Irmandade da "Adaga Negra"
CAPÍTULO 45
Jesus Cristo, John sabia o que estava fazendo.
Esse foi o único pensamento que disparou na mente de Xhex depois de se acalmar da sublime liberação que John proporcionou com sua boca. E então ela foi prontamente arrebatada outra vez. O aroma de vinculação dele golpeou seu nariz, seus lábios estavam deliciosamente quentes em seu centro, sua ereção era uma provocante e quente extensão em suas pernas...
Quando estendeu sua língua e entrou fundo, ela voou outra vez. O calor molhado que trazia até ela, os golpes suaves quando seus lábios a tocavam e um pouco mais ásperos quando usava o queixo, o circundar de seu nariz contra o ponto mais alto de seu sexo, tudo isso eliminou por completo os pensamentos em seu cérebro – uma perda que estava totalmente disposta a desfrutar.
No meio do fogo, não havia nada além de John... nenhum passado, nenhum futuro, nada além de seus corpos. O tempo não tinha nenhum significado, o lugar não tinha importância e as outras pessoas não interessavam.
Desejou que pudessem ficar assim para sempre.
– Entre em mim – Xhex gemeu, enquanto puxava seus ombros.
John ergueu a cabeça e subiu no corpo dela, sua excitação tocava a parte interna de suas coxas, chegando cada vez mais perto.
Ela o beijou ardentemente, esmagando sua boca contra a dele enquanto usava as mãos para guiá-lo até onde precisava...
O corpo volumoso de John contorceu-se com o contato enquanto ela exclamava:
– Oh, Deus...
A ponta enrijecida de seu membro a abriu e ele deslizou para dentro, gentil e lento, preenchendo-a, esticando-a. Ela arqueou os quadris para que ele pudesse entrar completamente e deslocou as palmas de suas mãos sobre suas costas macias até mergulhá-las no final de sua coluna... e foi ainda mais abaixo, para afundar as unhas em suas nádegas.
Os músculos de John ficaram tensos e se liberaram sob as mãos de Xhex quando ele começou a bombear, e a cabeça dela balançava de um lado para outro sobre o colchonete enquanto ele empurrava e puxava, empurrava e puxava. John era pesado como um carro e seu corpo tinha várias extremidades enrijecidas – e, como pode imaginar, ela se sentia muito bem com tudo isso: tinha curvas suficientes para o acomodar onde precisava de espaço, e ela estava tão perto de gozar outra vez que seus pulmões estavam queimando.
Unindo os tornozelos atrás das coxas dele, Xhex se moveu até que seus corpos estalaram um contra o outro e suas respirações explodiram, então John empurrou seu tronco para cima sustentando o peso nos músculos definidos de seus braços... assim poderia golpear com mais força.
O rosto dele era uma máscara erótica com traços que ela tinha visto tantas vezes, seus lábios deixavam à mostra suas longas presas brancas, suas sobrancelhas apertadas, seus olhos ardentes, sua mandíbula presa com muita força. A cada impulso, seu peitoral e seu abdômen estalavam, o suor em sua pele cintilava na tênue luz. A visão de John foi aquilo que a arrebatou, fazendo-a se entregar completamente.
– Tome minha veia – rosnou para ele. – Tome-a... agora.
Quando ela ricocheteou em outro orgasmo, John foi até sua garganta numa forte investida, sua mordida perfurou seu pescoço enquanto seu próprio orgasmo jorrava dentro dela.
Uma vez que começou a gozar, não conseguiu parar e ela não queria que o fizesse. John continuou se mexendo e bebendo e estremecendo dentro dela, os múltiplos movimentos que o subjugavam penetravam o sexo dela enquanto se alimentava e a possuía intensamente.
Mas era isso o que ela queria.
Quando ele finalmente se acalmou, mais desmoronou do que simplesmente parou sobre ela. Correndo suas mãos para o alto de seus ombros, ela o segurou enquanto ele dava preguiçosas lambidas nas marcas de sua perfuração.
Às vezes você precisa usar um jato de areia para limpar algo corretamente. Delicados e pequenos círculos com uma esponja não conseguem tirar a sujeira e a imundície muito bem. E o que tinham acabado de fazer era um jato de areia e tanto... e, considerando o modo como ele ainda estava duro, ela sabia que havia mais por vir.
John ergueu a cabeça e olhou para ela. Seus olhos estavam preocupados e foi cuidadoso ao tocar levemente o cabelo dela.
Xhex sorriu.
– Não, eu estou bem. Estou mais do que bem.
Um leve sorriso floresceu naquele belo rosto quando gesticulou com a boca: Está mesmo...
– Espere aí, grandão. Você acha que pode me fazer corar como se eu fosse uma garotinha? Com essa conversa doce? – Quando ele confirmou com a cabeça, ela revirou os olhos. – Fique sabendo que eu não sou o tipo de fêmea que fica toda deslumbrada só porque um cara a beija profundamente.
John estava todo másculo quando ergueu uma sobrancelha. E até parece que ela não sentiu um formigamento em suas bochechas.
– Ouça, John Matthew. – Ela tomou seu queixo em sua mão. – Você não vai me transformar numa daquelas fêmeas que ficam piradas por seu amante. Não vai acontecer. Não nasci para isso.
Sua voz era austera e falava sério em cada palavra – só que no instante em que ele girou os quadris e aquela enorme ereção a penetrou, Xhex ronronou.
Ronronou.
O som era totalmente estranho e Xhex o teria engolido de volta garganta abaixo se pudesse. Ao invés disso, simplesmente soltou outro daqueles gemidos que, decididamente, não eram próprios de alguém durão.
John inclinou a cabeça em direção ao seu seio e começou a sugar enquanto continuava empurrando em lentas e constantes penetrações.
Arrebatada, suas mãos encontraram o cabelo dele outra vez, movendo-se pela espessa suavidade.
– Oh, John...
E então ele parou de repente, ergueu os lábios de seu mamilo e sorriu tão largo que foi um milagre não romper os dentes da frente.
Sua expressão refletia um total e completo Te peguei.
– Você é um bastardo – disse ela com uma risada.
Ele assentiu com a cabeça. E pressionou dentro dela com toda sua extensão novamente.
Foi perfeito John conseguir mostrar um pouco quem era o chefe. Simplesmente perfeito. De alguma maneira, isso a fez respeitá-lo ainda mais... afinal, ela sempre amou a força em todas as suas formas. Até mesmo nas provocações.
– Não estou me rendendo, sabia?
Ele apertou os lábios e negou com a cabeça, cheio de uma expressão que dizia “oh, não, claro que não”.
E então John começou a se retirar dela. Quando Xhex grunhiu baixinho em sua garganta, afundou as unhas em seu traseiro.
– Onde você pensa que vai?
John riu silenciosamente, abriu bem as coxas dela e foi descendo até que voltou ao local onde tinha começado... com sua boca envolvendo todo seu sexo.
O nome dele ecoou alto no local, soando ao redor das paredes ladrilhadas enquanto lhe dava mais daquilo que ela queria e precisava.
Ignorar sons de sexo era uma habilidade na qual Blay estava ficando com muuuuita prática.
Enquanto saía da sala de musculação, ouviu o eco do nome de John através da porta fechada da sala de reabilitação. Considerando o tom e a intensidade da voz, ficou claro que uma boa conversa não foi o motivo daquilo.
Mas que bom para eles. Considerando como as coisas tinham sido barra pesada com John e como ele ficou naquelas esteiras, aquilo era uma bênção.
Blay levou um segundo pensando se retornava para a mansão e concluiu que se considerasse o tempo que Qhuinn poderia levar, era muito cedo para se dirigir ao seu quarto. Entrando no vestiário, tomou um banho rápido e se trocou, pegando uma roupa de médico da coleção de Vishous. Lá fora, no corredor, ele se apressou, entrando no escritório e fechando a porta.
Um rápido teste de audição e viu que estava tudo tranquilo até onde ele sabia, o que era exatamente o que estava procurando. Infelizmente, ao observar seu relógio, viu que tinha gastado apenas uma hora e meia no total. E pensar que sempre achou que um banho rápido era uma coisa maravilhosa.
Considerando suas alternativas, decidiu se sentar atrás da escrivaninha. Afinal, não ouvir Xhex e John era uma questão de decoro. Ignorar Qhuinn e Layla? Autopreservação.
Muito melhor aguentar o primeiro do que o último.
Sentando-se na cadeira giratória, encarou o telefone.
Saxton beijava muito bem.
Beijava... bem... demais.
Os olhos de Blay se fecharam por alguns instantes quando um calor passou dentro dele, como se alguém tivesse iniciado um incêndio em seu estômago.
Estendeu a mão para o aparelho... e não conseguiu continuar, sua mão ficou suspensa no ar.
E então se lembrou de Layla ao sair rebolando de seu banheiro, indo em direção a Qhuinn.
Tirando o aparelho do gancho, discou o número de Saxton e se perguntou o que diabos estava fazendo enquanto a linha tocava.
– ... Alô...
Blay franziu as sobrancelhas e se endireitou na cadeira do escritório.
– O que há de errado? – Longa pausa. – Saxton?
Houve uma tosse e um chiado.
– Sim, sou eu...
– Saxton, que diabos está acontecendo?
Houve um silêncio terrível.
– Sabe, adorei beijar você. – A voz estrangulada tornou-se melancólica. – E eu amei – outra tosse – estar com você. Poderia olhar para seu rosto por toda a eternidade.
– Onde você está?
– Em casa.
Blay olhou para seu relógio outra vez.
– Onde fica?
– Está tentando bancar o herói?
– Preciso?
Desta vez, a tosse não parou depois de um breve momento.
– Acho que... eu... tenho que desligar.
Houve um clique e a ligação foi interrompida.
Com seus instintos gritando, Blay saiu às pressas pelo armário no túnel subterrâneo e se desmaterializou depois dos degraus que levavam à mansão.
Tomou forma outra vez em frente à outra porta, centenas de metros mais abaixo.
Na entrada do Buraco colocou seu rosto em frente à câmera e apertou o botão do interfone.
– V.? Eu preciso de você.
Enquanto esperava, rezou para a Virgem Escriba para que Vishous estivesse...
O grande e pesado painel se abriu e V. estava do outro lado, seu cabelo molhado, uma toalha preta ao redor da cintura. Empire State of Mind, de Jay-Z, soava numa batida ao fundo e o odor do tabaco turco de excelente qualidade flutuava no ar.
– O que foi?
– Preciso que consiga um endereço para mim.
Aqueles frios olhos prata se estreitaram, a tatuagem em sua têmpora esquerda se contraiu.
– Que tipo de endereço está procurando?
– Um que se possa conseguir através do número de celular de um civil. – Blay recitou os dígitos que tinha acabado de discar.
V. revirou os olhos e recuou.
– Brincadeira de criança.
E foi mesmo. Algumas investidas no teclado mágico dos brinquedinhos do Irmão e V. ergueu os olhos dos computadores.
– Vinte e um, zero, cinco, condomínio Sienna... O que está fazendo?
Blay falou por sobre o ombro enquanto passava pelos sofás de couro e pela televisão.
– Saindo pela porta da frente.
V. se desmaterializou e bloqueou a saída.
– O sol vai surgir em vinte e cinco minutos, sabia?
– Então não me prenda aqui nem mais um segundo. – Blay ergueu o olhar até os olhos do Irmão. – Deixe-me ir.
Aquilo era inegociável e todo esse sentimento deve ter sido exibido em seu rosto porque V. amaldiçoou baixinho.
– Faça isso rápido ou não vai conseguir voltar.
Quando o Irmão abriu a porta, Blay evaporou no ar saindo direto... e tomou forma no condomínio Sienna, em uma rua muito arborizada, com diversas casas vitorianas de vários tons de cor. Disparou até o 2105, número que estava perfeitamente legível numa placa pintada de verde escuro com um enfeite cinza e preto. A varanda da frente e a porta lateral estavam iluminadas por lanternas, mas do lado de dentro estava tudo escuro.
O que fazia sentido. Seguindo o caminho das vidraças com vidro duplamente refletido, havia venezianas internas por todo o local.
Não havia como passar por elas.
Sem muitas opções de infiltração, uma vez que aqueles protetores nas janelas sem dúvida continham aço, Blay subiu em direção à porta da frente e tocou a campainha.
A luz fraca do horizonte já aquecia suas costas, mesmo não sendo forte o suficiente para sequer projetar sombras. Maldição, onde estava a câmera? Se V. tinha encontrado a casa certa – e... qual é, ele sempre encontrava – deveria ter um sistema de monitoramento de circuito fechado...
Ah, sim, nos olhos do leão no batedor da porta.
Inclinando-se para frente, encontrou o rosto de metal e bateu com os punhos.
– Deixe-me entrar, Saxton. – Quando seus ombros e coluna se aqueceram ainda mais, Blay estendeu a mão atrás de si e ajeitou a parte de cima das roupas que tinha colocado.
O clique da fechadura e a volta na maçaneta fizeram com que ele passasse rapidamente a mão sobre seu cabelo úmido.
Abriu-se apenas uma fresta na porta e pôde ver a casa envolta em densas sombras.
– O que você está fazendo – tosse – aqui?
Blay congelou quando sentiu cheiro de sangue.
Batendo seu ombro nos pesados painéis, investiu seu corpo para dentro.
– Que diabos...
A voz de Saxton retrocedeu.
– Vá para casa, Blaylock. Por mais que eu o adore, não estou em condições de recebê-lo no momento.
Dane-se. Com um rápido movimento, Blay os fechou para manter o sol do lado de fora.
– O que aconteceu? – Embora soubesse. De uma maneira instintiva, ele sabia. – Quem bateu em você?
– Eu estava prestes a tomar banho. Gostaria de se juntar a mim? – Quando Blay engoliu em seco, Saxton riu um pouco. – Tudo bem. Vou tomar um banho e você tomará um café. Pois parece que é meu convidado para passar o dia.
Houve o som da fechadura girando na porta e, em seguida, o macho se afastou arrastando os pés – o que sugeria que ele poderia estar mancando.
Embora não fosse possível ver Saxton na densa escuridão, os sons dele caminhando se dirigiam à direita. Blay hesitou. Não havia sentido em verificar seu relógio outra vez. Sabia que a chance de voltar já tinha passado.
Ele ia mesmo ficar durante o dia.
O outro macho abriu caminho para dentro de um porão, revelando um conjunto de degraus mal iluminados que conduziam à parte inferior. No suave brilho da iluminação, o lindo cabelo loiro de Saxton estava empapado com uma mancha cor de ferrugem.
Blay marchou adiante e agarrou o braço do cara.
– Quem fez isso com você?
Saxton se recusou a olhar para trás, mas seu profundo tremor disse muito sobre o que sua voz já tinha revelado: estava cansado e com dor.
– Digamos... que eu não irei mais a um bar de charutos tão cedo.
Aquele beco do lado do bar... droga, Blay foi embora primeiro, mas concluiu que Saxton tinha feito o mesmo.
– O que aconteceu depois que eu fui embora?
– Não importa.
– Até parece que não!
– Se pudesse fazer a gentileza, permita-me – mais daquela maldita tosse – voltar para a cama. Especialmente se for ficar irritado. Não estou me sentindo muito bem.
Com isso, olhou por cima do ombro.
A respiração de Blay disparou em seus pulmões.
– Oh... meu Deus – sussurrou.
CAPÍTULO 46
O sol estava prestes a rasgar o véu da floresta quando Darius e Tohrment tomaram forma em frente à pequena cabana com teto de palha a quilômetros e quilômetros de distância do local da abdução e da mansão ao lado... e daquela coisa reptiliana que os cumprimentou naquele úmido corredor subterrâneo.
– Tem certeza disso? – Tohrment perguntou, mudando sua bolsa de ombro.
Naquele momento, Darius não tinha certeza de nada. Na verdade, estava surpreso por ele e o garoto terem conseguido sair daquela casa sympatho sem lutar. De fato, foram escoltados como se tivessem sido convidados.
Por outro lado, devoradores de pecados sempre procuravam manter vantagem em tudo e, com certeza, Darius e Tohrment estavam muito agradecidos de sair daquela casa vivos e não o contrário.
– Tem certeza? – Tohrment perguntou outra vez. – Você hesitou em entrar.
– Ah, minha demora não tem nada a ver com você. – Darius se adiantou e pegou o caminho de terra batida que levava à porta da frente da casa, o mesmo que foi criado pelas repetidas vezes que passou com suas botas por ali. – Não posso permitir que durma no chão frio de pedra da Tumba. Minha casa é rústica, mas tem um teto e paredes suficientes para abrigar não apenas uma pessoa, mas duas.
Por um breve momento, imaginou uma fantasia onde vivia como antes, em um castelo cheio de quartos, doggen e uma mobília adorável em um lugar extremamente luxuoso onde podia abrir suas portas para amigos e familiares e ter aqueles a quem amava protegidos, seguros e supervisionados.
Talvez encontrasse uma maneira de ter aquilo outra vez.
No entanto, considerando que não tinha nem família nem amigos, aquilo era algo que nem de longe conseguiria buscar com muito entusiasmo.
Liberando o trinco de ferro fundido, colocou seu tronco contra a porta de carvalho – o que, considerando seu tamanho e peso, parecia mais uma parede móvel. Depois que entraram, acendeu a lâmpada a óleo que pendia na entrada e os fechou lá dentro, deitando uma larga viga grossa ao longo da porta.
Tão modesto. Apenas uma cadeira diante da lareira e uma cama improvisada do outro lado. E não havia muito mais que isso no subsolo, apenas uma boa provisão de alimentos e um túnel escondido que terminava nos limites da floresta.
– Vamos comer alguma coisa? – Darius disse enquanto começava a se desarmar.
– Sim, senhor.
O garoto removeu suas próprias armas e foi até a lareira, agachando-se para acender o sistema de aquecimento que era sempre bem-vindo quando não provocava um incêndio. Quando o cheiro da fumaça do musgo se desvaneceu, Darius levantou a porta do alçapão do chão de terra e foi para o subsolo pegar sua comida, sua cerveja e seus pergaminhos. Voltou com queijos, pães e carne de cervo defumada.
O fogo lançou um brilho no rosto de Tohr enquanto aquecia as mãos e perguntou:
– O que deduz disso tudo?
Darius se uniu ao garoto e dividiu o pouco que tinha a oferecer com o único convidado que já esteve naquela casa.
– Sempre acreditei que o destino às vezes junta estranhos companheiros. Mas pensar que nosso interesses possam estar alinhados com uma daquelas... coisas... é uma aberração. Por outro lado, ele pareceu igualmente chocado e consternado. Na verdade, aqueles devoradores de pecado não nos têm em maior consideração do que temos com relação a eles. Somos apenas ratos em seus pés.
Tohrment tomou a cerveja do frasco.
– Nunca desejaria misturar meu sangue com o deles... eles provocam nojo aos meus sentidos. Todos eles.
– E eles sentem o mesmo. O fato de que seu filho de sangue tomou aquela fêmea e a manteve ali por um dia sequer dentro das paredes de sua casa o deixa doente. Está tão interessado quanto nós que cada um deles retorne para suas respectivas famílias.
– Mas por que usar nossos serviços?
Darius sorriu friamente.
– Para punir o filho. É a punição perfeita... uma fêmea dessa espécie despertar seu “amor” e depois deixá-lo com o fardo da ausência, bem como com o conhecimento de que seres inferiores o superaram. E se a trouxermos para casa em segurança? A família dela irá se mudar e a levará para bem longe e nunca, jamais, permitirá que esse mal se abata sobre ela novamente. Ela ainda viverá muito e a descendência daquele devorador de pecados saberá disso, enquanto ele respirar. Isto está na natureza deles... e é precisamente o tipo de impacto que o pai não conseguiria empreender sem você ou eu. Foi por isso que nos disserem onde ir e o que encontraríamos.
Tohrment balançou a cabeça como se não tivesse entendido a linha de raciocínio da outra raça.
– Ela estará arruinada aos olhos de sua linhagem. Com certeza, a glymera irá rejeitar todos eles.
– Não, não irão. – Darius ergueu a mão para interromper a fala do garoto. – Por que nunca saberão. Ninguém saberá. Este segredo deverá permanecer entre mim e ti. Na verdade, o devorador de pecados não tem motivos para falar sobre isso, pois sua própria espécie o afastaria... assim, a fêmea será preservada da desonra.
– Porém, como conseguiremos enganar Sampsone de tal maneira?
Darius trouxe a jarra de cerveja até seus lábios e bebeu.
– Amanhã, ao cair da noite, devemos seguir para o norte, como o devorador de pecados sugeriu. Devemos achar o que é nosso e trazê-la para casa, para sua família de sangue e dizer a eles que foi um humano.
– E se a fêmea falar?
Darius tinha pensado nisso.
– Suspeito que como filha da glymera, ela tem plena consciência do quanto tem a perder se fizer isso. O silêncio protegerá não só a ela, mas sua família.
Contudo, aquela lógica supunha que ela estaria em seu juízo perfeito quando fosse encontrada. E esse poderia não ser bem o caso. Sendo assim, que a Virgem Escriba alivie a alma torturada da fêmea.
– Pode ser uma emboscada – Tohrment murmurou.
– Talvez, mas eu não acredito. Além disso, não tenho medo de qualquer conflito. – Darius ergueu o olhar para seu protegido. – A pior coisa que pode acontecer é que eu morra na busca de uma inocente... e essa é a melhor maneira de morrer. E se isso for uma armadilha, garanto que levarei uma legião em meu caminho para o Fade.
A face de Tohrment brilhou com respeito e reverência e Darius sentiu tristeza diante daquela exibição de confiança. Se o garoto tivesse tido um pai de verdade, ao invés de um selvagem cheio de luxúria, não teria sentido tal coisa em relação a um estranho.
Muito menos aconteceria naquela modesta cabana.
Contudo, Darius não teve coragem de dizer isso ao seu convidado.
– Mais queijo?
– Sim, obrigado.
Quando terminaram a refeição, os olhos de Darius se voltaram para suas adagas negras, que estavam penduradas nos suportes que usava junto ao peito. Tinha uma estranha convicção de que não levaria muito tempo para que Tohrment tivesse um conjunto daquele... o garoto era esperto, engenhoso e seus instintos eram bons.
Claro, Darius não tinha visto o garoto lutar ainda. Mas chegaria o momento. Naquela guerra, tal momento sempre chegava.
A testa de Tohrment franziu sob a luz do fogo.
– Quantos anos disseram que ela tinha?
Darius limpou a boca em um pano e sentiu que a nuca ficava tensa.
– Não sei.
Os dois caíram em silêncio e Darius, de repente, soube que a informação que girava em sua mente também estava na de Tohrment.
A última coisa que a situação precisava era de uma complicação ainda maior.
Infelizmente, com emboscada ou não, iriam seguir para o norte, para a área costeira que o sympatho tinha indicado. Uma vez lá, seguiriam um quilômetro e meio para fora da pequena vila e encontrariam, sob o penhasco, o refúgio que o devorador de pecados havia descrito... Descobririam, então, se tinham sido remetidos a uma mentira.
Ou se foram utilizados para outros fins que alinhavam os objetivos deles e os daquele magro réptil.
No entanto, Darius não estava realmente preocupado. Devoradores de pecados não eram confiáveis, mas eram egoístas de uma maneira compulsiva... e vingativos, mesmo contra os próprios filhos.
Era um caso de quando a natureza se sobressai ao caráter: você não pode prever o caráter de uma pessoa; mas a natureza o faz absolutamente previsível.
Ele e Tohrment encontrariam o que estavam procurando ao norte, próximo ao mar. Simplesmente sabia disso.
A questão era: em quais condições estaria a pobre fêmea...?
CAPÍTULO 47
Quando John e Xhex finalmente emergiram de seu pequeno momento de intimidade, a primeira parada foi o chuveiro do vestiário. E assim como alimentar-se é importante depois de um exercício pesado, um banho é crucial depois de tudo o que fizeram. Revezaram-se, Xhex entrou primeiro.
Enquanto John esperava a sua vez no corredor, pensava que era engraçado: deveria estar exausto. Ao invés disso, sentia-se energizado, vivo, cheio de força. Nunca tinha se sentido tão forte assim... nunca.
Xhex saiu do vestiário.
– Sua vez.
Cara, ela estava muito sexy, o cabelo curto ondulava-se ao secar, o corpo estava vestido com uma roupa de médico, os lábios vermelhos. Imagens do que haviam feito juntos deixaram-no excitado e ele acabou indo de costas até a porta, apenas para manter os olhos nela.
Assim, quando ela sorriu para ele, seu coração partiu ao meio: o calor e a ternura a transformavam em algo mais que encantador.
Era sua fêmea. Eternamente.
Quando a porta se fechou suavemente entre eles, sentiu um pânico quando a fechadura fez um “clique” de encaixe, como se Xhex não estivesse apenas fora de sua visão, mas absolutamente ausente. O que era uma loucura. Espantando a paranoia, tomou banho rapidamente e vestiu um uniforme médico, ignorando como havia sido rápido no banho.
Ela ainda estava ali quando saiu, e apesar de ter a intenção de pegar a sua mão para se dirigirem até a mansão, acabou abraçando-a com força.
A questão era que todos os mortais acabam perdendo aqueles que amam. É assim que a vida funciona. Mas na maior parte do tempo essa realidade fica distante na mente das pessoas até que o fato perde importância. Contudo, vez ou outra surgem lembretes: os “quase”, os “por pouco” e os “oh Deus, por favor, não”, que rompem a cadeia e fazem você parar para examinar o que existe em seu coração. Como quando uma forte dor de cabeça acaba sendo apenas uma enxaqueca; ou quando num acidente o carro tem perda total, mas o assento do bebê e os airbags salvam todos lá dentro; ou quando alguém que foi sequestrado consegue voltar do cativeiro... esses acontecimentos fazem você acordar e desejar abraçar a pessoa que ama.
Deus, nunca havia pensado muito sobre isso antes, mas desde o primeiro batimento cardíaco do corpo, uma campainha é acionada e um relógio começa a correr. Uma negociação que não se tem consciência de ter aceitado é colocada em jogo, com o destino segurando todas as cartas. Enquanto os minutos, horas, dias, meses e anos passam, a história é escrita enquanto você corre contra o tempo até a última batida de seu coração, que marca o fim do percurso e registra as vitórias e derrotas.
Estranho como a mortalidade fazia daqueles momentos com ela infinitos.
E enquanto segurava Xhex contra ele, sentia o calor dela ampliar o seu, sentia-se rejuvenescido até a essência de seu ser, equilibrado, respirando no território do “vale a pena viver”.
O ronco do estômago dele foi o que os separou.
– Vamos lá – disse ela. – Precisamos alimentar essa fera.
Ele assentiu, agarrou a mão dela e começou a andar.
– Tem que me ensinar a linguagem dos sinais – Xhex disse enquanto iam para o escritório e abriam a porta da despensa. – Tipo, agora.
Ele assentiu outra vez enquanto entravam no limitado espaço e Xhex os fechava ali dentro juntos. Hum... outra dose de intimidade. Porta fechada... roupas soltas...
O macho safado nele avaliou o espaço que tinham para se movimentarem, fazendo com que seu membro estremecesse dentro da roupa médica. Se ela colocasse suas pernas ao redor de seus quadris, poderiam se encaixar bem...
Xhex chegou mais perto e colocou a mão sobre a ereção que havia atrás do fino algodão que cobria seus quadris. Na ponta dos pés, roçou o pescoço dele com os lábios, uma presa arranhava sua jugular.
– Se continuarmos assim, nunca vamos encontrar uma cama. – Ela baixou ainda mais a voz enquanto o acariciava. – Deus, você é grande... Já disse o quanto você entra profundamente em mim? Vai bem fundo. É booom e muito profundo.
John caiu contra uma pilha de blocos de papéis jurídicos amarelos, derrubando-os da prateleira. Enquanto lutava para pegá-los antes que caíssem todos ao chão, ela o deteve, erguendo-o outra vez.
– Fique onde está – ela disse, ajoelhando-se. – Gosto muito dessa visão.
Enquanto ela tentava pegar o que tinha caído, seus olhos se fixaram na ereção dele – a qual, naturalmente, fez uma tentativa de se libertar, pressionando o que a mantinha oculta de seu olhar, sua boca, seu sexo.
As mãos de John se agarraram à borda de uma das prateleiras enquanto a observava olhar para ele, sua respiração soava como uma serra em seus pulmões.
– Acho que peguei todos os blocos – ela disse depois de um momento. – É melhor que coloquemos todos de volta no lugar.
Ela encostou nas pernas dele e lentamente começou a levantar-se, o rosto acariciando os joelhos, as coxas...
Xhex passou por cima de seu membro, os lábios acariciando a parte inferior da coisa. Quando John relaxou a cabeça, recostando-a na prateleira, ela continuou seu caminho ascendente de modo que seus seios foram os próximos a tocar aquele lugar elétrico.
Ela finalizou a tortura ao colocar os blocos de papéis de volta no lugar... enquanto esmagava seus quadris contra os dele.
