“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.
CONTINUA
“Eu fui um imbecil ontem à noite, Samara. Nunca pensei em ver você do jeito que vi no dia em que fomos ao sobrado, nem mesmo quando você costurava meus machucados ou recolocava meus ossos no lugar. Eu fiquei tão desesperado quanto você, não pelas lembranças, mas por ter te machucado. Não quero isso, mas percebi agora que me esqueci de todos os momentos em que você esteve ao meu lado e, admito, eu estava forte naquela noite porque te tinha comigo. Você me fortalece, Samara, você é minha força. Desculpe-me por ter sido um idiota machista ontem e ter decidido o que era melhor mesmo contra sua vontade. Eu preciso de você, então, se quiser continuar nessa busca insana – e que provavelmente não levará a lugar nenhum – será um prazer te ter comigo novamente. Sempre!”
Meus olhos se enchem de lágrimas, e mal consigo engolir o pedaço de rosbife que estava mastigando ao ler. Nunca imaginei que ele pudesse ter essa reação, ter essa percepção das coisas. Alexios realmente está me vendo, admitindo seus erros e – o que é o mais surpreendente de tudo – pedindo desculpas.
Tento abafar a esperança de que as coisas mudem, de que ele possa sentir, amar-me, permitir-se ser feliz independentemente do seu passado e das cicatrizes que carrega. Não quero me iludir, não posso me iludir!
Fecho o aplicativo sem lhe responder, porque estou tão tomada por emoções que, se escrevesse algo para ele agora, seria o que sinto, seria: eu te amo, seu idiota, sempre amei!
— Boa noite! — Daniel cumprimenta a todos.
Mamãe o abraça apertado e olha para a porta da sala de jantar, esperando que Bianca entre.
— Cadê minha nora?
Papai e eu trocamos olhares, porque, além da falta de Bianca, percebemos no semblante de Daniel que algo não está bem. Essa não é uma visita qualquer!
— Eu soube que Samara estava aqui — ele começa e sorri para mim. — Liguei para cá, e Cida me disse que vocês estavam jantando.
— Tentei convidar vocês, mandei várias mensagens para os dois, mas ninguém me respondeu.
Ele concorda e beija a testa da mamãe sem soltá-la.
— Bianca viajou para a Itália.
Estranho, porque eles não viajaram para fora do país em lua de mel porque ambos estavam atolados de compromissos de trabalho, e agora, dias depois do casamento, ela simplesmente vai para a Itália?
— Ah, Daniel, por que você não foi junto? — Mamãe olha para meu pai. — Parece até alguém que eu conheço, que nunca tinha tempo para viajar comigo.
Papai ri.
— A história não é bem essa, Ana. Suas viagens a trabalho eram sempre decididas em cima da hora, e eu nunca era consultado para ajustar minha agenda.
Mamãe o ignora e olha para Daniel.
— Quando ela volta? — Seu sorriso feliz e ansioso me faz ter calafrios, porque há algo nessa história que eu temo que ela não vá gostar.
— Não volta — declara frio, como se não fosse nada de mais.
Como previ, o sorriso morre nos lábios da mamãe, e ela arregala os olhos, apavorada.
— O que está acontecendo, Daniel? — Papai se levanta e afasta mamãe de meu irmão, abraçando-a pelos ombros.
Dani suspira, dá de ombros e joga a bomba que eu temia ouvir:
— Vamos nos divorciar.
Mamãe fecha os olhos, e papai a abraça forte. Eu tento medir a reação do Daniel e entender o que está acontecendo, mas, na minha mente, só vem uma pessoa: Kyra!
Ô, boca dos infernos!
Gargalho horas depois, após papai ter retirado a mamãe da sala e a levado para o quarto, e, claro, de muitas doses de uísque no escritório de papai com meu irmão.
— O seu casamento só está perdendo para o da Britney Spears, querido Dany Boy! — Ele faz careta para o apelido, mas ri também. — Podia, pelo menos, ter entrado no livro dos recordes como o mais rápido da história!
— Que bom que está se divertindo com isso. — Bebe mais. — Mas confesso que tive vontade de desistir assim que pus a assinatura no livro.
Fico séria.
— Então por que continuou? Por quê, Daniel?
Ele dá de ombros.
— Achei que éramos amigos e que ela me entenderia. — Suspira. — Estava enganado.
— Entender o quê?
Ele fecha os olhos e se arruma no sofá.
— Em tudo. A gente espera isso de quem diz nos amar, não é? Que nos entenda, que tente se adaptar, mas nem sempre isso acontece. Eu só não esperava receber repulsa...
— Meu Deus, Dani, o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
— Acabou, Samara. 15 anos ouvindo que não importava nada, além do amor e da amizade que tínhamos, só que isso durou até que ela me conhecesse de verdade.
Armo-me de coragem para perguntar o que martela minha mente há algum tempo, então viro o copo de uísque, sentindo a garganta arder com o líquido.
— Você é gay, Dani?
Meu irmão se engasga com o uísque, cuspindo-o longe e me olha assustado.
— O quê? De onde você tirou essa ideia?
— Não sei, só me ocorreu quando vi que você estava se casando com alguém que, obviamente, não amava, mas que, por algum motivo, se encaixava em seus planos de “família tradicional”.
— Se eu fosse gay, seria um problema para você?
Nego.
— O único problema para mim é se você não for feliz. Então, se for isso, quero que saiba que tem meu total apoio, que te admiro muito e que vou continuar vendo-o como o irmão mais velho, dedo-duro e protetor de sempre.
Ele gargalha e me abraça.
— Você é incrível, Samara!
Aconchego-me em seus braços, sentindo seu amor e carinho, algo que compartilhamos desde que nasci. Dani sempre foi mais do que um irmão. Apesar do seu jeito rígido, é um amigo para todas as horas e, independentemente do motivo que levou a profecia de Kyra a se concretizar, continuarei amando-o incondicionalmente.
O som do toque de ligação do meu telefone interrompe nosso momento fofo. O aparelho está em cima da mesinha, e nós dois vemos quem é que me liga.
Dani bufa e se afasta de mim.
— Isso é algo de você que não entendo — declara seu incômodo com minha amizade com Alex —, mas que sei que é importante pra você. Atenda!
Ele se levanta e vai até o aparador se servir de mais bebida.
— Oi, Alexios — atendo.
— Samara, onde você está? — dispara, agitado. — Kyra e eu estamos no meu apartamento, deixamos algumas mensagens para você, mas não retornou. Fiquei preocupado.
Sorrio.
— Estava jantando com meus pais. — Meu coração se aquece ao me lembrar da mensagem que ele me mandou. — Li sua mensagem e concordo: você é um idiota quando quer ser um.
Ele ri.
— Eu sei, desculpa.
Meu sorriso fica ainda maior por ouvi-lo se desculpar. Isso não é típico de Alexios, nunca foi, ele faz mais o tipo “revoltadinho” indignado do que o humilde.
— O que vocês estão aprontando aí juntos que requer tanto minha presença? — questiono, sentindo-me voltando no tempo, quando éramos um trio e só fazíamos as coisas juntos.
— Eu fui ao sobrado de novo. — Fico séria, mas logo ele explica: — Aconteceu algo na empresa que mexeu com Kostas, e ele se entocou lá. Precisei ir, entende?
— Tudo bem — sou sincera.
— Achei algo lá, nem estava procurando, mas achei.
Levanto-me num pulo, coração disparado, chamando a atenção de Daniel para minha reação.
— O que você achou?
— Uma caderneta com nomes e códigos, da época em que nasci.
Olho para meu irmão, apavorada, sem entender que golpe de sorte foi esse que levou Alexios a achar um item que pode ter a chave de seu passado.
— Estou indo encontrar vocês! — digo antes de desligar, e Daniel balança a cabeça.
— Você bebeu.
Rio.
— Um copo de uísque, Dani.
Ele pega as chaves do meu carro e as balança.
— Sempre foi fraca para bebidas destiladas. Eu te levo! — Desiste da bebida e estende a mão para mim. — Seja o que for que Alex te disse, notei que é importante para você, então, é importante para mim.
— Eu te amo muito!
— Eu também, Samara — declara-se em meio a um suspiro. — Por isso não quero te ver machucada. Promete que, acima de qualquer coisa, vai proteger seu coração.
Olho-o sem entender.
— Se ele ainda não notou a mulher linda que você é, em algum momento vai deixar de ser idiota. Conheço a fama dele, Samara. Só se proteja, ok?
Assinto, envergonhada, mas aliviada por ele me entender. Abraço-o forte, sentindo-me feliz por ter o melhor irmão do mundo!
Kyra anda de um lado para o outro pensando em que poderiam ser todas as letras e números na caderneta. Confesso que também estou curioso, mas estou mais ansioso pela chegada de Samara do que outra coisa. Não quero descobrir nada sem ela estar presente. Esse momento, se ocorrer, será nosso, como tantos outros na nossa vida. Samara, Kyra e eu juntos, como sempre fomos.
Kyra busca por códigos na internet, tentando achar algum sentido para todas as anotações.
— Você poderia ajudar, não é? Fica aí com essa cara de paisagem, enquanto eu estou me descabelando para achar respostas.
— Samara ainda não chegou. — Dou de ombros.
Kyra para com sua agitação e me olha estranho. Seus olhos lindos se apertam, noto o quanto está desconfiada, mas não falo nada. Sinceramente nunca liguei de comentar sobre as mulheres com quem saía com ela, mas Samara é diferente, ela é nossa amiga, e não sei qual será a reação de Kyra ao descobrir que estamos juntos. A decisão de falarmos ou não tem que ser tomada em conjunto, pois não sei como Samara irá lidar com isso.
— Alexios Angelos Karaman...
A campainha toca providencialmente. Salto da poltrona onde estava sentado e corro para a porta a fim de abri-la para Samara.
O impacto que sinto ao vê-la e não poder agarrá-la, beijá-la e comê-la como na noite passada é como um soco no estômago. Ela sorri e dá uma espiada dentro do meu apartamento antes de me dar um abraço casto e rápido.
Ela não quer que Kyra saiba!, a constatação me traz um estranho sentimento de rejeição, como se eu fosse um segredinho sujo, e não gosto disso. Respiro fundo para não deixar o negativismo tomar conta dos meus pensamentos, mas pontuo que devemos conversar sobre isso depois.
Eu sei que não temos nada sério, que estamos nos divertindo, sendo amigos com benefícios, mas não queria ter de fingir que não a quero, ainda mais para minha irmã, com quem ela sempre divide tudo.
— Desculpem a demora, vim o mais rápido que pude. — Ela abraça e beija Kyra. — Daniel veio me trazer, porque eu bebi um pouco com ele.
Samara vai até a cozinha e se serve de água, sabendo exatamente onde pegar o copo.
Kyra olha para nós dois como se estivesse sentindo algo estranho. Tento me manter sereno, como se não estivesse escondendo que estou dormindo com nossa melhor amiga.
— Samara, você poderia fazer café para nós?
Um sinal de alerta soa em minha mente, e eu disparo:
— Pode deixar...
— Claro! — ela responde em uníssono a mim e abre o armário onde eu guardo a cafeteira e as cápsulas.
— A-há! — Kyra grita, e ela pula de susto.
Ponho as mãos no rosto e começo a rir, porque minha irmã nunca foi boba, e enganá-la não era – e continua não sendo – nada fácil.
Samara olha para mim como se não estivesse entendendo nada.
— Como você sabia que a cafeteira estava aí? — Kyra questiona, e Samara fica vermelha.
— Alex sempre guardou...
— Samara, eu dei essa cafeteira para ele no Natal!
Ela me olha de soslaio, e eu, atrás de Kyra, confirmo.
— O que está rolando aqui? Você entrou como se não tivesse passado três anos sem vir aqui, pegou copo, bebeu água, sabe onde fica a cafeteira, que ele raramente usa...
— Kyra, nós estamos aqui por outro assunto — tento distraí-la, mas não funciona.
— Você tem frequentado o apartamento do meu irmão e, por algum motivo, não comentou nada comigo?
— Ela veio aqui uma vez depois que voltou — respondo com sinceridade, afinal, Kyra não precisa saber que essa única vez durou um final de semana inteiro. — Vamos ao que interessa?
— Samara? — Kyra quer a confirmação do que eu disse.
Samara me olha longamente, vejo dúvidas, receio, então balanço os ombros e concordo, dando meu aval para que ela conte o que está acontecendo entre nós.
— É isso, vim uma vez e vi Alexios fazer café. — Ri. — Acho que sou muito confiada, faço isso na sua casa também... — Coloca a máquina na bancada, mas não prepara a bebida. — O que vocês já descobriram?
Mais uma vez tenho a sensação de estar sendo escondido. Não gosto disso, não entendo o motivo pelo qual ela não quis contar nada à Kyra. Será que sente vergonha de estar comigo?
— Nada! — Kyra responde, meio puta. — Eu fucei vários sites e não descobri nada sobre esses códigos, além do mais, Alex não queria nem tentar antes que você chegasse.
Samara sorri para mim, agradecida, e eu penso que, pelo menos dessa vez, parece que dei uma dentro com ela.
Kyra leva a caderneta até o balcão da cozinha e se senta ao lado de Samara, em uma banqueta alta. As duas começam a discutir sobre os códigos dos diários que escreviam na adolescência. Acompanho as duas, de longe, testando letras e números, tentando trazer sentido a todas as coisas que estão lendo.
Nada faz!
— Eu preciso comer algo, odeio pensar com a barriga vazia — minha irmã comenta.
Samara gargalha e a chama de gulosa.
Sinto-me cheio de tesão por ter Samara aqui. Ela sabe disso, pois troca olhares comigo, enquanto Kyra não desgruda os olhos da caderneta.
— Isso pode ser uma espécie de xarada, sabe? — comento. — Acho muito estranho achar esse tipo de coisa naquele lugar, do jeito que estava e ninguém nunca ter visto lá. A casa foi vasculhada pela polícia em busca de drogas, depois foi pilhada, destruída e está fechada por anos!
— Você acha que a pessoa que te mandou o recorte colocou isso lá? — Samara pergunta.
— Que recorte?
Resumo a história para a Kyra, e ela bufa.
— Óbvio que foi armação! — Fecha a caderneta. — Provavelmente foi algum filho da puta que quer brincar com essa situação e que a essa hora está dando gargalhadas só de imaginar a gente quebrando a cabeça aqui.
— Não sei, Kyra. — Samara analisa a caderneta. — Ela parece autêntica, não algo criado agora para imitar uma versão de mais de 30 anos. — Ela mostra os furinhos causados por traças, olha a cola da lombada da caderneta – que nem é em espiral – e a capa de couro desgastada. — Não sou perita, mas no meu trabalho vejo muita antiguidade e coisas antigas de brechó. Não acho que seja uma armação.
Concordo com ela.
— Mas isso não muda o fato de que a pessoa que está me guiando sabe muito bem todos esses segredos e está brincando de caça ao tesouro comigo. Por que simplesmente não conta a porra da verdade?
— Sim. — Kyra estremece. — Parece ser o tipo de jogo mental que aquele cão fazia.
Samara cobre a mão dela com a sua em sinal de consolo, e eu me questiono sobre Kyra ter se aberto com ela sobre o que efetivamente aconteceu naquela cobertura. Espero que minha irmã tenha feito isso, pelo menos com alguém que tenha sido capaz de lhe oferecer algum conforto e alívio.
Sobre ser Nikkós brincando comigo, já pensei nessa possibilidade, e Kyra tem razão, parece ser o tipo de jogo torturante que ele gostava. Só não sei se ele se daria ao trabalho de fazer isso tudo, apontando sempre para o mesmo local e época, pois gostava de me torturar inventando coisas diferentes, sempre me deixando na dúvida sobre qual era realmente a minha história.
— Então por que estamos caindo nessa? — pergunto, embora seja mais uma questão para mim mesmo. — Por que estamos aqui debruçados sobre essa caderneta bolorenta?
Samara suspira.
— Porque qualquer pista é uma possibilidade de encerrar com qualquer jogo do pai de vocês.
— Eu não tenho pai, Samara, ele está morto há muitos anos. — Kyra se levanta. — Está ficando tarde, e não chegamos a lugar nenhum, então vou para meu apartamento.
Vejo a mágoa nos olhos dela, misturada a medo e raiva. Pego sua mão, e ela nega, entendendo meu questionamento apenas por meu olhar, sem eu precisar exprimir em palavras.
— Eu posso ir sozinha, não se preocupe.
— Também vou! — Samara salta da banqueta.
Não entendo o motivo pelo qual ela também quer ir embora. Achei que, quando minha irmã fosse para casa, ela ficaria aqui comigo. Será que ainda está chateada? Mandei aquela mensagem como um pedido de desculpas, mas talvez ela não tenha aceitado.
— Não, Samara, fique mais um pouco. Sua cabeça está mais fresca que a minha para tentar desvendar isso aí. — Kyra sorri para nós dois e se despede. — Amanhã voltamos a nos falar.
Acompanhamos Kyra até a porta, e Samara vai com ela até o elevador. Entro, sento-me onde está a maldita caderneta e fico lendo as anotações sem sentido, distraindo minha cabeça do fato de Samara ter escondido de Kyra que estamos dormindo juntos e de ela não querer ficar aqui comigo.
