ocasionalmente dava a entender que poderia estar interessada - não que ele alguma vez pensasse em chegar perto dela. Em primeiro lugar, ela era vinte anos mais velha do que ele e, em segundo, era casada com um homem que ele não se atreveria a enfrentar.

Ainda assim... ele percebera que namoriscar o deixava em boa posição com as mulheres. Elas adoravam que lhes dissessem como estavam bonitas ou como cheiravam bem. Ele não era estúpido: percebera que o seu excepcional bom aspecto lhe trazia muitas vantagens. Fizera um negócio com o motel local e todas as sextas-feiras levava lá uma mulher diferente.

O sexo era a sua forma de relaxar, de libertar a pressão, o que o deixava com boa disposição para o resto da semana. Nenhum dos seus encontros, representava nada para ele - todas elas eram descartáveis. As mulheres eram fáceis e, de certa forma, isso retirava a emoção.

Os Giovanni tratavam-no como se fosse da família, convidando-o para a sua casa nos feriados e ocasiões especiais. Ele era mais íntimo de Vito do que do seu próprio pai.

Descobrira através de um dos sequazes de Vito que Mamie não podia ter filhos. Em tempos dera à luz e o bebé - um rapaz - nascera morto. Depois disso, deixou de lhe ser possível. Na sua mente, ele começou a pensar que era o filho que eles nunca tinham tido.

No dia do funeral, Vinny estava com uma disposição pior do que o habitual. Entrou com a cadeira-de-rodas pela cozinha, franzindo o sobrolho carrancudamente.

- Eu tenho que ir? - perguntou, olhando irritadamente para o filho.

- É a tua mãe - realçou Michael, sentindo-se como se fosse ele o adulto naquela relação. - Tens de mostrar respeito, pai. É o que está certo.

Não mencionou que Mamie Giovanni iria lá estar. A verdade era que estava interessado em ver como reagiria Vinny quando a visse.

- Merda! - resmungou Vinny, batendo com a caneca de café na mesa. A vizinhança apareceu toda para o funeral. A avó Lani fora importante no seu tempo e todos gostavam dela.

A cerimónia simples teve lugar na igreja local. Depois, um pequeno cortejo de pessoas desfilou até ao cemitério para testemunhar a descida do caixão à terra.

Empurrando a cadeira-de-rodas do seu pai, Michael olhou em volta esperando ver Mamie, que até àquele momento não tinha aparecido.

Não conseguiu vê-la, pelo que concluiu que ela provavelmente não falara a sério quando dissera que iria estar lá. De resto, por que haveria ela de querer vir ao funeral da sua avó?

Enquanto o padre rezava uma oração perante o caixão de Lani, Michael manteve-se de cabeça erguida, pensando que as coisas agora seriam diferentes. Ele teria o controlo total, sem ter que responder a ninguém.

Subitamente, o seu amigo Max deu- lhe uma cotovelada.

- Olha só para aquilo - murmurou Max.

Ele lançou um olhar.

Mamie Giovanni caminhava titubeante através da relva, vestida com um conjunto vermelho apertado na cintura, uma reveladora blusa branca e saltos de dez centímetros.

O seu cabelo loiro colorado estava preso no alto da cabeça e estava fortemente pintada. O seu primo Roy estava com ela. Ficou a rondar junto ao extremo da multidão, surgindo como um farol num mar de sombrio negro.

Max abafou uma gargalhada.

- Vê se te calas - sussurrou Michael, deitando um rápido olhar ao seu pai que parecia não se ter apercebido da chegada dela.

Mais tarde, todos apareceram em sua casa. Algumas das mulheres da vizinhança tinham preparado uma variedade de carnes frias, saladas e pratos cozinhados. Com todos espalhados pela casa a comer e a conversar, havia uma certa atmosfera festiva. Depois de uma curta pausa, várias das mulheres subiram ao quarto da avó Lani e começaram a vasculhar as roupas dela.

Michael ficou junto de Max, Tina e Charlie. Max e Tina continuavam juntos apesar do decreto de nada-de-sexo de Tina. Pareciam o casal perfeito. Tina dominava-o e Max apreciava cada momento. Ela tratava Michael com um misto de frieza e desprezo - ainda magoada por ele a ter deixado. Ele suspeitava de que ela estava morta por quebrar a forte amizade que ele partilhava com Max, só que não tinha hipótese. Ele e Max eram muito unidos, amigos de toda a vida, e nenhuma rapariga se conseguiria interpór entre eles.

Debicando a comida, ele mantinha um olho alerta para Mamie, perguntando a si mesmo se ela apareceria na casa.

Do outro lado da sala, encurralado na sua cadeira-de-rodas, Vinny estava desejoso de ver todos sair para poder voltar para a sua televisão. Detestava ver a casa cheia de pessoas a perturbarem a sua rotina. Na realidade, detestava a casa, ponto final.

Não o dissera a Michael, mas o seu plano era vender o negócio, depois a casa e mudar-se para a Florida, onde arranjaria uma casa na praia e uma televisão grande. Podiam-se ir todos lixar, ele não queria saber. Michael tinha dezanove anos, já se conseguia defender. O rapaz era suficientemente crescido e suficientemente bem-parecido. E conseguia andar por amor de Deus. Até àquele momento, Michael tivera uma vida demasiado fácil; far-lhe-ia bem ficar por sua conta, sem a avó a atarantar-se à sua volta.

Por vezes, quando Vinny olhava para o seu filho, via-se a si mesmo com a sua idade, quando tivera um futuro. O assassínio de Anna Maria e o seu ferimento no assalto não lhe tinham destruído apenas as pernas mas também o espírito. Pela parte que lhe tocava, tudo terminara naquele dia fatídico. Agora não queria saber de nada.

Michael avistou Mamie logo que ela entrou na casa. Era difícil não a ver com a suajusta roupa vermelha e o seu cabelo loiro preso. As pessoas olharam e cochicharam.

Mamie pouco se importava; como mulher de Vito Giovanni estava habituada. Dirigiu-se directamente a Michael.

- Leva-me a Vinny! - ordenou.

Ele ergueu-se de um salto e fez- lhe a vontade. Atrás de si ouviu Tina dizer:

- Quem é aquela? Que rameira!

Abriu caminho a Mamie através da sala repleta até chegarem junto a Vinny.

- Olha, pai - disse ele. -Tenho aqui uma amiga tua; ela quer cumprimentar-te.

- Quem? - disse Vinny, voltando- se na sua cadeira-de-rodas.

- Mamie Giovanni.

E, para surpresa de Vinny, ali estava ela, Mamie, a sua antiga namorada, diante dele, tão grande, vaidosa e loira como sempre.

- Então, grandalhão! - disse ela, arrastadamente. - Há muito tempo que não nos víamos.

- Mamie - disse ele, absolutamente chocado.

- Lembras-te de mim? - disse ela, exibindo-lhe um largo sorriso. - Sou a rapariga que tu deixaste por aquele pedaço de escória que arrastaste de Itália para aqui.

- Não fales da minha mulher dessa maneira - resmungou ele, com a face contorcida pela fúria.

- Ah, peço desculpa - disse Mamie, sarcasticamente. - Transformou-se numa madonna, agora que se foi?

- Por que é que não sais da minha vista? - disse ele, lívido com a falta de respeito dela.

- Não queria que te preocupasses comigo, Vinny - disse ela, saboreando cada momento. - Sabes, saí-me bem. Casei com o tipo mais importante do bairro. Vito Giovanni, estou certa de que sabes quem é.

- Não me ouviste - gritou Vinny, pestanejando repetidamente. - Põe-te já fora da minha casa.

- Pai! - interveio Michael.

- E tu - disse Vinny, fitando ferozmente o seu filho -, que raio de doido és tu para a trazeres aqui?

- Ela, hem... queria prestar a última homenagem à avó - resmungou Michael, surpreso com a forma como as coisas estavam a correr.

- Respeito, uma merda! - disse Vinny, rudemente. - Lani não podia nem vê-la e ela sabe disso. A cabra veio aqui para se regozijar por eu estar numa porra de uma cadeira-de- rodas. - A sua voz levantou-se. - Agora, põe-na láfora!

Michael nunca vira o seu pai demonstrar tanta emoção e agora toda a sala estava a olhar.

- Ei... Sra G. - disse ele rapidamente, agarrando-lhe o braço -, acho que temos que ir. Eu, ah, acompanho-a à saída.

Mas Mamie não ia a lado nenhum até acabar o que tinha para dizer. Sacudindo a mão de Michael do braço, inclinou-se sobre a cadeira-de-rodas de Vinny.

- Sempre o mesmo Vinny - escarneceu ela. - Engraçado, não me lembro de me dizeres para sair quando estava a chupar a tua pequena pila! - E com essas derradeiras palavras ergueu-se e abriu bruscamente caminho até à porta.

- Jesus - disse Michael, correndo atrás dela enquanto toda a sala os observava.

- Por que é que tinha de dizer aquilo? Isto é ofuneral da minha avó.

- Por que é que tinha de dizer aquilo, miúdo? - disse ela, saindo da casa e parando no passeio. - Porque é verdade. Antes de aparecer a italiana, eu era a namorada do teu pai.

- Eu não sabia disso - disse ele. - Nunca me disse.

- Nós íamos casar - continuou ela. - Só que a Miss Itália conseguiu engravidar e forçou-o a largar-me. Portanto, não me chateies por estar irritada.

- Devia ter-me contado acerca de si e do meu pai. Eu devia saber.

- Oh, merda, são coisas antigas. Seja como for, não comeces a sentir pena de mim; saí-me muito melhor do que Vinny Castelino.

Esta nova informação confundira-o. Mamie e o seu pai. Um casal. Não parecia possível e, no entanto, ela não iria inventar aquilo.

- Eh... Sr.a G. não deveria falar da minha mãe daquela maneira - arriscou ele.

- Por que não? - disse ela, provocadoramente. - É a verdade nua e crua. Tu não a conheceste, Mikey, mas acredita em mim, ela era uma vagabunda. Enganou Vinny para se casar com ele.

- Não diga isso.

- Todos sabem das coisas que ela fazia nas costas de Vinny - disse Mamie, com um olhar vingativo. - Conta-se que ela planeou o assalto com um outro namorado que tinha. É esta a verdade: ela é que foi a responsável por Vinny estar numa cadeira-de-rodas. Podes culpá-la a ela.

- Eu... eu não posso acreditar nisso.

- Bem, é a verdade. Não percebo por que é que o teu pai não te pôs a par.

- Tenho de ir - disse ele, tentando manter o controlo das suas emoções. Mamie parecia tão segura daquilo que dizia e, no entanto, Vinny nunca lhe dissera uma palavra sobre tudo aquilo.

- Lamento que tenha sido eu a ter que te dizer a verdade - disse Mamie, erguendo o braço para lhe tocar no queixo com as suas longas unhas pintadas. - Sabes, gosto muito de ti, Mikey, e detesto ver-te sofrer, mas é melhor que saibas, não é?

Porquê? apeteceu-lhe gritar. Por que é que eu haveria de querer saber que a minha mãe era uma vadia que atraiçoou o meu pai?

Mas não disse uma palavra. Em vez disso, voltou-se e começou a descer a rua, deixando Mamie ali parada.

Não podia voltar a entrar na casa. Pela parte que lhe tocava, o funeral tinha terminado.

 

         Dani: 1964

Dani tinha razão quanto a não voltar a ver Emily de novo. Procuraram-na durante meses, sem encontrarem qualquer pista. Sam chegou mesmo a ir ao rancho para descobrir se Dashell a tinha raptado. Dani queria ir com ele, só que Sam não achou que fosse uma ideia inteligente, e com razão, porque aquilo que descobriu quando lá chegou chocou-o. O rancho estava abandonado, todos tinham desaparecido, o lugar numa perfeita desordem, como se tivessem partido com grande precipitação. Até os cavalos se tinham ido.

- Que achas que aconteceu? - perguntou Dani, quando ele regressou e lhe disse o que encontrara.

Ele estava tão perplexo como ela.

- Não sei - disse. - Tudo o que sei dizer é que aquilo estava mesmo de arrepiar. Ainda bem que não foste comigo.

- Achas que devemos dizer à Polícia? - arriscou ela, com a sua activa mente a imaginar todo o tipo de coisas terríveis.

- Dizer-lhes o quê - disse ele, irritadamente. - Não estão interessados em descobrir nada. Para eles, Emily é só mais uma pessoa desaparecida.

E, como de costume, ele voltou-se para a garrafa; o seu único consolo desde o desaparecimento de Emily.

Dani não conseguia fazê-lo parar de beber, embora o tentasse. Ele recusava-se a escutá-la, preferindo chafurdar no seu próprio infortúnio. O problema era que ele parecia satisfeito em ficar ali, o que significava que ela tinha de gastar todo o seu tempo livre a tomar conta dele, assegurando-se de que ele chegava a horas ao emprego, preparando-lhe a comida, limpando-lhe o apartamento e lavando-lhe a roupa. Não era um bebedor excessivo, apenas ficava sentimental, falando de Emily sem parar.

Acabou por ser despedido do emprego e depois disso o seu problema com a bebida aumentou mesmo. Dani não sabia o que fazer. Felizmente, ainda tinha o seu emprego e, como raramente estava no seu apartamento, entregou-o, poupando o dinheiro da renda, porque agora tinha de sustentar os dois. Dormia no sofá da casa de Sam, enquanto ele ficava no quarto. Ela não se importava. Sam tinha-a salvo de uma vida de purgatório e agora era a sua vez de o salvar.

Um dia decidiu que era o momento de pegar nas coisas de Emily, empacotá-las e tirá-las da vista de Sam. Reparara que ele, à noite, repetidamente, pegava numa das camisolas de Emily ou no seu roupão, agarrava-o bem junto à cara e ficava a balançar para trás e para a frente. Simplesmente não era saudável, pelo que, após o trabalho, Dani comprou um grande saco de viagem, levou-o para o apartamento e começou a enchê-lo com as coisas de Emily.

- Que estás a fazer? - perguntou ele, tentando impedi-la.

- Emily não vai voltar - disse ela, empurrando-o com determinação, enquanto continuava a encher o saco.

- Sim, vai. Eu sei que vai - argumentou ele. - Ela não me deixaria desta maneira. Não a minha Emily.

Dani abanou a cabeça.

- Eu acho que ela não vai voltar, Sam. - A expressão infeliz dele forçou-a a acrescentar. - Mas sabes uma coisa? Guardamos as coisas dela. Eu ponho tudo no saco e guardamo-lo no armário. Que tal assim?

- Faz o que quiseres - disse ele, desistindo e esticando o braço em direcção à garrafa.

Na última gaveta da cómoda, escondido sob uma pilha de roupa interior, ela encontrou um diário. Rabiscadas na capa estavam as palavras: PESSOAL - NÃO ABRIR.

O seu coração começou a bater mais forte. Conteria aquele livro alguma pista quanto ao desaparecimento de Emily?

Ela debateu-se sobre se deveria lê-lo ou não. Estaria certo ler o diário de outra pessoa? Sim, se essa pessoa fosse a nossa irmã desaparecida, estava com certeza.

No dia seguinte levou o diário para o trabalho. Não falou dele a Sam, para o caso de conter algo que ele não devesse ver.

Na sua pausa, sentou-se na pequena sala onde as criadas passavam o seu tempo livre e começou a ler. Depressa descobriu que o diário não se dividia em dias e semanas e meses, era uma sucessão desconexa de pensamentos aleatórios. Emily escrevera principalmente sobre Sam. O quanto ela o amava, como ele era bom para ela e como estava feliz por ele a ter salvo e a Dani do rancho.

Dani concentrou-se no último registo, na esperança de uma pista.

Danifaz dezasseis anos amanhã e estou muito orgulhosa dela. Trabalha duramente e ainda arranja tempo para estudar. Um dia ainda vai ser alguém. No aniversário dela decidi que vou dizer- lhe a verdade; éjusto que ela saiba que Olive não é a sua mãe, que a sua verdadeira mãe, Lucy, morreu, dando-a à luz. Dashell era um sacana sem coração - enterrou Lucy no jardim das traseiras. Sem serviço religioso, nada. Quando Dani souber a verdade, acho que vai querer voltar ao rancho e procurar a sepultura da mãe. Se fosse eu, quereria dar à minha mãe umfuneral em condições. Oproblema é que tenho medo de ir lá. Estou certa de que Dani também terá. Agora tenho que ir fazer as compras para amanhã, para poder cozinhar para a minha irmãzinha o seu prato favorito. Sam e Dani são a minha vida. Gosto muito de ambos. Faria qualquer coisa por eles.

As palavras de Emily terminavam ali.

Dani fechou o diário com as lágrimas a correrem-lhe pela face. Estava repleta de sentimentos mistos. Não que Olive alguma vez tivesse sido uma verdadeira mãe para ela, mas descobrir subitamente que a sua verdadeira mãe tinha morrido ao dar-lhe vida era um choque terrível.

Quando chegou a casa nessa noite, Sam estava sentado na sua cadeira favorita, contemplando um retrato de Emily que mantinha numa baça moldura de prata.

Ela decidiu não lhe contar o que tinha descoberto; o importante era pô-lo sóbrio. Aproximou-se dele e passou o braço sobre os seus ombros.

- Tens de parar de fazer isto - disse calmamente.

- Parar de fazer o quê? - respondeu ele, agressivamente.

- Parar de chorar por Emily. Ela foi-se e nós temos de começar de novo.

- Como sugeres que o façamos? - perguntou ele, entaramelando as palavras.

- Primeiro temos que te pôr melhor - disse ela. - Existe uma organização, de que ouvi falar no emprego, chamada Alcoólicos Anónimos. Se fores a uma reunião, tenho a certeza de que eles poderão ajudar-te.

- Por que haveria eu de ir? - disse ele, inexpressivamente. - Não tenho nenhuma razão para viver.

- Tens-me a mim, não tens? - respondeu ela ternamente.

- Tu? Tu és apenas uma miúda.

- Tenho dezasseis anos - disse ela, seriamente. - Trabalho desde há três anos, portanto, não sou decididamente uma miúda.

- És, sim - resmungou ele.

- Por favor - suplicou ela. - Faz isso por mim. E se não por mim, pela Emily. Ela amava-te tanto e ver-te desta maneira iria partir-lhe o coração.

- Está bem, está bem, vou pensar nisso - disse ele, relutantemente. Ela beijou-o na cara.

- Obrigada.

- Desculpem! - arquejou Dani, corando até um vermelho-brilhante. Não era a primeira vez que dava de caras com um hóspede do hotel nu. Mas isto era diferente, eram duas mulheres a ter relações no chuveiro da suite número um, uma suite reservada para os directores do hotel e homens importantes quando estavam na cidade.

- Pe-pe-peço m-muita desculpa - gaguejou ela, rapidamente, saindo de costas da casa de banho, bastante chocada.

Não era culpa dela que as tivesse interrompido. Não havia nenhum sinal de Não INcoMoDaR na porta. Se as pessoas queriam privacidade deveriam pelo menos trancar o fecho de segurança.

- Espera! - chamou uma das mulheres.

Dani estacou à frente da porta da casa de banho, perguntando a si mesma se estaria prestes a ser despedida.

Após alguns momentos, a mulher surgiu, enrolada numa felpuda toalha branca. Estava na casa dos quarenta, tinha cabelo loiro-descolorado e um aspecto duvidoso. A toalha terminava no topo das coxas e as suas pernas eram robustas e brancas. Não parecia nada embaraçada.

- Tu - disse ela a Dani. - Tu não viste nada, certo?

- N-não, minha senhora - respondeu Dani, ainda gaguejando.

- Claro que não viste - disse a mulher, agarrando a sua bolsa de pele de crocodilo de uma mesa ao lado da grande cama dupla. - Nada que alguma vez queiras contar a alguém, certo?

- Com certeza - assegurou-lhe Dani, tentando recuperar a sua compostura, embora ainda se sentisse em choque. Duas mulheres juntas. Não era normal.

- Toma - disse a mulher, pescando três notas de dez dólares da sua carteira e entregando-lhas. - Trinta dólares para ú.

- Não, não é necessário - disse ela, recusando-se a aceitar o dinheiro.

- É necessário, sim - disse a mulher, apertando as notas contra a mão dela. Vou estar aqui uma semana e preciso do serviço de uma criada pessoal, portanto, querida, és tu.

- Sou? - disse ela, engolindo em seco.

- Sim. Eu falo com o gerente do hotel e trato disso. O meu marido tem negócios com este hotel, pelo que eles têm tendência a dar-me tudo aquilo que eu peço. E uma criada pessoal está na ordem do dia. - Uma risada obscena. - Mas não comeces a ficar com ideias. O meu velho chega amanhã e só porque eu me satisfaço não quer dizer que ele possa. Portanto, guarda essas bonitas garras para ti mesma, a tua boca bem fechada e tudo vai correr sobre rodas.

Dani estava sem palavras.

- Está combinado - disse a mulher, puxando para cima a toalha que estava em perigo de cair. - Tenho duas malas que precisam de ser desfeitas. Passa tudo a ferro e marca-me uma cabeleireira para que venha à suite. Ah, sim, e pede ao serviço de quartos que mande gelo, duas garrafas do seu melhor champanhe e uma bandeja de coisas boas para petiscar. - Bateu palmas. - Mexe-te, querida. Preciso do meu vestido azul de seda pronto para usar esta noite e assegura-te de que não tenha uma ruga à vista.

- Eu tenho outros quartos para limpar - disse Dani, completamente atemorizada por aquela enérgica mulher.

- Estás a ouvir o que eu digo? - disse a mulher, com a voz a elevar-se. - Um telefonema e ficas só para mim. Vou fazer esse telefonema agora.

- Sim, minha senhora.

- Chama-me Sra Giovanni. Não curto essa treta do minha senhora.

- Sim, Sra Giovanni.

Mamie abriu um largo sorriso.

- Assim já nos entendemos.

A Sr Giovanni cumpriu o que prometera, ligou para a gerência do hotel e conseguiu fazer com que Dani ficasse como sua criada pessoal, naquela ocasião e sempre que ficasse no hotel.

Depressa Dani começou a desejar as suas visitas: era bem melhor do que limpar uma série de quartos de hotel anónimos, enquanto se defendia de variados avanços de hóspedes masculinos.

A Sr Giovanni era uma mulher e pêras. Espalhafatosa e exigente, bebia muito e gastava dinheiro como se este estivesse a ficar fora de moda. As suas amantes femininas vinham e iam, uma nova em cada estada.

- O nosso segredo - disse ela a Dani, depois de vários vodcas e de uma longa sessão com uma voluptuosa cantora latina. - Manténs a tua boca calada e, um destes dias, eu talvez faça algo simpático por ti.

Um par de meses e três estadas depois ela lançou um longo e avaliador olhar a Dani e disse:

- Sabes uma coisa, linda? És demasiado bonita para ser criada. E se eu te fizesse entrar para o corpo de coristas do espectáculo lá em baixo?

- Desculpe? - disse Dani, ocupada a esvaziar um saco de compras cheio de camisolas de caxemira que Mamie comprara há pouco tempo.

- Estás desperdiçada aqui, até eu tenho de admitir isso.

- Estou?

- Não sei por que é que te estou a ajudar quando deveria estar a fechar-te num quarto para que o meu velho não te ponha as vistas. Não que ele ainda consiga pô-la de pé. Vou-te apresentar ao Lou, o tipo que dirige o espectáculo lá de baixo. Tu danças?

- Hem... não.

- Não faz mal, aprendes.

- Não sei se sou capaz, Sr Giovanni.

- Oh, por Deus - interrompeu Mamie. - Estamos a falar de uma oportunidade.

Estou a dar-te uma hipótese, por amor de Deus, aproveita-a. A menos que prefiras ser escravizada como criada o resto da tua vida.

- Eu... eu ficaria feliz por experimentar algo novo - disse Dani, hesitantemente.

- Tens namorado?

- Não.

- Quem é aquele rapaz que vejo vir-te buscar às traseiras?

- Esse é o Sam, o marido da minha irmã.

- Hm-hmm. Bom, está bem, eu falo com Lou, arranjo para que ele te receba amanhã.

Lou olhou uma vez para ela e disse-lhe que, se ela soubesse dançar, a contratava.

- Não sei - admitiu ela.

- Então, tira lições - disse ele, pensando que, com um aspecto como o dela, quem precisava de talento?

Com vontade de aprender, ela dedicou-se às aulas de dança e depressa atingiu a excelência. Quando voltou para ver Lou, ele ficou verdadeiramente impressionado.

- Estás contratada, querida - disse-lhe ele. - Umas semanas de ensaio e vais lá para fora.

Sam não estava contente pela sua entrada para o corpo de coristas do Hotel Estradido.

- Estavas melhor no teu outro emprego - queixou-se ele.

- Agora estou a ganhar mais dinheiro - argumentou ela. - Isso é bom para ambos, não é?

- Suponho que sim - acedeu ele, embora não satisfeito.

Ele ia às reuniões dos AA desde há vários meses e isso parecia estar a ajudá-lo. Deixara de beber e, após alguns meses de sobriedade, conseguira até recuperar o seu antigo emprego.

Viviam os dois como irmão e irmã, apenas com Emily em comum. Falavam dela frequentemente, ambos determinados a nunca esquecê-la.

Mas Emily era tudo que tinham em comum e Dani sabia que em breve teriam de pensar em seguir em frente.

 

         Terça feira, 10 de Julho de 2001

O calor no restaurante começava a tornar-se intenso. Madison podia sentir gotas de suor a correrem-lhe pelas costas abaixo. Estava preocupada com o homem que fora alvejado. Tanto quanto ela conseguia ver ele não se mexia, jazia apenas no outro lado do restaurante, numa poça do seu próprio sangue.

E se ele estivesse morto? Ela estremeceu com o pensamento.

Acocorada no chão, com o seu braço apertando firmemente os ombros de Natalie, ela deitou um olhar a Cole, que estava junto à cozinha com os outros homens. O bandido da Uzi tinha- os separado - homens de um lado, mulheres do outro.

Embora os assaltantes fossem três, Madison mantinha o líder debaixo de olho: era ele que devia ser vigiado, ele é que tomava todas as decisões e dizia a todos para se calarem - incluindo os seus parceiros.

A voz do negociador no megafone fizera mais alguns pedidos para que eles saíssem serenamente.

Sim, como se eles fossem fazê-lo.

Finalmente, o telefone tocou. Ela suspirou de alívio porque, esperançosamente, iriam começar negociações adequadas e, em breve, todos estariam livres.

O bandido número um (como ela o baptizara na sua mente), dirigiu-se ao telefone e agarrou-o.

- Ninguém vai sair daqui - gritou para o bocal, com a Uzi pendente da outra mão. - Ninguém. E temos muitos reféns aqui. Portanto, não me fodam e comecem a escutar.

Ela não conseguiu ouvir a resposta do negociador, mas obviamente não agradou ao bandido número um, que bateu com o telefone, gritando:

- Vai-te foder! - Rodopiou sobre si mesmo e encarou as mulheres reféns, olhando-as irritadamente, com os seus olhos transformados em estreitas fendas, através da sua máscara de esqui.

- Gritar não vos vai servir de nada - disse Madison, erguendo a voz e surpreendendo-se a si mesma.

- Que é que disseste? - bradou ele, fitando-a.

- Eu disse que gritar não vos vai servir de nada - repetiu ela, mantendo um tom baixo e sereno, como se estivesse a falar com uma criança desobediente. - Se querem acção, então têm que negociar correctamente, dizer-lhes exactamente quais são as vossas exigências.

- Dona - disse ele rudemente -, tens uns tomates do caraças.

- Porquê? - disse ela, ousadamente. - Porque lhe estou a dizer a melhor maneira de sair desta embrulhada?

- Quem és tu? - disse ele, cuspindo as palavras com aversão. - Uma advogada ou coisa parecida?

- Não - respondeuela, calmamente. - Sou jornalista. E... se quiser, posso escrever a vossa história. Tenho a certeza de que têm um excelente motivo para fazer isto.

- Cala a puta da boca como os outros - disse ele, continuando a fitá-la com um olhar irritado.

- Você é que tem a arma - disse ela. - O que faz de si o chefe. Sugiro que, quando eles voltarem a ligar, lhes diga o que quer e que soltará os reféns quando o obtiver.

Ele não disse nada. Em vez disso chamou os seus dois cúmplices e juntou-se a eles num canto, conferenciando.

Três rapazes burros, pensou Madison. Três rapazes estúpidos que meteram os pés pelas mãos num assalto e que não sabem o que fazer a seguir.

Do outro lado da sala, Cole abanou a cabeça na direcção dela como que a dizer: Que raio é que estás a fazer? Faz o que eles te dizem e está calada.

Ela estava farta de estar calada, tinha o direito de falar. Tanto quanto conseguia lembrar-se, criar alguma espécie de ligação com os raptores era a opção certa. Qual era a coisa pior que ele lhe podia fazer? Dar-lhe um tiro?

- Que tal te sentes? - sussurrou ela a Natalie.

- Isto não é o meu conceito de noite perfeita - respondeu Natalie, tentando desesperadamente recompor-se. - Estou assustada, Maddy. Gostava de acordar e descobrir que tudo isto tinha sido um pesadelo.

- Pelo menos, agora já falas.

- Isso é por tua causa - disse Natalie, esforçando-se para sorrir debilmente.

- Ele tem razão, rapariga; tu tens mais tomates do que qualquer deles.

- O meu pai disse-me isso uma vez - exclamou Madison, rindo-se disfarçadamente. - Penso que ele queria dizer que eu saía a ele.

- Provavelmente, sais. Seja como for, fazes-me sentir mais segura.

- Isso é o mais importante - disse Madison, parecendo mais corajosa do que se sentia, enquanto olhava para as outras mulheres aglomeradas no chão, a maior parte delas paralisadas de medo como Natalie.

- Mantenham-se todas serenas - avisou ela em voz baixa. - Se ninguém fizer nada de imprudente, todas sairemos disto vivas.

- Quem é que a elegeu a si presidente? - interrompeu uma loira baixa com um justo vestido azul. - Aquele bandalho tirou-me o meu anel de noivado Harry Winston de setenta e cinco mil dólares e eu quero-o de volta.

- O que é mais importante, a sua vida ou uma jóia estúpida? - perguntou Madison, rispidamente.

- Saia do seu cavalo branco e tenha juízo - disse a ruiva, numa voz estridente.

- A Polícia há-de tratar da saúde a estes tipos, pelo que você não se devia meter.

- Não devia, é? - disse Madison, com o seu génio a vir ao de cima.

- Sim - disse a rapariga. - Lamento ser eu a dizer-lhe, mas esta não é uma oportunidade para um artigo.

Antes que Madison pudesse replicar, o telefone tocou de novo. O bandido armado aproximou-se e agarrou-o.

- Querem falar? - disse ele em voz alta. - Então, ouçam bem. Quero um furgão preto com o depósito cheio. Estacionem-no na rua lateral sem polícias por perto; nada de atiradores especiais. Vamos entrar para o furgão com reféns. Quando tiver a certeza de que ninguém nos segue e de que não há helicópteros a perseguir-nos, soltamo-los. Se não fizerem isso, começo a despachar um refém em cada quinze minutos. Vou dar-vos vinte minutos, depois começo a disparar.

- Vinte minutos não lhes dá tempo suficiente - disse Madison, com a garganta seca. - Tem de lhes dar uma hora.

Cristo! Ela estava agora a colaborar com o bandido? Aquilo era de loucos.

- Vai-te foder! - disse ele, afastando-se.

A verdade é que as palavras dele gelaram-na. Ele provavelmente já matara pessoas antes. Que diferença faria se os matasse a todos?

Quando Nando finalmente apareceu no jantar em Las Vegas, a atmosfera na mesa estava tensa. Jenna estava amuada. Vincent estava lixado. E Jolie queria saber exactamente onde tinha ele andado.

- Ei - disse Nando, gesticulando expansivamente de braços no ar, encarando a sua mulher -, sabes que não gosto de ser interrogado. Disse-te que tinha uma reunião de negócios e foi isso que aconteceu, só negócios.

Nando era um homem de aspecto hirsuto, alguns meses mais novo do que Vincent. Não era atraente no sentido convencional, tinha o seu estilo pessoal que encantava tanto homens como mulheres. Destemido e cheio de testosterona, era sócio de Vincent e o seu melhor amigo. Tinham crescido juntos e tinham muito em comum. As mulheres adoravam Nando, algo que se evidenciava através da sua bela mulher.

Jolie estreitou os seus olhos cor de âmbar. Não confiava no seu marido. Por outro lado, tudo o que ele fizesse, ela também podia fazer. E estava bem preparada para o fazer com Vincent, estivesse ele interessado em alinhar.

Mas não estava.

Paciência.

- Como é que está a minha beleza favorita? - perguntou Nando, baixando-se repentinamente para beijar Jenna.

- Já era altura de apareceres - disse Vincent, perguntando a si mesmo, como Jolie, se Nando andaria a jogar por fora.

- Onde está Andy? - perguntou Nando, olhando para a mesa.

- Teve que ir.

- Vincent assustou-o daqui para fora - disse Jolie.

- Merda! - disse Nando, deslizando para o lado dela no assento. - Tenho um pessoal que quer investir num filme para ele.

- Tenho a certeza de que ele precisa mesmo dos teus investidores - murmurou Jolie, secamente.

- Faz-me um favor - disse Vincent com ar carrancudo. - Não convides os teus cretinos para jantar para depois não apareceres. O traste não largou Jenna. Teve sorte de sair daqui a andar.

- Meu Deus, Vin - disse Nando, estalando os dedos na direcção do empregado de mesa e pedindo outra garrafa de champanhe. - Tu achas que todos ficam apanhados pela tua mulher. Ela é atraente, mas acredita em mim: Andy Dale tem mulheres a derreterem-se para chegar à beira dele. Não precisa de se atirar a Jenna.

- Mantém-no longe de mim e da Jenna - avisou Vincent.

- Sim, sim - disse Nando, sem prestar atenção.

- Ninguém precisa de manter seja quem for longe de mim - disse Jenna, falando alto, com uma voz esganiçada. - Andy não estava a fazer nada. Sinto-me tão humilhada por Vincent pensar que sim.

- Ei - disse Nando, com um sorriso devasso -, casa-se com uma mulher irresistível e vai haver tipos a atirarem-se a ela. Faz parte do cenário. Eu tenho obrigação de saber - acrescentou ele, passando o braço sobre os macios ombros nus de Jolie. - Vejam só a beleza que eu tenho.

Um abraço de culpa, pensou Jolie. Anda metido com alguém, o sacana!

- Então - continuou Nando -, vamos ficar aqui todos com cara de pau ou vamo-nos divertir a valer?

- Divertir a valer, por favor - disse Jenna, animando-se. Ela gostava de Nando: conseguia sempre pôr-lhe um sorriso na face.

- Assim é que é - disse Nando, piscando-lhe o olho. - Agora, por que não vão as duas retocar a maquilhagem ou seja lá o que for que as mulheres fazem quando passam três horas na casa de banho? Vin e eu temos um assunto para tratar.

- Que assunto será esse - perguntou Jolie. Nando silenciou-a com um olhar.

- Está bem, está bem, estamos a ir - disse ela, levantando-se apressadamente. Anda, Jenna.

- Ainda há pouco fui - protestou Jenna.

- Vamos - repetiu Jolie. - Os rapazes precisam de ficar a sós. Podemos ir jogar umas moedas em vez de ir à casa de banho. Alguém tem trocos?

- Sabes bem que não gosto que jogues - disse Nando, com o sorriso a desvanecer-se da sua face.

- Grande coisa - disse Jolie. - Slot machines. Posso mesmo vencer a banca não posso?

Nando lançou-lhe outro olhar.

Jenna levantou-se da mesa.

- Espero que estejas a planear pedir desculpas a Andy Dale - disse ela severamente, dirigindo as suas palavras ao marido. - Não faço ideia do que lhe disseste, mas fosse o que fosse, ele não parecia contente quando saiu. Tu embaraçaste-me.

- Eu embaracei-te? - disse Vincent, incredulamente.

- Sim - disse Jenna, ligeiramente insegura.

- Querida - disse Vincent, abanando a cabeça -, se achas que aquilo foi embaraçoso, ainda não viste nada.

- Não gosto quando falas assim comigo - protestou ela.

- É melhor ires, antes que eu diga algo de que me possa arrepender - disse Vincent, acenando-lhe com um gesto de despedida.

Os olhos azuis de Jenna encheram- se de lágrimas. Por vezes não entendia o seu marido nem um bocadinho. Ele não era patrão dela e já era altura de parar de a tratar como a uma empregada.

As duas mulheres saíram.

- Que estás a pensar? - perguntou Vincent, voltando-se para o seu sócio.

Nando pegou no seu copo de champanhe e bebeu um longo trago.

- Tenho uma proposta.

- Sim?

- Sempre fomos sócios e assim - continuou Nando -, por isso não quis fazer nada sem te dar hipótese de entrar no esquema.

- Qual esquema?

- Tenho dois conhecidos que são donos do Manray, um bar de strip. Sabes de que sítio é que estou a falar?

- Sei, é um antro muito manhoso.

- Claro que é - concordou Nando. - Metade das raparigas prostituem-se por fora e as restantes andam metidas na droga. Só que nós temos oportunidade de o comprar e torná-lo um lugar com estilo; tu sabes, juntar-lhe um bom restaurante, miúdas topo de gama. Las Vegas está a mudar, Vin. Nos últimos dez anos tem sido tudo para a familia. Agora que se foda a família, voltámos ao início. Mulheres e jogo. Que achas?

- Quem são os donos?

- Leroy Fortuno e Darren Simmons.

- Meu Deus, Nando - disse Vincent, desgostado. - Esses tipos não são boas peças. Nós temos um negócio limpo. Por que havemos de arruinar a nossa reputação?

- Estou a falar de muito dinheiro - disse Nando, persuasivamente. - O Manray pode ser uma máquina de fazer dinheiro.

- Prostitutas e droga - disse Vincent, abanando a cabeça. - Não é a minha cena.

- Achas que não temos prostitutas a trabalhar agora no hotel e no casino? perguntou Nando.

