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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ALEXIOS
ALEXIOS

                                                                                                 

 

 

 

 

Ele me encara, e eu concordo, impossibilitada de falar depois do desabafo de Kyra. Minha amiga sempre soube que eu era apaixonada por seu irmão, como fez questão de frisar quando cheguei ao Brasil. Por mais que eu entenda que tudo o que sinto não passa de uma ilusão, ela também não pode achar que a amizade entre mim e ele seguiria normal, como se nada tivesse acontecido.

Não dá! Não quero mais viver esse amor platônico.

— Eu não suportaria ver qualquer um de vocês magoados! Vocês são meu único referencial de família!

— Não há nada de mais acontecendo, Kyra — tento acalmá-la. — Alexios e eu só ficamos muito tempo afastados...

— E continuam desde que você voltou — ela completa.

— Kyra, essas coisas não se forçam — Alexios diz com calma. — Nós sempre seremos um trio, mas crescemos, cada um tomou seu rumo, não somos mais adolescentes...

— Embora alguns ajam como um... — solto sem querer, e um clima pesado se forma.

Alexios me encara como se não entendesse o que eu disse, e Kyra sorri.

— Prometam que sempre seremos os melhores amigos independentemente do que acontecer.

Respiro fundo, pois me lembro bem de quando ela nos fez prometer isso pela primeira vez, há mais de 10 anos.

— Prometo — Alexios responde e me encara.

Respiro fundo.

— Prometo.

Kyra sorri, balança a cabeça e volta a arrumar a mesa, porém Alexios e eu não nos movemos.

— Queria que você soubesse que, embora tenha pedido desculpas pelo que aconteceu no elevador, não me arrependo — meu coração dispara ao ouvir isso. — Não quero nunca perder sua amizade e sei que você nunca quis que misturássemos as coisas, ainda mais agora, que está noiva, por isso me desculpei, mas não me arrependo. Quis beijar você e beijei.

— Por quê? — minha voz sai baixinha.

— Não sei, também me questionei isso, não consegui separar as coisas como fazia antes e...

— Aconteceu — respondo e dou uma olhada de rabo de olho para a Kyra apenas para confirmar que ela está entretida com a mesa. — Pouco antes de eu ir embora, você me beijou. — Alexios franze a testa, seus olhos inquietos como se tentasse lembrar. Ele não se lembra! — Você bebeu, foi até meu apartamento e dormiu lá, então...

Ele arregala os olhos.

— Abusei de você?

Nego.

— Um beijo parecido com o do elevador, mas na cama. — Ele fica cada vez mais surpreso. — Não se lembra mesmo?

— Não, do beijo, não. Foi por isso que foi embora sem se despedir? Ficou chateada comigo? Eu devia estar muito bêbado, sei que não é desculpa, mas...

— O jantar está servido! — Kyra anuncia.

Dou de ombros, ainda sem saber o que falar para ele ou o que sentir sobre isso. Eu sempre achei que ele se lembrava, mas que preferiu ignorar o que houve, por isso nunca tocou no assunto ou tentou me contatar na Espanha.

— Samara? — Alexios me chama. — Eu sinto muito.

A cada pedido de desculpas dele, mais um buraco se abre entre nós dois.

— Não precisa se desculpar pelo beijo, você estava bêbado e...

— Não estou me desculpando por ter te beijado, mas sim por não lembrar. — Isso me surpreende. — É um absurdo não me lembrar de um beijo seu. — Alexios sorri cheio de malícia. — Seus beijos são um tesão!

Ele passa por mim, seguindo para a mesa de jantar, mas não consigo me mover, totalmente confusa sobre essa conversa. Nunca tocamos nesse tipo de assunto, não sobre mim e ele, e é tão inusitado que não sei o que pensar.

— Samara? — Kyra me chama.

Vou até eles e tomo assento à mesa de frente para Alexios. Olho para ele e novamente vejo a expressão diferente em seu rosto. Suas pupilas verdes me transmitem coisas que nunca achei possível ver em seu olhar.

Desvio a atenção para a comida servida no meu prato, em dúvida sobre se estou enlouquecendo ou se ainda consigo lê-lo como antes. Se realmente ainda conheço meu melhor amigo da infância, não posso estar errada.

Alexios Karamanlis me quer!


— O que você pretende com esse jantar? — disparo assim que invado a cozinha de minha irmã, fazendo-a pular de susto enquanto lixa a unha encostada em uma das bancadas da cozinha.

— Merda de susto, Alexios! — Ela põe a mão no coração.

— Vim pegar minha cerveja, achei que você estivesse ocupada, mas, pelo visto, só estava aqui fazendo hora enquanto eu “fazia sala” para a Samara. — Cruzo os braços. — O que você está tramando?

— Eu? — Ela faz cara de inocente, mas minha irmã não me engana. — Só estava esperando o jantar ficar pronto. — Aponta para o forno. — Qual é o problema de você e Samara conversarem um pouco depois de tanto tempo?

— Kyra, você não me engana! Festa de Natal, baile dos Villazzas e agora esse “jantarzinho” aqui. Fala o que você pretende!

Ela me dá as costas e abre o forno, tirando uma travessa de dentro dele.

— Vocês estão estranhos um com o outro. Queria reestabelecer a paz e nossa amizade.

Claro que eu sinto que há mais do que isso, mas, como não quero que ela perceba que algo mudou em relação à minha percepção sobre Samara, deixo-a pensando que seu papinho furado me convenceu.

Volto com ela para a sala e, assim que ponho os olhos em Samara de novo, sinto meu pau reagindo com fúria. Porra! Não posso passar a noite toda excitado, parecendo um velho babão comendo-a com os olhos.

Ela está noiva!, friso a todo momento, mesmo que eu ligue um foda-se para esse tipo de “empecilho” quando quero comer alguém. O único porém é que ela não é qualquer mulher, não é uma desconhecida com quem eu poderia trepar e depois nunca mais ver, é a Samara, a melhor amiga de minha irmã, que, um dia, também foi minha melhor amiga.

— O cheiro está incrível! — Samara elogia a comida que Kyra carrega em uma travessa, levantando-se do sofá e indo ajudar minha irmã a pôr à mesa. — Há muitos anos não sinto algo tão delicioso!

Não resisto a me aproximar por trás dela e inalar bem fundo seu perfume suave e de bom gosto, imaginando como seria ter meus lençóis impregnados com esse aroma.

— Eu também não — minha voz sai cheia de tesão, meu hálito se choca contra a pele do pescoço dela e só então percebo que me aproximei demais.

Samara me encara sem entender o que está acontecendo. Eu me aprumo, e ela se afasta.

Controle seu cavalo, Alexios Karamanlis!, repreendo-me, querendo concentrar-me em algo que me faça relaxar enquanto vou à cozinha. Nem preciso procurar muito quando volto, pois minha irmã arma uma cena – sim, uma cena muito teatral, na qual, pelo visto, Samara cai direitinho – para nos deixar sozinhos e constrangidos.

Não sei o que me impulsiona a me abrir com ela, pois isso não faz parte de quem eu sou, mas algo me impele a falar sobre o beijo e como me senti.

— Queria que você soubesse que, embora tenha pedido desculpas pelo que aconteceu no elevador, não me arrependo. — Ela fica sem ação. Temo perder sua amizade – que nem sei se ainda tenho –, mas continuo: — Não quero nunca perder sua amizade e sei que você nunca quis que misturássemos as coisas, ainda mais agora, que está noiva, por isso me desculpei, mas não me arrependo. Quis beijar você e beijei.

— Por quê? — a pergunta dela me surpreende, pois pensei que iria ignorar a questão ou ficar puta comigo.

— Não sei, também me questionei isso, sempre consegui separar as coisas como fazia antes e...

— Aconteceu — Samara me interrompe, e eu não entendo do que fala. — Pouco antes de eu ir embora, você me beijou. — Tento me lembrar de como e quando aconteceu, mas nada me vem à memória, somente o amasso no elevador. — Você bebeu, foi até meu apartamento e dormiu lá, então...

Arregalo os olhos, lembrando-me exatamente do dia ao qual ela se refere. Eu tinha tido uma discussão com Theodoros, algo relacionado aos prédios inativos de Nikkós e minha ideia de transformá-los em moradias populares, feitas com materiais de qualidade, mas vendidas a preço justo, desconsiderando sua localização, e ele me chamara de idealista sonhador.

Não sou, nem nunca fui a porra de um idealista sonhador. Sou um playboy endinheirado por acaso, mas poderia ser qualquer outro homem trabalhador, sem direito a morar, a transitar e a usufruir do melhor desta cidade caótica. Todo o bem que eu faço tem fundo egoísta, pois eu sempre me coloco na situação, imaginando como seria se Nikkós não tivesse me assumido. Eu não teria vivido o inferno que vivi nas mãos dele, mas poderia ter conhecido outros.

Sempre que sou obrigado a me encarar por baixo de toda a beleza estética que todos elogiam, por trás da máscara de burguesinho herdeiro, eu faço besteira. Bebi e fui parar no apartamento de Samara, porém achei que, como acontecera outras vezes, ela me deixou dormir lá e nada mais.

— Abusei de você? — indago receoso, sabendo que nunca me perdoarei se tiver feito algo a ela.

Ela nega, e sinto alívio imediato.

— Um beijo parecido com o do elevador, mas na cama. — Arregalo os olhos mais uma vez, excitado, imaginando o corpo de Samara sob o meu, o cheiro dela despertando todos os meus sentidos. — Não se lembra mesmo?

Porra, como pude esquecer?!

— Não, do beijo, não — confesso, e as coisas parecem fazer sentido, pois nunca entendi o motivo pelo qual ela foi para a Espanha sem falar comigo. — Foi por isso que foi embora sem se despedir? Ficou chateada comigo? Eu devia estar muito bêbado, sei que não é desculpa, mas...

— O jantar está servido! — Kyra anuncia e me interrompe.

Samara tenta demonstrar que o assunto não tem importância, mas eu sei que teve, que, por isso, ela foi embora e nós ficamos longe por três anos.

— Samara? — chamo-a antes que volte à mesa. — Eu sinto muito.

— Não precisa se desculpar pelo beijo, você estava bêbado e...

Merda! Mais uma vez não estou me desculpando pelo beijo, porra! Beijá-la é uma delícia, só fico puto por não ter feito isso antes!

— Não estou me desculpando por ter te beijado, mas sim por não lembrar. É um absurdo não me lembrar de um beijo seu — sorrio, deixando bem claro que estou falando sério. — Seus beijos são um tesão!

Não espero que ela me responda e sigo para a mesa, o corpo todo acalorado, a mente tentando puxar a lembrança de tê-la em meus braços, sonolenta e disponível, o pau pulsando de vontade dela.

— Samara? — Kyra a chama, e ela se senta à minha frente. Nossos olhos se encontram, e noto que ela percebe o quanto estou excitado por sua causa. Não me escondo, deixo que ela tenha consciência de que mexe comigo de forma diferente do que somente amizade.

Ela desvia o olhar, e eu respiro fundo, prevendo um longo e doloroso jantar, contando os minutos para poder estar sozinho e tocar uma para me aliviar.

 

— Doutor Alexios? — Ana Flávia, uma das recepcionistas, me para na entrada do prédio da Karamanlis duas semanas depois do jantar na casa de Kyra.

Infelizmente não me encontrei mais com Samara depois daquela noite, e, segundo informações obtidas com minha irmã, ela ainda está na casa dos pais, pois, além de cuidar da mãe, está passando mais tempo com o velho Ben Schneider.

Nunca gostei do pai dela, principalmente por ele ser tão amigo de Nikkós. Houve uma época em que pensei que os dois eram da mesma laia, mas tanto Samara quanto o seboso do Daniel eram “normais”, para passarem pelo que meus irmãos e eu passávamos.

Quando Samara soube o que ocorria em minha casa, logo também começou a questionar a amizade entre nossos pais e chegou à conclusão de que Benjamin não sabia das atrocidades de Nikkós. Ela pensou em pedir ajuda ao pai, mas desencorajei-a, pois seria muito perigoso caso ele realmente fosse mais um dos súditos de meu pai.

Então ela continuou achando que seu pai não sabia de nada, e eu, achando-o farinha do mesmo saco do maldito Nikkós Karamanlis. Minha amizade nunca foi aprovada por eles, que sempre fizeram questão de dizer o quanto Samara era infinitamente melhor que eu.

Nunca os contestei, porque era verdade; nunca estive e continuo não estando no mesmo nível que ela. Não tenho nada a oferecer à minha melhor amiga a não ser toda raiva e revolta que carrego dentro de mim, por isso, mesmo me sentindo incomodado, fiquei contente que ela tenha achado o homem dos seus sonhos.

— Bom dia! — cumprimento a recepcionista, o sorriso automático que uso com todos, curioso pelo motivo que a tirou detrás do balcão da recepção para vir correndo atrás de mim.

— Bom dia, tenho um recado do doutor Millos. — Ela parece ofegante. — Ele pediu para que o doutor subisse diretamente para a sala dele.

— Ele disse algo mais? Ou aconteceu algo relevante?

— É só o que sei, doutor. — Ela sorri. — Desculpa não poder ajudar.

Agradeço e sigo o mais rápido possível para o último andar do prédio onde ficam as salas de Theodoros e Millos. Não é comum meu primo, que chegou há duas semanas de viagem, chamar-me em sua sala. Quando ele precisa falar comigo algo pessoalmente, geralmente desce até a K-Eng e, claro, não costuma deixar recados na portaria.

Pego meu telefone e me espanto com o número de ligações e mensagens de Millos. O aparelho estava silenciado desde ontem, e me assusto com a urgência do meu primo para falar comigo.

— Dormiu comigo? — a voz de Laura me faz olhar para o lado, dentro do elevador, e a encaro sério.

— Não te vi aí — digo seco. — Bom dia.

— Bom dia! Como você está?

Respiro fundo.

— Bem. — O elevador para no andar onde fica o departamento de TI, a gerência responsável pelo georreferenciamento. — Seu andar. — Aponto para fora.

Ela se aproxima de mim devagar, seu perfume me envolve, e sua voz soa sexy em meus ouvidos:

— Essa noite, que tal?

Fico excitado, claro, nós nos damos muito bem na cama e, mesmo com outras preocupações na cabeça, assinto. Não valho nada!

Ela sai do elevador sorrindo. Concentro-me um instante em sua bunda gostosa antes de as portas se fecharem e me lembro da pressa de Millos para falar comigo.

Alguma coisa deu merda!

Nos segundos que ainda fico dentro do elevador, fico tentando adivinhar o que poderia ter disparado meu primo “zen” desse jeito. As possibilidades não são poucas, porém, as que mais acredito são relacionadas ao Kostas. Sim, porque meu irmão é foda quando enfia algo na cabeça, e desde sempre ele quer ver Theodoros fora da empresa, por isso armou uma arapuca bem armada com o Conselho Administrativo.

Então, eis as possibilidades: o Conselho conseguiu provas de mais merdas de Theodoros (eu acho essa a mais improvável); a auditoria que o Conselho quer fazer na gestão de Theo vazou para a impressa, e nossas ações caíram (sei que vai parecer louco, mas sorrio amplamente com essa possibilidade); e, por último, Kostas e Kika se mataram e foderam nosso processo com a Ethernium.

Saio do elevador gargalhando, apostando na última opção.

— Bom dia, Luiza! — cumprimento a secretária da diretoria. — Millos está...

— Graças a Deus, doutor Alexios! — Ela se levanta correndo da cadeira e praticamente me arrasta pelo corredor que leva à sala do Millos. — O doutor Millos está me deixando louca aqui, nunca o vi tão agitado!

Outra luz vermelha de alerta se acende em minha cabeça. Fodeu!

Millos é tão insuportavelmente calmo – pelo menos o que ele nos deixa ver de sua personalidade, porque o homem é um camaleão na hora de esconder o que sente e sabe – que enervaria até o feroz Godofredo da Samara.

Samara...

— O doutor Alexios! — Luiza me anuncia, o que é estranho, porque nunca somos anunciados, e chega para o lado para que eu entre.

Bem, se eu não conhecesse um pouco meu primo, não iria querer entrar e ficar sozinho com ele nesta sala. O homem anda de um lado para o outro. Os cabelos, sempre penteados e fixos com alguma pomada, estão bagunçados, caindo no rosto; ele não usa paletó, e as mangas da camisa social estão dobradas até os cotovelos, deixando todas as tatuagens que ele mantém escondidas à mostra.

— Alex! — ele bufa. — Ainda bem, preciso de você.

— Meu, o que aconteceu para te deixar assim? — Rio um pouco, mesmo preocupado.

Millos fecha os olhos e respira fundo. Ele parece falar algo baixinho para si mesmo e então arruma o cabelo e começa a ajeitar a camisa.

— Sente-se, Alex, estamos esperando Konstantinos.

Bingo! Perdemos a Ethernium.

— Não pode adiantar o assunto?

Ele veste o blazer e se senta, plácido, em sua cadeira.

— Prefiro contar de uma vez só, então, vamos aguardar o...

A porta da sala é aberta, e vejo Kostas entrar seguido por Luiza, que parece sem saber o que fazer, nervosa e confusa. Meu irmão não é nada polido e acha que ser gentil com as pessoas é desnecessário. Ele é direto, objetivo, do tipo “time is money”!

— Ainda bem que chegou, sente-se — Millos começa, e Kostas, para meu espanto, faz o que ele pede sem questionar.

Franzo o cenho, pois continuo achando-o diferente. Algo está rolando!

— Bom, chamei vocês aqui para dizer que estive com Duda Hill — Millos olha de um jeito estranho para Kostas — no hospital e conheci a Tessa, uma garota de oito anos que foi diagnosticada com uma doença rara e...

— Millos, resume! — perco a paciência, curioso demais sobre o rumo dessa narrativa.

— Ela é filha do Theo.

Eu me engasgo com minha própria saliva, e Konstantinos arregala os olhos, além de ficar branco como nunca o vi.

— Como assim a menina é filha do Theodoros? — ele questiona embasbacado.

Millos dá de ombros.

— Não chamei você aqui para fazer fofoca da vida pessoal de seu irmão mais velho, e todos nós temos idade suficiente para saber como se faz um filho. — Suprimo uma risadinha e a piada que estava na ponta da minha língua quando ele ergue a sobrancelha na minha direção. — O fato é que Tessa é filha dele sem sombra de dúvidas, e precisamos fazer algo para ajudá-la.

— A doença é muito grave, Millos? — pergunto.

— É, e rara. — Millos olha para Kostas. — Em algum momento você já ouviu falar em Geórgios II?

Meu corpo inteiro gela. Ouvi novamente a voz de Nikkós me comparando ao irmão morto enquanto me socava e dizia que eu não servia nem como peça substituta, pois só ficou comigo quando nasci porque pensou que minha “semelhança” com o filho primogênito de Geórgios o faria ganhar pontos, mas isso não aconteceu.

— O filho mais velho do pappoús — Kostas fala, e meu estômago embrulha. — Morreu jovem de uma doença rara.

— É a mesma doença? — Assusto-me, pois conheço essa história de cor e não posso crer que esteja se repetindo.

— Parece que sim. — Millos respira fundo. — Precisamos de um doador familiar.

— Caralho! — xingo, com pena da menina e da mãe. — Theo sabe?

— Ainda não, mas já está voltando ao Brasil, então poderei conversar com ele com calma. — Concordo com meu primo. — Reuni vocês aqui para perguntar se estão dispostos a fazer o teste.

— É claro que eu quero! — respondo de pronto, mas Kostas ainda parece chocado, sem saber de onde veio o tiro que o acertou.

Millos e eu olhamos sério para ele, aguardando a resposta. Se esse advogado sarado, bonitão e frio que está ao meu lado ainda conservar algo do irmão que conheci quando criança, não se negará a ajudar.

— O quê? — Kostas parece despertar do transe no qual estava e questiona, totalmente perdido.

— Fazer o teste de compatibilidade com ela — Millos fala sem paciência.

— Temos chance? Afinal somos todos de mães diferentes! — Millos assente, e eu abaixo os olhos, porque, enquanto eles sabem de quem são filhos, eu não faço a mínima ideia. — Eu farei também, conte comigo!

A resposta de Konstantinos me faz ter certeza de que algo realmente está acontecendo com ele. Millos e eu sorrimos satisfeitos. Talvez meu primo também esteja vendo o mesmo garoto que ia passar férias na Grécia e que brincava com ele, assim como eu vejo o Tim no meu sisudo irmão.


— Alex, tem um pessoal de laboratório aqui solicitando te ver.

Elis, a única secretária da K-Eng, avisa, parada na porta da sala de projetos, onde estou debruçado sobre uma enorme prancha com desenhos padrões da Ethernium.

Estamos correndo contra o tempo para adequar o padrão internacional da empresa às normas de construção e ambientais brasileiras, o que cabe à minha equipe aqui na K-Eng, mesmo que ainda não estejamos avaliando a fundo todas as questões da instalação da empresa, pois estamos montando apenas um croqui para a área escolhida pelos hunters e fazendo os estudos necessários para a apresentação ao cliente sobre a viabilidade do local.

É uma parte chata, mas que eu gosto de fazer, por isso dispenso ajuda para trabalhar sozinho, intercalando entre o AutoCad e as pranchas impressas.

— Até que enfim! — Levanto-me da cadeira onde trabalho e faço sinal para que ela o deixe entrar.

Estou à espera do pessoal do laboratório para recolher minha amostra de sangue desde que Millos anunciou que não precisaríamos ir até o hospital. Não sei se posso ajudar, mas estou disposto a isso caso seja compatível, ainda que não tenha um relacionamento harmônico com Theodoros.

Confesso que fiquei um tanto decepcionado por não ter de ir ao hospital para o exame, pois tinha esperança de conseguir usar essa desculpa para conhecer a menina e a mãe, que vi apenas uma vez, quando Millos inventou um jantar de aniversário e reuniu nós três – Kostas, Theodoros e eu – no restaurante de Duda Hill.

Meus irmãos mais velhos foram embora, mas Millos e eu decidimos ficar mais um pouco e tomar mais algumas cervejas, e, no final da noite, a chef saiu da cozinha, e Millos a cumprimentou. Meu primo a conhecia bem, pois esteve negociando com ela por muitos anos a compra do imóvel onde funcionava o bar.

— Boa tarde, doutor Alexios! — um dos profissionais do laboratório me saúda. — Preciso, antes de colher o material, fazer umas perguntas a você, pode ser?

Meu corpo começa a ficar tenso.

— Pode, sim — respondo sério e sorrio para a garota nova e bonita que o acompanha.

Ofereço assento a eles perto de uma das mesas baixas que temos aqui nesta sala, cheia de pranchetas e mesas enormes para comportar projetos, e o homem tira um iPad da bolsa.

— Bom, primeiro vou fazer perguntas básica para cadastramento no site do REDOME, caso o doutor queira se tornar um doador de medula, ainda que não seja compatível com sua sobrinha.

— Sem problema, eu nunca doei nem sangue, mas preciso lhes informar que tenho algumas tatuagens.

A moça ri.

— Isso não tem problema! — o entrevistador diz sério. — Preciso dos nomes de seus pais completos, documentos, endereços e contatos. O doutor prefere responder diretamente ou a mim?

Estendo a mão em sua direção, e ele me entrega o aparelho. Faço o cadastro, mas omito o nome de Sabrina, mesmo tendo-a em meus documentos no local de filiação materna.

— Ficou um espaço obrigatório em branco. — O homem aponta exatamente para a lacuna de preenchimento do nome da mãe.

Respiro fundo, dando continuidade à farsa que sempre foi minha vida.

— Sabrina Ferreira Karamanlis — respondo a contragosto.

O homem me explica sobre a doação, sobre o cadastro para a rede de doação de medula, mas não presto muita atenção, a mente vaga pela questão de minha filiação, pelo desejo louco de encontrar respostas sobre o que aconteceu quando nasci, como e por que a mulher que me gerou me entregou ao Nikkós e nunca mais voltou.

Percebo, depois de um tempo, que a garota loirinha e de cintilantes olhos azuis não para de me olhar. Estava tão perdido em pensamentos que nem notei que estava olhando na direção dela, porque eu a fitava sem ver. De soslaio, confirmo que o homem lê algo no tablet e então retribuo o olhar interessado dela sem nenhum pudor.

Ela ruboriza e sorri sem jeito, olhando para baixo. Seu jeito inocente desperta minha fome de sexo, aguçando meus sentidos, fazendo-me perceber o cheiro que ela exala, sentir o calor de seu corpo e constatar que, pela resposta do seu corpo ao meu, separados por apenas uma mesa, a inocência é algo a ser esquecido se eu a encontrar em local reservado.

— Compreendeu tudo?

Volto a prestar atenção ao homem que a acompanha.

— Perfeitamente — minto, pois não ouvi uma palavra sequer.

A garota se levanta, abre a maleta com a qual veio e tira de dentro dela verdadeiros instrumentos de tortura. Rio nervoso, lembrando-me de que nunca gostei de injeções, mas arregaço a manga da camisa que uso para deixar meu braço à sua disposição.

Ela desinfeta o local, pesquisa a veia e depois coloca um tipo de guia e começa a encher o tubinho de sangue. O processo é rápido, praticamente indolor – talvez por eu estar distraído com os olhares de apreciação dela a cada segundo –, e logo ela etiqueta meu nome no tubo e o põe numa frasqueira.

— Agora nós vamos recolher o sangue do doutor Konstantinos — ele informa, despedindo-se.

A garota não o acompanha imediatamente, pois enrola para descartar tudo o que usou dentro de um pack especial para material contaminante.

Aproximo-me dela.

— Quer ajuda?

Ela me encara, abre um sorriso em retribuição ao meu e nega.

— Já acabei aqui. — Aponta para meu braço. — Tudo bem?

Seguro o riso por ela estar preocupada que eu esteja dolorido em razão de uma picada de agulha. Mal sabe ela que já suportei coisas muito piores.

— Você tem a mão de um anjo, não sinto nenhum desconforto no braço. — Ela olha para as próprias mãos. — Lindas e habilidosas, do jeito que eu gosto.

A moça me olha, mas saio de perto dela, voltando para a mesa com o projeto da Ethernium. Não demora muito, e ela põe um cartão do laboratório sobre o tampo.

— Meu número está anotado atrás, caso precise novamente da minha mão.

Pego o cartão, confiro o número e sorrio.

— Curioso para conferir todas as habilidades dela.

Não a vejo sair da sala, pois volto a prestar atenção à prancha aberta na mesa. Faço algumas anotações, olho o arquivo no computador e continuo a trabalhar sem pensar de novo na garota do laboratório.

Qual era mesmo o nome dela? Não faço ideia!

 

Depois de todas as emoções do dia na Karamanlis, com a revelação de que Theodoros tem uma filha de oito anos e que a menina está doente, o dia passou rápido, e, por conta da pressão de Kostas sobre a Ethernium, trabalhei boa parte da noite também, chegando a casa bem tarde.

Chicão, ainda instalado no meu apartamento, lavava a louça do jantar e me deu um olhar curioso sobre minha demora.

— Trabalho, meu amigo! — disse, colocando minha mochila no sofá. — Ainda sobrou algo comestível aí?

— Infelizmente, não, mas posso fazer algum sanduíche para você.

Chicão abriu a geladeira e me mostrou os ingredientes. Aceitei a oferta e, enquanto ele trabalhava, notei dois pratos lavados no escorredor.

— Teve companhia no jantar?

Ele riu.

— Samara, sua amiga, aceitou o convite de acompanhar esse velhote aqui em uma refeição saudável. — Sua cara debochada não me passou despercebida, porque, muito embora o homem tenha quase 60 anos, está longe de ser um velhote. — Encontrei-a no saguão chegando aqui ao prédio e a convidei para me fazer companhia.

Samara...

A reação nova e intensa que apenas o nome dela me causa é algo que me surpreende ainda, mas que já aprendi a aceitar. Desde nosso reencontro, já não consigo vê-la como via antes. A amiga – quase irmã – deixou de existir, e, cada vez que a vejo ou penso sobre ela, só vislumbro a mulher que enlouquece meu corpo e me faz pensar em todo tipo de sujeira que ela e seu jeito conservador nunca aceitariam.

— Ah, merda! — Chicão xingou e chamou minha atenção para si, deixando meus pensamentos e o tesão sobre Samara de lado. — Esqueci de oferecer a ela meu cheesecake de tofu.

Fiz careta.

— Aposto que ela vai te agradecer por isso.

Ele negou e pôs um enorme pedaço em um prato.

— Claro que não, ela adora tofu e o estilo de vida que adotei. — Minha careta incrédula o fez me encarar sério. — Ela elogiou muito minha comida, algo sobre o namorado dela também ser vegano.

— Outro fresco, então — comentei, e Chicão riu. — O que foi?

— É algo novo ver Alexios Karamanlis com ciúmes!

O quê?!

— Chicão, você está louco! — Ri em deboche. — Eu com ciúmes da minha melhor amiga? Ela já teve vários namorados, nunca me importei.

Ele perdeu a expressão brincalhona.

— Nunca se importou ou se acostumou a não se importar por achar que ela merecia alguém melhor que você? — Engoli em seco ao ouvir a pergunta. — Eu ainda me lembro de quando você me contou sobre o baile de formatura dela, quando ela o convidou para que você a acompanhasse e...

— Isso não importa, eu era um garoto — cortei o papo rápido, pois nem me lembrava de ter contado isso a ele.

Ele suspirou e deu de ombros.

— Vou levar a sobremesa para ela — anunciou, caminhando para a porta. — Depois eu monto seu...

— Não acha que está muito tarde para ir até o apartamento dela? — Apontei para o enorme relógio de aço na parede da cozinha. — Amanhã...

— Ela me disse que está trabalhando em um projeto grande com o irmão e que por isso iria passar boa parte da noite acordada.

Fui até meu amigo e peguei o prato com a torta de sua mão.

— Pode deixar, que eu levo para ela. Meu sanduíche não está pronto, e eu estou com fome. — Apontei para os ingredientes que ele pegou na geladeira. — Enquanto vou lá, você adianta isso aí.

O filho da mãe riu da minha desculpa mal dada.

— Está certo.

Desci os andares de escada até o apartamento dela e por isso estou aqui, prato com um cheesecake de tofu na mão e dedo prestes a tocar a campainha, mas nervoso como estava no baile dela há tantos anos.

O clima entre nós mudou de uma forma surpreendente. Nunca imaginei que a certinha, feliz e bem-resolvida Samara Schneider fosse corresponder ao meu tesão. A verdade é que nem eu imaginava sentir-me assim com relação a ela.

Samara sempre foi uma amiga companheira e incrível, e eu a admirava demais, principalmente seu jeito doce de tratar minha irmã, às vezes tão incompreendida por todos. Todavia, quando ela fez 17 anos, algo mudou na forma como eu a enxergava – não que eu a achasse gostosa ou que ela despertasse meu tesão naquela época –, passei a vê-la como a mulher perfeita, aquela à qual qualquer homem sentiria orgulho de ter ao seu lado e a coloquei em um pedestal quase divino, um alvo inalcançável que eu nunca seria digno de tocar. Nunca Alexios Karamanlis chegaria aos seus pés por causa das marcas que trazia consigo, seu passado nebuloso e seus traumas.

Bufo de raiva com esse pensamento e aperto o botão da campainha.

Foda-se! Ela e eu não somos mais as mesmas pessoas, e ter percebido que o interesse que sinto por ela agora é recíproco me faz ignorar todas as certezas que eu tinha sobre o que era melhor para nós dois: distância física.

Ela abre a porta, um tanto surpresa com minha visita, mas não emito nenhuma palavra, nem mesmo um cumprimento, pois só consigo olhá-la, fitar os cabelos ao estilo natural, encaracolados e cheirosos, o aroma de um banho recém-tomado e o roupão cobrindo seu corpo.

— Alexios? — ouço sua voz questionadora, mas não respondo de volta, feito um idiota.

A verdade é que estou paralisado buscando controle. Meu corpo inteiro está me empurrando na direção dela, com vontade de jogar o prato com a sobremesa pelos ares, puxá-la contra mim como fiz no elevador e só parar quando estivermos os dois nus, suados e satisfeitos.

Encaro seus olhos e me surpreendo com o reflexo desse mesmo desejo.

Foda-se de novo!

Escuto o barulho da louça se partindo no chão, mas ligo uma merda para a bagunça que a horrorosa torta de tofu fez nos corredores, pois minha concentração está toda no corpo dela, cheiroso e fresco, junto ao meu e na minha boca, que devora a dela com fome.

Samara corresponde ao beijo com a mesma intensidade, sua língua atacando a minha, suas mãos agarradas na minha camisa me puxando mais para perto, como se quisesse me fundir a ela.

Não penso mais nada a não ser em tê-la nua contra mim e, arrastando-a para dentro de sua sala de estar, puxo o cinto do roupão, afasto-o dos seus ombros e sinto a peça de seda deslizar por seus braços, mas não cair no chão.

Apalpo devagar sua pele, tremendo e gemendo, minha boca ainda grudada na dela. Sinto a curva dos seios cheios, as ondulações de suas costelas, a cintura fina e firme e – meu pau quase explode neste momento – a carne macia de sua bunda.

Que doideira!

Minha vontade é de beijá-la inteira, desde o dedão dos pés até o alto da cabeça, lambê-la devagar, arrastar minha língua, lábios e dentes por sua pele, vendo-a se arrepiar, sugando os pontos mais sensíveis de seu corpo, sentindo o sabor de sua boceta, e beber seu orgasmo, deliciando-me como se fosse uma iguaria.

Abro os olhos e paro o beijo sem afastar meus lábios dos dela. Samara me olha de volta, seus olhos castanhos brilhando de puro tesão, um respirando o ar do outro.

Não movo meus dedos, ainda cravados nos músculos de seu rabo delicioso. Sinto meu pau latejar pressionado contra sua barriga, minha cabeça dá mais voltas do que quando eu curtia um barato, e não sei discernir quem é que está tremendo, se eu ou ela.

Ainda olhando-a, contorno sua boca com minha língua, chupo seu queixo, beijo sua mandíbula. Não quero falar nada, não precisamos de palavras, embora eu saiba que ela irá precisar delas mais tarde. Não quero pensar nisso, apenas senti-la. Neste momento nós dois somos iguais, sentimos o mesmo desejo, não importa o quão diferentes realmente sejamos.

Samara geme alto e volta a fechar os olhos, suas mãos agarram meus cabelos enquanto beijo e mordo seu pescoço. O roupão continua todo aberto, pendurado em seus braços, tentando-me a olhar para o corpo nu que já senti com minhas mãos e que, mesmo sem ver, consigo imaginar perfeitamente apenas com o toque.

Desço mais, continuando os beijos em seus ombros, colo, ansioso por chegar aos peitos maravilhosos e tomá-los na boca sem nenhum pudor, sugando e mamando como um esfomeado.

Os gemidos dela se misturam ao som de um celular vibrando que ela nem parece perceber e que, embora eu tenha escutado, não faço o menor gesto de alertá-la para o fato, ainda mais agora, quando tenho o que quero nas mãos.

Gemo com ela quando sugo um mamilo rígido e afago o outro com o polegar. Chupo devagar, conhecendo-o, entendendo suas terminações nervosas e calculando seu prazer a cada sucção mais forte ou mais leve.

O som da campainha do telefone fixo soa alto, mas é ignorado sumariamente, como foi a vibração do celular. Rio contra o peito dela, perverso, seguro-o com os dentes, deliciando-me com os suspiros e gemidos enlouquecidos, o leve ondular de quadris que ela executa contra meu corpo, evidência máxima de que está pronta para mim.

— Samara, cariño, contesta.

Imediatamente ela fica fria, tensa, e eu nem preciso questionar para saber de quem é a voz que soa alta na secretária eletrônica.

Porra!

Afasto-me a contragosto, e a expressão culpada e assustada dela me faz sentir como um monstro.

Merda!


— Samara, cariño, contesta!

Meu corpo, até então completamente entregue e seduzido por Alexios Karamanlis, quente pelo toque de suas mãos sobre minha pele, seu beijo intenso e todas as promessas de prazer que cada gemido e suspiro fez, parece receber um banho de água fria ao ouvir a voz de Diego soar na secretária eletrônica.

Diego?!

Um arrepio de frio perpassa meu corpo, fazendo-me perceber que estou nua, exposta, e o constrangimento me toma de um jeito que nunca senti. Abro os olhos e descubro que os de Alexios já estão me encarando.

Não sei o que falar ou como agir, sinto-me mal pela situação e, ao mesmo tempo, querendo ser a mulher que não sou, mandar tudo pelos ares e voltar a agarrá-lo.

Não sou assim, não sou inconsequente ou movida por impulsos.

Alexios parece entender o meu dilema e, sem olhar para o meu corpo, recoloca o roupão nos meus ombros, e eu junto as abas dele para criar a distância necessária e para o fim da exposição.

— Eu sinto... — Alexios começa, e eu balanço a cabeça, não querendo mais ouvir nenhuma palavra de desculpas. Olho para trás, para o móvel onde meu telefone está e sinto uma enorme dor na consciência. Por quê?

— O que tem significado isso tudo, Alexios? — pergunto ainda sem olhá-lo. — Já não é a primeira vez que...

— Acho que a distância me deixou confuso.

Encaro-o, sobressaltada com a resposta.

— Como assim?

Ele parece nervoso, não me olha diretamente e está prestes a sair daqui o mais rápido possível. Reconheço essa reação, pois sempre que ele percebia que estava fazendo merda, agia assim.

— Você é uma mulher bonita, Samara, nunca ignorei isso, mas nossa proximidade te mantinha a salvo. — Ele ri e, quando me olha, está com a expressão que usa quando quer disfarçar algo, e eu sei que vai mentir para mim. — Você me conhece, sabe que eu sou galinha e que não posso ver uma boc... mulher. Acho que a distância quebrou essa armadura, sabe? Mas está errado, você não foi feita para uma foda sem sentido, já tem um cara que deve ser compatível com você, e misturar as coisas entre nós só vai dar merda.

— Compatível? — volto a questionar, sem entender o que ele quis dizer com esse discurso todo. Eu tive várias fodas sem sentido, principalmente porque me sentia carente ou enciumada por vê-lo desfilar com seu séquito de mulheres, não sou a santa delicada e pura que ele me faz parecer. Sobre Diego, o que significa essa de compatível? Ele nem sabe de quem se trata!

— Porra, Samara! — Alexios bufa. — Ele deve ser alguém que...

O telefone volta a tocar, e Alexios aproveita a deixa para acenar e sumir do apartamento. Fico parada, olhando para a porta que ele bateu ao sair, ouvindo a campainha irritante do telefone, sem entender o que está realmente acontecendo.

— Samara? — fecho os olhos ao ouvir a voz de Diego novamente. — Cariño, estou ligando porque llegué a São Paulo. — Corro até o aparelho, trêmula com a notícia. — Se suponía que seria una surpresa, pero no lembro tu dirección, así que...

Percebo o quanto ele está confuso, intercalando o espanhol e o português a todo momento, então saio da letargia causada pelo momento em que ligou e a surpresa de sua vinda ao Brasil e pego o aparelho.

— Diego!

— Carajo! — o palavrão é carregado de alívio. — Ya iba a un hotel, me alegra que hayas respondido. No se nada de esta ciudad.

— Você está mesmo no Brasil? — indago perplexa, e ele responde que sim. — Quando chegou?

— Hace una hora. Feliz por esta surpresa?

Olho para a porta. Ainda sinto o cheiro do perfume de Alexios em toda a sala. Respiro fundo e tento me concentrar na situação estranha em que me encontro agora. Diego veio ao Brasil sem me avisar, como se todas as nossas conversas sobre o término não tivessem existido. Ele parece enxergar sua vinda como uma surpresa positiva, como se eu estivesse esperando-o aqui ansiosa.

Deus do Céu, o que será que ele está pensando? Tento raciocinar com calma. Estou abalada com o que houve com Alexios há pouco e confusa com tudo isso.

— Diego, vou te passar meu endereço pelo aplicativo.

Pego meu celular, vejo as inúmeras mensagens e chamadas que ele fez e que ignorei para estar nos braços de Alexios, recebendo as migalhas de atenção e desejo que ele resolveu me dar. Meu coração se aperta, e a cabeça ferve, o orgulho ferido por mais uma vez estar agindo como a garota carente que suspirava pelo garoto rebelde pelos cantos.

Mando o endereço para Diego, que confirma que recebeu, despeço-me dele e tomo consciência de que ele está no Brasil, que veio atrás de mim, coisa que Alexios nunca seria capaz de fazer, afinal, passou três anos sem nem mesmo pegar um telefone para me ligar. Claro que eu não esperava que Diego viesse e, na verdade, nem sei como me sinto com relação a isso. Estou confusa e sem reação.

Encaro-me no espelho que tenho em cima de um móvel e vejo não só a mim mesma, mas todos os meus medos, inseguranças e dúvidas, que voltaram a partir do momento em que pisei no Brasil no final do ano passado.

Diego não reconhecerá essa mulher, nunca fui assim com ele, nem com mais ninguém a não ser Alexios. Sou segura, independente, conheço meu valor tanto como mulher quanto como profissional. Então por que Alexios mexe comigo a esse ponto? Por que me desestrutura tanto?

Chega!, penso irritada.

Vou para o banheiro e ligo o chuveiro em temperatura fria e com alta pressão a fim de tirar de mim todo o desejo e as sensações que o beijo de Alexios me causou há pouco.

Ele não é para mim, nunca foi e nunca será!, vou repetindo isso durante o banho, lavando minha pele como se pudesse lavá-lo do meu coração e dos meus sonhos.

 

— Oi! — Diego me saúda assim que abro a porta do apartamento, experimentando mais uma palavra em português das muitas que lhe ensinei ao longo dos anos de convívio.

Abro um sorriso, reparando em sua beleza máscula, seus olhos escuros, rosto anguloso, nariz reto e comprido e boca sedutora. Ele é alto, magro e tem um senso de moda extraordinário. E me pergunto por que não consegui me apaixonar por ele.

— Hola! — Ele gargalha e me puxa para um abraço. Fico tensa, mas ele não parece perceber e me beija. Como não correspondo ao beijo, Diego se afasta e me olha como se não entendesse o motivo pelo qual não retribuí sua carícia, mas depois sorri como se nada tivesse acontecido.

— Entra — chamo-o para sair do corredor. — Sua vinda me pegou realmente de surpresa, nem sei o que dizer.

Diego se desvia de algo, e vejo cacos de louça e o resto de uma torta no chão. Imediatamente lembro-me que Alexios segurava algo antes de me beijar e fico vermelha ao pensar que ele jogou para o alto antes de se atracar a mim.

— Era a ideia. — Ele ri. — Usted estava confusa, e a distância no ajudava, así que aquí estoy.

Assinto, nervosa, e fecho a porta, como se isso pudesse acabar com a lembrança do beijo de Alexios e a dor de mais uma vez sentir sua rejeição. Diego continua me encarando, seus olhos brilhando de curiosidade, a testa levemente vincada de preocupação.

— Você deve estar exausto depois dessa viagem, não quer se instalar e tomar um banho?

Ele concorda.

— Tu hablas mais corrido aqui — ele fala enquanto anda atrás de mim, arrastando sua mala. — Pero treinei muito para compreender.

— Está se saindo muito bem! — Sorrio sem jeito e lhe mostro o banheiro.

Diego beija minha testa. O gesto de carinho aperta meu coração, e mais uma vez me questiono por que as coisas não podem dar certo entre nós. É certo que entre mim e Alexios nunca vai haver nada, então é justo eu ficar a vida toda esperando por um milagre enquanto posso tentar ser feliz ao lado de alguém que gosta de mim?

Eu tentei! Tentei mesmo, com afinco, tanto que achei que havia conseguido superar o que sentia, mas percebi que estava apenas reagindo à distância que impus ao Alexios e não o esquecendo.

— Eu li que o Real perdeu do Ajax nas oitavas da Liga — puxo um assunto neutro, e Diego assente e dá de ombros ao mesmo tempo.

— Sí! — diz desanimado. — Está una desorden por lá, então, só posso ficar unos dias contigo. — Diego cheira meu pescoço, e institivamente eu me afasto. — Vamos juntos para o banho?

Nego, precisando de um tempo para achar uma solução para esse imbróglio em que estou metida. Não quero magoá-lo, mas não vejo como não ser sincera com ele, mesmo tendo percorrido essa distância toda para me ver.

— Diego, nosso relacionamento acabou, não era uma crise minha e estou te recebendo aqui como um amigo. — Ele fica um tempo me olhando, parado, mas não fala nada.

— Desfrute do seu banho e descanse, vou preparar o quarto de hóspedes e algo para você comer quando sair.

— Te quiero, Samara.

A declaração quebra meu coração, e sinto meus olhos marejarem. Não respondo nada, apenas sorriso e corro para a cozinha. Que situação mais fodida essa!

Quando escuto barulho no banheiro, sento-me à mesa, coloco as mãos na cabeça e tremo, nervosa, sem saber como fazer para lidar com tudo o que está acontecendo.

 

— Uau! — Kyra comenta assim que Diego sai da mesa do restaurante onde nos encontramos para almoçar. — Não me lembrava de que ele tinha esse sexy appeal latino!

Rio dela e dou uma olhada em direção ao banheiro.

— Ele tem! — Suspiro. — Veio de surpresa ontem, e eu não sei o que fazer para convencê-lo de que minha decisão foi definitiva. Acabou!

— Talvez se mostrasse a ele a porta da rua? — Kyra ri.

— Kyra! — ralho com ela. — Não posso fazer isso assim! Não tenho motivo algum para maltratá-lo, Diego sempre foi um homem bacana comigo. Eu não queria magoá-lo...

— Amiga, vamos encarar a realidade! De qualquer maneira você irá magoá-lo, porque não quer o mesmo que ele. Para de ser covarde e diga logo que não vai voltar para ele e que não há chance de ficarem juntos! — aponta para minha cara — Seja franca!

Bufo.

— Já falei, mas parece ele não está me levando a sério. Não sei mais o que fazer!

Minha amiga olha para o fundo do restaurante, onde ficam os banheiros, e volta a me encarar.

— Resolva isso!

— Como? Ele veio da Espanha só para me ver, não tenho motivo nenhum para expulsá-lo. — Mostro a língua quando ela abre um sorriso. — Kyra, é cruel demais!

— E daí? O homem já se mostrou meio louco, recusando-se a aceitar o término e ainda vindo aqui para pressionar você! Larga de ser trouxa e mostra a ele a realidade, senão daqui a pouco, por conta da sua pena, farei esse casamento, e, amiga, esse eu faço questão de fazer e nem vou me sentir culpada!

Reviro os olhos diante da sua provocação.

— Eu sei! Estou me sentindo mal com isso tudo e, para piorar... — interrompo-me antes de falar o que não devo.

— Para piorar... — Ela me olha séria. — Samara, o que você está me escondendo?

— Alexios e eu nos beijamos — confesso, e Kyra arregala os olhos — algumas vezes.

— O quê?! — ela fala tão alto que chama a atenção dos ocupantes das mesas vizinhas.

— Shiiiiiiii! — Faço sinal para ela falar mais baixo. — É isso, Alexios e eu nos beijamos e... — abaixo ainda mais meu tom de voz — se Diego não tivesse chegado e ligado para meu telefone, teríamos transado.

Kyra arregala os olhos novamente.

— Que empata-foda do cacete! O que foi que eu perdi? — Ela ri nervosa. — Vocês mal estavam se falando, tanto que montei aquele jantar exatamente para tentar resolver isso e...

— E o baile dos Villazzas também foi uma armadilha? E a noite de Natal? — acuo-a e, pela expressão culpada, percebo que sim. — Merda, Kyra, o que você pretendia com isso tudo? Agir como cupido?

— Não! — responde de pronto. — Eu só não aguentava mais ficar atuando como garota de recados de vocês dois — não entendo o que ela me diz, e Kyra simplifica: — Alexios perguntava de você de tempos em tempos enquanto esteve na Espanha, e eu não estava disposta a continuar nessa levada com você de volta a São Paulo.

Sou tomada de surpresa pela informação.

— Alex procurava saber de mim enquanto estive fora? — Ela confirma. — E você nunca me contou isso?

— Ué? Você mesma me pediu isso ainda no aeroporto, lembra? — Concordo. — Eu sabia que você tinha ido embora para tentar esquecê-lo! E, bem, por causa de Diego, achei que tivesse superado, mas... que história é essa de beijos?

— Não sei, só aconteceram... — paro de falar ao ver Diego se aproximar da mesa. — Depois conversamos mais.

— Pode ter certeza de que vamos! — Ela sorri para Diego. — É sua primeira vez em São Paulo? Sabia que a cidade tem ótimos hotéis?

Arregalo os olhos com a sua cara de pau.

— Sí! Já estive no Rio, mas nunca aqui. — Ele me abraça pelos ombros e ignora a deixa dela sobre os hotéis. — Estou contando com Samara para fazer tour pela ciudad. Tengo unos companheiros de trabalho que vieram morar aqui, pero ainda no conseguir hablar com eles.

— Eu já expliquei que acabei de fechar um trabalho aqui e que o tour não será possível.

Diego assente, mas não disfarça sua decepção.

— Bom, faço questão de recebê-los para um jantar. — Ela sorri para ele, mas reconheço sua expressão maldosa. Filha da mãe!

— Ah, Samara disse que usted é promoter. — Kyra faz que sim, orgulhosa. — Quem sabe então não realiza nosso casamento?

Quase me engasgo com a água que acabei de colocar na boca. Kyra para de sorrir no mesmo instante e me olha alarmada. Consigo ouvir o que ela está pensando apenas por sua cara assustada. Sempre tivemos isso, essa comunicação sem palavras. Ela acha mesmo que Diego é louco; também começo a sentir uma certa apreensão.

O clima fica tenso. Não sei o que responder, então Kyra desvia o assunto, mas não deixa de me olhar cheia de avisos a cada oportunidade que tem. Ela tem razão, preciso resolver isso rápido, antes que as coisas se descontrolem.


Acordo sentindo dor nas costas, o chão gelado arder na minha pele, a cabeça rodar, e a minha boca parece cheia de cinzas. Abro um olho; a claridade irrita-o, depois abro o outro. Tento me mexer, mas há um peso no meu braço que me impede.

— Merda! — resmungo baixinho.

Ontem à noite, depois de ter quase levado Samara para o sofá da sala dela e trepado como um louco, não consegui voltar para meu próprio apartamento e acabei ligando para Laura.

Eu precisava de uma transa rápida e urgente, por isso liguei para ela, pois já havíamos trepado tantas vezes que achei que não teria nenhum problema. Realmente não teve.

Cheguei, bebemos, trepamos, depois bebemos mais e voltamos a fazer sexo. Caímos exaustos e acordei agora, com Samara ainda na cabeça e a vontade de sair correndo daqui e ir até ela me cortando por dentro. Não vou! Apesar de não querer dizer o que disse, não menti quando falei sobre o tal espanhol ser melhor para ela do que eu.

Qualquer um é melhor do que eu!

Samara merece o melhor, sempre foi perfeita, e me envolver com ela é egoísta da minha parte, pois sempre serei só um arremedo de homem, um ser destruído que esconde suas frustrações e imperfeições por detrás de um rostinho bonito e uma atitude falsa.

Nunca poderia oferecer a ela mais do que ofereço a qualquer outra mulher: interesse sexual intenso, porém regado a frieza emocional e total desprendimento. É isso que sou, o oposto do que ela é.

— Bom dia! — Laura ronrona ao acordar.

Respiro fundo e abro um sorriso.

— Bom dia! — Aproveito que ela acordou e me levanto do chão. — Preciso ir para o trabalho.

Ela geme, seu corpo delicioso exposto.

— Ah, temos um tempo ainda...

Nego e coloco a calça.

— Preciso mesmo ir. — Pisco para ela. — Até mais tarde.

Saio praticamente correndo do apartamento dela, entro na garagem e subo na moto sem pensar duas vezes. Estou com fome, meu estômago ronca alto, então me lembro de que não como há horas, pois não tive a oportunidade de jantar na noite passada antes de ir até o apartamento da Samara com aquela maldita torta de tofu.

Novamente meu corpo sente os efeitos do tesão inesperado que estou sentindo por ela. Não olhei para seu corpo nu, mas toquei-a de maneira que a imagem se faz completa em minha cabeça, potencializada pela percepção de sua pele, a maciez, as curvas, a temperatura, o músculo tenso da base da coluna e sua bunda de glúteos duros.

Bufo dentro do capacete, excitado na moto a ponto de sentir dor por causa da posição de pilotagem.

Pensei que buscar alívio para essa atração fosse a solução para a loucura que é querer minha melhor amiga, mas percebi que não, não foi e talvez nunca seja. Eu a quero, preciso do toque de sua pele na minha, da respiração quente que escapava de seus lábios entreabertos enquanto eu beijava seu pescoço, do sabor de sua saliva e de toda a doçura que há nela e que contrasta com minha acidez.

Quando eu era mais jovem, senti-me puxado para ela de uma forma que me assustou, principalmente porque achei que Samara nunca entenderia. Freei-me e esqueci, mas, ao que parece, o sentimento só ficou represado, crescendo dentro de mim, enquanto eu negava ou fingia que não a via.

Bom, admitir que, a cada vez que a vejo, tenho vontade de comê-la inteira já não é mais nenhuma surpresa; nem mesmo dizer que acho loucura qualquer pensamento de um envolvimento entre nós além do de amizade. O que eu tenho que fazer então é lidar com esse tesão inesperado e indesejável da maneira com que sempre lidei com o que me incomoda: ignorando-o.

Deixo a moto na garagem do prédio e subo apreensivo dentro do elevador, com medo e ao mesmo tempo ansioso por vê-la. É uma merda essa situação toda. Essa mistura de sensações dentro de mim me faz parecer o menino que nunca fui, pois sempre fui atirado e inconsequente com as coisas que queria.

— Bom dia! — Chicão me cumprimenta assim que entro no apartamento.

Ele, como todas as manhãs, está sentado em seu tapete de ioga na sala de jantar – totalmente sem móveis – se alongando. Já tentou me convencer a praticar o exercício várias vezes, porém nunca me interessei, mesmo achando que poderia me fazer bem.

Francisco tem quase 60 anos, com uma saúde e musculatura invejável para qualquer “rapazola”. Gostava de sair com ele para a balada, pois logo chamávamos a atenção das mulheres e sempre nos divertíamos muito em noitadas de sexo muito loucas.

O homem com seus cabelos brancos e tatuagens atrai garotas como o açúcar atrai formigas, é impressionante!

— Bom dia — resmungo sem nenhuma cordialidade e coloco água na máquina de café, sem deixar de perceber que há verduras e frutas frescas na bancada da cozinha. — Foi às compras?

— Fui — ele responde, mesmo estando de cabeça para baixo. — Vou preparar umas marmitas de saladas, porque quero fazer uma trilha nesse final de semana. Topa ir junto?

Nego.

— O trabalho está uma loucura, é impossível sair. Além do mais, tem a situação da filha de Theodoros, que eu gostaria de acompanhar.

Ele sorri e se senta.

— Eu pensei que você tivesse passado a noite no sétimo andar, mas descobri que não. — Chicão me encara. — O que houve?

Respiro fundo, pego a xícara fumegante de café e dou de ombros.

— Passei a noite com uma mulher com quem tenho saído. — Meu amigo se surpreende. — Nada de mais, ela sabe que é só diversão e sexo. Mas como você soube que eu não tinha passado a noite com... no sétimo andar?

Chicão levanta-se, enrola o colchão e passa por mim.

— Encontrei a Samara com um homem na garagem hoje de manhã. Os dois riam, ele a abraçou e beijou várias vezes, então era óbvio que você não esteve com ela.

— Um homem na garagem? — Os nós dos meus dedos ficam brancos tamanha a força com que seguro a xícara. — Tem certeza de que era a Samara?

— Tenho! — ele grita de dentro do quarto da área de serviço. — Ela não me viu, mas era ela, sim. Acho que era o tal noivo.

Penso na ligação dele, sua voz chamando-a de cariño, a tensão no corpo dela e a culpa em seus olhos. Será que o “cabrón” veio para o Brasil?, penso incomodado, imaginando-o tocando-a como eu mesmo fiz ontem à noite e indo além.

— Merda! — resmungo, e Chicão, que já está de volta à cozinha, olha-me curioso, seu semblante irritando-me, como um velho monge sábio. — Pode tirar da cara essa expressão de Mestre dos Magos17!

Ele ri.

— Não estava fazendo isso, apenas tentando entender tudo, porque eu lembro que você saiu daqui com um pedaço de cheesecake de tofu para ela e só está voltando agora de manhã. Estou só tentando ligar os pontos!

— Fodam-se os pontos! — Abandono a xícara praticamente cheia de café em cima da bancada. — Eu não passei a noite com ela, o que foi sensato, e o noivo deve ter vindo atrás...

— Porque ele não é bobo e tem atitude de homem.

Meu sangue ferve de raiva.

— Vai se foder, Francisco! Não tenho mais 20 anos, você não consegue mais me manipular com suas provocações e psicologias reversas.

— O que é uma pena, porque você precisa delas tanto quanto precisava aos 20 anos. — Ele bufa, demonstrando finalmente impaciência e raiva. — Vai mesmo perder a única mulher com quem você realmente se importou a vida toda fora sua irmã?

— Samara é... era minha melhor amiga, por isso teve essa permanência na minha vida. Se eu tivesse trepado com ela em algum momento, certamente ela nem olharia mais na minha cara. — Respiro fundo. — Além do mais, ela merece coisa melhor.

O clima fica pesado. Chicão e eu ficamos um longo tempo em silêncio, constrangidos. Talvez ele também reconheça que eu nunca deveria ter cogitado a ideia de ter algum tipo de relacionamento com ela. Samara merece mais, merece alguém que possa amá-la, e eu não sou esse cara.

— Deu a ela esse poder de escolha? — ele pergunta de repente.

Encaro-o.

— Não vou foder a vida dela por causa do meu tesão. — Chicão concorda. — Samara não é do tipo que teria um caso “de férias” comigo e depois voltaria para o noivo como se nada tivesse acontecido.

— Sim, ela não faria isso.

— Exato. — Aprumo meu corpo e decido me arrumar para o trabalho. — Ela merece mais do que uma casca vazia.

— Você não é...

Meu telefone soa alto, e ele se cala.

— Oi, Kyra! — cumprimento minha irmã do outro lado da linha.

— O resultado do exame de compatibilidade saiu — sua voz parece tensa, quebrada.

— Eu sei. O meu deu negativo, infelizmente. — Ela soluça. Sei que não está chorando, mas imagino seu estado de ansiedade. — O que houve?

— Eu sou, Alexios! — Sorrio ante a resposta, cheio de esperança de a menina ter a chance de continuar vivendo.

— Vai doar? — questiono-lhe apenas para ter sua confirmação, porque não tenho dúvida nenhuma de que ela irá fazer isso.

— Sim, mas ainda estou em choque com o resultado. — Ela funga. — Eu gostei, claro, mas você entende que, de todos, a única compatível fui eu, justamente eu, que passei anos odiando o pai dela?

— Sim, e ver que você superou o ódio e está disposta a fazer isso por eles me enche de orgulho. Eu tenho orgulho da mulher que você se tornou — declaro, consciente da mágoa que ela teve do nosso irmão mais velho por tudo o que aconteceu, principalmente por causa de Sabrina.

— Vou ao hospital mais tarde hoje, quero dar a notícia pessoalmente, mesmo que ache que eles já saibam. — Ela suspira emocionada. — Millos me disse que ela parece conosco, Alex. Tem olhos como os nossos e os cabelos claros como os seus, mas ainda não a conheci. Eu quero!

— Uma Karamanlis — murmuro, pensando se o velho grego irá rejeitá-la por não ter nascido de um casamento tradicional, assim como fez comigo. — Que ela tenha mais sorte que todos os outros!

— Ela terá!

Apesar de não ser tão positivo como minha irmã, sorrio e concordo. Tessa terá mais chances do que todos nós tivemos, principalmente por ter passado boa parte de sua infância longe de todos os monstros dessa família.

Encerramos a ligação, e eu entro no banho para começar mais um dia de trabalho, porém, devo confessar, apesar de toda essa situação em torno de Tessa e Theodoros, não consigo deixar de pensar em Samara e no homem que Chicão viu com ela hoje mais cedo.

Meu estômago arde, a típica queimação que tenho sempre quando algo me desagrada muito. Acho besteira sentir ciúmes ou qualquer sentimento relacionado a possessividade com relação a ela, mas não posso dizer que não esteja sentindo.

Eu queria poder merecê-la, essa é a verdade. Mantive-me todos esses anos o mais afastado possível dela como homem, vendo-a apenas como amiga, alguém com que eu poderia contar, confiar, mas não como mulher. Por quê? Simples! Medo de perdê-la.

Eu nada mais sou que a porra de um covarde!

 

A situação no trabalho no resto da semana foi tensa, e aproveitei essa desculpa para ficar longe do Castellani. Saía cedo de casa e voltava quase de madrugada, trabalhava sem parar e tentava não pensar em mais nada fora dos assuntos da Karamanlis.

Na tarde daquela mesma manhã em que soube que o espanhol tinha vindo atrás de Samara, recebi outra ligação de Kyra, só que dessa vez em tom menos amigável do que da primeira.

— Que merda você fez com a Samara? — ela disparou assim que eu atendi.

— Não sei do que você está falando.

— Merda, Alexios, beijos?! — Fechei os olhos ao pensar que Samara contara isso para ela, temeroso também pela forma com que o tinha feito.

— Não quero falar sobre isso...

Ela começou a rir, e eu fiquei tenso.

— Conte uma novidade! Você nunca quer falar sobre nada!

Isso me surpreendeu a ponto de me fazer levantar da minha cadeira.

— Eu?! — Ri sarcástico. — O sujo falando do mal lavado, não é, Kyra?

— Exatamente por isso estou falando que você se fecha em copas, somos parecidos. A única diferença é que eu não brinco com os sentimentos dos meus amigos.

A acusação doeu bem no local onde ela deve ter mirado. Filha da puta!

— Não estou brincando com ninguém, aconteceu, apenas. Não foi nada de mais para nenhum dos dois, tenho certeza.

— Meu Deus, Alexios! — Kyra resmungou impaciente. — Você é cego ou é burro? — aguardei que ela me explicasse esse questionamento retórico, mas ela seguiu com o assunto: — Diego está no Brasil. O homem realmente gosta dela, atravessou o oceano para passar apenas uns dias em sua companhia.

— Eu imagino.

— Eu odeio pensar que, se ela se casar com ele, irá morar na Espanha e que só nos veremos de tempos em tempos, como antes — sua voz soou triste. — Mas respeito a decisão dela e quero que ela seja feliz, e ele realmente parece ser um homem decidido, que vai atrás do que quer. Ele entende que é um sortudo por tê-la, então, não fode tudo!

— Eu não tenho intenção alguma de...

— Eu sempre sonhei em ver vocês dois juntos — ela me interrompeu e me deixou completamente boquiaberto com sua revelação. — Era o cenário perfeito na minha cabeça, sabe? Meu irmão e minha melhor amiga juntos. Vocês são tão diferentes, mas tão complementares, que eu tinha a esperança de que...

— Eu não posso, Kyra — cortei-a antes que seus sonhos me contaminassem também. — Samara merece mais, você sabe disso.

— Você também merece, Alex. Samara sempre esteve ao nosso lado, nunca nos julgou, nunca questionou nosso jeito, foi nosso amparo, nossa tábua de salvação, nossa amiga. Eu quero muito que ela seja feliz. O espanhol bonitão pode conseguir fazê-la se sentir assim, mas quem poderá fazer você perceber que também merece ser?

Espanhol bonitão... confesso que, quando ela disse isso, eu não foquei muito nessa questão, mesmo porque a sua pergunta me fez sentir um peso enorme no peito, uma vontade desgraçada de ter o que nunca havia tido. Entretanto, agora, voltando a analisar a conversa, o ciúme e a curiosidade me corroem por dentro.

Samara me fez muita falta durante os anos que passou no exterior, e sei que minha irmã também se sentiu assim. Eu não sabia que ela tinha ido embora do Brasil magoada comigo por causa de algo que eu nem lembrava que tinha feito – maldito álcool –, e me senti abandonado por ela.

Nunca tive noção de que ela me desejasse, pois sempre a vi numa redoma intocável, em um pedestal inatingível. Não sei como agir de agora em diante, se apenas ignoro o tesão e a vejo ser feliz como merece ou se sigo sendo o mesmo inconsequente de sempre e vou atrás do que quero.

Merda!


— É um prazer, senhora — Diego cumprimenta minha mãe com seu forte sotaque, arrancando suspiros de dona Ana Cohen.

— Ah, tão bom ouvir esse sotaque de novo! — Mamãe sorri. — Seu avô falava exatamente assim, lembra, Samara?

— Sim — respondo, ainda tensa, sentada no sofá da sala de estar da mansão dos Schneiders, com minha mãe em uma poltrona, meu pai em outra, meu irmão e sua noiva em pé, perto do aparador, conversando.

De alguma forma, meus pais souberam que ele estava aqui no Brasil e, então, começaram a me pressionar para levá-lo até eles. Tentei de todas as formas demovê-los dessa ideia, mas então meu pai apareceu em meu apartamento – em horário em que eu não estava, e ele sabia – e convidou o Diego para um jantar.

Não tive mais como me recusar a vir com ele, e o pior foi descobrir, quando chegamos, que minha mãe estava promovendo um jantar familiar para conhecer meu namorado. E agora está aqui, completamente apaixonada pelo encantador Diego Vergara. Puta que pariu!

Estou há dias tentando conversar com Diego, mas o homem se fecha a cada vez que tento entrar no assunto. Ainda continua dizendo que estou confusa, que a distância entre nós me deixou assim e o pior: que veio para me reconquistar.

Eu quase não tenho ficado em casa, saio para o escritório da empresa todos os dias para trabalhar, e ele anda pela cidade, fazendo o tour que planejou, como se estivesse tudo bem.

Estou ficando preocupada com isso. Não sei o que ele pretende, pois está claro como o dia que não vai mais rolar nada entre nós. Tentei enxergá-lo como um amigo que veio à passeio, mas agora realmente a situação está indo longe demais e tirando meu sossego.

Nos primeiros dias, fiquei tensa pela possibilidade de cruzar com Alexios pelos corredores do Castellani, receosa com minha reação ao encontrá-lo depois do que houve. Contudo, mesmo morando no mesmo prédio, não coincidimos nenhuma vez em horários, e eu acabei relaxando. Não vou mentir que ainda penso no que poderia ter acontecido naquela noite, nem que eu tremo só de me lembrar do toque dele.

Meu pai pergunta a Diego sobre o seu trabalho como assessor de imprensa, e os dois entram em uma conversa longa sobre futebol. Peço licença a eles para ir até a cozinha – para onde Dani foi há pouco – e encontro meu irmão conversando com a Cida.

— Tudo bem?

Ele dá de ombros, e vejo a Cida rolar os olhos.

— Bianca teve um imprevisto e não vai ficar para o jantar — meu irmão justifica. — Estava aqui dizendo a Cida que teremos um a menos na mesa. O que merda esse homem está fazendo aqui com você? Já não tinham terminado?

— Ai, Dani, a situação está mais complicada do que imaginei — resmungo. — Algum problema sério com Bianca?

— Não, trabalho — responde seco, e percebo que ainda está incomodado com a presença de Diego. — Parece que o espanhol conquistou a mamãe...

Fico sem jeito, e Cida ri.

— Basta saber se conquistou a Samara. — Ela me encara. — Não parece.

Faço careta, e Dani bufa.

— O que está acontecendo?

Não quero preocupar meu irmão ou envolvê-lo nos meus problemas.

— Nada, estamos conversando apenas. Ele quer me reconquistar.

— Não estou gostando disso, Samara. Resolva essa situação.

Eu confesso baixinho:

— Estou tentando.

Olho para o meu irmão, sério, encarando-me como se estivesse analisando minha reação mais do que minha resposta. Ele me conhece bem demais para ter deixado passar o susto que passei com o convite e o constrangimento que estou sentindo por ter Diego aqui.

— Acho melhor voltarmos para a sala. — Daniel passa por mim. — Não pega bem deixar o visitante lá e ficarmos aqui de conversa fiada. Além do mais, ainda tenho que dizer à mamãe que Bianca teve que ir embora. — Ele parece contrariado. — Eu disse que esse jantar era uma péssima ideia!

— O que está acontecendo, Cida? — indago assim que ele sai da cozinha. — Tenho a impressão de que meu irmão não está muito feliz para alguém que está prestes a se casar, estou certa?

— Daniel nunca foi uma pessoa que demonstra o que sente, filha.

Bufo, cada vez mais preocupada. Meu irmão não se abre comigo, e, ao que parece, Cida também não vai falar nada. Eu o amo tanto que chego a sentir arrepios de medo só em imaginá-lo em uma relação que não quer apenas para agradar aos outros e não entendo o motivo pelo qual ele está insistindo no casamento.

Bianca e ele juntos no mesmo ambiente deixa tudo tão frio que eu chego a estremecer!

Eu não quero ser assim e, apesar de ter compatibilidade em muitas coisas com Diego, não sinto por ele o que sente por mim, e isso me deixa certa da decisão que tomei ao terminar antes que a coisa se complicasse ainda mais.

Volto para a sala, e o olhar de mamãe para Diego diz tudo sobre seu encantamento pelo homem. Que situação! Meu pai é mais reservado, escuta a conversa dos dois sobre viagens sem se manifestar, mas sei que sua cabeça deve estar anotando cada palavra de Diego para poder montar um julgamento sobre ele.

— Você já conheceu o Godofredo? — mamãe muda de assunto quando eu me sento ao lado de Diego.

— Sí! — Ele ri. — Meus pies sofreram!

— Ele é ciumento, não gosta que invadam seu espaço — justifico meu bichinho.

— Aquele bicho é feroz! — papai entra na conversa, também parecendo divertido. — Kyra deu um belo presente para minha filha. Você já a conheceu?

— Sí!

— Nós almoçamos juntos esses dias.

Mamãe fica séria.

— Já conheceu o irmão dela também? — questiona para Diego.

Ele franze o cenho, mas nega.

— Diego não conheceu muitas pessoas ainda, mamãe — respondo e mudo de assunto: — Estou louca para comer o que a Cida está preparando. O cheiro na cozinha está delicioso.

— Sim, está! — Minha mãe me olha de um jeito estranho. — Que bom que vai dar tempo de Diego participar do casamento de Daniel — engasgo com minha própria saliva quando ela diz isso. Ela olha para os lados para confirmar que meu irmão não está na sala. — Ele não sabe, mas terá uma pequena festa, e é claro que você está convidado.

— Gracias! — Diego responde, sorrindo encantado, e eu tenho vontade de chorar.

Merda! Eu queria ter tido tempo de ter explicado à minha família sobre essa situação, mas estou me tornando vítima das surpresas ultimamente.

 

Vim para a empresa para rever com Daniel o projeto de decoração que estou fazendo para seu cliente. Já tem quase uma semana que Diego chegou ao Brasil, e o dia de ele voltar para a Espanha está se aproximando. Não tenho insistido mais no assunto da conversa sobre nosso término, decidi esperar para fazer isso no último dia e, por isso, tenho tentado ficar o mínimo em casa.

Ele também não tem ficado por lá! Encontrou-se com alguns antigos companheiros de trabalho que vieram morar por aqui e tem saído sempre com eles, enquanto eu vou à empresa. O clima está pesado, e não entendo como ele ainda insiste em tentar reatar comigo. Não dá!

Diego só está hospedado comigo porque eu o considero um amigo, mas não acredito que ele ainda espere que eu siga com o relacionamento.

Um lembrete de agenda aparece no visor do meu celular, lembrando-me do encontro com Kyra para um jantar no próximo domingo. Minha amiga está se recuperando de um procedimento cirúrgico, e eu tenho tentado estar com ela sempre que posso.

A verdade é que estou muito feliz, pois ela conseguiu resolver uma questão de seu passado que sempre foi dolorida para ela. Nunca senti tanto orgulho, e isso acendeu minha esperança de um dia vê-los, meus dois amigos de infância, felizes.

Espero que, daqui para frente, ela consiga lidar melhor com suas dores e traumas. Kyra é maravilhosa. Mesmo que não saiba demonstrar seus sentimentos, sei que tem bom coração e muito amor dentro de si, e o que aconteceu agora pode fazê-la enxergar o mundo de forma diferente.

Lembro-me de quando ela me contou sobre o resultado do exame de compatibilidade e o que decidiu fazer. Estava emocionada, achei até que fosse chorar – coisa que nunca a vi fazer nesses anos todos de amizade –, e isso me fez senti-la mais perto de mim. Abracei-a forte, mesmo sabendo que ela não curte muito, e lhe disse o quanto a amava.

Tive vontade de lhe perguntar sobre a reação de Alexios à decisão dela, mas me contive. Nós não nos vemos desde aquela noite em que Diego chegou, mas soube notícias dele através de uma dessas revistas de fofocas.

Eu estava no salão para cuidar dos meus cabelos e, assim que abri a revista, vi que Alexios tinha dado uma festinha regada a champanhe e muitas celebridades em seu iate. Na foto, tirada de longe por algum paparazzo, ele aparecia agarrado a uma mulher escultural na proa do barco.

Nunca conheci o iate dele!, pensei, mas logo depois ri ironicamente, pois era óbvio que eu nunca pisaria lá, afinal, nunca fui um de seus casos de uma noite, e ele também nunca precisou me impressionar, sempre fomos amigos.

Confesso que aquela foto me incomodou, mexeu comigo, mas tratei logo de deixar essas sensações de lado. Cada vez mais percebo o quanto ele tem razão sobre nós dois. Sim, aconteceu de ele ter atração por mim, algo que até pouco tempo era um sonho distante, mas é só isso. Alexios nunca será o tipo de homem que se entrega de verdade, e eu o entendo até certo ponto, pois imagino tudo o que passou, mesmo que não tenha me dito nada; eu vi suas marcas.

Talvez seja a hora de eu estar sozinha. Tenho pensado muito sobre isso. Passei boa parte da minha vida apaixonada por um homem que nunca me viu e tentando compensar com outros. Diego foi mais uma compensação, e deu certo porque eu estava longe e tinha uma sensação de liberdade que percebi que era ilusória. Meu coração nunca se libertou de Alexios, e homem nenhum me ajudou a deixar esse sentimento de lado. Agora é a hora de tentar sozinha, sem bengalas, sem distância ou mesmo escudos.

— Bom dia! — Josué, o braço direito do meu pai e do meu irmão aqui na empresa, cumprimenta-me e alivia minha mente do assunto pesado.

— Bom dia! Vim assim que me chamaram. Algum problema?

— Não, não, apenas uma reunião rápida com o cliente e uns colaboradores.

Alguém bate à porta da sala de reuniões onde estamos, e ele manda entrar.

 

CONTINUA

Ele me encara, e eu concordo, impossibilitada de falar depois do desabafo de Kyra. Minha amiga sempre soube que eu era apaixonada por seu irmão, como fez questão de frisar quando cheguei ao Brasil. Por mais que eu entenda que tudo o que sinto não passa de uma ilusão, ela também não pode achar que a amizade entre mim e ele seguiria normal, como se nada tivesse acontecido.

Não dá! Não quero mais viver esse amor platônico.

— Eu não suportaria ver qualquer um de vocês magoados! Vocês são meu único referencial de família!

— Não há nada de mais acontecendo, Kyra — tento acalmá-la. — Alexios e eu só ficamos muito tempo afastados...

— E continuam desde que você voltou — ela completa.

— Kyra, essas coisas não se forçam — Alexios diz com calma. — Nós sempre seremos um trio, mas crescemos, cada um tomou seu rumo, não somos mais adolescentes...

— Embora alguns ajam como um... — solto sem querer, e um clima pesado se forma.

Alexios me encara como se não entendesse o que eu disse, e Kyra sorri.

— Prometam que sempre seremos os melhores amigos independentemente do que acontecer.

Respiro fundo, pois me lembro bem de quando ela nos fez prometer isso pela primeira vez, há mais de 10 anos.

— Prometo — Alexios responde e me encara.

Respiro fundo.

— Prometo.

Kyra sorri, balança a cabeça e volta a arrumar a mesa, porém Alexios e eu não nos movemos.

— Queria que você soubesse que, embora tenha pedido desculpas pelo que aconteceu no elevador, não me arrependo — meu coração dispara ao ouvir isso. — Não quero nunca perder sua amizade e sei que você nunca quis que misturássemos as coisas, ainda mais agora, que está noiva, por isso me desculpei, mas não me arrependo. Quis beijar você e beijei.

— Por quê? — minha voz sai baixinha.

— Não sei, também me questionei isso, não consegui separar as coisas como fazia antes e...

— Aconteceu — respondo e dou uma olhada de rabo de olho para a Kyra apenas para confirmar que ela está entretida com a mesa. — Pouco antes de eu ir embora, você me beijou. — Alexios franze a testa, seus olhos inquietos como se tentasse lembrar. Ele não se lembra! — Você bebeu, foi até meu apartamento e dormiu lá, então...

Ele arregala os olhos.

— Abusei de você?

Nego.

— Um beijo parecido com o do elevador, mas na cama. — Ele fica cada vez mais surpreso. — Não se lembra mesmo?

— Não, do beijo, não. Foi por isso que foi embora sem se despedir? Ficou chateada comigo? Eu devia estar muito bêbado, sei que não é desculpa, mas...

— O jantar está servido! — Kyra anuncia.

Dou de ombros, ainda sem saber o que falar para ele ou o que sentir sobre isso. Eu sempre achei que ele se lembrava, mas que preferiu ignorar o que houve, por isso nunca tocou no assunto ou tentou me contatar na Espanha.

— Samara? — Alexios me chama. — Eu sinto muito.

A cada pedido de desculpas dele, mais um buraco se abre entre nós dois.

— Não precisa se desculpar pelo beijo, você estava bêbado e...

— Não estou me desculpando por ter te beijado, mas sim por não lembrar. — Isso me surpreende. — É um absurdo não me lembrar de um beijo seu. — Alexios sorri cheio de malícia. — Seus beijos são um tesão!

Ele passa por mim, seguindo para a mesa de jantar, mas não consigo me mover, totalmente confusa sobre essa conversa. Nunca tocamos nesse tipo de assunto, não sobre mim e ele, e é tão inusitado que não sei o que pensar.

— Samara? — Kyra me chama.

Vou até eles e tomo assento à mesa de frente para Alexios. Olho para ele e novamente vejo a expressão diferente em seu rosto. Suas pupilas verdes me transmitem coisas que nunca achei possível ver em seu olhar.

Desvio a atenção para a comida servida no meu prato, em dúvida sobre se estou enlouquecendo ou se ainda consigo lê-lo como antes. Se realmente ainda conheço meu melhor amigo da infância, não posso estar errada.

Alexios Karamanlis me quer!


— O que você pretende com esse jantar? — disparo assim que invado a cozinha de minha irmã, fazendo-a pular de susto enquanto lixa a unha encostada em uma das bancadas da cozinha.

— Merda de susto, Alexios! — Ela põe a mão no coração.

— Vim pegar minha cerveja, achei que você estivesse ocupada, mas, pelo visto, só estava aqui fazendo hora enquanto eu “fazia sala” para a Samara. — Cruzo os braços. — O que você está tramando?

— Eu? — Ela faz cara de inocente, mas minha irmã não me engana. — Só estava esperando o jantar ficar pronto. — Aponta para o forno. — Qual é o problema de você e Samara conversarem um pouco depois de tanto tempo?

— Kyra, você não me engana! Festa de Natal, baile dos Villazzas e agora esse “jantarzinho” aqui. Fala o que você pretende!

Ela me dá as costas e abre o forno, tirando uma travessa de dentro dele.

— Vocês estão estranhos um com o outro. Queria reestabelecer a paz e nossa amizade.

Claro que eu sinto que há mais do que isso, mas, como não quero que ela perceba que algo mudou em relação à minha percepção sobre Samara, deixo-a pensando que seu papinho furado me convenceu.

Volto com ela para a sala e, assim que ponho os olhos em Samara de novo, sinto meu pau reagindo com fúria. Porra! Não posso passar a noite toda excitado, parecendo um velho babão comendo-a com os olhos.

Ela está noiva!, friso a todo momento, mesmo que eu ligue um foda-se para esse tipo de “empecilho” quando quero comer alguém. O único porém é que ela não é qualquer mulher, não é uma desconhecida com quem eu poderia trepar e depois nunca mais ver, é a Samara, a melhor amiga de minha irmã, que, um dia, também foi minha melhor amiga.

— O cheiro está incrível! — Samara elogia a comida que Kyra carrega em uma travessa, levantando-se do sofá e indo ajudar minha irmã a pôr à mesa. — Há muitos anos não sinto algo tão delicioso!

Não resisto a me aproximar por trás dela e inalar bem fundo seu perfume suave e de bom gosto, imaginando como seria ter meus lençóis impregnados com esse aroma.

— Eu também não — minha voz sai cheia de tesão, meu hálito se choca contra a pele do pescoço dela e só então percebo que me aproximei demais.

Samara me encara sem entender o que está acontecendo. Eu me aprumo, e ela se afasta.

Controle seu cavalo, Alexios Karamanlis!, repreendo-me, querendo concentrar-me em algo que me faça relaxar enquanto vou à cozinha. Nem preciso procurar muito quando volto, pois minha irmã arma uma cena – sim, uma cena muito teatral, na qual, pelo visto, Samara cai direitinho – para nos deixar sozinhos e constrangidos.

Não sei o que me impulsiona a me abrir com ela, pois isso não faz parte de quem eu sou, mas algo me impele a falar sobre o beijo e como me senti.

— Queria que você soubesse que, embora tenha pedido desculpas pelo que aconteceu no elevador, não me arrependo. — Ela fica sem ação. Temo perder sua amizade – que nem sei se ainda tenho –, mas continuo: — Não quero nunca perder sua amizade e sei que você nunca quis que misturássemos as coisas, ainda mais agora, que está noiva, por isso me desculpei, mas não me arrependo. Quis beijar você e beijei.

— Por quê? — a pergunta dela me surpreende, pois pensei que iria ignorar a questão ou ficar puta comigo.

— Não sei, também me questionei isso, sempre consegui separar as coisas como fazia antes e...

— Aconteceu — Samara me interrompe, e eu não entendo do que fala. — Pouco antes de eu ir embora, você me beijou. — Tento me lembrar de como e quando aconteceu, mas nada me vem à memória, somente o amasso no elevador. — Você bebeu, foi até meu apartamento e dormiu lá, então...

Arregalo os olhos, lembrando-me exatamente do dia ao qual ela se refere. Eu tinha tido uma discussão com Theodoros, algo relacionado aos prédios inativos de Nikkós e minha ideia de transformá-los em moradias populares, feitas com materiais de qualidade, mas vendidas a preço justo, desconsiderando sua localização, e ele me chamara de idealista sonhador.

Não sou, nem nunca fui a porra de um idealista sonhador. Sou um playboy endinheirado por acaso, mas poderia ser qualquer outro homem trabalhador, sem direito a morar, a transitar e a usufruir do melhor desta cidade caótica. Todo o bem que eu faço tem fundo egoísta, pois eu sempre me coloco na situação, imaginando como seria se Nikkós não tivesse me assumido. Eu não teria vivido o inferno que vivi nas mãos dele, mas poderia ter conhecido outros.

Sempre que sou obrigado a me encarar por baixo de toda a beleza estética que todos elogiam, por trás da máscara de burguesinho herdeiro, eu faço besteira. Bebi e fui parar no apartamento de Samara, porém achei que, como acontecera outras vezes, ela me deixou dormir lá e nada mais.

— Abusei de você? — indago receoso, sabendo que nunca me perdoarei se tiver feito algo a ela.

Ela nega, e sinto alívio imediato.

— Um beijo parecido com o do elevador, mas na cama. — Arregalo os olhos mais uma vez, excitado, imaginando o corpo de Samara sob o meu, o cheiro dela despertando todos os meus sentidos. — Não se lembra mesmo?

Porra, como pude esquecer?!