Em seu ouvido, sussurrou:
– Vamos comer rápido.
Claro. Bem. Rápido.
Ela se afastou dele depois de dar uma mordiscada na orelha, mas ele ficou beeem onde estava. Pois se o uniforme cirúrgico fizesse um pouco mais de atrito naquela equação que envolvia seu pênis, ficaria coberto com seu próprio orgasmo.
O que geralmente não era ruim, ao menos não quando estava com ela, mas era preciso levar em conta que aquele não era exatamente um lugar privado. A qualquer momento podia entrar algum dos Irmãos ou suas shellans e se deparar com aquela visão, ninguém se sentiria bem com a situação.
Depois de praguejar e fazer um verdadeiro reposicionamento abaixo da cintura, John teclou um código e abriu caminho até o túnel.
– Então, qual é o sinal para a letra A? – ela perguntou enquanto saíam e começavam a caminhar.
Quando chegaram ao “D” estavam saindo da porta oculta que havia embaixo da escada principal da mansão. A letra “I” foi ensinada no interior da cozinha, a caminho da geladeira. O “M” foi feito em meio a um par de sanduíches... e por estarem de mãos ocupadas com o peru assado, a maionese, a alface e o pão, não avançaram muito no alfabeto. Nem durante o tempo em que se empenharam em comer, apenas “N”, “O” e “P”, mas ele percebia que ela estava praticando em sua mente, seus olhos fixos na meia distância que havia entre eles, evidenciando que repassava mentalmente o que havia lhe ensinado.
Ela aprendia rápido e isso não era uma surpresa. Limpando a louça, foram do “Q” ao “V” e estavam saindo da cozinha quando ele ensinou o “X”, o “Y” e o “Z”...
– Que bom, eu estava lhe procurando. – Z. se deteve no arco que separava a sala de jantar. – Wrath convocou uma reunião. Xhex, você vai querer estar lá.
O Irmão girou em um passo lento, cruzou o mosaico de macieira que havia no piso do saguão e dirigiu-se à grande escadaria.
– Seu rei costuma fazer isso no meio do dia? – perguntou Xhex.
John balançou a cabeça e ao mesmo tempo gesticulou e fez com a boca: está acontecendo alguma coisa.
O casal seguiu Z. rapidamente, subindo as escadas de dois em dois degraus.
No segundo andar, toda a Irmandade estava amontoada no escritório de Wrath e o rei estava sentado no trono de seu pai atrás da escrivaninha. George estava deitado junto a seu dono e Wrath acariciava a cabeça do golden retriever com uma de suas mãos, enquanto com a outra fazia girar no ar um abridor de cartas em forma de adaga.
John ficou atrás, não só porque o local estava lotado de corpos grandes. Ele queria estar perto da porta.
O humor de Xhex havia mudado completamente.
Parecia que havia trocado a roupa emocional, tinha mudado de uma camisola de flanela para uma armadura: estava inquieta ao seu lado, deslocando seu peso para frente e para trás, passando de um pé a outro.
Ele sentia o mesmo.
John olhou em volta. Do outro lado, Rhage estava abrindo um pirulito e V. acendia um cigarro enquanto colocava Phury no viva-voz. Rehv, Tohr e Z. andavam para lá e para cá e Butch estava em seu sofá posando de Hugh Hefner, o fundador da Playboy, com seu roupão de seda. E Qhuinn estava apoiado contra a parede perto das cortinas de um azul pálido e era evidente que tinha acabado de fazer alguns movimentos sensuais: seus lábios estavam vermelhos, havia marcas de dedos em seu cabelo e tinha metade da camisa para fora da calça.
O que levava a perguntar se ele não estava escondendo uma ereção.
Onde estaria Blay? E com quem Qhuinn tinha acabado de ter relações?
– Então, V. recebeu uma maldita mensagem de voz. – Enquanto Wrath falava, seus óculos escuros examinavam a multidão, ainda que por trás deles estivesse totalmente cego. – Ao invés de ficar explicando, vou reproduzir para vocês.
Vishous colocou o cigarro entre os lábios enquanto acionava o telefone e dançava com os dedos sobre os números do teclado, discando e colocando as senhas.
E então John ouviu aquela voz. Aquela maldita voz pretensiosa.
– Aposto que não esperavam ter notícias minhas outra vez. – O tom de Lash era de sinistra satisfação. – Surpresa, filhos da mãe, e adivinhem? Estou prestes a fazer um favor para vocês. Talvez queiram saber que esta noite houve uma indução em massa na Sociedade Redutora. Em uma fazenda na Rodovia 149. Aconteceu por volta das quatro da manhã, então, se moverem seus traseiros e se dirigirem para lá assim que a noite cair, pode ser que ainda os encontrem vomitando por todo o lugar. Só para informá-los, usem botas à prova d’água... aquilo está uma bagunça, tem sangue por toda parte. Ah, e diga à Xhex que ainda posso sentir seu sabor...
V. interrompeu o viva-voz.
Quando os lábios de John se abriram revelando suas presas, soltou um rosnado mudo e o quadro que estava na parede atrás dele estremeceu.
Quando George choramingou, Wrath o acalmou e apontou o outro lado da sala com o abridor de cartas.
– Terá sua oportunidade com ele, John. Juro sobre o túmulo de meu pai. Contudo, preciso que se concentre no jogo agora, entende?
Era mais fácil dizer do que fazer. Refrear o impulso assassino era como tentar conter um pitbull com uma das mãos atrás das costas.
Junto a ele, Xhex franziu a testa e cruzou os braços sobre o peito.
– Estamos entendidos? – perguntou Wrath.
Quando finalmente John assoviou concordando, Vishous exalou uma nuvem de fumaça de tabaco turco e clareou a garganta.
– Ele não deixou um endereço exato para esse tal massacre. E eu tentei rastrear o número do qual ligou e não consegui nada.
– O que eu gostaria de saber é... – disse Wrath – que porcaria está acontecendo? Ele é o chefe da Sociedade Redutora... então, se a mensagem fosse algo do tipo “eu sou o melhor dentre todos eles”, legal, eu entenderia. Mas não foi isso o que entendi.
– Ele está delatando. – Vishous apagou o cigarro no cinzeiro. – Isso é o que soou para mim... entretanto, eu não apostaria nenhuma parte do meu corpo nisso.
Agora que John tinha enjaulado o seu inferno interior e era capaz de raciocinar corretamente, sentia-se inclinado a concordar com o Irmão. Lash era um bastardo egoísta e tão confiável quanto uma cascavel, mas a questão era que, quando não se podia contar com a moralidade, definitivamente podia se contar com o narcisismo: isso fazia com que o bastardo fosse totalmente previsível.
John tinha certeza disso... a ponto de ter a impressão de já ter passado por tudo aquilo antes.
– É possível que tenha sido destronado – murmurou Wrath. – Será que o bom e velho pai decidiu que o filho não era tão divertido, afinal? Ou será que o novo brinquedinho já quebrou? Há alguma coisa na estranha biologia de Lash que possa estar aparecendo somente agora? Quero ir até lá pensando que é uma emboscada...
Na sala houve um grande consenso pelo plano, assim como alguns comentários agressivos envolvendo o traseiro de Lash e vários tipos de instrumentos de grande calibre que poderiam utilizar nele, sendo que botas eram as menos criativas.
Por exemplo, John tinha sérias dúvidas de que Rhage pudesse de fato estacionar seu carro no lugar onde o sol não brilha do cara. Ou sequer gostaria mesmo de fazer isso.
Cara... que sequência de acontecimentos. E ainda assim não era mesmo nenhuma surpresa... se o que estivessem imaginando de fato tivesse acontecido. O Ômega era conhecido por trocar de Redutor Principal tão rápido quanto um relâmpago e o sangue não era tão importante quanto o mal, por assim dizer. E se Lash foi jogado na sarjeta, a sua ligação para a Irmandade, mesmo com o propósito de mostrar o dedo do meio para seu pai, era uma manobra brilhante... especialmente quando os redutores estão mais fracos, logo após suas induções e, portanto, incapazes de se defenderem.
Os Irmãos poderiam limpar a casa.
Jesus Cristo, pensou John. O destino às vezes junta estranhos companheiros.
Xhex estava fervendo em fogo baixo enquanto permanecia em pé junto a John naquele escritório que, salvo pela mesa de trabalho e o trono, poderia ser a sala de estar de uma fêmea francesa.
O som da voz de Lash saindo daquele telefone a fez sentir como se o seu estômago tivesse sido esfregado com amônia, a queimação e a agitação produziam uma rotina desagradável com aquele pobre e bem-intencionado sanduíche de peru que tinha acabado de comer.
E a conclusão de Wrath de que John ia defender a honra dela não acalmava as coisas.
– Então vamos nos infiltrar – disse o Rei Cego. – Ao cair da noite, todos vocês dirijam-se à Rodovia 149 e...
– Eu irei agora – ela falou alto e claro. – Dê-me algumas armas e uma faca e vou checar isso agora mesmo.
Certo. Nem tirando o pino de uma granada de mão e atirando no meio da sala ela poderia ter conseguido mais atenção.
Enquanto a grade emocional de John ficava negra com um “oh não você não vai”, Xhex começou a contagem regressiva para a explosão.
Três... dois... um...
– Essa é uma oferta muito generosa – disse o rei adotando um tom de “vamos tentar persuadir a fêmea”. – Mas eu penso que é melhor...
– Não pode me deter. – Ela deixou cair os braços... então disse a si mesma que não estava a ponto de atacar fisicamente o cara. De verdade. Não estava.
O sorriso do rei foi quase tão quente quanto gelo seco.
– Sou o soberano aqui. O que significa que se digo que deve aguardar, você vai fazer isso.
– E eu sou uma sympatho. Não faço parte de seus súditos. Sendo mais objetiva: você é inteligente o suficiente para não enviar o que tem de melhor – ela fez um gesto ao redor da sala – em uma possível emboscada feita pelo inimigo. Estou disponível... ao contrário deles. Pense nisso. Vai perder um deles apenas porque não quer que eu pegue um pouco de sol hoje?
Wrath riu de maneira rígida.
– Rehv? Poderia ponderar sobre isso como rei da raça dela?
Do outro lado da sala, seu antigo chefe e querido amigo, olhou fixamente para ela com seus olhos ametistas que sabiam demais.
Você vai se matar – disse a ela em pensamento.
Não me detenha – ela respondeu. – Nunca irei perdoá-lo.
Continue agindo assim e o perdão é a última coisa com a qual vou me preocupar. Sua pira funerária vai tomar mais do meu tempo.
Não o detive quando foi até a colônia quando precisou. Inferno, você atou minhas mãos, então não pude. Está dizendo que não mereço minha vingança? Vá se ferrar!
Rehvenge apertou a mandíbula com tanta força que quando finalmente abriu a boca, Xhex se surpreendeu que não tivesse cuspido pedaços de dente.
– Ela pode ir e fazer o que quiser. Você não pode salvar uma pessoa se ela não quiser embarcar no maldito bote salva-vidas.
A fúria do macho absorveu a maior parte do ar da sala, mas ela estava tão concentrada que não precisava que seus pulmões funcionassem direito mesmo.
A obsessão era tão boa quanto o oxigênio. E qualquer coisa que tivesse a ver com Lash era combustível para seu fogo.
– Preciso de armas – disse ela para o grupo. – E roupas de couro e um telefone para comunicação.
Wrath rosnou baixo e profundo. Como se fosse tentar prendê-la mesmo contrariando a autorização de Rehv.
Caminhando para frente, Xhex plantou as palmas das mãos na mesa de trabalho do rei e inclinou-se.
– Pode me perder ou correr o risco de perdê-los. Qual a sua resposta, vossa alteza?
Wrath levantou-se, e por um momento, Xhex captou um claro sinal de que apesar dele ocupar o trono, ainda era totalmente letal.
– Cuidado. Com. O tom de voz. Na minha maldita casa.
Xhex inalou profundamente e se acalmou.
– Peço desculpas. Mas precisa entender o meu lado.
Enquanto o silêncio se expandia, ela podia sentir a ameaça iminente de John... e soube que mesmo passando pelo bloqueio do rei, ainda teria que gastar um bom tempo negociando com o macho que estava perto da porta. Mas a sua partida não estava aberta a discussões com ninguém.
Wrath amaldiçoou baixo e longamente.
– Certo. Vá. Não serei responsável se você se matar.
– Vossa alteza, nunca foi responsável por isso. Ninguém é, apenas eu... e nenhuma coroa mudará isso.
Wrath olhou na direção de V. e praticamente grunhiu:
– Eu quero essa fêmea coberta de armas.
– Sem problemas. Vou abastecê-la bem.
Quando começou a acompanhar Vishous, ela parou em frente a John e desejou que houvesse uma maneira diferente de jogar – especialmente quando ele a segurou pelo braço com força. Mas o fato era que a oportunidade estava lá fora e ela tinha até o cair da noite para aproveitá-la: se havia alguma pista de onde Lash poderia estar, seria melhor que a usasse para chegar até ele se quisesse dar um bote certeiro sobre o bastardo. Ao anoitecer? John e a Irmandade estariam livres para encarregar-se da situação... e eles não iriam hesitar em matar o alvo.
Sim, Lash teria que pagar pelo que tinha feito a ela, mas precisava ser a única a cobrar essa dívida, afinal, essa era sua especialidade: enterrar aqueles que a fizeram sofrer.
Em voz baixa, para que ninguém mais pudesse ouvi-la, Xhex disse:
– Não sou alguém que precise proteger, e sabe muito bem porque tenho que fazer isso. Se você me ama como acredita que ama, soltará meu braço. Antes que eu o arranque de sua mão.
Quando ele empalideceu, ela rezou para não ter que usar a força bruta.
Mas não foi necessário. Ele liberou o braço.
Atravessando a porta do escritório, passou na frente de V. e ladrou sobre o ombro:
– O tempo está passando, Vishous. Preciso de armas.
CAPÍTULO 48
Quando Xhex saiu com V., o primeiro pensamento de John foi descer as escadas, colocar-se em frente à porta e bloquear fisicamente a saída dela.
O segundo pensamento foi de ir com ela... embora isso apenas aumentaria o problema com a Irmandade.
Jesus Cristo, toda vez que pensava ter alcançado um novo nível com ela, o tapete era puxado debaixo de seus pés e aterrissava num ponto mais difícil e infernal: ela tinha acabado de se oferecer para ir a um local desconhecido que ela mesma admitiu ser perigoso demais para os Irmãos. E estava fazendo isso sem apoio e sem deixar nenhuma opção de ajudá-la se fosse atingida.
Enquanto Wrath e Rehv caminhavam até John, o escritório entrou novamente em foco diante de seus olhos e ele percebeu que todos já tinham ido embora – exceto Qhuinn, que estava se movimentando sem parar num dos cantos da sala, franzindo a testa para seu celular.
Rehvenge exalou profundamente, com certeza estava no mesmo maldito barco que John.
– Escute, eu...
John gesticulou rápido: Que diabos você está fazendo, deixando-a sair daquele jeito?
Rehv passou mão sobre o corte de cabelo moicano.
– Vou cuidar dela...
Você não pode sair durante o dia. Como diabos vai...
Rehv rosnou de maneira profunda e baixa.
– Cuidado com a sua atitude, garoto.
Certo. Ok. Disse a coisa errada, no dia errado: John chegou bem perto do rosto do cara, despiu suas presas e pensou em voz alta e clara: É a minha fêmea lá fora. Sozinha. Então, pode pensar o inferno que quiser sobre a minha atitude.
Rehv amaldiçoou e fixou um olhar duro em John.
– Tenha cuidado com essa coisa de “sua fêmea”... estou apenas dizendo. No final, o jogo dela não envolve ninguém além dela mesma, entende?
O primeiro instinto de John foi dar um soco no bastardo, simplesmente acertá-lo nos olhos.
Rehv riu com força.
– Quer tentar? Por mim tudo bem. – Colocou sua bengala vermelha de lado e jogou seu casaco de pele nas costas de uma cadeira ornamentada. – Mas isso não vai mudar nada. Acha que alguém pode entendê-la melhor do que eu? Eu a conheço a mais tempo do que você vive.
Não, não conhece, John pensou, por algum motivo estranho.
Wrath se colocou entre eles.
– Ok, ok, ok... Cada um para um lado, meninos. Vocês estão pisando em um tapete muito fino. Se deixarem cair sangue nele, Fritz vai me azucrinar até não poder mais.
– Olha, John, não estou tentando irritá-lo – Rehv murmurou. – Só que eu sei como é amá-la. Não é culpa dela ser assim, mas é terrível para as outras pessoas, confie em mim.
John deixou cair os punhos. Droga, por mais que quisesse argumentar, o filho da mãe provavelmente estava certo.
Risque o “provavelmente”. Ele estava certo... John tinha aprendido isso da maneira mais difícil. Várias vezes.
É verdade, assinalou com a boca.
– Isso resume tudo muito bem.
John deixou o escritório e desceu para o saguão com alguma esperança vã de que poderia convencê-la a não sair. Enquanto andava sobre o piso de mosaico, cortando o caminho sobre o desenho da macieira, pensou no abraço que compartilharam do lado de fora do vestiário. Eles estavam tão próximos, como diabos chegaram a... isso?
Aquele momento aconteceu mesmo? Ou seu lado sensível tomou forma apenas para mostrar o quanto ele era patético?
Dez minutos depois, Xhex e V. saíram pela porta secreta sob a grande escadaria.
Quando ela caminhou atravessando o saguão, estava como quando John a viu pela primeira vez: calças de couro preta, botas e camiseta regata preta. Havia uma jaqueta de couro pendurada em sua mão e armas amarradas ao seu corpo em quantidade suficiente para equipar uma equipe da SWAT.
Ela fez uma pausa ao se aproximar dele, e quando seus olhos se encontraram, pelo menos ela não se incomodou em dizer qualquer coisa do tipo “vai dar tudo certo”. Por outro lado, ela não ia ficar. Nada do que ele pudesse dizer mudaria isso – a determinação era evidente em seus olhos.
Considerando as coisas como estavam agora, ele achou muito difícil acreditar que ela havia algum dia envolvido os braços ao redor dele.
Assim que V. abriu a porta do saguão, ela virou-se e atravessou a porta sem uma palavra, nem mesmo um olhar para trás.
Vishous trancou novamente a porta enquanto John olhava para os painéis pesados e se perguntava em quanto tempo exatamente poderia abrir caminho para sair através deles.
O raspar de um isqueiro foi seguido por uma expiração lenta.
– Dei a ela o melhor de tudo. Duas armas calibre 40. Três pentes para cada arma. Duas facas. Um celular novo. E ela sabe como usar tudo.
A mão pesada de V. bateu-lhe no ombro e apertou e, em seguida, o Irmão partiu, as botas pisando num ritmo pesado por todo o chão de mosaico. Um segundo depois, a porta oculta pela qual Xhex emergiu fechou-se enquanto ele descia pelo túnel para voltar ao Buraco.
Desamparo realmente não combinava com ele, John pensou, sua mente começando a zumbir da mesma maneira que tinha feito quando Xhex o havia encontrado no chão do chuveiro do vestiário.
– Quer assistir à TV?
John franziu a testa ao ouvir a voz calma e olhou para a direita. Tohr estava na sala de bilhar, sentado no sofá de frente para a tela plana sobre a lareira ornamentada. Suas botas de combate estavam em cima da mesa de centro, o braço corria ao longo das costas do sofá, o controle remoto encarava a TV Sony.
Ele não o olhou. Não disse mais nada. Ficou apenas mudando os canais.
Escolhas, escolhas, escolhas, John pensou.
Ele poderia sair correndo atrás dela e queimar ao sol. Ficar na frente da porta como um cachorro. Descascar a própria pele com uma faca. Beber até entrar num estado de estupor.
Vindo da sala de bilhar, ouviu um estrondo abafado e depois os gritos de uma multidão.
Atraído pelo som, entrou e parou diante da mesa de sinuca. Sobre a cabeça de Tohr, viu Godzilla pisoteando uma maquete do centro de Tóquio.
Na verdade, um tanto inspirador.
John foi até o bar e serviu-se de uísque, em seguida sentou-se ao lado de Tohr e colocou os pés em cima da mesa também.
Quando se concentrou na televisão, provou o uísque no fundo de sua garganta e sentiu o calor que foi aceso pelo caminho, sentiu o liquidificador em seu cérebro desacelerar um pouco. Depois, mais um pouco. E ainda mais.
Hoje seria um dia difícil, mas pelo menos não estava mais pensando em morrer sob raios de sol.
Algum tempo depois, percebeu que estava sentado ao lado de Tohr, os dois esticados como faziam naquela casa quando Wellsie ainda era viva.
Deus, ultimamente ele estava tão chateado com o cara que tinha esquecido como era fácil só passar um tempo com o Irmão: de alguma maneira, sentiu como se tivesse feito isso por muito tempo, os dois diante do fogo, uma bebida em uma das mãos, a exaustão e o estresse na outra.
Quando Mothra voou para uma ação asa contra garra com o Godzilla, John pensou em seu antigo quarto.
Virando-se para Tohr, gesticulou: Escute, quando estive na casa hoje à noite...
– Ela contou. – Tohr tomou um gole do seu pequeno copo. – Sobre a porta.
Sinto muito.
– Não se preocupe. Coisas como essas podem ser consertadas.
É verdade, John pensou, voltando-se para a televisão. Ao contrário de tantas outras coisas.
De longe, contra a parede oposta, Lassiter soltou um suspiro sugerindo que alguém tinha cortado fora sua perna e não havia um médico por perto.
– Nunca deveria ter lhe dado o controle remoto. Isso é apenas um cara com uma fantasia de monstro, golpeando uma maquete. Vamos lá, estou perdendo o programa da Maury.
– Que pena.
– Testes de paternidade, Tohr. Com um botão, está bloqueando testes de paternidade. Isso é um saco.
– Só para você.
Enquanto Tohr mantinha sua visão em Godzilla, John deixou a cabeça cair para trás contra as almofadas de couro.
Quando pensou em Xhex lá sozinha, sentiu como se tivesse sido envenenado. O estresse era literalmente uma toxina na sua corrente sanguínea, deixando-o tonto, nauseado e tenso.
Lembrou-se de como ele pensava antes de encontrá-la. De como estava no controle de seus sentimentos, de como até mesmo se ela não o amasse, ele ainda poderia amá-la, fazer o que era certo e deixá-la viver sua vida e blá, blá, blá.
Pois é, dane-se tudo isso.
Ele não se sentia bem sabendo que ela estava lá fora sozinha. Sem ele. Mas com certeza ela não ouviria a ele ou qualquer outra pessoa.
E quanto você poderia apostar que ela estava lutando para encontrar Lash antes do anoitecer – quando John poderia finalmente estar no campo de batalha. De alguma maneira, não deveria importar qual deles pegaria aquele lixo... mas isso era ele falando racionalmente. Em seu interior, não podia suportar outra fraqueza – como, oh, digamos, sentar de braços cruzados enquanto sua fêmea tentava matar o filho do mal e, provavelmente, seria mortalmente ferida ao fazer isso.
Sua fêmea...
Ah, mas espere. Só porque ele tinha seu nome tatuado nas costas não queria dizer que ele a possuía – era apenas um monte de letras pretas em sua pele. O fato era que ela o possuía. Era diferente. Muito diferente.
Significava que ela poderia ir embora com bastante facilidade.
Já tinha ido, na verdade.
Dane-se. Rehv parecia ter resumido a situação melhor do que ninguém: no final, o jogo dela não envolve ninguém além dela mesma.
Algumas horas de sexo não iam mudar isso.
Nem o fato de que, gostasse ou não, havia levado com ela seu coração para lutar à luz do dia.
Qhuinn foi para seu quarto e foi direto para o banheiro com pernas surpreendentemente estáveis. Ficou muito bêbado antes da reunião de emergência ser convocada, mas a ideia da fêmea de John sozinha em plena luz do dia, andando em direção a um desastre, deu um jeito de acabar com a sensação alcoólica.
Por outro lado, estava lidando com dois problemas desse tipo ao mesmo tempo.
Blay também estava lá fora sozinho no mundo.
Bem, não estava sozinho, estava desprotegido.
Aquela mensagem que veio através de um número desconhecido tinha resolvido o mistério de onde ele estava e mais alguns: Vou passar o dia com Saxton. Estarei em casa depois do anoitecer.
Assim era Blay. Qualquer pessoa no mundo teria reduzido essa mensagem para: Passar o dia c Sax. Ksa a nte.
No entanto, as mensagens do cara eram sempre gramaticalmente corretas. Como se a ideia de deturpar a gramática o fizesse sofrer.
Blay era engraçado assim. Todo adequado e tal: mudava de roupa para as refeições, trocava calças de couro e camisetas por camisas francesas e calças sociais. Tomava banho pelo menos duas vezes por dia, mais se lutasse. Fritz achava seu quarto uma completa frustração porque nunca havia qualquer bagunça para limpar.
Tinha modos à mesa iguais aos de um conde, escrevia cartas de agradecimento que faziam chorar e nunca, nunca falava palavrões na presença de fêmeas.
Deus... Saxton era perfeito para ele.
Qhuinn afundou em sua própria pele quando percebeu isso, imaginando o idioma sendo usado muito corretamente por Blay naquele momento enquanto o outro macho o possuía.
Sem dúvida, o dicionário nunca havia sido tão bem utilizado.
Sentindo-se como se tivesse levado um golpe na cabeça, Qhuinn deixou correr a água fria na pia e salpicou o rosto com o líquido até as bochechas formigarem e a ponta de seu nariz começar a ficar dormente. Enquanto se enxugava com a toalha, voltou a pensar em quando esteve naquela loja de tatuagens, na transa que teve com a recepcionista.
A cortina que separava os dois do resto do lugar era suficientemente fina para que, com seus olhos díspares, porém muito úteis, pudesse ver tudo o que estava acontecendo do outro lado. Via a todos, também. De modo que quando a garota estava de joelhos na frente dele, Qhuinn virou a cabeça, olhou para fora... e viu Blay.
A boca molhada que ele penetrava, de repente já não era mais a boca de uma estranha e sim a de seu melhor amigo, e a mudança levou o sexo de um ato que simplesmente atendia a uma necessidade, a algo incendiário.
Algo importante.
Algo primário, erótico, inebriante.
Por isso Qhuinn a puxou para cima, a girou e a tomou por trás. Só que enquanto golpeava com os quadris em sua fantasia, percebeu que Blay estava observando... e isso mudou tudo. Teve que se lembrar de repente com quem estava transando – e foi por isso que puxou a cabeça da menina junto à sua e obrigou-se a olhar em seus olhos.
Ele não atingiu o orgasmo.
Enquanto ela gozava, ele fingia... a verdade era que sua ereção tinha começado a se desvanecer no instante em que olhou para o rosto dela. A única coisa que o salvou foi que ela claramente não sabia a diferença, estando excitada o suficiente pelos dois... e, além disso, ele fingiu como um profissional, exagerando como se estivesse muito satisfeito depois de tudo.
Mas havia sido uma mentira total.
Com quantas pessoas ele tinha transado assim em sua vida, todos os “Certo, agora esqueça que me conheceu, ok?”. Centenas de pessoas. Centenas e centenas... e tudo isso apesar de atuar no jogo há apenas um ano e meio. No entanto, as noites no ZeroSum, pegando de três a quatro garotas, possibilitaram chegar a um número tão alto em tão pouco tempo.
Claro, muitas dessas sessões foram com Blay, ele e seu amigo pegavam as mulheres juntos. Na verdade, os dois não “interagiam” durante as orgias no banheiro do clube... mas com certeza observavam um ao outro. E imaginavam como seria. E talvez acontecesse uma masturbação ocasional, quando a lembrança era muito vívida.
Pelo menos da parte de Qhuinn.
No entanto, tudo acabou quando Blay colocou um ponto final ao perceber que era gay e que estava apaixonado por ele.
Qhuinn não aprovava sua escolha. De jeito nenhum. Um cara como Blaylock merecia alguém muito, muito melhor.
E parecia que estava dirigindo por uma estrada que iria levá-lo exatamente a isso. Saxton era um macho de valor. De todas as maneiras.
O filho da mãe.
Olhando para o espelho sobre a pia, Qhuinn não conseguia ver nada porque estava totalmente escuro, tanto no banheiro quanto no quarto. E não era só por isso que não conseguia ver seu reflexo.
Era porque estava vivendo uma mentira, e em momentos tranquilos como aquele, sabia disso com tal convicção que ficava enjoado.
Seus planos para o resto de seus dias... oh, seus gloriosos planos.
Planos futuros perfeitamente “normais”.
Envolvendo uma fêmea de valor, não uma relação a longo prazo com um macho.
A questão era que machos como ele, machos com algum defeito... como, oh, digamos, uma íris que era azul e outra verde... eram desprezados na aristocracia, sendo evidência de uma falha genética. Eram constrangimentos a serem escondidos, segredos vergonhosos a serem enterrados: passou anos vendo sua irmã e seu irmão serem elevados em pedestais, enquanto todos que cruzavam seu caminho realizavam rituais contra mau-olhado para se proteger.