- Todos os lugares têm. A diferença é que elas estão por sua conta, não estamos a tirar rendimento disso.

- Olha, Vin - disse Nando agitadamente -, eu não vou deixar de aproveitar este negócio. Se não quiseres entrar, associo-me a eles.

- Jolie sabe disto?

- Achas que falo com a minha mulher acerca dos negócios? Não estou completamente louco. Soltou uma das suas enormes gargalhadas. - As mulheres servem para um objectivo na vida e de certeza que não são os negócios.

Ao dirigirem-se para a casa de banho, Jolie e Jenna tinham que passar pelo casino.

Jolie acotovelou Jenna.

- Olha quem está ali - disse ela, propositadamente causando sarilhos.

- Quem?

- O teu namorado, Andy Dale.

- Não digas isso! - disse Jenna, corando. - Ele não é meu namorado.

- Só estou a meter-me contigo - respondeu Jolie, com um sorriso dissimulado.

- Seja como for - perguntou Jenna, tentando parecer indiferente -, onde está ele?

- Numa das mesas de blackjack.

- Oh, meu Deus! - exclamou Jenna agitadamente, incapaz de se conter. Talvez eu devesse ir pedir-lhe desculpa.

- De quê - perguntou Jolie, espantada com o nível de completa inocência de Jenna.

- Do que quer que seja que o meu marido lhe disse para o assustar.

- Tu estavas a namoriscar - realçou Jolie.

- Não estava nada - objectou Jenna.

- A mim pareceu-me que sim.

- Acho que vou lá - decidiu Jenna. - Devia dizer-lhe que Vincent não falava a sério.

- Como queiras - disse Jolie. indiferentemente. - Mas lembra-te, se Vincent descobrir, vais ficar metida em sérios problemas.

- Tu não lhe dirias, pois não?

- Por que haveria de o fazer?

- Porque vocês os dois sois velhos amigos - disse Jenna, rapidamente. - Já o conhecias antes de mim.

- Eu não lhe digo, está bem? - disse Jolie, impacientemente. - Vai lá se achas que deves, mas tenta não fazer figura de parva!

- Onde vais tu estar?

- Na casa de banho a fumar um cigarro - respondeu Jolie. - E não me faças esperar muito tempo. Não seria sensato eu voltar para a mesa sem ti.

Jenna assentiu com a cabeça, a sua face corando de antecipação, e afastou-se para pedir desculpas a Andy Dale.

- Não me magoe - arquejou Dani. - Por favor, não me magoe, faço o que você disser.

O seu coração latejava-lhe no peito enquanto o intruso a agarrava por trás. Era forte e alto - ela conseguia sentir a energia dos seus braços.

Sem emitir uma palavra, as suas mãos desceram-lhe para os seios. Oh, meu Deus! Ele ia violá-la? Era disso que se tratava?

Por que não convidara ela Dean para o seu apartamento? Se ele ali estivesse aquilo não teria acontecido.

O intruso abriu o fecho frontal do seu soutien, libertando-lhe os enormes seios. As pontas dos seus dedos começaram a acariciar-lhe os mamilos. Para seu horror, ela sentiu-se a ficar excitada. A mão esquerda dele manteve-se nos seus seios, enquanto a outra desceu e começou a puxar-lhe a saia.

- Não! - disse ela, bruscamente. - Por favor! Não!

- Por que não? - disse ele. - Disseste que farias tudo o que eu dissesse.

- Michael! - exclamou ela, reconhecendo a sua voz e voltando-se para o encarar. - Seu sacana! Como te atreves a assustar-me?

- Queria ver se davas luta - disse ele, rindo-se.

- Não tens piada - disse ela, esticando o braço para o interruptor. - Eu podia ter tido um ataque de coração.

- Quem, tu? - disse ele, continuando a rir-se. - És forte como um cavalo.

- Não posso crer que me fizeste isto - disse ela, apertando o soutien.

- E eu não posso crer que tu foste novamente encontrar-te com o Sr. Perfeito. Aquele nabo nunca desiste?

- Lá porque tu odeias Dean há anos, não há necessidade de má educação. Se tu querias mandar na minha vida, devias ter casado comigo.

- Se eu tivesse casado contigo, já não fazíamos sexo, pois não?

- Nós não estamos a fazer sexo.

- Quem disse? - exclamou ele, lançando-se atrás dela.

- Que fazes tu aqui? - perguntou ela, empurrando-o. - Não sei nada de ti desde há meses e, de repente, apareces a meio da noite para me assustar.

- Estou aqui. Isso não chega?

- Não. Tratas-me como louco, Michael, depois queres que eu caia agradecidamente nos teus braços como se fosses um presente de Deus.

- Isso parece funcionar connosco, não parece? - disse ele, entrando para a sala de estar. - Quantos anos já se passaram?

- Os suficientes para eu ter juízo - disse ela, desejando que ele não fosse tão bonito.

- Vai um copo? - perguntou ele, dirigindo-se ao bar.

- Serve-te - disse ela sarcasticamente, deitando-lhe outro longo olhar. Sim, ele ainda era o homem mais atraente em que ela alguma vez tinha posto os olhos. O seu cabelo negro estava apenas ligeiramente salpicado de cinzento, estava em excelente forma e sempre soubera vestir-se bem. Alto, moreno e atraente. O fraco dela.

Ele preparou para si mesmo um generoso uísque com gelo.

- De certeza que não queres nada, querida?

- Não sou a tua querida - disse ela, severamente.

- Tu sempre foste a minha querida - respondeu ele. - És a única que esteve sempre ao meu lado através de tudo.

- Sabes, Michael, tu usas-me - queixou-se ela.

- O quê? - disse ele, franzindo o sobrolho.

- As únicas vezes que vens aqui é quando precisas de alguma coisa. O resto do tempo estou por minha conta.

- Isso é treta.

- Não! - interrompeu ela. - São factos. E outra coisa, sempre que começo uma relação, lá vens tu de novo para estragar tudo.

- Não é a minha intenção.

- É, sim.

- É um bocado tarde para nos arrependermos, não é?

- De maneira nenhuma - disse ela, acaloradamente. - Ainda tenho muitos bons anos pela frente.

- Claro que tens, doçura - disse ele, apaziguando a irritação dela. - Ainda és uma mulher extremamente bonita.

Determinada a não se deixar levar pelos seus elogios, como habitualmente fazia, ela fez sobressair o queixo.

- Repito, por que é que estás aqui?

- Queres a verdade, ou que tal se eu inventasse alguma coisa?

- A verdade seria agradável, para variar.

- Está bem, tu é que pediste - disse ele, engolindo a sua bebida. - Tenho um mandado de captura sobre mim.

- Estás a brincar!

- Quem me dera que estivesse.

- Por que motivo?

- O que se passa é isto - disse ele, lentamente. - Estou a ser acusado de matar Stella e o namorado.

Ela ficou a olhar para ele durante longo tempo. Ouvira tantas histórias acerca de Michael e Stella. Muito francamente, não sabia em que acreditar.

- E fizeste-o? - perguntou ela finalmente, com a garganta seca por esse pensamento.

- Que é que tu achas? - respondeu ele.

- Acho que és um homem capaz de tudo.

- Não fui eu, Dani, está bem? - disse ele, bruscamente. - Podes acreditar na minha palavra.

- Já falaste com um advogado?

- Advogados - disse ele, com a voz cheia de desprezo. - Mostra-me um advogado e eu mostro-te um tipo que se senta num escritório todo fino, a somar enormes facturas enquanto come a secretária e os clientes.

- És muito cínico, Michael.

- Não me digas.

- Portanto - disse ela, suspirando -, o que me estás a dizer é que existe um mandado emitido para a tua captura e que és um fugitivo. Certo?

Ele acenou afirmativamente.

- E, dado que estás aqui, no meu apartamento, isso não faz de mim cúmplice?

- Suponho que sim - concordou ele, acenando afirmativamente de novo.

- E é suposto que eu te proteja?

- É mais ou menos isso.

- Ah, está bem, obrigadinha - disse ela, furiosamente. - Não te tenho como marido, mas consigo ter-te como fugitivo.

- Porquê agora esta treta do casamento? - disse ele, irritadamente. - Tu e eu doçura, temos uma relação mais longa do que qualquer casamento estúpido.

Subitamente, ela ficara farta dele. Mais uma vez vinha ter consigo por estar metido em sarilhos e isso, simplesmente, não era justo.

- Vai-te foder, Michael - disse ela, voltando-lhe as costas para que ele não pudesse ver até que ponto a afectava.

- É exactamente essa a minha ideia - disse ele, movendo-se na sua direcção.

- Claro que sim. - Ela desistiu.

E, à medida que ele se aproximava, ela sabia que não havia forma de lhe resistir. Michael era um vício - um com o qual ela nunca conseguira acabar.

O tempo parou para Sofia enquanto ela voava pelo ar, esperando para ver se batia na água ou no cimento.

Grande merda! pensou. Que maneira de morrer. A fugir de dois espanhóis velhos e excitados. Não é assim que devia ser. "

Se me safar, prometeu a si mesma, volto para casa. Já chega desta treta! " Então, chocou com a água e o alívio foi esmagador.

Sentiu-se afundar, afundar, afundar...

Estaria prestes a bater no fundo da piscina? A esmagar o crânio? Até onde teria que chegar antes de começar a emergir?

Oh, meu! Isto era tão de loucos.

Depois, subitamente, chegou à superfície, arfando com falta de ar, com os pulmões cheios de água.

Consegui, consegui, pensou ela, triunfantemente, subindo para a borda da piscina e arrastando-se para o cimento frio, onde sucumbiu.

Raios partam, consegui! Consegui!

Ficou deitada no chão por um momento, reunindo forças. Depois rolou sobre si mesma e olhou para cima.

Paco estava debruçado do terraço, com uma expressão de espanto na face.

- Vai-te foder, cabrão! - gritou ela. - Vou chamar a porra da Polícia. E se eles não fizerem nada, trago o meu pai e ele dá-vos um enxerto de porrada. Seus filhos da puta!

Perguntou a si mesma se ele teria percebido. Provavelmente, não. O nabo não falava inglês.

Que deveria ela fazer agora? a pé para casa? A sua bolsa com tudo lá dentro, incluindo o passaporte e o dinheiro, ainda estavam no apartamento.

Lembrava-se de ter visto um porteiro quando entrara no edifício, pelo que, logo que sentiu que se conseguia ter de pé, levantou-se e caminhou até ao átrio.

O porteiro olhou-a alarmado ao vê-la aproximar-se do balcão da portaria.

Ela sabia que devia ser uma visão estranha, completamente encharcada e com um brilho de fúria nos olhos.

- Vá ao apartamento da cobertura - ordenou ela - e traga a minha bolsa. Se os cretinos que lá estão não lha derem, diga-lhes que chamo a Polícia.

- Quê? - disse o homem, piscando nervosamente o olho.

- O apartamento. A minha bolsa - repetiu ela. - Vá buscá-la. Ele continuava sem compreender.

Ela começou a tremer incontrolavelmente. Podia estar meia afogada e incapaz de falar a língua, mas estava verdadeiramente furiosa e se aquele asno não se despachasse, ela estava prestes a começar a gritar e desencadear mesmo um motim.

- Faça-o! - gritou ela. - Faça-ojá!

 

                   Michael 1964

- Quem é aquela tipa? - perguntou Michael, com o seu olhar fixo na esbelta loira com um corpo incrível que erguia as pernas num dos cantos da linha de dançarinas.

Manny Spiven nem se deu ao trabalho de olhar.

- Só mais uma das gajas de las Vegas - riu-se ele, divertido com a sua própria escolha de palavras.

Michael alvejou-o com o olhar. Não gostava de Manny, mas negócios eram negócios e como agora trabalhava a tempo inteiro para Vito Giovanni, tinha de lidar com ele.

Esta era a sua terceira visita a Las Vegas nas últimas três semanas. Dava-lhe algum prazer ser o correio de confiança de Vito - porque basicamente era esse o seu trabalho, entrega de pacotes em mão. Não sabia o que estava lá dentro, embora suspeitasse de que era dinheiro, e não havia problema - não havia nada de errado em passar dinheiro de um estado para outro.

As coisas tinham mudado consideravelmente nos últimos meses. A venda da loja e da casa por Vinny fora um grande choque.

Agora tens que ficar por tua conta, informara-o Vinny. A tua avó estragou-te com mimos, tornou-te mole, já é altura de endureceres. Pouco depois desse encantador discurso, ele entregou ao filho trezentos dólares e partiu para a Florida com todo o dinheiro das vendas.

Ao princípio, Michael não conseguia acreditar: a avó Lani não teria apenas dado uma volta no túmulo. Ela nunca imaginaria que Vinny vendesse tudo e o deixasse no meio da rua, apenas com uns míseros trezentos dólares. Ela teria querido que fosse ele a ficar com a loja e com a casa, não Vinny.

Felizmente, ele amealhara alguns dos seus lucros dos últimos anos - não era muito, mas sempre era melhor do que nada.

Max viera em seu auxilio, convencendo a mãe a deixá-lo ficar na sua casa por uns dias, enquanto ele procurava um lugar para viver. Não tinha nenhuma ideia do que iria fazer a seguir. Com trezentos dólares e mais as suas poupanças não iria muito longe.

Depois, Mamie Giovanni convidara-o parajantar; essencialmente para o informar que Vinny era um sacana inútil, sempre o fora, que não estava surpreendida por ele se ter comportado como uma besta egoísta e gananciosa.

Uma semana mais tarde, Vito convocara-o para a sua casa e sugerira que trabalhasse para ele a tempo inteiro.

- A fazer o quê? - perguntara ele, desconfiado.

- Tudo o que eu quiser - respondera Vito, com um riso astuto.

- Não vou ser um dos seus guarda-costas - dissera ele, ousadamente. - Não é o meu estilo.

Mais uma vez, Vito rira-se.

- Um vadio como tu, esquece. Tenho outras coisas em mente para ti. Quando falara a Max do seu novo emprego, o seu amigo recuou de horror.

- Ele é um raio de um gangster Mike. Para que é que queres andar envolvido com ele?

- Porque preciso de fazer dinheiro.

- Tens que ter em conta as consequências.

Que se lixassem as consequências. Ele precisava de um emprego e Vito era o único a oferecer-lhe um.

Uma semana depois, estava num avião para Las Vegas - um lugar que apenas vira nos filmes.

Las Vegas deixou-o fascinado: a longa parada de luzes de néon e os gigantescos palácios de jogo, já para não falar das belíssimas bailarinas, dos grandes hotéis e dos espectáculos sumptuosos.

Manny Spiven era o seu contacto no Hotel Estradido, no qual Vito tinha negócios. Odiavam-se mutuamente. Manny era baixo e gordo, com cabelo castanho oleoso, pele picada das bexigas, olhos grandes e assustadores e um coxear permanente. Era a esse coxear que Manny devia a sua fama. Dizia-se que fora alvejado na coxa ao proteger Philippe Estradido, o dono do hotel, de uma emboscada da mafia. Manny era um empregado de estacionamento nessa altura. Depois disso, a sua sorte mudara para melhor e agora trabalhava a tempo inteiro para o Sr. Estradido, fazendo uma coisa ou outra.

Com vinte e um anos, Manny tinha mais dois do que Michael e usava essa diferença como uma espada, afirmando que ele sabia tudo e Michael não sabia nada.

- Se sabes assim tanto - disse Michael, transferindo a sua atenção da deleitante loira no canto da linha de dançarinas para Manny -, o que é que está dentro dos pacotes que nós trocamos?

Os pequenos e estrábicos olhos de Manny viraram-se em todas as direcções, receoso de que alguém ouvisse.

- Estás a gozar? - disse precipitadamente.

- Não - disse Michael, perguntando a si mesmo se Manny realmente saberia.

- Isso n'é pergunta que se deva fazer.

- Mas sabes ou não?

- Fode-te - resmungou Manny. - Achas que t'bufava s'soubesse?

- Então, não sabes.

- Fode-te! - repetiu Manny, carrancudamente.

Estavam sentados numa mesa dianteira da sala Starburst, assistindo ao decadente espectáculo, que era composto por um cansado cantor negro, um comediante pouco engraçado e um corpo de baile formado por mulheres mal encaradas e excessivamente maquilhadas, com excepção da loira na ponta, que não tinha nada a ver. Michael podia ter apenas dezanove anos, mas tinha olho para escolher o melhor e esta era um petisco.

Apenas uma vez dormira com uma mulher em Las Vegas e fora na sua primeira viagem. Acabara por se revelar uma experiência infeliz: a rapariga transmitira-lhe chatos e a consequente comichão nas virilhas tinha-o posto louco até conseguir obter de um farmacêutico um creme de cheiro desagradável, que teve de esfregar em toda a zona púbica. Depois desse incidente singular, concluíra que todas as raparigas em Las Vegas estavam provavelmente infestadas de doenças sexuais. Demasiada acção, demasiados jogadores. Além do mais, quem precisava delas? Tinha suficientes raparigas em Nova Iorque para o manterem ocupado nos cinco anos seguintes.

Embora tivesse que admitir que a loira do corpo de baile poderia fazê-lo mudar de ideias. Era tão bonita e com um aspecto tão fresco, completamente diferente das outras dançarinas.

Manny gabava-se de conhecer todas as dançarinas, vendedoras de cigarros e empregadas de mesa em Las Vegas. Isso, claro, era mentira. Quando o conheciam mesmo, saíam a correr mal o viam aproximar-se. Contrariamente, Michael conseguia meter conversa com qualquer uma delas. As mulheres estavam sempre disponíveis para falar com ele, ele tinha jeito. Além disso, ele fora extremamente abençoado no que ao aspecto dizia respeito e também não saía prejudicado pelo facto de possuir o dom do charme.

Chegara a ver fotografias do seu pai antes de ele ser alvejado: Vinny também fora atraente. Mamie, obviamente, também pensara o mesmo.

Quando o espectáculo acabou, transmitiu a Manny que estava cansado e planeava deitar-se cedo.

- Não vens aos dados? - perguntou Manny, pouco interessado em conhecer a resposta.

- Não, o meu patrão não quer que eu jogue enquanto estiver cá. Esta viagem é só de negócios.

- Oh, fodam-se os negócios! - disse Manny, coçando o nariz. - Lixas umas centenas, mamas algum; qual'é a diferença?

- A diferença é que ele não quer que eu o faça.

A verdade é que ele desconfiava que Vito pouco se preocupava com o que ele fizesse, desde que efectuasse uma entrega e uma recolha seguras.

Manny encolheu os ombros e resmungou algo acerca de não ter tomates por entre os dentes. Depois trocaram pacotes, Manny assinou o recibo e desapareceu na noite com um passo indolente. Michael deu a volta ao confuso casino, seguindo até à porta de serviço dos artistas, por onde sabia que as dançarinas acabariam por sair.

Ainda não decidira o que lhe iria dizer, apenas sabia que algo lhe iria ocorrer quando ela surgisse.

Acendendo um cigarro, começou a andar impacientemente de um lado para o outro, pensando que talvez recorresse à muito usada frase de: Não a conheço? Se não, estou certo de que conheço a sua irmã, porque você é exactamente como ela. Era uma frase pateta que sempre funcionara.

Dez minutos mais tarde, saiu a bonita loira com outra rapariga. A amiga tinha longo cabelo castanho, grandes mamas e os dentes de cima salientes.

Ele manteve-se à distância, observando-a por um momento. Sem o traje de palco ela era ainda mais bonita do que ele pensara e muito jovem.

Demasiado jovem? Não, no ponto certo.

As duas raparigas ficaram paradas a conversar, depois, exactamente quando ele decidira que era o momento de agir, apareceu um tipo ruivo em motocicleta e a loira disse adeus à amiga, trepou para a parte de trás da mota e partiu.

- Merda! - resmungou ele por entre os dentes. Aquilo era o que se podia chamar falta de sentido de oportunidade.

A rapariga dos longos cabelos castanhos e das grandes mamas continuava parada. Sem perder mais tempo ele aproximou-se.

- Ei... desculpe, menina - disse ele, educadamente. - Não foi a Sarah que acabou de sair na mota?

- Quem? - disse ela, deitando-lhe um olhar e gostando do que estava a ver.

- Sarah... É uma rapariga que conheço de Nova Iorque.

- Deve estar a falar de Dani.

- A sério? - disse ele, parecendo surpreendido. - É tal e qual a Sarah. Talvez sejam irmãs.

- Pode ser.

- Por acaso não tem o número de telefone dela?

- Ah, pois - disse ela, rindo-se. - Como se eu lhe fosse dar a si o número de telefone dela.

- Por que não?

- Um gajo qualquer para o engate. Deve estar a brincar.

Ele lançou-lhe o seu olhar inocente, aquele que o fazia sempre marcar pontos.

- Não tenho ar de quem merece?

- Não - disse ela, abanando a cabeça, com os longos cabelos castanhos rodopiando-lhe sobre os ombros.

- Mereço, sim - disse ele, ligando o seu encanto. - Sabe que mereço. Ela não pôde evitar um risinho. Já a tinha.

- Então, quem era o tipo da moto? - perguntou ele, de forma indiferente.

- Dani vive com ele - disse a rapariga. - O que significa que você está sem sorte. - Fez uma pausa momentânea, depois acrescentou: - Mas eu estou livre.

- E é muito bonita também - disse ele. - O problema é que viajo de avião amanhã cedo. Sabe como é.

- Nem por isso - disse ela, pestanejando.

- Tenho que voltar a Nova Iorque. Negócios, sabe.

- Pena. - disse ela, lançando-lhe um olhar do tipo por que-não-fica?

- Pois - concordou ele. - Estarei de volta em breve.

- Apareça e procure-me - disse ela, com a devida nota de interesse. - O meu nome é Angela. Podemos dar uma volta.

Perguntou a si mesmo se deveria aproveitar a oportunidade com Angela, que estava decididamente pronta para tudo. Depois decidiu que não.

Dani. Era esse o nome que tinha permanecido.

Estava determinado a conhecê-la na sua viagem seguinte.

- Que tal estava Las Vegas? - perguntou Mamie, com um cigarro pendente dos seus lábios escarlate e um copo de vodca balançando na mão. Estava recostada no sofá da sala de estar dos Giovanni, usando uma saia de couro que era demasiado curta, uma ligeira blusa transparente e sapatos vermelhos.

Ela deve ter quase cinquenta anos, por amor de Deus! ", pensou Michael. Por que é que não se veste de acordo com a idade?

- É um lugar fantástico! - respondeu ele. - Mas, diga-se a verdade, não é Nova Iorque.

- E que tal as miúdas? - questionou Mamie, soprando uma baforada de fumo na sua direcção.

- Não são más - respondeu ele, num tom descomprometido.

- Como é que tu ainda não arranjaste uma gaja séria? - quis ela saber. - És suficientemente grande e muito giro.

- Porquê comprar a vaca quando se pode ter o leite de graça? - disse ele, citando a sua avó.

A sua resposta fê-la soltar o riso.

- Assim é que é, meu garanhão! - disse ela, com um piscar de olho atrevido.

- Não ias querer ter uma dengosa choramingona agarrada a ti, ou ias?

- Não - concordou ele. - Não ia querer isso.

Desejou que Vito aparecesse, para lhe poder entregar o pacote e se pôr dali para fora. Sendo boa para ele como era, havia ocasiões em que Mammie o fazia sentir constrangido e aquela era uma delas.

- Então, diz-me, Mikey - disse ela, inspirando profundamente pelo seu cigarro -, as miúdas que comes percebem alguma coisa daquilo que estão a fazer?

Ele nem podia acreditar que ela lhe estivesse a fazer uma pergunta tão pessoal.

- Quê? - resmungou, desejando que ela mudasse de assunto.

- Tu sabes do que estou a falar - disse ela, cruzando as pernas. - Elas fazem-te mesmo passar um bom bocado ou só estão a pensar nelas próprias?

- Sr G... - começou ele.

- Não me venhas com o Sr G. - interrompeu ela. - Já é altura de me chamares Mamie. E sabes perfeitamente onde eu quero chegar. - Fez uma pequena pausa; depois: - Elas chupam-te como tu gostas? Ou é a noite dos amadores?

- Cristo!

- Oh, por amor de Deus, deixa-te de vergonhas - disse ela, apagando o cigarro. - Não faz o teu género.

- Obrigado.

- Consegues fazê-las virem-se? - perguntou ela, inclinando-se para a frente, com um brilho nos olhos fortemente pintados. - Aposto que és um touro entre os lençóis.

Foi salvo pelo surgimento de Vito, que entrou apressadamente na sala, baixo e entroncado, sugando um cigarro, vestido com um smoking de veludo verde-escuro, calças verdes e sapatos de verniz negros. Vito considerava-se a si mesmo um especialista da moda.

- Tens tudo, miúdo? - perguntou, arquejando e tossindo enquanto atravessava o quarto.

- Claro que sim, Sr. G.

- Bom, bom - disse ele, agitando o cigarro no ar. - Dá-mo, dá-mo. Vito tinha o hábito de repetir as palavras, como se dizê-las uma vez não fosse suficiente:

Michael entregou-lhe o grande envelope castanho que tinha consigo e esperou pelo seu pagamento, que era sempre em dinheiro. Vito transportava sempre, nalguma parte do seu corpo, um espesso monte de notas.

Vito tacteou no seu bolso e fez aparecer o habitual maço.

- Houve algum problema? - perguntou.

- Não - respondeu Michael, pensando: Como é que pode haver problemas com um trabalho tão simples?

- Tens a certeza?

- Sim, tenho a certeza.

- Olá, querido - cantarolou Mamie, acenando com uma mão coberta de anéis ao marido. - Já que estás a dar dinheiro, que tal aqui à tua pobrezinha?

- Que é que estás a fazer a beber tão cedo? - rosnou Vito, lançando-lhe um olhar desaprovador.

- Estou só a ser sociável - respondeu ela.

- Sociável, o caraças! - resmungou Vito. - Estás a virar uma bêbeda.

- Querido!

Ignorando-a, ele voltou-se novamente para Michael.

- Tenho a sensação de que devias começar a andar com uma fusca - disse.

- O quê?

- Uma fusca. Uma arma. Bang-bang. Sabes de que é que estou a falar? Michael franziu o sobrolho. Usar uma arma não estava na lista de coisas que ele achasse que devia fazer.

- Bem, hem...

- Alguma vez disparaste uma arma?

- Não, Sr. G.

- É melhor aprenderes. Arranjo-te um encontro com alguém que te ensine.

- Acha mesmo que...

- Agora trabalhas para mim, miúdo - interrompeu Vito. - Estes são tempos difíceis, é preciso estar preparado para tudo e quero dizer mesmo tudo. Percebes?

Ele percebeu.

 

                   Dani: 1964

Quando Dani estava a poucas semanas do seu décimo sétimo aniversário, concluiu que continuar a depender da companhia de Sam não era saudável para nenhum dos dois. Ambos tinham que seguir em frente.

O grande problema era que, sempre que ela falava em mudar-se, Sam rompia em lágrimas, o que a fazia sentir-se completamente culpada.

Angela, a sua amiga do corpo de baile, aconselhou-a.

- Sam não é tua responsabilidade. Ele espera que tu lhe faças tudo e isso é uma loucura. Não é como se ele fosse teu namorado ou algo parecido, ou é?

- Não - respondeu ela, hesitantemente.

- Então, tens de o despachar - disse Angela, erguendo o queixo num gesto decidido. - Eu preciso de uma nova colega de quarto e vais ser tu.

A motivação de Angela era obviamente egoísta, mas, mesmo assim, Dani sabia que ela tinha razão. Continuar a viver com Sam não era uma boa ideia e, ainda que eles não fossem namorados, ele era terrivelmente possessivo. Todos os dias ele insistia em levá-la ao trabalho na sua motocicleta e todas as noites a esperava junto à porta dos artistas para a levar a casa. Ela não podia fazer nada sem que ele lhe fizesse perguntas e começava a sentir-se sufocada. Como realçara Angela, não era como se ele fosse seu namorado e embora ela tivesse optado por manter os homens à distância, concluíra que podia ser interessante pelo menos tentar ter um encontro. Todas as outras raparigas do corpo de baile falavam constantemente de homens - era a sua obsessão. Ao fim de pouco tempo, ela começara a sentir-se completamente posta de parte.

Quase todos os dias ensaiava, na sua cabeça, conversas em que informaria Sam da sua partida iminente.

Ah, olá, Sam. Acho que é melhor para os dois que eu me mude. Assim, tentaremos ter um relacionamento mais normal.

Sabes, Sam, não achas que já é altura de começares a sair com outras raparigas? Afinal, Emily nunca mais vai voltar. "

Não, não é bom. Qualquer referência a Emily e ele ficaria louco. Relutantemente, decidiu que o melhor seria dizer a verdade: Sam, vou-me embora. É a atitude mais correcta. "

Ainda assim, ela não se conseguia convencer a dizer-lho, era demasiado incómodo. O desaparecimento de Emily fora excepcionalmente triste para ambos e, porque ele a amava muito, ainda mais difícil de suportar para Sam.

O corpo de baile do Hotel Estradido não era de maneira nenhuma o de melhor nível da cidade. O próprio hotel não se podia comparar com os grandes hotéis como o Stardust, o Sands e o Desert Inn. O Estradido era propriedade de mafiosos e todos sabiam disso. Jogadores foleiros iam lá e perdiam o seu dinheiro. Isto servia os objectivos de Philippe Estradido na perfeição. Tudo o que ele queria era o dinheiro deles; não precisava de estrelas de cinema, nem de grandes empresários a aparecerem no seu hotel.

Dani era de longe a rapariga mais bonita do corpo de baile. Isso não a tornava especialmente popular entre as outras mulheres, que eram maioritariamente veteranas, à excepção de Angela, que era suficientemente jovem para não se sentir ameaçada.

- É isto o que tu precisas - disse-lhe Angela, uma noite, enquanto estavam sentadas diante do seu toucador comunitário, preparando-se para o espectáculo da noite. - Um garanhão bonito que te tire as teias de aranha e te faça acordar. Meu Deus, miúda, se não fazes alguma coisa depressa, acabas por ficar para tia.

Angela não fazia ideia de que Dani ainda tinha apenas dezasseis anos: como toda a gente, Angela estava convencida de que ela tinha quase vinte.

- Na verdade - continuou Angela -, uma destas noites estava um tipo junto à porta dos artistas que seria perfeito para ti. - Fez uma pequena pausa. - Claro, eu tentei candidatar-me, mas, se ele voltar, vou ser generosa e dar-te a primeira tentativa.

- Quem era ele? - perguntou curiosamente Dani, sem ter grande certeza de que queria a primeira tentativa.

- Lindo de morrer! - exclamou Angela, aplicando as densas e negras pestanas falsas com uma mão experiente. - É tudo o que precisas de saber.

- Não sei se estou preparada - começou Dani.

- Oh, porfavor - disse Angela, com as compridas pestanas falsas firmemente no seu lugar. - Estou farta de te ouvir dizer isso.

- Desculpa - murmurou ela.

- Bom - disse Angela, regressando ao seu raciocínio. - Quando é que dizes a Sam que te vais mudar para o meu apartamento? Porque se não o fizeres em breve, vou ter de arranjar outra pessoa.

- Esta semana - disse ela, rapidamente.

- Prometes? - disse Angela, esticando o braço na direcção do seu diminuto traje.

- Sim, prometo - disse Dani, decidindo que falaria com Sam em breve. Alguns dias depois, cozinhou para Sam o seu prato preferido. Sentaram-se à mesa da cozinha a comer frango e batatas fritas, enquanto Frank Sinatra lhes fazia uma serenata na aparelhagem de som. Ao fim de um bocado, ela abordou o assunto.

- Sam, eu, ah... vou-me mudar - arriscou ela.

Ele fingiu que não a ouvira.

- Estás a ouvir-me? Vou-me embora - repetiu ela. - A Angela precisa de uma companheira de quarto e eu decidi que é melhor para mim ir viver com ela.

- O quê? - disse ele, enrugando a testa.

- Vou partilhar um apartamento com a Angela - disse ela, falando depressa.

- Quer dizer, eu e tu continuaremos amigos e isso, e virei ver-te muitas vezes, mas ambos temos que começar a sair e conhecer outras pessoas.

- Porquê? - disse ele, pousando o garfo.

- Porque neste momento dependemos demasiado um do outro. Ele fitou- a por alguns momentos.

- É assim que me queres tratar? - disse, finalmente. - Dizendo-me que me vais deixar sozinho?

- Claro que não - disse ela, pacientemente. - Só que sinto que será melhor assim.

- Não, Dani - disse ele, furiosamente -, não será. És demasiado nova para ficares por tua conta. É minha função assegurar que não te metes em sarilhos.

- Estou farta de te dizer, Sam - disse ela, já exasperada -, posso ser nova em idade, mas sei o que se passa à minha volta. Posso cuidar de mim mesma.

- Emily também achava que podia cuidar de si mesma e olha o que lhe aconteceu - realçou ele. - Tu precisas da minha protecção.

- Não sabemos o que lhe aconteceu, ou sabemos? - disse Dani.

- Pode estar em qualquer lugar - respondeu ele, com uma expressão carregada.

- Pode ter sido apanhada por traficantes de carne branca e levada para... sei lá; um desses países onde põem as raparigas em bordéis. Por acaso, tu sabes o que é um bordel?

- Sim.

- É isso que desejas para ti mesma? - disse ele, asperamente. - Alguém que te espete uma agulha no braço, te meta clandestinamente num barco e te leve para um país estrangeiro?

- De que é que estás a falar?

- É o que provavelmente aconteceu a Emily - disse ele, friamente.

- Olha, Sam - disse ela, determinada a não se deixar amolecer -, eu gosto muito de ti. Tu salvaste-me e nunca o esquecerei. Agora tenho que ir.

- Não, não tens - disse ele, teimosamente. - Porque, se o fizeres, eu digo-lhes a tua idade e tu perdes o emprego.

- Tenho quase dezassete anos, Sam - disse ela, incomodada pela sua fraca tentativa de chantagem. - Nessa altura já poderei trabalhar.

- Sim, mas vão perceber que lhes mentiste este tempo todo, portanto, despedem-te à mesma.

- Por favor, não me ameaces - disse ela, perto das lágrimas. - Eu quero que fiquemos amigos.

Ele empurrou o prato e levantou- se.

- E se eu quiser mais do que isso?

- Desculpa? - disse ela, estarrecida.

- E se eu quiser que sejamos mais do que amigos? - perguntou ele. - Não achas que me deves isso?

Ela tentou fingir que não percebera onde ele queria chegar, mas percebera demasiado bem e isso fê- la encolher-se. Sam era o marido de Emily e nunca pensara nele de uma forma física.

- Mudo-me na próxima semana - disse ela, começando a empilhar os pratos.

- Não me podes fazer isto - disse ele, lamentosamente.

- Não te estou a fazer nada - disse ela, desejando que ele parasse de a fazer sentir-se culpada.

- Estás, sim.

Ela inspirou longa e profundamente e proferiu as suas palavras finais sobre o assunto.

- Na próxima segunda-feira, Sam. Vais ter de o aceitar.

Uma semana depois mudou-se.

- Então, vais mesmo fazer isto? - disse ele, fitando-a com um brilho malévolo nos olhos enquanto ela carregava as suas duas malas até à entrada.

- Eu disse-te que sim.

- Não posso acreditar - resmungou ele.

- Vai correr tudo bem - assegurou- lhe ela. - Provavelmente, vou passar mais tempo aqui do que na minha própria casa.

- Não te incomodes - disse ele, mal humorado.

O apartamento de Angela ficava no quinto andar de um belo complexo de edifícios. Dani ficou impressionada e também um pouco surpreendida por Angela poder dar-se ao luxo de viver num lugar tão bom. Tinham conversado acerca da quantia com que ela contribuiria para a renda, mas, mal viu o apartamento, ela percebeu que não podia ser suficiente.

- Não te preocupes com isso - disse Angela, jovialmente, quando Dani puxou o assunto. - Um dos meus namorados é dono do edifício. Ele arranjou-me um negócio especial.

Angela tinha muitos namorados, mas, tanto quanto Dani podia dizer, nenhum deles significava muito para ela.

- Tipos excitados há-os a dez cêntimos a dúzia - explicou Angela. - Usa-os para o que quer que consigas tirar dos desgraçados, depois segue em frente.

- Eu gostava de encontrar alguém especial - disse Dani, melancolicamente, recordando o que Sam e Emily em tempos tinham partilhado.

- Continua a sonhar! - exclamou Angela. - Os homens só andam atrás de uma coisa. E logo que a conseguem, passam à história.

- Certamente deve haver alguns tipos simpáticos por aí.

- És tão ingénua - disse Angela, desdenhosamente. - Aposto que nunca dormiste com um homem sequer, pois não?

Dani abanou a cabeça.

- Ah! Deves ser a única virgem de vinte anos em Las Vegas.

Por um momento, Dani sentiu-se tentada a dizer-lhe a sua verdadeira idade, depois decidiu não o fazer. Angela poderia não a querer como companheira de quarto se ela revelasse a verdade.

Duas noites depois, Angela informou-a de que iam sair num encontro a quatro.

- Vamos? - disse Dani, arregalando os olhos com a ideia.

- Dois tipos que são umas brasas, vai ser o máximo! - assegurou-lhe Angela. Ao longo de quase quatro anos, Dani repelira todos os avanços; agora, Angela esperava que ela fosse sair com um estranho num encontro às cegas. Não fazia sentido, mas ela receava passár por má companheira. Além do mais, decidira descobrir porquê tanto espalhafato relacionado com o sexo masculino.

Angela emprestou-lhe um sexy top de fio dourado e brincos de cristal.

- Sê simpática com o tipo - instruiu-a Angela. - Diz-lhe que é um garanhão e merdas dessas. Eles adoram ser lisonjeados.

- Mas eu nem o conheço - objectou Dani.

- Vais conhecer! - disse Angela, com uma risada grosseira.

A parte de Dani no encontro era baixo e gordo, com cabelo oleoso e as maiores orelhas de abano que ela já vira. O seu nome era Manny Spiven e no momento em que abriu a boca ela percebeu que cometera um grande erro ao concordar em acompanhar Angela naquela aventura.

