Alexios entra na sala, e eu arregalo os olhos, surpresa. Não esperava encontrá-lo aqui hoje, mesmo porque o engenheiro que acompanha essa obra é outro, ainda que seja funcionário da K-Eng.
— Bom dia, Josué! — ele cumprimenta o homem mais velho e depois me olha. Não sorri. — Bom dia, Samara.
— Bom dia — minha resposta é baixa. O clima é um tanto constrangedor.
Alexios baixa os olhos rapidamente, mas seu olhar procurando algo em minhas mãos não me passa despercebido. Ele está procurando por um anel?
— Estamos só aguardando o cliente e o pessoal da Novak chegarem e...
O celular de Josué toca, e ele pede licença, saindo para a varanda a fim de atender o aparelho.
Sento-me à mesa e abro meu laptop, revisando algumas linhas do projeto, mas, na verdade, estou tentando me concentrar em outra coisa que não Alexios.
— Você está linda — ele fala de repente, e meu corpo inteiro se arrepia. — Gostei do corte de cabelo.
Encaro-o, ainda mais surpresa por ele ter percebido algo tão sutil como a mudança no meu corte, afinal, não fiz nada drástico com minhas madeixas, apenas encurtei-as um pouco e dei uma leve repicada nas pontas.
— Obrigada.
Os olhos dele não escondem toda a curiosidade e desejo, o que me faz ficar sem fôlego. Lembranças dos beijos, do toque, do tesão compartilhado com ele naquela noite me fazem ficar quente e tensa.
Volto a olhar para a tela do notebook, respirando calmamente para me controlar. Alexios é realmente meu ponto fraco, minha tentação, mas eu tomei uma decisão e não vou voltar atrás. Preciso de um tempo comigo mesma, e é isso que vou ter.
— Recebi uma pista sobre minha mãe — ele informa de repente, e eu me levanto assustada.
— Como?
Ele olha para fora, onde Josué está, e respira fundo.
— Alguém entrou em contato e me deu uma pista, mas ainda não achei nada e nem sei se um dia irei.
Sinto dor ao ouvir sua voz. Esse era o único assunto que o fazia se abrir comigo, a falta de identidade por não saber o que houve em seu nascimento. Parece bobagem alguém se importar tanto com isso, mas não é, quando se passa anos ouvindo todo tipo de absurdo de seu pai acerca disso.
Nikkós adorava torturá-lo com essa questão, e eu sei que isso o feriu e o marcou mais do que as pancadas no corpo.
— É mais do que você já conseguiu nesses anos todos — tento motivá-lo.
— Sim. — Alexios se aproxima, e meu coração parecer saltar. — Eu fui até um antigo bordel da cidade para... — ele se interrompe no exato momento em que um engenheiro da Novak entra na sala de reuniões nos cumprimentando. Droga!
Alexios se fecha, põe sua máscara de sempre, o sorriso angelical, e eu sinto uma frustração enorme por não ter conseguido entender a história toda.
— Samara — ele me chama quando eu faço menção a voltar a me sentar, e vou até ele. — Eu nunca agradeci todo o apoio que você me deu esses anos todos nessa história. — O sorriso morre. — Chegou a hora de eu deixar ir e parar de procurar por algo que nunca...
— Não! — interrompo-o. — Não agora, que você tem uma...
— Não deve haver nada lá!
Sorrio.
— Você sempre foi péssimo para achar as coisas! Se lembra dos ovos de páscoa no condomínio? — Ele sorri com a lembrança. — Você nunca achava nenhum.
— E você ganhava sempre!
— Exatamente!
Uma ideia passa pela minha cabeça. Tento rejeitá-la, convencer-me de que é loucura, mas não consigo me conter. Acima de qualquer coisa, somos amigos, e eu nunca deixaria um amigo sozinho em um momento como esse.
— Vou com você procurar.
Alexios arregala os olhos e nega.
— O local é...
— Não importa, vou contigo! — Sorrio para ele. — Essa história também é minha, Alexios, a dividimos por tantos anos que ela passou a ser minha também. Eu quero desvendar esse segredo tanto quanto você.
Ele parece em dúvida.
— Tem certeza disso? E seu noivo?
Noivo? Engulo em seco ao pensar em Diego e em todo esse imbróglio em que estou. Eu tenho, sim, muita coisa a resolver, bem como tomar posse de todas as resoluções que fiz para minha vida daqui para frente, mas Alexios é e sempre foi meu amigo, e eu sempre o apoiarei no que precisar.
— Somos amigos, Alexios, pode sempre contar comigo.
Ele não diz nada, apenas me encara de um jeito que não consigo ler o que pensa. Tenho receio de que rejeite minha ajuda, o que talvez seja o sensato a ser fazer, mas então seus olhos ficam mais apertadinhos e brilham diferente. Sua boca não se move, mas meu coração se enche de alegria.
Aí está o verdadeiro sorriso dele!
— Obrigado! — ele sussurra.
Minha pele se arrepia como se seu hálito tivesse encostado em mim, atravessando a barreira de tecido da roupa. Isso não é bom sinal! Talvez meu oferecimento de ajuda não tenha sido uma boa ideia.
Merda, Samara!
Pense em semanas infernais. Agora realize o pensamento juntando mais de 18 horas de trabalho, finais de semana virados na farra e ereções dolorosamente fora de hora apenas por sentir certo perfume no corredor do Castellani.
Pronto! Agora vocês têm ideia da merda que têm sido meus dias.
Eu sei que vocês irão dizer que a culpa é minha, afinal, fui eu quem disse a Samara que não éramos compatíveis. A questão não é essa, e sim que essa consciência não aplaca em nada o desejo que sinto a cada vez que a porra do elevador passa pelo sétimo andar.
Tento controlar, lembrar que o namorado – noivo? – está aí com ela esses dias todos, mas é algo que está além da minha racionalidade. Ela está além da minha racionalidade! Sinceramente, não sei o que mudou para que eu derrubasse as barreiras de amizade e sentimento fraterno que sempre senti por ela.
Talvez eu tenha finalmente enxergado a mulher que ela se tornou e não mais a menina que eu queria tanto proteger de mim mesmo. A ideia de me envolver sexualmente com Samara sempre foi repelida por mim, não por falta de vontade, mas por ter a noção de que, se nossa amizade já era tão problemática para ela por conta de sua família, imagina se eles desconfiassem que o rebelde, o filho de uma puta, o drogado estava comendo a menininha de ouro dos Schneiders?
Mais do que isso! O que pesou foi o medo de perdê-la, de, após ter saciado o tesão, ela se magoasse e não quisesse mais contato, nem comigo, nem com Kyra. Então, toda vez que a possibilidade passava pela minha mente perversa, eu a ignorava e ia comer outras bocetas por aí.
Exatamente como estou fazendo agora!, constato triste, percebendo que pouco mudei nesses anos todos.
A única interrupção que tive em minha tortura foi a surpresa de minha irmã ser compatível para doar a medula para Tessa e o chamado de Kostas para conversar sobre o sobrado.
Eu tinha aceitado o convite de Millos para tomar uma cerveja e conversar um pouco, achando estranho que ele não tivesse me chamado para ir até seu loft. Sempre que meu primo viaja, ele me convida para ir à sua casa a fim de compartilhar comigo alguns momentos de sua aventura, principalmente fotos de monumentos e paisagens que ele sabe que eu gostaria de ver.
Não aconteceu dessa vez!
Ele chegou há um mês, e nunca o vi mais agitado e esquisito.
— Suas filosofias zen budistas não estão fazendo efeito não? — sacaneei-o em algum momento.
Estávamos em um pub muito bacana da rede Dominus, cercados de gente bonita – principalmente mulheres –, cerveja e petiscos de alta qualidade. Ambos decidimos ficar ao balcão, pedimos uma costela com molho barbecue e chope.
— Não sou zen budista! — retrucou e encerrou o assunto, desviando-o de si mesmo. — Aquele seu amigo ainda está no seu apartamento?
— Chicão? Sim, vai ficar até amanhã, depois seguirá para algum lugar do mundo. Por que o interesse?
Millos deu de ombros.
— Você nunca teve curiosidade sobre ele? Para onde vai quando some ou sobre seus amigos e família?
Estranhei os questionamentos, pois conheço bem essa raposa grega para saber que ele não faz nada sem um sentido por trás.
— O que você está querendo saber de Chicão?
— Absolutamente nada, apenas estava puxando assunto. — Olhei-o desconfiado, pois não me convenceu. — Você soube que seu pai se casou novamente? Theodoros encontrou-se com ele na Grécia e...
— O que te faz pensar que eu me importo com as cagadas de Nikkós? Porra, Millos, que assuntos são esses?
— Desculpe, é que seu amigo Chicão é quase da idade de seu pai, e uma coisa me fez pensar na outra. Besteira. — Ele bebeu o chope. Um longo gole. — Soube que você foi visitar a Tessa.
Respirei fundo, irritado com as misturas de assuntos sem a conclusão de nenhum.
— Fui. A menina é um encanto — tentei ser objetivo e não demonstrar o quanto ver Tessa mexeu comigo.
— Ela lembra muito a Kyra quando pequena. — Ele me olhou por um longo tempo antes de acrescentar: — Parece ainda mais com você, só que em versão feminina.
— Você não tem como saber disso!
Millos e eu só nos conhecemos quando eu já era adulto, e nunca fui do tipo que mostrava fotos da infância para ninguém, mesmo porque é um período que eu prefiro fingir que não existe.
— Eu vi fotos suas o bastante para saber que, de todos, você é o mais parecido com a giagiá e o tio Geórgios.
Fiquei lívido ao ouvir isso. Lembranças de Nikkós bêbado, espancando-me enquanto me chamava de Geórgios e alucinava sobre ser melhor do que ele em tudo me fizeram estremecer.
— Você está conseguindo azedar o chope e estragar a carne com essa conversa, Millos. Qual é a sua?
— Desculpe, eu só estava falando de Tessa e de como...
— Onde você viu essas fotos? Tenho certeza de que Nikkós não te mostrou nenhuma, orgulhoso do filho com uma puta.
Millos bufou.
— Não, não foi seu pai quem me mostrou essas fotos. — Um garçom nos interrompeu oferecendo mais uma rodada de bebida. — Estou confiante no sucesso do transplante e satisfeito por saber que sua irmã conseguiu perdoar...
— Millos, onde você quer chegar com esses rodeios todos? Eu te conheço, mano, e sei bem que nenhum desses assuntos é aleatório.
Meu primo riu.
— Pappoús virá ao Brasil para conhecer Tessa. — Arregalei os olhos, pois imaginei que, assim como fez comigo, o velho grego iria rejeitá-la. — Eu acho que chegou a hora de vocês dois se conhecerem.
Comecei a gargalhar.
— Não tenho nenhum interesse em conhecê-lo — disse categórico. — Fico feliz, de verdade, que ele esteja agindo com Tessa de forma diversa do que agiu comigo, mas isso não muda o fato de que ele não existe para mim.
— Alexios, nem tudo é como parece ser.
— Foda-se! — irritei-me. — O velho desgraçado teve 33 anos para me conhecer. Chegou tarde demais, em todos os sentidos, na minha vida.
— É sua palavra final sobre isso?
— Sim.
Millos sacudiu a cabeça e começou a conversar sobre sua viagem como se não tivesse tocado no assunto mais desconfortável da minha vida. Conhecer-me! Houve uma época em que eu sonhava com isso, em ser resgatado por ele, ou que Kyra fosse. Eu rezava para que o tal pappoús descobrisse as maldades de seu filho e viesse ao nosso socorro.
Ele nunca veio! Agora é tarde demais, já não sonho ou rezo e, muito menos, preciso dele!, penso, voltando a assinar a papelada burocrática da K-Eng, a parte que eu mais odeio do meu trabalho.
— Alexios? — Elis me chama. — Marcaram uma reunião no cliente do Bela Vista, só que o engenheiro responsável pela fiscalização da obra e projeto não está aqui essa semana. O que eu faço?
— Quando é a reunião?
— Amanhã.
Olho minha agenda e reorganizo alguns compromissos.
— Confirme, eu vou.
Volto a pensar no encontro com Millos e na mensagem que recebi de Kostas no mesmo dia, assim que entrei em meu apartamento:
“Encontre-me às 9h, naquela maldita rua. Vou atender seu pedido, então faça direito o que tem que fazer, porque será sua única oportunidade.”
Olhei para o relógio; era madrugada. Dormi pouco, mas, no horário marcado, encontrei-me com ele, parado dentro de seu carro em frente ao velho casarão.
Não entendi a mudança de atitude dele, mas há algum tempo tenho percebido Konstantinos diferente. Nunca mais ouvi qualquer reclamação sobre seu comportamento com a hunter Kika, e, apesar de ter fodido com o Theo junto ao Conselho e iniciado uma auditoria, motivo pelo qual estou aqui assinando essa papelada toda, o discurso dele em relação ao nosso irmão mais velho está mais brando.
Questionei-lhe assim que entrei em seu carro, e a resposta dele me surpreendeu:
— Decidi zerar o meu passado. — Apontou para o casarão. — Isso é uma parte dele que eu nunca deixo ir, que mantenho para me lembrar de quem eu sou, de quem me tornei.
Entendi perfeitamente como ele se sentia. Sabia bem o que ele tinha passado ali, dentro daquela casa, e se eu, que havia estado ali um par de vezes, estava todo arrepiado e tenso, imaginei como ele estaria.
— Você vai o demolir? — inquiri ao me lembrar de sua ameaça no restaurante.
— Vou — respondeu seco ao me entregar as chaves. — Vasculhe tudo, o máximo que você puder, depois me avise para eu ter o prazer de apertar o botão de implosão dessa porra toda.
Ah, se também todas as lembranças e traumas pudessem desaparecer com um simples apertar de botão!, pensei triste, consciente de que isso não era possível.
— Eu vou, mas não hoje, e prometo te ajudar com toda a papelada para pôr esse lugar no chão e explodir tudo o que representa para você e para mim.
Kostas pôs a mão no meu ombro e me perguntou como fiquei sabendo sobre minha mãe biológica.
— Encontrei alguém que ouviu sobre ela e que me deu a dica de que poderia encontrar algo aqui, afinal todos os móveis ainda estão dentro da casa — fui suscinto na resposta, pois eu mesmo não sabia de nada.
— Casa... — ele riu da palavra que usei. — Isso nunca será uma casa, é o lobby do inferno, o hall do capeta!
Tentei não rir, porque ele tinha razão, mas, vendo-o gargalhar, acompanhei-o, e logo depois nos despedimos. Subi na moto e vim direto para a empresa, onde estou neste exato momento, divagando com as lembranças, ao invés de me concentrar no trabalho.
Sento-me na cadeira do café de frente para Samara, admirando-a não só pela beleza, mas também pela mulher incrível que é. Sinto vontade de me dar umas porradas por estar aqui fazendo exatamente o que eu disse que não ia mais fazer, aproximando-me dela.
Eu acho que, ao final das contas, eu curto uma tortura, só pode!
Encontramo-nos na reunião do cliente cujo projeto foi feito pela Karamanlis, a obra realizada pela Novak e a parte arquitetônica e decorativa com a Schneider. Eu não imaginava que Samara tinha voltado a trabalhar no Brasil e me questiono sobre o que isso significa.
Ela não vai mais voltar para a Espanha? Se não, isso significa que o noivado azedou?
Qualquer que seja a explicação, o fato é que eu não tinha noção de que nos encontraríamos assim, depois de dias evitando me encontrar com ela. É claro que o desejo e a porra do tesão voltaram com tudo! Fiquei excitado, tentando controlar meu pau para que eu não ficasse com a “barraca armada” no meio de uma reunião importante, parecendo um tarado.
Samara estava com um vestido azul-marinho, sóbrio e comportado, os cabelos sem os cachos e cortados de uma forma diferente do que eu me lembrava que ela usava. Elogiei-a, e o clima ficou estranho na hora. Não estranho de modo ruim, pelo contrário, a atração entre nós era quase visível dentro da sala de reuniões. Ela ficou sem jeito e logo se fechou, voltando a trabalhar em seu computador, então, como um desesperado por atenção, por ter mais dela, falei a primeira coisa que me veio à cabeça:
— Recebi uma pista sobre minha mãe.
Esse foi o pontapé inicial para que ela voltasse a ser a Samara que sempre conheci, a amiga de todas as horas, e o motivo de eu estar aqui com ela. Sobre a atração, ela continua, está aqui de modo palpável, pairando sobre nós, entre olhares e sorrisos, mas controlada pelo assunto que ela sabe que é tão importante para mim.
— Quando vamos até lá? — pergunta-me assim que nosso café espresso é deixado sobre a mesa de madeira.
— O local é perigoso, está fechado há muitos anos, sem nenhuma manutenção. Não sei o que tem dentro, então acho melhor eu ir primeiro e...
— Não! — Ela põe a mão sobre a minha, e uma descarga elétrica percorre meu braço e, com certeza, o dela também, pois logo a tira. — Eu quero estar com você nesse momento.
— Samara...
— Alexios, eu te conheço bem, imagino o quanto isso tudo está mexendo contigo e como mexerá depois.
Concordo, mas ainda assim não acho boa ideia.
— Você não pode ser minha tábua de salvação sempre, Samara.
A expressão dela não esconde a tristeza por me ouvir falar isso. Tenho certeza de que se lembrou do momento em que, drogado e bêbado, depois de ter sido espancado mais uma vez, abracei-a com força e disse que ela era minha tábua de salvação.
Eu queria me matar, usei tanta porcaria que, sinceramente, não entendo por que não tive uma overdose, mas então ela me achou, no esconderijo de sempre – o fosso do elevador – e chorou ao meu lado, dizendo o quanto eu importava para ela e para Kyra.
— Você não precisa mais de uma tábua de salvação, Alexios, precisa de uma amiga.
Meu coração dispara, meu corpo reage à presença dela, à sua voz, e, sem conseguir mais refrear minha vontade, seguro a mão dela e a encaro sem deixar dúvidas do que quero.
— Não, eu preciso de você!
— Não, eu preciso de você! — a voz de Alexios somada ao toque em minha mão, o leve roçar de seus dedos em meu punho me fazem perder o ar. É loucura isso, eu sei. Já tomei minha decisão sobre não mais fantasiar ou mesmo querer Alexios, mas como convencer meu corpo a respeitar essa resolução?
Puxo a mão o mais rápido que posso e deixo de encará-lo.
— Eu sempre estarei ao seu lado como amiga, Alexios, como fui todos esses anos.
Ele pigarreia, respira fundo e diz:
— Eu sei e agradeço. — Encaro-o, porque ele nunca foi alguém grato por nada ou a alguém. — Fiquei surpreso por saber que você está prestando serviços para a empresa da sua família — ele muda de assunto, e me sinto aliviada.
— Sim, Daniel me convidou para fazer esse projeto, então, como vou ficar um tempo ainda no Brasil, aceitei.
Alexios considera minha resposta por um tempo.
— Como está sua mãe?
— Melhor, mas o novo ciclo de quimio vai começar e, caso não dê resultados melhores do que o primeiro, ela terá que fazer radioterapia, então vou ficar no Brasil até que ela esteja bem, e o câncer, em remissão.
— E o espanhol?
Hein?! Tenho vontade de rir ao ouvi-lo se referir a Diego pela nacionalidade dele.
— O que tem o Diego?
— Ele ainda vai ficar por aqui?
Franzo a testa.
— Mais alguns dias, por quê? — decido provocá-lo para ver até onde vai. — Quer conhecê-lo?
Alexios me encara surpreso, mas depois sua expressão muda, e eu sei que me dei mal na história. Nunca fui páreo para ele com as provocações, e sua devil face é indício suficiente de que comprou minha ideia.
— Claro! — o irritante responde. — Que tal um japonês lá em casa qualquer dia? Você pode subir com ele e...
— Alexios! — Começo a rir nervosa. — Você não quer mesmo conhecer o espanhol!
— Quero, sim! — retruca. — Você é minha amiga, então quero saber se ele presta. Vamos combinar que você nunca foi boa em escolher namorados.
Arregalo os olhos.
— O quê?
Gargalho, achando-o completamente louco! Alexios nunca pareceu se importar – ou mesmo perceber – com meus namorados. Nunca emitiu nenhuma opinião sobre eles ou mesmo quis conhecê-los. Por que isso agora?
— Se lembra do Alberto? — Alexios ri. — Péssima escolha!
Estremeço só em lembrar, pois, além de ter sido um péssimo namorado, foi uma péssima experiência sexual em todos os sentidos. Eu era ingênua, apaixonada e me sentia desprezada, então, quando Alberto apareceu e jogou charme, logo embarquei no namoro com o firme propósito de esquecer Alexios. Ele era mais velho, descolado, lembrava um pouco o jeito do meu amigo rebelde, então achei que pudesse substituir o dono dos meus sonhos. Ledo engano! Em menos de um mês percebi que não tínhamos nada a ver e que, mesmo sendo rebelde como Alexios, ele não tinha as outras características que me faziam amar meu amigo.
— Não tenho mais 18 anos, Alexios — respondo-lhe sem brincar.
Ele fica sério.
— Não, não tem. — Suspira. — Então você vai voltar para a Espanha quando o tratamento de sua mãe acabar. Será definitivo?
Essa é a pergunta que eu me fiz ao longo desses meses que estou no Brasil, mas agora não titubeio ao respondê-la, mesmo que ele não saiba que pretendo voltar para lá sozinha.
— Sim.
Alexios assente.
— Vamos sentir sua falta, Kyra e eu, mas fico feliz se você estiver.
Sorrio, o coração disparado, a boca seca e os olhos ardendo com vontade de derramar lágrimas. Controlo-me. Tomei minha decisão, ela é a melhor. Mesmo que me parta o coração pensar em estar longe, sei que é a escolha sensata.
— Eu vou ser — respondo sem olhá-lo.
Daniel disse que o casamento ia ser uma data como qualquer outra, que ele e Bianca iriam apenas passar pelo cartório, assinar a papelada e fim, mas, ao que parece, ele não conhece a mãe que tem.
Sorrio ao ver a movimentação na mansão, onde Cida coordena um pequeno grupo para deixar o almoço ao ar livre perfeito.
Sem Daniel fazer ideia, mamãe chamou alguns parentes mais próximos e amigos – 20 pessoas no total – para dividir esse momento conosco. Kyra ficou incumbida, em cima da hora, de fazer a decoração da mesa do almoço e fez um trabalho incrível, não só na decoração, como também na entrega dos doces e do bolo.
Eu gostei da ideia da tenda no gramado, a mesa enorme, com toalhas de linho, louças e cristais finos, e a as flores, muitas e muitas flores. A mesa do bolo ficou uma perfeição à parte. Kyra pendurou com cordas alguns pequenos apoios de madeira, onde colocou doces, flores e velas, e, no maior, no centro, o bolo de três andares, todo branco e decorado com flores de açúcar.
Nunca vi nada tão lindo e original, pois não ficaram enfileirados um ao lado do outro, o que conferiu movimento, mesmo com os “balanços” parados.
Ontem, no chá promovido pela minha cunhada como despedida de solteira, tomei conhecimento de que ela irá vestir um tailleur de saia na cor creme e que meu irmão usará um terno escuro tradicional. Mamãe, claro, não gostou nada da ideia, queria os dois de branco, como é costume entre os judeus. Contudo, como os noivos quiseram uma cerimônia laica, ela não insistiu na tradição.
— Bianca não é judia, temos que respeitar — ela disse quando chegamos juntas à casa e nos encontramos com Diego. — Mas, quando Samara for subir ao altar, vamos seguir todos os ritos.
— Será um prazer — Diego respondeu e me olhou de uma forma que me senti pressionada a, querendo ele ou não, encerrar esse assunto de vez.
Depois do casamento do meu irmão!, penso resolvida. Essa situação não pode passar desse dia! Ele ficará mais alguns dias aqui, pela sua programação, mas não posso aceitá-lo em meu apartamento se ele não entender de uma vez por todas que nosso relacionamento amoroso acabou e que somos apenas amigos.
— Os convidados estão chegando, e não deve demorar para os noivos chegarem — mamãe avisa e se posiciona ao lado do papai para receber os primeiros convidados.
— Sua mãe está uma pilha, e ela não deveria — Kyra comenta comigo. — Achei que você seria testemunha do casamento.
Nego.
— A irmã da Bianca é quem vai ser, e o Daniel convidou seu primo Millos para ser o best man dele.
A informação surpreende Kyra tanto quanto me surpreendeu.
— Millos padrinho de casamento? — Ela ri. — Essa é nova!
Dou de ombros e, aproveitando que ainda estamos sozinhas, pois Diego está conversando com meu pai em algum lugar, pergunto:
— Alexios comentou contigo sobre a pista que recebeu?
Kyra suspira e assente.
— Estou preocupada com isso — confessa-me. — Você lembra tão bem quanto eu como ele ficava com essa história de procurar sua mãe biológica. Não sei se quero vê-lo mergulhado nessa procura sem fim de novo.
— Eu também me preocupei, por isso me ofereci a ajudá-lo.
Kyra tenta conter o sorriso, mas não consegue.