Seu próprio pai o odiava.
Então, não era preciso ter um diploma de psicólogo para entender que ele apenas queria ser “normal”. E estabelecer-se com uma fêmea de valor, caso conseguisse achar alguém que suportasse sua falha genética, era vital para seu final superfeliz.
Ele sabia que se tivesse se envolvido com Blay isso não ia acontecer.
Também sabia que seria necessário apenas uma transa e ele nunca ia deixar o cara.
Não que os Irmãos não aceitassem homossexuais. Inferno, lidavam bem com isso – Vishous tinha estado com machos e ninguém comentava nada, nem julgava, nem se importava. Ele era apenas um de seus Irmãos. E Qhuinn já tinha cruzado a linha de vez em quando só para se divertir e todos sabiam sobre isso e não davam a mínima.
No entanto, a glymera se importava.
E ele ficava irritava consigo mesmo pelo fato de ainda se importar com os filhos da mãe. Como sua família tinha ido embora e o núcleo da aristocracia da raça tinha se espalhado pela costa leste, não tinha qualquer contato com aqueles cretinos. Mas era um cão muito bem treinado para ser capaz de esquecer que existiam.
Ele simplesmente não conseguia se libertar.
Irônico. Por fora, era todo durão. Por dentro? Ele era um verdadeiro covarde.
De repente, quis dar um soco no espelho, embora tudo exibido fosse um monte de sombras.
– Senhor?
Na escuridão, fechou os olhos com força.
Droga, tinha esquecido que Layla ainda estava em sua cama.
CAPÍTULO 49
Xhex não tinha certeza exata de qual fazenda estava procurando, então se materializou em uma área arborizada fora da Rodovia 149 e usou seu olfato para lhe dizer a direção a seguir: o vento soprava do norte, e quando ela captou o menor sinal do aroma de talco de bebê, materializou-se a cada cem metros dentre os campos de milho ceifados e desalinhados que haviam sido atingidos pelos ventos de inverno e pela neve.
O ar primaveril fez seu nariz formigar e a luz do sol em seu rosto aqueceu todos os pontos de sua pele que não estavam expostos ao roçar da brisa. Ao redor, a copa das árvores já despontava nos galhos esqueléticos, as folhas tentavam arrastar-se para fora de seu esconderijo pela promessa de horas mais quentes.
Lindo dia.
Para uma matança.
Quando o aroma de redutores era tudo o que conseguia sentir, desembainhou uma das facas que Vishous havia lhe dado e soube que estava o mais perto possível da...
Xhex tomou forma no próximo conjunto de árvores típicas daquela região e parou de repente.
– Oh... Droga!
A casa branca da fazenda era realmente simples, apenas uma estrutura murcha ao lado de um milharal, cercada por pinheiros e arbustos. Ainda bem que ainda havia um gramado.
Caso contrário, os cinco carros de polícia que estavam estacionados perto da entrada não teriam espaço suficiente sequer para abrir as portas.
Disfarçando-se como os sympathos faziam, esquivou-se até uma janela e olhou para dentro.
Momento perfeito: conseguiu ver um policial de Caldwell vomitar num balde.
Contudo, tinha um bom motivo para isso. A casa parecia ter sido banhada por sangue humano. Na verdade, risque a palavra “parecia”. Ela foi coberta com a substância, ao ponto de poder sentir o gosto de cobre na parte de trás de sua língua, mesmo estando do lado de fora, no ar fresco.
Os policiais humanos andavam pela sala de estar e de jantar com cuidado, não apenas por ser a cena de um crime, mas, obviamente, porque não queriam coisas sujando suas calças.
No entanto, não havia nenhum corpo. Nem um sequer.
Pelo menos, nenhum que estivesse visível.
Porém, havia redutores recém induzidos. Dezesseis deles. Mas não conseguia vê-los, nem os policiais, mesmo sentindo que os homens estavam andando entre eles.
O disfarce de Lash outra vez?
Que droga ele estava planejando? Ligando para a Irmandade, anunciando aquela porcaria... e trazendo os policiais? Ou será que outra pessoa tinha ligado para a emergência?
Precisava de tantas respostas...
Misturado com todo o sangue havia uma mancha preta e oleosa, e um dos policiais estava franzindo a testa frente a ela, parecendo que havia encontrado alguma coisa nojenta. Mas... aquela quantidade de sujeira oleosa não era suficiente para explicar o forte aroma doce que ela havia seguido – então, tinha que concluir que as induções foram bem sucedidas e o que estava oculto ali não era mais humano.
Olhou ao redor, examinando a floresta. Onde estava o menino de ouro do Ômega em tudo isso?
Dirigindo-se para frente da casa, viu um carteiro que obviamente estava lutando com o estresse pós-traumático ao dar uma declaração a um policial.
Sem dúvida, foi ele quem telefonou...
Permanecendo camuflada, apenas observou a cena, assistindo à luta dos policiais para controlar seus reflexos estomacais e esperando Lash aparecer... ou qualquer outro redutor. Quando equipes de televisão chegaram mais ou menos um minuto e meio depois, testemunhou uma loira quase bonita tentando se fazer de boa apresentadora jornalística. Assim que a gravação foi concluída, ela começou a importunar os policiais para obter mais informações, até que irritou o suficiente para que permitissem que ela desse uma olhada no que havia lá dentro.
E aquilo serviu apenas para ela perder de vez sua pose de jornalista séria.
Quando desmaiou nos braços de um dos policiais, Xhex revirou os olhos e voltou a andar pelos arredores da casa outra vez.
Droga. Ela teria que esperar. Foi até lá querendo lutar, mas como acontece muitas vezes na guerra, estava presa num jogo de espera até o inimigo aparecer.
– Surpresa.
Xhex virou-se tão rápido que quase perdeu o equilíbrio: a única coisa que a salvou de uma queda foi o contrapeso produzido pela adaga que havia em uma de suas mãos, que estava erguida, acima do ombro, pronta para ser usada.
– Gostaria que tivéssemos tomado banho juntos.
Quando Blay engasgou com o café que tinha feito para os dois, Saxton tomou tranquilamente um pequeno gole do seu. A ponto de ficar bem claro que o cara tinha planejado e gostado da reação.
– Gosto mesmo de surpreendê-lo – disse o macho.
Bingo. E, naturalmente, aqueles malditos genes ruivos tornavam impossível esconder o corar de seu rosto.
Mais fácil colocar um carro sedan no bolso. Estava muito óbvio.
– E, sabe? É importante preservar o meio ambiente. Conservação da água e tudo mais. Preservar o verde... ou andar nu, em nosso caso.
Saxton estava recostado contra as almofadas de cetim da cama com um roupão de seda, enquanto Blay estava estendido ao longo da base do colchão, apoiando o peso no grosso edredom que havia sido dobrado de uma maneira muito precisa. A luz das velas transformava a cena em algo saído de uma fantasia, o brilho borrava todos os tipos de linhas e limites.
E, como pode imaginar, Saxton estava lindo na cama cor de chocolate escuro, seu cabelo pálido tinha uma ondulação tão espessa que parecia ter sido esculpido mesmo sabendo que não tinha passado qualquer mousse ou spray. Com seus olhos entreabertos e seu peito liso parcialmente exposto, estava pronto e disposto... e considerando o perfume que estava emitindo, era muito possível ser o que Blay precisava.
Ao menos por dentro. Sua aparência não estava muito apta para o serviço: seu rosto e lábios permaneciam inchados e não por uma faceta erótica, mas como resultado de socos, e movia-se com cuidado, como se ainda tivesse diversos hematomas sobre a pele.
O que não era bom. Seus ferimentos já deveriam estar curados agora, mais ou menos doze horas após o ocorrido. Afinal, era um aristocrata e tinha uma boa linhagem sanguínea.
– Oh, Blaylock, seja lá o que tenha vindo fazer aqui... – Saxton balançou a cabeça. – Ainda não sei por que veio.
– Como poderia não ter vindo?
– Gosta de ser um herói, não é?
– Não é heroico simplesmente ficar sentado com alguém.
– Não subestime isso – Saxton disse rispidamente.
O que fez Blay imaginar... o cara exibiu sua personalidade e sarcasmo de sempre durante toda manhã e tarde, mas tinha acabado de sofrer uma surra. Brutalmente.
– Você está bem? – disse Blay suavemente. – Bem mesmo?
Saxton encarou o café.
– Algumas vezes, considero difícil compreender a humanidade, de verdade. Não apenas a raça que leva esse nome, mas também a nossa.
– Sinto muito. Sobre a noite passada.
– Bem, isso o trouxe para minha cama, não foi? – Saxton sorriu tanto quanto possível, uma vez que metade de sua boca estava distorcida. – Não era exatamente essa a rota que havia planejado para trazê-lo até aqui... mas é adorável olhar para você à luz de velas. Tem o corpo de um soldado, mas o rosto de um grande erudito. A combinação é... inebriante.
Blay terminou o que havia em sua xícara com um único gole e quase se engasgou. Ou talvez aquilo tenha sido menos pelo que estava bebendo e mais pelo que estava ouvindo.
– Quer mais café?
– Não agora, obrigado. Estava perfeito, por sinal, e foi uma excelente maneira, porém óbvia, de desviar do assunto.
Saxton colocou sua xícara e pires sobre o suporte de bronze que havia na cama e sentou-se novamente com um gemido. Para evitar olhar para ele, Blay colocou sua xícara sobre o baú e deixou seus olhos vagarem pelo local. O andar de cima era todo em estilo vitoriano, com móveis pesados de mogno, tapetes orientais e a pintura era de cores lindas e luxuosas – algo que conferiu durante suas excursões à cozinha. Contudo, o estilo discreto, adequado e reservado foi deixado na porta do porão. O andar debaixo era mais renascentista, tudo francês, com mesas de topo de mármore e tapetes com bordados finos. Muito cetim e... desenhos em preto e branco à lápis de machos maravilhosos reclinados da mesma maneira que Saxton estava.
Só que sem o roupão.
– Gosta das minhas gravuras? – Saxton balbuciou.
Blay teve que rir.
– Linhas bem definidas.
– Eu as uso às vezes. Não vou mentir.
De repente, veio uma imagem a Blay do macho nu, fazendo amor naquela cama enorme, sua carne movendo-se com o do outro.
Olhando discretamente o relógio, verificou que teria que passar mais sete horas ali e não tinha certeza se queria que as horas se arrastassem ou que passassem em um piscar de olhos.
Saxton fechou os olhos e não suspirou tanto quanto estremeceu.
– Quando foi a última vez que se alimentou? – Blay perguntou.
As pálpebras pesadas se levantaram e um brilho cinza surgiu.
– Está se oferecendo?
– Quis dizer de uma fêmea.
Saxton fez uma careta ao se endireitar outra vez sobre os travesseiros.
– Já faz um tempo. Mas estou bem.
– Seu rosto está parecendo um tabuleiro de xadrez.
– Você diz coisas tão gentis.
– Estou falando sério, Saxton. Você não quer me mostrar o que há debaixo desse roupão, mas se o rosto for uma indicação, está machucado em outras partes do corpo.
Tudo que teve como resposta foi um murmúrio.
– Quem está fugindo do assunto agora?
Houve uma longa pausa.
– Saxton, vou arrumar alguém para alimentá-lo.
– Costuma guardar fêmeas no bolso de trás?
– Poderia usar seu telefone outra vez?
– Fique à vontade.
Blay levantou-se e foi até o banheiro, preferindo um pouco de privacidade, pois não fazia ideia de como as coisas seriam encaminhadas.
– Pode usar o telefone daqui – Saxton gritou enquanto ele fechava a porta.
Blay voltou dez minutos depois.
– Não sabia que esses sites de relacionamento funcionavam tão rápido – Saxton murmurou com os olhos ainda fechados.
– Tenho meus contatos.
– Sim, você tem.
– Vão nos pegar aqui ao anoitecer.
Aquilo fez seus olhos se abrirem.
– Por quem? E para onde vão nos levar?
– Vamos cuidar de você.
Saxton respirou fundo e expirou com um silvo.
– Mais outro salvamento, Blaylock?
– Chame isso de compulsão. – Dito isso, dirigiu-se para a espreguiçadeira e deitou-se. Puxando um cobertor de pele luxuoso sobre suas pernas, apagou as velas e se aconchegou.
– Blaylock?
Deus, aquela voz. Tão baixa e calma sob a penumbra.
– Sim?
– Está me transformando em um anfitrião ruim. – Houve um pequeno obstáculo na respiração. – Essa cadeira não é um lugar adequado para você dormir.
– Vou ficar bem.
Houve um momento de silêncio.
– Não irá traí-lo se unir-se a mim na cama. Não estou em condição de tirar proveito de sua virtude e, mesmo se estivesse, respeito você o suficiente para não colocá-lo em uma situação embaraçosa. Além disso, poderia utilizar o calor do seu corpo... não consigo me aquecer o suficiente.
Blay desejou demais ter um cigarro ali.
– Não estaria o traindo mesmo se... alguma coisa acontecesse entre você e eu. Não há nada entre nós. Amigos, apenas amigos.
Razão pela qual aquela situação com Saxton era tão estranha. Blay estava acostumado a ficar do lado de fora daquela porta fechada, aquela que o mantinha longe de seu objeto de desejo. Contudo, Saxton ofereceu uma passagem, por onde conseguia passar facilmente... e o quarto do outro lado era maravilhoso.
Blay se segurou por aproximadamente um minuto e meio. Então, sentindo como se estivesse se movendo em câmera lenta, afastou o cobertor de pele para o lado e se levantou.
Enquanto atravessava o quarto, Saxton abriu espaço para ele, erguendo os lençóis e o edredom. Blay hesitou.
– Eu não mordo – Saxton sussurrou de maneira sombria. – A menos que peça.
Blay deslizou entre todo aquele cetim... e teve a compreensão imediata de por que roupões de seda eram os melhores. Macio, muito macio.
Algo que o deixava mais nu que a própria nudez.
Saxton deitou-se de lado para encarar Blay, mas gemeu em seguida... por causa da dor.
– Droga.
Quando o macho deitou-se de costas novamente, Blay viu-se erguendo o braço e o colocando sobre a cabeça de Saxton. Quando o macho se inclinou para cima, Blay fez de seus bíceps um travesseiro e Saxton aproveitou-se completamente disso, aconchegando-se.
Uma a uma, as chamas das velas foram se extinguindo, exceto a mais grossa que estava no banheiro.
Saxton estremeceu e Blay se aproximou, apenas para franzir a testa.
– Deus, você está gelado. – Arrastando o macho para seus braços, envolveu Saxton e desejou que o calor de seu corpo aquecesse o cara.
Permaneceram ali deitados juntos por muito tempo... e Blay viu-se acariciando aquele cabelo loiro, grosso e perfeito. Era bom... macio, flexível nas pontas.
Cheirava a especiarias.
– Isso é divino – Saxton murmurou.
Blay fechou os olhos e respirou fundo.
– Concordo.
CAPÍTULO 50
– Que diabos vocês dois estão fazendo aqui? – Xhex sussurrou ao abaixar a adaga.
A expressão de Trez deu-lhe uma boa noção de qual seria a resposta.
– Rehv nos ligou.
Como sempre, iAm permaneceu calado ao lado do irmão; apenas assentiu com a cabeça e cruzou os braços sobre o peito, dando a excelente impressão de ser um carvalho que não iria a lugar algum. E quando os gêmeos Sombra a encararam de volta, mostraram que estavam camuflados, exibindo seus corpos e vozes apenas a ela.
Por um momento, lamentou a discrição deles. Era difícil dar uma joelhada no meio das pernas quando assumiam a forma de fantasmas.
– Nada de abraços? – Trez murmurou enquanto examinava o rosto dela. – Faz uma eternidade desde a última vez que a vimos.
Respondendo em uma frequência que humanos e nenhum redutor seria capaz de ouvir, ela murmurou:
– Não sou muito de abraços.
Só que, de qualquer jeito, ela amaldiçoou e colocou os braços ao redor dos dois cabeças-duras. Os Sombras eram notoriamente discretos com suas emoções e mais difíceis de serem penetrados que humanos ou até mesmo vampiros, mas ela pôde sentir o pesar deles pelo que ela tinha passado.
Quando tentou se afastar, Trez apertou seu abraço e estremeceu.
– Eu... Jesus Cristo, Xhex... achamos que não a veríamos outra vez...
Ela balançou a cabeça.
– Pare. Por favor. Nunca há um bom momento para fazer isso e este, com certeza, não é o lugar. Amo vocês dois, mesmo, e estou bem. Então vamos pular essa parte.
Na verdade, ela estava bem até certo ponto. Desde que não pensasse em John preso naquela mansão, sem dúvida enlouquecendo ali dentro. Graças a ela.
Ah, como a história se repetia.
– Vou parar antes de ficarmos mórbidos. – Trez sorriu, mostrando suas presas de um branco brilhante contrapondo-se ao rosto de ébano. – Apenas estamos felizes por você estar bem.
– Verdade. Ou eu não estaria aqui.
– Não tenho tanta certeza disso – disse baixinho, enquanto ele e seu irmão olhavam pela janela. – Nossa. Alguém se divertiu bastante lá dentro.
Uma forte brisa trouxe uma onda de cheiro de talco de bebê de uma nova direção e os três viraram a cabeça.
Na pista de terra na frente da casa, o carro que passou devagar por ali não tinha nada a ver com os milharais da região. A coisa era toda ao estilo Velozes e Furiosos, um Honda Civic que passou por algumas cirurgias plásticas automotivas e tinha sido remodelado no melhor estilo Playboy: com uma parte traseira enorme, uma saia que deixava a coisa a uns três centímetros do chão e uma pintura cinza, rosa e um amarelo que queimava a retina de qualquer um, era como uma garota caipira que acabou fazendo pornografia.
E veja só... o redutor atrás do volante tinha uma expressão que não combinava com a máquina que dirigia. A menos que alguém tivesse acabado com seu tanque de gasolina.
– Aposto minhas armas que esse é o novo Redutor Principal – Xhex disse. – Lash não permitiria, de maneira alguma, que seu subordinado imediato dirigisse algo assim. Passei quatro semanas com o filho da mãe e sei tudo sobre ele.
– Mudaram a liderança – Trez assentiu. – Acontece muito entre eles.
– Você tem que seguir aquele carro – ela disse. – Rápido, vá atrás dele...
– Não podemos deixá-la. Ordens do chefe.
– Está brincando? – Xhex olhou do Civic para a cena do crime, depois de volta para a traseira do carro partindo. – Vá! Precisamos segui-lo...
– Não. A não ser que você vá também... e poderemos alcançar o carro com você, certo, iAm?
Quando o outro Sombra concordou, Xhex sentiu vontade de socar o revestimento de alumínio onde estava apoiada.
– Isso é ridículo!
– Dificilmente. Está esperando Lash aparecer por aqui e sei que não vai querer apenas conversar com ele. Então, não há chance alguma de deixarmos você aqui... e não me venha com a história de “você não pode me dar ordens”. Tenho surdez seletiva.
– Ele tem mesmo – iAm completou.
Xhex fixou os olhos na placa daquele Honda ridículo, pensando “Ah, pelo amor de Deus”... Por outro lado, se os dois Sombras não estivessem ali, ela ficaria parada; apenas memorizaria os números e permaneceria exatamente onde estava. Poderia rastrear a coisa mais tarde.
– Faça algo de útil – ela exclamou – e empreste seu celular.
– Vai pedir uma pizza? Estou com fome. – Trez entregou seu BlackBerry. – Gosto de bastante recheio de carne na minha. Meu irmão prefere queijo.
Xhex localizou Rehv na lista de contatos e ligou, pois era o jeito mais rápido de chegar aos Irmãos. Quando o correio de voz atendeu, ela deixou as especificações e a marca do carro e pediu para Vishous rastreá-lo.
Então ela desligou e entregou o telefone a Trez.
– Nada de pizza então? – murmurou. – Eles entregam, sabia?
Engolindo um palavrão, franziu a testa e lembrou-se que V. tinha lhe dado um celular. Droga... não estava sendo tão astuta quanto deveria nessa situação...
– Outro departamento chegando... – iAm disse.
Seus olhos voltaram a observar a estrada quando um carro sem marcas oficiais parou em frente à casa. O detetive de homicídios que saiu era alguém que conhecia. José de la Cruz.
Ao menos os humanos tinham mandado um homem bom. Por outro lado, talvez aquele tipo de competência não representasse boas notícias. Quanto menor o envolvimento com aquela outra raça numa situação dessa, melhor, e De la Cruz tinha os instintos e a determinação de um cão de caça.
Cara... aquele seria um dia looongo. Muito, muito longo.
Enquanto observava os humanos na casa e sentia o peso de seus guarda-costas a observando, sua mão direita começou a se mover, seus dedos formavam curvas e segmentos que John tinha ensinado a ela.
A...
B...
C...
Lash acordou ao som de gemidos. E não do tipo que se emite numa situação boa.
Ver-se deitado de bruços em um colchão velho daquele rancho detestável era outro inconveniente. O terceiro golpe foi o fato de que quando finalmente se levantou, seu corpo deixou uma mancha preta no colchão.
Como uma espécie de sombra projetada, um reflexo do que realmente era.
Jesus Cristo. Era como aquele cara nazista no final de Indiana Jones e os caçadores da arca perdida, aquele cujo rosto derreteu...
Enquanto andava em direção à cozinha, sentiu como se estivesse arrastando um refrigerador e, veja só, a Siliconada não estava muito melhor deitada no chão perto da porta dos fundos. Tinha sido drenada o suficiente para ficar incapacitada, mas não o bastante para mandá-la de volta ao Ômega.
Pior para ela. Estar sempre à beira da morte, com toda a dor e sofrimento, e saber que o vasto alívio do outro lado nunca viria? Era o bastante para fazer qualquer um querer se matar.
Isso sim é ironia.
Por outro lado... ela não fazia nem ideia para onde estava indo ou que ficaria para sempre naquela condição. Provavelmente seria melhor manter a informação em segredo... seria sua boa ação do dia.
Quando ela emitiu um gemido patético pedindo ajuda, Lash passou por cima dela e foi checar como estava de comida. Para economizar dinheiro, tinha comprado Mc-Porcarias no caminho de volta àquele lugar. Droga, aquilo parecia comida de cachorro e tinha sido esquentada numa frigideira.
O passar do tempo não melhorou o aspecto da comida que não foi capaz de comer no fim da noite, mas comeu aquelas sobras mesmo assim. Fria. Em pé, sobre o saco amassado na bancada.
– Quer um pouco? – disse para a mulher. – Sim? Não?
Tudo que ela conseguia fazer era implorar com seus olhos vermelhos e sua boca aberta e sangrando. Ou... talvez ela não estivesse implorando. Parecia horrorizada... o que significava que não importava qual era sua condição, a aparência dele era assustadora e feia o suficiente para tirá-la de sua agonia por um momento.
– Tanto faz, vadia. Olhar para você também não melhora em nada o meu apetite.
Afastando-se, olhou pela janela para o dia ensolarado e sentiu-se totalmente incrédulo.
Cara, não queria ter ido embora daquela fazenda, mas parecia um candidato a narcolepsia, andava tão exausto... e não iria arriscar tirar um cochilo com muitos de seus inimigos ao redor dele. Era o caso de retirar-se para lutar de novo ao invés de se entregar ali mesmo ao mundo dos sonhos e ter que enfrentar o cano de uma arma ao acordar. Ou coisa pior.
Mas pelo menos o sol ainda estava subindo no céu nublado, o que era uma boa notícia para ele... e dava o tempo que precisava. De uma forma ou de outra, a Irmandade não iria aparecer até que estivesse escuro o suficiente. E que tipo de anfitrião ele seria se não os estivesse esperando?
O filho da mãe puxa-saco do Ômega já poderia ter começado a festa, mas Lash com certeza acabaria com ela.
Só que ele precisava de mais munição, mas não para sua própria arma.
Agarrando sua capa de chuva e colocando seu chapéu, colocou as luvas e aproximou-se da prostituta. Enquanto destrancava a porta, a mão dela agarrou o sapato dele, os dedos ensanguentados arranharam o couro.
Olhou para ela. Ela não disse nada, mas seus olhos vermelhos e arregalados diziam tudo: Ajude-me. Estou morrendo. Não consigo me matar... faça isso por mim.
Aparentemente, ela tinha superado sua repulsa por ele. Ou talvez o fato de ter se coberto havia ajudado.
Normalmente, ele apenas a teria deixado do jeito que estava, mas não conseguia afastar a memória de ter descascado seu próprio rosto. Estava agindo supondo que não iria apodrecer num pesadelo perpétuo, mas e se esse fosse o seu destino? O que aconteceria se ele continuasse a derreter até que não pudesse mais suportar seu esqueleto e acabasse na condição em que ela estava... nada além de sofrimento por toda eternidade?
Lash retirou uma faca da cintura, e quando se aproximou, ela não se encolheu. Ao invés disso, rolou sobre si mesma, oferecendo a carne fresca de seu peito.
Uma facada foi o suficiente e sua miséria terminou: num lampejo de luz, ela desapareceu no ar, deixando nada além de um círculo chamuscado no tapete emaranhado.
Lash virou-se para sair...
Mas não conseguiu passar pela porta. Seu corpo ricocheteou para trás e bateu na parede do outro lado do cômodo, luzes piscaram em seus olhos enquanto uma onda de poder explodia através dele.
Levou um tempo para compreender o que diabos estava acontecendo... e então ficou claro: o que havia dado à prostituta estava voltando para casa, para ele.
Então era assim que funcionava, pensou enquanto respirava fundo e se sentia menos morto-vivo.
Qualquer coisa esfaqueada com aço era devolvida ao remetente, por assim dizer.
Bem, desde que a arma secreta da Irmandade não chegasse lá primeiro. Butch O’Neal era o calcanhar de Aquiles do Ômega, capaz de contornar essa junção, absorvendo a essência do mal que dava vida a um assassino.
Ao acabar de receber aquilo, Lash soube naquele momento a ameaça que era O’Neal. Se não pegasse suas peças do LEGO de volta, chegaria um momento que não conseguiria construir mais nada... ou pior, sua caixa de brinquedos ficaria vazia... e depois disso? Desapareceria?
Sim, evitar o bastardo do Butch era importante. Boa dica.
Indo em direção à garagem, Lash deixou o rancho na Mercedes e não pegou o caminho arborizado, mas a estrada de terra batida que ia para o centro da cidade.
Como tinha passado apenas um pouco das onze e meia da manhã, havia executivos de terno e gravata por toda parte, pessoas parando nos cruzamentos, esperando pelo sinal verde e atravessando as ruas na frente dos carros. Eram todos tão hipócritas, aqueles humanos com seus queixos erguidos, olhando para frente como se não existisse nada além de reuniões, almoços ou as tarefas inúteis que tinham que cumprir.
Queria pisar no acelerador e transformá-los em pinos de boliche, mas já tinha o suficiente com que se preocupar e coisas melhores a fazer com seu tempo. Precisava ir até a Rua Trade e os bares e clubes noturnos. Que, ao contrário da área empresarial, estaria morta àquela hora do dia.
Ao cortar caminho em direção ao rio, ficou evidente que as duas partes diferentes da cidade funcionavam como um yin e yang quando se tratava das pessoas e das aparências. Na luz do sol, os altos prédios financeiros com suas janelas de vidro e painéis de aço que brilhavam e reluziam. Na terra dos becos escuros e luzes de neon tudo se parecia com uma velha prostituta: suja, decadente e triste.
Quanto às pessoas? A outra parte da cidade estava cheia de tipos produtivos e úteis. Já esta, seria sorte se encontrasse alguns vagabundos àquela hora.
O que era exatamente o que estava procurando.
Dirigindo-se para as pontes gêmeas de Caldwell, passou por um terreno baldio que tinha uma cerca de arame farpado ao redor e por isso teve que diminuir um pouco. Cristo... aquele lugar era onde o ZeroSum ficava antes de ser reduzido a um monte de escombros. E a placa da imobiliária que estava na frente do local tinha um adesivo de vende-se nela.
Não é assim que as coisas funcionam? A natureza abomina o vazio... então, se o novo clube que seria construído naquele lugar encontrasse o mesmo final que o de Rehv, outro clube substituiria o antigo rapidamente.
Mais ou menos como a situação com o pai dele. Em pouco tempo Lash foi substituído por alguém equivalente, por assim dizer.
Coisas assim fazem você se sentir totalmente dispensável. Faz mesmo.
Debaixo das pontes, não demorou muito para encontrar o que estava procurando, mas desejou não precisar disso. A busca sob os viadutos rapidamente trouxe à tona os humanos maltrapilhos que dormiam em caixas de papelão ou em carros queimados e Lash pensou em como eram parecidos com cães vira-latas que viviam nas ruas: atraídos pela esperança de alimento, desconfiados pela experiência de vida que tinham e cheios de doenças.