Henry, o que estava com Angela, era magricela, com longos cabelos lisos e óculos escuros de aviador empoleirados no extremo do seu longo e pontiagudo nariz.

- Henry anda a aprender a ser traficante - vangloriou-se Angela. - É um trabalho muito importante.

- Não faças disso a minha principal virtude - objectou Henry, com uma piscadela de olho. - Tenho outros predicados, tu sabes.

- Oh, sim - disse Angela com um riso baixo e seco. - E eu estou desejosa de os conhecer!

- Podemos certamente tratar disso - disse Henry, antes de voltar a sua atenção para Dani. - Então, há quanto tempo tás na cidade, fofa?

- Tempo suficiente para saber que é mais seguro evitar-te - disse Angela, rindo-se.

- Porquê? - disse ele, orgulhosamente. - Achas que tenho má fama?

- Tu sabes que tens - retorquiu Angela, o que agradou muito a Henry. Manny decidiu que era o momento de se juntar à conversa.

- Qu'tal miúda? - disse ele, lançando um olhar a Dani. - Tás a curtir? Porque eu tou a curtir à séria. Esta noite vamos rebentar tudo, minha menina. Tu e eu, Dani e Manny, g'anda combinação!

Encurralada, pensou Dani. Estou encurralada. Como é que me deixei apanhar nesta posição?

Porque queria agradar à Angela. Queria mostrar-lhe que não sou uma rapariga ingénua que não sabe como comportar-se.

- Onde vamos jantar? - perguntou Angela, pendurando-se do braço de Henry.

- Onde quiseres, boneca - respondeu ele.

Não querendo ficar atrás, Manny agarrou o braço de Dani.

- Eu alinhava num grande bife - anunciou ele. - Eu e a minha chavala vamos precisar de toda a energia possível, n'é, miúda?

À medida que a noite passava, Dani concluiu que as coisas depressa iam de mal a pior. Primeiro foi o jantar, no qual Manny demonstrou as maneiras à mesa de um macaco, mastigando o seu bife como um homem das cavernas privado de comida. Isso foi seguido por uma longa sessão de jogo nas slot machines do Sands. Quando Manny e Henry finalmente acabaram, sugeriram um pequeno passeio em volta da grande piscina exterior, durante o qual Manny a agarrou num abraço forte, com as suas mãos sapudas a percorrerem-lhe os seios.

- Sai de cima de mim! - disse ela, empurrando-o.

- Não me lixes com essa merda de te fazeres difícil - escarneceu ele. - Tu sabes que me queres.

- Oh, porfavor- disse ela, acaloradamente. -Nunca quis e nunca hei-de querer. Ele não gostou da sua resposta.

- Quem raio pensas que és? - disse ele, colericamente. - Uma dançarina estúpida num espectáculo rasca. Tens sorte de sair com um tipo como eu, não t'esqueças disso.

Henry e Angela tinham-se afastado deles e estavam agora parados junto ao vazio bar exterior, unidos num profundo beijo de língua. Obviamente, não adiantava tentar atrair a sua atenção.

- Vou-me embora - disse Dani, tentando manter-se calma.

- Não, sem pagares o jantar - disse Manny, franzindo o sobrolho. - Não vou ficar encravado com a tua parte da conta. A verdade é que me deves.

- Desculpa - disse ela, escandalizada.

- Ouviste bem - disse ele, agarrando-a de novo.

- Tira... essas... mãos de cima de mim! - disse ela, debatendo-se para sair do seu abraço.

- Que é que se passa com as gajas boas? - rosnou ele. - Vocês são todas iguais; acham que vos devemos tratar como o caralho de uma princesa.

- Quanto custou ojantar? - perguntou ela, tentando desesperadamente controlar uma torrente de lágrimas.

- O quê? - disse ele, bruscamente.

- Pega - disse ela, tacteando às cegas na sua bolsa e estendendo- lhe um punhado de notas de dólar. - Fica com isto; e faz-me um favor. Esquece que nos conhecemos. - E com isso começou a afastar-se.

- Cabra arrogante! - gritou-lhe ele. - Vais ter o que mereces. Ela não olhou para trás.

 

                   Michael: 1964

Em Nova Iorque as coisas estavam a aquecer. Vito Giovanni viu-se subitamente nos cabeçalhos dos jornais. Os agentes federais, que acompanhavam as suas actividades há algum tempo, tinham decidido persegui-lo com uma acusação de evasão aos impostos e isso estava a enfurecê-lo.

Os seus poderosos advogados asseguravam-lhe que a Polícia não tinha como o incriminar, mas, entretanto, os jornais atrelaram-se a ele. Começaram a chamar-lhe todo o tipo de nomes e a persegui-lo. Sempre que saía de casa havia um monte de fotógrafos reunidos à porta, empurrando-se e acotovelando-se para conseguirem a melhor fotografia.

Mammie adorava a atenção.

- Faz-me sentir como uma estrela de cinema! - exclamou ela, experimentando outro vestido caro recentemente comprado.

- Não te sintas - disse-lhe Vito, de face carrancuda. - No meu tipo de negócio o truque está em não aparecer nos jornais.

- Mas, querido - respondeu ela, brincando com o caso -, somosfamosos.

- Que se foda a merda da fama! - rosnou ele. - Quem é que precisa de estar no centro das atenções?

Entretanto, Michael aprendia a usar uma arma. Vito combinara com um homem alto e corpulento, conhecido como Chronicle, para o ensinar. Juntos, iam de carro até um campo de tiro, três manhãs por semana, onde o Chronicle lhe ensinava tudo sobre como usar e disparar uma arma.

- É como se estivesse a ter um curso acelerado - vangloriou-se Michael a Max, ao ir buscá-lo ao emprego. Max, que trabalhava agora como vendedor de calçado de senhora numa loja económica da Sétima Avenida, lançou-lhe um olhar desaprovador.

- Por que é que queres aprender a disparar? - perguntou, coçando a cabeça.

- Tenho de saber proteger-me - explicou Michael, enquanto começavam a descer a rua.

- De quê?

- Nunca se sabe - respondeu Michael, com um encolher de ombros indiferente.

- Pois - disse Max, bastante exasperado. - Suponho que tenhas de te proteger de todos aqueles bandalhos com quem andas.

Max estava sempre a disparatar acerca da ligação de Michael à família Giovanni. Isso lixava-o. Até ao momento, a sua pretensa ligação não lhe trouxera outra coisa senão dinheiro.

- Começas a parecer-te com a minha avó - observou ele.

- Obrigadinho!

- Não tens de quê.

Continuaram a descer a rua, ambos embrenhados nos seus próprios pensamentos. Por que é que estou a aprender a disparar? ", pensava Michael. É uma coisa um bocado louca e o Chronicle é um completo anormal, com aquele olhar de carneiro mal morto e comportamento sinistro. Mas, enfim, se o Sr. G. quer que eu aprenda, tenho de alinhar. Ele é o patrão. "

Max pensava em outras coisas. Tinha algo para dizer a Michael e queria resolver o assunto tão depressa quanto possível, antes que Michael soubesse através de outra pessoa.

- Ei... eu tenho novidades - arriscou, finalmente.

- Sim? - disse Michael, acenando a uma rapariga que conhecia. Max hesitou por um momento: não estava seguro quanto à reacção que iria encontrar.

- A Tina e eu - deixou ele escapar finalmente -, nós vamos... eh... casar daqui a algumas semanas.

Michael parou de imediato.

- O quêêê?

- Ouviste bem-disse Max, rapidamente. -E eu gostava que fosses o meu padrinho.

- Oh, deixa-te disso - disse Michael, incrédulo. - Vocês ainda mal ficaram comprometidos.

- Decidimos que não queremos esperar.

- Estás tolo - disse Michael, bruscamente. - Não te podes dar ao luxo que te enforquem.

- Posso fazê-lo - respondeu teimosamente Max.

- Cristo - disse Michael, desgostado. - Ainda nem tens vinte anos, trabalhas numa porcaria de uma loja de sapatos de senhora e ainda vives com os teus pais. Que é que tu tens para oferecer a uma rapariga como a Tina?

- Suponho que nunca tenhas ouvido falar de estar apaixonado - disse Max, defendendo a sua decisão. - Eu não sou como tu. Sr. Fode-as e Deixa-as. Eu sou diferente.

- Tá bem - disse Michael, inexpressivamente. - Podes crer que és diferente. És um nabo!

- É melhor do que ser moço de recados de um gangster qualquer - respondeu Max no mesmo tom.

- A quem é que estás a chamar moço de recados de um gangster - questionou Michael, erguendo os punhos.

- Cheiras tanto o cu do Giovanni que até tens o nariz castanho - respondeu Max.

Começaram a envolver-se numa luta fingida, de punhos a voar, uma cena que repetiam desde a infância.

Os transeuntes ficavam a olhar. Eles não queriam saber: era tudo para descontrair. Ao fim de alguns minutos, Michael aborreceu-se.

- Vamos comer um hamburguer - sugeriu ele. - Logo tenho um encontro quente, por isso preciso de toda a energia que arranjar.

- Tu e os teus encontros quentes - zombou Max. - Não fazes planos para assentar com a rapariga certa?

- Por que haveria de fazer isso quando tenho ratas até ao pescoço? Max abanou a cabeça.

- Devias ligar-te a uma rapariga como a Tina. Ela é o máximo.

- Já me liguei. Lembras-te?

Max preferia esquecer que Michael já andara com a sua futura mulher. Não era algo em que ele gostasse de pensar.

- Então? - perguntou Michael, espicaçando propositadamente o seu amigo.

- Ela já te mostrou alguma coisa?

- Como se eu te fosse dizer.

- Porquê?

- Esquece, Mike. Estamos a falar da rapariga com quem vou casar.

- Ah, agora estou a perceber - disse Michael, com um sorriso cúmplice. Engravidaste-a, não foi?

- Nem pensar - disse Max, enrubescendo.

- Está bem, está bem - disse Michael, começando a rir-se. - Ei, lembras-te do tempo em que trabalhavas naquele hotel rasca e eu apareci com a Polly? Ficaste verde de inveja.

- Fiquei?

- Podes crer que ficaste.

- Que aconteceu à Polly?

- Casou com um nabo qualquer e foi viver para os subúrbios. Agora, deve estar uma velha gorda com uma casa cheia de miúdos aos gritos.

- Só se passaram dois anos - realçou Max.

- Aquele tipo de mulher vai abaixo depressa - disse Michael, virando para uma das casas de hamburguers que costumava frequentar. Piscou o olho à rapariga por detrás do balcão e pediu o habitual: um cheeseburger duplo com tudo. Max optou por uma tosta de fiambre.

- Então... vais-te casar - disse Michael, quando se sentaram ao balcão, esperando pela comida.

- Pois - disse Max, timidamente. - Parece que sim.

- Nabo!

- Cretino!

- Estive a pensar - disse Michael, num impulso súbito -, que tal se eu te oferecesse um bilhete de avião para Las Vegas e celebrássemos lá a tua despedida de solteiro?

- Por que é que continuas a ir a Las Vegas? - perguntou Max, bebendo um golo de coca-cola.

- Negócios.

- Negócios, o caraças!

- A sério - insistiu Michael. - Tenho que tomar conta de coisas do Sr. G.

- Que tipo de coisas?

- Não te preocupes, é legal.

- Dizes tu.

- Queres vir ou não? É tudo por minha conta.

- Las Vegas - disse Max, profundamente tentado. - A Tina mata-me.

- Fala-lhe no assunto - disse Michael, enquanto a rapariga por detrás do balcão punha a comida diante deles. - Talvez ela também queira passar uma noite com as amigas.

- Achas que sim? - disse Max, hesitantemente.

- Sim - disse Michael, pegando no ketchup. - Estou certo que sim.

- Talvez...

- Olha, tu vens. Não quero discussões.

Mais tarde, Michael foi ao seu encontro quente, uma empregada de mesa asiática com a mania da ginástica.

Ela chegou ao seu pequeno apartamento de um só quarto, levando pacotes de comida confeccionada e um insaciável apetite sexual. Foderam, depois comeram, três vezes de seguida. Ela era tão ágil que conseguiu esgotá-lo e isso era uma grande proeza.

Acabou por ir para casa. Ele gostava de raparigas que sabiam quando deviam ir-se embora. Mulheres pegajosas não eram para ele: apreciava demasiado a sua liberdade.

Agora que convidara Max para ir a Las Vegas tinha de descobrir uma maneira de mencionar o assunto ao Sr. G. Depois decidiu que a melhor maneira era não mencionar. Uma vez que ele ia pagar a viagem ao amigo, não existia razão para que ele tivesse de dizer.

Uma semana mais tarde, apanhou Max num táxi e dirigiram-se para o aeroporto. Max estava entusiasmado.

- Não disse a Tina onde vamos - confessou. - Ela pensa que estamos a caminho de Atlantic City.

- Atlantic City? - disse Michael, erguendo uma sobrancelha trocista.

- Sim, e deixa que te diga, não ficou muito contente com isso.

- Porquê?

- Considera-te uma má influência.

- Cristo! - exclamou Michael. - Ela já te tem pela trela?

- Não é nada disso - disse Max, rapidamente. - Só que eu não quero que ela se sinta posta de lado. Ela mataria alguém para ir a Las Vegas.

- A sério? - disse Michael, não convencido. Quando ele andava com Tina, ela nunca queria ir a lado nenhum.

- Sim, ela adora todos aqueles filmes do Rat Pack* por isso eu não podia deixá-la saber que ia sem ela, certo? E quem sabe? Talvez eu possa levá-la um destes dias.

- Com o teu salário? Esquece.

- Não vou ficar sempre a trabalhar numa loja de sapatos - respondeu Max, indignadamente.

- Eu devia pedir ao Sr. G. para te contratar. Assim consegues fazer dinheiro a sério.

- Eu não trabalharia para esse traste.

- Ah, não?

- Nem pensar.

- Olha que ele tem sido bom para mim.

- Lê os jornais. O Sr Giovanni está a ser acusado de todo o tipo de merdas. Michael sabia exactamente de que estava a ser acusado o Sr. G. extorsão, chantagem, usura, até homicídio. Nada disso fora provado, pelo que ele optou por ignorar tudo.

- Oh, deixa-te disso - disse ele. - Não acreditas nessas tretas que eles escrevem, pois não?

Max achou prudente deixar cair o assunto; chatear Michael não era boa ideia, especialmente agora que ele lhe estava a pagar a viagem.

Quando chegaram a Las Vegas era final de tarde. Michael pavoneou-se para fora do avião, sentindo-se bastante orgulhoso de estar prestes a mostrar as vistas ao seu amigo.

- Tenho um quarto no Hotel Estradido - anunciou, vangloriando-se. - Ficas lá comigo. E se sacaces uma miúda para te divertires antes de a Tina te cortar os tomates, eu fico pelo casino até tu terminares.

 

* Designação pela qual foi conhecido um grupo de artistas formado por Frank Sinatra, Dean Manin, Sammy Davis Jr. Peter Lawford e loey Bishop, que, nos finais da década de 50 e início da década de 60, tiveram enorme sucesso conjunto, não só em filmes como também no caso dos três primeiros, em actuações ao vivo, realizadas em Las Vegas. (N. do T. )

 

- Eu não venho à procura de dar uma - objectou Max.

- Ah, não vens? - disse Michael, espetando-lhe um dedo entre as costelas. Espera até veres as raparigas de Las Vegas. Não só vais querer dar uma como, acredita, vais suplicar para passar o resto dos teus tristes dias aqui.

- Eu não - disse Max, firmemente.

Michael sorriu.

- Vamos ver.

O braço direito de Vito Giovanni, Tommaso, emitira instruções explícitas acerca de como Michael deveria tratar da entrega e recolha de todos os pacotes. O pacote desta viagem era maior do que o habitual, pelo que em vez de o transportar no seu corpo, ele metera-o num saco de nylon.

- Não o largues em nenhum momento - avisara Tommaso. - Até ao momento de fazer a troca. - Ousadamente, Michael perguntara o que estava lá dentro. Pergunta ao Sr. Giovanni - fora a críptica resposta de Tommaso.

Pois. Claro. Como se ele ousasse fazer isso.

A rotina era sempre a mesma. Encontrar-se com Manny Spiven para uma bebida e jantar, passar algumas horas com ele, fazer a troca e regressar a Nova Iorque no primeiro avião matinal.

Michael não conseguia perceber por que razão tinha de passar algum tempo com Manny. Era estúpido, mas Tommaso assegurara-lhe que era necessário.

Desta vez faria a troca e sairia. Manny não se importaria: a antipatia entre eles era mútua. Dessa forma, ele poderia passar a noite a mostrar a cidade a Max e ninguém precisaria de saber isso.

Após darem entrada no hotel, recebeu a habitual mensagem para se encontrar com Manny à porta da Sala Starburst pelas oito.

Merda! Assim iam ficar encravados com o idiota. E que ia ele fazer com o saco de nylon? Arrastá-lo atrás de si toda a noite?

- Temos de nos encontrar com um tipo - explicou ele a Max. - Não deve demorar.

- Que tipo?

- Tem calma. Bebes uns copos, comes bem, vês um espectáculo...

- Eu quero jogar - anunciou Max.

- Quanto é que tens para perder?

- Quem é que falou em perder? - brincou Max.

- Merda! - disse Michael. - Esta cidade foi construída à custa de jogadores amadores.

- Leva-me até às mesas - disse Max, confiantemente. - Vou quebrar a banca!

Quando se encontraram com Manny Spiven, Max perdera todo o dinheiro que tinha consigo e estava com uma disposição terrível.

- Eu avisei-te - disse Michael sem se poder conter. - Jogar não é para principiantes.

- Tens que me emprestar cinquenta dólares - implorou Max. - Tens que fazer isso por mim.

- Pois, pois.

- Assim, que hipótese tenho eu de recuperar?

- Nenhuma - disse Michael, severamente.

- Oh, dá cinquenta dólares ao desgraçado - disse Manny, quando Max foi à casa de banho.

Michael lançou-lhe um olhar. Não precisava do conselho de Manny Spiven: ele sabia o que era melhor para Max e não havia hipótese de o idiota poder dar-se ao luxo de perder mais um dólar.

- Ele já acabou - disse Michael. - Assim aprende alguma coisa.

- Quem é ele afinal? - perguntou Manny.

- Um amigo.

- O Sr. G. sabe que ele está contigo?

- Claro - mentiu Michael.

- É engraçado. O Sr. G. normalmente gosta de manter as coisas restritas. Manny sorveu a sua bebida. - Ouvi dizer que quando a mulher dele fazia o serviço de Las Vegas não estava autorizada a ter companhia.

- A Sr a Giovanni costumava fazer isto? - perguntou Michael, surpreendido.

- Por vezes. Só que não se encontrava comigo. Tratava com o Sr. Estradido. Manny baixou a voz. - Há boatos de que ela jogava no clube das fufas.

- O quê? - disse Michael, inexpressivamente.

- Clube das fufas. A lamber ratas. - Manny fez uma expressão como se dissesse como é que se pode ser tão estúpido? - Curtir com outras gajas, por amor de Deus!

Chocado como estava, Michael não deixou transparecer. Manteve um ar inexpressivo enquanto perguntava a si mesmo se Manny Spiven estaria a mentir. Mamie Giovanni lésbica? Se o Sr. G. alguma vez descobrisse ficaria louco.

Logo que Max voltou da casa de banho dirigiram-se ao salão, a tempo de verem o início do espectáculo. Manny conhecia o maitre pelo que conseguiam sempre mesa à frente e Michael nunca tinha de mostrar a identificação falsa, que trazia sempre consigo, para o caso de se revelar necessária.

Pediu uma cerveja. Tal como Max, que continuava ocupado a lamentar as suas perdas.

- Sai dessa - disse Michael em voz baixa. - Vais-te divertir ou quê?

- Empresta-me os cinquenta e eu divirto-me - resmungou Max. - Tenho de recuperar o que perdi.

- Nem penses - respondeu Michael, entendendo que lhe estava a fazer um favor.

Então, começou a música e entraram as raparigas, vestidas com os seus diminutos trajes de soldadinho de chumbo com franjas douradas, de mamas e pernas para a frente.

Michael avistou imediatamente aquela de quem gostava. Dani, era esse o seu nome. Dani com os seus longos cabelos loiros, olhos azuis e sorriso deslumbrante. Para não falar de um corpo de morrer.

Manny inclinou-se para ele.

- Estás a ver a gaja das mamas grandes? - disse, olhando de esguelha e apontando para Dani. - Já foi minha e não é grande coisa.

- O quê? - disse Michael, franzindo o sobrolho.

- Ouviste bem - respondeu Manny. - Fode como um peixe morto e também cheira como um. - Deu uma gargalhada, esfregando as mãos uma na outra.

- Não me digas - disse Michael, com uma expressão impassível.

- Já as tive a todas - vangloriou-se Manny. - E esta era um verdadeiro espantalho.

Michael manteve-se de olhar em frente, recusando-se a dar a Manny o prazer de o questionar sobre a rapariga. Ela fodera com Manny Spiven. Ponto final. Ele não se aproximaria dela com o sexo de outro homem.

- Cinquenta - suplicou Max ao seu ouvido. - Cinquenta miseráveis dólares. Tens de fazer isso por mim, Mike. Tenho de recuperar o que perdi ou a Tina mata-me!

Furiosamente, Michael meteu a mão ao bolso.

- Pega lá a porcaria do dinheiro - disse, entregando algumas notas a Max. E quando estourares isto, não venhas a correr pedir mais.

Max agarrou no dinheiro e saiu.

Michael abanou a cabeça, desgostado. Aquela noite não estava a correr como ele tinha planeado.

 

                   Dani: 1964

- Adivinha quem está sentado numa das mesas da frente - disse Angela, enquanto mudavam de traje.

Danny já sabia. Avistara Manny Spiven mal entrara no palco para o primeiro número e precisara de toda a sua força de vontade para se alhear da sua ofensiva presença.

- Manny - continuou Angela. - E está com aquele tipo giro de quem te falei, o tal de Nova Iorque.

Quero lá saber, queria Dani dizer. Manny Spiven é um porco nojento, grosseiro e horrível.

- Queres que te arranje um encontro? - perguntou Angela, ajustando o seu toucado emplumado.

- Não, obrigada - respondeu ela, friamente. Não sairia com um dos amigos de Manny Spiven nem que fosse o último homem vivo."

- Então, fico eu com ele - disse Angela, bastante feliz com a ideia. - Não vou deixar este escapar-se.

Tanto quanto Dani queria saber, Angela podia fazer o que lhe apetecesse. Enfadada pelas queixas dela acerca de Manny, Angela tentara preparar-lhe vários outros encontros, tendo ela declinado todos. Parecia que Angela tinha uma reserva inesgotável de homens e, infelizmente, na maior parte das noites, levava um para o apartamento. Deitada sobre a cama, à noite, Dani conseguia ouvir os vigorosos sons de Angela a fazer amor, vindos do quarto ao lado. Teria ela cometido um erro ao mudar-se para ir viver com Angela? Sam podia ter razão - talvez ela não estivesse pronta para ficar por sua conta.

Uma manhã apercebeu-se de que havia dinheiro sobre a mesa da cozinha. Quando Angela emergiu do seu quarto, apertando um roupão de cetim, perguntou-lhe de onde viera ele.

- Isso é do Petey - respondeu Angela com indiferença. - Disse-me para comprar um presente para mim. Que homem!

Dani era ingénua, mas não tão ingénua. A sua companheira de quarto recebia pagamento em troca de sexo? Tudo parecia indicar que sim.

- Continuo sem entender o que fez Manny de tão terrível - disse Angela, inclinando-se para o espelho do vestiário e acrescentando mais blush às suas faces, já excessivamente rosadas. - Ele é um homem, querida, eles são todos uns tarados. Que tem isso de especial?

- Eu disse-te - respondeu pacientemente Dani. - Ele agarrou-me, depois gritou todo o tipo de insultos grosseiros quando o empurrei.

- Provavelmente, feriste os seus sentimentos - disse Angela. - Sabes - acrescentou ela em tom conhecedor -, tens que ser maternal com eles. No fundo, são todos uns rapazitos.

- Não tenho que ser maternal com ninguém.

- Foste maternal com aquele Sam - realçou Angela. - A propósito, ele ligou esta manhã.

- Sim? - disse Dani. - Não me disseste nada.

Não ouvia notícias de Sam desde há duas semanas. Tinha perguntado a si mesma onde andava ele e por que não tinha telefonado. Ela queria muito vê-lo: ele era a sua zona segura - sempre ali para a proteger.

- Desculpa - disse Angela, puxando o soutien para cima.

- É hora do espectáculo - gritou o contra-regra. - Ponham o rabo no palco, meninas.

Não havia tempo para ligar a Sam agora, ele teria que esperar.

- Não te esqueças de dar uma espreitadela ao tipo giro - recordou-lhe Angela, enquanto se alinhavam no lado do palco. - E lembra-te, tu estragaste tudo, portanto, ele agora é meu.

No número seguinte algumas das raparigas actuavam em topless. Dani optara por não seguir essa via, embora fosse, sem dúvida, suficientemente boa e o director tivesse insistido para que ela o fizesse, afirrmando que ela faria mais dinheiro dessa forma.

- Prefiro ficar vestida - insistira ela.

- Está bem, miúda, tu é que decides - respondera ele. - Embora eu não perceba que diferença faz; já se consegue ver tudo mesmo assim.

Isso não era inteiramente verdade. Por muito minúsculo que fosse o seu traje, ainda cobria determinadas partes do corpo que ela não gostava de pôr à vista.

Angela andava a encarar a hipótese de actuar em topless.

- Primeiro tenho que fazer uma operação às mamas - dizia. - Elas já não são o que eram.

- Eras mesmo capaz de fazer isso? - perguntara Dani, chocada com a ideia de desfilar todas as semanas meia nua diante de centenas de estranhos.

- Sim, talvez. Tenho um amigo cirurgião que me prometeu que a faria de graça, eu só teria de lhe fazer um pequeno favor em troca. - Piscou o olho. - Sabes o que quero dizer?

Infelizmente, Dani começava a perceber exactamente o que ela queria dizer. As raparigas subiram ao palco ao som de Frank Sinatra a cantar Come For With Me - um favorito de sempre.

Dani conseguiu escrupulosamente ignorar Manny, que parecia estar a olhá-la de uma forma lúbrica. No entanto, não pôde evitar lançar um olhar rápido ao homem que estava com ele. Angela tinha razão: ele tinha um excepcional bom aspecto, era jovem, moreno e extremamente bonito.

Ele apanhou-a a olhar e desviou os olhos. Não mostrou nenhum sinal de interesse, o que, por ela, estava bem. Angela podia ficar com ele, ela não queria saber.

Quando terminaram o seu terceiro número, estava cansada e com os pés doridos. Dois espectáculos por noite era duro e ela estava ansiosa por chegar a casa.

Mal chegaram ao vestiário, Angela preparou-se para sair.

- Tenho que ir indo - disse ela, agarrando nas suas roupas e vestindo-se apressadamente. - Vou cumprimentar Manny e depois ele terá de me apresentar o garanhão. Quem sabe o que irá acontecer a seguir?

Dani sabia exactamente o que iria acontecer a seguir.

Futilmente, perguntou a si mesma se Angela iria ser paga por isso, embora o amigo de Manny não parecesse o tipo de homem que precisava de pagar. Tinha demasiado ar de estrela de cinema; provavelmente, as raparigas atropelavam-se entre si para chegarem perto dele.

- Vejo-te em casa, fofa - disse Angela, saindo a correr do vestiário.

- Ela é mesmo uma rameira - observou Ellen, uma das dançarinas, ruiva, com ar de trintona e cara achatada.

- O quê? - disse Dani.

- Exactamente o que disse, ela é mesmo uma rameira! - disse Ellen, cuidadosamente tirando as suas meias de rede. - Não percebo por que é que andas com ela.

- Não ando - disse Dani, inexpressivamente. - Partilho o apartamento com ela. E tu não devias chamar nomes às pessoas.

- Não ajuda muito a tua reputação, querida - observou Ellen, contorcendo os dedos dos pés. - Pareces ser uma boa rapariga.

Eu sou uma boa rapariga, queria ela gritar. Sou uma boa rapariga numa situação lixada.

Mas não disse uma palavra.

Depois de mudar de roupa, ligou a Sam de uma cabina telefónica. Ele não estava em casa.

Não pôde deixar de pensar se ele teria arranjado uma namorada. Parte dela esperava que sim, porque ele merecia ser feliz. Por outro lado, desejava que não, porque embora já não vivesse no seu apartamento, era reconfortante saber que era a pessoa mais importante na vida dele. Tal como ela, também ele não tinha mais familia.

Quando chegou a casa estava tudo agradável e sossegado. Quando Angela estava por lá tudo parecia sempre caótico. Ela gostava de ter o apartamento só para si: estava fresco e arrumado.

Depois de preparar uma lata de sopa de legumes Campbell, enroscou- se no sofá e ficou a ver televisão durante meia hora, antes de tomar um chuveiro e ir para a cama.

Uma hora depois acordou com o som de música alta, Baby Love das Supremes, seguida por Dean Martin cantarolando Everybody Loves Somebody e depois os Beatles com A Hard Day Night. Forçando-se a si mesma a não ouvir, ela acabou por adormecer de novo, ignorando os ruídos que vinham agora do quarto de Angela.

Pela manhã, acordou cedo, saltou da cama e foi até à cozinha, onde abriu o frigorífico, encheu um copo de sumo de maçã e estava precisamente a inserir uma fatia de pão na torradeira quando uma voz masculina disse:

- Hem, desculpe.

Ela voltou-se, com as faces a enrubescer, bem consciente de que a camisa-de-noite que tinha vestida era totalmente transparente.

O homem que ela vira sentado com Manny Spiven estava ali, o bonito da noite anterior.

- Quem é você - deixou ela escapar, cruzando os braços sobre o peito, depressa percebendo que isso não servia de muito para cobrir a sua metade inferior.

- Ei... Chamo-me Michael. Sou um amigo da Angela.

Claro. Ouvi-te a suspirar e a gemer na noite passada. Tiveste que pagar?

- Você assustou-me - disse ela, acusadoramente, enquanto recuava em direcção à porta.

Os olhos negros dele percorriam-na.

- Estar assustada fica-lhe bem - disse ele.

Michael. Nome bonito. Ele parece mesmo uma estrela de cinema. Ela hesitou um momento antes de ganhar lanço e passar a correr por ele em direcção ao refúgio do seu quarto, onde agarrou o roupão e rapidamente o vestiu, apertando bem o cinto.

- A sua torrada está a queimar - gritou ele da cozinha. - Quer que a tire? Reunindo toda a dignidade de que foi capaz, ela regressou à cozinha, onde ele estava agora a preparar uma chávena de café instantâneo. Colocara também a sua torrada num prato.

- Obrigada - conseguiu ela dizer.

- Café? - ofereceu ele.

Era suposto que aquela fosse a cozinha dela e ele estava a portar- se como se fosse o dono. Era preciso ter lata.

- Não - disse ela, rigidamente.

- Desculpe tê-la surpreendido há pouco - disse ele, sentando-se à mesa da cozinha. - Estava à procura de Max e a porta de entrada estava aberta. - Soltou um riso abafado - Presumo que eles estivessem com pressa.

- Max? - perguntou ela, franzindo o sobrolho.

- O meu amigo. Ele, hem, veio com a Angela na noite passada. Agora tenho que levá-lo para o aeroporto ou perderemos o nosso voo.

- Pensei que você é que estava com Angela - deixou ela escapar.

- Não, eu não - disse ele, sorvendo o café e pensando que ela ainda ficava mais bonita sem toda aquela forte maquilhagem na cara.

- Então, entrou simplesmente por aqui dentro esta manhã?

- Devia ter tocado à campainha, certo? - disse ele, timidamente. - Só que, como eu disse, a porta estava aberta e eu não sabia que vivia mais alguém aqui.

- Eu vivo aqui - disse ela com pouca convicção. - Angela e eu somos companheiras de quarto.

- Ah, sim - disse ele, acenando com a cabeça. - Eu sei quem você é, é uma namorada do Manny Spiven.

- Não sou nada - disse ela, indignadamente. - Odeio aquele porco nojento.

- A sério? - disse ele, surpreendido.

- Claro que sim. Passei pela horrível experiência de ter um encontro com ele uma vez. O porco tentou saltar-me para cima e, quando eu reagi mal, gritou-me todo o tipo de insultos.

- Não é assim que ele conta a história.

- Desculpe? - disse ela, furiosa por haver uma versão do Manny Spiven relativamente ao seu imemorável encontro.

- Sabe que ele anda por aí a dizer que... ah... que conseguiu consigo?

- O quê - exclamou ela, ruborizando-se até um vermelho-intenso. - Isso é completamente falso.

- Parece que ele esteve a inventar histórias.

Sentia-se tão humilhada. Como é que Manny Spiven tinha o desplante de inventar mentiras acerca dela?

- Eu disse-lhe que ele era um porco - disse ela, furiosamente. - Um porco mentiroso!

Michael sorriu. Ele já devia saber que Manny era cheio de tretas.

- Seja como for - disse ela, veementemente -, talvez você devesse ensinar-lhe boas maneiras; ele é seu amigo.

- Não - corrigiu Michael. - Parceiro de negócios. De maneira nenhuma amigo.

- Eu pensei... - disse ela, tentativamente.

- Manny é um cretino - disse ele, agarrando uma maçã e dando-lhe uma dentada. - Parece que você descobriu isso por si mesma.

- Pelo menos, concordamos quanto a isso.

- Então - disse ele -, agora que já arrumámos o assunto de Manny... é bom conhecê-la finalmente.

- Finalmente? - disse ela, com os seus grandes olhos azuis a encontrarem-se com os dele.

- Tenho andado a observá-la desde há algum tempo - disse ele, mentalmente batendo em si mesmo, por ter desaproveitado a oportunidade de a conhecer na noite anterior.

- A sério? - disse ela, surpreendida e bastante lisonjeada.

- Vi-a há algumas semanas, só que quando me ia aproximar, você foi embora com um tipo numa motocicleta.

- O marido da minha irmã - disse ela rapidamente.

- Fico feliz por saber que não é o seu.

- O quê? - murmurou ela, ansiosamente.

- Que ele não é o seu homem - repetiu ele, olhando-a directamente nos olhos, de uma forma que a fez sentir as pernas fracas.

Antes que ela pudesse responder, Max entrou titubeando na cozinha, de olhos turvos e tronco nu, vestido apenas com os seus amarrotados boxers e de cabelo levantado como se tivesse acabado de meter o dedo numa tomada eléctrica.

- Cristo! - exclamou Michael, controlando o riso. - Estás com péssimo aspecto.

- Água - arfou Max. - Preciso de água.

- É o ar do deserto - disse Michael, com ar sério a Dani. - Nova- iorquinos; não o aguentam.

- Você é de Nova Iorque? - perguntou ela.

- Sim - disse ele, levantando-se. - E temos um avião para apanhar a qualquer momento.

- Oh - disse ela, estranhamente desapontada.

- Mas eu volto - disse ele, alegremente. - Em breve. E da próxima vez não deixaremos que Manny Spiven se meta no nosso meio. - Piscou-lhe o olho. Pois não?

- Não - disse ela, e pela primeira vez na sua curta vida sentiu uma vibração dentro de si que a fez desejar agarrar aquele homem e nunca mais o largar.

 

                   Terça feira, 10 de Julho de 2001

- Foda-se - explodiu o homem armado, fazendo um buraco na parede, com a sua raiva e a sua frustração bem visíveis.

Decorrera quase uma hora e nada acontecera. Em todas as comunicações fora prometido que um furgão estava a caminho. Até àquele momento nada.

- Tu! - gritou ele, apontando para Madison. - Chega aqui.

Ela sentiu um arrepio no fundo do estômago. Iria ele cumprir a ameaça e começar a matar reféns? Iria ser ela a primeira vítima?

Corajosamente, ela ergueu-se e caminhou até junto dele.

Ele entregou-lhe o telefone.

- Diz-lhes que lhes dou mais cinco minutos ou, então, alguém morre. Ela pegou no telefone e começou a falar. O negociador do outro lado parecia um idiota.

- Eles falam a sério - disse ela, insistentemente. - Onde está o furgão? Por que é que ainda não chegou aqui?

- Quantos são eles? - perguntou o negociador, com voz fria e impessoal. Estão todos armados?

- Sim - respondeu ela, rapidamente. - Três minutos é bom.

- Tente manter toda a gente calma - disse ele. - Estou habituado a estas situações. Estamos a trabalhar para vos tirar a todos daí em segurança.

Ele estaria a brincar? Estavam fechados com homens armados que ameaçavam matá-los e ele dizia-lhe para manter toda a gente calma. Era de loucos.

- Que é isso dos três minutos? - disse bruscamente o bandido.

- Estão a tentar trazer um furgão.

- Tu vens connosco - decidiu ele.

Cole levantou-se de um salto.

- Não podem levá-la sem mim - disse ele, impetuosamente.

O bandido examinou-o com o olhar.

- É o gajo dela?

- Sim - mentiu Cole.

- Ponham-se junto à puta da porta. E tu - disse ele, acenando com a arma à ruiva baixa de vestido azul justo -, vem para aqui também.

- Eu quero o meu anel de volta - lamuriou a ruiva. - É o meu anel de noivado. Ele ignorou-a, escolhendo mais três reféns para levar parajunto da porta. Por favor, meu Deus", rezou Madison. Fá-los trazer um furgão depressa. Porque, se não o fizerem, alguém vai morrer. "

Jolie ia no seu terceiro cigarro quando tomou consciência de que Jenna já desaparecera há demasiado tempo. Isso não era bom e não estava disposta a ficar toda a noite na casa de banho das senhoras à espera dela. Impacientemente, apagou o cigarro e voltou a entrar no casino. A sala continuava repleta de pessoas que jogavam tudo o que tinham. Enquanto caminhava por entre a aglomeração, olhou em direcção à mesa de blackjack onde anteriormente vira Andy Dale. Ele já lá não estava e Jenna também não estava à vista.

Oh, merda! Não era culpa dela; tudo o que fizera fora mostrar onde ele estava e dizer a Jenna para não se demorar. Se a burra não fora capaz de seguir as instruções, paciência.