— Não, do beijo, não — confesso, e as coisas parecem fazer sentido, pois nunca entendi o motivo pelo qual ela foi para a Espanha sem falar comigo. — Foi por isso que foi embora sem se despedir? Ficou chateada comigo? Eu devia estar muito bêbado, sei que não é desculpa, mas...

— O jantar está servido! — Kyra anuncia e me interrompe.

Samara tenta demonstrar que o assunto não tem importância, mas eu sei que teve, que, por isso, ela foi embora e nós ficamos longe por três anos.

— Samara? — chamo-a antes que volte à mesa. — Eu sinto muito.

— Não precisa se desculpar pelo beijo, você estava bêbado e...

Merda! Mais uma vez não estou me desculpando pelo beijo, porra! Beijá-la é uma delícia, só fico puto por não ter feito isso antes!

— Não estou me desculpando por ter te beijado, mas sim por não lembrar. É um absurdo não me lembrar de um beijo seu — sorrio, deixando bem claro que estou falando sério. — Seus beijos são um tesão!

Não espero que ela me responda e sigo para a mesa, o corpo todo acalorado, a mente tentando puxar a lembrança de tê-la em meus braços, sonolenta e disponível, o pau pulsando de vontade dela.

— Samara? — Kyra a chama, e ela se senta à minha frente. Nossos olhos se encontram, e noto que ela percebe o quanto estou excitado por sua causa. Não me escondo, deixo que ela tenha consciência de que mexe comigo de forma diferente do que somente amizade.

Ela desvia o olhar, e eu respiro fundo, prevendo um longo e doloroso jantar, contando os minutos para poder estar sozinho e tocar uma para me aliviar.

 

— Doutor Alexios? — Ana Flávia, uma das recepcionistas, me para na entrada do prédio da Karamanlis duas semanas depois do jantar na casa de Kyra.

Infelizmente não me encontrei mais com Samara depois daquela noite, e, segundo informações obtidas com minha irmã, ela ainda está na casa dos pais, pois, além de cuidar da mãe, está passando mais tempo com o velho Ben Schneider.

Nunca gostei do pai dela, principalmente por ele ser tão amigo de Nikkós. Houve uma época em que pensei que os dois eram da mesma laia, mas tanto Samara quanto o seboso do Daniel eram “normais”, para passarem pelo que meus irmãos e eu passávamos.

Quando Samara soube o que ocorria em minha casa, logo também começou a questionar a amizade entre nossos pais e chegou à conclusão de que Benjamin não sabia das atrocidades de Nikkós. Ela pensou em pedir ajuda ao pai, mas desencorajei-a, pois seria muito perigoso caso ele realmente fosse mais um dos súditos de meu pai.

Então ela continuou achando que seu pai não sabia de nada, e eu, achando-o farinha do mesmo saco do maldito Nikkós Karamanlis. Minha amizade nunca foi aprovada por eles, que sempre fizeram questão de dizer o quanto Samara era infinitamente melhor que eu.

Nunca os contestei, porque era verdade; nunca estive e continuo não estando no mesmo nível que ela. Não tenho nada a oferecer à minha melhor amiga a não ser toda raiva e revolta que carrego dentro de mim, por isso, mesmo me sentindo incomodado, fiquei contente que ela tenha achado o homem dos seus sonhos.

— Bom dia! — cumprimento a recepcionista, o sorriso automático que uso com todos, curioso pelo motivo que a tirou detrás do balcão da recepção para vir correndo atrás de mim.

— Bom dia, tenho um recado do doutor Millos. — Ela parece ofegante. — Ele pediu para que o doutor subisse diretamente para a sala dele.

— Ele disse algo mais? Ou aconteceu algo relevante?

— É só o que sei, doutor. — Ela sorri. — Desculpa não poder ajudar.

Agradeço e sigo o mais rápido possível para o último andar do prédio onde ficam as salas de Theodoros e Millos. Não é comum meu primo, que chegou há duas semanas de viagem, chamar-me em sua sala. Quando ele precisa falar comigo algo pessoalmente, geralmente desce até a K-Eng e, claro, não costuma deixar recados na portaria.

Pego meu telefone e me espanto com o número de ligações e mensagens de Millos. O aparelho estava silenciado desde ontem, e me assusto com a urgência do meu primo para falar comigo.

— Dormiu comigo? — a voz de Laura me faz olhar para o lado, dentro do elevador, e a encaro sério.

— Não te vi aí — digo seco. — Bom dia.

— Bom dia! Como você está?

Respiro fundo.

— Bem. — O elevador para no andar onde fica o departamento de TI, a gerência responsável pelo georreferenciamento. — Seu andar. — Aponto para fora.

Ela se aproxima de mim devagar, seu perfume me envolve, e sua voz soa sexy em meus ouvidos:

— Essa noite, que tal?

Fico excitado, claro, nós nos damos muito bem na cama e, mesmo com outras preocupações na cabeça, assinto. Não valho nada!

Ela sai do elevador sorrindo. Concentro-me um instante em sua bunda gostosa antes de as portas se fecharem e me lembro da pressa de Millos para falar comigo.

Alguma coisa deu merda!

Nos segundos que ainda fico dentro do elevador, fico tentando adivinhar o que poderia ter disparado meu primo “zen” desse jeito. As possibilidades não são poucas, porém, as que mais acredito são relacionadas ao Kostas. Sim, porque meu irmão é foda quando enfia algo na cabeça, e desde sempre ele quer ver Theodoros fora da empresa, por isso armou uma arapuca bem armada com o Conselho Administrativo.

Então, eis as possibilidades: o Conselho conseguiu provas de mais merdas de Theodoros (eu acho essa a mais improvável); a auditoria que o Conselho quer fazer na gestão de Theo vazou para a impressa, e nossas ações caíram (sei que vai parecer louco, mas sorrio amplamente com essa possibilidade); e, por último, Kostas e Kika se mataram e foderam nosso processo com a Ethernium.

Saio do elevador gargalhando, apostando na última opção.

— Bom dia, Luiza! — cumprimento a secretária da diretoria. — Millos está...

— Graças a Deus, doutor Alexios! — Ela se levanta correndo da cadeira e praticamente me arrasta pelo corredor que leva à sala do Millos. — O doutor Millos está me deixando louca aqui, nunca o vi tão agitado!

Outra luz vermelha de alerta se acende em minha cabeça. Fodeu!

Millos é tão insuportavelmente calmo – pelo menos o que ele nos deixa ver de sua personalidade, porque o homem é um camaleão na hora de esconder o que sente e sabe – que enervaria até o feroz Godofredo da Samara.

Samara...

— O doutor Alexios! — Luiza me anuncia, o que é estranho, porque nunca somos anunciados, e chega para o lado para que eu entre.

Bem, se eu não conhecesse um pouco meu primo, não iria querer entrar e ficar sozinho com ele nesta sala. O homem anda de um lado para o outro. Os cabelos, sempre penteados e fixos com alguma pomada, estão bagunçados, caindo no rosto; ele não usa paletó, e as mangas da camisa social estão dobradas até os cotovelos, deixando todas as tatuagens que ele mantém escondidas à mostra.

— Alex! — ele bufa. — Ainda bem, preciso de você.

— Meu, o que aconteceu para te deixar assim? — Rio um pouco, mesmo preocupado.

Millos fecha os olhos e respira fundo. Ele parece falar algo baixinho para si mesmo e então arruma o cabelo e começa a ajeitar a camisa.

— Sente-se, Alex, estamos esperando Konstantinos.

Bingo! Perdemos a Ethernium.

— Não pode adiantar o assunto?

Ele veste o blazer e se senta, plácido, em sua cadeira.

— Prefiro contar de uma vez só, então, vamos aguardar o...

A porta da sala é aberta, e vejo Kostas entrar seguido por Luiza, que parece sem saber o que fazer, nervosa e confusa. Meu irmão não é nada polido e acha que ser gentil com as pessoas é desnecessário. Ele é direto, objetivo, do tipo “time is money”!

— Ainda bem que chegou, sente-se — Millos começa, e Kostas, para meu espanto, faz o que ele pede sem questionar.

Franzo o cenho, pois continuo achando-o diferente. Algo está rolando!

— Bom, chamei vocês aqui para dizer que estive com Duda Hill — Millos olha de um jeito estranho para Kostas — no hospital e conheci a Tessa, uma garota de oito anos que foi diagnosticada com uma doença rara e...

— Millos, resume! — perco a paciência, curioso demais sobre o rumo dessa narrativa.

— Ela é filha do Theo.

Eu me engasgo com minha própria saliva, e Konstantinos arregala os olhos, além de ficar branco como nunca o vi.

— Como assim a menina é filha do Theodoros? — ele questiona embasbacado.

Millos dá de ombros.

— Não chamei você aqui para fazer fofoca da vida pessoal de seu irmão mais velho, e todos nós temos idade suficiente para saber como se faz um filho. — Suprimo uma risadinha e a piada que estava na ponta da minha língua quando ele ergue a sobrancelha na minha direção. — O fato é que Tessa é filha dele sem sombra de dúvidas, e precisamos fazer algo para ajudá-la.

— A doença é muito grave, Millos? — pergunto.

— É, e rara. — Millos olha para Kostas. — Em algum momento você já ouviu falar em Geórgios II?

Meu corpo inteiro gela. Ouvi novamente a voz de Nikkós me comparando ao irmão morto enquanto me socava e dizia que eu não servia nem como peça substituta, pois só ficou comigo quando nasci porque pensou que minha “semelhança” com o filho primogênito de Geórgios o faria ganhar pontos, mas isso não aconteceu.

— O filho mais velho do pappoús — Kostas fala, e meu estômago embrulha. — Morreu jovem de uma doença rara.

— É a mesma doença? — Assusto-me, pois conheço essa história de cor e não posso crer que esteja se repetindo.

— Parece que sim. — Millos respira fundo. — Precisamos de um doador familiar.

— Caralho! — xingo, com pena da menina e da mãe. — Theo sabe?

— Ainda não, mas já está voltando ao Brasil, então poderei conversar com ele com calma. — Concordo com meu primo. — Reuni vocês aqui para perguntar se estão dispostos a fazer o teste.

— É claro que eu quero! — respondo de pronto, mas Kostas ainda parece chocado, sem saber de onde veio o tiro que o acertou.

Millos e eu olhamos sério para ele, aguardando a resposta. Se esse advogado sarado, bonitão e frio que está ao meu lado ainda conservar algo do irmão que conheci quando criança, não se negará a ajudar.

— O quê? — Kostas parece despertar do transe no qual estava e questiona, totalmente perdido.

— Fazer o teste de compatibilidade com ela — Millos fala sem paciência.

— Temos chance? Afinal somos todos de mães diferentes! — Millos assente, e eu abaixo os olhos, porque, enquanto eles sabem de quem são filhos, eu não faço a mínima ideia. — Eu farei também, conte comigo!

A resposta de Konstantinos me faz ter certeza de que algo realmente está acontecendo com ele. Millos e eu sorrimos satisfeitos. Talvez meu primo também esteja vendo o mesmo garoto que ia passar férias na Grécia e que brincava com ele, assim como eu vejo o Tim no meu sisudo irmão.


— Alex, tem um pessoal de laboratório aqui solicitando te ver.

Elis, a única secretária da K-Eng, avisa, parada na porta da sala de projetos, onde estou debruçado sobre uma enorme prancha com desenhos padrões da Ethernium.

Estamos correndo contra o tempo para adequar o padrão internacional da empresa às normas de construção e ambientais brasileiras, o que cabe à minha equipe aqui na K-Eng, mesmo que ainda não estejamos avaliando a fundo todas as questões da instalação da empresa, pois estamos montando apenas um croqui para a área escolhida pelos hunters e fazendo os estudos necessários para a apresentação ao cliente sobre a viabilidade do local.

É uma parte chata, mas que eu gosto de fazer, por isso dispenso ajuda para trabalhar sozinho, intercalando entre o AutoCad e as pranchas impressas.

— Até que enfim! — Levanto-me da cadeira onde trabalho e faço sinal para que ela o deixe entrar.

Estou à espera do pessoal do laboratório para recolher minha amostra de sangue desde que Millos anunciou que não precisaríamos ir até o hospital. Não sei se posso ajudar, mas estou disposto a isso caso seja compatível, ainda que não tenha um relacionamento harmônico com Theodoros.

Confesso que fiquei um tanto decepcionado por não ter de ir ao hospital para o exame, pois tinha esperança de conseguir usar essa desculpa para conhecer a menina e a mãe, que vi apenas uma vez, quando Millos inventou um jantar de aniversário e reuniu nós três – Kostas, Theodoros e eu – no restaurante de Duda Hill.

Meus irmãos mais velhos foram embora, mas Millos e eu decidimos ficar mais um pouco e tomar mais algumas cervejas, e, no final da noite, a chef saiu da cozinha, e Millos a cumprimentou. Meu primo a conhecia bem, pois esteve negociando com ela por muitos anos a compra do imóvel onde funcionava o bar.

— Boa tarde, doutor Alexios! — um dos profissionais do laboratório me saúda. — Preciso, antes de colher o material, fazer umas perguntas a você, pode ser?

Meu corpo começa a ficar tenso.

— Pode, sim — respondo sério e sorrio para a garota nova e bonita que o acompanha.

Ofereço assento a eles perto de uma das mesas baixas que temos aqui nesta sala, cheia de pranchetas e mesas enormes para comportar projetos, e o homem tira um iPad da bolsa.

— Bom, primeiro vou fazer perguntas básica para cadastramento no site do REDOME, caso o doutor queira se tornar um doador de medula, ainda que não seja compatível com sua sobrinha.

— Sem problema, eu nunca doei nem sangue, mas preciso lhes informar que tenho algumas tatuagens.

A moça ri.

— Isso não tem problema! — o entrevistador diz sério. — Preciso dos nomes de seus pais completos, documentos, endereços e contatos. O doutor prefere responder diretamente ou a mim?

Estendo a mão em sua direção, e ele me entrega o aparelho. Faço o cadastro, mas omito o nome de Sabrina, mesmo tendo-a em meus documentos no local de filiação materna.

— Ficou um espaço obrigatório em branco. — O homem aponta exatamente para a lacuna de preenchimento do nome da mãe.

Respiro fundo, dando continuidade à farsa que sempre foi minha vida.

— Sabrina Ferreira Karamanlis — respondo a contragosto.

O homem me explica sobre a doação, sobre o cadastro para a rede de doação de medula, mas não presto muita atenção, a mente vaga pela questão de minha filiação, pelo desejo louco de encontrar respostas sobre o que aconteceu quando nasci, como e por que a mulher que me gerou me entregou ao Nikkós e nunca mais voltou.

Percebo, depois de um tempo, que a garota loirinha e de cintilantes olhos azuis não para de me olhar. Estava tão perdido em pensamentos que nem notei que estava olhando na direção dela, porque eu a fitava sem ver. De soslaio, confirmo que o homem lê algo no tablet e então retribuo o olhar interessado dela sem nenhum pudor.

Ela ruboriza e sorri sem jeito, olhando para baixo. Seu jeito inocente desperta minha fome de sexo, aguçando meus sentidos, fazendo-me perceber o cheiro que ela exala, sentir o calor de seu corpo e constatar que, pela resposta do seu corpo ao meu, separados por apenas uma mesa, a inocência é algo a ser esquecido se eu a encontrar em local reservado.

— Compreendeu tudo?

Volto a prestar atenção ao homem que a acompanha.

— Perfeitamente — minto, pois não ouvi uma palavra sequer.

A garota se levanta, abre a maleta com a qual veio e tira de dentro dela verdadeiros instrumentos de tortura. Rio nervoso, lembrando-me de que nunca gostei de injeções, mas arregaço a manga da camisa que uso para deixar meu braço à sua disposição.

Ela desinfeta o local, pesquisa a veia e depois coloca um tipo de guia e começa a encher o tubinho de sangue. O processo é rápido, praticamente indolor – talvez por eu estar distraído com os olhares de apreciação dela a cada segundo –, e logo ela etiqueta meu nome no tubo e o põe numa frasqueira.

— Agora nós vamos recolher o sangue do doutor Konstantinos — ele informa, despedindo-se.

A garota não o acompanha imediatamente, pois enrola para descartar tudo o que usou dentro de um pack especial para material contaminante.

Aproximo-me dela.

— Quer ajuda?

Ela me encara, abre um sorriso em retribuição ao meu e nega.

— Já acabei aqui. — Aponta para meu braço. — Tudo bem?

Seguro o riso por ela estar preocupada que eu esteja dolorido em razão de uma picada de agulha. Mal sabe ela que já suportei coisas muito piores.

— Você tem a mão de um anjo, não sinto nenhum desconforto no braço. — Ela olha para as próprias mãos. — Lindas e habilidosas, do jeito que eu gosto.

A moça me olha, mas saio de perto dela, voltando para a mesa com o projeto da Ethernium. Não demora muito, e ela põe um cartão do laboratório sobre o tampo.

— Meu número está anotado atrás, caso precise novamente da minha mão.

Pego o cartão, confiro o número e sorrio.

— Curioso para conferir todas as habilidades dela.

Não a vejo sair da sala, pois volto a prestar atenção à prancha aberta na mesa. Faço algumas anotações, olho o arquivo no computador e continuo a trabalhar sem pensar de novo na garota do laboratório.

Qual era mesmo o nome dela? Não faço ideia!

 

Depois de todas as emoções do dia na Karamanlis, com a revelação de que Theodoros tem uma filha de oito anos e que a menina está doente, o dia passou rápido, e, por conta da pressão de Kostas sobre a Ethernium, trabalhei boa parte da noite também, chegando a casa bem tarde.

Chicão, ainda instalado no meu apartamento, lavava a louça do jantar e me deu um olhar curioso sobre minha demora.

— Trabalho, meu amigo! — disse, colocando minha mochila no sofá. — Ainda sobrou algo comestível aí?

— Infelizmente, não, mas posso fazer algum sanduíche para você.

Chicão abriu a geladeira e me mostrou os ingredientes. Aceitei a oferta e, enquanto ele trabalhava, notei dois pratos lavados no escorredor.

— Teve companhia no jantar?

Ele riu.

— Samara, sua amiga, aceitou o convite de acompanhar esse velhote aqui em uma refeição saudável. — Sua cara debochada não me passou despercebida, porque, muito embora o homem tenha quase 60 anos, está longe de ser um velhote. — Encontrei-a no saguão chegando aqui ao prédio e a convidei para me fazer companhia.

Samara...

A reação nova e intensa que apenas o nome dela me causa é algo que me surpreende ainda, mas que já aprendi a aceitar. Desde nosso reencontro, já não consigo vê-la como via antes. A amiga – quase irmã – deixou de existir, e, cada vez que a vejo ou penso sobre ela, só vislumbro a mulher que enlouquece meu corpo e me faz pensar em todo tipo de sujeira que ela e seu jeito conservador nunca aceitariam.

— Ah, merda! — Chicão xingou e chamou minha atenção para si, deixando meus pensamentos e o tesão sobre Samara de lado. — Esqueci de oferecer a ela meu cheesecake de tofu.

Fiz careta.

— Aposto que ela vai te agradecer por isso.

Ele negou e pôs um enorme pedaço em um prato.

— Claro que não, ela adora tofu e o estilo de vida que adotei. — Minha careta incrédula o fez me encarar sério. — Ela elogiou muito minha comida, algo sobre o namorado dela também ser vegano.

— Outro fresco, então — comentei, e Chicão riu. — O que foi?

— É algo novo ver Alexios Karamanlis com ciúmes!

O quê?!

— Chicão, você está louco! — Ri em deboche. — Eu com ciúmes da minha melhor amiga? Ela já teve vários namorados, nunca me importei.

Ele perdeu a expressão brincalhona.

— Nunca se importou ou se acostumou a não se importar por achar que ela merecia alguém melhor que você? — Engoli em seco ao ouvir a pergunta. — Eu ainda me lembro de quando você me contou sobre o baile de formatura dela, quando ela o convidou para que você a acompanhasse e...

— Isso não importa, eu era um garoto — cortei o papo rápido, pois nem me lembrava de ter contado isso a ele.

Ele suspirou e deu de ombros.

— Vou levar a sobremesa para ela — anunciou, caminhando para a porta. — Depois eu monto seu...

— Não acha que está muito tarde para ir até o apartamento dela? — Apontei para o enorme relógio de aço na parede da cozinha. — Amanhã...

— Ela me disse que está trabalhando em um projeto grande com o irmão e que por isso iria passar boa parte da noite acordada.

Fui até meu amigo e peguei o prato com a torta de sua mão.

— Pode deixar, que eu levo para ela. Meu sanduíche não está pronto, e eu estou com fome. — Apontei para os ingredientes que ele pegou na geladeira. — Enquanto vou lá, você adianta isso aí.

O filho da mãe riu da minha desculpa mal dada.

— Está certo.

Desci os andares de escada até o apartamento dela e por isso estou aqui, prato com um cheesecake de tofu na mão e dedo prestes a tocar a campainha, mas nervoso como estava no baile dela há tantos anos.

O clima entre nós mudou de uma forma surpreendente. Nunca imaginei que a certinha, feliz e bem-resolvida Samara Schneider fosse corresponder ao meu tesão. A verdade é que nem eu imaginava sentir-me assim com relação a ela.

Samara sempre foi uma amiga companheira e incrível, e eu a admirava demais, principalmente seu jeito doce de tratar minha irmã, às vezes tão incompreendida por todos. Todavia, quando ela fez 17 anos, algo mudou na forma como eu a enxergava – não que eu a achasse gostosa ou que ela despertasse meu tesão naquela época –, passei a vê-la como a mulher perfeita, aquela à qual qualquer homem sentiria orgulho de ter ao seu lado e a coloquei em um pedestal quase divino, um alvo inalcançável que eu nunca seria digno de tocar. Nunca Alexios Karamanlis chegaria aos seus pés por causa das marcas que trazia consigo, seu passado nebuloso e seus traumas.

Bufo de raiva com esse pensamento e aperto o botão da campainha.

Foda-se! Ela e eu não somos mais as mesmas pessoas, e ter percebido que o interesse que sinto por ela agora é recíproco me faz ignorar todas as certezas que eu tinha sobre o que era melhor para nós dois: distância física.

Ela abre a porta, um tanto surpresa com minha visita, mas não emito nenhuma palavra, nem mesmo um cumprimento, pois só consigo olhá-la, fitar os cabelos ao estilo natural, encaracolados e cheirosos, o aroma de um banho recém-tomado e o roupão cobrindo seu corpo.

— Alexios? — ouço sua voz questionadora, mas não respondo de volta, feito um idiota.

A verdade é que estou paralisado buscando controle. Meu corpo inteiro está me empurrando na direção dela, com vontade de jogar o prato com a sobremesa pelos ares, puxá-la contra mim como fiz no elevador e só parar quando estivermos os dois nus, suados e satisfeitos.

Encaro seus olhos e me surpreendo com o reflexo desse mesmo desejo.

Foda-se de novo!

Escuto o barulho da louça se partindo no chão, mas ligo uma merda para a bagunça que a horrorosa torta de tofu fez nos corredores, pois minha concentração está toda no corpo dela, cheiroso e fresco, junto ao meu e na minha boca, que devora a dela com fome.

Samara corresponde ao beijo com a mesma intensidade, sua língua atacando a minha, suas mãos agarradas na minha camisa me puxando mais para perto, como se quisesse me fundir a ela.

Não penso mais nada a não ser em tê-la nua contra mim e, arrastando-a para dentro de sua sala de estar, puxo o cinto do roupão, afasto-o dos seus ombros e sinto a peça de seda deslizar por seus braços, mas não cair no chão.

Apalpo devagar sua pele, tremendo e gemendo, minha boca ainda grudada na dela. Sinto a curva dos seios cheios, as ondulações de suas costelas, a cintura fina e firme e – meu pau quase explode neste momento – a carne macia de sua bunda.

Que doideira!

Minha vontade é de beijá-la inteira, desde o dedão dos pés até o alto da cabeça, lambê-la devagar, arrastar minha língua, lábios e dentes por sua pele, vendo-a se arrepiar, sugando os pontos mais sensíveis de seu corpo, sentindo o sabor de sua boceta, e beber seu orgasmo, deliciando-me como se fosse uma iguaria.

Abro os olhos e paro o beijo sem afastar meus lábios dos dela. Samara me olha de volta, seus olhos castanhos brilhando de puro tesão, um respirando o ar do outro.

Não movo meus dedos, ainda cravados nos músculos de seu rabo delicioso. Sinto meu pau latejar pressionado contra sua barriga, minha cabeça dá mais voltas do que quando eu curtia um barato, e não sei discernir quem é que está tremendo, se eu ou ela.

Ainda olhando-a, contorno sua boca com minha língua, chupo seu queixo, beijo sua mandíbula. Não quero falar nada, não precisamos de palavras, embora eu saiba que ela irá precisar delas mais tarde. Não quero pensar nisso, apenas senti-la. Neste momento nós dois somos iguais, sentimos o mesmo desejo, não importa o quão diferentes realmente sejamos.

Samara geme alto e volta a fechar os olhos, suas mãos agarram meus cabelos enquanto beijo e mordo seu pescoço. O roupão continua todo aberto, pendurado em seus braços, tentando-me a olhar para o corpo nu que já senti com minhas mãos e que, mesmo sem ver, consigo imaginar perfeitamente apenas com o toque.

Desço mais, continuando os beijos em seus ombros, colo, ansioso por chegar aos peitos maravilhosos e tomá-los na boca sem nenhum pudor, sugando e mamando como um esfomeado.

Os gemidos dela se misturam ao som de um celular vibrando que ela nem parece perceber e que, embora eu tenha escutado, não faço o menor gesto de alertá-la para o fato, ainda mais agora, quando tenho o que quero nas mãos.

Gemo com ela quando sugo um mamilo rígido e afago o outro com o polegar. Chupo devagar, conhecendo-o, entendendo suas terminações nervosas e calculando seu prazer a cada sucção mais forte ou mais leve.

O som da campainha do telefone fixo soa alto, mas é ignorado sumariamente, como foi a vibração do celular. Rio contra o peito dela, perverso, seguro-o com os dentes, deliciando-me com os suspiros e gemidos enlouquecidos, o leve ondular de quadris que ela executa contra meu corpo, evidência máxima de que está pronta para mim.

— Samara, cariño, contesta.

Imediatamente ela fica fria, tensa, e eu nem preciso questionar para saber de quem é a voz que soa alta na secretária eletrônica.

Porra!

Afasto-me a contragosto, e a expressão culpada e assustada dela me faz sentir como um monstro.

Merda!


— Samara, cariño, contesta!

Meu corpo, até então completamente entregue e seduzido por Alexios Karamanlis, quente pelo toque de suas mãos sobre minha pele, seu beijo intenso e todas as promessas de prazer que cada gemido e suspiro fez, parece receber um banho de água fria ao ouvir a voz de Diego soar na secretária eletrônica.

Diego?!

Um arrepio de frio perpassa meu corpo, fazendo-me perceber que estou nua, exposta, e o constrangimento me toma de um jeito que nunca senti. Abro os olhos e descubro que os de Alexios já estão me encarando.

Não sei o que falar ou como agir, sinto-me mal pela situação e, ao mesmo tempo, querendo ser a mulher que não sou, mandar tudo pelos ares e voltar a agarrá-lo.

Não sou assim, não sou inconsequente ou movida por impulsos.

Alexios parece entender o meu dilema e, sem olhar para o meu corpo, recoloca o roupão nos meus ombros, e eu junto as abas dele para criar a distância necessária e para o fim da exposição.

— Eu sinto... — Alexios começa, e eu balanço a cabeça, não querendo mais ouvir nenhuma palavra de desculpas. Olho para trás, para o móvel onde meu telefone está e sinto uma enorme dor na consciência. Por quê?

— O que tem significado isso tudo, Alexios? — pergunto ainda sem olhá-lo. — Já não é a primeira vez que...

— Acho que a distância me deixou confuso.

Encaro-o, sobressaltada com a resposta.

— Como assim?

Ele parece nervoso, não me olha diretamente e está prestes a sair daqui o mais rápido possível. Reconheço essa reação, pois sempre que ele percebia que estava fazendo merda, agia assim.