Ele não era exigente e eles também não. Logo estava com uma mulher no banco do passageiro, emitindo oh e ah não por estar admirada com os bancos de couro de seu carro, mas pelo saquinho plástico de cocaína que deu a ela. Enquanto ela pegava e aspirava um pouco, Lash dirigiu até uma escura caverna formada pela grande fundação de concreto na entrada da ponte.
Uma dose foi tudo que ela conseguiu ter.
Ele deu o bote em um segundo e não sabia se era sua necessidade ou a fraqueza física dela, mas foi capaz de dominá-la completamente enquanto bebia.
O sangue tinha gosto de água suja.
Quando terminou, saiu do carro, deu a volta e a puxou para fora pelo colarinho. A cor dela, que inicialmente era pálida, agora estava cinza como concreto.
Logo estaria morta, se já não estivesse.
Parou e olhou para o rosto dela, medindo os sulcos que havia em sua pele e os capilares sanguíneos visíveis que lhe davam uma aparência nada saudável. Tinha sido uma recém-nascida uma vez. Foi apenas uma jovem diante do mundo anos atrás.
O tempo e a experiência com certeza a golpearam com força, e agora morreria como um animal, sozinha e na sujeira.
Depois que a derrubou, estendeu a mão para fechar suas pálpebras...
Jesus... Cristo.
Erguendo a mão, olhou através da palma em direção ao rio.
Não havia mais carne apodrecida, mas uma sombra negra... na forma que ele costumava usar para escrever, socar e dirigir.
Arrastando a manga da blusa, viu que seu pulso ainda era corpóreo.
Uma onda de energia o atravessou, e a perda de pele já não era algo a se lamentar, mas uma fonte de alegria.
Tal pai... tal filho.
Não acabaria como aquela prostituta a quem esfaqueou, trazendo-a para dentro de si. Estava indo para o território do Ômega, não apodrecendo... mas se transformando.
Lash começou a rir, uma grande satisfação surgiu em seu peito e fervilhou até a garganta, saindo pela boca. Caiu de joelhos próximo à mulher morta e deixou que o alívio...
Seguindo um impulso, cambaleou para o lado e vomitou o sangue estragado que havia dentro dele. Quando parou, limpou o queixo com a mão e observou o vermelho brilhante que cobria o contorno sombrio daquilo que uma vez havia sido carne.
Não havia tempo para admirar sua nova forma incipiente.
Uma série violenta de vômitos o submeteu de tal maneira que foi cegado pelas estrelas que explodiram em sua visão.
CAPÍTULO 51
Sentada em seus aposentos privados, Payne olhou em direção à paisagem. A grama verde e macia, as tulipas e as madressilvas chegavam até certo ponto antes de serem interrompidas por uma série de árvores que envolvia o gramado. Acima de tudo isso, o céu leitoso que se arqueava estendia-se de uma a outra copa de árvores, como se fosse a tampa de um baú de roupas.
Por experiência própria, sabia que se andasse até o limite da floresta e penetrasse nas sombras, acabaria saindo... exatamente onde entrou.
Não havia saída, a não ser com a permissão da Virgem Escriba. Apenas ela tinha a chave da fechadura invisível, e não deixaria que Payne saísse – nem mesmo para a casa do Primaz, do Outro Lado, como era permitido às outras.
O que provava que aquela fêmea conhecia bem a quem tinha dado à luz. Tinha plena consciência de que se Payne escapasse, nunca mais voltaria. Payne tinha dito isso muitas vezes – gritando de tal maneira que seus próprios tímpanos zumbiam.
Fazendo uma retrospectiva, sua explosão de raiva havia sido uma vitória para a honestidade, mas não foi a melhor estratégia. Melhor seria manter isso para si mesma e, talvez, lhe permitiria atravessar para o Outro Lado – e permanecer lá. Afinal, sua mãe não conseguiria forçá-la a voltar à terra das estátuas vivas.
Bem, pelo menos teoricamente.
Com isso em mente, pensou em Layla, que havia acabado de voltar após ter visto seu macho. A irmã estava brilhando de felicidade e satisfação de um modo como Payne nunca havia sentido.
E isso justificava o desejo de sair dali, não? Mesmo se o que a esperasse no Outro Lado não tivesse mais qualquer relação com o que ela se lembrava de sua pequena porção de liberdade, o importante era poder fazer escolhas por conta própria.
Na verdade, era uma maldição estranha ter nascido e mesmo assim não ter uma vida para viver. A não ser que matasse sua mãe, estaria presa lá dentro. Contudo, por mais que odiasse a fêmea, não seguiria esse caminho. Por um lado, não tinha certeza se venceria tal conflito. Por outro... já tinha eliminado seu pai. Matricídio não era uma experiência que despertasse nela qualquer fascinação nova ou específica.
Ah, o passado, o passado doloroso, miserável. Como era terrível ficar presa ali com um futuro infinito e insosso, suportando, ao mesmo tempo, o peso de uma história que era horrível demais para sequer pensar nela. Os momentos em que sua vida foi suspensa foi um gentil presente quando comparado àquela tortura – pelo menos quando estava congelada, sua mente não era capaz de pensar e envolver-se com coisas que desejava nunca ter acontecido ou que nunca poderia consertar...
– Gostaria de se alimentar?
Payne olhou por cima do ombro. No’One estava sob o arco do quarto, curvada em reverência com uma bandeja nas mãos.
– Oh, sim, por favor. – Payne dispersou as reflexões mórbidas de sua mente. – E não vai se juntar a mim?
– Meus cordiais agradecimentos, mas devo servi-la e partir. – A criada colocou as provisões no assento perto da janela ao lado de Payne. – Quando você e o rei iniciarem seus conflitos físicos, devo voltar para recolher...
– Posso perguntar uma coisa?
No’One fez outra reverência.
– Mas é claro. Como posso ser útil?
– Porque você nunca foi ao Outro Lado? Como as outras?
Houve um longo silêncio... e então a fêmea mancou em direção ao leito onde Payne dormia. Com as mãos trêmulas, No’One ajeitou a roupa de cama com uma ordem precisa.
– Não tenho qualquer interesse particular naquele mundo – disse sob seu manto. – Estou segura aqui. Lá... eu não estaria segura.
– O Primaz é um Irmão que tem um braço forte e é ótimo na habilidade de utilizar uma adaga. Nenhum mal poderia acontecer a você sob os cuidados dele.
O som que saiu do capuz foi evasivo.
– De alguma maneira, as circunstâncias convertem-se em caos e conflito por lá. Decisões simples têm ramificações que podem ser devastadoras. Aqui, tudo está em ordem.
No’One falou como uma sobrevivente do ataque que havia acontecido naquele santuário cerca de setenta e cinco anos atrás, Payne pensou. Naquela noite terrível, machos do Outro Lado conseguiram atravessar a barreira e trouxeram com eles a violência que existia em seu mundo.
Muitos morreram ou foram feridos... inclusive o Primaz da época.
Payne olhou para o horizonte estático e adorável... e mesmo após ter compreendido o pensamento da fêmea não se deixou influenciar por isso.
– A ordem aqui dentro é precisamente o que me irrita. Gostaria de evitar essa falsidade.
– Não pode sair daqui quando deseja?
– Não.
– Isso não está certo.
Os olhos de Payne encararam a fêmea... que agora estava ocupada redobrando as túnicas modificadas de Payne.
– Nunca esperei você dizer algo contrário à Virgem Escriba.
– Amo a querida mãe da nossa raça... por favor, não me entenda mal. Mas ser aprisionada, mesmo em meio ao luxo, não está certo. Escolhi estar aqui dentro e sempre estarei... no entanto, você deveria ser livre para sair.
– Eu a invejo.
No’One pareceu encolher-se debaixo de suas vestes.
– Não deve sentir isso nunca.
– Mas é verdade.
No silêncio que se seguiu, Payne lembrou-se da conversa com Layla no espelho d’água. Mesma troca de sentimentos, papéis diferentes: naquele momento, era Layla quem invejava a falta de desejo de Payne no que dizia respeito a sexo e machos. Agora, era o contentamento de No’One com a inércia que se mostrava valoroso.
E continuamos andando em círculos, Payne pensou.
Observando a “paisagem” outra vez, olhou a grama com inveja. Cada folha tinha uma forma perfeita e o peso exato de maneira que aquilo se parecia mais com um carpete do que com um gramado. E o resultado não era obtido por ser bem aparada, é claro. Da mesma maneira, as tulipas permaneciam firmes em suas bases com floradas eternas sobre suas hastes finas, os açafrões expandiam-se perpetuamente e as rosas eram sempre cheias de pétalas, também não havia insetos, ervas daninha ou doenças.
Ou crescimento.
Irônico como pareciam estar todas cultivadas, mesmo não sendo cuidadas por ninguém. Afinal, quem precisava de jardineiro quando se tinha uma deusa capaz de deixar tudo em ótimo estado... e manter assim.
De certa forma, isso fazia de No’One um milagre, não fazia? Tinha sido autorizada a sobreviver ali dentro e foi permitido que respirasse o ar daquele local, mesmo não sendo perfeita.
– Não quero isso – Payne disse. – Não quero mesmo.
Quando não se ouviu mais comentário algum, olhou sobre o ombro... e franziu a testa. A fêmea havia saído da mesma maneira como entrou. Sem ruído ou confusão, deixando o ambiente melhorado pelo seu toque cuidadoso.
Quando um grito brotou dentro dela, Payne soube que tinha de ser libertada. Ou enlouqueceria.
Na zona rural de Caldwell, Xhex finalmente conseguiu ver o que havia dentro da casa quando a polícia saiu, às cinco da tarde. Enquanto saíam, parecia que precisavam não só de uma noite de descanso, mas de uma semana de férias... Claro, passar horas andando entre sangue coagulado fazia isso a um cara. Trancaram tudo, selaram as portas da frente e dos fundos e se certificaram de que havia fita amarela em toda a parte externa envolvendo a cena do crime. Então, entraram em seus carros e foram embora.
– Vamos entrar lá – disse aos Sombras.
Desmaterializando-se, reassumiu sua forma bem no meio da sala de estar e Trez e iAm estavam ali com ela. Sem precisar dizer nada, espalharam-se, andando em meio à bagunça, procurando por coisas que os humanos não saberiam procurar.
Muitos líquidos nojentos espalhados no primeiro andar e nada além de poeira no segundo os deixaram em meio a um monte de nada.
Mas que inferno, podia sentir os corpos e as grades emocionais marcadas pelo sofrimento, mas eram como reflexos na água... simplesmente não conseguia alcançar as formas que projetavam as imagens onduladas.
– Alguma notícia de Rehv? – disse ela, levantando uma bota e medindo até onde o sangue chegava. Alcançava o couro. Ótimo.
Trez negou com a cabeça.
– Não. Mas posso ligar de novo.
– Não se incomode. Deve ter desligado. – Droga, tinha esperança de que tivesse recebido a mensagem dela e já tivesse começado a procurar aquela placa.
Parada no saguão da frente olhou ao redor da sala de jantar e focou na mesa desgastada que com certeza havia sido usada como tábua de carne.
O amiguinho do Ômega com o carro do Vin Diesel teria que voltar por causa dos novos recrutas. Não tinham qualquer utilidade escondidos daquela maneira, pois, supondo que o bloqueio funcionava como aquele que a aprisionou enquanto estava com Lash, não poderiam sair do plano paralelo a que haviam sido relegados até que fossem liberados.
A menos que o feitiço pudesse ser quebrado à distância.
– Temos que ficar mais tempo – ela disse. – E ver quem mais aparece.
Ela e os Sombras se instalaram na cozinha e ficaram andando de um lado para o outro, deixando pegadas frescas de sangue no chão lascado... que sem dúvida iriam fundir as mentes equilibradas e sérias de todos aqueles policiais.
Não era problema dela.
Olhou para o relógio na parede. Avaliou os barris vazios, as garrafas de bebida e as latas de cerveja. Observou os cantos e os resíduos de pó das linhas de cocaína.
Verificou o relógio outra vez.
Nos fundos, o sol parecia que tinha parado sua descida, como se o disco dourado estivesse com medo de ser espetado pelos ramos das árvores.
Com sua perseguição estagnada, não tinha nada mais para pensar além de John. Devia estar subindo pelas paredes naquele momento. E isso só iria atrapalhar diante do inimigo: estava louco com ela, distraído, totalmente acelerado, mas da maneira errada.
Mas não era como se ela pudesse ligar e conversar com ele. John não poderia responder.
E o que ela tinha a dizer não era o tipo de coisa que se pode enviar por mensagem de texto.
– Qual é o problema? – Trez perguntou, quando ela começou a ficar inquieta.
– Nada. Apenas pronta para lutar, mas sem inimigo.
– Mentira.
– Ceeeerto, podemos parar com a conversa agora mesmo, muito obrigada.
Dez minutos depois, estava encarando o relógio na parede de novo. Oh, mas que inferno, não podia mais suportar isso.
– Vou voltar para a mansão da Irmandade por meia hora – deixou escapar. – Fiquem aqui, certo? Liguem para o meu celular se aparecer alguém.
Quando deu o número, os dois não perguntaram nada – porém, os Sombras eram como sympathos quando se tratava de saber o que as pessoas estavam sentindo.
– Entendido – Trez disse. – Entramos em contato no segundo que qualquer coisa acontecer.
Desmaterializando-se, ela tomou forma na frente da mansão da Irmandade e cruzou o caminho de cascalho até os grandes degraus da entrada. Em seguida, posicionou-se em frente à porta principal e colocou o rosto na câmera de segurança.
Fritz abriu a porta depois de um momento e se curvou.
– Bem vinda ao lar, madame.
A palavra com “L” produziu um solavanco dentro dela.
– Ah... obrigada. – Olhou ao redor em direção às salas vazias. – Só vou lá em cima.
– Preparei seu quarto anterior.
– Obrigada. – Mas ela não estava indo para lá.
Guiada pelos sentidos que tinha com relação ao sangue de John, correu para cima pela grande escadaria e foi para o quarto dele.
Batendo, ela esperou, e quando não houve resposta, abriu a porta para a escuridão e ouviu o ruído abafado de um chuveiro ligado. Do outro lado, uma faixa lateral de luz se mostrava no nível do tapete, indicando que ele havia fechado a porta do banheiro.
Atravessando o quarto, retirou a jaqueta de couro e pendurou nas costas de uma cadeira. Na porta do banheiro, ela bateu de novo. Sem hesitar. Com força.
A porta se abriu sozinha, movendo-se e revelando um ar úmido e o brilho fosco das luzes embutidas no teto da banheira.
John estava olhando para ela por trás da porta de vidro, a água correndo por seu peito, músculos e coxas. Seu pênis se ergueu em uma grande ereção no momento em que seus olhos se encontraram, mas ele não se moveu e não parecia feliz em vê-la.
Na verdade, seu lábio superior se contorceu em um rosnado, e isso não era o pior. Sua grade emocional estava completamente fechada para ela. John a bloqueava e ela não tinha certeza se ele tinha consciência de estar fazendo isso: ela não conseguia captar nada do que sempre sentiu tão claramente antes.
Xhex levantou a mão direita e gesticulou desajeitada: Eu voltei.
A sobrancelha dele se contraiu. Em seguida, John sinalizou com muito mais facilidade e rapidez: Com informações para Wrath e os Irmãos, certo? Sente-se uma heroína agora? Parabéns.
Ele fechou a água, saiu do chuveiro e se inclinou para pegar uma toalha. Não se cobriu, mas se secou e foi difícil não observar que sua ereção balançava a cada movimento.
Ela nunca pensou que amaldiçoaria sua visão periférica.
– Não falei com ninguém – ela disse.
Parou com a toalha estendida em suas costas ao ouvir isso, um braço para cima e o outro para baixo. Naturalmente, a pose fez seus peitorais se sobressaírem e os músculos dos quadris ficaram tensos.
Puxou a toalha com um estalo e a colocou sobre seus ombros. Deixando-a pendurada, gesticulou: Por que veio aqui?
– Queria ver você. – A dor em sua voz fez com que desejasse ter usado a linguagem de sinais.
Por quê?
– Estava preocupada...
Quer saber como estou lidando com isso? Quer saber como foi passar as últimas sete horas imaginando se estava morta ou...
– John...
Arrancou a toalha e a jogou para calá-la.
Quer saber como eu lidei com a ideia de estar morta, lutando sozinha, ou pior, de ter voltado para onde estava? Seu lado sympatho precisa de um pouco de diversão?
– Deus, não...
Tem certeza disso? Não está usando seus silícios. Talvez esteja alimentando aquela fome, voltando aqui...
Xhex virou-se para a porta, havia emoções demais dentro dela com as quais lidar e a culpa e a tristeza a sufocavam.
John agarrou o braço dela e acabaram contra a parede, o corpo dele detinha o dela enquanto gesticulava entre seus rostos.
Inferno. Não, você não vai fugir. Depois de tudo o que me fez passar, não vai sair daqui só porque não pode lidar com a situação que criou. Não pude sair hoje. Tive que ficar enjaulado aqui e você poderia muito bem retribuir o favor.
Os olhos dela tentavam se concentrar em outro lugar, mas dessa maneira não conseguiria acompanhar o que ele dizia com as mãos.
Quer saber como eu estou? Estou decidido, é assim que estou. Nosso relacionamento chegou a outro nível esta noite. Você diz que tem o direito de ir atrás de Lash? Eu digo o mesmo.
Aquela hora no vestiário, no chuveiro, ela pensou. A traição da qual ela não conhecia os detalhes, mas que sentia que tinha tudo a ver com o que havia acontecido a John quando era mais jovem, sozinho e indefeso.
O acordo é o seguinte e é inegociável: trabalharemos juntos para encontrá-lo, capturá-lo e matá-lo. Trabalharemos como uma equipe, o que significa que onde um de nós estiver, o outro também estará. E, no final, quem acabar com ele leva as honras. É isso.
Xhex respirou aliviada, sabendo de imediato que aquele era o jeito certo de agir. Não gostou de como se sentiu na casa da fazenda sem ele. Pareceu errado.
– Fechado – ela disse.
O rosto dele não registrou surpresa ou satisfação... o que significava que seja lá o que ele tinha planejado caso ela dissesse não seria algo devastador.
Só que, então, ela entendeu por que ele estava tão calmo.
Depois que isso acabar, seguiremos caminhos separados. Fim da linha para nós.
O sangue se esvaiu de sua cabeça e, de repente, suas mãos e pés ficaram dormentes. O que era uma tremenda besteira. O que ele estava propondo era o melhor acordo possível e obteriam os melhores resultados também: dois lutadores trabalhando juntos, e uma vez que seu objetivo fosse alcançado, não havia razão para manter qualquer vínculo entre eles.
Na verdade, aquilo era exatamente o que tinha planejado para o futuro assim que saiu daquele pesadelo com Lash. Capturá-lo e matá-lo. Em seguida, acabar com aquele fiasco de vida.
O problema era... os planos dela, antes tão claros, estavam nebulosos agora, o caminho que havia definido em sua cabeça no momento em que se libertou foi obscurecido por coisas que não tinham nada a ver com o que estava em sua cabeça e tudo a ver com o macho que estava nu na frente dela.
– Certo – disse ela com voz rouca. – Tudo bem.
Isso sim causou uma reação nele. O corpo de John relaxou contra o dela e ele plantou suas mãos na parede uma de cada lado de sua cabeça. Quando seus olhos se encontraram, seu corpo rugiu com uma explosão de calor.
Cara, o desespero era como gasolina para instigá-la no que dizia respeito a John Matthew... e considerando a maneira como ele sutilmente movimentou seus quadris contra ela, sentia a mesma coisa.
Xhex estendeu a mão e agarrou o lado do pescoço dele. Nenhum dos dois foi gentil quando ela o puxou para sua boca, seus lábios foram esmagados um contra o outro, suas línguas não apenas se encontraram, mas duelaram. Quando ela ouviu de repente o som de algo se rasgando, deu-se conta de que ele havia agarrado os dois lados de sua camiseta e rasgado a frente da roupa ao meio...
Seus seios se encontraram com o peito nu dele, seus mamilos roçaram sua pele, seu centro clamava por ele. Para o inferno com o desespero; a necessidade de tê-lo dentro dela ia mais longe, a ponto de seu corpo sem ele tornar-se uma agonia.
Suas calças de couro foram jogadas ao chão em uma fração de segundo.
Então com um salto rápido, ela pulou e prendeu suas coxas ao redor da cintura dele. Descendo, o posicionou contra seu sexo e espremeu seus calcanhares em seu traseiro, penetrando com força. Quando sua ereção mergulhou fundo, ela conseguiu tudo dele, o impulso foi suficiente para fazer com que o orgasmo dela viesse de maneira selvagem.
Ao gozar, suas presas saltaram de dentro de sua boca e John interrompeu o beijo para inclinar sua cabeça e mostrar sua veia.
A perfuração foi doce. A força que veio dele foi meteórica.
Com fortes sucções, ela bebeu enquanto o corpo dele entrava e saía compulsivamente de dentro dela, lançando-a de novo ao prazer, jogando-a de um despenhadeiro em uma louca descida que, de alguma maneira, não produziu um pouso forçado... e ele a seguiu, fazendo aquele salto glorioso sem paraquedas, seus orgasmos estremeciam dentro dela.
Houve apenas a mais breve das pausas... e então John começou a movimentar os quadris outra vez...
Ele a estava carregando para a cama daquele quarto escuro, o movimento de suas coxas ao andar empurrava-o para dentro dela e fazia com que saísse e empurrasse outra vez.
Memorizou cada uma das sensações, guardando cada uma bem no fundo de sua mente, fazendo o momento tornar-se infinito e eterno em virtude do poder da memória. E quando John se acomodou sobre ela, Xhex retribuiu o favor: oferecendo sua veia, assegurou-se de que os dois seriam a equipe mais poderosa possível.
Parceiros.
Só que não para sempre.
CAPÍTULO 52
Enquanto o corpo de John se movimentava junto ao de Xhex, a mente dele voltou-se brevemente para aquele momento no banheiro quando esperava a aceitação do acordo proposto.
Claro, seu discurso soou muito como “ande na linha, garota”, mas a verdade é que não tinha qualquer pretensão: ela concordaria ou não e, se não concordasse, não tinha como detê-la. Moral da história? Não havia absolutamente nenhuma ameaça de retirada, nenhuma ação pró-ativa, nada do tipo “se fizer isso, acontece aquilo” que ele pudesse colocar em prática nessa situação.
E tinha se dado conta disso enquanto estava sentado no sofá da sala de bilhar, fingindo assistir à TV com Tohr. Ao longo do dia, ouviu a voz de Rehvenge em sua cabeça o tempo inteiro, várias e várias vezes.
No final, o jogo dela não envolve ninguém além dela mesma.
John não era tolo e não estava preparado para deixar que sua vinculação com ela voltasse a paralisá-lo. Tinham um trabalho a fazer e teriam uma chance maior se trabalhassem juntos. Afinal, não iam perseguir um redutor qualquer.
Além disso, a história dos dois estava escrita numa rota de colisão; estavam sempre batendo um contra o outro e ricocheteando por caminhos diferentes – só para se verem atraídos num novo conflito. Ela era sua perdição e não havia nada que pudesse fazer para mudar isso. Mas com certeza poderia se desvencilhar daquele cordão elástico que o torturava.
Cara, desejou que a tatuagem não fosse permanente. Por outro lado, pelo menos era nas suas costas e não tinha que olhar para a maldita coisa.
Mas tanto faz. Pegariam Lash e depois seguiriam caminhos distintos. E entre o agora e o depois? Bem...
John deixou seus pensamentos à deriva enquanto voltava a se concentrar na agitação do sexo e no sabor que rugia em sua boca enquanto se alimentava. Voltou a sentir o perfume da própria vinculação emergindo de sua pele, mas ignorou aquela realidade. Não ia permitir que sua cabeça fosse confundida apenas por causa desse cheiro apimentado. Nem por mais um minuto sequer.
É claro que machos vinculados ficavam mutilados sem suas fêmeas – e grande parte dele sempre seria dela. Mas ia continuar vivendo, droga. Era um sobrevivente.
Enquanto ele se movia dentro do abraço firme de Xhex, seu pênis era um sólido eixo de virilidade e logo outro orgasmo o atingiu, atravessando seu corpo e entrando nela. Quebrando o contato com a veia, ele lambeu os furos com a língua e depois agarrou-se a um dos seios. Com uma mudança na posição de sua perna, afastou mais as coxas dela e virou-se de costas para que ela ficasse por cima.
Xhex comandou a partir dali, apoiando as mãos sobre os ombros dele, balançando os quadris sobre a base de sua coluna, seu abdômen definido tencionava e afrouxava enquanto ela o cavalgava. Com uma maldição silenciosa, ele agarrou suas coxas e apertou sentindo como seus músculos se moviam sob suas mãos e não parou por aí. Deslizou as mãos mais para cima, para a junção entre suas pernas e seu tronco, aquela energia elétrica atraindo-o para o lugar onde estavam unidos.
Seu polegar deslizou até o centro dela e encontrou o topo de seu sexo para acariciá-lo em círculos...
Sob a penumbra do banheiro, John a observou arquear-se para trás e suas presas apertarem seu lábio inferior, num esforço de suprimir um grito. Queria lhe dizer para que não se preocupasse em conter seu rugido, mas não teve tempo para lamentar a discrição – ele gozou com força, fechando os olhos enquanto estremecia embaixo dela.
Recuperando o fôlego, fez uma pausa para respirar fundo... em seguida, ela estava mudando de posição.
Quando abriu os olhos, quase teve outro orgasmo. Ela havia se virado de costas de forma a ficar inclinada nas pernas dele, equilibrando seu peso sobre suas canelas. Com os pés posicionados nas laterais de seu corpo, produzia um tremendo espetáculo... e isso foi antes dela começar a se mover. A visão dele emergindo brilhante e grosso de dentro de ela, de sua virilidade revelada até o topo, lançou-o em outro orgasmo.
Ela não parou.
Ele não queria que parasse.
John precisava observar ainda mais, observar melhor as pontas dos seios dela, as linhas de seu queixo e a suavidade de seu corpo enquanto ela o tinha profundo e duro. Queria permanecer capturado dentro dela... para sempre.
Mas este era seu problema com Xhex, um problema que iria terminar aqui e agora.
Atingiram o clímax juntos, com John segurando os esbeltos tornozelos de Xhex e ela com a boca aberta para deixar escapar o nome dele de sua garganta.
Depois disso, não havia mais nada, apenas respirações pesadas e o ar que parecia frio.
Com um deslocamento ágil, ela os separou, passando a perna por cima da cabeça dele e pousando em pé no chão ao lado da cama sem fazer barulho.
Ao olhar por cima do ombro, sua coluna fez uma curva elegante.
– Posso usar o chuveiro?
Quando assentiu com a cabeça, ela andou com confiança e a passos largos até o banheiro... e apesar de todo o sexo que tinham acabado de ter, John sentiu uma grande necessidade de tomá-la por trás.
Um momento depois, o jato de água foi ouvido... e então a voz dela ecoou.
– A polícia humana encontrou a cena.
Aquilo fez John sair da cama, faminto por mais informação. Enquanto entrava no banheiro, ela inclinou-se debaixo do chuveiro e arqueou-se para enxaguar o xampu do cabelo.
– O lugar estava cheio de tiras, mas os novos iniciados estavam escondidos da mesma forma que eu estava... todos aqueles seres humanos viram sangue suficiente para pintar uma casa inteira de vermelho. Nenhum sinal de Lash, mas um carro exótico passou por ali. Liguei para Rehv e passei o número da placa para que Vishous a rastreasse e vou fazer o relatório para Wrath agora.
Ao olhá-lo, ele gesticulou:
Voltaremos assim que anoitecer.
– Sim. Voltaremos.
Qhuinn acordou sozinho após ter levado Layla de volta ao Outro Lado depois de “brincarem” um pouco mais. Gostaria de ter dito para ela que voltasse imediatamente, mas um abraço de adeus levou a outras coisas...
Mas ela ainda permanecia virgem.
Não intocada, mas tecnicamente ainda era virgem... Parecia que havia duas pessoas no mundo com quem não transaria. Se essa tendência continuasse, acabaria como um celibatário.
Ao sentar-se, sua cabeça martelou, prova irrefutável de que a tequila era um forte oponente.
Esfregando o rosto, pensou em como a Escolhida beijava. Ensinou-lhe como fazer corretamente, como chupar e acariciar, como abrir caminho para a língua de alguém, como penetrar uma boca quando quisesse. A fêmea aprendia rápido.
Mas mesmo assim não foi difícil manter as coisas sob controle.
O que tinha matado a vontade de selar o acordo foi a maneira como ela o olhou. No começo, achou que estava apenas buscando uma aula prática após todo um treinamento teórico. Mas rapidamente Qhuinn sentiu que Layla estava começando a realmente gostar dele. Seus olhos começaram a se encher de estrelas, como se ele fosse a chave da porta que a mantinha fechada em si mesma, como se só ele tivesse o poder de soltar o cadeado e libertá-la.