O que será que está acontecendo?
Olho para ela assim que fecha a porta do apartamento.
— Por que você não queria ficar? — questiono à queima-roupa.
Ela sorri.
— Não foi isso, eu apenas achei que, se descesse, iríamos disfarçar ainda mais.
— Por que esconder isso de Kyra?
Ela arregala os olhos.
— Achei que era o nosso combinado! Eu não sei qual será a reação dela ao que estamos fazendo, nem agora, nem depois que acabar, então achei mais prudente deixá-la à margem do que está acontecendo.
Samara pensou em tudo, como fica claro, e eu deveria estar me sentindo aliviado por ela não estar criando ilusões sobre o que temos, mas não, não sinto alívio, apenas uma vontade enorme de questionar se ela já não quer mais, se já acabou a curiosidade e o tesão.
Só há um jeito de saber!
Saio de perto da bancada e caminho até ela decidido. Samara enruga a testa, sem entender o que estou fazendo, e emite um som de surpresa quando a pego no colo e a coloco contra a parede, aproveitando-me de que está usando um vestido para ter acesso ao seu corpo.
— Alexios, o que...
Ela não termina de formular a pergunta, mesmo porque não teria resposta, e a beijo sem nenhum freio, segurando-a pelo queixo, devorando sua boca com a sofreguidão que meu desespero por saber o que ela sente me impulsiona. Ela corresponde, agarra-se a mim, passa as pernas pelos meus quadris e geme.
Animo-me com a sua resposta, moo meu corpo contra o seu, rebolando, deixando o volume do meu pau, sob o jeans, provocá-la direto em sua carne sensível.
Tiro minhas mãos de sua cintura, pressiono-a mais firme contra a parede para que não caia e abaixo as alças de seu vestido, gostando de tocar direto sobre sua pele, sem sutiã, sem nenhum tipo de barreira entre nós. Aperto seus peitos pesados, estimulo seus mamilos com os polegares, balançando-os, beliscando-os e arrancando gemidos de Samara.
Minha boca sai da dela e explora seu rosto, pescoço e ombros. Mordo sua clavícula, chupo sua orelha e volto a beijar seus lábios, segurando o inferior com os dentes e passando minha língua sobre ele, fodendo sua boca do mesmo modo com que gosto de foder sua boceta: enfiando minha língua o mais profundo possível.
Desgrudo-a da parede e a carrego para o sofá, deitando-a sobre o encosto de costas para mim. Levanto seu vestido, gemo ao ver a calcinha larga de renda, sem nenhum elástico ou costura e não penso duas vezes ao rasgá-la ao meio.
Samara geme mais alto, e me ajoelho aos seus pés para mergulhar minha língua dentro dela, como estava fazendo há pouco com sua boca. Ela rebola quando a passo entre suas nádegas e paro bem em cima de seu cu apertadinho. Meu corpo inteiro reage, meu pau pulsa tão forte que estica a frente da calça jeans.
Brinco com o anelzinho enrugado, lambendo em volta, enfiando a língua devagar para sentir sua resistência, louco para explorar essa área, que adoro.
— Alex, você está me enlouquecendo!
— Não mais do que já estou! — respondo e abro bem suas pernas, deleitando-me com a visão molhada de suas coxas, os lábios vaginais brilhantes, inchados, prontos para mim. Caio de boca literalmente, pegando-a de surpresa com a fome que estou sentindo pelo seu gosto feminino.
Chupo devagar, bebendo do líquido inebriante, segurando cada pequena dobra entre meus dentes antes de me aventurar com língua e dedos para dentro dela.
— Porra, Samara! — gemo ao enfiar dois dedos em seu canal quente e muito molhado, macio, envolvente, trazendo para o meu pau exatamente a sensação que tem sempre que está dentro dela. Conforto, pertencimento, lar. Samara é minha, toda minha para lhe dar todo o prazer que eu puder fazê-la sentir.
Volto a beijar sua bunda, enquanto meus dedos vão fodendo-a lentamente. Ela acompanha o ritmo agitando seus quadris, rebolando devagar na minha cara, agarrada às almofadas do sofá, gemendo em desespero.
Gosto disso! Gosto dos sons que ela faz, pois me indicam quando estou fazendo algo extremamente bom, e eu continuo a seguir seus gemidos para aprender sobre seu corpo e seu prazer.
Estou enlouquecendo de tesão, louco para liberar meu pau e me afundar nela sem nenhuma outra coisa na cabeça senão o prazer. Adoro a sensação de que minha pele fala com a dela, que nosso tesão se encontra no mesmo nível de entrega e desejo. Somos compatíveis demais na cama, e isso me agrada.
Compatíveis!, penso irritado, lembrando-me do que disse a ela uma vez. Foda-se compatibilidade, foda-se racionalidade, nada é maior neste momento do que o que compartilhamos, independentemente do que seja.
Tiro meus dedos molhados de dentro dela e procuro o pequeno nervo duro que sei que a fará explodir. Encontro-o, tomo cuidado para não a machucar com meus dedos grossos e começo a estimulá-lo devagar, apenas acariciando, sem impor ainda nenhum tipo de peso sobre ele.
Os gemidos de Samara mudam, ficam lamentosos, como se ela aguardasse o gozo que sabe que está próximo.
— Gosta disso? — pergunto quando apoio minha mão sobre sua pélvis e uso o pulso para esfregar seu clitóris.
— Sim...
Sorrio e mudo o jeito de masturbá-la, agora com os dedos, em velocidade e pressão maiores. Samara geme muito alto, sua pele se arrepia toda. Meu sorriso se expande ao vislumbrar o orgasmo se acercando dela.
Arreganho suas pernas e me enfio entre elas, girando meu corpo para ficar encostado no sofá e conseguir sugar o exato ponto em que ela necessita. Chupo, esfrego a língua, molho os dedos em seu interior e sigo até seu ânus para brincar com ele.
— Alex...
— Goza para mim, Samara! — peço em desespero. — Preciso do seu gozo.
Afundo um dedo em seu traseiro e chupo seu clitóris com força, deliciando-me com os sons do orgasmo, os tremores involuntários dos músculos de suas coxas e o líquido maravilhoso que pinga sobre mim.
Um verdadeiro néctar!
Espero que ela se acalme um pouco para que eu possa...
Não dá tempo, porque ela se apruma, vem para o chão comigo, abre meu zíper em desespero, liberando meu pênis e o toma em sua boca até onde consegue engolir.
— Porra...
Seguro-a pelos cabelos, apenas apoiando seus movimentos, porém a deixando livre para ir até onde consegue. Tenho vontade de fechar os olhos e apreciar sua boca, enquanto imagino mil e uma coisas bem sujas, curtindo o tesão, mas não o faço.
Quero vê-la!
Ver suas mãos me envolvendo com força, segurando meu pau para cima a fim de explorá-lo em toda sua extensão. Samara se concentra na glande, sua língua macia e ágil agitando-se na ponta, penetrando a pequena fenda, chupando-a como a um sorvete delicioso.
Quando ela segura firme minhas bolas, meu abdômen se contrai, o prazer me fazendo contorcer-me da cabeça aos pés. Ela não para. Não quero gozar em sua boca, mas Samara não larga meu pau, pelo contrário, agita-o enquanto chupa forte, indo e voltando, fodendo-o com sua garganta.
Travo sua cabeça, segurando-a firme pelos cabelos, e ela me olha. A lambida de lábios que dá é suficiente para me fazer ver estrelas, ofegante, sentindo o anúncio da minha porra pronta para jorrar.
— Abre a boca! — ordeno em um rosnar.
Samara faz o que eu peço, e, segundos depois, vejo minha porra branca e espessa acertando o alvo desejado, escorrendo por seu queixo e pescoço, marcando-a de uma forma foda, como minha propriedade!
Que viagem!
Samara se deita sobre mim, nossas respirações em consonância, os corpos trêmulos e quentes. Abraço-a forte, sentindo-me muito bem, não só por ter gozado como um louco, mas por ela estar aqui comigo.
O assunto da semana na empresa, certamente, é o vazamento de informações sobre a Ethernium, a perda da área no Rio de Janeiro e como a Karamanlis irá fazer para entregar outra área possível ao cliente.
Paro um pouco meu trabalho e observo minha equipe, na total correria, e penso que é esse o jeito que iremos dar para cumprir o prazo: fodendo a mente de todo mundo!
O trabalho não pode parar, mesmo que os hunters, nossos principais parceiros para a escolha da nova área, estejam sem liderança, pois Kika foi suspensa para a apuração de sua responsabilidade, e Kostas esteja sumido, possivelmente numa dor de cotovelo do caralho.
Sim, porque é óbvio que, mesmo que tenha saído do sobrado com a intenção de ir atrás dela, ele não conseguiu convencê-la a aceitar suas desculpas, por isso deve estar entocado em algum local, chorando suas mágoas.
Konstantinos apaixonado!
Essa é uma afirmação que nunca imaginei ser verdade. Contudo, não só é real, como também, a julgar pela reação de Kika, ele é correspondido. Sortudo filho da puta!, penso rindo, sentindo-me feliz por ele, mais do que todos, esperando que os dois consigam se acertar para que, finalmente, eu consiga acreditar em finais felizes.
Apesar de que Theodoros já conseguiu o seu! Duda é uma mulher incrível, e Tessa, uma menina muito doce, então, sim, ele foi um sortudo que, embora eu ainda tenha minhas reservas, conseguiu seu happy end.
Kyra anda exultante com a alta de Tessa. Decorou o quarto da menina, com a ajuda da Samara, claro, e vai praticamente todos os dias até o apartamento de Theodoros para vê-la. Ela me disse que, após a doação, sente-se parte de Tessa, como se a menina, de certa forma, também fosse sua.
Achei incrível ouvir isso dela, a única expressão verdadeira de sentimentos que já vi minha irmã admitir. Ela ama Tessa, e, mesmo não traduzindo em palavras, seus gestos dizem tudo.
Volto a pensar na Ethernium e na urgência que temos em resolver essa questão, mesmo sem os principais atores desse projeto. Antes de eles decidirem pelo Rio de Janeiro, tinham separado mais três áreas possíveis, e, para ganhar tempo quando tudo se normalizasse, solicitei à minha equipe que trabalhasse as três possibilidades, por isso a correria aqui na K-Eng.
— Alexios, Luiza me ligou agora — Elis informa, entrando na sala. — O doutor Millos pediu para que vá até a sala dele.
— Agora? — Bufo, olhando o tanto de coisas que tenho que fazer ainda hoje, lamentando já a perda do jantar com Samara. Merda!
Saio da minha mesa e, antes que eu passe pela secretária, uma ideia pipoca em minha cabeça.
— Elis, você conhece alguma floricultura boa? — Ela arregala os olhos, mas assente. — Ótimo! Encomende algo para entregarem, mando o endereço por mensagem.
— Que tipo de flor? — Faço careta, e ela entende que eu não faço ideia. — É profissional ou pessoal o motivo do envio?
— Pessoal. — Tento não rir com a ideia de que eu possa mandar flores para algum cliente. — Alguém muito especial, então capriche.
Ela sorri.
— Vai ter cartão ou algum outro mimo?
— Consigo mandar a mensagem direto para eles? — Ela concorda. — Ok, então depois me passe o número para que eu envie e... — Sussurro: — Eu sei que pode ser complicado achar, mas preciso de uma tartaruga de pelúcia fêmea.
Elis não disfarça seu espanto, mas anota em sua agenda o meu pedido estranho.
— Só isso?
Rio, sabendo exatamente que não é só isso. Dei um trabalhão para ela, fora de suas atividades na K-Eng, coisa que nunca fiz.
— Só, e eu agradeço demais a ajuda. — Ela sorri, corada. — Vou lá ao Olimpo.
Elis gargalha com o apelido do andar da diretoria, e eu vou para o elevador pensando na reação da Samara ao receber as flores e uma parceira para Godofredo, o jabuti de que sua mãe tomou posse e que ela não tem coragem de tirar da mansão dos Schneiders.
Quando chego ao andar da diretoria executiva, Luiza aponta direto para a sala de Millos enquanto fala ao telefone, parecendo muito ocupada.
— Olá! — Entro na sala do meu primo sem bater. — Pediu que eu viesse, aqui estou eu! Diga, chefinho!
— Pode parar com o deboche! — Ele aponta para uma cadeira a fim de que eu me sente. — Os auditores acabaram o trabalho e pediram para marcar uma reunião para apresentarem os resultados.
— Aposto que você já sabe! — Pisco para ele.
— Claro que sei, assim como você deveria saber também! Theodoros não tem absolutamente nada que o desabone.
— O deus perfeito e irrepreensível — caçoo, e Millos fica puto, mas logo depois relaxa. — Quando será a reunião?
— Amanhã. — Surpreendo-me com a pressa. — Mandei avisar a todos, Luiza está em desespero tentando falar com cada um.
— E o Kostas?
— Apareceu hoje, até que enfim. — Millos respira fundo. — As investigações sobre o vazamento também foram concluídas, por isso mandei chamarem a Kika de volta.
— Descobriram quem foi?
Millos nega.
— Mas não temos nenhuma evidência que aponte para ela, então, como precisamos terminar essa conta da Ethernium, preciso que ela volte ao trabalho.
— Entendi. O que mais você quer comigo, Millos? Não me chamou aqui apenas para comunicar isso, podia fazer por e-mail.
— Eu fiz. — Ele ri. — Mas você é esperto, não foi somente para comunicar essas coisas que te chamei. — Millos fica sério. — Eu sei que você tem suas desavenças com Theodoros, mas gostaria de saber sua posição sobre ele continuar no cargo de CEO.
Surpreendo-me por ele querer falar disso antes da reunião, como se estivéssemos confabulando para alinhar o discurso e votar juntos – caso seja requisitado algum tipo de votação entre os conselheiros. A questão é: alinhar para o lado de quem?
— Gostou de estar no comando e quer continuar como CEO ou...
— Não fala merda, moleque! — Millos me interrompe. — Eu quero saber se posso contar contigo para trazer Theodoros de volta ou não!
— Pode! — respondo sem titubear. — Theodoros é um bom CEO, mesmo quando faz suas cagadas. — Millos assente. — Quem deveria preocupá-lo não sou eu, mas sim Kostas.
Millos sorri.
— Não me preocupo com seu irmão, não mais.
A arrogância de quem sabe mais do que quer revelar me enerva, porém, concordo com ele. Se eu não tivesse visto e ouvido Konstantinos tão diferente ultimamente, poderia até imaginar que ele está a postos para jogar a última pá de terra em Theodoros.
Kostas mudou graças ao se amor por Kika, e isso me traz uma sensação estranha que mal conheci em minha vida: esperança.
Eu não poderia estar mais surpreso do que neste momento!, reflito, ainda sentado à mesa de reuniões da Karamanlis, onde há pouco estavam reunidos o Conselho Administrativo, a diretoria e a empresa contratada para auditar a gestão de Theodoros.
Não, não foi descoberta nenhuma falcatrua ou ingerência de meu irmão mais velho. O que me deixou aqui sentado, embasbacado, foi ter ouvido e visto – porque, se alguém tivesse me contado, eu nunca acreditaria – Kostas defender a permanência de Theo como CEO da empresa.
É certo que achei que ele não se oporia à volta de nosso irmão mais velho para seu cargo na Karamanlis, mas não esperava que ele defendesse e ainda propusesse solução para o prejuízo causado pela nota promissória que a empresa comprou e decidiu não usar.
Assim que ele começou a usar toda sua experiência em oratória, adquirida por anos e anos de trabalho – tedioso – jurídico, percebi que, ao invés de botar lenha na fogueira da inquisição de Theodoros, ele o estava salvando de perder o cargo. Busquei por Millos na sala, boquiaberto, esperando encontrar meu primo tão surpreso quanto eu, mas o filho da puta parecia tranquilo, como se nada de mais estivesse acontecendo ali.
Foi um marco, puta que pariu! Será que ninguém percebe que isso significa algo? Será que ninguém consegue enxergar que, a cada dia, mais coisas do antigo Tim aparecem?
Meu irmão está se curando!
Eu gostaria de poder saber onde Kika está para parabenizá-la pessoalmente, porque consertar um Karamanlis fodido não é tarefa fácil para ninguém, e ela conseguiu, porque isso a que assisti há pouco ou foi um milagre – e eu não acredito mesmo nessas coisas –, ou foi obra do relacionamento dos dois.
Theodoros não participou da reunião, mas estava aqui no prédio, e certamente é com ele que Millos está falando neste momento ao telefone, informando-lhe que a vaga no cargo máximo do Olimpo continua sendo sua.
Levanto-me da mesa e passo por todos, sem conversar com nenhum dos conselheiros, disposto a encontrar Konstantinos e conversar um pouco com ele sobre tudo o que vi e o que encontrei no sobrado. Acho que ele irá se interessar pela caderneta também, ou talvez não queira se envolver nesse assunto, pois, como me disse antes, quer zerar sua história e recomeçar.
