Irmandade da "Adaga Negra"
CAPÍTULO 11
– Onde você vai, John?
No corredor de saída que havia nos fundos da mansão, John congelou com a mão em uma das portas que levava à garagem. Maldição... uma casa tão grande fazia com que pensasse que poderia sair sem a presença de um público. Mas não... havia olhos em toda parte. Opiniões... em toda parte.
Parecia o orfanato nesse aspecto.
Voltou-se e encarou Zsadist. O Irmão tinha um guardanapo numa das mãos e uma mamadeira na outra. Ficou claro que tinha acabado de se levantar da mesa na sala de jantar e ido à cozinha. E, puxa vida, adivinha só... a próxima pessoa a passar pela porta foi Qhuinn, que trazia uma coxa de peru comida até a metade.
A chegada de Blay transformou aquilo numa maldita convenção.
Z. acenou com a cabeça em direção à mão fechada de John ao redor da maçaneta. Mesmo com a parafernália de bebê, ele parecia um assassino em série pronto para agir. Por um lado, devido à cicatriz no rosto. Mas com certeza era por causa daqueles olhos negros e profundos.
– Fiz uma pergunta, garoto.
Estou levando o maldito lixo para fora.
– Então, onde está o lixo?
Qhuinn terminou seu jantar e, em seguida, aproximou-se de maneira intencional às latas de lixo para jogar o osso fora.
– Sim, John. Quer responder a isso?
Não, não queria mesmo.
Estou saindo fora, gesticulou.
Z. inclinou-se e plantou a palma da mão sobre a porta, o guardanapo balançava solto como uma bandeira.
– Está saindo um pouco mais cedo todas as noites, mas atingiu o limite. Não vou deixar sair tão cedo. Vai ser queimado como uma batata frita lá fora. E uma observação final: se pensar em sair sem sua guarda pessoal novamente, Wrath vai usar seu rosto como um martelo, entende?
– Jesus Cristo, John. – A voz de Qhuinn era um grunhido de desgosto e tinha uma expressão no rosto como se alguém tivesse limpado um banheiro com seus lençóis. – Nunca o impedi. Nunca. E você ferra comigo assim?
John encarou um ponto na orelha esquerda de Z. Ficou tentado em gesticular que ficou sabendo quando o Irmão esteve procurando por Bella, sabia que tinha se tornado um selvagem e feito todo tipo de loucuras. Só que mencionar o rapto de sua shellan era como balançar uma capa vermelha na frente de um touro e John já estava causando um inferno por uma mulher. Dois seria um exagero.
A voz de Z. ficou mais baixa.
– O que está fazendo, John?
Permaneceu em silêncio.
– John. – Z. inclinou-se ainda mais. – Vou arrancar uma resposta à força se necessário.
Só errei o horário.
Era horrível mentir, pois se fosse verdade, teria saído pela porta da frente e não coberto seus rastros com a história do lixo. Mas, sinceramente, não dava a mínima se acreditavam nele ou não.
– Não dá para engolir essa. – Z. endireitou-se e olhou o relógio. – E não vai sair por mais dez minutos.
John cruzou os braços sobre o peito para evitar comentar sobre aquele impedimento, mas sentiu como se fosse explodir.
O olhar duro de Z. não ajudou nem um pouco.
Dez minutos depois, o som das persianas subindo em toda mansão rompeu o impasse e Z. assentiu em direção a porta.
– Certo, pode ir agora, se quiser. Pelo menos, não vai fritar. – John virou-se. – Se pegá-lo sem seu ahstrux nohstrum outra vez, vou entregá-lo.
Qhuinn soltou um palavrão.
– E em seguida serei demitido. O que significa que o rei vai cortar meu pescoço com uma adaga. Mas não precisa agradecer, não foi nada.
John agarrou a maçaneta e seguiu seu caminho para fora da casa, sua pele estava muito tensa. Não queria problemas com Z., pois respeitava o cara, mas o sujeito era muito volúvel e a tendência sugeria que aquilo só aumentaria.
Na garagem, virou-se para a esquerda e se dirigiu para a porta de saída que havia na parede de trás. Enquanto saía, recusou-se a olhar os caixões empilhados ao longo do caminho. Não. Não precisava sequer da imagem de um deles em sua cabeça agora. Dezesseis? Não importava.
Abrindo a porta de aço, pisou no gramado que se estendia em volta da piscina vazia e ia até a margem da floresta e o muro. Sabia que Qhuinn estava bem atrás dele, pois o cheiro de desaprovação contaminou o ar fresco da mesma maneira que mofo em um porão. Blay estava com eles também, sentia pelo cheiro da colônia.
Assim que estavam a prestes a se desmaterializar, seu braço foi agarrado com força. Quando se virou para dizer a Qhuinn que fosse se ferrar, parou.
Era Blay quem o segurava e os olhos azuis do ruivo estavam queimando.
O cara gesticulou ao invés de falar, provavelmente porque queria forçar John a prestar atenção nele.
Quer se matar, tudo bem. Do jeito que as coisas estão, já me conformei diante dessa possibilidade. Mas não vai colocar outras pessoas em risco. Não vou tolerar isso. Não saia sem comunicar o Qhuinn novamente.
John olhou por cima do ombro do rapaz, em direção a Qhuinn, que parecia como se quisesse bater em alguma coisa de tão frustrado que estava. Ah, então era por isso que Blay estava fazendo a coisa dos sinais. Não queria que a terceira engrenagem daquele estranho triunvirato soubesse o que estava sendo dito.
Estamos entendidos?, Blay sinalizou.
Era muito raro Blay impor sua opinião. E isso fez com que John se explicasse.
Não posso prometer que não vou precisar escapar, John gesticulou. Simplesmente não posso fazer isso. Mas juro que direi a ele. Pelo menos para que ele possa sair da casa.
John...
Balançou a cabeça e apertou o braço de Blay. Simplesmente não posso prometer isso a ninguém. Não se pensar onde minha cabeça está. Mas não vou sair sem avisá-lo para onde estou indo ou quando volto.
A mandíbula de Blay moveu-se, tencionando e relaxando. No entanto, não era estúpido. Sabia quando havia algo inegociável na mesa.
Certo. Posso viver com isso.
– Querem dividir um pouco desse amor? – Qhuinn perguntou.
John recuou e assinalou: Vamos ficar no parque Xtreme até às dez. Então, iremos para a Avenida St. Francis. Trez me enviou uma mensagem de texto.
Desmaterializou, viajando para o sul e para oeste, tomando forma atrás do galpão que ficaram na noite anterior. Quando sua equipe apareceu atrás dele, ignorou a tensão que nublava e pesava o ar.
Olhando através do concreto, localizou os vários traficantes e viciados. Aquele jovem que parecia o maioral ainda estava ocupando o centro de tudo. Inclinando-se contra uma das rampas, sacudiu um isqueiro que faiscou, mas não acendeu. Havia mais ou menos meia dúzia de skatistas andando nas rampas e outros doze falando e girando as rodas de seus skates. Sete carros estavam parados no estacionamento, e enquanto a polícia rondava devagar, John sentia que aquilo era um desperdício de tempo colossal.
Talvez se fossem para o centro da cidade e buscassem nos becos teriam mais...
O Lexus que rodava no terreno não estacionou em nenhuma das vagas. Parou perpendicular aos outros sete carros... e quem saiu de trás do volante parecia um colegial com jeans folgado e chapéu de caubói.
Mas a brisa que flutuou dele cheirava como um necrotério sem sistema de ventilação.
E também a... desodorante Old Spice?
John endireitou-se, seu coração batia num ritmo acelerado. Seu primeiro pensamento foi se lançar adiante e enfrentar o bastardo, mas Qhuinn o segurou ao formar uma barreira com o braço.
– Espere – disse o cara. – É melhor descobrirmos os porquês.
John sabia que seu amigo estava certo, então puxou o freio de mão de seu corpo e se ocupou memorizando a placa do Lexus modelo LS 600h cromado.
As outras portas do sedan se abriram e três rapazes saíram. Não eram tão pálidos quanto os redutores realmente velhos, mas tinham uma significativa brancura e cheiravam muito mal.
Cara, aquela porcaria desagradável de talco de bebê foi direto ao nariz.
Com um dos assassinos ficando para trás para observar o caminho, os outros dois entraram em formação com o caubói um pouco à frente. Enquanto caminhavam até o concreto, todos os olhos no parque se voltaram para eles.
O garoto na rampa do meio se endireitou e colocou o isqueiro no bolso.
– Droga, queria que estivéssemos com meu maldito carro – Qhuinn sussurrou.
É verdade. A menos que houvesse um arranha-céu próximo onde poderiam ter uma visão de cima, não conseguiriam rastrear o Lexus.
O traficante não se moveu ao ser abordado e não pareceu surpreso com a visita, então havia chance de que aquele encontro fosse marcado. E após conversarem um pouco, os assassinos cercaram o cara e o bando todo caminhou para o sedan.
Todos, com exceção de um redutor, entraram no carro.
Hora de decidir. Corriam até um carro, faziam ligação direta e saiam em perseguição? Materializavam-se no capô do maldito Lexus e lutavam? O problema era que nas duas situações corriam o risco de perturbarem a paz seriamente – e havia apenas uma dada quantidade de limpeza mental que poderiam fazer num grupo de vinte humanos.
– Acho que um vai ficar para trás – Qhuinn murmurou.
Sim. O garotão foi colocado dentro do carro enquanto o Lexus fazia uma manobra e começava a sair.
Deixar o carro ir embora foi a coisa mais difícil que John já havia feito. Mas a realidade era que aquele bando de bastardos tinha acabado de pegar um dos principais traficantes do território – então, teriam que voltar. E deixaram um redutor para trás.
Assim havia coisas para manter a ele e seus rapazes ocupados.
John observou o assassino entrar no parque. Ao contrário do cara que substituiu, ficou perambulando, andando fora do perímetro, encontrando todos os olhares direcionados a ele. Ficou claro que estava deixando os skatistas ansiosos, e dois deles, que haviam comprado algumas coisas na noite anterior, se foram. Mas nem todos estavam alerta... ou sóbrios o suficiente para se preocuparem.
Um som de algo batendo veio do chão e John olhou para si mesmo. Seu pé estava batendo na poeira, subindo e descendo rápido como o de um coelho.
Mas não ia estragar tudo. Esperou atrás do galpão... e esperou... e esperou.
Levou quase uma maldita hora para circular todo o território ao redor, mas quando finalmente estava ao alcance, todo aquele bater de pé valeu muito a pena.
Com uma rápida rajada de vontade mental, John quebrou a lâmpada do poste mais próximo para dar a eles um pouco de privacidade. E quando o bastardo olhou para cima, John saiu de trás do galpão.
A cabeça do redutor girou e reconheceu que a guerra havia acabado de chegar e batia em sua porta: o filho da mãe sorriu e colocou a mão dentro da jaqueta.
John não estava preocupado se o cara ia atirar. A única regra do acordo era que não poderia acontecer na frente de espectadores humanos.
Uma automática apareceu e logo explodiu num golpe duplo rápido, o disparo ressoou com um estouro ao longo do parque.
John mergulhou para se proteger e várias vozes gritaram “mas que droga é essa?”. E então, mais balas voaram, o chumbo ricocheteava no concreto enquanto humanos gritavam e se esbarravam.
Atrás do galpão, bateu de costas contra a madeira e puxou sua própria arma. Quando Blay e Qhuinn deslizaram para o abrigo, houve uma fração de segundo onde se perguntaram “quem está sangrando?” que coincidiu com uma pausa na rajada de balas.
Em que diabos ele está pensando?, Qhuinn gesticulou. E o público?
Passos pesados se aproximaram e houve um som de cliques de um pente de munição sendo trocado. John olhou para a porta do galpão. O cadeado na corrente era uma dádiva divina e estendeu a mão, desbloqueando mentalmente a coisa e o deixando livre de seus elos para que ficasse solto.
Vão para a próxima esquina, John disse a seus amigos. E finjam que estão feridos.
Sem chance!...
John mirou sua arma no rosto de Qhuinn.
Quando o rapaz recuou, John apenas encarou os olhos azul e verde de seu amigo. Aquilo seria do seu jeito: John seria o único a lidar com o assassino. Fim da discussão.
Vá se ferrar, Qhuinn moveu os lábios, sem som, antes dele e Blay se desmaterializarem.
Com um gemido alto, John deixou-se cair com força para o lado, seu corpo batendo no chão como um saco enorme de concreto. Esticando-se de barriga para baixo, manteve sua automática destravada sobre o peito.
Os passos se aproximaram. E então ouviu uma risada baixa, como se o redutor estivesse se divertindo muito.
Quando Lash retornou depois de encontrar seu pai, tomou forma no quarto ao lado daquele onde mantinha Xhex. Por mais que quisesse vê-la, manteve distância. Toda vez que voltava do Dhunhd, precisava deixar passar uma boa meia-hora e não seria estúpido dando uma chance a ela de matá-lo.
Porque ela o faria. Não era um doce?
Deitando na cama e fechando os olhos, seu corpo estava lento e frio, e quando respirava fundo, sentia como se estivesse descongelando como um pedaço de carne bovina. Não que o outro lado fosse gelado. Na verdade, a casa de seu pai era quentinha e bem equipada – e altamente brega. Papai quase não tinha mobília, mas tinha candelabros suficientes para afundar um navio.
A onda de frio parecia ter mais a ver com a volta para esta realidade, e toda vez que voltava para este lado, ficava cada vez mais difícil recuperar-se. A boa notícia era que achava que não precisaria mais ir tanto até lá. Agora que havia dominado todas as suas novas habilidades, não havia realmente necessidade disso – e a verdade era que o Ômega não era exatamente uma companhia estimulante.
O que acontecia por lá era uma grande demanda por massagens no ego. E com essa demanda vinda de um ser extremamente poderoso e que por acaso é seu pai, a situação toda estava se tornando cansativa.
Além do mais, a vida amorosa de seu pai era perturbadora demais.
Lash nem mesmo sabia o que eram aquelas malditas coisas sobre a cama. Pareciam bestas sombrias cujo gênero e espécie eram impossíveis de identificar. Elas se moviam de maneira arrepiante, e estavam sempre querendo sexo, mesmo se houvesse pessoas ao redor.
E seu pai nunca dizia não.
Quando ouviu um bipe, Lash enfiou a mão no paletó e pegou o celular. Era uma mensagem de texto do Sr. D: A caminho. Pegamos o cara.
Lash olhou para o relógio e sentou na cama, pensando que a hora não podia estar certa. Tinha voltado há duas horas – como perdeu tanto tempo assim?
Ao endireitar o corpo, seu estômago se revirou, e erguer as mãos para esfregar o rosto requereu mais esforço do que deveria. A falta de energia em seu corpo, juntamente com as dores, fez lembrar-se de quando ficava resfriado por qualquer razão. Era a mesma sensação. Seria possível que estivesse ficando doente?
Perguntou-se se alguém apareceria com algum antigripal ou alguma porcaria assim.
Provavelmente não.
Deixando cair os braços sobre o colo, olhou para o banheiro. O chuveiro parecia estar a quilômetros de distância e realmente não valia o esforço.
Demorou uns dez minutos antes que pudesse livrar-se da letargia, e quando se levantou, esticou-se com força para fazer seu sangue negro fluir. O banheiro acabou por não estar a quilômetros de distância, mas a uma questão de metros, e a cada passo sentia-se mais forte. Movendo-se para ligar a água quente, admirou-se no espelho e checou sua coleção de contusões. A maioria da noite anterior tinha ido embora, mas sabia que teria mais...
Lash franziu a testa e levantou o braço. A ferida no interior de seu antebraço estava maior, não menor.
Quando apertou com o dedo, não doeu, mas a coisa estava horrível demais, uma ferida plana e aberta, cinza no meio e emoldurada por uma linha preta.
Seu primeiro pensamento foi que precisava consultar Havers... só que aquilo era ridículo e nada além de um vestígio de sua antiga vida. Como se fosse aparecer na clínica e ser todo educado para dizer “Ei, você poderia consertar minha carcaça?”.
Além do mais, não sabia para onde tinham mudado a maldita clínica. O que era um problema depois de uma invasão bem-sucedida. Seu alvo levou a sério a ameaça e se enterrou no subsolo.
Entrando no jato morno, foi cuidadoso ao esfregar o local com sabonete, imaginando se aquilo era algum tipo de infecção que teria de ser tratada. Depois, pensou em várias outras coisas.
Teve uma noite muito longa. A indução às oito. O encontro com Benloise às dez.
Voltar para casa para mais amor.
Quando saiu, enxugou-se e inspecionou a ferida. A maldita coisa agora jorrava um limo preto e fino.
Droga, aquela sujeira seria difícil de limpar de suas camisas de seda.
Colocou um curativo do tamanho de uma ficha de arquivo e pensou que naquela noite talvez ele e sua namorada brincariam comportados.
Iria amarrá-la para variar um pouco.
Não demorou nada para vestir um lindo terno e sair. Enquanto passava pela porta do quarto principal, parou e fechou o punho. Batendo na madeira alto o suficiente para acordar os mortos, sorriu.
– Volto logo e trarei correntes.
Esperou por uma resposta. Como não houve nenhuma, alcançou a maçaneta e encostou o ouvido na porta. O som da respiração dela era suave como uma leve corrente de ar, mas ainda estava lá. Estava viva. E ainda estaria quando voltasse.
Com autocontrole intencional, liberou a maçaneta. Se abrisse a porta, perderia mais umas duas horas e seu pai não gostava de esperar.
Na cozinha, procurou algo para comer e não achou nada. A máquina de café tinha sido ligada mais de duas horas atrás, portanto, ao levantar rapidamente o pote, observou algo parecido com óleo de cárter. E abrindo a geladeira, não viu nada que chamasse atenção, mesmo morto de fome.
Lash acabou se desmaterializando da cozinha com as mãos vazias e o estômago nas costas. Não era uma ótima combinação para seu humor, mas não ia perder o show – queria ver o que tinha sido feito a ele durante sua própria indução.
A casa da fazenda ficava ao norte da casa de granito, e no instante que tomou forma no gramado, soube que seu pai estava lá dentro: um arrepio estranho fervia em seu sangue toda vez que estava perto do Ômega, como um eco num espaço fechado... embora não tivesse certeza se ele representava o som e seu pai a caverna, ou se era o contrário.
A porta da frente estava aberta, e enquanto subia os degraus da varanda e entrava no pequeno e miserável corredor de entrada, pensou em sua indução.
– Quando se tornou verdadeiramente meu.
Lash virou. O Ômega estava na sala de estar, suas vestes brancas cobriam sua face e mãos, sua energia escorria pelo chão, uma sombra negra era formada por nenhuma iluminação.
– Está animado, meu filho?
– Sim. – Lash olhou por cima do ombro na mesa de jantar. O balde e as facas que foram usadas nele estavam ali. Prontas e esperando.
O som de cascalho sendo mastigado debaixo de pneus o fez voltar-se para a porta.
– Eles estão aqui.
– Meu filho, gostaria que você me trouxesse mais. Encontro-me faminto por novatos.
Lash foi até a porta.
– Sem problemas.
Pelo menos quanto a isso estavam totalmente alinhados. Mais induzidos significava mais dinheiro, mais luta.
O Ômega veio por trás de Lash e houve um suave movimento de carícia quando uma mão negra percorreu sua coluna.
– Você é um bom filho.
Por uma fração de segundo, o coração escuro de Lash doeu. A frase era exatamente o que o vampiro que o havia criado dizia a ele de vez em quando.
– Obrigado.
Sr. D e os outros dois saíram do Lexus... e traziam o humano à frente. Não tinha ficado claro ainda para o pequeno bastardo que ele estava a alguns passos de distância de se tornar um cordeiro sacrifical. Mas na hora que lançasse apenas um olhar ao Ômega, a porcaria se tornaria clara como o soar de um sino.
CAPÍTULO 12
Quando John deitou-se virado para baixo e os passos do inimigo ficaram mais próximos, respirou pelo nariz e sentiu uma lufada de sujeira fresca. Em termos gerais, fingir de morto não era uma ideia brilhante, mas aquele filho da mãe todo feliz por ter um dedo no gatilho não se encaixava no perfil de alguém que se importava em ser cuidadoso ao atingir seu alvo ou não.
Atirar sem parar no meio de um parque público? Será que o idiota nunca ouviu falar sobre o departamento de polícia de Caldwell? Ou sobre o jornal Correio de Caldwell?
As botas pararam e aquele doce e sufocante cheiro que os redutores emanavam de sua pele quase o fez engasgar. Era engraçado como a vida e a morte chamam a atenção de seu esôfago.
Sentiu algo duro empurrar seu braço esquerdo, como se o assassino estivesse conferindo com a bota se estavam prontos para receber o cartão de identificação de algum necrotério. E então, neste exato momento, Qhuinn soltou um gemido baixo num local mais distante do abrigo.
Como se seu fígado estivesse vazando.
As botas se moveram ao longo do corpo de John enquanto o bastardo averiguava o que estava acontecendo e John abriu um olho. O assassino estava dando uma de ator de Hollywood, com a arma entre as mãos, balançando de um lado para o outro com mais aparência que eficácia. Ainda assim, embora parecesse um personagem saído da série Miami Vice, balas eram balas e precisaria apenas de um rápido movimento para John ficar bem na mira dele.
Mas John não se importava em ser atingido. Enquanto o filho da mãe marchava em direção aos gemidos de Qhuinn, uma imagem do rosto de Xhex fez John saltar do chão num único e ágil movimento. Aterrissou em cima das costas largas do redutor, agarrando-o com seu braço livre e as duas pernas enquanto colocava sua arma naquela têmpora pálida.
O assassino congelou por uma fração de segundo e John assoviou por entre os dentes: era o sinal para Qhuinn e Blay avançarem.
– Hora de soltar a arma, idiota – Qhuinn disse ao reaparecer. Então, sem dar tempo para o bastardo cumprir a ordem, estendeu a mão, apertou o antebraço do assassino e fez como se estivesse quebrando um graveto.
A ruptura do osso soou mais alto que o assovio de John e o resultado foi um pulso vacilante e uma arma não mais sob o controle do inimigo.
Enquanto o redutor começou a se contorcer de dor, sirenes soaram ao longe... e se aproximavam.
John arrastou o bastardo de volta para as portas duplas do galpão, e depois que Blay abriu caminho para entrarem, tirou sua presa de vista.
Com ênfase nas palavras, moveu os lábios para Qhuinn: Vá pegar seu carro.
– Se aqueles tiras estiverem vindo por nossa causa, teremos que dar o fora.
Não vou embora. Pegue o carro.
Qhuinn pegou as chaves e as jogou para Blay.
– Vá você. E nos tranque aqui dentro, entendeu?
Blay não desperdiçou nem um segundo, recuou e fechou a porta. Houve um som sutil de metal tinindo enquanto recolocava a corrente e depois um clique ao fechar o cadeado.
O redutor estava começando a lutar com mais força, mas isso não era ruim – queriam mesmo que recuperasse a consciência.
John virou o filho da mãe de bruços e puxou o pescoço para trás até entortar sua coluna.
Qhuinn sabia exatamente o que fazer. Ajoelhando-se, ficou cara a cara com o assassino.
– Sabemos que mantém uma fêmea em cativeiro. Onde ela está?
Quando as sirenes se intensificaram, o assassino conseguiu emitir apenas uma série de grunhidos, então John cedeu um pouco e permitiu o ar entrar por aqueles pulmões.
Qhuinn recuou a palma da mão e esbofeteou o redutor.
– Fiz uma pergunta, seu desgraçado. Onde ela está?
John aliviou mais um pouco, mas não a ponto de oferecer a possibilidade de uma fuga. Com mais de liberdade nos movimentos, o redutor estremeceu de medo, provando que apesar do filho da mãe ter se exibido todo com aquele tiroteio, ali, na hora do vamos ver, era apenas um jovem arruaceiro que trocou os pés pelas mãos.
O segundo tapa de Qhuinn foi mais forte.
– Responda.
– Não tem... prisioneira.
Quando Qhuinn projetou seu braço para trás novamente, o assassino recuou – sim, embora os desgraçados estivessem mortos, seus receptores de dor funcionavam muito bem.
– A fêmea sequestrada pelo seu líder redutor. Onde ela está?
John estendeu a mão e deu sua arma para Qhuinn. Em seguida, com a mão que agora estava livre, alcançou a parte de trás da cintura e retirou sua faca de caça. Nem foi preciso dizer que era o único que faria qualquer estrago real. Movimentou a lâmina e a colocou bem nos olhos do redutor. Um tremor selvagem se seguiu, mas a luta foi rapidamente contida, o corpo enorme de John cobriu o que estava sob ele.
– É melhor falar – Qhuinn disse secamente. – Confie em mim.
– Não conheço nenhuma mulher. – As palavras não eram nada além de um silvo, pois sua traqueia estava contraída pelo antebraço de John.
John deu um puxão para trás e o assassino gritou.
– Eu não sei!
As sirenes estavam gritando agora e no estacionamento havia o som de muitos pneus cantando.
Hora de ser cauteloso. O redutor já havia demonstrado total desconsideração pela única regra da guerra, por isso, enquanto se podia ter a certeza do silêncio com qualquer outro assassino, não era bem assim com o Sr. Bang Bang.
John encontrou o olhar de discordância de Qhuinn, mas o cara já tinha entrado com tudo na situação. Estendendo a mão para uma pilha de trapos engordurados, Qhuinn agarrou um e o enfiou na boca do redutor. Então, chegou o momento de congelar a cena.
Do lado de fora, as vozes dos tiras eram abafadas:
– Dê-me cobertura!
– Entendido.
Enquanto John colocava sua faca de lado para segurar o cara com as duas mãos, houve muitos ruídos de passos, a maior parte vindos de fora, ao longe. Mas, sem dúvida, chegariam até eles em algum momento.
Enquanto os homens de uniforme se espalhavam pelo parque, os rádios das viaturas forneciam uma eloquente trilha sonora para a averiguação inicial. O que não demorou muito. Em apenas alguns minutos, os policiais foram se agrupando em volta dos carros, bem próximos do galpão.
– Unidade 2-40 para base. A área está segura. Nenhuma vítima. Nenhuma execu...
Com um rápido pontapé, o redutor bateu numa lata de gasolina com sua bota. E foi praticamente possível ouvir todos aqueles canos de armas do departamento de polícia de Caldwell voltarem e apontarem para o galpão.
– Que porcaria é essa?
Lash sorriu quando os olhos do garoto se fixaram no Ômega. Embora estivesse coberto de vestes, teria que ser um idiota total para não perceber que havia alguma coisa fora do normal sob elas.
Quando aqueles pés começaram a se dirigir para fora da fazenda, a equipe de apoio do Sr. D alcançou o pequeno bastardo e o agarrou pelos braços.
Lash acenou com a cabeça em direção à mesa de jantar.
– Meu pai fará com ele ali.
– Fará o quê? – Agora havia pânico total, com o garoto agitando-se como um porco sendo estripado. Algo que não era nada comparado ao que viria.
Os assassinos o forçaram e o lançaram sobre a madeira esburacada, segurando-o pelos pés e tornozelos enquanto o Ômega avançava em meio a todos aqueles guinchos e agitação.
E quando o mal ergueu seu capuz, tudo ficou em silêncio.
O grito que saiu da boca do humano rasgou ar, ecoando até o teto, enchendo a decrépita casa com o barulho.
Lash recuou e deixou seu pai trabalhar, assistindo às roupas do humano serem desfiadas com um mero movimento daquela palma negra transparente. E então chegou o momento da faca. A lâmina capturava a luz do lustre barato que oscilava no teto sujo.
O Sr. D era quem ajudava com os aspectos técnicos – posicionando os baldes debaixo dos braços e pernas, correndo o tempo todo pelo local.
Lash estava morto quando suas veias foram drenadas; despertou apenas quando um choque que tinha sido gerado de só Deus sabe onde transcorrera por seu corpo. Então, era interessante ver como tudo funcionava: como o sangue era esvaziado do corpo. Como o tórax era aberto e Ômega cortava seu próprio pulso para gotejar óleo negro na cavidade. Como o mal evocava uma bola de energia a partir do ar rarefeito e a enviava para dentro do cadáver. Como a reanimação levava aquela energia que foi concedida para cada veia e artéria. A etapa final era a remoção do coração: o órgão murchava na palma da mão do Ômega antes de ser colocado num recipiente de cerâmica.
Enquanto Lash se lembrava de sua própria volta do mundo dos mortos, recordou-se de seu pai arrastando o Sr. D para servir como fonte de alimentação para ele. Precisava do sangue, pois já estava morto durante algum tempo naquele momento – e ainda era, pelo menos, meio vampiro. Aquele humano, por outro lado, acordaria com nada além de uma boca escancarada em meio a muita confusão.
Lash colocou a mão sobre seu próprio tórax e sentiu a batida de seu coração...
Algo estava vazando. Em sua manga.
Quando o Ômega começou a fazer coisas depravadas com o novato, Lash correu para o banheiro no andar de cima. Tirando o paletó, dobrou a coisa pela metade... e percebeu que não tinha nenhum lugar onde colocá-lo. Tudo estava coberto com pelo menos duas décadas de sujeira.
Cristo, por que ele não mandava alguém limpar o lugar?
Acabou pendurando a jaqueta num gancho e...
Oh. Mas que droga!
Ao erguer o braço, havia uma mancha preta bem em cima de onde havia colocado o curativo e na parte inferior de seu cotovelo havia uma área úmida.
– Maldição!
Rasgando os botões do punho, desabotoou a camisa e congelou quando baixou o olhar para seu tórax.
Ergueu os olhos para o espelho embaçado, e como se isso fosse mudar o que estava vendo, debruçou-se em direção ao vidro. Havia outra ferida em seu peitoral esquerdo, do mesmo formato e tamanho de uma moeda, como a primeira. E uma terceira próxima ao seu umbigo.
As asas do pânico lhe provocaram uma vertigem e segurou-se na pia. Seu primeiro pensamento foi correr até Ômega e pedir ajuda, mas se deteve – a julgar pelos gritos e grunhidos no andar de baixo, havia algo muito sério acontecendo na sala de jantar e só um idiota interromperia aquilo.
Ômega era inconstante por natureza, mas podia ser obcecado com certas coisas.
Apoiando as mãos na pia, Lash deixou a cabeça cair enquanto seu estômago vazio revirava e queimava. Teve que se perguntar quantas marcas mais tinha – e não queria saber a resposta.
Sua indução, renascimento, o que fosse, deveria ser permanente. Foi o que seu pai havia dito. Ele nasceu do mal e foi gerado de um poço escuro que era eterno.
Apodrecer em sua própria pele não fazia parte do acordo.
– Está tudo bem aí?
Lash fechou os olhos, o som da voz texana era como garras descendo por suas costas. Só que simplesmente não tinha energia para mandar o cara embora.
– Como estão as coisas lá embaixo? – perguntou ao invés de expulsá-lo.
O Sr. D limpou a garganta. E, ainda assim, a desaprovação o fez engasgar em suas palavras.
– Acredito que vá levar um tempo ainda, senhor.
Ótimo.
Lash forçou sua coluna a se endireitar e virou para encarar seu auxiliar...
Em um rápido movimento, suas presas apontaram em sua boca, e por um momento, não conseguiu compreender o porquê. Então percebeu que seu olhar estava fixo na jugular do cara.
No fundo da barriga de Lash, sua fome criou chifres e se descontrolou, debatendo-se e perfurando seu intestino.
Aconteceu muito rápido para deter aquilo, questionar ou pensar. Em um segundo estava em pé em frente a pia. No próximo, estava bem perto do Sr. D, empurrando as costas do redutor contra a porta e avançando com violência em direção à garganta do cara.
O sangue preto que atingiu sua língua era o tônico que precisava e o sugou com desespero, mesmo quando o texano lutou e em seguida ficou parado. Mas o filho da mãe não tinha com que se preocupar. Não havia nada sexual na sucção. Era nutrição, pura e simples.
E quanto mais ingeria, mais necessitava daquilo.
Erguendo o assassino contra seu tórax, alimentou-se como um louco.
CAPÍTULO 13
Quando o som da lata de combustível diminuiu, Qhuinn abaixou e se sentou sobre as pernas do filho da mãe. O bastardo pode ter conseguido dar um chute, mas não teria uma segunda chance.
Do lado de fora, os policiais humanos se reuniram ao redor do galpão.
– Está trancado – disse um deles ao agitar a corrente.
– Tem cápsulas de balas aqui no chão.
– Espere, há algo lá dentro... nossa, cara, que fedor.
– Seja lá o que for, está morto há pelo menos uma semana. Esse cheiro... até mesmo o cozido de atum da minha sogra é melhor que isso.
Houve uma onda de concordância.
Na escuridão, John e Qhuinn fecharam os olhos e esperaram. A única solução se a porta fosse aberta era desmaterializar e deixar o redutor para trás, não havia como mover o peso do assassino ao longo do ar rarefeito. Mas, possivelmente, nenhum daqueles policiais tinha a chave – então, entrar atirando era a única opção.
E havia grandes chances de concluírem que fazer um estardalhaço rápido só para entrar no galpão não valeria a burocracia que viria depois.
– Apenas um atirador, de acordo com a ligação que fizeram para a emergência. E não pode estar aqui dentro.
Houve uma tosse e uma maldição.
– Se estiver aí dentro, o nariz está caindo por causa do cheiro.
– Liguem para o responsável pelo parque – disse uma voz profunda. – Alguém tem que tirar esse animal morto daí. Enquanto isso, vamos fazer uma busca pela vizinhança.
Houve conversas e passos. Um pouco mais tarde, um dos carros partiu.
– Temos que acabar com ele – Qhuinn sussurrou sobre o ombro de John. – Pegue aquela faca, acabe com ele e vamos dar o fora daqui.
John balançou a cabeça. Não ia perder seu prêmio de jeito nenhum.
– John, não vamos sair com ele. Mate-o para que possamos sair daqui.
Mesmo Qhuinn não podendo ver seus lábios, John os moveu dizendo, Vá se ferrar. Ele é meu.
Deixar aquela fonte de informação escapar não ia acontecer. Se tivesse algum imprevisto, poderia lidar com a polícia humana mentalmente... ou fisicamente se fosse o caso.
Houve um som suave de uma faca sendo desembainhada.
– Lamento John, estamos caindo fora.
Não!, John gritou sobre o ombro sem emitir qualquer som.
As mãos de Qhuinn prenderam a gola da jaqueta de John e isso o desequilibrou, então ou ele teria que soltar o pescoço do assassino ou separar a cabeça do desgraçado da coluna. Uma vez que um redutor incapacitado não podia falar, John o soltou... e viu-se apoiando as mãos sobre o cimento frio.
Não havia qualquer possibilidade de deixar seu amigo o tirar dali.
Ao investir contra o macho, o mundo desabou. Ele e Qhuinn lutaram pelo controle da adaga, batendo em muito mais coisas do que latas de combustível, e o redutor se libertou e correu para a porta. Quando os policiais começaram a gritar, o assassino começou a bater na porta para sair...
O próximo som que sobressaiu o barulho foi um tiro.
Seguido por uma batida metálica.
A polícia tinha explodido o cadeado.
Do chão, John passou seu braço atrás da cintura, e ao girar sobre os joelhos, ele e Qhuinn atiraram suas adagas em sincronia, as lâminas viajaram sobre o espaço, através do local sombrio.
As perfurações foram de uma força tal, que mesmo acertando apenas o meio das costas do assassino, ficou evidente que as duas atingiram o alvo: com uma luz brilhante como um relâmpago e um estrondoso som, alto o suficiente para fazer ouvidos sangrarem, o redutor voltou para seu criador, deixando nada além de uma fumaça fedorenta... e um buraco do tamanho de uma geladeira na porta do galpão.
Com a adrenalina em níveis tão altos, nem ele nem Qhuinn conseguiram se desmaterializar, então saltaram e ficaram escondidos um em cada lado da porta, parados enquanto um cano de arma, seguido de outro, entrava.
Antebraços foram os próximos.
Em seguida, perfis e ombros. E lanternas.
Felizmente, os humanos entraram por completo.
– Psiu. Seu zíper está aberto. – Enquanto os policiais se viravam para o engraçadinho do Qhuinn, John sacou suas duas pistolas SIG, e com uma rápida batida sobre aquelas cabeças, os policiais viram estrelas e mergulharam no chão.
Foi neste exato momento que Blay apareceu com o carro.
John pulou sobre os policiais e correu em direção ao Hummer com Qhuinn atrás, aquelas botas New Rock que o idiota insistia em usar batiam com força na terra. John abriu caminho para a porta lateral que Blay tinha aberto, acionando a maçaneta do carro e lançando-se dentro enquanto Qhuinn deslizava no banco traseiro.
Enquanto Blay arrancava, acelerando o motor e caindo fora dali, John ficou agradecido por precisarem lidar com apenas um grupo de policiais – embora, com certeza, os outros dois caras com distintivos estariam de volta assim que possível.
Estavam seguindo para o norte em direção à estrada, quando John saltou para o banco de trás... e trancou suas mãos ao redor da garganta de Qhuinn.
Quando voltaram à briga, Blay gritou da frente.
– O que há de errado com vocês dois?
Não havia tempo para responder. John estava ocupado apertando e Qhuinn estava tentando dar a ele um olho roxo... e estava conseguindo.
A quase cem quilômetros por hora. Nos arredores do centro da cidade. Com o carro possivelmente identificado se algum daqueles tiras tivesse se recuperado o suficiente para focar suas pupilas enquanto Blay os tirava da confusão.
E uma briga acontecendo.
Mais tarde, John iria perceber que, evidentemente, só havia um lugar que Blay poderia ir.
Na hora que o cara parou no estacionamento do Sal – atrás do restaurante, onde não havia luzes – havia sangue escorrendo de John e Qhuinn. E a luta acabou apenas quando John foi puxado da porta por Trez – o que sugeria que o ruivo havia telefonado antes. Qhuinn foi tratado de forma similar por iAm.
John cuspiu para limpar sua boca e encarar todos eles.
– Acredito que podemos chamar isso de empate, garotos – Trez disse com um meio sorriso. – O que vocês acham?
Enquanto John era liberado, a raiva o fez tremer. Aquele redutor poderia ter sido a única coisa que precisavam para descobrir o local... a história... qualquer coisa. E por Qhuinn ter insistido em perder o bastardo, não estavam mais perto de onde tinham que estar. Além disso, havia o fato de que o redutor tinha morrido com muita facilidade. Apenas um furo na cavidade do coração e pronto... podia voltar para junto do Ômega.
Qhuinn limpou a boca com as costas da mão.
– Pelo amor de Deus, John! Acha que eu não quero encontrá-la? Acha que eu não ligo? Cristo, tenho saído todas as noites com você, procurando, pesquisando, rezando por uma pausa em tudo isso. – Apontou seu dedo diretamente para ele. – Então, veja se consegue entender. Sermos pegos com um redutor sangrando por um bando de humanos não vai nos ajudar. Quer contar ao Wrath como rolou com aquele cara? Eu não. E se alguma vez colocar uma arma na minha cara de novo, vou acabar com você, não importa qual seja o meu trabalho.
John não confiava em si mesmo para responder. No entanto, uma coisa estava clara: se não tivesse a esperança de tirar algo desse tal Benloise, estaria acabando com todo mundo agora sem se importar quem estivesse tentando impedi-lo. Sombra ou qualquer outra coisa.
– Você está me ouvindo? – Qhuinn perguntou. – Fui claro?
John deu alguns passos, mãos nos quadris, cabeça baixa. Enquanto seu temperamento começava a esfriar, seu lado lógico sabia que seu amigo estava certo. Também tinha total consciência de ter perdido a maldita cabeça temporariamente naquele galpão. Tinha mesmo colocado uma arma calibre quarenta no rosto de seu amigo?
A lucidez súbita revirou seu estômago.
Se não alinhasse as coisas agora, teria mais problemas que uma fêmea desaparecida. Acabaria morto, ou porque estava sendo negligente em combate ou porque Wrath daria a ele um belo chute no traseiro.
Olhou para Qhuinn. Cara, a dura expressão naquele rosto com piercing estava bem perto de chegar ao ponto extremo de onde uma amizade não conseguia se recuperar... O tipo de coisa que não tinha nada a ver com Qhuinn ser um cara durão, mas sim por John ser o tipo de idiota que ninguém quer andar junto.
Foi em direção ao macho e não estava surpreso quando Qhuinn se manteve firme apesar da briga no carro. Quando estendeu a mão, houve uma longa pausa.
– Não sou o inimigo, John.
John assentiu, concentrando-se na lágrima tatuada embaixo do olho do cara. Retraindo a mão, gesticulou:
Sei disso. Eu apenas... preciso encontrá-la. E se o assassino fosse o caminho?
– Talvez fosse... mas a situação ficou crítica e vai ter que escolher a si mesmo ao invés dela algumas vezes. Porque se não fizer isso, não haverá chance alguma de descobrir o que aconteceu. Não poderá procurá-la se estiver dentro de um caixão.
Não conseguia encontrar uma maneira de argumentar com isso.
– Então, escute, seu louco idiota, estamos nisso juntos – Qhuinn disse suavemente. – E estou aqui para certificar de que não acorde morto. Entendo o seu lado, entendo mesmo. Mas você tem que trabalhar comigo.
Eu vou matar Lash, John sinalizou apressado. Vou segurar a garganta dele em minhas mãos e vou encarar aqueles olhos enquanto ele morre. Não me importo com o quanto isso possa me custar... mas as cinzas dele vão ser derramadas no túmulo dela. Eu juro por...
O que ele tinha para jurar? Não tinha seu pai. Não tinha sua mãe.
Juro pela minha própria vida.
Qualquer outro teria tentado aplacá-lo com alguma conversa mole sobre “tenha fé, você precisa acreditar”.
Mas Qhuinn bateu em seu ombro.
– Já disse o quanto o amo ultimamente?
Todas as noites que sai comigo para me ajudar a encontrá-la.
– Não é por causa do maldito trabalho.
Desta vez, quando John estendeu a mão, seu amigo a usou para puxá-lo num forte abraço. Depois Qhuinn o empurrou e checou o relógio em seu pulso.
– Deveríamos estar a caminho da Avenida St. Francis.
– Vocês têm dez minutos. – Trez colocou seu braço ao redor do cara e começou a andar em direção à porta dos fundos que dava para a cozinha. – Vamos limpar vocês. Pode deixar o carro na porta dos fundos. Vou trocar as placas enquanto estiverem fora.
Qhuinn olhou para Trez.
– Isso é mesmo muito legal da sua parte.
– Sim, sou um príncipe, certo. E para provar isso, ainda vou dizer tudo que sei sobre Benloise.
Enquanto John os seguia para dentro, o fato de não ter conseguido nada do assassino o deixou mais focado, o enrijeceu, o deixou mais decidido ainda.
Lash não ia deixar Caldwell. Não podia. Enquanto fosse o cabeça da Sociedade Redutora, lutaria de igual para igual com a Irmandade, e os Irmãos não se moveriam da cidade... a Tumba estava lá. Assim, ainda que os vampiros civis tivessem se dispersado, Caldwell continuava sendo o ponto central da guerra, pois não haveria vitória para o inimigo se os Irmãos ainda respirassem.
Cedo ou tarde, Lash abriria uma brecha e John estaria lá.
Mas a maldita espera podia desgastar um homem, podia mesmo. Cada noite que se arrastava com nada de novo e com nada acontecendo de fato... era uma eternidade no inferno.
CAPÍTULO 14
Quando Lash finalmente liberou a veia do Sr. D, empurrou-o como se fosse um prato sujo depois de uma refeição. Curvando-se sobre o balcão, deleitou-se com o fato de sua fome ter sido saciada. Seu corpo já parecia mais forte. Mas agora se sentia totalmente apático, algo que sempre acontecia depois que se alimentava.
Tomava da garganta de Xhex periodicamente apenas para se divertir, mas era evidente que apenas aquilo não era o suficiente para encher o estômago.
Será que poderia viver de... redutores?
Não, ele nunca trilhou aquele caminho. Nunca tinha trilhado. Não havia qualquer possibilidade de ficar se agarrando na garganta de homens com alguma regularidade.
Erguendo o braço, checou o relógio. Dez minutos para as dez. E parecia um mendigo. Sentia-se como um também.
– Limpe-se – disse ao Sr. D. – Tenho algumas coisas que precisa fazer.
Quando começou a dar as ordens, sua boca tropeçava nas palavras que pronunciava.
– Entendeu? – disse.
– Sim, senhor. – O texano olhou ao redor do banheiro como se estivesse procurando uma toalha.
– Lá embaixo – Lash estalou. – Cozinha. E precisa buscar uma troca de roupa para mim e trazer até aqui. Ah, e enquanto estiver na casa de arenito, coloque um pouco mais de comida no quarto.
O Sr. D apenas assentiu com a cabeça e saiu, andando com as pernas bambas.
– Deu um celular ao novo recruta? E um documento de identificação? – Lash perguntou em seguida.
– Estão dentro da mochila. E já enviei uma mensagem de texto com o número.
O filho da mãe era um excelente assistente pessoal mesmo.
Enquanto Lash inclinava-se no chuveiro e girava as torneiras na parede de azulejo, não teria ficado surpreso se não saísse nada ou se escorresse apenas um rastro fino de lama marrom. No entanto, estava com sorte. Água fresca e limpa caiu da ducha e ele rapidamente se despiu.
Sentia-se bem ao se lavar, era como se estivesse reiniciando seu corpo.
Depois que terminou, usou sua camisa para se secar e em seguida foi para o quarto. Deitado, fechou os olhos e colocou a mão sobre seu estômago, onde as feridas estavam. O que era uma idiotice. Não era o caso de precisar protegê-las.
Quando os sons que vinham do andar de baixo pareciam indicar que as coisas estavam progredindo, ficou aliviado... e um pouco surpreso. Os ruídos já não eram mais dolorosos e assustados; estavam indo para o território do pornô, os gemidos e grunhidos cresciam como resultado de orgasmos.
Você é gay?, lembrou-se do garoto perguntando.
Talvez ele tivesse pensado algo do tipo “espero que sim”.
Tanto faz. Lash não queria parecer muito acabado perto de seu pai, então com alguma sorte o novo recruta seria usado por um tempo.
Lash fechou os olhos e tentou deixar os pensamentos distantes de sua cabeça. Planos para a Sociedade, pensamentos sobre Xhex, a frustração pela coisa toda sobre alimentação... suas ondas cerebrais se fundiram em um turbilhão, mas seu corpo estava cansado demais para sustentar sua consciência.
Parecia que ele...
Foi ao cair no sono que teve a visão. Nítida e clara, veio de dentro dele, não ao seu encontro, entrou em sua mente de algum lugar e empurrou todas as outras preocupações para fora do caminho. Viu-se andando no terreno da propriedade onde havia crescido, indo sobre o gramado em direção à grande casa. No interior, as luzes estavam brilhando e as pessoas estavam se movimentando pela casa... exatamente como na noite em que tinha entrado e assassinado aqueles dois vampiros que o criaram. No entanto, aqueles não eram os perfis das pessoas que conhecia. Eram diferentes. Eram os humanos que haviam comprado a casa.
À direita estava o leito coberto de hera onde havia enterrado seus pais.
Viu-se em pé sobre o lugar onde tinha cavado o buraco e depositado os corpos. Ainda estava um pouco irregular, apesar de algum jardineiro ter plantado novos brotos de hera sobre o local.
Ajoelhando-se, estendeu a mão... só para ver que o braço não pertencia a ele.
Era como seu verdadeiro pai: uma sombra negra e cintilante.
Por alguma razão, a revelação o deixou em pânico e tentou despertar a si mesmo. Debatia-se em sua pele imóvel.
Mas já tinha afundado demais para se desvencilhar daquilo.
A galeria de arte de Ricardo Benloise ficava no centro da cidade, próximo ao complexo do hospital St. Francis. O edifício elegante de seis andares destacava-se no meio dos outros “arranha-céus” dos anos 1920 graças a uma reforma que implantou aço inoxidável na parte externa e janelas do tamanho das portas de um celeiro.
Era algo como uma jovem atriz radiante sentada ao lado de um monte de viúvas.
Quando John e os garotos apareceram na calçada em frente à fachada, viram que o lugar estava agitado. Através daqueles imensos painéis de vidro, podia ver homens e mulheres vestidos de preto carregando taças de champanhe enquanto inspecionavam a arte que havia nas paredes. As quais, pelo menos vistas da rua, pareciam ser uma fusão entre uma pintura a dedo de uma criança de cinco anos e o trabalho de um sádico com um fetiche por pregos enferrujados.
John não ficou impressionado com a refinada rotina vanguardista – e, como sempre, não tinha a menor ideia de porque tinha uma opinião formada sobre arte. Como aquilo poderia ter alguma importância?
Trez havia dito para darem a volta pelos fundos, então ele e seus amigos deram a volta no quarteirão e entraram no beco atrás da galeria. Considerando que a frente do lugar era muito atraente e acolhedora, o oposto se fazia verdadeiro nos fundos do negócio. Sem janelas. Tudo pintado de preto fosco. Duas portas lisas e uma doca de carga que estava mais trancada que um cinto de castidade.
Baseado na informação de Trez, a “arte” que era discutida por aqueles arrogantes cheios de si aspirantes a Warhol, não era o único produto que entrava e saía do lugar. O que deixava claro o motivo daquele monte de câmeras de segurança dispostas na saída dos fundos.
Felizmente, havia muitas sombras para se esconder, e ao invés de andar em direção a todas aquelas lentes, desmaterializaram-se até o alto de uma pilha de madeira num canto escuro.
A cidade ainda estava cheia de vida àquela hora, a buzina dos carros, as sirenes distantes da polícia e os gemidos dos ônibus municipais marcavam o ar frio com uma sinfonia urbana...
Na extremidade do beco, um carro virou e apagou as luzes ao avançar em direção à galeria.
– Bem na hora – Qhuinn sussurrou. – E é aquele Lexus.
John respirou fundo e rezou por uma pausa antes que perdesse seu amado juízo.
O sedan rodou até parar em paralelo com a doca de carga e a porta se abriu.
Quando a luz interna se acendeu... o pequeno redutor do parque, o que cheirava a desodorante Old Spice, saiu de um carro vazio. Sem Lash.
O primeiro instinto de John foi saltar sobre o assassino... mas de acordo com Trez, Lash deveria estar na reunião. Se interrompessem seus planos, havia grande chance de ser avisado.
E considerando as novas habilidades de Lash, o fator surpresa era importante na missão.
Por um momento, John se perguntou se deveria mandar uma mensagem de texto aos Irmãos. Colocá-los a par da situação. Conseguir um reforço de peso... Só que no instante em que pensou nisso, sua vingança endireitou-se e rugiu.
E foi exatamente isso que o fez enfiar a mão no bolso e tirar o celular. Enquanto o assassino dirigia-se para dentro, a mensagem que enviou para Rhage foi breve e direta: St. Francis, 189. Lash a caminho. 3 de nós no beco dos fundos.
Quando colocou o celular de volta no bolso, podia sentir Blay e Qhuinn olhando-o por cima do ombro. Um deles deu a ele um aperto de aprovação.
Acontece que Qhuinn estava certo. Se o objetivo era realmente derrubar Lash, havia melhores chances de pegá-lo se tivessem ajuda. E precisava ser inteligente sobre isso... porque a estupidez evidentemente não ia levá-lo onde precisava estar.
Um momento depois, Rhage se materializou na entrada do beco com Vishous e a dupla avançou. Hollywood era o cara certo para procurar quando se tratava de Lash, pois o Irmão carregava a única arma que poderia ficar de igual para igual com o bastardo: aquele dragão o acompanharia a qualquer lugar que fosse.
Os dois apareceram bem ao lado de John, e antes que qualquer um deles pudesse perguntar, começou a gesticular:
Preciso ser aquele quem vai matar Lash. Deu pra entender? Tem que ser eu.
Vishous assentiu imediatamente com a cabeça e assinalou: Conheço sua história com aquele lixo. Mas se isto chegar a um ponto onde for preciso escolher entre você ou o filho da mãe, sua honra será ignorada e vamos interceder. Ficou claro?
John respirou fundo, pensando que a extrapolação funcionou bem o suficiente para um porquê. Vou pegá-lo antes que você precise interceder.
É justo.
Todos congelaram quando o redutor que tinha dirigido o Lexus voltou a sair, colocou-se atrás do volante... e saiu como se a reunião tivesse sido cancelada.
– Telhado – disse Rhage, desaparecendo.
Com uma maldição interior, John entendeu a mensagem e materializou-se no topo do edifício de Benloise. Observando sobre a borda do telhado, assistiu ao carro parar em um farol da Avenida St. Francis. Felizmente, o assassino respeitava as leis e acionou a seta para a esquerda, então John dispersou suas moléculas e se materializou dois prédios abaixo. Enquanto o carro prosseguia, repetiu a ação várias vezes até que o redutor pegou um caminho à direita para a zona mais antiga de Caldwell.
Onde os telhados planos terminavam e tudo o que tinha para aterrissar era um monte de casas pontiagudas, seguindo o estilo vitoriano.
Ainda bem que as solas de suas botas de combate eram antiderrapantes.
Ficando numa posição igual a uma gárgula, John empoleirou-se sobre as torres, claraboias e soleiras de telhados, seguindo sua presa pelo ar... até que o Lexus virou num beco e se escondeu atrás de uma fileira de casas de arenito.
John conhecia o bairro apenas superficialmente – de sua única excursão para o porão de Xhex, que estava próximo – mas não era um território comum para a Sociedade Redutora. Geralmente seus refúgios localizavam-se em códigos postais com menos visibilidade.
Então, só havia uma explicação. Lash estava ali.
Um cara como ele, que viveu em meio ao luxo, roupas boas e essa coisa toda, precisaria de um transplante de personalidade para ser capaz de se contentar com algo menos que um bom imóvel. Havia crescido rodeado disso e sem dúvida pensava que tinha direito ao luxo.
O coração de John começou a bater forte e rápido.
O Lexus parou na frente de uma garagem, e quando a porta se abriu, entrou. Um momento depois, o pequeno assassino caminhou através de um jardim aos fundos de uma das melhores casas de arenito da região.
Rhage apareceu ao lado de John e gesticulou: Você vai para os fundos comigo. Vishous e os garotos irão se desmaterializar direto na porta da frente. V. já esta na varanda e diz que não há aço.
Quando John assentiu, os dois se desmaterializaram para baixo reaparecendo num terraço de ardósia... bem no momento em que o redutor abriu uma porta que parecia dar numa cozinha gourmet. Esperaram um momento, congelados no tempo e espaço, enquanto o assassino desativava um sistema de segurança.
O fato de que a coisa precisava ser ativada não significava necessariamente que Lash estava lá dentro. Redutores precisam de intervalos para se recarregar e só um idiota ficaria sozinho numa casa sem segurança.
Mas John precisava acreditar que o que estava procurando estava ali dentro.
CAPÍTULO 15
Xhex estava sentada na poltrona perto da janela quando ouviu um barulho em cima do telhado. O som abafado foi alto o suficiente para tirá-la do exercício mental que fazia para se manter sã.
Olhou para o teto...
Lá embaixo, o sistema de segurança foi desativado e sua audição perspicaz ouviu a coisa sendo desarmada. E, em seguida, ouviu os passos leves do redutor que lhe trazia comida...
Alguma coisa estava estranha. Alguma coisa... simplesmente não estava certa.
Endireitando-se na cadeira, ficou tensa da cabeça aos pés e lançou sua sondagem mental. Embora não pudesse enviar sinais sympatho, sua capacidade de sentir grades emocionais ainda funcionava... e foi assim que soube que havia alguém além do assassino na casa.
Alguns corpos. Dois nos fundos. Três na frente. E as emoções das pessoas que tinham cercado a casa de arenito eram próprias de soldados: calma mortal, concentração absoluta.
Mas não eram redutores.
Xhex ficou em pé.
Jesus... Cristo. Eles a encontraram. Os Irmãos finalmente a encontraram.
E a emboscada foi executada no momento exato. No andar de baixo, ouviu um grito de surpresa, uma luta corpo a copo e o barulho das botas enquanto o reforço chegava vindo do outro lado.
Mesmo que apenas Lash pudesse ouvi-la, começou a gritar tão alto quanto podia na esperança de que, pela primeira vez, pudesse alcançar algo além dos muros invisíveis de sua prisão.
John Matthew não conseguia acreditar que o redutor não sabia que estavam lá. A não ser que o desgraçado não estivesse bem de alguma maneira, mas devia saber do fato de que havia vampiros em todo o lugar. Mas não... foi direto ao que interessava, entrando e deixando a maldita porta aberta.
A primeira regra da infiltração é tomar o controle, e assim que John cruzou o limiar da casa de arenito, subjugou o redutor puxando os braços do filho da mãe para trás de suas costas, forçando seu rosto sobre o chão e sentando-se sobre seu traseiro como se fosse um piano de cauda. Enquanto isso, Rhage passou como uma rajada de vento ao mesmo tempo que V. e os rapazes emergiram na cozinha vindos da sala de jantar.
Quando o primeiro andar da casa foi revistado rapidamente, John sentiu um arrepio descer por suas costas... como se uma faca de lâmina afiada estivesse sendo passada sobre sua coluna. Olhando ao redor, não conseguiu entender a origem da sensação, então sufocou o instinto.
– Porão – Rhage sussurrou.
Vishous desceu com o Irmão.
Com os rapazes deixados para protegê-lo, John foi capaz de se concentrar no redutor abaixo dele. O desgraçado estava muito quieto, muito parado. Respirava, mas era só isso.
Será que bateu alguma coisa quando caiu no chão? Estava sangrando? Geralmente revidavam.
Chutavam latas de combustível, por exemplo.
Enquanto procurava por sinais de hemorragia ou outros ferimentos, John girou a cabeça dele sem dar qualquer oportunidade para o assassino se libertar. Agarrando o cabelo do filho da mãe, puxou a cabeça e...
Encontrou algo que com certeza não foi causado pela luta. No lado esquerdo do pescoço do assassino, havia dois furos e uma ferida circular causada por sucção.
Qhuinn aproximou-se e ajoelhou.
– Quem esteve trabalhando no seu pescoço, garotão?
O redutor não respondeu. Em seguida, V. e Rhage se desmaterializaram do porão e foram para o segundo andar.
Enquanto os Irmãos se moviam silenciosamente pela casa, Qhuinn segurou a mandíbula do assassino.
– Estamos procurando por uma fêmea. E pode facilitar as coisas para você se nos disser onde ela está.
O redutor franziu a testa... e, lentamente, moveu os olhos para cima.
Isso era tudo que John precisava.
Lançou-se para frente, agarrando a mão de Blay e empurrou-a para baixo, até o assassino. Quando o cara mudou de mãos, John saltou e correu através de uma sala de jantar e de um corredor. A escada era ampla e acarpetada, permitindo movimentos excelentes ao subir três degraus por vez. Quanto mais subia, mais seus instintos gritavam.
Xhex estava na casa.
Assim que chegou ao topo, Rhage e V. apareceram na frente dele, bloqueando o caminho.
– A casa está vazia...
John interrompeu Rhage. Ela está aqui. Está em algum lugar. Sei disso.
Rhage pegou seu braço.
– Vamos descer e perguntar ao assassino. Conseguiremos mais informação assim...
Não! Ela está aqui!
Vishous deu um passo na frente de John, seu olhar de diamante brilhava.
– Ouça-me, filho. Vai voltar a descer as escadas.
John estreitou os olhos. Não queriam apenas que ele descesse. Não o queriam ali.
O que encontraram? Nenhuma resposta. O que encontraram?
Desvencilhando-se dos dois, ouviu Rhage amaldiçoar quando V. pulou na frente de uma porta.
A voz de Hollywood parecia fraca.
– Não, V., deixe-o. Apenas deixe-o seguir em frente... ele já odeia Lash o suficiente para uma vida inteira.
O olhar de V. brilhou como se fosse argumentar, mas depois pegou um cigarro de sua jaqueta e afastou-se com um palavrão.
Com sua nuca tão tensa quanto um punho, John irrompeu em direção à porta e derrapou até parar. A tristeza no local era um limiar tangível que precisava ultrapassar. Seu corpo penetrou a parede fria da desolação apenas por ter forçado seus pés a seguirem em frente.
Ela estava sendo mantida ali.
Xhex era mantida... e ferida ali.
Seus lábios se separaram e começou a respirar pela boca quando seus olhos observaram os arranhões nas paredes. Havia muitos deles, juntamente com manchas pretas... e outras, de sangue seco que eram de um vermelho profundo.
John aproximou-se e passou as mãos por uma ranhura tão profunda que o papel de parede havia dado lugar ao sarrafo e gesso que havia abaixo dele.
Suas inalações ficaram mais fortes e as exalações mais curtas à medida que andava ao redor do cômodo. A cama estava uma bagunça total, os travesseiros espalhados no chão, o edredom emaranhado...
Havia sangue nele.
Estendendo a mão, pegou um dos travesseiros e o segurou com cuidado. Levando-o até seu nariz, inalou... e sentiu uma versão mais forte daquilo com que sonhava todas as noites: o aroma de Xhex.
Seus joelhos enfraqueceram e caiu como uma pedra jogada na água parada, colidindo na lateral do colchão. Enterrando o rosto naquela superfície suave, puxou-a para si, sua fragrância era como uma memória persistente, tangível e evasiva ao mesmo tempo.
Ela tinha estado ali. Recentemente.
Olhou para os lençóis ensanguentados. As paredes ensanguentadas.
Tinha chegado tarde demais.
O rosto de John se umedeceu e sentiu algo escorrer pelo queixo, mas não dava a mínima. Foi consumido com o pensamento de que tinha chegado tão perto de salvá-la... mas não perto o suficiente.
O soluço que irrompeu em sua garganta soou realmente alto.
Ao longo de toda sua vida, Xhex acreditou que não tinha um coração propenso a se partir. Suspeitou por muito tempo que isso era resultado de seu lado sympatho, um tipo de condição congênita que a endureceu diante de coisas que faziam a maioria das fêmeas se perderem nesse sentido.
Contudo, descobriu que estava errada.
Ao ficar ao lado de John Matthew e assistir seu enorme corpo se curvar para baixo ao lado da cama, o órgão que batia atrás de seu peito quebrou-se como um espelho.
Nada além de cacos.
Ficou absoluta e completamente arruinada quando ele pegou aquele travesseiro como se fosse um recém-nascido e, naquele momento de total desespero, teria feito qualquer coisa para amenizar a dor dele: mesmo não fazendo ideia do porquê ele se sentia assim, as razões não tinham importância.
O sofrimento dele era primordial.
Enfraquecida, ajoelhou-se ao lado dele, seus olhos enviavam a trágica imagem diretamente ao núcleo de seu cérebro.
Sentiu como se tivesse passado um século desde a última vez que o viu e, Deus, ainda estava tão bonito... até mais do que ela se lembrava em seus momentos de calma. Com seu perfil forte e rígido e seus extraordinários olhos azuis, sua face era a de um soldado e tinha aquele corpo enorme combinando com os traços, a largura de seus ombros equivalia a três dos ombros dela. Toda sua roupa era de couro, exceto a camiseta que usava sob a jaqueta e seu cabelo estava praticamente raspado, como se não estivesse mais dando a mínima para isso e estivesse cortando a coisa com uma máquina zero.
Havia sangue de redutor na frente de sua jaqueta e na camiseta.
Havia matado alguém naquela noite. E talvez tenha sido por isso que a encontrou.
Bem, quase a encontrou.
– John? – a voz de um macho soou suavemente.
Ela olhou para a porta, mesmo ele não tendo feito isso. Qhuinn estava com os Irmãos Rhage e Vishous.
De uma maneira ausente, observou o choque no rosto dos Irmãos... e teve a sensação de que não sabiam que havia qualquer ligação séria entre ela e John. Porém, sabiam agora. Alto e claro.
Quando Qhuinn entrou e se aproximou da cama, seu tom de voz continuou gentil.
– John, já estamos aqui há meia hora. Se formos perguntar sobre Xhex àquele redutor lá embaixo, precisamos fazer isso rápido. Não queremos fazer isso aqui e eu sei que quer estar a cargo das coisas.
Oh, Deus... não...
– Leve-me com você – Xhex sussurrou desesperadamente. – Por favor... não me deixe aqui.
De repente, John olhou para ela, como se ouvisse sua súplica.
Só que não, estava apenas olhando para seu amigo através dela.
Ao assentir com a cabeça, ela memorizou seu rosto, sabendo que aquela seria a última vez que o veria. Quando Lash descobrisse sobre o arrombamento, iria matá-la sem hesitar ou levá-la para outro lugar... e havia grandes chances de que não sobrevivesse tempo suficiente para ser encontrada novamente.
Erguendo a mão, mesmo que não adiantasse, colocou-a ao lado do rosto de John e passou o polegar sobre o rastro de suas lágrimas. Imaginava que quase podia sentir o calor de sua pele e a umidade em suas bochechas.
Teria dado qualquer coisa para poder envolvê-lo em seus braços e mantê-lo perto de si. Mais ainda para ir com ele.
– John... – ela disse roucamente. – Oh, Deus... por que está fazendo isso consigo mesmo?
Ele franziu a testa, mas sem dúvida era por causa de alguma coisa que Qhuinn estava dizendo. Só que quando afastou sua mão, John colocou a dele sobre o local onde ela havia tocado.
Contudo, foi apenas para enxugar as lágrimas.
Quando se levantou, pegou o travesseiro e passou através dela.
Xhex viu John se afastar, seu sangue trovejava nos ouvidos. Aquilo era, de alguma forma, um eco do processo de morte, pensou. Pouco a pouco, centímetro a centímetro, o que a ligava à vida foi indo embora, partindo, desaparecendo. A cada passo que John dava em direção à porta, sua respiração evaporava em seus pulmões. Seu coração estava parando. Sua pele estava ficando fria.
Sua possibilidade de resgate estava indo embora. Sua possibilidade de...
Foi então que soube o que era aquela dor que ela escondia tão bem dentro do peito, e pela primeira vez não sentiu nenhuma inclinação para esconder suas emoções. Não precisava. Embora John estivesse ali com ela, Xhex estava completamente sozinha e separada dele: sua própria mortalidade esclareceu suas prioridades.
– John – ela sussurrou.
Ele fez uma pausa e olhou por cima do ombro em direção à cama.
– Eu te amo.
Seu belo rosto contorceu-se de dor e esfregou o meio do peito, como se alguém tivesse pegado seu coração e apertado até matá-lo.
Então, virou-se.
O corpo de Xhex negou-se a se entregar. Com um salto frenético, ela correu para a porta aberta, os braços esticados, os lábios separados.
Quando bateu nos limites de sua prisão, ouviu um barulho, como uma sirene... ou o assovio de fogos de artifício depois que eram acionados pelo fogo... ou talvez fosse o alarme do sistema de segurança disparando.
Mas não era nada disso.
Estava gritando a plenos pulmões.
CAPÍTULO 16
John teve que se afastar daquele quarto. Se não tivesse sido pelo raciocínio lógico e a necessidade de acabar com aquele redutor, não teria sido capaz de mover suas botas nem um centímetro.
Poderia jurar que sentiu a presença dela... mas sabia que era um truque de sua mente criado por sua missão. Ela não estava no quarto. Ela esteve no quarto. Duas coisas completamente diferentes... e sua única chance de descobrir o que aconteceu com ela estava lá embaixo na cozinha.
Ao se dirigir para o térreo, esfregou os olhos e o rosto. Sua pele estava formigando... mais ou menos como aconteceu nas poucas vezes que Xhex o tinha tocado.
Deus... o sangue naquele cômodo. Todo aquele sangue. Tinha lutado com Lash, e apesar de ser uma fonte de orgulho pensar que ela também tinha atacado aquele desgraçado, não podia suportar a realidade do que tinha acontecido naquele quarto.
John se dirigiu para a esquerda e atravessou a sala de jantar, tentando trazer sua cabeça de volta ao lugar enquanto sentia como se sua pele tivesse sido arrancada e jogado em carne viva no oceano. Empurrou a porta dupla para entrar na cozinha e...
No instante que seus olhos encararam aquele redutor, um terremoto reverberou dentro dele e sentiu perder o chão.
Sua boca se esticou e soltou um grito mudo.
Ao se lançar para frente, a raiva liberou as presas de sua boca e seu corpo entrou no piloto automático, desmaterializando no espaço e tomando forma na frente do bastardo. Tirando Blay de cima do assassino, o vampiro vinculado que existia dentro de John atacou com uma ferocidade que tinha apenas ouvido falar... mas que nunca tinha visto.
Com certeza também nunca tinha vivenciado.
Com sua visão esbranquiçada e seus músculos energizados pela loucura, ele era ação pura, nenhum pensamento lhe veio enquanto atacava, suas mãos tornaram-se garras, suas presas afiadas como adagas, sua ira interna era tamanha que o transformava em um animal.
Não tinha ideia de quanto tempo levou... ou mesmo o que fez. A única coisa que registrou em sua consciência turva foi aquele cheiro doce que sentia.
Algum tempo mais tarde... uma vida mais tarde... fez uma pausa para recuperar o fôlego e descobriu que estava de quatro, com sua cabeça pendendo enquanto respirava sem fôlego, seus pulmões queimavam pelo esforço. As palmas de suas mãos estavam plantadas no piso que estava escorregadio com sangue negro e algo estava pingando de seu cabelo e de sua boca.
Cuspiu algumas vezes tentando se livrar do gosto ruim, mas o que quer que fosse não estava apenas em torno de sua língua e dentes, estava na parte de trás de sua garganta e em seu intestino. Seus olhos também estavam ardendo e embaçados.
Estava chorando de novo? Não se sentia mais triste... sentia-se vazio.
– Jesus... Cristo... – alguém disse em voz baixa.
De repente, vencido pelo cansaço, John permitiu que seu cotovelo relaxasse e deslocou seu peso para o lado. Deitando sua cabeça em estado de apatia, fechou os olhos. Não tinha forças. Tudo que podia fazer era respirar.
Algum tempo depois, ouviu Qhuinn falar com ele. Sua educação inata fez com que assentisse com a cabeça mesmo sem fazer a mínima ideia do que estava acontecendo.
Ficou momentaneamente surpreso quando sentiu mãos em seus ombros e pernas e suas pálpebras conseguiram se abrir enquanto era levantado.
Estranho. Os balcões e armários estavam brancos quando entraram ali pela primeira vez. Agora... estavam pintados de preto brilhante.
Delirando, perguntou-se por que alguém teria feito aquilo.
Preto não era bem uma cor acolhedora.
Fechando os olhos, sentiu os solavancos e movimentos ao ser carregado e, em seguida, foi erguido uma última vez e depois aterrissou seu corpo em um banco. Motor de carro ligado. Portas fechadas.
Estavam seguindo um caminho. Sem dúvida para o complexo da Irmandade.
Antes de apagar completamente, levou a mão ao rosto. O que o fez perceber que tinha esquecido o travesseiro.
Acordou de repente e levantou-se, como se tivesse ressuscitado dos mortos.
E Blay estava lá com o que tinha pegado.
– Veja. Certifiquei-me de não sairmos sem isso.
John pegou o que ainda cheirava a Xhex e curvou seu enorme corpo em torno dele. E essa foi à última coisa que se lembraria da viagem de volta para casa.
Quando Lash acordou, estava exatamente na mesma posição que estava antes de adormecer: deitado de costas, braços cruzados sobre o peito... como um cadáver num caixão. Antes, quando ainda era um vampiro, movimentava-se durante o sono diurno, geralmente acordando de lado com sua cabeça debaixo de um travesseiro.
Quando se sentou, a primeira coisa que fez foi averiguar as lesões em seu peito e estômago. Inalteradas. Não pioraram, mas estavam inalteradas. E seu nível de energia não teve uma melhora significativa.
Apesar do fato de ter dormido... Jesus Cristo, três horas? Que diabos estava acontecendo?
Ainda bem que teve o bom senso de adiar aquela reunião com Benloise. É melhor não se encontrar com um homem como aquele quando você parece estar sob o efeito de um porre de uma semana e meia.
Colocando as pernas para fora da cama, preparou-se e depois moveu-se para fora do colchão, levantando-se por completo. Enquanto seu corpo se movimentava, não ouvia nada além de silêncio no andar de baixo. Oh... espere. Alguém estava vomitando. O que significava que o Ômega tinha terminado de fazer o que lhe interessava com o novo recruta e o garoto começaria uma divertida sessão de seis a dez horas de vômito.
Lash pegou a camisa manchada e seu terno e perguntou-se onde diabos estava sua nova troca de roupas. Não levaria três horas para o Sr. D ir até Benloise, reagendar a reunião, ir até a casa de arenito, alimentar Xhex e pegar um novo conjunto de roupas em seu armário.
Descendo as escadas, Lash discou para o Sr. D. Quando o correio de voz atendeu, disparou:
– Onde diabos está minha roupa, idiota?
Desligou e olhou ao longo do corredor até a sala de jantar. O novo recruta não estava mais sobre a mesa; estava parcialmente embaixo dela e se debruçava sobre um balde, fazendo movimentos convulsivos de vômito, mas sem expelir nada, como se houvesse um rato em seu intestino que não conseguia encontrar a saída.
– Vou deixá-lo aqui – Lash disse alto. Isso causou uma pausa e o recruta o olhou. Seus olhos estavam avermelhados e havia algo como água suja saindo de sua boca aberta.
– O que está... acontecendo comigo?
Voz reduzida. Palavras também.
A mão de Lash foi para a ferida no peito e sentiu dificuldade em respirar enquanto pensava mais uma vez que os recrutas nunca ficavam sabendo da história toda. Nunca sabiam o que esperar ou a totalidade do valor daquilo que abriram mão e o que receberiam em troca.
Nunca tinha pensado em si mesmo como recruta antes. Era o filho, não mais uma engrenagem na máquina do Ômega. Mas o quanto realmente sabia?
Obrigou-se a afastar sua mão da lesão.
– Você ficará bem – disse bruscamente. – Tudo... ficará bem. Vai desmaiar em breve e quando acordar... se sentirá a mesma pessoa, só que melhor.
– Aquela coisa...
– É meu pai. Você ainda trabalhará para mim, como eu disse. Isso não mudou.
Lash se dirigiu até a porta enquanto o desejo de ir embora surgia muito forte para ser combatido.
– Mandarei alguém para você.
– Por favor... não me deixe. – Olhos lacrimejantes imploravam e uma mão manchada se estendia. – Por favor...
As costelas de Lash se contraíram com força, comprimindo seus pulmões a ponto de não funcionarem direito, até que não conseguia mais sugar ar para sua garganta.
– Alguém virá para você.
Fora da porta, fora da casa, fora da confusão. Correu até sua Mercedes, foi para trás do volante e se trancou no carro. Acelerando para fora da pequena garagem da casa da fazenda, precisou dirigir por quase cinco quilômetros antes de conseguir respirar corretamente e só quando viu os arranha-céus do centro da cidade sentiu-se mais como ele mesmo.
Enquanto se dirigia para a casa de arenito, ligou mais duas vezes para o Sr. D e foi atendido pelo correio de voz e... correio de voz outra vez.
Virando à direita no beco da garagem, estava quase atirando o telefone pela janela por causa da frustração...
Diminuindo a velocidade, deixou outro carro passar por ele... mas não diminuiu apenas para ser educado. A porta da garagem da casa de arenito estava aberta e o Lexus do Sr. D estava estacionado ali dentro. Não era o protocolo.
Isso e todas as chamadas não atendidas eram uma bandeira vermelha do tamanho do Texas e o primeiro pensamento de Lash foi sobre Xhex. Se aqueles Irmãos filhos da mãe a levaram, iria pregá-los no gramado e deixar o sol acabar com eles bem lentamente.
Fechando os olhos, aguçou seus instintos... e depois de um momento, conseguiu sentir o Sr. D, mas seu sinal era fraco. Quase imperceptível.
Era evidente que o filho da mãe tinha sido machucado, mas ainda não estava totalmente acabado.
Quando um carro veio por trás dele e buzinou, percebeu que estava parado no meio da pista.
Normalmente, seu primeiro movimento teria sido meter o Mercedes na garagem e se materializar dentro da casa com os punhos posicionados para a luta... mas estava, na melhor das hipóteses, com a bandeira a meio mastro, muito lento e zonzo. E, no caso dos Irmãos ainda estarem lá dentro, aquele não era o momento de se envolver com seu inimigo.
Mesmo redutores poderiam acordar mortos. Até o filho do mal poderia ser enviado para casa.
Mas e quanto à sua fêmea?
Afetado por um terror estranho e frio, Lash afastou-se do beco, virou a primeira a direita e então virou outra vez. Enquanto circulava pela frente de sua casa, rezou como uma pequena vadia para que ela ainda estivesse...
Olhando para as janelas do segundo andar, viu-a no quarto e seu alívio foi tão poderoso que sua respiração o deixou num chiado. Não importava o que poderia ter acontecido naquela casa, não importa quem tivesse se infiltrado, Xhex ainda estava no lugar que a deixou: o rosto dela era nítido para ele e só para ele. Conseguia enxergá-la do outro lado do vidro, seus olhos estavam erguidos para o céu e suas mãos levantadas em sua garganta.
Que imagem linda, pensou. Seu cabelo estava crescendo e começava a enrolar, e a luz do luar em suas maçãs do rosto salientes e lábios perfeitos era absolutamente romântica.
Ela ainda era dele.
Lash obrigou-se a continuar dirigindo. O importante era que ela estivesse segura onde estava – sua prisão invisível era impenetrável por qualquer vampiro, humano ou redutor, fosse ele um Irmão ou apenas um velho idiota com uma arma e atitude.
E se fosse até lá e iniciasse um confronto com os Irmãos? E se fosse ferido? Ele a perderia, pois aquele feitiço que a prendia tirava energia dele para se manter. Já estava tendo bastante dificuldade para convocar forças e manter o feitiço – e apesar de desprezar sua fraqueza, era muito realista.
Morria de vontade de ir até ela. Com certeza morria.
Mas era a decisão certa. Se quisesse mantê-la ali, teria que deixá-la para trás até o amanhecer.
Levou um tempo para perceber que estava dirigindo sem rumo, mas a verdade é que a ideia de voltar a ficar em algum daqueles ranchos horríveis que a Sociedade Redutora possuía o fazia querer arrancar a pele de seu rosto.
Cara, será que o amanhecer não ia chegar nunca...?
Em dado momento, não conseguiu acreditar que estava tão fraco que precisava parar no acostamento. Mas estava tendo problemas em manter sua cabeça erguida e seus olhos abertos ao volante. Ao começar a trilhar pela ponte oeste de Caldwell, percebeu que aquilo não era apenas o cansaço de sempre. As feridas poderiam muito bem ser das batalhas com Xhex, mas a exaustão era...
A resposta lhe ocorreu enquanto olhava para as pistas no sentido leste. Era tão óbvio, e ainda assim lhe golpeou com tanta força que seu pé abrandou no acelerador.
Leste e oeste. Esquerda e direita. Noite e dia.
Claro que se alimentar do Sr. D tinha ajudado apenas superficialmente.
Precisava de uma fêmea. Uma fêmea redutora.
Por que não se deu conta disso antes? Vampiros machos eram fortalecidos apenas pelo sangue do sexo oposto. E embora o lado de seu pai fosse muito dominante, era evidente que restava uma boa parte do lado vampiro que precisava ser alimentado.
Só depois que tomou da veia do Sr. D que sentiu parcialmente satisfeito.
Bem, isso mudava tudo... e dava a Xhex um novo futuro.
CAPÍTULO 17
Os sons da luta sangrenta lá em baixo chegaram até os ouvidos de Xhex, e considerando o fedor que agora entrava através da porta do quarto, só poderia imaginar o que havia sido feito ao pequeno redutor que trazia a comida dela.
Aparentemente uma parte do primeiro andar tinha acabado de ser redecorada com estampas feitas de assassinos.
Ficou surpresa que os Irmãos optaram por esquartejar o bastardo membro por membro pela casa. Pelo que ela sabia, Butch O’Neal normalmente inalava os assassinos para impedi-los de voltar para o Ômega. Mas lá embaixo? Ficaria surpresa se houvesse qualquer coisa que pudesse ser recolhida sem um esfregão.
A não ser que fosse uma mensagem para Lash.
Após o barulhento caos do massacre, houve um estranho período de silêncio e, em seguida, muitos passos. Estavam saindo porque não havia mais nada para matar.
O pânico voltou a surgir em seu peito e o esforço para se acalmar novamente era quase físico... mas ela não ia se abater. Tudo que tinha nessa situação era ela mesma. Sua única arma era a mente e o corpo, coisas que Lash não poderia tirar dela.
Se perdesse isso, poderia dar-se por morta.
Caramba, se perdesse, não poderia levar Lash junto com ela.
A realidade da situação era onde encontraria forças para continuar, essa força focaria suas emoções quando, de outra maneira, essas mesmas emoções teriam feito tudo voar pelos ares levando a lógica com elas. Trancou tudo, fechando tudo que havia sentido quando esteve ao lado de John Matthew.
Nada conseguiria passar. Nada se infiltraria.
Passando para o modo de guerra, percebeu que não tinha ouvido um estalo ou visto o reflexo de um brilho, portanto não tinham apunhalado o assassino. E o cheiro estava tão vívido que podia apostar que tinham deixado o corpo para trás.
Lash iria enlouquecer por perdê-lo. Já tinha escutado ele interagir com o pequeno texano e, apesar de ter negado, estava ligado ao bastardo. O que ela precisava fazer era explorar essa fraqueza nele. Atacá-lo ainda mais quando estivesse confuso. Talvez seus alicerces cederiam de alguma maneira...
Em meio ao silêncio e ao cheiro doce, andou pelo quarto e acabou na janela. Sem pensar no campo de força, colocou as duas mãos para cima e inclinou-se contra os batentes...
Xhex pulou para trás, esperando uma onda de dor.
Ao invés disso... só sentiu um formigamento.
Havia algo diferente em sua prisão.
Protegendo a cabeça, voltou a tocar a barreira com as palmas das mãos, pressionando-as contra a sua contenção. Precisava de completa e absoluta objetividade para avaliar as coisas – mas o fato era que a mudança era tão óbvia que até mesmo distraída teria registrado isso: havia fraqueza dentro da trama da magia. Uma fraqueza inconfundível.
A questão era: por quê? E perguntava-se também se ficaria ainda mais fraca ou se aquilo era algo que precisava aproveitar agora.
Seus olhos percorreram a janela. Visualmente, não havia nada fora do normal com sua prisão e colocou a mão no vidro, só para ter certeza... sim, estava certa.
Será que Lash tinha morrido? Será que foi ferido?
Naquele momento, uma grande Mercedes preta passou em frente da casa e sentiu o filho da mãe dentro do carro. E talvez tenha sido por ele já ter tomado sua veia ou porque a barreira estava enfraquecendo, mas sua grade emocional estava cristalina para seu lado sympatho: estava se sentindo isolado. Ansioso. E... fraco.
Bem, bem, bem...
Aquilo dava credibilidade ao enfraquecimento que sentia. E mostrava porque ele ainda não tinha ido atrás dela cheio de vontade. Se ela fosse Lash e se não estivesse se sentindo particularmente forte, esperaria o amanhecer antes de entrar.
Ou sairia correndo e conseguiria alguns reforços realmente bons.
Por outro lado, foi para isso que fizeram os celulares, não é?
Quando o Mercedes deixou o bairro e não mostrou sinais de que retornaria, deu dois passos para trás da janela. Enrijeceu as coxas, agachou-se em posição de combate, fechou os punhos e posicionou o corpo ligeiramente para trás em seus quadris. Respirou fundo, concentrou-se e...
Estalando seu punho direito com toda a força de seu ombro, socou a barreira com força suficiente para que, se tivesse sido a mandíbula de um macho, teria quebrado em pedaços.
A magia a empurrou de volta, mas apareceram ondulações ao redor do quarto, sua cela cintilou como se estivesse se recuperando após um ferimento. Antes que pudesse haver uma recuperação completa, lançou outro soco...
O vidro do outro lado da barreira quebrou com o impacto.
A princípio ficou parada como uma estúpida... mesmo quando sentiu a brisa no rosto e olhou para as juntas dos dedos sangrando para confirmar que não havia outra razão pela qual a janela teria quebrado.
Caramba...
Considerando rapidamente suas potenciais saídas estratégicas, olhou por cima do ombro em direção à porta que John e os Irmãos tinham deixado aberta.
A última coisa que queria fazer era atravessar a casa, pois não conhecia muito bem o lugar e não fazia ideia do que poderia encontrar ao longo do caminho. Mas o instinto lhe disse que provavelmente estava fraca demais para se desmaterializar – então, se tentasse pular pela janela, não sabia se seria capaz de desaparecer no ar.
Nesse caso, seria liquidada ao atingir a calçada.
A porta aberta era sua melhor opção. Poderia usar seu próprio corpo como um punho, e ao se projetar correndo, teria muito mais poder junto dela.
Virando-se, colocou os ombros contra a parede, respirou profundamente... e correu pelo quarto, as solas de seus pés dirigiam seu peso sobre o chão, seus braços em movimento.
Atingiu a barreira e a dor foi incandescente, disparando através de cada célula do seu corpo, acendendo-a de dentro para fora. A agonia a cegou no mesmo momento em que a magia tentou mantê-la no lugar, prendendo-a dentro de suas fronteiras e deixando-a tão fraca quanto uma condenada...
Só que em seguida, houve uma ruptura ao longo das barreiras invisíveis de sua prisão... e ela acabou do lado de fora daquele quarto.
Quando seu corpo se soltou, bateu na parede do corredor, ao ponto de achar que tiraria uma camada de tinta com seu rosto e peito ao cair no chão.
Com a cabeça girando e os olhos cheios de luzes piscando, deu um jeito de continuar. Estava fora do quarto, mas não estava livre.
Olhando para trás, viu um resquício do feitiço se restaurar... e imaginou se a ruptura da barreira não teria enviado algum tipo de sinal para Lash.
Vai... agora... sai... corre!
Arrastando-se para sair do chão e atravessar o corredor, alcançou as escadas com as pernas bambas, cambaleando, tropeçando. No saguão de entrada, o cheiro de sangue do redutor a atingiu a ponto de fazê-la engasgar e afastou-se disso, embora não por causa de seu nariz. Todas as saídas e entradas na casa ficavam nos fundos. Já que não tinha nada além de um pouco de tempo a seu favor, precisava se concentrar em encontrar outra saída.
A porta da frente era uma coisa enorme com a ornamentação esculpida e com vidros sobre os quais haviam sido instaladas grades de ferro. Mas tudo que tinha como fechadura era um cadeado simples.
Hora de tirar o doce da criança.
Aproximou-se, colocou a mão sobre o mecanismo da tranca e concentrou o que havia restado de sua energia no deslocamento dos parafusos. Um... dois... três... e o quarto.
Abrindo bem a porta, estava com um pé para fora quando ouviu o rangido de alguém entrando na cozinha.
Oh droga, Lash estava de volta. Tinha voltado por ela.
Em um instante ela se foi, o pânico lhe deu asas das quais sua mente focada fez bom uso. Considerando a condição em que estava, sabia que não iria chegar muito longe e decidiu que o melhor que poderia fazer era ir para o seu porão. Pelo menos lá poderia estar a salvo enquanto se recuperava.
Xhex tomou forma na alcova protegida que levava para seu estúdio e fez saltar as trancas de cobre com a mente. Quando passou pela porta, as luzes com sensores de movimento se acenderam no corredor pintado de branco e ergueu o braço para proteger os olhos enquanto tropeçava descendo as escadas. Trancando a porta com seus pensamentos, disparou para frente, percebendo vagamente que estava mancando.
O impacto na parede? Os tropeços pelas escadas? Quem saberia o que tinha acontecido ou se importava com isso?
Entrou em seu quarto e o trancou. Quando as luzes automáticas ligaram, olhou para a cama. Lençóis brancos e limpos. Travesseiros arrumados. Edredom sem rugas.
Não conseguiu chegar até o colchão. Quando os joelhos falharam, deixou-se levar, seu esqueleto desmoronou sobre si mesmo até ser apenas um amontoado de gravetos cobertos por pele.
Não foi o sono que a chamou quando golpeou o chão. Mas tudo bem.
Perder a consciência funcionava melhor mesmo.
Blaylock entrou outra vez na casa de arenito com Rhage e Vishous apenas vinte minutos depois de terem saído com John. Assim que o levaram de volta ao complexo, retornaram para terminar a varredura das instalações: desta vez, procuravam por coisas pequenas como identidades, computadores, dinheiro, drogas, qualquer coisa que lhes proporcionasse alguma informação útil.
Tendo visto a carnificina que John Matthew fez no local, Blay procurou não registrar as consequências disso ao entrar na cozinha e imediatamente começou a abrir os armários e gavetas. Vishous se dirigiu até o segundo andar, enquanto Rhage vasculhava a frente da casa.
Estava começando a fazer o que precisava quando Rhage gritou:
– A porta da frente está aberta.
Então alguém tinha voltado ao local desde que tinham saído com John dali. Redutor? Não era provável, já que nunca teriam deixado tudo sem proteção. Talvez um ladrão humano? Os Irmãos não tinham trancado a porta dos fundos quando saíram, então talvez alguém tivesse entrado ali tranquilamente.
Se foi um humano, foi presenteado com uma bela visão. Talvez isso explicasse a saída precipitada pela outra porta.
Blay sacou a arma apenas no caso de ter alguém na casa, e foi rápido ao fazer uma busca. Encontrou dois celulares numa gaveta com as facas, e os dois estavam descarregados – mas V. resolveria isso. Havia também alguns cartões de visita perto do telefone, mas eram todos de humanos envolvidos na construção civil – que provavelmente foram usados para trabalhar na casa de arenito.
Estava vasculhando os armários sob o balcão, quando franziu a testa e olhou para cima. Bem na frente dele estava um prato de maçãs frescas.
Olhando para baixo na direção do fogão, viu alguns tomates. E um pedaço de pão francês numa embalagem de papel.
Endireitando-se, caminhou até a geladeira e abriu a coisa. Leite orgânico. Produtos de um mercado especializado em comida natural e orgânica. Um peru fresco pronto para ser cozido. Bacon canadense defumado.
Não era exatamente comida para uma prisioneira.
Blay olhou para o teto, onde passos pesados soavam enquanto V. se deslocava de quarto em quarto. Então seus olhos percorreram a cozinha como um todo, desde o casaco de caxemira dobrado sobre um banquinho, as panelas de cobre empilhadas nas prateleiras abertas e até a cafeteira que estava cheia.
Tudo era de marca, novo e mais organizado que a imagem de um catálogo.
Realmente estava a altura dos padrões de Lash... mas redutores não deveriam ser capazes de comer. Portanto, a menos que estivesse tratando Xhex como uma rainha, algo que era muito improvável... alguém comia com regularidade naquela casa.
A despensa estava logo depois da cozinha e Blay passou através dos restos do assassino para dar uma busca rápida no lugar: alimentos enlatados o suficiente para manter uma casa por um ano.
Estava saindo quando seus olhos encontraram alguma coisa no chão: havia uma série de arranhões sutis no piso perfeito de madeira... e estavam dispostos em forma de meia lua.
Os joelhos de Blay rangeram quando se agachou e tirou do caminho um aspirador de pó. A parede parecia alinhada e não se via interrupção por nenhuma emenda indevida, mas depois de uma rápida busca, batendo com os nós dos dedos, encontrou um espaço oco. Tirando sua faca, usou o punho como um dispositivo de sonar para determinar as dimensões exatas do buraco escondido, então virou a arma e penetrou com a ponta da lâmina na fresta.
Forçando a abertura da tampa, pegou uma lanterna e iluminou dentro.
Um saco de lixo. Preto como o sangue de um redutor.
Arrastando-o para fora, abriu-o.
– Mas que... porcaria é essa?
Rhage apareceu por trás dele.
– O que tem aí?
Enfiou a mão dentro e tirou um bolo de notas enrugadas.
– Dinheiro. Muito dinheiro.
– Pegue. V. encontrou um laptop e uma janela quebrada no andar de cima que não existia antes. Fechei a porta da frente apenas para os seres humanos não começarem a se intrometer. – Olhou para o relógio. – Precisamos dar o fora antes de o sol começar a nascer.
– Entendido.
Blay pegou o saco e deixou o espaço aberto e violado, imaginando que quanto mais evidências de roubo, melhor. Mas não era como se os pedaços do redutor pudessem ser ignorados.
Se ao menos pudesse ver o rosto de Lash quando o filho da mãe chegasse à casa...
O grupo saiu pelos fundos de volta ao jardim e ele e Rhage se desmaterializaram enquanto Vishous fez uma ligação direta no Lexus.
É claro que prefeririam ficar e esperar para ver o que aconteceria. Mas não havia nenhuma negociação com o amanhecer.
De volta à mansão da Irmandade, Blay entrou no saguão de entrada com Hollywood e havia um comitê de recepção esperando por eles. Assim que todo o espólio foi entregue a Butch para que fosse examinado, Blay subiu para o quarto de John.
Sua batida foi respondida por um grunhido, e quando abriu e entrou, viu Qhuinn sentado numa poltrona junto à cama. A lâmpada sobre a mesa ao lado lançava uma piscina de luz amarela dentro da escuridão, iluminando tanto ele quanto a montanha deitada debaixo do edredom.
John estava desmaiado.
Qhuinn, por outro lado, estava se enchendo de tequila, a garrafa da marca Seleccion Suprema estava em seu cotovelo e seu copo de cristal estava cheio de tequila, bebida que há pouco tempo tinha se tornado sua preferida.
Cristo, ele com aquilo e John acabado na cama fez Blay pensar que precisava atualizar sua própria bebida. De repente, a cerveja pareceu algo imaturo.
– Como ele está? – Blay, perguntou suavemente.
Qhuinn tomou um gole.
– Bastante agitado. Liguei para Layla. Precisa se alimentar.
Blay aproximou-se da cama. Os olhos de John estavam apertados, suas sobrancelhas estavam franzidas com tanta força que parecia estar tentando resolver uma lei da física em seu sono. Seu rosto estava pálido de uma maneira extraordinária, seu cabelo parecia mais escuro e sua respiração era muito superficial. Suas roupas tinham sido removidas e a maior parte do sangue do redutor foi lavada.
– Tequila? – Qhuinn ofereceu.
Blay levantou sua mão para o cara sem olhar, ainda focado em seu amigo. O que bateu em sua mão foi o copo em vez da garrafa, mas não se importava e bebeu num gole só.
Bem, pelo menos agora sabia por que Qhuinn gostava da coisa.
Quando devolveu o copo, cruzou os braços sobre o peito e ouviu o som calmo do líquido que voltava a encher o recipiente. Por alguma razão, o som encantador da bebida cara batendo no cristal o acalmou.
– Não posso acreditar que ele chorou – murmurou Blay. – Quero dizer... posso, mas foi uma surpresa.
– É óbvio que ela foi presa naquele quarto. – A garrafa de tequila foi colocada de volta na mesa com uma batida sutil. – E nós a perdemos.
– Ele falou alguma coisa?
– Não. Nem mesmo quando o empurrei no chuveiro e entrei com ele.
Certo, essa era uma informação que Blay podia passar sem. Ainda bem que John não o viu dessa maneira – houve uma batida suave na porta e uma lufada de perfume de canela e especiarias. Blay aproximou-se e deixou Layla entrar, curvando-se a ela numa reverência.
– Como posso ajudar...? – A Escolhida franziu a testa e olhou para a cama. – Oh, não... está ferido?
Enquanto ela ia até John Matthew, Blay pensou, “Sim, mas principalmente por dentro”.
– Obrigado por ter vindo – Qhuinn disse enquanto levantava-se da cadeira. Inclinando-se sobre John, empurrou seu ombro gentilmente. – Ei, cara, pode acordar por um segundo?
John levantou como se estivesse lutando contra a maré, erguendo a cabeça lentamente, as pálpebras reviravam para cima e para baixo como se houvesse uma corrente de água em seu rosto.
– Hora de se alimentar. – Sem olhar por cima do ombro, Qhuinn fez um sinal para Layla estendendo a mão. – Precisamos que se concentre um pouco mais e então vamos deixá-lo sozinho.
A Escolhida fez uma pausa... em seguida, avançou. Lentamente, pegou a mão que lhe foi estendida, deslizando sua pele contra a de Qhuinn e se aproximou com um tipo de beleza tímida que fez Blay sentir pena dela.
Considerando o rubor que de repente se acendeu em seu rosto, teve a sensação de que, assim como todo mundo, parecia que tinha uma queda por Qhuinn.
– John... meu amigo? Vamos lá, preciso que preste atenção aqui. – Qhuinn puxou Layla para que a Escolhida sentasse na cama, e no instante em que deu uma boa olhada em John, sua atenção voltou-se completamente a ele.
– Senhor... – Sua voz era calma e emitia uma gentileza absurda ao puxar a manga de sua túnica. – Senhor, acorde e tome o que posso lhe oferecer. Realmente precisa.
John começou a balançar a cabeça, mas Qhuinn soube controlar a situação.
– Quer ir atrás de Lash? Não vai conseguir nesse estado. Não consegue nem levantar a sua maldita cabeça... desculpe a linguagem, Escolhida. Precisa de um pouco de força... Vamos lá, não seja um imbecil, John.
Os olhos díspares de Qhuinn encararam Layla e ele articulou um desculpe com a boca. E ela deve ter sorrido para ele, porque por um momento, ele inclinou a cabeça como se houvesse sido golpeado.
Ou talvez ela apenas tenha articulado com a boca algo em resposta.
Tinha que ser isso.
Sem dúvida.
E então, as cabeças dos dois penderam para baixo e Layla ofegou quando as presas de John se aprofundaram e começou a tomar o que ela ofereceu. Evidentemente satisfeito, Qhuinn voltou para onde estava e encheu o copo outra vez. Depois de ter bebido metade, estendeu a coisa em direção a Blay.
A melhor ideia que alguém havia tido em anos. Blay se posicionou contra o alto encosto da poltrona, colocando um braço ao longo da coisa enquanto tomava um gole e depois outro, antes de devolver a tequila.
Ficaram assim, compartilhando a bebida enquanto John se alimentava de Layla... E em algum momento durante o processo daqueles dois tipos de nutrição, Blay percebeu que estava colocando os lábios na mesma borda em que Qhuinn bebia.
Talvez fosse o álcool. Talvez fosse o copo. Talvez fosse o fato de que, de onde estava, sentia o cheiro de Qhuinn a cada respiração...
Sabia que tinha que sair.
Queria dar apoio a John, mas a cada minuto que passava, inclinava-se para mais e mais perto de Qhuinn. Ao ponto de sua mão pendurada na cadeira estar quase acariciando aquele cabelo negro e grosso.
– Tenho que ir – disse bruscamente, devolvendo o copo pela última vez e se dirigindo à porta.
– Você está bem? – Qhuinn perguntou.
– Sim. Durma bem e cuide-se, Layla.
– Não precisa se alimentar? – Qhuinn perguntou.
– Amanhã.
A Escolhida disse algo agradável e gentil, mas não tinha volta. Não. Não podia voltar.
E por favor, Deus, que não topasse com ninguém no corredor.
Não verificou o estado, mas sabia quando estava excitado... e isso era uma coisa que, não importava o quão educado um macho fosse, não conseguia esconder sob uma roupa de couro apertada.
CAPÍTULO 18
No Outro Lado, Payne andava de um lado para outro ao redor da fonte de sua mãe, seus pés fazendo círculos na piscina onde a água caía. Enquanto espirrava a água, prendeu sua túnica e ouvia os passarinhos coloridos, que pousavam na árvore branca em um canto. Os pequeninos gorjeavam, voando de galho em galho, bicando uns aos outros, agitando suas penas.
Ela não entendia como eles consideravam essa atividade tão limitada digna de se acordar todas as manhãs.
No santuário não se tinha a concepção de tempo, mas mesmo assim desejava um relógio de bolso ou até um relógio despertador para saber quanto o Rei Cego estava atrasado. Tinham uma sessão de luta marcada todas as tardes.
Bem, à tarde para ele. Para ela, presa daquele lado, era sempre manhã.
Imaginou quanto tempo exatamente tinha se passado desde que sua mãe a tinha libertado daquele congelamento profundo e permitido um pouco de liberdade. Não havia jeito de descobrir. Wrath começou a aparecer regularmente há uns... quinze dias? E ela havia sido reanimada talvez... bem, muito antes disso. Mais de seis meses, talvez?
A verdadeira questão era quanto tempo tinha ficado presa congelada a sete chaves – não que fosse perguntar à sua mãe sobre isso. Não estavam se falando. Até que aquela fêmea “divina” que lhe tinha dado a luz estivesse preparada para deixá-la sair dali, Payne não tinha nada a dizer.
Para dizer a verdade, o tratamento do silêncio não parecia estar fazendo nenhuma diferença, mas não esperava que fizesse. Quando sua mãe é a criadora da raça e não responde a ninguém, nem mesmo ao rei... é bastante fácil ficar presa em sua própria vida.
Quando sua caminhada de lá para cá ao longo da fonte se intensificou e sua vestimenta começou a ficar molhada, saltou para fora da piscina e correu ao redor, os punhos a sua frente socavam o ar.
Ser uma boa e obediente Escolhida não estava em sua configuração e esta era a raiz de todos os problemas entre ela e sua mãe. Oh, que desperdício! Oh, que decepção!
Oh! Supere, querida mamãe!
Aquelas normas de comportamento e crença eram para outra pessoa. E se a Virgem Escriba estava procurando por outro fantasma de manto branco para andar por aí em silêncio pelas salas climatizadas, devia ter escolhido outro pai para seus filhos.
A característica vital de Bloodletter estava em Payne, os traços de seu pai foram passados até a próxima geração...
Payne se virou e encontrou o punho de Wrath vindo em sua direção. Com um bloqueio de antebraço e uma tesoura, chutou o fígado dele. O rei foi rápido ao revidar e o cotovelo em forma de martelo que se voltou para ela era um abalo já esperado.
Um desvio rápido a fez perder o equilíbrio. Outro chute dela fez o rei dar um salto para trás – embora fosse cego, tinha uma habilidade infalível para saber exatamente onde ela estava no espaço.
O que significava que ele percebeu que ela atacaria seu flanco. Na verdade, já estava girando em torno de seu peso, pronto para socá-la nas costas com a sola da bota.
Payne mudou de ideia, jogou-se no chão, e com as duas pernas o pegou pelo tornozelo, fazendo-o perder o equilíbrio. Um movimento rápido para a direita e estava fora do caminho de seu corpo enorme e cambaleante, outro salto e estava trancada nas costas dele ao cair com força, prendendo o pescoço dele num estrangulamento na dobra do cotovelo. Para ganhar vantagem extra, pegou seus pulsos e usou os bíceps contra a garganta dele.
A maneira do rei de lidar com isso? Virou-se sobre ela.
Sua incrível força bruta lhe deu o poder para aguentar o peso dos dois e levantar. Em seguida, ele deu um salto no ar que os fez aterrissar com ela por baixo, achatada sobre o mármore.
Um ótimo colchão para se jogar – ela podia sentir seus ossos praticamente se torcendo.
No entanto, o rei era, acima de tudo, um macho de valor, e em deferência à sua musculatura inferior, nunca a manteve por baixo por muito tempo. O que a irritava. Ela preferia uma disputa de habilidades sem barreiras, mas havia diferenças entre os sexos que não eram negociáveis: os machos eram simplesmente maiores e, portanto, mais fortes.
Por mais que se ressentisse do fato biológico, não havia nada a ser feito a esse respeito. E era uma satisfação extra sempre que, devido a sua velocidade, conseguia acertar um bom golpe nele.
O rei foi ágil quando se colocou em pé e virou-se, seus longos cabelos negros circularam no ar antes de descansarem em seu quimono branco. Com as lentes escuras cobrindo os olhos e aquele tremendo conjunto de músculos, ele era magnífico, o melhor da linhagem vampira, sem nenhuma diluição em sangue humano ou qualquer outra coisa.
Embora aquilo fizesse parte do seu problema. Tinha ouvido falar que sua cegueira era resultado de todo aquele sangue puro.
Quando Payne se levantou, suas costas tiveram um espasmo, mas ignorou a dor aguda e encarou seu oponente outra vez. Agora, foi ela quem saiu se balançando e cortando o ar e, para um macho cego, a habilidade de Wrath de se esquivar era totalmente incrível.
Talvez fosse por isso que nunca havia se queixado de sua deficiência. Mas eles pouco se falavam, o que não tinha problema algum para ela. Embora quisesse saber como era sua vida lá no Outro Lado.
Como invejava sua liberdade.
Continuaram com a luta, aproximando-se dos arredores da fonte, depois pelas colunas e atravessando a porta que dava no santuário. E voltavam. E avançavam outra vez.
Os dois estavam machucados e sangrando no final da sessão, mas isso não os incomodava. Assim que as mãos caíssem para os lados e nenhum outro golpe fosse trocado, as lesões iriam começar a se curar.
O último golpe foi dado por ela e foi um soco direto, pegando o queixo do rei e jogando sua cabeça para trás, seu cabelo voou outra vez.
Sempre pareciam concordar, sem dizer nada, quando era hora de parar.
Acalmaram-se andando um ao lado do outro até a fonte, alongando seus músculos, estalando seus pescoços de volta ao lugar. Juntos, lavaram os rostos e punhos na água clara e limpa e se secaram em toalhas macias que Payne havia pedido para ter sempre a mão.
Apesar do fato de trocarem golpes e não palavras, começou a pensar no rei como um amigo. E confiar nele como um.
Era a primeira vez que tinha uma amizade.
E realmente eram apenas amigos. Mesmo que fosse possível admirar seus consideráveis atributos físicos, não havia nenhuma fagulha de atração entre eles – e isso fazia parte da razão pela qual aquilo dava certo. Não se sentiria à vontade de nenhuma outra maneira.
Não, não estava interessada em nada sexual vindo dele ou de qualquer outra pessoa. Vampiros machos tinham a tendência de assumir o controle, especialmente os de raça. Não podiam evitar – era, afinal, uma questão do sangue determinar o comportamento. Já tinha o suficiente com relação a alguém opinando sobre sua vida. A última coisa que precisava era de outra pessoa fazendo isso.
– Você está bem? – Wrath perguntou enquanto sentavam na borda da fonte.
– Sim. Você? – Ela não se importava por sempre perguntar se estava bem. Nas primeiras vezes isso a ofendeu, como se não pudesse aguentar as dores pós-luta. Mas então percebeu que isso nada tinha a ver com seu sexo, perguntaria isso a qualquer um que tivesse se esforçado tanto com ela.
– Sinto-me ótimo – disse, seu sorriso revelando presas imensas. – Aliás, aquele golpe com o braço no começo foi o melhor.
Payne sorriu tanto que suas bochechas doeram. O que era outro motivo pelo qual gostava de estar com ele. Como não podia ver, não havia motivo para esconder suas emoções e nada a deixava mais radiante do que ele dizendo que ficou impressionado com ela.
– Bem, vossa Alteza, seus golpes sempre me matam.
Agora ele estava sorrindo ainda mais e ela ficou momentaneamente tocada porque seu elogio significava alguma coisa para ele.
– Um peso morto tem a sua utilidade – murmurou.
De repente, virou-se para ela, os óculos escuros que sempre usava a fez pensar, mais uma vez, que ele parecia cruel. E, mais uma vez, ele provava que não era o caso.
Ele limpou a garganta e disse:
– Obrigado por isso. As coisas não estão boas em casa.
– Como assim?
Desviou o olhar, como se encarasse o horizonte. O que provavelmente era um sinal de quando queria esconder suas emoções das pessoas.
– Perdemos uma fêmea. O inimigo a capturou. – Balançou a cabeça. – E um de nós está sofrendo por isso.
– Eram vinculados?
– Não... mas ele está agindo como se fossem. – O rei encolheu os ombros. – Não percebi a conexão entre eles. Nenhum de nós percebeu. Mas... estava lá e veio à tona com toda força esta noite.
Uma fome vinda do fundo de seu ser pela vida terrena, que era traumática, mas vívida, a fez se aproximar.
– O que aconteceu?
O rei puxou seu cabelo para trás, suas entradas foram expostas de maneira rígida contra sua pele dourada.
– Ele massacrou um redutor hoje. Despedaçou o bastardo.
– É o dever dele, não?
– Não foi no campo de batalha. Foi na casa onde os assassinos mantinham a fêmea como prisioneira. O desgraçado deveria ser usado para interrogatório, mas John simplesmente abateu o bastardo. John é um bom garoto... mas essa porcaria de macho vinculado... pode ser fatal e não de um jeito bom, entende?
Memórias de estar no Outro Lado, de corrigir os erros e de lutar, surgiram em sua mente...
A Virgem Escriba apareceu pela porta do seu quarto privado, a vestimenta preta flutuando levemente sobre o chão de mármore.
O rei ficou em pé e se inclinou... e mesmo assim não parecia nem um pouco subserviente. Outra razão pela qual gostar dele.
– Querida Virgem Escriba.
– Wrath, filho de Wrath.
E foi... isso. Como não se pode perguntar nada à mãe da raça e como ela permaneceu em silêncio, não aconteceu nada além de ar passando.
Sim, porque você não ia querer aborrecer aquela fêmea com qualquer questionamento. E ficou claro porque a interrupção havia ocorrido: sua mãe não queria qualquer contato entre Payne e o mundo lá fora.
– Vou me retirar agora – Payne disse ao rei. Porque não se responsabilizaria pelo que saísse de sua boca se sua mãe tivesse a ousadia de dispensá-la.
O rei estendeu a mão.
– Adeus. Amanhã?
– Com prazer. – Payne bateu seu punho contra o dele, como Wrath havia ensinado ser o costume e se dirigiu à porta que dava ao santuário.
Do outro lado dos painéis brancos, o gramado verde brilhante foi um choque para seus olhos e ela piscou enquanto passava pelo Templo do Primaz até o quarto das Escolhidas. Flores amarelas, rosa e vermelhas cresciam aleatoriamente nos arbustos.
Pelo que se lembrava de seu breve período de tempo na Terra, todas eram flores de primavera.
Era sempre primavera ali. Sempre no ponto certo, nunca alcançando o pleno esplendor e calor impetuoso do verão. Ou, pelo menos... o que havia lido sobre como era o verão.
O prédio de colunas onde as Escolhidas residiam era dividido em cubículos que oferecia o mínimo de privacidade aos seus moradores. O espaço em sua maioria estava vazio agora e não apenas porque as Escolhidas eram uma espécie em extinção. Desde que o Primaz as havia “libertado”, a coleção particular de “seres etéreos que não fazem nada” da Virgem Escriba estava diminuindo graças às viagens para o Outro Lado.
Surpreendentemente, nenhuma delas tinha escolhido não ser mais Escolhida – mas ao contrário de antes, se fossem para a casa do Primaz no Outro Lado, eram autorizadas a voltar ao santuário se desejassem.
Payne foi diretamente para os banheiros e se sentiu aliviada por perceber que estava sozinha. Sabia que suas “irmãs” não entendiam o que fazia com o rei e só queria aproveitar logo a calma que vinha após os exercícios sem ser observada.
A sala de banho comunitária foi criada sobre um majestoso espaço de mármore, a enorme piscina era marcada com uma cascata ao fundo. Como todas as coisas no santuário, as leis da racionalidade não se aplicavam: a água morna que corria sobre as bordas da pedra branca era sempre limpa, sempre fresca, mesmo sem uma fonte e sem drenagem evidente.
Tirando sua túnica modificada, que tinha adaptado especialmente para combinar com o quimono de Wrath, entrou na piscina ainda com a roupa de baixo. A temperatura era sempre perfeita... e a fez desejar por um banho em que a água estivesse muito quente ou muito fria.
No centro da maravilhosa piscina de mármore, a água era funda o bastante para nadar e seu corpo aproveitou o alongamento dos movimentos leves.
Sim, com certeza essa era a melhor parte das sessões. Exceto quando dava um bom golpe em Wrath.
Quando chegou à cascata, nadou para cima e soltou o cabelo. Era mais longo que o de Wrath e tinha aprendido não só a trançá-lo, mas a enrolá-lo na base do pescoço. Caso contrário, era como se lhe entregasse uma corda para puxá-la ao seu redor.
Com a água caindo sobre ela, barras de sabonete com cheiro adocicado esperavam por suas mãos e ela usou um inteiro. Quando se virou para enxaguar, descobriu que não estava mais sozinha.
Mas, pelo menos, a figura de manto preto que mancava não era sua mãe.
– Saudações – Payne disse.
No’One acenou, mas não respondeu, como era seu costume e, de repente, Payne se arrependeu de ter deixado sua túnica no chão.
– Eu posso pegá-la – disse, sua voz ecoando pela caverna.
No’One apenas negou com a cabeça e recolheu a roupa. A criada era muito adorável e quieta, fazendo suas tarefas sem reclamar mesmo tendo um tipo de deficiência.
Apesar de ela nunca falar, não era difícil adivinhar qual era sua triste história.
Mais uma razão para desprezar Aquela que tinha dado origem à raça, Payne pensou.
As Escolhidas, assim como a Irmandade da Adaga Negra, foram criadas dentro de determinados parâmetros, a fim de atingir resultados previamente esperados. Considerando que os machos deviam ter o sangue forte, serem robustos, agressivos e dignos no campo de batalha, as fêmeas foram planejadas para serem inteligentes e flexíveis, capazes de controlar os instintos mais primitivos dos machos e civilizar a raça. Yin e Yang. Duas partes de um todo, com a exigência da alimentação a base de sangue garantindo a união dos sexos para sempre.
Mas nem tudo estava bem no esquema divino. A verdade é que a reprodução entre parentes sanguíneos gerava problemas, e embora no caso de Wrath as leis estipulassem que, como filho do rei, devia assumir o trono com ou sem deficiência, as Escolhidas não tinham tanta sorte. Os defeitos eram rejeitados pelas leis de reprodução. Sempre foi dessa maneira. E assim, alguém como No’One, que era deficiente física, foi relegada a servir suas irmãs sob um manto... um constrangimento ocultado, mas que no entanto era contemplada com “amor”.
Tratava-se mais de “pena”.
Payne sabia exatamente como a fêmea devia se sentir. Não sobre o defeito físico, mas sobre ser relegada a uma expectativa que não era possível atingir.
E por falar em expectativa...
Layla, outra Escolhida, entrou na sala e tirou seu manto, entregando-o a No’One com o sorriso gentil que era sua marca registrada.
A expressão foi perdida quando baixou os olhos e entrou na água. De fato, a fêmea parecia estar presa em pensamentos que não eram agradáveis.
– Saudações, irmã – Payne disse.
A cabeça de Layla levantou e suas sobrancelhas se ergueram.
– Oh... em verdade, não sabia que estava aqui. Saudações, irmã.
Depois disso a Escolhida curvou-se profundamente, sentando-se num dos bancos submersos, e apesar de Payne não ser do tipo que conversava muito, algo sobre o denso silêncio ao redor da fêmea a inquietou.
Ao terminar de se enxaguar, nadou e sentou ao lado de Layla, que limpava as perfurações em seu pulso.
– Quem você alimentou? – Payne perguntou.
– John Matthew.
Ah, sim, talvez fosse o macho a quem o rei se referia.
– Foi como deveria ser?
– Na verdade... na verdade, foi.
Payne inclinou sua cabeça para trás, contra a borda da piscina e encarou a beleza loira da Escolhida. Após um momento, murmurou para a fêmea:
– Posso lhe fazer uma pergunta?
– Mas é claro.
– O motivo de sua tristeza. Sempre... sempre volta em tristeza.
Perguntou mesmo sabendo. Ser forçada a fazer sexo e alimentar só por uma tradição era uma injusta violação para uma fêmea.
Layla olhou fixamente para as marcas em sua veia com uma espécie de interesse desapaixonado, como se estivesse contemplando as feridas de outra pessoa. E então balançou a cabeça.
– Não vou lamentar a glória que me foi dada.
– Glória? Na verdade, parece que lhe deram outra coisa completamente diferente. – Estava mais para uma maldição.
– Oh, não, é uma glória poder servir...
– Por favor, não se esconda atrás de tais palavras quando seu semblante desmente seu coração. Aliás, se carrega críticas contra a Virgem Escriba em seus lábios, bem-vinda ao clube. – Quando um par de olhos verdes pálidos se ergueu em choque em direção a ela, Payne deu de ombros. – Nunca fiz segredo de como me sentia. Nunca.
– Não... certamente você não fez isso. Só que isso parece tão...
– Vulgar? Impróprio? – Payne estalou os dedos. – Que pena.
Layla exalou longa e demoradamente.
– Fui treinada de maneira adequada, sabe? Como uma ehros.
– E é disso que não gosta...
– Não. Isso é o que não sei, mas gostaria de saber.
Payne franziu a testa com força.
– Você não é usada?
– Na verdade, fui negada por John Matthew na noite de sua transição após observá-lo ao longo da mudança. E quando vou alimentar aos Irmãos, nunca sou tocada.
– Desculpe, mas... – Ela estava ouvindo direito? – Quer fazer sexo? Com um deles?
O tom de Layla se tornou cortante.
– Com certeza você, de todas as minhas irmãs, entende o que é ser nada além de algo em potencial.
Bom... tinha montado um cenário todo equivocado.
– Com todo o respeito, não consigo entender o porquê de você querer... isso... com um daqueles machos.
– Por que não? Os Irmãos e aqueles três jovens machos são lindos e dignos. E com o Primaz nos deixando desatendidas... – Layla balançou a cabeça. – Ter sido bem ensinada, ouvir descrições, ler sobre o ato... quero experimentar por mim mesma. Mesmo que seja apenas uma vez.
– Para ser sincera, não posso dizer que tenho a menor inclinação. Nunca tive e acho que nunca terei. Prefiro lutar.
– Então, eu a invejo.
– Como?
Os olhos de Layla pareceram velhos.
– Bem melhor ser desinteressada que insatisfeita. Um é alívio. O outro um vazio muito pesado.
Quando No’One apareceu com uma bandeja de frutas cortadas e suco fresco, Payne disse:
– No’One, não vai se juntar a nós?
Layla sorriu para a criada:
– É verdade. Por favor, faça isso.
Com um aceno e uma reverência, No’One simplesmente deixou o que tinha preparado com tanto empenho e foi cuidar das suas obrigações, mancando ao longo da piscina e saindo da sala de banhos.
A testa de Payne continuou franzida enquanto ela e a Escolhida Layla ficaram em silêncio. Pensando em todas as informações que haviam sido trocadas, era difícil entender como podiam ter opiniões tão opostas... e estarem tão certas ao mesmo tempo.
Pelo bem de Layla, Payne desejava estar errada – que decepção seria esperar tanto por algo que estivesse muito abaixo de suas expectativas.
CAPÍTULO 19
– Uma fêmea...
A voz suave e ressoante do Ômega chegava mais longe do que seu volume sugeria, as duas palavras ocupando cada canto da sala de pedra lisa que formavam seu aposento particular.
Lash fez seu melhor para aparentar indiferença enquanto apoiava-se contra uma das paredes pretas.
– Preciso dela para me servir com sangue.
– Precisa?
– É a biologia.
Em sua túnica branca, o Ômega parecia uma figura impressionante ao deslizar pelo espaço. Com seu capuz, os braços cruzados e as mãos escondidas em suas mangas onduladas, parecia o bispo de um jogo de xadrez.
Só que, claro, ali embaixo ele era o rei.
A área de recepção do mal era do tamanho de um salão de festas e decorado como um, com lustres e candelabros pretos em abundância que sustentavam uma legião de velas negras. No entanto, estava longe de ser austero. Em primeiro lugar, dos pavios brotavam chamas vermelhas. E ainda por cima as paredes, o piso e o teto eram feitos de um mármore extraordinário que Lash nunca tinha visto. De um ângulo era preto, de outro era vermelho metálico, e como a iluminação flamejava constantemente, tinha-se as duas cores de uma só vez ao seu redor.
Não era difícil entender o motivo da decoração. Considerando o guarda-roupa do Ômega, o qual se limitava àquelas coisas que pareciam cortinas de neve, tornava-se o foco principal, o único que se destacava. O resto era pano de fundo.
Também administrava seu mundo assim.
– E será uma parceira para você, meu filho? – perguntou Ômega do outro lado da sala.
– Não – Lash mentiu. – Apenas uma fonte de sangue.
Não se dava ao Ômega mais informações do que devia: Lash tinha plena consciência de como seu pai poderia ser inconstante, e se manter fora de seu alcance era a chave.
– Já não lhe dei força suficiente?
– Minha natureza vampira é o que é.
Ômega virou-se e encarou Lash. Depois de uma pausa, aquela voz distorcida sussurrou.
– Certamente. Acho que isso deve ser verdade.
– Vou trazê-la até você – Lash disse, endireitando-se na parede. – Para a casa da fazenda. Hoje à noite. Você a transforma e eu terei o que preciso.
– Não posso lhe fornecer isso?
– Estaria fornecendo. Você a inicia e eu tenho a fonte de sangue necessária para me dar forças.
– Então está dizendo que está fraco?
Maldição, era óbvio que estava. O Ômega podia sentir as coisas e com certeza aquilo já devia estar aparente há algum tempo.
Quando Lash permaneceu em silêncio, o Ômega deslizou para frente até poder encará-lo olho no olho.
– Eu nunca introduzi uma fêmea.
– Não teria de estar na Sociedade Redutora. Seria apenas para mim.
– Para você.
– Não há razão para tê-la lá fora, lutando.
– E essa fêmea. Já a selecionou?
– Eu a tenho. – Lash riu brevemente, pensando em Xhex e o dano que ela era capaz de fazer. – Tenho certeza que vai aprová-la.
– Tem tanta certeza.
– Tenho muito bom gosto.
Ao redor, as chamas vermelhas tremeluziram em seus pavios como se uma brisa houvesse soprado.
De repente, o capuz do Ômega caiu, revelando uma face sombria, translúcida, que tinha ângulos que se assemelhavam à versão carne e osso de Lash.
– Retorne de onde veio – o Ômega pronunciou com sua obscuridade, erguendo a mão esfumaçada. Com um toque no rosto de Lash, o mal virou-se. – Retorne de onde veio.
– Eu o encontrarei ao anoitecer – Lash disse. – Na casa da fazenda.
– Hoje. Ao anoitecer?
– Prefere que seja mais tarde? