Irmandade da "Adaga Negra"
CAPÍTULO 20
Quando os dois foram deixados sozinhos, Manny não conseguia tirar os olhos de sua paciente. Seu olhar percorria seu rosto, a garganta e aquelas mãos longas e adoráveis. Deus, tinha o mesmo aroma, aquele perfume dela infiltrava-se em seu nariz, percorria seu corpo e ia direto a seu pênis.
– Sabia que você era real – ele repetiu. Cristo, provavelmente era melhor ter dito outra coisa, qualquer outra coisa, mas era evidente que essas palavras eram tudo o que tinha: o alívio por não estar ficando louco era esmagador. Ao menos até o brilho luminoso das lágrimas de Payne ser registrado dentro dele... juntamente com a profunda falta de esperança em seu olhar. Tinha feito todo o possível por ela e, ainda assim, tinha falhado. Totalmente.
Contudo, sabia qual era sua condição antes daquele momento. Aquele irmão dela não voltaria ao mundo humano se as coisas deste lado estivessem indo muito bem.
– Como você está? – ele perguntou.
Quando encarou os olhos dela, ela balançou a cabeça lentamente.
– Oh... estou...
Quando não conseguiu terminar a frase, procurou a mão dela e segurou-a com firmeza. Deus, a pele era tão macia.
– Fale comigo.
– Minhas pernas... não estão melhores.
Ele resmungou em voz baixa. Queria fazer um exame nela e observar o que diriam as novas radiografias... talvez tomar algumas providências para que ela voltasse ao São Francisco e fizesse outra ressonância.
Mas, por mais importante que toda aquela avaliação fosse, poderia esperar. Agora, ela estava emocionalmente frágil e precisava, em primeiro lugar, de ajuda para lidar com a situação.
– Nenhuma sensação ainda? – ele disse.
Quando balançou a cabeça, uma lágrima escapou e deslizou por sua face. Ele odiava o fato de ela estar chorando, mas tão certo quanto o ar que respirava, nunca tinha visto nada tão lindo quanto aqueles olhos.
– Estou... cansada de ficar assim – disse com um estremecimento.
– E “assim” significa exatamente o quê?
– Aqui. Nesta cama, presa. – Ela não apenas manteve o olhar, mas foi além, penetrando nos olhos dele. – Não posso suportar essa tortura. Nem mais uma noite.
Ela estava mortalmente séria e, por uma fração de segundo, Manny sentiu um terror que cortou sua alma. Talvez para outra fêmea... ou macho, não importava... uma frase como aquela fosse uma liberação emocional de desespero. Para ela? Era um plano.
– Tem internet por aqui? – perguntou.
– Internet?
– Um computador com acesso à rede?
– Ah... acredito que exista um na sala maior, mais à frente, indo em direção àquela outra porta.
– Volto já. Fique aqui.
Aquilo a fez sorrir um pouco.
– Para onde eu iria, curandeiro?
– É isso que vou lhe mostrar.
Quando se levantou, teve de resistir à vontade de beijá-la e saiu apressado para ter certeza de que não faria isso. Não levou muito tempo para encontrar o computador em questão e ter acesso à rede, com a ajuda de uma enfermeira bastante atraente que se apresentou como Ehlena. Dez minutos depois, voltou para o quarto de Payne e parou na porta.
Ela estava ajeitando o cabelo, as mãos tremiam ao alisar a cabeça e deslizar ao longo da trança, como se estivesse procurando defeitos.
– Não precisa fazer isso – ele murmurou. – Está perfeita para mim.
Em vez de responder, ela corou e ficou um tanto agitada... foi a melhor coisa que pôde fazer, já que não conseguia dizer nada.
– Você me deixa sem palavras, de verdade.
Bem, agora, sua mente estava indo a lugares para os quais não deveria.
Observando-a por completo, esforçou-se para que sua mente mudasse de marcha.
– Payne, sou seu médico, certo?
– Sim, curandeiro.
– E isso significa que vou lhe dizer a verdade. Não vou disfarçar, nem esconder nada. Vou lhe dizer exatamente o que acho e permitir que tome sua decisão... e preciso que me ouça, tudo bem? A verdade é tudo o que tenho, nada mais nada menos que a verdade.
– Então, não precisa dizer nada, pois sei muito bem onde estou.
Ele olhou ao redor da sala.
– Já saiu daqui desde que voltou da cirurgia?
– Não.
– Então, está encarando essas quatro paredes vazias há uma semana, presa em uma cama, precisando que outra pessoa lhe ajude a alimentá-la, dar banho e lidar com suas necessidades físicas.
– Não preciso que me lembre – disse ela secamente. – Agradeço muito, mas...
– Então, como sabe onde está?
O franzir de sua testa foi profundo e obscuro... e também muito sensual.
– Isso é ridículo. Estou aqui – apontou para o colchão embaixo dela. – Estive, todos esses dias, aqui.
– Exatamente. – Quando o encarou, Manny diminuiu a distância entre eles. – Vou pegá-la e carregá-la, importa-se?
Nesse momento, as sobrancelhas dele se ergueram.
– Para onde?
– Para fora desta maldita gaiola.
– Mas... eu não posso. Tenho uma...
– Eu sei. – Com certeza ela estava preocupara com o cateter e, para evitar qualquer constrangimento, ele agarrou uma toalha branca limpa da mesa de cabeceira. – Vou cuidar disso e de você.
Depois que se certificou de que o equipamento estava seguro, tirou o lençol que a cobria e a pegou. Seu peso era sólido contra a parte superior do corpo de Manny e levou apenas um momento para abraçá-la, a cabeça repousou sobre o ombro dele e as longas, longas pernas penderam em seu braço. Seu perfume, sabonete, ou seja lá o que fosse, lembrava sândalo e algo mais.
Ah, sim... orgasmos.
Aqueles que sentiu quando sonhou com ela.
Ótimo, estava todo alegrinho e excitado.
Payne limpou a garganta.
– Sou muito pesada? Sou grande para uma fêmea.
– Você é perfeita para uma fêmea.
– Não de onde eu venho – ela murmurou.
– Então, eles usam os padrões errados.
Manny carregou sua preciosa carga pela porta da sala de exames. O lugar estava vazio, como ele havia solicitado – pedira à enfermeira... Elina? Elaina?... para que tivessem um pouco de privacidade. Não sabia onde isso acabaria.
Mantendo-a em seus braços, sentou em frente ao computador e colocou o objeto em um ângulo em que ela pudesse ver o monitor. Quando ela pareceu mais interessada em olhar para ele, não se importou nem um pouco... Mas não era algo propício à concentração. Nem foi por isso que a tirou daquela cama.
– Payne – disse.
– O quê?
Cristo, aquela voz rouca dela. Aquilo era capaz de rasgá-lo como uma faca e fazer com que sentisse a picada de dor que vinha junto com a ferida: desejá-la como ele o fazia e conter-se era um prazer agonizante que, de alguma maneira, era melhor do que qualquer sexo que já tivera antes.
Estava vivendo as melhores preliminares de sua vida.
– Deveria estar olhando para o monitor – disse enquanto acariciava o rosto dela.
– Prefiro olhar para você.
– Oh, é...? – quando sua voz ficou tão rouca quanto a dela, sabia que era hora de travar alguns diálogos internos do tipo “não faça isso, garotão”.
Mas dane-se.
– Você faz com que eu sinta algo por todo meu corpo. Até mesmo em minhas pernas.
Bem, atração sexual faria isso com alguém. Os circuitos dele estavam tão iluminados quanto uma grande metrópole à meia-noite.
Só que havia um propósito maior para toda essa iluminação natalina, algo muito mais importante que uma rapidinha... ou mesmo uma sessão que durasse uma semana ou um mês ou, Deus os protegesse, um ano! Tratava-se de uma vida, a vida dela.
– Que tal você olhar só um pouquinho para o computador e, depois, pode olhar para mim o quanto quiser, pode ser?
– Tudo bem.
Quando ela sequer desviou o olhar de seu rosto, ele clareou a garganta.
– O computador, bambina.
– Italiano?
– Por parte de mãe.
– E por parte de pai?
Manny deu de ombros.
– Nunca o conheci, então, não posso lhe dizer.
– Seu pai é um desconhecido?
– Sim, isso mesmo. – Manny colocou o dedo indicador sob o queixo dela e inclinou a cabeça em direção ao computador.
– Veja.
Ele deu um tapinha no monitor e percebeu que ela estava prestando a devida atenção, pois franziu a testa, as sobrancelhas escuras baixaram sobre os olhos de diamantes.
– Este é um amigo meu... Paul – Manny não fez nada para esconder o orgulho em sua voz. – Também foi um paciente meu. Ele é demais... e está nesta cadeira de rodas há anos.
No início, Payne não teve certeza exata do que era a imagem... Estava se movendo, isso era certeza. E parecia ser... espere. Aquilo era um humano e estava sentado sobre algum tipo de engenhoca que deslizava pelo chão. Para mover a coisa, impulsionava seus grandes braços, o rosto fazia uma careta, a concentração era tão feroz quanto a de qualquer guerreiro no auge de uma batalha.
Atrás dele, havia um campo com três outros homens sobre equipamentos semelhantes e todos estavam fixos em Paul como se tentassem fechar a distância entre eles e seu líder.
– Isso é... uma corrida? – ela perguntou.
– É a maratona de Boston, grupo de cadeiras de rodas. Paul está chegando à colina mais íngreme, que é a parte mais difícil.
– Está à frente dos outros.
– Espere um pouco... está só começando. Ele não apenas venceu essa corrida... Ele meteu fogo nas rodas e arrasou.
Assistiram o homem ganhar por uma margem de distância imensa, seus braços enormes eram como o vento, o peito bombeava, a multidão dos dois lados da estrada rugia para apoiá-lo. Quando rompeu uma fita, uma mulher deslumbrante correu e os dois se abraçaram.
E nos braços da mulher? Havia um bebê da mesma cor de pele do homem.
O curandeiro de Payne inclinou-se e moveu um pequeno instrumento negro sobre a mesa para mudar a imagem na tela. A imagem em movimento desapareceu... em seu lugar, surgiu um retrato estático do homem sorrindo. Ele era muito bonito e brilhava de saúde; a seu lado, estava a mesma mulher ruiva e aquela criança de olhos azuis.
O homem ainda estava sentado, e a cadeira mostrava ser mais substancial do que aquela com a qual competia – na verdade, parecia-se muito mais com a cadeira que Jane trouxera para ela. Suas pernas pareciam desproporcionais em relação ao restante do corpo, eram pequenas e colocadas de maneira que as ocultava um pouco sob o assento, mas não se podia perceber isso... nem mesmo seu aparato para deslizar pelo chão. Só era possível observar sua força feroz e inteligência.
Payne estendeu a mão para a tela e tocou o rosto do homem.
– Quanto tempo...? – perguntou com voz rouca.
– Que ele está paralisado? Dez anos ou mais. Estava em sua bicicleta de cicloturismo quando foi atingido por um motorista bêbado. Fiz sete operações nas costas dele.
– Ele ainda está na... cadeira.
– Está vendo a mulher ao lado dele?
– Sim.
– Apaixonou-se por ele depois do acidente.
Payne virou a cabeça e encarou o rosto de seu curandeiro.
– Ele... pode ser pai?
– Sim. Pode dirigir um carro... pode fazer sexo, óbvio... e tem uma vida mais plena do que muitas pessoas que possuem duas pernas perfeitas. Ele é empresário, atleta, um grande homem, e tenho orgulho em chamá-lo de amigo.
Enquanto falava, seu curandeiro movia aquela pequena coisa preta e as imagens mudavam. Algumas eram do homem em outras competições atléticas, outras sorrindo por algum tipo de construção de edifícios de grande porte e outras com ele sentado diante de uma fita vermelha com um grande par de tesouras douradas na mão.
– Paul é o prefeito de Caldwell. – Seu curandeiro gentilmente direcionou o rosto dela para que olhasse outra vez o dele. – Ouça... e quero que lembre-se disso. Suas pernas são parte de você, mas não são seu corpo inteiro ou quem você é. Assim, onde quer que formos depois desta noite, preciso que saiba que não vale menos por causa da sua lesão. Mesmo em uma cadeira, continua do mesmo tamanho de sempre. A altura é apenas um número medido na vertical... e não significa nada quando se trata de caráter ou do tipo de vida que leva.
Ele estava falando muito sério e, se ela fosse verdadeira consigo mesma, poderia dizer que se apaixonou um pouco por ele naquele momento.
– Pode mover o... aquela coisa? – sussurrou. – Para que eu possa ver mais?
– Aqui... mova o mouse. – Pegou a mão dela e colocou sobre o objeto quente e alongado. – Esquerda e direita... para cima e para baixo... Entendeu? Ele muda a seta na tela. Clique quando quiser ver alguma coisa.
Precisou de algumas tentativas, mas, então, pegou o jeito da coisa... e era um absurdo, mas apenas mover a seta ao longo das diferentes áreas da tela e escolher o que desejava ver proporcionou-lhe uma animadora sensação de energia.
– Posso fazer isso – disse. Só que, neste momento, ela ficou constrangida. Considerando como a tarefa era simples, era algo pequeno demais para cantar vitória.
– Esse é o ponto – o curandeiro disse em seu ouvido. – Pode fazer qualquer coisa.
Ela estremeceu com isso. Provavelmente por aquilo ter sido mais do que meras palavras.
Voltou a se concentrar no computador. Ela gostou mais das imagens do homem nas corridas. Sua expressão de esforço agonizante e indomável força de vontade era algo que há muito tempo sentia queimar dentro do peito. Mas as fotos com a família reunida também estavam dentre as suas favoritas. Eram humanos, mas o vínculo entre eles parecia tão forte. Havia amor, muito amor, ali.
– O que me diz? – o curandeiro murmurou.
– Acho que veio em um momento perfeito. É isso o que digo.
Ela se mexeu um pouco em seus fortes braços e o encarou. Enquanto ficava ali, sentada em seu colo, desejou poder sentir mais dele, senti-lo por inteiro; mas da cintura para baixo só havia um calor não específico. Melhor que aquele frio que persistia desde a cirurgia, claro... mas havia muito mais para se obter.
– Curandeiro... – ela sussurrou, direcionado os olhos para a boca dele.
Suas pálpebras abaixaram-se, e ele pareceu parar de respirar.
– Sim...?
– Posso... – ela umedeceu os lábios. – Posso beijá-lo?
Ele pareceu estremecer, como se estivesse com alguma dor, mas aquele aroma que carregava explodiu; então, ele soube que desejava o mesmo que ela.
– Jesus... Cristo – exclamou.
– Seu corpo quer isso – disse ela, levando a mão até o macio cabelo que havia em sua nuca.
– Esse é o problema. – Diante do ar confuso que ela expressou, dirigiu um olhar quente aos seios dela. – Quero muito mais do que apenas um beijo.
De repente, houve uma mudança dentro de seu corpo, tão sutil que era difícil definir. Mas sentiu algo diferente ao longo de seu tronco e em todos os seus membros. Um formigamento? Estava muito envolvida com a energia sexual entre eles para se preocupar em definir tal sensação.
Serpenteando o outro braço ao redor do pescoço dele, disse:
– O que mais ele quer?
Seu curandeiro soltou um gemido profundo da garganta, e o som deu-lhe a mesma dose de poder que sentiu quando tinha uma arma em mãos. Se queria sentir aquilo outra vez? Era como uma droga.
– Diga-me, curandeiro. – ela exigiu. – O que mais ele quer?
Os olhos de mogno estavam em chamas e fixaram-se nos dela.
– Tudo. Ele quer cada centímetro de você... por fora... e por dentro, a ponto de não ter certeza se está pronta para tudo o que desejo.
– Eu decido – ela rebateu. Uma necessidade estranha que latejava enraizou-se em suas entranhas. – Decido com o que posso e com o que não posso lidar, certo?
Seu meio-sorriso foi muito malicioso, no bom sentido.
– Sim, senhora.
Quando um som baixo e rítmico preencheu o ar, ficou surpresa ao ver que era ela. Ronronando.
– Vou precisar perguntar outra vez, curandeiro?
Houve uma pausa, e então ele balançou a cabeça lentamente.
– Não. Darei a você... exatamente o que deseja.
CAPÍTULO 21
Quando Vishous abriu a porta da sala de exames, deu uma espiada para checar a organização dos assentos e isso o fez pensar com carinho em castrar alguém. Algo que, considerando sua experiência com facas em atos sexuais, já significava muito.
Por outro lado, sua irmã estava toda à vontade sentada em cima do Sr. Engraçadinho humano, os braços do homem ao redor dela, as cabeças aninhadas uma na outra. Só que não estavam olhando um para o outro... e essa foi a única razão pela qual V. não acabou com a festa: estavam observando a tela do computador... um homem em uma cadeira de rodas com um monte de outros caras na mesma situação que ele.
– A altura é apenas um número medido na vertical... e não significa nada quando se trata de caráter ou do tipo de vida que leva.
– Pode mover o... aquela coisa?
Por alguma razão, o coração de V. bateu com força quando o humano mostrou a sua irmã como usar um mouse. E, então, ouviu algo que deu-lhe motivos para ter esperança:
– Posso fazer isso – ela disse.
– Esse é o ponto – Manello disse suavemente. – Pode fazer qualquer coisa.
Bem, cara... Parece que surgiram vários ases naquele jogo, não? V. tinha se disposto a trazer o humano de volta àquela confusão apenas para que o impulso suicida de Payne passasse. Só que nunca poderia imaginar que o cara daria a ela mais do que um namorico, e, ainda assim, ali estava o filho da mãe... mostrando-lhe muito mais do que como beijar.
V. queria ser o único a salvá-la – e achou que, trazendo Manello, devia ter feito isso, mas por que não fez mais alguma coisa antes? Por que Jane não fizera? Deviam ter tirado Payne daquele lugar, levá-la para conhecer a mansão... comer com ela, conversar com ela, mostrar que seu futuro seria diferente, mas não desapareceria.
V. esfregou o rosto quando a raiva atingiu-o em cheio. Caramba, Jane... como poderia não saber que os pacientes precisavam mais do que remédios e banhos com esponja? Sua irmã precisava de um horizonte... qualquer um ficaria louco preso naquele quarto.
Maldição.
Olhou outra vez para sua irmã e para o humano. Os dois tinham o olhar fixo e parecia que só separariam suas cabeças com o auxílio de um pé de cabra, o tipo de coisa que incitava outra vez o desejo de V. de matar o desgraçado.
Quando sua mão enluvada foi até o bolso para pegar um cigarro, pensou em limpar a garganta ruidosamente. Ou isso, ou pegar sua adaga e fincá-la na cabeça do humano de ponta a ponta. O problema era: aquele cirurgião era uma ferramenta a ser utilizada até não ser mais necessária... e ainda não tinham atingido esse ponto.
V. forçou-se a sair pela porta...
– Como eles estão?
Quando virou-se, soltou o maldito cigarro. Butch o apanhou.
– Precisa de fogo?
– Que tal uma faca? – pegou a coisa de volta e sacou seu novo isqueiro, que funcionou muito bem. Depois de tragar e deixar a fumaça sair à deriva de sua boca, disse: – Vamos sair para tomar alguma coisa?
– Ainda não. Acho que precisa conversar com sua fêmea.
– Confie em mim. Não preciso. Não agora.
– Ela está arrumando uma mala, Vishous.
O macho vinculado nele ficou louco, mas, mesmo assim, obrigou-se a ficar ali na sala e continuar fumando. Graças a Deus, por sua dependência em nicotina, tragar aquele cigarro artesanal foi a única razão pela qual ele não soltou um palavrão.
– V., meu amigo, que diabos está acontecendo?
Ele mal conseguiu ouvir o cara por causa do grito que havia em sua cabeça, e não poderia chegar nem perto de uma explicação completa.
– Minha shellan e eu temos uma divergência de opiniões.
– Então, conversem sobre isso.
– Não agora – apagou o que sobrou do cigarro na sola de sua bota de combate e jogou a bituca fora. – Vamos.
Só que... bem, quando chegou o momento, não conseguia andar até a garagem onde o Escalade estava estacionado para fazer uma troca de óleo. Ficou, literalmente, incapaz de sair, os pés pareciam ter sido colados no chão.
Quando olhou para baixo em direção ao escritório, lamentou o fato de que apenas uma hora atrás parecia que as coisas tinham voltado a andar nos trilhos. Mas não; era como se a porcaria da situação anterior não fosse nada além de um aviso para o que estava acontecendo agora.
– Não tenho nada para dizer a ela, sério. – Como sempre.
– Talvez as palavras surjam na hora.
Duvido, pensou.
Butch bateu no ombro dele.
– Ouça. Você tem a noção de moda de um banco de praça e as habilidades interpessoais de um cutelo.
– Isso deveria estar me ajudando?
– Deixe-me terminar...
– O que virá em seguida? O tamanho do meu pênis?
– Ei, até lápis podem fazer um trabalho bem feito... Os gemidos que ouvi vindo do seu quarto provaram isso. – Butch o sacudiu. – Só estou dizendo... Que precisa daquela fêmea em sua vida. Não estrague tudo. Não agora... nem nunca. Entendeu?
– Ela ia ajudar Payne a se matar. – Quando o cara fez uma careta, V. assentiu. – Pois é, então, não é uma questão dos argumentos que um deu ao outro na discussão sobre quem deixou a tampa da pasta de dente aberta.
Depois de um momento, Butch murmurou:
– Deve ter tido uma razão muito boa para isso.
– Não há razão nenhuma. Payne é a única pessoa em quem corre o mesmo sangue que eu tenho nas veias, e ela ia tirar isso de mim.
Com a situação borbulhando ao redor de princípios como esse, o zumbido na base do cérebro de V. ficou muito mais forte e mais alto, tanto que se perguntou se não estava sofrendo um derrame... e, naquele momento, pela primeira vez na vida, teve medo de si mesmo e do que era capaz de fazer. Não machucaria Jane, claro... não importava quão aflito estivesse, nunca tocaria nela com raiva...
Butch deu um passo para trás e ergueu as mãos:
– Ei. Calma aí, amigo.
V. olhou para baixo. As duas mãos empunhavam suas adagas... e os punhos estavam fechados com tanta força que os objetos teriam de ser removidos cirurgicamente de suas mãos.
– Mantenha essas coisas... – disse ele, entorpecido – longe de mim.
Rapidamente, deu todas as armas ao seu melhor amigo, desarmando-se completamente. E Butch aceitou a carga com uma eficiência rápida e sombria.
– Sim... talvez esteja certo – o cara murmurou. – Conversarei com ela depois.
– Ela não é a única com quem precisa se preocupar, tira – Pois parecia que toda família estava tendo impulsos suicidas naquela noite.
Butch pegou o braço do cara quando estava virando-se para ir embora.
– O que posso fazer para ajudar?
V. filtrou uma imagem rápida e chocante em seu cérebro.
– Nada com que consiga lidar. Infelizmente.
– Não pense por mim, filho da mãe.
V. chegou mais perto, deixando seus rostos a apenas um centímetro de distância um do outro.
– Não tem estômago para isso. Confie em mim.
Aqueles olhos cor de avelã fixaram-se nos dele e sequer piscaram.
– Ficaria surpreso com o que seria capaz de fazer para mantê-lo vivo.
De repente, a boca de V. se abriu, a respiração ficou difícil. E quando os dois uniram os peitorais, encarando um ao outro, conheceu cada centímetro do corpo do cara, sentindo tudo de uma vez.
– O que está dizendo, tira?
– Acha mesmo que redutores são a melhor opção? – Butch murmurou com voz rouca. – Pelo menos, posso garantir que não estará morto no final.
Imagens piscaram na mente de V., graficamente detalhadas e espantosamente pervertidas. E todas elas tinham Butch no papel principal.
Após um momento sem nenhum dos dois dizer uma única palavra, Butch recuou.
– Vá ver sua fêmea. Estarei esperando por você no carro.
– Butch. Não está falando sério. Não pode estar falando sério.
Seu melhor amigo encarou-o friamente.
– Até parece que não posso. – Virando-se, seguiu decidido pelo corredor. – Venha me encontrar depois, quando estiver pronto.
Quando V. observou o cara, ficou pensando se iriam sair para beber... ou se os dois passariam pela perigosa porta que o tira acabara de abrir.
No fundo, sabia que seriam as duas coisas.
Mas. Que. Droga.
Na sala de exames, enquanto Manny fixava-se nos olhos de Payne, teve a vaga impressão de que alguém estava fumando em algum lugar por perto. Conhecendo a sorte que tinha, era o idiota do irmão, e o grande bastardo estava se enchendo de nicotina antes de ir até lá para esfregar o chão com a boca de Manny.
Ainda assim, não importava. A boca de Payne estava apenas a alguns centímetros de distância de seus lábios, o corpo dela aquecido contra ele e seu pênis estava a ponto de descosturar suas calças. Era um homem com muita força de vontade e autodeterminação, mas parar o que estava prestes a acontecer estava muuuuito além de suas habilidades.
Estendendo a mão, acariciou a lateral de seu rosto. Quando o contato foi feito, os lábios dela se entreabriram e sabia que deveria dizer alguma coisa, mas sua voz tinha feito as malas e tomado um ônibus para fora da cidade, junto com seu cérebro, claro.
Mais perto. Puxou-a para mais perto e encontrou-a no meio do caminho, suas bocas se fundiram. E ainda que seu corpo tivesse toda a paciência de um tigre faminto, foi cuidadoso ao fazer contato. Deus, ela era macia... ah, tão macia... de uma maneira que estimulava seu desejo de deitá-la e penetrá-la com tudo o que tinha, seus dedos, sua língua, seu sexo.
Mas nada disso aconteceria naquele momento. Ou naquela noite. Ou sequer no dia seguinte. Não tinha muita experiência com virgens, mas tinha toda certeza de que mesmo se estivesse tendo uma resposta sexual, como lidar com as coisas se assumissem uma proporção avassaladora...?
– Mais – exigiu com voz rouca. – Mais...
Por uma fração de segundo, seu coração parou e ele repensou a questão de “ir com calma”: aquele tom de voz não tinha relação alguma com uma garotinha perdida. Era o tom de uma mulher, pronta para o amor.
E, caramba, seguindo a teoria “não precisa pedir duas vezes”, ele assumiu o controle, acariciando a boca dela com a sua antes de sugar o lábio inferior. Quando sua mão envolveu o pescoço de Payne, quis desfazer a trança e entrar nos cabelos dela... mas isso estaria muito perto de despi-la, e o local estava longe de ser privado.
E já estava perto o suficiente de ter um orgasmo, obrigado.
Deslizou a língua dentro dela e gemeu, os braços envolveram-na com firmeza... antes de dizer-lhes para que relaxassem ou ia quebrá-los do ombro para baixo. Cara, tinha gasolina pura no sangue dela, seu corpo estava em pleno funcionamento e rugia. Achava mesmo que aqueles sonhos eram quentes? A realidade fez com que a fantasia parecesse estar em temperatura ambiente comparada com o clima do planeta Mercúrio.
A língua trabalhou mais, entrando e saindo, até que precisou obrigar-se a recuar. O corpo dela sobre seu colo proporcionava uma sensação esmagadora em seus quadris – e aquilo não parecia justo, considerando que ela não conseguia senti-lo.
Respirando fundo, não levou muito tempo para descer a boca e acariciar com os lábios a extensão de seu pescoço...
As unhas dela apertaram seus ombros com tanta força que teria saído sangue de sua pele se estivesse nu... e aquilo excitou-o demais. Cara, a ideia de que poderia haver mais do que sexo, de que ela poderia prender-se em seu pescoço e tomá-lo em mais de um sentido...
Com um silvo agudo, Manny afastou-se de sua pele e deixou a cabeça cair para trás, com a respiração entrando e saindo rapidamente de seus pulmões.
– Acho que precisamos desacelerar.
– Por quê? – ela disse, observando-o sem perder qualquer detalhe. Inclinando-se, ela rosnou. – Você quer isso.
– Oh, droga... quero.
Payne colocou as mãos na frente da camisa dele.
– Então, vamos continuar...
Ele segurou nos pulsos dela quando um orgasmo latejou na ponta de sua ereção.
– Precisa parar com isso. Agora.
Deus, ele mal conseguia respirar.
De repente, ela se afastou de seus braços e abaixou a cabeça. Limpando a garganta, disse asperamente:
– Acredite, sinto muito.
A vergonha que transpareceu nela dilacerou o peito de Manny.
– Não, não... não é você.
Quando ela não respondeu, ele ergueu-lhe a cabeça e se perguntou se ela fazia alguma ideia do que o corpo de um homem era capaz quando estava excitado. Cristo, será que sabia o que era uma ereção?
– Ouça-me com atenção – ele quase rosnou. – Eu a desejo. Aqui. No seu quarto. No corredor. Contra a parede. De qualquer jeito, em qualquer lugar. Fui claro?
Os olhos dela cintilaram.
– Mas, então, por que não...
– Primeiro, por que acho que seu irmão está lá fora no corredor. Segundo, você me disse que nunca esteve com ninguém antes. Eu, por outro lado, sei exatamente onde isso nos levaria e a última coisa que quero fazer é assustá-la indo rápido demais.
Os olhos dela continuaram fixos nele. E, depois de um momento, seus lábios exibiram um sorriso tão largo que uma covinha surgiu em seu rosto e seus dentes brancos e perfeitos brilharam...
Deus... as presas eram longas. Muito longas. E, caramba, tão afiadas.
Manny não estava aguentando: tudo o que conseguia fazer era imaginar como seria a sensação de ter uma delas roçando na parte inferior de seu pênis.
O orgasmo que havia nele tentou se liberar outra vez.
E isso foi antes da língua rosada de Payne surgir e contornar as pontas afiadas.
– Gosta?
O coração de Manny bateu com força.
– Sim. Caramba, sim...
De repente, as luzes se apagaram, a sala mergulhou na escuridão. E, em seguida, houve dois cliques... fechaduras? Será que eram as fechaduras das portas?
Sob o brilho da tela do computador, viu a mudança no rosto dela. Qualquer resquício de vergonha e paixão inocente desapareceu... Em seu lugar, surgiu uma ânsia forte e primitiva que lhe lembrou o fato dela não ser humana. Era uma bela predadora, um animal lindo e poderoso que era humana o suficiente para fazer com que ele se esquecesse de quem e do que ela realmente era.
Movendo-se sem pensar, Manny trouxe uma de suas mãos até o jaleco branco. No processo de se sentar com ela, as rígidas lapelas ergueram-se e agora ela as puxava para baixo, expondo seu pescoço.
Estava ofegante. Muito ofegante.
– Possua-me... – gemeu com dificuldade. – Faça... Quero saber como é.
Agora, era ela quem estava no controle, as mãos fortes aproximaram-se de seu rosto e arrastaram-se do pescoço até sua clavícula. Ela não teve que inclinar a cabeça dele, a garganta já estava exposta e convidativa.
– Tem certeza? – disse, o sotaque acentuava os sons de “r”.
Ele respirava com tanta intensidade que não tinha certeza se poderia pronunciar alguma resposta, então, assentiu. E, preocupado de não ser o suficiente, colocou as mãos sobre as dela, pressionando-as contra ele.
Ela assumiu a partir daí, focando a jugular, seus olhos iluminados como estrelas. Quando avançou, foi devagar, eliminando os centímetros de distância entre suas presas e a carne dele com uma demora dolorosa.
O toque de seus lábios foi como veludo, só que a antecipação do que estava por vir deixou-o superconcentrado; então, tudo foi ampliado. Sabia exatamente quem ela era...
O roçar foi de uma suavidade cruel quando se aninhou nele.
Em seguida, a mão dela envolveu a nuca e segurou com uma força tão grande que poderia quebrar o pescoço de Manny se quisesse.
– Oh, Deus – ele gemeu, entregando-se completamente. – Oh... droga!
O golpe foi forte e certeiro, dois pontos se aprofundaram, a doce dor assaltou sua visão e audição até que tudo o que sentia era a sucção de sua veia.
Isso e um grande orgasmo percorrendo seus testículos e sendo impulsionado para fora de seu pênis. Seus quadris se contraíram contra ela quando sua ereção cresceu ainda mais e pressionou... e continuou a empurrar.
Não pôde ter certeza de quanto a liberação durou. Dez segundos? Dez minutos? Horas? Tudo o que sabia era que, a cada sucção que sentia, gozava um pouco mais; o prazer era tão intenso que poderia ser arruinado por aquela sensação...
Pois sabia que não encontraria isso em ninguém mais além dela. Vampira ou humana.
Segurando a cabeça dela com a palma da mão, empurrou-a para baixo, aumentando ainda mais a pressão, não importava se ela o consumisse até secar. Que maneira de morrer!
Cedo demais, ela se afastou, mas estava desesperado para que continuasse e tentou forçá-la a permanecer em sua garganta. No entanto, não era uma competição. Ela era tão forte fisicamente que ele acabou não protestando; e aquilo o fez gozar de novo.