Desço até o andar onde fica o jurídico e a gerência de hunter e nem perco meu tempo indo até aquela que sempre foi sua sala, pois aposto que está na que dividiu com Kika durante o tempo em que trabalharam juntos.
Não, ele não está na sala. Encontro-o parado no corredor, olhando para a porta como se estivesse perdido.
— Kostas?
— Oi, Alexios — responde sem me encarar. — Toda vez que eu entro aqui, parece que está faltando algo, sabe? Nada tem luz sem a presença dela.
Faço careta por causa do romantismo exacerbado, mas não o sacaneio por isso, entendendo que ele ainda não se acertou com a pequena gerente e que isso o está machucando.
— Eu vim dizer que achei algo no sobrado. — Kostas me olha. — Uma caderneta.
— Achou algo sobre sua mãe?
— Ainda não sei, ela está em códigos. — Dou de ombros. — Alguém mais, além de você e eu, tem acesso àquele lugar? — Kostas nega. — Acho que a pista foi plantada.
Ele arregala os olhos.
— Por que você acha isso?
— Eu a achei dentro de um depósito do sótão. — O semblante de meu irmão se transforma com essa revelação. — O forro estava afastado, e a caderna, dentro dele. Contudo, não acho que esteve por lá por 15 anos, Kostas.
— Sim, a casa foi toda vasculhada pela polícia na época da prisão da cafetina traficante e, antes de eu arrematá-la, foi invadida e saqueada várias vezes.
Concordo, pois pensei o mesmo.
— Não sei como alguém possa ter acesso sem as chaves, o local está fortemente fechado — ele continua. — Minhas chaves ficam muito bem guardadas dentro de um cofre, e a que você está usando ficava no meu chaveiro.
— Eu sei, também não entendo como aquilo foi parar lá e por que a pessoa está deixando essas pistas para mim. Primeiro, aquela mulher aqui na Karamanlis, depois o recorte do jornal... — Kostas fica curioso, mas eu não explico — e agora a caderneta.
— Tome cuidado, Alexios, as pessoas envolvidas com aquele tipo de negócio são barra-pesada, sem escrúpulos ou limites.
Penso em Samara e no perigo em que a expus ao levá-la comigo para lá. Um arrepio cruza meu corpo, fazendo-me tremer de frio, como se um espírito pestilento estivesse a me rondar, avisando-me do perigo.
Se eu estivesse sozinho, iria rir e garantir ao meu irmão que não tem perigo algum, que não tenho medo do que possa achar, mas acontece que não estou, tenho muito a perder agora, e Samara é alguém muito importante para que eu a exponha desse jeito.
— Vou tomar. — Ele suspira e volta a encarar a porta. — E Kika? Se acertaram?
Ele balança a cabeça negativamente e entra na gerência parecendo carregar um enorme peso. Meu coração se aperta ao pensar que ela não o perdoou e que, mais uma vez, ele não irá conseguir realizar os sonhos que tinha quando chegou aqui ao Brasil: uma família.
Todos nós quisemos uma em algum momento de nossas vidas. Kostas queria se sentir pertencente a algum lugar; eu queria saber a verdade sobre mim, ter direito à minha identidade; e Kyra queria a mãe. Chorou por meses quando Sabrina foi embora e depois parou de falar nela, como se nunca tivesse existido, mas o vazio ficou.
Vou até o elevador, decidido a ir embora e surpreender Samara – que hoje está trabalhando em casa –, já que ontem tive que cancelar o nosso jantar e não pude vê-la, pois cheguei a casa às altas horas da madrugada.
Meus olhos se repuxam em um sorriso bobo ao me lembrar das mensagens que ela me mandou antes de dormir, quando recebeu o arranjo da floricultura e o bichinho de pelúcia.
“Alexios, seu safado, mandou um presente para mim ou para conquistar Godofredo? Kakakakaka.”
Gargalhei como um louco ao ler a mensagem e depois suspirei quando ela me enviou uma foto abraçada com a tartaruga.
“E as flores, gostou?”
Ela, então, mandou-me uma foto do arranjo, e eu fiquei satisfeito ao ver que era uma linda orquídea e me lembrei de que ela ama essa flor. Boa, Elis!
“Você ainda gosta de orquídeas? Eu lembro que, quando você se mudou, encheu sua casa com elas. Mas devo confessar que quem escolheu essa planta foi minha secretária.”
Mandei um emoji tampando a cara, e ela retribuiu mandando um pensativo.
“Adorei, e que bom que ela acertou e você se lembrou de que eu gosto delas. O bichinho foi ideia dela também? Porque, se foi, ela deve ter algum sexto sentido.”
“Não, o bichinho foi ideia minha, porque sei que sua mãe sequestrou o Godofredo e você sente falta dele. Não queria que se sentisse sozinha essa noite, mesmo que eu não possa estar aí para te fazer companhia.”
Ela demorou um pouco para responder, mas, quando o fez, percebi o quão egoísta eu fui com ela por toda minha vida.
“Quem é você que tomou o corpo do meu amigo? De que planeta você veio? Pode contar, não vou fazer nada para te tirar daí. Gostei muito!”
Respondi com uma gargalhada, mas a verdade é que isso me tocou profundamente. Samara sempre esteve ao meu lado para tudo, e talvez eu, no meu afã de manter distância sexual dela, tenha deixado de retribuir e lhe demonstrar o quanto ela era importante.
Isso não vai acontecer mais!, decido firmemente. Samara entenderá o quanto é importante para mim e o quanto valorizo sua amizade e seu apoio.
Neste momento, mexido com o que houve na sala de reuniões e pela conversa há pouco com Kostas, só desejo estar com ela. Dane-se a Ethernium, já tomou meu tempo ontem; hoje, vou me dedicar à Samara.
A orquídea e o bichinho de pelúcia não estão à minha vista, porém não saem da minha cabeça.
Ontem, quando Alexios mandou mensagem cancelando o jantar, dizendo que precisava ficar até mais tarde na Karamanlis por conta da tal conta em que houve o vazamento de informações, eu a princípio achei que era uma desculpa, que ele devia estar querendo sair sozinho.
Porém, então, horas depois, chegou a encomenda.
Suspiro.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o bichinho, uma tartaruga com um baita laço rosa na cabeça, e a orquídea florida e linda. Abri o envelope com o cartão e achei o bilhete impresso.
Samara,
As coisas hoje não foram bem como eu gostaria. Queria sair com você para jantar e depois passar a noite inteira trepando contigo, mas, infelizmente, não posso abandonar minha equipe se fodendo e fingir que as coisas aqui não estão prestes a pegar fogo. Contudo, não queria que ficasse sozinha e, como Kyra te deu o Godofredo, nada mais justo que eu dê a você algo parecido (porém mais dócil e fofinho de apertar).
Desculpe-me pelo bolo,
A.K.
Confesso que tive que reler o bilhete várias e várias vezes e até duvidei de que fosse ele mesmo quem tinha mandado, mas já vi a assinatura que ele usa na empresa, e não era aquela. Nós sempre zoamos seu nome e seu gênio, dizendo que combinavam.
A.K. é um tipo de arma, e Alexios, na adolescência, era algo tão agressivo quanto uma. Ele se lembrou de quando o chamávamos assim e assinou o bilhete para eu ter certeza de que tinha sido ele mesmo quem o escrevera.
Mais tarde, ele me mandou mensagem, ainda trabalhando na K-Eng e reforçou o que estava no bilhete: a tartaruga era para me fazer companhia, já que ele havia furado comigo. Nunca imaginei que Alexios pudesse ter tanta consideração por alguém e, por isso, sacaneei-o perguntando se tinha um ET dentro dele.
Fiquei tentada a dormir com a tartaruga, abraçada a ela, mas não o fiz. Já é difícil controlar meus sentimentos por Alex sendo ele como é; se eu começar a admirar a forma carinhosa com que tem me tratado e toda sua consideração para comigo, será impossível não criar ilusões.
Coloquei a orquídea na varanda, local onde quase nunca vou, e a tartaruga dentro do meu armário, junto às malas de viagem.
Doeu-me o coração fazer isso, mas sei que irá doer muito mais se eu começar a me iludir com a possibilidade de todo esse carinho de Alexios se tornar algo mais forte e ele me enxergar mais do que só como a amiga de infância.
Não! Fiz o certo!, penso ao voltar a trabalhar, acertando os últimos detalhes do projeto padrão da franquia para a qual estou trabalhando – através da empresa da família –, a fim de poder começar a planejar a estante de livros de Konstantinos.
Eu não ia pegar o projeto do irmão de Kyra e Alexios, mas, depois que ele me mandou as fotos do local e os detalhes do que queria, percebi que ele estava fazendo isso para alguém especial, que era um sonho dessa pessoa e, por isso, não neguei.
Fiquei encantada com a possibilidade de fazer algo que eu mesma gostaria de ter em minha casa, um quarto cheio de livros, com poltrona e iluminação própria para meus momentos de leitura. Fiquei tentada a desenvolver algo parecido para o meu apartamento, até me lembrar de que pretendo voltar a Madri assim que o tratamento de mamãe se encerrar.
Graças a Deus, Ana Cohen está indo muito bem nessa nova fase da quimioterapia, e o médico ainda não viu a necessidade de começar a usar a radioterapia. Mamãe está decidida a se curar, e isso já é um enorme passo para sua recuperação. Ela tem andado mais otimista, mais ativa mesmo durante os dias de medicação e, principalmente agora, com a notícia do divórcio do Dani, mais presente para a família.
Papai não retornou para a fazenda desde que voltou para casa. De vez em quando mamãe diz para ele ir, mas ele finge não a ouvir e fica ao seu lado.
Tenho falado com meu irmão todos os dias, na empresa ou por telefone, pois me preocupo muito com ele e com tudo isso que aconteceu. Ainda não entendo seu casamento relâmpago, mas sinto que há algo muito sério por trás disso, que ele não quer revelar.
Kyra continua achando que ele pode ser gay, mesmo depois que eu lhe contei a conversa que tive com ele sobre o assunto. Sinceramente eu estava com receio de contar à minha amiga sobre o divórcio, pois sabia que ela iria dizer que havia avisado que isso iria acontecer.
— Só não previ que fosse acontecer tão rápido! — ela disse às gargalhadas. — É meu mais novo recorde, menos de um mês de duração! O ranking era de um que durou seis semanas.
— Coincidências, não se dê esse poder todo! — provoquei-a de volta.
— Estou te dizendo! — Riu. — Vou criar até um slogan: — ela abriu os braços, exagerada como sempre, chamando a atenção das pessoas à nossa volta — Quer afundar um relacionamento? Contrate mama Kyra para fazer o casamento!
Não resisti à criatividade dela, e começamos a rir juntas, sem nos importar com as outras pessoas que tomavam café silenciosamente na confeitaria onde nos encontrávamos.
Consigo brincar com o que houve com meu irmão porque, de certa forma, acho que o que aconteceu foi uma boa solução. Daniel não amava a Bianca, e acho que ela também não o amava. Sei que ele está contrariado, afinal, se casou por algo que achava que deveria fazer, mas não está sofrendo, e isso é prova suficiente de que a relação dos dois já havia morrido muito tempo antes.
A campainha do meu apartamento soa alto, fazendo-me pular da banqueta onde estou trabalhando. Confiro as horas; ainda estamos na metade da tarde, então não pode ser Alexios. Deve ser Kyra.
— Entra, Kyra! — grito sem sair do lugar.
A porta se abre, e Alexios entra carregando uma caixa e um suporte com dois copos de café. Meu coração parece que vai saltar, e fico petrificada, sem saber o que fazer ou o que dizer por tê-lo aqui a essa hora.
— Espero que eu sirva no lugar de minha irmã. — Ele pisca. — Mas, caso não seja suficiente, declaro que trouxe donuts e capuccino.
Ele põe os itens em cima da mesa e vem até onde estou, ergue meu queixo, abre um sorriso e me beija.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Atrapalho muito? — Aponta para meu computador e as revistas em cima da mesa.
Nego.
— Só não esperava te ver hoje, ainda mais tão cedo. — Ergo uma sobrancelha. — Você não estava atolado de trabalho com sua equipe?
— Estava não, estou! — Dá de ombros. — Daqui a pouco volto para a K-Eng para virar a noite lá com eles, mas antes queria vir te ver e aproveitei o horário para comer algo com você. — Levanta um donut coberto com creme de limão, meu preferido. — Podemos fazer uma troca...
Sorrio, prevendo safadeza.
— Que tipo de troca?
Sinto a pele toda se arrepiar de vontade quando ele abre seu melhor sorriso safado.
— Troco essa rosca pela sua rosca.
Gargalho alto, quase caindo da banqueta, e ele enfia a língua no meio do donut, como se o fodesse.
— Você não vale nada, Alex!
— Nunca tive dúvidas sobre isso. — Pisca. — E aí? Cobertura de glacê de limão siciliano... — Lambe a cobertura, deixando minha boca cheia d’água. — Topa fazer a troquinha?
Desço da banqueta e dou uma mordida no donut, respondendo a sua questão. Ele geme alto e me agarra, beijando-me ainda com o sabor doce e azedo da cobertura na boca.
Suas mãos não têm nenhum pudor ao subir o vestido que uso e ir direto ao ponto desejado. Arrepio-me inteira quando ele arrasta suas unhas cortadas no meu cóccix e depois as desliza para o meio do meu bumbum, parando apenas para circular o orifício que está tentando conquistar e invadir.
— Nunca fiz isso — confesso.
Alexios para imediatamente, abre os olhos e não esconde sua surpresa.
— Nunca, nunca mesmo? — Confirmo. — Nem mesmo um dedinho?
— Só você até agora.
Ele fecha os olhos e respira fundo. Fico tensa, pensando que ele deve estar me achando monótona e inexperiente, mas fazer o quê? Não vou mentir para ele apenas para parecer mais descolada do que sou. Nunca fiz e nem tive vontade de fazer sexo anal, até ele.
— Desistiu? — pergunto.
— De jeito nenhum — responde de olhos fechados. — Estou louco para te mostrar isso, mas, como é sua primeira vez, teremos que ter um cuidado especial.
Faço careta.
— Desculpa pelo trabalho.
Ele ri.
— Está louca? — Pega minha mão e me faz sentir sua ereção pulsando na calça. — Eu quase gozei só de me imaginar iniciando você nisso, em todas as brincadeiras e safadezas que podemos fazer juntos. — Sorrio animada. — Mas não hoje...
— Por quê? — Faço biquinho e aperto mais seu pau latejante.
— Porque preciso providenciar umas coisas, e você precisa fazer uma preparação para se sentir mais segura.
Concordo, pois já li sobre isso.
— E agora? Como sua rosca sem dar nada em troca?
Alexios abre a calça, deixa seu pau escapulir para fora e se senta no meu sofá.
— Vem! — Balança o donut. — Senta aqui enquanto te alimento.
Meu corpo esquenta com a imagem de Alexios segurando o donut com uma das mãos e o pau com a outra. Meu sexo pulsa de vontade, e sinto uma leve umidade em minha calcinha.
Coloco as mãos por baixo da saia do vestido e retiro a lingerie devagar, sentindo os olhos dele sobre mim, acompanhando cada movimento. Balanço a calcinha na mão, assim como ele faz com a rosca, mas depois a lanço para o lado.
— Delícia de mulher safada, vem aqui!
Ando devagar, olhos nos dele, e paro de frente para onde está sentado.
— É assim? Levanta esse pau e acha que eu devo me sentar?
Alexios desliza seu pé, ainda calçado, pela minha perna e, quando chega na parte de trás do meu joelho, bate o calcanhar, fazendo-me desequilibrar e cair sobre seu colo.
— Isso foi golpe sujo! — acuso-o, rindo muito.
— Não, isso foi desespero. — Ergue meus quadris e se encaixa na minha entrada. — Estou louco por isso desde ontem, frustrado por não ter passado a noite toda dentro de você.
Não me abaixo, e ele também não se ergue. Sinto sua cabeça inchada entre meus lábios, mas não o insiro em mim, olhando-o intensamente, tentando descobrir se o que está tentando fazer é alguma espécie de jogo ou se realmente sente isso tudo.
Ele não mentiria para mim, e querer trepar comigo a noite toda não requer sentimentos ou mesmo mudança da parte dele, apenas tesão, e isso nós temos de sobra.
Rebolo curto, devagar, e ele trava a mandíbula e suas narinas se dilatam. Faço novamente, e ele geme entredentes. Esfrego meu sexo no dele, deliciando-me com a sensação de estar sendo lubrificada com meus próprios fluidos, excitada ainda mais ao ver sua reação violenta ao prazer que isso lhe dá.
— Caralho, Samara, senta e acaba com essa tortura!
Nego e mordo o donut, lambendo os lábios faceira, o que o faz me puxar pela nuca e devorar minha boca. Entrego-me, sento-me e sinto cada centímetro dele preencher meu interior. Gememos com as bocas coladas. Eu me movimento, e ele apoia a base da minha coluna, ajudando-me a mexer com mais intensidade.