Como se ele fosse seu futuro.
Bastante irônico, pois, teoricamente, ela era sua fêmea ideal. Poderia muito bem ter resolvido seu problema de nunca achar uma companheira.
Só que seu coração não estava envolvido.
Então, não, não assumiria a responsabilidade por suas esperanças e sonhos. E não havia qualquer possibilidade de seguir esse caminho com ela. Estava seduzida pelas fantasias que tinha dele – se ele fizesse amor com ela, isso só iria piorar ainda mais as coisas: quando não se tem experiência, esse tipo de atividade física pode ser facilmente confundida com algo mais profundo e significativo.
Inferno, esse tipo de ilusão poderia acontecer inclusive entre duas pessoas que tivessem experiência.
Como com aquela garota da loja de tatuagem, por exemplo, deslizando o número de telefone no bolso dele. Não tinha interesse algum em ligar para ela antes, durante ou depois do que aconteceu. Não conseguia sequer lembrar o nome dela – e o vácuo de informação não lhe incomodava nem um pouco. Qualquer mulher disposta a transar com um cara desconhecido, num lugar público, com três outros machos por perto, não era alguém com quem precisava ter um relacionamento.
Cruel? Sim. Um peso, duas medidas? De jeito nenhum. Também não tinha qualquer respeito por si mesmo, então não julgava sua própria indecência com menos aversão.
Além disso, Layla não tinha ideia do que ele esteve fazendo com os humanos desde a sua transição... Todo o sexo em banheiros, becos e cantos escuros de clubes... Aquela matemática suja resultava em sua habilidade de saber exatamente o que fazer com o corpo dela.
Com qualquer corpo. Macho ou fêmea.
Droga. Aquilo o fez pensar sobre como Blay passou o dia.
Qhuinn mexeu inquieto no telefone e o abriu. Localizou a mensagem de texto que Blay enviou de um número desconhecido, leu, releu e releu novamente.
Tinha que ter vindo do telefone de Saxton.
Provavelmente digitada sobre a cama do cara.
Qhuinn jogou seu BlackBerry na mesa e se levantou. No banheiro, manteve as luzes apagadas, pois não estava nem um pouco interessado no seu aspecto usando o jeans e a camiseta com que havia dormido.
Uma bagunça total. Sem dúvida.
Enquanto lavava o rosto, um zumbido sutil soou ao seu redor, as persianas das janelas estavam subindo. Com água pingando do queixo e um frasco de espuma de barbear na mão, olhou para a nova noite. Sob a luz da lua, os botões das flores de bétula prateadas próximos à janela se abriram ainda mais, indicando que o dia tinha sido quente.
Ele ignorou totalmente qualquer comparação com Blay sendo despertado para sua própria sexualidade.
Pelo próprio primo de Qhuinn.
Enojado de si mesmo, pulou o ato de se barbear e saiu do quarto. Dirigindo-se à cozinha, andou tão rápido quanto possível, levando em conta que a pressão atmosférica em seu crânio estava fazendo com que se preocupasse com a saúde e a longevidade de seus nervos ópticos.
No reduto de Fritz, fez um bule de café enquanto os doggen se apressavam no local para preparar a Primeira Refeição. Que bom estarem tão preocupados. Às vezes, quando você se sente um lixo por dentro e por fora, a única coisa que deseja é fazer seu próprio café.
O orgulho é importante em momentos assim.
Claro que na primeira tentativa se esqueceu de acrescentar os grãos, então tudo que conseguiu foi um lindo e fumegante bule de água limpa.
Tentaria outra vez, com sentimento.
Estava saindo da sala de jantar com uma garrafa térmica cheia do milagroso líquido castanho escuro e um frasco de aspirina quando a porta do corredor foi aberta por Fritz.
A dupla que passou pelo bom doggen assegurava que haveria muitas idas à farmácia em um futuro próximo na vida de Qhuinn: Blay e Saxton entraram na casa de braços dados.
Por uma fração de segundo, quase rosnou enquanto uma sensação de possessividade o levou a querer passar seu carro sobre os dois e estacioná-lo lá – até que percebeu que o abraço era evidentemente para fins medicinais. Saxton não parecia muito firme sobre seus pés e, com certeza, seu rosto tinha sido usado como saco de pancadas.
Agora Qhuinn rosnou baixo, mas por um motivo diferente.
– Quem fez essa droga com você?
Não poderia ter sido a própria família do cara. Os pais de Saxton não se importavam com o que e quem ele era.
– Diga – ele exigiu. E uma vez que a pergunta fosse respondida, os dois poderiam começar a discussão sobre o que passou pela cabeça de Blay ao trazer um estranho não só à sede da Irmandade, mas à casa da Primeira Família.
Oh, mas a pergunta número três “Como foi?” ficaria exatamente onde estava. Ou seja, presa em sua garganta.
Saxton sorriu. Mais ou menos. Seu lábio superior não estava funcionando muito bem.
– Foi apenas um lixo humano. Não vamos nos exaltar, certo?
– Vá se ferrar. E que diabos você está fazendo aqui com ele? – Qhuinn olhou para Blay e tentou não examinar o rosto do cara procurando por marcas produzidas pelo roçar de barba. – Ele não pode entrar nesta casa. Você não pode trazê-lo...
Do alto, a voz de Wrath o interrompeu, o tom profundo de barítono do rei encheu o saguão.
– Blay não estava brincando sobre você, não é? Está bastante machucado, não está, filho?
Saxton arquejou ao se curvar.
– Perdoe-me, majestade, por não proporcionar uma apresentação mais agradável. O senhor é muito amável ao me acolher aqui.
– Foi correto comigo em um momento importante. Estou devolvendo o favor. Sempre o faço. Como disse, se comprometer meu lar de alguma maneira, cortarei suas bolas e farei você as comer.
Eu adoro o Wrath, Qhuinn pensou.
Saxton fez outra reverência.
– Entendido.
Wrath não olhava para baixo das escadas, seus óculos escuros permaneciam em linha reta, de modo que parecia estar olhando os afrescos no elevado teto. E mesmo com sua cegueira, não perdia nada.
– Pelo que posso sentir, Qhuinn fez café, isso vai ajudar, e Fritz tem um quarto preparado para você. Deseja algo para comer antes de se alimentar?
Alimentar? Alimentar?
Qhuinn não gostava de ficar de fora da conversa, mesmo quando se tratava de pequenos detalhes como o que tinha para o jantar. Saxton, a mansão, Blay e a veia de alguém? Sim, não saber o que estava acontecendo fazia com que as pontas de suas presas formigassem.
Saxton inclinou-se em reverência mais uma vez.
– De fato, é um anfitrião muito gentil.
– Fritz, dê algo para o macho comer. A Escolhida deve chegar muito em breve.
A veia de uma Escolhida?
Cristo, o que exatamente Saxton fez para o rei? A vida de quem ele tinha salvado?
– E nossa médica vai examiná-lo. – Wrath ergueu uma das mãos. – Não. Cheiro a dor que está sentindo... é uma combinação de querosene e pimenta forte que chega em meu nariz. Então, mova-se. Cuide-se e conversaremos mais tarde.
Quando Wrath e George viraram as costas, Qhuinn seguiu Fritz, andando atrás do mordomo enquanto liderava uma lenta subida na grande escadaria. No topo, o doggen parou em favor dos passos mancos de Saxton e aproveitou para polir os adornos esculpidos em bronze.
Sem nada a fazer a não ser esperar, Qhuinn abriu a aspirina e ingeriu um punhado, notando, através da porta aberta do escritório do rei, que John e Xhex falavam com V. e Wrath, os quatro estavam em pé juntos a um mapa estendido na escrivaninha.
– Esta é uma mansão espetacular – Saxton disse enquanto parava para recuperar o fôlego. Apoiado na força de Blay, ajustava-se ao braço do cara... com maldita perfeição.
Bastardo miserável.
– Meu mestre, Darius, a construiu. – Os velhos olhos lacrimejantes de Fritz percorreram o local antes de se concentrar na macieira retratada no mosaico abaixo. – Ele sempre quis a Irmandade aqui... Construiu as instalações para esse fim. Ficaria muito satisfeito hoje.
– Vamos continuar, então – Saxton disse. – Estou ansioso para ver mais.
Seguiram pelo corredor de estátuas. Passaram pelo quarto de Tohr. Passaram pelo de Qhuinn e de John Matthew. Passaram pelo de Blay... e entraram na porta ao lado.
Por que não instalá-lo mais abaixo, Qhuinn pensou. Como no porão.
– Vou trazer-lhe uma bandeja com quitutes variados. – Fritz entrou e verificou se tudo estava em ordem. – Disque asterisco e um se precisar de alguma coisa antes que eu volte ou em qualquer outro momento.
Com uma reverência, o mordomo saiu, deixando algum constrangimento atrás de si. Que não foi suavizado nem um pouco quando Blay levou Saxton para a cama e ajudou a deitar o macho.
O filho da mãe estava em um lindo terno cinza. Com um colete. Que fazia Qhuinn e suas roupas estilo saco de dormir se sentir como se estivesse vestido com um belo saco de lixo.
Erguendo-se um pouco mais, para ter uma clara vantagem sobre Sax ao menos na posição vertical, disse:
– Foram aqueles caras do bar de charutos. Aqueles malditos idiotas, não é?
Quando Blay congelou, Saxton riu um pouco.
– Então nosso amigo aqui em comum, Blaylock, lhe contou sobre o nosso encontro? Fiquei pensando sobre o que estava fazendo com o meu celular no banheiro.
Certo, tanto faz. Foi uma dedução e não uma breve ligação diurna que o levou a essa conclusão. Inferno, recebeu apenas uma mensagem de texto do cara. Um texto curto e miserável, que não oferecia muita coisa além de um “oi, tudo bem?”...
Que. Droga. Estava mesmo reclamando sobre etiqueta ao telefone? Estava mesmo dando uma de mocinha daquele jeito?
Voltando ao jogo, retrucou.
– Foram eles?
Quando Blay não disse nada, Saxton suspirou.
– Sim, receio que sentiram necessidade de se expressar... bem, o primata do grupo sentiu. – As pálpebras do macho baixaram e ele olhou para Blay. – E eu sou um amante, não um lutador, entende?
Blay apressou-se para preencher o silêncio depois daquela pequena bomba.
– Selena estará aqui em breve. Você vai gostar dela.
Graças a Deus não era Layla, Qhuinn pensou sem qualquer bom motivo para isso...
O silêncio que se seguiu era denso e tinha cheiro de consciência pesada.
– Posso conversar com você? – Qhuinn disse a Blay de repente. – No corredor?
Não era um pedido.
Quando Fritz chegou com a bandeja, Qhuinn saiu do quarto e esperou no corredor, de frente para uma das estátuas musculosas. O que o fez imaginar em como Blay seria nu.
Abrindo a tampa da garrafa térmica, tomou um gole de seu café, queimou a garganta e bebeu mais mesmo assim.
Depois que Fritz saiu, surgiu Blay, que fechou a porta.
– O que foi?
– Não posso acreditar que você o trouxe aqui.
Blay recuou, franzindo a testa.
– Viu o rosto dele. Como não trazê-lo? Está machucado, não está se curando bem e precisa se alimentar. E Phury nunca permitiria que uma de suas Escolhidas simplesmente aparecesse em algum lugar do mundo. Esta é a única maneira segura de fazê-lo.
– Por que não encontrou outra pessoa? Não tem que ser uma Escolhida.
– Como? – Sua expressão ficou ainda mais profunda. – Ele é seu primo, Qhuinn.
– Estou bem consciente dessa relação. – E de como aquilo soava mesquinho. – Só não entendo porque você arranjou tudo isso para o cara.
Bobagem. Sabia exatamente o porquê.
Blay virou-se.
– Vou voltar agora para...
– Ele é seu amante?
Isso deteve o macho... ficou congelado como se fosse uma das estátuas gregas, com a mão parada na altura da maçaneta.
Blay olhou por cima do ombro, a expressão do rosto rígida.
– Isso não é da sua conta.
Nenhum rubor à vista e Qhuinn exalou lentamente, aliviado.
– Não é, certo? Não ficou com ele.
– Deixe-me em paz, Qhuinn. Apenas... deixe-me em paz.
Quando a porta se fechou atrás do cara, Qhuinn amaldiçoou baixinho e se perguntou se seria capaz de fazer isso.
Não tão cedo, uma voz disse em sua cabeça. Talvez nunca.
CAPÍTULO 53
Lash acordou com o rosto na terra e com alguém mexendo em seus bolsos. Quando tentou se virar, algo duro segurou seu crânio e o manteve no lugar.
Uma palma de mão. Uma palma de mão humana.
– Pegue as chaves do carro! – alguém sussurrou à sua esquerda.
Havia dois deles. Dois seres humanos, os dois cheiravam à crack e a suor velho.
Assim que a mão começou a vasculhar, Lash agarrou o pulso do homem e, com uma torção e um salto, trocou de lugar com o bastardo saqueador.
Quando o cara abriu a boca em estado de choque, Lash arreganhou as presas e golpeou de cima para baixo, mordendo a pele avermelhada de uma bochecha e arrancando-a dos ossos. Cuspiu rapidamente e depois rasgou a garganta do filho da mãe.
Gritos. Muitos gritos vindos do cara que deu a ordem para pegar as chaves do carro...
Que foram rapidamente extintos quando Lash pegou sua faca e a lançou nas costas do Sr. Ladrão de Carros, atingindo bem no meio do desgraçado.
Quando o filho da mãe caiu com tudo no chão de terra, Lash fechou o punho e acertou a têmpora daquele que o havia montado.
Com a ameaça neutralizada, Lash ficou instável outra vez, seu corpo caiu para o lado quando considerou brevemente mais uma rodada de vômitos. Uma condição não muito interessante para estar – especialmente quando o humano que tinha acertado em cheio começou a grunhir e a se agarrar na terra como se estivesse determinado a fugir.
Lash forçou-se a ficar em pé e arrastou-se. Ficando por cima do drogado, colocou um pé nas nádegas do cara, puxou a faca novamente e enfiou-a nas costas dele. Então, chutou seu alvo e ergueu o braço...
Estava prestes a cravar-lhe a faca no peito quando percebeu que o bastardo era forte, todo constituído de músculos. Considerando seus olhos enlouquecidos, com certeza era adepto de um cachimbo, mas era bastante jovem e as devastações da droga ainda teriam muito trabalho pela frente até corroer sua massa corporal.
Bem, aquela era a noite de sorte do filho da mãe. Graças a um capricho e um bom corpo, passaria de cadáver a rato de laboratório.
Ao invés de esfaqueá-lo no coração, Lash cortou os pulsos e a jugular do humano. Enquanto o sangue vermelho fluía para a terra e o homem começava com os gemidos, Lash olhou para o carro e sentiu como se a coisa estivesse a centenas de quilômetros de distância.
Ele precisava de energia. Precisava...
Bingo.
Enquanto aquelas veias drenavam, Lash arrastou-se até a Mercedes, abriu o porta-malas e levantou o tapete. O painel que cobria o estepe normalmente era retirado com facilidade.
Olá, bom dia, o que temos aqui...
O quilo de cocaína deveria ter sido dividido e reembalado para ser vendido nas ruas dias atrás, mas então o mundo explodiu e o material foi deixado bem onde o Sr. D havia colocado.
Limpando a faca nas calças, Lash perfurou o celofane e mergulhou a ponta da lâmina. Cheirou a droga direto no aço da faca, usando primeiro a narina direita e depois a esquerda, que já não mais existiam.
Para completar, fez outra rodada.
E... mais outra.
Quando acabou, o fluxo corrente que trovejou dentro dele salvou-lhe, animando-o ao ponto de mantê-lo em pé mesmo depois da rotina de vomitar e desmaiar. O motivo de ter tido esses problemas era um mistério... talvez o sangue daquela prostituta barata estivesse estragado ou talvez não fosse apenas o corpo de Lash, mas também sua composição química interna mudando. De qualquer forma, precisaria do pó até as coisas se estabilizarem.
A droga funcionava. Sentia-se ótimo.
Após guardar a cocaína no esconderijo novamente, voltou-se para o drogado. O frio não ajudava o processo de drenagem, e esperar ali enquanto o desgraçado sangrava não era a ideia mais brilhante do dia, não importava o quão bem escondido estavam sob a ponte. Superando aquele zumbido desagradável, foi até o cara morto em quem deu uma de Hannibal Lecter, rasgou a jaqueta de couro do homem e fez tiras de bandagens com a camiseta que estava por baixo.
Dane-se seu pai.
Dane-se aquele idiotinha.
Formaria seu próprio exército. Começando com aquele bulldog viciado.
Não demorou muito para Lash colocar as bandagens improvisadas nas feridas abertas do humano. Em seguida, pegou o corpo e jogou no porta-malas do carro com todo o cuidado que um taxista teria com uma bagagem barata.
Saindo da ponte, seus olhos saltavam por toda parte. Mas que droga... todos os carros que via, desde aqueles na estrada até os que circulavam no tráfego da rodovia, todos eles eram carros sem marcas oficiais do departamento de polícia de Caldwell.
Tinha certeza disso. Era a polícia. Humanos com emblemas observando seu carro. A polícia, o DPC, a polícia, o DPC...
Ao se dirigir para a fazenda, pegou todos os faróis de Caldwell fechados, e enquanto era obrigado a frear, olhava para frente, rezando para que todos aqueles policiais atrás e na frente dele não sentissem que tinha um homem morrendo e um carregamento de drogas no carro.
Seria um grande esforço lidar com uma parada policial. Que decepção. Finalmente estava se sentindo como ele mesmo, cada batida do coração ecoava em suas veias, os cascos de aço daquela cocaína pisoteavam seu cérebro, criando uma cacofonia de inspiração criativa...
Espere. No que ele estava pensando?
Ah, inferno, o que isso importava? Ideias semiformadas dançavam em sua mente, planos se formavam e desintegravam, um mais brilhante que o outro.
Benloise. Tinha que ir até Benloise e restabelecer a conexão. Fazer mais redutores de sua própria autoria. Encontrar o idiotinha e mandá-lo de volta ao Ômega.
Ferraria seu pai e o cara que ferrou com ele.
Ferraria Xhex outra vez.
Voltar à fazenda e lutar com os Irmãos.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro... precisava de dinheiro.
Enquanto passava por um dos parques de Caldwell, seu pé diminuiu lentamente a aceleração. No início, não tinha certeza se estava mesmo vendo aquilo... ou se sua maldita cabeça estava distorcendo a realidade.
Mas não...
O que acontecia nas sombras perto da fonte apresentava-se como a oportunidade que ele estava tentando criar. Ou infiltrar-se, no caso.
Estacionando o Mercedes em uma das vagas do estacionamento, desligou o carro e pegou a faca. Ao passar por trás do capô, tinha uma vaga consciência de que não estava pensando direito, mas ao seguir o impulso da cocaína, aquilo parecia perfeito.
John Matthew tomou forma em meio a um conjunto de pinheiros e arbustos com Xhex, Qhuinn, Butch, V. e Rhage. Logo à frente, a casa da fazenda com a fita amarela envolvendo a cena do crime parecia como algo saído de um programa de TV.
Mas mesmo com aquela visão impressionante, a verdade por trás da cena era muito mais sombria. Apesar do ar limpo ao redor, o aroma de sangue era forte o suficiente para incomodar sua garganta.
Para averiguar de maneira adequada a informação despejada por Lash, a Irmandade se dividiu em dois grupos, com os outros verificando o endereço relacionado à placa do Civic envenenado. Trez e iAm tinham acabado de sair para cuidarem de seus negócios noturnos, mas estavam prontos para voltar apenas com uma mensagem de texto. E de acordo com os Sombras, não havia nada de especial para ser relatado desde que Xhex os deixou, além do fato de que o detetive De la Cruz havia voltado, passado uma hora ali e saído outra vez.
John examinou a cena diante dele, concentrando-se mais nas sombras do que nos locais onde a lua iluminava. Então, fechou os olhos e deixou seus instintos fluírem, soltando as rédeas daquele sensor indefinível e invisível em seu peito.
Em momentos assim, não sabia por que fazia o que fazia; o impulso simplesmente o envolvia, a convicção de que já tinha feito aquilo antes – e havia dado certo – era muito forte e inegável.
Sim... Sentia que alguma coisa estava errada... Havia fantasmas lá dentro. E essa certeza o lembrou do que tinha sentido quando esteve naquele maldito quarto em que Xhex estava tão perto e tão longe dele. Na ocasião, também a sentiu, mas estava bloqueado para fazer qualquer tipo de conexão.
– Os corpos estão lá dentro – Xhex disse. – Apenas não podemos vê-los ou pegá-los. Mas estou dizendo... estão lá dentro.
– Bem, então não vamos ficar brincando aqui fora – V. disse, desmaterializando-se.
Rhage o seguiu, aparecendo dentro da casa, enquanto Butch tomou uma abordagem mais trabalhosa, caminhando ao longo do gramado desalinhado, com a arma na mão e encostada em sua coxa. Olhou pelas janelas até V. abrir a porta dos fundos.
– Você vai entrar? – Xhex perguntou.
John gesticulou com cuidado para que ela pudesse ler suas mãos. Você já disse o que tem lá dentro. Estou mais interessado no que pode aparecer aqui fora.
– Concordo.
Um a um, os Irmãos voltaram.
V. falou em voz baixa:
– Supondo que Lash não está apenas exibindo seus esforços de indução e supondo que Xhex esteja certa...
– Nada de suposições aqui – ela interrompeu. – Estou certa.
– ... então quem quer que tenha transformado os pobres coitados tem que voltar.
– Obrigada, Sherlock.
V. a encarou.
– Quer parar com essa atitude, docinho?
John se endireitou, pensando que por mais que amasse o Irmão, não estava gostando do tom dele.
Evidentemente, Xhex concordou.
– Refira-se a mim com essa de “docinho” outra vez e será sua última palavra...
– Não me ameace, doci...
Butch parou atrás de V. e colocou a mão na boca do cara enquanto John segurava o braço de Xhex tentando acalmá-la, encarando Vishous. Ele nunca entendeu a hostilidade entre os dois, apesar de existir esse sentimento desde quando conseguia se lembrar...
Franziu a testa. Depois da confusão, Butch estava encarando o chão. Xhex olhava para uma árvore atrás de V. e este rosnava e olhava para suas unhas.
Algo está errado aqui, pensou John.
Oh... Jesus...
Não havia razão para V. não gostar de Xhex... na verdade, ela era exatamente o tipo de fêmea que ele respeitava. A não ser, claro, que ela já tenha estado com Butch...
V. era conhecido por ser possessivo em relação ao melhor amigo, só aceitando a shellan do cara.
John parou com as extrapolações, definitivamente não precisava saber de mais nada. Butch estava cem por cento comprometido com sua Marissa, então se algo aconteceu entre ele e Xhex... foi há muito tempo. Provavelmente antes de sequer John conhecê-la – ou talvez quando ainda estava em sua fase pré-transição.
Passado era passado.
Além disso, não devia...
Quaisquer outros pensamentos sobre a questão foram convenientemente interrompidos quando um carro passou em frente à fazenda. Instantaneamente, toda a atenção foi voltada para um automóvel que tinha a cor da roupa de uma garota de doze anos. Em, digamos, 1985.
Cinza, amarelo limão e rosa-choque. Está falando sério? Acha isso legal mesmo? Cara... supondo que era um redutor atrás do volante, John tinha acabado de encontrar outro motivo para matar aquele desgraçado.
– Esse é o Civic envenenado – Xhex sussurrou. – É isso.
De repente, houve uma sutil mudança no cenário, como se uma tela tivesse sido puxada sobre o local, vinda de cima. Felizmente, a acuidade visual ficou comprometida apenas até um tipo de escudo ser estabelecido e, então, tudo ficou claro novamente.
– Ativei o mhis – V. disse. – E que filho da mãe idiota. Aquele carro é chamativo demais para estar nessa parte da cidade.
– Carro? – Rhage suspirou. – Por favor. Essa coisa é uma máquina de costura fantasiada de carro. Meu GTO faz essa carroça comer poeira usando só a quarta marcha.
Quando ouviu-se um som estranho atrás deles, John olhou. Assim também fizeram os três Irmãos.
– O que foi? – Xhex franziu a testa, cruzando os braços na frente do peito. – Posso rir, sabia? E isso foi... muito engraçado.
Rhage sorriu radiante.
– Eu sabia que gostava de você.
A máquina de costura passou pela casa e voltou em seguida... apenas para dar a volta e fazer isso uma terceira vez.
– Estou ficando realmente entediado com isso. – Rhage deslocava o peso do corpo para frente e para trás, seus olhos se iluminando de um azul neon, o que significava que sua besta já estava rosnando e ficando ansiosa. Isso nunca era bom. – Por que não posso pular por cima do capô daquele idiota e arrancar a cabeça do desgraçado pelo para-brisa?
– Melhor relaxar e esperar a melhor oportunidade – Xhex murmurou enquanto John pensava a mesma coisa.
O cara atrás do volante deveria ser daltônico com relação a cores de carro, mas não era um total idiota. Continuou dirigindo, e cinco minutos depois, quando Rhage estava prestes a soltar sua outra personalidade, o assassino surgiu andando de trás dos campos de milho nos fundos.
– Esse garoto é esperto – Rhage murmurou. – Um cretino bem esperto.
O redutor trazia alguns reforços com ele, do tamanho que não caberia naquele carro. Com certeza, encontraram-se em algum lugar e se desfizeram de outro carro.
E eram espertos com relação à aproximação. Levaram um tempo olhando tudo ao redor do gramado, da casa e da floresta. Mas, graças ao V., quando olharam para o conjunto de árvores onde seus inimigos estavam, seus olhos não registraram nada além da paisagem – o mhis de Vishous era uma ilusão óptica que disfarçava com eficácia a encrenca em que o inimigo estava entrando.
Quando o trio foi para os fundos da casa, suas botas trituravam o gramado congelado. Um momento depois, ouviram vidro sendo quebrado.
Para ninguém especificamente, John gesticulou: Vou me aproximar.
– Espere...
A voz de Vishous não desacelerou John nem um pouco, nem mesmo a maldição que deixou para trás quando se materializou ao lado da casa.
O que significou que John foi o primeiro a ver os corpos ao se tornaram visíveis.
No instante em que o redutor escalou uma janela da cozinha, a casa estremeceu e...
Olá, Massacre da Serra Elétrica.
Estendidos da sala de estar até o corredor da sala de jantar havia uns vinte corpos alinhados com suas cabeças direcionadas para os fundos da casa e os pés em direção à frente. Bonecos. Bonecos grotescos, nus, com vômito negro em seus rostos e com braços e pernas que se moviam lentamente.
John sentiu Xhex e os outros tomarem forma bem ao seu lado, atrás da janela, no momento em que o redutor apareceu no campo de visão.
– Caramba! – O garoto girava e olhava ao redor. – Isso!
Sua risada triunfante beirava a histeria – o que teria sido perturbador, se não fosse o fato de que estava cercado de sangue e vísceras. Mas neste caso? A gargalhada não foi nada original – um clichê horrível. Mas o carro do bastardo também era. Muito Vin Diesel.
– Vocês são meu exército! – ele gritou para os caras ensanguentados no chão. – Vamos comandar Caldwell! Levantem os traseiros do chão, é hora de trabalhar! Juntos, nós somos...
– Mal posso esperar para matar esse idiotinha – Rhage murmurou. – Só para calar a boca dele.
Com. Certeza.
O desgraçado iniciou um discurso seguindo uma linha meio Mussolini, cheio de blá-blá-blá, o que era muito bom para o ego, mas que, no final, não significava coisa alguma. A resposta dos filhos da mãe no chão era o que importava...
É. Talvez o Ômega tenha escolhido bem: os bonecos pareciam aceitar o discurso sem questionar. Os agregados drenados, massacrados, reanimados e agora desalmados ex-humanos, levantaram os troncos, tentando ficar em pé, ao comando do redutor.
Pena que aquilo seria um esforço desperdiçado.
– No três – Vishous sussurrou.
Xhex foi quem contou.
– Um... dois... três!
CAPÍTULO 54
Assim que a noite caiu sobre a paisagem, concedendo a graça escura sobre a terra, Darius se desmaterializou de sua modesta residência e tomou forma na costa oceânica com Tohrment. A “cabana” que o sympatho havia descrito era na verdade uma mansão de pedra de bom tamanho e distinção. Havia velas acesas dentro, mas enquanto Darius e seu protegido permaneceram em meio às folhagens, não houve sinais evidentes de vida: nenhum vulto passou pelas janelas. Nenhum cão latiu avisando alguma coisa. Nenhum aroma vinha da cozinha e flutuava na brisa fresca e calma.
No entanto, havia um cavalo saindo para o campo e uma carruagem perto do celeiro.
Assim como uma esmagadora sensação de mau agouro.