— Você é uma mulher bonita, Samara, nunca ignorei isso, mas nossa proximidade te mantinha a salvo. — Ele ri e, quando me olha, está com a expressão que usa quando quer disfarçar algo, e eu sei que vai mentir para mim. — Você me conhece, sabe que eu sou galinha e que não posso ver uma boc... mulher. Acho que a distância quebrou essa armadura, sabe? Mas está errado, você não foi feita para uma foda sem sentido, já tem um cara que deve ser compatível com você, e misturar as coisas entre nós só vai dar merda.

— Compatível? — volto a questionar, sem entender o que ele quis dizer com esse discurso todo. Eu tive várias fodas sem sentido, principalmente porque me sentia carente ou enciumada por vê-lo desfilar com seu séquito de mulheres, não sou a santa delicada e pura que ele me faz parecer. Sobre Diego, o que significa essa de compatível? Ele nem sabe de quem se trata!

— Porra, Samara! — Alexios bufa. — Ele deve ser alguém que...

O telefone volta a tocar, e Alexios aproveita a deixa para acenar e sumir do apartamento. Fico parada, olhando para a porta que ele bateu ao sair, ouvindo a campainha irritante do telefone, sem entender o que está realmente acontecendo.

— Samara? — fecho os olhos ao ouvir a voz de Diego novamente. — Cariño, estou ligando porque llegué a São Paulo. — Corro até o aparelho, trêmula com a notícia. — Se suponía que seria una surpresa, pero no lembro tu dirección, así que...

Percebo o quanto ele está confuso, intercalando o espanhol e o português a todo momento, então saio da letargia causada pelo momento em que ligou e a surpresa de sua vinda ao Brasil e pego o aparelho.

— Diego!

— Carajo! — o palavrão é carregado de alívio. — Ya iba a un hotel, me alegra que hayas respondido. No se nada de esta ciudad.

— Você está mesmo no Brasil? — indago perplexa, e ele responde que sim. — Quando chegou?

— Hace una hora. Feliz por esta surpresa?

Olho para a porta. Ainda sinto o cheiro do perfume de Alexios em toda a sala. Respiro fundo e tento me concentrar na situação estranha em que me encontro agora. Diego veio ao Brasil sem me avisar, como se todas as nossas conversas sobre o término não tivessem existido. Ele parece enxergar sua vinda como uma surpresa positiva, como se eu estivesse esperando-o aqui ansiosa.

Deus do Céu, o que será que ele está pensando? Tento raciocinar com calma. Estou abalada com o que houve com Alexios há pouco e confusa com tudo isso.

— Diego, vou te passar meu endereço pelo aplicativo.

Pego meu celular, vejo as inúmeras mensagens e chamadas que ele fez e que ignorei para estar nos braços de Alexios, recebendo as migalhas de atenção e desejo que ele resolveu me dar. Meu coração se aperta, e a cabeça ferve, o orgulho ferido por mais uma vez estar agindo como a garota carente que suspirava pelo garoto rebelde pelos cantos.

Mando o endereço para Diego, que confirma que recebeu, despeço-me dele e tomo consciência de que ele está no Brasil, que veio atrás de mim, coisa que Alexios nunca seria capaz de fazer, afinal, passou três anos sem nem mesmo pegar um telefone para me ligar. Claro que eu não esperava que Diego viesse e, na verdade, nem sei como me sinto com relação a isso. Estou confusa e sem reação.

Encaro-me no espelho que tenho em cima de um móvel e vejo não só a mim mesma, mas todos os meus medos, inseguranças e dúvidas, que voltaram a partir do momento em que pisei no Brasil no final do ano passado.

Diego não reconhecerá essa mulher, nunca fui assim com ele, nem com mais ninguém a não ser Alexios. Sou segura, independente, conheço meu valor tanto como mulher quanto como profissional. Então por que Alexios mexe comigo a esse ponto? Por que me desestrutura tanto?

Chega!, penso irritada.

Vou para o banheiro e ligo o chuveiro em temperatura fria e com alta pressão a fim de tirar de mim todo o desejo e as sensações que o beijo de Alexios me causou há pouco.

Ele não é para mim, nunca foi e nunca será!, vou repetindo isso durante o banho, lavando minha pele como se pudesse lavá-lo do meu coração e dos meus sonhos.

 

— Oi! — Diego me saúda assim que abro a porta do apartamento, experimentando mais uma palavra em português das muitas que lhe ensinei ao longo dos anos de convívio.

Abro um sorriso, reparando em sua beleza máscula, seus olhos escuros, rosto anguloso, nariz reto e comprido e boca sedutora. Ele é alto, magro e tem um senso de moda extraordinário. E me pergunto por que não consegui me apaixonar por ele.

— Hola! — Ele gargalha e me puxa para um abraço. Fico tensa, mas ele não parece perceber e me beija. Como não correspondo ao beijo, Diego se afasta e me olha como se não entendesse o motivo pelo qual não retribuí sua carícia, mas depois sorri como se nada tivesse acontecido.

— Entra — chamo-o para sair do corredor. — Sua vinda me pegou realmente de surpresa, nem sei o que dizer.

Diego se desvia de algo, e vejo cacos de louça e o resto de uma torta no chão. Imediatamente lembro-me que Alexios segurava algo antes de me beijar e fico vermelha ao pensar que ele jogou para o alto antes de se atracar a mim.

— Era a ideia. — Ele ri. — Usted estava confusa, e a distância no ajudava, así que aquí estoy.

Assinto, nervosa, e fecho a porta, como se isso pudesse acabar com a lembrança do beijo de Alexios e a dor de mais uma vez sentir sua rejeição. Diego continua me encarando, seus olhos brilhando de curiosidade, a testa levemente vincada de preocupação.

— Você deve estar exausto depois dessa viagem, não quer se instalar e tomar um banho?

Ele concorda.

— Tu hablas mais corrido aqui — ele fala enquanto anda atrás de mim, arrastando sua mala. — Pero treinei muito para compreender.

— Está se saindo muito bem! — Sorrio sem jeito e lhe mostro o banheiro.

Diego beija minha testa. O gesto de carinho aperta meu coração, e mais uma vez me questiono por que as coisas não podem dar certo entre nós. É certo que entre mim e Alexios nunca vai haver nada, então é justo eu ficar a vida toda esperando por um milagre enquanto posso tentar ser feliz ao lado de alguém que gosta de mim?

Eu tentei! Tentei mesmo, com afinco, tanto que achei que havia conseguido superar o que sentia, mas percebi que estava apenas reagindo à distância que impus ao Alexios e não o esquecendo.

— Eu li que o Real perdeu do Ajax nas oitavas da Liga — puxo um assunto neutro, e Diego assente e dá de ombros ao mesmo tempo.

— Sí! — diz desanimado. — Está una desorden por lá, então, só posso ficar unos dias contigo. — Diego cheira meu pescoço, e institivamente eu me afasto. — Vamos juntos para o banho?

Nego, precisando de um tempo para achar uma solução para esse imbróglio em que estou metida. Não quero magoá-lo, mas não vejo como não ser sincera com ele, mesmo tendo percorrido essa distância toda para me ver.

— Diego, nosso relacionamento acabou, não era uma crise minha e estou te recebendo aqui como um amigo. — Ele fica um tempo me olhando, parado, mas não fala nada.

— Desfrute do seu banho e descanse, vou preparar o quarto de hóspedes e algo para você comer quando sair.

— Te quiero, Samara.

A declaração quebra meu coração, e sinto meus olhos marejarem. Não respondo nada, apenas sorriso e corro para a cozinha. Que situação mais fodida essa!

Quando escuto barulho no banheiro, sento-me à mesa, coloco as mãos na cabeça e tremo, nervosa, sem saber como fazer para lidar com tudo o que está acontecendo.

 

— Uau! — Kyra comenta assim que Diego sai da mesa do restaurante onde nos encontramos para almoçar. — Não me lembrava de que ele tinha esse sexy appeal latino!

Rio dela e dou uma olhada em direção ao banheiro.

— Ele tem! — Suspiro. — Veio de surpresa ontem, e eu não sei o que fazer para convencê-lo de que minha decisão foi definitiva. Acabou!

— Talvez se mostrasse a ele a porta da rua? — Kyra ri.

— Kyra! — ralho com ela. — Não posso fazer isso assim! Não tenho motivo algum para maltratá-lo, Diego sempre foi um homem bacana comigo. Eu não queria magoá-lo...

— Amiga, vamos encarar a realidade! De qualquer maneira você irá magoá-lo, porque não quer o mesmo que ele. Para de ser covarde e diga logo que não vai voltar para ele e que não há chance de ficarem juntos! — aponta para minha cara — Seja franca!

Bufo.

— Já falei, mas parece ele não está me levando a sério. Não sei mais o que fazer!

Minha amiga olha para o fundo do restaurante, onde ficam os banheiros, e volta a me encarar.

— Resolva isso!

— Como? Ele veio da Espanha só para me ver, não tenho motivo nenhum para expulsá-lo. — Mostro a língua quando ela abre um sorriso. — Kyra, é cruel demais!

— E daí? O homem já se mostrou meio louco, recusando-se a aceitar o término e ainda vindo aqui para pressionar você! Larga de ser trouxa e mostra a ele a realidade, senão daqui a pouco, por conta da sua pena, farei esse casamento, e, amiga, esse eu faço questão de fazer e nem vou me sentir culpada!

Reviro os olhos diante da sua provocação.

— Eu sei! Estou me sentindo mal com isso tudo e, para piorar... — interrompo-me antes de falar o que não devo.

— Para piorar... — Ela me olha séria. — Samara, o que você está me escondendo?

— Alexios e eu nos beijamos — confesso, e Kyra arregala os olhos — algumas vezes.

— O quê?! — ela fala tão alto que chama a atenção dos ocupantes das mesas vizinhas.

— Shiiiiiiii! — Faço sinal para ela falar mais baixo. — É isso, Alexios e eu nos beijamos e... — abaixo ainda mais meu tom de voz — se Diego não tivesse chegado e ligado para meu telefone, teríamos transado.

Kyra arregala os olhos novamente.

— Que empata-foda do cacete! O que foi que eu perdi? — Ela ri nervosa. — Vocês mal estavam se falando, tanto que montei aquele jantar exatamente para tentar resolver isso e...

— E o baile dos Villazzas também foi uma armadilha? E a noite de Natal? — acuo-a e, pela expressão culpada, percebo que sim. — Merda, Kyra, o que você pretendia com isso tudo? Agir como cupido?

— Não! — responde de pronto. — Eu só não aguentava mais ficar atuando como garota de recados de vocês dois — não entendo o que ela me diz, e Kyra simplifica: — Alexios perguntava de você de tempos em tempos enquanto esteve na Espanha, e eu não estava disposta a continuar nessa levada com você de volta a São Paulo.

Sou tomada de surpresa pela informação.

— Alex procurava saber de mim enquanto estive fora? — Ela confirma. — E você nunca me contou isso?

— Ué? Você mesma me pediu isso ainda no aeroporto, lembra? — Concordo. — Eu sabia que você tinha ido embora para tentar esquecê-lo! E, bem, por causa de Diego, achei que tivesse superado, mas... que história é essa de beijos?

— Não sei, só aconteceram... — paro de falar ao ver Diego se aproximar da mesa. — Depois conversamos mais.

— Pode ter certeza de que vamos! — Ela sorri para Diego. — É sua primeira vez em São Paulo? Sabia que a cidade tem ótimos hotéis?

Arregalo os olhos com a sua cara de pau.

— Sí! Já estive no Rio, mas nunca aqui. — Ele me abraça pelos ombros e ignora a deixa dela sobre os hotéis. — Estou contando com Samara para fazer tour pela ciudad. Tengo unos companheiros de trabalho que vieram morar aqui, pero ainda no conseguir hablar com eles.

— Eu já expliquei que acabei de fechar um trabalho aqui e que o tour não será possível.

Diego assente, mas não disfarça sua decepção.

— Bom, faço questão de recebê-los para um jantar. — Ela sorri para ele, mas reconheço sua expressão maldosa. Filha da mãe!

— Ah, Samara disse que usted é promoter. — Kyra faz que sim, orgulhosa. — Quem sabe então não realiza nosso casamento?

Quase me engasgo com a água que acabei de colocar na boca. Kyra para de sorrir no mesmo instante e me olha alarmada. Consigo ouvir o que ela está pensando apenas por sua cara assustada. Sempre tivemos isso, essa comunicação sem palavras. Ela acha mesmo que Diego é louco; também começo a sentir uma certa apreensão.

O clima fica tenso. Não sei o que responder, então Kyra desvia o assunto, mas não deixa de me olhar cheia de avisos a cada oportunidade que tem. Ela tem razão, preciso resolver isso rápido, antes que as coisas se descontrolem.


Acordo sentindo dor nas costas, o chão gelado arder na minha pele, a cabeça rodar, e a minha boca parece cheia de cinzas. Abro um olho; a claridade irrita-o, depois abro o outro. Tento me mexer, mas há um peso no meu braço que me impede.

— Merda! — resmungo baixinho.

Ontem à noite, depois de ter quase levado Samara para o sofá da sala dela e trepado como um louco, não consegui voltar para meu próprio apartamento e acabei ligando para Laura.

Eu precisava de uma transa rápida e urgente, por isso liguei para ela, pois já havíamos trepado tantas vezes que achei que não teria nenhum problema. Realmente não teve.

Cheguei, bebemos, trepamos, depois bebemos mais e voltamos a fazer sexo. Caímos exaustos e acordei agora, com Samara ainda na cabeça e a vontade de sair correndo daqui e ir até ela me cortando por dentro. Não vou! Apesar de não querer dizer o que disse, não menti quando falei sobre o tal espanhol ser melhor para ela do que eu.

Qualquer um é melhor do que eu!

Samara merece o melhor, sempre foi perfeita, e me envolver com ela é egoísta da minha parte, pois sempre serei só um arremedo de homem, um ser destruído que esconde suas frustrações e imperfeições por detrás de um rostinho bonito e uma atitude falsa.

Nunca poderia oferecer a ela mais do que ofereço a qualquer outra mulher: interesse sexual intenso, porém regado a frieza emocional e total desprendimento. É isso que sou, o oposto do que ela é.

— Bom dia! — Laura ronrona ao acordar.

Respiro fundo e abro um sorriso.

— Bom dia! — Aproveito que ela acordou e me levanto do chão. — Preciso ir para o trabalho.

Ela geme, seu corpo delicioso exposto.

— Ah, temos um tempo ainda...

Nego e coloco a calça.

— Preciso mesmo ir. — Pisco para ela. — Até mais tarde.

Saio praticamente correndo do apartamento dela, entro na garagem e subo na moto sem pensar duas vezes. Estou com fome, meu estômago ronca alto, então me lembro de que não como há horas, pois não tive a oportunidade de jantar na noite passada antes de ir até o apartamento da Samara com aquela maldita torta de tofu.

Novamente meu corpo sente os efeitos do tesão inesperado que estou sentindo por ela. Não olhei para seu corpo nu, mas toquei-a de maneira que a imagem se faz completa em minha cabeça, potencializada pela percepção de sua pele, a maciez, as curvas, a temperatura, o músculo tenso da base da coluna e sua bunda de glúteos duros.

Bufo dentro do capacete, excitado na moto a ponto de sentir dor por causa da posição de pilotagem.

Pensei que buscar alívio para essa atração fosse a solução para a loucura que é querer minha melhor amiga, mas percebi que não, não foi e talvez nunca seja. Eu a quero, preciso do toque de sua pele na minha, da respiração quente que escapava de seus lábios entreabertos enquanto eu beijava seu pescoço, do sabor de sua saliva e de toda a doçura que há nela e que contrasta com minha acidez.

Quando eu era mais jovem, senti-me puxado para ela de uma forma que me assustou, principalmente porque achei que Samara nunca entenderia. Freei-me e esqueci, mas, ao que parece, o sentimento só ficou represado, crescendo dentro de mim, enquanto eu negava ou fingia que não a via.

Bom, admitir que, a cada vez que a vejo, tenho vontade de comê-la inteira já não é mais nenhuma surpresa; nem mesmo dizer que acho loucura qualquer pensamento de um envolvimento entre nós além do de amizade. O que eu tenho que fazer então é lidar com esse tesão inesperado e indesejável da maneira com que sempre lidei com o que me incomoda: ignorando-o.

Deixo a moto na garagem do prédio e subo apreensivo dentro do elevador, com medo e ao mesmo tempo ansioso por vê-la. É uma merda essa situação toda. Essa mistura de sensações dentro de mim me faz parecer o menino que nunca fui, pois sempre fui atirado e inconsequente com as coisas que queria.

— Bom dia! — Chicão me cumprimenta assim que entro no apartamento.

Ele, como todas as manhãs, está sentado em seu tapete de ioga na sala de jantar – totalmente sem móveis – se alongando. Já tentou me convencer a praticar o exercício várias vezes, porém nunca me interessei, mesmo achando que poderia me fazer bem.

Francisco tem quase 60 anos, com uma saúde e musculatura invejável para qualquer “rapazola”. Gostava de sair com ele para a balada, pois logo chamávamos a atenção das mulheres e sempre nos divertíamos muito em noitadas de sexo muito loucas.

O homem com seus cabelos brancos e tatuagens atrai garotas como o açúcar atrai formigas, é impressionante!

— Bom dia — resmungo sem nenhuma cordialidade e coloco água na máquina de café, sem deixar de perceber que há verduras e frutas frescas na bancada da cozinha. — Foi às compras?

— Fui — ele responde, mesmo estando de cabeça para baixo. — Vou preparar umas marmitas de saladas, porque quero fazer uma trilha nesse final de semana. Topa ir junto?

Nego.

— O trabalho está uma loucura, é impossível sair. Além do mais, tem a situação da filha de Theodoros, que eu gostaria de acompanhar.

Ele sorri e se senta.

— Eu pensei que você tivesse passado a noite no sétimo andar, mas descobri que não. — Chicão me encara. — O que houve?

Respiro fundo, pego a xícara fumegante de café e dou de ombros.

— Passei a noite com uma mulher com quem tenho saído. — Meu amigo se surpreende. — Nada de mais, ela sabe que é só diversão e sexo. Mas como você soube que eu não tinha passado a noite com... no sétimo andar?

Chicão levanta-se, enrola o colchão e passa por mim.

— Encontrei a Samara com um homem na garagem hoje de manhã. Os dois riam, ele a abraçou e beijou várias vezes, então era óbvio que você não esteve com ela.

— Um homem na garagem? — Os nós dos meus dedos ficam brancos tamanha a força com que seguro a xícara. — Tem certeza de que era a Samara?

— Tenho! — ele grita de dentro do quarto da área de serviço. — Ela não me viu, mas era ela, sim. Acho que era o tal noivo.

Penso na ligação dele, sua voz chamando-a de cariño, a tensão no corpo dela e a culpa em seus olhos. Será que o “cabrón” veio para o Brasil?, penso incomodado, imaginando-o tocando-a como eu mesmo fiz ontem à noite e indo além.

— Merda! — resmungo, e Chicão, que já está de volta à cozinha, olha-me curioso, seu semblante irritando-me, como um velho monge sábio. — Pode tirar da cara essa expressão de Mestre dos Magos17!

Ele ri.

— Não estava fazendo isso, apenas tentando entender tudo, porque eu lembro que você saiu daqui com um pedaço de cheesecake de tofu para ela e só está voltando agora de manhã. Estou só tentando ligar os pontos!

— Fodam-se os pontos! — Abandono a xícara praticamente cheia de café em cima da bancada. — Eu não passei a noite com ela, o que foi sensato, e o noivo deve ter vindo atrás...

— Porque ele não é bobo e tem atitude de homem.

Meu sangue ferve de raiva.

— Vai se foder, Francisco! Não tenho mais 20 anos, você não consegue mais me manipular com suas provocações e psicologias reversas.

— O que é uma pena, porque você precisa delas tanto quanto precisava aos 20 anos. — Ele bufa, demonstrando finalmente impaciência e raiva. — Vai mesmo perder a única mulher com quem você realmente se importou a vida toda fora sua irmã?

— Samara é... era minha melhor amiga, por isso teve essa permanência na minha vida. Se eu tivesse trepado com ela em algum momento, certamente ela nem olharia mais na minha cara. — Respiro fundo. — Além do mais, ela merece coisa melhor.

O clima fica pesado. Chicão e eu ficamos um longo tempo em silêncio, constrangidos. Talvez ele também reconheça que eu nunca deveria ter cogitado a ideia de ter algum tipo de relacionamento com ela. Samara merece mais, merece alguém que possa amá-la, e eu não sou esse cara.

— Deu a ela esse poder de escolha? — ele pergunta de repente.

Encaro-o.

— Não vou foder a vida dela por causa do meu tesão. — Chicão concorda. — Samara não é do tipo que teria um caso “de férias” comigo e depois voltaria para o noivo como se nada tivesse acontecido.

— Sim, ela não faria isso.

— Exato. — Aprumo meu corpo e decido me arrumar para o trabalho. — Ela merece mais do que uma casca vazia.

— Você não é...

Meu telefone soa alto, e ele se cala.

— Oi, Kyra! — cumprimento minha irmã do outro lado da linha.

— O resultado do exame de compatibilidade saiu — sua voz parece tensa, quebrada.

— Eu sei. O meu deu negativo, infelizmente. — Ela soluça. Sei que não está chorando, mas imagino seu estado de ansiedade. — O que houve?

— Eu sou, Alexios! — Sorrio ante a resposta, cheio de esperança de a menina ter a chance de continuar vivendo.

— Vai doar? — questiono-lhe apenas para ter sua confirmação, porque não tenho dúvida nenhuma de que ela irá fazer isso.

— Sim, mas ainda estou em choque com o resultado. — Ela funga. — Eu gostei, claro, mas você entende que, de todos, a única compatível fui eu, justamente eu, que passei anos odiando o pai dela?

— Sim, e ver que você superou o ódio e está disposta a fazer isso por eles me enche de orgulho. Eu tenho orgulho da mulher que você se tornou — declaro, consciente da mágoa que ela teve do nosso irmão mais velho por tudo o que aconteceu, principalmente por causa de Sabrina.

— Vou ao hospital mais tarde hoje, quero dar a notícia pessoalmente, mesmo que ache que eles já saibam. — Ela suspira emocionada. — Millos me disse que ela parece conosco, Alex. Tem olhos como os nossos e os cabelos claros como os seus, mas ainda não a conheci. Eu quero!

— Uma Karamanlis — murmuro, pensando se o velho grego irá rejeitá-la por não ter nascido de um casamento tradicional, assim como fez comigo. — Que ela tenha mais sorte que todos os outros!

— Ela terá!

Apesar de não ser tão positivo como minha irmã, sorrio e concordo. Tessa terá mais chances do que todos nós tivemos, principalmente por ter passado boa parte de sua infância longe de todos os monstros dessa família.

Encerramos a ligação, e eu entro no banho para começar mais um dia de trabalho, porém, devo confessar, apesar de toda essa situação em torno de Tessa e Theodoros, não consigo deixar de pensar em Samara e no homem que Chicão viu com ela hoje mais cedo.

Meu estômago arde, a típica queimação que tenho sempre quando algo me desagrada muito. Acho besteira sentir ciúmes ou qualquer sentimento relacionado a possessividade com relação a ela, mas não posso dizer que não esteja sentindo.

Eu queria poder merecê-la, essa é a verdade. Mantive-me todos esses anos o mais afastado possível dela como homem, vendo-a apenas como amiga, alguém com que eu poderia contar, confiar, mas não como mulher. Por quê? Simples! Medo de perdê-la.

Eu nada mais sou que a porra de um covarde!

 

A situação no trabalho no resto da semana foi tensa, e aproveitei essa desculpa para ficar longe do Castellani. Saía cedo de casa e voltava quase de madrugada, trabalhava sem parar e tentava não pensar em mais nada fora dos assuntos da Karamanlis.

Na tarde daquela mesma manhã em que soube que o espanhol tinha vindo atrás de Samara, recebi outra ligação de Kyra, só que dessa vez em tom menos amigável do que da primeira.

— Que merda você fez com a Samara? — ela disparou assim que eu atendi.

— Não sei do que você está falando.

— Merda, Alexios, beijos?! — Fechei os olhos ao pensar que Samara contara isso para ela, temeroso também pela forma com que o tinha feito.

— Não quero falar sobre isso...

Ela começou a rir, e eu fiquei tenso.

— Conte uma novidade! Você nunca quer falar sobre nada!

Isso me surpreendeu a ponto de me fazer levantar da minha cadeira.

— Eu?! — Ri sarcástico. — O sujo falando do mal lavado, não é, Kyra?

— Exatamente por isso estou falando que você se fecha em copas, somos parecidos. A única diferença é que eu não brinco com os sentimentos dos meus amigos.

A acusação doeu bem no local onde ela deve ter mirado. Filha da puta!

— Não estou brincando com ninguém, aconteceu, apenas. Não foi nada de mais para nenhum dos dois, tenho certeza.

— Meu Deus, Alexios! — Kyra resmungou impaciente. — Você é cego ou é burro? — aguardei que ela me explicasse esse questionamento retórico, mas ela seguiu com o assunto: — Diego está no Brasil. O homem realmente gosta dela, atravessou o oceano para passar apenas uns dias em sua companhia.

— Eu imagino.

— Eu odeio pensar que, se ela se casar com ele, irá morar na Espanha e que só nos veremos de tempos em tempos, como antes — sua voz soou triste. — Mas respeito a decisão dela e quero que ela seja feliz, e ele realmente parece ser um homem decidido, que vai atrás do que quer. Ele entende que é um sortudo por tê-la, então, não fode tudo!

— Eu não tenho intenção alguma de...

— Eu sempre sonhei em ver vocês dois juntos — ela me interrompeu e me deixou completamente boquiaberto com sua revelação. — Era o cenário perfeito na minha cabeça, sabe? Meu irmão e minha melhor amiga juntos. Vocês são tão diferentes, mas tão complementares, que eu tinha a esperança de que...

— Eu não posso, Kyra — cortei-a antes que seus sonhos me contaminassem também. — Samara merece mais, você sabe disso.

— Você também merece, Alex. Samara sempre esteve ao nosso lado, nunca nos julgou, nunca questionou nosso jeito, foi nosso amparo, nossa tábua de salvação, nossa amiga. Eu quero muito que ela seja feliz. O espanhol bonitão pode conseguir fazê-la se sentir assim, mas quem poderá fazer você perceber que também merece ser?

Espanhol bonitão... confesso que, quando ela disse isso, eu não foquei muito nessa questão, mesmo porque a sua pergunta me fez sentir um peso enorme no peito, uma vontade desgraçada de ter o que nunca havia tido. Entretanto, agora, voltando a analisar a conversa, o ciúme e a curiosidade me corroem por dentro.

Samara me fez muita falta durante os anos que passou no exterior, e sei que minha irmã também se sentiu assim. Eu não sabia que ela tinha ido embora do Brasil magoada comigo por causa de algo que eu nem lembrava que tinha feito – maldito álcool –, e me senti abandonado por ela.

Nunca tive noção de que ela me desejasse, pois sempre a vi numa redoma intocável, em um pedestal inatingível. Não sei como agir de agora em diante, se apenas ignoro o tesão e a vejo ser feliz como merece ou se sigo sendo o mesmo inconsequente de sempre e vou atrás do que quero.

Merda!


— É um prazer, senhora — Diego cumprimenta minha mãe com seu forte sotaque, arrancando suspiros de dona Ana Cohen.

— Ah, tão bom ouvir esse sotaque de novo! — Mamãe sorri. — Seu avô falava exatamente assim, lembra, Samara?

— Sim — respondo, ainda tensa, sentada no sofá da sala de estar da mansão dos Schneiders, com minha mãe em uma poltrona, meu pai em outra, meu irmão e sua noiva em pé, perto do aparador, conversando.

De alguma forma, meus pais souberam que ele estava aqui no Brasil e, então, começaram a me pressionar para levá-lo até eles. Tentei de todas as formas demovê-los dessa ideia, mas então meu pai apareceu em meu apartamento – em horário em que eu não estava, e ele sabia – e convidou o Diego para um jantar.

Não tive mais como me recusar a vir com ele, e o pior foi descobrir, quando chegamos, que minha mãe estava promovendo um jantar familiar para conhecer meu namorado. E agora está aqui, completamente apaixonada pelo encantador Diego Vergara. Puta que pariu!