Inclino o corpo para trás, e ele espalha glacê no vale dos meus seios pelo decote do vestido e depois o lambe todo. Rio, gostando disso, e ele continua, afastando as alças da peça de roupa, fazendo-a cair e se embolar em minha cintura. A cobertura de limão é usada nos meus mamilos, e ele a come toda, chupando e mordendo, enquanto eu subo e desço no seu pau.
De repente, Alexios se ergue e me leva consigo até a varanda gourmet em que evito sempre estar e me coloca sobre a mesinha alta de bufê que tenho aqui. Fico tensa, pois o local é aberto, e é possível que sejamos vistos.
— Relaxa, você tem muitas plantas aqui. — Ri. — Apenas curta, me sinta dentro de você e esqueça o resto.
Ele se movimenta gostoso, rebolando devagar, afundando-se lentamente em mim, saindo, estocando curto e então entrando com tudo, fazendo-me arquear as costas no tampo de vidro.
Olho para ele, acompanhando seus movimentos perfeitos dentro de mim e ergo os dedos para que ele os chupe. Alexios sorri, toma-os na boca, mas, em vez de me deixar levá-los até a minha boca também, como se compartilhássemos um beijo, ele os coloca sobre meu clitóris.
— Se toca para mim — pede. — Goza enquanto te como gostoso aqui, com o som do parque ao longe e o sol iluminando nós dois.
Não espero outro pedido e começo a me masturbar como ele pediu. As estocadas aumentam, no mesmo ritmo que meus dedos trabalham sobre meu clitóris duro. Fecho os olhos, curtindo a sensação indescritível que tenho ao fazer isso, mas ele me pede para abri-los.
— Quero que olhe para mim enquanto gozo dentro de você... — geme. — Você é a primeira com quem faço isso...
Não entendo a afirmação, e ele se explica:
— Sem camisinha e com gozo dentro. — Alexios ri. — Porra, como isso é bom!
Sua expressão muda, vejo vulnerabilidade, prazer e carinho misturados em seu olhar. Os gemidos se intensificam, e meus músculos começam a se retesar. Como se tivéssemos cronometrado, gozamos juntos, sem limites, os sons altos de júbilo e êxtase se espalhando pelo ar, misturando-se aos sons da rua.
Fecho os olhos e engulo em seco as palavras que chegaram à minha boca no momento mais forte do orgasmo.
Você também é meu primeiro, Alexios; meu primeiro amor!
— Aqui tem as letras OLMD e os números 10, 17 e 23 — Kyra lê, e eu anoto em outro local. — Depois muda para... — Kyra boceja.
— Não quer parar para tomar um café? Você trabalhou até de manhã!
Ela concorda.
— Boa ideia! — Levanta-se da banqueta da cozinha de Alexios e começa a preparar a bebida. — Por que ele ainda não chegou? Não marcou conosco hoje depois do almoço?
— Relaxa, Kyra, ele deve ter pegado um trânsito infernal.
Minha amiga concorda, mas não para de me olhar.
— Não vai mesmo me dizer o que está rolando entre vocês? — pressiona, e eu fico vermelha. — Malinha, eu te conheço bem e mais ainda àquele safado, não precisa...
— Estamos transando, só isso.
Kyra arregala os olhos.
— Puta merda... Puta... — Ela parece em estado de choque. — Eu imaginava que estivesse rolado um clima, uns tapas e beijos, mas não que a coisa já estivesse nesse estágio.
— Pois é, mas está.
Não dou mais detalhes e volto a olhar a caderneta.
— Contou a ele que você o ama?
Suspiro.
— Não. — Kyra xinga. — Entrei nessa sabendo que tudo o que ele pode me dar é prazer, então estou ignorando essa parte enquanto posso.
— Samara, isso é loucura! E depois?
Controlo o tremor na minha voz, o nó em minha garganta e sinto os olhos arderem com a vontade de chorar. Depois? Depois vou voltar para Madri e tentar viver minha vida sem pensar no que poderia ter sido se ele me amasse também, sem desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Não há essa possibilidade!
— Depois só o tem...
O barulho da chave na porta me faz calar, e eu faço sinal para que ela não diga nada a ele e mantenha o segredo.
— Oi! — Alexios nos cumprimenta ao entrar no apartamento. — Desculpem a demora, trânsito!
— Sem problema. — Pisco para ele. — Kyra está fazendo um café.
— Ótimo! Tenho algumas horas antes de conferir tudo o que minha equipe montou e mandar lá para os hunters. — Alexios sorri aliviado. — Kika voltou ao trabalho hoje. — Ele olha para a irmã. — Ela e Kostas estão juntos.
Kyra arregala os olhos com a notícia, e eu também fico surpresa, dando um rosto agora à futura dona dos armários que estou desenhando.
— Eu conheci a Kika nas festas de final de ano, ela ia sempre com Malu Ruschel, e eu até achei que elas eram um casal.
— Melhores amigas — Alexios esclarece. — Nosso irmão está apaixonado, com os pneus arriados e a língua de fora. — Ri. — Ontem, na hora que os dois saíram juntos da empresa, quase fiquei diabético de tanto amor.
— Isso é bom, não? — questiono-lhe, o coração disparado à espera da resposta.
— Para quem pode sentir o mesmo, sim! — responde seco. — Descobriram algo? — ele muda de assunto, e eu evito o olhar de Kyra, pois aposto que ela está me olhando preocupada.
— Ainda não, dei uma parada, pois não conseguia nem enxergar...
— E se essas letras forem siglas de nomes de clientes? — disparo de repente. — Pode ser que sejam.
— Ou das prostitutas! — Kyra se anima. — Mas e os números?
— Dinheiro! Aposto que você irá achar um N.K. em muitos lugares.
Concordo e assinalo todos os que encontro.
— Ninguém Ker! — Kyra debocha. — Era o código dele que fizemos por suas iniciais.
Assinto, lembrando-me.
— Sim, você era a Kero-Kero. — Rio quando ela me mostra a língua.
— Seu irmão era o Dedo-Duro! E seu pai... — Kyra olha para Alexios, e eu volto a assinalar as siglas N.K. na caderneta. — Lembra, Alexios? Era algo que remetia a dinheiro.
— B.A.N.K.S. — ele fala a sigla do nome completo do meu pai, que forma a palavra “banco” em inglês.
— Isso mesmo! — Kyra comemora. — Você era...
Não termino de ouvir o que ela diz, pois assinalei algo no automático, sem prestar atenção, e agora sinto meu coração parar de medo. Olho para meus amigos, rindo e se divertindo com as lembranças do passado, e o temor me faz tremer na cadeira.
Fecho a caderneta e salto para fora da banqueta.
— Preciso ir!
Os dois param a conversa e me encaram. Antes, porém, joguei a caderneta dentro da minha bolsa.
— O que aconteceu, Samara? — Alexios pergunta preocupado.
Tento pensar rápido em alguma desculpa convincente e ainda não gaguejar, pois desconfiariam de que estou mentindo.
— Lembrei agora que Daniel não vai poder ir com a mamãe à quimio e que eu me comprometi a levá-la.
Kyra estranha, não parece nada convencida, mas não alerta o irmão. Alexios se aproxima e fala baixinho:
— Tudo bem mesmo? Você parece assustada.
Engulo em seco quando lhe respondo:
— Está tudo bem, só me assustei por te me esquecido de mamãe, mas já vou indo!
Despeço-me deles, mas, antes que eu siga para a porta, Kyra me chama:
— Samara, e a caderneta, onde está?
Fecho os olhos, as lágrimas ameaçando cair.
— Deixei aí em cima, deve ter caído. Depois a gente se fala.
Saio correndo do apartamento de Alexios, desço as escadas, porque não quero esperar o elevador, e, quando chego à garagem do prédio, esbaforida e nervosa, entro no meu carro e volto a abrir a caderneta.
B.A.N.K.S.
Não pode ser!
Pego uma borracha dentro da bolsa e apago o círculo que fiz com o lápis enquanto Kyra e Alexios se lembravam das siglas que usávamos quando não queríamos falar os nomes das pessoas.
Deve ser uma coincidência ou haver outra explicação! Meu pai nunca frequentaria aquele lugar, nunca compactuaria com as coisas que aconteciam por lá, nunca!
Saio dirigindo como uma louca e acelero o máximo que posso, enfrentando o trânsito caótico até a casa dos meus pais.
Cumprimento a Cida na entrada e confirmo que meus pais não estão em casa, pois quem acompanhou mamãe na quimio hoje foi ele. Entro em seu escritório, o mesmo que ele usava para trabalhar e onde ele guarda a maioria de seus documentos e pastas.
Abro todas as gavetas até encontrar a chave da gaveta de documentos importantes dele, onde meu pai sempre guardou sua arma, pregada com um ímã embaixo do fundo de uma delas.
Vasculho pasta por pasta, olhando documentos e anotações, mas nada me remete àquele lugar ou aos números anotados na frente do nome dele. Procuro sua sigla em outro lugar nessa caderneta dos infernos, mas não há nada, apenas naquela maldita página, bem na época em que Alexios nasceu.
— O que você está procurando?
Pulo de susto com a voz de Daniel e encaro meu irmão com os olhos cheios de lágrimas. Ele se assusta, corre ao meu encontro e me ampara quando começo a chorar.
— Samara?
— Alexios encontrou uma caderneta com anotações do bordel onde a mãe dele trabalhava — conto em meio às lágrimas, e Daniel bufa de raiva. — Tem várias siglas e números, e então pensei que pudessem ser iniciais.
— Samara, isso é loucura! Olha só o que aquele doido está fazendo com sua cabeça...
— Não, Daniel, é sério. — Aponto para a caderneta em cima do móvel. — Ela é autêntica, tenho certeza.
— Mas o que tem a ver essa coisa e o fato de você estar aqui, no escritório do papai, em prantos?
— O nome dele está na lista da caderneta.
Daniel se afasta de mim e nega.
— Papai nunca frequentaria um local assim, não, ele é todo tradicional, nunca iria a esses lugares!
Mostro-a para ele, mas ele continua a negar.
— Isso aí não prova nada, vocês mal sabem o que significam. Alex fica enfiando caraminholas em sua cabeça e...
— Ele não sabe, Dani! — Soluço. — Menti para ele e para a Kyra e saí correndo, furtando a caderneta igual a uma gatuna, para ganhar tempo antes de ter uma solução sobre o motivo de as iniciais de papai estarem aqui.
Ele pega a caderneta e arranca a folha.
— Solução arranjada!
Choro em desespero, imaginando a reação dos meus amigos quando eu contar o que descobri e eles virem a folha faltando. Pego-a da mão dele antes que a rasgue e a recoloco na caderneta.
— Eu não sei o que significa, mas o lugar era horrível demais, e aconteciam atrocidades por lá.
— Papai nunca iria a um local desse, esqueça isso!
Não posso esquecer, não se for realmente uma pista real para que Alexios encontre a mãe ou saiba a verdade sobre sua história. Não posso simplesmente ignorar e fingir que não vi o nome do meu pai lá.
Ao mesmo tempo, se Alexios souber, virá como um trator para cima de Benjamin, e papai já sofreu várias intervenções no coração, e eu temo que um confronto entre os dois seja forte demais para ele aguentar.
O que eu faço?
— Vou conversar com ele, Dani, e pedi explicações sobre isso. — Meu irmão faz um gesto negativo com a cabeça. — Se ele sabe de algo que possa ajudar a localizar a mãe de Alexios, preciso que me diga.
— Samara, isso é loucura, e você irá magoar nossos pais por causa de Alexios. — Ele se senta numa poltrona e apoia a cabeça entre as mãos. — Já pensou se isso for verdade, no que vai significar?
Que papai traiu nossa mãe! Sim, eu pensei nisso. Mamãe está numa fase delicada também e, se souber de algo assim, irá ficar desapontada e muito machucada.
— Não temos certeza de nada — digo.
— Isso! Não tem por que fazer alarde. Vamos pensar com calma. Eu ajudo você, e encontraremos uma solução para esse caso, eu prometo.
Assinto, mas dentro do meu coração há um buraco. Sinto que estou traindo meus amigos não contando a eles o que descobri. Dói profundamente pensar em omitir de Alexios que, talvez, meu pai saiba o que realmente aconteceu com sua mãe. Entretanto, dói também o medo de causar mágoa e prejudicar a saúde dos meus pais.
Estou numa sinuca de bico, e qualquer movimento que eu faça não será nada bom!
— Bem-vinda de volta mais uma vez! — brinco com Kika assim que a vejo dentro do elevador, subindo para sua sala. — Fiquei feliz ontem, quando sua reunião acabou, mas preocupado com essa história de você pedir demissão depois de terminarmos o projeto da Ethernium.
Kika ri sem jeito.
— Já mudei de ideia sobre isso. — Faço cara de paisagem, mas ela percebe o que estou pensando e ri. — Nos acertamos, Alexios. Obrigada pela ajuda naquele dia.
— Sempre aqui quando precisar. — Ela me abraça, e eu rio, pois Kika sempre foi assim, expansiva, carinhosa. — Não dá mole para meu irmão, viu? Rédea curta com ele para mantê-lo na linha.
Ela gargalha.
— Pode deixar! — Suspira, seus olhos parecem brilhar. — Vamos conseguir uma área incrível para fazer esse pessoal da concorrência tremer?
— Vamos!
Ela faz um high five, e eu bato minha mão na dela antes de sair do elevador e entrar na K-Eng. A intensa rotina de trabalho na qual estamos agora tem me deixado louco, agitado, mas extremamente feliz. Gosto disso, adoro qualquer tipo de adrenalina, mesmo a de um prazo apertado no trabalho.
Achei que ia ficar um tempo fora daqui hoje, porque nem almocei para poder me encontrar com minha irmã e Samara no meu apartamento a fim de analisar a tal caderneta, mas algo aconteceu com Samara e não fez mais sentido ficar por lá.
A caderneta sumiu!
Foi estranho quando, do nada, Samara se lembrou de que precisava levar a mãe à quimioterapia e praticamente saiu correndo do meu apartamento. Kyra e eu trocamos olhares, sem entender, pois não é nada típico de Samara esquecer um compromisso.
— Algo aconteceu — Kyra comentou. — Estava tudo bem até você chegar.
Franzi o sobrolho, confuso por minha irmã achar que o fato de ela ter saído correndo se devia à minha presença.
— E por que deixaria de estar quando cheguei? — retruquei, braços cruzados.
— Samara me contou o rolo que vocês andam tendo. — Isso me surpreendeu, pois ela tinha rejeitado a ideia de contar para Kyra. — Não machuque minha amiga, não a afaste de nós!
Mais uma vez a confusão me tomou.
— Por que isso aconteceria? Conversamos, Kyra, não foi nada impensado ou impulsivo. Eu ponderei muito sobre me envolver sexualmente com Samara, porém era algo que eu reprimia há muitos anos. Agora ela é adulta, experiente e está a fim de diversão, por que não?
Kyra bufou.
— Às vezes acho você um grande imbecil, Alexios — resmungou ao procurar a caderneta debaixo do balcão da cozinha. — Quantos relacionamentos assim você viu Samara ter? Se liga, ela não é assim!
Ri dela, pensando em como Samara estava levando o tipo de arranjo que estávamos tendo muito bem, muito melhor que eu.
— Talvez você não conheça sua amiga tanto quanto imagina.
— Talvez você só seja muito cego para perceber o óbvio! — Ela xingou. — Não estou encontrando a merda da caderneta!
Gargalhei e me abaixei para procurar junto a ela.
— Depois o cego sou eu!
Olhamos tudo, pela cozinha toda, mas não achamos o objeto em local algum.
— Samara a levou? — Kyra olhou para a porta. — Por quê?
Também não vi nenhum motivo para que ela tivesse feito isso.
— Deve ter sido sem querer, devido à correria em que estava. Pode ter guardado a caderneta na bolsa, ou ela ter caído lá sem querer, afinal estava próxima.
Kyra concordou e pegou sua própria bolsa.
— Então, sem caderneta para decifrar, vou voltar para o trabalho e dar uma mão lá para a Lena.
Concordei.
— Ela e o Bê estão morando aqui — comentei, e ela confirmou. — Esses dias vi o menino dela no playground com a Amanda do Cadu.
— Tem sido ótima essa nova fase para o Heitor. Helena tinha tanto medo de mudar de apartamento e ele não se adaptar, mas tem feito isso aos poucos e tem dado certo. Sem contar que Bê se revelou um superpai para o menino, o que me pegou de surpresa, porque era um playboyzinho chato!
— O Bê mudou bastante depois do que aconteceu com ele. — Peguei a chave da moto, decidido a pegar menos engarrafamento daquela vez. — Então vamos voltar ao trabalho, que, mais tarde, vejo com a Samara se a caderneta está com ela.
Kyra não se moveu.
— Alexios, ela não é qualquer uma, tome cuidado com o que você faz com ela.
Ri de sua preocupação, pois penso igual.
— Não se preocupe, Kyra, eu sei o quanto ela é especial.
— Eu gostaria que soubesse mesmo! — sussurrou antes de passar por mim e sair do meu apartamento.
Fiquei um tempo por lá ainda, refletindo sobre o que ela quis dizer e qual realmente o motivo de sua preocupação, pois Samara não é o cristal frágil que Kyra está imaginando.
Samara é forte, decidida, dona de suas vontades e desejos.