Mesmo sobrecarregado como seu sistema nervoso estava, ainda conseguiu sentir o movimento de retração das presas em seu pescoço e soube o momento exato em que ela se retirou dele. Então, a dor da mordida foi substituída pelo golpe suave de uma lambida, como se ela estivesse selando a ferida.
Entrando em um semitranse, as pálpebras de Manny fecharam-se e sua cabeça pendeu sobre a coluna, como um balão vazio. Pelo canto do olho, observou o perfil perfeito de Payne; a iluminação do monitor foi suficiente para assisti-la lambendo o lábio inferior...
Só que não era o computador.
O protetor de tela havia sido ativado, e tudo o que o monitor exibia era um fundo negro com o logotipo do Windows.
Ela estava brilhando. Inteira. Da cabeça aos pés.
Supôs que tinham feito aquilo, e que coisa... extraordinária.
Só que a testa dela estava franzida.
– Você está bem? Talvez eu tenha sugado demais...
– Estou... – ele engoliu com dificuldade. Duas vezes. A língua parecia adormecida dentro da boca. – Estou...
O pânico instalou-se em seu belo rosto.
– Oh, céus, o que eu fiz...?
Manny esforçou-se para erguer a cabeça.
– Payne... a única maneira de ter sido melhor é se eu tivesse gozado dentro de você.
Ela sentiu um alívio momentâneo. E, então, perguntou:
– O que é gozar?
CAPÍTULO 22
No Buraco, Jane movia-se rápido pelo quarto. Abrindo o armário de portas duplas, começou a puxar as blusas brancas e jogá-las na cama por cima do ombro. Na pressa, cabides saíram da vara em que estavam pendurados e caíram ao chão ou rolaram na parte de trás do armário – e ela não poderia ter se importado menos.
Não havia lágrimas, o que era motivo de orgulho; por outro lado, todo seu corpo tremia tanto que tudo o que conseguia fazer era manter as mãos corpóreas.
Quando o estetoscópio escorregou de seu pescoço e caiu sobre o carpete ela parou para não pisar nele.
– Deus... mas que droga...
Esticando-se para pegar a coisa, olhou para e cama e pensou: “certo, talvez seja hora de parar com as camisas brancas”. Havia uma montanha delas sobre os lençóis pretos.
Voltando-se para o quarto, sentou-se ao lado da pilha de roupas e encarou o armário. As regatas e as roupas de couro de V. ainda estavam bem organizadas. Já o seu lado... estava um desastre. Não era uma metáfora perfeita?
Só que... havia uma confusão total dentro dele também, não?
Deus... o que ela estava fazendo? Mudar-se para a clínica, mesmo que temporariamente, não era a resposta. Quando alguém se casava, permanecia firme e tentava consertar as coisas. Era assim que os relacionamentos sobreviviam.
Se partisse agora? Não saberia dizer como a situação dos dois acabaria.
Deus, o que tiveram de fato? Duas horas de normalidade? Ótimo. Maravilha.
Pegou o celular, criou uma nova mensagem de texto e encarou a tela. Dois minutos depois, fechou o celular. Era difícil colocar tudo o que tinha para dizer em 160 caracteres. Ou mesmo em seis páginas com 160 linhas cada.
Payne era sua paciente e tinha um dever para com ela. Vishous era seu companheiro e não havia nada que não fizesse por ele. E a irmã gêmea de V. não estava preparada para esperar mais tempo.
Embora, aparentemente, fosse algo que se dispusera a fazer pelo irmão. E, obviamente, Vishous tinha ido recorrer à mãe deles.
Só Deus sabia qual seria o resultado disso.
Olhando para a bagunça que havia feito no armário, Jane pensou na situação várias vezes, e chegava sempre à mesma conclusão: o direito de Payne de escolher seu destino superava o direito de qualquer pessoa de prendê-la naquela vida. Era cruel? Sim. Era justo para quem a amava? Com certeza não.
Será que a fêmea teria provocado danos maiores a si mesma se não houvesse uma maneira mais humana de fazê-lo? Cem por cento, sim.
Jane não concordava com o pensamento da fêmea ou com sua escolha, mas a ética daquilo estava muito clara, por mais trágico que fosse, e estava determinada a fazer com que Vishous ouvisse o lado dela da história.
Em vez de fugir, ficaria ali parada, de modo que quando chegasse em casa, ela estaria esperando por ele e poderiam resolver se ainda havia mais alguma coisa em comum juntos. Não estava se enganando. Poderia muito bem ser algo com que não conseguiriam lidar, e não poderia culpá-lo se esse fosse o caso. Família era família, afinal. Mas tinha feito o que a situação exigia de acordo com o dever que tinha perante sua paciente, que era o que os médicos faziam, mesmo quando tal ato lhes custava... tudo o que tinham.
Levantando-se, pegou os cabides do chão até chegar ao armário. Havia muitos ali dentro e ao redor das botas e sapatos, então, ela se abaixou, alcançando o fundo...
Sua mão atingiu algo macio. Couro... mas não era uma bota de combate. Sentada sobre os calcanhares, trouxe o objeto para perto dela.
– Mas que droga é essa? – As roupas de couro com as quais V. lutava estavam empurradas atrás dos sapatos...
Havia algo sobre a pele de couro... Espere. Cera. Era cera de vela negra. E...
Jane colocou a mão sobre a boca e deixou as calças caírem.
Já havia lhe dado orgasmos suficientes para saber o que era aquilo sobre o couro. E não era a única mancha. Havia sangue. Sangue vermelho.
Com uma terrível sensação de algo inevitável, estendeu-se dentro do armário mais uma vez e tateou até encontrar uma camiseta. Puxando-a para fora, viu mais sangue e cera.
A noite que havia passado no Commodore. Era a única explicação: não eram manchas antigas, relíquias esquecidas, a poeira remanescente da vida que levava anteriormente. Inferno, o aroma da cera ainda estava impregnado nas fibras.
Soube o exato momento em que Vishous entrou pela porta atrás dela.
Sem olhar, ela disse:
– Pensei que não estava com ninguém.
Levou um longo tempo para responder.
– Não estava.
– Então, como explica isso? – ela ergueu as roupas de couro, mas era desnecessário, afinal, havia outra pessoa no quarto?
– Isso não foi feito com outra pessoa.
Ela jogou as roupas de volta no armário e lançou a regata ali dentro também.
– Como você mesmo diz: não tenho nada para dizer agora. Realmente não tenho.
– Acha mesmo que transei com alguém por acaso?
– Que diabos significam essas roupas, então?
Ele não respondeu. Apenas ficou ali, parado perto dela, tão alto e forte... e um completo estranho, mesmo conhecendo seu corpo e rosto tão bem quanto a si mesma.
Esperou que ele falasse. Esperou mais um pouco, e, para passar o tempo, lembrou-se que a educação dele tinha sido terrível e que aqueles remanescentes estoicos e inflexíveis tinham sido a única maneira de sobreviver.
Só que simplesmente não era razão suficiente. Em algum momento, o amor deles tinha que merecer algo melhor que o silêncio fundamentado no passado.
– Foi com Butch? – ela disse, esperando que fosse o caso. Ao menos, se tivesse sido o melhor amigo de V., sabia que qualquer liberação teria sido acidental. Butch era um cara totalmente fiel a sua companheira e se submeteria a qualquer ato de dominação obscuro e estranho se isso fosse o remédio que V. precisasse tomar para manter-se equilibrado. Por mais bizarro que parecesse, poderia entender e superar.
– Foi? – ela disse. – Porque eu posso lidar com isso.
Vishous pareceu momentaneamente surpreso, mas, então, balançou a cabeça.
– Nada aconteceu.
– Então, está dizendo que sou cega? – ela resmungou. – Porque, a menos que me dê uma explicação melhor, tudo o que tenho são estas roupas de couro... e as imagens na minha mente, que estão me deixando doente.
Silêncio, apenas silêncio.
– Oh, Deus... como você pôde? – ela sussurrou.
V. apenas balançou a cabeça e disse no mesmo tom de voz:
– Digo o mesmo a você.
Bem, ao menos ela tinha um motivo para o que tinha acontecido com Payne, e não mentiu sobre isso.
Depois de um momento, V. entrou no quarto e pegou uma mochila que estava vazia.
– Aqui. Vai precisar disso.
Com isso, arremessou a coisa... e partiu.
CAPÍTULO 23
Na sala de exames, o curandeiro de Payne parecia quase morto, mas totalmente feliz com seu falecimento parcial.
Enquanto esperava que respondesse sua pergunta, estava mais preocupada com as condições de Manny do que ele mesmo. Seu sangue foi de uma riqueza incrível em sua língua, o vinho escuro deslizou no fundo de sua garganta e desceu por ela, inundando não apenas suas entranhas, mas todo seu corpo.
Foi a primeira vez que havia tomado de uma veia do pescoço. As Escolhidas, quando estavam no Santuário, não necessitavam do sustento do sangue, nem obedeciam ao ciclo de necessidades básicas; e isso quando não se encontravam em um modo de vida suspenso, como ela tinha estado. Ela mal se lembrava do momento em que se alimentara do pulso de Wrath.
Estranho... os dois tipos de sangue tinham um sabor muito parecido, contudo, o sabor do Rei era mais ousado.
– O que é gozar? – ela repetiu.
Seu curandeiro limpou a garganta.
– É... ah... é o que acontece quando se está com alguém e gosta muito disso.
– Mostre-me.
O riso que saiu foi aveludado e profundo.
– Adoraria. Confie em mim.
– É algo que eu... posso fazer por você?
Ele tossiu um pouco.
– Já fez.
– Mesmo?
Seu curandeiro assentiu lentamente, as pálpebras caíram.
– Com certeza. Então, preciso de um banho.
– E em seguida vai me mostrar. – Não era um pedido; era uma exigência. E quando os braços dele a envolveram, teve a impressão de que estava excitado. – Sim – ela resmungou. – Vai me mostrar tudo.
– Pode apostar que sim – disse ele sombriamente. – Tudo.
Quando a olhou como se conhecesse segredos que não poderia sequer imaginar, ela percebeu, mesmo com a paralisia, que valia a pena viver por isso. Aquela conexão e entusiasmo valiam mais que suas pernas e sentiu um terror repentino e gritante ao pensar que quase perdeu a possibilidade de vivenciar tais coisas.
Tinha de agradecer melhor seu irmão gêmeo; contudo, como ela conseguiria equilibrar esse presente?
– Deixe-me levá-la de volta para seu quarto. – Seu curandeiro levantou-se sem problemas, apesar do peso de Payne. – Depois de me limpar, vamos começar com um banho de esponja para você.
Seu nariz enrugou demonstrando desaprovação.
– Tão clínico.
Houve mais daquele sorriso misterioso.
– Não da maneira como vou fazer isso. Acredite. – Fez uma pausa. – Ei, pode acender a luz para mim, assim, não esbarro em nada. Você está brilhando, mas não tenho certeza se é o suficiente.
Payne ficou um pouco confusa... até que ergueu o braço. Seu curandeiro estava certo. Ela brilhava suavemente, sua pele lançava uma leve fosforescência... Seria aquela sua reação sexual?
Lógico, pensou. Pois a maneira como ele fez com que se sentisse por dentro era tão incontrolável, alegre e luminosa quanto a esperança.
Quando acendeu as luzes com a força do pensamento e destrancou as portas, ele balançou a cabeça e começou a andar.
– Caramba. Você tem alguns truques sofisticados, mulher.
Talvez, mas não aqueles que ela gostaria de ter. Gostaria de retribuir o que ele compartilhou com ela... mas não tinha segredos para ensinar a ele nem sangue para oferecer, já que humanos não apenas não precisavam disso como era algo capaz de matá-los.
– Gostaria de poder retribuir – murmurou.
– Pelo quê?
– Por vir até aqui e mostrar-me...
– Meu amigo? Sim, ele é uma inspiração...
Na verdade, tratava-se mais do homem em carne e osso perto dela do que aquele mostrado na tela.
– De fato – Payne hesitou.
Na sala de recuperação, ele a levou para a cama e a deitou com muito cuidado, ajeitando-lhe os lençóis e cobertores sobre o corpo para que nenhuma parte ficasse descoberta... reativando os equipamentos que tratavam de suas funções corporais... afofando os travesseiros atrás de sua cabeça.
Enquanto trabalhava, cobria seus quadris com alguma coisa em todo momento. Uma parte da roupa de cama. Seu casaco. E, em seguida, parou do outro lado da maca.
– Confortável? – Quando assentiu, ele disse: – Volto logo. Grite se precisar de mim, certo?
Seu curandeiro desapareceu no banheiro e fechou a porta... mas não completamente. Um facho de luz penetrou no box do chuveiro e ela viu claramente o braço que ainda vestia o casaco branco ser estendido, girar a torneira e esperar a água quente.
As roupas foram removidas. Todas elas.
E, então, houve um breve vislumbre da carne gloriosa quando se colocou sob a ducha e fechou a porta de vidro. Quando o ritmo da água mudou, soube que sua forma nua havia entrado embaixo da água.
O que ele parece, banhado pela água, liso, quente e tão masculino?
Movendo-se contra os travesseiros, ela se curvou para o lado... e se inclinou um pouco mais... e mais um pouco ainda, até ficar praticamente pendurada...
Ah, siiiim. O corpo dele estava de perfil, mas teve uma visão completa: com uma musculatura esculpida, seu peito e braços eram firmes sobre os quadris rígidos e as longas e poderosas pernas. Um pouco de pelos escuros assentava-se sobre o peitoral e formava uma linha que seguia em seu abdômen e descia, descia... bem embaixo...
Droga, ela não conseguia ver o suficiente, sua curiosidade era desesperadora e não havia como ignorá-la.
Como seria o sexo dele? Como seria senti-lo...?
Com um esconjuro, moveu-se desajeitadamente até ficar na beirada da cama. Dobrando a cabeça, fez o melhor que pôde para conseguir visualizar a exposição limitada na abertura da porta, mas, assim como ela havia mudado de posição, ele também tinha e estava de costas para ela agora... a parte inferior do corpo dele...
Engoliu em seco e esticou-se para cima para ver ainda mais. Enquanto desembrulhava o sabonete, a água caía sobre as omoplatas e escorria sobre as costas, percorrendo suas nádegas e coxas. E, então, uma de suas mãos apareceu sobre a nuca, a quantidade de sabão que havia acumulado nas palmas seguiu o caminho da água enquanto lavava o corpo.
– Vire-se... – ela sussurrou. – Deixe-me vê-lo por completo...
O desejo em seus olhos de obter maior acesso àquela visão só aumentou quando ele começou a passar o sabonete abaixo da cintura. Erguendo uma das pernas e depois a outra, as mãos foram tragicamente eficientes ao passarem pelas coxas e panturrilhas. Ela soube o momento quando pressionou seu sexo. Pois sua cabeça caiu para trás e os quadris ergueram-se tensos. Estava pensando nela. Tinha certeza disso.
E, então, ele se virou.
Aconteceu tão rápido que, quando seus olhos se encontraram, os dois recuaram.
Ao ser pega, vacilou contra os travesseiros e retomou a posição anterior, recolocando os cobertores com os quais tinha sido tão cuidadoso. Com o rosto em chamas, quis esconder-se...
Um guincho agudo ecoou pela sala e ela olhou para cima. Ele havia irrompido do banheiro, deixando o chuveiro aberto, o sabão continuava sobre os músculos abdominais e pingava...
Seu sexo foi um choque magnífico. Destacando-se de seu corpo, o órgão estava duro, grosso e orgulhoso.
– Você...
Ele disse algo além disso, mas estava cativada demais para dar alguma atenção, fascinada demais para notar. Dentro dela, uma fonte foi liberada, seu sexo inchou, preparando-se para aceitá-lo.
– Payne – disse ele, cobrindo-se com as mãos.
Instantaneamente, ela teve vergonha e colocou as mãos sobre o rosto quente.
– Na verdade, desculpe-me por tê-lo visto.
Seu humano agarrou a borda da porta.
– Não é isso... – balançou a cabeça como se quisesse organizá-la. – Tem consciência do que está fazendo?
Ela teve de rir.
– Sim. Acredite nisso, meu curandeiro... eu tenho plena consciência do que estava observando com tanto empenho.
– Você estava sentada, Payne. Estava de joelhos na beirada da cama.
Seu coração parou. Com certeza não o tinha entendido direito.
Com certeza.
Quando Payne franziu a testa, Manny lançou-se para frente... e, então, percebeu que estava nu. Condição que ocorria quando um indivíduo não apenas ficava com a bunda exposta ao vento, mas quando também expunha total e completamente sua ereção da mesma maneira que exibia uma roupa de festa. Voltando ao banheiro, puxou uma toalha e envolveu-a sobre seus quadris e, só então, voltou para a cama.
– Eu... não, deve estar enganado – Payne disse. – Eu não poderia...
– Estava...
– Apenas me estendi sobre...
– Como chegou na beirada da cama, então? E como voltou a ficar na posição anterior?
Seus olhos voltaram-se para o pé da cama, a confusão permeava as sobrancelhas apertadas.
– Não sei. Estava... observando você e era tudo o que sabia.
O homem nele ficou espantado e... estranhamente transformado. Ser desejado daquela maneira por alguém como ela?
Mas, então, o médico nele assumiu o controle.
– Bem, deixe-me ver o que está acontecendo, certo?
Ergueu os lençóis e o cobertor que estavam no final da cama e dobrou-os sobre o topo de suas coxas. Usando os dedos, deslizou-os sobre a sola do seu belo pé.
Esperava que se contorcesse, mas isso não aconteceu.
– Nada? – disse ele.
Quando ela balançou a cabeça, repetiu do outro lado. Em seguida, fez um movimento maior, envolvendo a palma das mãos ao redor dos tornozelos delgados.
– Nada?
Os olhos eram trágicos ao encontrar os dele.
– Não sinto nada e não entendo o que viu.
Fez um movimento ainda maior sobre as panturrilhas.
– Você estava de joelhos. Juro.
Um movimento maior ainda, até as coxas firmes.
Nada.
Deus, ele pensou. Tinha de ter algum controle sobre as pernas. Não havia outra explicação. A menos que... ele estivesse vendo coisas.
– Não entendo – ela repetiu.
Nem ele, mas ia fazer de tudo para descobrir.
– Vou rever seus exames. Volto já.
Fora da sala de exames, recebeu a ajuda da enfermeira e acessou o prontuário de Payne no computador. Com eficiência prática, revisou tudo: sinais vitais, radiografias... encontrou até mesmo o material dos exames que havia produzido no São Francisco, o que foi uma surpresa. Não fazia ideia de como tiveram acesso àquelas ressonâncias originais... havia apagado o arquivo logo depois que os resultados foram registrados no sistema. Mas ficou contente em vê-lo outra vez, com certeza.
Quando terminou, sentou-se na cadeira e o frio que atingiu seus ombros lembrou-lhe que não estava vestindo nada além de uma toalha.
Isso explicava o olhar arregalado da enfermeira quando falou com ela.
– Que diabos – murmurou, olhando para as últimas radiografias. A coluna estava perfeitamente em ordem, as vértebras bem alinhadas, o brilho fantasmagórico contra o fundo negro dava-lhe um quadro perfeito do que estava acontecendo com suas costas.
Tudo, desde o registro médico até o exame que havia acabado de fazer nela na cama, sugeria que sua conclusão original ao vê-la novamente estava correta: tinha feito o melhor trabalho técnico de sua vida, mas a medula espinhal havia sido danificada de maneira irreparável – isso era tudo.
De repente, lembrou-se da expressão no rosto de Goldberg quando ficou óbvio que a diferença entre noite e dia havia lhe escapado.
Esfregando os olhos, perguntou se estava, mais uma vez, ficando louco; contudo, sabia o que tinha visto... Não sabia?
E, então, deu-se conta.
Virando-se, olhou para o teto. Em todas as extremidades havia uma tomada ligada a um painel. O que significava que havia câmeras de segurança observando cada centímetro quadrado do local.
Tinha de haver uma na sala de recuperação. Tinha de haver.
Ficando em pé, foi até a porta e espiou o corredor, esperando que a boa enfermeira loira estivesse em algum lugar por perto.
– Olá?
Sua voz ecoou pelo corredor, mas não houve resposta, então, não tinha outra escolha a não ser andar descalço pelo local. Sem qualquer palpite sobre para onde deveria se dirigir, escolheu “direita” e andou rápido. Bateu em todas as portas, tentando abri-las em seguida. A maioria estava trancada, mas as que estavam abertas revelaram ser... salas de aula. E mais salas de aula. E um ginásio enorme, profissional.
Quando chegou em uma porta identificada como Sala de Musculação, ouviu alguém tentando quebrar uma esteira com o tênis e decidido a continuar assim. Era um humano seminu em um mundo de vampiros e, de alguma forma, duvidava que aquela enfermeira iniciaria uma maratona no horário de trabalho.
Além disso, se considerasse como os passos eram duros e pesados, quem quer que estivesse lá dentro era capaz de provocar um estrago, não apenas caminhar em uma esteira... e mesmo sendo suficientemente suicida para lutar com qualquer coisa que viesse para cima dele, estava ali para cuidar de Payne, não para massagear seu ego ou desenvolver suas habilidade no boxe.
Retornando, assumiu a direção oposta. Batia. Abria quando possível. Quanto mais longe seguia, menos ambientes de sala de aula encontrava e cada vez mais os locais transformavam-se em salas no estilo interrogatório da polícia. Na outra extremidade, havia uma porta maciça, saída diretamente de um filme, com painéis reforçados e aparafusados.
O mundo lá fora, pensou.
Caminhando até ela, jogou o peso contra a barra e... Surpresa! Saiu com tudo em uma garagem, onde seu Porsche estava estacionado no meio-fio.
– Que diabos você está fazendo aqui?
Seus olhos voltaram-se para um Escalade lustrado: janelas, rodas, grades, tudo era muito escuro.
Parado ao lado do carro estava o cara que tinha visto naquela primeira noite, o que pensava ter reconhecido...
– Já vi você em algum lugar – Manny disse quando a porta se fechou atrás dele.
O vampiro tirou um boné de beisebol do bolso e o colocou. Red Sox. Claro, o sotaque de Boston. Entretanto, a grande questão era: como, pelo amor de Deus, um vampiro poderia ter um sotaque daquela região?
– Bela peça de Cristo – o cara resmungou, olhando para a cruz no pescoço de Manny. – Está procurando suas roupas?
Manny revirou os olhos.
– Sim. Alguém as roubou.
– Então, eles poderiam se passar por médico?
– Talvez seja o Dia das Bruxas de vocês... como vou saber?
Sob a aba do boné azul-escuro, iluminou-se um sorriso, revelando uma coroa em um dos dentes da frente... bem como um par de presas.
Quando o cérebro de Manny ficou ainda mais tenso, a conclusão que chegou era inegável: aquele cara tinha sido humano antes. Mas como isso aconteceu?
– Faça um favor a si mesmo – o macho disse. – Pare de pensar, volte para a clínica e se vista antes que Vishous apareça.
– Sei que já o vi antes e, em algum momento, vou unir todos os pontos. Mas, de qualquer maneira, nesse momento, preciso acessar os registros das câmeras de segurança.
Aquele meio-sorriso sarcástico evaporou.
– Por quê?
– Porque minha paciente simplesmente se sentou sozinha... e não estou falando de levantar o tronco dos travesseiros. Não estava lá quando fez isso e preciso ver como aconteceu.
O Red Sox pareceu ter parado de respirar.
– O que... desculpe. Do que diabos está falando?
– Preciso transformar isso em charada ou alguma porcaria assim para você processar a informação?
– Vou desconsiderar isso... porque não preciso de você ajoelhado na minha frente só de toalha.
– Somos dois.
– Espere, está falando sério?
– Sim. Também não estou nem um pouco interessando em socá-lo.
Houve uma pausa. E, então, o bastardo soltou uma gargalhada.
– Você tem respostas espertas na ponta da língua, tenho de admitir... e, sim, posso ajudá-lo, mas precisa se vestir, cara. Se V. pegá-lo assim rodeando a irmã dele, vai precisar operar as próprias pernas.
Quando o cara começou a andar em direção à porta, Manny tentou organizar as lembranças. Não era do hospital.
– Paróquia de São Patrício. É de onde o conheço. Você costuma se sentar sozinho nos bancos de trás durante as missas da meia-noite e sempre usa esse boné.
O cara abriu a porta de entrada e colocou-se em pé ao lado dela. Não conseguia dizer onde seus olhos estavam focados por causa do boné, mas Manny estava disposto a apostar que não estavam sobre ele.
– Não sei do que está falando, amigo.
Até parece, Manny pensou.
CAPÍTULO 24
Bem-vindo ao Novo Mundo.
Quando Xcor saiu para a noite, tudo estava diferente: o cheiro não era dos bosques que havia ao redor do seu castelo; era um aroma almiscarado de fumaça e esgoto da cidade, e os sons não eram dos passos distantes e suaves dos veados sobre a vegetação rasteira, mas de carros, sirenes e conversas em voz alta.
– De fato, Throe, você encontrou acomodações excelentes – falou lentamente.
– O imóvel deve estar pronto amanhã.
– E devo pensar que haverá uma melhora? – Olhou de volta para a casa em que havia passado o dia. – Ou irá nos surpreender com um esplendor ainda menor?
– Vai achar mais adequado. Garanto.
Na verdade, considerando todas as adversidades que tiveram para chegar até lá, o vampiro tinha feito um ótimo trabalho. Tiveram de viajar em dois voos noturnos para garantir que nenhum problema com a luz do dia ocorresse e, quando finalmente chegaram em Caldwell, Throe, de alguma maneira, arranjou tudo: apesar de tudo, aquela casa decrépita tinha um porão sólido e havia um doggen servindo as refeições. A decisão permanente sobre a residência ainda tinha de ser tomada, mas aquilo, provavelmente, atenderia as suas necessidades.
– É melhor que esteja fora dessa sujeira urbana.
– Não se preocupe. Conheço suas preferências.
Xcor não gostava de ficar em cidades. Humanos eram como um gado estúpido, mas uma debandada de seres sem cérebro era mais perigoso do que apenas um ser com inteligência – era impossível prever a atitude dos ignorantes. Todavia, havia um benefício: queria conhecer melhor a cidade antes de anunciar sua chegada à Irmandade e ao seu “Rei”, e não havia uma localização melhor que aquela.
A casa estava bem no centro da cidade.
– Caminharemos por aqui – disse, seguindo com seu bando de bastardos em formação atrás dele.
Caldwell, Nova York, sem dúvida ofereceria poucas novidades. Como tinha aprendido há muito tempo e comprovado com aquele presente bem iluminado, as cidades durante a noite eram todas iguais, independentemente da geografia: as pessoas que andavam pelas ruas não eram os diligentes seguidores da lei, mas vadios, desajustados e descontentes. E, com certeza, ao avançar pelos quarteirões, veria homens sentados na calçada sobre o próprio excremento, uma escória de pessoas apelando para a agressividade, fêmeas decadentes procurando machos ainda mais miseráveis que elas.
No entanto, não fazia ideia para onde levar seu grupo de homens... apesar de desejar saber. A luta poderia consumir sua energia, mas, com sorte, encontrariam o inimigo e enfrentariam um adversário digno pela primeira vez em duas décadas.
Quando ele e seus homens viraram uma esquina, depararam-se com uma infestação humana: diversos estabelecimentos, dos dois lados da rua, dispunham de uma grande iluminação e tinham filas de pessoas seminuas esperando para entrar neles. Não conseguia ler os letreiros nas portas, mas pela forma como homens e mulheres batiam os pés, contorciam-se e falavam, era óbvio que havia um esquecimento temporário esperando por eles do outro lado daquela espera infeliz.
Xcor considerava abater a todos e tornou-se extremamente consciente de sua foice: a arma repousava sobre suas costas, dobrava-se em duas partes, estava aninhada em seu coldre e oculta sob seu casaco de couro, que se estendia até o chão.
Para mantê-la no lugar, controlou a lâmina com a promessa de usá-la apenas em assassinos.
– Estou com fome – disse Zypher. É claro que o macho não falava sobre comida e realmente era hora: a sugestão para o sexo estava nos planos das fêmeas humanas pelas quais passavam. De fato, as mulheres apresentavam-se para ser usadas, os olhos pintados fixavam-se nos machos que erroneamente acreditavam ser da mesma raça.
Bem, observavam os rostos dos machos, mas não o de Xcor. Lançavam apenas um olhar sobre ele e desviavam rapidamente.
– Mais tarde – disse. – Vou providenciar para que consiga o que está precisando.
No entanto, duvidava muito que participaria do ato. Tinha plena consciência de que seus soldados necessitavam daquele tipo de sustento e estava disposto a conceder-lhes a possibilidade de saciar suas necessidades... Combatentes lutavam melhor quando seus desejos eram atendidos, havia aprendido isso há muito tempo. E quem sabe providenciasse algo para si se chamasse a atenção de seus olhos... Assumindo que a fêmea pudesse desconsiderar sua aparência. Por outro lado, era isso o que faziam por dinheiro. Muitas foram as vezes nas quais ele pagou por fêmeas para que aturassem seu ser dentro do sexo delas. Era muito melhor do que forçá-las, não tinha estômago para isso... Embora não admitisse tal fraqueza a ninguém.
Contudo, tais flertes não aconteceriam tão cedo. Primeiro, precisavam estudar o novo ambiente.
Depois de passarem pelos arredores sufocantes dos clubes, saíram exatamente onde pretendiam... um total vazio urbano: quarteirões inteiros de edifícios estariam desocupados ao longo da noite, ou talvez por mais tempo, estradas destituídas de tráfego, becos escuros e estreitos oferecendo um bom espaço para lutar.
O inimigo estaria ali. Simplesmente sabia que sim: a única afinidade entre as duas partes da guerra era a discrição e, ali, as lutas poderiam acontecer sem o menor temor de que houvesse uma interrupção.
Com seu corpo latejando por um conflito e os sons das solas das botas de seu bando de bastardos atrás dele, Xcor sorriu para a noite. Iria acontecer...
Virando mais outra esquina, deteve-se. Num beco acima à esquerda, havia um bando de carros preto e branco estacionados em círculo em torno da abertura de um beco... como um colar ao redor do pescoço de uma mulher. Não conseguia ler os logotipos nas portas, mas as luzes azuis sobre os veículos lhe disseram que aqueles eram policiais humanos.
Respirando fundo, sentiu o cheiro da morte.
Assassinato recente, concluiu, mas com um aroma não tão encorpado quanto se tivesse sido imediato.
– Humanos – zombou. – Se fossem mais eficientes, matariam uns aos outros completamente.
– Sim – alguém concordou.
– Avante – ele exigiu, prosseguindo.
Enquanto passavam pela cena do crime, Xcor olhou para o beco. Homens humanos com expressões nauseadas e mãos inquietas estavam posicionados ao redor de uma grande caixa, como se esperassem que alguma coisa saltasse dali a qualquer momento e segurassem seus pênis com garras afiadas.
Típico. Vampiros investigariam a fundo o caso e dominariam a situação – ao menos, qualquer vampiro que honrasse sua natureza. No entanto, humanos pareciam encontrar sua coragem apenas quando Ômega intercedia.
Em pé em uma caixa de papelão manchada em vários pontos e grande o suficiente para conter uma geladeira, José de la Cruz acendeu a lanterna e correu o facho de luz sobre outro corpo mutilado. Era difícil ter uma impressão definida do cadáver, considerando a gravidade do que haviam feito com ele e a sensação de que a vítima havia sido sugada em um emaranhado de membros; mas o cabelo raspado de maneira selvagem e o ferimento profundo no braço sugeriam que aquele era um segundo caso para sua equipe.
Endireitando-se, olhou ao redor do beco vazio. Mesmo modus operandi que o primeiro, poderia apostar que o criminoso fazia seu trabalho em outro lugar, jogava os restos no centro de Caldwell e seguia para capturar outra vítima.
Tinham de pegar aquele filho da mãe.
Desligando a lanterna, consultou o relógio digital. O pessoal do fórum havia terminado o trabalho minucioso que faziam e o fotógrafo já tinha clicado a porcaria toda, então, era hora de dar uma boa olhada no corpo.
– O legista está pronto para vê-la – disse Veck atrás dele. – E gostaria de um pouco de ajuda.
José girou sobre os calcanhares.
– Trouxe as luvas que...
Fez uma pausa e olhou acima dos ombros largos de seu parceiro. Do outro lado da rua, um grupo de homens andava em formação triangular: um à frente, dois atrás e outros três por último. A organização era tão precisa e os passos eram dados com tanto sincronismo que, em um primeiro momento, tudo o que José notou foi uma marcha militar e o fato de todos eles vestirem roupas de couro pretas.
Então, notou o tamanho deles. Eram enormes e teve de se perguntar que tipos de armas carregavam sob os longos casacos idênticos. Contudo, a lei proibia os oficiais da polícia de revistar civis apenas porque pareciam letais.
O que estava na liderança girou a cabeça e José deu uma olhada no rosto que só uma mãe poderia amar: com ângulos muito agudos, a face era magra, com bochechas cavadas, o lábio superior malformado por uma fenda palatina que não havia sido corrigida.
O homem voltou a olhar para a frente e continuou sem hesitar.
– Detetive?
José sacudiu o corpo.
– Desculpe. Fiquei distraído. Trouxe as luvas?
– Estou segurando-as para você.
– Certo. Obrigado. – José pegou o par de luvas de látex e colocou-as. – Trouxe o...
– Saco? Sim.
Veck era sombrio e muito compenetrado; José aprendeu que eram as principais características do homem – jovem, quase trinta anos, mas lidava com aquilo como um veterano.
Veredito até agora: não era tão ruim como parceiro; mas havia se passado apenas uma semana e meia desde que começaram a trabalhar juntos de verdade.
Em qualquer cena de crime, quem lidava com os corpos dependia de uma série de variáveis. Às vezes, o pessoal da Busca e Salvamento fazia isso. Outras, como era o caso, era uma combinação de quem tinha um estômago mais forte.
– Vamos cortar a frente da caixa – disse Veck. – Tudo foi coletado e fotografado e vai ser melhor do que tentar incliná-la para frente e rasgar o fundo.
José olhou para o legista.
– Tem certeza que pegou tudo?
– Com certeza, detetive. Estava pensando nisso também.
Os três trabalharam juntos, José e Veck segurando a parte da frente, enquanto o outro usava um estilete... e, então, José e seu parceiro baixaram a frente da caixa com cuidado.
Era outra jovem.
– Maldição – resmungou o legista. – De novo não.
Maldito seja, José pensou. Tinham feito a mesma coisa com a pobre garota o que fizeram com as outras, o que significava que tinha sido torturada antes.
– Que inferno – Veck murmurou com a respiração baixa.
Os três caras foram cuidadosos com ela, como se, mesmo morta, o corpo machucado percebesse a mudança de posição dos membros. Carregando-a por apenas dois metros, colocaram-na no saco negro aberto para que o legista e o fotógrafo pudessem finalizar o trabalho deles.
Veck ficou agachado com ela. Seu rosto estava totalmente sério, mas, mesmo assim, passou uma vibração de quem havia se irritado com o que tinha visto...
O brilho do flash de uma câmera irrompeu pelo beco escuro, preciso como um grito dentro de uma igreja. Antes que aquela porcaria se apagasse, José girou a cabeça para ver quem diabos estava tirando fotos, e não foi o único a procurar por isso. O fato também chamou a atenção dos outros oficiais que estavam ali.
Mas Veck foi o único a erguer-se de repente e começar a correr.
O cara da câmera não teve chance. Em um movimento muito preciso, o desgraçado esquivou-se sob a fita da polícia e tirou vantagem de todos estarem concentrados na vítima. Na fuga, atrapalhou-se com a fita que tinha transgredido, tropeçando e caindo antes de conseguir correr e enfiar-se dentro da porta de seu carro que havia deixado aberta.
Veck, por outro lado, tinha as pernas de um velocista e, consequentemente, mais rapidez que aquele garoto branco medíocre: não arremeteu contra a fita amarela, saltou por cima dela e lançou-se sobre o sedã, colocando o peso em cima do capô. E, então, tudo ficou em câmera lenta. Enquanto os outros oficiais corriam para ajudar, o fotógrafo acelerou e os pneus cantaram quando entrou em pânico e tentou arrancar...
Bem na direção da cena do crime.
– Droga! – José gritou, pensando em como protegeriam o corpo.
As pernas de Veck derrapavam enquanto o veículo ultrapassava os limites da fita amarela e ia direto na direção da caixa de papelão. Mas aquele filho da mãe do DelVecchio não ficou só ali como se tivesse sido colado, conseguiu entrar pela janela aberta, agarrar o volante e lançar o sedã contra um contêiner a pouco mais de um metro de distância da maldita vítima.
Quando os airbags se estufaram e o motor soltou um rugido feroz, Veck foi jogado para cima, sobre a lata de lixo... e José soube que se lembraria da visão do homem no ar pelo resto de sua vida: a jaqueta do terno do cara abriu-se com força, a arma foi para um lado e o distintivo para outro como se pudesse voar sem asas.
Aterrissou sobre as costas. Com força.
– Oficial ferido – José gritou enquanto corria em direção a seu parceiro.
Mas não houve tempo para dizer ao filho da mãe que ficasse parado ou mesmo uma chance de ajudá-lo. Veck saltou como o maldito coelho da Energizer e cambaleou até o grupo de oficiais que tinham cercado o motorista com armas em punho. Empurrando os outros para fora do caminho, abriu a porta do motorista e arrancou do carro um caçador de fotos parcialmente consciente que estava prestes a ter um ataque cardíaco: o desgraçado era tão gordo quanto o Papai Noel e tinha a coloração avermelhada de um alcoólatra.
Também tinha dificuldades para respirar – embora não estivesse claro se era por ter inalado o pó do airbag ou ter feito contato visual com Veck e saber que estava prestes a levar uma porrada.
Só que Veck apenas mergulhou dentro do carro e abriu caminho pelo airbag desinflado.
Antes que pudesse se apossar da máquina e reduzi-la a pó, José interveio:
– Precisamos disso como prova – exclamou quando Veck saiu do carro e ergueu o braço sobre a cabeça como se fosse jogar a máquina com toda força na calçada.
– Ei! – José segurou com as duas mãos o pulso do rapaz e jogou todo seu peso no peito de seu parceiro. Deus, como era grande o filho da mãe... não era apenas alto, parecia um guindaste... e por uma fração de segundo teve de se perguntar se conseguiria alguma coisa ao tentar detê-lo.
No entanto, a maré mudou de repente e Veck virou-se e bateu com força na lateral do carro.
José manteve a voz calma, apesar de estar usando toda sua força para manter o cara no lugar.
– Pense nisso. Se destruir a câmera, não poderemos usar a foto que ele tirou contra ele. Está me ouvindo? Pense, imbecil... pense.
Os olhos de Veck deslocaram-se e fixaram-se no criminoso e, francamente, a falta de loucura neles era um pouco perturbadora. Mesmo em meio àquilo tudo, depois de todo o esforço físico, DelVecchio estava relaxado de uma maneira estranha, totalmente focado... e era inegável seu ar ameaçador: José tinha a impressão de que se soltasse o detetive, a câmera não seria a única coisa danificada.
Veck parecia totalmente capaz de matar de uma maneira muito calma e competente.
– Veck, parceiro, sai dessa.
Houve alguns momentos em que nada aconteceu e José sabia muito bem que todos estavam tão inseguros quanto ele sobre a forma como aquilo iria se resolver, incluindo o fotógrafo.
– Ei. Olhe para mim, cara.
Os olhos azuis-bebê de Veck moveram-se lentamente e, então, piscaram. Aos poucos, a tensão naqueles braços foi diminuindo e José acompanhou o movimento até conseguir pegar a câmera do cara – não havia como saber se a tempestade havia realmente acabado.
– Você está bem? – José perguntou.
Veck assentiu e puxou sua jaqueta de volta no lugar. Quando acenou com a cabeça uma segunda vez, José deu um passo para trás.
Grande erro.
Seu parceiro moveu-se tão rápido que não houve como detê-lo. Socou o fotógrafo com tanta força que provavelmente quebrou a maldita mandíbula do cara.
O criminoso caiu no meio dos outros policiais, ninguém disse nada. Todos queriam ter feito aquilo, mas por tudo o que Veck havia passado, o direito era dele.
Infelizmente, haveria uma punição para aquilo e provavelmente o detetive seria suspenso – e talvez o Departamento de Polícia de Caldwell fosse processado.
Balançando a mão que havia esmurrado o criminoso, Veck murmurou:
– Alguém pode me dar um cigarro?
Droga, José pensou. Não havia razão para continuar tentando encontrar Butch O’Neal. Era como se seu velho parceiro estivesse bem na frente dele.
Então, talvez ele devesse desistir de continuar rastreando aquela ligação para a emergência da semana passada. Mesmo com todos os recursos disponíveis na delegacia, não tinha chegado a lugar algum e a falta de pistas talvez fosse algo bom.
Um coringa com um traço autodestrutivo era mais do que poderia lidar na rotina do trabalho, muito obrigado, não precisava de outro.
CAPÍTULO 25
No centro de treinamento do complexo, Butch até queria odiar o cirurgião por lealdade a V, especialmente se levasse em conta aquela história de aparecer seminu enrolado em uma toalha, parecendo pronto para uma performance em um clube de mulheres.
Deus, a ideia de que aquele pedaço de carne havia se aproximado de Payne sem roupa nenhuma... Era péssima, de muitas maneiras.
Teria sido diferente se sua estrutura física fosse a de um jogador de xadrez, por exemplo; mas assim como era, parecia que um lutador bonitão estava dando em cima da irmãzinha de V. Como um cirurgião tinha um corpo daquele?
Ainda assim, havia duas coisas que salvavam o cara: o filho da mãe tinha vestido o uniforme cirúrgico que Butch tinha lhe dado – então, nada mais de gracinhas naquela noite. E, quando sentaram em frente ao computador na sala de exames, o cara parecia realmente preocupado com Payne e seu bem-estar.
Não que a amizade entre eles estivesse chegando a lugar algum; os dois olhavam para a tela do computador como dois cães assistindo Animal Planet: muito concentrados, mas incapazes de aumentar o volume ou mudar de canal.
Em uma situação normal? Butch teria telefonado ou enviado uma mensagem de texto a Vishous; mas isso não ia acontecer, considerando os confrontos que se passavam no Buraco.
Deus, esperava que V. e Jane se acertassem.
– E agora? – o cirurgião perguntou.
Butch sacudiu-se para retomar o foco e colocou a palma da mão sobre o mouse.
– Rezamos para que eu arranque os arquivos de segurança da minha bunda. É isso.
– E você reclamava sobre a minha toalha.
Butch esboçou um sorriso.
– Espertinho.
Como se tivessem combinado, os dois se curvaram em direção à tela – como se isso fosse ajudar de alguma maneira mágica o mouse a encontrar o que estavam procurando.
– Odeio isso – o cirurgião murmurou com aversão. – Sou melhor com as minhas mãos.
– Eu também.
– Vá para o menu inicial.
– Estou indo, estou indo...
– Droga – disseram juntos quando todos os arquivos ou programas ou o que quer que fosse terminaram de ser carregados.
Naturalmente, não havia nada nomeado como “Segurança”, “Câmeras” ou “Clique aqui, idiota, para encontrar o que está procurando”.
– Espere, será que não está em “Vídeos”? – o cirurgião disse.
– Boa ideia.
Aproximaram-se ainda mais, até a ponta do nariz ficar prestes a esbarrar no maldito monitor.
– Posso ajudar, rapazes?
Butch girou a cabeça rapidamente.
– Graças a Deus, Jane. Ouça, precisamos encontrar os arquivos digitais das câmeras de segurança... – deteve-se. – Você está bem?
– Tudo bem, tudo bem.
Uh-hum, certo. Parada no batente da porta, ela não estava bem – não chegava nem perto disso. A ponto de Butch saber que não era prudente perguntar onde V. estava – nem esperar que o Irmão aparecesse tão cedo.
– Ei, doutora – disse Butch, ao se levantar casualmente. – Posso conversar com você um minuto?
– Hã...
Ele interrompeu o protesto que ela estava prestes a iniciar.
– Obrigado. Vamos para o corredor. Manello, tente encontrar o que precisa no computador.
– Farei isso – disse o cara com tom seco.
Quando ele e Jane saíram da sala, Butch baixou a voz.
– O que está acontecendo? E, sim, não é da minha conta; mas quero saber de qualquer jeito.
Depois de um momento, Jane cruzou os braços sobre o jaleco branco e apenas ficou olhando para frente. Mas parecia que a intenção não era calá-lo. Era mais como se estivesse revendo algo em sua mente.
– Fale comigo – ele murmurou.
– Você sabe por que ele recorreu a Manny, certo?
– Não sei os detalhes. Mas... tenho uma ideia. – A fêmea tinha um olhar bastante suicida, de verdade.
– Como médica, sou arrastada em diferentes direções. Se você puder continuar a desenvolver essa ideia...
– Posso sim. Droga.
– Isso não é tudo – ela continuou. – Quando fui arrumar as malas, encontrei um conjunto de roupas de couro no fundo do armário. Havia cera negra por toda parte. Junto com sangue e... – ela respirou estremecendo. – Algo mais.
– Cristo – Butch gemeu.
Quando Jane ficou em silêncio, soube que não desejava envolvê-lo e não ia perguntar em voz alta. Esse era o jeito dela.
Caramba... esforçou-se tanto para honrar a exigência de V. de ficar distante de algumas coisas; só que simplesmente não podia assistir a relação daqueles dois desmoronar.
– Ele não a traiu – disse. – Naquela noite, uma semana atrás? Ele deixou que o espancassem, Jane. Por redutores. Encontrei V. cercado por três deles e o golpeavam com correntes.
Ela soltou um gemido, que encobriu com as mãos.
– Oh... Deus...
– Não sei o que encontrou dele, mas não estava com ninguém. Ele mesmo me disse.
– Mas e quanto à cera? E o...
– Já passou pela sua cabeça que ele pode ter feito isso sozinho?
Jane ficou momentaneamente sem palavras.
– Não. Mas, por que ele não disse nada?
Aquela parecia ser a trilha sonora da noite.
– Nenhum cara admitiria a sua esposa que estava se masturbando sozinho. É patético demais... e provavelmente achou que estava lhe traindo de alguma maneira com isso. Ele tem essa devoção a você.
Quando as lágrimas se lançaram dos olhos verde-floresta de Jane, Butch ficou perplexo por um instante. A boa médica era tão fechada quanto seu hellren... e aquela força contida era a razão pela qual era tão útil como médica; contudo, não significava que não tinha sentimentos, lá estavam eles.
– Jane... não chore.
– É que eu simplesmente não sei como vamos superar isso. Não sei mesmo. Ele está decepcionado. Eu estou decepcionada, e, além disso, tem a Payne. – De repente, colocou uma das mãos sobre o braço de Butch o e apertou. – Pode, por favor... pode ajudá-lo? Com o que ele precisa? Talvez seja essa fissura no gelo que vai nos ajudar.
Quando os dois se encararam, Butch perguntou-se se estavam de fato no mesmo nível. Mas como ele poderia lidar com isto de maneira criteriosa: então, você quer que eu, ao invés dos redutores, dê um jeito nele? E se não estivessem na mesma sintonia? Ela já estava chorando.
– Não posso fazer isso – Jane disse rudemente. – E não só por que temos problemas no momento. Eu só não tenho essa habilidade em mim. Ele confia em você... Eu confio em você... E ele precisa disso. Tenho medo de que se ele não quebrar esse muro que está construindo, não vamos conseguir mais... ou pior. Leve-o para o Commodore, por favor.
Bem, aquilo criava um problema.
Butch limpou a garganta.
– Estive pensando a mesma coisa, de verdade. E, de fato, eu... já oferecei isso a ele.
– Obrigada. – Ela praguejou e enxugou os olhos. – Você o conhece tão bem quanto eu. Ele precisa quebrar aquele gelo... de alguma maneira, de algum jeito.
– Sim. – Butch estendeu a mão e acariciou o rosto dela. – Vou cuidar dele. Não se preocupe.
Ela colocou uma das mãos sobre a dele.
– Obrigada.
Abraçaram-se por um momento e, quando fizeram isso, Butch pensou que não havia nada que não faria para manter Jane e V. juntos.
– Onde ele está agora? – perguntou.
– Não faço ideia. Ele me deu uma mala e eu apenas a preparei e saí. Não o vi no Buraco, mas não estava procurando por ele.
– Já estou nessa. Vai ajudar Manello?
Quando ela assentiu, deu-lhe um pequeno apertão e saiu, alcançando o túnel subterrâneo e subindo rapidamente até chegar à última parada do lugar: o Buraco.
Sem fazer ideia do que ia encontrar, colocou a senha e posicionou a cabeça na porta blindada. Nenhuma fumaça, então, nada estava em chamas. Nenhum grito. Não sentia cheiro de nada, a não ser do pão fresco que Marissa havia feito há pouco tempo.
– V.? Você está aqui? – nenhuma resposta.
Deus, tudo estava tão silencioso.
No corredor, encontrou o quarto de V. e Jane vazio e todo bagunçado. A porta do armário estava aberta e roupas haviam sido retiradas dos cabides, mas não foi isso que realmente chamou sua atenção.
Foi até as roupas de couro e apanhou-as do chão. Um bom rapaz católico como ele não sabia muito sobre sadomasoquismo, mas parece que iria aprender em primeira mão.
Pegando o telefone celular, ligou para V., mas não esperava uma resposta. Concluiu que o GPS viria a calhar outra vez.
– Parece como os velhos tempos.
Manny focou na tela do computador enquanto falava. Difícil dizer qual era a parte mais estranha de se sentar ao lado de sua antiga colega de trabalho. Com tanta coisa para se escolher, o silêncio entre eles foi o melhor, tão bom quanto uma caça aos ovos de Páscoa para crianças de três anos, com objetos mal escondidos, prontos para serem encontrados e capturados.
– Por que quer rever os arquivos digitais? – ela perguntou.
– Vai ver quando chegarmos lá.
Jane não teve problemas em localizar o programa certo e, um momento depois, a imagem vívida de Payne no quarto surgiu na tela. Espere, a cama estava vazia... exceto por uma mochila.
– Câmera errada. Aqui está – Jane murmurou.
E lá estava ela. A Payne dele. Deitada sobre os travesseiros, a ponta de sua trança nas mãos, olhos fixos no banheiro como se ainda estivesse imaginando-o no banho.
Caramba... como estava linda.
– Você acha? – Jane disse suavemente.
Certo, agora seria um ótimo momento para sua boca parar de funcionar como se fosse um órgão independente.
Limpou a garganta.
– Pode voltar mais ou menos meia hora?
– Sem problema.
Voltou a imagem, o pequeno relógio no canto inferior direito retrocedeu os milissegundos.
Quando observou a si mesmo examinando-a com aquela toalha, ficou muito óbvio que estavam atraídos um pelo outro. Oh, Deus... aquela ereção deu-lhe outro motivo para não olhar para Jane.
– Espere... – Sentou-se mais para frente. – Diminua a velocidade. Aí está.
Viu-se voltando para o banho correndo...
– Mas que... caramba – Jane suspirou.
E lá estava: Payne ajoelhada aos pés da cama, seu corpo longo e esbelto equilibrava-se perfeitamente enquanto seus olhos focavam a porta do banheiro.
– Ela está brilhando?
– Sim – murmurou. – Está.
– Espere... – Jane pressionou o botão “avançar”, colocando as imagens na ordem certa. – Está testando as sensações dela aqui?
– Nada. Ela não sentiu nada. E, ainda assim... volte outra vez... obrigado. – Apontou para as pernas de Payne. – Aqui, porém, fica claro que ela tem controle muscular.
– Isso não tem lógica. – Jane viu e reviu o arquivo. – Mas ela fez isso... Oh, meu Deus... Ela fez isso. É um milagre.
Claro que parecia um. Só que...
– Qual teria sido o estímulo? – Manny murmurou.
– Talvez você.
– Sem chance. Com certeza minha cirurgia não fez o que deveria ter feito ou ela teria se ajoelhado antes de hoje à noite. Os exames mostraram que ela ainda permanece paralisada.
– Não estou falando sobre seu bisturi.
Jane retrocedeu o arquivo até o momento em que Payne se levantou e, então, congelou a cena.
– É você.
Manny encarou a imagem e tentou ver alguma coisa que não fosse óbvia: com certeza parecia que Payne estava olhando para ele, o brilho nela ficou ainda mais forte e foi capaz de se mover.
Jane avançou o arquivo imagem por imagem. Assim que ele saiu do banheiro e ela voltou a se deitar, o brilho se foi... e não tinha mais sensações.
– Isso não faz sentido – murmurou.
– Na verdade, acho que faz. Deve ser algo da mãe dela.
– Quem?
– A deusa que iniciou tudo isso. – Jane apontou seu próprio corpo. – Sou o que sou por causa da Virgem Escriba.
– Quem? – Manny balançou a cabeça. – Não estou entendendo nada.
Jane sorriu um pouco.
– Não precisa. Está acontecendo. Só precisa ficar com Payne e... ver como ela muda.
Manny voltou a olhar para o monitor. Bem, droga, parece que o cara da barbicha tinha feito a coisa certa. De alguma maneira, o filho da mãe sabia que aquilo aconteceria, ou talvez ele apenas esperasse que acontecesse. De qualquer maneira, parecia que Manny era um tipo de remédio para aquela criatura extraordinária deitada na cama.
Então, com certeza, iria mergulhar naquilo.
Mas não se enganava. Não se tratava de amor ou mesmo sexo, mas de erguê-la e fazer com que recuperasse seus movimentos para poder levar a vida de antes outra vez... não importava o quanto custasse. E sabia que não poderia ficar com ela no final. Iriam descartá-lo como um frasco de medicamento da farmácia... e, sim, claro, ela poderia entrar em contato com ele, mas era uma virgem que não conhecia nada melhor. E tinha um irmão que a forçaria a fazer as escolhas certas. Quanto a ele? Não se lembraria de nada disso, não é mesmo?
Gradualmente, tomou consciência do olhar de Jane observando seu perfil.
– O que foi? – disse ele sem tirar os olhos da tela.
– Nunca o vi assim antes por causa de uma fêmea.
– Nunca conheci ninguém como ela antes. – Ergueu a mão para deter qualquer conversa. – E pode economizar sua fala sobre “não faça isso”. Sei o que vai acontecer no final.
Inferno, talvez aqueles bastardos o matassem e o jogassem no rio. Fazendo com que parecesse um acidente.
– Na verdade, não ia dizer isso. – Jane mudou de posição na cadeira. – E acredite em mim... Sei como se sente.
Ele a encarou.
– Mesmo?
– Foi assim que me senti quando conheci Vishous. – Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela limpou a garganta. – Voltando a você e Payne...
– O que está acontecendo, Jane. Diga-me.
– Não está acontecendo...
– Bobagem! Posso dizer o mesmo que me disse. Nunca a vi assim antes. Parece arruinada.
Ela respirou fundo.
– Problemas conjugais. Simples, mas nem tanto.
Era evidente que não queria dividir isso com ele.
– Tudo bem. Bom, estou aqui se precisar... pelo tempo que me for autorizado ficar.
Ele esfregou o rosto. Era uma total perda de tempo se preocupar com quanto tempo aquilo ia durar, quanto tempo tinha. Mas não conseguia evitar; perder Payne o mataria mesmo que mal a conhecesse.
Espere um minuto. Jane tinha sido humana. E estava ali. Talvez houvesse...
Mas que droga!
– Jane...? – disse com voz fraca ao olhar para sua velha amiga. – O que...
As palavras o abandonaram nesse ponto. Estava sentada na mesma cadeira, na mesma posição, usando as mesmas roupas... só que conseguia enxergar a parede atrás dela... os armários de aço... as portas do outro lado. E o “enxergar” tudo isso não se tratava de ver sobre os ombros dela. Estava olhando através dela.
– Oh. Desculpe.
Bem diante de seus olhos, ela saiu de seu estado translúcido... voltando ao normal.
Manny pulou da cadeira e foi andando para trás até que sua bunda bateu na mesa de exame e o deteve.
– Precisa conversar comigo – disse com voz rouca. – Meu... Deus...
Quando agarrou a cruz que ficava pendurada em seu pescoço, Jane baixou a cabeça e uma de suas mãos colocou alguns de seus cabelos curtos atrás da orelha.
– Oh, Manny... há muita coisa que você não sabe.
– Então... diga-me. – Quando ela não respondeu, os gritos em sua cabeça ficaram altos demais. – É melhor me dizer, pois estou farto de me sentir como um lunático.
Houve um longo silêncio.
– Eu morri, Manny, mas não no acidente de carro. Aquilo foi encenado.
Os pulmões de Manny ficaram tensos.
– Como?
– Um tiro. Fui baleada. Eu... morri nos braços de Vishous.
Certo, não conseguia mais respirar nesse ponto.
– Quem fez isso?
– Os inimigos dele.
Manny esfregou o crucifixo e o católico nele, de repente, acreditou nos santos como muito mais do que exemplos de bom comportamento.
– Não sou mais quem você conheceu, Manny. De muitas maneiras – havia tanta tristeza em sua voz. – Não estou realmente viva. Foi por isso que não voltei para vê-lo. Não se trata da coisa vampiro/humano... é por que não estou mais aqui, de fato.
Manny piscou, como um idiota. Várias vezes.
Bem... será que a boa notícia nisso tudo foi descobrir que sua antiga cirurgiã do departamento de trauma era uma fantasma? Quase transparente em sua percepção? Sua mente explodiu tantas vezes que perdeu a conta, e como uma junta que havia sido deslocada, tinha total e completa liberdade de movimentos.
Sua funcionalidade estava perdida, claro.
Mas quem se importava?
CAPÍTULO 26
Sozinho no centro de Caldwell, Vishous andava sorrateiramente pela noite, percorrendo trechos obscuros sob as pontes da cidade. Começou indo a sua cobertura, mas não ficou lá mais de dez minutos, e foi irônico como todas aquelas janelas de vidro fizeram com que se sentisse confinado. Depois de se lançar no ar pela varanda, uniu-se às margens do rio. Os outros Irmãos estavam andando pelos becos procurando e encontrando redutores, mas não queria ter uma plateia por perto. Queria lutar. Sozinho.
Ao menos, foi o que disse a si mesmo.
Contudo, deu-se conta, após mais ou menos uma hora perambulando sem rumo, de que não estava procurando qualquer tipo de confronto mano a mano; na verdade, não estava à procura de nada. Estava completamente vazio, a ponto de sentir curiosidade em saber de onde aquela rotina de ficar andando à toa tinha surgido, pois tinha certeza que não estava fazendo nada de forma consciente.
Parando e olhando do outro lado das águas lentas e fétidas do Hudson, soltou uma risada fria e dura.
Durante toda sua vida, acumulava uma quantidade de conhecimento que poderia rivalizar com a maldita Biblioteca do Congresso. Parte disso era útil: como saber lutar, como fazer armas, como conseguir informações e como mantê-las em segredo. Havia algumas coisas relativamente inúteis no dia a dia, como o peso molecular do carbono, a teoria da relatividade de Einstein, aquela porcaria de teoria política de Platão. Também havia pensamentos sobre os quais ele refletia uma única vez para nunca mais retornar a eles, jogava com algumas oposições e com ideias que tinha em intervalos regulares como se fossem brinquedos quando estava entediado. Havia também coisas nas quais ele nunca, jamais se permitia pensar.
E entre esses diversos postos cognitivos havia um trecho enorme no cerebelo em que não havia nada além de um terreno baldio cheio de lixo no qual ele não acreditava. E isso fazia dele um cínico? Havia milhas e milhas de podridão metafórica em sacos de lixo cheios de imundície que perfaziam frases como... pais deveriam amar seus filhos... e mães estavam sempre presentes... e blá,blá, blá.
Se houvesse um equivalente mental à Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, essa parte do cérebro dele teria sido intimada, multada e trancafiada.
Mas era engraçado; o pequeno passeio daquela noite, naquela passagem subterrânea sinistra pelo rio, levou-o de volta àquele aterro sanitário e puxou algo do meio daquela pilha: e machos vinculados não eram nada sem suas fêmeas.
Muito bizarro. Sempre soube que amava Jane, mas sendo o imbecil que era, tinha alinhavado seus sentimentos sem perceber que a agulha e a linha estavam em suas mãos. Droga, mesmo quando ela voltou para ele depois de morrer e soube naquele breve momento não só o que o termo “superfeliz” significava, mas, também, como era senti-lo... mesmo assim, não se deixou levar, de fato.
Claro, sua camada de terra permanentemente congelada havia cedido um pouco com o calor que ela havia lhe trazido, mas em seu interior, bem no fundo, tinha permanecido o mesmo. Bom Deus, nunca havia se casado de maneira adequada. Apenas levou-a para o quarto dele e amava cada minuto que a tinha por lá, pois passavam as noites separados.
Desperdiçou aquelas horas.
Era um crime, mas havia desperdiçado todas elas.
E, agora, lá estavam, separados por fendas que, apesar de toda sua inteligência, não fazia ideia de como atravessar.
Cristo, quando ela segurou aquelas roupas de couro nas mãos e esperou que ele dissesse alguma coisa, foi como se alguém tivesse grampeado seus lábios... provavelmente por se sentir culpado pelo que havia feito naquele apartamento e como havia feito. Usar as próprias mãos não contava como traição.
No entanto, o problema era que mesmo sendo atraído por aquele tipo de prazer que havia sentido tantas vezes, ainda parecia muito errado; mas isso acontecia por que o sexo era apenas parte da questão.
Naturalmente, isso o fez pensar em Butch. A solução que o cara tinha sugerido era tão óbvia que V. ficou surpreso em não considerar isso antes de verdade... Mas, por outro lado, pedir ao seu melhor amigo para lhe dar uma surra não era exatamente uma ideia casual para se ter.
Desejou ter tido essa opção há uma semana. Talvez tivesse ajudado as coisas... Só que a cena no quarto não era o único problema deles; ela deveria ter conversado com ele primeiro sobre a situação com sua irmã. Deveria ter sido informado e decidido o que fazer.
Quando a raiva manifestou-se como um mau cheiro dentro dele, teve medo do que poderia existir do outro lado daquele vazio. Não era como os outros machos, nunca tinha sido e não apenas pelo fato de sua Mamãezinha Querida ser uma divindade ridícula: conhecendo sua sorte, seria o único macho vinculado na face da terra a passar por esse entorpecimento sem propósito de perder sua shellan... e iria a um lugar... hã, um lugar muito mais obscuro.
Ao território da insanidade, por exemplo.
Espere, não seria o primeiro, não é mesmo? Murhder havia enlouquecido. Absoluta e irrevogavelmente.
Talvez pudessem organizar um clube, e o aperto de mãos poderia envolver adagas.
Emos filhos da mãe que eram...
Rosnando, V. virou-se na direção do vento e teria oferecido uma oração de agradecimento se não odiasse tanto sua mãe: dentre os espirais da neblina, vindo sobre os vapores de umidade cinza e branca, o cheiro doce do inimigo deu-lhe um propósito e definiu algo que não apenas faltava ao seu estado entorpecido, algo que parecia até rejeitar.
Seus pés começaram a andar cada vez mais rápido e depois a correr. E quanto mais rápido ele ia, melhor se sentia: ser um assassino sem alma era muito, muito melhor do que ficar respirando no vazio. Queria mutilar e matar; queria rasgar com suas presas e agarrar com suas mãos; queria o sangue dos assassinos sobre ele, dentro dele.
Queria que o grito das pessoas que matasse ressoasse em seus ouvidos.
Seguindo o fedor doentio, atravessou ruas, passou por becos e vielas perseguindo o aroma conforme ficava cada vez mais forte. E quanto mais perto chegava, mais aliviado se sentia. Devia haver vários deles. E melhor que isso? Nenhum sinal de Irmãos por perto, o que significava que tinha sido o primeiro a chegar... e seria o primeiro a ser servido.
Estava guardando isso para si mesmo.
Contornando a última curva da sua busca, chocou-se com um trecho urbano curto e fétido e derrapou até parar. O beco não tinha saída, mas como um sistema de rampas para animais, os edifícios dos dois lados direcionavam o vento que vinha do rio, o rebanho de moléculas se embaralhava e trazia os cheiros em seus cascos, e aquele galope atingia seu nariz em cheio.
Mas... que droga... era aquela?
O mau cheiro era tão forte que seu nariz teve de rever suas referências olfativas, mas não havia um bando de loucos e idiotas pálidos por perto afiando suas facas. O lugar estava vazio.
Só que, então, ele notou o som de gotas, como se uma torneira não tivesse sido bem fechada.
Depois de lançar alguns efeitos de mhis, tirou sua luva e usou a palma da mão para iluminar o caminho. Ao caminhar, a iluminação formava uma piscina rasa de clara visibilidade diante dele e a primeira coisa que viu foi uma bota... que estava ligada a uma panturrilha revestida de uma calça camuflada... em seguida uma coxa e um quadril...
Era isso.
O corpo do assassino tinha sido cortado pela metade, com certeza, como se fosse um lanche de supermercado; o corte transversal deixou porções do intestino vazando, o início da coluna mostrava uma ponta branca e brilhante em meio ao todo preto e gorduroso.
Um formigamento lancinante o levou a virar para a direita.
Dessa vez a mão da criatura foi vista primeiro... era pálida e cravava suas unhas no asfalto úmido, retraindo-se como se estivesse tentando erguer-se do chão.
Havia apenas o tronco do redutor, mas ainda estava vivo... apesar de não ser um milagre; era assim que funcionavam: até que fossem golpeados no coração com alguma coisa feita de aço, eles perduravam, não importava em qual estado seus corpos se encontrassem.