Estou há dias tentando conversar com Diego, mas o homem se fecha a cada vez que tento entrar no assunto. Ainda continua dizendo que estou confusa, que a distância entre nós me deixou assim e o pior: que veio para me reconquistar.

Eu quase não tenho ficado em casa, saio para o escritório da empresa todos os dias para trabalhar, e ele anda pela cidade, fazendo o tour que planejou, como se estivesse tudo bem.

Estou ficando preocupada com isso. Não sei o que ele pretende, pois está claro como o dia que não vai mais rolar nada entre nós. Tentei enxergá-lo como um amigo que veio à passeio, mas agora realmente a situação está indo longe demais e tirando meu sossego.

Nos primeiros dias, fiquei tensa pela possibilidade de cruzar com Alexios pelos corredores do Castellani, receosa com minha reação ao encontrá-lo depois do que houve. Contudo, mesmo morando no mesmo prédio, não coincidimos nenhuma vez em horários, e eu acabei relaxando. Não vou mentir que ainda penso no que poderia ter acontecido naquela noite, nem que eu tremo só de me lembrar do toque dele.

Meu pai pergunta a Diego sobre o seu trabalho como assessor de imprensa, e os dois entram em uma conversa longa sobre futebol. Peço licença a eles para ir até a cozinha – para onde Dani foi há pouco – e encontro meu irmão conversando com a Cida.

— Tudo bem?

Ele dá de ombros, e vejo a Cida rolar os olhos.

— Bianca teve um imprevisto e não vai ficar para o jantar — meu irmão justifica. — Estava aqui dizendo a Cida que teremos um a menos na mesa. O que merda esse homem está fazendo aqui com você? Já não tinham terminado?

— Ai, Dani, a situação está mais complicada do que imaginei — resmungo. — Algum problema sério com Bianca?

— Não, trabalho — responde seco, e percebo que ainda está incomodado com a presença de Diego. — Parece que o espanhol conquistou a mamãe...

Fico sem jeito, e Cida ri.

— Basta saber se conquistou a Samara. — Ela me encara. — Não parece.

Faço careta, e Dani bufa.

— O que está acontecendo?

Não quero preocupar meu irmão ou envolvê-lo nos meus problemas.

— Nada, estamos conversando apenas. Ele quer me reconquistar.

— Não estou gostando disso, Samara. Resolva essa situação.

Eu confesso baixinho:

— Estou tentando.

Olho para o meu irmão, sério, encarando-me como se estivesse analisando minha reação mais do que minha resposta. Ele me conhece bem demais para ter deixado passar o susto que passei com o convite e o constrangimento que estou sentindo por ter Diego aqui.

— Acho melhor voltarmos para a sala. — Daniel passa por mim. — Não pega bem deixar o visitante lá e ficarmos aqui de conversa fiada. Além do mais, ainda tenho que dizer à mamãe que Bianca teve que ir embora. — Ele parece contrariado. — Eu disse que esse jantar era uma péssima ideia!

— O que está acontecendo, Cida? — indago assim que ele sai da cozinha. — Tenho a impressão de que meu irmão não está muito feliz para alguém que está prestes a se casar, estou certa?

— Daniel nunca foi uma pessoa que demonstra o que sente, filha.

Bufo, cada vez mais preocupada. Meu irmão não se abre comigo, e, ao que parece, Cida também não vai falar nada. Eu o amo tanto que chego a sentir arrepios de medo só em imaginá-lo em uma relação que não quer apenas para agradar aos outros e não entendo o motivo pelo qual ele está insistindo no casamento.

Bianca e ele juntos no mesmo ambiente deixa tudo tão frio que eu chego a estremecer!

Eu não quero ser assim e, apesar de ter compatibilidade em muitas coisas com Diego, não sinto por ele o que sente por mim, e isso me deixa certa da decisão que tomei ao terminar antes que a coisa se complicasse ainda mais.

Volto para a sala, e o olhar de mamãe para Diego diz tudo sobre seu encantamento pelo homem. Que situação! Meu pai é mais reservado, escuta a conversa dos dois sobre viagens sem se manifestar, mas sei que sua cabeça deve estar anotando cada palavra de Diego para poder montar um julgamento sobre ele.

— Você já conheceu o Godofredo? — mamãe muda de assunto quando eu me sento ao lado de Diego.

— Sí! — Ele ri. — Meus pies sofreram!

— Ele é ciumento, não gosta que invadam seu espaço — justifico meu bichinho.

— Aquele bicho é feroz! — papai entra na conversa, também parecendo divertido. — Kyra deu um belo presente para minha filha. Você já a conheceu?

— Sí!

— Nós almoçamos juntos esses dias.

Mamãe fica séria.

— Já conheceu o irmão dela também? — questiona para Diego.

Ele franze o cenho, mas nega.

— Diego não conheceu muitas pessoas ainda, mamãe — respondo e mudo de assunto: — Estou louca para comer o que a Cida está preparando. O cheiro na cozinha está delicioso.

— Sim, está! — Minha mãe me olha de um jeito estranho. — Que bom que vai dar tempo de Diego participar do casamento de Daniel — engasgo com minha própria saliva quando ela diz isso. Ela olha para os lados para confirmar que meu irmão não está na sala. — Ele não sabe, mas terá uma pequena festa, e é claro que você está convidado.

— Gracias! — Diego responde, sorrindo encantado, e eu tenho vontade de chorar.

Merda! Eu queria ter tido tempo de ter explicado à minha família sobre essa situação, mas estou me tornando vítima das surpresas ultimamente.

 

Vim para a empresa para rever com Daniel o projeto de decoração que estou fazendo para seu cliente. Já tem quase uma semana que Diego chegou ao Brasil, e o dia de ele voltar para a Espanha está se aproximando. Não tenho insistido mais no assunto da conversa sobre nosso término, decidi esperar para fazer isso no último dia e, por isso, tenho tentado ficar o mínimo em casa.

Ele também não tem ficado por lá! Encontrou-se com alguns antigos companheiros de trabalho que vieram morar por aqui e tem saído sempre com eles, enquanto eu vou à empresa. O clima está pesado, e não entendo como ele ainda insiste em tentar reatar comigo. Não dá!

Diego só está hospedado comigo porque eu o considero um amigo, mas não acredito que ele ainda espere que eu siga com o relacionamento.

Um lembrete de agenda aparece no visor do meu celular, lembrando-me do encontro com Kyra para um jantar no próximo domingo. Minha amiga está se recuperando de um procedimento cirúrgico, e eu tenho tentado estar com ela sempre que posso.

A verdade é que estou muito feliz, pois ela conseguiu resolver uma questão de seu passado que sempre foi dolorida para ela. Nunca senti tanto orgulho, e isso acendeu minha esperança de um dia vê-los, meus dois amigos de infância, felizes.

Espero que, daqui para frente, ela consiga lidar melhor com suas dores e traumas. Kyra é maravilhosa. Mesmo que não saiba demonstrar seus sentimentos, sei que tem bom coração e muito amor dentro de si, e o que aconteceu agora pode fazê-la enxergar o mundo de forma diferente.

Lembro-me de quando ela me contou sobre o resultado do exame de compatibilidade e o que decidiu fazer. Estava emocionada, achei até que fosse chorar – coisa que nunca a vi fazer nesses anos todos de amizade –, e isso me fez senti-la mais perto de mim. Abracei-a forte, mesmo sabendo que ela não curte muito, e lhe disse o quanto a amava.

Tive vontade de lhe perguntar sobre a reação de Alexios à decisão dela, mas me contive. Nós não nos vemos desde aquela noite em que Diego chegou, mas soube notícias dele através de uma dessas revistas de fofocas.

Eu estava no salão para cuidar dos meus cabelos e, assim que abri a revista, vi que Alexios tinha dado uma festinha regada a champanhe e muitas celebridades em seu iate. Na foto, tirada de longe por algum paparazzo, ele aparecia agarrado a uma mulher escultural na proa do barco.

Nunca conheci o iate dele!, pensei, mas logo depois ri ironicamente, pois era óbvio que eu nunca pisaria lá, afinal, nunca fui um de seus casos de uma noite, e ele também nunca precisou me impressionar, sempre fomos amigos.

Confesso que aquela foto me incomodou, mexeu comigo, mas tratei logo de deixar essas sensações de lado. Cada vez mais percebo o quanto ele tem razão sobre nós dois. Sim, aconteceu de ele ter atração por mim, algo que até pouco tempo era um sonho distante, mas é só isso. Alexios nunca será o tipo de homem que se entrega de verdade, e eu o entendo até certo ponto, pois imagino tudo o que passou, mesmo que não tenha me dito nada; eu vi suas marcas.

Talvez seja a hora de eu estar sozinha. Tenho pensado muito sobre isso. Passei boa parte da minha vida apaixonada por um homem que nunca me viu e tentando compensar com outros. Diego foi mais uma compensação, e deu certo porque eu estava longe e tinha uma sensação de liberdade que percebi que era ilusória. Meu coração nunca se libertou de Alexios, e homem nenhum me ajudou a deixar esse sentimento de lado. Agora é a hora de tentar sozinha, sem bengalas, sem distância ou mesmo escudos.

— Bom dia! — Josué, o braço direito do meu pai e do meu irmão aqui na empresa, cumprimenta-me e alivia minha mente do assunto pesado.

— Bom dia! Vim assim que me chamaram. Algum problema?

— Não, não, apenas uma reunião rápida com o cliente e uns colaboradores.

Alguém bate à porta da sala de reuniões onde estamos, e ele manda entrar.

 

CONTINUA

Ele me encara, e eu concordo, impossibilitada de falar depois do desabafo de Kyra. Minha amiga sempre soube que eu era apaixonada por seu irmão, como fez questão de frisar quando cheguei ao Brasil. Por mais que eu entenda que tudo o que sinto não passa de uma ilusão, ela também não pode achar que a amizade entre mim e ele seguiria normal, como se nada tivesse acontecido.

Não dá! Não quero mais viver esse amor platônico.

— Eu não suportaria ver qualquer um de vocês magoados! Vocês são meu único referencial de família!

— Não há nada de mais acontecendo, Kyra — tento acalmá-la. — Alexios e eu só ficamos muito tempo afastados...

— E continuam desde que você voltou — ela completa.

— Kyra, essas coisas não se forçam — Alexios diz com calma. — Nós sempre seremos um trio, mas crescemos, cada um tomou seu rumo, não somos mais adolescentes...

— Embora alguns ajam como um... — solto sem querer, e um clima pesado se forma.

Alexios me encara como se não entendesse o que eu disse, e Kyra sorri.

— Prometam que sempre seremos os melhores amigos independentemente do que acontecer.

Respiro fundo, pois me lembro bem de quando ela nos fez prometer isso pela primeira vez, há mais de 10 anos.

— Prometo — Alexios responde e me encara.

Respiro fundo.

— Prometo.

Kyra sorri, balança a cabeça e volta a arrumar a mesa, porém Alexios e eu não nos movemos.

— Queria que você soubesse que, embora tenha pedido desculpas pelo que aconteceu no elevador, não me arrependo — meu coração dispara ao ouvir isso. — Não quero nunca perder sua amizade e sei que você nunca quis que misturássemos as coisas, ainda mais agora, que está noiva, por isso me desculpei, mas não me arrependo. Quis beijar você e beijei.

— Por quê? — minha voz sai baixinha.

— Não sei, também me questionei isso, não consegui separar as coisas como fazia antes e...

— Aconteceu — respondo e dou uma olhada de rabo de olho para a Kyra apenas para confirmar que ela está entretida com a mesa. — Pouco antes de eu ir embora, você me beijou. — Alexios franze a testa, seus olhos inquietos como se tentasse lembrar. Ele não se lembra! — Você bebeu, foi até meu apartamento e dormiu lá, então...

Ele arregala os olhos.

— Abusei de você?

Nego.

— Um beijo parecido com o do elevador, mas na cama. — Ele fica cada vez mais surpreso. — Não se lembra mesmo?

— Não, do beijo, não. Foi por isso que foi embora sem se despedir? Ficou chateada comigo? Eu devia estar muito bêbado, sei que não é desculpa, mas...

— O jantar está servido! — Kyra anuncia.

Dou de ombros, ainda sem saber o que falar para ele ou o que sentir sobre isso. Eu sempre achei que ele se lembrava, mas que preferiu ignorar o que houve, por isso nunca tocou no assunto ou tentou me contatar na Espanha.

— Samara? — Alexios me chama. — Eu sinto muito.

A cada pedido de desculpas dele, mais um buraco se abre entre nós dois.

— Não precisa se desculpar pelo beijo, você estava bêbado e...

— Não estou me desculpando por ter te beijado, mas sim por não lembrar. — Isso me surpreende. — É um absurdo não me lembrar de um beijo seu. — Alexios sorri cheio de malícia. — Seus beijos são um tesão!

Ele passa por mim, seguindo para a mesa de jantar, mas não consigo me mover, totalmente confusa sobre essa conversa. Nunca tocamos nesse tipo de assunto, não sobre mim e ele, e é tão inusitado que não sei o que pensar.

— Samara? — Kyra me chama.

Vou até eles e tomo assento à mesa de frente para Alexios. Olho para ele e novamente vejo a expressão diferente em seu rosto. Suas pupilas verdes me transmitem coisas que nunca achei possível ver em seu olhar.

Desvio a atenção para a comida servida no meu prato, em dúvida sobre se estou enlouquecendo ou se ainda consigo lê-lo como antes. Se realmente ainda conheço meu melhor amigo da infância, não posso estar errada.

Alexios Karamanlis me quer!


— O que você pretende com esse jantar? — disparo assim que invado a cozinha de minha irmã, fazendo-a pular de susto enquanto lixa a unha encostada em uma das bancadas da cozinha.

— Merda de susto, Alexios! — Ela põe a mão no coração.

— Vim pegar minha cerveja, achei que você estivesse ocupada, mas, pelo visto, só estava aqui fazendo hora enquanto eu “fazia sala” para a Samara. — Cruzo os braços. — O que você está tramando?

— Eu? — Ela faz cara de inocente, mas minha irmã não me engana. — Só estava esperando o jantar ficar pronto. — Aponta para o forno. — Qual é o problema de você e Samara conversarem um pouco depois de tanto tempo?

— Kyra, você não me engana! Festa de Natal, baile dos Villazzas e agora esse “jantarzinho” aqui. Fala o que você pretende!

Ela me dá as costas e abre o forno, tirando uma travessa de dentro dele.

— Vocês estão estranhos um com o outro. Queria reestabelecer a paz e nossa amizade.

Claro que eu sinto que há mais do que isso, mas, como não quero que ela perceba que algo mudou em relação à minha percepção sobre Samara, deixo-a pensando que seu papinho furado me convenceu.

Volto com ela para a sala e, assim que ponho os olhos em Samara de novo, sinto meu pau reagindo com fúria. Porra! Não posso passar a noite toda excitado, parecendo um velho babão comendo-a com os olhos.

Ela está noiva!, friso a todo momento, mesmo que eu ligue um foda-se para esse tipo de “empecilho” quando quero comer alguém. O único porém é que ela não é qualquer mulher, não é uma desconhecida com quem eu poderia trepar e depois nunca mais ver, é a Samara, a melhor amiga de minha irmã, que, um dia, também foi minha melhor amiga.

— O cheiro está incrível! — Samara elogia a comida que Kyra carrega em uma travessa, levantando-se do sofá e indo ajudar minha irmã a pôr à mesa. — Há muitos anos não sinto algo tão delicioso!

Não resisto a me aproximar por trás dela e inalar bem fundo seu perfume suave e de bom gosto, imaginando como seria ter meus lençóis impregnados com esse aroma.

— Eu também não — minha voz sai cheia de tesão, meu hálito se choca contra a pele do pescoço dela e só então percebo que me aproximei demais.

Samara me encara sem entender o que está acontecendo. Eu me aprumo, e ela se afasta.

Controle seu cavalo, Alexios Karamanlis!, repreendo-me, querendo concentrar-me em algo que me faça relaxar enquanto vou à cozinha. Nem preciso procurar muito quando volto, pois minha irmã arma uma cena – sim, uma cena muito teatral, na qual, pelo visto, Samara cai direitinho – para nos deixar sozinhos e constrangidos.

Não sei o que me impulsiona a me abrir com ela, pois isso não faz parte de quem eu sou, mas algo me impele a falar sobre o beijo e como me senti.

— Queria que você soubesse que, embora tenha pedido desculpas pelo que aconteceu no elevador, não me arrependo. — Ela fica sem ação. Temo perder sua amizade – que nem sei se ainda tenho –, mas continuo: — Não quero nunca perder sua amizade e sei que você nunca quis que misturássemos as coisas, ainda mais agora, que está noiva, por isso me desculpei, mas não me arrependo. Quis beijar você e beijei.

— Por quê? — a pergunta dela me surpreende, pois pensei que iria ignorar a questão ou ficar puta comigo.

— Não sei, também me questionei isso, sempre consegui separar as coisas como fazia antes e...

— Aconteceu — Samara me interrompe, e eu não entendo do que fala. — Pouco antes de eu ir embora, você me beijou. — Tento me lembrar de como e quando aconteceu, mas nada me vem à memória, somente o amasso no elevador. — Você bebeu, foi até meu apartamento e dormiu lá, então...

Arregalo os olhos, lembrando-me exatamente do dia ao qual ela se refere. Eu tinha tido uma discussão com Theodoros, algo relacionado aos prédios inativos de Nikkós e minha ideia de transformá-los em moradias populares, feitas com materiais de qualidade, mas vendidas a preço justo, desconsiderando sua localização, e ele me chamara de idealista sonhador.

Não sou, nem nunca fui a porra de um idealista sonhador. Sou um playboy endinheirado por acaso, mas poderia ser qualquer outro homem trabalhador, sem direito a morar, a transitar e a usufruir do melhor desta cidade caótica. Todo o bem que eu faço tem fundo egoísta, pois eu sempre me coloco na situação, imaginando como seria se Nikkós não tivesse me assumido. Eu não teria vivido o inferno que vivi nas mãos dele, mas poderia ter conhecido outros.

Sempre que sou obrigado a me encarar por baixo de toda a beleza estética que todos elogiam, por trás da máscara de burguesinho herdeiro, eu faço besteira. Bebi e fui parar no apartamento de Samara, porém achei que, como acontecera outras vezes, ela me deixou dormir lá e nada mais.

— Abusei de você? — indago receoso, sabendo que nunca me perdoarei se tiver feito algo a ela.

Ela nega, e sinto alívio imediato.

— Um beijo parecido com o do elevador, mas na cama. — Arregalo os olhos mais uma vez, excitado, imaginando o corpo de Samara sob o meu, o cheiro dela despertando todos os meus sentidos. — Não se lembra mesmo?

Porra, como pude esquecer?!

— Não, do beijo, não — confesso, e as coisas parecem fazer sentido, pois nunca entendi o motivo pelo qual ela foi para a Espanha sem falar comigo. — Foi por isso que foi embora sem se despedir? Ficou chateada comigo? Eu devia estar muito bêbado, sei que não é desculpa, mas...

— O jantar está servido! — Kyra anuncia e me interrompe.

Samara tenta demonstrar que o assunto não tem importância, mas eu sei que teve, que, por isso, ela foi embora e nós ficamos longe por três anos.

— Samara? — chamo-a antes que volte à mesa. — Eu sinto muito.

— Não precisa se desculpar pelo beijo, você estava bêbado e...

Merda! Mais uma vez não estou me desculpando pelo beijo, porra! Beijá-la é uma delícia, só fico puto por não ter feito isso antes!

— Não estou me desculpando por ter te beijado, mas sim por não lembrar. É um absurdo não me lembrar de um beijo seu — sorrio, deixando bem claro que estou falando sério. — Seus beijos são um tesão!

Não espero que ela me responda e sigo para a mesa, o corpo todo acalorado, a mente tentando puxar a lembrança de tê-la em meus braços, sonolenta e disponível, o pau pulsando de vontade dela.

— Samara? — Kyra a chama, e ela se senta à minha frente. Nossos olhos se encontram, e noto que ela percebe o quanto estou excitado por sua causa. Não me escondo, deixo que ela tenha consciência de que mexe comigo de forma diferente do que somente amizade.

Ela desvia o olhar, e eu respiro fundo, prevendo um longo e doloroso jantar, contando os minutos para poder estar sozinho e tocar uma para me aliviar.

 

— Doutor Alexios? — Ana Flávia, uma das recepcionistas, me para na entrada do prédio da Karamanlis duas semanas depois do jantar na casa de Kyra.

Infelizmente não me encontrei mais com Samara depois daquela noite, e, segundo informações obtidas com minha irmã, ela ainda está na casa dos pais, pois, além de cuidar da mãe, está passando mais tempo com o velho Ben Schneider.

Nunca gostei do pai dela, principalmente por ele ser tão amigo de Nikkós. Houve uma época em que pensei que os dois eram da mesma laia, mas tanto Samara quanto o seboso do Daniel eram “normais”, para passarem pelo que meus irmãos e eu passávamos.

Quando Samara soube o que ocorria em minha casa, logo também começou a questionar a amizade entre nossos pais e chegou à conclusão de que Benjamin não sabia das atrocidades de Nikkós. Ela pensou em pedir ajuda ao pai, mas desencorajei-a, pois seria muito perigoso caso ele realmente fosse mais um dos súditos de meu pai.

Então ela continuou achando que seu pai não sabia de nada, e eu, achando-o farinha do mesmo saco do maldito Nikkós Karamanlis. Minha amizade nunca foi aprovada por eles, que sempre fizeram questão de dizer o quanto Samara era infinitamente melhor que eu.

Nunca os contestei, porque era verdade; nunca estive e continuo não estando no mesmo nível que ela. Não tenho nada a oferecer à minha melhor amiga a não ser toda raiva e revolta que carrego dentro de mim, por isso, mesmo me sentindo incomodado, fiquei contente que ela tenha achado o homem dos seus sonhos.

— Bom dia! — cumprimento a recepcionista, o sorriso automático que uso com todos, curioso pelo motivo que a tirou detrás do balcão da recepção para vir correndo atrás de mim.

— Bom dia, tenho um recado do doutor Millos. — Ela parece ofegante. — Ele pediu para que o doutor subisse diretamente para a sala dele.

— Ele disse algo mais? Ou aconteceu algo relevante?

— É só o que sei, doutor. — Ela sorri. — Desculpa não poder ajudar.

Agradeço e sigo o mais rápido possível para o último andar do prédio onde ficam as salas de Theodoros e Millos. Não é comum meu primo, que chegou há duas semanas de viagem, chamar-me em sua sala. Quando ele precisa falar comigo algo pessoalmente, geralmente desce até a K-Eng e, claro, não costuma deixar recados na portaria.

Pego meu telefone e me espanto com o número de ligações e mensagens de Millos. O aparelho estava silenciado desde ontem, e me assusto com a urgência do meu primo para falar comigo.

— Dormiu comigo? — a voz de Laura me faz olhar para o lado, dentro do elevador, e a encaro sério.

— Não te vi aí — digo seco. — Bom dia.

— Bom dia! Como você está?

Respiro fundo.

— Bem. — O elevador para no andar onde fica o departamento de TI, a gerência responsável pelo georreferenciamento. — Seu andar. — Aponto para fora.

Ela se aproxima de mim devagar, seu perfume me envolve, e sua voz soa sexy em meus ouvidos:

— Essa noite, que tal?

Fico excitado, claro, nós nos damos muito bem na cama e, mesmo com outras preocupações na cabeça, assinto. Não valho nada!

Ela sai do elevador sorrindo. Concentro-me um instante em sua bunda gostosa antes de as portas se fecharem e me lembro da pressa de Millos para falar comigo.

Alguma coisa deu merda!

Nos segundos que ainda fico dentro do elevador, fico tentando adivinhar o que poderia ter disparado meu primo “zen” desse jeito. As possibilidades não são poucas, porém, as que mais acredito são relacionadas ao Kostas. Sim, porque meu irmão é foda quando enfia algo na cabeça, e desde sempre ele quer ver Theodoros fora da empresa, por isso armou uma arapuca bem armada com o Conselho Administrativo.

Então, eis as possibilidades: o Conselho conseguiu provas de mais merdas de Theodoros (eu acho essa a mais improvável); a auditoria que o Conselho quer fazer na gestão de Theo vazou para a impressa, e nossas ações caíram (sei que vai parecer louco, mas sorrio amplamente com essa possibilidade); e, por último, Kostas e Kika se mataram e foderam nosso processo com a Ethernium.

Saio do elevador gargalhando, apostando na última opção.

— Bom dia, Luiza! — cumprimento a secretária da diretoria. — Millos está...

— Graças a Deus, doutor Alexios! — Ela se levanta correndo da cadeira e praticamente me arrasta pelo corredor que leva à sala do Millos. — O doutor Millos está me deixando louca aqui, nunca o vi tão agitado!

Outra luz vermelha de alerta se acende em minha cabeça. Fodeu!

Millos é tão insuportavelmente calmo – pelo menos o que ele nos deixa ver de sua personalidade, porque o homem é um camaleão na hora de esconder o que sente e sabe – que enervaria até o feroz Godofredo da Samara.

Samara...

— O doutor Alexios! — Luiza me anuncia, o que é estranho, porque nunca somos anunciados, e chega para o lado para que eu entre.

Bem, se eu não conhecesse um pouco meu primo, não iria querer entrar e ficar sozinho com ele nesta sala. O homem anda de um lado para o outro. Os cabelos, sempre penteados e fixos com alguma pomada, estão bagunçados, caindo no rosto; ele não usa paletó, e as mangas da camisa social estão dobradas até os cotovelos, deixando todas as tatuagens que ele mantém escondidas à mostra.

— Alex! — ele bufa. — Ainda bem, preciso de você.

— Meu, o que aconteceu para te deixar assim? — Rio um pouco, mesmo preocupado.

Millos fecha os olhos e respira fundo. Ele parece falar algo baixinho para si mesmo e então arruma o cabelo e começa a ajeitar a camisa.

— Sente-se, Alex, estamos esperando Konstantinos.

Bingo! Perdemos a Ethernium.

— Não pode adiantar o assunto?

Ele veste o blazer e se senta, plácido, em sua cadeira.

— Prefiro contar de uma vez só, então, vamos aguardar o...

A porta da sala é aberta, e vejo Kostas entrar seguido por Luiza, que parece sem saber o que fazer, nervosa e confusa. Meu irmão não é nada polido e acha que ser gentil com as pessoas é desnecessário. Ele é direto, objetivo, do tipo “time is money”!

— Ainda bem que chegou, sente-se — Millos começa, e Kostas, para meu espanto, faz o que ele pede sem questionar.

Franzo o cenho, pois continuo achando-o diferente. Algo está rolando!

— Bom, chamei vocês aqui para dizer que estive com Duda Hill — Millos olha de um jeito estranho para Kostas — no hospital e conheci a Tessa, uma garota de oito anos que foi diagnosticada com uma doença rara e...

— Millos, resume! — perco a paciência, curioso demais sobre o rumo dessa narrativa.

— Ela é filha do Theo.

Eu me engasgo com minha própria saliva, e Konstantinos arregala os olhos, além de ficar branco como nunca o vi.

— Como assim a menina é filha do Theodoros? — ele questiona embasbacado.

Millos dá de ombros.

— Não chamei você aqui para fazer fofoca da vida pessoal de seu irmão mais velho, e todos nós temos idade suficiente para saber como se faz um filho. — Suprimo uma risadinha e a piada que estava na ponta da minha língua quando ele ergue a sobrancelha na minha direção. — O fato é que Tessa é filha dele sem sombra de dúvidas, e precisamos fazer algo para ajudá-la.

— A doença é muito grave, Millos? — pergunto.

— É, e rara. — Millos olha para Kostas. — Em algum momento você já ouviu falar em Geórgios II?

Meu corpo inteiro gela. Ouvi novamente a voz de Nikkós me comparando ao irmão morto enquanto me socava e dizia que eu não servia nem como peça substituta, pois só ficou comigo quando nasci porque pensou que minha “semelhança” com o filho primogênito de Geórgios o faria ganhar pontos, mas isso não aconteceu.

— O filho mais velho do pappoús — Kostas fala, e meu estômago embrulha. — Morreu jovem de uma doença rara.