Pego o celular e abro o aplicativo de mensagens para conferir se ela está online, mas ainda continua marcando que entrou no aplicativo no mesmo horário em que nos falamos pela última vez, antes de eu chegar ao apartamento.
— Alex, que bom que chegou! — Elis me entrega uma porção de correspondência, e eu lhe agradeço antes de entrar em minha sala.
— Olha, acho que teremos que ganhar bônus junto aos hunters dessa vez! — Eliana comenta. — Estou moída, puta merda!
Rio.
— Bônus, eu não sei, mas a cervejada já está garantida por minha conta.
— Aí, sim! — comemora.
Sento-me à minha mesa, organizo meus lápis e começo a ler todas as correspondências, questionando o motivo pelo qual as pessoas já não se adequam a enviar documentos digitais, sem uso de papel, pois são muito mais práticos e econômicos.
Sinto uma certa apreensão a cada envelope que abro, esperando encontrar outra pista anônima, mas isso não acontece. Aliviado, ligo meu computador para acompanhar o trabalho de todas as equipes na confecção dos materiais para a Ethernium.
— O pessoal lá da Karamanlis ainda não se decidiu por uma área? — Evandro questiona, parecendo ler meus pensamentos.
— Não, Kika voltou ao trabalho hoje, e ainda não estive com Kostas, mas acho que daqui a pouco teremos alguma notícia... — Meu celular toca. — Theodoros, boa tarde, estávamos falando aqui agora sobre...
— Alexios, preciso que você venha ao hospital — levanto-me assustado, reconhecendo desespero em sua voz. — Comuniquei ao Millos há pouco, e ele se encarregou de trazer a Wilka...
— O que houve? — pergunto pegando meu capacete e a chave da moto, atraindo olhares de todos da minha equipe direta.
— Kostas salvou minha vida... — Theo parece se engasgar, e sinto meu corpo gelar — mas se feriu gravemente ao fazer isso, está em cirurgia.
Não, porra! Não agora!
Saio correndo da sala, passando pelos corredores como um louco, esbarrando nas pessoas e nem me dou ao trabalho de chamar o elevador, desço as escadas correndo, a cabeça a mil, e os olhos ardendo com as lágrimas que não vou derramar.
Lembranças e imagens do garoto tímido e sonhador enchem minha cabeça; daquela noite horrível em que o vi naquele bordel; dos seus choros sentidos durante as madrugadas em que passávamos sozinhos na cobertura de Nikkós.
Não é justo! Porra, não é justo!
O abraço feliz que Kika me deu há menos de uma hora, dentro do elevador, parece me despedaçar. Imagino como Millos deve estar por ter de dar essa notícia e como será a reação dela ao que houve.
Ele não pode morrer, Kostas não pode morrer!
Não é justo, depois de tudo o que ele passou, acontecer algo assim quando encontrou Kika. Eu vi a esperança de volta nele, a luz, mesmo sem saber o que estava acontecendo entre eles. Depois, lá naquele sobrado, pude ter a dimensão do que os dois sentiam um pelo outro e desejei, do fundo do coração, que eles se acertassem e que Kostas pudesse ser feliz.
Ele não pode dar essa vitória ao Nikkós, tem que lutar, tem que viver! Imagino a reação do desgraçado ao saber dessa notícia, pois foi o que tentou fazer todos os anos em que aplicou sua tortura. Nikkós matou nossa alma, mas continuamos resistindo fisicamente.
Kostas recuperou sua alma de volta, não pode agora perecer!
Piloto pelas ruas em desespero, tentando chegar aonde meu irmão está o mais rápido que posso, como se o tempo fosse algo que estivesse se escasseando e pudesse acabar a qualquer segundo.
Deixo a moto no estacionamento e entro no hospital, cujo endereço Theo me mandou por mensagem, corro até a recepção, ofegante, e me apoio no balcão da entrada para não despencar, pois minhas pernas estão bambas.
— Meu irmão está em cirurgia, foi uma emergência, Konstantinos Karamanlis!
A recepcionista nota meu desespero e olha no computador à procura de informações.
— Sim, chegou baleado — fico branco ao ouvir isso. — Eu preciso de um documento para fazer... — Entrego-lhe a minha habilitação, e logo ela a devolve com uma credencial. — Siga por esse corredor e vire à esquerda, o homem que o trouxe está lá.
Faço o que ela me indica, a cabeça a mil, sem saber qual notícia Theodoros terá para me dar e, quando entro em uma pequena sala de espera, encontro-o lá parado, olhando para o nada, a roupa coberta por manchas de sangue.
Engulo em seco, chocado com a cena que vejo, e o chamo:
— Theo...
Ele se vira para mim e, sem dizer nada, abraça-me forte, seu corpo tremendo com o choro. Fico imóvel, sem saber o que fazer, mas sua emoção também é a minha, compartilhamos o mesmo medo.
— Só consegui ligar agora — começa a falar, a voz embargada. — Ele chegou aqui muito mal, tiveram que ressuscitá-lo uma vez e, só depois que ele estabilizou, entraram em cirurgia — noto o desespero em sua voz. — Acho que a bala atingiu o coração.
Porra! Um tiro!
Minha cabeça dá voltas, sem entender o que aconteceu, onde eles estavam e quem fez isso.
— O que houve? — Aponto para sua roupa. — Por que você está assim?
— Descobrimos sobre o vazamento e tivemos a mesma ideia de ir confrontar o traidor. — Theo se afasta e seca o rosto. — Ela tentou me matar, Alexios, mas Kostas entrou na frente, tomou o tiro e despencou do mezanino onde estávamos, caiu em cima de uma mesa de vidro. — Olha para suas mangas. — Ele se machucou muito.
Theo continua a olhar para suas mangas, cobertas de manchas de sangue. Sua expressão chocada me deixa com medo, pois não sei o que está passando por sua cabeça.
— Quem atirou, Theo? — estimulo-o a voltar a falar.
— Viviane Lamour.
Arregalo os olhos com a revelação, lembrando-me da amiga de Theo que sempre estava em todos os eventos, como uma cadelinha abanando o rabo atrás dele.
Filha da puta!
Não entendo como ela pôde ter sido responsável pelo vazamento e nem os motivos que a levaram a tentar matar Theodoros, mas não questiono, preocupado, no momento, com a vida de Kostas e com a saúde mental de Theodoros, que parece em choque.
— Você já se alimentou? — Ele nega. — Vou pegar um café para esperarmos Millos chegar com a Kika. Temos que estar fortes por ela, não será fácil, e precisamos apoiá-la.
Viro-me para sair da sala.
— Me perdoe por isso! — ele fala de repente.
Paro onde estou, encaro-o, mas Theo está com os olhos fechados e a cabeça baixa. Consigo sentir sua dor, a culpa que está carregando e o medo de perder Konstantinos.
— Não foi sua culpa. — Sinto uma lágrima rolar sobre minha bochecha. — Nada foi sua culpa, Theo.
Ele me encara, tão surpreso quanto eu pelo que falei. Foi sincero, espontâneo, e me dou conta de que há muito tempo já não o culpo pelo que houve. Theodoros também não tinha como saber que Nikkós se transformaria em um monstro, ninguém poderia imaginar que um pai agiria daquela forma com seus filhos.
— Eu não fazia ideia, Alexios — admite. — Não voltei porque não fazia ideia do que estava acontecendo.
Assinto, sem condições de dizer nada, e saio da sala de espera com a desculpa de buscar café, mas me enfio no primeiro depósito de limpeza que acho e choro feito um bebê.
— Vamos pensar com calma. — Daniel parece tão desnorteado quanto eu, mexendo em várias pastas que eu nem sabia que existiam. — Papai não é bobo, muito menos a mamãe, então nada aqui irá nos ajudar.
— Sim — concordo com ele.
— Lá na empresa há um cofre e, dentro dele, vários documentos e anotações. Não sei se terá algo relevante, mas posso pegá-los e levá-los até sua casa para olharmos juntos. — Ele me olha. — Mas você precisa prometer, Samara, que só irá falar algo se efetivamente acharmos alguma coisa.
— Não acho isso certo, Dani. Eu já achei alguma coisa.
— Não! O que você achou pode significar qualquer coisa!
Olho para ele com expressão incrédula, porque é coincidência demais ter as iniciais de Nikkós Karamanlis e as do meu pai e isso não significar nada.
Daniel analisa a caderneta com atenção, lendo página por página.
— A data em que aparece as iniciais B.A.N.K.S é da época do nascimento de Alexios. — Concordo com ele. — Eu tinha sete anos, Samara, e, até onde sei, nessa época nossos pais viviam bem.
— Sim, a crise veio depois do meu nascimento. — Relembro a história que já ouvi milhares de vezes. — Mamãe conta que eles pensaram em se separar, e papai teve uma depressão terrível.
— Isso! Nessa época aqui as coisas iam bem, então, se realmente for verdade... — Ele franze a testa. — Sabe o que todas essas anotações me lembram? — Nego. — Besteira, não pode ser!
Ele fecha a caderneta e vai até o aparador de bebidas, serve-se de uma generosa dose de uísque e a toma de uma só vez. Isso liga um alerta dentro de mim. Tenho certeza de que ele descobriu algo.
— Dani...
— Não, Samara, eu prefiro pensar que não!
Entendo-o, sinto sua dor, mas preciso saber.
— O que significa isso? — Levanto a caderneta, e ele bufa.
— Leilão. — Arregalo os olhos. — Não sei de que, mas, se você olhar bem, antes de cada lista de siglas, há números, e eles não são sequenciais. — Ele aponta. — Na que aparece o nome do papai, há o número 17-0, e, antes dele, há 18-0, 16-0, 17-1 e etc.
— São os lotes — digo, sentindo-me enojada.
— Sim, e os números junto às siglas parecem ser lances. — Ele pega o de papai como exemplo. — Ele não venceu se for isso mesmo.
— Mas participou. — Olho para as siglas de Nikkós que assinalei, percebendo que ele venceu a maioria.
Um leilão, e eu já posso supor o que significa o número do lote, a idade da garota que estava sendo leiloada. Estremeço ao ver os números 14 e 15 na caderneta, recusando-me a acreditar que papai participou de algo tão vil quanto isso, leilão sexual de menores de idade.
Não sei o que pensar, dou razão ao meu irmão de que devemos ser cautelosos, mas, ao mesmo tempo, sinto que devo contar tudo isso ao Alexios. Ele merece saber, mesmo que não haja aqui qualquer evidência de qual desses lotes possa ser sua mãe.
Nikkós venceu várias disputas, e nenhuma condiz com o momento em que Alexios foi concebido, pois todas as datas remetem a quando sua mãe já estava grávida.
Por que então a pessoa que estava incentivando-o anonimamente a procurar deixou essa evidência para ele achar? Sim, porque Alexios parece ter certeza disso, de que a caderneta foi plantada no local para que ele pudesse achá-la.
— Vou tentar segurar essa informação por alguns dias, Dani. — Ele assente, e eu guardo a folha com a inicial de papai. — Não sei como vou fazer isso, porque, além de Alexios e mim, Kyra também está empenhada em descobrir algo.
— E ela sempre foi cabeça-dura e obstinada — ele completa, com sua implicância natural com minha melhor amiga. — Bom, tente ganhar tempo, que eu vou reunir tudo o que achar de papai ainda na empresa e levar até você para olharmos juntos.
— Obrigada por tudo, Dani.
— Faço isso por você, Samara, mas não concordo com essa busca insana de Alexios. Acho que já passou da hora de ele crescer e esquecer essa merda de “eu quero minha mãe”.
— Não é assim, Dani, você o está julgando sem saber de nada. — Penso em tudo o que descobrir a verdade sobre seu nascimento representa. — É mais do que querer saber quem é a mãe dele, é sua liberdade. Nós não podemos ter a dimensão do que ele passou, pois sempre tivemos nossos pais ao nosso lado, e eles nos tratavam como deveria ser.
— Samara, Alexios era problemático, por isso Nikkós era duro com ele.
Nego, sentindo lágrimas nos olhos.
— Alexios era problemático por causa de Nikkós. — Dou de ombros, não querendo entrar nesse assunto. — Eu acompanhei, Dani, conheço meu amigo e sei como ter essas informações é importante.
— Você sempre foi uma menina ingênua. — Beija minha testa. — Contudo, confesso que tenho orgulho de ver a amiga que você é e como seu coração é bom. Alexios tem sorte de te ter ao lado dele. Só espero que um dia consiga reconhecer isso sem magoar você.
Sorrio triste, não me sentindo tão especial assim escondendo dele tudo o que descobri, esperando não ser eu a decepcioná-lo e magoá-lo. É fácil demais para quem estava de fora julgar o comportamento dele, muito fácil. Nikkós era falso, gostava de posar de pai dedicado aos filhos, abandonado pela esposa e completamente abnegado.
Só mesmo quem sentiu a dimensão de sua monstruosidade consegue ver os fatos como são. Eu vi, eu toquei, eu costurei e arrumei, mas, além dos danos físicos, sei que os psicológicos foram bem piores, pois são marcas invisíveis que nunca cicatrizam, e isso posso perceber não só em Alex, bem como em Kostas e Kyra.
Pego o celular, disposta a mandar mensagem para Alexios e dizer que trouxe a caderneta comigo, embora precise inventar uma desculpa para isso. Vejo sua mensagem perguntando se eu estou bem e sinto um nó na garganta. Porém, antes de eu começar a digitar, ele me liga.
— Oi, Alex! — atendo tentando parecer normal.
— Samara... — a voz dele me apavora. Parece que andou chorando, que ainda está soluçando.
Começo a tremer, e meus olhos se enchem d’água. Daniel percebe e fica sério, atento, desconfiado.
— O que aconteceu? — inquiro baixinho, quase sem coragem de ouvir o que ele tem a me dizer.
— Estou no hospital. — Levanto-me em um só movimento, e Daniel faz o mesmo. — Kostas levou um tiro e está em cirurgia. — Soluça. — Eu vim para apoiar, mas...
— Qual hospital? — Procuro minha bolsa em desespero. — Alexios, mande o endereço! Estou indo até você.
— Samara, se ele morrer, Nikkós vai se sentir vencedor. — Eu assinto. — Se ele morrer, significa que não há saída para nenhum de nós, que não merecemos ser felizes.
— Besteira! Ele não vai morrer!
— Quem? — Daniel pergunta apreensivo, e eu peço a ele que aguarde um momento.
— Mande-me o endereço, Alexios, estou indo.
Ele desliga, e eu olho para o meu irmão, trêmula.
— Konstantinos levou um tiro. — Daniel também se assusta. — Está em cirurgia, e Alexios precisa de mim.
Daniel pega a chave de seu carro no bolso da calça.
— Eu te levo!
Abraço-o apertado, as lágrimas rolando pelo meu rosto, imaginando a dor que seria se algo lhe ocorresse, a voz de Alexios ressoando em meus ouvidos, dizendo que, se Kostas morrer, é sinal de que nenhum deles tem direito à felicidade.
Não!
Lembro-me de quando Alexios chegou ao apartamento dele hoje, antes de eu sair correndo com a caderneta, ter contado que o irmão estava apaixonado e era correspondido. Penso no projeto que Kostas me encomendou, demonstrando o quanto ama a mulher para quem queria que eu desenhasse as estantes e o cantinho de leitura, e meu coração se aperta ao imaginar o que ela está passando neste momento.
Daniel e eu seguimos para o carro, ambos em silêncio, a notícia pairando sobre nossas cabeças como uma ave de agouro. Meu irmão não teve muito contato com Kostas também, nem quando morávamos todos no condomínio, nem depois que todos crescemos, mas reconhecia o talento do advogado e seu profissionalismo.
— Vou entrar contigo — anuncia quando paramos no estacionamento. — Não tenho contato com Kostas, mas conheço bem Theodoros e Millos, então...
— Sim. Eu agradeço, Dani.
Caminhamos juntos, lado a lado, até a recepção, mas, como não somos parentes, pedem-nos para aguardar do lado de fora, pois os parentes estão na sala de espera, ainda na expectativa de notícias sobre a cirurgia.
Mando uma mensagem para Alexios lhe informando de que estamos aqui, e Daniel liga para Millos. Alguns minutos se passam até que o primo de Alexios aparece na recepção, sério como sempre, e nos cumprimenta.
— Obrigado por terem vindo. — Millos sorri para mim. — A cirurgia já dura algum tempo, mas deve estar no final.
— O que houve, Millos? Onde está Alexios? Ele parecia apavorado ao telefone!
Millos franze o cenho.
— Alexios não está aqui.
Arregalo os olhos.
— Está, sim, foi ele quem me deu a notícia e me enviou o endereço do hospital.
Daniel confirma, e eu sinto um frio na barriga de medo.
Volto a mandar mensagem para Alexios, mas ele não responde.
— Vou pedir a liberação para que vocês entrem e fiquem lá conosco.
— Não quero incomodar nesse momento, Millos — Dani diz ao amigo. — É uma situação familiar. Vim para deixar a Samara e demonstrar meu apoio e torcida para que tudo fique bem.
— Obrigado — Millos assente e me olha. — Você quer entrar?