— Obrigada por isso, Malinha. Fico muito feliz em saber que vocês se acertaram e que voltaram a ser como antes.
Forço um sorriso e concordo, mas não consigo emitir nenhum som tamanho o nó em minha garganta. Eu tenho consciência de que as coisas mudaram entre nós, nada está como antes. Nós não tínhamos essa energia sexual; embora eu sempre tenha me sentido atraída e apaixonada, Alexios nunca correspondeu a nada disso. Agora sinto que ele me quer tanto quanto eu sempre o quis, e isso, além de ser muito confuso, é um ponto de tensão que não tínhamos antes.
— Espero não dar azar ao Dani — Kyra sussurra de repente.
— Para com essa história, que coisa! — repreendo-a. — Você é sempre muito supersticiosa, depois diz que não acredita em nada.
— Não acredito em religião, mas em carma, não tenho nenhuma dúvida. — Ri. — Não gosto de fazer casamentos de amigos, você sabe.
— Besteira!
Paramos de conversar, pois ela tem que ir resolver algo com o manobrista a serviço de sua empresa de eventos.
— O que acha de casarmos en Brasil? — Diego me indaga em certo momento, e eu fico tensa. Como é possível que ele ainda não tenha entendido?! — Gosto desse jeito que su mamá organizou tudo.
— Diego, nós já conversamos sobre nós. Somos apenas amigos, o namoro acabou.
Ele nega.
— Necessito una segunda chance para provar que não acabou.
Respiro fundo e não respondo, pensando seriamente em ser dura com ele, dizer que eu amo outra pessoa e que, por isso, não posso amá-lo.
Não sou assim! Não posso feri-lo dessa forma!, penso e pego rapidamente uma taça de champanhe que os garçons começaram a distribuir para os convidados em sinal de que os noivos já estavam chegando, para tentar engolir essa situação.
Não demora muito mais, e todos levantamos as taças em um brinde quando Bianca e Daniel aparecem. Meu irmão não esconde seu assombro, mas Bianca parece exultante ao seu lado. Ela cumprimenta a todos depois de mamãe ter lhe oferecido um chapéu com um pequeno tule sobre a testa e um buquê de orquídeas brancas.
— Ela conseguiu transformá-la em uma noiva! — Kyra comenta enquanto passa por mim, e eu rio.
Abraço Daniel quando ele chega até onde estou.
— Que porra toda é essa? — sussurra em meu ouvido.
— Seu casamento — digo o óbvio.
— Não, é a teimosia da sua mãe!
Gargalho e o encaro.
— Agora é a minha mãe, não é? — Dou um tapa de leve em seu ombro. — Relaxa e curte, poderia ser pior.
— Não, não poderia. — Ele olha para os convidados. — Que merda!
Diego o cumprimenta, e ele volta a fingir que está feliz. Sinceramente, não entendo o que está rolando com meu irmão, o motivo pelo qual insistiu nessa união, sendo que parece repeli-la a todo tempo.
Eu nunca iria querer isso para mim e nem para Diego, não é justo fazer algo sem estar feliz! Esse pensamento reforça minha resolução de ficar sozinha até que eu realmente seja capaz de amar outra pessoa de verdade. Só vou entrar em outro relacionamento quando me sentir pronta para viver a relação por inteiro.
— Parabéns! — cumprimento minha cunhada.
— Obrigada, Samara. — Ela sorri cortês, porém fria como sempre foi comigo. — Essa é minha irmã, Chiara.
A bela e miúda loira sorri para mim e me abraça calorosamente. Eu nunca tive contato com os familiares de Bianca, mesmo ela estando com meu irmão há mais de uma década. Conheci a mãe dela enquanto era viva, mas nunca tinha visto o pai, nem a irmã, pois ambos moram fora do país.
— Seja bem-vinda! — cumprimento-a.
— Obrigada! Está tudo tão perfeito e carinhoso! — Os olhos dela se enchem de lágrimas. — Tenho certeza de que mamãe adoraria.
Bianca segue para cumprimentar o próximo convidado e a arrasta junto.
— Tão doce, a pequena Chiara — meu pai comenta. — Tão diferente da irmã. — O velho debochado ri. — Eu me lembro dela pequena no funeral da mãe.
Franzo o cenho, não me recordando de tê-la visto. Não penso muito mais no assunto, sigo para a mesa, onde mamãe faz um discurso e depois praticamente obriga Daniel a fazer o mesmo.
O almoço começa a ser servido, e, em algum momento, acabo trocando olhares com Millos Karamanlis, que acena com a cabeça. Os olhos dele, tão parecidos com os de Alexios, fazem-me pensar na ironia da situação, pois, embora o primo, que toda a minha família conhece há uns 10 anos, possa estar aqui, Alexios, que foi nascido e criado conosco, não pode.
Engulo o champanhe como se fosse feito de água suja ao perceber mais uma vez que ele nunca seria aceito.
Compatíveis!, a palavra odiosa que ele usou martela minha mente, e eu olho de esguelha para meu companheiro de mesa, Diego, alguém que acabaram de conhecer, mas que todos estão tratando como nunca o fizeram com Alexios.
Será que, em algum momento, essa resistência da minha família contribuiu para que Alexios se mantivesse distante de mim? Não!, rejeito a ideia. Ele nunca foi do tipo que liga para opiniões alheias, então é claro que isso não contribuiu, ele apenas nunca me quis.
Até agora!
Suspiro e fecho os olhos, tentando entender o que mudou. Uma ideia se forma. Tento não dar ouvidos a ela, mas é mais forte do que eu. Será que meu suposto compromisso teve algo a ver com a repentina atração de Alexios? Arregalo os olhos e fito meu prato rapidamente, tentando disfarçar meu espanto com a possibilidade.
Claro! Como não pensei nisso antes?
Alexios sempre foi um competidor nato, sempre odiou perder, então, saber que eu estava noiva pode ter despertado algum gatilho nele que o fez imaginar que me queria.
Só pode ser isso! Então, quando ele souber que eu não irei me casar, tudo voltará ao normal!
Pensar em Samara está me causando calos nas mãos e me fazendo parecer um adolescente viciado em punheta novamente. No começo, eu me sentia constrangido por estar usando a imagem dela como inspiração, mas agora já estou tão acostumado a essa rotina que, mesmo tendo trepado, preciso expurgar o tesão que sinto por ela, e essa, no momento, é a única forma plausível.
Ela me provocou, durante o café que tomamos juntos, com a possibilidade de conhecer o espanhol, e eu, corroendo-me de ciúmes por ele poder tocá-la como eu mesmo queria fazer, caí na esparrela e ainda sugeri um encontro.
Idiotice!, penso ao terminar de me vestir para me encontrar com eles em um restaurante japonês no bairro da Liberdade. Não esperava que Kyra fosse encabeçar um encontro entre nós todos, mas, pelo que ela deixou a entender, eu preciso conhecer o tal noivo. Sinceramente não entendi isso, mas, como a curiosidade está me roendo, aceitei.
— Você vai sozinho? — Kyra questionou-me quando me ligou mais cedo.
— Não, vou com você.
Ela riu.
— Eu vou com alguém, Alexios.
Puta que pariu!, pensei, totalmente sem saco para atuar como castiçal para dois casais. Foi então que me encontrei com Laura no elevador e a convidei para jantar.
Idiotice ao quadrado!
Nunca misturei as mulheres que como com meus familiares. Já saí com amigos, já peguei alguém enquanto estava com eles, mas com Kyra será a primeira vez. Tento justificar minha ação alegando que não dá para ir sozinho, como um mané qualquer.
Ter Laura à mesa será como ter um escudo, essa é a vantagem. Eu não ficarei o tempo todo com uma ereção enquanto a mulher que provoca essa reação no meu pau estará feliz e contente ao lado do noivo.
Rio da situação clichê e degradante. Estou fodido!
Saio do Castellani de moto, levando um capacete extra para minha companhia, o som no fone de ouvido tocando um rock nacional que sempre prefiro ouvir quando ando de moto.
Chicão sempre me critica por escutar música alta pilotando, pois diz que distrai a atenção, mas eu não penso assim, continuo focado na via mesmo tendo o som maluco do QR-1 estourando meus tímpanos.
Meu amigo foi embora para mais uma de suas andanças. Tentei descobrir para onde iria, mas, como sempre, ele se esquivou e apenas disse que não tinha rumo, que apenas precisava ir, mas que em breve estaria de volta para treinar comigo para o Rally dos Sertões. Quando acordei, ele já tinha juntado as suas trouxas e partido.
Paro em frente ao prédio onde Laura mora e admiro o quanto ela é bonita e seu bom gosto para se vestir. Sem tirar meu capacete, entrego o outro para ela e continuo o percurso até o bairro da Liberdade.
Estaciono a moto me sentindo mais tenso que o natural, não só por estar acompanhado, mas por saber que a mulher que tem mexido com meu tesão se encontra dentro do restaurante com o homem que a levará para longe para sempre.
— Tudo bem? — Laura pergunta-me quando me abraça pelo pescoço e me beija.
— Maravilhoso!
Entramos juntos no restaurante, porém sem encostarmos um no outro, e a primeira coisa que enxergo são os cabelos encaracolados de Samara, o jeito que eu mais gosto de vê-los. Logo meu olhar é direcionado para o homem ao lado dela, sorrindo e falando algo com Kyra e sua companhia.
— Boa noite! — cumprimento a todos. — Essa é a Laura.
Samara parece surpresa por eu estar acompanhado, mas logo abre um sorriso e se põe de pé junto aos demais para nos cumprimentar.
— Diego, esse é meu amigo de infância, irmão de Kyra, Alexios Karamanlis. — Ela me olha. — Esse é o Diego, Alex.
— O noivo! — completo ao cumprimentá-lo, e Samara arregala os olhos.
— O amigo! — ele retorna a saudação com seu forte sotaque.
O clima fica estranho, então minha irmã intervém.
— Alex, esse é o Patrick. Ele é americano, mas trabalha aqui no Brasil em uma empresa de publicidade. — Aceno com a cabeça para a companhia dela. — Esse é meu irmão Alexios.
— Prazer!
Seguro o riso por causa da mistura de sotaques e me pergunto se estou em alguma reunião da ONU. Porra, se eu soubesse, teria trazido alguma italiana ou asiática! Samara me encara de um jeito estranho e depois ri, deixando claro que sabe exatamente o que pensei.
A filha da mãe me conhece bem demais, e isso é um perigo!
Sento-me ao lado do espanhol, e Laura fica entre mim e o americano. Faço meu pedido, e ela, o dela, mas comemos algumas peças da enorme barca que os dois casais que chegaram mais cedo já estão degustando.
— Achei que você não vinha mais, Alex — Kyra puxa assunto.
— Eu também — é Laura quem responde. — Mas ele sempre faz isso, marca um horário e aparece bem depois. — Sorri para mim, toda cúmplice. — Ainda bem que isso não se aplica aos seus compromissos de trabalho.
Dou uma olhada rápida na direção de Samara e a pego me encarando com os olhos levemente apertados.
— Você trabalha na K-Eng? — Kyra é quem indaga novamente.
— Não, na Karamanlis.
Minha irmã me dá um olhar enviesado, do tipo que sempre recebo quando estou fazendo merda. Porra, eu sei!
— O que é a Karamanlis? — Diego pergunta, e eu, resumidamente, porque não tenho saco para isso, explico sobre a empresa da família.
Depois disso, talvez impulsionado pelo assunto sobre trabalho, ele começa a falar do Real Madrid sem parar e da decepção que foi a campanha do time no começo deste ano.
Interesso-me um caralho por futebol, então, enquanto ele fala do seu importante trabalho pela Europa seguindo o time milionário de perto, não consigo desviar os olhos de Samara, nem mesmo com meu escudo ao lado. Ela levanta uma de suas negras sobrancelhas e desvia os olhos na direção de Laura, questionando-me silenciosamente sobre ela.
Dou de ombros e sorrio safado, fazendo-a entender qual é o nível de entendimento que eu tenho com minha companheira. Samara fica séria e se concentra na falação do noivo.
Noto que nenhum dos dois usa anel e fico pensando em que tipo de noivado desprendido é esse que eles têm. Geralmente quem firma um compromisso desse porte gosta de exibir a situação.
Não sei exatamente o que deixei transparecer, mas, em certo momento, tomei um bicudo na canela e tenho certeza de que a agressão veio da minha irmãzinha. Fico sério, mas a danada abre um sorriso na direção do espanhol como se não tivesse quase quebrado minha tíbia.
Samara de repente se levanta.
— Com licença, vou ao toilette.
Kyra se ergue em seguida.
— Te acompanho. — E olha para Laura. — Você quer vir conosco?
Minha companhia abre um enorme sorriso.
— Claro!
Elas saem da mesa e me deixam a sós com um maldito americano que nunca vi na vida e um espanhol arrogante que faz meu punho travar ao olhar sua fuça comprida e fina.
— Eu gosto de moto também — Diego começa o assunto ao apontar para minha jaqueta de couro e adivinhar meu meio de transporte. — Tenho uma Harley Road King.
— Um clássico! — o americano diz empolgado.
Minha cara não disfarça meu tédio com relação ao assunto de suas motos policiais, já que esse é um dos modelos mais usados pela polícia americana, como vemos nos enlatados americanos.
— Prefiro as italianas. Tenho alguns modelos da Ducati.
O espanhol não parece intimidado.
— Não me gusta correr — ele explica. — Aprecio hacer as cosas lenta y cuidadosamente. Aprendi a ser paciente com a maturidade, así que quando usted estiver mais maduro perderá essa... — Diego parece procurar a palavra — prisa18.
Uau! Estamos trocando farpas? Daqui a pouco mediremos os paus para saber quem tem a maior piroca da mesa e assim validar nossas masculinidades. Tédio!
— Não é uma questão de pressa, é saber dar à máquina aquilo que ela pede. Não é porque ela pode andar a 180 km por hora que eu preciso estar sempre correndo, mas entender que ela pode chegar a isso e saber fazê-la chegar lá é o que difere um verdadeiro piloto de um amador.
O americano, sentindo que estamos falando mais do que de motos, intromete-se na discussão e começa a falar de vários modelos de motos e de campeonatos de corrida. O assunto me interessa – ou talvez eu queira só isolar o boçal hispânico da conversa –, e entro de cabeça.
Ficamos tão entretidos que nem percebemos – na verdade eu finjo não perceber – quando Diego sai da mesa.
— Ué, cadê o espanhol bonitão da Samara? — Kyra pergunta quando elas retornam do banheiro.
Apenas dou de ombros.
— Nem vi que tinha saído! — Sorrio sarcástico, e Samara levanta a sobrancelha.
— Demoramos muito? — Laura inquire, abraçando-me pelo pescoço e me dando um selinho. — Adorei a companhia das meninas, obrigada por ter me convidado.
Fico sem saber o que responder, então lhe dou meu melhor sorriso angelical.
— Laura nos contou que vocês estão juntos há alguns meses já. Confesso que fiquei surpresa, pois nunca soube de um relacionamento seu que fosse tão longe — Kyra comenta, e eu imediatamente desvio os olhos para Samara, tentando avaliar sua reação ao que minha irmã acabou de dizer. Nada! Ela sorri para Laura como se aprovasse nosso relacionamento, o que me deixa confuso, pois não esperava essa reação.
Será que ela está mesmo feliz com o espanhol?
— Isso é bom, não é, cunhadinha? — Laura diz animada.
Meu, tenho vontade de dar um tapa na minha própria testa ao ouvir isso. Que porra é essa de ela dizer que estamos juntos há meses? Nós trepamos algumas vezes ao longo de uns poucos meses, não há relacionamento nenhum, e eu sempre deixei isso muito claro para Laura.
— Ô, que evolução, cunhadinha! — Kyra dispara seu sarcasmo e me encara com sua sobrancelha erguida, em clara mensagem de que estou fazendo merda.
O nosso pedido chega, e, enquanto Laura devora seu kone, eu aproveito para analisar a expressão de Samara. Nada boa! Minha amiga não me olha, concentrada em um sashimi que eu devoraria em uma só mordida, mas que ela está levando um tempão para comer.
Tenho vontade de falar para ela que não há relacionamento, que Laura e eu só trepamos, mas então paro e me questiono o motivo pelo qual quero me justificar para ela. Samara não tem nada a ver com minha vida privada, com quem eu trepo ou deixo de trepar. Além disso, não sou eu quem está noivo!
Diego volta, e o cheiro de cigarro deixa evidente o que o espanhol foi fazer. Franzo a testa, confuso, pois sei bem que Samara sempre detestou esse vício e ficava me enchendo o saco – isso quando não escondia meus maços de cigarro – quando eu comecei a fumar.
Parei por causa dela, quando percebi que isso a deixava incomodada e com os olhos ardendo. Sorrio com a lembrança do quanto ela comemorou quando eu disse que fumar estava fora de moda e que iria parar por isso. Nunca admiti que foi por causa dela. Na verdade, nunca percebi o tanto que Samara foi decisiva em alguns pontos importantes da minha vida. Sempre foi tão natural contar com o apoio e a opinião dela que eu lhe agradava com a mesma naturalidade. Nunca me senti obrigado a nada, pressionado, apenas fazia o que a deixava mais feliz.
Encaro-a por um longo momento, questionando-me isso novamente: ela está feliz? Eu sei que disse que o espanhol poderia ser compatível com ela, mas, conhecendo-o agora, não acho que esse homem seja o certo.
Olho para minha irmã, lembro-me das palavras dela sobre ele ser o responsável por levá-la para longe de nós, e uma ideia surge.
É perigosa.
É idiotice.
É deliciosamente perversa e junta a fome com a vontade de comer.
Pode ser apenas uma desculpa para eu dar vazão a todo o tesão que tenho sentido por minha amiga desde que ela retornou e pode também ser um tiro no pé, principalmente se Samara se apegar a mim mais do que deve. Contudo, acho válido o empenho em ser... paro para pensar em uma expressão que defina o papel que pretendo desempenhar.
Um rito de passagem? Sim, pode ser isso! Serei um rito de passagem, entre esse embuste – como diria meu amigo Chicão – e o homem certo para que ela se case. Definitivamente, esse espanhol arrogante não merece estar ao lado de uma mulher incrível como a Samara, e, se ela não enxerga isso sozinha, talvez precise de um empurrãozinho e uma distração.
Sou uma boa distração, e é hora de tirar o espanhol da jogada!
Nunca me senti tão perverso quanto agora, voltando, depois de anos, a fazer jus ao apelido de anjo mau que já me impuseram uma vez.
Pego minha cerveja e a levanto em um brinde, fazendo Kyra e Samara estranharem o gesto inesperado, e sorrio maléfico para Diego, pensando que os dias dele estão contados aqui conosco.
Hasta la vista, baby!
Ciúmes! Eu estou sentindo ciúmes de Alexios!
Eu nunca o vi assumir nenhum relacionamento, a não ser os de amizade, e mesmo esses apenas comigo e com o Francisco. Então vê-lo com uma mulher – uma bela mulher, diga-se de passagem – a tiracolo e saber que os dois têm saído juntos há meses é, no mínimo, desconcertante.
Não, não estou desconsertada, mas, sim, enciumada! Merda! Não sei onde estava com a cabeça quando aceitei essa ideia maluca da Kyra de sairmos juntos.
O almoço do casamento ontem na casa dos meus pais impossibilitou a conversa, porque Diego bebeu demais – coisa que eu nunca o tinha visto fazer –, e, quando voltamos para o meu apartamento, ele não tinha condição alguma de conversar.
Então, hoje de manhã, Kyra nos convidou para essa noite de comida japonesa. Tentei negar, mas ela alegou que era uma comemoração pelo transplante de medula que fez para a sobrinha e que precisava sair um pouco com os amigos.
Aceitei, claro, e não tive como não estender o convite a Diego, afinal, ele estava perto quando conversamos por telefone.
Suspiro e olho mais uma vez para o casal à minha frente. A garota cheia de vida, falante e sorridente toca e beija Alexios com uma intimidade que é estarrecedora. Confesso que fico dividida entre estar feliz com o fato de ele estar se abrindo e o despeito por eu mesma nunca ter conseguido atingi-lo dessa forma.
— Samara, não quer ir embora? — a voz de Diego faz com que eu desvie os olhos do novo casal e o encare. Suspiro e concordo.
— Sim, estou cansada.
Ele assente, afinal, fiquei o dia todo na empresa resolvendo assuntos que nem conhecia direito, auxiliando o substituto de Daniel, que está em uma curta lua de mel.
Esse é outro assunto que tem me feito pensar bastante: o casamento de meu irmão. Ele estava tão estranho durante a festa que eu não conseguia parar de encará-lo. Vi como estava impaciente, como tentava parecer relaxado e curtir a ocasião, porém sem conseguir deixar de ter uma ruga de preocupação em sua testa.
Mais tarde, depois que todos foram embora, estávamos Kyra e eu juntas numa mesa enquanto tudo era desmontado, e eu não resisti a desabafar com ela.
— Dani está estranho.
— Quando é que ele não foi? — ela ironizou, e eu a fuzilei com o olhar. — Mas concordo, ele estava mais estranho do que o normal.
— Sério, Kyra, deixe suas rusguinhas de lado e tente parecer preocupada com meu irmão pelo menos uma vez!
Ela fez careta, tomou o resto do champanhe e fingiu me dar atenção. Eu admito que Daniel nunca teve paciência alguma com ela, mas também não o crucifico por isso, porque, mesmo sendo amiga e a amando como se fosse minha irmã também, Kyra teve uma fase do cão na adolescência. De repente a garota calada, magrela e bocuda se transformou em um mulherão que fazia os homens todos babarem, mas tinha um gênio do capeta. Enquanto ela foi uma menininha tímida e calada, Daniel a tratava bem, mas, depois que ela passou a perceber o quanto era bonita e o quanto isso lhe dava poder com os caras, ele passou a evitá-la e a condená-la por isso.
Meu irmão é muito tradicional!
— Daniel David é um chato! — Kyra rebateu meus pensamentos. — Eu tenho pena de Bianca por tê-lo que suportar agora na mesma casa.
— Kyra...
— Eu sei, eu sei — ela me interrompeu —, ele é um ótimo irmão, admito, mas ainda assim é entediante. — Kyra se aproximou de mim e sussurrou: — Daniel deve trepar de meias e com gel no cabelo para não desarrumar os fios.
Não resisti e gargalhei com a visão que se formou em minha mente. Sim, era bem a cara do Dani o que ela acabava de descrever.
— Seu primo não o acha entediante...
Kyra ficou séria.
— Millos tem um lado sério e certinho como o do Daniel, pelo menos ele se força a ter — não entendi bem o que ela quis dizer com isso, mas concordei. — Teve uma época que eu achei que ele fosse gay e não quisesse assumir por causa do pappoús.
Quase me engasguei com a bebida que tinha acabado de colocar na boca.
— Millos gay? Será?
Ela deu de ombros.
— Bom, desconfiei uma vez do Dani também... — Kyra abriu um sorriso malicioso. — Tudo o que eu fazia que excitava os caras parecia não funcionar com ele...
— Você tentou seduzir o meu irmão?! — foi realmente uma surpresa enorme saber daquilo.
Ela deu de ombros novamente.
— Eu estava sem controle naquela época, você sabe, então...
Comecei a rir imaginando os dois juntos. Sem chance!
— Ainda bem que não rolou nada! Já pensou agora você fazendo o casamento dele com outra? Ia ser constrangedor.
— E ia parecer vingança quando os dois se separassem. — Ela ergueu uma de suas sobrancelhas maldosas.
— Para com essa merda! Isso é coisa da sua cabeça, esqueça!
Kyra virou o resto do champanhe e se levantou para ajudar sua equipe, que trabalhava desmontando as coisas da festa.
— Depois não diga que não avisei!
Fiquei por um bom tempo sentada sozinha à mesa, pensando na conversa, analisando todos os fatos sobre o nosso passado, sobre o que a Cida disse em um dos nossos desjejum juntos, e meu coração se apertou ao imaginar que Dani pudesse ser gay e estivesse se casando só para manter as aparências. Isso seria muito triste se fosse verdade! Ninguém deveria se obrigar a viver uma vida de mentira, ser e fazer infeliz no percurso.
Eu espero que não seja esse o caso, porque me dói pensar que ele esteja se reprimindo para se encaixar em um molde de “normalidade” que não existe. Eu quero que meu irmão seja feliz, e não o vi assim durante a cerimônia.
Algo de errado está acontecendo, e não saber, não ter a confiança dele para dividir comigo o que o está frustrando me deixa magoada.
— Samara está cansada... — Diego anuncia já se levantando, e eu tomo um susto com sua reação inesperada. — Nosotros vamos embora.
— Já tão cedo? — Laura pergunta com um biquinho. — Chegamos tão atrasados que nem pudemos conversar melhor.
— Aposto que não faltará ocasião, não é, Alex? — Kyra questiona, e, para quem não a conhece, pode parecer uma pergunta inocente, mas eu noto cada alfinetada que ela dá no irmão.