— É a mesma doença? — Assusto-me, pois conheço essa história de cor e não posso crer que esteja se repetindo.

— Parece que sim. — Millos respira fundo. — Precisamos de um doador familiar.

— Caralho! — xingo, com pena da menina e da mãe. — Theo sabe?

— Ainda não, mas já está voltando ao Brasil, então poderei conversar com ele com calma. — Concordo com meu primo. — Reuni vocês aqui para perguntar se estão dispostos a fazer o teste.

— É claro que eu quero! — respondo de pronto, mas Kostas ainda parece chocado, sem saber de onde veio o tiro que o acertou.

Millos e eu olhamos sério para ele, aguardando a resposta. Se esse advogado sarado, bonitão e frio que está ao meu lado ainda conservar algo do irmão que conheci quando criança, não se negará a ajudar.

— O quê? — Kostas parece despertar do transe no qual estava e questiona, totalmente perdido.

— Fazer o teste de compatibilidade com ela — Millos fala sem paciência.

— Temos chance? Afinal somos todos de mães diferentes! — Millos assente, e eu abaixo os olhos, porque, enquanto eles sabem de quem são filhos, eu não faço a mínima ideia. — Eu farei também, conte comigo!

A resposta de Konstantinos me faz ter certeza de que algo realmente está acontecendo com ele. Millos e eu sorrimos satisfeitos. Talvez meu primo também esteja vendo o mesmo garoto que ia passar férias na Grécia e que brincava com ele, assim como eu vejo o Tim no meu sisudo irmão.


— Alex, tem um pessoal de laboratório aqui solicitando te ver.

Elis, a única secretária da K-Eng, avisa, parada na porta da sala de projetos, onde estou debruçado sobre uma enorme prancha com desenhos padrões da Ethernium.

Estamos correndo contra o tempo para adequar o padrão internacional da empresa às normas de construção e ambientais brasileiras, o que cabe à minha equipe aqui na K-Eng, mesmo que ainda não estejamos avaliando a fundo todas as questões da instalação da empresa, pois estamos montando apenas um croqui para a área escolhida pelos hunters e fazendo os estudos necessários para a apresentação ao cliente sobre a viabilidade do local.

É uma parte chata, mas que eu gosto de fazer, por isso dispenso ajuda para trabalhar sozinho, intercalando entre o AutoCad e as pranchas impressas.

— Até que enfim! — Levanto-me da cadeira onde trabalho e faço sinal para que ela o deixe entrar.

Estou à espera do pessoal do laboratório para recolher minha amostra de sangue desde que Millos anunciou que não precisaríamos ir até o hospital. Não sei se posso ajudar, mas estou disposto a isso caso seja compatível, ainda que não tenha um relacionamento harmônico com Theodoros.

Confesso que fiquei um tanto decepcionado por não ter de ir ao hospital para o exame, pois tinha esperança de conseguir usar essa desculpa para conhecer a menina e a mãe, que vi apenas uma vez, quando Millos inventou um jantar de aniversário e reuniu nós três – Kostas, Theodoros e eu – no restaurante de Duda Hill.

Meus irmãos mais velhos foram embora, mas Millos e eu decidimos ficar mais um pouco e tomar mais algumas cervejas, e, no final da noite, a chef saiu da cozinha, e Millos a cumprimentou. Meu primo a conhecia bem, pois esteve negociando com ela por muitos anos a compra do imóvel onde funcionava o bar.

— Boa tarde, doutor Alexios! — um dos profissionais do laboratório me saúda. — Preciso, antes de colher o material, fazer umas perguntas a você, pode ser?

Meu corpo começa a ficar tenso.

— Pode, sim — respondo sério e sorrio para a garota nova e bonita que o acompanha.

Ofereço assento a eles perto de uma das mesas baixas que temos aqui nesta sala, cheia de pranchetas e mesas enormes para comportar projetos, e o homem tira um iPad da bolsa.

— Bom, primeiro vou fazer perguntas básica para cadastramento no site do REDOME, caso o doutor queira se tornar um doador de medula, ainda que não seja compatível com sua sobrinha.

— Sem problema, eu nunca doei nem sangue, mas preciso lhes informar que tenho algumas tatuagens.

A moça ri.

— Isso não tem problema! — o entrevistador diz sério. — Preciso dos nomes de seus pais completos, documentos, endereços e contatos. O doutor prefere responder diretamente ou a mim?

Estendo a mão em sua direção, e ele me entrega o aparelho. Faço o cadastro, mas omito o nome de Sabrina, mesmo tendo-a em meus documentos no local de filiação materna.

— Ficou um espaço obrigatório em branco. — O homem aponta exatamente para a lacuna de preenchimento do nome da mãe.

Respiro fundo, dando continuidade à farsa que sempre foi minha vida.

— Sabrina Ferreira Karamanlis — respondo a contragosto.

O homem me explica sobre a doação, sobre o cadastro para a rede de doação de medula, mas não presto muita atenção, a mente vaga pela questão de minha filiação, pelo desejo louco de encontrar respostas sobre o que aconteceu quando nasci, como e por que a mulher que me gerou me entregou ao Nikkós e nunca mais voltou.

Percebo, depois de um tempo, que a garota loirinha e de cintilantes olhos azuis não para de me olhar. Estava tão perdido em pensamentos que nem notei que estava olhando na direção dela, porque eu a fitava sem ver. De soslaio, confirmo que o homem lê algo no tablet e então retribuo o olhar interessado dela sem nenhum pudor.

Ela ruboriza e sorri sem jeito, olhando para baixo. Seu jeito inocente desperta minha fome de sexo, aguçando meus sentidos, fazendo-me perceber o cheiro que ela exala, sentir o calor de seu corpo e constatar que, pela resposta do seu corpo ao meu, separados por apenas uma mesa, a inocência é algo a ser esquecido se eu a encontrar em local reservado.

— Compreendeu tudo?

Volto a prestar atenção ao homem que a acompanha.

— Perfeitamente — minto, pois não ouvi uma palavra sequer.

A garota se levanta, abre a maleta com a qual veio e tira de dentro dela verdadeiros instrumentos de tortura. Rio nervoso, lembrando-me de que nunca gostei de injeções, mas arregaço a manga da camisa que uso para deixar meu braço à sua disposição.

Ela desinfeta o local, pesquisa a veia e depois coloca um tipo de guia e começa a encher o tubinho de sangue. O processo é rápido, praticamente indolor – talvez por eu estar distraído com os olhares de apreciação dela a cada segundo –, e logo ela etiqueta meu nome no tubo e o põe numa frasqueira.

— Agora nós vamos recolher o sangue do doutor Konstantinos — ele informa, despedindo-se.

A garota não o acompanha imediatamente, pois enrola para descartar tudo o que usou dentro de um pack especial para material contaminante.

Aproximo-me dela.

— Quer ajuda?

Ela me encara, abre um sorriso em retribuição ao meu e nega.

— Já acabei aqui. — Aponta para meu braço. — Tudo bem?

Seguro o riso por ela estar preocupada que eu esteja dolorido em razão de uma picada de agulha. Mal sabe ela que já suportei coisas muito piores.

— Você tem a mão de um anjo, não sinto nenhum desconforto no braço. — Ela olha para as próprias mãos. — Lindas e habilidosas, do jeito que eu gosto.

A moça me olha, mas saio de perto dela, voltando para a mesa com o projeto da Ethernium. Não demora muito, e ela põe um cartão do laboratório sobre o tampo.

— Meu número está anotado atrás, caso precise novamente da minha mão.

Pego o cartão, confiro o número e sorrio.

— Curioso para conferir todas as habilidades dela.

Não a vejo sair da sala, pois volto a prestar atenção à prancha aberta na mesa. Faço algumas anotações, olho o arquivo no computador e continuo a trabalhar sem pensar de novo na garota do laboratório.

Qual era mesmo o nome dela? Não faço ideia!

 

Depois de todas as emoções do dia na Karamanlis, com a revelação de que Theodoros tem uma filha de oito anos e que a menina está doente, o dia passou rápido, e, por conta da pressão de Kostas sobre a Ethernium, trabalhei boa parte da noite também, chegando a casa bem tarde.

Chicão, ainda instalado no meu apartamento, lavava a louça do jantar e me deu um olhar curioso sobre minha demora.

— Trabalho, meu amigo! — disse, colocando minha mochila no sofá. — Ainda sobrou algo comestível aí?

— Infelizmente, não, mas posso fazer algum sanduíche para você.

Chicão abriu a geladeira e me mostrou os ingredientes. Aceitei a oferta e, enquanto ele trabalhava, notei dois pratos lavados no escorredor.

— Teve companhia no jantar?

Ele riu.

— Samara, sua amiga, aceitou o convite de acompanhar esse velhote aqui em uma refeição saudável. — Sua cara debochada não me passou despercebida, porque, muito embora o homem tenha quase 60 anos, está longe de ser um velhote. — Encontrei-a no saguão chegando aqui ao prédio e a convidei para me fazer companhia.

Samara...

A reação nova e intensa que apenas o nome dela me causa é algo que me surpreende ainda, mas que já aprendi a aceitar. Desde nosso reencontro, já não consigo vê-la como via antes. A amiga – quase irmã – deixou de existir, e, cada vez que a vejo ou penso sobre ela, só vislumbro a mulher que enlouquece meu corpo e me faz pensar em todo tipo de sujeira que ela e seu jeito conservador nunca aceitariam.

— Ah, merda! — Chicão xingou e chamou minha atenção para si, deixando meus pensamentos e o tesão sobre Samara de lado. — Esqueci de oferecer a ela meu cheesecake de tofu.

Fiz careta.

— Aposto que ela vai te agradecer por isso.

Ele negou e pôs um enorme pedaço em um prato.

— Claro que não, ela adora tofu e o estilo de vida que adotei. — Minha careta incrédula o fez me encarar sério. — Ela elogiou muito minha comida, algo sobre o namorado dela também ser vegano.

— Outro fresco, então — comentei, e Chicão riu. — O que foi?

— É algo novo ver Alexios Karamanlis com ciúmes!

O quê?!

— Chicão, você está louco! — Ri em deboche. — Eu com ciúmes da minha melhor amiga? Ela já teve vários namorados, nunca me importei.

Ele perdeu a expressão brincalhona.

— Nunca se importou ou se acostumou a não se importar por achar que ela merecia alguém melhor que você? — Engoli em seco ao ouvir a pergunta. — Eu ainda me lembro de quando você me contou sobre o baile de formatura dela, quando ela o convidou para que você a acompanhasse e...

— Isso não importa, eu era um garoto — cortei o papo rápido, pois nem me lembrava de ter contado isso a ele.

Ele suspirou e deu de ombros.

— Vou levar a sobremesa para ela — anunciou, caminhando para a porta. — Depois eu monto seu...

— Não acha que está muito tarde para ir até o apartamento dela? — Apontei para o enorme relógio de aço na parede da cozinha. — Amanhã...

— Ela me disse que está trabalhando em um projeto grande com o irmão e que por isso iria passar boa parte da noite acordada.

Fui até meu amigo e peguei o prato com a torta de sua mão.

— Pode deixar, que eu levo para ela. Meu sanduíche não está pronto, e eu estou com fome. — Apontei para os ingredientes que ele pegou na geladeira. — Enquanto vou lá, você adianta isso aí.

O filho da mãe riu da minha desculpa mal dada.

— Está certo.

Desci os andares de escada até o apartamento dela e por isso estou aqui, prato com um cheesecake de tofu na mão e dedo prestes a tocar a campainha, mas nervoso como estava no baile dela há tantos anos.

O clima entre nós mudou de uma forma surpreendente. Nunca imaginei que a certinha, feliz e bem-resolvida Samara Schneider fosse corresponder ao meu tesão. A verdade é que nem eu imaginava sentir-me assim com relação a ela.

Samara sempre foi uma amiga companheira e incrível, e eu a admirava demais, principalmente seu jeito doce de tratar minha irmã, às vezes tão incompreendida por todos. Todavia, quando ela fez 17 anos, algo mudou na forma como eu a enxergava – não que eu a achasse gostosa ou que ela despertasse meu tesão naquela época –, passei a vê-la como a mulher perfeita, aquela à qual qualquer homem sentiria orgulho de ter ao seu lado e a coloquei em um pedestal quase divino, um alvo inalcançável que eu nunca seria digno de tocar. Nunca Alexios Karamanlis chegaria aos seus pés por causa das marcas que trazia consigo, seu passado nebuloso e seus traumas.

Bufo de raiva com esse pensamento e aperto o botão da campainha.

Foda-se! Ela e eu não somos mais as mesmas pessoas, e ter percebido que o interesse que sinto por ela agora é recíproco me faz ignorar todas as certezas que eu tinha sobre o que era melhor para nós dois: distância física.

Ela abre a porta, um tanto surpresa com minha visita, mas não emito nenhuma palavra, nem mesmo um cumprimento, pois só consigo olhá-la, fitar os cabelos ao estilo natural, encaracolados e cheirosos, o aroma de um banho recém-tomado e o roupão cobrindo seu corpo.

— Alexios? — ouço sua voz questionadora, mas não respondo de volta, feito um idiota.

A verdade é que estou paralisado buscando controle. Meu corpo inteiro está me empurrando na direção dela, com vontade de jogar o prato com a sobremesa pelos ares, puxá-la contra mim como fiz no elevador e só parar quando estivermos os dois nus, suados e satisfeitos.

Encaro seus olhos e me surpreendo com o reflexo desse mesmo desejo.

Foda-se de novo!

Escuto o barulho da louça se partindo no chão, mas ligo uma merda para a bagunça que a horrorosa torta de tofu fez nos corredores, pois minha concentração está toda no corpo dela, cheiroso e fresco, junto ao meu e na minha boca, que devora a dela com fome.

Samara corresponde ao beijo com a mesma intensidade, sua língua atacando a minha, suas mãos agarradas na minha camisa me puxando mais para perto, como se quisesse me fundir a ela.

Não penso mais nada a não ser em tê-la nua contra mim e, arrastando-a para dentro de sua sala de estar, puxo o cinto do roupão, afasto-o dos seus ombros e sinto a peça de seda deslizar por seus braços, mas não cair no chão.

Apalpo devagar sua pele, tremendo e gemendo, minha boca ainda grudada na dela. Sinto a curva dos seios cheios, as ondulações de suas costelas, a cintura fina e firme e – meu pau quase explode neste momento – a carne macia de sua bunda.

Que doideira!

Minha vontade é de beijá-la inteira, desde o dedão dos pés até o alto da cabeça, lambê-la devagar, arrastar minha língua, lábios e dentes por sua pele, vendo-a se arrepiar, sugando os pontos mais sensíveis de seu corpo, sentindo o sabor de sua boceta, e beber seu orgasmo, deliciando-me como se fosse uma iguaria.

Abro os olhos e paro o beijo sem afastar meus lábios dos dela. Samara me olha de volta, seus olhos castanhos brilhando de puro tesão, um respirando o ar do outro.

Não movo meus dedos, ainda cravados nos músculos de seu rabo delicioso. Sinto meu pau latejar pressionado contra sua barriga, minha cabeça dá mais voltas do que quando eu curtia um barato, e não sei discernir quem é que está tremendo, se eu ou ela.

Ainda olhando-a, contorno sua boca com minha língua, chupo seu queixo, beijo sua mandíbula. Não quero falar nada, não precisamos de palavras, embora eu saiba que ela irá precisar delas mais tarde. Não quero pensar nisso, apenas senti-la. Neste momento nós dois somos iguais, sentimos o mesmo desejo, não importa o quão diferentes realmente sejamos.

Samara geme alto e volta a fechar os olhos, suas mãos agarram meus cabelos enquanto beijo e mordo seu pescoço. O roupão continua todo aberto, pendurado em seus braços, tentando-me a olhar para o corpo nu que já senti com minhas mãos e que, mesmo sem ver, consigo imaginar perfeitamente apenas com o toque.

Desço mais, continuando os beijos em seus ombros, colo, ansioso por chegar aos peitos maravilhosos e tomá-los na boca sem nenhum pudor, sugando e mamando como um esfomeado.

Os gemidos dela se misturam ao som de um celular vibrando que ela nem parece perceber e que, embora eu tenha escutado, não faço o menor gesto de alertá-la para o fato, ainda mais agora, quando tenho o que quero nas mãos.

Gemo com ela quando sugo um mamilo rígido e afago o outro com o polegar. Chupo devagar, conhecendo-o, entendendo suas terminações nervosas e calculando seu prazer a cada sucção mais forte ou mais leve.

O som da campainha do telefone fixo soa alto, mas é ignorado sumariamente, como foi a vibração do celular. Rio contra o peito dela, perverso, seguro-o com os dentes, deliciando-me com os suspiros e gemidos enlouquecidos, o leve ondular de quadris que ela executa contra meu corpo, evidência máxima de que está pronta para mim.

— Samara, cariño, contesta.

Imediatamente ela fica fria, tensa, e eu nem preciso questionar para saber de quem é a voz que soa alta na secretária eletrônica.

Porra!

Afasto-me a contragosto, e a expressão culpada e assustada dela me faz sentir como um monstro.

Merda!


— Samara, cariño, contesta!

Meu corpo, até então completamente entregue e seduzido por Alexios Karamanlis, quente pelo toque de suas mãos sobre minha pele, seu beijo intenso e todas as promessas de prazer que cada gemido e suspiro fez, parece receber um banho de água fria ao ouvir a voz de Diego soar na secretária eletrônica.

Diego?!

Um arrepio de frio perpassa meu corpo, fazendo-me perceber que estou nua, exposta, e o constrangimento me toma de um jeito que nunca senti. Abro os olhos e descubro que os de Alexios já estão me encarando.

Não sei o que falar ou como agir, sinto-me mal pela situação e, ao mesmo tempo, querendo ser a mulher que não sou, mandar tudo pelos ares e voltar a agarrá-lo.

Não sou assim, não sou inconsequente ou movida por impulsos.

Alexios parece entender o meu dilema e, sem olhar para o meu corpo, recoloca o roupão nos meus ombros, e eu junto as abas dele para criar a distância necessária e para o fim da exposição.

— Eu sinto... — Alexios começa, e eu balanço a cabeça, não querendo mais ouvir nenhuma palavra de desculpas. Olho para trás, para o móvel onde meu telefone está e sinto uma enorme dor na consciência. Por quê?

— O que tem significado isso tudo, Alexios? — pergunto ainda sem olhá-lo. — Já não é a primeira vez que...

— Acho que a distância me deixou confuso.

Encaro-o, sobressaltada com a resposta.

— Como assim?

Ele parece nervoso, não me olha diretamente e está prestes a sair daqui o mais rápido possível. Reconheço essa reação, pois sempre que ele percebia que estava fazendo merda, agia assim.

— Você é uma mulher bonita, Samara, nunca ignorei isso, mas nossa proximidade te mantinha a salvo. — Ele ri e, quando me olha, está com a expressão que usa quando quer disfarçar algo, e eu sei que vai mentir para mim. — Você me conhece, sabe que eu sou galinha e que não posso ver uma boc... mulher. Acho que a distância quebrou essa armadura, sabe? Mas está errado, você não foi feita para uma foda sem sentido, já tem um cara que deve ser compatível com você, e misturar as coisas entre nós só vai dar merda.

— Compatível? — volto a questionar, sem entender o que ele quis dizer com esse discurso todo. Eu tive várias fodas sem sentido, principalmente porque me sentia carente ou enciumada por vê-lo desfilar com seu séquito de mulheres, não sou a santa delicada e pura que ele me faz parecer. Sobre Diego, o que significa essa de compatível? Ele nem sabe de quem se trata!

— Porra, Samara! — Alexios bufa. — Ele deve ser alguém que...

O telefone volta a tocar, e Alexios aproveita a deixa para acenar e sumir do apartamento. Fico parada, olhando para a porta que ele bateu ao sair, ouvindo a campainha irritante do telefone, sem entender o que está realmente acontecendo.

— Samara? — fecho os olhos ao ouvir a voz de Diego novamente. — Cariño, estou ligando porque llegué a São Paulo. — Corro até o aparelho, trêmula com a notícia. — Se suponía que seria una surpresa, pero no lembro tu dirección, así que...

Percebo o quanto ele está confuso, intercalando o espanhol e o português a todo momento, então saio da letargia causada pelo momento em que ligou e a surpresa de sua vinda ao Brasil e pego o aparelho.

— Diego!

— Carajo! — o palavrão é carregado de alívio. — Ya iba a un hotel, me alegra que hayas respondido. No se nada de esta ciudad.

— Você está mesmo no Brasil? — indago perplexa, e ele responde que sim. — Quando chegou?

— Hace una hora. Feliz por esta surpresa?

Olho para a porta. Ainda sinto o cheiro do perfume de Alexios em toda a sala. Respiro fundo e tento me concentrar na situação estranha em que me encontro agora. Diego veio ao Brasil sem me avisar, como se todas as nossas conversas sobre o término não tivessem existido. Ele parece enxergar sua vinda como uma surpresa positiva, como se eu estivesse esperando-o aqui ansiosa.

Deus do Céu, o que será que ele está pensando? Tento raciocinar com calma. Estou abalada com o que houve com Alexios há pouco e confusa com tudo isso.

— Diego, vou te passar meu endereço pelo aplicativo.

Pego meu celular, vejo as inúmeras mensagens e chamadas que ele fez e que ignorei para estar nos braços de Alexios, recebendo as migalhas de atenção e desejo que ele resolveu me dar. Meu coração se aperta, e a cabeça ferve, o orgulho ferido por mais uma vez estar agindo como a garota carente que suspirava pelo garoto rebelde pelos cantos.

Mando o endereço para Diego, que confirma que recebeu, despeço-me dele e tomo consciência de que ele está no Brasil, que veio atrás de mim, coisa que Alexios nunca seria capaz de fazer, afinal, passou três anos sem nem mesmo pegar um telefone para me ligar. Claro que eu não esperava que Diego viesse e, na verdade, nem sei como me sinto com relação a isso. Estou confusa e sem reação.

Encaro-me no espelho que tenho em cima de um móvel e vejo não só a mim mesma, mas todos os meus medos, inseguranças e dúvidas, que voltaram a partir do momento em que pisei no Brasil no final do ano passado.

Diego não reconhecerá essa mulher, nunca fui assim com ele, nem com mais ninguém a não ser Alexios. Sou segura, independente, conheço meu valor tanto como mulher quanto como profissional. Então por que Alexios mexe comigo a esse ponto? Por que me desestrutura tanto?

Chega!, penso irritada.

Vou para o banheiro e ligo o chuveiro em temperatura fria e com alta pressão a fim de tirar de mim todo o desejo e as sensações que o beijo de Alexios me causou há pouco.

Ele não é para mim, nunca foi e nunca será!, vou repetindo isso durante o banho, lavando minha pele como se pudesse lavá-lo do meu coração e dos meus sonhos.

 

— Oi! — Diego me saúda assim que abro a porta do apartamento, experimentando mais uma palavra em português das muitas que lhe ensinei ao longo dos anos de convívio.

Abro um sorriso, reparando em sua beleza máscula, seus olhos escuros, rosto anguloso, nariz reto e comprido e boca sedutora. Ele é alto, magro e tem um senso de moda extraordinário. E me pergunto por que não consegui me apaixonar por ele.

— Hola! — Ele gargalha e me puxa para um abraço. Fico tensa, mas ele não parece perceber e me beija. Como não correspondo ao beijo, Diego se afasta e me olha como se não entendesse o motivo pelo qual não retribuí sua carícia, mas depois sorri como se nada tivesse acontecido.

— Entra — chamo-o para sair do corredor. — Sua vinda me pegou realmente de surpresa, nem sei o que dizer.

Diego se desvia de algo, e vejo cacos de louça e o resto de uma torta no chão. Imediatamente lembro-me que Alexios segurava algo antes de me beijar e fico vermelha ao pensar que ele jogou para o alto antes de se atracar a mim.

— Era a ideia. — Ele ri. — Usted estava confusa, e a distância no ajudava, así que aquí estoy.

Assinto, nervosa, e fecho a porta, como se isso pudesse acabar com a lembrança do beijo de Alexios e a dor de mais uma vez sentir sua rejeição. Diego continua me encarando, seus olhos brilhando de curiosidade, a testa levemente vincada de preocupação.

— Você deve estar exausto depois dessa viagem, não quer se instalar e tomar um banho?

Ele concorda.

— Tu hablas mais corrido aqui — ele fala enquanto anda atrás de mim, arrastando sua mala. — Pero treinei muito para compreender.

— Está se saindo muito bem! — Sorrio sem jeito e lhe mostro o banheiro.

Diego beija minha testa. O gesto de carinho aperta meu coração, e mais uma vez me questiono por que as coisas não podem dar certo entre nós. É certo que entre mim e Alexios nunca vai haver nada, então é justo eu ficar a vida toda esperando por um milagre enquanto posso tentar ser feliz ao lado de alguém que gosta de mim?

Eu tentei! Tentei mesmo, com afinco, tanto que achei que havia conseguido superar o que sentia, mas percebi que estava apenas reagindo à distância que impus ao Alexios e não o esquecendo.

— Eu li que o Real perdeu do Ajax nas oitavas da Liga — puxo um assunto neutro, e Diego assente e dá de ombros ao mesmo tempo.

— Sí! — diz desanimado. — Está una desorden por lá, então, só posso ficar unos dias contigo. — Diego cheira meu pescoço, e institivamente eu me afasto. — Vamos juntos para o banho?

Nego, precisando de um tempo para achar uma solução para esse imbróglio em que estou metida. Não quero magoá-lo, mas não vejo como não ser sincera com ele, mesmo tendo percorrido essa distância toda para me ver.

— Diego, nosso relacionamento acabou, não era uma crise minha e estou te recebendo aqui como um amigo. — Ele fica um tempo me olhando, parado, mas não fala nada.

— Desfrute do seu banho e descanse, vou preparar o quarto de hóspedes e algo para você comer quando sair.

— Te quiero, Samara.

A declaração quebra meu coração, e sinto meus olhos marejarem. Não respondo nada, apenas sorriso e corro para a cozinha. Que situação mais fodida essa!

Quando escuto barulho no banheiro, sento-me à mesa, coloco as mãos na cabeça e tremo, nervosa, sem saber como fazer para lidar com tudo o que está acontecendo.

 

— Uau! — Kyra comenta assim que Diego sai da mesa do restaurante onde nos encontramos para almoçar. — Não me lembrava de que ele tinha esse sexy appeal latino!

Rio dela e dou uma olhada em direção ao banheiro.

— Ele tem! — Suspiro. — Veio de surpresa ontem, e eu não sei o que fazer para convencê-lo de que minha decisão foi definitiva. Acabou!

— Talvez se mostrasse a ele a porta da rua? — Kyra ri.

— Kyra! — ralho com ela. — Não posso fazer isso assim! Não tenho motivo algum para maltratá-lo, Diego sempre foi um homem bacana comigo. Eu não queria magoá-lo...

— Amiga, vamos encarar a realidade! De qualquer maneira você irá magoá-lo, porque não quer o mesmo que ele. Para de ser covarde e diga logo que não vai voltar para ele e que não há chance de ficarem juntos! — aponta para minha cara — Seja franca!

Bufo.

— Já falei, mas parece ele não está me levando a sério. Não sei mais o que fazer!

Minha amiga olha para o fundo do restaurante, onde ficam os banheiros, e volta a me encarar.

— Resolva isso!

— Como? Ele veio da Espanha só para me ver, não tenho motivo nenhum para expulsá-lo. — Mostro a língua quando ela abre um sorriso. — Kyra, é cruel demais!

— E daí? O homem já se mostrou meio louco, recusando-se a aceitar o término e ainda vindo aqui para pressionar você! Larga de ser trouxa e mostra a ele a realidade, senão daqui a pouco, por conta da sua pena, farei esse casamento, e, amiga, esse eu faço questão de fazer e nem vou me sentir culpada!

Reviro os olhos diante da sua provocação.

— Eu sei! Estou me sentindo mal com isso tudo e, para piorar... — interrompo-me antes de falar o que não devo.

— Para piorar... — Ela me olha séria. — Samara, o que você está me escondendo?

— Alexios e eu nos beijamos — confesso, e Kyra arregala os olhos — algumas vezes.