— Quero! Alexios está aí dentro em algum lugar, Millos, e eu preciso achá-lo.
Millos segue até a recepção, conversa com uma das moças e, em seguida, pede um documento meu. Daniel se despede e me abraça forte, desejando que eu ache Alexios e que tudo dê certo com Kostas.
Os dois amigos se despedem com um aceno de cabeça, e eu entro com Millos, mandando mensagem atrás de mensagem para Alexios, informando-o de que cheguei e que estou à sua procura.
Paro na porta da sala de espera, tocada pela cena de uma jovem de cabelos curtos chorando abraçada a Theodoros. Olho em volta e não vejo Kyra.
— Avisaram a minha amiga? — indago ao Millos.
— Deixei mensagens, pois ela não atende o celular. Não sei se as visualizou.
Abro o aplicativo de mensagens e mando uma também, dizendo a ela que estou aqui no hospital, pedindo que venha.
Mal termino de escrever, Alexios me responde:
“Estou na cafeteria do hospital, vim buscar algo para o Theodoros, mas não consigo voltar.”
— Onde fica a cafeteria?
Millos me indica o caminho, e ando apressada pelos corredores, coração agitado, sabendo que Alexios está em pânico, por isso não consegue ir até a sala de espera.
Encontro-o na cafeteria e o abraço forte. Nunca o vi chorar, e isso corta meu coração de um jeito indescritível. Já o vi tão machucado, sentindo tantas dores, mas nunca vi uma lágrima sequer escorrer de seus olhos. Então começo a chorar também, dividindo com ele o pranto e o medo.
— Vai ficar tudo bem! — consolo-o. — Seu irmão vai sair dessa!
— Eu fiquei apavorado com a possibilidade de Kostas morrer, Samara. — Ele segura meu rosto e me beija. — Ele acabou de encontrar a Kika, merece a vida que nunca teve e que teria com ela.
— Ele terá, Alexios, eu tenho fé.
Ele sorri triste.
— Saí há horas da sala de espera com o intuito de pegar um café para o Theo, mas desmoronei e ainda não consegui voltar. — Entrelaça sua mão na minha. — Obrigado por ter vindo.
— Eu estou aqui, como sempre estive e sempre estarei, independentemente de qualquer coisa. Sempre estarei ao seu lado!
Ele concorda e encosta a testa na minha.
— Não mereço você! — diz. — Sou muito fodido para ter alguém como você ao meu lado.
— Besteira! Você tem tudo para ser feliz como está vendo acontecer com seu irmão, e isso é a verdadeira derrota de Nikkós, vocês serem felizes!
Alexios fica um tempo me olhando sem falar nada, apenas me fitando como se estivesse processando o que acabei de lhe dizer. É verdade, eu acho realmente isso! Nikkós fodeu a vida deles durante muito tempo, mas acabou, agora é com cada um, e ficar amargando o que houve no passado só prejudica o futuro.
Meu telefone vibra em minha mão, e vejo a foto de Kyra.
— Graças a Deus! — atendo-a. — Onde você está?
— Chegando ao hospital — sua voz treme. — Diz que ele não morreu, Malinha!
— Não e nem vai. — Alexios pede a bebida para o irmão, e eu lhe aviso: — A namorada de Kostas está lá também! — Ele pede mais café, e eu volto a falar com Kyra: — Nós vamos encontrar você na recepção.
— Obrigada!
Ajudo Alexios a levar os copos com café e, antes de irmos para a sala de espera, passamos na recepção para receber Kyra. Fico emocionada quando eles se abraçam forte, porque sei que minha amiga não gosta muito desse tipo de contato. Ela chora no ombro do irmão.
— Ele vai ficar bem! — Alexios repete minhas palavras de consolo. — Ele vai ficar bem!
Abraço Kyra também, e seguimos assim, juntas, até a sala de espera, onde eles se encontram com os parentes e a namorada de Kostas. Deixo o café em um canto, dando privacidade a eles, vendo-os conversarem, mas noto o olhar sofrido e perdido de Kika.
— Ele não vai morrer! — ela declara de repente. — Eu tenho certeza disso!
Minutos depois um enfermeiro chega, e tudo fica muito agitado, pois ele informa que Konstantinos saiu da sala de cirurgia e que irá seguir para a UTI. Kika vai com o homem para ver o namorado, enquanto Millos tenta convencer Theo a ir para casa.
— Eu liguei para a Duda e expliquei o que houve. Ela quis vir, mas pedi que aguardasse com Tessa — Millos fala com o primo. — Vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Qualquer novidade, eu mesmo ligo para você.
Theodoros passa por mim, cumprimenta-me e sai com Kyra.
A mão de Alexios pega a minha novamente. Millos nos olha juntos e balança a cabeça positivamente.
— Eu quero ficar mais, dar suporte à Kika, se você quiser ir... — Alex murmura.
— Não, a não ser que você deseje que eu vá.
— Nunca! Eu não quero que você saia do meu lado nunca.
Sua afirmação, dita com tanta emoção, faz-me respirar fundo e ficar tão emocionada quanto ele. Sei que Alex fala sobre nossa amizade, mas é impossível não levar isso para o coração e pensar em uma vida juntos, em uma oportunidade de sermos felizes como ele disse que o irmão será ao lado de Kika.
Abraço Samara apertado na cama, sem conseguir dormir, a cabeça cheia de ideias – a maioria absurda – que ganham corpo a cada hora em que eu penso sobre elas. Olho para o lado, para a mulher dormindo tranquila ao meu lado, seus cabelos encaracolados, cheirosos, ainda um pouco úmidos do banho.
Samara tem sido incrível comigo desde que meu irmão quase morreu. Ela foi meu suporte no primeiro dia e depois, de acordo com que o tempo ia passando, tornou-se também uma pessoa importante para todos.
Fui ao hospital todos os dias durante a recuperação de Kostas, e, em muitos deles, Samara foi comigo. Enquanto eu ficava olhando meu irmão em coma, ela e Kika conversavam, e eu pude perceber o quanto a presença dela animava minha cunhada.
Sorrio ao pensar em Kika assim, como minha cunhada, porque é o que ela é. Eu já a admirava como profissional, mas, durante essas semanas de convivência, percebendo a dedicação dela ao meu irmão, o amor que ela sente por ele, percebi que é uma pessoa maravilhosa.
Kostas está vivo por causa dela, de sua teimosia, dos esporros que a vi dando nele para que lutasse, para que acordasse. Ela entendia, assim como eu, que não era o momento de ele partir, não depois de tudo o que passou. Kika sabe, acho que meu irmão contou a ela o que aconteceu consigo no passado, porque seus olhos brilharam de indignação quando Nikkós apareceu junto ao famoso pappoús.
— Quem são? — ela me perguntou baixinho.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — informei, não acreditando na desfaçatez do homem ao ir ali, depois de tudo o que fez para Konstantinos.
Kika se colocou de pé para cumprimentá-los, seca, diferente da Kika receptiva que todos conhecemos. Apenas Nikólaos a cumprimentou de volta, porque Geórgios Karamanlis não tirava seus olhos de mim.
Senti meu sangue ferver, não só pela indignação de o carrasco de Kostas, o nosso carrasco, estar lá, como também pelo olhar avaliador do pai dele, o homem que eu nunca tinha visto pessoalmente. Theodoros chegou logo depois, complementando o clima pesado no ambiente, apresentou Kika a eles e os levou para ver Kostas.
— Preciso ir, você ficará bem sozinha? — perguntei, querendo estar o mais longe possível daqueles dois.
— Vou, sim, daqui a pouco Kyra virá também.
— Ela marcou de vir hoje? — questionei, preocupado com a presença de Nikkós no hospital.
— Sim, disse que vem mais tarde. — Ela olhou para a porta. — Espero que ele não esteja mais por aqui.
Ela sabia o que nós havíamos passado, ficou comprovado por sua preocupação em ter Kyra e Nikkós no mesmo ambiente, e eu me senti ainda mais próximo dela.
— Obrigado por tudo — agradeci-lhe, e ela me olhou sem entender. — Você sabe, é difícil lidar com toda aquela sujeira sem esmorecer, e você só o fortaleceu.
Ela sorriu e me abraçou apertado.
— Eu o amo, Alex, esperei por ele toda minha vida, é por isso que sei que ele vai melhorar e vai voltar para mim. É só uma questão de tempo.
Sua certeza, seu amor me constrangeram a tal ponto que voltei para casa naquele dia pensando na vida, em tudo o que eu fiz, e percebi que só dei importância às coisas que me feriram.
Cheiro os cabelos de Samara, o coração disparado, um nó se formando em minha garganta.
Há semanas ela dorme aqui comigo todos os dias, abraçada ao meu corpo, nua. Nunca vivi isso com ninguém e percebo agora que não há outra pessoa com quem eu gostaria de ter essa experiência, senão com Samara. Com ela tem sido mais do que sexo, mais do que somente desejo, ela me completa, nossa amizade coroa nossos momentos juntos, enche-os de leveza e significado.
Samara cuida de todos, é atenciosa, tem um coração enorme. Acompanhei mais de perto sua dedicação para com a mãe, levando-a às sessões de quimioterapia, ficando com ela quando não se sentia bem e aguardando o resultado dos exames.
Comemoramos juntos a notícia de que o câncer estava em remissão e que sua mãe precisaria fazer acompanhamento, mas as sessões de quimio estavam encerradas.
Ela dividiu comigo sua preocupação com o irmão – seu divórcio, que acabou se complicando – e com a saúde do pai. Durante todo esse tempo, além de ser minha amiga de sempre, Samara se tornou mais. Ela é minha amante, confidente, a pessoa mais importante que eu tenho em minha vida.
— O que está te fazendo perder o sono? — ela indaga de repente, tirando-me dos pensamentos.
— Estava pensando em tudo o que aconteceu durante o tempo em que Kostas esteve em coma.
Samara suspira.
— Eu tomei um susto quando você me disse que a mãe dele queria levá-lo com ela. — Bufa. — Mulher esquisita, viu?
— Pois é, mas acho que isso nem foi o pior, porque logo foi resolvido.
Ela concorda.
— Você ficou abalado com a notícia de hoje, não?
Respiro fundo.
Tentei, juro que tentei não pensar nisso. Talvez essas divagações anteriores tenham sido para evitar o real pensamento que me deixou agitado e ansioso. Não quero pensar sobre isso, embora Samara tenha sempre me incentivado a dividir o que sinto, mesmo com um profissional.
É difícil!
— Não esperava ter que vê-lo nunca mais, Samara, então, sim, a notícia de que ele irá passar um tempo aqui no Brasil com o pai me abalou.
Fiquei sabendo dessa novidade após Kostas ter acordado do coma. Estávamos todos tão felizes, tão exultantes com a notícia da gravidez de Kika e a recuperação do nosso irmão que, quando Theodoros nos contou que Geórgios havia comprado uma mansão aqui na cidade e que iria morar lá e que Nikkós, junto à esposa, Madeline, decidiu ficar também, isso foi como um banho de água fria em todos.
— Por quê? — Kyra perguntou assim que soubemos.
— Porque Nikkós quis ficar, não sei, Kyra, mas pappoús disse que quer estar mais com Tessa e acompanhar o nascimento do meu filho e do Kostas, além, claro, de fazer pressão para o nosso casamento. Ele está velho, acho que tem medo de ficar na Grécia e não curtir os bisnetos — Kika respondeu.
Kyra sorriu e concordou, e eu nada falei, pois não tenho a referência carinhosa que eles possuem do avô. Na verdade, embora seja neto, nunca o considerei meu avô, mas pensava nele como sendo o avô dos meus irmãos e primo.
— Nikkós falou algo sobre trabalhar na Karamanlis? — perguntei, e Theo negou.
— Não anda bem de saúde. Está cansado, os pulmões não estão funcionando bem por conta do cigarro e, pelo que conversei com Madeline, está diabético.
— E brocha, se houver justiça nesse mundo! — Kyra disse, cheia de raiva, levantando-se da mesa onde estávamos e indo embora.
Esfreguei as mãos no rosto e respirei fundo, nervoso e preocupado com essa nova situação. Desde que Nikkós foi embora, há dez anos, nós tivemos relativa paz e condições de tocar nossas vidas sem sua sombra agourenta.
— Preocupo-me com ela — Theo comentou. — Não gosto nada de imaginar os dois no mesmo ambiente.
— Ninguém quer estar no mesmo ambiente que ele. — Ri. — E a esposa? Você conversou com ela; o que achou?
Theo deu de ombros.
— Diferente das outras. Nikkós sempre se casou com mulheres jovens, mesmo depois de velho, e, geralmente – fora a mãe de Kostas – pobres. Essa não, está na casa dos 50 anos, é viúva de um empresário suíço e não depende nada dele.
— O filho da puta encontrou alguém que o ama? — questionei incrédulo.
— É o que parece. Gostei dela, de verdade, não tive muita oportunidade de conversar lá na Grécia, mesmo porque, com Nikkós por perto, ninguém se aproxima, mas me surpreendi no dia em que a encontrei sozinha na casa do pappoús, que, por sinal, a adora.
Isso me desconsertou, admito, pensar que nós, que fomos vítimas dele, vivíamos nossa vida capenga, sem conseguir deixar ninguém se aproximar, e que ele, filho da puta abusador e torturador, havia encontrado alguém que não merecia e que ainda o amava.
Eu não conheci a tal esposa, apenas a vi de longe e a achei muito na dela, como se fosse uma sombra de Nikkós. Pensei que o relacionamento fosse uma situação de dependência. Não imaginava que, depois de velho, ele faria o inverso do que sempre fez, vivendo à custa de uma mulher. Sinceramente, não entendo como uma pessoa normal pode amar um monstro daqueles.
— Alexios? — Samara me chama, trazendo-me de volta ao presente.
— É, acho que fiquei abalado com a notícia, sim.
Ela se ergue na cama, apoiada pelo cotovelo e me olha.
— Ele não tem nenhum poder mais sobre vocês. Se você não quiser, nem precisa tomar conhecimento da presença dele, basta ignorá-lo. — Ela ri. — Duvido que vá ser convidado para festas de família.
Eu rio com ela e a abraço.
— Minha família era tão estranha até poucos meses atrás. — Ela concorda. — Nós nem nos falávamos direito, agora temos jantares agendados, nascimentos à vista e casamentos iminentes.
— Quem será que vai se casar primeiro? — ela especula. — Theo ou Kostas?
Olho-a intensamente e, sem pensar em mais nada, apenas em tudo o que ela me faz sentir, disparo:
— Nós dois.
Samara arregala os olhos e se senta.
— Não brinca com isso!
Faço o mesmo que ela e sorrio.
— Por que não? Somos amigos, nos damos muito bem na cama, minha família adora você. Por que não?
Ela se levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Porque não é assim! Alexios, não é assim!
— Eu pensei muito durante esses dias e, mesmo antes de saber da gravidez da Kika, pensei que queria ter um filho. — Samara arregala os olhos. — Kostas quase morreu, Samara, e o que iria ficar? Apenas as lembranças amargas e o trauma que o fodeu a vida toda. Não quero isso, não quero deixar isso quando eu me for.
— Alexios, isso...
— Eu sei que somos novos, que você tem prioridades no trabalho, mas eu não conseguia parar de pensar que um filho seria a chance de ter uma família que eu nunca tive, de poder amar alguém, entende?
Ela nega, seus olhos cheios de lágrimas.
— Não é assim...
— Eu sei, você, por mais moderna que seja, nunca aceitaria ser mãe sem estar devidamente casada. — Sorrio. — É por isso que estou te pedindo em casamento agora, para selar nossa parceria de anos e a transformar em algo maior.
Samara fica estática, sua expressão de espanto é enorme, e eu começo a me preocupar. Sempre soube que ela esperava encontrar alguém a quem amasse e viver o conto de fadas que sempre quis. Não sei se é justo fazer essa proposta que acabei de lhe fazer, principalmente porque não é nada como ela sempre sonhou, mas eu precisava, pelo menos, ser sincero com ela.
Eu a quero comigo para sempre, temos todos os ingredientes necessários para fazer um casamento dar certo, mais do que muitos que começam como nos romances por aí, então por que não tentar?
— Não — ela responde séria, e eu demoro um pouco a entender.
— Não?
Ela nega efusivamente com a cabeça.
— Não. — Sinto um enorme frio na coluna quando a vejo vestir suas roupas. — Eu fui pedida em casamento uma vez por um homem que dizia me amar. — Fico puto por ela me comparar ao espanhol. A situação é muito diferente! — Não aceitei porque não achei justo entrar em uma relação sem estar apaixonada, sem amar de verdade a pessoa com quem eu passaria a vida toda. — Samara engole em seco. — Não vou fazer isso, Alexios. Eu só irei aceitar compartilhar minha vida, meus filhos com alguém quando também estivermos compartilhando nossos corações.
Porra!, penso e me levanto correndo da cama a fim de pará-la. Eu sei que Samara é romântica, sempre soube disso, então vejo a idiotice que foi pensar que ela aceitaria isso por conta da nossa amizade. Não, claro que não, ela quer amor, quer o príncipe encantado, quer seus sonhos.
Merda!