Quando V. moveu lentamente sua mão iluminada, deu uma olhada no rosto da coisa. A boca estava muito aberta, a língua se movimentava como se estivesse tentando falar. Isso era comum na atual safra de assassinos; aquele era um novo recruta, sua pele e cabelos escuros ainda não tinham se transformado naquela coisa branca como farinha.
V. passou por cima do bastardo e continuou. Alguns metros depois, encontrou as duas metades de um segundo redutor.
Quando sua nuca formigou ainda mais forte dando-lhe um sinal de aviso, passou sua mão brilhante ao redor, movendo-se para fora do corpo em um círculo concêntrico.
Ora, ora, ora... e não é que aquilo trazia recordações.
Não no bom sentido.
No complexo da Irmandade, Payne permanecia deitada em sua cama, esperando. Não era muito boa quando se tratava de paciência, na melhor das hipóteses, sentia como se tivessem passado dez anos antes de seu curandeiro, finalmente, voltar para ela. Ao retornar, trouxe um painel fino parecido com um livro.
Quando ele se sentou na cama, percebeu uma tensão no rosto forte e bonito.
– Desculpe ter demorado tanto. Jane e eu estávamos carregando os arquivos neste laptop.
Ela não fazia ideia do que aquilo significava.
– Apenas diga o que tem a dizer.
Com mãos ágeis, abriu a metade superior daquela engenhoca.
– Na verdade, precisa ver por si mesma.
Com vontade de amaldiçoar alto e muitas vezes, arrastou os olhos para a tela.
Reconheceu imediatamente a imagem do quarto em que estava. Contudo, não era de agora, pois estava olhando para o banheiro enquanto permanecia deitada na cama. O quadro foi congelado como uma fotografia, mas uma pequena seta branca moveu-se quando ele tocou algo e a figura tornou-se animada.
Com uma careta, concentrou-se em si mesma. Estava brilhando: cada pedaço de carne em seu corpo estava iluminado. Por que isso sempre...
Primeiro, ela ergueu-se sobre o travesseiro, esticando o pescoço para que pudesse espiar o curandeiro. Inclinou-se mais ainda para o lado. E, então, movimentou-se em direção ao pé da cama...
– Eu me sentei – ela ofegou. – Sobre meus joelhos!
De fato, sua forma luminosa tinha se erguido sozinha perfeitamente e pairou com equilíbrio preciso ao conseguir observar Manny no banho.
– Com certeza, foi isso o que fez – disse ele.
– Também estou iluminada. Por que isso acontece?
– Esperávamos que pudesse nos dizer. Já fez isso antes?
– Não que eu soubesse. Mas estive aprisionada por tanto tempo que sinto como se não me conhecesse muito bem. – O arquivo parou. – Pode fazer isso outra vez?
Quando seu curandeiro não respondeu e as imagens não voltaram a se movimentar, ela olhou para ele... e recuou. O rosto de Manny exibia uma fúria estrondosa, a raiva era tão profunda que seus olhos estavam quase negros.
– Presa como? – ele exigiu. – E por quem?
Estranho, ela pensou vagamente. Sempre lhe disseram que os seres humanos eram uma forma muito mais suave de criatura que os vampiros, mas a reação protetora de seu curandeiro era tão ameaçadora quanto a de sua própria espécie.
A menos, claro, que não se tratasse de proteção; era muito possível que o fato de ter sido presa não fosse muito atraente. E quem poderia culpá-lo?
– Payne?
– Ah... Perdoe-me, curandeiro... talvez a palavra que escolhi tenha sido incorreta, já que essa é uma segunda língua para mim. Estive sob os cuidados de minha mãe.
Era quase impossível disfarçar a mágoa em sua voz, mas a camuflagem deve ter funcionado, pois a tensão deixou-o completamente quando respirou fundo.
– Ah, certo. Sim, aquela palavra não significa o que você quis dizer.
De fato, seres humanos também tinham seus padrões de comportamento, não tinham? Seu alívio foi tão grande quanto sua tensão. Mas, por outro lado, não era errado procurar moralidade e decência em fêmeas... ou machos.
Quando reproduziu as imagens dela, mudou o foco para o milagre que tinha acontecido... e viu-se balançando a cabeça para o que via.
– De fato, eu não sabia. Como isso... é possível?
Seu curandeiro limpou a garganta.
– Já conversei sobre isso com Jane e ela... bem, nós... temos uma teoria.
Ele se levantou e foi inspecionar um dispositivo elétrico no teto.
– Parece loucura, mas... talvez Marvin Gaye soubesse do que estava falando.
– Marvin?
Com um movimento rápido, pegou uma cadeira e a colocou sob a câmera.
– Era um cantor. Talvez eu possa colocar uma música dele para você ouvir algum dia. – Seu curandeiro firmou o pé sobre o assento e ergueu-se até o teto onde desconectou alguma coisa com um puxão e voltou a descer. – É bom para dançar.
– Não sei dançar.
Olhou sobre o ombro, as pálpebras se abaixaram.
– Mais uma coisa que eu posso lhe ensinar. – Quando o corpo dela se aqueceu, ele aproximou-se da cama. – E vou gostar de lhe mostrar como dançar.
Quando ele se inclinou sobre ela, os olhos de Payne fixaram-se nos lábios de Manny e a respiração ficou mais difícil. Ele ia beijá-la... que destino maravilhoso, ele ia...
– Você queria saber o que era gozar? – praticamente rosnou, suas bocas estavam apenas a centímetros de distância. – Por que não lhe mostro o que é ao invés de lhe dizer?
Com isso, ele tocou o interruptor e apagou as luzes, mergulhando o quarto em uma penumbra que diminuiu apenas com a luz do banheiro e o facho de iluminação que passava por debaixo da porta do corredor.
– Quer que eu lhe mostre? – disse ele em voz baixa.
Naquele momento, havia apenas uma palavra em seu vocabulário:
– Sim...
Só que, então, ele recuou.
Assim que um protesto estava prestes a sair da boca dela, percebeu que ele estava na linha de iluminação que vinha do banheiro.
– Payne...
O som de seu nome deixando aquela boca fez com que lutasse ainda mais por um pouco de ar.
– Sim...
– Eu desejo... – alcançando a parte inferior de sua camisa folgada, puxou-a lentamente, expondo os músculos esculpidos de seu estômago – que você me deseje.
Oh, doce destino, ela também o desejava.
E ele falava sério ao dizer aquilo. Quanto mais o olhava, mais aquele abdômen definido retesava-se e relaxava, pois ele também respirava com dificuldade.
Suas mãos caíram sobre a cintura.
– Veja o que você faz comigo.
Acariciou o tecido folgado sobre seus quadris e...
– Você é ríghido. – ela ofegou. – Oh... de fato, você é.
– Diga-me, isso é uma coisa boa?
– É...
Ela encarou a extensão rígida de seu corpo que estava confinada e lutava contra o volume das calças. Tão denso e suave. Tão grande. A mecânica do sexo não era desconhecida para ela, mas, até agora, não tinha sido capaz de entender como isso exercia tanta atração para uma fêmea. Olhando para ele agora? Seus batimentos cardíacos parariam e seu sangue viraria pedra se não o tivesse dentro dela.
– Quer me tocar? – ele rosnou.
– Por favor... – ela engoliu em seco com a garganta quase fechada. – Oh, sim...
– Primeiro, olhe para você, bambina. Erga seu braço e olhe para si mesma.
Ela olhou para baixo só para agradá-lo, para que pudessem continuar...
A pele dela brilhava de dentro para fora, como se o calor das sensações que ele lhe provocava se manifestasse em fosforescência.
– Eu não sei... o que é isso...
– Na verdade, acho que essa é a solução. – Sentou-se perto dos pés dela. – Diga-me se consegue sentir isso. – Tocou gentilmente a parte inferior da perna, colocando a mão sobre sua panturrilha.
– Quente – ela engasgou. – Seu toque é quente.
– E aqui?
– Sim... Sim!
Quando ele se moveu para cima, em direção a sua coxa, ela afastou com veemência os cobertores de si para não ter nenhum impedimento. Seu coração estava trovejando e...
Ele colocou a mão sobre a outra perna.
Dessa vez, ela não sentiu... nada.
– Não, não... toque-me, toque-me outra vez! – o pedido foi áspero, tinha um tom maníaco. – Toque-me...
– Espere...
– Para onde foi...? Faça outra vez! Por tudo o que há de mais sagrado, faça outra vez...
– Payne. – Ele capturou as mãos frenéticas. – Payne, olhe para você.
O brilho havia desaparecido. Sua pele, sua carne... estavam normais.
– Maldição...
– Ei. Linda. Ei... olhe para mim. – De alguma maneira, seus olhos encontraram os dele. – Respire fundo e apenas relaxe... Vamos lá, respire comigo. Isso. Muito bem... Vou trazer essa sensação de volta para você...
Quando se inclinou sobre ela, sentiu o toque suave de seus dedos sobre o pescoço.
– Sente isso?
– Sim... – a impaciência guerreou com o efeito de sua voz profunda e a carícia lenta e sinuosa de Manny.
– Feche os olhos...
– Mas...
– Feche-os para mim.
Quando ela fez o que pediu, as pontas de seus dedos desapareceram... e foram substituídas por sua boca. Os lábios acariciaram sua garganta e, em seguida, chupou sua pele, o puxão sutil desencadeou um calor que jorrou entre as pernas dela.
– Sente isso? – ele disse em uma voz grave.
– Céus... sim...
– Então, deixe-me continuar. – Com uma pressão sutil, colocou os braços dela contra os travesseiros. – Sua pele é tão macia...
Quando ele aninhou-se com ela, o som de sua boca produziu estalos deliciosos sob sua orelha e aqueles dedos voltaram a viajar ao longo de sua clavícula... e, em seguida, mergulharam ainda mais para baixo. Em reação a isso, um calor lânguido e curioso ferveu seu tronco, enrijecendo seus mamilos, e ela tornou-se consciente de todo seu corpo... cada centímetro de si. Inclusive suas pernas.
– Veja, bambina, está de volta... Veja.
Suas pálpebras estavam pesadas como pedras quando as abriu, mas ao olhar para baixo, o brilho proporcionou-lhe um grande alívio... e fez com que se fixasse nas sensações que ele lhe oferecia.
– Dê-me sua boca – disse ele asperamente. – Deixe-me entrar.
Sua voz era gutural, mas seu beijo suave e provocante, puxando seus lábios e acariciando-os, antes de lambê-la. E, então, sentiu uma de suas mãos sobre a parte externa da perna.
– Posso senti-lo – disse ela em meio ao beijo, lágrimas surgiram em seus olhos. – Posso senti-lo.
– Estou muito feliz. – Ele recuou um pouco, o rosto sério. – Não sei o que é isso... não vou mentir. Jane não tem certeza também.
– Não me importo. Só quero minhas pernas de volta.
Ele parou por um momento, mas, em seguida, assentiu, como se fosse fazer uma promessa a ela.
– E eu farei tudo o que puder para devolver isso a você.
Seus olhos vagaram até os seios de Payne e a reação foi imediata... a cada respiração, o tecido que cobria seus mamilos parecia golpeá-la e a deixava cada vez mais excitada.
– Deixe-me fazer com que se sinta bem, Payne. E vamos ver até onde isso pode levá-la.
– Sim – ela ergueu as mãos em direção ao rosto de Manny e puxou-o até sua boca outra vez. – Por favor.
De fato, assim como foi quando se alimentou de sua veia, agora ela sentia o calor de seus lábios, a entrada escorregadia de sua língua e a energia que lhe proporcionava.
Gemendo com ele, estava submersa em sensações, desde o peso de seu corpo sobre a cama, ao sangue que corria ao longo do corpo, até a necessidade pulsante entre as pernas e a dor deliciosa em seus seios.
– Curandeiro – ela disse ofegante quando sentiu que a palma da mão dele percorreu sua coxa.
Manny recuou um pouco e ela ficou feliz em ver que ele ofegava também.
– Payne, quero fazer uma coisa.
– Qualquer coisa.
Ele sorriu.
– Posso desfazer a trança em seus cabelos?
Claro que suas tranças eram a última coisa que passaria em sua mente, mas a expressão dele estava tão extasiada e intensa que não poderia negar-lhe o pedido... ou qualquer parte de si.
– Mas é claro.
Seus dedos tremeram ligeiramente quando alcançou a ponta de sua trança.
– Queria fazer isso desde o momento em que a vi pela primeira vez.
Aos poucos, centímetro por centímetro, ele liberou o peso das ondas negras que ela mantinha por nenhuma outra razão senão do desinteresse em cuidar delas. No entanto, quando ele revelou a profunda admiração que tinha por aquilo, começou a perguntar-se se, porventura, não havia subestimado sua importância.
Quando ele terminou, espalhou o comprimento sobre a cama e sentou-se.
– Você é... de uma beleza indescritível.
Sem nunca ter se visto nem mesmo como feminina, quanto mais “bonita”, foi um espanto ouvir a reverência que havia não apenas nas palavras, mas em seu tom de voz.
– Na verdade... parece que minha língua não consegue dizer nada – disse-lhe.
– Deixe-me lhe mostrar outra coisa para se fazer com ela.
Quando se uniu a ela sobre a cama, deitando a seu lado, ela virou-se em direção a seu grande peitoral e a rígida extensão de seu abdômen. Ela era grande se comparada a outras fêmeas, seu corpo possuía o poder que havia herdado de seu pai, a ponto de se sentir deselegante em relação a outras fêmeas: nada daquela graça esbelta da Escolhida Layla havia nela... na verdade, fora projetada para lutar, não para o serviço espiritual ou sensual.
Todavia, ali com seu curandeiro, sentiu que tinha as proporções perfeitas. Ele não pesava tanto quanto seu irmão gêmeo, mas era maior e mais denso que ela, em todos os lugares que um macho deve ser. Deitada com ela na sala escura, com seus corpos tão juntos e a temperatura aumentando por toda parte, ela não se sentia como alguém deslocada, com um corpo mal formado em suas curvas e volumes, mas um objeto de desejo e paixão.
– Está sorrindo – ele sussurrou próximo a sua boca.
– Estou?
– Sim. E eu adoro isso.
As mãos dele infiltraram-se em meio a sua camisola sobre seu quadril e ela sentiu tudo, desde o dedo mindinho de Manny até a pele suave de suas mãos e o deslizar quente de seu toque ao percorrer lentamente a parte superior de seu corpo. Fechando os olhos, ela arqueou-se para ele, muito consciente de que estava pedindo alguma coisa, mesmo sem saber ao certo o que estava buscando... mas sabia que ele poderia lhe fornecer.
Sim, seu curandeiro sabia exatamente do que ela precisava: aquela mão subiu sobre sua caixa torácica e parou sobre seus seios macios e consistentes.
– Tudo bem fazer assim? – ela o ouviu perguntar muito distante.
– Qualquer coisa – disse ofegante. – Qualquer coisa para sentir minhas pernas.
Só que assim que as palavras saíram, sentiu que o que a motivava era menos a paralisia e mais o desejo que havia por ele e seu sexo...
– Curandeiro!
A sensação de seu seio ser capturado em uma suave carícia foi um choque maravilhoso e ela se arqueou, esparramando as coxas, calcanhares pressionando o colchão. E, então, o polegar de Manny alisou seu mamilo, a carícia disparou uma rajada de fogo em seu núcleo.
Suas pernas dividiram-se sobre a cama, a espiral de sensações intensa que sentia em seu sexo os conduzia.
– Estou me movendo – ela disse rudemente... expondo uma conclusão quase tardia. O que parecia importante agora era unir-se a ele e fazer com que ele... gozasse... dentro dela.
– Eu sei, bambina – ele confessou. – E vou garantir que continue assim.
CAPÍTULO 27
No centro da cidade, Butch estacionou o Escalade na garagem subterrânea do Commodore e subiu todo o edifício pelo elevador interno. Não fazia ideia do que ia encontrar quando chegasse ao apartamento de V., mas o sinal de GPS estava vindo dali, então, era onde ele deveria estar.
No bolso do seu casaco de couro, tinha todas as chaves do espaço particular de Vishous: o cartão plástico que deslizava para entrar na garagem, o prateado que usava no elevador para liberar o botão da cobertura e o de cobre que liberava a passagem cheia de travas da porta.
Seu coração bateu forte quando um pequeno ding soou e o elevador abriu as portas silenciosamente. Acesso total teria um novo significado naquela noite, e quando entrou no corredor, desejou uma bebida. Desesperadamente.
Em frente à porta, pegou a chave de cobre, mas usou os dedos primeiro: bateu algumas vezes.
Passou-se um minuto ou mais até ele se dar conta de que não houve resposta.
Danem-se os punhos. Começou a bater.
– Vishous – ele gritou. – Atenda a maldita porta ou eu vou entrar.
Um, dois, três, quatro...
– Dane-se. – Colocou a chave na fechadura e girou a maçaneta antes de jogar seu ombro sobre a porta sólida de metal e empurrá-la com força.
Irrompendo no local, ouviu o sinal do alarme soar baixinho. O que significava que V. não poderia estar ali.
– Que inferno...?
Inseriu o código no painel, desativou o alarme e trancou a porta atrás de si. Nenhum resíduo de velas acesas... nenhum cheiro de sangue... nada além do ar frio e limpo. Acendeu a luz e piscou com a claridade.
Sim, nossa... quantas memórias... dele vindo e desabando depois que Ômega entrara nele e o deixara de quarentena... V. perdendo a cabeça e atirando-se da varanda...
Foi até a parede de “equipamentos”. Um monte de outras coisas tinha acontecido ali também, algumas das quais ele sequer poderia imaginar.
Quando se aproximou dos utensílios de metal e couro, suas botas de combate ecoaram até o teto e sua mente ficou dando voltas dentro do crânio. Especialmente quando chegou ao final da exposição: no canto, havia um jogo de algemas de ferro penduradas no teto por correntes grossas.
Se alguém fosse acorrentado ali, poderia ser levantado e ficar dependurado como um pedaço de carne.
Erguendo a mão, tocou com o dedo uma delas; nada de acolchoado por dentro. Pontas de ferro. Enormes pontas de ferro que poderiam prender-se à pele de alguém como dentes.
Voltando ao que tinha vindo fazer, andou pelo local, checando todos os cantos... e achou o minúsculo chip de computador no balcão da cozinha. Era o tipo de coisa que apenas V. sabia remover do celular.
– Filho da mãe.
Então, não tinha como saber onde...
Quando o telefone tocou, checou a tela. Graças a Deus.
– Onde diabos você está?
A voz de V. saiu apreensiva.
– Preciso de você aqui. Nona com a Broadway. Imediatamente.
– Dane-se... por que seu GPS está na sua cozinha?
– Porque era onde eu estava quando tirei-o do meu telefone.
– Que diabos, V. – Butch apertou ainda mais o celular e desejou que houvesse um aplicativo que permitisse viajar pelo telefone e dar uma bofetada em alguém. – Você não pode...
– Dá pra vir até a Nona com a Broadway...? Temos problemas.
– Está brincando comigo, certo? Você se torna impossível de rastrear e...
– Alguém mais está matando redutores, tira. E se for quem estou pensando, temos problemas.
Pausa. Um bom tempo de pausa.
– Como assim? – disse lentamente.
– Nona com a Broadway. Agora. E estou ligando para os outros.
Butch desligou e correu para a porta. Deixando o carro na garagem, levou apenas cinco minutos para percorrer as coordenadas corretas no mapa das ruas de Caldwell. E Butch sabia que estava chegando por causa do cheiro nauseante no ar e do formigamento que latejava dentro dele por causa do inimigo.
Quando virou a esquina de um edifício achatado, atingiu uma parede de mhis e penetrou no lugar; saindo do outro lado sentiu uma baforada de tabaco turco e vislumbrou uma pequena chama laranja no final do beco.
Correu até V., diminuindo a velocidade apenas quando se aproximou do primeiro corpo. Ou... parte dele.
– Olá, metades.
– Quando Vishous apareceu e cobriu sua luva, Butch teve a rápida impressão de carne morta e intestinos vazando.
– Hummm.
– Corte limpo – V. murmurou. – Cortou os corpos como uma manteiga.
O Irmão estava certo: fora praticamente cirúrgico.
Butch ajoelhou-se e sacudiu a cabeça.
– Não pode ser resultado de alguma política na Sociedade Redutora. Nunca deixariam os corpos a céu aberto assim.
Deus era testemunha de que os assassinos passavam por mudanças na liderança, ou por que Ômega tinha ficado entediado, ou por causa de lutas internas pelo poder. Mas o inimigo sempre foi incentivado a manter seus negócios longe do radar humano tanto quanto os vampiros... então, não havia possibilidade nenhuma de terem abandonado aquela bagunça para o Departamento de Polícia de Caldwell encontrar.
Quando Butch sentiu a chegada dos outros Irmãos, ergueu-se. Phury e Z. surgiram primeiro, do nada. Em seguida, foi Rhage e Tohr. E Blay. Todos que estavam escalados naquela noite: Rehvenge sempre lutava com a Irmandade, mas naquele dia estava na colônia symphato brincando de Rei da Maldição, e era folga de Qhuinn, Xhex e John Matthew.
– Diga-me que não estou vendo isto – Rhage disse severamente.
– Seus olhos estão funcionando bem, pode acreditar. – V. apagou seu cigarro artesanal na sola da bota. – Também não conseguiria acreditar.
– Pensei que ele estava morto.
– Ele? – Butch perguntou, encarando os dois. – Quem é “ele”?
– Por onde começar...? – Hollywood murmurou enquanto observava outro pedaço de redutor. – Sabe? Se eu tivesse uma estaca, poderíamos fazer churrasquinho grego de redutor.
– Só você para pensar em comida numa hora dessas – alguém falou lentamente.
– É só um comentário.
Se houve mais conversa depois disso, Butch não ouviu, pois seu alarme interno, de repente, começou a disparar.
– Rapazes... temos companhia.
Girando, encarou o fim do beco. O inimigo estava se aproximando. Rápido.
– Quantos? – V. perguntou enquanto avançava.
– Pelo menos quatro, talvez mais – disse Butch enquanto pensava no fato de que não havia saída atrás deles. – Pode ser uma armadilha.
No centro de treinamento da Irmandade, Manny dedicava atenção especial a sua paciente.
Enquanto trabalhava sobre o seio de Payne com a mão, ela se contorcia sob ele, agitando as pernas com impaciência sobre o colchão, a cabeça jogada para trás e o corpo brilhando como a lua em uma noite de inverno sem nuvens.
– Não pare, curandeiro – ela gemeu quando ele acariciou em círculos o mamilo com o polegar. – Eu sinto... tudo...
– Não se preocupe. Não vou parar.
Sim, não ia frear tão cedo... não que fossem fazer sexo ali, mas, mesmo assim...
– Curandeiro... – disse contra os lábios dele. – Mais, por favor.
Percorrendo a língua em sua boca, beliscou levemente seu mamilo.
– Vou cuidar de você aqui embaixo.
Ela o ajudou a despi-la e discretamente retirou o equipamento. Quando ficou total e completamente nua, ele sentiu a boca seca por um momento e ficou imóvel ao vê-la.
Seus seios tinham um formato perfeito, com pequenos mamilos rosados e o abdômen longo e plano direcionava-lhe a uma fenda nua de sua pele que deixou sua cabeça pulsando.
– Curandeiro...?
Quando tudo o que fez foi engolir em seco, ela alcançou o lençol para esticá-lo e esconder seu corpo.
– Não... – ele a deteve. – Desculpe. Só preciso de um minuto.
– Para quê?
Em uma palavra: clímax. Para atingir o clímax. Ao contrário dela, sabia exatamente onde toda aquela nudez os levaria... em mais ou menos um minuto e meio, sua boca percorreria todo o corpo dela.
– Você é incrível... e não tem nada do que se envergonhar.
O corpo dela estava enlouquecido, toda aquela massa muscular e aquela pele macia e deliciosa... até onde sabia, era a fêmea perfeita, a melhor de todas. Cristo, nunca sentiu metade desse desespero por aquelas emergentes que eram apenas pele e ossos, com peitos falsos e braços pegajosos.
Payne era poderosa e até onde conseguia enxergar nela, puro sexo. Mas com certeza viveria aquela experiência e sua virgindade continuaria intacta. Sim, ela desejava o que estava lhe proporcionando, mas não era justo, naquelas circunstâncias, tomar algo que ela nunca teria de volta: na busca de reconquistar algum tipo de funcionalidade para suas pernas, poderia ir mais longe do que deveria se fosse apenas sexo por prazer.
Tudo aquilo era uma questão de propósito, e o fato de que essa conclusão o deixou um pouco vazio não lhe despertava o interesse de examinar a questão mais de perto.
Manny inclinou-se sobre ela.
– Dê-me sua boca, bambina. Deixe-me entrar.
Quando ela fez o que ele pediu, voltou a colocar a mão sobre aquele seio perfeito.
– Shh... calma – ele disse quando ela quase levantou da cama.
Cara, ela brilhava demais e, por um momento, imaginou como seria cavalgar sobre seus quadris e possuí-la com força.
Corta essa agora mesmo, Manello, disse a si mesmo.
Desvencilhando-se da boca dela, aninhou-se sobre seu pescoço e pressionou rapidamente seus dentes sobre a clavícula... foi o suficiente para que ela sentisse, não o suficiente para machucá-la, e soube pela força que fez ao apertá-lo e por sua respiração ofegante que desejava que fosse exatamente onde estava indo.
Acariciando a parte externa de seu seio, estendeu a língua e fez uma trilha lenta ao deslizar até o tenso mamilo rosa. Circulando o topo de seu seio com a boca, observou-a mordendo o lábio inferior, as presas perfuravam a pele e deixavam o sangue vermelho e brilhante escorrer.
Sem um pensamento consciente, lançou-se e capturou o que estava sendo derramado, bebendo, engolindo...
Seus olhos se fecharam com o gosto: rico e obscuro, denso e macio no fundo de sua garganta. Sua boca formigou... e seu intestino também.
– Não – ela disse com uma voz gutural. – Não deve fazer isso.
Quando forçou-se a abrir os olhos, viu que ela lambia o pouco de sangue que havia restado sobre os lábios.
– Sim. Eu devo – ouviu a si mesmo dizer. Precisava de mais. Muito mais...
Ela colocou a ponta do dedo nos lábios dele e balançou a cabeça.
– Não. Vai enlouquecer com isso.
Ia enlouquecer se não enchesse a boca toda com aquilo; era isso o que ia fazer.
O sangue dela era como cocaína e uísque juntos gotejando em uma intravenosa: com aquele pequeno gole, seu corpo ficou como o do Super-Homem, seu peito inchou, todos os músculos encheram-se de poder.
Como se estivesse lendo sua mente, ela disse com firmeza:
– Não, não... não é seguro.
Provavelmente ela estivesse certa... desconsidere o provavelmente. Mas não significava que ele não ia tentar outra vez.
Voltou para o mamilo, sugando e fazendo movimentos rápidos. Quando ela arqueou outra vez, ele apoiou o braço embaixo dela e a ergueu. Tudo o que conseguia pensar era em se colocar entre as pernas dela com sua boca... Mas não tinha certeza de como isso iria acabar. Precisava mantê-la naquela doce zona de excitação... sem assustá-la com qualquer coisa que os homens gostavam de fazer com as mulheres.
Instalou-se para colocar a mão onde desejava que seus lábios estivessem, deslizando a palma da mão devagar ao longo de sua caixa torácica e estômago. Percorreu cada vez mais, para seus quadris. Desceu mais, até a parte superior das coxas.
– Abra para mim, Payne – ele disse, direcionando-se ao outro mamilo, acariciando-o com uma sucção. – Abra para mim para que eu possa tocá-la.
Ela fez exatamente o que pediu, suas pernas graciosas se abriram.
– Confie em mim – ele disse com voz rouca. E poderia mesmo: já se sentia mal o suficiente por todas essas preliminares já estarem acontecendo; não ultrapassaria os limites que tinha estabelecido entre eles.
– Eu confio – ela gemeu.
Que Deus os protegesse, pensou quando a mão dele escorregou até a junção de suas...
– Droga... – ele gemeu. Uma maciez quente, lisa e escorregadia. Inegável.
Estendeu o braço com força, os lençóis saíram voando e seus olhos moveram-se para baixo fixando-se na visão de sua mão aninhada próxima a seu sexo. Quando o corpo dela arqueou, uma de suas pernas caiu para o lado.
– Curandeiro... – ela gemeu. – Por favor... não pare.
– Não sabe o que quero fazer com você – disse a si mesmo.
– Estou com dor.
Manny rangeu os dentes.
– Onde?
– Onde você me tocou e não continuou. Não pare. Eu imploro.
A boca de Manny se abriu e ele começou a respirar por ela.
– Faça o que quiser comigo, curandeiro – ela gemeu. – Seja lá o que for. Sei que sente o mesmo.
Um rosnado saiu dele e ele se moveu tão rápido que a única coisa que poderia detê-lo era se ela dissesse não – e era evidente que essa palavra não existia em seu vocabulário.
Como um raio, estava entre as pernas dela, suas mãos separaram-nas ainda mais, seu sexo aberto implorava face à urgência masculina de dominar e acasalar.
Ele cedeu. Estava ferrado, mas deixou-se levar e beijou o centro de seu sexo; e não houve nada gradual ou gentil nisso; mergulhou nela com sua boca, sugando-a e lambendo-a enquanto ela gritava e arranhava seus antebraços.
Manny gozou. Forte. Apesar de todos os orgasmos que teve naquele escritório. O zumbido formigante em seu sangue, o doce gosto do sexo dela e a maneira como se movimentava contra seus lábios, excitando a si mesma, buscando mais... era além da conta.
– Curandeiro... estou... prestes a... Não sei o que eu...
Lambeu sobre o topo de seu sexo e voltou a movimentar devagar, de maneira mais completa.
– Fique comigo – disse contra ela. – Vou fazer com que sinta prazer.
Movendo a língua delicadamente, levou uma das mãos para baixo e acariciou-lhe sem penetrá-la, dando-lhe exatamente o que desejava, a uma velocidade que a fez lutar com impaciência. Mas ela aprenderia que essa antecipação do gozo era tão boa quanto o orgasmo que estava prestes a ter.
Deus, ela era incrível, aquele corpo rígido dela flexionava, seus músculos ficavam cada vez mais tensos, seu queixo ficava visível entre os seios perfeitos quando a cabeça caía para trás e atingia os travesseiros da cama.
Ele soube quando a explosão em seu sexo aconteceu. Ela ofegou e agarrou os lençóis que cobriam o colchão, rasgando-os com suas unhas enquanto se enrijecia da cabeça aos pés.
Sua língua entrou sorrateiramente.
Ele simplesmente tinha de penetrá-la um pouco... e os impulsos sutis que sentia o deixaram tonto.
Quando teve certeza de que ela havia gozado, moveu-se para trás... e mordeu o lábio quase partindo-o em dois. Ela estava tão, tão pronta para ele, molhada e resplandecendo.
De repente, saiu da cama e teve de andar pelo quarto. Seu membro parecia ter inchado e assumido as dimensões do Empire State; suas bolas estavam azuis como o fundo da bandeira americana... tão desesperadas para gozar que tinham sua própria banda e brigada de fogos de artifício. Mas isso não era tudo; algo nele rugia pelo fato de não estar dentro dela... e o desejo ia além do sexo: queria marcá-la de alguma maneira... algo que não fazia sentido nenhum.
Nervoso, ofegante, no limite, acabou plantando as mãos sobre os batentes da porta que dava para o corredor e inclinando-se até sua testa ficar contra o aço. De alguma maneira, quase tinha a esperança de que alguém invadisse e acabasse com aquilo.
– Curandeiro... ainda persiste...
Por um momento, fechou os olhos com força: não tinha certeza se conseguiria fazer aquilo outra vez com ela tão cedo. Estava quase morrendo por não...
– Olhe para mim – disse ela.
Forçou a erguer a cabeça e olhou sobre o ombro... e percebeu que ela não estava falando de sexo: estava sentada na beira da cama, pernas penduradas e já estava avançando em direção ao chão, seu brilho a iluminava de dentro para fora. No início, tudo o que conseguia enxergar de fato eram seus seios e a maneira como se sustentavam tão arredondados e cheios de graça, os mamilos tensos por causa do ar frio do quarto. Mas, então, deu-se conta de que ela estava girando os tornozelos, um após o outro.
Certo, como pode ver... não se tratava de sexo, mas de sua mobilidade.
Entendeu, imbecil?, disse a si mesmo. Ela queria que a visse caminhando: sexo como remédio... era melhor não esquecer isso. Aquilo não se tratava dele ou de seu pênis.
Manny cambaleou, esperando que ela não notasse o que restou do orgasmo que teve. Mas não precisava se preocupar. Os olhos dela estavam fixos em seus pés, a concentração era feroz.
– Aqui... – teve de limpar a garganta. – Deixe-me ajudá-la a se levantar.