— O quê?! — ela fala tão alto que chama a atenção dos ocupantes das mesas vizinhas.

— Shiiiiiiii! — Faço sinal para ela falar mais baixo. — É isso, Alexios e eu nos beijamos e... — abaixo ainda mais meu tom de voz — se Diego não tivesse chegado e ligado para meu telefone, teríamos transado.

Kyra arregala os olhos novamente.

— Que empata-foda do cacete! O que foi que eu perdi? — Ela ri nervosa. — Vocês mal estavam se falando, tanto que montei aquele jantar exatamente para tentar resolver isso e...

— E o baile dos Villazzas também foi uma armadilha? E a noite de Natal? — acuo-a e, pela expressão culpada, percebo que sim. — Merda, Kyra, o que você pretendia com isso tudo? Agir como cupido?

— Não! — responde de pronto. — Eu só não aguentava mais ficar atuando como garota de recados de vocês dois — não entendo o que ela me diz, e Kyra simplifica: — Alexios perguntava de você de tempos em tempos enquanto esteve na Espanha, e eu não estava disposta a continuar nessa levada com você de volta a São Paulo.

Sou tomada de surpresa pela informação.

— Alex procurava saber de mim enquanto estive fora? — Ela confirma. — E você nunca me contou isso?

— Ué? Você mesma me pediu isso ainda no aeroporto, lembra? — Concordo. — Eu sabia que você tinha ido embora para tentar esquecê-lo! E, bem, por causa de Diego, achei que tivesse superado, mas... que história é essa de beijos?

— Não sei, só aconteceram... — paro de falar ao ver Diego se aproximar da mesa. — Depois conversamos mais.

— Pode ter certeza de que vamos! — Ela sorri para Diego. — É sua primeira vez em São Paulo? Sabia que a cidade tem ótimos hotéis?

Arregalo os olhos com a sua cara de pau.

— Sí! Já estive no Rio, mas nunca aqui. — Ele me abraça pelos ombros e ignora a deixa dela sobre os hotéis. — Estou contando com Samara para fazer tour pela ciudad. Tengo unos companheiros de trabalho que vieram morar aqui, pero ainda no conseguir hablar com eles.

— Eu já expliquei que acabei de fechar um trabalho aqui e que o tour não será possível.

Diego assente, mas não disfarça sua decepção.

— Bom, faço questão de recebê-los para um jantar. — Ela sorri para ele, mas reconheço sua expressão maldosa. Filha da mãe!

— Ah, Samara disse que usted é promoter. — Kyra faz que sim, orgulhosa. — Quem sabe então não realiza nosso casamento?

Quase me engasgo com a água que acabei de colocar na boca. Kyra para de sorrir no mesmo instante e me olha alarmada. Consigo ouvir o que ela está pensando apenas por sua cara assustada. Sempre tivemos isso, essa comunicação sem palavras. Ela acha mesmo que Diego é louco; também começo a sentir uma certa apreensão.

O clima fica tenso. Não sei o que responder, então Kyra desvia o assunto, mas não deixa de me olhar cheia de avisos a cada oportunidade que tem. Ela tem razão, preciso resolver isso rápido, antes que as coisas se descontrolem.


Acordo sentindo dor nas costas, o chão gelado arder na minha pele, a cabeça rodar, e a minha boca parece cheia de cinzas. Abro um olho; a claridade irrita-o, depois abro o outro. Tento me mexer, mas há um peso no meu braço que me impede.

— Merda! — resmungo baixinho.

Ontem à noite, depois de ter quase levado Samara para o sofá da sala dela e trepado como um louco, não consegui voltar para meu próprio apartamento e acabei ligando para Laura.

Eu precisava de uma transa rápida e urgente, por isso liguei para ela, pois já havíamos trepado tantas vezes que achei que não teria nenhum problema. Realmente não teve.

Cheguei, bebemos, trepamos, depois bebemos mais e voltamos a fazer sexo. Caímos exaustos e acordei agora, com Samara ainda na cabeça e a vontade de sair correndo daqui e ir até ela me cortando por dentro. Não vou! Apesar de não querer dizer o que disse, não menti quando falei sobre o tal espanhol ser melhor para ela do que eu.

Qualquer um é melhor do que eu!

Samara merece o melhor, sempre foi perfeita, e me envolver com ela é egoísta da minha parte, pois sempre serei só um arremedo de homem, um ser destruído que esconde suas frustrações e imperfeições por detrás de um rostinho bonito e uma atitude falsa.

Nunca poderia oferecer a ela mais do que ofereço a qualquer outra mulher: interesse sexual intenso, porém regado a frieza emocional e total desprendimento. É isso que sou, o oposto do que ela é.

— Bom dia! — Laura ronrona ao acordar.

Respiro fundo e abro um sorriso.

— Bom dia! — Aproveito que ela acordou e me levanto do chão. — Preciso ir para o trabalho.

Ela geme, seu corpo delicioso exposto.

— Ah, temos um tempo ainda...

Nego e coloco a calça.

— Preciso mesmo ir. — Pisco para ela. — Até mais tarde.

Saio praticamente correndo do apartamento dela, entro na garagem e subo na moto sem pensar duas vezes. Estou com fome, meu estômago ronca alto, então me lembro de que não como há horas, pois não tive a oportunidade de jantar na noite passada antes de ir até o apartamento da Samara com aquela maldita torta de tofu.

Novamente meu corpo sente os efeitos do tesão inesperado que estou sentindo por ela. Não olhei para seu corpo nu, mas toquei-a de maneira que a imagem se faz completa em minha cabeça, potencializada pela percepção de sua pele, a maciez, as curvas, a temperatura, o músculo tenso da base da coluna e sua bunda de glúteos duros.

Bufo dentro do capacete, excitado na moto a ponto de sentir dor por causa da posição de pilotagem.

Pensei que buscar alívio para essa atração fosse a solução para a loucura que é querer minha melhor amiga, mas percebi que não, não foi e talvez nunca seja. Eu a quero, preciso do toque de sua pele na minha, da respiração quente que escapava de seus lábios entreabertos enquanto eu beijava seu pescoço, do sabor de sua saliva e de toda a doçura que há nela e que contrasta com minha acidez.

Quando eu era mais jovem, senti-me puxado para ela de uma forma que me assustou, principalmente porque achei que Samara nunca entenderia. Freei-me e esqueci, mas, ao que parece, o sentimento só ficou represado, crescendo dentro de mim, enquanto eu negava ou fingia que não a via.

Bom, admitir que, a cada vez que a vejo, tenho vontade de comê-la inteira já não é mais nenhuma surpresa; nem mesmo dizer que acho loucura qualquer pensamento de um envolvimento entre nós além do de amizade. O que eu tenho que fazer então é lidar com esse tesão inesperado e indesejável da maneira com que sempre lidei com o que me incomoda: ignorando-o.

Deixo a moto na garagem do prédio e subo apreensivo dentro do elevador, com medo e ao mesmo tempo ansioso por vê-la. É uma merda essa situação toda. Essa mistura de sensações dentro de mim me faz parecer o menino que nunca fui, pois sempre fui atirado e inconsequente com as coisas que queria.

— Bom dia! — Chicão me cumprimenta assim que entro no apartamento.

Ele, como todas as manhãs, está sentado em seu tapete de ioga na sala de jantar – totalmente sem móveis – se alongando. Já tentou me convencer a praticar o exercício várias vezes, porém nunca me interessei, mesmo achando que poderia me fazer bem.

Francisco tem quase 60 anos, com uma saúde e musculatura invejável para qualquer “rapazola”. Gostava de sair com ele para a balada, pois logo chamávamos a atenção das mulheres e sempre nos divertíamos muito em noitadas de sexo muito loucas.

O homem com seus cabelos brancos e tatuagens atrai garotas como o açúcar atrai formigas, é impressionante!

— Bom dia — resmungo sem nenhuma cordialidade e coloco água na máquina de café, sem deixar de perceber que há verduras e frutas frescas na bancada da cozinha. — Foi às compras?

— Fui — ele responde, mesmo estando de cabeça para baixo. — Vou preparar umas marmitas de saladas, porque quero fazer uma trilha nesse final de semana. Topa ir junto?

Nego.

— O trabalho está uma loucura, é impossível sair. Além do mais, tem a situação da filha de Theodoros, que eu gostaria de acompanhar.

Ele sorri e se senta.

— Eu pensei que você tivesse passado a noite no sétimo andar, mas descobri que não. — Chicão me encara. — O que houve?

Respiro fundo, pego a xícara fumegante de café e dou de ombros.

— Passei a noite com uma mulher com quem tenho saído. — Meu amigo se surpreende. — Nada de mais, ela sabe que é só diversão e sexo. Mas como você soube que eu não tinha passado a noite com... no sétimo andar?

Chicão levanta-se, enrola o colchão e passa por mim.

— Encontrei a Samara com um homem na garagem hoje de manhã. Os dois riam, ele a abraçou e beijou várias vezes, então era óbvio que você não esteve com ela.

— Um homem na garagem? — Os nós dos meus dedos ficam brancos tamanha a força com que seguro a xícara. — Tem certeza de que era a Samara?

— Tenho! — ele grita de dentro do quarto da área de serviço. — Ela não me viu, mas era ela, sim. Acho que era o tal noivo.

Penso na ligação dele, sua voz chamando-a de cariño, a tensão no corpo dela e a culpa em seus olhos. Será que o “cabrón” veio para o Brasil?, penso incomodado, imaginando-o tocando-a como eu mesmo fiz ontem à noite e indo além.

— Merda! — resmungo, e Chicão, que já está de volta à cozinha, olha-me curioso, seu semblante irritando-me, como um velho monge sábio. — Pode tirar da cara essa expressão de Mestre dos Magos17!

Ele ri.

— Não estava fazendo isso, apenas tentando entender tudo, porque eu lembro que você saiu daqui com um pedaço de cheesecake de tofu para ela e só está voltando agora de manhã. Estou só tentando ligar os pontos!

— Fodam-se os pontos! — Abandono a xícara praticamente cheia de café em cima da bancada. — Eu não passei a noite com ela, o que foi sensato, e o noivo deve ter vindo atrás...

— Porque ele não é bobo e tem atitude de homem.

Meu sangue ferve de raiva.

— Vai se foder, Francisco! Não tenho mais 20 anos, você não consegue mais me manipular com suas provocações e psicologias reversas.

— O que é uma pena, porque você precisa delas tanto quanto precisava aos 20 anos. — Ele bufa, demonstrando finalmente impaciência e raiva. — Vai mesmo perder a única mulher com quem você realmente se importou a vida toda fora sua irmã?

— Samara é... era minha melhor amiga, por isso teve essa permanência na minha vida. Se eu tivesse trepado com ela em algum momento, certamente ela nem olharia mais na minha cara. — Respiro fundo. — Além do mais, ela merece coisa melhor.

O clima fica pesado. Chicão e eu ficamos um longo tempo em silêncio, constrangidos. Talvez ele também reconheça que eu nunca deveria ter cogitado a ideia de ter algum tipo de relacionamento com ela. Samara merece mais, merece alguém que possa amá-la, e eu não sou esse cara.

— Deu a ela esse poder de escolha? — ele pergunta de repente.

Encaro-o.

— Não vou foder a vida dela por causa do meu tesão. — Chicão concorda. — Samara não é do tipo que teria um caso “de férias” comigo e depois voltaria para o noivo como se nada tivesse acontecido.

— Sim, ela não faria isso.

— Exato. — Aprumo meu corpo e decido me arrumar para o trabalho. — Ela merece mais do que uma casca vazia.

— Você não é...

Meu telefone soa alto, e ele se cala.

— Oi, Kyra! — cumprimento minha irmã do outro lado da linha.

— O resultado do exame de compatibilidade saiu — sua voz parece tensa, quebrada.

— Eu sei. O meu deu negativo, infelizmente. — Ela soluça. Sei que não está chorando, mas imagino seu estado de ansiedade. — O que houve?

— Eu sou, Alexios! — Sorrio ante a resposta, cheio de esperança de a menina ter a chance de continuar vivendo.

— Vai doar? — questiono-lhe apenas para ter sua confirmação, porque não tenho dúvida nenhuma de que ela irá fazer isso.

— Sim, mas ainda estou em choque com o resultado. — Ela funga. — Eu gostei, claro, mas você entende que, de todos, a única compatível fui eu, justamente eu, que passei anos odiando o pai dela?

— Sim, e ver que você superou o ódio e está disposta a fazer isso por eles me enche de orgulho. Eu tenho orgulho da mulher que você se tornou — declaro, consciente da mágoa que ela teve do nosso irmão mais velho por tudo o que aconteceu, principalmente por causa de Sabrina.

— Vou ao hospital mais tarde hoje, quero dar a notícia pessoalmente, mesmo que ache que eles já saibam. — Ela suspira emocionada. — Millos me disse que ela parece conosco, Alex. Tem olhos como os nossos e os cabelos claros como os seus, mas ainda não a conheci. Eu quero!

— Uma Karamanlis — murmuro, pensando se o velho grego irá rejeitá-la por não ter nascido de um casamento tradicional, assim como fez comigo. — Que ela tenha mais sorte que todos os outros!

— Ela terá!

Apesar de não ser tão positivo como minha irmã, sorrio e concordo. Tessa terá mais chances do que todos nós tivemos, principalmente por ter passado boa parte de sua infância longe de todos os monstros dessa família.

Encerramos a ligação, e eu entro no banho para começar mais um dia de trabalho, porém, devo confessar, apesar de toda essa situação em torno de Tessa e Theodoros, não consigo deixar de pensar em Samara e no homem que Chicão viu com ela hoje mais cedo.

Meu estômago arde, a típica queimação que tenho sempre quando algo me desagrada muito. Acho besteira sentir ciúmes ou qualquer sentimento relacionado a possessividade com relação a ela, mas não posso dizer que não esteja sentindo.

Eu queria poder merecê-la, essa é a verdade. Mantive-me todos esses anos o mais afastado possível dela como homem, vendo-a apenas como amiga, alguém com que eu poderia contar, confiar, mas não como mulher. Por quê? Simples! Medo de perdê-la.

Eu nada mais sou que a porra de um covarde!

 

A situação no trabalho no resto da semana foi tensa, e aproveitei essa desculpa para ficar longe do Castellani. Saía cedo de casa e voltava quase de madrugada, trabalhava sem parar e tentava não pensar em mais nada fora dos assuntos da Karamanlis.

Na tarde daquela mesma manhã em que soube que o espanhol tinha vindo atrás de Samara, recebi outra ligação de Kyra, só que dessa vez em tom menos amigável do que da primeira.

— Que merda você fez com a Samara? — ela disparou assim que eu atendi.

— Não sei do que você está falando.

— Merda, Alexios, beijos?! — Fechei os olhos ao pensar que Samara contara isso para ela, temeroso também pela forma com que o tinha feito.

— Não quero falar sobre isso...

Ela começou a rir, e eu fiquei tenso.

— Conte uma novidade! Você nunca quer falar sobre nada!

Isso me surpreendeu a ponto de me fazer levantar da minha cadeira.

— Eu?! — Ri sarcástico. — O sujo falando do mal lavado, não é, Kyra?

— Exatamente por isso estou falando que você se fecha em copas, somos parecidos. A única diferença é que eu não brinco com os sentimentos dos meus amigos.

A acusação doeu bem no local onde ela deve ter mirado. Filha da puta!

— Não estou brincando com ninguém, aconteceu, apenas. Não foi nada de mais para nenhum dos dois, tenho certeza.

— Meu Deus, Alexios! — Kyra resmungou impaciente. — Você é cego ou é burro? — aguardei que ela me explicasse esse questionamento retórico, mas ela seguiu com o assunto: — Diego está no Brasil. O homem realmente gosta dela, atravessou o oceano para passar apenas uns dias em sua companhia.

— Eu imagino.

— Eu odeio pensar que, se ela se casar com ele, irá morar na Espanha e que só nos veremos de tempos em tempos, como antes — sua voz soou triste. — Mas respeito a decisão dela e quero que ela seja feliz, e ele realmente parece ser um homem decidido, que vai atrás do que quer. Ele entende que é um sortudo por tê-la, então, não fode tudo!

— Eu não tenho intenção alguma de...

— Eu sempre sonhei em ver vocês dois juntos — ela me interrompeu e me deixou completamente boquiaberto com sua revelação. — Era o cenário perfeito na minha cabeça, sabe? Meu irmão e minha melhor amiga juntos. Vocês são tão diferentes, mas tão complementares, que eu tinha a esperança de que...

— Eu não posso, Kyra — cortei-a antes que seus sonhos me contaminassem também. — Samara merece mais, você sabe disso.

— Você também merece, Alex. Samara sempre esteve ao nosso lado, nunca nos julgou, nunca questionou nosso jeito, foi nosso amparo, nossa tábua de salvação, nossa amiga. Eu quero muito que ela seja feliz. O espanhol bonitão pode conseguir fazê-la se sentir assim, mas quem poderá fazer você perceber que também merece ser?

Espanhol bonitão... confesso que, quando ela disse isso, eu não foquei muito nessa questão, mesmo porque a sua pergunta me fez sentir um peso enorme no peito, uma vontade desgraçada de ter o que nunca havia tido. Entretanto, agora, voltando a analisar a conversa, o ciúme e a curiosidade me corroem por dentro.

Samara me fez muita falta durante os anos que passou no exterior, e sei que minha irmã também se sentiu assim. Eu não sabia que ela tinha ido embora do Brasil magoada comigo por causa de algo que eu nem lembrava que tinha feito – maldito álcool –, e me senti abandonado por ela.

Nunca tive noção de que ela me desejasse, pois sempre a vi numa redoma intocável, em um pedestal inatingível. Não sei como agir de agora em diante, se apenas ignoro o tesão e a vejo ser feliz como merece ou se sigo sendo o mesmo inconsequente de sempre e vou atrás do que quero.

Merda!


— É um prazer, senhora — Diego cumprimenta minha mãe com seu forte sotaque, arrancando suspiros de dona Ana Cohen.

— Ah, tão bom ouvir esse sotaque de novo! — Mamãe sorri. — Seu avô falava exatamente assim, lembra, Samara?

— Sim — respondo, ainda tensa, sentada no sofá da sala de estar da mansão dos Schneiders, com minha mãe em uma poltrona, meu pai em outra, meu irmão e sua noiva em pé, perto do aparador, conversando.

De alguma forma, meus pais souberam que ele estava aqui no Brasil e, então, começaram a me pressionar para levá-lo até eles. Tentei de todas as formas demovê-los dessa ideia, mas então meu pai apareceu em meu apartamento – em horário em que eu não estava, e ele sabia – e convidou o Diego para um jantar.

Não tive mais como me recusar a vir com ele, e o pior foi descobrir, quando chegamos, que minha mãe estava promovendo um jantar familiar para conhecer meu namorado. E agora está aqui, completamente apaixonada pelo encantador Diego Vergara. Puta que pariu!

Estou há dias tentando conversar com Diego, mas o homem se fecha a cada vez que tento entrar no assunto. Ainda continua dizendo que estou confusa, que a distância entre nós me deixou assim e o pior: que veio para me reconquistar.

Eu quase não tenho ficado em casa, saio para o escritório da empresa todos os dias para trabalhar, e ele anda pela cidade, fazendo o tour que planejou, como se estivesse tudo bem.

Estou ficando preocupada com isso. Não sei o que ele pretende, pois está claro como o dia que não vai mais rolar nada entre nós. Tentei enxergá-lo como um amigo que veio à passeio, mas agora realmente a situação está indo longe demais e tirando meu sossego.

Nos primeiros dias, fiquei tensa pela possibilidade de cruzar com Alexios pelos corredores do Castellani, receosa com minha reação ao encontrá-lo depois do que houve. Contudo, mesmo morando no mesmo prédio, não coincidimos nenhuma vez em horários, e eu acabei relaxando. Não vou mentir que ainda penso no que poderia ter acontecido naquela noite, nem que eu tremo só de me lembrar do toque dele.

Meu pai pergunta a Diego sobre o seu trabalho como assessor de imprensa, e os dois entram em uma conversa longa sobre futebol. Peço licença a eles para ir até a cozinha – para onde Dani foi há pouco – e encontro meu irmão conversando com a Cida.

— Tudo bem?

Ele dá de ombros, e vejo a Cida rolar os olhos.

— Bianca teve um imprevisto e não vai ficar para o jantar — meu irmão justifica. — Estava aqui dizendo a Cida que teremos um a menos na mesa. O que merda esse homem está fazendo aqui com você? Já não tinham terminado?

— Ai, Dani, a situação está mais complicada do que imaginei — resmungo. — Algum problema sério com Bianca?

— Não, trabalho — responde seco, e percebo que ainda está incomodado com a presença de Diego. — Parece que o espanhol conquistou a mamãe...

Fico sem jeito, e Cida ri.

— Basta saber se conquistou a Samara. — Ela me encara. — Não parece.

Faço careta, e Dani bufa.

— O que está acontecendo?

Não quero preocupar meu irmão ou envolvê-lo nos meus problemas.

— Nada, estamos conversando apenas. Ele quer me reconquistar.

— Não estou gostando disso, Samara. Resolva essa situação.

Eu confesso baixinho:

— Estou tentando.

Olho para o meu irmão, sério, encarando-me como se estivesse analisando minha reação mais do que minha resposta. Ele me conhece bem demais para ter deixado passar o susto que passei com o convite e o constrangimento que estou sentindo por ter Diego aqui.

— Acho melhor voltarmos para a sala. — Daniel passa por mim. — Não pega bem deixar o visitante lá e ficarmos aqui de conversa fiada. Além do mais, ainda tenho que dizer à mamãe que Bianca teve que ir embora. — Ele parece contrariado. — Eu disse que esse jantar era uma péssima ideia!

— O que está acontecendo, Cida? — indago assim que ele sai da cozinha. — Tenho a impressão de que meu irmão não está muito feliz para alguém que está prestes a se casar, estou certa?

— Daniel nunca foi uma pessoa que demonstra o que sente, filha.

Bufo, cada vez mais preocupada. Meu irmão não se abre comigo, e, ao que parece, Cida também não vai falar nada. Eu o amo tanto que chego a sentir arrepios de medo só em imaginá-lo em uma relação que não quer apenas para agradar aos outros e não entendo o motivo pelo qual ele está insistindo no casamento.

Bianca e ele juntos no mesmo ambiente deixa tudo tão frio que eu chego a estremecer!

Eu não quero ser assim e, apesar de ter compatibilidade em muitas coisas com Diego, não sinto por ele o que sente por mim, e isso me deixa certa da decisão que tomei ao terminar antes que a coisa se complicasse ainda mais.

Volto para a sala, e o olhar de mamãe para Diego diz tudo sobre seu encantamento pelo homem. Que situação! Meu pai é mais reservado, escuta a conversa dos dois sobre viagens sem se manifestar, mas sei que sua cabeça deve estar anotando cada palavra de Diego para poder montar um julgamento sobre ele.

— Você já conheceu o Godofredo? — mamãe muda de assunto quando eu me sento ao lado de Diego.

— Sí! — Ele ri. — Meus pies sofreram!

— Ele é ciumento, não gosta que invadam seu espaço — justifico meu bichinho.

— Aquele bicho é feroz! — papai entra na conversa, também parecendo divertido. — Kyra deu um belo presente para minha filha. Você já a conheceu?

— Sí!

— Nós almoçamos juntos esses dias.

Mamãe fica séria.

— Já conheceu o irmão dela também? — questiona para Diego.

Ele franze o cenho, mas nega.

— Diego não conheceu muitas pessoas ainda, mamãe — respondo e mudo de assunto: — Estou louca para comer o que a Cida está preparando. O cheiro na cozinha está delicioso.

— Sim, está! — Minha mãe me olha de um jeito estranho. — Que bom que vai dar tempo de Diego participar do casamento de Daniel — engasgo com minha própria saliva quando ela diz isso. Ela olha para os lados para confirmar que meu irmão não está na sala. — Ele não sabe, mas terá uma pequena festa, e é claro que você está convidado.

— Gracias! — Diego responde, sorrindo encantado, e eu tenho vontade de chorar.

Merda! Eu queria ter tido tempo de ter explicado à minha família sobre essa situação, mas estou me tornando vítima das surpresas ultimamente.

 

Vim para a empresa para rever com Daniel o projeto de decoração que estou fazendo para seu cliente. Já tem quase uma semana que Diego chegou ao Brasil, e o dia de ele voltar para a Espanha está se aproximando. Não tenho insistido mais no assunto da conversa sobre nosso término, decidi esperar para fazer isso no último dia e, por isso, tenho tentado ficar o mínimo em casa.

Ele também não tem ficado por lá! Encontrou-se com alguns antigos companheiros de trabalho que vieram morar por aqui e tem saído sempre com eles, enquanto eu vou à empresa. O clima está pesado, e não entendo como ele ainda insiste em tentar reatar comigo. Não dá!

Diego só está hospedado comigo porque eu o considero um amigo, mas não acredito que ele ainda espere que eu siga com o relacionamento.

Um lembrete de agenda aparece no visor do meu celular, lembrando-me do encontro com Kyra para um jantar no próximo domingo. Minha amiga está se recuperando de um procedimento cirúrgico, e eu tenho tentado estar com ela sempre que posso.

A verdade é que estou muito feliz, pois ela conseguiu resolver uma questão de seu passado que sempre foi dolorida para ela. Nunca senti tanto orgulho, e isso acendeu minha esperança de um dia vê-los, meus dois amigos de infância, felizes.

Espero que, daqui para frente, ela consiga lidar melhor com suas dores e traumas. Kyra é maravilhosa. Mesmo que não saiba demonstrar seus sentimentos, sei que tem bom coração e muito amor dentro de si, e o que aconteceu agora pode fazê-la enxergar o mundo de forma diferente.

Lembro-me de quando ela me contou sobre o resultado do exame de compatibilidade e o que decidiu fazer. Estava emocionada, achei até que fosse chorar – coisa que nunca a vi fazer nesses anos todos de amizade –, e isso me fez senti-la mais perto de mim. Abracei-a forte, mesmo sabendo que ela não curte muito, e lhe disse o quanto a amava.

Tive vontade de lhe perguntar sobre a reação de Alexios à decisão dela, mas me contive. Nós não nos vemos desde aquela noite em que Diego chegou, mas soube notícias dele através de uma dessas revistas de fofocas.

Eu estava no salão para cuidar dos meus cabelos e, assim que abri a revista, vi que Alexios tinha dado uma festinha regada a champanhe e muitas celebridades em seu iate. Na foto, tirada de longe por algum paparazzo, ele aparecia agarrado a uma mulher escultural na proa do barco.

Nunca conheci o iate dele!, pensei, mas logo depois ri ironicamente, pois era óbvio que eu nunca pisaria lá, afinal, nunca fui um de seus casos de uma noite, e ele também nunca precisou me impressionar, sempre fomos amigos.

Confesso que aquela foto me incomodou, mexeu comigo, mas tratei logo de deixar essas sensações de lado. Cada vez mais percebo o quanto ele tem razão sobre nós dois. Sim, aconteceu de ele ter atração por mim, algo que até pouco tempo era um sonho distante, mas é só isso. Alexios nunca será o tipo de homem que se entrega de verdade, e eu o entendo até certo ponto, pois imagino tudo o que passou, mesmo que não tenha me dito nada; eu vi suas marcas.

Talvez seja a hora de eu estar sozinha. Tenho pensado muito sobre isso. Passei boa parte da minha vida apaixonada por um homem que nunca me viu e tentando compensar com outros. Diego foi mais uma compensação, e deu certo porque eu estava longe e tinha uma sensação de liberdade que percebi que era ilusória. Meu coração nunca se libertou de Alexios, e homem nenhum me ajudou a deixar esse sentimento de lado. Agora é a hora de tentar sozinha, sem bengalas, sem distância ou mesmo escudos.

— Bom dia! — Josué, o braço direito do meu pai e do meu irmão aqui na empresa, cumprimenta-me e alivia minha mente do assunto pesado.

— Bom dia! Vim assim que me chamaram. Algum problema?

— Não, não, apenas uma reunião rápida com o cliente e uns colaboradores.

Alguém bate à porta da sala de reuniões onde estamos, e ele manda entrar.

 

                                                CONTINUA