- Onde está a minha mulher? - perguntou Vincent, logo que ela chegou à mesa.

- Ajogar nas slot machines, penso eu - murmurou vagamente Jolie, deslizando pelo assento.

- Jenna não joga - disse Vincent. - Tu é que gostas disso.

- E esta noite não me apeteceu - respondeu ela calmamente.

- Deixaste-a sozinha no casino?

- Não sou guarda dela, Vincent.

Ele lançou-lhe um olhar intenso, com uma expressão dura.

- Talvez tenha encontrado um amigo - propôs Nando.

- Se tivesse encontrado um amigo, trá-lo-ia para a mesa - disse Vincent, levantando-se. - Volto já.

Nando encolheu os ombros.

- Como queiras - resmungou, pouco satisfeito com a reacção do seu sócio ao negócio que lhe propusera. Que tinham as prostitutas e as drogas de tão terrível? Eram uma tradição de Las Vegas. Além do mais, todos os outros faziam dinheiro com elas. Por que não haviam eles de o fazer? Vincent conseguia ser tão rígido.

Deixando Vincent afastar-se o suficiente para não ouvir, Nando voltou-se para a sua mulher.

- Então, onde está ela? - perguntou.

Jolie pegou no seu copo de champanhe e bebeu um golo.

- Deu com Andy Dale e foi a correr ter com ele. Não consegui impedi-la.

- Maldição! Vin vai parti-lo todo! - avisou Nando. - O puto vive à custa da cara que tem. Que aspecto é que ele vai ter com o queixo e o nariz partidos e três olhos negros?

- Três olhos negros? - disse Jolie, rindo-se.

- Tu sabes o que eu quero dizer - disse Nando, irritadamente. Jolie tamborilou na mesa com as suas longas unhas pintadas de prateado.

- Por que estás tu com essa má disposição? - perguntou.

- Porque Vincent me põe louco - respondeu Nando. - Talvez a nossa sociedade já dure há demasiado tempo.

- Isso é ridículo - escarneceu Jolie. - Vocês adoram-se. São tão chegados como irmãos.

- Pois - disse Nando de forma sombria. - E, por vezes, um dos irmãos tem de sair de casa antes que cortem o pescoço um ao outro.

Depois de muitos berros e gritos, Sofia não chegava a lugar nenhum com o porteiro, que ameaçava agora chamar a Polícia.

- Chame-os - gritou-lhe ela directamente na cara. - Eu quero que o faça. Suplico-lhe que o faça.

Nesse momento, um homem surgiu no átrio, um homem alto e bem vestido, com um fato caro, que falava tanto inglês como espanhol.

- Há algum problema? - perguntou, apenas com um ligeiro sotaque.

- Pode crer que há problema - disse Sofia, levantando a voz.

- Explique, por favor. Talvez eu possa ajudar.

Então, ela contou-lhe a história e, sem hesitação, ele imediatamente assumiu o comando da situação. Tirou o casaco e pousou-o sobre os ombros dela enquanto lhe pedia que se acalmasse.

- Quase me matei a escapar daqueles dois cretinos lá em cima - dizia ela, precipitadamente. - Diga a este bronco que venha comigo para eu poder ir buscar a minha bolsa sem ser novamente atacada.

Calmamente, o homem explicou as coisas ao porteiro, o qual, relutantemente, concordou em acompanhar Sofia ao apartamento.

- Não se importa de vir também? - perguntou ela ao desconhecido alto. Preciso de protecção.

- Se acha que é necessário.

- Oh, sim, acho.

Entraram os três para o elevador e subiram em silêncio. Quando chegaram ao apartamento de cobertura, Sofia começou a bater na porta com os punhos.

Paco acabou por abrir a porta, com a corrente de segurança firmemente colocada.

- Seus cabrões, têm sorte de eu não vos processar! - gritou ela. - Tive de saltar da puta dajanela para me escapar de vós, seus tarados. Que tal acham que isso ia parecer em tribunal?

Paco respondeu em espanhol, gesticulando descontroladamente. Ela não percebeu uma palavra do que ele dizia.

- Onde está a sua bolsa? - perguntou o homem que aparecera no átrio.

- Ali - disse ela, apontando para a sala por detrás de Paco.

O homem falou com Paco em espanhol. O que quer que tivesse dito obviamente funcionou, porque, sem demora, o outro candidato a violador surgiu junto à porta com a sua bolsa, passou-a através da abertura e depois bateu violentamente com a porta.

- Que foi que lhes disse? - perguntou ela. - Que eles são um par de cabrões tarados a quem deviam cortar a piça?

- Que linguagem! - disse o homem alto, pegando-lhe no braço e levando-a de volta ao elevador.

- Tente você saltar de uma janela e manter-se calmo - encolerizou-se ela. Tenho sorte de não me ter matado.

O elevador chegou ao átrio e todos saíram. O porteiro praticamente correu de volta para o balcão da recepção, ansioso por se ver livre deles.

- Tem algum lugar onde ficar? - perguntou o homem.

- Claro que sim - disse ela, desdenhosamente. - Meu Deus! Broncos daqueles deveriam ser presos.

- Talvez eu possa levá-la até sua casa.

- Não é preciso - disse ela, entregando-lhe o casaco. - Eu chamo um táxi.

- Já não lhe chegou de drama por uma noite?

- Hmm - disse ela, relutantemente. - Se tem a certeza de que não me vai atacar no carro, porque já viu o que acontece às pessoas que me apanham pelo lado mau.

- Sim, já pude ver - disse ele, vagamente divertido.

- Quem é você, afinal? - perguntou ela.

- Gianni - respondeu ele. - Gianni Ruspeli.

- Oh, meu Deus! Você é aquele estilista italiano famoso - disse ela. - O que faz aquelesjeans fixes. Bem me parecia que a sua cara me era familiar.

Ele riu-se secamente.

- Preferimos chamar-lhe couture. E os jeans são apenas um divertimento lucrativo.

- Está bem, couture. Seja lá isso o que for.

- E você é...

- Sofia.

- Ah... Sofia. Um bonito nome para uma beleza selvagem.

- Não sou selvagem e não sou uma beleza. Estou só chateada.

- Então, minha querida, estar chateada combina bem consigo.

Ele passou algum dinheiro ao porteiro e depois saíram. Estacionado junto à berma estava um reluzente Bentley negro. Um motorista de uniforme aguardava, segurando a porta aberta para eles.

- Você vai odiar-me porque estou prestes a pingar-lhe os estofos todos - disse ela, entrando cuidadosamente para o carro.

- Estofos com sorte - murmurou ele, sentando-se ao seu lado.

- Uau! Um tipo que não fica louco por causa do carro. Isto é uma novidade! Recostou-se na luxuosa pele e perguntou a si mesma se estaria a cometer outro erro. Talvez este indivíduo fosse um pervertido de luxo com um fato caro.

- Alguma vez trabalhou como modelo, Sofia? - perguntou ele.

- Oh, por favor! - disse ela, imediatamente desconfiada. - Agora tenho que ouvir os seus piropos insinuantes. Eu sabia que isto era um erro.

- Você tem um visual muito jovem e exótico. Podia ser o modelo perfeito para os meus novos jeans.

- Lá vêm as tretas - suspirou ela, revirando os olhos. - Você dá-me uma boleia se eu for ao seu apartamento e o deixar fazer uma audição toda nua; é esse o negócio?

- Nada disso - disse ele, indiferentemente. - De resto, Sofia, você é demasiado jovem para mim. Gosto mais de mulheres que sejam pelo menos ligeiramente sofisticadas.

- Ah! Essa é nova.

- Por que não lhe dou o meu cartão? - sugeriu ele. - Na próxima vez que estiver em Roma pode ligar- me.

- Não estou propriamente a caminho de Roma.

- Então, talvez devesse reconsiderar.

- Porquê?

- Porque, minha querida, é bastante óbvio que não tem nada a perder.

Ir para a cama com Michael era tão bom como na primeira vez, e Dani lembrava-se claramente dela, embora tivesse sido há mais de trinta anos. Ele era tão atraente, ela tão ingénua. E virgem. Ele tratara-a como a uma princesa e durante uma noite memorável ela estivera no paraíso.

- Por que vieste? - murmurou ela, enquanto estavam deitados na cama tamanho gigante, depois de fazerem amor demorada e calmamente. - Não podes sair permanentemente da minha vida e deixar-me em paz?

- Temos filhos comuns, Dani - disse ele, serenamente. - Mesmo que não tivéssemos, eu continuaria a querer estar contigo.

- Se quisesses mesmo estar comigo - disse ela, acusadoramente - nunca terias casado com Stella.

- Casei com Stella porque tu me rejeitaste; e, de certa forma, ela fazia com que me lembrasse de ti.

- Isso é reconfortante.

- Apenas fisicamente. Stella não tinha nenhuma da tua doçura, razão pela qual eu sempre voltei para ti.

- Não, Michael - suspirou Dani. - As únicas vezes que voltas para mim é quando estás em sarilhos.

- Não é verdade - disse ele, puxando um cigarro.

- É verdade - disse ela, metendo duas almofadas por baixo da cabeça. Agora diz-me, Michael, que tencionas fazer quanto à tua actual situação?

- Tenho inimigos - disse ele, misteriosamente. - Há muito tempo que tentam dar cabo de mim.

- Por que haveria alguém de querer matar Stella e o namorado e depois fazer parecer com que tu o tivesses feito?

- As pessoas fazem coisas por muitas razões. A vingança é uma delas.

- Quem é que quer vingar-se de ti?

- É melhor que não saibas. - Uma pausa. - E, Dani, tens que ser mais cuidadosa.

- Eu?

- Se a sede de vingança deles é suficientemente forte para assassinarem Stella e o namorado, então, tenho que me perguntar se tu estás segura. Ou mesmo Madison ou Sofia.

- Meu Deus, Michael - disse ela, alarmada. - Que estás tu a dizer?

- Onde está Sofia?

- Ainda na Europa. Não consigo fazer com que ela volte para casa.

- Preciso dela aqui, Dani.

- Então, encontra-a tu. Ela é um espírito livre; tal como tu. Completamente diferente de Madison.

- Madison é que é esperta - disse ele. - Já te contei que ela conheceu Vincent?

- Quando? - perguntou Dani, estarrecida.

- Há uns meses.

- Como se conheceram?

- Madison estava em Las Vegas, precisava de um favor e, ah... Vincent conseguiu tratar do assunto.

- Que tipo de favor?

- Nada que tu queiras saber.

- Por que é que Vincent não me disse?

- Isso é convosco.

- Meu Deus, Michael, és demasiado complicado para que eu te consiga acompanhar. Só sei que não devias envolver Vincent.

- Ele já é grandinho.

- Disseste a Madison que ele é meio-irmão dela?

- Ela só teve de olhar para ele e percebeu por si mesma.

- Ficou transtornada?

- Quem sabe? - disse ele, inspirando profundamente. - A última vez que falámos, ela estava em Nova Iorque. Quando Sofia voltar para casa, acho que deviam conhecer-se.

- Não há necessidade de que Sofia saiba que tinhas outra família com a qual te preocupavas mais.

- Não é verdade, Dani. Amo todos os meus filhos por igual.

- Tu podes pensar que sim, mas Madison cresceu contigo; Vincent e Sofia não. Se Sofia sentisse que estavas aqui para a apoiar, talvez não tivesse fugido para a Europa.

- Então, estás a culpar-me?

- Seria simpático se eles te vissem mais vezes.

- Fiz o melhor que sabia, Dani.

- Alguma vez te ocorreu que o teu melhor talvez não tenha sido suficientemente bom?

- Oh, por amor de Deus! - disse ele, iradamente. - Não me arranjes mais problemas.

- Muito bem - disse ela, igualmente irada. - Eu fico calada. Sempre fiquei.

Vincent atravessou o casino a passos largos, com o seu olhar a perscrutar cada mesa. Acabou por parar para falar com um dos seus supervisores.

- Conheces o actor, Andy Dale? - perguntou bruscamente.

- Claro, Sr. Castle.

- Em que mesa estava ele a jogar?

- Na número três de blackjack.

- A minha mulher juntou-se a ele?

- Sim, senhor. Saíram juntos.

- Descobre em que suite está ele.

- Certamente, Sr. Castle.

Alguns minutos depois, armado com uma chave-mestra, Vincent estava no elevador privado das suites de cobertura.

Até que ponto conseguia Jenna ser estúpida? Casara com ela porque ela era jovem e inocente. E não uma vadia como muitas das raparigas que cedo se deixavam corromper pelo estilo de vida de Las Vegas.

Seria ela mesmo estúpida o suficiente para o trair?

Não. Ele achava que não.

O elevador parou no andar da cobertura. Ele conseguia ouvir música alta, gelo a tilintar nos copos e o som de risos.

As portas do elevador abriam directamente para o vestíbulo da suite número dois. Ele conhecia bem a disposição, ajudara a desenhá-la.

No centro do vestíbulo havia uma enorme e redonda banheira de jacuzzi em

mármore verde. Vincent encomendara o mármore em Itália. Lembrava-se do dia em que tinha chegado e de como ele e Nando tinham ficado satisfeitos.

Sentado no jacuzzi estava Andy Dale, com Anais deitada nua no rebordo, com o

seu reluzente corpo completamente exposto.

Jenna estava também nojacuzzi, ao lado de Andy, com os seus arrebitados seios

cor-de-rosa bem visíveis na água borbulhante. Jenna. A sua mulher.

Vincent estava possuído pela raiva. Uma névoa vermelha começou a formar- se

diante dos seus olhos.

- Ei, meu - disse Andy, completamente pedrado. - Por que não tiras as calças e te juntas a nós?

Quatro minutos se passaram e nada de furgão. Cinco minutos, seis minutos, sete minutos.

O homem armado não estava com paciência. Estava nervoso, agitado e tão

chateado que mal conseguia pensar direito. Levantou a Uzi, apontando-a para toda a

sala. A única satisfação que obteve veio dos frenéticos gritos dos reféns aterrorizados.

- Eu avisei-os! - gritou ele, atirando a Uzi ao chão junto aos seus pés. Ninguém pode dizer que não avisei os filhos da puta.

Depois, antes que alguém pudesse impedi-lo, precipitou-se para a ruiva baixa,

agarrando-a pelo pescoço, puxando-a para trás e torcendo-a com força, até ela deixar

de se poder mover. Tudo o que ela conseguiu foi soltar um grito estrangulado.

Madison sentia-se desgostosa. Estava prestes a ocorrer violência e ela estava

impotente para a impedir.

Olhou para Cole, que parecia pronto a fazer algo. Depois começou a chegar- se à

frente, desejando desesperadamente poder transmitir algum bom senso ao jovem armado.

Era demasiado tarde. Sacando uma pistola do cinto, ele soltou um grito enlouquecido e alvejou a ruiva na cabeça.

O sangue saltou em todas as direcções.

Depois, foi o silêncio.

 

                   Michael: 1965

Michael começara a passar cada vez mais tempo na companhia de Vito Giovanni.

O Sr. G. acrescentara-o à lista de pagamentos, pelo que agora já estava formalizado.

Não era como se ele fosse guarda-costas ou algo parecido, simplesmente o Sr. G.

gostava de o ter por perto. E Michael adorava a notoriedade resultante do facto de

ser visto como alguém por quem o Sr. G. tinha consideração.

- Tens de andar sempre com uma arma - informou-o Vito. - Para tua protecção pessoal.

- Não preciso de protecção pessoal - objectou Michael.

- Quando trabalhas para mim, precisas - insistiu Vito. Por isso ele trazia uma arma. E a verdade é que isso o fazia sentir importante, dava-lhe uma sensação de poder que era bastante viciante.

Mamie melindrou-se com a recente aproximação de Michael ao seu marido.

- Já não tens tempo para mim - queixava-se ela. - Demasiado ocupado com

o pretenso Sr. Chefe Grande.

Max também se melindrara, afirmando que Michael estava a vender a alma ao diabo e que Vito Giovanni era um homem malvado que não pensava senão em enriquecer e em espezinhar os menos afortunados.

Michael rira-se na sua cara e dissera-lhe que poderia provavelmente arranjar-lhe um emprego se ele quisesse. Max declinou a oferta.

A grande noite de Max em Las Vegas acabara por revelar-se memorável. Primeiro, perdera todo o seu dinheiro na mesa de dados. Depois, com os cinquenta dólares de

Michael, recuperara tudo e, para celebrar, embriagara-se com shurs de tequilla, que insistira em oferecer a todos os que estavam por perto até se lhe acabar o dinheiro.

Depois, Angela aparecera na mesa e ele tentara a sua sorte com ela, embora ela

estivesse obviamente excitada com Michael, que a ignorara.

Desde então, Michael estava cheio de sentimentos de culpa por ter traído Tina.

Obrigara Michael a prometer fielmente que nunca lhe diria.

- Não percebo por que é que estás a criar um grande problema por causa disto - dissera Michael. - Não é como se já fosses casado ou algo parecido. Foi a tua última facada, por amor de Deus!

- Podes crer que foi a minha última facada - respondera a Michael, desgraçadamente. - Porque se a Tina alguma vez descobrir, nunca se casará comigo.

Mas acabou por casar com ele, ditosamente desconhecedora da sua infidelidade.

Casaram-se na igreja local, com Michael como padrinho.

No copo-d'água, depois de vários copos de champanhe, Tina sussurrou sedutoramente ao ouvido de Michael.

- Podias ter sido tu, sabes disso.

Sim. Ele sabia.

Mulheres. Não se podia confiar nelas.

Excepto Dani. Tinha uma forte sensação de que ela era a tal e estava ansioso por regressar a Las Vegas para poder vê-la de novo.

Uma semana depois, o seu desejo realizou-se. O Sr. G. confiou-lhe outro grande pacote e lá foi ele.

Ao chegar a Las Vegas ele lembrou-se de que não tinha o número de Dani, mas, pelo menos, sabia onde ela morava, pelo que não perdeu tempo a apanhar um táxi do aeroporto directamente para o apartamento. Ela ficaria surpreendida por o ver, embora ele esperasse que também ficasse satisfeita.

Angela abriu a porta.

- Tu - exclamou ela, atirando para trás os seus longos cabelos castanhos. -

Eu sabia que eras o próximo da fila.

Então, havia uma fila. Bonito.

- Ei... procuro a Dani - disse ele.

- Ah, sim?

- Max manda cumprimentos.

- Qual Max? - disse ela, indiferentemente.

Max contara-lhe que Angela lhe pedira dinheiro.

- Disse-lhe que não tinha nenhum e ela alinhou na mesma.

- Lembras-te de Max? O meu amigo.

- Ah, aquele forreta - disse ela, franzindo o sobrolho. - Deve-me dinheiro.

- De quê?

- Um presente.

- Suponho que fosse o teu aniversário, então.

- Engraçado.

Era óbvio que ela não o ia convidar para entrar, e ficar à porta não era propriamente o que ele pretendia.

- Então... ah, diz-me, a Dani sabe que cobras dinheiro? - perguntou ele, numa tentativa de ganhar vantagem sobre ela.

- O quê? - disse ela, mordendo o lábio inferior.

- Sabe? - repetiu ele.

- Receber um presente ocasional não é cobrar dinheiro - disse ela, levantando a voz.

- Dani está cá?

- Não - disse ela, rancorosamente.

- Onde posso encontrá-la?

- Dani não é para ti.

- Isso é ela que tem que decidir.

- Eu decido por ela.

- Ah, sim?

- Sim. Vais dar-lhe a volta à cabeça. Vocês, os gajos giros, são todos iguais, demasiado enfatuados para o vosso próprio bem.

Impasse. Mediram-se mutuamente com o olhar.

Quem é que esta cabra pensa que é? ", pensou Michael.

Quem é que este garanhão pensa que é? ", pensou Angela.

E, então, Dani emergiu do quarto, onde estivera a dormir uma sesta. Mal viu

Michael, a sua face iluminou-se.

- Olá - disse ele, encantado por a ver.

- Olá - respondeu ela, com um sorriiso tímido.

- Eu teria ligado, mas esqueci-me de lhe pedir o número.

- Não faz mal - disse ela, baixando os olhos de uma forma que ele achou irresistível.

- A sério?

- Sim, sim - murmurou ela, finalmente cruzando o olhar com ele.

- Cruz, credo! - exclamou Angela. - Por que é que vocês não arranjam um quarto?

- Vê se te calas! - disse Dani, embaraçada.

- Hem... talvez devêssemos ir dar um passeio - sugeriu Michael.

- Pois - disse Angela, sarcasticamente. - Leva-a a passear até ao vale dos lençóis.

- Desculpa aquilo da Angela - disse Dani, mal saíram do apartamento. – Ela não faz por mal. É a maneira de ser dela.

- Conheces bem Angela?

- Suficientemente bem para partilhar o apartamento com ela.

Perguntou a si mesmo se deveria referir que Angela era provavelmente uma prostituta a tempo parcial, depois decidiu que não. Não estava preocupado em falar de Angela: era em Dani que ele estava interessado.

Apanharam um táxi para o Hotel Sands, onde passearam pelos jardins apreciando as vistas. Dani admirou as estátuas e as fontes - ainda que provavelmente as visse todos os dias. Estava entusiasmada como uma criança, coisa que ele achava muito atraente.

Acabaram por regressar e dirigiram-se à cafetaria do Estradido. Sentado em frente a ela, Michael deu por si a fazer as despesas da conversa, contando-lhe acerca de Nova Iorque e da sua vida lá, falando- lhe até de Vinny e da avó Lani - coisas de que ele nunca falava.

Ela ouvia atentamente, com os seus grandes olhos azuis fixos nos dele.

- Então e tu? - perguntou ele, pouco depois. - Como é que tu vieste parar a Las Vegas?

- Numa motocicleta - disse ela, pensando que ele nunca acreditaria na sua história e que, de qualquer modo, não se sentia preparada para lha contar.

Ele riu-se.

- Parece ter sido uma grande viagem.

- Ah, se foi!

- Aposto que sim.

Ela podia ter ficado sentada com ele para sempre, ouvindo as suas histórias, olhando para o seu bonito rosto. No entanto, sabia que tinha de regressar ao trabalho e o director da companhia não gostava quando alguma das raparigas se atrasava. Por vezes, chegava ao ponto de lhes cancelar o pagamento.

- Que horas são? - perguntou ela, ansiosamente.

- Porquê? Tens que ir a algum lado?

- O primeiro espectáculo é daqui a uma hora. Tenho de estar nos bastidores.

- Pois - disse ele, indolentemente -, porque o espectáculo sem ti é uma porcaria.

- Não digas isso - respondeu ela, modestamente.

- Estou a dizer-te. És a única que vale a pena ver.

Depois, ele debruçou-se sobre a mesa e começou a beijá-la. Ela deu por si a corresponder com uma paixão que nunca sentira antes.

- Vamos - disse ele, ajudando-a a levantar-se. E sem mais palavras abandonaram a cafetaria.

- Tenho de ir buscar uma coisa ao meu quarto - disse ele, agarrando a mão dela e levando-a em direcção ao elevador.

Obedientemente, ela foi com ele, embora soubesse que estava na hora de ir para os bastidores e se preparar para o espectáculo.

Mal entraram no quarto ele começou a beijá-la de novo. Ela devolveu- lhe o beijo, desfrutando do momento, perdendo o fôlego com a antecipação do que poderia acontecer a seguir.

Ele não parou de a beijar até que ela ficou cheia de excitação e desejo. Pela primeira vez, percebia por que se dava tanta importância àquilo. Sentia-se bastante estonteada.

Ao fim de alguns momentos, ele começou a despi-la; primeiro tirando- lhe a blusa, depois o soutien. Ela suspirou enquanto ele lhe tocava nos seios, fazendo pressão na direcção dele, tremendo de êxtase com o seu toque. Depois, ele tirou-lhe a saia e as calcinhas e, sem inibições, ela abriu-se a ele.

Ele maravilhou-se com a sua beleza, enquanto se acomodava sobre o corpo dela. Foi então que descobriu que ela era virgem.

- Cristo! Devias ter-me dito - disse ele, rapidamente saindo de cima dela.

- Não, não - disse ela, puxando- o para si. - Quero que faças amor comigo, Michael.

Por um momento, ele hesitou. Depois pensou: Que raio? Se ela quer, por que não?

Tratando-a muito delicadamente, ele começou a mover-se a um ritmo muito lento, não fazendo nada que a alarmasse.

Quando ela sangrou, reconfortou- a, embalando-a nos seus braços até ela se sentir segura, acariciando os seus seios, fazendo-a gritar de prazer. Depois começou a descer pelo seu corpo enquanto ela tapava a cara com uma almofada, tentando desesperadamente abafar os seus gritos de puro prazer.

Fizeram amor durante muito tempo, até que acabaram por ficar ambos exaustos e caíram num arrebatador e satisfatório sono.

Um pouco mais tarde acordaram.

- Tens fome? - perguntou ele, acariciando-lhe o cabelo.

- Estou esfomeada! - respondeu ela, sentindo-se como se estivesse a flutuar nas nuvens. Ele ligou para o serviço de quartos e, quando a comida chegou, deu-lhe camarões e batatas fritas, gelado e morangos.

Finalmente, adormeceram de novo, nos braços um do outro. Pela manhã, Michael acordou primeiro. Ocorreu-lhe que não contactara Manny para a troca de pacotes, perdera o seu voo matinal de volta a Nova Iorque e Dani falhara ambos os espectáculos da noite anterior. Não podia ser pior. Mas quem queria saber disso? Tinha valido a pena.

Dani ainda dormia, com o seu cabelo dourado espalhado sobre a almofada, as suaves faces enrubescidas de satisfação e os seios expostos.

Não pôde resistir a debruçar-se e tocar-lhe nos mamilos, fazendo com que ela se mexesse ligeiramente.

Ficou imediatamente com uma erecção, mas não queria forçar demasiado as coisas. Afinal, a noite anterior fora a sua primeira vez e talvez ela estivesse dorida lá em baixo.

- Dani - sussurrou ele -, temos que nos levantar.

Ela rolou para os braços dele, lentamente abrindo os olhos. Não conseguia já esconder a sua erecção, com o sexo a roçar o estômago dela.

- Olá, dorminhoca - saudou-a. - Estragámos tudo; incluindo o meu voo desta manhã.

Ela ergueu o braço, tocando-lhe delicadamente no queixo.

- Não podes ir - murmurou. - Eu não te deixo.

- Não deixas, é?

- Nunca.

E depois, de uma forma perfeitamente natural, ela guiou a sua erecção até ao lugar certo e levou-o em outra viagem celestial.

Dez minutos depois, o telefone tocou.

Era Tommaso que ligava de Nova Iorque.

- Que merda é que estás a fazer? - perguntou Tommaso, num tom baixo e uniforme. - Não fizeste a entrega ontem à noite e, acredita, isso não é bom. Também não estás no voo em que devias estar. O Sr. Giovanni está lixado.

- Cristo - disse Michael, pensando depressa. - Devo ter desmaiado. Estou com febre; não me lembro de nada.

- Com febre, é? - disse Tommaso sem acreditar.

- Temperatura. Dores de estômago. Não sei o que é.

- Ouve com atenção, vadio. Vai ter com Manny, faz a troca, depois mete-te na merda de um avião e põe-te cá rapidamente. Percebes?

- Percebo.

Pousou o auscultador, pela primeira vez consciente de que já não comandava a sua vida. Trabalhava para Vito Giovanni e, por causa disso, tinha de estar preparado para saltar. Era uma grande revelação.

O telefonema quebrara o encantamento. Agora a realidade olhava-o de frente.

- Tenho que ir - disse.

- Quando voltas? - perguntou ela.

Uma boa pergunta. Esperava não ter acabado de vez com o seu serviço em Las Vegas.

- Em breve - prometeu.

- Vou sentir a tua falta, Michael - sussurrou ela.

- Não tanto como eu vou sentir a tua - respondeu ele, vestindo-se apressadamente.

- Michael? - murmurou ela, olhando-o atentamente.

- Sim - disse ele, abotoando a camisa.

- A noite passada foi muito especial.

- Eu sei.

- Espero não te ter desapontado.

- Desapontado? Estás a brincar? - Ele pegou no casaco e inclinou-se para a beijar.

Ela agarrou-se a ele por um momento.

- Michael - sussurrou ternamente.

- O que foi, querida?

- Eu amo-te.

Nova Iorque estava fria e sombria e o Sr. G. estava irritado.

- Voltas a fazer uma destas e estás fora! - encolerizou-se ele.

- Não fiz nada, estive doente - explicou Michael.

- Doente, o caraças! - explodiu Vito, de faces vermelhas. - Provavelmente,

estiveste a ser chupado por uma das prostitutas de Las Vegas.

- Isso não é...

- Cala a puta da boca! Rata é rata mas trabalho vem sempre à frente. Nunca te

esqueças disso. E nunca mais me voltes a mentir.

Por que estava o Sr. G. a fazer um grande problema daquilo? Afinal, que havia

nos pacotes que ele transportava de um lado para o outro? E que importância tinha

que ele fizesse a entrega com um dia de atraso?

Decidiu perguntar a Mamie. Ela sabia tudo e por vezes não se importava de

partilhar, especialmente quando estava irritada com Vito - algo que parecia acontecer

cada vez com mais frequência.

Apanhou-a quando ela regressava do salão de beleza.

- Que é que tu queres? - perguntou ela, acenando com as suas unhas escarlates,

envernizadas de fresco diante da sua cara.

- Não a tenho visto ultimamente - disse ele. - Achei que devia passar por aqui para dizer olá.

- A sério? - disse ela, fitando-o desconfiadamente.

- Sim - disse ele, activando o seu encanto. - E trouxe-lhe uma caixa de

chocolates, os seus preferidos.

- Como é que se pode ser tão transparente? - disse Mamie, agarrando mesmo

assim a caixa. - O velho está irritado contigo, portanto, vens chorar junto de mim.

Que se passa, Mikey? - escarneceu ela. - Estás com medo que ele volte a pôr-te

na rua onde pertences?

- Não é nada disso - objectou ele.

- Claro que é - zombou ela. - Então, que estiveste a fazer em Las Vegas que

era mais importante do que o teu trabalho?

- Quantas vezes tenho que dizer? Estive doente.

- Pois, querido, e eu sou a Doris Day.

Momento errado para começar a fazer perguntas. Decidiu que, da próxima vez

que transportasse um pacote, daria uma espreitadela e descobriria por si mesmo.

Infelizmente, a sua viagem seguinte iria demorar. Vito colocou novamente Mamie

a fazer o serviço de Las Vegas e relegou Michael para tarefas de motorista, o que não o entusiasmava.

- Se queres vir a ser o meu braço direito um dia, tens que fazer de tudo -

informou-o Vito. - Um pouco disto, um pouco daquilo. Qual é o problema?

- Eu gostava de fazer o serviço de Las Vegas.

- Acredito - respondeu Vito, lançando uma baforada de fumo contra a sua

cara. - Quem não gostaria?

- Quando posso voltar a fazê-lo?

- Quando eu disser.

Vito Giovanni não era um homem com quem se discutisse.

Michael decidiu não telefonar a Dani até saber exactamente quando regressaria a Las Vegas. Ela era tão querida e era tão óbvio que gostava dele, que não queria dar-lhe falsas esperanças de que fosse voltar em breve, especialmente porque não fazia ideia acerca do dia ou da semana ou mesmo do mês em que isso iria acontecer.

Embora não lhe telefonasse, pensava muito nela. Na realidade, deu por si a pensar nela o tempo todo. Ela era especial. A rapariga mais especial que alguma vez conhecera. E embora quisesse levar as coisas mais longe, a verdade é que tinha receio de se envolver demasiado. Tirara-lhe a virgindade. Ela dissera que o amava. Cristo! Se não tivesse cuidado, depressa estaria a seguir o exemplo de Max e a pedi-la em casamento! E isso era uma loucura. Só tinha dezanove anos, demasiado jovem para ficar com uma mulher quando havia uma vida inteira de ratas à sua espera.

E no entanto... não conseguia, mesmo assim, parar de pensar nela. Quando a sua amiga asiática apareceu inesperadamente, ele mandou-a para casa porque não estava com vontade. Era a primeira vez.

- Conheci uma rapariga - confidenciou a Max.

- Ah-regozijou-se Max, nãoperdendo a oportunidade. -Finalmente, foste caçado!

- Eu não.

- Tu, sim.

- Neste momento não estou interessado em ver outras raparigas. Nem sequer estou interessado em ir para a cama com elas.

- Porque foste caçado.

- Penso muito nela.

- Claro que sim.

- Que posso fazer para a esquecer?

- Nada - disse Max, com um sorriso demoníaco. - Estás prontinho para assar. Bem-vindo ao clube.

Uma semana depois Tommaso perguntou-lhe se ele alguma vez guiara um camião.

- Acho que o consigo fazer - disse ele.

- Óptimo - disse Tommaso. - Esta noite; às dez, o Sr. Giovanni quer que saias do Alissio's. Roy apanha-te e leva-te ao sítio.

- Que sítio?

- Depois vês.

Ele não gostou do que ouvia. Roy era um homem austero de mais idade, com ar de furão e uma pronúncia ligeiramente ciciada, que fazia trabalhos ocasionais para o Sr. G. Era também primo de Mamie.

- Tens que me dizer mais - insistiu Michael.

- Não tenho que te dizer coisa nenhuma - disse Tommaso. - Tu trabalhas para o Sr. Giovanni, fazes o que o Sr. Giovanni quiser. Capisce?

Desde a sua asneira em Las Vegas, as coisas nunca mais tinham sido as mesmas. Até Mamie se tornara mais fria com ele. Agora, era tratado como se fosse apenas mais um gorila e não gostava disso. Faria o serviço do camião, depois planeara deixar de trabalhar para o Sr. Giovanni. Não era um moço de recados; valia mais do que isso.

Roy apareceu atrasado, num Ford castanho.

- Onde está o camião? - perguntou Michael.

- Salta cá para dentro, lindinho - disse Roy. - Vou levar-te até ele. Uma hora depois, estavam já bem longe da cidade e continuavam a rolar.

- Onde raio estamos nós? - questionou Michael.

- O Sr. Giovanni quer ver se tens tomates - disse Roy, encostando o Ford à berma da estrada deserta.

- O quê?

- Sai - disse Roy, consultando o relógio. - Vai passar aqui um camião em aproximadamente dez minutos. Um condutor. Grande carga de bebidas alcoólicas. Assaltas o filho da mãe, levas o camião para a garagem do Arnie em Queens, um trabalho bem feito.

- Deves estar a gozar comigo!

- Não - disse Roy, entregando-lhe uma tira de papel. - Tens aqui a morada do Amie. Estão à tua espera. Agora sai.

Relutantemente, Michael saiu do carro.

- E o que é que faço com o condutor do camião?

Roy inclinou-se e bateu com a porta do lado do passageiro.

- Isso é problema teu, lindinho. Até mais ver.

E foi embora, deixando Michael especado no meio do nada.

 

                   Dani: 1965

- Estou grávida - disse Dani, com os olhos a encherem-se de lágrimas.

- Por que me dizes isso a mim - disse bruscamente Angela, não propriamente cheia de compreensão. - Por que não o dizes ao estúpido que te fez isso?

- Porque... porque... depois daquela noite não soube mais nada dele. - Uma lágrima solitária correu-lhe pela face. Michael tirara-lhe a virgindade e nunca lhe mandara sequer uma flor. Talvez ela tivesse lido demasiados romances de amor, mas, pelo menos, ele deveria ter-lhe telefonado!

- Homens - disse Angela, bruscamente. - São todos iguais. Uns abusadores egoístas.

- Deve haver alguns simpáticos.

- Deves estar a brincar - disse Angela, com um riso entrecortado. - São todos umas ratazanas e agora temos que ir atrás da tua ratazana.

- Porquê? - perguntou Dani, alarmada.

- Para que o sacana pague o aborto.

- Eu... eu não quero fazer um aborto.

- Vê se atinas, miúda - disse Angela com vivacidade. - É a tua única alternativa, a menos que queiras ter a criança e vendê-la. Acredita - meditou ela, assumindo uma expressão pensativa. - Até nem é má ideia; alguns casais ricos pagariam muito por uma criança com o teu aspecto.

Dani fitou-a, horrorizada.

- Não posso acreditar que disseste isso.

- Porquê? É a verdade. E é melhor que a encares. Tu não te podes dar ao luxo de ter um bebé.

- Quem disse?

- Tu sabes que é verdade. Não tens poupanças, nada. E mal a tua barriga se comece a notar, tens de parar de trabalhar. E depois?

- Arranjo um trabalho diferente - disse ela rapidamente. - Um em que o meu aspecto não faça diferença.

- Estás em Las Vegas, querida. Onde quer que vás, faz diferença.

Infelizmente, Dani tomou consciência, Angela tinha razão. A força de trabalho

em Las Vegas era composta por raparigas bonitas. Estar grávida e arranjar um emprego

bem pago era uma situação impraticável.

- Suponho que o papá seja o Sr. Todo Lindo - disse Angela, desdenhosamente.

- Eu podia ter-te dito que aquele não prestava. Aposto que o sacana nem sequer usou uma borrachinha, pois não?

- Era... era a minha primeira vez - confessou Dani. - Não pensei que pudesse ficar grávida.

- Ah! - resfolegou Angela. - Quem te disse isso é um grande mentiroso.

- Não foi Michael que disse isso - murmurou.

- E que te disse o Sr. Todo Lindo? - perguntou Angela.

- Que voltaria em breve.

- E isso foi há quanto tempo?

- Sete semanas.

- Típico! - exclamou Angela, cheia de indignação. - Uma colherada do pote

de mel e fogem para as montanhas. Vês, eu sei como eles são, por isso asseguro-me de que pagam.

- Isso é o que fazem as prostitutas - resmungou Dani.

- E de que achas que se trata quando abres as pernas? Desce à terra, minha

linda. É tudo um grande esquema de troca e as espertas acabam por ser pagas; não ficam grávidas.

- Ele parecia tão... tão maravilhoso - disse Dani, tristemente.

- Quando andam à caça de rata, parecem todos maravilhosos.

- Estás tão cínica, Angela.