Encaro meu amigo e sinto o corpo todo arrepiar ao chocar meu olhar com o dele. Uma energia forte, como aquela da noite em que ele me beijou e tocou minha pele nua, percorre-me de cima até embaixo, concentrando-se no meio das minhas coxas.
Ele está sério, um tanto incomodado, seus olhos parecem arder com algum propósito, como sempre ficam quando ele cisma com algo.
Diego pigarreia, e eu desvio a atenção.
— Vamos ahora! — Diego sai praticamente me arrastando do restaurante, e sinto um arrepio cruzar meu corpo, pois nunca o vi desse jeito.
— O que aconteceu ali? — Diego indaga de repente.
Meu coração dispara, porque sei que ele está me questionando sobre Alexios e mim; não imaginava que ele tinha percebido qualquer coisa.
— Como assim?
Ele bufa de raiva e acende um cigarro. Eu achei que ele tivesse largado o vício há algum tempo, mas, como não quero enveredar sobre o assunto que ele começou neste momento, não emito nenhuma opinião sobre ele ter voltado a fumar.
Entramos no carro mudos, e eu dirijo até o Castellani sentindo o clima pesado no ar. Várias vezes o olho de esguelha e o noto olhando pela janela ou para o nada. Percebo que a situação já foi longe demais e que preciso fazê-lo entender que nós terminamos de uma vez por todas.
— Eu quero conversar com você sobre...
— Yo sé! — ele me corta, sua voz alta. — Carajo! — Encara-me. — No puedo creer que quieras dejarme por ese estúpido hijo de puta!
— Diego, não estou te deixando por ninguém...
— No! No soy ciego! — Ele balança a cabeça enfaticamente. — Hablamos sobre todo das nossas vidas, pero nunca tivemos una sola palavra acerca de Alexios Karamanlis!
— Não tem a ver com ele. — Pego suas mãos. — De verdade! Eu só percebi que não é justo eu dar a você menos do que merece.
— Siempre quise ser el dueño del brillo en sus ojos, pero hoy descubrí que ya le pertenece a alguien. Lástima, te darás cuenta de que ese mocoso arrogante nunca lo mereció.19
Não consigo articular uma só palavra para responder a isso e o vejo sair do carro e andar pela garagem em direção ao elevador sem poder me mover. Sabia que nosso término não seria fácil, que iria doer, pois somos amigos, e eu tenho um carinho enorme por ele, mas nunca pensei que, além da mágoa, haveria tanta raiva.
A decisão de não dar prosseguimento ao relacionamento nada teve a ver com Alexios. Claro que o fato de eu ainda ser apaixonada por ele contribuiu para que eu enxergasse que não quero para Diego o que não quero para mim. Ele merece mais! Merece ser amado completamente, e eu, no momento, ainda não posso lhe dar essa entrega. Contudo, preciso fazê-lo entender que não terminei com ele por causa de quem quer que seja.
Pelo contrário! A decisão é sobre mim, sobre tomar de volta o controle da minha vida, independentemente de um homem. Fiz muitas coisas movida pela frustração de não ser correspondida por quem eu amava e agora percebo que não fiz a mais importante: me amar.
Diego não conseguirá entender isso, tenho certeza, mas não posso permitir que ele pense que está sendo trocado por outro, porque isso não é verdade.
Saio correndo do carro, entro no elevador de serviço e invado meu apartamento, estancando ante a cena da mala aberta em cima da cama e de Diego dobrando suas camisas.
— Eu não estou trocando você por ninguém! — disparo.
Diego ri e dá de ombros.
— Negue o quanto quiser, pero sei que é mentira! Vi os olhares trocados, percebi o ciúme em cada palavra dele. No soy um tonto e no seré um cornudo.
Arregalo os olhos, e meu coração se aperta.
— Isso não aconteceu. Estou há dias tentando te convencer de que nosso relacionamento acabou e...
— Para abrir las piernas para él? — Diego se aproxima de mim, e, pela primeira vez desde que nos conhecemos, sinto medo. — Me dijeron que no debía tomarme en serio a una brasileña, son buenos para follar, pero no valen la pena.20
A ofensa me atinge como se fosse um soco na cara. Não fiz nada proposital, não o enganei, pelo contrário, assim que percebi o que ainda sentia por Alexios, tentei ser sincera com ele, mesmo achando que não rolaria nada entre mim e meu amigo.
— Vá embora! — digo trêmula, entredentes.
— Já estava indo! — Ele pega a mala. — No se preocupe, vou tirar minhas coisas do seu apartamento em Madri e deixar las llaves com Gisele.
Concordo, pois minha vizinha já possui uma cópia das minhas chaves e não há problema em ficar com mais uma. Seco o rosto, coração moído, afinal estávamos juntos há mais de um ano, tinha-o como um amigo acima de tudo, e a forma com que terminamos tornou manter qualquer tipo de relação com Diego impossível para mim.
— Como ele teve coragem de te ofender assim?! Você deveria ter respondido que ele queria ser corno mesmo, se fingindo de surdo esse tempo todo! Hijo de puta! — Kyra dá um berro quando eu lhe conto o que houve.
— Eu nunca imaginei que terminaríamos assim... Só queria que ele tivesse mais do que eu poderia lhe dar.
Ela faz careta.
— Que porra de discurso altruísta é esse com aquele babaca? — Ela começa a rir. — Ele não merecia nem o pouco que você lhe deu e, amiga, depois da ofensa a todas nós, brasileiras, não merecia nem que você tivesse dado para ele! Esqueça a Espanha, Samara, seu lugar é aqui!
— Não, Kyra, o que ele disse não afeta minha ideia de voltar para Madri.
— O quê?! — Kyra desliga o som do carro, e eu a olho, aproveitando que parei em um farol. — Por que você quer morar longe da sua família e dos seus amigos? É pelo idiota do meu irmão?
— Não, não é — respondo com sinceridade. — Eu gosto de Madri, lá eu sou uma designer de interiores que trabalha para um enorme escritório de arquitetura, não a Samara Schneider, entende? Lá eu sou como você, cresci sozinha.
— E por que não pode fazer o mesmo aqui? A Karamanlis é na mesma cidade que a minha empresa! Isso é desculpa, Malinha!
Nego.
— Não, não é! Eu gosto de lá, gosto da liberdade que tenho, dos colegas de trabalho e...
— Foda-se tudo isso, eu não estou lá!
Tento ficar séria, mas não consigo. Abraço-a rapidamente, rindo, adorando tê-la ao meu lado. Kyra é como uma irmã, e eu a amo demais, mesmo quando é sem noção.
— Eu amo você, e isso não vai mudar com a distância. Já fiquei três anos longe e não deixei de te amar.
Ela bufa e me afasta.
— Eu sei que você não vai me esquecer, mas é que... — ela não completa a frase, mas eu sei o que quer dizer. Ela se sente sozinha, não confia em muitas pessoas, não tem muitos amigos.
Pego sua mão e a aperto sem tirar os olhos do trânsito.
— Você fez as pazes com o Theo, ganhou uma cunhada e uma sobrinha.
— E o Tim foi incrível comigo no dia em que nos encontramos.
Rio do apelido, não conseguindo mais ver o enorme Konstantinos Karamanlis como o desengonçado Tim.
— Viu só? Vocês vão ficar bem, voltar a ser uma família e...
— Eles não substituem você.
Sorrio largo, coração quentinho ao ouvir isso. Kyra não é de demonstrar sentimentos, de dizer o que sente, mas essa frase demonstra o quanto me ama também.
— Não quero ser substituída, não é preciso! Ter pessoas ao nosso lado é importante, e não tem quantidade de vagas a serem preenchidas. Podemos ser felizes com poucos e verdadeiros amigos, assim como com muitos deles.
Ela suspira e não responde.
Seguimos sem falar mais nada até o hospital onde ela veio para exames após a doação da medula para Tessa. Eu vim trazê-la e a busquei após o procedimento. Queria ter ficado ao seu lado também, mas ela me contou – com a voz cheia de felicidade – que seu irmão mais velho fazia questão de estar lá para segurar sua mão.
— Então é isso, chegamos! — Ela sorri nervosa. — Ando ansiosa para saber se o transplante deu certo.
— Tenho certeza de que deu e que em breve vamos ter essa garotinha correndo para lá e para cá.
— Eu sei, confio nisso. Tessa merece ter a infância que nos foi negada, merece ser feliz.
Meu coração se aperta.
— Você também merece ser, Kyra.
Ela me encara.
— Então fique!
Ai, merda, ela não joga para perder!, penso ao vê-la ir para o hospital, torcendo para que tudo dê certo, porque já chega de sofrimento para os Karamanlis.
Ando de um lado para o outro dentro da sala de reuniões da K-Eng. Estou nervoso com toda essa situação da empresa, auditoria sobre a gestão de Theodoros, Millos como CEO interino, Kostas estranho de um jeito que nunca vi.
Está tudo tão confuso que parece que chegamos àquele ponto da vida que é uma espécie de divisor de águas. Algo me diz que nada mais voltará a ser como antes, e, posso estar sendo exagerado, mas sinto o vento de mudança chegando forte, passando por Theodoros agora. Eu só não sei quem será o próximo a senti-lo.
O celular vibra alto no tampo da mesa, e eu corro para ele.
“O exame mostrou que está tudo bem comigo, já me recuperando. O médico disse que esse cansaço é normal.”
A mensagem de Kyra me faz sentar-me na cadeira, as pernas bambas e uma leve camada de suor gotejando em minha testa. Sei que tudo é simples, mas todos estamos colocando tanta expectativa sobre esse transplante que eu tenho medo de algo dar errado, afinal, somos os Karamanlis.
“Alguma notícia sobre Tessa?”
Questiono-lhe, e ela logo retorna:
“Não, Theo já está aqui comigo agora. Eles ainda estão aguardando para ver o resultado, mas estão confiantes.”
Respiro fundo e tento não sentir ciúmes ou mesmo emitir qualquer opinião pessimista sobre meu irmão mais velho. Kyra foi a mais afetada de todos nós com o que Theodoros fez no passado, isso é inegável, e ela ter podido perdoá-lo demonstra seu amadurecimento.
Eu não sinto raiva do meu irmão, apenas não sinto nada por ele. Fui ao hospital conhecer Tessa, também conheci a Duda Hill pessoalmente, fiquei encantado com as duas e achando o Theodoros um filho da puta sortudo por tê-las. Como diz o Chicão, o destino é um misto de carma e escolhas, e, mesmo que as escolhas de Theo tenham sido falhas, seu carma foi bonzinho.
“Samara quis ficar também. Ela me trouxe até aqui. O que eram aqueles olhares no jantar? Eu te conheço e sei que você não vale muita coisa, então não estrague tudo de novo.”
Abro um sorriso, porque realmente minha irmã me conhece bem. Minha única intenção é não deixar o espanhol levar a melhor e tirá-la de nós. Tenho certeza de que, se Kyra souber meu propósito, irá me apoiar, pois também não quer que Samara vá embora. No entanto, prefiro não dividir com ela a ideia que tive.
Aquele jantar foi estranho, principalmente quando Samara e o espanhol foram embora. Eu estava de saco cheio já das alfinetadas da Kyra e da loucura da Laura, falando como se tivéssemos um relacionamento.
— Para mim também já deu! — anunciei, e Laura arregalou os olhos. — Se você não quiser ir, pode ficar.
— Eu vim com você, volto com você! — disse com um sorriso doce. — Kyra, foi um prazer conhecê-la!
Minha irmã jogou mais um de seus olhares recriminadores e depois correspondeu ao sorriso.
— O prazer foi meu!
As duas se cumprimentaram, e, antes de irmos embora, Laura pediu para que eu a esperasse ir ao banheiro. O americano que acompanhou minha irmã estava no caixa, pois fez questão de pagar a conta, e então Kyra aproveitou para colocar em palavras todos os olhares que recebi naquela noite.
— Odeio pensar que você a está iludindo. Sinceramente, eu nunca poderia esperar uma atitude dessa vinda de você!
— Não estou iludindo ninguém! Temos transado com alguma regularidade, não nego, mas juntos por meses foi loucura da cabeça dela.
— Ela parecia bem sã e consciente do que nos contou no banheiro. — Kyra parecia realmente puta com essa história. — A garota conhece você, me convenceria fácil sobre o relacionamento se eu não soubesse o quanto você é fodido para isso também.
Resolvi ser sincero.
— Eu não entendi isso que rolou aqui hoje, mas foi um bom alerta de que essa “constância” com Laura precisa acabar.
Kyra desviou os olhos para o fundo do salão e sussurrou:
— Boa sorte com isso, porque ela não parece disposta a largar o osso de jeito nenhum. — Riu. — Samara me disse, ainda no banheiro, que estava feliz por você ter encontrado alguém compatível com você, mas discordo dela, pois não acho que vocês tenham...
— Samara disse o quê? — cortei-a, sem poder acreditar que ela tinha usado essa palavra.
— Voltei! Podemos ir! — Laura ressurgiu e se pendurou no meu pescoço. — Até uma próxima vez, cunhadinha!
Kyra gargalhou, cumprimentou a garota e foi atrás do americano.
— Vamos! — falei. Tirei as mãos dela de mim, resgatei a moto e, quando paramos em frente ao prédio em que ela mora, resolvi esclarecer as coisas.
— Eu não sei se foi alguma brincadeira ou se você realmente está levando a sério essa coisa toda de cunhada, relacionamento sério comigo e etecetera. — Laura arregalou os olhos. — Não temos isso, Laura, e você sabe. Nós trepamos algumas vezes, mais do que eu costumo fazer, confesso, mas foi somente isso.
— Tem certeza? — Seus olhos estavam brilhando de raiva, e eu conhecia bem demais esse sentimento para ignorá-lo. — Então qual foi o motivo do convite? Te proteger de parecer um idiota babão para sua amiga e o noivo dela? Não conseguiu!
— De que merda de proteção você está falando? Não tem...
— Alexios, eu não sou idiota e não gosto quando tentam me usar como se eu fosse. Assim que chegamos ao restaurante e ganhei a primeira olhada surpresa dela, percebi que algo estava rolando e que eu estava sendo usada para disfarçar isso.
— Não tem nada rolando entre mim e Samara, ela está comprometida e não é esse tipo de pessoa. — Irritei-me. — Bom, o assunto somos nós dois, não ela, então, sobre nós dois: não existe relacionamento, e acho melhor pararmos de fazer sexo para evitar confusões futuras.
Ela começou a rir, mostrou-me o dedo do meio e disparou, antes de virar as costas e entrar no prédio:
— Vá se foder, Alexios Karamanlis!
Fui para o Castellani me sentindo mais aliviado e, ao passar pelo andar de Samara, subindo dentro de elevador, senti vontade de ir até o apartamento dela e desmentir Laura, dizendo que tinha acabado porque não éramos compatíveis, assim como ela não o era com o espanhol.
Não soube mais de Samara nesses dias todos. A confusão armada aqui na Karamanlis, bem como a pressão de Kostas e Kika para o término dos projetos da Ethernium me consumiram a tal ponto de eu não pensar em mais nada.
Quer dizer... começo a rir sozinho com meus pensamentos. Pensei em sacanagem, acordei várias vezes durante a noite, excitado e duro como uma pedra, necessitado de tocar uma. Usei aquela noite do beijo com Samara como inspiração para gozar todas as vezes. É louca essa situação de ter alguém para fantasiar. Nunca precisei disso, bastava apenas imaginar umas sacanagens bem sujas e pronto.
Ter um rosto nas imagens sacanas já é uma novidade, e esse rosto ser o de Samara é algo que nunca sonhei em acontecer. Não por ela, mas por eu ter sempre reprimido qualquer tipo de atração ou pensamento libidinoso sobre minha amiga. Sempre tive receio de estragar as coisas, não só para mim, para Kyra também, e um envolvimento sexual com Samara seria problemático.
Ainda é, reconheço, porém ela já não é mais uma menina, e eu não sou mais o total cabeça de vento drogado de antes. Continuo fodido, seco, revoltado e cheio de raiva, mas já não tento me matar a todo instante. Desde que os dois tenham consciência de que é somente para aplacar a vontade, ter alguma diversão, estaremos seguros.
Suspiro. Deve ser foda trepar com alguém com esse nível de intimidade que temos, e essa é uma das coisas que mais me excitam. Samara me conhece, e eu a ela, sabemos praticamente tudo da vida um do outro. Entretanto, nessa área, não sabemos de nada. Eu fico imaginando como ela gosta, como serão os seus gemidos, como será sentir sua boca em minha pele e o sabor de sua boceta.
Meu pau endurece com a simples imaginação, e eu preciso arrumá-lo sob a roupa, jogá-lo para baixo, porque, de lado ou para cima, dá um volume enorme.
Eu queria tocar uma... Hum, não... eu queria foder agora!
A imagem dos cabelos volumosos e cacheados, ao natural, presos em minhas mãos, a bunda empinada em minha direção, o corpo apoiado na mesa e meu pau deslizando macio e molhado para dentro dela, saboreando, explorando, reconhecendo toma minha mente em cheio. Irei devagar para saber até onde ela me aguenta. Eu tenho um pênis de tamanho considerável, então fazer essa “medição” é fundamental para não a machucar.
É por isso que eu gosto tanto de comer o cu. Não tem fundo, posso enterrar até as bolas sem nenhuma preocupação de bater em algum órgão sensível. Se ela me aguentar na largura, o comprimento não será problema.
Bufo como um bicho e apoio as mãos na mesa. Não tenho por que ficar excitado no horário do expediente, não se não for para trepar com ela até perdemos a razão e conseguir tirar o espanhol da jogada.
— Já está tudo bem mesmo? — pergunto a Kyra.
— Foi só uma indisposição, mas já estou em casa. Estou esperando o resultado dos exames, mas tenho andado tão ansiosa que não estou me alimentando direito.
Fico nervoso, temo que ela fique doente também.
— Precisa comer, acabou de doar a medula. Quer se mantar?
— Fique calmo, eu vou! Samara está até aqui cozinhando. — Kyra ri. — Eu estava com saudades da comida dela.
Abro um sorriso, visto minha jaqueta e pego o capacete.
— Estou indo aí!
Não a espero falar nada, porque não quero que tenha tempo de me dispensar alegando que é um de seus programas girl only. Samara está lá, e, além da oportunidade de ver Kyra pessoalmente, não posso perder a chance de provocar mais reações em minha amiga.
Paro um instante ao me lembrar do espanhol. Não sei se ele está por lá. Prefiro pensar que não, afinal, Kyra está convalescente, não seria bom para ela um monte de gente em seu apartamento. Então, caso o espanhol esteja lá, é melhor ir se preparando para sair.
— Alexios! — Kostas me cumprimenta assim que entro no elevador. — Foi bom ver você, eu queria uma indicação.
Franzo o cenho.
— Vai construir algo?
Ele ri, e isso, por si só, já me surpreende.
— Não, preciso encomendar um móvel e me lembrei daquela sua amiga, a que estava no baile dos Villazzas.
— Samara Schneider. — Ele assente. — A empresa não trabalha mais para pessoas físicas, mas ela é designer de interiores, pode fazer o projeto e indicar um local para a execução.
— Ótimo!
Pego o telefone e envio o contato profissional de Samara para ele. Nunca estive no apartamento onde Konstantinos mora, mas sei que é aqui perto, uma espécie de home office já todo mobiliado. Embora curioso, não questiono o que ele quer fazer, satisfeito apenas por ele propor mais um trabalho a ela, mostrando-lhe que seu local de trabalho perfeito é realmente aqui, em São Paulo, não em Madri.
Kostas agradece – surpreendente mais uma vez – e sai do elevador andando firme e sem olhar para ninguém, como está acostumado a fazer. Meu irmão virou um trator, aprendeu a passar por cima antes de ser esmagado. O fato de Theodoros estar passando por uma auditoria só demonstra que ele não esquece quem o machuca e segue implacável para ter uma revanche.
Cada um lida com suas merdas da forma com que acha melhor. Kostas se apoiou nessa vontade de fazer Theo pagar, já eu não culpo outra pessoa senão Nikólaos Karamanlis por tudo o que nós passamos, e essa raiva é o que me manteve vivo por muitos anos. Tenho certeza de que o momento de deixá-la ir chegará, e eu vou beber e comemorar sobre a sepultura daquele porco desgraçado.
Enquanto isso, convivo comigo mesmo, com meus traumas, com minha própria culpa por não ter sido um irmão melhor para Kyra e contenho a raiva dentro de mim, amenizando-a com coisas paliativas, como Chicão me ensinou.
Cumprimento o porteiro de Kyra, que já me conhece e libera minha entrada sem nem mesmo interfonar. Aguardo ansioso dentro do elevador, afiando minha língua para fazer com que o espanhol voe para fora daqui, caso esteja no apartamento de minha irmã.
Toco a campainha, e é Samara quem me atende.
Porra!
Os cabelos dela estão naturais como eu os fantasiei mais cedo, embora presos no alto da cabeça. O aroma que sai dela é delicioso, agridoce, especial, e eu tenho certeza de que ela fez alguma das receitas de sua família.
Aproximo-me dela e a faço arregalar os olhos, aspiro o cheiro e abro um sorriso.
— Cordeiro!
Samara ri, cruza os braços e faz sinal com a cabeça para que eu entre.
— Claro! Kyra dormiu, ainda nem comeu, mas avisou que você estava vindo para cá.
Olho para todos os lados, à procura do cara de fuinha, mas nem sinal dele por aqui.
— Estão sozinhas?
Ela me encara por alguns segundos e concorda.
— Veio jantar ou só saber da Kyra?
Ah, Samara... porra!
— Você acha que eu recusaria a oportunidade de comer algo seu?
Imediatamente ela fica vermelha e desvia os olhos. É delicioso saber que entendeu bem o que eu quis dizer, mesmo que ainda não esteja pronta para responder à altura.
— Então se sente à mesa, porque já está pronto.
Samara sai da sala segura, e isso me deixa um tanto inseguro. Sua voz não demonstrou nada do que vi acontecer em sua expressão, muito menos o seu corpo. Será que entendi errado, e ela já não compartilha esse desejo louco comigo?
Vou até o quarto de Kyra e dou uma espiada em minha irmã, a cabeça martelando com a reação de Samara. Passo no lavabo, lavo as mãos antes de ir para a sala, e, nem bem me sento, a personificação das minhas fantasias aparece, já sem avental e com os cabelos soltos, carregando uma assadeira.
Levanto-me apressado para ajudá-la e coloco o utensílio, incrivelmente cheiroso, no tampo da mesa. Viro-me de repente para elogiá-la pelo aroma, mas acabo trombando com ela e a seguro pela cintura para não cair.
— Desculpa — falo tão perto de seu rosto que posso sentir o calor de sua respiração. — Eu ia dizer que está muito cheirosa sua comida.
Ela engole em seco, e acompanho os movimentos de sua garganta. Meu pau acorda, impulsionado pela proximidade, os contornos de seu corpo e a possibilidade de eu apenas me inclinar mais um pouco e tomar sua boca com mais fome do que a que sinto por seu cordeiro.
Ela me encara, o desejo lá, tirando todas as dúvidas que eu tinha sobre ter entendido errado, mas se afasta.
— Obrigada, mas recomendo comer para saber se o sabor está a contento.
Respiro bem fundo, o pênis latejando e criando volume na calça, com vontade de bufar feito um touro pronto para a monta, enquanto ela parece a serenidade em pessoa, falando da comida, sorrindo simpática.
Ela está sob controle, talvez por conta de seu compromisso com o espanhol, e isso é algo com que eu não contava.
Sento-me à mesa, e ela volta para a cozinha. Fico um tempo analisando tudo, reprogramando estratégias, porque, mesmo que não queira demonstrar, ela sente, só precisa de um pequeno empurrão.
Sorrio.
Ah, nada melhor do que trazer à tona o “anjo caído” e tentá-la até que se renda ao pecado.
Encosto-me à bancada da cozinha e respiro fundo, grata pela planta do apartamento de Kyra não ser moderna, e a cozinha estar separada da sala. Controle-se!, exijo a mim mesma, um tanto trêmula, arrepiada e, confesso, molhada.
Ainda não entendo o que está havendo com Alexios. O homem é mais estranho do que qualquer pessoa que já conheci, essa é a verdade! Eu nunca pensei que teríamos esse tipo de clima entre nós, sempre imaginei que ele não me enxergasse como mulher, então vieram os beijos, as carícias, a malícia e o toque.
Poderia ter sido simples, mas logo Alexios veio com a história de não sermos compatíveis e sumiu, mas bastou a gente se reencontrar naquele bendito restaurante japonês, e, mesmo diante de nossa incompatibilidade, a energia sexual se tornar tão presente a ponto de fazer com que Diego não só percebesse o clima, como também decifrasse meus sentimentos.
Não entendo!, suspiro. Alexios é uma contradição ambulante ou, simplesmente, alguém que não consegue manter uma decisão firme. Por que o interesse em mim? Por que esse jogo de quero/não quero para o meu lado?
Bufo, irritada, e pego a travessa com salada e a outra com arroz. Não esperava ter que lidar com ele hoje, pensei em apenas ficar um pouco com minha amiga, cuidar dela e lhe dizer o quanto me sinto orgulhosa de sua força, coragem e gesto. Preparei uma das receitas que ela mais gostava de comer, mas logo percebi que Kyra estava mais cansada do que com fome.