CONTINUA
CAPÍTULO 20
Quando os dois foram deixados sozinhos, Manny não conseguia tirar os olhos de sua paciente. Seu olhar percorria seu rosto, a garganta e aquelas mãos longas e adoráveis. Deus, tinha o mesmo aroma, aquele perfume dela infiltrava-se em seu nariz, percorria seu corpo e ia direto a seu pênis.
– Sabia que você era real – ele repetiu. Cristo, provavelmente era melhor ter dito outra coisa, qualquer outra coisa, mas era evidente que essas palavras eram tudo o que tinha: o alívio por não estar ficando louco era esmagador. Ao menos até o brilho luminoso das lágrimas de Payne ser registrado dentro dele... juntamente com a profunda falta de esperança em seu olhar. Tinha feito todo o possível por ela e, ainda assim, tinha falhado. Totalmente.
Contudo, sabia qual era sua condição antes daquele momento. Aquele irmão dela não voltaria ao mundo humano se as coisas deste lado estivessem indo muito bem.
– Como você está? – ele perguntou.
Quando encarou os olhos dela, ela balançou a cabeça lentamente.
– Oh... estou...
Quando não conseguiu terminar a frase, procurou a mão dela e segurou-a com firmeza. Deus, a pele era tão macia.
– Fale comigo.
– Minhas pernas... não estão melhores.
Ele resmungou em voz baixa. Queria fazer um exame nela e observar o que diriam as novas radiografias... talvez tomar algumas providências para que ela voltasse ao São Francisco e fizesse outra ressonância.
Mas, por mais importante que toda aquela avaliação fosse, poderia esperar. Agora, ela estava emocionalmente frágil e precisava, em primeiro lugar, de ajuda para lidar com a situação.
– Nenhuma sensação ainda? – ele disse.
Quando balançou a cabeça, uma lágrima escapou e deslizou por sua face. Ele odiava o fato de ela estar chorando, mas tão certo quanto o ar que respirava, nunca tinha visto nada tão lindo quanto aqueles olhos.
– Estou... cansada de ficar assim – disse com um estremecimento.
– E “assim” significa exatamente o quê?
– Aqui. Nesta cama, presa. – Ela não apenas manteve o olhar, mas foi além, penetrando nos olhos dele. – Não posso suportar essa tortura. Nem mais uma noite.
Ela estava mortalmente séria e, por uma fração de segundo, Manny sentiu um terror que cortou sua alma. Talvez para outra fêmea... ou macho, não importava... uma frase como aquela fosse uma liberação emocional de desespero. Para ela? Era um plano.
– Tem internet por aqui? – perguntou.
– Internet?
– Um computador com acesso à rede?
– Ah... acredito que exista um na sala maior, mais à frente, indo em direção àquela outra porta.
– Volto já. Fique aqui.
Aquilo a fez sorrir um pouco.
– Para onde eu iria, curandeiro?
– É isso que vou lhe mostrar.
Quando se levantou, teve de resistir à vontade de beijá-la e saiu apressado para ter certeza de que não faria isso. Não levou muito tempo para encontrar o computador em questão e ter acesso à rede, com a ajuda de uma enfermeira bastante atraente que se apresentou como Ehlena. Dez minutos depois, voltou para o quarto de Payne e parou na porta.
Ela estava ajeitando o cabelo, as mãos tremiam ao alisar a cabeça e deslizar ao longo da trança, como se estivesse procurando defeitos.
– Não precisa fazer isso – ele murmurou. – Está perfeita para mim.
Em vez de responder, ela corou e ficou um tanto agitada... foi a melhor coisa que pôde fazer, já que não conseguia dizer nada.
– Você me deixa sem palavras, de verdade.
Bem, agora, sua mente estava indo a lugares para os quais não deveria.
Observando-a por completo, esforçou-se para que sua mente mudasse de marcha.
– Payne, sou seu médico, certo?
– Sim, curandeiro.
– E isso significa que vou lhe dizer a verdade. Não vou disfarçar, nem esconder nada. Vou lhe dizer exatamente o que acho e permitir que tome sua decisão... e preciso que me ouça, tudo bem? A verdade é tudo o que tenho, nada mais nada menos que a verdade.
– Então, não precisa dizer nada, pois sei muito bem onde estou.
Ele olhou ao redor da sala.
– Já saiu daqui desde que voltou da cirurgia?
– Não.
– Então, está encarando essas quatro paredes vazias há uma semana, presa em uma cama, precisando que outra pessoa lhe ajude a alimentá-la, dar banho e lidar com suas necessidades físicas.
– Não preciso que me lembre – disse ela secamente. – Agradeço muito, mas...
– Então, como sabe onde está?
O franzir de sua testa foi profundo e obscuro... e também muito sensual.
– Isso é ridículo. Estou aqui – apontou para o colchão embaixo dela. – Estive, todos esses dias, aqui.
– Exatamente. – Quando o encarou, Manny diminuiu a distância entre eles. – Vou pegá-la e carregá-la, importa-se?
Nesse momento, as sobrancelhas dele se ergueram.
– Para onde?
– Para fora desta maldita gaiola.
– Mas... eu não posso. Tenho uma...
– Eu sei. – Com certeza ela estava preocupara com o cateter e, para evitar qualquer constrangimento, ele agarrou uma toalha branca limpa da mesa de cabeceira. – Vou cuidar disso e de você.
Depois que se certificou de que o equipamento estava seguro, tirou o lençol que a cobria e a pegou. Seu peso era sólido contra a parte superior do corpo de Manny e levou apenas um momento para abraçá-la, a cabeça repousou sobre o ombro dele e as longas, longas pernas penderam em seu braço. Seu perfume, sabonete, ou seja lá o que fosse, lembrava sândalo e algo mais.
Ah, sim... orgasmos.
Aqueles que sentiu quando sonhou com ela.
Ótimo, estava todo alegrinho e excitado.
Payne limpou a garganta.
– Sou muito pesada? Sou grande para uma fêmea.
– Você é perfeita para uma fêmea.
– Não de onde eu venho – ela murmurou.
– Então, eles usam os padrões errados.
Manny carregou sua preciosa carga pela porta da sala de exames. O lugar estava vazio, como ele havia solicitado – pedira à enfermeira... Elina? Elaina?... para que tivessem um pouco de privacidade. Não sabia onde isso acabaria.
Mantendo-a em seus braços, sentou em frente ao computador e colocou o objeto em um ângulo em que ela pudesse ver o monitor. Quando ela pareceu mais interessada em olhar para ele, não se importou nem um pouco... Mas não era algo propício à concentração. Nem foi por isso que a tirou daquela cama.
– Payne – disse.
– O quê?
Cristo, aquela voz rouca dela. Aquilo era capaz de rasgá-lo como uma faca e fazer com que sentisse a picada de dor que vinha junto com a ferida: desejá-la como ele o fazia e conter-se era um prazer agonizante que, de alguma maneira, era melhor do que qualquer sexo que já tivera antes.
Estava vivendo as melhores preliminares de sua vida.
– Deveria estar olhando para o monitor – disse enquanto acariciava o rosto dela.
– Prefiro olhar para você.
– Oh, é...? – quando sua voz ficou tão rouca quanto a dela, sabia que era hora de travar alguns diálogos internos do tipo “não faça isso, garotão”.
Mas dane-se.
– Você faz com que eu sinta algo por todo meu corpo. Até mesmo em minhas pernas.
Bem, atração sexual faria isso com alguém. Os circuitos dele estavam tão iluminados quanto uma grande metrópole à meia-noite.
Só que havia um propósito maior para toda essa iluminação natalina, algo muito mais importante que uma rapidinha... ou mesmo uma sessão que durasse uma semana ou um mês ou, Deus os protegesse, um ano! Tratava-se de uma vida, a vida dela.
– Que tal você olhar só um pouquinho para o computador e, depois, pode olhar para mim o quanto quiser, pode ser?
– Tudo bem.
Quando ela sequer desviou o olhar de seu rosto, ele clareou a garganta.
– O computador, bambina.
– Italiano?
– Por parte de mãe.
– E por parte de pai?
Manny deu de ombros.
– Nunca o conheci, então, não posso lhe dizer.
– Seu pai é um desconhecido?
– Sim, isso mesmo. – Manny colocou o dedo indicador sob o queixo dela e inclinou a cabeça em direção ao computador.
– Veja.
Ele deu um tapinha no monitor e percebeu que ela estava prestando a devida atenção, pois franziu a testa, as sobrancelhas escuras baixaram sobre os olhos de diamantes.
– Este é um amigo meu... Paul – Manny não fez nada para esconder o orgulho em sua voz. – Também foi um paciente meu. Ele é demais... e está nesta cadeira de rodas há anos.
No início, Payne não teve certeza exata do que era a imagem... Estava se movendo, isso era certeza. E parecia ser... espere. Aquilo era um humano e estava sentado sobre algum tipo de engenhoca que deslizava pelo chão. Para mover a coisa, impulsionava seus grandes braços, o rosto fazia uma careta, a concentração era tão feroz quanto a de qualquer guerreiro no auge de uma batalha.
Atrás dele, havia um campo com três outros homens sobre equipamentos semelhantes e todos estavam fixos em Paul como se tentassem fechar a distância entre eles e seu líder.
– Isso é... uma corrida? – ela perguntou.
– É a maratona de Boston, grupo de cadeiras de rodas. Paul está chegando à colina mais íngreme, que é a parte mais difícil.
– Está à frente dos outros.
– Espere um pouco... está só começando. Ele não apenas venceu essa corrida... Ele meteu fogo nas rodas e arrasou.
Assistiram o homem ganhar por uma margem de distância imensa, seus braços enormes eram como o vento, o peito bombeava, a multidão dos dois lados da estrada rugia para apoiá-lo. Quando rompeu uma fita, uma mulher deslumbrante correu e os dois se abraçaram.
E nos braços da mulher? Havia um bebê da mesma cor de pele do homem.
O curandeiro de Payne inclinou-se e moveu um pequeno instrumento negro sobre a mesa para mudar a imagem na tela. A imagem em movimento desapareceu... em seu lugar, surgiu um retrato estático do homem sorrindo. Ele era muito bonito e brilhava de saúde; a seu lado, estava a mesma mulher ruiva e aquela criança de olhos azuis.
O homem ainda estava sentado, e a cadeira mostrava ser mais substancial do que aquela com a qual competia – na verdade, parecia-se muito mais com a cadeira que Jane trouxera para ela. Suas pernas pareciam desproporcionais em relação ao restante do corpo, eram pequenas e colocadas de maneira que as ocultava um pouco sob o assento, mas não se podia perceber isso... nem mesmo seu aparato para deslizar pelo chão. Só era possível observar sua força feroz e inteligência.
Payne estendeu a mão para a tela e tocou o rosto do homem.
– Quanto tempo...? – perguntou com voz rouca.
– Que ele está paralisado? Dez anos ou mais. Estava em sua bicicleta de cicloturismo quando foi atingido por um motorista bêbado. Fiz sete operações nas costas dele.
– Ele ainda está na... cadeira.
– Está vendo a mulher ao lado dele?
– Sim.
– Apaixonou-se por ele depois do acidente.
Payne virou a cabeça e encarou o rosto de seu curandeiro.
– Ele... pode ser pai?
– Sim. Pode dirigir um carro... pode fazer sexo, óbvio... e tem uma vida mais plena do que muitas pessoas que possuem duas pernas perfeitas. Ele é empresário, atleta, um grande homem, e tenho orgulho em chamá-lo de amigo.
Enquanto falava, seu curandeiro movia aquela pequena coisa preta e as imagens mudavam. Algumas eram do homem em outras competições atléticas, outras sorrindo por algum tipo de construção de edifícios de grande porte e outras com ele sentado diante de uma fita vermelha com um grande par de tesouras douradas na mão.
– Paul é o prefeito de Caldwell. – Seu curandeiro gentilmente direcionou o rosto dela para que olhasse outra vez o dele. – Ouça... e quero que lembre-se disso. Suas pernas são parte de você, mas não são seu corpo inteiro ou quem você é. Assim, onde quer que formos depois desta noite, preciso que saiba que não vale menos por causa da sua lesão. Mesmo em uma cadeira, continua do mesmo tamanho de sempre. A altura é apenas um número medido na vertical... e não significa nada quando se trata de caráter ou do tipo de vida que leva.
Ele estava falando muito sério e, se ela fosse verdadeira consigo mesma, poderia dizer que se apaixonou um pouco por ele naquele momento.
– Pode mover o... aquela coisa? – sussurrou. – Para que eu possa ver mais?
– Aqui... mova o mouse. – Pegou a mão dela e colocou sobre o objeto quente e alongado. – Esquerda e direita... para cima e para baixo... Entendeu? Ele muda a seta na tela. Clique quando quiser ver alguma coisa.
Precisou de algumas tentativas, mas, então, pegou o jeito da coisa... e era um absurdo, mas apenas mover a seta ao longo das diferentes áreas da tela e escolher o que desejava ver proporcionou-lhe uma animadora sensação de energia.
– Posso fazer isso – disse. Só que, neste momento, ela ficou constrangida. Considerando como a tarefa era simples, era algo pequeno demais para cantar vitória.
– Esse é o ponto – o curandeiro disse em seu ouvido. – Pode fazer qualquer coisa.
Ela estremeceu com isso. Provavelmente por aquilo ter sido mais do que meras palavras.
Voltou a se concentrar no computador. Ela gostou mais das imagens do homem nas corridas. Sua expressão de esforço agonizante e indomável força de vontade era algo que há muito tempo sentia queimar dentro do peito. Mas as fotos com a família reunida também estavam dentre as suas favoritas. Eram humanos, mas o vínculo entre eles parecia tão forte. Havia amor, muito amor, ali.
– O que me diz? – o curandeiro murmurou.
– Acho que veio em um momento perfeito. É isso o que digo.
Ela se mexeu um pouco em seus fortes braços e o encarou. Enquanto ficava ali, sentada em seu colo, desejou poder sentir mais dele, senti-lo por inteiro; mas da cintura para baixo só havia um calor não específico. Melhor que aquele frio que persistia desde a cirurgia, claro... mas havia muito mais para se obter.
– Curandeiro... – ela sussurrou, direcionado os olhos para a boca dele.
Suas pálpebras abaixaram-se, e ele pareceu parar de respirar.
– Sim...?
– Posso... – ela umedeceu os lábios. – Posso beijá-lo?
Ele pareceu estremecer, como se estivesse com alguma dor, mas aquele aroma que carregava explodiu; então, ele soube que desejava o mesmo que ela.
– Jesus... Cristo – exclamou.
– Seu corpo quer isso – disse ela, levando a mão até o macio cabelo que havia em sua nuca.
– Esse é o problema. – Diante do ar confuso que ela expressou, dirigiu um olhar quente aos seios dela. – Quero muito mais do que apenas um beijo.
De repente, houve uma mudança dentro de seu corpo, tão sutil que era difícil definir. Mas sentiu algo diferente ao longo de seu tronco e em todos os seus membros. Um formigamento? Estava muito envolvida com a energia sexual entre eles para se preocupar em definir tal sensação.
Serpenteando o outro braço ao redor do pescoço dele, disse:
– O que mais ele quer?
Seu curandeiro soltou um gemido profundo da garganta, e o som deu-lhe a mesma dose de poder que sentiu quando tinha uma arma em mãos. Se queria sentir aquilo outra vez? Era como uma droga.
– Diga-me, curandeiro. – ela exigiu. – O que mais ele quer?
Os olhos de mogno estavam em chamas e fixaram-se nos dela.
– Tudo. Ele quer cada centímetro de você... por fora... e por dentro, a ponto de não ter certeza se está pronta para tudo o que desejo.
– Eu decido – ela rebateu. Uma necessidade estranha que latejava enraizou-se em suas entranhas. – Decido com o que posso e com o que não posso lidar, certo?
Seu meio-sorriso foi muito malicioso, no bom sentido.
– Sim, senhora.
Quando um som baixo e rítmico preencheu o ar, ficou surpresa ao ver que era ela. Ronronando.
– Vou precisar perguntar outra vez, curandeiro?
Houve uma pausa, e então ele balançou a cabeça lentamente.
– Não. Darei a você... exatamente o que deseja.
CAPÍTULO 21
Quando Vishous abriu a porta da sala de exames, deu uma espiada para checar a organização dos assentos e isso o fez pensar com carinho em castrar alguém. Algo que, considerando sua experiência com facas em atos sexuais, já significava muito.
Por outro lado, sua irmã estava toda à vontade sentada em cima do Sr. Engraçadinho humano, os braços do homem ao redor dela, as cabeças aninhadas uma na outra. Só que não estavam olhando um para o outro... e essa foi a única razão pela qual V. não acabou com a festa: estavam observando a tela do computador... um homem em uma cadeira de rodas com um monte de outros caras na mesma situação que ele.
– A altura é apenas um número medido na vertical... e não significa nada quando se trata de caráter ou do tipo de vida que leva.
– Pode mover o... aquela coisa?
Por alguma razão, o coração de V. bateu com força quando o humano mostrou a sua irmã como usar um mouse. E, então, ouviu algo que deu-lhe motivos para ter esperança:
– Posso fazer isso – ela disse.
– Esse é o ponto – Manello disse suavemente. – Pode fazer qualquer coisa.
Bem, cara... Parece que surgiram vários ases naquele jogo, não? V. tinha se disposto a trazer o humano de volta àquela confusão apenas para que o impulso suicida de Payne passasse. Só que nunca poderia imaginar que o cara daria a ela mais do que um namorico, e, ainda assim, ali estava o filho da mãe... mostrando-lhe muito mais do que como beijar.
V. queria ser o único a salvá-la – e achou que, trazendo Manello, devia ter feito isso, mas por que não fez mais alguma coisa antes? Por que Jane não fizera? Deviam ter tirado Payne daquele lugar, levá-la para conhecer a mansão... comer com ela, conversar com ela, mostrar que seu futuro seria diferente, mas não desapareceria.
V. esfregou o rosto quando a raiva atingiu-o em cheio. Caramba, Jane... como poderia não saber que os pacientes precisavam mais do que remédios e banhos com esponja? Sua irmã precisava de um horizonte... qualquer um ficaria louco preso naquele quarto.
Maldição.
Olhou outra vez para sua irmã e para o humano. Os dois tinham o olhar fixo e parecia que só separariam suas cabeças com o auxílio de um pé de cabra, o tipo de coisa que incitava outra vez o desejo de V. de matar o desgraçado.
Quando sua mão enluvada foi até o bolso para pegar um cigarro, pensou em limpar a garganta ruidosamente. Ou isso, ou pegar sua adaga e fincá-la na cabeça do humano de ponta a ponta. O problema era: aquele cirurgião era uma ferramenta a ser utilizada até não ser mais necessária... e ainda não tinham atingido esse ponto.
V. forçou-se a sair pela porta...
– Como eles estão?
Quando virou-se, soltou o maldito cigarro. Butch o apanhou.
– Precisa de fogo?
– Que tal uma faca? – pegou a coisa de volta e sacou seu novo isqueiro, que funcionou muito bem. Depois de tragar e deixar a fumaça sair à deriva de sua boca, disse: – Vamos sair para tomar alguma coisa?
– Ainda não. Acho que precisa conversar com sua fêmea.
– Confie em mim. Não preciso. Não agora.
– Ela está arrumando uma mala, Vishous.
O macho vinculado nele ficou louco, mas, mesmo assim, obrigou-se a ficar ali na sala e continuar fumando. Graças a Deus, por sua dependência em nicotina, tragar aquele cigarro artesanal foi a única razão pela qual ele não soltou um palavrão.
– V., meu amigo, que diabos está acontecendo?
Ele mal conseguiu ouvir o cara por causa do grito que havia em sua cabeça, e não poderia chegar nem perto de uma explicação completa.
– Minha shellan e eu temos uma divergência de opiniões.
– Então, conversem sobre isso.
– Não agora – apagou o que sobrou do cigarro na sola de sua bota de combate e jogou a bituca fora. – Vamos.
Só que... bem, quando chegou o momento, não conseguia andar até a garagem onde o Escalade estava estacionado para fazer uma troca de óleo. Ficou, literalmente, incapaz de sair, os pés pareciam ter sido colados no chão.
Quando olhou para baixo em direção ao escritório, lamentou o fato de que apenas uma hora atrás parecia que as coisas tinham voltado a andar nos trilhos. Mas não; era como se a porcaria da situação anterior não fosse nada além de um aviso para o que estava acontecendo agora.
– Não tenho nada para dizer a ela, sério. – Como sempre.
– Talvez as palavras surjam na hora.
Duvido, pensou.
Butch bateu no ombro dele.
– Ouça. Você tem a noção de moda de um banco de praça e as habilidades interpessoais de um cutelo.
– Isso deveria estar me ajudando?
– Deixe-me terminar...
– O que virá em seguida? O tamanho do meu pênis?
– Ei, até lápis podem fazer um trabalho bem feito... Os gemidos que ouvi vindo do seu quarto provaram isso. – Butch o sacudiu. – Só estou dizendo... Que precisa daquela fêmea em sua vida. Não estrague tudo. Não agora... nem nunca. Entendeu?
– Ela ia ajudar Payne a se matar. – Quando o cara fez uma careta, V. assentiu. – Pois é, então, não é uma questão dos argumentos que um deu ao outro na discussão sobre quem deixou a tampa da pasta de dente aberta.
Depois de um momento, Butch murmurou:
– Deve ter tido uma razão muito boa para isso.
– Não há razão nenhuma. Payne é a única pessoa em quem corre o mesmo sangue que eu tenho nas veias, e ela ia tirar isso de mim.
Com a situação borbulhando ao redor de princípios como esse, o zumbido na base do cérebro de V. ficou muito mais forte e mais alto, tanto que se perguntou se não estava sofrendo um derrame... e, naquele momento, pela primeira vez na vida, teve medo de si mesmo e do que era capaz de fazer. Não machucaria Jane, claro... não importava quão aflito estivesse, nunca tocaria nela com raiva...
Butch deu um passo para trás e ergueu as mãos:
– Ei. Calma aí, amigo.
V. olhou para baixo. As duas mãos empunhavam suas adagas... e os punhos estavam fechados com tanta força que os objetos teriam de ser removidos cirurgicamente de suas mãos.
– Mantenha essas coisas... – disse ele, entorpecido – longe de mim.
Rapidamente, deu todas as armas ao seu melhor amigo, desarmando-se completamente. E Butch aceitou a carga com uma eficiência rápida e sombria.
– Sim... talvez esteja certo – o cara murmurou. – Conversarei com ela depois.
– Ela não é a única com quem precisa se preocupar, tira – Pois parecia que toda família estava tendo impulsos suicidas naquela noite.
Butch pegou o braço do cara quando estava virando-se para ir embora.
– O que posso fazer para ajudar?
V. filtrou uma imagem rápida e chocante em seu cérebro.
– Nada com que consiga lidar. Infelizmente.
– Não pense por mim, filho da mãe.
V. chegou mais perto, deixando seus rostos a apenas um centímetro de distância um do outro.
– Não tem estômago para isso. Confie em mim.
Aqueles olhos cor de avelã fixaram-se nos dele e sequer piscaram.
– Ficaria surpreso com o que seria capaz de fazer para mantê-lo vivo.
De repente, a boca de V. se abriu, a respiração ficou difícil. E quando os dois uniram os peitorais, encarando um ao outro, conheceu cada centímetro do corpo do cara, sentindo tudo de uma vez.
– O que está dizendo, tira?
– Acha mesmo que redutores são a melhor opção? – Butch murmurou com voz rouca. – Pelo menos, posso garantir que não estará morto no final.
Imagens piscaram na mente de V., graficamente detalhadas e espantosamente pervertidas. E todas elas tinham Butch no papel principal.
Após um momento sem nenhum dos dois dizer uma única palavra, Butch recuou.
– Vá ver sua fêmea. Estarei esperando por você no carro.
– Butch. Não está falando sério. Não pode estar falando sério.
Seu melhor amigo encarou-o friamente.
– Até parece que não posso. – Virando-se, seguiu decidido pelo corredor. – Venha me encontrar depois, quando estiver pronto.
Quando V. observou o cara, ficou pensando se iriam sair para beber... ou se os dois passariam pela perigosa porta que o tira acabara de abrir.
No fundo, sabia que seriam as duas coisas.
Mas. Que. Droga.
Na sala de exames, enquanto Manny fixava-se nos olhos de Payne, teve a vaga impressão de que alguém estava fumando em algum lugar por perto. Conhecendo a sorte que tinha, era o idiota do irmão, e o grande bastardo estava se enchendo de nicotina antes de ir até lá para esfregar o chão com a boca de Manny.
Ainda assim, não importava. A boca de Payne estava apenas a alguns centímetros de distância de seus lábios, o corpo dela aquecido contra ele e seu pênis estava a ponto de descosturar suas calças. Era um homem com muita força de vontade e autodeterminação, mas parar o que estava prestes a acontecer estava muuuuito além de suas habilidades.
Estendendo a mão, acariciou a lateral de seu rosto. Quando o contato foi feito, os lábios dela se entreabriram e sabia que deveria dizer alguma coisa, mas sua voz tinha feito as malas e tomado um ônibus para fora da cidade, junto com seu cérebro, claro.
Mais perto. Puxou-a para mais perto e encontrou-a no meio do caminho, suas bocas se fundiram. E ainda que seu corpo tivesse toda a paciência de um tigre faminto, foi cuidadoso ao fazer contato. Deus, ela era macia... ah, tão macia... de uma maneira que estimulava seu desejo de deitá-la e penetrá-la com tudo o que tinha, seus dedos, sua língua, seu sexo.
Mas nada disso aconteceria naquele momento. Ou naquela noite. Ou sequer no dia seguinte. Não tinha muita experiência com virgens, mas tinha toda certeza de que mesmo se estivesse tendo uma resposta sexual, como lidar com as coisas se assumissem uma proporção avassaladora...?
– Mais – exigiu com voz rouca. – Mais...
Por uma fração de segundo, seu coração parou e ele repensou a questão de “ir com calma”: aquele tom de voz não tinha relação alguma com uma garotinha perdida. Era o tom de uma mulher, pronta para o amor.
E, caramba, seguindo a teoria “não precisa pedir duas vezes”, ele assumiu o controle, acariciando a boca dela com a sua antes de sugar o lábio inferior. Quando sua mão envolveu o pescoço de Payne, quis desfazer a trança e entrar nos cabelos dela... mas isso estaria muito perto de despi-la, e o local estava longe de ser privado.
E já estava perto o suficiente de ter um orgasmo, obrigado.
Deslizou a língua dentro dela e gemeu, os braços envolveram-na com firmeza... antes de dizer-lhes para que relaxassem ou ia quebrá-los do ombro para baixo. Cara, tinha gasolina pura no sangue dela, seu corpo estava em pleno funcionamento e rugia. Achava mesmo que aqueles sonhos eram quentes? A realidade fez com que a fantasia parecesse estar em temperatura ambiente comparada com o clima do planeta Mercúrio.
A língua trabalhou mais, entrando e saindo, até que precisou obrigar-se a recuar. O corpo dela sobre seu colo proporcionava uma sensação esmagadora em seus quadris – e aquilo não parecia justo, considerando que ela não conseguia senti-lo.
Respirando fundo, não levou muito tempo para descer a boca e acariciar com os lábios a extensão de seu pescoço...
As unhas dela apertaram seus ombros com tanta força que teria saído sangue de sua pele se estivesse nu... e aquilo excitou-o demais. Cara, a ideia de que poderia haver mais do que sexo, de que ela poderia prender-se em seu pescoço e tomá-lo em mais de um sentido...
Com um silvo agudo, Manny afastou-se de sua pele e deixou a cabeça cair para trás, com a respiração entrando e saindo rapidamente de seus pulmões.
– Acho que precisamos desacelerar.
– Por quê? – ela disse, observando-o sem perder qualquer detalhe. Inclinando-se, ela rosnou. – Você quer isso.
– Oh, droga... quero.
Payne colocou as mãos na frente da camisa dele.
– Então, vamos continuar...
Ele segurou nos pulsos dela quando um orgasmo latejou na ponta de sua ereção.
– Precisa parar com isso. Agora.
Deus, ele mal conseguia respirar.
De repente, ela se afastou de seus braços e abaixou a cabeça. Limpando a garganta, disse asperamente:
– Acredite, sinto muito.
A vergonha que transpareceu nela dilacerou o peito de Manny.
– Não, não... não é você.
Quando ela não respondeu, ele ergueu-lhe a cabeça e se perguntou se ela fazia alguma ideia do que o corpo de um homem era capaz quando estava excitado. Cristo, será que sabia o que era uma ereção?
– Ouça-me com atenção – ele quase rosnou. – Eu a desejo. Aqui. No seu quarto. No corredor. Contra a parede. De qualquer jeito, em qualquer lugar. Fui claro?
Os olhos dela cintilaram.
– Mas, então, por que não...
– Primeiro, por que acho que seu irmão está lá fora no corredor. Segundo, você me disse que nunca esteve com ninguém antes. Eu, por outro lado, sei exatamente onde isso nos levaria e a última coisa que quero fazer é assustá-la indo rápido demais.
Os olhos dela continuaram fixos nele. E, depois de um momento, seus lábios exibiram um sorriso tão largo que uma covinha surgiu em seu rosto e seus dentes brancos e perfeitos brilharam...
Deus... as presas eram longas. Muito longas. E, caramba, tão afiadas.
Manny não estava aguentando: tudo o que conseguia fazer era imaginar como seria a sensação de ter uma delas roçando na parte inferior de seu pênis.
O orgasmo que havia nele tentou se liberar outra vez.
E isso foi antes da língua rosada de Payne surgir e contornar as pontas afiadas.
– Gosta?
O coração de Manny bateu com força.
– Sim. Caramba, sim...
De repente, as luzes se apagaram, a sala mergulhou na escuridão. E, em seguida, houve dois cliques... fechaduras? Será que eram as fechaduras das portas?
Sob o brilho da tela do computador, viu a mudança no rosto dela. Qualquer resquício de vergonha e paixão inocente desapareceu... Em seu lugar, surgiu uma ânsia forte e primitiva que lhe lembrou o fato dela não ser humana. Era uma bela predadora, um animal lindo e poderoso que era humana o suficiente para fazer com que ele se esquecesse de quem e do que ela realmente era.
Movendo-se sem pensar, Manny trouxe uma de suas mãos até o jaleco branco. No processo de se sentar com ela, as rígidas lapelas ergueram-se e agora ela as puxava para baixo, expondo seu pescoço.
Estava ofegante. Muito ofegante.
– Possua-me... – gemeu com dificuldade. – Faça... Quero saber como é.
Agora, era ela quem estava no controle, as mãos fortes aproximaram-se de seu rosto e arrastaram-se do pescoço até sua clavícula. Ela não teve que inclinar a cabeça dele, a garganta já estava exposta e convidativa.
– Tem certeza? – disse, o sotaque acentuava os sons de “r”.
Ele respirava com tanta intensidade que não tinha certeza se poderia pronunciar alguma resposta, então, assentiu. E, preocupado de não ser o suficiente, colocou as mãos sobre as dela, pressionando-as contra ele.
Ela assumiu a partir daí, focando a jugular, seus olhos iluminados como estrelas. Quando avançou, foi devagar, eliminando os centímetros de distância entre suas presas e a carne dele com uma demora dolorosa.
O toque de seus lábios foi como veludo, só que a antecipação do que estava por vir deixou-o superconcentrado; então, tudo foi ampliado. Sabia exatamente quem ela era...
O roçar foi de uma suavidade cruel quando se aninhou nele.
Em seguida, a mão dela envolveu a nuca e segurou com uma força tão grande que poderia quebrar o pescoço de Manny se quisesse.
– Oh, Deus – ele gemeu, entregando-se completamente. – Oh... droga!
O golpe foi forte e certeiro, dois pontos se aprofundaram, a doce dor assaltou sua visão e audição até que tudo o que sentia era a sucção de sua veia.
Isso e um grande orgasmo percorrendo seus testículos e sendo impulsionado para fora de seu pênis. Seus quadris se contraíram contra ela quando sua ereção cresceu ainda mais e pressionou... e continuou a empurrar.
Não pôde ter certeza de quanto a liberação durou. Dez segundos? Dez minutos? Horas? Tudo o que sabia era que, a cada sucção que sentia, gozava um pouco mais; o prazer era tão intenso que poderia ser arruinado por aquela sensação...
Pois sabia que não encontraria isso em ninguém mais além dela. Vampira ou humana.
Segurando a cabeça dela com a palma da mão, empurrou-a para baixo, aumentando ainda mais a pressão, não importava se ela o consumisse até secar. Que maneira de morrer!
Cedo demais, ela se afastou, mas estava desesperado para que continuasse e tentou forçá-la a permanecer em sua garganta. No entanto, não era uma competição. Ela era tão forte fisicamente que ele acabou não protestando; e aquilo o fez gozar de novo.
Mesmo sobrecarregado como seu sistema nervoso estava, ainda conseguiu sentir o movimento de retração das presas em seu pescoço e soube o momento exato em que ela se retirou dele. Então, a dor da mordida foi substituída pelo golpe suave de uma lambida, como se ela estivesse selando a ferida.
Entrando em um semitranse, as pálpebras de Manny fecharam-se e sua cabeça pendeu sobre a coluna, como um balão vazio. Pelo canto do olho, observou o perfil perfeito de Payne; a iluminação do monitor foi suficiente para assisti-la lambendo o lábio inferior...
Só que não era o computador.
O protetor de tela havia sido ativado, e tudo o que o monitor exibia era um fundo negro com o logotipo do Windows.
Ela estava brilhando. Inteira. Da cabeça aos pés.
Supôs que tinham feito aquilo, e que coisa... extraordinária.
Só que a testa dela estava franzida.
– Você está bem? Talvez eu tenha sugado demais...
– Estou... – ele engoliu com dificuldade. Duas vezes. A língua parecia adormecida dentro da boca. – Estou...
O pânico instalou-se em seu belo rosto.
– Oh, céus, o que eu fiz...?
Manny esforçou-se para erguer a cabeça.
– Payne... a única maneira de ter sido melhor é se eu tivesse gozado dentro de você.
Ela sentiu um alívio momentâneo. E, então, perguntou:
– O que é gozar?
CAPÍTULO 22
No Buraco, Jane movia-se rápido pelo quarto. Abrindo o armário de portas duplas, começou a puxar as blusas brancas e jogá-las na cama por cima do ombro. Na pressa, cabides saíram da vara em que estavam pendurados e caíram ao chão ou rolaram na parte de trás do armário – e ela não poderia ter se importado menos.
Não havia lágrimas, o que era motivo de orgulho; por outro lado, todo seu corpo tremia tanto que tudo o que conseguia fazer era manter as mãos corpóreas.
Quando o estetoscópio escorregou de seu pescoço e caiu sobre o carpete ela parou para não pisar nele.
– Deus... mas que droga...
Esticando-se para pegar a coisa, olhou para e cama e pensou: “certo, talvez seja hora de parar com as camisas brancas”. Havia uma montanha delas sobre os lençóis pretos.
Voltando-se para o quarto, sentou-se ao lado da pilha de roupas e encarou o armário. As regatas e as roupas de couro de V. ainda estavam bem organizadas. Já o seu lado... estava um desastre. Não era uma metáfora perfeita?
Só que... havia uma confusão total dentro dele também, não?
Deus... o que ela estava fazendo? Mudar-se para a clínica, mesmo que temporariamente, não era a resposta. Quando alguém se casava, permanecia firme e tentava consertar as coisas. Era assim que os relacionamentos sobreviviam.
Se partisse agora? Não saberia dizer como a situação dos dois acabaria.
Deus, o que tiveram de fato? Duas horas de normalidade? Ótimo. Maravilha.
Pegou o celular, criou uma nova mensagem de texto e encarou a tela. Dois minutos depois, fechou o celular. Era difícil colocar tudo o que tinha para dizer em 160 caracteres. Ou mesmo em seis páginas com 160 linhas cada.
Payne era sua paciente e tinha um dever para com ela. Vishous era seu companheiro e não havia nada que não fizesse por ele. E a irmã gêmea de V. não estava preparada para esperar mais tempo.
Embora, aparentemente, fosse algo que se dispusera a fazer pelo irmão. E, obviamente, Vishous tinha ido recorrer à mãe deles.
Só Deus sabia qual seria o resultado disso.
Olhando para a bagunça que havia feito no armário, Jane pensou na situação várias vezes, e chegava sempre à mesma conclusão: o direito de Payne de escolher seu destino superava o direito de qualquer pessoa de prendê-la naquela vida. Era cruel? Sim. Era justo para quem a amava? Com certeza não.
Será que a fêmea teria provocado danos maiores a si mesma se não houvesse uma maneira mais humana de fazê-lo? Cem por cento, sim.
Jane não concordava com o pensamento da fêmea ou com sua escolha, mas a ética daquilo estava muito clara, por mais trágico que fosse, e estava determinada a fazer com que Vishous ouvisse o lado dela da história.
Em vez de fugir, ficaria ali parada, de modo que quando chegasse em casa, ela estaria esperando por ele e poderiam resolver se ainda havia mais alguma coisa em comum juntos. Não estava se enganando. Poderia muito bem ser algo com que não conseguiriam lidar, e não poderia culpá-lo se esse fosse o caso. Família era família, afinal. Mas tinha feito o que a situação exigia de acordo com o dever que tinha perante sua paciente, que era o que os médicos faziam, mesmo quando tal ato lhes custava... tudo o que tinham.
Levantando-se, pegou os cabides do chão até chegar ao armário. Havia muitos ali dentro e ao redor das botas e sapatos, então, ela se abaixou, alcançando o fundo...
Sua mão atingiu algo macio. Couro... mas não era uma bota de combate. Sentada sobre os calcanhares, trouxe o objeto para perto dela.
– Mas que droga é essa? – As roupas de couro com as quais V. lutava estavam empurradas atrás dos sapatos...
Havia algo sobre a pele de couro... Espere. Cera. Era cera de vela negra. E...
Jane colocou a mão sobre a boca e deixou as calças caírem.
Já havia lhe dado orgasmos suficientes para saber o que era aquilo sobre o couro. E não era a única mancha. Havia sangue. Sangue vermelho.
Com uma terrível sensação de algo inevitável, estendeu-se dentro do armário mais uma vez e tateou até encontrar uma camiseta. Puxando-a para fora, viu mais sangue e cera.
A noite que havia passado no Commodore. Era a única explicação: não eram manchas antigas, relíquias esquecidas, a poeira remanescente da vida que levava anteriormente. Inferno, o aroma da cera ainda estava impregnado nas fibras.
Soube o exato momento em que Vishous entrou pela porta atrás dela.
Sem olhar, ela disse:
– Pensei que não estava com ninguém.
Levou um longo tempo para responder.
– Não estava.
– Então, como explica isso? – ela ergueu as roupas de couro, mas era desnecessário, afinal, havia outra pessoa no quarto?
– Isso não foi feito com outra pessoa.
Ela jogou as roupas de volta no armário e lançou a regata ali dentro também.
– Como você mesmo diz: não tenho nada para dizer agora. Realmente não tenho.
– Acha mesmo que transei com alguém por acaso?
– Que diabos significam essas roupas, então?
Ele não respondeu. Apenas ficou ali, parado perto dela, tão alto e forte... e um completo estranho, mesmo conhecendo seu corpo e rosto tão bem quanto a si mesma.
Esperou que ele falasse. Esperou mais um pouco, e, para passar o tempo, lembrou-se que a educação dele tinha sido terrível e que aqueles remanescentes estoicos e inflexíveis tinham sido a única maneira de sobreviver.
Só que simplesmente não era razão suficiente. Em algum momento, o amor deles tinha que merecer algo melhor que o silêncio fundamentado no passado.
– Foi com Butch? – ela disse, esperando que fosse o caso. Ao menos, se tivesse sido o melhor amigo de V., sabia que qualquer liberação teria sido acidental. Butch era um cara totalmente fiel a sua companheira e se submeteria a qualquer ato de dominação obscuro e estranho se isso fosse o remédio que V. precisasse tomar para manter-se equilibrado. Por mais bizarro que parecesse, poderia entender e superar.
– Foi? – ela disse. – Porque eu posso lidar com isso.
Vishous pareceu momentaneamente surpreso, mas, então, balançou a cabeça.
– Nada aconteceu.
– Então, está dizendo que sou cega? – ela resmungou. – Porque, a menos que me dê uma explicação melhor, tudo o que tenho são estas roupas de couro... e as imagens na minha mente, que estão me deixando doente.
Silêncio, apenas silêncio.
– Oh, Deus... como você pôde? – ela sussurrou.
V. apenas balançou a cabeça e disse no mesmo tom de voz:
– Digo o mesmo a você.
Bem, ao menos ela tinha um motivo para o que tinha acontecido com Payne, e não mentiu sobre isso.
Depois de um momento, V. entrou no quarto e pegou uma mochila que estava vazia.
– Aqui. Vai precisar disso.
Com isso, arremessou a coisa... e partiu.
CAPÍTULO 23
Na sala de exames, o curandeiro de Payne parecia quase morto, mas totalmente feliz com seu falecimento parcial.
Enquanto esperava que respondesse sua pergunta, estava mais preocupada com as condições de Manny do que ele mesmo. Seu sangue foi de uma riqueza incrível em sua língua, o vinho escuro deslizou no fundo de sua garganta e desceu por ela, inundando não apenas suas entranhas, mas todo seu corpo.
Foi a primeira vez que havia tomado de uma veia do pescoço. As Escolhidas, quando estavam no Santuário, não necessitavam do sustento do sangue, nem obedeciam ao ciclo de necessidades básicas; e isso quando não se encontravam em um modo de vida suspenso, como ela tinha estado. Ela mal se lembrava do momento em que se alimentara do pulso de Wrath.
Estranho... os dois tipos de sangue tinham um sabor muito parecido, contudo, o sabor do Rei era mais ousado.
– O que é gozar? – ela repetiu.
Seu curandeiro limpou a garganta.
– É... ah... é o que acontece quando se está com alguém e gosta muito disso.
– Mostre-me.
O riso que saiu foi aveludado e profundo.
– Adoraria. Confie em mim.
– É algo que eu... posso fazer por você?
Ele tossiu um pouco.
– Já fez.
– Mesmo?
Seu curandeiro assentiu lentamente, as pálpebras caíram.
– Com certeza. Então, preciso de um banho.
– E em seguida vai me mostrar. – Não era um pedido; era uma exigência. E quando os braços dele a envolveram, teve a impressão de que estava excitado. – Sim – ela resmungou. – Vai me mostrar tudo.
– Pode apostar que sim – disse ele sombriamente. – Tudo.
Quando a olhou como se conhecesse segredos que não poderia sequer imaginar, ela percebeu, mesmo com a paralisia, que valia a pena viver por isso. Aquela conexão e entusiasmo valiam mais que suas pernas e sentiu um terror repentino e gritante ao pensar que quase perdeu a possibilidade de vivenciar tais coisas.
Tinha de agradecer melhor seu irmão gêmeo; contudo, como ela conseguiria equilibrar esse presente?
– Deixe-me levá-la de volta para seu quarto. – Seu curandeiro levantou-se sem problemas, apesar do peso de Payne. – Depois de me limpar, vamos começar com um banho de esponja para você.
Seu nariz enrugou demonstrando desaprovação.
– Tão clínico.
Houve mais daquele sorriso misterioso.
– Não da maneira como vou fazer isso. Acredite. – Fez uma pausa. – Ei, pode acender a luz para mim, assim, não esbarro em nada. Você está brilhando, mas não tenho certeza se é o suficiente.
Payne ficou um pouco confusa... até que ergueu o braço. Seu curandeiro estava certo. Ela brilhava suavemente, sua pele lançava uma leve fosforescência... Seria aquela sua reação sexual?
Lógico, pensou. Pois a maneira como ele fez com que se sentisse por dentro era tão incontrolável, alegre e luminosa quanto a esperança.
Quando acendeu as luzes com a força do pensamento e destrancou as portas, ele balançou a cabeça e começou a andar.
– Caramba. Você tem alguns truques sofisticados, mulher.
Talvez, mas não aqueles que ela gostaria de ter. Gostaria de retribuir o que ele compartilhou com ela... mas não tinha segredos para ensinar a ele nem sangue para oferecer, já que humanos não apenas não precisavam disso como era algo capaz de matá-los.
– Gostaria de poder retribuir – murmurou.
– Pelo quê?
– Por vir até aqui e mostrar-me...
– Meu amigo? Sim, ele é uma inspiração...
Na verdade, tratava-se mais do homem em carne e osso perto dela do que aquele mostrado na tela.
– De fato – Payne hesitou.
Na sala de recuperação, ele a levou para a cama e a deitou com muito cuidado, ajeitando-lhe os lençóis e cobertores sobre o corpo para que nenhuma parte ficasse descoberta... reativando os equipamentos que tratavam de suas funções corporais... afofando os travesseiros atrás de sua cabeça.
Enquanto trabalhava, cobria seus quadris com alguma coisa em todo momento. Uma parte da roupa de cama. Seu casaco. E, em seguida, parou do outro lado da maca.
– Confortável? – Quando assentiu, ele disse: – Volto logo. Grite se precisar de mim, certo?
Seu curandeiro desapareceu no banheiro e fechou a porta... mas não completamente. Um facho de luz penetrou no box do chuveiro e ela viu claramente o braço que ainda vestia o casaco branco ser estendido, girar a torneira e esperar a água quente.
As roupas foram removidas. Todas elas.
E, então, houve um breve vislumbre da carne gloriosa quando se colocou sob a ducha e fechou a porta de vidro. Quando o ritmo da água mudou, soube que sua forma nua havia entrado embaixo da água.
O que ele parece, banhado pela água, liso, quente e tão masculino?
Movendo-se contra os travesseiros, ela se curvou para o lado... e se inclinou um pouco mais... e mais um pouco ainda, até ficar praticamente pendurada...
Ah, siiiim. O corpo dele estava de perfil, mas teve uma visão completa: com uma musculatura esculpida, seu peito e braços eram firmes sobre os quadris rígidos e as longas e poderosas pernas. Um pouco de pelos escuros assentava-se sobre o peitoral e formava uma linha que seguia em seu abdômen e descia, descia... bem embaixo...
Droga, ela não conseguia ver o suficiente, sua curiosidade era desesperadora e não havia como ignorá-la.
Como seria o sexo dele? Como seria senti-lo...?
Com um esconjuro, moveu-se desajeitadamente até ficar na beirada da cama. Dobrando a cabeça, fez o melhor que pôde para conseguir visualizar a exposição limitada na abertura da porta, mas, assim como ela havia mudado de posição, ele também tinha e estava de costas para ela agora... a parte inferior do corpo dele...
Engoliu em seco e esticou-se para cima para ver ainda mais. Enquanto desembrulhava o sabonete, a água caía sobre as omoplatas e escorria sobre as costas, percorrendo suas nádegas e coxas. E, então, uma de suas mãos apareceu sobre a nuca, a quantidade de sabão que havia acumulado nas palmas seguiu o caminho da água enquanto lavava o corpo.
– Vire-se... – ela sussurrou. – Deixe-me vê-lo por completo...
O desejo em seus olhos de obter maior acesso àquela visão só aumentou quando ele começou a passar o sabonete abaixo da cintura. Erguendo uma das pernas e depois a outra, as mãos foram tragicamente eficientes ao passarem pelas coxas e panturrilhas. Ela soube o momento quando pressionou seu sexo. Pois sua cabeça caiu para trás e os quadris ergueram-se tensos. Estava pensando nela. Tinha certeza disso.
E, então, ele se virou.
Aconteceu tão rápido que, quando seus olhos se encontraram, os dois recuaram.
Ao ser pega, vacilou contra os travesseiros e retomou a posição anterior, recolocando os cobertores com os quais tinha sido tão cuidadoso. Com o rosto em chamas, quis esconder-se...
Um guincho agudo ecoou pela sala e ela olhou para cima. Ele havia irrompido do banheiro, deixando o chuveiro aberto, o sabão continuava sobre os músculos abdominais e pingava...
Seu sexo foi um choque magnífico. Destacando-se de seu corpo, o órgão estava duro, grosso e orgulhoso.
– Você...
Ele disse algo além disso, mas estava cativada demais para dar alguma atenção, fascinada demais para notar. Dentro dela, uma fonte foi liberada, seu sexo inchou, preparando-se para aceitá-lo.
– Payne – disse ele, cobrindo-se com as mãos.
Instantaneamente, ela teve vergonha e colocou as mãos sobre o rosto quente.
– Na verdade, desculpe-me por tê-lo visto.
Seu humano agarrou a borda da porta.
– Não é isso... – balançou a cabeça como se quisesse organizá-la. – Tem consciência do que está fazendo?
Ela teve de rir.
– Sim. Acredite nisso, meu curandeiro... eu tenho plena consciência do que estava observando com tanto empenho.
– Você estava sentada, Payne. Estava de joelhos na beirada da cama.
Seu coração parou. Com certeza não o tinha entendido direito.
Com certeza.
Quando Payne franziu a testa, Manny lançou-se para frente... e, então, percebeu que estava nu. Condição que ocorria quando um indivíduo não apenas ficava com a bunda exposta ao vento, mas quando também expunha total e completamente sua ereção da mesma maneira que exibia uma roupa de festa. Voltando ao banheiro, puxou uma toalha e envolveu-a sobre seus quadris e, só então, voltou para a cama.
– Eu... não, deve estar enganado – Payne disse. – Eu não poderia...
– Estava...
– Apenas me estendi sobre...
– Como chegou na beirada da cama, então? E como voltou a ficar na posição anterior?
Seus olhos voltaram-se para o pé da cama, a confusão permeava as sobrancelhas apertadas.
– Não sei. Estava... observando você e era tudo o que sabia.
O homem nele ficou espantado e... estranhamente transformado. Ser desejado daquela maneira por alguém como ela?
Mas, então, o médico nele assumiu o controle.
– Bem, deixe-me ver o que está acontecendo, certo?
Ergueu os lençóis e o cobertor que estavam no final da cama e dobrou-os sobre o topo de suas coxas. Usando os dedos, deslizou-os sobre a sola do seu belo pé.
Esperava que se contorcesse, mas isso não aconteceu.
– Nada? – disse ele.
Quando ela balançou a cabeça, repetiu do outro lado. Em seguida, fez um movimento maior, envolvendo a palma das mãos ao redor dos tornozelos delgados.
– Nada?
Os olhos eram trágicos ao encontrar os dele.
– Não sinto nada e não entendo o que viu.
Fez um movimento ainda maior sobre as panturrilhas.
– Você estava de joelhos. Juro.
Um movimento maior ainda, até as coxas firmes.
Nada.
Deus, ele pensou. Tinha de ter algum controle sobre as pernas. Não havia outra explicação. A menos que... ele estivesse vendo coisas.
– Não entendo – ela repetiu.
Nem ele, mas ia fazer de tudo para descobrir.
– Vou rever seus exames. Volto já.
Fora da sala de exames, recebeu a ajuda da enfermeira e acessou o prontuário de Payne no computador. Com eficiência prática, revisou tudo: sinais vitais, radiografias... encontrou até mesmo o material dos exames que havia produzido no São Francisco, o que foi uma surpresa. Não fazia ideia de como tiveram acesso àquelas ressonâncias originais... havia apagado o arquivo logo depois que os resultados foram registrados no sistema. Mas ficou contente em vê-lo outra vez, com certeza.
Quando terminou, sentou-se na cadeira e o frio que atingiu seus ombros lembrou-lhe que não estava vestindo nada além de uma toalha.
Isso explicava o olhar arregalado da enfermeira quando falou com ela.
– Que diabos – murmurou, olhando para as últimas radiografias. A coluna estava perfeitamente em ordem, as vértebras bem alinhadas, o brilho fantasmagórico contra o fundo negro dava-lhe um quadro perfeito do que estava acontecendo com suas costas.
Tudo, desde o registro médico até o exame que havia acabado de fazer nela na cama, sugeria que sua conclusão original ao vê-la novamente estava correta: tinha feito o melhor trabalho técnico de sua vida, mas a medula espinhal havia sido danificada de maneira irreparável – isso era tudo.
De repente, lembrou-se da expressão no rosto de Goldberg quando ficou óbvio que a diferença entre noite e dia havia lhe escapado.
Esfregando os olhos, perguntou se estava, mais uma vez, ficando louco; contudo, sabia o que tinha visto... Não sabia?
E, então, deu-se conta.
Virando-se, olhou para o teto. Em todas as extremidades havia uma tomada ligada a um painel. O que significava que havia câmeras de segurança observando cada centímetro quadrado do local.
Tinha de haver uma na sala de recuperação. Tinha de haver.
Ficando em pé, foi até a porta e espiou o corredor, esperando que a boa enfermeira loira estivesse em algum lugar por perto.
– Olá?
Sua voz ecoou pelo corredor, mas não houve resposta, então, não tinha outra escolha a não ser andar descalço pelo local. Sem qualquer palpite sobre para onde deveria se dirigir, escolheu “direita” e andou rápido. Bateu em todas as portas, tentando abri-las em seguida. A maioria estava trancada, mas as que estavam abertas revelaram ser... salas de aula. E mais salas de aula. E um ginásio enorme, profissional.
Quando chegou em uma porta identificada como Sala de Musculação, ouviu alguém tentando quebrar uma esteira com o tênis e decidido a continuar assim. Era um humano seminu em um mundo de vampiros e, de alguma forma, duvidava que aquela enfermeira iniciaria uma maratona no horário de trabalho.
Além disso, se considerasse como os passos eram duros e pesados, quem quer que estivesse lá dentro era capaz de provocar um estrago, não apenas caminhar em uma esteira... e mesmo sendo suficientemente suicida para lutar com qualquer coisa que viesse para cima dele, estava ali para cuidar de Payne, não para massagear seu ego ou desenvolver suas habilidade no boxe.
Retornando, assumiu a direção oposta. Batia. Abria quando possível. Quanto mais longe seguia, menos ambientes de sala de aula encontrava e cada vez mais os locais transformavam-se em salas no estilo interrogatório da polícia. Na outra extremidade, havia uma porta maciça, saída diretamente de um filme, com painéis reforçados e aparafusados.
O mundo lá fora, pensou.
Caminhando até ela, jogou o peso contra a barra e... Surpresa! Saiu com tudo em uma garagem, onde seu Porsche estava estacionado no meio-fio.
– Que diabos você está fazendo aqui?
Seus olhos voltaram-se para um Escalade lustrado: janelas, rodas, grades, tudo era muito escuro.
Parado ao lado do carro estava o cara que tinha visto naquela primeira noite, o que pensava ter reconhecido...
– Já vi você em algum lugar – Manny disse quando a porta se fechou atrás dele.
O vampiro tirou um boné de beisebol do bolso e o colocou. Red Sox. Claro, o sotaque de Boston. Entretanto, a grande questão era: como, pelo amor de Deus, um vampiro poderia ter um sotaque daquela região?
– Bela peça de Cristo – o cara resmungou, olhando para a cruz no pescoço de Manny. – Está procurando suas roupas?
Manny revirou os olhos.
– Sim. Alguém as roubou.
– Então, eles poderiam se passar por médico?
– Talvez seja o Dia das Bruxas de vocês... como vou saber?
Sob a aba do boné azul-escuro, iluminou-se um sorriso, revelando uma coroa em um dos dentes da frente... bem como um par de presas.
Quando o cérebro de Manny ficou ainda mais tenso, a conclusão que chegou era inegável: aquele cara tinha sido humano antes. Mas como isso aconteceu?
– Faça um favor a si mesmo – o macho disse. – Pare de pensar, volte para a clínica e se vista antes que Vishous apareça.
– Sei que já o vi antes e, em algum momento, vou unir todos os pontos. Mas, de qualquer maneira, nesse momento, preciso acessar os registros das câmeras de segurança.
Aquele meio-sorriso sarcástico evaporou.
– Por quê?
– Porque minha paciente simplesmente se sentou sozinha... e não estou falando de levantar o tronco dos travesseiros. Não estava lá quando fez isso e preciso ver como aconteceu.
O Red Sox pareceu ter parado de respirar.
– O que... desculpe. Do que diabos está falando?
– Preciso transformar isso em charada ou alguma porcaria assim para você processar a informação?
– Vou desconsiderar isso... porque não preciso de você ajoelhado na minha frente só de toalha.
– Somos dois.
– Espere, está falando sério?
– Sim. Também não estou nem um pouco interessando em socá-lo.
Houve uma pausa. E, então, o bastardo soltou uma gargalhada.
– Você tem respostas espertas na ponta da língua, tenho de admitir... e, sim, posso ajudá-lo, mas precisa se vestir, cara. Se V. pegá-lo assim rodeando a irmã dele, vai precisar operar as próprias pernas.
Quando o cara começou a andar em direção à porta, Manny tentou organizar as lembranças. Não era do hospital.
– Paróquia de São Patrício. É de onde o conheço. Você costuma se sentar sozinho nos bancos de trás durante as missas da meia-noite e sempre usa esse boné.
O cara abriu a porta de entrada e colocou-se em pé ao lado dela. Não conseguia dizer onde seus olhos estavam focados por causa do boné, mas Manny estava disposto a apostar que não estavam sobre ele.
– Não sei do que está falando, amigo.
Até parece, Manny pensou.
CAPÍTULO 24
Bem-vindo ao Novo Mundo.
Quando Xcor saiu para a noite, tudo estava diferente: o cheiro não era dos bosques que havia ao redor do seu castelo; era um aroma almiscarado de fumaça e esgoto da cidade, e os sons não eram dos passos distantes e suaves dos veados sobre a vegetação rasteira, mas de carros, sirenes e conversas em voz alta.
– De fato, Throe, você encontrou acomodações excelentes – falou lentamente.
– O imóvel deve estar pronto amanhã.
– E devo pensar que haverá uma melhora? – Olhou de volta para a casa em que havia passado o dia. – Ou irá nos surpreender com um esplendor ainda menor?
– Vai achar mais adequado. Garanto.
Na verdade, considerando todas as adversidades que tiveram para chegar até lá, o vampiro tinha feito um ótimo trabalho. Tiveram de viajar em dois voos noturnos para garantir que nenhum problema com a luz do dia ocorresse e, quando finalmente chegaram em Caldwell, Throe, de alguma maneira, arranjou tudo: apesar de tudo, aquela casa decrépita tinha um porão sólido e havia um doggen servindo as refeições. A decisão permanente sobre a residência ainda tinha de ser tomada, mas aquilo, provavelmente, atenderia as suas necessidades.
– É melhor que esteja fora dessa sujeira urbana.
– Não se preocupe. Conheço suas preferências.
Xcor não gostava de ficar em cidades. Humanos eram como um gado estúpido, mas uma debandada de seres sem cérebro era mais perigoso do que apenas um ser com inteligência – era impossível prever a atitude dos ignorantes. Todavia, havia um benefício: queria conhecer melhor a cidade antes de anunciar sua chegada à Irmandade e ao seu “Rei”, e não havia uma localização melhor que aquela.
A casa estava bem no centro da cidade.
– Caminharemos por aqui – disse, seguindo com seu bando de bastardos em formação atrás dele.
Caldwell, Nova York, sem dúvida ofereceria poucas novidades. Como tinha aprendido há muito tempo e comprovado com aquele presente bem iluminado, as cidades durante a noite eram todas iguais, independentemente da geografia: as pessoas que andavam pelas ruas não eram os diligentes seguidores da lei, mas vadios, desajustados e descontentes. E, com certeza, ao avançar pelos quarteirões, veria homens sentados na calçada sobre o próprio excremento, uma escória de pessoas apelando para a agressividade, fêmeas decadentes procurando machos ainda mais miseráveis que elas.
No entanto, não fazia ideia para onde levar seu grupo de homens... apesar de desejar saber. A luta poderia consumir sua energia, mas, com sorte, encontrariam o inimigo e enfrentariam um adversário digno pela primeira vez em duas décadas.
Quando ele e seus homens viraram uma esquina, depararam-se com uma infestação humana: diversos estabelecimentos, dos dois lados da rua, dispunham de uma grande iluminação e tinham filas de pessoas seminuas esperando para entrar neles. Não conseguia ler os letreiros nas portas, mas pela forma como homens e mulheres batiam os pés, contorciam-se e falavam, era óbvio que havia um esquecimento temporário esperando por eles do outro lado daquela espera infeliz.
Xcor considerava abater a todos e tornou-se extremamente consciente de sua foice: a arma repousava sobre suas costas, dobrava-se em duas partes, estava aninhada em seu coldre e oculta sob seu casaco de couro, que se estendia até o chão.
Para mantê-la no lugar, controlou a lâmina com a promessa de usá-la apenas em assassinos.
– Estou com fome – disse Zypher. É claro que o macho não falava sobre comida e realmente era hora: a sugestão para o sexo estava nos planos das fêmeas humanas pelas quais passavam. De fato, as mulheres apresentavam-se para ser usadas, os olhos pintados fixavam-se nos machos que erroneamente acreditavam ser da mesma raça.
Bem, observavam os rostos dos machos, mas não o de Xcor. Lançavam apenas um olhar sobre ele e desviavam rapidamente.
– Mais tarde – disse. – Vou providenciar para que consiga o que está precisando.
No entanto, duvidava muito que participaria do ato. Tinha plena consciência de que seus soldados necessitavam daquele tipo de sustento e estava disposto a conceder-lhes a possibilidade de saciar suas necessidades... Combatentes lutavam melhor quando seus desejos eram atendidos, havia aprendido isso há muito tempo. E quem sabe providenciasse algo para si se chamasse a atenção de seus olhos... Assumindo que a fêmea pudesse desconsiderar sua aparência. Por outro lado, era isso o que faziam por dinheiro. Muitas foram as vezes nas quais ele pagou por fêmeas para que aturassem seu ser dentro do sexo delas. Era muito melhor do que forçá-las, não tinha estômago para isso... Embora não admitisse tal fraqueza a ninguém.
Contudo, tais flertes não aconteceriam tão cedo. Primeiro, precisavam estudar o novo ambiente.
Depois de passarem pelos arredores sufocantes dos clubes, saíram exatamente onde pretendiam... um total vazio urbano: quarteirões inteiros de edifícios estariam desocupados ao longo da noite, ou talvez por mais tempo, estradas destituídas de tráfego, becos escuros e estreitos oferecendo um bom espaço para lutar.
O inimigo estaria ali. Simplesmente sabia que sim: a única afinidade entre as duas partes da guerra era a discrição e, ali, as lutas poderiam acontecer sem o menor temor de que houvesse uma interrupção.
Com seu corpo latejando por um conflito e os sons das solas das botas de seu bando de bastardos atrás dele, Xcor sorriu para a noite. Iria acontecer...
Virando mais outra esquina, deteve-se. Num beco acima à esquerda, havia um bando de carros preto e branco estacionados em círculo em torno da abertura de um beco... como um colar ao redor do pescoço de uma mulher. Não conseguia ler os logotipos nas portas, mas as luzes azuis sobre os veículos lhe disseram que aqueles eram policiais humanos.
Respirando fundo, sentiu o cheiro da morte.
Assassinato recente, concluiu, mas com um aroma não tão encorpado quanto se tivesse sido imediato.
– Humanos – zombou. – Se fossem mais eficientes, matariam uns aos outros completamente.
– Sim – alguém concordou.
– Avante – ele exigiu, prosseguindo.
Enquanto passavam pela cena do crime, Xcor olhou para o beco. Homens humanos com expressões nauseadas e mãos inquietas estavam posicionados ao redor de uma grande caixa, como se esperassem que alguma coisa saltasse dali a qualquer momento e segurassem seus pênis com garras afiadas.
Típico. Vampiros investigariam a fundo o caso e dominariam a situação – ao menos, qualquer vampiro que honrasse sua natureza. No entanto, humanos pareciam encontrar sua coragem apenas quando Ômega intercedia.
Em pé em uma caixa de papelão manchada em vários pontos e grande o suficiente para conter uma geladeira, José de la Cruz acendeu a lanterna e correu o facho de luz sobre outro corpo mutilado. Era difícil ter uma impressão definida do cadáver, considerando a gravidade do que haviam feito com ele e a sensação de que a vítima havia sido sugada em um emaranhado de membros; mas o cabelo raspado de maneira selvagem e o ferimento profundo no braço sugeriam que aquele era um segundo caso para sua equipe.
Endireitando-se, olhou ao redor do beco vazio. Mesmo modus operandi que o primeiro, poderia apostar que o criminoso fazia seu trabalho em outro lugar, jogava os restos no centro de Caldwell e seguia para capturar outra vítima.
Tinham de pegar aquele filho da mãe.
Desligando a lanterna, consultou o relógio digital. O pessoal do fórum havia terminado o trabalho minucioso que faziam e o fotógrafo já tinha clicado a porcaria toda, então, era hora de dar uma boa olhada no corpo.
– O legista está pronto para vê-la – disse Veck atrás dele. – E gostaria de um pouco de ajuda.
José girou sobre os calcanhares.
– Trouxe as luvas que...
Fez uma pausa e olhou acima dos ombros largos de seu parceiro. Do outro lado da rua, um grupo de homens andava em formação triangular: um à frente, dois atrás e outros três por último. A organização era tão precisa e os passos eram dados com tanto sincronismo que, em um primeiro momento, tudo o que José notou foi uma marcha militar e o fato de todos eles vestirem roupas de couro pretas.
Então, notou o tamanho deles. Eram enormes e teve de se perguntar que tipos de armas carregavam sob os longos casacos idênticos. Contudo, a lei proibia os oficiais da polícia de revistar civis apenas porque pareciam letais.
O que estava na liderança girou a cabeça e José deu uma olhada no rosto que só uma mãe poderia amar: com ângulos muito agudos, a face era magra, com bochechas cavadas, o lábio superior malformado por uma fenda palatina que não havia sido corrigida.
O homem voltou a olhar para a frente e continuou sem hesitar.
– Detetive?
José sacudiu o corpo.
– Desculpe. Fiquei distraído. Trouxe as luvas?
– Estou segurando-as para você.
– Certo. Obrigado. – José pegou o par de luvas de látex e colocou-as. – Trouxe o...
– Saco? Sim.
Veck era sombrio e muito compenetrado; José aprendeu que eram as principais características do homem – jovem, quase trinta anos, mas lidava com aquilo como um veterano.
Veredito até agora: não era tão ruim como parceiro; mas havia se passado apenas uma semana e meia desde que começaram a trabalhar juntos de verdade.
Em qualquer cena de crime, quem lidava com os corpos dependia de uma série de variáveis. Às vezes, o pessoal da Busca e Salvamento fazia isso. Outras, como era o caso, era uma combinação de quem tinha um estômago mais forte.
– Vamos cortar a frente da caixa – disse Veck. – Tudo foi coletado e fotografado e vai ser melhor do que tentar incliná-la para frente e rasgar o fundo.
José olhou para o legista.
– Tem certeza que pegou tudo?
– Com certeza, detetive. Estava pensando nisso também.
Os três trabalharam juntos, José e Veck segurando a parte da frente, enquanto o outro usava um estilete... e, então, José e seu parceiro baixaram a frente da caixa com cuidado.
Era outra jovem.
– Maldição – resmungou o legista. – De novo não.
Maldito seja, José pensou. Tinham feito a mesma coisa com a pobre garota o que fizeram com as outras, o que significava que tinha sido torturada antes.
– Que inferno – Veck murmurou com a respiração baixa.
Os três caras foram cuidadosos com ela, como se, mesmo morta, o corpo machucado percebesse a mudança de posição dos membros. Carregando-a por apenas dois metros, colocaram-na no saco negro aberto para que o legista e o fotógrafo pudessem finalizar o trabalho deles.
Veck ficou agachado com ela. Seu rosto estava totalmente sério, mas, mesmo assim, passou uma vibração de quem havia se irritado com o que tinha visto...
O brilho do flash de uma câmera irrompeu pelo beco escuro, preciso como um grito dentro de uma igreja. Antes que aquela porcaria se apagasse, José girou a cabeça para ver quem diabos estava tirando fotos, e não foi o único a procurar por isso. O fato também chamou a atenção dos outros oficiais que estavam ali.
Mas Veck foi o único a erguer-se de repente e começar a correr.
O cara da câmera não teve chance. Em um movimento muito preciso, o desgraçado esquivou-se sob a fita da polícia e tirou vantagem de todos estarem concentrados na vítima. Na fuga, atrapalhou-se com a fita que tinha transgredido, tropeçando e caindo antes de conseguir correr e enfiar-se dentro da porta de seu carro que havia deixado aberta.
Veck, por outro lado, tinha as pernas de um velocista e, consequentemente, mais rapidez que aquele garoto branco medíocre: não arremeteu contra a fita amarela, saltou por cima dela e lançou-se sobre o sedã, colocando o peso em cima do capô. E, então, tudo ficou em câmera lenta. Enquanto os outros oficiais corriam para ajudar, o fotógrafo acelerou e os pneus cantaram quando entrou em pânico e tentou arrancar...
Bem na direção da cena do crime.
– Droga! – José gritou, pensando em como protegeriam o corpo.
As pernas de Veck derrapavam enquanto o veículo ultrapassava os limites da fita amarela e ia direto na direção da caixa de papelão. Mas aquele filho da mãe do DelVecchio não ficou só ali como se tivesse sido colado, conseguiu entrar pela janela aberta, agarrar o volante e lançar o sedã contra um contêiner a pouco mais de um metro de distância da maldita vítima.
Quando os airbags se estufaram e o motor soltou um rugido feroz, Veck foi jogado para cima, sobre a lata de lixo... e José soube que se lembraria da visão do homem no ar pelo resto de sua vida: a jaqueta do terno do cara abriu-se com força, a arma foi para um lado e o distintivo para outro como se pudesse voar sem asas.
Aterrissou sobre as costas. Com força.
– Oficial ferido – José gritou enquanto corria em direção a seu parceiro.
Mas não houve tempo para dizer ao filho da mãe que ficasse parado ou mesmo uma chance de ajudá-lo. Veck saltou como o maldito coelho da Energizer e cambaleou até o grupo de oficiais que tinham cercado o motorista com armas em punho. Empurrando os outros para fora do caminho, abriu a porta do motorista e arrancou do carro um caçador de fotos parcialmente consciente que estava prestes a ter um ataque cardíaco: o desgraçado era tão gordo quanto o Papai Noel e tinha a coloração avermelhada de um alcoólatra.
Também tinha dificuldades para respirar – embora não estivesse claro se era por ter inalado o pó do airbag ou ter feito contato visual com Veck e saber que estava prestes a levar uma porrada.
Só que Veck apenas mergulhou dentro do carro e abriu caminho pelo airbag desinflado.
Antes que pudesse se apossar da máquina e reduzi-la a pó, José interveio:
– Precisamos disso como prova – exclamou quando Veck saiu do carro e ergueu o braço sobre a cabeça como se fosse jogar a máquina com toda força na calçada.
– Ei! – José segurou com as duas mãos o pulso do rapaz e jogou todo seu peso no peito de seu parceiro. Deus, como era grande o filho da mãe... não era apenas alto, parecia um guindaste... e por uma fração de segundo teve de se perguntar se conseguiria alguma coisa ao tentar detê-lo.
No entanto, a maré mudou de repente e Veck virou-se e bateu com força na lateral do carro.
José manteve a voz calma, apesar de estar usando toda sua força para manter o cara no lugar.
– Pense nisso. Se destruir a câmera, não poderemos usar a foto que ele tirou contra ele. Está me ouvindo? Pense, imbecil... pense.
Os olhos de Veck deslocaram-se e fixaram-se no criminoso e, francamente, a falta de loucura neles era um pouco perturbadora. Mesmo em meio àquilo tudo, depois de todo o esforço físico, DelVecchio estava relaxado de uma maneira estranha, totalmente focado... e era inegável seu ar ameaçador: José tinha a impressão de que se soltasse o detetive, a câmera não seria a única coisa danificada.
Veck parecia totalmente capaz de matar de uma maneira muito calma e competente.
– Veck, parceiro, sai dessa.
Houve alguns momentos em que nada aconteceu e José sabia muito bem que todos estavam tão inseguros quanto ele sobre a forma como aquilo iria se resolver, incluindo o fotógrafo.
– Ei. Olhe para mim, cara.
Os olhos azuis-bebê de Veck moveram-se lentamente e, então, piscaram. Aos poucos, a tensão naqueles braços foi diminuindo e José acompanhou o movimento até conseguir pegar a câmera do cara – não havia como saber se a tempestade havia realmente acabado.
– Você está bem? – José perguntou.
Veck assentiu e puxou sua jaqueta de volta no lugar. Quando acenou com a cabeça uma segunda vez, José deu um passo para trás.
Grande erro.
Seu parceiro moveu-se tão rápido que não houve como detê-lo. Socou o fotógrafo com tanta força que provavelmente quebrou a maldita mandíbula do cara.
O criminoso caiu no meio dos outros policiais, ninguém disse nada. Todos queriam ter feito aquilo, mas por tudo o que Veck havia passado, o direito era dele.
Infelizmente, haveria uma punição para aquilo e provavelmente o detetive seria suspenso – e talvez o Departamento de Polícia de Caldwell fosse processado.
Balançando a mão que havia esmurrado o criminoso, Veck murmurou:
– Alguém pode me dar um cigarro?
Droga, José pensou. Não havia razão para continuar tentando encontrar Butch O’Neal. Era como se seu velho parceiro estivesse bem na frente dele.
Então, talvez ele devesse desistir de continuar rastreando aquela ligação para a emergência da semana passada. Mesmo com todos os recursos disponíveis na delegacia, não tinha chegado a lugar algum e a falta de pistas talvez fosse algo bom.
Um coringa com um traço autodestrutivo era mais do que poderia lidar na rotina do trabalho, muito obrigado, não precisava de outro.
CAPÍTULO 25
No centro de treinamento do complexo, Butch até queria odiar o cirurgião por lealdade a V, especialmente se levasse em conta aquela história de aparecer seminu enrolado em uma toalha, parecendo pronto para uma performance em um clube de mulheres.
Deus, a ideia de que aquele pedaço de carne havia se aproximado de Payne sem roupa nenhuma... Era péssima, de muitas maneiras.
Teria sido diferente se sua estrutura física fosse a de um jogador de xadrez, por exemplo; mas assim como era, parecia que um lutador bonitão estava dando em cima da irmãzinha de V. Como um cirurgião tinha um corpo daquele?
Ainda assim, havia duas coisas que salvavam o cara: o filho da mãe tinha vestido o uniforme cirúrgico que Butch tinha lhe dado – então, nada mais de gracinhas naquela noite. E, quando sentaram em frente ao computador na sala de exames, o cara parecia realmente preocupado com Payne e seu bem-estar.
Não que a amizade entre eles estivesse chegando a lugar algum; os dois olhavam para a tela do computador como dois cães assistindo Animal Planet: muito concentrados, mas incapazes de aumentar o volume ou mudar de canal.
Em uma situação normal? Butch teria telefonado ou enviado uma mensagem de texto a Vishous; mas isso não ia acontecer, considerando os confrontos que se passavam no Buraco.
Deus, esperava que V. e Jane se acertassem.
– E agora? – o cirurgião perguntou.
Butch sacudiu-se para retomar o foco e colocou a palma da mão sobre o mouse.
– Rezamos para que eu arranque os arquivos de segurança da minha bunda. É isso.
– E você reclamava sobre a minha toalha.
Butch esboçou um sorriso.
– Espertinho.
Como se tivessem combinado, os dois se curvaram em direção à tela – como se isso fosse ajudar de alguma maneira mágica o mouse a encontrar o que estavam procurando.
– Odeio isso – o cirurgião murmurou com aversão. – Sou melhor com as minhas mãos.
– Eu também.
– Vá para o menu inicial.
– Estou indo, estou indo...
– Droga – disseram juntos quando todos os arquivos ou programas ou o que quer que fosse terminaram de ser carregados.
Naturalmente, não havia nada nomeado como “Segurança”, “Câmeras” ou “Clique aqui, idiota, para encontrar o que está procurando”.
– Espere, será que não está em “Vídeos”? – o cirurgião disse.
– Boa ideia.
Aproximaram-se ainda mais, até a ponta do nariz ficar prestes a esbarrar no maldito monitor.
– Posso ajudar, rapazes?
Butch girou a cabeça rapidamente.
– Graças a Deus, Jane. Ouça, precisamos encontrar os arquivos digitais das câmeras de segurança... – deteve-se. – Você está bem?
– Tudo bem, tudo bem.
Uh-hum, certo. Parada no batente da porta, ela não estava bem – não chegava nem perto disso. A ponto de Butch saber que não era prudente perguntar onde V. estava – nem esperar que o Irmão aparecesse tão cedo.
– Ei, doutora – disse Butch, ao se levantar casualmente. – Posso conversar com você um minuto?
– Hã...
Ele interrompeu o protesto que ela estava prestes a iniciar.
– Obrigado. Vamos para o corredor. Manello, tente encontrar o que precisa no computador.
– Farei isso – disse o cara com tom seco.
Quando ele e Jane saíram da sala, Butch baixou a voz.
– O que está acontecendo? E, sim, não é da minha conta; mas quero saber de qualquer jeito.
Depois de um momento, Jane cruzou os braços sobre o jaleco branco e apenas ficou olhando para frente. Mas parecia que a intenção não era calá-lo. Era mais como se estivesse revendo algo em sua mente.
– Fale comigo – ele murmurou.
– Você sabe por que ele recorreu a Manny, certo?
– Não sei os detalhes. Mas... tenho uma ideia. – A fêmea tinha um olhar bastante suicida, de verdade.
– Como médica, sou arrastada em diferentes direções. Se você puder continuar a desenvolver essa ideia...
– Posso sim. Droga.
– Isso não é tudo – ela continuou. – Quando fui arrumar as malas, encontrei um conjunto de roupas de couro no fundo do armário. Havia cera negra por toda parte. Junto com sangue e... – ela respirou estremecendo. – Algo mais.
– Cristo – Butch gemeu.
Quando Jane ficou em silêncio, soube que não desejava envolvê-lo e não ia perguntar em voz alta. Esse era o jeito dela.
Caramba... esforçou-se tanto para honrar a exigência de V. de ficar distante de algumas coisas; só que simplesmente não podia assistir a relação daqueles dois desmoronar.
– Ele não a traiu – disse. – Naquela noite, uma semana atrás? Ele deixou que o espancassem, Jane. Por redutores. Encontrei V. cercado por três deles e o golpeavam com correntes.
Ela soltou um gemido, que encobriu com as mãos.
– Oh... Deus...
– Não sei o que encontrou dele, mas não estava com ninguém. Ele mesmo me disse.
– Mas e quanto à cera? E o...
– Já passou pela sua cabeça que ele pode ter feito isso sozinho?
Jane ficou momentaneamente sem palavras.
– Não. Mas, por que ele não disse nada?
Aquela parecia ser a trilha sonora da noite.
– Nenhum cara admitiria a sua esposa que estava se masturbando sozinho. É patético demais... e provavelmente achou que estava lhe traindo de alguma maneira com isso. Ele tem essa devoção a você.
Quando as lágrimas se lançaram dos olhos verde-floresta de Jane, Butch ficou perplexo por um instante. A boa médica era tão fechada quanto seu hellren... e aquela força contida era a razão pela qual era tão útil como médica; contudo, não significava que não tinha sentimentos, lá estavam eles.
– Jane... não chore.
– É que eu simplesmente não sei como vamos superar isso. Não sei mesmo. Ele está decepcionado. Eu estou decepcionada, e, além disso, tem a Payne. – De repente, colocou uma das mãos sobre o braço de Butch o e apertou. – Pode, por favor... pode ajudá-lo? Com o que ele precisa? Talvez seja essa fissura no gelo que vai nos ajudar.
Quando os dois se encararam, Butch perguntou-se se estavam de fato no mesmo nível. Mas como ele poderia lidar com isto de maneira criteriosa: então, você quer que eu, ao invés dos redutores, dê um jeito nele? E se não estivessem na mesma sintonia? Ela já estava chorando.
– Não posso fazer isso – Jane disse rudemente. – E não só por que temos problemas no momento. Eu só não tenho essa habilidade em mim. Ele confia em você... Eu confio em você... E ele precisa disso. Tenho medo de que se ele não quebrar esse muro que está construindo, não vamos conseguir mais... ou pior. Leve-o para o Commodore, por favor.
Bem, aquilo criava um problema.
Butch limpou a garganta.
– Estive pensando a mesma coisa, de verdade. E, de fato, eu... já oferecei isso a ele.
– Obrigada. – Ela praguejou e enxugou os olhos. – Você o conhece tão bem quanto eu. Ele precisa quebrar aquele gelo... de alguma maneira, de algum jeito.
– Sim. – Butch estendeu a mão e acariciou o rosto dela. – Vou cuidar dele. Não se preocupe.
Ela colocou uma das mãos sobre a dele.
– Obrigada.
Abraçaram-se por um momento e, quando fizeram isso, Butch pensou que não havia nada que não faria para manter Jane e V. juntos.
– Onde ele está agora? – perguntou.
– Não faço ideia. Ele me deu uma mala e eu apenas a preparei e saí. Não o vi no Buraco, mas não estava procurando por ele.
– Já estou nessa. Vai ajudar Manello?
Quando ela assentiu, deu-lhe um pequeno apertão e saiu, alcançando o túnel subterrâneo e subindo rapidamente até chegar à última parada do lugar: o Buraco.
Sem fazer ideia do que ia encontrar, colocou a senha e posicionou a cabeça na porta blindada. Nenhuma fumaça, então, nada estava em chamas. Nenhum grito. Não sentia cheiro de nada, a não ser do pão fresco que Marissa havia feito há pouco tempo.
– V.? Você está aqui? – nenhuma resposta.
Deus, tudo estava tão silencioso.
No corredor, encontrou o quarto de V. e Jane vazio e todo bagunçado. A porta do armário estava aberta e roupas haviam sido retiradas dos cabides, mas não foi isso que realmente chamou sua atenção.
Foi até as roupas de couro e apanhou-as do chão. Um bom rapaz católico como ele não sabia muito sobre sadomasoquismo, mas parece que iria aprender em primeira mão.
Pegando o telefone celular, ligou para V., mas não esperava uma resposta. Concluiu que o GPS viria a calhar outra vez.
– Parece como os velhos tempos.
Manny focou na tela do computador enquanto falava. Difícil dizer qual era a parte mais estranha de se sentar ao lado de sua antiga colega de trabalho. Com tanta coisa para se escolher, o silêncio entre eles foi o melhor, tão bom quanto uma caça aos ovos de Páscoa para crianças de três anos, com objetos mal escondidos, prontos para serem encontrados e capturados.
– Por que quer rever os arquivos digitais? – ela perguntou.
– Vai ver quando chegarmos lá.
Jane não teve problemas em localizar o programa certo e, um momento depois, a imagem vívida de Payne no quarto surgiu na tela. Espere, a cama estava vazia... exceto por uma mochila.
– Câmera errada. Aqui está – Jane murmurou.
E lá estava ela. A Payne dele. Deitada sobre os travesseiros, a ponta de sua trança nas mãos, olhos fixos no banheiro como se ainda estivesse imaginando-o no banho.
Caramba... como estava linda.
– Você acha? – Jane disse suavemente.
Certo, agora seria um ótimo momento para sua boca parar de funcionar como se fosse um órgão independente.
Limpou a garganta.
– Pode voltar mais ou menos meia hora?
– Sem problema.
Voltou a imagem, o pequeno relógio no canto inferior direito retrocedeu os milissegundos.
Quando observou a si mesmo examinando-a com aquela toalha, ficou muito óbvio que estavam atraídos um pelo outro. Oh, Deus... aquela ereção deu-lhe outro motivo para não olhar para Jane.
– Espere... – Sentou-se mais para frente. – Diminua a velocidade. Aí está.
Viu-se voltando para o banho correndo...
– Mas que... caramba – Jane suspirou.
E lá estava: Payne ajoelhada aos pés da cama, seu corpo longo e esbelto equilibrava-se perfeitamente enquanto seus olhos focavam a porta do banheiro.
– Ela está brilhando?
– Sim – murmurou. – Está.
– Espere... – Jane pressionou o botão “avançar”, colocando as imagens na ordem certa. – Está testando as sensações dela aqui?
– Nada. Ela não sentiu nada. E, ainda assim... volte outra vez... obrigado. – Apontou para as pernas de Payne. – Aqui, porém, fica claro que ela tem controle muscular.
– Isso não tem lógica. – Jane viu e reviu o arquivo. – Mas ela fez isso... Oh, meu Deus... Ela fez isso. É um milagre.
Claro que parecia um. Só que...
– Qual teria sido o estímulo? – Manny murmurou.
– Talvez você.
– Sem chance. Com certeza minha cirurgia não fez o que deveria ter feito ou ela teria se ajoelhado antes de hoje à noite. Os exames mostraram que ela ainda permanece paralisada.
– Não estou falando sobre seu bisturi.
Jane retrocedeu o arquivo até o momento em que Payne se levantou e, então, congelou a cena.
– É você.
Manny encarou a imagem e tentou ver alguma coisa que não fosse óbvia: com certeza parecia que Payne estava olhando para ele, o brilho nela ficou ainda mais forte e foi capaz de se mover.
Jane avançou o arquivo imagem por imagem. Assim que ele saiu do banheiro e ela voltou a se deitar, o brilho se foi... e não tinha mais sensações.
– Isso não faz sentido – murmurou.
– Na verdade, acho que faz. Deve ser algo da mãe dela.
– Quem?
– A deusa que iniciou tudo isso. – Jane apontou seu próprio corpo. – Sou o que sou por causa da Virgem Escriba.
– Quem? – Manny balançou a cabeça. – Não estou entendendo nada.
Jane sorriu um pouco.
– Não precisa. Está acontecendo. Só precisa ficar com Payne e... ver como ela muda.
Manny voltou a olhar para o monitor. Bem, droga, parece que o cara da barbicha tinha feito a coisa certa. De alguma maneira, o filho da mãe sabia que aquilo aconteceria, ou talvez ele apenas esperasse que acontecesse. De qualquer maneira, parecia que Manny era um tipo de remédio para aquela criatura extraordinária deitada na cama.
Então, com certeza, iria mergulhar naquilo.
Mas não se enganava. Não se tratava de amor ou mesmo sexo, mas de erguê-la e fazer com que recuperasse seus movimentos para poder levar a vida de antes outra vez... não importava o quanto custasse. E sabia que não poderia ficar com ela no final. Iriam descartá-lo como um frasco de medicamento da farmácia... e, sim, claro, ela poderia entrar em contato com ele, mas era uma virgem que não conhecia nada melhor. E tinha um irmão que a forçaria a fazer as escolhas certas. Quanto a ele? Não se lembraria de nada disso, não é mesmo?
Gradualmente, tomou consciência do olhar de Jane observando seu perfil.
– O que foi? – disse ele sem tirar os olhos da tela.
– Nunca o vi assim antes por causa de uma fêmea.
– Nunca conheci ninguém como ela antes. – Ergueu a mão para deter qualquer conversa. – E pode economizar sua fala sobre “não faça isso”. Sei o que vai acontecer no final.
Inferno, talvez aqueles bastardos o matassem e o jogassem no rio. Fazendo com que parecesse um acidente.
– Na verdade, não ia dizer isso. – Jane mudou de posição na cadeira. – E acredite em mim... Sei como se sente.
Ele a encarou.
– Mesmo?
– Foi assim que me senti quando conheci Vishous. – Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela limpou a garganta. – Voltando a você e Payne...
– O que está acontecendo, Jane. Diga-me.
– Não está acontecendo...
– Bobagem! Posso dizer o mesmo que me disse. Nunca a vi assim antes. Parece arruinada.
Ela respirou fundo.
– Problemas conjugais. Simples, mas nem tanto.
Era evidente que não queria dividir isso com ele.
– Tudo bem. Bom, estou aqui se precisar... pelo tempo que me for autorizado ficar.
Ele esfregou o rosto. Era uma total perda de tempo se preocupar com quanto tempo aquilo ia durar, quanto tempo tinha. Mas não conseguia evitar; perder Payne o mataria mesmo que mal a conhecesse.
Espere um minuto. Jane tinha sido humana. E estava ali. Talvez houvesse...
Mas que droga!
– Jane...? – disse com voz fraca ao olhar para sua velha amiga. – O que...
As palavras o abandonaram nesse ponto. Estava sentada na mesma cadeira, na mesma posição, usando as mesmas roupas... só que conseguia enxergar a parede atrás dela... os armários de aço... as portas do outro lado. E o “enxergar” tudo isso não se tratava de ver sobre os ombros dela. Estava olhando através dela.
– Oh. Desculpe.
Bem diante de seus olhos, ela saiu de seu estado translúcido... voltando ao normal.
Manny pulou da cadeira e foi andando para trás até que sua bunda bateu na mesa de exame e o deteve.
– Precisa conversar comigo – disse com voz rouca. – Meu... Deus...
Quando agarrou a cruz que ficava pendurada em seu pescoço, Jane baixou a cabeça e uma de suas mãos colocou alguns de seus cabelos curtos atrás da orelha.
– Oh, Manny... há muita coisa que você não sabe.
– Então... diga-me. – Quando ela não respondeu, os gritos em sua cabeça ficaram altos demais. – É melhor me dizer, pois estou farto de me sentir como um lunático.
Houve um longo silêncio.
– Eu morri, Manny, mas não no acidente de carro. Aquilo foi encenado.
Os pulmões de Manny ficaram tensos.
– Como?
– Um tiro. Fui baleada. Eu... morri nos braços de Vishous.
Certo, não conseguia mais respirar nesse ponto.
– Quem fez isso?
– Os inimigos dele.
Manny esfregou o crucifixo e o católico nele, de repente, acreditou nos santos como muito mais do que exemplos de bom comportamento.
– Não sou mais quem você conheceu, Manny. De muitas maneiras – havia tanta tristeza em sua voz. – Não estou realmente viva. Foi por isso que não voltei para vê-lo. Não se trata da coisa vampiro/humano... é por que não estou mais aqui, de fato.
Manny piscou, como um idiota. Várias vezes.
Bem... será que a boa notícia nisso tudo foi descobrir que sua antiga cirurgiã do departamento de trauma era uma fantasma? Quase transparente em sua percepção? Sua mente explodiu tantas vezes que perdeu a conta, e como uma junta que havia sido deslocada, tinha total e completa liberdade de movimentos.
Sua funcionalidade estava perdida, claro.
Mas quem se importava?
CAPÍTULO 26
Sozinho no centro de Caldwell, Vishous andava sorrateiramente pela noite, percorrendo trechos obscuros sob as pontes da cidade. Começou indo a sua cobertura, mas não ficou lá mais de dez minutos, e foi irônico como todas aquelas janelas de vidro fizeram com que se sentisse confinado. Depois de se lançar no ar pela varanda, uniu-se às margens do rio. Os outros Irmãos estavam andando pelos becos procurando e encontrando redutores, mas não queria ter uma plateia por perto. Queria lutar. Sozinho.
Ao menos, foi o que disse a si mesmo.
Contudo, deu-se conta, após mais ou menos uma hora perambulando sem rumo, de que não estava procurando qualquer tipo de confronto mano a mano; na verdade, não estava à procura de nada. Estava completamente vazio, a ponto de sentir curiosidade em saber de onde aquela rotina de ficar andando à toa tinha surgido, pois tinha certeza que não estava fazendo nada de forma consciente.
Parando e olhando do outro lado das águas lentas e fétidas do Hudson, soltou uma risada fria e dura.
Durante toda sua vida, acumulava uma quantidade de conhecimento que poderia rivalizar com a maldita Biblioteca do Congresso. Parte disso era útil: como saber lutar, como fazer armas, como conseguir informações e como mantê-las em segredo. Havia algumas coisas relativamente inúteis no dia a dia, como o peso molecular do carbono, a teoria da relatividade de Einstein, aquela porcaria de teoria política de Platão. Também havia pensamentos sobre os quais ele refletia uma única vez para nunca mais retornar a eles, jogava com algumas oposições e com ideias que tinha em intervalos regulares como se fossem brinquedos quando estava entediado. Havia também coisas nas quais ele nunca, jamais se permitia pensar.
E entre esses diversos postos cognitivos havia um trecho enorme no cerebelo em que não havia nada além de um terreno baldio cheio de lixo no qual ele não acreditava. E isso fazia dele um cínico? Havia milhas e milhas de podridão metafórica em sacos de lixo cheios de imundície que perfaziam frases como... pais deveriam amar seus filhos... e mães estavam sempre presentes... e blá,blá, blá.
Se houvesse um equivalente mental à Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, essa parte do cérebro dele teria sido intimada, multada e trancafiada.
Mas era engraçado; o pequeno passeio daquela noite, naquela passagem subterrânea sinistra pelo rio, levou-o de volta àquele aterro sanitário e puxou algo do meio daquela pilha: e machos vinculados não eram nada sem suas fêmeas.
Muito bizarro. Sempre soube que amava Jane, mas sendo o imbecil que era, tinha alinhavado seus sentimentos sem perceber que a agulha e a linha estavam em suas mãos. Droga, mesmo quando ela voltou para ele depois de morrer e soube naquele breve momento não só o que o termo “superfeliz” significava, mas, também, como era senti-lo... mesmo assim, não se deixou levar, de fato.
Claro, sua camada de terra permanentemente congelada havia cedido um pouco com o calor que ela havia lhe trazido, mas em seu interior, bem no fundo, tinha permanecido o mesmo. Bom Deus, nunca havia se casado de maneira adequada. Apenas levou-a para o quarto dele e amava cada minuto que a tinha por lá, pois passavam as noites separados.
Desperdiçou aquelas horas.
Era um crime, mas havia desperdiçado todas elas.
E, agora, lá estavam, separados por fendas que, apesar de toda sua inteligência, não fazia ideia de como atravessar.
Cristo, quando ela segurou aquelas roupas de couro nas mãos e esperou que ele dissesse alguma coisa, foi como se alguém tivesse grampeado seus lábios... provavelmente por se sentir culpado pelo que havia feito naquele apartamento e como havia feito. Usar as próprias mãos não contava como traição.
No entanto, o problema era que mesmo sendo atraído por aquele tipo de prazer que havia sentido tantas vezes, ainda parecia muito errado; mas isso acontecia por que o sexo era apenas parte da questão.
Naturalmente, isso o fez pensar em Butch. A solução que o cara tinha sugerido era tão óbvia que V. ficou surpreso em não considerar isso antes de verdade... Mas, por outro lado, pedir ao seu melhor amigo para lhe dar uma surra não era exatamente uma ideia casual para se ter.
Desejou ter tido essa opção há uma semana. Talvez tivesse ajudado as coisas... Só que a cena no quarto não era o único problema deles; ela deveria ter conversado com ele primeiro sobre a situação com sua irmã. Deveria ter sido informado e decidido o que fazer.
Quando a raiva manifestou-se como um mau cheiro dentro dele, teve medo do que poderia existir do outro lado daquele vazio. Não era como os outros machos, nunca tinha sido e não apenas pelo fato de sua Mamãezinha Querida ser uma divindade ridícula: conhecendo sua sorte, seria o único macho vinculado na face da terra a passar por esse entorpecimento sem propósito de perder sua shellan... e iria a um lugar... hã, um lugar muito mais obscuro.
Ao território da insanidade, por exemplo.
Espere, não seria o primeiro, não é mesmo? Murhder havia enlouquecido. Absoluta e irrevogavelmente.
Talvez pudessem organizar um clube, e o aperto de mãos poderia envolver adagas.
Emos filhos da mãe que eram...
Rosnando, V. virou-se na direção do vento e teria oferecido uma oração de agradecimento se não odiasse tanto sua mãe: dentre os espirais da neblina, vindo sobre os vapores de umidade cinza e branca, o cheiro doce do inimigo deu-lhe um propósito e definiu algo que não apenas faltava ao seu estado entorpecido, algo que parecia até rejeitar.
Seus pés começaram a andar cada vez mais rápido e depois a correr. E quanto mais rápido ele ia, melhor se sentia: ser um assassino sem alma era muito, muito melhor do que ficar respirando no vazio. Queria mutilar e matar; queria rasgar com suas presas e agarrar com suas mãos; queria o sangue dos assassinos sobre ele, dentro dele.
Queria que o grito das pessoas que matasse ressoasse em seus ouvidos.
Seguindo o fedor doentio, atravessou ruas, passou por becos e vielas perseguindo o aroma conforme ficava cada vez mais forte. E quanto mais perto chegava, mais aliviado se sentia. Devia haver vários deles. E melhor que isso? Nenhum sinal de Irmãos por perto, o que significava que tinha sido o primeiro a chegar... e seria o primeiro a ser servido.
Estava guardando isso para si mesmo.
Contornando a última curva da sua busca, chocou-se com um trecho urbano curto e fétido e derrapou até parar. O beco não tinha saída, mas como um sistema de rampas para animais, os edifícios dos dois lados direcionavam o vento que vinha do rio, o rebanho de moléculas se embaralhava e trazia os cheiros em seus cascos, e aquele galope atingia seu nariz em cheio.
Mas... que droga... era aquela?
O mau cheiro era tão forte que seu nariz teve de rever suas referências olfativas, mas não havia um bando de loucos e idiotas pálidos por perto afiando suas facas. O lugar estava vazio.
Só que, então, ele notou o som de gotas, como se uma torneira não tivesse sido bem fechada.
Depois de lançar alguns efeitos de mhis, tirou sua luva e usou a palma da mão para iluminar o caminho. Ao caminhar, a iluminação formava uma piscina rasa de clara visibilidade diante dele e a primeira coisa que viu foi uma bota... que estava ligada a uma panturrilha revestida de uma calça camuflada... em seguida uma coxa e um quadril...
Era isso.
O corpo do assassino tinha sido cortado pela metade, com certeza, como se fosse um lanche de supermercado; o corte transversal deixou porções do intestino vazando, o início da coluna mostrava uma ponta branca e brilhante em meio ao todo preto e gorduroso.
Um formigamento lancinante o levou a virar para a direita.
Dessa vez a mão da criatura foi vista primeiro... era pálida e cravava suas unhas no asfalto úmido, retraindo-se como se estivesse tentando erguer-se do chão.
Havia apenas o tronco do redutor, mas ainda estava vivo... apesar de não ser um milagre; era assim que funcionavam: até que fossem golpeados no coração com alguma coisa feita de aço, eles perduravam, não importava em qual estado seus corpos se encontrassem.