– Há um sympatho aí dentro – Darius murmurou enquanto seus olhos sondavam não apenas o invisível, mas as sombras.
Era impossível saber se havia mais de um devorador de pecados dentro das muralhas, uma vez que bastava apenas um deles para criar a barreira de medo. E também não podiam ter certeza se era o sympatho que eles procuravam.
Pelo menos, não enquanto permanecessem à margem.
Darius fechou os olhos e deixou que seus sentidos penetrassem na cena que havia diante deles: seus instintos que iam além da visão e da audição concentraram-se para determinar o perigo.
Na verdade, havia momentos em que ele confiava mais no que sabia ser verdade do que naquilo que via.
Sim, conseguia sentir algo. Havia um movimento frenético dentro das paredes de pedra.
O sympatho sabia que estavam lá.
Darius acenou para Tohrment, os dois aproveitaram o momento e tentaram se desmaterializar dento da sala.
Metal escondido na alvenaria os impediu de penetrar nas paredes robustas e foram obrigados a tomar forma na lateral da casa. Implacável, Darius ergueu seu cotovelo coberto de couro e quebrou o vidro da janela; em seguida, agarrou a esquadria e retirou a estrutura. Entrou com Tohrment como uma rajada de vento, materializando-se na sala...
Exatamente naquele momento, viu um vulto vermelho atravessando uma porta interna indo em direção aos fundos da casa. Em um acordo silencioso, ele e Tohrment começaram a perseguição e chegaram à saída que tinha sido utilizada enquanto a fechadura ainda estava sendo trancada do outro lado.
Mecanismo de cobre. O que significava que não havia como movê-la mentalmente.
– Afaste-se – disse Tohrment enquanto apontava o cano de sua arma.
Darius saiu da frente rapidamente enquanto um tiro soava, depois arremeteu o ombro contra a porta, empurrando-a com força.
As escadas abaixo estavam escuras, exceto por uma fraca luz ao fundo.
Desceram os degraus de pedra e correram sobre o chão coberto de sujeira acumulada, seguindo aquela luz... e o cheiro de vampiro impregnado no ar.
Uma urgência trovejou nas veias de Darius, a ira se opondo ao desespero. Queria a fêmea de volta... Minha Virgem Escriba, como ela deve ter sofrido...
Houve um som de pancada, em seguida o túnel foi envolvido pelo breu.
Sem perder o ritmo, Darius avançou determinado, colocando a mão contra as paredes para manter seu caminho em linha reta. Logo atrás, Tohr o acompanhava na perseguição e os fortes e altos ecos de suas botas ajudavam Darius a determinar o final da passagem. Parou bem a tempo, usando suas mãos para localizar a trava da porta.
A qual o sympatho não teve tempo de fechar atrás de si.
Rompendo os pesados painéis de madeira, Darius sentiu uma profunda rajada de ar fresco, e a visão de uma lanterna oscilante surgiu na sua frente, do outro lado do gramado.
Desmaterializando-se e tomando forma em seguida, pegou o macho sympatho e a fêmea vampira ao lado do celeiro, bloqueando sua fuga de tal forma que o sequestrador foi forçado a parar.
Com as mãos trêmulas, o devorador de pecados segurou uma faca na garganta de sua prisioneira.
– Eu vou matá-la! – gritou ele. – Vou matá-la!
A fêmea não lutava contra ele, não tentava se afastar ou implorava para ser libertada e salva. Apenas olhava para frente, seus olhos assombrados e apáticos num rosto sombrio. Na verdade, não havia pele mais pálida do que aquela, a não ser a dos mortos à luz do luar. A filha de Sampsone podia ter um coração batendo dentro do peito, mas sua alma já havia falecido.
– Deixe-a ir – Darius ordenou. – Deixe-a ir e nós o deixaremos vivo.
– Nunca! Ela é minha!
Os olhos do sympatho brilhavam vermelhos, seu lado perverso foi liberado sob a noite, mas era evidente que sua juventude e pânico o impediam de utilizar a arma mais poderosa de sua raça: apesar de Darius estar preparado para um ataque mental, sua mente não foi invadida.
– Deixe-a ir – Darius repetiu – e não o mataremos.
– Acasalei com ela! Ouviu? Acasalei com ela!
Quando Tohrment apontou sua arma para o macho, Darius ficou impressionado com sua calma. Era sua primeira vez numa luta, numa situação de sequestro, com um sympatho... e o garoto estava vivenciando tudo sem ser consumido pelo drama.
Com uma serenidade deliberada, Darius continuou tentando argumentar com seu adversário, observando com raiva a maneira como a camisola da fêmea tinha sido manchada.
– Se você a soltar...
– Não há nada que possa me dar que valha mais do que ela!
A voz baixa de Tohr quebrou a tensão:
– Se deixá-la ir, não vou atirar em sua cabeça.
Era uma boa ameaça, pensou Darius. Mas, claro, Tohrment não iria disparar a arma: seria um risco muito grande para a fêmea no caso de seu alvo sair da mira por apenas uma fração de segundo.
O sympatho começou a caminhar de volta para o celeiro, arrastando a vampira com ele.
– Vou fatiá-la...
– Se ela é tão preciosa para você – disse Darius –, como poderia suportar a perda?
– É melhor ela morrer comigo do que...
Tohr atirou.
Quando a arma disparou, Darius gritou e pulou para frente, como se pudesse pegar a bala de Tohrment com as mãos.
– O que você fez?! – gritou enquanto o sympatho e a fêmea aterrissavam amontoados.
Correndo sobre o gramado e caindo de joelhos, Darius rezou para que ela não tivesse sido atingida. Com o coração na garganta, estendeu a mão para rolar o macho, tirando-o de cima dela...
Quando o jovem sympatho tombou de costas, encarou o céu com uma fixação cega e revelou-se um buraco perfeitamente redondo e preto no centro de sua testa.
– Minha cara Virgem Escriba... – Darius ofegava. – Que tiro!
Tohrment ajoelhou-se.
– Eu não teria puxado o gatilho se não tivesse certeza.
Os dois se inclinaram em direção à fêmea. Ela também olhava para a galáxia acima, com olhos fixos, sem piscar.
Será que sua garganta tinha sido cortada, afinal?
Darius vasculhou a camisola que um dia tinha sido branca. Havia manchas de sangue no tecido, algumas secas e outras frescas.
A lágrima que derramou diante de seus olhos brilhava como prata ao luar.
– Você está salva – disse Darius. – Está segura. Não tenha medo. Não fique triste.
Enquanto o olhar pálido da fêmea se deslocava para encontrar o dele, seu desespero era tão frio quanto o inverno.
– Vamos levá-la de volta à sua casa – Darius prometeu. – Sua família deve...
A voz da fêmea não era nada além de um gemido rouco vindo da garganta:
– Deveria ter atirado em mim ao invés dele.
CAPÍTULO 55
Quando a contagem chegou ao “três”, Xhex tomou forma na sala de estar da casa da fazenda, pensando que a preocupação sobre uma emboscada estava certa... só que os assassinos foram os surpreendidos. Enfrentando o redutor mais próximo, ela iniciou uma luta com o cara e sabia que tinha que trabalhar rápido.
Você tinha o elemento surpresa apenas uma vez em qualquer luta e ela e sua equipe estavam em desvantagem numérica de quatro para um... numa situação onde armas de fogo não podiam ser usadas. Balas eram interessantes apenas quando se podia atirar em alvos estáticos e não tinham nada disso naquele lugar. Braços, pernas e corpos estavam voando ao redor enquanto os Irmãos, John e Qhuinn faziam exatamente o que ela estava fazendo: escolher um induzido aleatoriamente e dar uma de Bruce Lee em seus traseiros.
Xhex sacou a adaga com a mão esquerda enquanto lançava um gancho de direita no assassino a sua frente. A forte pancada deixou o cara inconsciente, e enquanto ele caía bruscamente contra a parede, ela colocou o braço dele para trás e mirou a ponta da sua lâmina direto no peito do...
Com um tapinha, Butch segurou seu pulso.
– Deixe-me terminar isso.
Posicionando-se entre eles, encarou o assassino e aproximou a boca. Em uma inspiração lenta e constante, começou a drenar a essência do corpo: uma repugnante nuvem suja como poluição transferiu-se do redutor para Butch.
– Jesus... Cristo... – ela sussurrou enquanto o assassino que uma vez tinha tido forma se desintegrava em cinzas aos pés do Irmão.
Quando Butch vacilou e estendeu a mão para a parede como se estivesse com dificuldades para ficar em pé, ela segurou o braço dele.
– Você está bem?
Um estridente assovio vindo de John a fez girar a cabeça bem a tempo – outro redutor estava correndo em direção a ela, preparado para usar o canivete que estava na mão. Graças a John, ela abaixou-se e pulou para frente, agarrando o pulso grosso e assumindo o controle da arma enquanto esfaqueava, acertando o assassino por baixo das costelas.
Um estouro e um forte flash de luz depois e ela estava pronta para o próximo.
Xhex estava muito concentrada na luta, rápida com os pés, ligeira com as mãos. E embora estivesse a mil por hora e tivesse acabado com aquele assassino, respeitava o papel de Butch no confronto. Ela não entendia exatamente o que acontecia, mas apostava que era um final especial para o inimigo.
Pensando nisso, começou a cortar a parte de trás dos joelhos e a frente das coxas. Incapacitação era algo em que ela se destacava como assassina, pois muitas vezes tinha que deixar uma mensagem antes do golpe final. E enquanto deixava corpos gemendo em seu caminho, Butch fazia uma varredura atrás dela, inalando e transformando em fino pó aqueles que tinham vindo matar.
Enquanto ela talhava e cortava os induzidos, viu-se observando John alguns segundos e... que inferno. Ele era um lutador muito habilidoso.
Parecia ter se especializado em quebrar pescoços. Era letal ao se aproximar por trás do inimigo, agarrando-o com força bruta e...
Um golpe veio do nada, acertando-a no ombro e fazendo-a girar até a parede. A faca soltou-se de suas mãos enquanto ela via estrelas diante dos olhos.
O assassino que a jogou na parede pulou para frente e apanhou a adaga do chão sangrento, empunhando a arma contra ela.
No último minuto, Xhex desviou para a esquerda de modo que ele esfaqueou a parede, encaixando a lâmina no painel de madeira. Enquanto ele tentava liberar a coisa, ela girou e cravou sua lâmina de reserva no estômago dele, abrindo um buraco em seu intestino.
Ao encontrar seu olhar chocado, ela disse:
– O que foi? Você achou que eu não tinha uma segunda faca, seu maldito idiota?
Ela deu um golpe na cabeça dele com as costas da arma de reserva, e enquanto ele desmoronava sobre os joelhos, ela tirou a primeira faca do gesso e voltou à luta. Enquanto grunhidos e socos ressoavam em torno da casa, Xhex percorreu a confusão até um lugar que precisava de atenção...
Um dos assassinos estava fugindo pela porta da frente, correndo do perigo para o campo aberto.
Ela se desmaterializou fora da casa e bem na frente dele. Quando ele deu uma de Três Patetas dando uma volta ao parar, ela sorriu:
– Não, você não pode ser dispensado.
O redutor saiu correndo outra vez, voltando-se para a luta... o que era estupidez, uma vez que não havia ninguém lá dentro que pudesse ajudá-lo. Bem, não se fosse para sobreviver.
O corpo dela foi ágil e forte ao persegui-lo e os dois retornaram por um caminho mais longo. Assim que ele chegou à porta, ela saltou no ar e o capturou com uma voadora, pegando-o pelo pescoço e ombros e fazendo um movimento doloroso, usando uma combinação de força e trajetória para contorcer o cara transformando seu corpo em um grande ponto de interrogação.
Eles aterrissaram violentamente, mas mesmo ao sentir que faltava ar em seus pulmões, ela estava sorrindo.
Deus, adorava uma boa luta.
John viu de relance Xhex desaparecer pela porta da frente, mas não podia ir atrás dela porque havia dois iniciados tão em cima dele que poderia arrancar suas sobrancelhas. Mas cuidaria daquele grupo bem rápido.
É engraçado como se ganha uma explosão de energia quando sua fêmea sai sozinha durante a noite...
Não que ela fosse sua fêmea.
Engraçado como lembrar disso o deixa mais cruel.
Alcançando um dos assassinos, John arrancou o pescoço do bastardo do topo de sua coluna. Enquanto jogava a cabeça como se fosse uma bola de boliche, pensou que era realmente uma pena não ter tido tempo para fazer o mesmo com os braços e as pernas do garoto... para poder usá-los contra o outro redutor.
Infelizmente, o número dois tinha acabado de agarrar John pelo peito e estava tentando asfixiá-lo com um abraço de urso.
John agarrou os pulsos e deteve o desgraçado, então girou, pulou e caiu de costas em cima do redutor. Bateram fortemente no chão com John no topo. Levantando-se, John bateu a parte de trás da própria cabeça diretamente no rosto do oponente, transformando o nariz em um gêiser.
Com um rápido movimento, John ergueu seu punho no ar bem alto.
O segundo golpe causou uma rodada de espasmos, o que sugeria que o cérebro do cara estava tendo sérios problemas de transmissão elétrica e o bastardo estava agora na convulsolândia.
Não seria um problema para o redutor esperar Butch vir até ele. John se precipitou para a porta na qual Xhex havia se desmaterializado, suas botas de combate derrapando no sangue que agora tinha duas cores: vermelho enferrujado e negro brilhante.
Assim que chegou à porta aberta, deteve-se junto aos batentes.
Aquele era o combate mais espetacular que já tinha visto. O redutor que ela perseguia estava correndo em disparada de volta para a casa, tendo obviamente repensado sua estratégia de fuga, e se movia com rapidez, os pés descalços deslizavam sobre a grama gelada. Contudo, Xhex estava se aproximando rápido, promovendo uma interceptação que só era possível por ela ser mais forte e mais focada que o ex-humano.
John não teria tempo para intervir mesmo se quisesse: Xhex saltou bruscamente no ar, estendendo-se, alcançando o redutor. Ela o agarrou ao redor da cintura e o girou no ar, colando-o no chão e cortando a parte de trás das coxas dele tão profundamente que ele gritou como uma menina.
Ela se levantou e estava pronta para investir outra vez...
– John, atrás de você!
Quando Xhex gritou, ele girou e ficou de frente a um assassino, o cara corria como um touro em sua direção na porta. John caiu no chão, arrastando as costas sobre o concreto da entrada.
O que provou ser realmente necessário usar aquelas roupas de couro.
Muito irritado por ter caído com tudo no gramado com Xhex servindo de testemunha, agarrou o cabelo do assassino e puxou a coisa fazendo um arco que deixou a coluna do cara zumbindo de dor.
Com um grunhido silencioso, John revelou suas presas e mordeu o maldito no pescoço. Rasgando a massa do que já havia sido anatomia humana, cuspiu a porcaria e arrastou a coisa murmurante pelos cabelos de volta para a festa. Quando passou por Xhex, assentiu para ela.
– De nada – ela disse com uma pequena reverência. – E belo movimento esse com a mordida.
Olhando-a sobre os ombros, o respeito que ela mostrava por ele golpeou-o mais forte do que nenhum assassino havia feito ou poderia fazer: o coração dele inchou e sentiu como se tivesse preenchido toda sua pele.
Maldito sonhador que era...
O inconfundível estalo de uma pistola atrás dele o congelou.
O barulho alto foi tão próximo que seus tímpanos doeram ao invés de ouvirem algo específico, e numa fração de segundo depois, perguntou-se quem tinha dado aquele tiro e quem foi baleado.
A última pergunta foi respondida quando sua perna esquerda cedeu sob seu peso e ele caiu como uma pedra.
CAPÍTULO 56
A faca de Xhex voou de sua mão uma fração de segundo depois de ver o redutor virar-se e apontar uma arma direto nas costas de John.
Sua adaga viajou girando pelo ar, cruzando a distância num piscar de olhos, voando tão perto da orelha de John que ela rezou para um Deus em quem não acreditava para que John não decidisse virar a cabeça de repente por alguma razão.
No exato momento em que o assassino puxou o gatilho, sua lâmina o atingiu na carne de seu ombro, o impacto moveu seu tronco, a dor derrubou seu braço.
Por causa disso, John foi baleado na perna ao invés do coração.
Enquanto seu macho caía, ela saltou para cima dele com um grito de guerra.
Dane-se Butch O’Neal. Ela iria matar aquele desgraçado.
O redutor estava cambaleando enquanto tentava retirar a arma dela de seu corpo – pelo menos até a ouvir gritar. Então olhou em direção a Xhex e recuou em horror – seus olhos brilhavam em vermelho e suas presas estavam totalmente estendidas e reluzentes.
Xhex aterrissou na frente dele, e enquanto o redutor se encolhia e erguia as mãos para se proteger, ela não se moveu: sua adaga reserva ficou ao seu lado e sua terceira permaneceu no coldre em sua coxa.
Tinha outros planos para o garoto.
Usando seu lado sympatho, ela vasculhou o cérebro do assassino e acionou todas as suas memórias, assim, de uma só vez, ele sentiu o choque de cada coisa horrível que já tinha feito e de cada ato terrível que havia sido feito contra ele.
Havia muita porcaria. Mas muuuita porcaria. Aparentemente ele tinha alguma coisa com garotas menores de idade.
Bem, isso acabava ajudando a tortura de muitas maneiras.
Enquanto afundava no chão, ele gritava e apertava suas têmporas – como se houvesse alguma possibilidade de parar o dilúvio – e ela o deixou sofrer e chafurdar na sujeira de seus pecados, sua grade emocional acendeu todos os setores que indicavam medo, repugnância, remorso e ódio.
Quando ele começou a bater o crânio contra o sujo papel de parede, deixando uma mancha preta onde estava sua orelha, Xhex plantou um e somente um pensamento em sua mente.
Plantou-o como uma semente de hera... uma hera venenosa que iria se apoderar, infiltrar e possuir seu estado mental.
– Sabe o que tem que fazer – ela disse numa voz profunda, distorcida. – Sabe qual é a saída.
O assassino deixou seus braços caírem e mostrou olhos perturbados. Sob o peso que lhe foi lançado e como um escravo da ordem que lhe dera, agarrou o cabo da adaga e a retirou de sua própria carne.
Mirando contra si mesmo, segurou a arma com as duas mãos, com ombros tensos ao se preparar para enviar a lâmina numa trêmula descida.
Xhex o deteve, para que pudesse se ajoelhar bem ao lado dele. Ao ficar cara a cara, ela olhou dentro de seus olhos e sussurrou:
– Ninguém atira naquilo que é meu. Agora, seja um bom menino e se estripe.
Respingos de sangue negro atingiram suas calças de couro enquanto o sujeito cravava com força a adaga no estômago e arrastava a lâmina horizontalmente, fazendo uma bela bagunça.
E então, ao comando mental de Xhex, mesmo com os olhos revirando em suas órbitas, retirou a arma e a entregou, oferecendo o cabo primeiro.
– De nada – ela murmurou. Então o apunhalou no coração e, num instante, ele desapareceu.
Ao virar-se, a sola da bota de Xhex chiou no chão molhado.
John estava olhando para ela com olhos que não eram muito diferentes do assassino, seu olhar estava tão aberto que as pálpebras ficaram totalmente ocultas.
Xhex enxugou sua primeira lâmina na calça de couro.
– Como você está?
Quando John ergueu os polegares e fez um sinal de OK, ela percebeu que a casa estava silenciosa e olhou ao redor. Todos estavam em pé e em silêncio: Qhuinn estava acabando de se erguer após uma decapitação e voltava-se para ver se John estava bem. Rhage estava vindo correndo da cozinha junto com Vishous.
– Quem foi atingido... – Rhage derrapou até parar e fixou o olhar no buraco na calça de couro de John. – Cara, três centímetros acima e à esquerda e você acabaria cantando como uma soprano, amigo.
V. aproximou-se e ajudou John a se colocar em pé.
– É, mas pelo menos ele poderia aprender a tricotar com você. Poderia lhe ensinar a fazer meias de crochê. Fico até emocionado com isso.
– Se não me falha a memória, não sou o único com fixação por lã...
Quando uma respiração ofegante percorreu a sala, Vishous amaldiçoou e correu para o lado de Butch enquanto o cara quase caía no corredor.
Caramba... Talvez ela precisasse reconsiderar a coisa de “todos estavam em pé”. O ex-policial parecia que tinha intoxicação alimentar, malária e gripe suína, tudo ao mesmo tempo.
Ela voltou-se para Qhuinn e Rhage.
– Precisamos de um carro. Ele e John precisam ser transportados de volta à mansão...
– Vou cuidar do meu garoto – Vishous disse rispidamente enquanto atuava como uma muleta para Butch e o escoltava até o sofá da sala de estar.
– E eu vou buscar o carro – Qhuinn disse.
No momento em que ele se virou, John bateu um punho com força na parede para chamar a atenção de todos e gesticulou:
Estou bem para lutar...
– Você precisa ser examinado pela doutora – ela disse.
As mãos de John começaram a voar tão rápido com os movimentos que Xhex não conseguia acompanhar as palavras, mas estava muito claro que ele não iria embarcar nessa ideia de ser colocado no banco de reserva só por causa da bala de chumbo em sua perna.
A discussão deles foi interrompida por um brilho resplandecente que a fez se inclinar para o lado e olhar por cima do ombro. O que viu explicava muita coisa e não apenas o que tinha acontecido durante a luta: no sofá surrado, V. tinha Butch em seus braços, suas cabeças estavam juntas e os dois estavam tão unidos que não havia nenhum espaço sequer entre eles. E envolvido naquele abraço, o corpo inteiro de Vishous brilhava, como se Butch extraísse força e cura dele.
O óbvio cuidado e compaixão de V. pelo cara fez sua aversão por ele diminuir... especialmente quando virou seu rosto e olhou para ela. Por um momento, sua máscara de frieza caiu e o desespero exibido em seus olhos provou que ele não era um completo idiota. Ao contrário, parecia sentir a dor do sacrifício pela raça que seu Irmão tinha feito. De fato, aquilo o consumia.
Oh, e... aparentemente Butch era dele. O que explicava por que V. tinha implicância com ela. Tinha ciúmes, pois ela teve um pouco daquilo que ele queria, e mesmo sendo racional como era, não conseguia deixar o ressentimento de lado.
Mas foi só uma vez, ela dirigiu seus pensamentos a ele. E nunca mais.
Depois de um momento, V. assentiu, como se agradecesse o consolo e Xhex retornou a consideração. Então se concentrou outra vez nos machos à sua frente. Rhage continuava a insistir que John voltasse.
– Vou levar você, John – ela interrompeu a conversa. – Vamos voltar juntos.
Quando John encontrou seus olhos, a grade emocional dele estava iluminada como um cassino de Las Vegas.
Ela assentiu para ele.
– Vou manter nosso acordo. E você vai se cuidar.
Com isso, Xhex voltou a guardar suas facas, cruzou os braços sobre o peito e se recostou contra a parede, numa posição que dizia que estavam perdendo tempo.
Ela salvou sua vida.
Sem dúvida, Xhex tinha devolvido a John seu futuro antes mesmo dele saber que iria perdê-lo: a única razão pela qual ainda estava vivo era porque ela tinha atingido o ombro daquele assassino com sua faca.
Então, sim, estava muito agradecido por tudo, mas não estava muito interessado nela bancando a babá.
John desviou o olhar para observar a marca de queimado no chão – que era tudo o que restou do assassino que havia atirado nele. Maldição... e pensar que ela fez aquele estrago todo sem ao menos tocar no filho da mãe. Aquela arma que tinha em sua mente era inimaginável. Caramba, o horror no rosto daquele bastardo... depois ele abriu o próprio abdômen. Que diabos foi aquilo que tinha visto?
Agora John sabia por que os sympathos eram temidos e segregados.
E, cara, com aquele pequeno show e o golpe violento que desferiu no gramado, John se deu conta de que ela era exatamente o que sempre soube: essencialmente uma lutadora.
Poderia fazer muito mais do que cuidar de si mesma no campo de batalha – era um trunfo completo na guerra. Razão pela qual os dois precisavam continuar em frente naquela noite e não desperdiçar tempo voltando para casa para colocar um Band-Aid na sua perna.
Erguendo-se do chão, John colocou o peso na perna machucada e a coisa doeu incrivelmente. Mas ignorou a dor – bem como toda a conversa que surgiu ao seu redor.
Conversa fiada da plateia: grátis. Opiniões sobre sua perna: não valia o esforço.
Surdez seletiva? Não tem preço.
Estava interessado mesmo na quantidade de seres que haviam matado naquela noite. E se tinham pegado aquele redutor que veio dirigindo. Olhando dentro da sala de estar, ele...
Rhage entrou na sua frente.
– Ei, oi! Tudo bem? – Hollywood estendeu a mão. – Gostaria de me apresentar. Sou o pedaço de carne que vai enfiar sua cabeça no carro do seu amigo Qhuinn assim que ele chegar aqui. Só achei que devia me apresentar antes de amarrar seu traseiro e jogá-lo sobre meu ombro como um saco de areia.
John fixou os olhos no cara.
Não vou a lugar algum.
Rhage sorriu, sua incrível beleza parecia algo vindo do céu. Mas isso era apenas o exterior. Internamente, era como se viesse direto do inferno... naquela situação.
– Desculpe, resposta errada.
Estou bem...
E não é que o filho da mãe se abaixou, agarrou John pelo ferimento e apertou o novo lar da bala?
John gritou mesmo sem produzir som algum e caiu com tudo, aterrissando no chão encharcado de sangue com um baque. Erguendo a perna, tentou acariciar a coxa, como que se mostrando um pouco de carinho e afeto tardio convencesse a coisa a se acalmar.
No estado em que se encontrava, sentia como se tivesse vidro estilhaçado cravado em seu músculo.
– Isso era realmente necessário? – Xhex perguntou.
Não havia mais tom de brincadeira na voz de Rhage.
– Quer conversar com ele? Boa sorte. E se pensa que qualquer assassino faria diferente, está simplesmente louca. Há um buraco circular evidente na frente da calça de couro dele e está mancando. Qualquer retardado idiota vai saber qual é a fraqueza dele. Além do mais, ele cheira a sangue fresco.
O cretino provavelmente tinha um bom argumento, mas por Deus...
Era muito possível que John tivesse desmaiado de dor, porque a próxima coisa que soube foi que o autoproclamado “pedaço de carne” estava levantando-o para carregá-lo para fora da casa.
Sim, até parece. Sem chance de aquilo acontecer. John se libertou dos braços do cara com um impulso e tentou pousar sem amaldiçoar ou vomitar. Com sua boca compondo todos os tipos de palavras similares à maldição, passou mancando por Butch, que parecia muito melhor, e V., que tinha acendido um cigarro.
Sabia exatamente onde Xhex estava: atrás dele, com a mão em suas costas como se soubesse que estava vacilando e poderia desabar a qualquer minuto.
Contudo, não havia a menor chance disso acontecer. Uma tremenda determinação o fez chegar até o carro e entrar no banco de trás sozinho. Claro, no momento em que Qhuinn deu a partida, John tinha um suor frio que o cobria por completo e não conseguia sentir suas mãos ou pés.
– Fizemos uma contagem de corpos – ele ouviu Xhex dizer.
Quando olhou, ela estava encarando-o do outro lado do banco. Cara... estava extremamente linda sob a luz emitida pelo painel dianteiro. Seu rosto esguio tinha uma mancha de sangue preto do redutor, mas suas bochechas estavam muito coradas e seus olhos tinham um brilho especial. Ela tinha se liberado naquela noite, John pensou. E tinha gostado.
Caramba. Era mesmo a fêmea perfeita.
E quantos nós eliminamos?, gesticulou, tentando distrair a mocinha dentro dele.
– Doze dos dezesseis novos recrutas assim como os dois assassinos que atravessaram o campo com aquele redutor. Infelizmente, o novo Redutor Principal não foi encontrado em nenhum lugar... então temos que concluir que o bastardo fugiu assim que nos infiltramos e começamos a abater um punhado de recrutas. Oh, e Butch inalou todos os que foram atacados, com exceção de dois.
Pelo menos você deu conta de um deles.
– Na verdade os dois foram meus. – Seus olhos prenderam-se nos dele. – Aquilo incomodou você? Ver-me... trabalhando daquele jeito?
Seu tom sugeria que ele havia se incomodado e que não o culpava por se sentir enojado. Só que estava errada.
Contendo a dor que sentia, John balançou a cabeça e fez sinais com as mãos débeis. Você tem um poder incrível. Se eu parecia chocado... é porque nunca tinha visto alguém da sua espécie em ação antes.
Seu rosto se contraiu um pouco e ela olhou de relance pela janela.
Dando um tapinha no braço dela, John gesticulou: Isso foi um elogio.