- Pois. Eu estou cínica e tu estás grávida. Por isso diz-me, quem é que está

melhor?

Dani suspirou. Desejou ter Emily para conversar. Emily saberia dizer-lhe o que

fazer, porque era a única pessoa viva que alguma vez se preocupara com ela e, claro,

Sam, de quem ela não tinha notícias há semanas. Tentara falar-lhe em várias ocasiões,

mas ele nunca estava em casa.

Decidiu que depois do espectáculo dessa noite iria ao apartamento dele e esperaria

à porta até que ele aparecesse.

Claro", sussurrou a sua voz interior, porque precisas da ajuda dele.

Não, não preciso. Posso resolver as coisas sem a ajuda de ninguém.

Se ao menos ela conseguisse superar um coração partido. Porque fora assim que

Michael a deixara: grávida e de coração partido.

Dani esperou mais de duas horas à porta de Sam até ele aparecer. Estava sentada no chão, de costas contra a porta, quando ele finalmente chegou.

Estava bêbado e não sozinho. Estava acompanhado por uma loira oxigenada baixa, de raízes pretas e ancas largas.

- Quem é esta? A tua mulher? - cacarejou ela.

Danilevantou-se.

- Sam - disse -, tentei contactar-te mas nunca atendes o telefone. Estás bem?

- Jesus, querida - disse a mulher, passando os braços sobre os ombros dele.

- São duas da manhã. Por que não vais para casa? Este já está ocupado. Cambaleando ligeiramente, Sam começou a apalpar os bolsos em busca das chaves.

- Que fazes aqui, Dani? - perguntou, arrastando as palavras.

- Queria ver-te - disse ela.

- Desaparece! - interrompeu a mulher. - Ele e eu temos um negócio para tratar.

- Pois, pois, vai para casa - disse Sam, acenando com as mãos no ar.

- Estás a falar comigo? - perguntou Dani.

- Não, estou a falar com ela - disse ele.

- E como vou eu voltar para casa? - guinchou a mulher, furiosa com o caminho que as coisas estavam a tomar.

- Dá-lhe algum dinheiro - disse Dani, rapidamente.

- Pois, pois - disse Sam, sacando a sua carteira. - Dinheiro. Dani pegou-lhe na carteira, extraiu dez dólares e entregou-os à mulher, que a recompensou com um olhar furibundo.

- Sabes - repreendeu Dani, ajudando Sam a entrar -, não devias beber.

- Eu sei - disse ele, lastimosamente. - Não tenho mais nada para fazer.

- Sam - disse ela, seriamente -, estive a pensar.

- Em quê?

- Talvez tivesses razão. Talvez eu devesse ficar aqui a cuidar de ti.

- Tu deixaste-me ficar, Dani - disse ele, acusadoramente. - Largaste-me completamente.

- Eu não te larguei. Apenas achei que não era saudável estarmos a viver juntos.

- Hesitou um momento antes de continuar. - Quando te vejo assim, apercebo-me de que precisas mesmo de alguém que olhe por ti e... talvez esse alguém deva ser eu.

- A sério? - disse ele, esperançosamente.

- É melhor não falarmos agora - disse ela. - Eu volto amanhã de manhã quando estiveres sóbrio. Saímos para tomar o pequeno-almoço.

- Certo - resmungou ele, enquanto ela o ajudava a chegar ao quarto e o deitava sobre a cama, tirando-lhe os sapatos e as meias e desapertando-lhe as calças.

Minutos depois, ele ressonava sonoramente.

Estaria ela a ser desonesta? Estaria a voltar para Sam porque estava grávida e queria que ele olhasse por ela? Ou seria exactamente o oposto? Teria ela voltado se as coisas tivessem corrido bem com Michael?

Provavelmente não.

Angela tinha razão acerca dos homens. Só andavam à procura de uma coisa. E quando a conseguiam, iam-se embora.

Sam era diferente. Talvez ela pudesse ter uma vida com ele.

Valia a pena tentar.

Duas semanas depois, Dani e Sam casaram numa das capelas locais de casamentos rápidos. Ela quisera falar-lhe do bebé, mas Angela persuadira-a a não o fazer.

- Não seria justo para com ele - raciocinara Angela. - Casa com o tipo, dorme com ele, deixa-o pensar que o filho é dele. Isso é que é justo.

- Não, isso é uma falsidade - respondera ela.

- Não é - argumentara Angela. - É apenas um negócio inteligente. E também é bom para a criança. Queres que o fedelho cresça sem saber quem é o pai? E Sam não vai gostar tanto do bebé se pensar que não é dele.

Ela não pensara em casar com Sam, mas quando ele ficou sóbrio e a pediu em casamento, isso pareceu-lhe subitamente a resposta para todos os seus problemas. Era notório que ela não voltaria a ver Michael. Ele usara-a como engate de uma

só noite, mais uma conquista; das quais ele provavelmente tinha muitas. Os seus sentimentos em relação a ele endureciam de dia para dia.

Na sua noite de núpcias, ela e Sam deitaram-se juntos sobre a cama semivestidos. Nada aconteceu. Dani sabia que tinha de persuadi-lo a fazer amor com ela o mais depressa possível; o único problema era que ela estava tão cautelosa em relação ao contacto físico quanto ele.

No entanto, estavam casados, a união tinha que se consumar. E em breve. Na noite seguinte, depois de lavar os dentes e escovar o cabelo, ela pôs a modéstia de lado, abandonou a camisa-de-noite e entrou no quarto nua.

Não demorou para que Sam reagisse. Ele empurrou-a para a cama e saltou rapidamente para cima, atingindo o clímax quase de imediato. Depois sorriu e disse:

- Foi fantástico, não foi?

A experiência não foi nada do que tinha sido com Michael. Acabara em cinco minutos e não significara nada.

Ela acenou com a cabeça, engolindo um nó na garganta, plenamente consciente de que não fora nada fantástico.

Esperou quatro semanas e então informou-o de que estava grávida. Sam ficou extasiado.

E ela ficou cheia de um terrível e incómodo sentimento de culpa que se recusava a desaparecer.

 

                   Michael: 1970

10 de Fevereiro de 1970 era o vigésimo quinto aniversário de Michael, um dia memorável para ele porque nos últimos cinco anos estivera encarcerado, encerrado no inferno de uma prisão fedorenta. E hoje, finalmente, saía.

Não tinha dúvidas de que tinha sido enganado e, agora que estava cá fora, estava determinado a descobrir porquê.

Suspeitava de que o culpado fora Tommaso em conluio com o falhado do primo de Mamie, Roy. Nenhum deles alguma vez gostara dele. O sentimento era mútuo. Nunca confiara em Tommaso e Roy era um choramingas manhoso que apenas tinha trabalho porque era primo de Mamie.

Na altura da sua detenção, Vito Giovanni mandara um advogado para falar com ele. O advogado informara-o de que o Sr. Giovanni não tinha conhecimento do assalto ao camião.

- Ele tem que saber acerca disso - insistira Michael. - Foi ele que deu a ordem para eu o fazer.

- O Sr. Giovanni não sabe nada sobre aquilo de que está a falar. Portanto, para o seu próprio bem, quando for a tribunal, sugiro que não mencione o nome do Sr. Giovanni em ligação com este crime.

- Que raio de crime - protestara ele. - Eu não toquei no motorista. Tudo o que fiz foi parar o camião e dizer ao tipo para sair e se pôr a andar. O nabo nem sequer deu luta.

- Você pôs-lhe uma arma à frente da cara, não pôs?

- Sim - admitira ele.

- O procurador distrital considerará isso assalto à mão armada e tentativa de homicídio. Para não mencionar a posse de arma ilegal.

- Você tem que resolver isto - dissera ele, entrando em pânico. - Eu não fiz nada.

- Você assaltou um camião à força de arma.

- Foram cinco minutos. Não tinha andado nem dois quilómetros quando a Polícia me mandou parar. - Fez uma longa pausa. - Não tenho direito a fiança?

Teve realmente direito a fiança, mas era demasiado alta para que qualquer dos seus amigos a pudesse pagar. Max contactou imediatamente Vinny, o qual, de forma verdadeiramente paternal, disse que não estava nada surpreendido e se recusou terminantemente a ajudar. Dado que o Sr. Giovanni também não apareceu, Michael viu-se forçado a ficar na prisão até à audiência.

Depois de um curto julgamento, o juiz sentenciou-o a oito anos.

Umajogada errada e fodera-se. Não parecia verdade, mas infelizmente era.

A prisão era pior do que ele imaginara. Tentou isolar-se, o que não era fácil.

Visto como sangue novo, não demorou até se tornar o alvo de alguns dos reclusos mais duros. Sempre que vinham atrás dele, dava luta, depressa ganhando reputação de tipo duro, com várias cicatrizes para o provar.

A sobrevivência implicava manter-se forte, pelo que todos os dias fazia exercício no pátio. Não demorou a criar amizade com Gus, um companheiro da prisão que cumpria pena por extorsão. Gus era um tipo amigável que falava muito. No exterior trabalhava para Dante Lucchese e estava a terminar uma pena de cinco anos.

- Quando saíres tens que me procurar - disse Gus, poucos dias antes de ser posto em liberdade.

- Procurarei - prometeu Michael.

Nos primeiros dois anos trabalhou na cozinha e na lavandaria, até que acabou por conseguir uma ocupação melhor na biblioteca da prisão, onde deu por si a trabalhar ao lado de Karl Edgington, um homem que estava preso por ter desviado dois milhões de dólares da empresa de Wall Street onde trabalhara. Karl era um tipo estranho: instruído e calmo, falava constantemente dos seus dois gatos e da sua inestimável colecção de selos. Os outros reclusos tinham-no etiquetado como louco e não se davam com ele. Mas Michael achou que Karl era um homem interessante e extremamente bem informado no que se relacionava com dinheiro e com o mercado de acções. Começou a absorver as suas ideias, recebendo instrução acerca do mundo financeiro. Era um assunto fascinante e sobre o qual Karl nunca se cansava de falar.

- Tenho uns milhares postos de lado - confidenciou-lhe Michael, um dia. - Que achas que devo fazer com eles?

- Faz o que eu te digo e posso fazer com que ganhes muito dinheiro - disse Karl.

- Sim? - disse Michael, apreensivo. - E por que haveria de confiar em ti?

Karl encolheu os ombros.

- Às vezes tentar a sorte é o único caminho a seguir.

- Conseguiráas duplicar o meu dinheiro?

- Faço muito melhor do que isso.

- Sim? O quê?

- Consegues ficar calado e seguir instruções quando fores libertado?

- Claro.

- Óptimo. Porque tenho uma proposta que nos beneficiará a ambos.

- E qual seria?

- Algo de mutuamente vantajoso.

- Então chuta.

- Vou dar-te um número para ligares. Quando saíres contactas este número e arrancamos a partir daí.

Não tinha a certeza se confiava em Karl ou não, mas tomou nota do número e guardou-o num lugar seguro.

Por vezes, noite dentro, quando não conseguia dormir, os seus pensamentos voltavam-se para Dani. Sentia um impulso para lhe escrever, mas de que adiantaria isso? Era um criminoso condenado e como tal devia fazer-lhe o favor de se manter à distância. Dani era uma memória inesquecível de tempos melhores - e era assim que devia permanecer.

A única pessoa que ia vê-lo à prisão era Max. O bom velho Max. Homem casado, melhor amigo e apoio fiel, Max nunca falhava uma visita.

No dia da sua libertação, Max esperava por ele à porta da prisão. Guiava um Ford Mustang em segunda-mão e parecia muito satisfeito consigo mesmo, na sua camisa estampada, calças à boca-de-sino, casaco felpudo de lã e penteado à Beatles.

- Que caralho te aconteceu - disse Michael, abafando uma gargalhada. Que roupa tão amaricada.

- Vai-te foder - retaliou Michael. - É a moda.

- Moda, uma merda! - disse Michael, inspirando profundamente o ar frio e puro. Estava em liberdade. Que sensação!

- Esquece a roupa - disse Max, dando uma palmada nas costas do amigo. Que achas da máquina?

- Nada má - disse Michael, contornando o Mustang antes de saltar para o banco do passageiro. - As coisas devem estar a correr-te bem.

- Estão - disse a Michael, entusiasticamente. - O pai da Tina fez-me sócio do negócio de automóveis, o que significa que, um destes dias, eu passo a mandar naquilo.

- Rico negócio.

- Agora escuta - disse Max, severamente. - Tens que te manter afastado daqueles bandalhos com quem andavas metido antes de seres preso. Olha para o que te aconteceu. Se andares com eles, vai acontecer de novo.

- Está bem, está bem - disse Michael, com pouca disposição para um sermão.

- Ficas connosco - continuou Max, carregando no acelerador. - A Tina está a preparar o sofá para ti.

- Espera um minuto - disse ele. - Não acabei de sair da prisão para dormir no raio de um sofá.

- Já o fizeste outras vezes e vais voltar a fazê-lo - disse Max, guiando como um velhadas, com ambas as mãos no volante. - Só até conseguires assentar.

- Talvez por uma noite ou duas - disse Michael, subitamente consciente de que não tinha outro lugar para onde ir. - Olha - acrescentou -, esta lata tem cavalos a sério debaixo da capota?

- Sua besta - disse Max, baixando o pé. - Claro que tem.

Max tornara-se num homem de familia. Ele e Tina tinham duas crianças, Harry de quatro anos, que recebera o nome do pai de Tina, e Susie de três. Com a ajuda do pai de Tina tinham comprado uma pequena casa no velho bairro.

Orgulhosamente, Max levou Michael até lá e estacionou à porta, exibindo o minúsculo pedaço de relva do pequeno jardim frontal, que estava coberto de neve e gelo.

Tina veio à porta e recebeu Michael com um abraço embaraçado. Depois, dirigiu-se a Max acerca de levar neve nos pés para dentro de casa. Era notoriamente evidente que ela governava a casa e queria que todos soubessem disso.

Michael reparou que, embora continuasse muito bonita, ela tinha decididamente ganho alguns quilos. Não importava, porque o seu cheiro era delicioso e o seu toque ainda melhor. Ele quase esquecera como era estar junto a uma mulher. Tinha que fazer algo acerca disso.

- Quais são os teus planos? - perguntou Tina, dando-lhe o braço.

- Não sei - respondeu vagamente. - Ainda não pensei nisso.

- Claro - disse Max, juntando-se a eles. - Preso durante cinco anos e não pensaste no que ias fazer quando saísses. - Uma gargalhada maliciosa. - Eu sei o que eu faria.

- Max - disse Tina, num tom autoritário -, faz com que o Michael se sinta em casa: pergunta-lhe se quer uma bebida.

- Ele não é um raio de um convidado - disse Max. - É o meu melhor amigo.

Não preciso de lhe perguntar ele sabe que pode servir-se do que quiser.

Tina dardejou o marido com um olhar vingativo. Não gostava da maneira como ele lhe estava a falar, especialmente estando diante da sua antiga paixão.

- Onde estão os miúdos? - perguntou Michael, tropeçando num camião de brinquedo esquecido no meio do chão. - Quero conhecê-los.

- Max achou que seria boa ideia se eles passassem a noite em casa da minha mãe - disse Tina. - Para te poderes habituar a estar cá fora... Oops! – exclamou ela, batendo com uma mão na boca. - Não faz mal que eu diga isto?

- Não - respondeu ele, serenamente. - Não sou sensível.

- Como é que foi estar todo este tempo preso? - perguntou ela, com os olhos arregalados de curiosidade. - Foi como nas prisões dos filmes?

- Não faças perguntas dessas - disse Max, bruscamente. - Ele não quer falar da prisão.

- Não faz mal - disse Michael. - Não é algo que eu recomendasse.

- Estou morta por saber - disse Tina. - Por que é que assaltaste aquele camião e ameaçaste o motorista com uma arma? Quer dizer, foi um acto um bocado estúpido, não foi?

- Sim, Tina - disse ele, pesarosamente. - Acho que aprendi a minha lição. E a lição era que da próxima vez que se envolvesse em algo ilegal, devia avaliar bem os seus parceiros e assegurar-se de que eles não o traíam.

- Ainda bem - disse ela, fazendo o papel de mulher-do-melhor-amigo. Agora, estive a pensar acerca do teu futuro. Tens que ser mais como Max. Vamos arranjar-te uma rapariga simpática, casar-te, depois tens um par de crianças e assentas para uma vida respeitável.

Pois", pensou ele. Para ser chateado até à morte.

Max foi à cozinha, abriu o frigorífico e tirou duas latas de cerveja. Michael foi atrás dele.

- Suponho que estar na choldra seja uma maneira de escapar ao Vietname - realçou. - Como é que tu conseguiste safar esse coiro do recrutamento?

- À custa da minha asma - respondeu Max, dando-lhe uma cerveja. - Soubeste o que aconteceu a Charlie?

- Não, que é que lhe aconteceu?

- Fez uma comissão de serviço e ficou sem uma perna. Agora é um inválido. O desgraçado não consegue arranjar emprego. Vive com os pais e bebe desalmadamente. Não é uma situação feliz.

- Gostava de o ver.

- Iremos vê-lo.

- Pelo menos, tu saíste-te bem - disse Michael, bebendo um golo de cerveja gelada.

- Não estou mal - respondeu Max, modestamente. - Tenho a minha própria casa, um carro, dois miúdos e Tina. Ela é o máximo!

- És um homem de sorte.

- Bem podes dizê-lo!

Tina preparou massa para o jantar. Comeram diante da televisão em pratos de plástico. Max parecia ter apanhado a doença de Vinny - Olhos de TV. Primeiro viu The Johnny Cash Show depois Rowan & Martin I. augh- In, seguido por Gunsmoke.

Pouco depois, Tina aborreceu-se e foi para o telefone trocar mexericos. Michael reparou que, enquanto via televisão, Max tinha consumido três cervejas e dois pacotes inteiros de batatas fritas.

- A trabalhar para a barriguinha, não é? - brincou, reparando que não era só Tina que tinha ganho peso.

- Pois é - disse Max, envergonhadamente, dando pancadinhas no seu estômago em expansão. - É o que a vida de casado nos faz. Não faz sentido estar em forma quando temos o que precisamos à espera em cima da cama. - Piscou o olho. Deve ser esse o teu próximo passo, não? Cinco anos sem rata, meu Deus! Como é que te aguentaste?

- Não queiras saber.

- Estás a pensar ligar a alguma das tuas antigas namoradas?

- Não.

- Ei - disse Max, entusiasticamente -, talvez amanhã à noite, tu e eu possamos sair, como nos velhos tempos. A Tina não se importa.

- Tina não se importa com quê? - perguntou ela, entrando na sala.

- Ei... não te importas que eu vá sair com o meu velho camarada amanhã à noite?

- Eu também vou - disse ela, recolhendo latas de cerveja vazias e depositando-as na cozinha.

- Não é esse tipo de saída - gritou Max, fazendo uma careta a Michael.

- Então, importo-me - disse ela, regressando à sala. - Não quero que andes por aí metido nesses bares manhosos de strip.

- Não era nisso que estávamos a pensar, querida - disse Max, inocentemente.

- Apenas, tu sabes, beber uns copos, pôr a conversa em dia.

- Muito bem - disse ela, penetrantemente. - Se vais fazer isso, então, eu vou sair com as minhas amigas.

Isso prendeu-lhe de imediato a atenção. Max era muito possessivo em relação a Tina.

- Tu sabes que não quero que faças isso - disse, carrancudamente.

- Paciência - disse ela, mordazmente.

E começaram a discutir.

" Cristo! pensou Michael. É assim que vou passar a minha primeira noite de liberdade em cinco anos? A ver estes dois engalfinhados? "

- Estou um bocado moído - disse, interrompendo-os. - Sabia-me bem uma boa noite de sono.

- Oh, desculpa - disse Tina, imediatamente contrita. - Eu preparo-te a cama. Foi buscar travesseiros e um cobertor e preparou o sofá, depois desejou boa-noite, tal como Max, e ambos desceram e deixaram-no sozinho.

Virou-se e revirou-se agitadamente, ouvindo Tina e Max a continuarem com a sua discussão, as suas vozes altas subindo pela escada.

Era uma sensação estranha não estar fechado numa cela nem ver as luzes desligarem a uma hora marcada. Se quisesse, podia levantar-se e ir caminhar pelas ruas, fazer o que lhe apetecesse. Estava livre.

O problema era que havia apenas uma coisa na sua mente e essa era descobrir quem o tinha traído.

No dia seguinte, era exactamente isso que planeava fazer.

- Mikey! - exclamou Mamie. - Não acredito!

- Acredite - disse ele. - E pare de me chamar Mikey.

Estavam parados diante da casa dos Giovanni. Havia neve recente no passeio e estava um frio de enregelar. Mamie acabara de surgir e ia a caminho de um Cadillac dourado, parado na berma e guiado por um motorista. Estava envolvida num grande casaco de peles e, como de costume, a sua cara estava empastada em excesso de maquilhagem. Mamie Giovanni começava a mostrar a sua idade.

Um jovem guarda-costas saiu.

- Está tudo bem, Sr Giovanni? - perguntou, olhando intensamente Michael.

- Sim, Mo - disse ela, mandando-o afastar com um aceno, os seus dedos cobertos de anéis apanhando a luz matinal. - Ora, ora, ora - disse ela com admiração, apreciando Michael. - Tu cresceste mesmo, não foi?

- É extraordinário aquilo que cinco anos na choldra fazem - disse ele, causticament. e. - É verdade, obrigado por todas as visitas, foram muito importantes.

- Eu não frequento prisões - disse ela, batendo levemente com a mão no seu penteado em forma de colmeia. - Vieste ver Vito?

- É essa a ideia.

- Certamente marcaste entrevista!

- E preciso?

- Sim, querido, precisas - disse ela, afastando-se em direcção ao carro. O jovem guarda-costas lançou um olhar mal humorado a Michael e abriu a porta do automóvel.

Ela entrou, exibindo um grande pedaço de coxa.

- Vemo-nos por aí, Mikey - disse. - Tenho que ir.

Ele observou o carro a afastar-se. Era bastante evidente que Mamie já não era uma admiradora.

Logo que o carro desapareceu de vista, aproximou-se da casa e tocou à campainha. Outra cara desconhecida abriu a porta.

- Sim? - disse o homem, espreitando-o desconfiadamente. Era um gorila que parecia estar armado.

- Estou, uh, aqui para ver o Sr. Giovanni. O nome é Michael Castellino.

- Espere - disse o homem, fechando a porta na sua cara. Regressou alguns minutos depois. - O Sr. Giovanni está numa reunião. Disse para perguntar de que se trata.

Cristo! Quando os Giovanni fechavam uma porta, fechavam-na mesmo bem.

- É pessoal - disse Michael.

- Então, escreva-lhe a merda de uma carta - disse o gorila, batendo mais uma vez com a porta.

Que se passava aqui? Outrora fora o primeiro da fila para se tornar o braço direito de Vito, agora estava ao relento, um ex-presidiário em busca de uma esmola. Excepto que não estava à procura de nada mais do que esclarecer as coisas.

Contornou a esquina e dirigiu-se a uma cafetaria, onde tomou rapidamente duas chávenas de café forte. A empregada cortejou-o. Tinha cabelo amarelo encaracolado e uma vaga sombra de buço. Ele ignorou-a, acendeu um cigarro e voltou para junto da casa, onde aguardou do lado oposto da rua.

Às duas e um quarto surgiu Tommaso, começando a caminhar pelo passeio com um passo decidido.

Michael atravessou a rua e começou a caminhar ao lado do corpulento homem.

- Tommaso - disse. - Há muito tempo que não nos víamos.

- Deus - disse Tommaso, estarrecido. - Pensei que tinhas apanhado oito anos.

- Sabes como é - disse Michael. - Saí ao fim de cinco por bom comportamento.

- Então - disse Tommaso, rudemente -, estás de volta.

- Parece que sim. - Uma pausa. - Eu, hem, tentei falar com o Sr. G. disseram-me que estava ocupado.

- É verdade - disse Tommaso, acenando com a sua cabeça comprida. - O

Sr. Giovanni agora é um verdadeiro manda- chuva. Tem de se planear os encontros com seis ou sete semanas de antecedência.

- Ah, sim?

- É assim que as coisas são - disse Tommaso, continuando a andar. Michael acendeu outro cigarro.

- Tenho umas perguntas que te queria fazer.

- Sim?

- Estando encarcerado durante cinco anos, tive muito tempo para pensar. Sabes como é; um homem pouco mais tem para fazer.

- Que perguntas? - disse Tommaso, abruptamente.

- É assim - disse Michael, expelindo um fluxo de fumo. - Quando me encontrei com o advogado do Sr. G. ele informou-me de que o Sr. G. não sabia nada da história do camião. Não é extraordinário?

- Havia uma história do camião? - disse Tommaso, olhando em frente, enquanto continuava a caminhar lentamente pela rua.

- O assalto ao camião que tu me mandaste fazer - disse Michael. Lembras-te?

- Não sei do que estás a falar - respondeu Tommaso, com a sua face carnuda totalmente inexpressiva.

- Não sabes, é?

- Nem faço ideia.

- Sua besta! - disse Michael, num tom baixo e firme, ao agarrar o grande homem pelo colarinho. - Tu preparaste-me uma cilada para me tirar do caminho. Porquê? Porque estava a aproximar-me demasiado do Sr. G. Foi assim que se passou? Foi essa merda?

Vociferando de raiva, Tommaso empurrou-o.

- O Sr. Giovanni não tem tempo para vadios que vão fazer trabalhos de merda por conta própria - disse ele, de face vermelha. - Ele não gosta quando se arrasta o nome dele para essas coisas. Portanto, não voltes a aproximar-te dele. E muito menos me chateies, porque, se o fizeres, dou-te a minha palavra de que te vais mesmo arrepender como o caralho.

- Vou, é?

- Queres experimentar?

- Vai-te foder! - disse Michael, afastando-se, suficientemente inteligente para saber que, naquele momento específico, não estava em condições de ganhar.

Mas a vingança seria sua. Na prisão tornara-se um homem paciente. E muito mais inteligente. Um dia, Tommaso e Roy pagariam o preço. Ah, sim, certamente que pagariam.

 

                   Dani: 1970

O adolescente que rondava a porta dos artistas tremia com o nervosismo.

- Desculpe, menina, pode dar-me o seu autógrafo?

- Certamente - respondeu Dani, graciosamente. - Qual é o teu nome?

- M-Mark - gaguejou o rapaz, quase não podendo acreditar na sua sorte.

- Bonito nome - disse ela, pegando no livro de autógrafos bastante gasto. Para o Mark, com amor Dani Castle, escreveu, com uma letra elegante, usando o seu nome profissional, porque Dani Froog, não lhe parecera adequado e Sam não se importara por ela preferir não usar o seu apelido. Castle soava bem; tinha-o tirado de uma revista de viagens.

- Que bom... obrigado - balbuciou o rapaz, ficando cor de beterraba.

- Não tens de quê - disse ela, oferecendo-lhe um caloroso sorriso. Dani era agora uma das principais dançarinas na Sala Krystle do Magiriano, um enorme hotel de luxo onde tratavam as pessoas talentosas como seres humanos e também lhes pagavam bem. Trabalhar no Magiriano tinha sido um grande passo em frente depois de dançar no corpo de baile do Estradido. O espectáculo era uma fantasia sumptuosa e os trajes eram assombrosos. Todos os dias ela tomava consciência da sorte que tivera em conseguir lugar num emprego de sonho como aquele.

Depois de dar à luz o seu filho, ao qual deu o nome de Vincent, regressara ao trabalho no Estradido. Pouco tempo depois, fora arrancada ao corpo de baile por um caçador de talentos do Magiriano que a contratou de imediato. Fora obrigada a muito trabalho e infindáveis ensaios, mas gradualmente ascendera até se tornar uma das dançarinas principais - um emprego muito cobiçado.

A sua vida era o filho e o trabalho. E depois havia Sam, o seu marido, que continuava a beber excessivamente com regularidade.

Não só bebia como também começara a jogar e com o dinheiro dela. Ela mantinha-o com uma semanada rigorosa, recusando-se a deixá-lo pôr as mãos no cheque do seu salário. Depois de ter dado a entrada para uma pequena casa, estava a poupar o seu dinheiro para garantir que Vincent receberia a educação que ela nunca tivera. E tinha o direito de poupar, uma vez que agora era ela que sustentava a família já que Sam deixara simplesmente de trabalhar.

Isto agradava-lhe, porque significava que ele estava lá para cuidar de Vincent, que tinha agora quase cinco anos, e era a mais bonita criança do mundo. Não conseguia sair com ele sem que as pessoas parassem a admirar as suas longas e sedosas pestanas e os seus profundos olhos negros.

- Vai ser um matador quando crescer! - Era o comentário geral. Não que ela tivesse alguma coisa a ver com o assunto.

Ele parecia-se muito com Michael, o que de certa forma era bom, porque era muito bonito. Por outro lado era mau, porque a fazia constantemente recordar a sua aventura de uma só noite.

Tanto quanto lhe interessava, Michael estava morto e esperava nunca ter de voltar a pôr-lhe as vistas em cima.

Tinha agora vinte e dois anos, não tão ingénua e bastante versada no comportamento dos homens.

Quando olhava para trás, via-se como um inocente cordeiro a ser levado para a matança. Como Michael se devia ter rido da sua ingenuidade. Bonita e virgem Dani. Pego-lhe na mão e levo-a até ao meu quarto de hotel. Ela vai adorar cada minuto. Depois avanço para a próximaflor inocente.

Maldito!

Mas ela fora a última a rir; casara, dera à luz um filho saudável e tinha um trabalho gratificante. Que mais podia pedir?

Um pouco de amor e romance. Porque depois do seu único contacto sexual super-rápido, Sam nunca voltara a fazer amor com ela. Tentara algumas vezes, mas fora incapaz de manter uma erecção.

Isso não a incomodava. De facto, era um alívio. O sexo não lhe interessava. Estava perfeitamente satisfeita com a forma como as coisas eram.

As boas notícias eram que Sam acreditava mesmo que Vincent era seu filho. As más notícias eram que, quando estava embriagado, ele era instável e ela não podia confiar-lhe o filho.

A única pessoa que sabia que Vincent não era filho de Sam era Angela e desde que esta tinha abandonado o corpo de baile do Estradido tinham perdido o contacto - embora Dani tivesse ouvido dizer que a sua ex-companheira de quarto deixara de dançar e passara a dedicar-se à prostituição a tempo inteiro. Aparentemente, estava a sair-se muito bem com isso.

Dani arranjara uma nova melhor amiga; Gemini, uma bonita morena francesa que trabalhava com ela. Gemini era uma mãe divorciada, com um filho, Nando, que era alguns meses mais velho do que Vincent. As duas crianças brincavam muitas vezes juntas e Dani e Gemini tinham planos para que viessem a frequentar o mesmo infantário.

Sam não gostava de Gemini - não lhe agradava ninguém a quem considerasse uma ameaça. Queria Dani e Vincent para si e tinha ferozes ciúmes de outras pessoas. Esses ciúmes manifestavam-se em ocasionais acessos de irritação, que Dani tentava ignorar.

Basicamente, Sam estava numa espiral descendente. Nunca superara o desaparecimento de Emily e não havia nada que ela pudesse fazer para o ajudar a esquecer. Emily estava sempre lá, a pairar entre eles. Dani aprendera a aceitar que isso era mesmo assim.

Vincent era o seu salvador. Olhar para a sua bonita carinha e ver o amor que nela transparecia era tudo o que ela precisava.

- Adoro-te, mamã - dizia-lhe ele todas as noites, quando o aconchegava na cama e lhe lia uma história antes de sair para o seu espectáculo.

- Obrigada, querido - dizia ela, beijando-o. - A mamã também te adora. Aliás, a mamã tem-te um amor do tamanho do mundo!

Por vezes, quando Sam estava num dos seus acessos de embriaguez, ela contratava uma baby-sitter para ficar com o seu filho.

Sam não concordava.

- Estás a dizer que não sou capaz de cuidar do meu filho? - gritava ele.

- Se tu queres sair, tem de haver alguém que fique aqui - dizia ela. - Não podes deixar Vincent sozinho.

Fizera-o uma noite; e quando ela chegou e encontrou o seu filho sozinho, ficou histérica. Estava decidida a não deixar que isso acontecesse novamente. Por vezes, perguntava a si mesma como teriam sido as coisas se Emily não tivesse desaparecido. Teriam Emily e Sam permanecido um casal feliz? Teria Sam começado a beber? E teria ela ficado grávida de Vincent? Porque com Emily para a aconselhar provavelmente, teria sido mais sensata.

Não valia a pena pensar nisso, porque não fazia diferença. Tinha Vincent e ele era tudo para ela. Um dia, quando regressava a casa do mercado com Vincent, pareceu- lhe ver Manny Spiven. Foi um momento horrível. Agarrou Vincent, apertando fortemente a sua pequena mão.

- Que se passa, mamã? - perguntou ele, com os seus grandes olhos fitando-a.

- Nada - respondeu, enquanto Manny Spiven passava, mal notando a presença dela. Claro que ele não a reconheceria. Tinham-se passado anos e o seu aspecto era bastante diferente. Em palco ela era uma deusa cintilante. Fora do palco, prendia atrás os seus longos cabelos loiros, não punha maquilhagem, usava óculos de avozinha e roupas discretas.

Ver Manny trouxe de volta todas as memórias. A noite em que o vira na audiência com Michael e depois, no dia seguinte, Michael a repetir todas as terríveis mentiras que Manny inventara sobre ela. Depois, Michael a regressar algumas semanas mais tarde e a sua noite única de inesquecível paixão.

Maldição! Tinha que parar de pensar nele.

Tu pensas nele porque é o pai de Vincent", dizia-lhe a sua voz interior. E tu deste-lhe o nome de Michael.

Não dei nada.

Deste, sim. Certamente lembras-te de que, quando estavas com Michael na cafetaria do Estradido, ele te disse que o seu nome completo era Vincenzio Michael Castellino!

Sim, lembrava-se, mas isso não tinha nada a ver com o facto de ela ter chamado Vincent ao seu filho. Simplesmente, era um nome bonito, um nome popular.

Quando regressou a casa, Sam recebeu-a cheio de entusiasmo.

- Arranjei um esquema - anunciou, excitadamente. - Vamos fazer milhões. Era o seu novo hábito, vir ter com ela com esquemas nos quais tentava convencê-la a investir.

- O que é desta vez, Sam? - perguntou, pousando as compras na cozinha enquanto Vincent brincava no chão com o seu comboio.

- Moinhos de vento - disse ele. - Toda a gente quer moinhos de vento. É uma nova forma de fugir ao fisco. E... - uma pausa triunfante -. adivinha? Eu vou construí-los.

- Vais construir moinhos de vento? - disse ela, pacientemente.

- Sim - disse Sam, andando de um lado para o outro. - Conheci um tipo que me vai mostrar como fazê-los.

- Vais construir moinhos com as tuas próprias mãos; é isso que me estás a dizer?

- Não, vou criar uma equipa de trabalho e eu supervisiono.

- Parece uma boa ideia - disse ela, pensando que era uma ideia estúpida.

- Ainda bem que gostas - disse ele, radiante. - Porque tudo o que tens que fazer é entregar-me dez mil.

Ah, sim, naturalmente também me envolve e ao meu dinheiro.

- Eu não tenho tanto dinheiro, Sam - disse ela, serenamente. E mesmo que tivesse, certamente que não to ia dar para gastares em moinhos de vento.

- Não, não, querida, não estás a perceber - disse ele, gesticulando com os braços.

- Os moinhos de vento vão ser uma coisa em grande. Como te disse, faremos milhões. Ela não disse uma palavra. Iam entrar em outra discussão e ela odiava-o por fazer aquilo diante de Vincent.

- Então - disse ele, belicosamente -, vais arranjar-me o dinheiro ou não?

- Já te disse - repetiu ela, desejando que ele parasse com aquele disparate -, eu não tenho dez mil dólares.

- Tens que ter - disse ele, com gotas de suor a cintilarem no seu lábio superior.

- Tu pões de lado todas as semanas e és muito bem paga. E comigo é que tu não o gastas.

- Já te disse o que faço com o dinheiro - disse ela, calmamente. - Ponho-o no banco para pagar o curso universitário de Vincent.

- E para que queres mandá-lo para a universidade? - perguntou ele. - Nós saímo-nos bem sem isso.

- Tu talvez, mas eu teria dado tudo para frequentar a universidade. Ele lançou-lhe um olhar malévolo.

- Então, não vais ajudar-me?

- Não é uma questão de te ajudar.

- Vou sair - disse ele, carrancudamente. - Arranja uma baby-sitter para a noite. - E saiu, batendo com a porta.

Com Sam ela nunca ganhava. Era bastante evidente que ele não queria que fossem felizes. Os únicos momentos em que via um sorriso na cara dele era quando levava Vincent ao parque e jogava a bola com ele, mas não fazia isso com frequência.

- O papá está zangado - disse Vincent, passeando o seu comboio pelos carris de madeira.

- Não, não está - assegurou-lhe ela, bem disposta como sempre.

- Zangado! Zangado! Zangado! - cantarolou Vincent.

Ela não sabia o que lhes reservava o futuro. Recusava-se a permitir que o seu filho crescesse numa atmosfera onde não houvesse amor nem respeito e, a cada dia que passava, ela e Sam pareciam discutir cada vez mais.

Tinha que tomar uma decisão. E quanto mais cedo a tomasse, melhor seria para todos.

 

                   Terça feira, 10 de Julho de 2001

- Não consigo respirar - disse Natalie, arfando. - Acho que estou prestes a desmaiar.

- Não! - disse Madison. Estava igualmente assustada, mas tentava desesperadamente não o mostrar. A sua cara estava salpicada de sangue e havia um apertado nó de horror no seu estômago provocado pelo assassínio sem sentido que acabara de testemunhar. Continuava a pensar em Jake, desejando que ele estivesse ali para os proteger.

O homem armado, num ataque de raiva e frustração, arrancou subitamente a sua máscara de esqui e arremessou-a ao chão. Tinha a face pálida e magra, de traços vincados e nariz grande. O seu cabelo estava cortado rente, estilo fuzileiro, a sua pele reluzia de suor e tinha um olhar louco e vidrado.