— Esquece isso, okay? Vamos fingir que eu não disse nada, foi realmente uma péssima ideia, eu sei, então...
— Não. — Congelo ao ver lágrimas rolarem de seus olhos. — Isso tudo já foi longe demais, Alexios. É melhor encerarmos por aqui.
As palavras, o significado delas, são como um soco na boca do meu estômago. Percebo o quanto tenho sido egoísta ainda, o quanto minha proposta foi egoísta com ela e assinto.
— Você está certa — concordo.
Samara respira fundo e vira as costas para mim, e somente quando ouço a porta principal do apartamento batendo é que me sento na cama, trêmulo, dolorido como nunca estive, mesmo depois de todas as surras que levei, e me dou conta de que meu maior medo se concretizou.
Ela merece mais, e eu nunca serei suficiente.
Esse último mês foi intenso em todos os sentidos para mim. Primeiro, o relacionamento com Alexios, o prazer em seus braços, o desejo e a entrega que tínhamos um com o outro, o encaixe perfeito.
Consegui manter a distância que pretendia, não me iludir, mas foi difícil não sentir apreensão quando mamãe teve alta da quimio e eu percebi que nada mais me prendia ao Brasil a não ser ele.
— Você não vai voltar, não é? — Daniel me perguntou um dia na empresa.
— Vou — respondi sem nenhuma convicção.
Ele bufou e se sentou ao meu lado.
— Eu sei que está acontecendo algo entre você e Alexios, mais do que apenas aquela amizade que vocês tinham. — Abaixei os olhos, não querendo admitir, mesmo que ele já soubesse. — Sinto isso cada vez que vejo você se recriminar por conta do sumiço da caderneta.
— Não acho justo não ter contado para ele e me sinto mal por tê-lo deixado se esquecer dela por conta dos problemas com o irmão no hospital.
— Não foi proposital, apenas aconteceu, ninguém mais teve cabeça para pensar nessa busca enquanto Kostas estava em coma. — Assenti, pois era verdade.
Alexios já havia me dito que, enquanto o irmão não acordasse, não havia sentido ficar preocupado com a questão da mãe e de seu passado. Todos os dias ele só falava de futuro, sua preocupação com a Kika, o medo de o irmão nunca mais acordar.
Foi natural me envolver com todos eles e me esquecer também das minhas próprias dúvidas com relação ao que encontrei naquela caderneta. Fui ao hospital várias vezes, sempre acompanhada por Alexios ou Kyra. Conheci e me apaixonei pela vibrante Kika, surpreendida no começo por ela ser tão diferente de Kostas, mas depois entendi que eles se complementavam em suas diferenças.
Cortava meu coração vê-la naquele sofá dia após dia, esperando por ele. Comentei isso com a Duda Hill quando Alexios e eu fomos ao apartamento de Theodoros com a Kyra. Quando conheci a Tessa, tive que me segurar muito para não chorar ao ver a menina. As lembranças da minha infância voltaram com força. Eu só conseguia olhar para Kyra, e ela assentia emocionada, por conta da semelhança.
— É você loirinha! — brinquei com ela. — É uma mistura sua com o Alexios.
— Sim! — ela disse orgulhosa, completamente apaixonada pela sobrinha.
Mais tarde, ao jantarmos, comentamos sobre a situação de Kika e a apreensão por Kostas ainda não ter acordado.
— Eu tenho insistido para ela ir um pouco para casa — Alexios comentou. — Mas é teimosa e não quer que ele acorde sem que ela esteja lá.
— Eu a entendo — disse. — Eu também faria igual. Tenho a achado bem abatida por esses dias, o que é compreensível, pois nem tem saído ao sol. Quase 30 dias dentro de um quarto é complicado.
— É, sim — Duda concordou. — Eu falei com ela também, mas entendo.
Passei a frequentar a família de Alexios como se fosse a minha família, como se nós dois tivéssemos um relacionamento sério, mesmo ainda nos apresentando como amigos.
Claro que ninguém caía nessa. Inclusive, na última visita à Kika antes que Kostas acordasse, ela questionou isso.
— Quando vocês vão assumir? — perguntou de pronto enquanto Alexios falava com Kostas, ainda em coma, na cama.
— Somos amigos — respondi sem jeito.
— Eu sei, mas mesmo daqui consigo ver seus olhos brilharem por ele. — Ela pegou minha mão. — Alexios é incrível, ele e eu ficamos amigos desde o primeiro dia em que tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, e você... — Kika suspirou. — Gostei de você assim que te vi, na sala de espera, fazendo todo mundo beber café enquanto esperavam notícias do Kostas.
Meus olhos se encheram d’água, mas eu não disse nada.
— Eu também tive medo quando me apaixonei por Kostas, éramos muito diferentes e tínhamos uma história complicada de ranço. — Ela sorriu e suspirou. — Eu acho que você é parecida comigo, sabe? Te vejo dedicada a todos, compreensiva, aberta e, bem, eles têm um passado complicado, não é? — Concordei. — Acho que se curam quando encontram alguém que os ama como são, que, mesmo enxergando os defeitos, também consegue ver quem são de verdade.
As palavras dela calaram fundo dentro de mim, mas as reprimi, não dei atenção, porque era isso, eu sempre o amei porque o conhecia de verdade. Nunca ignorei nenhum dos defeitos de Alexios, pelo contrário, eles doíam em mim, mesmo assim nunca deixei de amá-lo.
Kika entendeu meu amor como ninguém mais o fez. Todos sabiam que eu era apaixonada por Alexios, mas nunca viram o que eu sentia como ela viu, talvez por não o verem além da superfície.
Sento-me na cama, esgotada pelas lembranças, cansada de chorar e sofrer por conta do pedido de casamento que ele me fez há pouco.
Incialmente foi um susto quando ele disse que quem se casaria primeiro seríamos nós dois. Não entendi a brincadeira, e, quando percebi que ele falava sério, tudo o que evitei fazer durante o tempo em que estamos juntos aconteceu. Eu senti esperança!
Meu coração despertou de uma forma tão intensa que eu aguardava com ansiedade o momento em que ele iria dizer que tinha se apaixonado por mim. Ele estava me pedindo em casamento, então era porque me amava!
Não, não Alexios.
As justificativas para o pedido foram quebrando meu coração aos poucos. Eu sabia que seria doído o término, mas nunca imaginei que seria dilacerante. É isso, sinto-me assim, despedaçada, moída, triste.
Chegou a hora de eu recolher meus pedaços e voltar para Madri, abandonar toda a ilusão que fingi que não criei durante o tempo em que estava com Alexios. Está tudo bem com ele agora, não precisa mais de mim! Kostas já está se recuperando, Alex refez o elo com seus irmãos, e o caso da mãe dele, eu irei resolver antes de ir embora.
Preciso conversar com Daniel, pedir ao meu irmão que traga os documentos que estão na empresa para olharmos e, por fim, conversar com papai. É hora de Alexios retomar suas buscas por respostas, assim como é hora de eu seguir com minha vida.
— Você tem certeza disso? — Daniel pergunta no escritório da casa dos nossos pais. — Eu pensei que você iria ficar mais tempo.
Eu também, pelo menos inconscientemente estava enrolando o máximo possível a decisão de voltar a Madri. Contudo, agora já não faz mais sentido protelar a viagem e nem todas as mudanças que tenho que fazer na minha vida.
— Preciso voltar — respondo. — Mamãe está se recuperando, vou acompanhar tudo de lá, mas espero que ela não precise mais de mim. Quero sua cura total. — Ele concorda. — Além disso, decidi entregar o apartamento em que morava e ir para um mais próximo do escritório onde trabalhava. Decidi aceitar a sociedade que me propuseram uma vez.
— Fico feliz com isso. E Diego?
— O que tem?
— Não gostei do que ele fez aqui, aquela pressão sobre você, a insistência no relacionamento que você já tinha terminado.
— Não acredito que Diego vá me procurar novamente.
Daniel fica um momento pensando.
— Eu ia tirar férias agora para uma lua de mel oficial. — Ele ri de si mesmo. — Acho que vou contigo, pelo menos para ajudá-la nessas mudanças todas.
Sorrio animada.
— Ah, Dani, vou adorar!
Ele pega minha mão.
— Sua decisão de ir embora quer dizer que desistiu de vez de Alexios Karamanlis, não?
Fico sem jeito com a pergunta, mas ele me conhece bem demais para eu negar o óbvio, por isso balanço a cabeça afirmativamente e não comento mais nada. Como dizer a alguém o que ele me propôs? Casamento baseado na amizade e no sexo... loucura!
Alguém bate à porta do escritório, e, em seguida, Cida aparece.
— Ah, vocês estão escondidos aqui! — ela brinca. — Seus pais acabam de receber visitas.
Daniel estranha.
— Eles não comentaram nada que estavam esperando alguém. Quem está aí?
Cida não esconde seu desagrado.
— O doutor Nikólaos Karamanlis e a esposa.
Arregalo tanto os olhos que os sinto arder, tamanha surpresa. Daniel apenas assente e diz que já vamos nos juntar a eles, mas eu sinto meu estômago revirar.
— O que será que ele veio fazer aqui? — questiono. — Desde que nos mudamos para cá, papai não manteve a relação de amizade entre os dois, nem mesmo profissional.
— É, eu também não sei, mas, depois daquela caderneta e do que você me contou que acontecia naquele bordel, meu conceito sobre Nikkós caiu muito. Entretanto, acho que deveríamos ir até eles para saber como está o clima da visita.
Concordo com meu irmão e me levanto.
— Vamos lá!
Seguimos juntos pelo corredor.
— Você disse que ele vai passar um tempo no Brasil. Será que tem a ver com o boato da auditoria interna que houve na empresa?
— Acho que não, pois Alexios me contou que esse assunto já foi solucionado e, pelo que eu sei, Nikkós não saiu da diretoria executiva da Karamanlis com uma imagem muito limpa.
No final do corredor, antes de entrarmos na sala de estar, vislumbramos o homem em questão, sentado em uma das poltronas de mamãe.
— Só posso dizer que ele cagou totalmente sua imagem para mim.
Sorrio para meu irmão, tentando não rir da sua expressão.
— Ah, olha eles aí! — Mamãe se levanta quando nós dois entramos na sala. — Vocês se lembram de Nikkós Karamanlis, não? — Ela se vira para o casal. — Esses são Daniel e Samara.
— Prazer em reencontrá-los. — O homem odioso sorri, encarando-me. — Samara se tornou uma bela mulher! Quando eu saí do Brasil, ainda era adolescente.
Tenho vontade de rolar os olhos, pois já estava com 21 anos quando esse desgraçado foi embora, mas me mantenho séria. Não vou fingir que gosto dele, nem por educação, mamãe que me desculpe!
— Essa é a esposa de Nikkós, que acabei de conhecer. — Mamãe parece empolgada com a bela senhora. — Madeline Karamanlis.
— Madeline Bürki Karamanlis — Nikkós completa o sobrenome da esposa, todo orgulhoso. — Minha esposa é acionista majoritária da Bürki LebensMittel, uma das maiores empresas do ramo alimentício da Suíça.
Percebo que a mulher fica visivelmente constrangida com essa apresentação, como se fosse uma cadela com pedigree em um campeonato de linhagem, e sinto uma enorme pena dela por ter se envolvido com esse homem nojento e por ser tratada dessa forma.
Daniel os cumprimenta, mas eu ainda não consigo emitir uma só palavra ou sorriso. Mamãe, como ótima anfitriã que é, mantém uma conversa leve e descontraída, falando muitas palavras em alemão – que aprendeu com a família de papai – para inserir a esposa de Nikkós na conversa.
— Eu falo pouco o português — a mulher se desculpa e me olha sorridente. — Você é bonita!
Fico sem jeito e agradeço o cumprimento.
— Fique à vontade para falar em sua língua materna, papai fala alemão fluentemente e pode traduzir qualquer coisa que não entendamos.
— Obrigada — seu sotaque carregado me faz rir. — Estou fazendo aulas de português, precisa treinar.
Noto que minha mãe e Nikkós conversam sem parar, mas que papai não abre a boca um segundo sequer, sentado, sério, em sua poltrona. Troco olhares com Daniel, que também percebe a postura tensa de Benjamin e decido tentar conseguir algumas informações com a nova senhora Karamanlis.
— Soube que se casaram recentemente — falo, mas ela parece processar o que eu disse, então repito a palavra casamento em alemão. — Seu hochzeit.
— Ah! Sim, cinco meses. — Sorri parecendo encantada. — Nikkós é um amor!
Sinto a bile subir até a garganta com essa última afirmação. É impossível imaginar como alguém pode achar que esse monstro seja um amor, a não ser que ele, por conta do dinheiro dela, a esteja tratando bem.
— Pretendem ficar muito tempo no Brasil?
Madeline fica séria, mas depois força um sorriso.
— Não sei. — Ela me olha profundamente e depois toca minha mão. — Feliz em conhecer você.
Por incrível que isso possa parecer, eu a sinto sendo sincera comigo, como se estivesse perdida e o pouco de atenção que lhe dei a tenha deixado mais aliviada.
Lembro-me de Alexios me dizendo que Theodoros havia gostado dela e entendo isso. Madeline parece tão frágil que desperta uma compaixão quase que imediata em todos, e isso me deixa alerta, porque talvez esse seu jeito doce e ingênuo seja apenas uma máscara, e ela, tão dissimulada quanto seu marido.
Estou tentando adiantar ao máximo os projetos da Ethernium enquanto Kostas ainda permanece internado e Kika está com ele. Tenho tratado diretamente com Leonardo, o hunter que ficou responsável pelo setor enquanto a gerente está com meu irmão no hospital.
Kika tem auxiliado o trabalho de longe, agora que está mais aliviada com a recuperação de Kostas, mas ainda assim atrasamos muito o trabalho por conta das semanas em que ele esteve em coma. Obviamente, ninguém tinha cabeça para pensar na Ethernium, e eles até pararam de pressionar um pouco quando souberam do que aconteceu.
O fato é que, por isso tudo, o volume de trabalho, que já era grande, agora está exaurindo todos na K-Eng, e o único que não está achando isso ruim sou eu.
Cabeça cheia não me deixa tempo para pensar em Samara!
Rio sozinho, à madrugada, ainda na minha sala na empresa, vários documentos abertos, inúmeras decisões a tomar, e eu tentando enganar a todos vocês e a mim mesmo de que não penso nela. Idiota! Eu só penso nela!
Desde que Samara saiu do meu apartamento no meio da noite depois de rejeitar minha proposta e ressaltar que só se casaria quando estivesse apaixonada, tenho tentado avaliar tudo o que isso me faz sentir e o que eu deveria fazer.
Não consigo imaginar minha vida sem ela, mas não posso obrigá-la a querer estar ao meu lado, a me amar. Nem eu sei se quero isso, porque ainda não consigo definir o que sinto por ela.
Só sei que dói demais não a ter comigo, e é por isso que tenho enfiado a cabeça no trabalho, dormido apenas quando o corpo desliga, exausto, e ficado horas dentro do meu quarto de pintura, olhando para a tela inacabada.
Não a pintei durante o tempo em que estivemos juntos, porque estávamos todos agitados com a situação do meu irmão. Às vezes ia até lá, retocava uma coisa ou outra, pois já conhecia o contorno e a suavidade do corpo dela sem ver e queria que isso estivesse explícito na tela.
— Isso está assustadoramente realista — ela comentou um dia enquanto eu retocava a pintura. — Por que eu sinto que você está enrolando para terminá-lo?
Eu ri, admirado pela sua sagacidade.
— Eu estou, sim. — Puxei-a para perto de mim. — Quero ainda muitas e muitas sessões suas, nua, para eu pintar.
Samara ergueu uma sobrancelha.
— Isso quer dizer que você está usando sua modelo para mais do que uma simples inspiração artística?
— Com certeza!
Passei o pincel sujo de tinta em seu nariz, e ela se fingiu de ofendida, então fizemos sexo ali de novo, no meio dos cheiros de que eu gosto tanto e, no final, rimos quando percebemos que ela tinha marcado sua palma da mão no meu peito com tinta vermelha.
— Isso significa o quê? Que sou propriedade sua? — sacaneei.
— Hum... — Ela se ergueu e pegou um pincel fininho, que uso para fazer pequenos contornos e veio com ele em minha direção. — Eu não faria assim, caso fosse essa a intenção.
Sorri, querendo que ela mostrasse como faria para me marcar como seu.
— Me mostre como faria, então.
Samara, sem nenhum pudor, ergueu meu pau – já em descanso depois de gozar – e escreveu seu nome nele.
— Pronto, agora, sim!
Eu gargalhei e a beijei, porém mais tarde a xinguei muito ao tentar tirar a tinta a óleo do meu pênis.
Suspiro e balanço a cabeça, tentando desvanecer esses momentos de minha mente, não querendo pensar no que vivemos e na falta enorme que estou sentindo dela.
Covarde!, minha consciência me acusa a todo momento, e eu assumo que sou mesmo, tenho medo de ir atrás dela, tenho medo de dizer algo que a faça ter pena de mim. Não quero isso!
Uma mensagem de Kyra chega.