— Malinha! — ela me chamou. — Alexios vem me visitar, mas eu acho que não vou conseguir esperar nem por ele, nem pelo jantar.
Bocejou e fechou os olhos.
Nem tive oportunidade de falar nada, porque ela logo estava ressonando, e fiquei seriamente tentada a não terminar a refeição e dispensá-lo assim que chegasse.
Obviamente, não fiz isso! Olho para as travessas em minhas mãos e volto para a sala com o firme propósito de compartilhar o alimento com ele e logo depois comunicar que também estou cansada e que quero ficar sozinha com Kyra.
Não sou um brinquedo para ser tratada desse jeito – ora ele me quer, ora não – e não vou ceder com apenas algumas frases maliciosas e olhares sugestivos. Ele está muito enganado! Já não me derreto com a simples possibilidade de tê-lo, e isso confere um poder sobre mim mesma que nunca tive em se tratando dele.
Se Alex realmente me quiser, terá que ser direto e explicar como e o que quer comigo. Não nego que vibro inteira só de pensar nisso, mas preciso ser racional e analisar se me envolver com ele, conhecendo-o como conheço, é uma boa ideia.
Alexios não se envolve emocionalmente com nenhuma de suas parceiras, não sabe amar e nem acredita em sentimentos, a não ser no que sente pela irmã. O pior é que nem com Kyra ele se dá conta de que sua preocupação, proteção e culpa são ligadas ao sentimento fraterno; ele acha natural se sentir daquela forma apenas por ela ser sua irmã mais nova.
Caso ele revele o que quer, e eu decida aceitar o que ele propor, preciso estar consciente de que é apenas algo passageiro, uma prova, uma experiência para, quem sabe, conseguir desencanar e seguir adiante, pronta para relacionamentos mais profundos e sérios.
— Uau, tinha me esquecido de como você apresenta um simples prato de arroz — Alexios comenta assim que volto para a sala e deixo as travessas na mesa. — Senti falta de você durante todos esses anos, Samara.
Porcaria! Retenho o fôlego para me impedir de tremer.
— Achei que nem se lembrasse mais da minha existência, afinal, não recebi uma mensagem ou telefonema.
— Eu sei — o jeito evasivo da resposta me decepciona. — Eu não esqueci, apenas achei que você quisesse um tempo.
— Por ter ido embora sem me despedir? Alexios, você sabia que eu poderia ir para a Espanha a qualquer momento, falamos disso...
— Sim, mas não entendi sua atitude de ir sem ao menos um adeus. — Seus olhos ficam fixos nos meus. — Não até entender que eu, de alguma forma, a magoei. — Ele pega minha mão por cima da mesa. — Não me lembrava do que tinha feito e peço desculpas por isso.
Aperto os olhos, desconfiada, não comprando essa demonstração de humildade repentina.
— O que você quer, afinal? — decido eu mesma ser direta. — Achei que já tivéssemos deixado claro que não éramos compatíveis e que...
O telefone dele começa a tocar, e eu faço sinal para que atenda, levantando-me da mesa com a desculpa de pegar bebidas.
Escuto-o falar com alguém, sua voz se tornando mais alta a cada momento. Retorno para a sala e o encontro andando de um lado para o outro, visivelmente nervoso.
— O que houve?
Alexios xinga, vira-se de costas para mim, olhando para a noite. Fico quieta, mas continuo na sala. Percebo que ele tenta se acalmar e o deixo fazer isso no seu tempo.
— Alguém ligou para me aconselhar — sua voz baixa não me engana, sei que está possesso de raiva. — Disse que é melhor eu deixar o passado morto e enterrado, ou terei que lidar com a podridão da minha existência.
Aproximo-me dele, mas não o toco. Sei bem que ele odeia pena ou qualquer tipo de demonstração de compaixão pela sua história.
Alexios percebe que estou perto e se vira para me encarar.
— Eu preciso descobrir essa história, preciso entender o que houve, mesmo que a mulher que me gerou não esteja mais viva.
Concordo! Ele nunca teve paz por causa de todas as coisas que seu pai lhe disse e fez durante sua infância e adolescência, nada mais justo do que descobrir a verdade e tirar qualquer poder daquele verme.
— Nós vamos descobrir! — incentivo-o. — Você já foi até o sobrado?
— Uma vez — seu olhar vagueia pela sala ao dizer isso. — Não passei do salão principal, comecei a me sentir mal ao me lembrar de tudo o que vi e fiz naquele local.
Não conheço a história que ele tem com o tal sobrado, achei que era somente uma pista sobre a mãe, mas parece haver mais.
— Quer voltar lá? — pergunto, e ele assente no mesmo instante. — Vamos juntos dessa vez.
— Samara, eu não...
Venço a pouca distância entre nós e ponho o dedo sobre sua boca.
— Vamos juntos! Lembra quando eu tinha medo de pegar a bola nas vezes em que ela caía no jardim atrás da quadra? — Ele sorri ao se lembrar. — Era o jardim mais malcuidado do condomínio, parecia uma mata, e eu morria de medo de encontrar algum bicho.
— Você sempre foi péssima boleira, sempre que era queimada e ficava na ponta, todo mundo logo sabia que você não iria conseguir resgatar as bolas sozinha.
— Você sempre foi comigo e nunca reclamou.
Alexios respira fundo.
— Não é a mesma coisa, Samara. Aquele local não é um jardim malcuidado, cheio de plantas e escuro. É um antigo bordel onde muitas atrocidades aconteciam, inclusive à força. Lá dentro é podre, é pesado, é...
— Para você, Alexios! Eu nunca estive lá, o local não significa nada para mim, mesmo que eu estremeça só de pensar nas coisas que lá aconteciam. Você entrava no jardim comigo porque, para você, não passava de um amontoado de plantas. Eu vejo aquele sobrado como uma construção decadente e abandonada, nada mais, não vejo os bichos e fantasmas de lá.
Ele toca meu rosto com carinho, e eu fecho os olhos, sentindo uma energia gostosa se desprender da ponta de seus dedos e agitar meu corpo todo.
— Você é incrível! — Volto a olhá-lo. — Parece ser tão frágil em alguns momentos, mas é muito mais forte que eu.
Nego.
— Cada um tem seu ponto fraco. Eu sempre te vi como um herói, sempre nos protegendo, preocupado com Kyra, mas esse assunto sempre foi sua criptonita. — Alexios sorri com a comparação. — Eu só o via se desestabilizar quando algo relacionado ao seu passado aparecia. Nunca o vi chorar por causa das marcas roxas no corpo, mas via seus olhos cheios d’água quando ele atingia você com essa história.
— Eu sei que parece bobagem eu dar tanta importância...
— Não é! Enquanto você não souber, seu pai continuará tendo o poder de te machucar. Descobrir sua história é tirar dele a arma que usa para te ferir. Não é bobagem, Alexios!
Sou puxada para seus braços em um abraço apertado. Ele está trêmulo, frio, machucado. Não é bobagem! Alexios precisa dessas respostas para ser feliz e seguir em frente.
— Quando poderemos ir até lá? — indago baixinho.
— Amanhã. — O abraço se afrouxa, mas ele não me solta. Eu concordo com a data com um gesto de cabeça. — Não sei o que vamos encontrar, nem se vamos descobrir alguma coisa, não sei o quão suja essa história é, mas te ter comigo me torna mais forte para enfrentar o que for.
Meu coração bate descompassado ao ouvir isso, e meus olhos se enchem de lágrimas. Nunca tive a dimensão do quanto ele me considerava, porque sempre me via como aquela que estava lá para ele e não era vista. Talvez eu tenha tido uma percepção errada, e Alexios não só me via, como também o simples fato de eu ter estado ao seu lado lhe tenha dado forças para continuar vivo.
— Não! — Ele limpa meus olhos úmidos com beijos. — Não quero te ver triste, Samara.
— Não estou — asseguro-lhe, deslizando os dedos pelos seus cabelos. — Estou confiante de que vamos ter respostas e certa de que, independentemente do que descobrirmos, estarei ao seu lado.
Alexios fecha os olhos e encosta sua testa na minha. Sinto que ele deseja dizer algo, mas não consegue. Não precisa! Não é preciso palavras entre nós sobre nossa amizade, nunca tive dúvidas dela.
Minha questão com ele sempre foi eu querer mais do que ele poderia me dar. Concordo com isso, sei que ele nunca poderia me amar como eu o amo, por vários motivos. Alexios nunca poderá amar ninguém se não conseguir amar a si mesmo!
Ele abre os olhos. Eu sempre me sinto impactada pela coloração deles, entre o azul e o mais puro verde, límpido, quase transparente. Sinto a ponta do seu nariz roçar no meu, sorrio, gostando da carícia, mas, antes que eu processe o que ele pretende, seus lábios encostam nos meus, suaves, um leve roçar, nossos olhares ainda fixos um no outro.
— Eu quero você!
A confidência inesperada me surpreende e, ao mesmo tempo, confirma algo que ele já vinha demonstrando há algum tempo, mesmo que eu ainda não entenda os motivos.
— Por quê? — inquiro.
— Não sei. — O movimento de sua boca falando comigo é uma carícia deliciosamente perversa. — Eu sou fodido, mas você sabe disso. Não tenho nada a esconder, não represento nenhum mistério. Não posso fazer nada mais além de te querer, mas, ainda assim, te quero.
— Eu sei.
Alexios se afasta, e eu percebo que deixou a decisão sobre o que irá acontecer entre nós para que eu a tome. Como eu queria, colocou as cartas na mesa; agora espera uma decisão.
Sinceramente, acho loucura me envolver com ele sentindo o que sinto. Contudo, passei anos desejando-o, frustrada ao vê-lo sair com outras mulheres e nunca olhar para mim. Racionalidade! Preciso ter em mente que ele não vai me dar nada além de sua amizade e seu corpo.
Suspiro.
— O cordeiro deve ter esfriado... — tento fazer troça, mas ele não cai.
— Por mim, que gele! — Rio, notando seu desconforto com sua excitação. — Sim, eu estou fervendo, Samara, há muito tempo. Sei que você não é do tipo que trai, respeito isso, mas manter minhas mãos, minha boca e meu pau longe de você está sendo uma tortura.
Ele ainda não sabe sobre Diego! Isso me dá tempo para pensar no que devo fazer com relação aos meus sentimentos e o tesão que sinto.
— Não, eu não sou desse tipo, Alexios.
Ouço sua respiração ruidosa, quase um bufo e o observo pegar a jaqueta e o capacete.
— Obrigado pelo jantar, tenho certeza de que está delicioso! — agradece ao passar por mim e seguir para fora do apartamento.
Olho para a mesa posta, a comida ali esfriando, mas realmente não consigo pensar em mais nada a não ser no que ele me falou e na proposta implícita.
Ele me quer, e eu sempre o quis!
Esperei por ouvir isso, por senti-lo do jeito que tenho sentido, por anos. Conheço-o bem, como ele mesmo admitiu, sei até onde ele consegue ir e o que lhe é impossível de sentir. Não estou enganada ou iludida, basta apenas decidir se quero arriscar ainda mais meu coração.
Trabalhar foi quase uma missão impossível hoje! Senti-me o Tom Cruise em um dos filmes mentirosos dele e, para piorar, tive duas reuniões em que tive que fingir que estava prestando atenção e entendendo tudo.
Que grande fraude!
Minha cabeça só tem espaço para dois assuntos: a visita ao sobrado e Samara. Bem, como ela também está incluída na visita, posso então dizer que monopolizou minha mente o dia todo.
Passei as horas entre receoso e excitado, ambos os sentimentos em níveis astronômicos. O receio, claro, é sobre o que eu poderei achar naquela maldita casa, e a excitação nada tem a ver com isso, é exclusivamente causada por Samara. Gemo ao me lembrar da noite passada, do modo com que a senti tão perto, como ela é especial, o medo que tive de magoá-la e perdê-la, mas que foi sufocado pelo desejo de provar seu corpo.
Eu a quero, e não quero pouco!
É foda sentir esse tesão todo misturado ao sentimento de amizade. Tudo fica mais intenso, o fato de ela me conhecer e saber o que deve ou não esperar de mim potencializa ainda mais esse desejo. Não preciso me conter, não tenho a frieza distante que mantenho com outras parceiras, não tenho medo de ser quem eu sou.
A única coisa que ainda está fodendo tudo é o espanhol e o fato de eu ter feito a burrice de dizer a ela que deveria investir em alguém compatível. Ainda penso nisso, que ela merece achar alguém que tenha os mesmos propósitos, que possa amá-la, formar uma família, criar filhos e aquele jabuti enfurecido.
Esse não sou eu, e ela sabe disso.
Entretanto, também não é o espanhol, e eu preciso mostrar a ela!
O único ponto do meu dia em que Samara não esteve presente foi quando Cris entrou em contato comigo para comunicar a invasão de mais um dos prédios sob guarda da Karamanlis e a presença de crianças nele. Imediatamente acionei alguns amigos envolvidos nesse tipo de movimento pró-moradia e disponibilizei alguns profissionais para que garantissem a segurança dessas pessoas em questão de instalações elétricas.
Sim, eu disse a vocês, sou uma fraude!
Enquanto Theodoros e Kostas ficam desesperados procurando um meio de retirar as pessoas dos prédios, afinal, isso é da responsabilidade deles, não sabem que seu irmão mais novo mantém contato com líderes desse tipo de movimento e tenta resguardar o mínimo de dignidade a essas pessoas enquanto estão dentro de um prédio nosso.
Não sou santo, vocês sabem! Não faço isso porque sou empático ou mesmo porque estou preocupado com a questão de moradia do nosso país. Faço apenas o que acho ser certo enquanto a justiça – lerda e nem sempre justa – analisa o caso. Inevitavelmente a Karamanlis ganha a retomada da posse e consegue tirar todas as pessoas dos prédios, e eu fico com a consciência tranquila ao ver todos saírem em segurança, sem nenhum problema com instalações malfeitas e mortes por incêndios.
Isso aconteceu uma vez, e foi quando tomei a decisão de fazer algo para ajudar. Não apoio ou incentivo as invasões, mas entendo os motivos e conheço alguns líderes sérios desses movimentos. Conheci uns picaretas também, que só queriam extorquir dinheiro, ameaçar e lucrar em cima do desespero alheio e do que não lhe pertencia.
O fato é que, independentemente da liderança, são pessoas ali dentro, e elas merecem o mínimo de segurança, não ser mortas carbonizadas por conta de gambiarras. O resto é com a justiça, deixo isso nas mãos competentes de Konstantinos e nas decisões racionais de Theodoros.
O prédio invadido irá abrigar mais de 50 famílias. Cris marcou uma reunião com os líderes e ofereceu ajuda. Eles não sabem meu nome e nem o quanto estou envolvido. Faço isso anonimamente, principalmente se for de grupo desconhecido, pois já sofri chantagem de um líder mau-caráter que queria me expor.
— Tem o levantamento da quantidade de crianças? — perguntei durante nossa conversa.
— Sim, enviei para aquele seu e-mail — Cris respondeu. — A situação é muito precária, a maioria chegou somente com a roupa do corpo e tem muito imigrante, tanto quanto eu nunca vi.
Respiro fundo.
— Levante profissões e tente enquadrar quem der em alguma empresa parceira. A situação não anda boa em questão de empregabilidade, mas não custa tentar. São venezuelanos?
— A maioria, mas têm alguns vindos da África também.
— Certo, Cris, fique de olho. Provavelmente vão alertar o jurídico da Karamanlis ainda essa semana, e, conhecendo o Kostas, ele vai pedir logo uma liminar para a retirada das pessoas. Veja como conseguimos ajudar.
— E o Porto Seguro?
Olhei para todos os lados, assegurando-me de que estava sozinho, fechei a porta e respondi:
— Faltam algumas liberações ainda, mas em breve vamos conseguir usá-lo, porém sabe que não vamos conseguir atender a todos.
— Sim, temos uma lista prévia, e o Pacheco já organizou estatutos e convenções para serem aprovados depois entre os que ficarão responsáveis. Foi um belo gesto, chefe.
— Não fiz sozinho, e você sabe.
— Sei, mas a ideia foi sua!
Encerramos a ligação, e eu fiquei pensando em há quantos anos estou empreendendo o projeto chamado “Porto Seguro”. São residências em um condomínio para pessoas que não possuem condição de moradia. A execução do projeto contou com o apoio de várias ONGs, e, anonimamente, fiz todos os projetos. É algo sustentável, com economia local, uma espécie de experimento de um modelo único e que, se der certo, pode revolucionar o modo do governo pensar em moradia popular.
Envolvi-me nisso, a princípio, como uma forma de anarquia – já disse que sou ateu, mas também sou revoltado com a forma de política que temos hoje – e queria ver a sociedade civil fazendo algo com menos recursos e com mais resultados do que os projetos milionários do governo.
Mais uma vez reforço, não sou bonzinho, não faço nada sem que haja uma intenção por trás e convergência com o que acredito. Sou teimoso, gosto de provar minhas razões e desafiar lideranças.
Meu único calcanhar de Aquiles verdadeiro são as crianças. Ver um pequeno em situação de risco desperta em mim o mesmo instinto protetor que tinha com Kyra. Acho que não a ter conseguido proteger como eu queria, faz com que minha eterna penitência seja tentar proteger o maior número de crianças possível. Sei que é humanamente impraticável, mas faço o que posso.
O celular vibra, tirando-me das lembranças sobre o que aconteceu mais cedo, e respiro fundo ao ler a mensagem de Samara sobre se encontrar comigo na rua do casarão e me pedindo o endereço.
“Não, eu vou pegar você para irmos juntos. Vim trabalhar de carro.”
Ela visualiza a mensagem e em resposta envia uma mão com o polegar para cima. Rio e pergunto:
“Onde você está?”
Resolvo fazer graça e envio um emoji pensativo.
“Em casa, no Castellani.”
Gargalho com a figura que ela me manda junto à resposta, uma caveira sentada na cadeira esperando.
“Estou saindo daqui, não precisa morrer de esperar!”
O emoji escolhido dessa vez por ela é a de uma piscada com a língua de fora.
Guardo o celular no bolso e saio sorrindo da sala de reuniões. Adoro essa interação com Samara, não tenho isso com mais ninguém, ela me deixa leve, feliz, como se toda a raiva acumulada dentro de mim desaparecesse por algum tempo. Só ela consegue isso, é assim desde que meu tormento começou na infância.
Encontro-me com Millos na portaria, saindo apressado, parecendo tão aéreo que nem mesmo nota que suas mangas da camisa estão enroladas, e suas tatuagens, de fora.
— Ei, algum problema?
— Não, tudo certo! — sua resposta não me convence.
— Millos, o que está acontecendo?
— Nada.
Vejo-o sair em disparada, acentuando ainda mais minha percepção de que algo estranho aconteceu ou está acontecendo com ele. Bom, cada um com seus problemas! Eu entendo que há situações para as quais nós mesmos precisamos buscar soluções.
Dirijo até o Castellani, e, mal estaciono na frente da garagem do prédio, Samara salta para dentro do carro.
Encaro-a, olhos arregalados, sem entender o que ela pretende.
— Só faltou a touca ninja! — debocho, rindo.
Ela faz careta, mas posso ver que está tentando não rir.
— Não sabia o que vestir e estava nervosa. — Ela abre a bolsa de lona que trouxe, e vejo inúmeras lanternas. — Acha que alguma dessas vai servir?
Gargalho sem me conter.
Estamos indo para o local que foi um verdadeiro inferno na minha vida, onde há poucos dias não consegui passar do salão principal, tanto que os fantasmas de lá me incomodaram, e ela consegue me fazer rir!
Olho-a de cima até embaixo, desde os cabelos preso em um coque, passando pela blusa de mangas longas e gola alta, a calça de malha – dessas de malhar – e as botas. Tudo preto, inclusive as luvas de couro que traz em suas mãos. Ainda bem que não as calçou, porque senão iriam pensar que estávamos indo cometer crimes!
— Eu pretendo estar fora daquele local antes que a noite chegue.
Samara balança a cabeça.
— Como você pode fazer cálculos de engenharia e não conseguir calcular tempo? É óbvio que vamos demorar muito por lá! Vamos vasculhar cada canto, cada cômodo, e, pelo que você já deu a entender, a tal casa é grande.
Sou obrigado a concordar com ela e fico sério, imaginando como seria voltar para aquele sobrado à noite, exatamente o período de mais movimento e onde as piores coisas aconteciam.
De repente Samara tira dois bonés pretos da bolsa e estende um para mim. Enrugo a testa quando uma lembrança se insinua, então sorrio ao pegar a peça.
— Os exploradores do Bloco C! — exclamo. Samara sorri, os olhos brilhando, e eu percebo o que ela está tentando fazer com a roupa e agora com os bonés. — Você quer que eu me sinta em uma aventura, como quando éramos crianças e explorávamos a garagem e a casa da piscina de madrugada.
O sorriso dela se alarga.
— Já que temos que ir lá, por que vamos entrar como se estivéssemos em uma cova? Não! Eu sei que o assunto é sério e importante, mas podemos enxergar como uma caça ao tesouro, e o prêmio é descobrir finalmente algo sobre seu passado. Não vamos deixar que os fantasmas e as lembranças doloridas pesem mais do que o necessário. Vamos entrar lá, enfrentar tudo e ainda sair com respostas.
Meu coração dispara, e me sinto um privilegiado por ter a amizade dela. Sinto os olhos apertarem e os cantos da boca repuxarem de leve. É, estou sorrindo de verdade, e ela é uma das poucas pessoas que consegue isso.
Coloco o boné, sentindo-me meio idiota, mas adorando ver as coisas sob essa nova perspectiva. Ela tem razão, não tem por que darmos mais peso a algo que já é pesado. Abro o compartimento onde guardo os óculos de sol e os coloco.
Samara ri e pega os dela.
Porra! Eu queria beijar essa mulher agora até perdemos a razão!
— Está pronta para entrar no salão do capeta?
Ela ri, sopra o ombro e depois confere as unhas pintadas de preto também.
— Nasci pronta, baby!
Ô, se nasceu! Arrumo-me no banco do motorista, incomodado com meu pau apertado na calça jeans e ligo a seta para voltar à estrada. O perfume dela enche o carro, sua presença é suficiente para me deixar desperto e esfomeado.
— Eu queria trepar com você nesse instante!
Samara engasga, e eu gargalho. Não tinha a intenção de soltar isso assim do nada, mas, já que já saiu, foda-se!
Sinto seus olhos manjando o volume nas minhas calças, e isso faz meu pau se contorcer. Ela geme, pigarreia e liga o som. O refrão de Closer, da banda Nine Inch Nails quase nos ensurdece, e ela desliga o aparelho o mais rápido que consegue.
Paro no sinal vermelho e a encaro, sorriso malicioso, tesão refletindo nos olhos.
— Acho que a banda concordou comigo.
Samara enfrenta meu olhar.
— É? — indaga provocante. — Como um animal?
Ela leva a mão até minha ereção, e fecho os olhos com a carícia deliciosa.
— Se você quiser! Eu só quero foder você, não importa como.
O sinal abre, e ela tira a mão quando um apressado filho da puta dispara a buzina do carro. Respiro fundo, volto a dirigir, mas percebo que ela adorou a brincadeira e a interrupção.
Gostei disso! Ter a mão dela sobre meu corpo foi algo inesperado, mas completamente bem-vindo!
Preciso de mais!
I want to fuck you like an animal!21
Puta merda! Apresso-me a desligar o som do carro, resistindo à enorme vontade de gargalhar de mim mesma. Alexios consegue me desconsertar e me excitar ao mesmo tempo. Estávamos aqui, falando em deixar nossa exploração do tal sobrado mais leve, e, de repente, ele dispara que quer trepar comigo, como se essa frase fizesse parte do contexto da conversa.
Adorei ouvir isso! Já sabia – óbvio, diante de todas as carícias e todos os amassos que já demos –, porém, ainda assim, adorei ouvi-lo soltar a frase quase como se estivesse pensando em voz alta.
Só não soube como responder. Não sei ser direta, nunca fui assim, então, como a idiota que sou, resolvi ligar o som, e a música não poderia se encaixar melhor ao momento.
Alexios comenta o mesmo que pensei agora:
— Acho que a banda concordou comigo.
Encaro-o. Estamos parados no farol vermelho. O carro dele é blindado, com película preta em todos os vidros. Isso me ajuda a tomar coragem e agir de um jeito que nunca pensei em fazer, mas que agora acho que é o momento de começar.
Ele merece um pouco do próprio veneno!
— É? — minha voz sai sussurrante. Passo a língua timidamente pelos lábios. — Como um animal?
A calça dele se move novamente, como a vi fazer antes, seu pau pulsando sob o tecido grosso. Sempre quis tocá-lo, sempre quis saber se era verdade o que as outras garotas comentavam sobre ele ser magro, mas ter o pênis grosso como um braço.
Deve ser um total exagero, mas por que não comprovar?