Parece um daqueles neonazis", pensou Madison. Ou um daqueles cabeças-rapadas que odeiam toda a gente.

- Vêem o que me obrigaram a fazer! - gritou ele. - Vêem o que me obrigaram a fazer, seus filhos da puta! Arranjem-me a porra de um furgão ou mato mais um de vocês. - Retirou-se para o outro lado da sala, onde juntamente com os seus dois comparsas formou um apertado grupo.

Cole retirou a toalha de uma das mesas e lançou-a sobre a rapariga que fora alvejada. Estava obviamente morta.

As mulheres reféns choravam e soluçavam. Os homens estavam simplesmente assustados.

- Ele é um miúdo - sussurrou Madison a Cole. - Viste a cara dele?

- Podes crer que vi - disse Cole, sinistramente. - Antes não tivesse visto.

- Eu sei - concordou ela. - Não pode ter mais de dezassete ou dezoito anos.

- Ouve - disse ele, em voz baixa. - Vou falar com alguns dos homens, ver se o apanhamos.

- Não, Cole. Ele tem uma Uzi, pode matar-nos a todos.

- Não me parece - disse Cole.

- Por que não? - disse Madison, insistindo. - Já matou dois, não tem nada a perder.

- Podemos apanhá-lo, Maddy. Como tu disseste, ele é um miúdo.

- Certamente sabes do que são capazes os miúdos - argumentou ela. Lembras-te do massacre da Escola de Columbine?

- Então, que vamos nós fazer? - perguntou Cole, completamente frustrado.

- Ficar sentados e aguentar? Dar-lhe a hipótese de nos despachar um por um? Cole tinha razão: tinham que fazer alguma coisa. Mas, por outro lado, correr riscos era uma loucura.

- Preciso de falar novamente com aquele negociador - disse ela, sentindo-se estranhamente corajosa. -Aparentemente, eles não têm intenção de trazer um furgão. Talvez eu consiga convencê-los.

O chefe dos assaltantes caminhou com ar arrogante até ao centro da sala. Agora que tinha tirado a máscara de esqui parecia jactante e triunfante. Inspeccionou os seus cativos.

Madison levantou o braço. Apercebeu-se da existência de pó branco na ponta do nariz dele e o seu estômago deu uma volta.

- Que caralho é que tu queres? - gritou ele, com os olhos a brilhar perigosamente.

- Deixe-me falar outra vez com o negociador.

- Da outra vez fizeste merda.

- Eu sei que posso ajudar - disse ela, com as palavras quase atropelando-se.

- Por favor, posso fazer outra tentativa?

- Está bem - escarneceu ele. - Diz-lhes o que se passou aqui. E diz-lhes que daqui a quinze minutos mato mais um.

- Eu não quero ficar sozinha esta noite - disse Sofia, quando o Bentley encostou em frente à pensão onde estava alojada.

- Desculpe? - disse Gianni. Nunca conhecera ninguém como Sofia: ela era uma rapariga cheia de surpresas.

- Não quero ficar sozinha esta noite - repetiu ela, mordendo o lábio inferior.

- Não tem um pedaço de chão ou algo semelhante onde eu possa acampar? Ele franziu o sobrolho, surpreendido.

- Está a pedir para vir comigo?

- Você é de confiança, não é? - disse ela, decidindo que sim. - Além do mais - acrescentou -, você sabe o que sou capaz de fazer se não for. Grito que me está a matar.

- Estou num hotel. Se quiser, reservo-lhe um quarto.

- Não está a entender - explicou ela. - Não é que eu precise de um quarto, é só que neste momento não posso estar sozinha.

- Não pode estar sozinha - repetiu ele.

- Às vezes fico completamente passada a meio da noite e tenho pesadelos.

- Quer dormir comigo?

- Não é dormir consigo - corrigiu ela. - Apenas ficar no mesmo quarto.

- Não está a dizer coisa com coisa, jovem - disse ele severamente.

- Ei, vá lá, não me chame jovem como se você fosse um gajo velho, pronto para morrer. Afinal, que idade tem você?

- Quarenta e seis. Estou certo de que, para si, quarenta e seis é um. gajo velho.

- Você é gay - perguntou ela, fitando-o directamente nos olhos.

- Acha que pareço gay - respondeu ele, ofendido.

- Não - respondeu ela, pensando que ele parecia ter saído de um anúncio de revista para moda masculina cara. - O que acontece é que hoje em dia nunca se sabe. Na verdade - acrescentou ela -, quem dera que fosse.

- Ah, sim?

- Jace, um dos meus melhores amigos, era gay. O problema é que não havia maneira de eu o conseguir controlar. Estávamos a viajar juntos pela Europa e ele estava sempre a meter-se nas situações mais bizarras.

- Que género de situações?

- Coisas que você não aprovaria.

- Posso perguntar a sua idade?

- Tenho... ah... dezoito.

- Há quanto tempo anda a viajar sozinha pela Europa?

- É fixe - disse ela, não desejando envolver-se numa discussão acerca das suas viagens.

- Se você fosse minha filha não seria... fixe.

- O meu pai está-se a cagar - disse ela, encolhendo os ombros. - Provavelmente, está feliz por se ver livre de mim.

- Onde está o seu pai?

- Quem sabe? - disse ela, vagamente. - Por vezes está em Nova Iorque, outras em Las Vegas. É de lá que eu sou, sabe, Las Vegas.

- Nascem mesmo pessoas lá?

- Que pensava? Que toda a gente ia lá apenas para perder o seu dinheiro?

- Las Vegas é um lugar estranho.

- Já lá foi alguma vez?

- Uma, para um evento especial de caridade.

- Claro - disse ela, sarcasticamente. - Por que outra razão se deixaria um homem importante como você apanhar num lugar rasca como Las Vegas?

- Desculpe?

- Você é, assim, tão empertigado - disse ela, tremendo.

- Como diz?

- Sr. Emproado. Não lhe fazia mal nenhum relaxar.

- Estou muito descontraído. Você é que está nervosa.

- Então - disse ela, receando a ideia de ficar sozinha -, posso dormir consigo ou não? Quer dizer, você sabe, apenas ficar na mesma cama ou algo parecido, desde que você não se aproxime de mim.

- Sofia, minha querida, por muito tentadora que seja a proposta, não me parece que a minha namorada fosse aprovar.

- Você tem uma namorada? - disse ela, estarrecida.

- Por que parece tão surpreendida?

- Não sei, você parece tipo, hem... assexuado.

- Isso é um comentário extremamente insultuoso para se fazer a um homem italiano.

- Desculpe.

- Por que haveria de pensar isso?

- Não sei - disse ela, beliscando nervosamente o assento de pele. - Você é tão composto, com o seu fato caro e a sua atitude pomposa. Não consigo imaginá-lo a ter relações com alguém. Seja como for, quem é a sua namorada?

- Uma modelo famosa.

- Ah - disse ela, rindo-se. - Então, fode com as empregadas; é isso?

- Você é uma rapariga extremamente mal educada.

- Algumas pessoas gostam disso.

- Eu não, Sofia.

- Bem, parece que vou ter de ficar sozinha na minha cama e ter pesadelos horrorosos. Não que você se importe - disse ela, erguendo a mão na direcção do puxador da porta.

Ele pôs a mão sobre a dela.

- Não - disse. - Pode ficar comigo.

- E a sua namorada?

- Ela está em Paris.

- Então, isso foi só um jogo para se ver livre de mim?

- Estou a ver-me livre de si?

- Não.

- Muito bem. - Deu uma pancadinha no vidro que os separava do motorista.

- Manuel, para o hotel, por favor.

- E que hotel é esse? - perguntou ela.

- O Marbella Club - respondeu ele.

- Que outro podia ser? - murmurou ela.

Se Vincent tivesse uma arma teria alvejado Andy Dale em cheio na sua cara de estrela de cinema. Como é que aquele actor baixote e sem talento se atrevia a pensar que se podia portar daquela maneira repugnante?

E o que pensava Jenna? Nua numjacuzzi com outro homem, no seu hotel? Estava louca. Tinha-se passado completamente e ele sabia que se tinha de divorciar dela. Ela desrespeitara-o e isso era a pior coisa que podia ter feito.

- Sai já daí! - disse ele, mal conseguindo pronunciar as palavras.

- Querido - disse ela, fazendo a sua voz de menina pequenina -, desculpa. Eu sei que devia ter voltado para a mesa, só que encontrei Andy e Anais e eles convidaram-me cá para cima. Estava para te ligar, para ver se te querias juntar a nós.

- Repito, sai já daí!

Ela olhou-o provocadoramente.

- E se eu não sair? - disse, testando-o.

- Certamente não serás tão burra! - disse ele. E depois, voltando a sua atenção para Andy Dale, continuou: - Tu, sai também. Pega na tua namorada e nas tuas coisas e sai do meu hotel.

- Estás a falar comigo - disse Andy, levantando as sobrancelhas.

- Sim, estou a falar contigo.

- Sabes quem eu sou?

Cristo! Já não tinham tido aquela conversa há pouco tempo?

- E tu sabes quem eu sou? - disse Vincent.

- Sim - zombou Andy. - Um palhaço qualquer para quem a mulher se está a cagar.

Já aguentara o suficiente para uma noite. Inclinando-se sobre ojacuzzi, agarrou Jenna pelo braço e puxou-a para fora. Estava seminua, tendo conservado apenas a sua tanga que estava agora completamente transparente.

- Estás a magoar-me! - queixou-se ela.

- Veste-te! - ciciou ele.

- Não podes tratar-me assim - opôs-se ela. - Não sou um objecto, sou a tua mulher!

- Sim, minha mulher - disse ele asperamente. - E a minha mulher está sentada, seminua, numjacuzzi, com este actor de merda.

- Hem - objectou Andy. - A quem é que tu estás a chamar nomes? Ganhei um Globo de Ouro o ano passado, não te esqueças disso.

- Não estou a esquecer-me de nada - disse Vincent. - Agora tira esse cu escanzelado daqui.

- Eu saio quando me apetecer - disse Andy. - Entretanto, vou ligar ao meu empresário. Este hotel vai receber a pior publicidade que alguma vez teve.

- Estou-me a cagar para o que tu faças - disse Vincent. - Vou mandar alguém cá acima para te pôr lá fora. Não ficas nas minhas instalações.

- Estás a ser tão mau - lamentou-se Jenna, com a sua bonita face a enrugar-se em lágrimas de vitimização. - É tudo culpa minha. Andy não fez nada!

Vincent lançou-lhe um olhar irado.

- Fica calada - disse - e veste-te!

Amuada, ela agarrou no seu vestido.

- Vamos a algum sítio? - inquiriu Anais, espreguiçando-se languidamente, com os seus mamilos surpreendentemente erectos.

- Não - disse Andy, bruscamente.

- Sim - disse Vincent. E, com isso, arrastou fisicamente o actor para fora da banheira e atirou-o para o chão, fazendo-o estatelar-se como uma massa molhada.

- Merda! - lastimou-se Andy, tentando cobrir as suas partes íntimas. - Vais lixar-te por isto. Vou processar-te a ti e ao caralho do hotel.

Naquele momento, já Jenna se tinha arrastado para dentro do vestido. Vincent pegou nos sapatos dela, agarrou-a pelo braço e levou-a para fora do quarto.

- Vou ficar aqui - disse Michael, saindo da cama. - Cancela o serviço da tua empregada ou de quem quer que seja que venha cá.

- É isso que eu gosto em ti, Michael - disse Dani, sentando-se na cama -, a forma como dás importância aos meus sentimentos.

- Faço-o sempre.

- Eu disse que podias ficar cá?

- Não queres que fique, Dani? - disse ele, vestindo as calças.

- E isso faz diferença? - respondeu, pegando no roupão. - Então, querida, não vamos discutir. Preciso de um sítio para pensar nas coisas.

Tu és esse sítio.

- Eu sou sempre esse sítio - disse ela, perguntando a si mesma por que continuava a aceitar a situação depois de todos aqueles anos.

- Eis o que eu quero que faças - disse ele, muito objectivo. - Chama-me cá o Vincent.

- É tarde.

- Ele está no casino, não está? Ou no restaurante.

- Eu não ando a vigiá-lo, Michael.

- Vê se o encontras. Preciso de falar com ele.

- Agora?

- Não, daqui a uma semana ou duas seria óptimo.

- Não precisas de ser sarcástico, vou ver o que posso fazer. Ela pegou no telefone e ligou para o gerente do hotel.

- Vincent está por aí, Mário?

- Creio que esteve à pouco no casino, Sr a Castle. Disse algo acerca de ir aos apartamentos de cobertura. Temos várias celebridades cá. Talvez ele fosse a uma festa.

- Vincent não vai a festas - disse Dani. - Ambos sabemos disso.

- Eu... eu, na verdade, penso que ele andava à procura da outra Sr a Castle, sua mulher.

- Ah... - disse Dani. - Quando o vir, peça-lhe, por favor; que me telefone. É urgente.

- Sim, Sr a Castle. Pousou o telefone.

- Satisfeito? - disse a Michael.

- Estou sempre satisfeito quando estou perto de ti.

- Oh, porfavor - disse ela. - Não comeces.

- Vamos até à sala e eu preparo-te uma bebida - disse ele.

Ela seguiu-o até à sala de estar.

- Afinal, o que estavas a fazer esta noite com aquele nabo? - disse ele, passando para trás do bar. - Sabes que eu não o suporto.

- Já te disse muitas vezes, Dean não é um nabo. É um homem muito simpático que sempre me ajudou.

- Quando é que tu precisaste de ajuda, Miss Independente? - disse Michael, preparando-lhe dois dedos de vodca e acrescentando gelo.

- Michael - disse ela, asperamente -, não estou com disposição para isso.

- Está bem. Acalma-te - disse ele, rindo-se.

Odiava que ele não levasse nada a sério. E, no entanto, quando ele sorria, nunca conseguia manter-se zangada.

- Madison sabe que andas foragido? - disse-lhe, recordando-o da sua situação.

- É assim que eu estou? Foragido? - disse ele, obliquamente. - Chegou a esse ponto?

- Se existe um mandado para a tua captura e não te encontram, estás foragido.

- Achas que deva ligar-lhe? - perguntou ele, entregando-lhe o copo de vodca.

- Ela é tua filha.

- Vou ligar-lhe - decidiu ele. - E enquanto eu faço isso, tenta falar com Sofia. E quando conseguires, diz-lhe para regressar imediatamente. Vou fazer com que Vincent arranje protecção para vocês todas.

Quando Madison tinha oito anos, inventou uma familia imaginária. Havia o papá, que estava sempre por perto quando ela precisava. Havia a mamã, uma pessoa calorosa e terna. E havia um irmão grande e protector, a quem ela adorava. Deu-lhe o nome de Cooper.

Era com Cooper que passava a maior parte do seu tempo imaginário. Ela e Cooper tinham aventuras incríveis. Riam-se e brincavam e faziam coisas juntos. Acima de tudo, defendiam-se sempre um ao outro.

A verdade é que, quando tinha oito anos, Madison era uma criança extremamente solitária. Stella era uma figura maternal distante, loira e bonita, com a sua postura de Marilyn Monroe e o seu jeito de ter uma dor de cabeça sempre que Madison precisava de alguma coisa.

E Michael, tão bonito, estava frequentemente longe, em algum tipo de viagem de negócios.

A figura principal na vida de Madison era qualquer ama que os seus pais contratassem. E elas iam e vinham com grande regularidade. Por isso, o seu irmão imaginário tornou- se o seu melhor amigo, a única pessoa com quem ela podia verdadeiramente contar.

Quando conheceu Vincent foi uma completa surpresa, descobrir que tinha um meio-irmão na vida real, do qual nunca soubera. Um irmão que se assemelhava fortemente a ela e que tinha exactamente o aspecto de Michael. Foi um grande choque.

Agora, sentada em pleno Mario's, sob um intenso calor, com o assassino armado e um monte de reféns histéricos, ela desejou que Cooper estivesse ali para a salvar. E se não Cooper, talvez o seu irmão da vida real, Vincent. Ou Jake - o seu maravilhoso Jake.

Mas nenhum deles estava por perto, pelo que tinha que tentar fazer alguma coisa por si mesma. Que se lixe! Ia superar aquilo. Tinha de o fazer.

- Tem que me deixar falar novamente com o negociador - repetiu ela ao homem armado, que caminhava pomposamente de um lado para o outro da sala, com a Uzi baloiçando numa das mãos.

- Faz isso - disse ele, com o olhar ardendo de ódio. - E se não conseguires nada, vais ser a próxima cabra de merda a levar com uma bala nos cornos.

Ela estremeceu. Esta estava a revelar-se a noite mais assustadora da sua vida.

 

                   Michael 1970

Depois de ter falhado a tentativa de ver Vito Giovanni e da sua tensa troca de palavras com Tommaso, Michael tentou decidir qual seria o seu próximo passo. Precisava de explicar as coisas ao Sr. G. e recuperar o seu emprego. Em que outro trabalho podia ganhár tanto dinheiro? Além do mais, tinha algumas saudades de conviver com os Giovanni; os dois tinham sido como uma família para ele. Tinha certamente mais em comum com Vito do que alguma vez tivera com o seu verdadeiro pai. E Mamie não era má quando estava num dos seus dias bons.

Infelizmente, voltar não ia ser fácil, e quando conseguisse entrar para falar com Vito, em quem acreditaria o manda-chuva? Nele ou em Tommaso?

Chegou finalmente à conclusão de que Mamie era a sua única hipótese de chegar ao Sr. G. e ela não lhe dera a mais calorosa das boas-vindas.

Entretanto, estava atado ao sofá de Max e Tina, ouvindo ambos a decidirem sobre a sua vida.

Max persuadira o pai de Tina a oferecer-lhe um emprego no negócio de automóveis.

- Ele sabe que estiveste na choldra - explicou Max. - Mas vai dar-te uma hipótese mesmo assim, desde que lhe dês a tua palavra de que te endireitaste.

- Hem - disse Michael, pensando que nem por sombras planeava ganhar a vida a vender carros -, tu conheces-me, não tenho feitio para um emprego das nove às cinco.

Max ficou imediatamente ofendido.

- Estás a dizer que não?

- Ei, ouve, eu tenho que resolver as coisas por mim mesmo. Certo?

- Sabes qual é o teu problema?

- Diz.

- És um sacana mal agradecido. - Mas Max dizia aquilo com ternura na voz, porque Michael era o irmão que nunca tivera e gostava verdadeiramente dele.

Alguns dias antes da sua saída da prisão, Karl Edgington assegurara-se de que Michael ainda tinha o número que lhe dera para ligar.

Confia em mim, dissera Karl. Podes fazer muito dinheiro. Deveria ele confiar num homem que desviara dois milhões de dólares? Era um passo de que não se sentia seguro, mas ficara com o número, por via das dúvidas.

Tina fizera planos para o apresentar a algumas das suas amigas.

- Não me lixes, Tina - lamentou-se ele. - Eu conheço as tuas amigas. Andámos todos juntos na escola, certo?

- Não, não é certo - disse Tina, determinada a arranjar-lhe companhia. Agora tenho outras amigas. Raparigas que devias conhecer, raparigas decentes - acrescentou ela, mordazmente.

- Primeiro, tenho que sair do vosso sofá - disse ele. - Depois, posso começar a pensar em raparigas.

- Eu gosto de te ter no nosso sofá, Michael - respondeu ela, cortejando-o moderadamente.

Apercebera-se de que ela fazia muito aquilo ultimamente. Esperava que isso não chateasse Max.

Todos os dias, quando Max saía para o trabalho, Tina e ele ficavam sozinhos em casa com os miúdos. Habitualmente, ela sentava as duas crianças diante da televisão na sala de estar, onde eles mordiscavam bolachas enquanto viam uma infindável corrente de desenhos animados.

- É bom para eles estar a fazer aquilo? - perguntou ele. - Não deviam ir passear até ao parque ou algo parecido?

- Se os mantém calados é bom - respondeu ela. - Vem até à cozinha. Eu preparo café.

Ele tinha a certeza de que, bem no fundo, Tina nunca lhe perdoara verdadeiramente por ter acabado com ela. De vez em quando, fazia comentários venenosos, aludindo ao facto de que podiam estar juntos.

Decidiu que era melhor ele atacar o assunto antes que ela dissesse algo de que se pudesse arrepender.

- Sabes, acho o máximo ver-vos, a ti e ao Max, tão felizes - disse, sentando-se à mesa da cozinha. - E, meu Deus, Tina - acrescentou ele, lançando-lhe um cumprimento -, mesmo depois de dois filhos continuas com óptimo aspecto.

As palavras dele agradaram-lhe.

- Achas que sim? - perguntou ela, deitando colheres de café em duas canecas e acrescentando água.

- Sempre achei.

- Hmm... - disse ela, passando-lhe uma das canecas. - Se tenho assim tão bom aspecto, por que é que acabaste comigo?

- Vá lá, Tina - disse ele, puxando pelo açúcar. - Éramos miúdos. Não sabíamos o que queríamos.

- Eu sabia - disse ela, fitando-o com um olhar pleno de sentido.

- Eu sei que sim - disse ele, rapidamente. - Era o casamento e tudo o que vem com ele. Eu não queria meter-me nas coisas a sério.

- Porquê?

- Porque não sou o Max - explicou ele. - Max é um tipo às direitas. Olha para vocês, com a casa e os miúdos. É óptimo como tudo funcionou bem.

- Talvez - disse ela cautelosamente, sentando-se à mesa em frente a ele.

- Não me venhas com essa treta do talvez".

- É só que... bem... tu e eu, Michael, éramos óptimos juntos, não éramos? disse ela, assumindo subitamente um ar sonhador.

Aquela conversa estava decididamente a seguir na direcção errada.

- Volto a dizer - disse ele firmemente -, éramos miúdos. E graças a Deus que fomos suficientemente espertos para não nos envolvermos mais.

- Embora tu estivesses sempre a pedir! - disse ela com um sorriso cúmplice.

- Pois, embora eu estivesse sempre a pedir - admitiu ele, sorrindo com a recordação. Ainda falam de tê-los cheios! Tina fora uma perita em não ceder.

Ela tocou na borda da sua caneca de um modo sugestivo.

- Talvez não seja demasiado tarde...

- Pára! - disse ele, erguendo a mão. - Não digas mais nada.

- Estou só a provocar-te! - disse ela, rindo-se.

- Pois, se bem me lembro, sempre foste boa nisso.

Nesse dia, Max chegou mais cedo do trabalho e os dois foram visitar o seu velho amigo Charlie, que continuava a viver com os pais e com um péssimo aspecto.

Não era o mesmo Charlie que Michael recordava. O grande e corpulento Charlie com as patilhas à Elvis e a maneira de ser despreocupada tinha desaparecido. No seu lugar estava um espectro de vinte e cinco anos, com horror no olhar, um corte de cabelo de fuzileiro e álcool no hálito - embora ainda fossem apenas quatro da tarde. Perdera uma perna no Vietname, juntamente com a sua vontade de viver. Michael reconheceu o olhar: enquanto crescia, vira-o todos os dias nos olhos do seu pai.

- Como é que isso anda, meu? - perguntou, com falsa jovialidade.

- Como é que se anda com uma só porra de perna? - respondeu Charlie.

- Desculpa - disse Michael -, é uma maneira de falar.

- Deram-me este pedaço de plástico para usar - queixou-se Charlie. - Dói como o diabo.

- Não há alguma coisa melhor do que isso?

- Demasiado cara.

No dia seguinte, Michael informou-se acerca dos detalhes, vasculhou nas suas poupanças e entregou a Max o dinheiro para que ele arranjasse a Charlie uma prótese de primeira qualidade. - Não deixes que ele saiba que fui eu que paguei - disse-lhe.

- Onde é que arranjaste tanto dinheiro? - quis saber Max.

- Tenho poupado para dias piores.

Para a noite seguinte, Tina preparou- lhe um encontro, recusando-se a aceitar um não como resposta. Ela e Max completariam o grupo de quatro.

Susie e Hany já estavam deitados quando as gémeas Delagado chegaram para tomar conta deles: duas jovens, ambas de beleza exótica, pequenas e elegantes, com pele luzidia, olhos castanhos bem colocados, lábios cheios e brilhantes cabelos negros. Catherine era calada e estudiosa, enquanto que Beth era algo selvagem.

- Onde é que tu as descobriste? - perguntou Michael, apreciando-as.

- Vivem na casa ao lado com a sua tia Gloria - disse Tina, arranjando-se diante do espelho. - Chegaram de Cuba há alguns meses. A tia dá aulas de danças latinas. Ouvi dizer que se mexe muito bem; devíamos lá ir um dia destes.

- Pequenas apetitosas, não achas? - disse Max, disfarçadamente acotovelando Michael. Nem sei como a minha patroa as deixa andar perto de mim; grande sorte!

- Escuta a tua mulher - disse Tina, lançando a Max um olhar de aviso. - E lembra-te destas palavras. Isco para cadeia!

- Sim, senhora! - disse Max, fazendo uma continência de brincadeira.

- Que idade têm elas? - perguntou Michael.

- São demasiado novas para ti - disse Max, com uma gargalhada obscena.

- Quinze - anunciou Tina triunfantemente. - Dez anos demasiado jovens para qualquer um de vocês.

Beth não parecia pensar assim. Logo que viu Michael começou a atirar-se a ele. Ele fingiu não perceber. Ela era uma criança num corpo de mulher, além de que significava sarilhos, por toda a parte.

A companheira de Michael no encontro às cegas era demasiado alta, demasiado séria e decididamente não era para ele. O seu nome era April e trabalhava num banco.

Foram os quatro ao cinema. Mal instalaram as raparigas nos seus lugares, Max e Michael dirigiram-se ao átrio para comprarem pipocas.

- Jesus - gemeu Michael, encostando-se ao quiosque de venda. - o que é que vocês me fizeram?

- Ela é uma rapariga simpática - disse Max, agarrando um par de barras de chocolate e quatro cartuchos de pipocas. - Muito esperta.

- A última coisa de que preciso é de simpatia - resmungou Michael.

- Não te esqueças - recordou-lhe Max -, as simples são sempre as mais agradecidas.

Pensaria honestamente Max que, porque ele tinha estado encarcerado durante alguns anos, não era capaz de encontrar uma rapariga? Isso era uma loucura.

Depois do cinema foram ao restaurante ao lado. As raparigas sentaram-se discutindo quem era o mais giro: Paul Newman ou Steve McQueen.

- Eu escolhia o Steve McQueen todos os dias - disse Tina, pedindo um hamburguer e batatas fritas.

- Não - disse April, abanando a cabeça. - Paul Newman parece ter miolos para além de músculos.

Então, é de miolos que ela anda à procura, pensou Michael. Bem, não é em mim que os vai encontrar. Eu sou o burro que se deixou cair numa cilada. O palerma que ficou enfiado na prisão durante cinco anos.

Sentia-se irritado e frustrado e a cada dia que passava sentia-o com mais intensidade.

Tinha de arranjar um plano. Tinha que fazer algo depressa. Não podia ficar sentado sem fazer nada.

Algumas noites mais tarde, as irmãs Delagado voltaram. Max e Tina já tinham saído para um casamento e Michael devia juntar-se a eles mais tarde.

Logo que entraram, Catherine subiu as escadas para verificar se ambas as crianças estavam a dormir, depois pegou nos seus livros da escola e instalou-se na mesa da cozinha.

Beth vagueou pela sala de estar.

- Olá, Michael - disse ela, oferecendo-lhe um sorriso sexy enquanto se empoleirava no braço da sua cadeira.

- Olá, estudante - respondeu ele.

Tinha de admitir que ela era mesmo uma beleza exótica, com os seus longos cabelos negros que lhe chegavam abaixo da cintura, olhos diabolicamente negros e lábios cheios e carnudos. Vestiajeans azuis justas e uma camisa de xadrez atada na cintura, expondo alguns centímetros de pele lisa e bronzeada.

- Sentiste a minha falta? - disse ela, cortejando-o com o olhar.

- Ah, claro - disse ele, entrando no jogo. - Senti desesperadamente a tua falta.

- Isso não me surpreende - disse ela, com um sorriso misterioso.

- Que tal correu a escola hoje? - perguntou ele.

- Como de costume - respondeu ela, fazendo uma careta. - Tenho de me sentar numa aula cheia de putos. Não achas que é terrível aturar putos?

- O que são putos?

- Rapazes que não sabem nada acerca de raparigas - disse ela vagamente. Eu gosto de homens. Homens a sério.

- Gostas, é? - disse ele, perguntando a si mesmo por que nunca houvera por perto raparigas como ela quando ele tivera quinze anos.

- Oh, sim - disse ela, lambendo os seus lábios cheios.

- E quantos homens a sério conheceste?

- Ficavas surpreendido.

- Aposto que sim.

- Bastantes - confidenciou ela.

- Sim?

- Sim - disse ela, imitando a sua voz, com os seus olhos castanhos lançando um desafio.

Ele riu-se.

- És uma maluca.

- É preciso um para reconhecer outro - retorquiu ela, brincando com um delicado crucifixo de ametista que pendia do seu pescoço numa fina corrente de ouro.

- Quinze, não é? - disse ele, bocejando. - Vais ser qualquer coisa quando cresceres.

- Acredita em mim, Michael, sou toda crescida.

- Diz a estudante - provocou ele. Os olhos castanhos dela flamejaram.

- Em Cuba crescemos depressa.

- Estou a ver - disse ele, levantando-se.

Os seus lábios carnudos ficaram- no ainda mais.

- Eu parto o coração dos homens.

- Obrigado pelo aviso.

- Parto mesmo.

- Não duvido.

- O meu papá disse-me que posso ter qualquer homem que quiser.

- Disse, foi?

- Hum, hum.

- E onde está o teu papá?

- É prisioneiro político em Cuba - disse ela, friamente. - Foi ele que fez com que pudéssemos sair do país. Estamos cá há seis meses.

- Foi inteligente da parte dele.

- Acho que gosto da América; excepto dos putos. Não têm piada. Em Cuba os rapazes são mais... adultos.

- Falas perfeitamente inglês.

- O nosso pai ensinou-nos que a instrução é importante.

- Outro passo inteligente.

- Sim, crescemos a aprender várias línguas.

- E a tua mãe onde está?

- Fugiu com outro homem quando tínhamos três anos. Ela era selvagem; exactamente como eu!

- E tens orgulho nisso?

- Tu podes mesmo falar! - disse ela, incisivamente. - Não foste libertado da prisão há pouco tempo?

Jesus! As más notícias viajam depressa.

- Tenho que ir - disse ele, dirigindo-se à porta.

- É pena - disse ela, seguindo-o.

Estava a meio caminho da porta quando ela disse:

- Tiveste alguma rata desde que saíste da prisão?

Ele parou bastante chocado.

-O quê?

- Só perguntei - disse ela, inocentemente. - Não tem mal, pois não? Ele abanou a cabeça de espanto. Aquela rapariga era qualquer coisa fora do comum.

- Volta a perguntar-me daqui a cinco anos quando tiveres acabado de crescer - disse.

- Ah - respondeu ela. - Não sabes o que estás a perder.

Pois. e não tinha intenções de descobrir.

Quando se encontrou com Tina e Max, já ela angariara duas novas candidatas: uma morena de dentes salientes e uma ruiva anoréctica. Ambas lhe saltaram em cima como abelhas à volta de mel, assediando-o com perguntas e, entre as perguntas, dizendo-lhe tudo sobre si mesmas. Como se ele estivesse interessado.

- Estou a ficar com uma dor de ouvido - queixou-se a Max.

- Tenho um palpite de que devias papar a ruiva - disse Max, com uma risada irreverente. - Está a precisar.

- Papa-a tu.

- Eu sou um homem casado.

- Tens que dizer à Tina para parar de me arranjar encontros.

- Porquê? Queres dar uma, não queres?

- Eu mesmo posso tratar disso.

- Então, faz isso - disse Max. - Estás cá fora há uma semana, ou ganhaste um gosto por algo diferente na cadeia?

- Vai-te foder, Max! Isso não tem piada.

- Então, por que não andas todo teso?

- Queres a verdade ou uma mentira?

- Prefiro a verdade.

- Fui a uma prostituta no dia seguinte à minha saída - mentiu. Era mais fácil dizer uma peta do que começar a explicar por que é que não estava com disposição para sexo.

Os olhos de Max arregalaram-se.

- Fizeste o quê?

- Sim. Paguei por sexo. Primeira vez.

- Por que é que fizeste isso?

- Porque não preciso de levar uma rapariga a sair e convencê-la a ir para a cama, fazê-la pensar que significa alguma coisa quando não significa. Neste momento preciso de me concentrar. Portanto, faz-me um grande favor, acaba com os arranjos da Tina.

- Raios partam! - disse Max. -Tupagaste por sexo. Jesus! Como é que foi?

- Sem complicações - disse ele. - E, neste momento, é assim que tem de ser.

Algumas noites depois, Tina anunciou que a tia Gloria das gémeas Delagado ia dar uma festa para celebrar o décimo sexto aniversário das raparigas.

- Prometi-lhe que aparecíamos - disse Tina. - Ela é uma personagem fabulosa. Vai ser um estrondo.

- Não podemos deixar os miúdos sozinhos - realçou Max.

- Claro que podemos - respondeu Tina, determinada a ir. - Qual é o problema? Vão estar na cama a dormir e nós estaremos mesmo na porta ao lado.

- Eu fico com os miúdos - ofereceu-se Michael. - Vão vocês os dois divertir-se.

- Isso não é justo... - começou Tina.

- Mais vale aproveitarem a minha presença - disse ele. - Qualquer dia vou-me embora.

- Se tens a certeza... - disse ela, relutante em deixá-lo ficar.

- Tenho a certeza - disse ele firmemente. Não tinha a mínima vontade de ir ao festejo de um infantil décimo sexto aniversário; ficar em casa era uma perspectiva muito mais tentadora.

Anteriormente nesse dia encontrara-se com o seu velho companheiro da prisão, Gus, o qual lhe dissera que ia surgir algo em que ele talvez estivesse interessado.

- O quê? - perguntara.

- Depois digo-te - dissera Gus. - É um trabalho de muita massa que vai render bem.

- E que tenho eu de fazer para ganhar muita massa?

- Guiar. Consegues fazer isso, não consegues?

Estava com vinte e cinco anos, sem emprego e com cadastro criminal. Tinha alguma escolha?

Sim. Podia ligar para o número que Karl Edgington lhe dera. E talvez acabasse por fazê-lo.

Aquela noite, decidira, seria a última noite que passaria no sofá de Max e Tina. Estava a ficar preguiçoso e demasiado acomodado. Além do mais, viver à custa dos amigos não era o seu estilo. Se Gus aparecesse com o tal trabalho, ele estava decididamente interessado. Precisava de fazer algum dinheiro e depressa.

O som de música latina começou a ouvir-se, vindo da porta ao lado. Ligou a televisão e sintonizou o programa de futebol americano de segunda-feira à noite.

Pouco depois, deve ter adormecido, porque a seguir só se apercebeu de sirenes e luzes a piscarem do lado de fora dajanela.

Num salto, correu para a porta da frente e saiu para a rua. As pessoas andavam de um lado para o outro no passeio, enquanto dois enfermeiros introduziam uma maca na traseira de uma ambulância.

Agarrou uma mulher gorda com um vestido florido.

- Que se passa? - perguntou.

- Ela morreu! - chorou a mulher, com pedaços de espessa maquilhagem a escorrer-lhe pelas faces. - A pobrezinha foi-se!

- Quem? - perguntou ele, insistentemente. - Quem morreu?

- Aquelas crianças vão ficar sozinhas no mundo - soluçou a mulher. - É uma tragédia!

Subitamente, avistou Max. O seu amigo estava sentado na berma com a cabeça entre as mãos.

Jesus Cristo! Algo deve ter acontecido a Tina. Algo mau.

 

                     Dani: 1970

- Há alguém que eu acho que devias conhecer - disse Gemini.

- Que queres dizer com conhecer? - respondeu Dani, um pouco perturbada.

- É um homem? Porque eu não posso conhecer nenhum homem; ainda sou casada. Estavam sentadas no parque, vendo Vincent e Nando a brincar na caixa de areia. Era a actividade preferida de Dani, ver o seu filho a brincar. Era tão sério e concentrado, enquanto Nando não parava quieto.

- Oh, por favor - disse Gemini, no seu ritmado sotaque francês. - Eu sei que não amas o teu marido, Dani. És uma mulher e precisas de te sentir bem contigo. Já é altura de o deixares.

- Não posso fazer isso - disse Dani, sentindo-se imediatamente culpada. Sam esteve comigo quando precisei dele.

- Compreendo o teu sentimento de culpa, porque ele é o pai do teu filho - disse Gemini, seriamente. - No entanto, se Sam não dá a Vincent ou a ti o amor que merecem, então, tens que pensar no vosso futuro.

- Não é assim tão fácil, Gem - disse Dani, com ar carregado. - É complicado.

- Tudo é complicado. Olha para mim, deixei o pai do Nando e ele era de uma família rica. No entanto, decidi que a felicidade é mais importante do que o dinheiro.

- Por que é que o deixaste?

- Ele maltratou-me - disse Gemini, simplesmente. - O seu pai era um homem poderoso na Colômbia e Moralis era apenas o filho. Devido às circunstâncias, ele descarregou as suas frustrações em mim; mental e fisicamente. Depois de dar à luz Nando, apercebi-me de que, para sobreviver, tinha de me afastar dele, por isso vim para aqui.

- Por que é que escolheste Las Vegas? - perguntou Dani. - Podias ter ido para qualquer lugar.

- Eu era dançarina em Paris quando conheci Moralis. Achei que seria insensato regressar a França. Las Vegas parecia ser um lugar onde conseguiria um bom emprego a fazer o que gosto de fazer.

- Ele não veio atrás de ti?

- Estou certa que sim. Mas aprendi que, quando uma mulher deixa um homem, nunca é prudente regressar.

- Eu penso em deixar Sam muitas vezes - suspirou Dani, observando o seu filho, que fazia alegremente bolos de lama com Nando. - Não suporto que ele beba e nunca trabalhe. Discutimos o tempo todo. Não é uma boa atmosfera para o crescimento de Vincent.