– Sim, desculpe... é só que o “sua espécie” sempre me desconcerta. Eu sou metade-metade, portanto não sou nem uma coisa nem outra. Não tenho espécie. – Ela dispersou suas palavras com a mão. – Deixa pra lá. Enquanto você estava desmaiado, V. invadiu o banco de dados do departamento de polícia de Caldwell. A polícia também não encontrou nenhuma identidade na cena, então não temos nada para continuar com exceção daquele endereço extraído da placa do Civic. Aposto que...
Enquanto ela continuava a falar, John deixou que suas palavras o inundassem.
Ele sabia tudo sobre aquela coisa de não se sentir parte de um grupo.
Mais uma coisa em que eram compatíveis.
Fechando os olhos, enviou para o alto uma oração para qualquer um que estivesse ouvindo, pedindo por favor, pelo amor de Deus, que parasse de lhe enviar sinais de que eram perfeitos um para o outro. Tinha lido aquele livro, visto o filme, comprado a trilha sonora, o DVD, a camiseta, a caneca, o bonequinho com a cabeça móvel e o guia para entendidos. Conhecia todas as razões pelas quais um poderia ter sido a tampa da panela do outro.
Mas da mesma maneira que estava ciente de tudo aquilo que os alinhava, estava ainda mais claro como estavam condenados a ficarem sempre separados.
– Você está bem?
A voz de Xhex era suave e próxima, e quando ele abriu os olhos, ela estava praticamente em seu colo. Seus olhos examinaram o rosto e o corpo dela que estava todo envolvido em couro.
A dor e uma sensação de que o tempo estava se esgotando para eles o fez remover seu filtro e dizer o que realmente estava em sua mente.
Quero entrar em você quando voltarmos para a mansão. Assim que eu receber um curativo nessa minha maldita perna, quero entrar em você.
A explosão do odor de Xhex nas narinas dele lhe disse que ela estava de pleno acordo com aquele plano.
Bom, pelo menos aquela retirada do campo de batalha iria servir para alguma coisa.
CAPÍTULO 57
No segundo andar da casa de Eliahu Rathboone, Gregg Winn teve que abrir a porta do quarto dele e de Holly com dois dedos rezando para não derramar café quente sobre sua perna. Tinha enchido o par de canecas com a bebida que ele mesmo fez na cafeteira para “hóspedes” que havia na sala de jantar.
Então, só Deus sabia o gosto daquilo.
– Você precisa de ajuda? – Holly disse enquanto erguia os olhos do laptop.
– Não. – Ele fechou a porta com um chute e continuou a andar até a cama. – Eu consigo.
– Você é tão cuidadoso.
– Espere até experimentar... eu tive que improvisar o seu – disse dando o mais claro a ela. – Eles não tinham leite integral, como o que você bebeu ontem no café da manhã. Então, fui à cozinha e fiz meio a meio com um pouco de desnatado, mexi tudo e tentei obter a cor certa. – Ele balançou com a cabeça para a tela do computador. – O que você acha dessas imagens?
Holly encarou a caneca enquanto a segurava sobre o teclado do Dell. Ela estava estendida na cama, apoiada contra a cabeceira, analisando os dados pelos quais ele tinha ficado obcecado... Parecia sexy e inteligente.
E como se não acreditasse no que ele tinha dado a ela.
– Ouça – ele disse –, apenas prove o café... Se estiver ruim, acordo aquele mordomo todo certinho.
– Oh, não é isso. – Ela abaixou a cabeça loira e ele a ouviu tomar um gole. O “ahhh” que se seguiu era mais do que poderia esperar. – Perfeito.
Aproximando-se da beira da cama, ele sentou ao lado dela em cima do edredom. Enquanto tomava um gole de sua própria caneca, decidiu que se sua carreira na televisão não desse certo, talvez pudesse ter futuro atrás de um balcão de uma Starbucks.
– Então... vamos lá, diga o que você acha do filme.
Ele acenou para a tela e para o que o objeto mostrava: na noite anterior, conseguiram a imagem de algo atravessando a sala de estar e indo para a porta da frente. Poderia ter sido um hóspede para um lanchinho da meia noite, assim como Gregg havia feito há pouco... só que ele se desmaterializou através dos painéis de madeira. A coisa simplesmente desapareceu.
Mais ou menos como a sombra que estava do lado de fora do quarto dela na primeira noite. Não que ele gostasse de pensar naquilo. Ou naquele sonho dela.
– Você não retocou isso? – Holly disse.
– Não.
– Deus...
– Eu sei. E nosso chefe acabou de mandar um e-mail enquanto eu estava lá embaixo. Eles estão pegando fogo, parece que a internet ficou louca com os comerciais. Tudo que nós temos a fazer é rezar para que aquela coisa apareça daqui a uma semana quando entrarmos ao vivo. Tem certeza que seu café está bom?
– Oh, sim, está... incrível. – Holly o observou sobre a caneca. – Sabe? Nunca o vi assim antes.
Gregg reclinou-se contra os travesseiros e não conseguiu evitar: acabou concordando. Difícil saber o que aconteceu. No entanto, houve uma mudança dentro dele.
Holly tomou outro gole.
– Você parece diferente mesmo.
Incerto do que deveria dizer, manteve a conversa voltada para o trabalho.
– Bem, eu nunca pensei que fantasmas existissem de verdade.
– Não?
– Não. Você sabe tão bem quanto eu sobre todas as manipulações que faço. Mas aqui, nessa casa... estou dizendo, existe algo aqui e eu estou morrendo de vontade de ir ao terceiro andar. Tive um sonho louco sobre ir até lá... – Quando uma súbita dor de cabeça cortou seus pensamentos, ele esfregou suas têmporas e concluiu que sua visão estava cansada por ter ficado em frente ao computador nas últimas setenta e duas horas. – Existe algo lá em cima, naquele sótão. Estou dizendo.
– O mordomo disse que está fora dos limites.
– Sim. – E ele não queria confrontar demais o cara. Já tinham bastante coisa boa para apresentar na TV, não precisavam de mais... e não fazia sentido pressionar. A última coisa que ele queria era arranjar problemas com a administração tão perto da data de ir ao ar.
E estava bem claro que o Sr. Certinho não gostava deles.
– Aqui, deixe-me mostrar outra vez... isso é o que realmente me impressiona. – Gregg inclinou-se para frente e recomeçou o arquivo para que pudesse assistir aquela figura desaparecer através da porta outra vez. – Isso é mesmo incrível, não? Quero dizer... já imaginou que veria algo assim?
– Não, nunca imaginei.
Alguma coisa no tom de voz dela fez com que Gregg virasse a cabeça em sua direção. Holly estava olhando para ele e não para a tela enquanto apoiava sua caneca próxima ao coração.
– O que foi? – ele perguntou, verificando se não tinha espirrado nada em sua camisa.
– Na verdade... é sobre o café.
– Ficou um gosto ruim no final?
– Não, de modo algum... – Ela riu um pouco e bebeu mais. – Eu apenas nunca imaginei que você se lembraria do tipo de café que gosto, muito menos de se dar ao trabalho de fazê-lo para mim. E nunca me perguntou o que eu achava do trabalho antes.
Jesus... estava certa.
Holly deu de ombros.
– E acho que não estou surpresa de você nunca ter acreditado no que fazia. Estou apenas feliz por acreditar agora.
Incapaz de manter contato visual, Gregg olhou na direção das janelas do outro lado do quarto. A lua estava pouco visível através da renda das cortinas, nada além de um brilho suave no horizonte escuro.
Holly limpou a garganta.
– Desculpe se fiz você se sentir constrangido.
– Oh... sim... não. – Ele se estendeu e pegou sua mão livre, dando-lhe um apertão. – Escute... há algo que gostaria que soubesse.
Ele a sentiu enrijecer... coisa que, na verdade, os dois fizeram. De repente, ele também estava se preparando.
Gregg limpou a garganta no denso silêncio.
– Eu pinto meu cabelo.
Houve uma pausa tensa... ao menos da parte dele. E então Holly rompeu numa gargalhada, do tipo doce e feliz que vinha com alívio.
Inclinando-se para ele, correu as unhas sobre suas falsas ondas escuras.
– Você pinta?
– Sou grisalho. Grisalho mesmo. Comecei a fazer algo sobre isso um ano antes de conhecê-la... é preciso se manter jovem em Hollywood.
– Onde você pinta? Porque nunca notei nenhuma raiz.
Com uma maldição, moveu-se para fora da cama e foi para sua mala, remexendo no fundo da coisa. Mostrando a caixa em questão, murmurou:
– Tintura de cabelo masculina. Faço isso sozinho. Não quero que me peguem num salão de beleza.
Holly exibiu um sorriso tão largo que produziu rugas ao redor dos olhos. E veja só, gostou daquilo. Dava mais estilo ao seu belo rosto.
Olhou para a caixa. Encarando o modelo da capa, todos os tipos de verdade vieram à sua mente, verdades que simplesmente não poderia lutar ou mesmo argumentar.
– Sabe? Odeio aquelas camisetas chamativas da Ed Hardy. Parece que vão queimar sua retina. E calça jeans gasta me dão coceira... e aquele sapato quadrado na frente que eu uso incomoda meus pés. Estou cansado de desconfiar de todo mundo e trabalhar por dinheiro apenas para poder gastá-lo antes de todos em algo que vai estar fora de moda no próximo ano. – Jogou a tintura de cabelo de volta em sua mala e gostou do fato de que poderia expor-se livremente. – Aqueles arquivos? Naquele computador? Foram os primeiros que eu e Stan não mexemos. Tenho sido uma farsa há muito tempo, trabalho para uma indústria falsa, produzindo porcarias falsas. A única coisa real é o dinheiro e quer saber? Eu não sei mais se isso é importante para mim.
Quando ele voltou para a cama, Holly terminou seu café, apoiou o computador e a caneca na mesa ao lado e aconchegou-se sobre o peito dele.
O melhor cobertor que Gregg já teve.
– Então o que você quer fazer depois? – ela perguntou.
– Não sei. Só sei que não é isso. Bem, na verdade, estou meio que saindo fora dessa coisa de caça-fantasmas. Quanto a ser produtor? Não. – Olhando para baixo em direção ao topo da cabeça dela, teve que sorrir. – Você é a única que sabe sobre meu cabelo de homem velho.
E ele tinha a estranha sensação de que o segredo estava a salvo com ela.
– Isso não importa para mim – acariciou o peito dele. – E não deveria importar para você.
– Como eu nunca soube que você era tão inteligente?
A risada dela ressoou através do peito dele.
– Talvez porque estivesse sendo um estúpido.
Gregg jogou sua cabeça para trás e queixou-se.
– Sim, talvez. – Beijou a cabeça dela. – Talvez... definitivamente. Porém, já parei com isso.
Deus... ele ainda estava incerto sobre o que tinha mudado. Bem, tudo... mas o motivo exato era desconhecido. Sentia como se alguém o tivesse endireitado, mas não podia lembrar quem, onde ou quando.
Seus olhos se voltaram para o computador e pensou sobre aquele fantasma sombrio. Por alguma razão, teve uma imagem de um cavernoso quarto vazio no terceiro andar da casa... e de um homem imenso sentado numa cadeira com um feixe de luz batendo apenas em seus joelhos e canelas.
E então o homem se inclinou para frente... sob a luz...
A dor na cabeça de Gregg o fez pensar que alguém tinha atuado em suas têmporas como se estivesse no filme Instinto Selvagem, espetando um par de picadores de gelo.
– Você está bem? – Holly perguntou, sentando-se. – Sua cabeça de novo?
Ele assentiu, embora o movimento fizesse sua visão borrar e seu estômago sentir como se tivesse bebido leite estragado.
– Sim. Provavelmente estou precisando de óculos novos. Talvez bifocais...
Holly acariciou seu cabelo e ele fixou-se em seus olhos, a agonia desapareceu e sentiu um estranho sentimento em seu peito. Felicidade?
Sim. Tinha que ser. Porque em toda sua vida adulta já havia passado por uma gama completa de emoções... e não havia se sentido assim nem uma única vez. Inteiro. Completo. Em paz.
– Holly, você é muito mais do que eu pensei – sussurrou, alisando a bochecha dela.
Quando aqueles olhos adoráveis dela umedeceram, Holly disse:
– E você se tornou tudo que eu desejava que fosse.
– Bem, então esse acabou sendo o melhor show de todos. – Ele a beijou lentamente. – E eu tenho o final perfeito.
– Tem?
Gregg assentiu e colocou sua boca no ouvido dela. Num suave sussurro, disse:
– Eu amo você.
Foi a primeira vez que aquelas palavras saíam dele... num momento em que realmente queria dizê-las.
Quando ela murmurou um “Eu amo você também”, ele a beijou e beijou um pouco mais... e sentiu como se devesse o momento para aquele fantasma.
Acabou que seu Cupido era uma grande sombra com uma má atitude. E que não existia no mundo “real”.
Por outro lado... coisas mais estranhas que essa já juntaram pessoas, não é? E tudo o que realmente interessava era que o casal certo tivesse um final feliz. Os meios que os levaram até ali? Não era o que de fato contava.
Além disso, agora ele seria capaz de parar com aquela coloração de cabelo.
Sim, a vida é boa. Especialmente quando você para de se importar tanto com o ego... e quando se tem a mulher certa em sua cama pelos motivos certos.
Não deixaria Holly partir dessa vez.
E cuidaria dela do jeito certo, exatamente como ela merecia... bem, um “para sempre” soaria bem ali, não?
CAPÍTULO 58
De volta à clínica particular da Irmandade, Xhex ficou ao lado de John enquanto a doutora Jane tirava uma radiografia de sua perna. Quando as imagens ficaram prontas, não demorou muito para que a doutora chegasse à conclusão de que ele precisava ser operado – e até mesmo Xhex, apesar de seu pânico habitual por estar onde estava, conseguia ver o problema no raio X. A bala estava perto demais do osso.
Enquanto Jane chamava Ehlena e começava a vestir a roupa especial para cirurgias, Xhex cruzou os braços sob o peito e começou a caminhar.
Ela não conseguia respirar. E isso começou a acontecer mesmo antes de dar uma olhada no que estavam fazendo na perna de John.
Quando ele assobiou baixinho, ela apenas balançou a cabeça e continuou andando em círculos ao redor da sala. Parar em frente aos armários de aço inoxidável e seus medicamentos trancados não foi de grande ajuda: seu coração trovejou ainda mais dentro do peito – o barulho era tão alto que seus tímpanos pareciam estar recebendo um treino de aeróbica.
Deus, ela estava se esforçando desde o momento que chegou ali. E agora ele estava sendo cortado e depois seria costurado?
Ela ia enlouquecer.
Embora, honestamente... se tentasse ser lógica sobre o assunto, sabia que era loucura. Primeiro: não era em seu corpo que estavam trabalhando. Segundo: deixar a bala dentro dele não era uma boa ideia. E terceiro... alôôô... ele estava sendo tratado por alguém que já tinha provado que sabia como usar um bisturi.
Ótima linha de raciocínio. Mas suas glândulas suprarrenais não davam a mínima para isso e ela continuava nervosa.
Não era uma fobia divertida.
O segundo assobio foi uma chamada e ela parou em frente a John, encarando-o. Ele estava calmo e relaxado. Sem histeria, sem agitação, nada além de uma tolerância calma pelo que estava por vir.
Vou ficar bem, ele gesticulou. Jane já fez isso um milhão de vezes.
Jesus Cristo, onde infernos estava todo o ar daquela sala?, Xhex pensou...
Como se soubesse que estava perdendo a atenção dela, John assobiou de novo e estendeu a mão com uma careta.
– John... – Quando nenhuma palavra coerente lhe veio, ela balançou a cabeça e voltou a passear pela sala. Odiava aquilo. Odiava mesmo.
Quando a porta se abriu com força, a doutora Jane entrou com Ehlena. As duas estavam no meio de uma conversa sobre o procedimento e John assobiou para elas. Quando ergueu o dedo indicando que precisava de um minuto, elas assentiram e saíram outra vez.
– Droga – Xhex disse –, não as detenha. Eu vou ficar bem.
Enquanto ela se dirigiu para a porta para chamar a doutora novamente, um som de trovão reverberou pela sala. Pensando que John tinha caído da maca, ela se virou.
Não, ele tinha socado a mesa de aço inoxidável e deixou um amassado no lugar.
Fale comigo, ele assinalou. E elas não entrarão antes que faça isso.
Xhex tinha o desejo de discutir e palavras para isso – só não tinha a voz, evidentemente. Por mais que tentasse, não conseguia dizer nada.
Foi quando ele abriu os braços para ela.
Amaldiçoando a si mesma, Xhex disse:
– Vou dar uma de homem aqui. Vou ser adulta. Não vai acreditar em como vou ser durona. Mesmo. De verdade.
Vem cá, ele articulou.
– Oh... inferno. – Desistindo, ela aproximou-se e o abraçou.
Em seu pescoço ela disse:
– Não me dou bem com essa coisa de médico. Caso você não tenha notado antes. Desculpe, John... droga, eu estou sempre decepcionando você, não é?
Ele a segurou antes que pudesse se afastar. Prendendo-a com o olhar, gesticulou:
Salvou minha vida esta noite. Não estaria vivo agora se você não tivesse atirado aquela faca. Então, não está sempre me decepcionando... E quanto à cirurgia? Não estou preocupado e você não precisa assistir. Vá e espere na mansão. Isso vai ser rápido. Não se torture.
– Eu não vou fugir assustada. – Movendo-se rapidamente para que não pudessem pensar muito, ela tomou seu rosto nas mãos e o beijou com força. – Mas talvez esperar lá fora seja uma boa ideia.
Afinal, não ficaria bem se a doutora Jane parasse tudo no meio para tratar de uma espectadora sofrendo um ataque de histeria.
Provavelmente seja o melhor, John articulou.
Afastando-se, ela andou até a porta e deixou que a doutora Jane e Ehlena entrassem. Quando a médica passou, Xhex agarrou o braço da mulher.
– Por favor... – Deus, ela nem sabia o que dizer.
A doutora Jane assentiu.
– Tenho tudo sob controle. Não se preocupe.
Xhex respirou estremecendo e se perguntou como diabos iria passar o tempo esperando no corredor. Sabendo como sua mente trabalhava, os minutos se arrastariam imaginando John gritar de dor silenciosamente enquanto a doutora amputava sua perna...
– Xhex... posso sugerir uma coisa? – disse a doutora Jane.
– Com certeza... um pouco de sinceridade pode ajudar a colocar minha cabeça no lugar.
A doutora balançou a cabeça.
– Por que não assiste?
– O que?
– Fique aqui e veja como eu faço e entenda os porquês. Existem muitas pessoas que têm pavor de situações médicas... com bons motivos para isso. Mas fobias são fobias, quer seja de avião ou dentista ou médicos... e a terapia de se expor ao medo funciona. Jogue o mistério fora e a sensação de não estar no controle. O medo não a afligirá da mesma maneira.
– Boa lógica. Mas o que acontece se eu desmaiar?
– Pode sentar se ficar tonta ou sair quando quiser. Faça perguntas e olhe por cima dos meus ombros se for capaz.
Quando ela observou John, seu aceno selou seu destino. Ela iria ficar.
– Vou precisar dessa roupa de médico? – disse com uma voz completamente estranha.
Droga, era uma maldita garotinha. A próxima coisa que faria era começar a chorar em comerciais de TV e fazer as unhas. E teria uma maldita bolsinha.
– Sim, quero que vista um uniforme verde. Siga-me.
Quando voltaram cinco minutos depois, a doutora Jane a levou até a pia, entregou-lhe um pacote fechado com uma esponja de antisséptico e mostrou-lhe como limpar-se de maneira adequada.
– Bom trabalho. – A doutora fechou a torneira de água tirando o pé de um pedal no chão. – Não vai precisar de luvas porque não vai tocar em nada.
– Você é que sabe. Mas, diga, você tem um daqueles reanimadores, apenas no caso de eu cair?
– Bem ali no canto e eu sei como usar aquelas pás. – A doutora Jane pegou as luvas azuis e dirigiu-se a John. – Está preparado? Vamos anestesiá-lo. Considerando o local da bala, vou ter que ir profundamente e não há qualquer outra maneira capaz de adormecê-lo o suficiente.
Pode me dopar, doutora, John sinalizou.
A shellan de V. colocou a mão no ombro dele e o olhou bem em seus olhos.
– Vou dar um jeito nisso, não se preocupe.
Xhex franziu a testa e viu-se admirando a fêmea. Ter aquele tipo de certeza, considerando o que estava em jogo, era algo incrível: se a doutora Jane não fizesse o seu trabalho direito, John poderia ficar pior do que estava agora. Mas se ela fizesse tudo certo, ficaria novo em folha.
Isso era poder, Xhex pensou. E justamente o oposto do que ela fazia em sua profissão... uma faca em sua mão era um instrumento muito diferente.
Não havia cura.
A doutora Jane começou a comentar algumas coisas, sua voz era forte e calma:
– Em um hospital humano, precisaríamos da presença de um anestesista, mas vocês, vampiros, tendem a ser muito estáveis sob sedação profunda... isso os deixam em uma espécie de dormência. Não entendo isso, mas torna o meu trabalho mais fácil.
Enquanto a doutora falava, Ehlena ajudou John a tirar a camisa e os couros que a doutora tinha cortado, em seguida a fêmea cobriu sua nudez com panos azuis e injetou um tubo intravenoso.
Xhex tentou impedir que seus olhos ficassem arregalados, mas falhou. Havia muitas ameaças no local, todos aqueles bisturis e agulhas e...
– Por quê? – Xhex perguntou, forçando-se a reagir. – Quero dizer, a diferença entre as espécies?
– Não tenho a mínima ideia. Vocês têm um coração de seis cavidades e o nosso tem apenas quatro. Vocês têm dois fígados, nós temos um. Vocês não têm câncer ou diabetes.
– Não sei muito sobre câncer.
A doutora Jane balançou a cabeça.
– Vou lhe dizer, é uma doença desgraçada e maldita. O que acontece é uma mutação celular em que...
A doutora continuou falando, mas agora suas mãos se moviam sobre a mesa que foi colocada perto de John, organizando o que ela ia usar. Quando assentiu para Ehlena, a fêmea foi até John e cobriu seu rosto com uma máscara de plástico transparente.
A doutora Jane voltou-se para o tubo intravenoso em John e injetou uma seringa cheia de algo leitoso.
– Está preparado John? – Quando ele fez um sinal positivo, ela apertou o êmbolo.
John olhou para Xhex e piscou. E então apagou.
– A primeira coisa que deve ser feita é a desinfecção – disse a doutora Jane, abrindo um pacote e tirando dali uma esponja marrom. – Por que não fica de frente para mim? Isto é antisséptico, a mesma coisa com que lavamos nossas mãos, só não está na forma de sabão.
Enquanto a médica limpava ao redor do ferimento da bala, com gestos que formavam grandes faixas deixando a pele de John tingida de um marrom-avermelhado, Xhex virou-se atordoada.
Na verdade, essa era a melhor posição. Ela estava bem ao lado de um grande cesto laranja de lixo biológico... por isso, se precisasse vomitar, ali era um bom local para se ficar.
– A bala tem que ser removida porque ela vai causar problemas ao longo do tempo. Se ele fosse um cara menos ativo, poderia deixá-la onde está. Mas acho melhor ter um cuidado extra com um soldado. Além disso, vocês se curam tão rápido. – A doutora Jane descartou a esponja no cesto de Xhex. – Baseada na minha experiência com você, qualquer dano ao osso já estará regenerado amanhã à noite.
Xhex queria saber se a doutora ou a enfermeira estavam cientes de que o chão embaixo delas estava se movendo em ondas. Porque, de fato, sentia como se estivesse em pé no convés de um barco.
Deu uma olhada rápida nas profissionais e as duas pareciam firmes como rocha.
– Vou fazer uma incisão aqui. – A doutora Jane inclinou-se sobre a perna com o bisturi. – O que você vai ver logo abaixo da pele é a fáscia, que é um tecido fibroso externo responsável por manter nossos órgãos unidos. Um humano normal teria células de gordura entre as duas camadas, mas John está em boa forma. Embaixo da fáscia fica o músculo.
Xhex dobrou-se, pretendendo dar uma boa olhada... só que ficou onde estava.
A doutora Jane pegou a lâmina novamente, puxou o tecido fibroso e expôs o conjunto de músculos rosa escuro... que tinha um buraco. Olhando para os danos internos, Xhex queria matar aquele assassino outra vez. E, Jesus, Rhage tinha razão. Uns dois centímetros acima e à esquerda e John teria sido...
Certo, melhor não seguir essa linha, ela pensou enquanto se posicionava para ter uma visão melhor.
– Sucção – disse a doutora Jane.
Houve um som sibilante, Ehlena colocou uma pequena mangueira branca para baixo e limpou o sangue vermelho de John.
– Agora, vou usar meu dedo para examinar... às vezes o toque humano é o melhor...
Xhex acabou assistindo toda a operação. Do início ao fim, desde o primeiro corte até o último ponto e toda a remoção do chumbo.
– ... e é isso – disse a doutora, quarenta e cinco minutos depois.
Enquanto Ehlena enfaixava a perna de John e a doutora recalibrava tudo o que estava sendo injetado na veia, Xhex pegou a bala da bandeja e olhou a coisa. Tão pequena. Extremamente pequena. Mas capaz de fazer um estrago mortal.
– Bom trabalho doutora – disse enquanto deslizava a coisa em seu bolso.
– Deixe-me trazê-lo de volta e então poderá olhar em seus olhos e saber que está realmente bem.
– Você lê mentes?
Os olhos da médica pareceram idosos ao se erguerem.
– Não. Apenas tenho muita experiência com famílias e amigos. Vai precisar ver os olhos dele antes de conseguir respirar fundo outra vez. E ele vai sentir a mesma coisa quando olhar para seu rosto.
John recuperou a consciência cerca de oito minutos depois. Xhex cronometrou, consultando o relógio de parede.
Quando suas pálpebras se ergueram, ela estava ao lado de sua cabeça, segurando sua mão.
– Ei... você está de volta.
Ele estava grogue, o que era de se esperar. Mas aquele olhar azul brilhante estava exatamente como sempre foi, e do jeito que ele apertou sua mão, não deixou dúvidas: estava de volta.
A respiração, que Xhex não tinha consciência de ter prendido, saiu de seus pulmões calmamente, um alívio elevou seu estado de espírito como se seu coração tivesse sido colocado num foguete para a lua. E a doutora Jane estava certa sobre permanecer ali. Assim que Xhex viu-se envolvida ao ouvir, ver e aprender, o pânico diminuiu até tornar-se apenas um zumbido silencioso que conseguia controlar. E realmente era fascinante observar a anatomia.
Tudo bem?, John articulou.
– Sim, a doutora Jane retirou a bala.
John balançou a cabeça:
Você? Está bem?
Deus... que maldição, ela pensou. Ele era um macho de muito valor.
– Sim – disse ela com dificuldade. – Sim. Estou... e obrigada por perguntar.
Olhando para ele, percebeu que não tinha se permitido pensar muito a respeito de como salvou sua vida.
Cara, sempre soube que era boa com uma faca. Mas nunca pensou que essa habilidade seria realmente importante durante aquela fração de segundo na droga daquela fazenda.
Um piscar de olhos de atraso... e não haveria mais John. Para ninguém.
Nunca mais.
O mero pensamento de perdê-lo fez seu pânico voltar com força total, as palmas de suas mãos ficaram suadas, seu coração simplesmente não batia; na verdade, parecia enlouquecer dentro do peito. Ela sabia que seguiriam por caminhos diferentes depois que tudo acabasse... mas isso não parecia importar nem um pouco quando considerava um mundo em que ele não respirava ou ria ou lutava ou fazia o tipo de bondades que costumava compartilhar com todos ao seu redor.
O que foi?, ele articulou.
Ela balançou a cabeça.
– Não é nada.
Sim, que grande mentira.
Era tudo.
CAPÍTULO 59
Usaram a carruagem que havia sido deixada perto dos estábulos para transportar a fêmea de volta para a casa de sua família. Tohrment tomou as rédeas na frente e Darius ficou na cabine com a fêmea, desejando que houvesse algum conforto para dar a ela e sabendo que havia pouco a oferecer. A viagem foi longa; os cascos trovejantes, o ranger do assento e o ressoar da condução eram muito altos e impediam qualquer discussão.
Embora Darius soubesse muito bem que mesmo se o modo de transporte fosse silencioso como um sussurro e calmo como a água em uma taça, sua preciosa carga não teria proferido uma palavra. Ela havia recusado bebida e alimento e não fez coisa alguma além de concentrar-se na paisagem que percorria as fazendas, a vila e a floresta.
Enquanto prosseguiam em direção ao sul, ocorreu-lhe que o sympatho devia ter acorrentado a mente dela de alguma forma após sua captura inicial, supondo que aquela carruagem tenha sido o transporte que o casal utilizou para ir até a mansão de pedra – caso contrário ela correria o risco de se desmaterializar para fora dos limites do confinamento.
Tragicamente, essa saída não era uma preocupação agora, porque ela estava muito fraca. E, considerando a dor em sua expressão, ele tinha a nítida impressão de que ainda se sentia presa, apesar de ter recuperado a liberdade.