CONTINUA
Alexios entra na sala, e eu arregalo os olhos, surpresa. Não esperava encontrá-lo aqui hoje, mesmo porque o engenheiro que acompanha essa obra é outro, ainda que seja funcionário da K-Eng.
— Bom dia, Josué! — ele cumprimenta o homem mais velho e depois me olha. Não sorri. — Bom dia, Samara.
— Bom dia — minha resposta é baixa. O clima é um tanto constrangedor.
Alexios baixa os olhos rapidamente, mas seu olhar procurando algo em minhas mãos não me passa despercebido. Ele está procurando por um anel?
— Estamos só aguardando o cliente e o pessoal da Novak chegarem e...
O celular de Josué toca, e ele pede licença, saindo para a varanda a fim de atender o aparelho.
Sento-me à mesa e abro meu laptop, revisando algumas linhas do projeto, mas, na verdade, estou tentando me concentrar em outra coisa que não Alexios.
— Você está linda — ele fala de repente, e meu corpo inteiro se arrepia. — Gostei do corte de cabelo.
Encaro-o, ainda mais surpresa por ele ter percebido algo tão sutil como a mudança no meu corte, afinal, não fiz nada drástico com minhas madeixas, apenas encurtei-as um pouco e dei uma leve repicada nas pontas.
— Obrigada.
Os olhos dele não escondem toda a curiosidade e desejo, o que me faz ficar sem fôlego. Lembranças dos beijos, do toque, do tesão compartilhado com ele naquela noite me fazem ficar quente e tensa.
Volto a olhar para a tela do notebook, respirando calmamente para me controlar. Alexios é realmente meu ponto fraco, minha tentação, mas eu tomei uma decisão e não vou voltar atrás. Preciso de um tempo comigo mesma, e é isso que vou ter.
— Recebi uma pista sobre minha mãe — ele informa de repente, e eu me levanto assustada.
— Como?
Ele olha para fora, onde Josué está, e respira fundo.
— Alguém entrou em contato e me deu uma pista, mas ainda não achei nada e nem sei se um dia irei.
Sinto dor ao ouvir sua voz. Esse era o único assunto que o fazia se abrir comigo, a falta de identidade por não saber o que houve em seu nascimento. Parece bobagem alguém se importar tanto com isso, mas não é, quando se passa anos ouvindo todo tipo de absurdo de seu pai acerca disso.
Nikkós adorava torturá-lo com essa questão, e eu sei que isso o feriu e o marcou mais do que as pancadas no corpo.
— É mais do que você já conseguiu nesses anos todos — tento motivá-lo.
— Sim. — Alexios se aproxima, e meu coração parecer saltar. — Eu fui até um antigo bordel da cidade para... — ele se interrompe no exato momento em que um engenheiro da Novak entra na sala de reuniões nos cumprimentando. Droga!
Alexios se fecha, põe sua máscara de sempre, o sorriso angelical, e eu sinto uma frustração enorme por não ter conseguido entender a história toda.
— Samara — ele me chama quando eu faço menção a voltar a me sentar, e vou até ele. — Eu nunca agradeci todo o apoio que você me deu esses anos todos nessa história. — O sorriso morre. — Chegou a hora de eu deixar ir e parar de procurar por algo que nunca...
— Não! — interrompo-o. — Não agora, que você tem uma...
— Não deve haver nada lá!
Sorrio.
— Você sempre foi péssimo para achar as coisas! Se lembra dos ovos de páscoa no condomínio? — Ele sorri com a lembrança. — Você nunca achava nenhum.
— E você ganhava sempre!
— Exatamente!
Uma ideia passa pela minha cabeça. Tento rejeitá-la, convencer-me de que é loucura, mas não consigo me conter. Acima de qualquer coisa, somos amigos, e eu nunca deixaria um amigo sozinho em um momento como esse.
— Vou com você procurar.
Alexios arregala os olhos e nega.
— O local é...
— Não importa, vou contigo! — Sorrio para ele. — Essa história também é minha, Alexios, a dividimos por tantos anos que ela passou a ser minha também. Eu quero desvendar esse segredo tanto quanto você.
Ele parece em dúvida.
— Tem certeza disso? E seu noivo?
Noivo? Engulo em seco ao pensar em Diego e em todo esse imbróglio em que estou. Eu tenho, sim, muita coisa a resolver, bem como tomar posse de todas as resoluções que fiz para minha vida daqui para frente, mas Alexios é e sempre foi meu amigo, e eu sempre o apoiarei no que precisar.
— Somos amigos, Alexios, pode sempre contar comigo.
Ele não diz nada, apenas me encara de um jeito que não consigo ler o que pensa. Tenho receio de que rejeite minha ajuda, o que talvez seja o sensato a ser fazer, mas então seus olhos ficam mais apertadinhos e brilham diferente. Sua boca não se move, mas meu coração se enche de alegria.
Aí está o verdadeiro sorriso dele!
— Obrigado! — ele sussurra.
Minha pele se arrepia como se seu hálito tivesse encostado em mim, atravessando a barreira de tecido da roupa. Isso não é bom sinal! Talvez meu oferecimento de ajuda não tenha sido uma boa ideia.
Merda, Samara!
Pense em semanas infernais. Agora realize o pensamento juntando mais de 18 horas de trabalho, finais de semana virados na farra e ereções dolorosamente fora de hora apenas por sentir certo perfume no corredor do Castellani.
Pronto! Agora vocês têm ideia da merda que têm sido meus dias.
Eu sei que vocês irão dizer que a culpa é minha, afinal, fui eu quem disse a Samara que não éramos compatíveis. A questão não é essa, e sim que essa consciência não aplaca em nada o desejo que sinto a cada vez que a porra do elevador passa pelo sétimo andar.
Tento controlar, lembrar que o namorado – noivo? – está aí com ela esses dias todos, mas é algo que está além da minha racionalidade. Ela está além da minha racionalidade! Sinceramente, não sei o que mudou para que eu derrubasse as barreiras de amizade e sentimento fraterno que sempre senti por ela.
Talvez eu tenha finalmente enxergado a mulher que ela se tornou e não mais a menina que eu queria tanto proteger de mim mesmo. A ideia de me envolver sexualmente com Samara sempre foi repelida por mim, não por falta de vontade, mas por ter a noção de que, se nossa amizade já era tão problemática para ela por conta de sua família, imagina se eles desconfiassem que o rebelde, o filho de uma puta, o drogado estava comendo a menininha de ouro dos Schneiders?
Mais do que isso! O que pesou foi o medo de perdê-la, de, após ter saciado o tesão, ela se magoasse e não quisesse mais contato, nem comigo, nem com Kyra. Então, toda vez que a possibilidade passava pela minha mente perversa, eu a ignorava e ia comer outras bocetas por aí.
Exatamente como estou fazendo agora!, constato triste, percebendo que pouco mudei nesses anos todos.
A única interrupção que tive em minha tortura foi a surpresa de minha irmã ser compatível para doar a medula para Tessa e o chamado de Kostas para conversar sobre o sobrado.
Eu tinha aceitado o convite de Millos para tomar uma cerveja e conversar um pouco, achando estranho que ele não tivesse me chamado para ir até seu loft. Sempre que meu primo viaja, ele me convida para ir à sua casa a fim de compartilhar comigo alguns momentos de sua aventura, principalmente fotos de monumentos e paisagens que ele sabe que eu gostaria de ver.
Não aconteceu dessa vez!
Ele chegou há um mês, e nunca o vi mais agitado e esquisito.
— Suas filosofias zen budistas não estão fazendo efeito não? — sacaneei-o em algum momento.
Estávamos em um pub muito bacana da rede Dominus, cercados de gente bonita – principalmente mulheres –, cerveja e petiscos de alta qualidade. Ambos decidimos ficar ao balcão, pedimos uma costela com molho barbecue e chope.
— Não sou zen budista! — retrucou e encerrou o assunto, desviando-o de si mesmo. — Aquele seu amigo ainda está no seu apartamento?
— Chicão? Sim, vai ficar até amanhã, depois seguirá para algum lugar do mundo. Por que o interesse?
Millos deu de ombros.
— Você nunca teve curiosidade sobre ele? Para onde vai quando some ou sobre seus amigos e família?
Estranhei os questionamentos, pois conheço bem essa raposa grega para saber que ele não faz nada sem um sentido por trás.
— O que você está querendo saber de Chicão?
— Absolutamente nada, apenas estava puxando assunto. — Olhei-o desconfiado, pois não me convenceu. — Você soube que seu pai se casou novamente? Theodoros encontrou-se com ele na Grécia e...
— O que te faz pensar que eu me importo com as cagadas de Nikkós? Porra, Millos, que assuntos são esses?
— Desculpe, é que seu amigo Chicão é quase da idade de seu pai, e uma coisa me fez pensar na outra. Besteira. — Ele bebeu o chope. Um longo gole. — Soube que você foi visitar a Tessa.
Respirei fundo, irritado com as misturas de assuntos sem a conclusão de nenhum.
— Fui. A menina é um encanto — tentei ser objetivo e não demonstrar o quanto ver Tessa mexeu comigo.
— Ela lembra muito a Kyra quando pequena. — Ele me olhou por um longo tempo antes de acrescentar: — Parece ainda mais com você, só que em versão feminina.
— Você não tem como saber disso!
Millos e eu só nos conhecemos quando eu já era adulto, e nunca fui do tipo que mostrava fotos da infância para ninguém, mesmo porque é um período que eu prefiro fingir que não existe.
— Eu vi fotos suas o bastante para saber que, de todos, você é o mais parecido com a giagiá e o tio Geórgios.
Fiquei lívido ao ouvir isso. Lembranças de Nikkós bêbado, espancando-me enquanto me chamava de Geórgios e alucinava sobre ser melhor do que ele em tudo me fizeram estremecer.
— Você está conseguindo azedar o chope e estragar a carne com essa conversa, Millos. Qual é a sua?
— Desculpe, eu só estava falando de Tessa e de como...
— Onde você viu essas fotos? Tenho certeza de que Nikkós não te mostrou nenhuma, orgulhoso do filho com uma puta.
Millos bufou.
— Não, não foi seu pai quem me mostrou essas fotos. — Um garçom nos interrompeu oferecendo mais uma rodada de bebida. — Estou confiante no sucesso do transplante e satisfeito por saber que sua irmã conseguiu perdoar...
— Millos, onde você quer chegar com esses rodeios todos? Eu te conheço, mano, e sei bem que nenhum desses assuntos é aleatório.
Meu primo riu.
— Pappoús virá ao Brasil para conhecer Tessa. — Arregalei os olhos, pois imaginei que, assim como fez comigo, o velho grego iria rejeitá-la. — Eu acho que chegou a hora de vocês dois se conhecerem.
Comecei a gargalhar.
— Não tenho nenhum interesse em conhecê-lo — disse categórico. — Fico feliz, de verdade, que ele esteja agindo com Tessa de forma diversa do que agiu comigo, mas isso não muda o fato de que ele não existe para mim.
— Alexios, nem tudo é como parece ser.
— Foda-se! — irritei-me. — O velho desgraçado teve 33 anos para me conhecer. Chegou tarde demais, em todos os sentidos, na minha vida.
— É sua palavra final sobre isso?
— Sim.
Millos sacudiu a cabeça e começou a conversar sobre sua viagem como se não tivesse tocado no assunto mais desconfortável da minha vida. Conhecer-me! Houve uma época em que eu sonhava com isso, em ser resgatado por ele, ou que Kyra fosse. Eu rezava para que o tal pappoús descobrisse as maldades de seu filho e viesse ao nosso socorro.
Ele nunca veio! Agora é tarde demais, já não sonho ou rezo e, muito menos, preciso dele!, penso, voltando a assinar a papelada burocrática da K-Eng, a parte que eu mais odeio do meu trabalho.
— Alexios? — Elis me chama. — Marcaram uma reunião no cliente do Bela Vista, só que o engenheiro responsável pela fiscalização da obra e projeto não está aqui essa semana. O que eu faço?
— Quando é a reunião?
— Amanhã.
Olho minha agenda e reorganizo alguns compromissos.
— Confirme, eu vou.
Volto a pensar no encontro com Millos e na mensagem que recebi de Kostas no mesmo dia, assim que entrei em meu apartamento:
“Encontre-me às 9h, naquela maldita rua. Vou atender seu pedido, então faça direito o que tem que fazer, porque será sua única oportunidade.”
Olhei para o relógio; era madrugada. Dormi pouco, mas, no horário marcado, encontrei-me com ele, parado dentro de seu carro em frente ao velho casarão.
Não entendi a mudança de atitude dele, mas há algum tempo tenho percebido Konstantinos diferente. Nunca mais ouvi qualquer reclamação sobre seu comportamento com a hunter Kika, e, apesar de ter fodido com o Theo junto ao Conselho e iniciado uma auditoria, motivo pelo qual estou aqui assinando essa papelada toda, o discurso dele em relação ao nosso irmão mais velho está mais brando.
Questionei-lhe assim que entrei em seu carro, e a resposta dele me surpreendeu:
— Decidi zerar o meu passado. — Apontou para o casarão. — Isso é uma parte dele que eu nunca deixo ir, que mantenho para me lembrar de quem eu sou, de quem me tornei.
Entendi perfeitamente como ele se sentia. Sabia bem o que ele tinha passado ali, dentro daquela casa, e se eu, que havia estado ali um par de vezes, estava todo arrepiado e tenso, imaginei como ele estaria.
— Você vai o demolir? — inquiri ao me lembrar de sua ameaça no restaurante.
— Vou — respondeu seco ao me entregar as chaves. — Vasculhe tudo, o máximo que você puder, depois me avise para eu ter o prazer de apertar o botão de implosão dessa porra toda.
Ah, se também todas as lembranças e traumas pudessem desaparecer com um simples apertar de botão!, pensei triste, consciente de que isso não era possível.
— Eu vou, mas não hoje, e prometo te ajudar com toda a papelada para pôr esse lugar no chão e explodir tudo o que representa para você e para mim.
Kostas pôs a mão no meu ombro e me perguntou como fiquei sabendo sobre minha mãe biológica.
— Encontrei alguém que ouviu sobre ela e que me deu a dica de que poderia encontrar algo aqui, afinal todos os móveis ainda estão dentro da casa — fui suscinto na resposta, pois eu mesmo não sabia de nada.
— Casa... — ele riu da palavra que usei. — Isso nunca será uma casa, é o lobby do inferno, o hall do capeta!
Tentei não rir, porque ele tinha razão, mas, vendo-o gargalhar, acompanhei-o, e logo depois nos despedimos. Subi na moto e vim direto para a empresa, onde estou neste exato momento, divagando com as lembranças, ao invés de me concentrar no trabalho.
Sento-me na cadeira do café de frente para Samara, admirando-a não só pela beleza, mas também pela mulher incrível que é. Sinto vontade de me dar umas porradas por estar aqui fazendo exatamente o que eu disse que não ia mais fazer, aproximando-me dela.
Eu acho que, ao final das contas, eu curto uma tortura, só pode!
Encontramo-nos na reunião do cliente cujo projeto foi feito pela Karamanlis, a obra realizada pela Novak e a parte arquitetônica e decorativa com a Schneider. Eu não imaginava que Samara tinha voltado a trabalhar no Brasil e me questiono sobre o que isso significa.
Ela não vai mais voltar para a Espanha? Se não, isso significa que o noivado azedou?
Qualquer que seja a explicação, o fato é que eu não tinha noção de que nos encontraríamos assim, depois de dias evitando me encontrar com ela. É claro que o desejo e a porra do tesão voltaram com tudo! Fiquei excitado, tentando controlar meu pau para que eu não ficasse com a “barraca armada” no meio de uma reunião importante, parecendo um tarado.
Samara estava com um vestido azul-marinho, sóbrio e comportado, os cabelos sem os cachos e cortados de uma forma diferente do que eu me lembrava que ela usava. Elogiei-a, e o clima ficou estranho na hora. Não estranho de modo ruim, pelo contrário, a atração entre nós era quase visível dentro da sala de reuniões. Ela ficou sem jeito e logo se fechou, voltando a trabalhar em seu computador, então, como um desesperado por atenção, por ter mais dela, falei a primeira coisa que me veio à cabeça:
— Recebi uma pista sobre minha mãe.
Esse foi o pontapé inicial para que ela voltasse a ser a Samara que sempre conheci, a amiga de todas as horas, e o motivo de eu estar aqui com ela. Sobre a atração, ela continua, está aqui de modo palpável, pairando sobre nós, entre olhares e sorrisos, mas controlada pelo assunto que ela sabe que é tão importante para mim.
— Quando vamos até lá? — pergunta-me assim que nosso café espresso é deixado sobre a mesa de madeira.
— O local é perigoso, está fechado há muitos anos, sem nenhuma manutenção. Não sei o que tem dentro, então acho melhor eu ir primeiro e...
— Não! — Ela põe a mão sobre a minha, e uma descarga elétrica percorre meu braço e, com certeza, o dela também, pois logo a tira. — Eu quero estar com você nesse momento.
— Samara...
— Alexios, eu te conheço bem, imagino o quanto isso tudo está mexendo contigo e como mexerá depois.
Concordo, mas ainda assim não acho boa ideia.
— Você não pode ser minha tábua de salvação sempre, Samara.
A expressão dela não esconde a tristeza por me ouvir falar isso. Tenho certeza de que se lembrou do momento em que, drogado e bêbado, depois de ter sido espancado mais uma vez, abracei-a com força e disse que ela era minha tábua de salvação.
Eu queria me matar, usei tanta porcaria que, sinceramente, não entendo por que não tive uma overdose, mas então ela me achou, no esconderijo de sempre – o fosso do elevador – e chorou ao meu lado, dizendo o quanto eu importava para ela e para Kyra.
— Você não precisa mais de uma tábua de salvação, Alexios, precisa de uma amiga.
Meu coração dispara, meu corpo reage à presença dela, à sua voz, e, sem conseguir mais refrear minha vontade, seguro a mão dela e a encaro sem deixar dúvidas do que quero.
— Não, eu preciso de você!
— Não, eu preciso de você! — a voz de Alexios somada ao toque em minha mão, o leve roçar de seus dedos em meu punho me fazem perder o ar. É loucura isso, eu sei. Já tomei minha decisão sobre não mais fantasiar ou mesmo querer Alexios, mas como convencer meu corpo a respeitar essa resolução?
Puxo a mão o mais rápido que posso e deixo de encará-lo.
— Eu sempre estarei ao seu lado como amiga, Alexios, como fui todos esses anos.
Ele pigarreia, respira fundo e diz:
— Eu sei e agradeço. — Encaro-o, porque ele nunca foi alguém grato por nada ou a alguém. — Fiquei surpreso por saber que você está prestando serviços para a empresa da sua família — ele muda de assunto, e me sinto aliviada.
— Sim, Daniel me convidou para fazer esse projeto, então, como vou ficar um tempo ainda no Brasil, aceitei.
Alexios considera minha resposta por um tempo.
— Como está sua mãe?
— Melhor, mas o novo ciclo de quimio vai começar e, caso não dê resultados melhores do que o primeiro, ela terá que fazer radioterapia, então vou ficar no Brasil até que ela esteja bem, e o câncer, em remissão.
— E o espanhol?
Hein?! Tenho vontade de rir ao ouvi-lo se referir a Diego pela nacionalidade dele.
— O que tem o Diego?
— Ele ainda vai ficar por aqui?
Franzo a testa.
— Mais alguns dias, por quê? — decido provocá-lo para ver até onde vai. — Quer conhecê-lo?
Alexios me encara surpreso, mas depois sua expressão muda, e eu sei que me dei mal na história. Nunca fui páreo para ele com as provocações, e sua devil face é indício suficiente de que comprou minha ideia.
— Claro! — o irritante responde. — Que tal um japonês lá em casa qualquer dia? Você pode subir com ele e...
— Alexios! — Começo a rir nervosa. — Você não quer mesmo conhecer o espanhol!
— Quero, sim! — retruca. — Você é minha amiga, então quero saber se ele presta. Vamos combinar que você nunca foi boa em escolher namorados.
Arregalo os olhos.
— O quê?
Gargalho, achando-o completamente louco! Alexios nunca pareceu se importar – ou mesmo perceber – com meus namorados. Nunca emitiu nenhuma opinião sobre eles ou mesmo quis conhecê-los. Por que isso agora?
— Se lembra do Alberto? — Alexios ri. — Péssima escolha!
Estremeço só em lembrar, pois, além de ter sido um péssimo namorado, foi uma péssima experiência sexual em todos os sentidos. Eu era ingênua, apaixonada e me sentia desprezada, então, quando Alberto apareceu e jogou charme, logo embarquei no namoro com o firme propósito de esquecer Alexios. Ele era mais velho, descolado, lembrava um pouco o jeito do meu amigo rebelde, então achei que pudesse substituir o dono dos meus sonhos. Ledo engano! Em menos de um mês percebi que não tínhamos nada a ver e que, mesmo sendo rebelde como Alexios, ele não tinha as outras características que me faziam amar meu amigo.
— Não tenho mais 18 anos, Alexios — respondo-lhe sem brincar.
Ele fica sério.
— Não, não tem. — Suspira. — Então você vai voltar para a Espanha quando o tratamento de sua mãe acabar. Será definitivo?
Essa é a pergunta que eu me fiz ao longo desses meses que estou no Brasil, mas agora não titubeio ao respondê-la, mesmo que ele não saiba que pretendo voltar para lá sozinha.
— Sim.
Alexios assente.
— Vamos sentir sua falta, Kyra e eu, mas fico feliz se você estiver.
Sorrio, o coração disparado, a boca seca e os olhos ardendo com vontade de derramar lágrimas. Controlo-me. Tomei minha decisão, ela é a melhor. Mesmo que me parta o coração pensar em estar longe, sei que é a escolha sensata.
— Eu vou ser — respondo sem olhá-lo.
Daniel disse que o casamento ia ser uma data como qualquer outra, que ele e Bianca iriam apenas passar pelo cartório, assinar a papelada e fim, mas, ao que parece, ele não conhece a mãe que tem.
Sorrio ao ver a movimentação na mansão, onde Cida coordena um pequeno grupo para deixar o almoço ao ar livre perfeito.
Sem Daniel fazer ideia, mamãe chamou alguns parentes mais próximos e amigos – 20 pessoas no total – para dividir esse momento conosco. Kyra ficou incumbida, em cima da hora, de fazer a decoração da mesa do almoço e fez um trabalho incrível, não só na decoração, como também na entrega dos doces e do bolo.
Eu gostei da ideia da tenda no gramado, a mesa enorme, com toalhas de linho, louças e cristais finos, e a as flores, muitas e muitas flores. A mesa do bolo ficou uma perfeição à parte. Kyra pendurou com cordas alguns pequenos apoios de madeira, onde colocou doces, flores e velas, e, no maior, no centro, o bolo de três andares, todo branco e decorado com flores de açúcar.
Nunca vi nada tão lindo e original, pois não ficaram enfileirados um ao lado do outro, o que conferiu movimento, mesmo com os “balanços” parados.
Ontem, no chá promovido pela minha cunhada como despedida de solteira, tomei conhecimento de que ela irá vestir um tailleur de saia na cor creme e que meu irmão usará um terno escuro tradicional. Mamãe, claro, não gostou nada da ideia, queria os dois de branco, como é costume entre os judeus. Contudo, como os noivos quiseram uma cerimônia laica, ela não insistiu na tradição.
— Bianca não é judia, temos que respeitar — ela disse quando chegamos juntas à casa e nos encontramos com Diego. — Mas, quando Samara for subir ao altar, vamos seguir todos os ritos.
— Será um prazer — Diego respondeu e me olhou de uma forma que me senti pressionada a, querendo ele ou não, encerrar esse assunto de vez.
Depois do casamento do meu irmão!, penso resolvida. Essa situação não pode passar desse dia! Ele ficará mais alguns dias aqui, pela sua programação, mas não posso aceitá-lo em meu apartamento se ele não entender de uma vez por todas que nosso relacionamento amoroso acabou e que somos apenas amigos.
— Os convidados estão chegando, e não deve demorar para os noivos chegarem — mamãe avisa e se posiciona ao lado do papai para receber os primeiros convidados.
— Sua mãe está uma pilha, e ela não deveria — Kyra comenta comigo. — Achei que você seria testemunha do casamento.
Nego.
— A irmã da Bianca é quem vai ser, e o Daniel convidou seu primo Millos para ser o best man dele.
A informação surpreende Kyra tanto quanto me surpreendeu.
— Millos padrinho de casamento? — Ela ri. — Essa é nova!
Dou de ombros e, aproveitando que ainda estamos sozinhas, pois Diego está conversando com meu pai em algum lugar, pergunto:
— Alexios comentou contigo sobre a pista que recebeu?
Kyra suspira e assente.
— Estou preocupada com isso — confessa-me. — Você lembra tão bem quanto eu como ele ficava com essa história de procurar sua mãe biológica. Não sei se quero vê-lo mergulhado nessa procura sem fim de novo.
— Eu também me preocupei, por isso me ofereci a ajudá-lo.
Kyra tenta conter o sorriso, mas não consegue.