- Não, não é.

- E - continuou Dani - está sempre a pedir-me dinheiro para investir em esquemas malucos.

- Espero que não lho dês.

- Claro que não. Estou a guardar o dinheiro para a educação de Vincent.

- Tens um belo dilema - disse Gemini. - É sempre melhor para um rapaz ter um homem na sua vida.

- Eu sei - concordou Dani. - É por isso que tenho demorado tanto tempo a dar um passo. - Hesitou por um momento. - Sabes, Sam salvou-me e à minha irmã de uma situação terrível. Não quero falar disso mas, acredita-me, era má. Sam trouxe-nos para Las Vegas e cuidou de nós. Depois, mais tarde, casou com a minha irmã. Eram muito felizes, até que um dia ela desapareceu e nunca mais a encontrámos. Depois disso, era a minha vez de estar presente para Sam e ajudá-lo a superar tudo.

- E fizeste-o.

- Durante algum tempo. Depois ele tomou conta de mim quando estive grávida.

- Mal seria - disse Gemini. - É o filho dele.

- Não - admitiu Dani. - Sam não é o pai de Vincent.

- Isso é verdade? - perguntou Gemini, bastante chocada.

- Não é algo que eu fosse inventar.

- E Sam sabe?

Dani abanou a cabeça. Não estava arrependida de ter revelado o seu segredo. De certa forma era um alívio partilhar esse conhecimento com alguém; especialmente tendo em conta de que esse alguém era a sua melhor amiga.

- Se ele não é o pai de Vincent, então, não tens qualquer responsabilidade em relação a ele -disse Gemini. - Por que hás-de apoiar este homem para o resto da vida?

Gemini tinha razão: Dani já recompensara Sam por tudo o que ele fizera por ela. A parte difícil seria dizer-lhe que Vincent não era seu filho, porque isso era algo que ela tinha que fazer. Era mais do que justo.

- Bom - disse Gemini -, depois do espectáculo desta noite vou jantar com o meu empresário. Adorava que viesses para conheceres o amigo dele de Houston. É um homem muito simpático.

- Se é assim tão simpático, por que não sais tu com ele?

- Ele viu-te no espectáculo, Dani - disse Jem com um ligeiro sorriso. - Está desesperado para te conhecer.

- Tenho de ser sincera contigo, Gem. Estou farta de homens, deixaram de me interessar. Só o meu filho me importa; ele é tudo para mim.

- Posso perguntar-te quem é o verdadeiro pai dele?

- Um homem que conheci quando era muito nova. Julgo que não era muito mais velho do que eu, embora não fizesse ideia de que eu tinha apenas dezasseis anos. Imagino que ele tenha pensado que fôssemos da mesma idade. Devia ter provavelmente dezanove ou vinte. Infelizmente, acabei por conhecê-lo uma noite só.

- E quando lhe disseste que estavas grávida, que fez ele? - perguntou Gemini.

- Eu não lhe disse.

- Por que não?

- Porque depois da nossa única noite juntos, nunca mais soube nada dele. Por isso... decidi casar com Sam.

- E fingir que Vincent era dele?

Ela assentiu, com uma expressão de vergonha.

- Sim.

- Talvez tenha acontecido alguma coisa ao teu amante de uma noite só. A vida é assim mesmo.

- Talvez.

- Se pelo menos lhe tivesses dito que estavas grávida, ele poderia ter ajudado a sustentar o teu fillho. Ou achas que ele não tem o direito de saber que tem um?

- Não - disse ela, furiosamente. - Não tem. Vincent é meu. Eu é que estive sempre aqui para ele e sempre estarei.

- Se é assim que pensas... - disse Gemini.

- Sim - disse Dani, acenando vigorosamente com a cabeça. - É exactamente assim que penso.

- Então... logo à noite, vens?

- Acho que não.

- De certeza?

- Completamente.

Algumas semanas mais tarde, ela pôs Sam na rua. Ele cambaleou até casa às quatro da madrugada, completamente bêbado, tropeçando nos móveis e vomitando obscenidades. Penosamente, ela saiu da cama e desceu as escadas, esperando conseguir calá-lo antes que acordasse Vincent.

Não estava sozinho. Havia uma mulher com ele, uma prostituta pintada que beberricava de uma garrafa pequena de uísque enquanto se esparramava sobre ele.

- Que se passa? - disse Sam, mastigando as palavras, enquanto lançava a Dani um olhar toldado. - Não te queres juntar à festa?

- Sai daqui! - gritou ela, perdendo subitamente as estribeiras. - Sai da minha casa e nunca mais voltes!

Ele saiu sem discutir, com a mulher pendurada nele como uma sanguessuga. No dia seguinte, Dani esperou que ele voltasse para casa, pedindo-lhe que o perdoasse. Surpreendentemente, não o fez.

Alguns meses depois, Gemini sugeriu um jantar com o seu amigo. Desta vez, ela concordou.

E assim conheceu Dean King e quase se apaixonou.

 

                     Michael 1971

- Vou fazer um aborto e tu é que o vais pagar - anunciou Beth, atirando para trás os seus longos cabelos negros, com uma expressão provocadora no rosto.

- O Quê - respondeu Michael, em choque. Ela convidara-o para casa dela e aquilo era o que tinha para lhe dizer.

- Ouviste bem - disse ela, como se tivesse mencionado casualmente que ia fazer um tratamento aos dentes.

- Deves estar a brincar comigo! - disse ele, andando de um lado para o outro.

- Só dormi contigo uma vez e isso foi há meses.

- Fizemos duas vezes na mesma noite - corrigiu ela. - Engravidaste-me e agora tu é que tens de pagar para nos livrarmos do miúdo.

Cristo! Como é que se deixara envolver com aquela criança estouvada? Ela era completamente doida! E ele também, por se aproximar dela.

- Que raio é que te faz pensar que seja meu? - perguntou.

Ela lançou-lhe um olhar desdenhoso.

- Claro que é teu. Se não acreditas em mim, podemos fazer uma análise ao sangue.

Ele fitou aquela sedutora mulher- criança que o acusava de a engravidar e tentou ordenar as ideias. Tudo parecia ter acontecido tão depressa. Não fora Tina a ser transportada para a ambulância naquela fatídica noite, um ano antes. A tia Gloria das gémeas sofrera um ataque cardíaco fatal a meio de um sensual tango com Max. O pobre Max sofria com complexo de culpa desde então.

Depois do falecimento de Gloria, as gémeas ficaram por sua conta. O advogado que tratou dos bens de Gloria fez com que elas permanecessem na casa ao lado, com Max e Tina como seus tutores.

Pela mesma altura, Michael encontrou um pequeno apartamento e mudou-se. Tinha decidido que não valia a pena tentar voltar a trabalhar para Vito Giovanni quando podia fazer bom dinheiro noutro lugar, pelo que aceitou o trabalho que Gus lhe oferecera e, depois de algumas viagens bem sucedidas, tornou-se parte do grupo de Gus, na familia Lucchese.

Também contactara finalmente o número que Karl Edgington lhe dera. Uma mulher atendera o telefone.

- Michael Castellino - dissera ele. - Karl disse-me para ligar.

- Já era tempo - respondera ela. - Não diga nada ao telefone. Encontre-se comigo amanhã, às quatro, à porta do Plaza.

- Como é que a reconheço?

- Eu encontro-o a si.

E encontrara. O seu nome era Warner Carlysle e era decididamente uma beldade com classe, com cabelos castanho-aloirados e uma postura confiante. Verificou-se, para grande surpresa de Michael, que ela era amante de Karl Edgington. Era também a guardiã do seu dinheiro, um milhão de dólares em notas não marcadas, cuja existência era desconhecida dos agentes que o tinham detido.

- Karl quer lavar o seu dinheiro - dissera ela. - E, obviamente, não pode ser ele a fazê-lo. Portanto, contra um rendimento de dez por cento, ele quer que você o invista lentamente no mercado ao longo de um período de tempo.

- E se eu fizer asneira?

- Não fará. Eu dou-lhe as instruções do Karl e uma determinada quantia de cada vez. Esta é uma proposta que não pode recusar.

- Por que é que ele confia em mim?

- Karl não é tão brando quanto você pensa. Se o tramar, está a tramar-se a si mesmo. Se seguir as instruções, todos saem a ganhar.

Que fora exactamente o que ele fizera e estava a ganhar bastante. Cristo! A sua única noite com Beth fora um grande erro. No entanto, era um erro seu e agora tinha que pagar o preço.

Ela tinha dezassete anos e estava grávida. Ele tinha vinte e dois e estava chateado.

- Faz a maldita análise. - Fazia relutantemente o que era seu dever. - Se sair positiva, eu caso contigo.

- Grande coisa - disse ela, fazendo sobressair o lábio inferior. - Sou demasiado nova para me sacrificar no casamento e sou certamente demasiado nova para ter uma criança. Vou livrar-me dela, Michael, e tu é que vais pagar.

Aquela rapariga tinha tomates maiores que os dele.

- Não - disse ele, incisivamente. - Não aceito o aborto.

- Quem é que quer saber o que tu aceitas?

Ela era de mais.

- Estás a ouvir o que eu digo? - disse ele, colericamente. - Não há aborto.

- Os meus planos não incluem ficar amarrada a um bebé na minha idade - disse ela, com os seus olhos castanhos a flamejarem. - Se queres mesmo saber, vou ser uma estilista de moda. A maior e a melhor.

Ela já abandonara a escola e frequentava um instituto de moda. Pelo menos, tinha uma missão, o que era mais do que ele podia dizer acerca da maioria das mulheres com quem já saíra. Todas elas queriam casar. Andavam todas atrás da aliança de ouro no dedo. Até ao momento, nenhuma tinha chegado lá perto.

Pela parte que lhe tocava, o casamento era um anel dourado no pescoço e não algo que alguma vez tivesse posto em consideração antes. Agora estava a oferecê-lo a ela e ela estava a recusar. Inacreditável!

Contou a situação a Max, diante de uma cerveja, no seu bar habitual.

- Jesus! - murmurou Max. - Por que é que foste comê-la? Ela tem dezassete anos, por amor de Deus. Já não tinhas rata que te chegasse, precisavas de a ter a ela também? Foi umajogada muito parva!

- Sim, foi estúpido - admitiu ele. - Mas ela estava sempre a oferecer-se.

- E tu não podias resistir.

- Parece que não.

- Que tal é ela a foder? - perguntou Max, estreitando manhosamente o olhar.

- Vai-te foder! - disse Michael, franzindo o sobrolho. - Tu sabes que nunca falo das mulheres com quem estive.

- Ah, obrigado - disse Max, indignadamente. - Aqui estou eu, casado há seis anos, e tu não me queres dizer nada. Morrias se desses a um tipo casado uma pequena emoção?

- Digo-te isto - disse Michael, ignorando o seu comentário. - O que eu não vou fazer é deixar que ela se livre do meu bebé.

- Que vais fazer? - disse Max, sarcasticamente. - Amarrá-la aos pés da cama?

- Tens de convencer a Tina a falar com ela. Talvez depois do nascimento do bebé ela desperte para uma espécie de instinto maternal. Não é isso que acontece às mulheres?

- Como é que queres que eu saiba? - disse Max, bebendo a cerveja. - Se fosses esperto, deixavas-a livrar-se dele.

- Isso não é correcto, Max. Como é que tu te sentias se fosse a Susie ou o Harry?

- Está bem, está bem; percebo o que queres dizer.

- Então, falas com a Tina?

- Claro. Mas já te aviso: a minha adorável mulher vai lixar-te a cabeça por esta merda.

Espero que goste.

- Seu porco tarado e nojento! - enfureceu-se Tina. - Por que é que não mantiveste essas patas longe dela?

Ele encolheu os ombros.

- Tens razão. Nunca me devia ter aproximado dela. Acredita, o erro é meu.

- E um grande erro - disse Tina, fitando-o irritadamente. - Não entendes? Max e eu somos responsáveis por aquelas raparigas. É suposto que as protejamos de sanguessugas velhas como tu.

- Não sou propriamente uma sanguessuga velha.

- Bem, eu acho que és repugnante. É terrível o que fizeste àquela pobre rapariga.

- Oh, deixa-te disso, Tina - disse ele, defendendo-se. - Beth é a miúda mais sabida que eu já encontrei.

- Tu próprio o disseste, Mike: é uma miúda e devias tê-la deixado em paz.

- Não deixei; e agora, o que acontece?

- Tens que casar com ela.

- Ofereci-me e ela não quer.

- Ofereceste-te para casar com ela? - disse Tina, chocada.

- Podes crer que sim.

- E ela disse que não?

- Isso mesmo - disse ele, cansadamente. - Olha, se ela tiver o bebé, eu sustentarei os dois. Mas digo-te de caras: aborto não.

- Não é escolha tua.

- É o meu bebé.

- Como sabes? - disse Tina, erguendo o sobrolho. - Estás a dizer-me que ela só dormiu contigo uma vez.

- Ela está disposta a fazer aquela coisa da análise ao sangue e eu também. Além do mais, ela jura que é meu.

- E tu acreditas nela?

- Sim.

- Está bem - suspirou Tina. - Eu falo com ela. Mas não por ti; por ela. E, Michael...

- Sim?

- No futuro, guarda a tua pilinha para ti mesmo.

- Pilinha, Tina?

Ela não pôde evitar uma risada.

- Nunca cheguei a descobrir, pois não?

Dois dias depois, Tina chamou-o a sua casa.

- Quantas vezes dormiste com ela? - perguntou.

- Uma.

- Então, deves ser um verdadeiro prodígio.

- Que queres dizer?

- Levei-a ao ginecologista. Está grávida de cinco meses, portanto, deves ter dormido com ela logo após a tua mudança.

- Quem é que se lembra disso? - disse ele, lembrando-se bem de mais. Estava uma daquelas noites quentes de Verão e ele fora a casa de Tina e Max para jantar. Ao sair da casa deles, avistou Beth sentada nos degraus exteriores da casa ao lado. Vestia umjusto top vermelho e uns calções quase inexistentes.

Olá, Michael", disse, acenando-lhe.

Ele aproximou-se. Ela estava a fumar um cigarro, bebendo uma lata de Coca-Cola e ouvindo música cubana no seu rádio portátil.

Tiveste saudades minhas? disse, cortejando-o como de costume.

Ele tirou-lhe o cigarro das mãos.

És demasiado nova para fumar, disse, asperamente.

Ela ergueu-se de um salto.

Dá-me isso, berrou, de mãos nas ancas.

Ele tirou uma passa, provocando-a propositadamente. Ela deu-lhe um murro fingido no estômago e agarrou o cigarro.

Tu, como é que estás? ", perguntou ele, sorrindo.

Chateada", respondeu ela inquietamente, sentando-se de novo e esticando as suas longas pernas.

Onde está Catherine?

Foi passar o fim-de-semana fora.

Por que não foste jantar a casa de Max e Tina?

Porque ficaria ainda mais aborrecida.

Porquê? Eu estava lá.

É isso que eu quero dizer.

Tu és uma bela encomenda. "

É precisa uma para reconhecer outra.

Então, disse ele, sentando-sejunto a ela, onde estão os teus namorados todos esta noite?

Ah, disse ela, desgostosamente. Já te disse antes: não gosto de rapazes, gosto de homens.

Que idade tens tu agora?

Idade suficiente para fazer o que quiser, disse ela, olhando-o de forma ousada.

Não me parece. Na minha opinião, vais ter que continuar a praticar com rapazes durante os próximos anos.

A sério, Michael? disse ela, lançando-lhe outro olhar provocador.

Sim.

Uau! Está calor", disse ela, abanando-se com a mão.

Ele não pôde deixar de reparar que os mamilos dela estavam erectos. O topjusto não escondia muito e era óbvio que ela não tinha soutien.

O congelador do frigorífico avariou e tem um grande pedaço de gelo preso lá dentro", disse ela, consciente de que ele estava a olhar-lhe para os seios. Não me podes fazer o favor de dar uma olhadela?

Chama um técnico, disse ele com vivacidade.

Por favor, Michael, porfavor, disse ela, levantando-se.

Está bem, está bem", disse ele, erguendo-se e seguindo-a para dentro da casa, que tinha a mesma disposição interior da casa de Max e Tina, embora estivesse mobilada de forma diferente, com sofás coloridos, bonitas pinturas abstractas e tapetes artesanais. A tia Gloria tinha demonstrado um gosto muito extravagante.

A cozinha estava uma confusão. Pratos sujos e caos por todo o lado. Catherine é que trata da casa, explicou Beth, baixando-se para apanhar o prato do gato.

Onde está o frigorífico? ", perguntou ele, tentando evitar olhar para o rabo dela, tão atraente e convidativo debaixo dos reduzidos calções.

Ela apontou para ele. Ele aproximou-se. Ela estava mesmo por trás dele, com o rádio a tocar salsa.

Conseguia sentir o cheiro dela: uma estonteante mistura de doce perfume de baunilha e suor fresco.

Michael", disse ela.

Sim? respondeu ele, abrindo o frigorífico.

Acho que és muito sexy.

E eu acho que és muito nova"; disse ele, espreitando um grande pedaço de gelo que bloqueava a porta do congelador.

Eu não sou virgem, anunciou ela.

Vamos fazer uma trégua, disse ele, tentando descolar o gelo com a mão; um exercício infrutífero. Tens um picador de gelo?

Serve um martelo?

Parece que vai ter de servir. "

Ela tirou um martelo de uma gaveta e entregou-lho.

Quando ele se voltou para lhe pegar, ela subitamente passou os braços em volta do seu pescoço e beijou-o. Um grande, quente e molhado beijo mesmo nos lábios, com muita língua envolvida.

Beth... começou ele. Demasiado tarde. Como um mecanismo, o seu sexo ergueu-se repentinamente.

Ela não era inocente. Sentiu a sua erecção e, antes mesmo que ele pudesse pensar no que ia acontecer a seguir, desapertou-lhe o fecho das calças e introduziu a mão.

Cristo! Que podia ele fazer? Afinal, era apenas humano.

Em poucos segundos, ela desapertou o seu top, revelando os mais perfeitos seios pequenos, com bonitos mamilos erectos.

Quero-te, murmurou ela, num sussurro rouco. Quero-te, Michael. Quero-te agora. " Ele massajou-Lhe os mamilos com os dedos. Ela gemeu e começou a mexer nele com a mão.

Que se lixasse a idade dela! Ele chegara ao ponto de não retorno e não ia a lado nenhum.

Afundaram-se no frio chão de linóleo. Ele arrancou-lhe os calções, descobrindo que ela não tinha roupa interior. Também ele não tinha.

A pele dela estava quente, húmida e convidativa. Após lhe sugar os mamilos durante alguns momentos, ele introduziu-lhe a mão entre as pernas e depois subiu para cima dela.

Ela gemeu de prazer, mexendo-se debaixo dele, contorcendo as ancas contra as suas, de alguma forma serpenteando ao ritmo da música vibrante.

Foi uma viagem arrebatadora para ambos. Tão boa que, após uma pausa de alguns minutos, ele estava pronto para a fazer novamente. E fê-la.

Depois, coberto de culpa, nunca mais se aproximou dela.

Isso tinha acontecido havia cinco meses. Agora aquilo.

- Seja como for - disse Tina, em tom de comando. - É demasiado tarde para um aborto.

- Então, está resolvido - disse ele, decididamente. - Ela vai ter o bebé e eu vou casar com ela.

- Lamento destruir a tua maravilhosa fantasia de que todas as mulheres suplicam para casar contigo - disse Tina. - Mas, como sabes, ela não quer fazê-lo.

Ele não estava com disposição para o sarcasmo de Tina.

- Então, quer o quê? - disse ele secamente.

- Diz que vai viver contigo.

- Não entendo - disse ele, confuso. - Num momento não quer casar comigo e a seguir já quer viver comigo?

- Ela acha que viver contigo é uma boa ideia.

- Eu não quero viver com ninguém.

- Porquê? Estás disposto a casar com ela.

- Isso é diferente.

- Bem - continuou Tina. - Imagino que isto te ensine a conservar o instrumento dentro das calças.

Por que sentiria ele que Tina estava a desfrutar de cada momento daquela desagradável situação?

No que se referia aos negócios, as coisas estavam em alta. Trabalhar com Gus e o seu grupo servia-lhe perfeitamente e estava a ganhar bastante, investindo o dinheiro de Karl Edgington e retirando dez por cento dos lucros antes de transferir o saldo para uma conta bancária na Suíça. Era complicado, mas Karl tinha todo o negócio planeado. Nunca tomava uma decisão errada acerca das acções em que investir. O homem era um génio e Michael estava a ficar rico.

Entretanto, o grupo de Gus estava envolvido em tudo, desde usura a pagamento de protecção. De vez em quando, conseguiam um assalto de grande dimensão. Isso mantinha Michael suficientemente ocupado.

- Se alguém precisar alguma vez de enviar alguma coisa para Las Vegas, isso é o que eu costumava fazer - disse ele, passando a palavra.

Gus riu-se na sua cara.

- O Sr. Lucchese não transacciona droga dessa maneira - disse. - É mais esperto do que isso.

- Droga? Eu pensei que transportava dinheiro.

- Vito Giovanni pôs-te a transportar narcóticos - disse Gus. - Tens muita sorte em não ter sido apanhado. Não andarias agora à solta se os Federais te tivessem tramado o coiro.

Merda! Tinha andado a passar droga de um lado para o outro das fronteiras estaduais sem o saber. Que raio de idiota era ele? E por que não o tinha avisado Mamie? Era uma cabra por não o ter feito.

Ele reparara que um dos homens de Dante Lucchese parecia afastar-se do seu caminho para o evitar. O seu nome era Bone* e era exactamente isso que ele parecia. Pele pálida esticada sobre uma face esquelética, com olhos gelados, pálpebras cinzentas e pendentes e uma postura encurvada. Aparentava ter bastante idade - quase cinquenta. Todos sabiam que ele era o assassino a soldo do Sr. Lucchese. Se era necessário eliminar alguém, Bone era o homem que tratava disso. Michael não participava nessa área dos negócios. Matar não era com ele. O único sítio onde lhe agradava ser matador era na Bolsa.

- Bone tem algum problema comigo? - perguntou um dia a Gus.

- Que tipo de problema? - disse Gus, mascando vigorosamente uma pastilha elástica.

- O cretino nunca me dirige uma palavra, nunca. Nem sequer um aceno de cabeça.

- Não sei - disse Gus, mordendo uma unha partida. - Devias tentar falar com ele. Aliás, ele já trabalhou para o teu antigo patrão.

- Ah, sim?

- Sim, ele esteve com a família Giovanni. Deve ter sido antes do teu tempo. Ouvi dizer que era muito próximo do primo da patroa.

- O primo de Mamie Giovanni. Roy?

- Sim. Ei, não é esse o sacana de quem me disseste que te preparou uma cilada?

- Exacto.

- Talvez Bone ache que não devias estar aqui.

- Porquê?

- Não sei. Fala com ele.

Mas não falou. Havia algo em Bone que não convidava à conversa.

As gémeas Delagado tinham vários parentes espalhados pelo país. Isso era útil, porque, enquanto Beth estava ocupada a mudar-se para a casa que Michael tinha

 

* Em tradução literal, Osso. (N. do T)

 

arranjado para eles, Catherine decidiu visitar uma prima distante. Catherine, a gémea sossegada, estava muito perturbada com a gravidez de Beth. Sentia que Michael tinha abusado da sua irmã.

- Por que é que estás a fazer isto? - perguntou Michael a Beth, enquanto desempacotavam caixas. - É uma loucura. Devíamos casar.

- Porquê? - disse ela simplesmente. - Tu não me amas e eu não te amo.

- Porque vamos ter um bebé - disse ele, tentando convencê-la. - E queremos que este miúdo cresça sentindo que tem pais, certo?

- O que te faz pensar que seja um rapaz? - perguntou ela, ocupada a tirar T-shirts de uma caixa e a colocá-las numa pilha desordenada.

- Vai ser um rapaz - disse ele confiantemente.

- Não estejas tão seguro - disse ela, dando pancadinhas no estômago. - Eu acho que o sexo é determinado pela pessoa mais dominante. - Um sorriso perverso.

- E essa sou eu.

- Tinhas de pensar isso, não é?

Ela sorriu-lhe de novo, aquele sorriso tentador e torturante que o metera em sarilhos desde o início.

Recentemente, dera por si a visitar Max e Tina com mais frequência do que o habitual. Gostava de brincar com os miúdos. O pequeno Harry era um miúdo verdadeiramente rijo e Susie era uma engraçada maria-rapaz. Mas as raparigas não eram a mesma coisa que os rapazes e ele queria um filho, um rapaz a quem pudesse ensinar coisas, uma imagem viva dele mesmo e de quem se pudesse sentir orgulhoso.

Não seria como a relação que ele tivera com o pai: Vinny nunca lhe dera atenção ou amor. O seu filho teria tudo.

- Estou a ficar tão gorda - lamentou-se Beth, mirando-se a si mesma no espelho. - Pareço uma porca velha.

- Nem penses - assegurou-lhe ele, pensando no que deveria fazer em relação às suas outras amigas agora que iam viver juntos. Havia duas ou três com quem se encontrava regularmente. Deveria desistir delas?

- Sim, estou - queixou-se Beth, virando-se de lado. - Olha para mim, estou uma desgraça.

- És engraçada - disse ele, divertido com a consternação dela porque praticamente não havia sinal de um bebé a crescer na sua bariga; ela continuava com um aspecto sensacional.

Irritadamente ela voltou-se para ele.

- Ah - disse, estreitando o olhar-, então, tu achas que estar gorda é engraçado?

- És qualquer coisa, Beth! - disse ele, rindo-se. - Quando cresceres vais fazer de alguém um homem muito feliz.

- E esse alguém não és tu, pois não, Michael? - disse ela, ficando subitamente muito séria.

- Não, ambos concordamos que isto era um arranjo temporário até teres o bebé. Depois decidiremos o passo seguinte. Entretanto, somos ambos livres para fazermos o que quisermos.

- Se quisermos - corrigiu ela.

- Ei - disse ele -, eu via a quantidade de tipos que se atiravam a ti quando vivias ao lado de Tina e Max. Achas que não reparava? Portanto, sai e diverte-te. Eu farei o mesmo.

- Nunca comi verdadeiramente nenhum deles - disse ela, inocentemente. Tu foste o único que eu fodi. E alguém em Cuba quando tinha catorze anos.

- Jesus, Beth! - exclamou ele. - Já alguém te disse que tens uma boca de tropa?

Ela inclinou a cabeça de lado.

- Há algo de errado nisso?

- Às vezes pareces tão inocente, depois pimba, abres essa tua boca e cuidado! Alerta militar!

- Desculpa, Michael - disse ela, sarcasticamente. - Estou a ofender os teus ouvidos sensíveis?

Ele não estava com disposição para as suas respostas espertalhaças.

- Seja como for - disse ele. - Como é isso do nunca comi nenhum deles"? Quando estivemos juntos, não eras virgem.

- É verdade - disse ela.

- Então?

- Já te disse: houve um homem em Cuba.

- Quem era ele?

- O meu amante secreto.

- O que significa que não me queres dizer.

Ela sorriu.

- Exacto.

- Tenho que sair - disse ele. - Deixei dinheiro na mesa da cozinha. É melhor comprares um berço e todas essas merdas. Temos de nos organizar.

- Quer dizer que não vamos fazer isso juntos, como um casal recém- casado?

- Beth, não me chateies.

- Ei - disse ela, veementemente. - Vou ter este bebé por ti, portanto, não me chateies tu.

- Não nos esqueçamos de que vais ter este bebé porque é demasiado tarde para te livrares dele.

- Odeio-te! - disse ela, subitamente reagindo de acordo com a sua idade. Odeio-te mesmo.

- Uau! Sentimentos. Isso é uma boa novidade.

- Eu sempre tive sentimentos por ti, Michael - disse ela, mudando de atitude.

- Desde a primeira vez que te vi, soube que havia de te ter. E, agora, tenho-te mesmo.

- Não te compreendo - disse ele, abanando a cabeça. - Eu teria casado contigo, mas não, não querias isso.

- É melhor ver se nos conseguimos entender sem toda essa papelada, não te parece?

E ela olhou-o com os seus grandes olhos castanhos e subitamente ocorreu-lhe que talvez estivesse a apaixonar-se por aquela sensual mulher-criança que transportava o seu bebé.

Às vezes perguntava a si mesmo o que se passaria na cabeça dela.

- Encaras isto de forma tão despreocupada - disse.

- Por que não haveria de o fazer?

- A propósito, para que fique registado, não pareces repugnante. De facto, até estás bonita. Tens aquele brilho em ti.

Aquele sorriso de novo, iluminando- lhe o rosto.

- A sério?

- Sim - disse ele, pesarosamente. - Infelizmente para mim, és uma criança muito bonita.

- Sabes bem que não sou uma criança - disse ela, com um sorriso perverso.

- É o que me costumas dizer.

- Bem - disse ela, sedutoramente -, já que estou grávida e é bastante evidente aquilo que fizemos, não achas que talvez devêssemos celebrar? - Enquanto falava, passou os braços em volta do pescoço dele, aproximando os lábios do seu ouvido.

- Beth - disse ele, abanando a cabeça -, és uma verdadeira provocação.

- Michael - sussurrou ela, com a língua a lamber-lhe o interior do ouvido -, não estou a provocar.

Quatro meses depois, Beth acordou a meio da noite e começou a gritar como uma louca.

- Estou a ter um bebé! - berrava ela, histericamente. - Foda-se, que dói! Michael levantou-se de um salto, vestiu-se apressadamente, correu para a rua, acenou a um táxi, ambos entraram nele e correram para o hospital. Beth continuou a gritar, a berrar e a praguejar durante todo o trajecto.

As enfermeiras ficaram chocadas.

- Por favor, diga à sua mulher para se acalmar, Sr. Castellino. A linguagem dela não é aceitável.

- Ela não é minha mulher.

- Então, é tio dela?

- Não - riu-se. - Sou o pai do bebé.

- Ah - disse a enfermeira, calando-se de seguida.

- Não se preocupe - disse ele, enquanto os penetrantes gritos e pragas de Beth enchiam o ar. - Ofereci- me para casar com ela. Não aceitou.

- Rapariga tola - disse a enfermeira, afectadamente.

- A quem o diz - concordou ele.

Enquanto a enfermeira empurrava a cadeira-de-rodas de Beth para a sala de partos, ele correu até um telefone e ligou para Max e Tina.

- É melhor que venham depressa para aqui - anunciou ele. - Vamos ter um bebé.

- Vamos a caminho - assegurou-lhe Max.

Quando chegaram, Beth já tinha dado à luz uma saudável menina. A bebé pesava 3, 800 quilos e tinha uma grande cabeleira densa, negra e encaracolada.

- Vamos chamar-lhe Madison - anunciou Beth, deitada na cama do hospital com a bebé entre os braços, os seus longos e negros cabelos húmidos de suor e um sorriso de contentamento na cara.

- Que raio de nome é esse? - perguntou Michael.

- É um nome especial - respondeu ela, suavemente - para uma menina especial.

- Não tenho uma palavra a dizer?

- Vai-te habituando. - Max riu-se. - As coisas são mesmo assim. Casada ou não, a mulher leva sempre a sua avante.

- Anda - disse Beth -, pega nela. - E entregou a Michael a acabada de baptizar Madison.

Cuidadosamente, ele pegou na bebé e segurou-a entre os braços. Madison.

Ela era linda, exactamente como a mãe.

 

                   Dani: 1971

Recentemente, o advogado de Sam contactara Dani para a informar de que Sam pretendia chegar a um acordo sobre os direitos de visita do seu filho. Quando falou a Gemini sobre o assunto, durante o almoço no Desert Inn, a amiga foi categórica quanto a dizer a verdade ao advogado.

- Não posso fazer isso sem contar a Sam antes - explicou Dani.

- Pensei que lhe tinhas dito.

- Não. Depois de o pôr na rua, não voltei a vê-lo. Pareceu-me inútil contactá-lo quando era evidente que não pretendia visitar Vincent. Fiquei com a impressão de que ele não queria saber.

- Aparentemente quer, portanto, agora, tens de contratar o teu próprio advogado e comunicar apenas através dele.

- Mas isso deve custar uma fortuna!

- E a protecção do teu filho não vale o dinheiro? - perguntou Gemini.

- Claro que vale.

- Seja como for, Dani, devias pedir conselho a Dean. Ele é um homem inteligente e rico. Estou certa de que te ajudará.

- Disseste-me uma vez que o dinheiro não é tudo.

- Isso é verdade - disse Gemini. - No entanto, Dean não é apenas rico, também gosta de ti. O passo mais sensato seria apanhá-lo antes que outra pessoa o faça. Tens mantido-o à distância e nenhum homem gosta disso. Provavelmente, já começa a sentir- se rejeitado.

- Eu não sou responsável pelo que ele sente - disse Dani, desejando que Gemini parasse de empurrar Dean para ela. Se algum efeito isso tinha, era o de a fazer recuar ainda mais.

Dean King vivia em Houston, onde era presidente de uma grande petrolífera. Tinha trinta e três anos, era solteiro e extremamente rico. Também era atraente, encantador, amável, adorava Dani e gostava muito de Vincent.

Que mais podia ela pedir? E, no entanto, havia algo dentro de si que a impedia de o deixar aproximar-se demasiado.

- O homem está doido por ti - realçou Gemini. - Por que é que estás a resistir?

- Tenho medo - disse Dani, tremendo com a ideia de ter uma relação íntima com outro homem.

- De quê - perguntou Gemini, debicando a sua salada.

- Tenho medo de que ele me deixe - admitiu Dani.

- Que te deixe? - exclamou Gemini. - Isso é ridículo!

- Eu sei que estou a ser tola - disse Dani, falando rapidamente. - Sei também que preciso de mais tempo.

- Quanto tempo mais? - perguntou Gemini, enquanto o empregado de mesa enchia o seu copo de água. - Dean não vai andar por aí para sempre. Quero dizer, " quanto tempo achas que vai esperar até que durmas com ele?

- Não posso fazê-lo - disse Dani, em pânico.

- Por que não? - perguntou Gemini. - É um acto perfeitamente natural. Não és virgem. Já casaste, já tiveste um filho.

- Não compreendes - explicou Dani. - Michael foi o primeiro homem com quem dormi.

- Quem é Michael?

- Michael foi o primeiro que dormiu comigo. Seja como for, só o fizemos uma vez.

- Isso não pode ser verdade - disse Gemini, genuinamente surpreendida.

- Mas é.

- Estás a dizer-me que apenas fizeste amor duas vezes na tua vida? Dani assentiu com a cabeça.

- Receio que o sexo não seja para mim.

- Oh, meu Deus! - Gemini suspirou. - Pobre rapariga. Precisas de um psicólogo. E precisas também de um homem que seja dedicado. Um homem como Dean. Agora que sei isso, vou encorajar ainda mais as coisas.

- Por favor, não o faças - disse Dani, rapidamente.

Gemini tinha uma provisão interminável de admiradores masculinos. Ao contrário de Angela, antiga companheira de quarto de Dani, Gemini era muito selectiva. Saía com um homem uma vez e, se ele não estivesse à altura dos seus exigentes padrões, passava à história. Dani admirava a forma como ela lidava com os homens. Pessoalmente, não o conseguiria fazer.

- Sugiro que não esperes muito tempo para pedir o conselho de Dean - disse Gemini, acenando a pedir a conta. - Vais jantar com ele esta noite, não vais?

- Sim, ele veio cá passar o fim-de-semana.

- Então aproveita.

Gemini tinha razão: se ela não consolidasse o seu relacionamento depressa, era muito possível que o perdesse.

Não importava, porque qualquer dia ele acabaria por ir embora. Os homens faziam sempre isso.

Jantaram na suite de cobertura de Dean no Hotel Stardust. Dean era extremamente romântico e nessa noite notava-se especialmente. Havia velas e uma taça de rosas vermelhas na mesa preparada para dois no terraço, enquanto um violinista em segundo plano tocava suavemente música clássica.

- Qual é o motivo da celebração? - perguntou Dani.

- Tu és o motivo - respondeu ele, beijando-a na face. - És sempre o motivo. Era tarde, ela tinha feito dois espectáculos e teria preferido ir directamente para casa, para junto de Vincent, que estava, sem dúvida, a dormir profundamente. Contratara uma mulher competente, interna, para cuidar dele. Embora Vincent gostasse da mulher, dissera a Dani que não era a mesma coisa que ter a sua mamã por perto.

Vincent nunca perguntara por Sam. Nem uma vez. Talvez sentisse que Sam não era o seu verdadeiro pai.

- Põe-te à vontade - disse Dean -, enquanto te sirvo um copo de champanhe.

- Eu não bebo - recordou-lhe ela.

- Esta noite é uma ocasião especial - disse ele, retirando uma garrafa de cristal do balde de gelo.

- É o teu aniversário? - perguntou ela, esperando não se ter esquecido.

- Não, não é o meu aniversário - disse ele, enchendo-lhe o copo. - Podes beber champanhe de vez em quando, não podes?

- Suponho que sim.

Ele sentou-se de frente para ela e brindaram.

- Sabes, Dani, para uma mulher tão bonita e, penso eu, sofisticada, acabas por ser no fundo verdadeiramente muito caseira, não é?

- Que te fez pensar que eu fosse sofisticada?

- És uma das figuras principais de um espectáculo de primeira em Las Vegas. Em palco apareces com um ar tão escultural e encantador. - Olhou-a com uma expressão irónica. - Não é nada do que tu és, pois não?

- Não, Dean, não é - disse ela, deslumbrando-o com o seu sorriso. - Gemini é que é a sofisticada. Eu sou apenas uma mamã.

- O que faz de ti uma mulher verdadeiramente afortunada.

- Porquê?

- Ter dado à luz uma criança numa idade tão jovem. Nunca encontrei uma mulher com quem quisesse ficar. - Lançou-lhe um olhar pleno de significado. Até agora.

Ela sabia o que vinha aí, o que explicava o ambiente romântico. E, por muito que gostasse dele, receava deixá-lo aproximar-se mais.

- Mandei preparar todos os teus pratos favoritos - disse ele. - Caviar para começar, lagosta e depois um soufflé de chocolate, a especialidade do chefe.