Quando V. moveu lentamente sua mão iluminada, deu uma olhada no rosto da coisa. A boca estava muito aberta, a língua se movimentava como se estivesse tentando falar. Isso era comum na atual safra de assassinos; aquele era um novo recruta, sua pele e cabelos escuros ainda não tinham se transformado naquela coisa branca como farinha.
V. passou por cima do bastardo e continuou. Alguns metros depois, encontrou as duas metades de um segundo redutor.
Quando sua nuca formigou ainda mais forte dando-lhe um sinal de aviso, passou sua mão brilhante ao redor, movendo-se para fora do corpo em um círculo concêntrico.
Ora, ora, ora... e não é que aquilo trazia recordações.
Não no bom sentido.
No complexo da Irmandade, Payne permanecia deitada em sua cama, esperando. Não era muito boa quando se tratava de paciência, na melhor das hipóteses, sentia como se tivessem passado dez anos antes de seu curandeiro, finalmente, voltar para ela. Ao retornar, trouxe um painel fino parecido com um livro.
Quando ele se sentou na cama, percebeu uma tensão no rosto forte e bonito.
– Desculpe ter demorado tanto. Jane e eu estávamos carregando os arquivos neste laptop.
Ela não fazia ideia do que aquilo significava.
– Apenas diga o que tem a dizer.
Com mãos ágeis, abriu a metade superior daquela engenhoca.
– Na verdade, precisa ver por si mesma.
Com vontade de amaldiçoar alto e muitas vezes, arrastou os olhos para a tela.
Reconheceu imediatamente a imagem do quarto em que estava. Contudo, não era de agora, pois estava olhando para o banheiro enquanto permanecia deitada na cama. O quadro foi congelado como uma fotografia, mas uma pequena seta branca moveu-se quando ele tocou algo e a figura tornou-se animada.
Com uma careta, concentrou-se em si mesma. Estava brilhando: cada pedaço de carne em seu corpo estava iluminado. Por que isso sempre...
Primeiro, ela ergueu-se sobre o travesseiro, esticando o pescoço para que pudesse espiar o curandeiro. Inclinou-se mais ainda para o lado. E, então, movimentou-se em direção ao pé da cama...
– Eu me sentei – ela ofegou. – Sobre meus joelhos!
De fato, sua forma luminosa tinha se erguido sozinha perfeitamente e pairou com equilíbrio preciso ao conseguir observar Manny no banho.
– Com certeza, foi isso o que fez – disse ele.
– Também estou iluminada. Por que isso acontece?
– Esperávamos que pudesse nos dizer. Já fez isso antes?
– Não que eu soubesse. Mas estive aprisionada por tanto tempo que sinto como se não me conhecesse muito bem. – O arquivo parou. – Pode fazer isso outra vez?
Quando seu curandeiro não respondeu e as imagens não voltaram a se movimentar, ela olhou para ele... e recuou. O rosto de Manny exibia uma fúria estrondosa, a raiva era tão profunda que seus olhos estavam quase negros.
– Presa como? – ele exigiu. – E por quem?
Estranho, ela pensou vagamente. Sempre lhe disseram que os seres humanos eram uma forma muito mais suave de criatura que os vampiros, mas a reação protetora de seu curandeiro era tão ameaçadora quanto a de sua própria espécie.
A menos, claro, que não se tratasse de proteção; era muito possível que o fato de ter sido presa não fosse muito atraente. E quem poderia culpá-lo?
– Payne?
– Ah... Perdoe-me, curandeiro... talvez a palavra que escolhi tenha sido incorreta, já que essa é uma segunda língua para mim. Estive sob os cuidados de minha mãe.
Era quase impossível disfarçar a mágoa em sua voz, mas a camuflagem deve ter funcionado, pois a tensão deixou-o completamente quando respirou fundo.
– Ah, certo. Sim, aquela palavra não significa o que você quis dizer.
De fato, seres humanos também tinham seus padrões de comportamento, não tinham? Seu alívio foi tão grande quanto sua tensão. Mas, por outro lado, não era errado procurar moralidade e decência em fêmeas... ou machos.
Quando reproduziu as imagens dela, mudou o foco para o milagre que tinha acontecido... e viu-se balançando a cabeça para o que via.
– De fato, eu não sabia. Como isso... é possível?
Seu curandeiro limpou a garganta.
– Já conversei sobre isso com Jane e ela... bem, nós... temos uma teoria.
Ele se levantou e foi inspecionar um dispositivo elétrico no teto.
– Parece loucura, mas... talvez Marvin Gaye soubesse do que estava falando.
– Marvin?
Com um movimento rápido, pegou uma cadeira e a colocou sob a câmera.
– Era um cantor. Talvez eu possa colocar uma música dele para você ouvir algum dia. – Seu curandeiro firmou o pé sobre o assento e ergueu-se até o teto onde desconectou alguma coisa com um puxão e voltou a descer. – É bom para dançar.
– Não sei dançar.
Olhou sobre o ombro, as pálpebras se abaixaram.
– Mais uma coisa que eu posso lhe ensinar. – Quando o corpo dela se aqueceu, ele aproximou-se da cama. – E vou gostar de lhe mostrar como dançar.
Quando ele se inclinou sobre ela, os olhos de Payne fixaram-se nos lábios de Manny e a respiração ficou mais difícil. Ele ia beijá-la... que destino maravilhoso, ele ia...
– Você queria saber o que era gozar? – praticamente rosnou, suas bocas estavam apenas a centímetros de distância. – Por que não lhe mostro o que é ao invés de lhe dizer?
Com isso, ele tocou o interruptor e apagou as luzes, mergulhando o quarto em uma penumbra que diminuiu apenas com a luz do banheiro e o facho de iluminação que passava por debaixo da porta do corredor.
– Quer que eu lhe mostre? – disse ele em voz baixa.
Naquele momento, havia apenas uma palavra em seu vocabulário:
– Sim...
Só que, então, ele recuou.
Assim que um protesto estava prestes a sair da boca dela, percebeu que ele estava na linha de iluminação que vinha do banheiro.
– Payne...
O som de seu nome deixando aquela boca fez com que lutasse ainda mais por um pouco de ar.
– Sim...
– Eu desejo... – alcançando a parte inferior de sua camisa folgada, puxou-a lentamente, expondo os músculos esculpidos de seu estômago – que você me deseje.
Oh, doce destino, ela também o desejava.
E ele falava sério ao dizer aquilo. Quanto mais o olhava, mais aquele abdômen definido retesava-se e relaxava, pois ele também respirava com dificuldade.
Suas mãos caíram sobre a cintura.
– Veja o que você faz comigo.
Acariciou o tecido folgado sobre seus quadris e...
– Você é ríghido. – ela ofegou. – Oh... de fato, você é.
– Diga-me, isso é uma coisa boa?
– É...
Ela encarou a extensão rígida de seu corpo que estava confinada e lutava contra o volume das calças. Tão denso e suave. Tão grande. A mecânica do sexo não era desconhecida para ela, mas, até agora, não tinha sido capaz de entender como isso exercia tanta atração para uma fêmea. Olhando para ele agora? Seus batimentos cardíacos parariam e seu sangue viraria pedra se não o tivesse dentro dela.
– Quer me tocar? – ele rosnou.
– Por favor... – ela engoliu em seco com a garganta quase fechada. – Oh, sim...
– Primeiro, olhe para você, bambina. Erga seu braço e olhe para si mesma.
Ela olhou para baixo só para agradá-lo, para que pudessem continuar...
A pele dela brilhava de dentro para fora, como se o calor das sensações que ele lhe provocava se manifestasse em fosforescência.
– Eu não sei... o que é isso...
– Na verdade, acho que essa é a solução. – Sentou-se perto dos pés dela. – Diga-me se consegue sentir isso. – Tocou gentilmente a parte inferior da perna, colocando a mão sobre sua panturrilha.
– Quente – ela engasgou. – Seu toque é quente.
– E aqui?
– Sim... Sim!
Quando ele se moveu para cima, em direção a sua coxa, ela afastou com veemência os cobertores de si para não ter nenhum impedimento. Seu coração estava trovejando e...
Ele colocou a mão sobre a outra perna.
Dessa vez, ela não sentiu... nada.
– Não, não... toque-me, toque-me outra vez! – o pedido foi áspero, tinha um tom maníaco. – Toque-me...
– Espere...
– Para onde foi...? Faça outra vez! Por tudo o que há de mais sagrado, faça outra vez...
– Payne. – Ele capturou as mãos frenéticas. – Payne, olhe para você.
O brilho havia desaparecido. Sua pele, sua carne... estavam normais.
– Maldição...
– Ei. Linda. Ei... olhe para mim. – De alguma maneira, seus olhos encontraram os dele. – Respire fundo e apenas relaxe... Vamos lá, respire comigo. Isso. Muito bem... Vou trazer essa sensação de volta para você...
Quando se inclinou sobre ela, sentiu o toque suave de seus dedos sobre o pescoço.
– Sente isso?
– Sim... – a impaciência guerreou com o efeito de sua voz profunda e a carícia lenta e sinuosa de Manny.
– Feche os olhos...
– Mas...
– Feche-os para mim.
Quando ela fez o que pediu, as pontas de seus dedos desapareceram... e foram substituídas por sua boca. Os lábios acariciaram sua garganta e, em seguida, chupou sua pele, o puxão sutil desencadeou um calor que jorrou entre as pernas dela.
– Sente isso? – ele disse em uma voz grave.
– Céus... sim...
– Então, deixe-me continuar. – Com uma pressão sutil, colocou os braços dela contra os travesseiros. – Sua pele é tão macia...
Quando ele aninhou-se com ela, o som de sua boca produziu estalos deliciosos sob sua orelha e aqueles dedos voltaram a viajar ao longo de sua clavícula... e, em seguida, mergulharam ainda mais para baixo. Em reação a isso, um calor lânguido e curioso ferveu seu tronco, enrijecendo seus mamilos, e ela tornou-se consciente de todo seu corpo... cada centímetro de si. Inclusive suas pernas.
– Veja, bambina, está de volta... Veja.
Suas pálpebras estavam pesadas como pedras quando as abriu, mas ao olhar para baixo, o brilho proporcionou-lhe um grande alívio... e fez com que se fixasse nas sensações que ele lhe oferecia.
– Dê-me sua boca – disse ele asperamente. – Deixe-me entrar.
Sua voz era gutural, mas seu beijo suave e provocante, puxando seus lábios e acariciando-os, antes de lambê-la. E, então, sentiu uma de suas mãos sobre a parte externa da perna.
– Posso senti-lo – disse ela em meio ao beijo, lágrimas surgiram em seus olhos. – Posso senti-lo.
– Estou muito feliz. – Ele recuou um pouco, o rosto sério. – Não sei o que é isso... não vou mentir. Jane não tem certeza também.
– Não me importo. Só quero minhas pernas de volta.
Ele parou por um momento, mas, em seguida, assentiu, como se fosse fazer uma promessa a ela.
– E eu farei tudo o que puder para devolver isso a você.
Seus olhos vagaram até os seios de Payne e a reação foi imediata... a cada respiração, o tecido que cobria seus mamilos parecia golpeá-la e a deixava cada vez mais excitada.
– Deixe-me fazer com que se sinta bem, Payne. E vamos ver até onde isso pode levá-la.
– Sim – ela ergueu as mãos em direção ao rosto de Manny e puxou-o até sua boca outra vez. – Por favor.
De fato, assim como foi quando se alimentou de sua veia, agora ela sentia o calor de seus lábios, a entrada escorregadia de sua língua e a energia que lhe proporcionava.
Gemendo com ele, estava submersa em sensações, desde o peso de seu corpo sobre a cama, ao sangue que corria ao longo do corpo, até a necessidade pulsante entre as pernas e a dor deliciosa em seus seios.
– Curandeiro – ela disse ofegante quando sentiu que a palma da mão dele percorreu sua coxa.
Manny recuou um pouco e ela ficou feliz em ver que ele ofegava também.
– Payne, quero fazer uma coisa.
– Qualquer coisa.
Ele sorriu.
– Posso desfazer a trança em seus cabelos?
Claro que suas tranças eram a última coisa que passaria em sua mente, mas a expressão dele estava tão extasiada e intensa que não poderia negar-lhe o pedido... ou qualquer parte de si.
– Mas é claro.
Seus dedos tremeram ligeiramente quando alcançou a ponta de sua trança.
– Queria fazer isso desde o momento em que a vi pela primeira vez.
Aos poucos, centímetro por centímetro, ele liberou o peso das ondas negras que ela mantinha por nenhuma outra razão senão do desinteresse em cuidar delas. No entanto, quando ele revelou a profunda admiração que tinha por aquilo, começou a perguntar-se se, porventura, não havia subestimado sua importância.
Quando ele terminou, espalhou o comprimento sobre a cama e sentou-se.
– Você é... de uma beleza indescritível.
Sem nunca ter se visto nem mesmo como feminina, quanto mais “bonita”, foi um espanto ouvir a reverência que havia não apenas nas palavras, mas em seu tom de voz.
– Na verdade... parece que minha língua não consegue dizer nada – disse-lhe.
– Deixe-me lhe mostrar outra coisa para se fazer com ela.
Quando se uniu a ela sobre a cama, deitando a seu lado, ela virou-se em direção a seu grande peitoral e a rígida extensão de seu abdômen. Ela era grande se comparada a outras fêmeas, seu corpo possuía o poder que havia herdado de seu pai, a ponto de se sentir deselegante em relação a outras fêmeas: nada daquela graça esbelta da Escolhida Layla havia nela... na verdade, fora projetada para lutar, não para o serviço espiritual ou sensual.
Todavia, ali com seu curandeiro, sentiu que tinha as proporções perfeitas. Ele não pesava tanto quanto seu irmão gêmeo, mas era maior e mais denso que ela, em todos os lugares que um macho deve ser. Deitada com ela na sala escura, com seus corpos tão juntos e a temperatura aumentando por toda parte, ela não se sentia como alguém deslocada, com um corpo mal formado em suas curvas e volumes, mas um objeto de desejo e paixão.
– Está sorrindo – ele sussurrou próximo a sua boca.
– Estou?
– Sim. E eu adoro isso.
As mãos dele infiltraram-se em meio a sua camisola sobre seu quadril e ela sentiu tudo, desde o dedo mindinho de Manny até a pele suave de suas mãos e o deslizar quente de seu toque ao percorrer lentamente a parte superior de seu corpo. Fechando os olhos, ela arqueou-se para ele, muito consciente de que estava pedindo alguma coisa, mesmo sem saber ao certo o que estava buscando... mas sabia que ele poderia lhe fornecer.
Sim, seu curandeiro sabia exatamente do que ela precisava: aquela mão subiu sobre sua caixa torácica e parou sobre seus seios macios e consistentes.
– Tudo bem fazer assim? – ela o ouviu perguntar muito distante.
– Qualquer coisa – disse ofegante. – Qualquer coisa para sentir minhas pernas.
Só que assim que as palavras saíram, sentiu que o que a motivava era menos a paralisia e mais o desejo que havia por ele e seu sexo...
– Curandeiro!
A sensação de seu seio ser capturado em uma suave carícia foi um choque maravilhoso e ela se arqueou, esparramando as coxas, calcanhares pressionando o colchão. E, então, o polegar de Manny alisou seu mamilo, a carícia disparou uma rajada de fogo em seu núcleo.
Suas pernas dividiram-se sobre a cama, a espiral de sensações intensa que sentia em seu sexo os conduzia.
– Estou me movendo – ela disse rudemente... expondo uma conclusão quase tardia. O que parecia importante agora era unir-se a ele e fazer com que ele... gozasse... dentro dela.
– Eu sei, bambina – ele confessou. – E vou garantir que continue assim.
CAPÍTULO 27
No centro da cidade, Butch estacionou o Escalade na garagem subterrânea do Commodore e subiu todo o edifício pelo elevador interno. Não fazia ideia do que ia encontrar quando chegasse ao apartamento de V., mas o sinal de GPS estava vindo dali, então, era onde ele deveria estar.
No bolso do seu casaco de couro, tinha todas as chaves do espaço particular de Vishous: o cartão plástico que deslizava para entrar na garagem, o prateado que usava no elevador para liberar o botão da cobertura e o de cobre que liberava a passagem cheia de travas da porta.
Seu coração bateu forte quando um pequeno ding soou e o elevador abriu as portas silenciosamente. Acesso total teria um novo significado naquela noite, e quando entrou no corredor, desejou uma bebida. Desesperadamente.
Em frente à porta, pegou a chave de cobre, mas usou os dedos primeiro: bateu algumas vezes.
Passou-se um minuto ou mais até ele se dar conta de que não houve resposta.
Danem-se os punhos. Começou a bater.
– Vishous – ele gritou. – Atenda a maldita porta ou eu vou entrar.
Um, dois, três, quatro...
– Dane-se. – Colocou a chave na fechadura e girou a maçaneta antes de jogar seu ombro sobre a porta sólida de metal e empurrá-la com força.
Irrompendo no local, ouviu o sinal do alarme soar baixinho. O que significava que V. não poderia estar ali.
– Que inferno...?
Inseriu o código no painel, desativou o alarme e trancou a porta atrás de si. Nenhum resíduo de velas acesas... nenhum cheiro de sangue... nada além do ar frio e limpo. Acendeu a luz e piscou com a claridade.
Sim, nossa... quantas memórias... dele vindo e desabando depois que Ômega entrara nele e o deixara de quarentena... V. perdendo a cabeça e atirando-se da varanda...
Foi até a parede de “equipamentos”. Um monte de outras coisas tinha acontecido ali também, algumas das quais ele sequer poderia imaginar.
Quando se aproximou dos utensílios de metal e couro, suas botas de combate ecoaram até o teto e sua mente ficou dando voltas dentro do crânio. Especialmente quando chegou ao final da exposição: no canto, havia um jogo de algemas de ferro penduradas no teto por correntes grossas.
Se alguém fosse acorrentado ali, poderia ser levantado e ficar dependurado como um pedaço de carne.
Erguendo a mão, tocou com o dedo uma delas; nada de acolchoado por dentro. Pontas de ferro. Enormes pontas de ferro que poderiam prender-se à pele de alguém como dentes.
Voltando ao que tinha vindo fazer, andou pelo local, checando todos os cantos... e achou o minúsculo chip de computador no balcão da cozinha. Era o tipo de coisa que apenas V. sabia remover do celular.
– Filho da mãe.
Então, não tinha como saber onde...
Quando o telefone tocou, checou a tela. Graças a Deus.
– Onde diabos você está?
A voz de V. saiu apreensiva.
– Preciso de você aqui. Nona com a Broadway. Imediatamente.
– Dane-se... por que seu GPS está na sua cozinha?
– Porque era onde eu estava quando tirei-o do meu telefone.
– Que diabos, V. – Butch apertou ainda mais o celular e desejou que houvesse um aplicativo que permitisse viajar pelo telefone e dar uma bofetada em alguém. – Você não pode...
– Dá pra vir até a Nona com a Broadway...? Temos problemas.
– Está brincando comigo, certo? Você se torna impossível de rastrear e...
– Alguém mais está matando redutores, tira. E se for quem estou pensando, temos problemas.
Pausa. Um bom tempo de pausa.
– Como assim? – disse lentamente.
– Nona com a Broadway. Agora. E estou ligando para os outros.
Butch desligou e correu para a porta. Deixando o carro na garagem, levou apenas cinco minutos para percorrer as coordenadas corretas no mapa das ruas de Caldwell. E Butch sabia que estava chegando por causa do cheiro nauseante no ar e do formigamento que latejava dentro dele por causa do inimigo.
Quando virou a esquina de um edifício achatado, atingiu uma parede de mhis e penetrou no lugar; saindo do outro lado sentiu uma baforada de tabaco turco e vislumbrou uma pequena chama laranja no final do beco.
Correu até V., diminuindo a velocidade apenas quando se aproximou do primeiro corpo. Ou... parte dele.
– Olá, metades.
– Quando Vishous apareceu e cobriu sua luva, Butch teve a rápida impressão de carne morta e intestinos vazando.
– Hummm.
– Corte limpo – V. murmurou. – Cortou os corpos como uma manteiga.
O Irmão estava certo: fora praticamente cirúrgico.
Butch ajoelhou-se e sacudiu a cabeça.
– Não pode ser resultado de alguma política na Sociedade Redutora. Nunca deixariam os corpos a céu aberto assim.
Deus era testemunha de que os assassinos passavam por mudanças na liderança, ou por que Ômega tinha ficado entediado, ou por causa de lutas internas pelo poder. Mas o inimigo sempre foi incentivado a manter seus negócios longe do radar humano tanto quanto os vampiros... então, não havia possibilidade nenhuma de terem abandonado aquela bagunça para o Departamento de Polícia de Caldwell encontrar.
Quando Butch sentiu a chegada dos outros Irmãos, ergueu-se. Phury e Z. surgiram primeiro, do nada. Em seguida, foi Rhage e Tohr. E Blay. Todos que estavam escalados naquela noite: Rehvenge sempre lutava com a Irmandade, mas naquele dia estava na colônia symphato brincando de Rei da Maldição, e era folga de Qhuinn, Xhex e John Matthew.
– Diga-me que não estou vendo isto – Rhage disse severamente.
– Seus olhos estão funcionando bem, pode acreditar. – V. apagou seu cigarro artesanal na sola da bota. – Também não conseguiria acreditar.
– Pensei que ele estava morto.
– Ele? – Butch perguntou, encarando os dois. – Quem é “ele”?
– Por onde começar...? – Hollywood murmurou enquanto observava outro pedaço de redutor. – Sabe? Se eu tivesse uma estaca, poderíamos fazer churrasquinho grego de redutor.
– Só você para pensar em comida numa hora dessas – alguém falou lentamente.
– É só um comentário.
Se houve mais conversa depois disso, Butch não ouviu, pois seu alarme interno, de repente, começou a disparar.
– Rapazes... temos companhia.
Girando, encarou o fim do beco. O inimigo estava se aproximando. Rápido.
– Quantos? – V. perguntou enquanto avançava.
– Pelo menos quatro, talvez mais – disse Butch enquanto pensava no fato de que não havia saída atrás deles. – Pode ser uma armadilha.
No centro de treinamento da Irmandade, Manny dedicava atenção especial a sua paciente.
Enquanto trabalhava sobre o seio de Payne com a mão, ela se contorcia sob ele, agitando as pernas com impaciência sobre o colchão, a cabeça jogada para trás e o corpo brilhando como a lua em uma noite de inverno sem nuvens.
– Não pare, curandeiro – ela gemeu quando ele acariciou em círculos o mamilo com o polegar. – Eu sinto... tudo...
– Não se preocupe. Não vou parar.
Sim, não ia frear tão cedo... não que fossem fazer sexo ali, mas, mesmo assim...
– Curandeiro... – disse contra os lábios dele. – Mais, por favor.
Percorrendo a língua em sua boca, beliscou levemente seu mamilo.
– Vou cuidar de você aqui embaixo.
Ela o ajudou a despi-la e discretamente retirou o equipamento. Quando ficou total e completamente nua, ele sentiu a boca seca por um momento e ficou imóvel ao vê-la.
Seus seios tinham um formato perfeito, com pequenos mamilos rosados e o abdômen longo e plano direcionava-lhe a uma fenda nua de sua pele que deixou sua cabeça pulsando.
– Curandeiro...?
Quando tudo o que fez foi engolir em seco, ela alcançou o lençol para esticá-lo e esconder seu corpo.
– Não... – ele a deteve. – Desculpe. Só preciso de um minuto.
– Para quê?
Em uma palavra: clímax. Para atingir o clímax. Ao contrário dela, sabia exatamente onde toda aquela nudez os levaria... em mais ou menos um minuto e meio, sua boca percorreria todo o corpo dela.
– Você é incrível... e não tem nada do que se envergonhar.
O corpo dela estava enlouquecido, toda aquela massa muscular e aquela pele macia e deliciosa... até onde sabia, era a fêmea perfeita, a melhor de todas. Cristo, nunca sentiu metade desse desespero por aquelas emergentes que eram apenas pele e ossos, com peitos falsos e braços pegajosos.
Payne era poderosa e até onde conseguia enxergar nela, puro sexo. Mas com certeza viveria aquela experiência e sua virgindade continuaria intacta. Sim, ela desejava o que estava lhe proporcionando, mas não era justo, naquelas circunstâncias, tomar algo que ela nunca teria de volta: na busca de reconquistar algum tipo de funcionalidade para suas pernas, poderia ir mais longe do que deveria se fosse apenas sexo por prazer.
Tudo aquilo era uma questão de propósito, e o fato de que essa conclusão o deixou um pouco vazio não lhe despertava o interesse de examinar a questão mais de perto.
Manny inclinou-se sobre ela.
– Dê-me sua boca, bambina. Deixe-me entrar.
Quando ela fez o que ele pediu, voltou a colocar a mão sobre aquele seio perfeito.
– Shh... calma – ele disse quando ela quase levantou da cama.
Cara, ela brilhava demais e, por um momento, imaginou como seria cavalgar sobre seus quadris e possuí-la com força.
Corta essa agora mesmo, Manello, disse a si mesmo.
Desvencilhando-se da boca dela, aninhou-se sobre seu pescoço e pressionou rapidamente seus dentes sobre a clavícula... foi o suficiente para que ela sentisse, não o suficiente para machucá-la, e soube pela força que fez ao apertá-lo e por sua respiração ofegante que desejava que fosse exatamente onde estava indo.
Acariciando a parte externa de seu seio, estendeu a língua e fez uma trilha lenta ao deslizar até o tenso mamilo rosa. Circulando o topo de seu seio com a boca, observou-a mordendo o lábio inferior, as presas perfuravam a pele e deixavam o sangue vermelho e brilhante escorrer.
Sem um pensamento consciente, lançou-se e capturou o que estava sendo derramado, bebendo, engolindo...
Seus olhos se fecharam com o gosto: rico e obscuro, denso e macio no fundo de sua garganta. Sua boca formigou... e seu intestino também.
– Não – ela disse com uma voz gutural. – Não deve fazer isso.
Quando forçou-se a abrir os olhos, viu que ela lambia o pouco de sangue que havia restado sobre os lábios.
– Sim. Eu devo – ouviu a si mesmo dizer. Precisava de mais. Muito mais...
Ela colocou a ponta do dedo nos lábios dele e balançou a cabeça.
– Não. Vai enlouquecer com isso.
Ia enlouquecer se não enchesse a boca toda com aquilo; era isso o que ia fazer.
O sangue dela era como cocaína e uísque juntos gotejando em uma intravenosa: com aquele pequeno gole, seu corpo ficou como o do Super-Homem, seu peito inchou, todos os músculos encheram-se de poder.
Como se estivesse lendo sua mente, ela disse com firmeza:
– Não, não... não é seguro.
Provavelmente ela estivesse certa... desconsidere o provavelmente. Mas não significava que ele não ia tentar outra vez.
Voltou para o mamilo, sugando e fazendo movimentos rápidos. Quando ela arqueou outra vez, ele apoiou o braço embaixo dela e a ergueu. Tudo o que conseguia pensar era em se colocar entre as pernas dela com sua boca... Mas não tinha certeza de como isso iria acabar. Precisava mantê-la naquela doce zona de excitação... sem assustá-la com qualquer coisa que os homens gostavam de fazer com as mulheres.
Instalou-se para colocar a mão onde desejava que seus lábios estivessem, deslizando a palma da mão devagar ao longo de sua caixa torácica e estômago. Percorreu cada vez mais, para seus quadris. Desceu mais, até a parte superior das coxas.
– Abra para mim, Payne – ele disse, direcionando-se ao outro mamilo, acariciando-o com uma sucção. – Abra para mim para que eu possa tocá-la.
Ela fez exatamente o que pediu, suas pernas graciosas se abriram.
– Confie em mim – ele disse com voz rouca. E poderia mesmo: já se sentia mal o suficiente por todas essas preliminares já estarem acontecendo; não ultrapassaria os limites que tinha estabelecido entre eles.
– Eu confio – ela gemeu.
Que Deus os protegesse, pensou quando a mão dele escorregou até a junção de suas...
– Droga... – ele gemeu. Uma maciez quente, lisa e escorregadia. Inegável.
Estendeu o braço com força, os lençóis saíram voando e seus olhos moveram-se para baixo fixando-se na visão de sua mão aninhada próxima a seu sexo. Quando o corpo dela arqueou, uma de suas pernas caiu para o lado.
– Curandeiro... – ela gemeu. – Por favor... não pare.
– Não sabe o que quero fazer com você – disse a si mesmo.
– Estou com dor.
Manny rangeu os dentes.
– Onde?
– Onde você me tocou e não continuou. Não pare. Eu imploro.
A boca de Manny se abriu e ele começou a respirar por ela.
– Faça o que quiser comigo, curandeiro – ela gemeu. – Seja lá o que for. Sei que sente o mesmo.
Um rosnado saiu dele e ele se moveu tão rápido que a única coisa que poderia detê-lo era se ela dissesse não – e era evidente que essa palavra não existia em seu vocabulário.
Como um raio, estava entre as pernas dela, suas mãos separaram-nas ainda mais, seu sexo aberto implorava face à urgência masculina de dominar e acasalar.
Ele cedeu. Estava ferrado, mas deixou-se levar e beijou o centro de seu sexo; e não houve nada gradual ou gentil nisso; mergulhou nela com sua boca, sugando-a e lambendo-a enquanto ela gritava e arranhava seus antebraços.
Manny gozou. Forte. Apesar de todos os orgasmos que teve naquele escritório. O zumbido formigante em seu sangue, o doce gosto do sexo dela e a maneira como se movimentava contra seus lábios, excitando a si mesma, buscando mais... era além da conta.
– Curandeiro... estou... prestes a... Não sei o que eu...
Lambeu sobre o topo de seu sexo e voltou a movimentar devagar, de maneira mais completa.
– Fique comigo – disse contra ela. – Vou fazer com que sinta prazer.
Movendo a língua delicadamente, levou uma das mãos para baixo e acariciou-lhe sem penetrá-la, dando-lhe exatamente o que desejava, a uma velocidade que a fez lutar com impaciência. Mas ela aprenderia que essa antecipação do gozo era tão boa quanto o orgasmo que estava prestes a ter.
Deus, ela era incrível, aquele corpo rígido dela flexionava, seus músculos ficavam cada vez mais tensos, seu queixo ficava visível entre os seios perfeitos quando a cabeça caía para trás e atingia os travesseiros da cama.
Ele soube quando a explosão em seu sexo aconteceu. Ela ofegou e agarrou os lençóis que cobriam o colchão, rasgando-os com suas unhas enquanto se enrijecia da cabeça aos pés.
Sua língua entrou sorrateiramente.
Ele simplesmente tinha de penetrá-la um pouco... e os impulsos sutis que sentia o deixaram tonto.
Quando teve certeza de que ela havia gozado, moveu-se para trás... e mordeu o lábio quase partindo-o em dois. Ela estava tão, tão pronta para ele, molhada e resplandecendo.
De repente, saiu da cama e teve de andar pelo quarto. Seu membro parecia ter inchado e assumido as dimensões do Empire State; suas bolas estavam azuis como o fundo da bandeira americana... tão desesperadas para gozar que tinham sua própria banda e brigada de fogos de artifício. Mas isso não era tudo; algo nele rugia pelo fato de não estar dentro dela... e o desejo ia além do sexo: queria marcá-la de alguma maneira... algo que não fazia sentido nenhum.
Nervoso, ofegante, no limite, acabou plantando as mãos sobre os batentes da porta que dava para o corredor e inclinando-se até sua testa ficar contra o aço. De alguma maneira, quase tinha a esperança de que alguém invadisse e acabasse com aquilo.
– Curandeiro... ainda persiste...
Por um momento, fechou os olhos com força: não tinha certeza se conseguiria fazer aquilo outra vez com ela tão cedo. Estava quase morrendo por não...
– Olhe para mim – disse ela.
Forçou a erguer a cabeça e olhou sobre o ombro... e percebeu que ela não estava falando de sexo: estava sentada na beira da cama, pernas penduradas e já estava avançando em direção ao chão, seu brilho a iluminava de dentro para fora. No início, tudo o que conseguia enxergar de fato eram seus seios e a maneira como se sustentavam tão arredondados e cheios de graça, os mamilos tensos por causa do ar frio do quarto. Mas, então, deu-se conta de que ela estava girando os tornozelos, um após o outro.
Certo, como pode ver... não se tratava de sexo, mas de sua mobilidade.
Entendeu, imbecil?, disse a si mesmo. Ela queria que a visse caminhando: sexo como remédio... era melhor não esquecer isso. Aquilo não se tratava dele ou de seu pênis.
Manny cambaleou, esperando que ela não notasse o que restou do orgasmo que teve. Mas não precisava se preocupar. Os olhos dela estavam fixos em seus pés, a concentração era feroz.
– Aqui... – teve de limpar a garganta. – Deixe-me ajudá-la a se levantar.