— Obrigada por isso, Malinha. Fico muito feliz em saber que vocês se acertaram e que voltaram a ser como antes.
Forço um sorriso e concordo, mas não consigo emitir nenhum som tamanho o nó em minha garganta. Eu tenho consciência de que as coisas mudaram entre nós, nada está como antes. Nós não tínhamos essa energia sexual; embora eu sempre tenha me sentido atraída e apaixonada, Alexios nunca correspondeu a nada disso. Agora sinto que ele me quer tanto quanto eu sempre o quis, e isso, além de ser muito confuso, é um ponto de tensão que não tínhamos antes.
— Espero não dar azar ao Dani — Kyra sussurra de repente.
— Para com essa história, que coisa! — repreendo-a. — Você é sempre muito supersticiosa, depois diz que não acredita em nada.
— Não acredito em religião, mas em carma, não tenho nenhuma dúvida. — Ri. — Não gosto de fazer casamentos de amigos, você sabe.
— Besteira!
Paramos de conversar, pois ela tem que ir resolver algo com o manobrista a serviço de sua empresa de eventos.
— O que acha de casarmos en Brasil? — Diego me indaga em certo momento, e eu fico tensa. Como é possível que ele ainda não tenha entendido?! — Gosto desse jeito que su mamá organizou tudo.
— Diego, nós já conversamos sobre nós. Somos apenas amigos, o namoro acabou.
Ele nega.
— Necessito una segunda chance para provar que não acabou.
Respiro fundo e não respondo, pensando seriamente em ser dura com ele, dizer que eu amo outra pessoa e que, por isso, não posso amá-lo.
Não sou assim! Não posso feri-lo dessa forma!, penso e pego rapidamente uma taça de champanhe que os garçons começaram a distribuir para os convidados em sinal de que os noivos já estavam chegando, para tentar engolir essa situação.
Não demora muito mais, e todos levantamos as taças em um brinde quando Bianca e Daniel aparecem. Meu irmão não esconde seu assombro, mas Bianca parece exultante ao seu lado. Ela cumprimenta a todos depois de mamãe ter lhe oferecido um chapéu com um pequeno tule sobre a testa e um buquê de orquídeas brancas.
— Ela conseguiu transformá-la em uma noiva! — Kyra comenta enquanto passa por mim, e eu rio.
Abraço Daniel quando ele chega até onde estou.
— Que porra toda é essa? — sussurra em meu ouvido.
— Seu casamento — digo o óbvio.
— Não, é a teimosia da sua mãe!
Gargalho e o encaro.
— Agora é a minha mãe, não é? — Dou um tapa de leve em seu ombro. — Relaxa e curte, poderia ser pior.
— Não, não poderia. — Ele olha para os convidados. — Que merda!
Diego o cumprimenta, e ele volta a fingir que está feliz. Sinceramente, não entendo o que está rolando com meu irmão, o motivo pelo qual insistiu nessa união, sendo que parece repeli-la a todo tempo.
Eu nunca iria querer isso para mim e nem para Diego, não é justo fazer algo sem estar feliz! Esse pensamento reforça minha resolução de ficar sozinha até que eu realmente seja capaz de amar outra pessoa de verdade. Só vou entrar em outro relacionamento quando me sentir pronta para viver a relação por inteiro.
— Parabéns! — cumprimento minha cunhada.
— Obrigada, Samara. — Ela sorri cortês, porém fria como sempre foi comigo. — Essa é minha irmã, Chiara.
A bela e miúda loira sorri para mim e me abraça calorosamente. Eu nunca tive contato com os familiares de Bianca, mesmo ela estando com meu irmão há mais de uma década. Conheci a mãe dela enquanto era viva, mas nunca tinha visto o pai, nem a irmã, pois ambos moram fora do país.
— Seja bem-vinda! — cumprimento-a.
— Obrigada! Está tudo tão perfeito e carinhoso! — Os olhos dela se enchem de lágrimas. — Tenho certeza de que mamãe adoraria.
Bianca segue para cumprimentar o próximo convidado e a arrasta junto.
— Tão doce, a pequena Chiara — meu pai comenta. — Tão diferente da irmã. — O velho debochado ri. — Eu me lembro dela pequena no funeral da mãe.
Franzo o cenho, não me recordando de tê-la visto. Não penso muito mais no assunto, sigo para a mesa, onde mamãe faz um discurso e depois praticamente obriga Daniel a fazer o mesmo.
O almoço começa a ser servido, e, em algum momento, acabo trocando olhares com Millos Karamanlis, que acena com a cabeça. Os olhos dele, tão parecidos com os de Alexios, fazem-me pensar na ironia da situação, pois, embora o primo, que toda a minha família conhece há uns 10 anos, possa estar aqui, Alexios, que foi nascido e criado conosco, não pode.
Engulo o champanhe como se fosse feito de água suja ao perceber mais uma vez que ele nunca seria aceito.
Compatíveis!, a palavra odiosa que ele usou martela minha mente, e eu olho de esguelha para meu companheiro de mesa, Diego, alguém que acabaram de conhecer, mas que todos estão tratando como nunca o fizeram com Alexios.
Será que, em algum momento, essa resistência da minha família contribuiu para que Alexios se mantivesse distante de mim? Não!, rejeito a ideia. Ele nunca foi do tipo que liga para opiniões alheias, então é claro que isso não contribuiu, ele apenas nunca me quis.
Até agora!
Suspiro e fecho os olhos, tentando entender o que mudou. Uma ideia se forma. Tento não dar ouvidos a ela, mas é mais forte do que eu. Será que meu suposto compromisso teve algo a ver com a repentina atração de Alexios? Arregalo os olhos e fito meu prato rapidamente, tentando disfarçar meu espanto com a possibilidade.
Claro! Como não pensei nisso antes?
Alexios sempre foi um competidor nato, sempre odiou perder, então, saber que eu estava noiva pode ter despertado algum gatilho nele que o fez imaginar que me queria.
Só pode ser isso! Então, quando ele souber que eu não irei me casar, tudo voltará ao normal!
Pensar em Samara está me causando calos nas mãos e me fazendo parecer um adolescente viciado em punheta novamente. No começo, eu me sentia constrangido por estar usando a imagem dela como inspiração, mas agora já estou tão acostumado a essa rotina que, mesmo tendo trepado, preciso expurgar o tesão que sinto por ela, e essa, no momento, é a única forma plausível.
Ela me provocou, durante o café que tomamos juntos, com a possibilidade de conhecer o espanhol, e eu, corroendo-me de ciúmes por ele poder tocá-la como eu mesmo queria fazer, caí na esparrela e ainda sugeri um encontro.
Idiotice!, penso ao terminar de me vestir para me encontrar com eles em um restaurante japonês no bairro da Liberdade. Não esperava que Kyra fosse encabeçar um encontro entre nós todos, mas, pelo que ela deixou a entender, eu preciso conhecer o tal noivo. Sinceramente não entendi isso, mas, como a curiosidade está me roendo, aceitei.
— Você vai sozinho? — Kyra questionou-me quando me ligou mais cedo.
— Não, vou com você.
Ela riu.
— Eu vou com alguém, Alexios.
Puta que pariu!, pensei, totalmente sem saco para atuar como castiçal para dois casais. Foi então que me encontrei com Laura no elevador e a convidei para jantar.
Idiotice ao quadrado!
Nunca misturei as mulheres que como com meus familiares. Já saí com amigos, já peguei alguém enquanto estava com eles, mas com Kyra será a primeira vez. Tento justificar minha ação alegando que não dá para ir sozinho, como um mané qualquer.
Ter Laura à mesa será como ter um escudo, essa é a vantagem. Eu não ficarei o tempo todo com uma ereção enquanto a mulher que provoca essa reação no meu pau estará feliz e contente ao lado do noivo.
Rio da situação clichê e degradante. Estou fodido!
Saio do Castellani de moto, levando um capacete extra para minha companhia, o som no fone de ouvido tocando um rock nacional que sempre prefiro ouvir quando ando de moto.
Chicão sempre me critica por escutar música alta pilotando, pois diz que distrai a atenção, mas eu não penso assim, continuo focado na via mesmo tendo o som maluco do QR-1 estourando meus tímpanos.
Meu amigo foi embora para mais uma de suas andanças. Tentei descobrir para onde iria, mas, como sempre, ele se esquivou e apenas disse que não tinha rumo, que apenas precisava ir, mas que em breve estaria de volta para treinar comigo para o Rally dos Sertões. Quando acordei, ele já tinha juntado as suas trouxas e partido.
Paro em frente ao prédio onde Laura mora e admiro o quanto ela é bonita e seu bom gosto para se vestir. Sem tirar meu capacete, entrego o outro para ela e continuo o percurso até o bairro da Liberdade.
Estaciono a moto me sentindo mais tenso que o natural, não só por estar acompanhado, mas por saber que a mulher que tem mexido com meu tesão se encontra dentro do restaurante com o homem que a levará para longe para sempre.
— Tudo bem? — Laura pergunta-me quando me abraça pelo pescoço e me beija.
— Maravilhoso!
Entramos juntos no restaurante, porém sem encostarmos um no outro, e a primeira coisa que enxergo são os cabelos encaracolados de Samara, o jeito que eu mais gosto de vê-los. Logo meu olhar é direcionado para o homem ao lado dela, sorrindo e falando algo com Kyra e sua companhia.
— Boa noite! — cumprimento a todos. — Essa é a Laura.
Samara parece surpresa por eu estar acompanhado, mas logo abre um sorriso e se põe de pé junto aos demais para nos cumprimentar.
— Diego, esse é meu amigo de infância, irmão de Kyra, Alexios Karamanlis. — Ela me olha. — Esse é o Diego, Alex.
— O noivo! — completo ao cumprimentá-lo, e Samara arregala os olhos.
— O amigo! — ele retorna a saudação com seu forte sotaque.
O clima fica estranho, então minha irmã intervém.
— Alex, esse é o Patrick. Ele é americano, mas trabalha aqui no Brasil em uma empresa de publicidade. — Aceno com a cabeça para a companhia dela. — Esse é meu irmão Alexios.
— Prazer!
Seguro o riso por causa da mistura de sotaques e me pergunto se estou em alguma reunião da ONU. Porra, se eu soubesse, teria trazido alguma italiana ou asiática! Samara me encara de um jeito estranho e depois ri, deixando claro que sabe exatamente o que pensei.
A filha da mãe me conhece bem demais, e isso é um perigo!
Sento-me ao lado do espanhol, e Laura fica entre mim e o americano. Faço meu pedido, e ela, o dela, mas comemos algumas peças da enorme barca que os dois casais que chegaram mais cedo já estão degustando.
— Achei que você não vinha mais, Alex — Kyra puxa assunto.
— Eu também — é Laura quem responde. — Mas ele sempre faz isso, marca um horário e aparece bem depois. — Sorri para mim, toda cúmplice. — Ainda bem que isso não se aplica aos seus compromissos de trabalho.
Dou uma olhada rápida na direção de Samara e a pego me encarando com os olhos levemente apertados.
— Você trabalha na K-Eng? — Kyra é quem indaga novamente.
— Não, na Karamanlis.
Minha irmã me dá um olhar enviesado, do tipo que sempre recebo quando estou fazendo merda. Porra, eu sei!
— O que é a Karamanlis? — Diego pergunta, e eu, resumidamente, porque não tenho saco para isso, explico sobre a empresa da família.
Depois disso, talvez impulsionado pelo assunto sobre trabalho, ele começa a falar do Real Madrid sem parar e da decepção que foi a campanha do time no começo deste ano.
Interesso-me um caralho por futebol, então, enquanto ele fala do seu importante trabalho pela Europa seguindo o time milionário de perto, não consigo desviar os olhos de Samara, nem mesmo com meu escudo ao lado. Ela levanta uma de suas negras sobrancelhas e desvia os olhos na direção de Laura, questionando-me silenciosamente sobre ela.
Dou de ombros e sorrio safado, fazendo-a entender qual é o nível de entendimento que eu tenho com minha companheira. Samara fica séria e se concentra na falação do noivo.
Noto que nenhum dos dois usa anel e fico pensando em que tipo de noivado desprendido é esse que eles têm. Geralmente quem firma um compromisso desse porte gosta de exibir a situação.
Não sei exatamente o que deixei transparecer, mas, em certo momento, tomei um bicudo na canela e tenho certeza de que a agressão veio da minha irmãzinha. Fico sério, mas a danada abre um sorriso na direção do espanhol como se não tivesse quase quebrado minha tíbia.
Samara de repente se levanta.
— Com licença, vou ao toilette.
Kyra se ergue em seguida.
— Te acompanho. — E olha para Laura. — Você quer vir conosco?
Minha companhia abre um enorme sorriso.
— Claro!
Elas saem da mesa e me deixam a sós com um maldito americano que nunca vi na vida e um espanhol arrogante que faz meu punho travar ao olhar sua fuça comprida e fina.
— Eu gosto de moto também — Diego começa o assunto ao apontar para minha jaqueta de couro e adivinhar meu meio de transporte. — Tenho uma Harley Road King.
— Um clássico! — o americano diz empolgado.
Minha cara não disfarça meu tédio com relação ao assunto de suas motos policiais, já que esse é um dos modelos mais usados pela polícia americana, como vemos nos enlatados americanos.
— Prefiro as italianas. Tenho alguns modelos da Ducati.
O espanhol não parece intimidado.
— Não me gusta correr — ele explica. — Aprecio hacer as cosas lenta y cuidadosamente. Aprendi a ser paciente com a maturidade, así que quando usted estiver mais maduro perderá essa... — Diego parece procurar a palavra — prisa18.
Uau! Estamos trocando farpas? Daqui a pouco mediremos os paus para saber quem tem a maior piroca da mesa e assim validar nossas masculinidades. Tédio!
— Não é uma questão de pressa, é saber dar à máquina aquilo que ela pede. Não é porque ela pode andar a 180 km por hora que eu preciso estar sempre correndo, mas entender que ela pode chegar a isso e saber fazê-la chegar lá é o que difere um verdadeiro piloto de um amador.
O americano, sentindo que estamos falando mais do que de motos, intromete-se na discussão e começa a falar de vários modelos de motos e de campeonatos de corrida. O assunto me interessa – ou talvez eu queira só isolar o boçal hispânico da conversa –, e entro de cabeça.
Ficamos tão entretidos que nem percebemos – na verdade eu finjo não perceber – quando Diego sai da mesa.
— Ué, cadê o espanhol bonitão da Samara? — Kyra pergunta quando elas retornam do banheiro.
Apenas dou de ombros.
— Nem vi que tinha saído! — Sorrio sarcástico, e Samara levanta a sobrancelha.
— Demoramos muito? — Laura inquire, abraçando-me pelo pescoço e me dando um selinho. — Adorei a companhia das meninas, obrigada por ter me convidado.
Fico sem saber o que responder, então lhe dou meu melhor sorriso angelical.
— Laura nos contou que vocês estão juntos há alguns meses já. Confesso que fiquei surpresa, pois nunca soube de um relacionamento seu que fosse tão longe — Kyra comenta, e eu imediatamente desvio os olhos para Samara, tentando avaliar sua reação ao que minha irmã acabou de dizer. Nada! Ela sorri para Laura como se aprovasse nosso relacionamento, o que me deixa confuso, pois não esperava essa reação.
Será que ela está mesmo feliz com o espanhol?
— Isso é bom, não é, cunhadinha? — Laura diz animada.
Meu, tenho vontade de dar um tapa na minha própria testa ao ouvir isso. Que porra é essa de ela dizer que estamos juntos há meses? Nós trepamos algumas vezes ao longo de uns poucos meses, não há relacionamento nenhum, e eu sempre deixei isso muito claro para Laura.
— Ô, que evolução, cunhadinha! — Kyra dispara seu sarcasmo e me encara com sua sobrancelha erguida, em clara mensagem de que estou fazendo merda.
O nosso pedido chega, e, enquanto Laura devora seu kone, eu aproveito para analisar a expressão de Samara. Nada boa! Minha amiga não me olha, concentrada em um sashimi que eu devoraria em uma só mordida, mas que ela está levando um tempão para comer.
Tenho vontade de falar para ela que não há relacionamento, que Laura e eu só trepamos, mas então paro e me questiono o motivo pelo qual quero me justificar para ela. Samara não tem nada a ver com minha vida privada, com quem eu trepo ou deixo de trepar. Além disso, não sou eu quem está noivo!
Diego volta, e o cheiro de cigarro deixa evidente o que o espanhol foi fazer. Franzo a testa, confuso, pois sei bem que Samara sempre detestou esse vício e ficava me enchendo o saco – isso quando não escondia meus maços de cigarro – quando eu comecei a fumar.
Parei por causa dela, quando percebi que isso a deixava incomodada e com os olhos ardendo. Sorrio com a lembrança do quanto ela comemorou quando eu disse que fumar estava fora de moda e que iria parar por isso. Nunca admiti que foi por causa dela. Na verdade, nunca percebi o tanto que Samara foi decisiva em alguns pontos importantes da minha vida. Sempre foi tão natural contar com o apoio e a opinião dela que eu lhe agradava com a mesma naturalidade. Nunca me senti obrigado a nada, pressionado, apenas fazia o que a deixava mais feliz.
Encaro-a por um longo momento, questionando-me isso novamente: ela está feliz? Eu sei que disse que o espanhol poderia ser compatível com ela, mas, conhecendo-o agora, não acho que esse homem seja o certo.
Olho para minha irmã, lembro-me das palavras dela sobre ele ser o responsável por levá-la para longe de nós, e uma ideia surge.
É perigosa.
É idiotice.
É deliciosamente perversa e junta a fome com a vontade de comer.
Pode ser apenas uma desculpa para eu dar vazão a todo o tesão que tenho sentido por minha amiga desde que ela retornou e pode também ser um tiro no pé, principalmente se Samara se apegar a mim mais do que deve. Contudo, acho válido o empenho em ser... paro para pensar em uma expressão que defina o papel que pretendo desempenhar.
Um rito de passagem? Sim, pode ser isso! Serei um rito de passagem, entre esse embuste – como diria meu amigo Chicão – e o homem certo para que ela se case. Definitivamente, esse espanhol arrogante não merece estar ao lado de uma mulher incrível como a Samara, e, se ela não enxerga isso sozinha, talvez precise de um empurrãozinho e uma distração.
Sou uma boa distração, e é hora de tirar o espanhol da jogada!
Nunca me senti tão perverso quanto agora, voltando, depois de anos, a fazer jus ao apelido de anjo mau que já me impuseram uma vez.
Pego minha cerveja e a levanto em um brinde, fazendo Kyra e Samara estranharem o gesto inesperado, e sorrio maléfico para Diego, pensando que os dias dele estão contados aqui conosco.
Hasta la vista, baby!
Ciúmes! Eu estou sentindo ciúmes de Alexios!
Eu nunca o vi assumir nenhum relacionamento, a não ser os de amizade, e mesmo esses apenas comigo e com o Francisco. Então vê-lo com uma mulher – uma bela mulher, diga-se de passagem – a tiracolo e saber que os dois têm saído juntos há meses é, no mínimo, desconcertante.
Não, não estou desconsertada, mas, sim, enciumada! Merda! Não sei onde estava com a cabeça quando aceitei essa ideia maluca da Kyra de sairmos juntos.
O almoço do casamento ontem na casa dos meus pais impossibilitou a conversa, porque Diego bebeu demais – coisa que eu nunca o tinha visto fazer –, e, quando voltamos para o meu apartamento, ele não tinha condição alguma de conversar.
Então, hoje de manhã, Kyra nos convidou para essa noite de comida japonesa. Tentei negar, mas ela alegou que era uma comemoração pelo transplante de medula que fez para a sobrinha e que precisava sair um pouco com os amigos.
Aceitei, claro, e não tive como não estender o convite a Diego, afinal, ele estava perto quando conversamos por telefone.
Suspiro e olho mais uma vez para o casal à minha frente. A garota cheia de vida, falante e sorridente toca e beija Alexios com uma intimidade que é estarrecedora. Confesso que fico dividida entre estar feliz com o fato de ele estar se abrindo e o despeito por eu mesma nunca ter conseguido atingi-lo dessa forma.
— Samara, não quer ir embora? — a voz de Diego faz com que eu desvie os olhos do novo casal e o encare. Suspiro e concordo.
— Sim, estou cansada.
Ele assente, afinal, fiquei o dia todo na empresa resolvendo assuntos que nem conhecia direito, auxiliando o substituto de Daniel, que está em uma curta lua de mel.
Esse é outro assunto que tem me feito pensar bastante: o casamento de meu irmão. Ele estava tão estranho durante a festa que eu não conseguia parar de encará-lo. Vi como estava impaciente, como tentava parecer relaxado e curtir a ocasião, porém sem conseguir deixar de ter uma ruga de preocupação em sua testa.
Mais tarde, depois que todos foram embora, estávamos Kyra e eu juntas numa mesa enquanto tudo era desmontado, e eu não resisti a desabafar com ela.
— Dani está estranho.
— Quando é que ele não foi? — ela ironizou, e eu a fuzilei com o olhar. — Mas concordo, ele estava mais estranho do que o normal.
— Sério, Kyra, deixe suas rusguinhas de lado e tente parecer preocupada com meu irmão pelo menos uma vez!
Ela fez careta, tomou o resto do champanhe e fingiu me dar atenção. Eu admito que Daniel nunca teve paciência alguma com ela, mas também não o crucifico por isso, porque, mesmo sendo amiga e a amando como se fosse minha irmã também, Kyra teve uma fase do cão na adolescência. De repente a garota calada, magrela e bocuda se transformou em um mulherão que fazia os homens todos babarem, mas tinha um gênio do capeta. Enquanto ela foi uma menininha tímida e calada, Daniel a tratava bem, mas, depois que ela passou a perceber o quanto era bonita e o quanto isso lhe dava poder com os caras, ele passou a evitá-la e a condená-la por isso.
Meu irmão é muito tradicional!
— Daniel David é um chato! — Kyra rebateu meus pensamentos. — Eu tenho pena de Bianca por tê-lo que suportar agora na mesma casa.
— Kyra...
— Eu sei, eu sei — ela me interrompeu —, ele é um ótimo irmão, admito, mas ainda assim é entediante. — Kyra se aproximou de mim e sussurrou: — Daniel deve trepar de meias e com gel no cabelo para não desarrumar os fios.
Não resisti e gargalhei com a visão que se formou em minha mente. Sim, era bem a cara do Dani o que ela acabava de descrever.
— Seu primo não o acha entediante...
Kyra ficou séria.
— Millos tem um lado sério e certinho como o do Daniel, pelo menos ele se força a ter — não entendi bem o que ela quis dizer com isso, mas concordei. — Teve uma época que eu achei que ele fosse gay e não quisesse assumir por causa do pappoús.
Quase me engasguei com a bebida que tinha acabado de colocar na boca.
— Millos gay? Será?
Ela deu de ombros.
— Bom, desconfiei uma vez do Dani também... — Kyra abriu um sorriso malicioso. — Tudo o que eu fazia que excitava os caras parecia não funcionar com ele...
— Você tentou seduzir o meu irmão?! — foi realmente uma surpresa enorme saber daquilo.
Ela deu de ombros novamente.
— Eu estava sem controle naquela época, você sabe, então...
Comecei a rir imaginando os dois juntos. Sem chance!
— Ainda bem que não rolou nada! Já pensou agora você fazendo o casamento dele com outra? Ia ser constrangedor.
— E ia parecer vingança quando os dois se separassem. — Ela ergueu uma de suas sobrancelhas maldosas.
— Para com essa merda! Isso é coisa da sua cabeça, esqueça!
Kyra virou o resto do champanhe e se levantou para ajudar sua equipe, que trabalhava desmontando as coisas da festa.
— Depois não diga que não avisei!
Fiquei por um bom tempo sentada sozinha à mesa, pensando na conversa, analisando todos os fatos sobre o nosso passado, sobre o que a Cida disse em um dos nossos desjejum juntos, e meu coração se apertou ao imaginar que Dani pudesse ser gay e estivesse se casando só para manter as aparências. Isso seria muito triste se fosse verdade! Ninguém deveria se obrigar a viver uma vida de mentira, ser e fazer infeliz no percurso.
Eu espero que não seja esse o caso, porque me dói pensar que ele esteja se reprimindo para se encaixar em um molde de “normalidade” que não existe. Eu quero que meu irmão seja feliz, e não o vi assim durante a cerimônia.
Algo de errado está acontecendo, e não saber, não ter a confiança dele para dividir comigo o que o está frustrando me deixa magoada.
— Samara está cansada... — Diego anuncia já se levantando, e eu tomo um susto com sua reação inesperada. — Nosotros vamos embora.
— Já tão cedo? — Laura pergunta com um biquinho. — Chegamos tão atrasados que nem pudemos conversar melhor.
— Aposto que não faltará ocasião, não é, Alex? — Kyra questiona, e, para quem não a conhece, pode parecer uma pergunta inocente, mas eu noto cada alfinetada que ela dá no irmão.