“Eu vou matar você, Alexios, juro!”
Tento não rir do seu rompante, tão jeito Kyra de ser, e pergunto o motivo do fratricídio iminente.
“Samara vai voltar para Madri. Eu sabia que você ia fazer merda!”
Levanto-me da cadeira, coração disparado, sem saber o que fazer e como agir com essa informação.
“Onde você está?”
Ela responde, e eu vou imediatamente até seu apartamento, precisando conversar, necessitado de seu colo e seus conselhos de irmã mais nova. Nunca foi assim, explícita, essa troca de cumplicidade entre mim e Kyra. Passei tantos anos preocupado em cuidar dela que não percebi quando ela começou a cuidar de mim também.
Piloto a moto tentando me concentrar na estrada e não no turbilhão de emoções que está dentro de mim. Não sei o que fazer, não sei o que dizer sobre o que sinto, e espero que Kyra consiga me fazer entender a mim mesmo.
A única coisa que martela minha mente o tempo todo é que Samara vai embora, talvez para sempre, e que lá, longe de todos, longe de mim, tentará encontrar aquilo que não consegui fazê-la sentir.
Quando chego ao apartamento de Kyra, apoio-me ofegante no batente da porta principal, toco a campainha e espero. Mal consigo respirar, sinto como se algo me asfixiasse, pressionando meu peito com tamanha força que encher os pulmões de ar é difícil.
— Alex, o que você... — ela para de falar, ainda segurando a porta que acabou de abrir e arregala os olhos. — O que aconteceu?
A princípio não entendo a pergunta, mas então me dou conta do meu rosto molhado de um choro que nem senti cair, tamanho sufocamento em que me encontro.
Abro a boca várias vezes, mas não consigo falar, apenas gaguejo sem sentido, atabalhoado, nervoso, e Kyra me puxa para dentro de sua casa.
— Alexios! — Ela me abraça forte, e esse carinho é o suficiente para que eu comece a soluçar nos seus braços. Kyra me aperta ainda mais contra si. — Eu não sei o que houve, mas estou aqui com você, estou aqui!
Balanço a cabeça, entendendo o que ela quer dizer, mas não consigo parar de chorar. Tenho tanta coisa em minha mente, tantos pensamentos, que não consigo coordená-los para falar.
Não faço ideia de quanto tempo se passa desde que cheguei aqui, nem mesmo quanto faz que estamos abraçados no meio da sala enquanto choro por algo que ela não faz ideia do que seja.
— Eu não sei o que fazer... — começo a explicar, ainda agarrado à minha irmã. — Não sei como agir com o que estou sentindo, não consigo nomear ou entender.
Kyra se afasta e me encara.
— Não sei como te ajudar, também não sei lidar com certas emoções.
Assinto, agradecido pela sinceridade dela, consciente de que somos fodidos demais, sem referência nenhuma para chegarmos sozinhos a conclusões que para outras pessoas seriam óbvias.
— Você não sabia que ela estava indo embora?
— Não.
Kyra respira fundo.
— Vocês brigaram?
Engulo as lágrimas, seco o rosto e me sento em seu sofá, agitando as pernas, tentando achar um ponto de equilíbrio para me manter concentrado e conversar com ela, ainda que dentro de mim tudo esteja bagunçado.
— Não, acho que não. — Ela não entende e se senta no chão entre minhas pernas, segurando minhas mãos. — Nós conversamos e decidimos... ela decidiu que não dava mais.
— Por quê? O que houve para que ela tenha decidido isso?
Fecho os olhos, lembrando-me da loucura que foi minha proposta e como ela me soa fria agora aos ouvidos. Eu não tinha ideia de como lhe dizer que queria que ficasse comigo, que eu precisava dela para sempre ao meu lado, então enfiei os pés pelas mãos em uma proposta digna de um roteiro classe C de romance mexicano.
— Eu a pedi em casamento.
Kyra congela, literalmente. Seus olhos não se movem, sua boca aberta não disfarça sua surpresa, e acho que nem está respirando. Bufo e ponho as mãos sobre a cabeça antes de me jogar para trás no encosto do sofá.
— Eu sou um idiota!
— Espera... — Ela se levanta e se senta ao meu lado. — O que eu perdi? Eu sabia que vocês estavam numa espécie de relacionamento. Primeiro foi aquela história de amizade colorida, depois, com tudo o que aconteceu com Kostas, vi vocês dois juntos para baixo e para cima, como um casal de verdade, embora negassem o tempo todo. — Concordo. — Onde casamento entra nessa equação?
Penso no que me levou a fazer a proposta, a vontade de ter um lar, uma família, de poder zerar minha dor e minha história de violência criando um filho como eu mesmo deveria ter sido criado.
— Você nunca imaginou como seria se tudo tivesse sido diferente? — Kyra fica confusa. — Como seríamos se sua mãe não tivesse ido embora e, por exemplo, Nikkós tivesse morrido, sim, porque ele nunca seria um bom pai, mesmo dentro daquele casamento maluco que tinha com Sabrina.
— Por que isso agora, Alexios?
— Porque eu queria ser diferente! Eu queria ter crescido como as outras crianças, sem todas aquelas merdas que passamos. Ter feito amigos, ter me apaixonado por alguma garota mais velha do colégio, mas sofrer com a dor de cotovelo por ela não ligar para mim. — Kyra faz careta, sem entender meu raciocínio. — Então ter ido ao baile de formatura da Samara, perceber o quanto a queria mais do que simplesmente como amiga e me sentir suficiente para tirá-la para dançar, beijá-la e depois levá-la no meu carro para algum local e...
— Eu entendi... — Kyra me interrompe. — Era o que você queria ter feito na época? — Confirmo. — Era o que ela queria que você tivesse feito também.
Fecho os olhos, a dor dentro de mim se intensificando, a revolta por ter perdido esse momento me sufocando como uma mão pesada apertando meu pescoço.
— Por que você a pediu em casamento?
Rio e dou de ombros.
— Achei que conseguiria resgatar um pouco desse sonho de menino através de um filho. — Kyra fecha os olhos também e soluça. — A gente sempre fala que a Tessa vai ter tudo o que não tivemos, será amada dentro de um lar responsável, saberá o que é ser cuidada, protegida...
— E você pensou que Samara era a mulher ideal para ser a mãe desse seu sonho. — Ela balança a cabeça. — Alexios, sabe por que Tessa terá tudo isso? Porque Duda e Theodoros sabem o que é amar. Assim como Kika está mostrando ao Kostas e como...
— Eu sei que foi uma ideia idiota, mas na hora me pareceu um arranjo perfeito.
— E propôs um arranjo a ela. — Kyra balança a cabeça, repreendendo-me. — O que você sente, Alexios?
— Não sei. Eu a quero comigo, sinto sua falta lá em casa. Gosto de mim quando estou com ela, entende? Me sinto mais... mais do que realmente sou.
— Samara nunca aceitaria o que você ofereceu a ela, então, o que eu tenho a dizer, mesmo correndo o risco de falar do que não sei, é que você precisa definir o que sente, pesar se é suficiente para fazê-la feliz e tomar sua decisão. — Rio em desespero. — Sem medo, sem essa de achar que ela é mais do que você merece. Seja egoísta como você sabe ser, porra, e se você sentir que não pode viver sem ela não porque ela te faz bem, mas porque você quer vê-la bem, então, meu irmão, arregace suas mangas e corra atrás. — Kyra se levanta. — Ela embarca amanhã para Madri, e o Dedo-Duro vai com ela.
— Por quê?
— Algo a ver com ela mudar de apartamento, e, claro, ele está preocupado com o tal Diego, que ficou aqui enchendo o saco dela.
— Eu devia ter dado umas porradas naquele espanhol — murmuro.
Kyra ri.
— Era visível o quanto você queria fazer isso. — Rola os olhos. — Até o Patrick percebeu que rolava uma competição pela Samara. Foi engraçado.
— Só se foi para você! Eu estava fervendo de raiva.
Ela sorri.
— Por qual motivo? — Balanço os ombros, sem saber. — Ciúmes, Alexios, o nome disso é ciúmes, até eu sei! — Suspiro. — Quer um café?
— Quero saber o que devo fazer! A vontade que eu tenho é de ir até ela, pedir para que fique, mas não sei se tenho todas as respostas para as perguntas que ela me fará ou se estou preparado para um segundo não.
— Medroso!
— Olha quem fala! — sacaneio-a de volta. — O sujo falando do mal lavado.
— Pelo menos não sou cega!
— Veremos quando chegar sua vez, irmãzinha!
Madri!
Respiro fundo o ar da cidade que me acolheu por três anos, mas que, neste momento, parece desconhecida para mim. Eu sei que essa sensação vai passar e que, diferentemente da primeira vez em que vim, estou mais machucada e menos decidida.
Naquela época eu não tinha ideia do que poderia ter sido com Alexios, apenas fantasias e sonhos de menina, mas agora eu sei, vivi com ele momentos tão inesquecíveis que parecem tatuados sobre mim. Não me vejo conhecendo alguém ou embarcando em um relacionamento como fiz na época do Diego, pelo simples fato de que ainda sinto Alex dentro de mim, seu gosto em minha boca e seu cheiro impregnado em minha pele.
Situações diferentes com o mesmo desfecho.
— Fugi mais uma vez — penso em voz alta.
— Não precisa continuar — Daniel fala ao meu lado no carro que nos buscou no aeroporto. — Você pode pensar melhor e voltar para casa comigo.
— Eu sei. — Olho pela janela. — Da outra vez eu estava empolgada com todas as coisas novas que veria aqui.
— Ainda há muito de novo, Samara, além disso, São Paulo não é a única cidade no Brasil, há mais 500 opções para você caso queira retornar.
Tento rir.
— Qual seria o sentido de ficar no Brasil e longe de vocês?
— Pelo menos nos poupa o trabalho de atravessar um oceano inteiro.
Não respondo, mas suas palavras ficam pairando sobre mim. Eu não imaginei que ia encarar meu retorno desse jeito, que iria me sentir assim, mesmo sabendo que Alexios nunca conseguiria corresponder ao que sinto por ele. A verdade é que não estou me sentindo em casa, mas ainda está cedo para eu tomar qualquer decisão.
Chegamos ao meu prédio, e, enquanto Daniel leva as malas para dentro, vou até o apartamento da Gisele, minha vizinha, para saber das chaves de Diego.
— Samara, bem-vinda de volta! — Ela me abraça. — Como está sua mãe? E o Brasil, muito calor?
Rio, adorando ouvir seu forte sotaque gaúcho. Foi tão bacana quando me mudei para cá e descobri que dividia o andar com outra brasileira. Isso nos aproximou e me fez ficar menos sozinha durante minha adaptação a Madri. Gisele mora com o marido, um espanhol, e tem dois meninos lindos, de 14 e 11 anos, com quem eu brinquei muito e ajudei a tomar conta para que o casal saísse.
— Mamãe está bem, o câncer entrou em remissão. — Ela agradece a Deus, aliviada. — O verão foi de ferver este ano, mas fiquei enfurnada em São Paulo o tempo todo e não aproveitei as praias.
— Ah, não acredito! Quer entrar um pouco?
— Não, obrigada. Acabamos de chegar do aeroporto, meu irmão e eu, e eu queria saber sobre as chaves que Diego deixou com você.
— Ah, claro, vou buscar. — Ela para sem jeito. — Terminaram mesmo, de vez? — Confirmo com a cabeça. — É uma pena, mas vocês sabem o que é melhor. Quer as suas chaves reservas também?
— Não, pode continuar com elas se não for incômodo.
Gisele pega as chaves e me entrega, falando um pouco dos filhos e do marido, além de alguns fatos que aconteceram enquanto estive fora. Despeço-me dela, mas paro quando entro no apartamento e vejo Daniel ainda com todas as malas na sala.
— Ele deixou mesmo as chaves com sua vizinha?
Assinto.
— O que houve?
— Nós vamos para um hotel — ele fala, mexendo no telefone.
Estranho a postura dele. Sei quando está tentando me proteger de algo, e um frio atravessa minha coluna.
— Dani, o que houve? Por que vamos para um hotel?
— Você não fica aqui. — Ele começa a arrastar as malas pela sala. — Tentei algo no Villazza, mas parece que está lotado, vamos ter que usar outra rede.
— Daniel?
Olho em volta, não vejo nada anormal. As poucas plantas que tenho estão vivas e saudáveis, sinal de que Gisele veio aguá-las de tempos em tempos, e tudo parece exatamente como deixei.
Olho para o corredor que leva ao quarto e ao banheiro, e meu coração dispara. Caminho para lá e escuto Daniel me chamar, mas não paro. Tudo está certo no corredor e...
Quase perco o fôlego ao entrar no quarto e ver todas as minhas fotos picotadas em cima da cama. Diego destruiu todos os momentos que tivemos juntos e os transformou em um amontoado de recortes bizarros espalhados pela cama e pelo chão.
Entro no banheiro da suíte, que está com a luz acesa, e encontro mais devastação. Meus cosméticos estão todos quebrados, jogados pelo lavatório e pelo chão, e a palavra “puta” está escrita no espelho em vermelho vivo.
— Samara, vamos!
Estou em choque, sem palavras para expressar o que estou sentindo. Passei um ano da minha vida perto desse homem, seis meses com ele aqui, entrando e saindo do meu apartamento, morando e dividindo as coisas comigo, e parece que não sei quem é ele!
Soluço, e Daniel me abraça pelas costas.
— Ele é louco, percebi isso assim que o vi, por isso fiquei tão preocupado por você o estar hospedando.
— Não, Diego não é assim — digo para mim mesma, ainda que todas as evidências mostrem o contrário.
— Ele não se mostrava assim, Samara, mas muitas pessoas escondem quem são na realidade. Acredite em mim, eu sei julgar um bom mascarado.
Daniel me arrasta para fora do quarto, mas só tomo conhecimento disso porque o sinto me puxar, pois minha mente está em choque, assustada, com a sensação horrenda de que dividi minha vida com um total desconhecido.
— Já chamei um carro, vamos. — Ele me põe no elevador, mas eu ainda não consigo me concentrar em nada. — Samara, olha para mim. — Encaro-o sentindo um misto de gratidão e vergonha. — Você não é aquilo que ele escreveu, não o deixe te atingir. Diego estava machucado, ofendido, e você sabe que macho ofendido tende a ser agressivo.
— Eu não esperava isso — desabafo. — Nunca pensei que ele fosse agir assim.
— Amanhã vou providenciar alguém para limpar e retirar algumas coisas do seu apartamento, e aí decidimos se voltamos para cá ou se procuramos um novo para você enquanto estivermos hospedados em algum hotel.
Sorrio, mesmo me sentindo triste.
— Obrigada por você ter vindo comigo, Dani. Eu não sei como reagiria, se não fosse você aqui.
— Com força, porque você é forte, Samara. Eu estou aqui apenas para te apoiar, mas todas as decisões são suas; se não concordar comigo em algo, basta dizer.
Agradeço-lhe e o abraço forte.
Sim, desestabilizei-me ao dar de cara com a reação agressiva de Diego ao nosso término, mas meu irmão tem razão, isso não pode me afetar mais do que já o fez. Eu me conheço, sei que não sou uma pessoa desonesta e nem a puta que Diego escreveu naquele espelho.
Ele é que é um preconceituoso, falso e mentiroso!
Chegamos ao hotel e decidimos dividir uma suíte grande, cada um em seu próprio quarto, mas com os ambientes integrados a uma sala. Uma camareira entrou conosco para ajudar a desfazer as malas. Ainda não resolvemos quanto tempo vamos ficar.
Não quero deixar que o que Diego fez me abale ou destrua os bons momentos que passei naquele apartamento. Só preciso sentir que não tem mais nada dele lá dentro, e isso será feito amanhã por uma equipe de limpeza que contratei enquanto fazíamos o check-in.
— Vou tomar um banho — Daniel avisa. — Você está bem?
— Estou. — Respiro fundo. — Eu não queria que tivesse terminado como aconteceu. Eu tentei esquecer, Dani, eu juro, mas tem certas coisas que, quanto mais a gente tenta superar, mais presentes se tornam.
— Eu sei. Já disse, não leve para o coração a mágoa de Diego. Você foi honesta com ele quando percebeu que ainda não tinha esquecido Alexios, ele não aceitou; o problema já não era mais seu.
Concordo.
— Eu sei, mas não fui para a cama com Alexios estando com Diego, não fiz isso. — Sinto-me envergonhada ao revelar algo assim, mas precisava dizer a alguém. — Nosso relacionamento aconteceu depois do término.
— Eu acredito, Samara. Não se preocupe com isso, e, se tivesse acontecido antes, paciência, quem nunca errou que atire a primeira pedra. — Ele ri. — Olha eu, justo eu, citando ditado religioso!
— Eu te amo! — Daniel assente. — Obrigada por não me julgar, mesmo não concordando com meu envolvimento com Alexios.
— Samara, eu só quero que você seja feliz e, mesmo não tendo certeza de que Alexios mereça você, eu te vi feliz nesse último mês. — Arregalo os olhos, surpresa. — Cabe a você agora julgar se essa felicidade era verdadeira ou ilusória.