Pensou em enviar Tohrment para comunicar à mãe e ao pai a boa notícia de que ela havia sido resgatada, porém Darius se conteve. Muita coisa poderia acontecer durante a viagem e ele precisava que Tohrment conduzisse os cavalos, enquanto cuidava da fêmea. Por causa das ameaças de seres humanos, redutores e sympathos, tanto ele quanto Tohr estavam completamente armados, mas mesmo assim desejava que tivessem mais apoio. Se ao menos houvesse uma maneira de entrar em contato com os outros Irmãos e chamá-los...
Quase amanhecia quando os exaustos cavalos entraram dentro da aldeia que ficava antes da casa da fêmea.
Como se reconhecesse onde estavam, ela levantou a cabeça e seus lábios se moveram, os olhos arregalados e lacrimejantes.
Inclinando-se para frente e estendendo as mãos, Darius disse:
– Acalme-se... ficará tudo...
Quando os olhos dela encontraram os seus, viu o grito que ela segurava dentro de sua alma. Não ficará, ela fez com os lábios.
Então, a fêmea se desmaterializou para fora da carruagem.
Darius amaldiçoou e bateu no painel lateral com seu punho. Quando Tohrment induziu o cavalo a uma parada ruidosa, Darius saiu com um salto...
Ela não foi longe.
O brilho de sua camisola branca apareceu no campo à esquerda e ele a seguiu, tomando forma perto dela quando começou a correr. Sem qualquer vigor, seu andar trançado não era exatamente como o de alguém desesperado, mas ferido, e ele a deixou ir o máximo de tempo que pôde.
Mais tarde, concluiria que foi naquele momento durante a perseguição que Darius entendeu que a fêmea não poderia voltar para casa. Não pelo que ela havia sofrido... mas pelo que carregava como consequência de sua provação.
Quando a fêmea tropeçou e caiu no chão, ela não fez nada para proteger o ventre.
Na verdade, ela arrastou-se pelo chão para continuar a fuga, mas Darius simplesmente não podia mais suportar assistir.
– Poupe seus esforços – disse ele, puxando-a para cima da relva fria. – Poupe-os agora...
Ela lutou contra ele com toda a força e então derrubou-se em seus braços. Naquele momento congelado entre eles, a respiração dela saiu com dificuldade de sua boca e seu coração disparou... ele podia ver a jugular palpitante à luz do luar, podia sentir o tremor em suas veias.
Sua voz era fraca, mas ela realmente falava sério quando pronunciou:
– Não me leve para lá... nem mesmo para a entrada. Não me devolva.
– Você não pode estar falando sério. – Com mãos gentis, ele puxou o cabelo para trás de seu rosto e de repente lembrou-se dos fios loiros que viu na escova em seu quarto. Tanta coisa havia mudado desde o tempo em que ela costumava sentar-se diante do espelho e se preparar para uma noite com sua família. – Você passou por muita coisa para conseguir pensar com clareza. Você precisa de repouso e...
– Se me levar de volta, fugirei outra vez. Não obrigue meu pai a ver isso.
– Você deve ir para casa...
– Eu não tenho casa. Não mais, nunca mais.
– Ninguém precisa saber o que aconteceu. Já irá ajudar se ninguém souber que não era um vampiro, assim como ninguém nunca, jamais, deverá saber...
– Estou carregando a criança do sympatho. – Seus olhos ficaram frios e duros. – Minha necessidade não acontece desde a noite em que ele forçou-se sobre mim e eu não tenho sangrado como as fêmeas fazem desde então. Estou carregando seu filho.
Darius exalou alto no silêncio, seu hálito quente produzindo uma nuvem de vapor no ar frio. Bem, isso mudava tudo. Se ela conseguisse segurar a criança e a trouxesse a este mundo, havia uma possibilidade de que pudesse se passar por um vampiro, mas mestiços desse tipo eram imprevisíveis. Nunca se podia ter certeza do equilíbrio dos genes, se inclinariam mais para um dos lados do que para o outro.
Mas talvez houvesse uma maneira para implorar à sua família...
A fêmea agarrou a lapela do seu grosso casaco.
– Deixe-me no sol. Deixe-me para morrer como desejo. Usaria minha própria mão em minha garganta se pudesse, mas ainda não estou tão forte no braço e no ombro.
Darius olhou para Tohrment, que estava esperando perto da carruagem. Chamando o garoto com a mão, Darius disse à fêmea:
– Deixe-me falar com seu pai. Deixe-me preparar o caminho.
– Ele jamais me perdoará.
– Não foi culpa sua.
– O problema não é a culpa. O problema é o resultado da situação – disse ela friamente.
Quando Tohrment se desmaterializou e tomou forma diante deles, Darius levantou-se.
– Leve-a de volta para a carruagem e fiquem abrigados sob a copa daquelas árvores. Irei ver o pai dela agora.
Tohrment curvou-se, dispôs a mulher em seus braços de maneira desajeitada e se levantou. No apoio forte, mas suave, a filha de Sampsone retornou à condição apática na qual havia passado a viagem, com os olhos abertos, mas vagos, a cabeça pendendo para o lado.
– Cuide bem dela – disse Darius, ajeitando a camisola solta da fêmea. – Voltarei sem demora.
– Não se preocupe – Tohrment respondeu quando começou a caminhar pelo gramado.
Darius os observou por um momento e depois se lançou ao vento, tomando forma novamente na propriedade da família da fêmea. Foi direto à porta da frente e usou o grande batedor em forma de cabeça de leão.
Quando o mordomo abriu a porta larga, era óbvio que algo terrível estava acontecendo dentro da mansão. Estava pálido como a névoa e suas mãos tremiam.
– Senhor! Oh, bendito seja, entre.
Darius franziu a testa ao entrar pela porta.
– O que...
O dono da casa saiu da sala... e logo atrás dele vinha o sympatho, cujo filho havia provocado a série de tragédias.
– O que está fazendo aqui? – Darius perguntou ao devorador de pecados.
– Meu filho está morto? Você o matou?
Darius desembainhou uma das adagas negras que estavam amarrados no peito, ao alcance das mãos.
– Sim.
O sympatho acenou uma vez com a cabeça e pareceu não se importar. Malditos répteis. Não tinham nenhum sentimento por seus filhos?
– E a menina? – o devorador de pecados perguntou. – O que foi feito dela?
Darius rapidamente fixou a visão de uma macieira em flor em sua mente. Sympathos podiam ler mais do que emoções e ele sabia de coisas que não desejava compartilhar.
Sem responder, olhou para Sampsone, que parecia ter envelhecido uns cem mil anos.
– Ela está viva. Sua filha de sangue está... bem e viva.
O sympatho flutuou em direção à porta, suas vestes longas arrastando-se no chão de mármore.
– Então, estamos quites. Meu filho está morto e sua descendência está arruinada.
Quando Sampsone afundou o rosto em suas mãos, Darius foi atrás do devorador de pecados, agarrando seu braço e forçando a coisa a parar abruptamente assim que saiu da casa.
– Você não precisava revelar-se. Esta família já sofreu o suficiente.
– Oh, mas eu precisava. – O sympatho sorriu. – As perdas devem ser suportadas da mesma maneira. Certamente, o coração pulsante de um guerreiro deve respeitar essa verdade.
– Bastardo.
O devorador de pecados se inclinou.
– Você preferiria que eu a fizesse se matar? Esse é outro caminho que eu poderia ter trilhado.
– Ela não fez nada para merecer isso. Nem os outros de sua linhagem.
– Oh, verdade? Talvez meu filho só tenha tomado o que ela ofereceu...
Darius colocou as duas mãos sobre o sympatho e o girou, lançando-o em uma das colunas maciças que sustentavam o grande peso da mansão.
– Poderia matá-lo agora.
O devorador de pecados sorriu outra vez.
– Poderia? Acho que não. Sua honra não permitirá que mate um inocente, afinal, não fiz nada de errado.
Com isso, o devorador de pecados se desmaterializou, desvencilhando-se das mãos de Darius e tomando forma no gramado lateral.
– Desejo à fêmea uma vida de sofrimento. Que ela viva por muito tempo e suporte o seu fardo sem honra. E, agora, devo ir sem demora e cuidar do corpo do meu filho.
O sympatho desapareceu, como se nunca houvesse existido... e, ainda assim, as ramificações de suas ações foram confirmadas quando Darius olhou através da porta aberta: o macho da grande mansão estava chorando no ombro de seu servo, um consolando o outro.
Darius atravessou o arco da entrada principal e o som de suas botas fez o patriarca da família erguer a cabeça.
Sampsone se afastou de seu leal doggen e não se preocupou em conter suas lágrimas ou ocultar seu sofrimento enquanto avançava em direção a Darius.
Antes que Darius pudesse falar, o homem disse:
– Vou lhe pagar.
Darius franziu a testa.
– Para quê?
– Para... levá-la e garantir que ela tenha um teto sobre sua cabeça. – O mestre virou-se para o servo. – Vá até os cofres e...
Darius pisou adiante e pegou o ombro de Sampsone com força.
– O que está dizendo? Ela vive. Sua filha está viva e deveria ter abrigo sob esse teto e dentro destas paredes. Você é o pai dela.
– Vá e leve-a com você. Eu lhe imploro. Sua mãe... não poderia viver com isso. Permita-me oferecer...
– Vocês são um flagelo – Darius exclamou. – Um flagelo e uma vergonha para a sua linhagem.
– Não – disse o homem. – Ela é. Agora e para sempre.
Darius ficou momentaneamente em silêncio, atordoado. Mesmo conhecendo os valores degradados da glymera e tendo sido submetido a eles antes, estava chocado outra vez.
– Você e aquele sympatho têm muito em comum.
– Como se atreve...
– Nenhum de vocês possui coração para lamentar sua prole.
Darius dirigiu-se para a porta e não parou quando o homem gritou:
– O dinheiro! Permita-me dar-lhe o dinheiro!
Darius não confiava em si mesmo para responder e se desmaterializou de volta ao vale arborizado que havia deixado há poucos minutos atrás. Tomando forma perto da carruagem, seu coração estava em chamas. Como alguém que havia sido descartado, sabia muito bem da dificuldade de encontrar-se sem raízes e sem apoio no mundo. E isso sem o peso extra que a fêmea, literalmente, carregava dentro de seu ventre.
Embora o sol estivesse ameaçando se libertar da borda da Terra, ele precisava de um momento para se recompor e formular o que poderia dizer...
A voz feminina surgiu por trás das cortinas da janela da carruagem.
– Ele disse para me manter afastada, não foi?
De fato, Darius descobriu que não havia melhor maneira de lançar o que havia acontecido em melhor luz.
Colocou a mão sobre a madeira fria da porta da carruagem.
– Vou cuidar de você. Vou protegê-la e prover-lhe o que for necessário.
– Por quê?... – veio uma resposta dolorida.
– Em verdade... é o correto e apropriado a ser feito.
– Você é um herói. Mas o que procura salvar não se importa com a dádiva que oferece.
– Mas se importará. Com o tempo... você se importará.
Quando não houve resposta, Darius saltou para cima do banco do condutor e tomou as rédeas.
– Iremos para minha casa.
O barulho do trotar dos cavalos e o golpe dos cascos no chão os acompanharam para fora da floresta e ao longo do caminho. Ele os levou por uma rota diferente, mantendo-os longe da mansão e da família cuja expectativa social era mais espessa que o sangue.
E quanto ao dinheiro? Darius não era um homem rico, mas cortaria sua própria mão com sua adaga antes de aceitar um centavo daquele pai desalmado.
CAPÍTULO 60
Quando John tentou sentar na maca, Xhex o ajudou e ele ficou surpreso em ver como ela era forte: no instante em que a mão dela foi colocada sobre o meio de suas costas, sentiu como se o peso da parte superior de seu corpo estivesse totalmente sustentado.
Por outro lado, como ela costumava dizer, não era uma fêmea comum.
A doutora Jane se aproximou e começou a explicar o que estava fazendo sob o curativo e o que ele precisava fazer para cuidar da incisão... mas ele não estava acompanhando.
Queria transar. Com Xhex. Agora.
Era basicamente tudo que ele entendia ou se importava – e a necessidade carnal era beeem mais profunda que a de um simples cara excitado. Um encontro com a morte faz a vontade de viver intensamente aumentar, e sexo com a pessoa que ama é a melhor forma de expressar essa intensidade.
Os olhos de Xhex alargaram-se quando ela sentiu o odor que claramente emanava dele.
– Você vai permanecer parado por mais dez minutos – disse a doutora Jane enquanto guardava os instrumentos. – E pode descansar aqui na cama da clínica.
Vamos, sinalizou para Xhex.
Balançar suas pernas para fora da mesa lhe deu uma pontada de dor, mas isso não o fez repensar minimamente seus planos. No entanto, quando atraiu a atenção de todos na sala, repensou algumas coisas. Enquanto Xhex o equilibrava, a doutora começou com um monte de “deite-se garotão”, só que John não estava prestando atenção alguma.
Você teria um roupão que eu pudesse usar?, gesticulou, bem consciente de que tinha uma grande ereção e quase nada sobre seus quadris.
Houve alguns argumentos depois disso, mas em dado momento a doutora Jane jogou as mãos para cima e permitiu: se ele quisesse ser um idiota ela não o impediria. Quando ela deu o aval, Ehlena desapareceu e retornou com algo que era fofo, espesso e grande o suficiente para cobri-lo... do ombro até talvez o meio da coxa. E era rosa.
Com certeza, aquilo era a versão “roupa de dormir” do chapéu de burro da escola, uma punição por se recusar a permanecer na clínica. E se achou que essa história desanimaria sua ereção... pode esquecer.
Seu membro ainda estava firme contra o ataque à sua masculinidade.
E ficou orgulhoso do bastardo.
Obrigado, gesticulou, deslizando o roupão sobre seus ombros. Com algum esforço, conseguiu envolver seu peito e cobrir sua exposição ao sul. Um pouco.
A doutora Jane encostou-se no balcão e cruzou os braços sobre o peito.
– Não há qualquer maneira de lhe convencer a ficar mais tempo? Ou ser auxiliado por muletas? Ou... fazer com que fique mais tempo?
Estou bem... mas obrigado.
A doutora Jane balançou a cabeça.
– Vocês Irmãos são todos uns pés no saco.
De repente, sentiu um forte formigamento e isso não tinha nada a ver com a perna.
Eu não sou um Irmão. Mas acho que não vou discutir sobre a segunda parte com você.
– Homem sábio. Mas deveria ser. Um Irmão, claro.
John deslizou e delicadamente baixou seu peso para fora da mesa, mantendo sempre os olhos em seu traje de garotinha. Felizmente tudo permaneceu apropriado e continuou assim quando Xhex se abaixou sob seu braço.
Cara... ela era a melhor muleta que poderia pedir, suportando uma grande parte da carga enquanto passavam pela porta. Juntos, foram até o escritório, abaixaram através do armário e emergiram num túnel.
Ele percorreu quase dez metros antes de parar, movendo-a e fazendo-a ficar em pé diante dele, em seguida...
Apagou as luzes. Todas elas.
Ao seu comando mental, as luzes fluorescentes no teto se apagaram uma por uma, começando com as duas que havia bem acima da cabeça deles e seguindo nas duas direções. Quando a escuridão tomou conta de tudo, ele trabalhou rápido e ela também. Sabiam perfeitamente bem que a doutora Jane e Ehlena limpariam o centro cirúrgico por pelo menos meia hora. E estava na hora da Última Refeição na mansão, então ninguém estava se exercitando ou tomando um banho no vestiário.
Tinham uma janela de oportunidade.
E a escuridão era fundamental.
Apesar da diferença de suas alturas, ele encontrou seus lábios com precisão, como se estivessem iluminados. Enquanto ele a beijava profundamente e deslizava sua língua, ela gemia baixo em sua garganta e segurava em seus ombros.
Nesse trecho glorioso de indefinição, nessa etapa que fugia daquilo que tinham combinado, John liberou o macho vinculado dentro dele para aproveitar aquele momento que havia começado na casa da fazenda.
O momento em que a adaga de Xhex deixou sua mão e voou pelo ar... dando a ele mais algumas noites para serem vividas.
A palma de sua mão escorregou em torno de seus seios, encontrando o mamilo rígido, esfregando-o com o polegar enquanto morria de vontade de colocar a boca no lugar em que estavam seus dedos. Foi bom ela ter deixado sua jaqueta e suas armas no saguão de entrada da casa, assim, tudo o que havia entre ele e a pele dela era a camiseta que Xhex vestia.
Não tinham muito tempo, então John deslizou as duas mãos para baixo e levantou a camiseta até que seus seios ficaram expostos. Uau... ela não usava sutiã nem para lutar, e por alguma razão isso o deixou ainda mais excitado.
Não que precisasse de auxílio quando se tratava dela.
Quando os sons de seus beijos ecoaram, ele beliscou os mamilos que estavam prontos para seus lábios e pressionou sua ereção contra ela. E veja só... ela entendeu os sinais e deslizou sua mão direto para o...
John inclinou sua cabeça para trás, um baque de eletricidade percorreu sua coluna de maneira tão prazerosa que não conseguiu permanecer beijando.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Xhex o empurrou contra a parede do túnel e abriu seu roupão. Seus lábios se moveram sobre seu peito, suas presas trilhavam sua pele fazendo formigar cada nervo em seu corpo, especialmente aqueles que estavam na ponta de sua ereção.
John soltou um grito silencioso quando a boca dela encontrou aquele lugar quente e duro, deslizando, absorvendo inteiramente, englobando-o em calor e sucção. O movimento era lento e constante, até que o membro saiu da boca dela com um leve estalo e depois sua língua o envolveu por completo.
Enquanto ela trabalhava nele, John manteve os olhos abertos, mas a escuridão ao redor fez parecer como se suas pálpebras estivessem fechadas... e a cegueira não importava naquela situação: tinha uma imagem bem nítida em sua mente de como era a aparência dela de joelhos, sua blusa levantada sobre os seios, seus mamilos ainda rígidos, sua cabeça indo para frente e para trás, para frente e para trás.
Seus seios balançavam a cada movimento que fazia.
Enquanto sua respiração se arrastava pela boca, teve a sensação de que estava distribuindo o peso do corpo em sua perna machucada e sua perna sadia, mas que se dane qualquer outra coisa além daquilo que Xhex o fazia sentir. Inferno, poderia estar pegando fogo e não se importaria.
Mas na verdade já estava pegando fogo e as chamas ficaram ainda mais quentes quando Xhex ergueu sua ereção em direção à cintura e percorreu toda a área com sua língua. Ela encontrou um ritmo e ele não conseguiu ir muito longe...
O corpo de John se arqueou e as palmas de sua mão bateram contra a parede enquanto atingia o orgasmo. Quando acabou, ele a levantou e a beijou longa e fortemente... com um desejo enorme de devolver o favor...
Xhex cortou o lábio inferior dele de propósito e lambeu o pequeno corte que fez.
– Cama. Agora.
Entendido.
John reacendeu rapidamente as luzes do teto.
Engraçado, aquela perna machucada não o incomodou nem um pouco.
Blay ficou fora do quarto que foi dado a Saxton durante e depois da alimentação, mas não estava autorizado a sair da mansão para espairecer. Segundo a Antiga Lei, o primo do Qhuinn era considerado seu convidado dentro da casa da Primeira Família, e sendo assim, Blay não podia deixar o recinto enquanto Saxton estivesse lá.
Pelo menos lutar com os outros teria dado a ele uma sensação de realização e ajudaria a passar o tempo mais rápido.
Após Phury chegar com Selena e as apresentações terem sido feitas, Blay foi para seu quarto tentar não pensar no assunto: para isso, disse a si mesmo que era hora de arrumar o quarto. Infelizmente, a arrumação rotineira levou dois minutos e envolveu o reposicionamento dos livros que tinha lido na cabeceira da cama... e tirar um par de meias pretas da gaveta de meias coloridas, colocando de volta na gaveta de meias pretas.
Um dos problemas de ser organizado é que nunca havia grandes arrumações para serem feitas.
Também tinha cortado o cabelo há pouco tempo. As unhas estavam cortadas. Nenhuma depilação masculina para fazer, graças ao fato de os vampiros não terem pelos além dos cabelos em sua cabeça.
Normalmente, quando tinha que matar o tempo, ligava para casa para conversar com seus pais, mas considerando o que se passava em sua cabeça, o número do refúgio da família não seria discado. Moral da história? Era um péssimo mentiroso e não estava disposto a dizer aos seus pais: gente, vocês ainda não sabem, mas eu sou gay... e estou pensando em namorar o primo do Qhuinn.
Ah, e, por falar nisso, ele está aqui.
Sendo alimentado.
Deus, a ideia de Saxton estar se alimentando da veia de alguém era quente como o inferno, mesmo sendo Selena.
Exceto pelo fato de Phury estar lá com eles. Mais por decoro do que por proteção, claro.
Então, não, não havia chance alguma de se aproximar daquele quarto. A última coisa que queria era ficar excitado na frente de uma plateia.
Blay olhou o relógio. Caminhou pelo quarto. Tentou assistir TV. Leu um pedaço do livro que havia reposicionado.
De vez em quando o telefone recebia os relatórios de campo, nenhum dos quais ajudavam seu humor inquieto. A Irmandade sempre enviava comunicados regulares para que todos se inteirassem do que estava acontecendo e as coisas não iam bem: John estava machucado, então ele, Xhex e Qhuinn estavam na clínica com a doutora Jane. A infiltração na casa da fazenda foi bem sucedida, mas apenas até certo ponto: o suspeito de ser o novo Redutor Principal ainda estava fora do alcance. Capturaram muitos, mas não todos os novos recrutas que encontraram. O endereço ligado ao carro chamativo não tinha dado em nada. A tensão estava correndo solta.
Olhou seu relógio de pulso. Em seguida, para o relógio pendurado na parede.
Sentiu vontade de gritar.
Cristo, fazia muito tempo desde que Saxton e Selena começaram. Por que ainda não tinha vindo ninguém informando que tinha acabado?
E se algo estivesse errado? A doutora Jane tinha dito que os ferimentos do cara não eram mortais e que a alimentação faria com que se recuperasse...
Mas se algum Irmão fosse se dar bem com Saxton seria o Primaz. Phury amava ópera, arte e bons livros. Será que os dois iniciaram uma conversa após o término?
Em dado momento, não conseguia mais suportar a si mesmo e desceu até a cozinha, onde os doggen da casa estavam preparando a Última Refeição. Tentou ajudar, se ofereceu para colocar a mesa, ou picar os legumes, ou cortar o peru que estavam assando... mas o pessoal ficou tão perturbado que ele recuou.
Cara, se tinha uma coisa que com certeza perturbava um doggen era tentar ajudar. A natureza deles não suportava que alguém a quem deveriam servir fizesse qualquer coisa além de aguardar... mas também não podiam negar um pedido.
Antes que os enlouquecesse de vez, Blay deixou a despensa e atravessou a sala de jantar...
A porta do corredor abriu e fechou e Qhuinn entrou percorrendo o piso de mosaico do saguão de entrada.
Havia sangue no rosto, nas mãos e nas roupas de couro. Sangue fresco e brilhante.
Sangue humano.
O primeiro instinto de Blay foi gritar com seu amigo, mas se conteve, porque não queria atrair as atenções para o fato de que Qhuinn obviamente não estava no lugar em que John estava.
Não havia muitos humanos na clínica no centro de treinamento.
E supostamente era para ter lutado com redutores iniciados, cujo sangue era negro.
Blay atingiu as escadas e pegou o cara bem na frente do escritório de Wrath, cuja porta estava misericordiosamente fechada.
– Que diabos aconteceu com você?
Qhuinn não parou, apenas se moveu em direção ao seu quarto. Entrando, deu a entender que fecharia a porta na cara de Blay.
Nada disso, Blay pensou, ao empurrar seu corpo para dentro.
– O que é esse sangue?
– Não estou com paciência – Qhuinn murmurou quando começou a se despir.
Jogou sua jaqueta de couro sobre a escrivaninha, desarmou-se e chutou suas botas que chegaram à metade do caminho do banheiro. Sua camiseta foi jogada por cima do ombro e acabou em uma lâmpada.
– Por que tem sangue em suas mãos? – repetiu Blay.
– Não é da sua conta.
– O que você fez? – perguntou, mesmo tendo um pressentimento de que já sabia. – Que diabos você fez?
Quando Qhuinn se inclinou para abrir a água do chuveiro, foi possível observar que as linhas musculares ao longo de sua coluna flexionaram-se acima da cintura de sua calça de couro.
Deus, aquele sangue vermelho estava nele em outros lugares também... o que fez Blay imaginar o quão longe a surra tinha ido.
– Como está o seu garoto?
Blay franziu a testa.
– Meu garoto...? Oh, Saxton.
– Sim, “Oh, Saxton”. – Uma fumaça começou a subir do chuveiro evaporando-se entre eles. – Como ele está?
– Acho que está se alimentando agora.
Os olhos díspares de Qhuinn focaram-se em algum lugar atrás da cabeça de Blay.
– Espero que ele esteja se sentindo melhor.
Quando se olharam, o peito de Blay doeu tanto que teve que massageá-lo.
– Você o matou?
– Quem? – Qhuinn colocou as mãos nos quadris. Graças às luzes sobre a pia, o peitoral e os mamilos com piercings destacavam-se em alto relevo. – Não sei de quem está falando.
– Pare de dizer bobagens. Saxton vai querer saber.
– Está tentando protegê-lo? – Não havia hostilidade nas palavras. Apenas uma resignação que não era sua característica. – Tudo bem, certo, não matei ninguém. Mas dei àquele homofóbico filho da mãe algo para pensar além do câncer de garganta que aqueles charutos causarão. Não aceito ter nenhum membro da minha família sendo desrespeitado. – Quinn virou-se. – E... bem, dane-se, não gosto quando você fica chateado, acredite ou não. Se Saxton tivesse sido deixado para a morte e o sol nascesse? Ou se outros seres humanos o tivessem encontrado? Você nunca superaria. E eu não conseguiria aceitar tal resultado.
Deus, aquilo era típico do filho da mãe. Fazendo a coisa errada por um motivo perfeito...
– Eu te amo – Blay sussurrou tão baixo que o som da água caindo abafou as palavras.
– Ouça, preciso de um banho – disse Qhuinn. – Quero tirar esta sujeira de mim. E depois preciso dormir.
– Certo. Sim. Quer que eu lhe traga algo para comer?
– Estou bem. Obrigado.
Ao sair, Blay olhou por cima do ombro. Qhuinn estava tirando sua calça de couro e seu traseiro fez uma aparição espetacular.
Com sua cabeça ainda virada, saiu do banheiro com tranquilidade, mas colidiu com a escrivaninha e teve que pegar a luminária antes que caísse ao chão. Endireitando a coisa, pegou a camiseta que tinha sido jogada, e como se fosse uma mocinha patética, trouxe o algodão macio ao nariz, inalando.
Fechando os olhos, embalou o que estava sobre o peito de Qhuinn e ouviu o som da água caindo num ritmo constante enquanto o outro macho se lavava.
Não tinha certeza de quanto tempo ficou daquele jeito, balançando-se no purgatório da ideia de estar tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Só saiu dali por causa do medo de ser flagrado. Recolocou com cuidado a camiseta da maneira que estava antes e obrigou-se a ir até a porta.
Estava no meio do caminho quando viu.
Em cima da cama.
Uma faixa branca estava emaranhada nos lençóis, apenas mais um pedaço de tecido amarrotado.
Seus olhos se ergueram e ele encontrou marcas do perfil de duas cabeças afundadas nos travesseiros próximos um do outro. Com certeza, a Escolhida Layla tinha esquecido a faixa de sua túnica quando foi embora. O que só poderia ter acontecido se ela tivesse ficado nua enquanto esteve ali.
Blay colocou a mão sobre seu coração mais uma vez, um aperto o fazia sentir debaixo d’água... com a superfície do oceano muito, mas muito acima dele.
O chuveiro foi desligado no banheiro e o som de uma toalha foi ouvido.
Blay passou pela cama da qual tiraram muito bom proveito e saiu pela porta.
Não tinha consciência de ter tomado uma decisão racional, mas seus pés assumiram uma direção óbvia. No corredor, parou dois quartos depois de onde estava e em seguida ergueu a mão e bateu com calma. Quando uma resposta abafada soou, abriu a porta. Do outro lado, o quarto estava escuro e cheirava divinamente... e sob a luz do corredor sua sombra atingia o pé da cama.
– Momento perfeito. Acabaram de sair. – A voz rouca de Saxton era uma promessa de coisas que Blay queria. – Veio ver como estou?
– Sim.
Houve uma longa pausa.
– Então, feche a porta e eu lhe mostrarei.
A mão de Blay apertou a maçaneta até seus dedos estalarem.
Então, entrou e os fechou ali dentro. Enquanto tirava os sapatos, girou a chave.
Para ter privacidade.