Encaro meu amigo e sinto o corpo todo arrepiar ao chocar meu olhar com o dele. Uma energia forte, como aquela da noite em que ele me beijou e tocou minha pele nua, percorre-me de cima até embaixo, concentrando-se no meio das minhas coxas.
Ele está sério, um tanto incomodado, seus olhos parecem arder com algum propósito, como sempre ficam quando ele cisma com algo.
Diego pigarreia, e eu desvio a atenção.
— Vamos ahora! — Diego sai praticamente me arrastando do restaurante, e sinto um arrepio cruzar meu corpo, pois nunca o vi desse jeito.
— O que aconteceu ali? — Diego indaga de repente.
Meu coração dispara, porque sei que ele está me questionando sobre Alexios e mim; não imaginava que ele tinha percebido qualquer coisa.
— Como assim?
Ele bufa de raiva e acende um cigarro. Eu achei que ele tivesse largado o vício há algum tempo, mas, como não quero enveredar sobre o assunto que ele começou neste momento, não emito nenhuma opinião sobre ele ter voltado a fumar.
Entramos no carro mudos, e eu dirijo até o Castellani sentindo o clima pesado no ar. Várias vezes o olho de esguelha e o noto olhando pela janela ou para o nada. Percebo que a situação já foi longe demais e que preciso fazê-lo entender que nós terminamos de uma vez por todas.
— Eu quero conversar com você sobre...
— Yo sé! — ele me corta, sua voz alta. — Carajo! — Encara-me. — No puedo creer que quieras dejarme por ese estúpido hijo de puta!
— Diego, não estou te deixando por ninguém...
— No! No soy ciego! — Ele balança a cabeça enfaticamente. — Hablamos sobre todo das nossas vidas, pero nunca tivemos una sola palavra acerca de Alexios Karamanlis!
— Não tem a ver com ele. — Pego suas mãos. — De verdade! Eu só percebi que não é justo eu dar a você menos do que merece.
— Siempre quise ser el dueño del brillo en sus ojos, pero hoy descubrí que ya le pertenece a alguien. Lástima, te darás cuenta de que ese mocoso arrogante nunca lo mereció.19
Não consigo articular uma só palavra para responder a isso e o vejo sair do carro e andar pela garagem em direção ao elevador sem poder me mover. Sabia que nosso término não seria fácil, que iria doer, pois somos amigos, e eu tenho um carinho enorme por ele, mas nunca pensei que, além da mágoa, haveria tanta raiva.
A decisão de não dar prosseguimento ao relacionamento nada teve a ver com Alexios. Claro que o fato de eu ainda ser apaixonada por ele contribuiu para que eu enxergasse que não quero para Diego o que não quero para mim. Ele merece mais! Merece ser amado completamente, e eu, no momento, ainda não posso lhe dar essa entrega. Contudo, preciso fazê-lo entender que não terminei com ele por causa de quem quer que seja.
Pelo contrário! A decisão é sobre mim, sobre tomar de volta o controle da minha vida, independentemente de um homem. Fiz muitas coisas movida pela frustração de não ser correspondida por quem eu amava e agora percebo que não fiz a mais importante: me amar.
Diego não conseguirá entender isso, tenho certeza, mas não posso permitir que ele pense que está sendo trocado por outro, porque isso não é verdade.
Saio correndo do carro, entro no elevador de serviço e invado meu apartamento, estancando ante a cena da mala aberta em cima da cama e de Diego dobrando suas camisas.
— Eu não estou trocando você por ninguém! — disparo.
Diego ri e dá de ombros.
— Negue o quanto quiser, pero sei que é mentira! Vi os olhares trocados, percebi o ciúme em cada palavra dele. No soy um tonto e no seré um cornudo.
Arregalo os olhos, e meu coração se aperta.
— Isso não aconteceu. Estou há dias tentando te convencer de que nosso relacionamento acabou e...
— Para abrir las piernas para él? — Diego se aproxima de mim, e, pela primeira vez desde que nos conhecemos, sinto medo. — Me dijeron que no debía tomarme en serio a una brasileña, son buenos para follar, pero no valen la pena.20
A ofensa me atinge como se fosse um soco na cara. Não fiz nada proposital, não o enganei, pelo contrário, assim que percebi o que ainda sentia por Alexios, tentei ser sincera com ele, mesmo achando que não rolaria nada entre mim e meu amigo.
— Vá embora! — digo trêmula, entredentes.
— Já estava indo! — Ele pega a mala. — No se preocupe, vou tirar minhas coisas do seu apartamento em Madri e deixar las llaves com Gisele.
Concordo, pois minha vizinha já possui uma cópia das minhas chaves e não há problema em ficar com mais uma. Seco o rosto, coração moído, afinal estávamos juntos há mais de um ano, tinha-o como um amigo acima de tudo, e a forma com que terminamos tornou manter qualquer tipo de relação com Diego impossível para mim.
— Como ele teve coragem de te ofender assim?! Você deveria ter respondido que ele queria ser corno mesmo, se fingindo de surdo esse tempo todo! Hijo de puta! — Kyra dá um berro quando eu lhe conto o que houve.
— Eu nunca imaginei que terminaríamos assim... Só queria que ele tivesse mais do que eu poderia lhe dar.
Ela faz careta.
— Que porra de discurso altruísta é esse com aquele babaca? — Ela começa a rir. — Ele não merecia nem o pouco que você lhe deu e, amiga, depois da ofensa a todas nós, brasileiras, não merecia nem que você tivesse dado para ele! Esqueça a Espanha, Samara, seu lugar é aqui!
— Não, Kyra, o que ele disse não afeta minha ideia de voltar para Madri.
— O quê?! — Kyra desliga o som do carro, e eu a olho, aproveitando que parei em um farol. — Por que você quer morar longe da sua família e dos seus amigos? É pelo idiota do meu irmão?
— Não, não é — respondo com sinceridade. — Eu gosto de Madri, lá eu sou uma designer de interiores que trabalha para um enorme escritório de arquitetura, não a Samara Schneider, entende? Lá eu sou como você, cresci sozinha.
— E por que não pode fazer o mesmo aqui? A Karamanlis é na mesma cidade que a minha empresa! Isso é desculpa, Malinha!
Nego.
— Não, não é! Eu gosto de lá, gosto da liberdade que tenho, dos colegas de trabalho e...
— Foda-se tudo isso, eu não estou lá!
Tento ficar séria, mas não consigo. Abraço-a rapidamente, rindo, adorando tê-la ao meu lado. Kyra é como uma irmã, e eu a amo demais, mesmo quando é sem noção.
— Eu amo você, e isso não vai mudar com a distância. Já fiquei três anos longe e não deixei de te amar.
Ela bufa e me afasta.
— Eu sei que você não vai me esquecer, mas é que... — ela não completa a frase, mas eu sei o que quer dizer. Ela se sente sozinha, não confia em muitas pessoas, não tem muitos amigos.
Pego sua mão e a aperto sem tirar os olhos do trânsito.
— Você fez as pazes com o Theo, ganhou uma cunhada e uma sobrinha.
— E o Tim foi incrível comigo no dia em que nos encontramos.
Rio do apelido, não conseguindo mais ver o enorme Konstantinos Karamanlis como o desengonçado Tim.
— Viu só? Vocês vão ficar bem, voltar a ser uma família e...
— Eles não substituem você.
Sorrio largo, coração quentinho ao ouvir isso. Kyra não é de demonstrar sentimentos, de dizer o que sente, mas essa frase demonstra o quanto me ama também.
— Não quero ser substituída, não é preciso! Ter pessoas ao nosso lado é importante, e não tem quantidade de vagas a serem preenchidas. Podemos ser felizes com poucos e verdadeiros amigos, assim como com muitos deles.
Ela suspira e não responde.
Seguimos sem falar mais nada até o hospital onde ela veio para exames após a doação da medula para Tessa. Eu vim trazê-la e a busquei após o procedimento. Queria ter ficado ao seu lado também, mas ela me contou – com a voz cheia de felicidade – que seu irmão mais velho fazia questão de estar lá para segurar sua mão.
— Então é isso, chegamos! — Ela sorri nervosa. — Ando ansiosa para saber se o transplante deu certo.
— Tenho certeza de que deu e que em breve vamos ter essa garotinha correndo para lá e para cá.
— Eu sei, confio nisso. Tessa merece ter a infância que nos foi negada, merece ser feliz.
Meu coração se aperta.
— Você também merece ser, Kyra.
Ela me encara.
— Então fique!
Ai, merda, ela não joga para perder!, penso ao vê-la ir para o hospital, torcendo para que tudo dê certo, porque já chega de sofrimento para os Karamanlis.
Ando de um lado para o outro dentro da sala de reuniões da K-Eng. Estou nervoso com toda essa situação da empresa, auditoria sobre a gestão de Theodoros, Millos como CEO interino, Kostas estranho de um jeito que nunca vi.
Está tudo tão confuso que parece que chegamos àquele ponto da vida que é uma espécie de divisor de águas. Algo me diz que nada mais voltará a ser como antes, e, posso estar sendo exagerado, mas sinto o vento de mudança chegando forte, passando por Theodoros agora. Eu só não sei quem será o próximo a senti-lo.
O celular vibra alto no tampo da mesa, e eu corro para ele.
“O exame mostrou que está tudo bem comigo, já me recuperando. O médico disse que esse cansaço é normal.”
A mensagem de Kyra me faz sentar-me na cadeira, as pernas bambas e uma leve camada de suor gotejando em minha testa. Sei que tudo é simples, mas todos estamos colocando tanta expectativa sobre esse transplante que eu tenho medo de algo dar errado, afinal, somos os Karamanlis.
“Alguma notícia sobre Tessa?”
Questiono-lhe, e ela logo retorna:
“Não, Theo já está aqui comigo agora. Eles ainda estão aguardando para ver o resultado, mas estão confiantes.”
Respiro fundo e tento não sentir ciúmes ou mesmo emitir qualquer opinião pessimista sobre meu irmão mais velho. Kyra foi a mais afetada de todos nós com o que Theodoros fez no passado, isso é inegável, e ela ter podido perdoá-lo demonstra seu amadurecimento.
Eu não sinto raiva do meu irmão, apenas não sinto nada por ele. Fui ao hospital conhecer Tessa, também conheci a Duda Hill pessoalmente, fiquei encantado com as duas e achando o Theodoros um filho da puta sortudo por tê-las. Como diz o Chicão, o destino é um misto de carma e escolhas, e, mesmo que as escolhas de Theo tenham sido falhas, seu carma foi bonzinho.
“Samara quis ficar também. Ela me trouxe até aqui. O que eram aqueles olhares no jantar? Eu te conheço e sei que você não vale muita coisa, então não estrague tudo de novo.”
Abro um sorriso, porque realmente minha irmã me conhece bem. Minha única intenção é não deixar o espanhol levar a melhor e tirá-la de nós. Tenho certeza de que, se Kyra souber meu propósito, irá me apoiar, pois também não quer que Samara vá embora. No entanto, prefiro não dividir com ela a ideia que tive.
Aquele jantar foi estranho, principalmente quando Samara e o espanhol foram embora. Eu estava de saco cheio já das alfinetadas da Kyra e da loucura da Laura, falando como se tivéssemos um relacionamento.
— Para mim também já deu! — anunciei, e Laura arregalou os olhos. — Se você não quiser ir, pode ficar.
— Eu vim com você, volto com você! — disse com um sorriso doce. — Kyra, foi um prazer conhecê-la!
Minha irmã jogou mais um de seus olhares recriminadores e depois correspondeu ao sorriso.
— O prazer foi meu!
As duas se cumprimentaram, e, antes de irmos embora, Laura pediu para que eu a esperasse ir ao banheiro. O americano que acompanhou minha irmã estava no caixa, pois fez questão de pagar a conta, e então Kyra aproveitou para colocar em palavras todos os olhares que recebi naquela noite.
— Odeio pensar que você a está iludindo. Sinceramente, eu nunca poderia esperar uma atitude dessa vinda de você!
— Não estou iludindo ninguém! Temos transado com alguma regularidade, não nego, mas juntos por meses foi loucura da cabeça dela.
— Ela parecia bem sã e consciente do que nos contou no banheiro. — Kyra parecia realmente puta com essa história. — A garota conhece você, me convenceria fácil sobre o relacionamento se eu não soubesse o quanto você é fodido para isso também.
Resolvi ser sincero.
— Eu não entendi isso que rolou aqui hoje, mas foi um bom alerta de que essa “constância” com Laura precisa acabar.
Kyra desviou os olhos para o fundo do salão e sussurrou:
— Boa sorte com isso, porque ela não parece disposta a largar o osso de jeito nenhum. — Riu. — Samara me disse, ainda no banheiro, que estava feliz por você ter encontrado alguém compatível com você, mas discordo dela, pois não acho que vocês tenham...
— Samara disse o quê? — cortei-a, sem poder acreditar que ela tinha usado essa palavra.
— Voltei! Podemos ir! — Laura ressurgiu e se pendurou no meu pescoço. — Até uma próxima vez, cunhadinha!
Kyra gargalhou, cumprimentou a garota e foi atrás do americano.
— Vamos! — falei. Tirei as mãos dela de mim, resgatei a moto e, quando paramos em frente ao prédio em que ela mora, resolvi esclarecer as coisas.
— Eu não sei se foi alguma brincadeira ou se você realmente está levando a sério essa coisa toda de cunhada, relacionamento sério comigo e etecetera. — Laura arregalou os olhos. — Não temos isso, Laura, e você sabe. Nós trepamos algumas vezes, mais do que eu costumo fazer, confesso, mas foi somente isso.
— Tem certeza? — Seus olhos estavam brilhando de raiva, e eu conhecia bem demais esse sentimento para ignorá-lo. — Então qual foi o motivo do convite? Te proteger de parecer um idiota babão para sua amiga e o noivo dela? Não conseguiu!
— De que merda de proteção você está falando? Não tem...
— Alexios, eu não sou idiota e não gosto quando tentam me usar como se eu fosse. Assim que chegamos ao restaurante e ganhei a primeira olhada surpresa dela, percebi que algo estava rolando e que eu estava sendo usada para disfarçar isso.
— Não tem nada rolando entre mim e Samara, ela está comprometida e não é esse tipo de pessoa. — Irritei-me. — Bom, o assunto somos nós dois, não ela, então, sobre nós dois: não existe relacionamento, e acho melhor pararmos de fazer sexo para evitar confusões futuras.
Ela começou a rir, mostrou-me o dedo do meio e disparou, antes de virar as costas e entrar no prédio:
— Vá se foder, Alexios Karamanlis!
Fui para o Castellani me sentindo mais aliviado e, ao passar pelo andar de Samara, subindo dentro de elevador, senti vontade de ir até o apartamento dela e desmentir Laura, dizendo que tinha acabado porque não éramos compatíveis, assim como ela não o era com o espanhol.
Não soube mais de Samara nesses dias todos. A confusão armada aqui na Karamanlis, bem como a pressão de Kostas e Kika para o término dos projetos da Ethernium me consumiram a tal ponto de eu não pensar em mais nada.
Quer dizer... começo a rir sozinho com meus pensamentos. Pensei em sacanagem, acordei várias vezes durante a noite, excitado e duro como uma pedra, necessitado de tocar uma. Usei aquela noite do beijo com Samara como inspiração para gozar todas as vezes. É louca essa situação de ter alguém para fantasiar. Nunca precisei disso, bastava apenas imaginar umas sacanagens bem sujas e pronto.
Ter um rosto nas imagens sacanas já é uma novidade, e esse rosto ser o de Samara é algo que nunca sonhei em acontecer. Não por ela, mas por eu ter sempre reprimido qualquer tipo de atração ou pensamento libidinoso sobre minha amiga. Sempre tive receio de estragar as coisas, não só para mim, para Kyra também, e um envolvimento sexual com Samara seria problemático.
Ainda é, reconheço, porém ela já não é mais uma menina, e eu não sou mais o total cabeça de vento drogado de antes. Continuo fodido, seco, revoltado e cheio de raiva, mas já não tento me matar a todo instante. Desde que os dois tenham consciência de que é somente para aplacar a vontade, ter alguma diversão, estaremos seguros.
Suspiro. Deve ser foda trepar com alguém com esse nível de intimidade que temos, e essa é uma das coisas que mais me excitam. Samara me conhece, e eu a ela, sabemos praticamente tudo da vida um do outro. Entretanto, nessa área, não sabemos de nada. Eu fico imaginando como ela gosta, como serão os seus gemidos, como será sentir sua boca em minha pele e o sabor de sua boceta.
Meu pau endurece com a simples imaginação, e eu preciso arrumá-lo sob a roupa, jogá-lo para baixo, porque, de lado ou para cima, dá um volume enorme.
Eu queria tocar uma... Hum, não... eu queria foder agora!
A imagem dos cabelos volumosos e cacheados, ao natural, presos em minhas mãos, a bunda empinada em minha direção, o corpo apoiado na mesa e meu pau deslizando macio e molhado para dentro dela, saboreando, explorando, reconhecendo toma minha mente em cheio. Irei devagar para saber até onde ela me aguenta. Eu tenho um pênis de tamanho considerável, então fazer essa “medição” é fundamental para não a machucar.
É por isso que eu gosto tanto de comer o cu. Não tem fundo, posso enterrar até as bolas sem nenhuma preocupação de bater em algum órgão sensível. Se ela me aguentar na largura, o comprimento não será problema.
Bufo como um bicho e apoio as mãos na mesa. Não tenho por que ficar excitado no horário do expediente, não se não for para trepar com ela até perdemos a razão e conseguir tirar o espanhol da jogada.
— Já está tudo bem mesmo? — pergunto a Kyra.
— Foi só uma indisposição, mas já estou em casa. Estou esperando o resultado dos exames, mas tenho andado tão ansiosa que não estou me alimentando direito.
Fico nervoso, temo que ela fique doente também.
— Precisa comer, acabou de doar a medula. Quer se mantar?
— Fique calmo, eu vou! Samara está até aqui cozinhando. — Kyra ri. — Eu estava com saudades da comida dela.
Abro um sorriso, visto minha jaqueta e pego o capacete.
— Estou indo aí!
Não a espero falar nada, porque não quero que tenha tempo de me dispensar alegando que é um de seus programas girl only. Samara está lá, e, além da oportunidade de ver Kyra pessoalmente, não posso perder a chance de provocar mais reações em minha amiga.
Paro um instante ao me lembrar do espanhol. Não sei se ele está por lá. Prefiro pensar que não, afinal, Kyra está convalescente, não seria bom para ela um monte de gente em seu apartamento. Então, caso o espanhol esteja lá, é melhor ir se preparando para sair.
— Alexios! — Kostas me cumprimenta assim que entro no elevador. — Foi bom ver você, eu queria uma indicação.
Franzo o cenho.
— Vai construir algo?
Ele ri, e isso, por si só, já me surpreende.
— Não, preciso encomendar um móvel e me lembrei daquela sua amiga, a que estava no baile dos Villazzas.
— Samara Schneider. — Ele assente. — A empresa não trabalha mais para pessoas físicas, mas ela é designer de interiores, pode fazer o projeto e indicar um local para a execução.
— Ótimo!
Pego o telefone e envio o contato profissional de Samara para ele. Nunca estive no apartamento onde Konstantinos mora, mas sei que é aqui perto, uma espécie de home office já todo mobiliado. Embora curioso, não questiono o que ele quer fazer, satisfeito apenas por ele propor mais um trabalho a ela, mostrando-lhe que seu local de trabalho perfeito é realmente aqui, em São Paulo, não em Madri.
Kostas agradece – surpreendente mais uma vez – e sai do elevador andando firme e sem olhar para ninguém, como está acostumado a fazer. Meu irmão virou um trator, aprendeu a passar por cima antes de ser esmagado. O fato de Theodoros estar passando por uma auditoria só demonstra que ele não esquece quem o machuca e segue implacável para ter uma revanche.
Cada um lida com suas merdas da forma com que acha melhor. Kostas se apoiou nessa vontade de fazer Theo pagar, já eu não culpo outra pessoa senão Nikólaos Karamanlis por tudo o que nós passamos, e essa raiva é o que me manteve vivo por muitos anos. Tenho certeza de que o momento de deixá-la ir chegará, e eu vou beber e comemorar sobre a sepultura daquele porco desgraçado.
Enquanto isso, convivo comigo mesmo, com meus traumas, com minha própria culpa por não ter sido um irmão melhor para Kyra e contenho a raiva dentro de mim, amenizando-a com coisas paliativas, como Chicão me ensinou.
Cumprimento o porteiro de Kyra, que já me conhece e libera minha entrada sem nem mesmo interfonar. Aguardo ansioso dentro do elevador, afiando minha língua para fazer com que o espanhol voe para fora daqui, caso esteja no apartamento de minha irmã.
Toco a campainha, e é Samara quem me atende.
Porra!
Os cabelos dela estão naturais como eu os fantasiei mais cedo, embora presos no alto da cabeça. O aroma que sai dela é delicioso, agridoce, especial, e eu tenho certeza de que ela fez alguma das receitas de sua família.
Aproximo-me dela e a faço arregalar os olhos, aspiro o cheiro e abro um sorriso.
— Cordeiro!
Samara ri, cruza os braços e faz sinal com a cabeça para que eu entre.
— Claro! Kyra dormiu, ainda nem comeu, mas avisou que você estava vindo para cá.
Olho para todos os lados, à procura do cara de fuinha, mas nem sinal dele por aqui.
— Estão sozinhas?
Ela me encara por alguns segundos e concorda.
— Veio jantar ou só saber da Kyra?
Ah, Samara... porra!
— Você acha que eu recusaria a oportunidade de comer algo seu?
Imediatamente ela fica vermelha e desvia os olhos. É delicioso saber que entendeu bem o que eu quis dizer, mesmo que ainda não esteja pronta para responder à altura.
— Então se sente à mesa, porque já está pronto.
Samara sai da sala segura, e isso me deixa um tanto inseguro. Sua voz não demonstrou nada do que vi acontecer em sua expressão, muito menos o seu corpo. Será que entendi errado, e ela já não compartilha esse desejo louco comigo?
Vou até o quarto de Kyra e dou uma espiada em minha irmã, a cabeça martelando com a reação de Samara. Passo no lavabo, lavo as mãos antes de ir para a sala, e, nem bem me sento, a personificação das minhas fantasias aparece, já sem avental e com os cabelos soltos, carregando uma assadeira.
Levanto-me apressado para ajudá-la e coloco o utensílio, incrivelmente cheiroso, no tampo da mesa. Viro-me de repente para elogiá-la pelo aroma, mas acabo trombando com ela e a seguro pela cintura para não cair.
— Desculpa — falo tão perto de seu rosto que posso sentir o calor de sua respiração. — Eu ia dizer que está muito cheirosa sua comida.
Ela engole em seco, e acompanho os movimentos de sua garganta. Meu pau acorda, impulsionado pela proximidade, os contornos de seu corpo e a possibilidade de eu apenas me inclinar mais um pouco e tomar sua boca com mais fome do que a que sinto por seu cordeiro.
Ela me encara, o desejo lá, tirando todas as dúvidas que eu tinha sobre ter entendido errado, mas se afasta.
— Obrigada, mas recomendo comer para saber se o sabor está a contento.
Respiro bem fundo, o pênis latejando e criando volume na calça, com vontade de bufar feito um touro pronto para a monta, enquanto ela parece a serenidade em pessoa, falando da comida, sorrindo simpática.
Ela está sob controle, talvez por conta de seu compromisso com o espanhol, e isso é algo com que eu não contava.
Sento-me à mesa, e ela volta para a cozinha. Fico um tempo analisando tudo, reprogramando estratégias, porque, mesmo que não queira demonstrar, ela sente, só precisa de um pequeno empurrão.
Sorrio.
Ah, nada melhor do que trazer à tona o “anjo caído” e tentá-la até que se renda ao pecado.
Encosto-me à bancada da cozinha e respiro fundo, grata pela planta do apartamento de Kyra não ser moderna, e a cozinha estar separada da sala. Controle-se!, exijo a mim mesma, um tanto trêmula, arrepiada e, confesso, molhada.
Ainda não entendo o que está havendo com Alexios. O homem é mais estranho do que qualquer pessoa que já conheci, essa é a verdade! Eu nunca pensei que teríamos esse tipo de clima entre nós, sempre imaginei que ele não me enxergasse como mulher, então vieram os beijos, as carícias, a malícia e o toque.
Poderia ter sido simples, mas logo Alexios veio com a história de não sermos compatíveis e sumiu, mas bastou a gente se reencontrar naquele bendito restaurante japonês, e, mesmo diante de nossa incompatibilidade, a energia sexual se tornar tão presente a ponto de fazer com que Diego não só percebesse o clima, como também decifrasse meus sentimentos.
Não entendo!, suspiro. Alexios é uma contradição ambulante ou, simplesmente, alguém que não consegue manter uma decisão firme. Por que o interesse em mim? Por que esse jogo de quero/não quero para o meu lado?
Bufo, irritada, e pego a travessa com salada e a outra com arroz. Não esperava ter que lidar com ele hoje, pensei em apenas ficar um pouco com minha amiga, cuidar dela e lhe dizer o quanto me sinto orgulhosa de sua força, coragem e gesto. Preparei uma das receitas que ela mais gostava de comer, mas logo percebi que Kyra estava mais cansada do que com fome.
— Malinha! — ela me chamou. — Alexios vem me visitar, mas eu acho que não vou conseguir esperar nem por ele, nem pelo jantar.
Bocejou e fechou os olhos.
Nem tive oportunidade de falar nada, porque ela logo estava ressonando, e fiquei seriamente tentada a não terminar a refeição e dispensá-lo assim que chegasse.
Obviamente, não fiz isso! Olho para as travessas em minhas mãos e volto para a sala com o firme propósito de compartilhar o alimento com ele e logo depois comunicar que também estou cansada e que quero ficar sozinha com Kyra.
Não sou um brinquedo para ser tratada desse jeito – ora ele me quer, ora não – e não vou ceder com apenas algumas frases maliciosas e olhares sugestivos. Ele está muito enganado! Já não me derreto com a simples possibilidade de tê-lo, e isso confere um poder sobre mim mesma que nunca tive em se tratando dele.
Se Alex realmente me quiser, terá que ser direto e explicar como e o que quer comigo. Não nego que vibro inteira só de pensar nisso, mas preciso ser racional e analisar se me envolver com ele, conhecendo-o como conheço, é uma boa ideia.
Alexios não se envolve emocionalmente com nenhuma de suas parceiras, não sabe amar e nem acredita em sentimentos, a não ser no que sente pela irmã. O pior é que nem com Kyra ele se dá conta de que sua preocupação, proteção e culpa são ligadas ao sentimento fraterno; ele acha natural se sentir daquela forma apenas por ela ser sua irmã mais nova.
Caso ele revele o que quer, e eu decida aceitar o que ele propor, preciso estar consciente de que é apenas algo passageiro, uma prova, uma experiência para, quem sabe, conseguir desencanar e seguir adiante, pronta para relacionamentos mais profundos e sérios.
— Uau, tinha me esquecido de como você apresenta um simples prato de arroz — Alexios comenta assim que volto para a sala e deixo as travessas na mesa. — Senti falta de você durante todos esses anos, Samara.
Porcaria! Retenho o fôlego para me impedir de tremer.
— Achei que nem se lembrasse mais da minha existência, afinal, não recebi uma mensagem ou telefonema.
— Eu sei — o jeito evasivo da resposta me decepciona. — Eu não esqueci, apenas achei que você quisesse um tempo.
— Por ter ido embora sem me despedir? Alexios, você sabia que eu poderia ir para a Espanha a qualquer momento, falamos disso...
— Sim, mas não entendi sua atitude de ir sem ao menos um adeus. — Seus olhos ficam fixos nos meus. — Não até entender que eu, de alguma forma, a magoei. — Ele pega minha mão por cima da mesa. — Não me lembrava do que tinha feito e peço desculpas por isso.
Aperto os olhos, desconfiada, não comprando essa demonstração de humildade repentina.
— O que você quer, afinal? — decido eu mesma ser direta. — Achei que já tivéssemos deixado claro que não éramos compatíveis e que...
O telefone dele começa a tocar, e eu faço sinal para que atenda, levantando-me da mesa com a desculpa de pegar bebidas.
Escuto-o falar com alguém, sua voz se tornando mais alta a cada momento. Retorno para a sala e o encontro andando de um lado para o outro, visivelmente nervoso.
— O que houve?
Alexios xinga, vira-se de costas para mim, olhando para a noite. Fico quieta, mas continuo na sala. Percebo que ele tenta se acalmar e o deixo fazer isso no seu tempo.
— Alguém ligou para me aconselhar — sua voz baixa não me engana, sei que está possesso de raiva. — Disse que é melhor eu deixar o passado morto e enterrado, ou terei que lidar com a podridão da minha existência.
Aproximo-me dele, mas não o toco. Sei bem que ele odeia pena ou qualquer tipo de demonstração de compaixão pela sua história.
Alexios percebe que estou perto e se vira para me encarar.
— Eu preciso descobrir essa história, preciso entender o que houve, mesmo que a mulher que me gerou não esteja mais viva.
Concordo! Ele nunca teve paz por causa de todas as coisas que seu pai lhe disse e fez durante sua infância e adolescência, nada mais justo do que descobrir a verdade e tirar qualquer poder daquele verme.
— Nós vamos descobrir! — incentivo-o. — Você já foi até o sobrado?
— Uma vez — seu olhar vagueia pela sala ao dizer isso. — Não passei do salão principal, comecei a me sentir mal ao me lembrar de tudo o que vi e fiz naquele local.
Não conheço a história que ele tem com o tal sobrado, achei que era somente uma pista sobre a mãe, mas parece haver mais.
— Quer voltar lá? — pergunto, e ele assente no mesmo instante. — Vamos juntos dessa vez.
— Samara, eu não...
Venço a pouca distância entre nós e ponho o dedo sobre sua boca.
— Vamos juntos! Lembra quando eu tinha medo de pegar a bola nas vezes em que ela caía no jardim atrás da quadra? — Ele sorri ao se lembrar. — Era o jardim mais malcuidado do condomínio, parecia uma mata, e eu morria de medo de encontrar algum bicho.
— Você sempre foi péssima boleira, sempre que era queimada e ficava na ponta, todo mundo logo sabia que você não iria conseguir resgatar as bolas sozinha.
— Você sempre foi comigo e nunca reclamou.
Alexios respira fundo.
— Não é a mesma coisa, Samara. Aquele local não é um jardim malcuidado, cheio de plantas e escuro. É um antigo bordel onde muitas atrocidades aconteciam, inclusive à força. Lá dentro é podre, é pesado, é...
— Para você, Alexios! Eu nunca estive lá, o local não significa nada para mim, mesmo que eu estremeça só de pensar nas coisas que lá aconteciam. Você entrava no jardim comigo porque, para você, não passava de um amontoado de plantas. Eu vejo aquele sobrado como uma construção decadente e abandonada, nada mais, não vejo os bichos e fantasmas de lá.
Ele toca meu rosto com carinho, e eu fecho os olhos, sentindo uma energia gostosa se desprender da ponta de seus dedos e agitar meu corpo todo.
— Você é incrível! — Volto a olhá-lo. — Parece ser tão frágil em alguns momentos, mas é muito mais forte que eu.
Nego.
— Cada um tem seu ponto fraco. Eu sempre te vi como um herói, sempre nos protegendo, preocupado com Kyra, mas esse assunto sempre foi sua criptonita. — Alexios sorri com a comparação. — Eu só o via se desestabilizar quando algo relacionado ao seu passado aparecia. Nunca o vi chorar por causa das marcas roxas no corpo, mas via seus olhos cheios d’água quando ele atingia você com essa história.
— Eu sei que parece bobagem eu dar tanta importância...
— Não é! Enquanto você não souber, seu pai continuará tendo o poder de te machucar. Descobrir sua história é tirar dele a arma que usa para te ferir. Não é bobagem, Alexios!
Sou puxada para seus braços em um abraço apertado. Ele está trêmulo, frio, machucado. Não é bobagem! Alexios precisa dessas respostas para ser feliz e seguir em frente.
— Quando poderemos ir até lá? — indago baixinho.
— Amanhã. — O abraço se afrouxa, mas ele não me solta. Eu concordo com a data com um gesto de cabeça. — Não sei o que vamos encontrar, nem se vamos descobrir alguma coisa, não sei o quão suja essa história é, mas te ter comigo me torna mais forte para enfrentar o que for.
Meu coração bate descompassado ao ouvir isso, e meus olhos se enchem de lágrimas. Nunca tive a dimensão do quanto ele me considerava, porque sempre me via como aquela que estava lá para ele e não era vista. Talvez eu tenha tido uma percepção errada, e Alexios não só me via, como também o simples fato de eu ter estado ao seu lado lhe tenha dado forças para continuar vivo.
— Não! — Ele limpa meus olhos úmidos com beijos. — Não quero te ver triste, Samara.
— Não estou — asseguro-lhe, deslizando os dedos pelos seus cabelos. — Estou confiante de que vamos ter respostas e certa de que, independentemente do que descobrirmos, estarei ao seu lado.
Alexios fecha os olhos e encosta sua testa na minha. Sinto que ele deseja dizer algo, mas não consegue. Não precisa! Não é preciso palavras entre nós sobre nossa amizade, nunca tive dúvidas dela.
Minha questão com ele sempre foi eu querer mais do que ele poderia me dar. Concordo com isso, sei que ele nunca poderia me amar como eu o amo, por vários motivos. Alexios nunca poderá amar ninguém se não conseguir amar a si mesmo!
Ele abre os olhos. Eu sempre me sinto impactada pela coloração deles, entre o azul e o mais puro verde, límpido, quase transparente. Sinto a ponta do seu nariz roçar no meu, sorrio, gostando da carícia, mas, antes que eu processe o que ele pretende, seus lábios encostam nos meus, suaves, um leve roçar, nossos olhares ainda fixos um no outro.
— Eu quero você!
A confidência inesperada me surpreende e, ao mesmo tempo, confirma algo que ele já vinha demonstrando há algum tempo, mesmo que eu ainda não entenda os motivos.
— Por quê? — inquiro.
— Não sei. — O movimento de sua boca falando comigo é uma carícia deliciosamente perversa. — Eu sou fodido, mas você sabe disso. Não tenho nada a esconder, não represento nenhum mistério. Não posso fazer nada mais além de te querer, mas, ainda assim, te quero.
— Eu sei.
Alexios se afasta, e eu percebo que deixou a decisão sobre o que irá acontecer entre nós para que eu a tome. Como eu queria, colocou as cartas na mesa; agora espera uma decisão.
Sinceramente, acho loucura me envolver com ele sentindo o que sinto. Contudo, passei anos desejando-o, frustrada ao vê-lo sair com outras mulheres e nunca olhar para mim. Racionalidade! Preciso ter em mente que ele não vai me dar nada além de sua amizade e seu corpo.
Suspiro.
— O cordeiro deve ter esfriado... — tento fazer troça, mas ele não cai.
— Por mim, que gele! — Rio, notando seu desconforto com sua excitação. — Sim, eu estou fervendo, Samara, há muito tempo. Sei que você não é do tipo que trai, respeito isso, mas manter minhas mãos, minha boca e meu pau longe de você está sendo uma tortura.
Ele ainda não sabe sobre Diego! Isso me dá tempo para pensar no que devo fazer com relação aos meus sentimentos e o tesão que sinto.
— Não, eu não sou desse tipo, Alexios.
Ouço sua respiração ruidosa, quase um bufo e o observo pegar a jaqueta e o capacete.
— Obrigado pelo jantar, tenho certeza de que está delicioso! — agradece ao passar por mim e seguir para fora do apartamento.
Olho para a mesa posta, a comida ali esfriando, mas realmente não consigo pensar em mais nada a não ser no que ele me falou e na proposta implícita.
Ele me quer, e eu sempre o quis!
Esperei por ouvir isso, por senti-lo do jeito que tenho sentido, por anos. Conheço-o bem, como ele mesmo admitiu, sei até onde ele consegue ir e o que lhe é impossível de sentir. Não estou enganada ou iludida, basta apenas decidir se quero arriscar ainda mais meu coração.
Trabalhar foi quase uma missão impossível hoje! Senti-me o Tom Cruise em um dos filmes mentirosos dele e, para piorar, tive duas reuniões em que tive que fingir que estava prestando atenção e entendendo tudo.
Que grande fraude!
Minha cabeça só tem espaço para dois assuntos: a visita ao sobrado e Samara. Bem, como ela também está incluída na visita, posso então dizer que monopolizou minha mente o dia todo.
Passei as horas entre receoso e excitado, ambos os sentimentos em níveis astronômicos. O receio, claro, é sobre o que eu poderei achar naquela maldita casa, e a excitação nada tem a ver com isso, é exclusivamente causada por Samara. Gemo ao me lembrar da noite passada, do modo com que a senti tão perto, como ela é especial, o medo que tive de magoá-la e perdê-la, mas que foi sufocado pelo desejo de provar seu corpo.
Eu a quero, e não quero pouco!
É foda sentir esse tesão todo misturado ao sentimento de amizade. Tudo fica mais intenso, o fato de ela me conhecer e saber o que deve ou não esperar de mim potencializa ainda mais esse desejo. Não preciso me conter, não tenho a frieza distante que mantenho com outras parceiras, não tenho medo de ser quem eu sou.
A única coisa que ainda está fodendo tudo é o espanhol e o fato de eu ter feito a burrice de dizer a ela que deveria investir em alguém compatível. Ainda penso nisso, que ela merece achar alguém que tenha os mesmos propósitos, que possa amá-la, formar uma família, criar filhos e aquele jabuti enfurecido.
Esse não sou eu, e ela sabe disso.
Entretanto, também não é o espanhol, e eu preciso mostrar a ela!
O único ponto do meu dia em que Samara não esteve presente foi quando Cris entrou em contato comigo para comunicar a invasão de mais um dos prédios sob guarda da Karamanlis e a presença de crianças nele. Imediatamente acionei alguns amigos envolvidos nesse tipo de movimento pró-moradia e disponibilizei alguns profissionais para que garantissem a segurança dessas pessoas em questão de instalações elétricas.
Sim, eu disse a vocês, sou uma fraude!
Enquanto Theodoros e Kostas ficam desesperados procurando um meio de retirar as pessoas dos prédios, afinal, isso é da responsabilidade deles, não sabem que seu irmão mais novo mantém contato com líderes desse tipo de movimento e tenta resguardar o mínimo de dignidade a essas pessoas enquanto estão dentro de um prédio nosso.
Não sou santo, vocês sabem! Não faço isso porque sou empático ou mesmo porque estou preocupado com a questão de moradia do nosso país. Faço apenas o que acho ser certo enquanto a justiça – lerda e nem sempre justa – analisa o caso. Inevitavelmente a Karamanlis ganha a retomada da posse e consegue tirar todas as pessoas dos prédios, e eu fico com a consciência tranquila ao ver todos saírem em segurança, sem nenhum problema com instalações malfeitas e mortes por incêndios.
Isso aconteceu uma vez, e foi quando tomei a decisão de fazer algo para ajudar. Não apoio ou incentivo as invasões, mas entendo os motivos e conheço alguns líderes sérios desses movimentos. Conheci uns picaretas também, que só queriam extorquir dinheiro, ameaçar e lucrar em cima do desespero alheio e do que não lhe pertencia.
O fato é que, independentemente da liderança, são pessoas ali dentro, e elas merecem o mínimo de segurança, não ser mortas carbonizadas por conta de gambiarras. O resto é com a justiça, deixo isso nas mãos competentes de Konstantinos e nas decisões racionais de Theodoros.
O prédio invadido irá abrigar mais de 50 famílias. Cris marcou uma reunião com os líderes e ofereceu ajuda. Eles não sabem meu nome e nem o quanto estou envolvido. Faço isso anonimamente, principalmente se for de grupo desconhecido, pois já sofri chantagem de um líder mau-caráter que queria me expor.
— Tem o levantamento da quantidade de crianças? — perguntei durante nossa conversa.
— Sim, enviei para aquele seu e-mail — Cris respondeu. — A situação é muito precária, a maioria chegou somente com a roupa do corpo e tem muito imigrante, tanto quanto eu nunca vi.
Respiro fundo.
— Levante profissões e tente enquadrar quem der em alguma empresa parceira. A situação não anda boa em questão de empregabilidade, mas não custa tentar. São venezuelanos?
— A maioria, mas têm alguns vindos da África também.
— Certo, Cris, fique de olho. Provavelmente vão alertar o jurídico da Karamanlis ainda essa semana, e, conhecendo o Kostas, ele vai pedir logo uma liminar para a retirada das pessoas. Veja como conseguimos ajudar.
— E o Porto Seguro?
Olhei para todos os lados, assegurando-me de que estava sozinho, fechei a porta e respondi:
— Faltam algumas liberações ainda, mas em breve vamos conseguir usá-lo, porém sabe que não vamos conseguir atender a todos.
— Sim, temos uma lista prévia, e o Pacheco já organizou estatutos e convenções para serem aprovados depois entre os que ficarão responsáveis. Foi um belo gesto, chefe.
— Não fiz sozinho, e você sabe.
— Sei, mas a ideia foi sua!
Encerramos a ligação, e eu fiquei pensando em há quantos anos estou empreendendo o projeto chamado “Porto Seguro”. São residências em um condomínio para pessoas que não possuem condição de moradia. A execução do projeto contou com o apoio de várias ONGs, e, anonimamente, fiz todos os projetos. É algo sustentável, com economia local, uma espécie de experimento de um modelo único e que, se der certo, pode revolucionar o modo do governo pensar em moradia popular.
Envolvi-me nisso, a princípio, como uma forma de anarquia – já disse que sou ateu, mas também sou revoltado com a forma de política que temos hoje – e queria ver a sociedade civil fazendo algo com menos recursos e com mais resultados do que os projetos milionários do governo.
Mais uma vez reforço, não sou bonzinho, não faço nada sem que haja uma intenção por trás e convergência com o que acredito. Sou teimoso, gosto de provar minhas razões e desafiar lideranças.
Meu único calcanhar de Aquiles verdadeiro são as crianças. Ver um pequeno em situação de risco desperta em mim o mesmo instinto protetor que tinha com Kyra. Acho que não a ter conseguido proteger como eu queria, faz com que minha eterna penitência seja tentar proteger o maior número de crianças possível. Sei que é humanamente impraticável, mas faço o que posso.
O celular vibra, tirando-me das lembranças sobre o que aconteceu mais cedo, e respiro fundo ao ler a mensagem de Samara sobre se encontrar comigo na rua do casarão e me pedindo o endereço.
“Não, eu vou pegar você para irmos juntos. Vim trabalhar de carro.”
Ela visualiza a mensagem e em resposta envia uma mão com o polegar para cima. Rio e pergunto:
“Onde você está?”
Resolvo fazer graça e envio um emoji pensativo.
“Em casa, no Castellani.”
Gargalho com a figura que ela me manda junto à resposta, uma caveira sentada na cadeira esperando.
“Estou saindo daqui, não precisa morrer de esperar!”
O emoji escolhido dessa vez por ela é a de uma piscada com a língua de fora.
Guardo o celular no bolso e saio sorrindo da sala de reuniões. Adoro essa interação com Samara, não tenho isso com mais ninguém, ela me deixa leve, feliz, como se toda a raiva acumulada dentro de mim desaparecesse por algum tempo. Só ela consegue isso, é assim desde que meu tormento começou na infância.
Encontro-me com Millos na portaria, saindo apressado, parecendo tão aéreo que nem mesmo nota que suas mangas da camisa estão enroladas, e suas tatuagens, de fora.
— Ei, algum problema?
— Não, tudo certo! — sua resposta não me convence.
— Millos, o que está acontecendo?
— Nada.
Vejo-o sair em disparada, acentuando ainda mais minha percepção de que algo estranho aconteceu ou está acontecendo com ele. Bom, cada um com seus problemas! Eu entendo que há situações para as quais nós mesmos precisamos buscar soluções.
Dirijo até o Castellani, e, mal estaciono na frente da garagem do prédio, Samara salta para dentro do carro.
Encaro-a, olhos arregalados, sem entender o que ela pretende.
— Só faltou a touca ninja! — debocho, rindo.
Ela faz careta, mas posso ver que está tentando não rir.
— Não sabia o que vestir e estava nervosa. — Ela abre a bolsa de lona que trouxe, e vejo inúmeras lanternas. — Acha que alguma dessas vai servir?
Gargalho sem me conter.
Estamos indo para o local que foi um verdadeiro inferno na minha vida, onde há poucos dias não consegui passar do salão principal, tanto que os fantasmas de lá me incomodaram, e ela consegue me fazer rir!
Olho-a de cima até embaixo, desde os cabelos preso em um coque, passando pela blusa de mangas longas e gola alta, a calça de malha – dessas de malhar – e as botas. Tudo preto, inclusive as luvas de couro que traz em suas mãos. Ainda bem que não as calçou, porque senão iriam pensar que estávamos indo cometer crimes!
— Eu pretendo estar fora daquele local antes que a noite chegue.
Samara balança a cabeça.
— Como você pode fazer cálculos de engenharia e não conseguir calcular tempo? É óbvio que vamos demorar muito por lá! Vamos vasculhar cada canto, cada cômodo, e, pelo que você já deu a entender, a tal casa é grande.
Sou obrigado a concordar com ela e fico sério, imaginando como seria voltar para aquele sobrado à noite, exatamente o período de mais movimento e onde as piores coisas aconteciam.
De repente Samara tira dois bonés pretos da bolsa e estende um para mim. Enrugo a testa quando uma lembrança se insinua, então sorrio ao pegar a peça.
— Os exploradores do Bloco C! — exclamo. Samara sorri, os olhos brilhando, e eu percebo o que ela está tentando fazer com a roupa e agora com os bonés. — Você quer que eu me sinta em uma aventura, como quando éramos crianças e explorávamos a garagem e a casa da piscina de madrugada.
O sorriso dela se alarga.
— Já que temos que ir lá, por que vamos entrar como se estivéssemos em uma cova? Não! Eu sei que o assunto é sério e importante, mas podemos enxergar como uma caça ao tesouro, e o prêmio é descobrir finalmente algo sobre seu passado. Não vamos deixar que os fantasmas e as lembranças doloridas pesem mais do que o necessário. Vamos entrar lá, enfrentar tudo e ainda sair com respostas.
Meu coração dispara, e me sinto um privilegiado por ter a amizade dela. Sinto os olhos apertarem e os cantos da boca repuxarem de leve. É, estou sorrindo de verdade, e ela é uma das poucas pessoas que consegue isso.
Coloco o boné, sentindo-me meio idiota, mas adorando ver as coisas sob essa nova perspectiva. Ela tem razão, não tem por que darmos mais peso a algo que já é pesado. Abro o compartimento onde guardo os óculos de sol e os coloco.
Samara ri e pega os dela.
Porra! Eu queria beijar essa mulher agora até perdemos a razão!
— Está pronta para entrar no salão do capeta?
Ela ri, sopra o ombro e depois confere as unhas pintadas de preto também.
— Nasci pronta, baby!
Ô, se nasceu! Arrumo-me no banco do motorista, incomodado com meu pau apertado na calça jeans e ligo a seta para voltar à estrada. O perfume dela enche o carro, sua presença é suficiente para me deixar desperto e esfomeado.
— Eu queria trepar com você nesse instante!
Samara engasga, e eu gargalho. Não tinha a intenção de soltar isso assim do nada, mas, já que já saiu, foda-se!
Sinto seus olhos manjando o volume nas minhas calças, e isso faz meu pau se contorcer. Ela geme, pigarreia e liga o som. O refrão de Closer, da banda Nine Inch Nails quase nos ensurdece, e ela desliga o aparelho o mais rápido que consegue.
Paro no sinal vermelho e a encaro, sorriso malicioso, tesão refletindo nos olhos.
— Acho que a banda concordou comigo.
Samara enfrenta meu olhar.
— É? — indaga provocante. — Como um animal?
Ela leva a mão até minha ereção, e fecho os olhos com a carícia deliciosa.
— Se você quiser! Eu só quero foder você, não importa como.
O sinal abre, e ela tira a mão quando um apressado filho da puta dispara a buzina do carro. Respiro fundo, volto a dirigir, mas percebo que ela adorou a brincadeira e a interrupção.
Gostei disso! Ter a mão dela sobre meu corpo foi algo inesperado, mas completamente bem-vindo!
Preciso de mais!
I want to fuck you like an animal!21
Puta merda! Apresso-me a desligar o som do carro, resistindo à enorme vontade de gargalhar de mim mesma. Alexios consegue me desconsertar e me excitar ao mesmo tempo. Estávamos aqui, falando em deixar nossa exploração do tal sobrado mais leve, e, de repente, ele dispara que quer trepar comigo, como se essa frase fizesse parte do contexto da conversa.
Adorei ouvir isso! Já sabia – óbvio, diante de todas as carícias e todos os amassos que já demos –, porém, ainda assim, adorei ouvi-lo soltar a frase quase como se estivesse pensando em voz alta.
Só não soube como responder. Não sei ser direta, nunca fui assim, então, como a idiota que sou, resolvi ligar o som, e a música não poderia se encaixar melhor ao momento.
Alexios comenta o mesmo que pensei agora:
— Acho que a banda concordou comigo.
Encaro-o. Estamos parados no farol vermelho. O carro dele é blindado, com película preta em todos os vidros. Isso me ajuda a tomar coragem e agir de um jeito que nunca pensei em fazer, mas que agora acho que é o momento de começar.
Ele merece um pouco do próprio veneno!
— É? — minha voz sai sussurrante. Passo a língua timidamente pelos lábios. — Como um animal?
A calça dele se move novamente, como a vi fazer antes, seu pau pulsando sob o tecido grosso. Sempre quis tocá-lo, sempre quis saber se era verdade o que as outras garotas comentavam sobre ele ser magro, mas ter o pênis grosso como um braço.
Deve ser um total exagero, mas por que não comprovar?