- Esses não são os meus pratos favoritos - disse ela, brincando com o seu copo.

- Vão sê-lo depois desta noite.

- Nunca provei caviar.

- Então, será esta a primeira vez, não é?

Durante o jantar ela puxou o assunto da contratação de um advogado. Dean ouviu-a atentamente.

- Já estás divorciada? - perguntou.

- Não.

Ele inclinou-se para a frente, observando-a cuidadosamente.

- E queres?

- Sim.

- Infelizmente, o teu ex terá alguns direitos de visita.

- Sim?

- Claro. Ele é o pai de Vincent.

Ela hesitou por um momento.

- E se não for? - arriscou.

- Desculpa? - disse Dean, parecendo confundido. Deveria ela contar-lhe toda a sua desgraçada história?

Por que não? Não tinha nada a perder.

- Dean - começou ela. - Até hoje só contei isto a outra pessoa, que foi Gemini.

- Que é? - perguntou ele, ansioso por ouvir o que ela tinha para dizer.

- Aqui vai - disse ela, inspirando longa e profundamente. - Sam não é o pai de Vincent.

- Não é?

- Não. - E depois contou-lhe toda a história.

- Portanto - disse ele, quando ela terminou -, eu podia ser a figura paternal que Vincent nunca teve.

- Ele já acha que tu és o maior.

- Sim?

- Isso porque tu o estragas com mimos.

- Eu sei. Ele adora e eu também. É um grande miúdo.

- Todos aqueles brinquedos - censurou ela. - Tu foste o quê? Uma criança com privações?

- Nada disso. Apenas gosto de dar.

- Isso é bom.

- Agora - disse ele devagar -, em vez de esperarmos pelo soufflé, tenho algo para te perguntar.

- Tens?

- Dani - disse ele, remexendo no bolso e fazendo surgir um estojo de anel da Cartier -, concedes-me a honra de casar comigo?

Abriu a caixa e ela deu por si a contemplar um magnífico solitário de diamante lapidado em esmeralda.

Ela desconfiara do que ia acontecer e, não obstante, foi ainda assim uma surpresa. Afinal, nunca tinha feito mais do que dar àquele homem um beijo de boas-noites e agora ele estava a pedi-la em casamento.

- Posso dar-te a vida com que sempre sonhaste - continuou ele, tirando o anel do estojo e oferecendo- lho. - E não apenas a ti, também a Vincent. Frequentará as melhores escolas e universidades. Poderá fazer o que quiser. Poderá tornar-se advogado, cientista, jogador de futebol, seja o que for.

- Eu... eu tenho que pensar nisso - murmurou ela, segurando o anel. Sim, tenho que pensar nisso, porque a minha energia sexual está em ponto-morto; e não tenho a certeza de querer voltar a estar com outro homem. "

- Que há para pensar? - disse ele, com ar perplexo. - Põe o anel, vê se te serve. Fiquemos noivos, pelo menos.

- Tens que me dar tempo, Dean - disse ela, devolvendo-lhe o anel. - Ainda nem estou divorciada.

- Arranjo-te o melhor advogado de divórcios da cidade.

Ela baixou o olhar.

- Quero que saibas que me sinto muito lisonjeada por me teres pedido.

- Isso é um não?

- É um talvez.

Ele sorriu.

- Aceito isso.

- Espero que sim - disse ela, ternamente. - Porque é assim que tem de ser.

- Por agora? - disse ele, pegando-lhe na mão.

- Sim, Dean, por agora.

 

                   Terça Feira, 10 de Julho de 2001

- Tragam o raio do furgão para aqui - gritou Madison ao telefone. - Deixem de empatar. Estamos numa situação de vida ou de morte. Já morreram duas pessoas. Entendem isso? Eles mataram duas pessoas. Tragam- nojá! Ou, acreditem, vão-se arrepender. Sou jornalista e prometo-vos que faço aparecer a vossa incompetência na primeira página de todos os jomais da América. Agora, mexam-se.

- Ei, miúda - disse um dos bandidos, aproximando-se com um salto e olhando-a com admiração -, tens tomates!

O chefe lançou-lhe um olhar de aviso. Mas o bandido, que seguira o exemplo do líder e tirara também a máscara de esqui, estava imparável.

- E um corpo delicioso, também - disse ele, esfregando sugestivamente a zona púbica. - Esta merda está a deixar-me com tesão!

- Não estás aqui para dar uma queca - gritou o líder. - Estás aqui para sacar a merda do dinheiro. Agora vê no saco o que é que conseguimos.

- Saímo-nos bem - disse o terceiro assaltante, aquele que recolhera o saque no saco de lixo preto. - Temos um par de relógios Rolex, oito telemóveis, jóias e muita...

- Temos que nos pôr a mexer antes que nos enforquem pelos tomates interrompeu o cabecilha.

- Já não enforcam pessoas - disse Madison, tirando uma madeixa de cabelo da frente dos olhos. - Fritam-nas na cadeira eléctrica e é aí que vocês irão acabar se dispararem contra mais alguém.

- Estou a cagar nisso! - disse ele. - Podíamos exterminar-vos a todos agora e para mim seria igual.

Madison tomou consciência de que eles não estavam preocupados. Aquilo era apenas mais um dia de trabalho para eles e, se morressem pessoas, paciência.

- Isto é alguma espécie de iniciação a um gang - perguntou ela, notando que todos eram jovens, brancos e estavam pedrados. - Porque, se é, sair-se-iam muito melhor se assaltassem um banco.

- Vocês, ricaços estúpidos, fazem-me rir - escarneceu ele. - Porquê assaltar um banco quando vocês estão todos aqui sentados com os vossos anéis, as vossas pulseiras e todas as vossas merdas?

- Já alguma vez fizeram isto? - perguntou ela, ignorando Cole, que estava no canto com os outros reféns e lhe fazia sinais silenciosos para que se calasse.

- É fácil como o caralho - vangloriou- se o cabecilha. - Entra-se, mandam-se uns tiros para o tecto, toda a gente no chão, apanha-se tudo o que têm e sai-se. Se não fosse por o cabrão daquele brochista ter sacado uma arma, já estaríamos longe.

- Mas não estão - realçou ela.

- Então, quem vou despachar a seguir? - disse ele, com o seu olhar pedrado a cruzar-se com o dela. - Tu?

Ela recusou-se a deixar-se intimidar.

- O furgão vem a caminho - disse, mantendo a voz num tom forte e firme.

- É bom que tenhas razão.

- Tenho - respondeu ela, confiantemente.

- Afinal, que merdas é que escreves? - disse ele, inclinando-se sobre o bar e servindo-se de um maço de Lucky Strikes.

- Escrevo para uma revista - disse ela.

- Que revista da merda é essa? - perguntou ele, desconfiadamente, esfregando a orelha, na qual ela notou que havia três brincos. Cortar qualquer tipo de grupo neonazi; aqueles rapazes estavam por conta própria, o que tornava a situação ainda mais alarmante.

- Manhattan Style - disse ela, fitando-o directamente nos olhos. - Pode-me dar um cigarro?

- Tens grandes tomates, sim, senhora - disse ele, mas deu-lhe o cigarro.

Ela sentiu que era um passo em frente.

- Devia contar-me a vossa história - disse ela, apelando ao ego dele. - Se eu escrevesse acerca de vós, as pessoas ficariam interessadas em saber por que fazem isto.

- É muito simples - disse ele, atirando-lhe uma carteira de fósforos. - Quero obter as merdas que vejo na televisão: o caralho do carro, o Rolex, a casa e a puta das férias no Havai.

Ela avaliou a cara dele, comprida, magra e pálida, de traços angulosos.

- Você é americano?

- Que raio de pergunta é essa? Claro que sou.

- De onde são os seus pais?

- Também és psiquiatra, como o que vi n'Os Sopranos?

Hmm... então, ele vivia numa casa ou num apartamento que tinha televisão por cabo. Provavelmente, com os pais, que não faziam ideia do que ele fazia quando não estavam a olhar.

- O meu palpite é de que os seus pais são russos ou polacos - disse ela, acendendo o seu cigarro, não obstante ter deixado de fumar.

- Russos, cabra! Isso faz-te feliz?

- Por que tás a falar co'esta gaja? - disse o segundo assaltante, aproximando-se de novo. - A gaja tá a ver se te dá a volta para os deixares sair a todos.

- Achas que é isso que ela está a fazer?

- Sim - disse o assaltante número dois. Tinha um olhar malévolo e a tatuagem de uma cobra a aparecer na parte lateral do pescoço.

Isso é bom para te identificar", pensou Madison. Isto, se chegarmos a escapar deste pesadelo.

- Vai para junto do teu homem - rosnou o cabecilha, tirando-lhe o cigarro da mão. - Afinal, como é que casaste com um tipo negro?

- Isto é a América - disse ela. - Na América há uma liberdade que você não tem na sua terra-mãe.

- Não me venhas com essa merda da terra-mãe - disse ele, ficando agitado.

- Sou americano, vim para cá quando tinha cinco anos.

- O que significa que é russo de nascimento.

- Não sou russo, merda nenhuma! - berrou ele, vermelho de raiva. - Não tenho nada a ver com aquelas merdas dos bolcheviques de que a minha mãe ainda fala. Sou americano e isto, dona, é a maneira americana de fazer as coisas. Quando não se tem, tira-se. Funciona bem comigo.

Finalmente, ela estava a conseguir comunicar com ele.

Jenna não sabia qual seria o subterfúgio mais eficiente para amaciar Vincent. Deveria chorar e soluçar? Suplicar perdão? Ou deveria ser fria e maldosa?

Mas como ele nem falava com ela, não importava.

Mantiveram-se lado a lado no elevador, subindo para o seu apartamento de cobertura. Viviam no topo do hotel num apartamento que ela detestava. Quando casou com Vincent, ela imaginara que viveriam numa casa magnífica inserida num condomínio fechado e guardado, como Jolie e Nando. Mas não, tinham de viver no topo do hotel, onde ele podia tê-la debaixo de olho durante o tempo todo.

Que tinha ela feito de tão terrível? Sentara-se numa jacuzzi como uma estrela de cinema. Outras pessoas achariam isso uma coisa sensacional!

Desejou ter tirado uma fotografia com Andy Dale. Se Vincent não fosse tão chato, podia ter pegado na sua máquina fotográfica descartável e pedido a Andy para fazer algumas fotos.

Não podia esperar para ligar às suas amigas e contar-lhes que passara metade da noite num jacuzi com Andy Dale - estrela de todos os seus filmes preferidos. Ficariam doentes de inveja.

Maldito Vincent! Estragara tudo. Ele estragava sempre tudo.

Entraram no apartamento em silêncio.

- Vincent... - começou ela, determinada a dizer o que tinha para dizer.

- Não quero falar contigo esta noite - disse ele, tratando-a friamente. - Vai para a cama. Falaremos amanhã.

- Não és o meu papá - disse ela, acaloradamente. - Por vezes falas comigo como se fosses.

- Porta-te como uma criança e serás tratada como tal - disse ele. - Como reagirias tu se me encontrasses num jacuzi com Cameron Diaz ou Catherine Zeta Jones?

- Nem sequer as conheces - disse ela, desdenhosamente.

- Podia conhecê-las amanhã. Então, como te sentirias tu?

- Tu tens é ciúmes - disse ela, fazendo beicinho.

- Não é uma questão de eu ter ciúmes, Jenna. É uma questão de respeito. Este é o meu hotel e quando as pessoas vêem a minha mulher a agir da maneira que agiste esta noite, isso não é comportamento decente.

- És tão antiquado - disse ela, continuando a fazer beicinho. - Qualquer outra pessoa ficaria emocionada por ter uma estrela de cinema no seu hotel. E tenho a certeza de que ficariam ainda mais emocionados se a sua mulher a divertisse.

- E calculo que a tua ideia de divertimento incluafoder o cretino?

- Vincent! És tão grosseiro! Eu não estava a foder ninguém.

- Estavas sentada numjacuzzi com as mamas de fora. Isso não é grosseiro?

- Faria figura de parva sentada numjacuzzi com a roupa vestida, não achas? retaliou ela. - E, além do mais, no sul de França, todas fazem topless. Não têm vergonha do seu corpo.

- Detesto lembrar-te, Jenna, mas não estamos no sul de França.

- Bem, quando lá estivemos na nossa lua-de-mel - disse ela, enfadadamente - todas as raparigas faziam topless. Não parecias ter objecções a fazer naquela altura.

Aquela conversa não o estava a levar a lado nenhum. Naquele momento ele queria-a longe da sua vista, não suportava olhar para ela. Devia ter dado ouvidos à sua mãe e casado com uma mulher inteligente em vez daquela desmiolada frívola.

- Já te disse - respondeu ele. - Não quero falar disso esta noite. Vai para a cama. Ela retirou-se para o quarto.

Ele aproximou-se da janela e contemplou o mar de luzes. Ali estava ele, num apartamento no topo do seu hotel e, em vez de desfrutar de tudo o que alcançara, estava a ferver de cólera.

Era culpa do Nando. Nando encorajava a gente dos filmes a aparecer no seu hotel, afirmando que era bom para o negócio. O que Nando não conseguia perceber era que bom para o negócio era atrair grandes jogadores, pessoas da alta que estavam preparadas para perder uma fortuna. As estrelas de cinema não eram nada. Não se lhes podia dar nem sequer marcadores sem que eles deixassem a dívida por pagar.

Regressou à sala de estar, pegou no controlo remoto e ligou a televisão mesmo a tempo das notícias.

Outra perseguição de automóvel. Outro homicídio. Outro assalto na Califórnia - trinta pessoas fechadas num restaurante com homens armados em Beverly Hills. O telefone tocou. Ele atendeu.

- Sr. Castle? A sua mãe deseja que a contacte.

- Obrigado, Mário.

Era pouco habitual que Dani lhe ligasse tão tarde. Digitou o número, perguntando a si mesmo o que quereria ela.

Dani atendeu de imediato.

- Vincent, tenho uma surpresa para ti.

- Que surpresa?

- Preciso que venhas já ao meu apartamento.

- Estás bem?

- Estou óptima.

- Então, que foi - disse ele, irritado. - Não pode esperar até de manhã?

- Não, não pode.

- Tens a certeza?

- Claro que tenho a certeza.

- Vou já para aí - disse ele, pouco satisfeito.

- Óptimo - disse ela, desligando de seguida.

Sofia seguiu Gianni até ao Marbella Club onde ele foi recebido por todos com sorrisos e saudações de admiração. As mulheres bonitas acenavam-lhe e atiravam-lhe beijos.

- Meu, és popular - observou Sofia, seguindo atrás dele.

- Sim e tenho a certeza de que todos se perguntam quem será o rato afogado que segue as minhas pisadas.

- Desculpe - disse ela, rudemente. - Estou a arruinar a sua reputação impecável?

- Nada disso.

- Devia ter ido buscar algumas das minhas roupas - reflectiu ela. - Tem alguma coisa que me possa emprestar?

- Certamente, Anais deixou algo na suite. Habitualmente deixa. Ela seguiu-o até à suite, que tinha vista sobre o oceano. Havia um grande cartaz com a fotografia de Anais apoiada numa parede. Tinha as costas voltadas para a máquina fotográfica e vestia apenas um par dejeans de cintura baixa e com aplicações metálicas. O cabeçalho do cartaz dizia: Preto ou branco? Gianni ou bluejeans?

Sofia examinou-o semicerrando os olhos.

- Tenho de admitir que ela é deslumbrante - disse por fim.

- Eu sei - respondeu Gianni, pondo música clássica a tocar.

- Anais é a sua namorada, certo?

- Corecto.

- Ela não é. tipo. famosa?

- É uma supermodelo.

- Provavelmente, vi-a em revistas.

- Então, você lê revistas? - disse ele, algo divertido.

- E livros. Eufui à escola, embora tenha sido em Las Vegas. - Bocejou: os acontecimentos da noite estavam finalmente a provocar efeito. - A escola era uma seca; nunca aprendi nada. Tudo o que queria era sair de lá e descobrir o mundo sozinha.

- E conseguiu?

- Bem, devo dizer que a noite de hoje foi muito educativa. Na verdade - acrescentou ela, rindo-se -, sinto-me acelerada. Acho que resolvi muito bem as coisas.

- Saltar de uma janela é resolver bem as coisas?

- Eu não saltei de uma janela - corrigiu ela. - Saltei para uma piscina.

- Sofia, se tivesse falhado a piscina e batido no cimento, estaria agora morta e não estaríamos aqui a discutir isto.

- Ei - disse ela, desaforadamente -, saltei, acertei na piscina e agora estou completamente acelerada.

- É reconfortante saber isso.

- Então, presumo que você esteja loucamente apaixonado! - disse ela, tombando sobre o sofá.

- Essa é uma pergunta muito indiscreta.

- Quer dizer que não está?

- Anais é uma mulher extremamente complexa - disse ele, acendendo um longo e fino charuto cubano.

- Que idade tem ela?

- Vinte e cinco - respondeu ele. - Em anos de modelo é considerada velha. Por vezes, isso torna-a insegura em relação ao futuro. Ela quer tentar representar.

- Há quanto tempo estão juntos?

- Porquê todas as perguntas, Sofia? - perguntou ele, expelindo uma fina corrente de fumo.

- Você interrogou-me a mim no carro. Agora é a minha vez.

- Encontrará um roupão na casa de banho, vá vesti-lo antes que se constipe. Entretanto, eu mando vir algo para que você coma. Certamente está esfomeada. Que deseja?

- Uma sanduíche club. A menos que arranjem um hamburguer e batatas fritas

- disse ela, levantando-se de um salto. - Eu mataria alguém por um hamburguer ao estilo americano.

- Não entremos em dramatismos - disse ele, com um meio sorriso. - Vou ver o que posso fazer. Depois de comer, devíamos ligar para os seus pais e talvez você devesse pensar em voltar para casa por uns tempos.

Ela lançou-lhe um olhar ousado.

- Isso é antes de eu o visitar em Roma ou depois?

- Então, está interessada?

- Depende do que tem em mente - disse ela, tentando não parecer muito intrigada; o que estava, porque a ideia de apanhar um avião para Roma e conseguir trabalho como modelo era bastante excitante.

Ele apontou para o cartaz de Anais.

- Preciso de uma cara nova juntamente com a de Anais para a minha próxima campanha dejeans. Talvez você possa ser essa cara. Claro, se vier a Roma, terá que fazer um teste com o meu fotógrafo. Ele saberá se você possui a qualidade de que precisamos.

- Oh, uau! - disse ela, de forma trocista. - Isso significa que estou a ser descoberta?

- Possivelmente - disse ele, ignorando a sua atitude. - Se a máquina fotográfica gostar de si.

- Fixe - disse ela. - Não há nada que me prenda aqui. Portanto... você leva-me para Roma?

- Quer que eu a leve?

- Por que não? Será uma aventura.

- Muito bem, Sofia. Partimos pela manhã.

- Em que companhia aérea?

- Nenhuma, minha querida. Eu tenho o meu próprio avião.

- Claro. Por que é que não haveria de ter?

Jolie não queria concorrência. Ela via Nando como um desafio - e o desafio era mantê-lo fiel. Até ao momento estava a fazer um bom trabalho, mas Jolie era realista e Nando era um homem, pelo que o truque era mantê-lo tão satisfeito quanto conseguisse em casa. Para o seu último aniversário, o trigésimo sexto, ela mandara instalar um poste de stripper no quarto.

Quando Nando o viu pela primeira vez riu às gargalhadas. Mas depressa... quando ela lhe começou a mostrar o que era capaz de fazer nele, as gargalhadas cessaram e ele ficou mais excitado do que ela alguma vez o vira. Agora era o seu mimo pessoal, algo que ela reservava para ocasiões especiais.

Naquela noite, Nando parecia estar a precisar de um mimo. Estava tão esgotado que ela quase podia sentir a tensão.

- Que se passa, querido? - perguntou ela, quando chegaram à sua luxuosa casa, num condomínio fechado exclusivo.

- Vincent - disse ele, dirigindo-se de imediato ao bar, na sala de estar rebaixada com grandes sofás em pele de leopardo e enormes mesas de café em mármore.

- Ele fez alguma coisa?

- Não fez nada. Vincent nunca faz nada.

- Que queres dizer? - perguntou ela com ar compreensivo.

- Ele é rígido como um raio. Não quer estrelas de cinema no maldito hotel. Tem medo de correr riscos. Não acha que nos devamos expandir. Arranjei um negócio que nos traria mais dinheiro do que até tu consegues gastar e ele não quer entrar.

- Porquê?

- Porque envolve droga e prostitutas. Grande coisa. Esta cidade não existiria sem drogas e prostitutas.

- Acalma-te - disse Jolie. - Estás muito tenso.

- Pois. Nunca mais vou adormecer esta noite.

- Vais adormecer, vais - murmurou ela. - Dá-me cinco minutos e vai ter comigo ao quarto. Quando eu tiver terminado, vais estar tão relaxado que nem vais saber o que te aconteceu.

Finalmente, o furgão chegou. Madison experimentou um breve momento de triunfo. Teria persuadido o negociador a trazê-lo?

Não interessava. Estava ali, isso é que era importante.

- É assim que vai ser - anunciou o cabecilha. - Tirem as toalhas das mesas, façam-lhes buracos para os olhos e ponham-nas por cima da cabeça. Tu - disse ele, falando directamente para Madison -, tu vens connosco, tal como o teu gajo. E tu

- acrescentou ele, apontando para Natalie.

- Deixe-a ficar - disse Madison, rapidamente. - Ela não está a sentir-se bem.

- Que se foda, ela vem - disse ele, e escolheu mais três reféns: o jovem empregado de mesa italiano, a mulher com a ferida na têmpora e um homem de meia-idade. - Vamos sair com vocês a rodear-nos. Se alguém me foder, estouro-lhe com os miolos. Percebido?

Todos acenaram afirmativamente.

- Os restantes cabrões, todos para o canto e fiquem quietos.

Madison olhou para Cole. Ele acenou imperceptivelmente, como se dissesse faz o que ele disse. Ela tirou a toalha de uma das mesas e começou a fazer-lhe buracos para os olhos com uma faca de mesa. Natalie principiou a fazer o mesmo.

- Isto é um pesadelo - sussurrou Natalie. - Como é que vamos escapar disto?

- Escaparemos - disse Madison, tranquilizadoramente, parecendo muito mais corajosa do que se sentia.

- Para onde nos levam eles?

- Para onde este lunático disser.

Uma coisa era dizer a Natalie para não se preocupar, mas Madison sabia que estavam em grande perigo. Um dos bandidos pedrados podia matá-los por capricho. Ou talvez a Polícia tivesse atiradores especiais com dedos nervosos e desejosos de entrar em acção.

Quem sabia o que poderia acontecer?

Tudo o que podiam fazer era ter esperança e rezar.

 

                  Michael 1972

A maternidade fizera Beth amadurecer ligeiramente, o que não a impedia de se queixar por ser acordada de noite pelo choro do bebé. Também se recusou terminantemente a amamentar.

- Não é a minha cena - disse ela, franzindo o nariz. - Isso é... brrr! - Não é suposto ser melhor para a bebé? - perguntou Catherine. Regressara recentemente da visita aos parentes e estava a ajudar a cuidar de Madison.

- Isso é uma treta - respondeu Beth, lançando um olhar furioso à irmã.

- Sabes, quando Madison crescer, tens de aprender a controlar a linguagem - comentou Michael.

- A sério - respondeu Beth, atrevidamente.

- É só uma ideia - disse ele, calmamente.

Ele e Beth tinham assentado numa vida doméstica bastante bem. Viviam juntos como marido e mulher, embora não fossem casados. Era conveniente para ambos. Sexo óptimo e nada de alianças. Ele era um homem de sorte; ou não seria? Por vezes, pensava que o casamento poderia funcionar. Tinham um bebé em comum, portanto, por que não?

Desde o nascimento de Madison, perdera o interesse em encontrar-se com as suas antigas namoradas. Ficava satisfeito em andar com Beth, a bebé e Catherine, a qual, depois de superar o choque inicial, demonstrara ser um amor de rapariga. E Beth parecia ter refreado o seu jeito selvagem, já não corria para as festas que duravam toda a noite, nem cortejava escandalosamente todo o homem que via à sua frente. Amava Madison tanto quanto ele e, embora discutissem muito, ambos concordavam que Madison era a bebé mais gira do mundo. Era uma combinação dos dois, com o seu cabelo negro encaracolado, brilhantes olhos verdes e pele de intensa cor de azeitona. Era verdadeiramente bonita.

Por vezes, tarde na noite, quando Madison acordava para o biberão, Michael ia ao seu quarto, tirava-a do berço e alimentava-a ele mesmo. Era uma pequena trouxa tão quente e confiante nos seus braços, com os seus grandes olhos observando-o expectantes. Quando olhava para ela sentia um amor como nunca experimentara antes. Ela era a sua bebé. O seu futuro. Era a família que ele nunca tivera.

Quando Madison tinha seis meses, Catherine mudou-se permanentemente para a casa deles. Embora, tal como Beth, tivesse apenas dezoito anos, parecia muito mais velha e mais capaz. Michael gostava de a ter por perto: podia manter Madison e Beth debaixo de olho, para que ele se sentisse mais seguro quando estava no trabalho. Especialmente, porque muito do seu trabalho tinha lugar à noite e Beth queixava-se de que ficava nervosa estando sozinha em casa.

Uma manhã, Beth acordou, saltou da cama e decidiu que queria regressar ao instituto de moda para continuar os estudos.

- Pagas-me as propinas? - perguntou ela. - Prometo que não te vais arrepender.

- Se tens a certeza de que é isso que queres fazer - disse Michael -, então, tenho todo o prazer em pagar-te o curso.

- Muita certeza - respondeu ela. - Vou ser famosa. Vais ver.

- Vais, é? - disse ele, divertido com o seu entusiasmo.

- Vou fazer com que fiques orgulhoso de mim, Michael.

- Já fizeste - disse ele, apontando para Madison, que dava pontapés e gorgolejava dentro do seu berço.

- A sério?

- Podes crer - disse ele, abraçando- a.

E sentia o que dizia.

Dizia-se que Vito Giovanni e Mamie se tinham separado. Vito apanhara Mamie com outra mulher na sua cama, ficara completamente desvairado e expulsara-a de casa. Corria o boato de que Vito tinha agora uma namorada - uma stripper de vinte e dois anos que dava pelo nome de Westem Pussy.

Uma noite, alguns dos homens estavam ajogar póquer no clube local. Estava lá Bone, bem como Gus. Quando Michael entrou, riam dissimuladamente por causa de Mamie e das suas preferências sexuais.

- Ela sempre foi uma cabra durona - anunciou Bone a toda a sala. - Ela e aquele traste do primo dela. Roy.

Michael achou que aquele poderia ser o momento certo para fazer com que Bone desse pela sua existência.

- Ah, sim, Mamie - disse, puxando uma cadeira. - Ela costumava andar metida com raparigas em Las Vegas. Todos sabiam isso.

Bone lançou-lhe um olhar inexpressivo. Era um homem alto e de ar assustador, com dentes tortos e amarelados e uma cicatriz letal a atravessar a sua face esquerda. - tás a falar comigo? - disse, friamente.

- Alguma razão para não o fazer?

- És uma anedota do caralho! - escarneceu Bone.

- Pronto, pronto, parem com isso - interrompeu Gus. - A guerra é lá fora, não é nesta sala.

- Esquece - rosnou Bone.

Michael não estava preparado para esquecer.

- Tens algum problema comigo? - perguntou mais tarde, bloqueando o homem à saída.

Bone avaliou-o com os seus olhos pequenos e manhosos.

- Vais ficar aí e dizer-me que não sabes o que se passou? - perguntou. - Vais mesmo fazer isso?

- O quê?

- Então - disse Bone, sarcasticamente. - Não podes ser tão burro. Michael olhou-o com uma expressão vazia.

- Ah, agora percebo - disse Bone, desfrutando da situação. - Mamie nunca te disse, pois não?

- Disse o Quê?

- Acerca da tua mãe - disse Bone. - Sabes - acrescentou, coçando a cicatriz na sua face -, eu estava lá na noite em que aconteceu.

Michael sentiu um frio no fundo do estômago.

- Que raio é que estás a dizer?

- Mamie planeou o assalto em que a tua mãe morreu e o teu pai foi alvejado - anunciou Bone, triunfantemente. - Ela e Roy foram os responsáveis. Roy disparou a arma enquanto Mamie ficou de guarda à entrada. - Uma longa pausa. - Agora percebes?

- Isso é impossível - disse Michael.

- Não me ouviste? - disse Bone, com um olhar malévolo. - Já te disse, eu estava lá.

- Tu estavas lá - repetiu Michael, entorpecidamente.

- Eu costumava foder aquela vaca da Mamie - continuou Bone. - Acabei por descobrir que não era boa peça. Lixou-me num grande negócio. - Limpou o nariz com as costas da mão. - Oh, sim, sei muita coisa sobre Mamie e sobre o traste do primo dela.

- Roy matou a minha mãe? É isso que me estás a dizer?

- Podes ter a certeza - disse Bone, palitando os dentes. - Eu estava com ele, só que não estava armado. Fomos avaliar o local à tarde e regressámos depois. Merda; não fazia a puta da ideia de que o Roy fosse matar alguém.

- Cristo! - disse Michael, empalidecendo.

- Agora que sabes, que é que vais fazer? - desafiou-o Bone. - Porque aquela cabra andou realmente a fazer de ti parvo durante todos estes anos. Pôs-te mesmo a comer da mão.

Michael não respondeu. Tentava desesperadamente manter-se calmo e raciocinar logicamente. Nunca agir por impulso, essa era uma lição que ele tinha aprendido. Por dentro estava a arder de negra raiva mal controlada. Podia aquilo ser verdade? Tinha Roy matado a sua mãe enquanto Mamie esperava à porta?

De uma forma horrível, tudo fazia sentido e certamente explicava por que razão Mamie sempre se interessara tanto por Vinny. Também explicava por que o tinha ela favorecido. De uma forma cruel e desapiedada, devia diverti-la saber que era ela a responsável pela morte da sua mãe.

Voltou-se e afastou-se de Bone sem dizer mais palavra. Se se deixasse ficar ali, provavelmente, mataria o sacana.

Quando chegou a casa nessa noite, Beth estava sentada na cama a pintar as unhas dos pés de prateado enquanto ouvia os Rolling Stones na nova aparelhagem que ele lhe comprara.

- Que há de novo? - perguntou ela alegremente, balançando-se ao som lascivo de Mick Jagger, berrando Satisfaction.

- Nada com que te devas preocupar - disse ele, entrando para a casa de banho e ficando a ver o seu reflexo no espelho.

- Nunca disse que estava preocupada - respondeu ela, gritando sobre a música.

- Não achas esta música assombrosa? Adoro Mick. E tu?

Estava desesperado para falar com alguém e Beth era demasiado nova para carregar o fardo de uma informação tão sinistra. Desceu para a cozinha, tirou uma cerveja do frigorífico, depois sentou-se à mesa e pensou em contar a Max.

Não era grande ideia porque Max estava sempre a massacrá-lo.

- Estás a trabalhac para outro gangster - tinha Max reclamado. - Cinco anos na choça não chegaram? Queres mais, é isso?

- Aparece alguém com um nome italiano e tu automaticamente achas que estão ligados ao crime - respondera ele. - Quantas vezes tenho de te dizer? Dante Lucchese é um homem de negócios.

- E que negócios são esses?

- Tratamento de lixos. Max revirara os olhos

Portanto, não podia contar a Max e certamente não podia contar a Charlie, o qual, desde que recebera a sua nova perna, estava a trabalhar num banco e a sair-se bastante bem. Além do mais, provavelmente, era uma boa coisa não ter ninguém a tentar convencê-lo a não fazer aquilo que ele sabia que tinha de fazer. Não só o atirador, Roy, tinha transformado Vinny num inválido, como também, matando Anna Maria, privara Michael da infância que ele podia ter tido.

Fúria pura crescia dentro dele como num vulcão. Tomou consciência de que esperara muitos anos para se vingar do assassínio da sua mãe. E agora que sabia a verdade não precisava de esperar mais. Era o momento de entrar em acção.

Eles pagariam. Todos eles.

E pagariam em breve.

Mamie conseguira obviamente um bom acordo com Vito, porque se mudara para um apartamento em Park Avenue e levara Roy consigo.

Mamie era uma verdadeira sobrevivente; tinha contratado o melhor advogado especializado em divórcios da cidade e ameaçava revelar determinados aspectos dos negócios do Sr. G. se ele não lhe desse uma pensão adequada. Entretanto, gastava o dinheiro do seu futuro ex-marido a um ritmo alarmante, fazendo o que lhe apetecia e com Quem lhe apetecia.

Michael começou a investigar o edifício do seu apartamento e a estudar os seus movimentos, assegurando-se de que ela não o via. Depressa descobriu que ela tinha dois cães - um par de caniches brancos em miniatura cheios de mimo. Eram levados a passear três vezes ao dia por pessoas diferentes. O primeiro passeio, cedo pela manhã, era da responsabilidade do porteiro do edifício. À hora do almoço, Mamie, ela própria, levava-os. E à noite era a vez de Roy.

Duas semanas após ter ouvido as revelações de Bone, Michael agiu fialmente. Era o momento certo.

Nessa noite esperou no parque, parado por detrás de uma árvore, a meio caminho do trajecto que Roy habitualmente fazia com os cães. Era uma noite fria e escura e o parque estava deserto, exactamente da forma que ele queria.

Enquanto esperava, pensou no Chronicle e em tudo o que o assassino a soldo do Sr. G. lhe ensinara. Finalmente, ia ser-lhe útil.

Bateu com os pés enquanto esperava, tentando manter-se quente. Pensou em Beth, com o seu sorriso sedutor. E na sua preciosa filha, Madison. Amava as duas. Eram tudo para ele.

Após cerca de vinte minutos, avistou Roy a aproximar-se. Logo que o homem chegou suficientemente perto, Michael saiu por detrás da árvore e parou diante dele, bloqueando-lhe a passagem.

- Ei, Roy - disse, num tom amigável. - Lembras-te de mim?

Roy tentou vislumbrá-lo através da escuridão.

- Quem está aí? - perguntou, espantado.

- Michael Castellino - disse ele, aproximando-se. Os cães começaram a ladrar e a puxar pelas trelas.

- Que raio fazes tu aqui? - resmungou Roy, mal humorado. - Estamos a meio da puta da noite.

- Andava a passear, vi-te a aproximar e achei que era uma boa altura para recordar.

- Recordar? - disse Roy, enquanto os cães continuavam a latir. - De que raio é que estás a falar?

- Oh, tu sabes - disse, indiferentemente. - Mamie e o meu pai.

- O Quê?

- Mamie costumava andar com ele, não era? E não ficou um bocado lixada quando ele a largou e casou com a minha mãe?

Roy tentou dar um pontapé num dos cães que ladravam, com a ponta do sapato.

- Calem-se, seus ratos do caralho! - disse, bruscamente.

- Estava a pensar se te lembrarias da loja da minha avó - continuou Michael, sentindo-se bastante calmo, embora soubesse o que tinha de fazer. - A loja de conveniência da Lani. Traz-te algumas recordações, Roy?

- O quê? - repetiu Roy, distraído pelos cães que rosnavam agora um ao outro.

- Houve uma altura em que a minha mãe também lá trabalhou - disse Michael, mantendo um tom de voz baixo e uniforme. - Sim, estava grávida de mim.

- Vais chegar a algum lado com essa conversa? - disse Roy, para lá de irritado.

- Porque já estou a ficar com os tomates gelados.

- Sim - disse Michael -, por acaso vou. - E, muito calmamente, sacou a arma e apontou-a directamente a Roy. - Vou chegar aofacto de que és um pedaço de merda que não merece viver.

Roy empalideceu.

- Por amor de Deus! - disse, entrando em pânico. - Vira isso para outro lado.

- Que se passa? - disse Michael, calmamente. - Não gostas de armas? Elas assustam-te, é isso?

- Vira essa merda para outro lado! - repetiu Roy, de olhos esbugalhados.

- Aposto que a minha mãe sentiu medo, exactamente como tu sentes agora. E, como eu disse, estava grávida de mim, pelo que não podia fugir, não podia fazer nada, pois não? Acho que era um alvo perfeito. Não te parece?

- Jesus Cristo! - disse Roy, com saliva a escorrer-lhe do canto da boca. - Eu avisei Mamie para não se preocupar contigo. Sabia que ias arranjar sarilhos mais cedo ou mais tarde. Aquela cona burra não me ouvia; adorava ter-te por perto.

- Até que tu te viste livre de mim, certo? - disse Michael, com a voz a endurecer.

- Tramaste-me bem, Roy. Oito anos e acabei por cumprir cinco. Isso deve ter sido uma desilusão.

- Não fui eu - lamuriou-se Roy. - Ela é que te queria fora do caminho; não foi ideia minha.

- Não?

- Juro que não, Mike - disse ele, com as mãos a começarem a tremer. - Eu gosto de ti; sempre foste educado comigo.

- É bom saber isso.

- Então... - lamuriou-se Roy -... por que não viras para lá a arma antes que magoes alguém?

- Achas que devia fazer isso, Roy?

- Sim, sim, acho que devias fazer isso.

- Tal como tu fizeste pela minha mãe, é?

- Nunca disparei contra a tua mãe.

- Ah, não?

- Foi...

- Lembras-te do Chronicle? - interrompeu Michael. - E do Vito me dizer que eu devia aprender a disparar? Era um tipo incrível aquele Chronicle; ensinou-me bem.

Levantando mais a arma, apontou-a à cara de Roy.

- O nome do jogo é retribuição. Chama-se a isto pagar as contas. Tu mataste a minha mãe. Destruíste o meu pai. Agora é a tua vez. - Uma longa pausa silenciosa.

- Lembra-te do meu nome, Roy. Michael Castellino. Lembra-te dele a caminho do Inferno.

E deu-lhe um tiro na cabeça.

Depois, muito calmamente, voltou-se e afastou-se.

Um já estava. Faltavam dois.

 

                                                                                CONTINUA  

 

                      

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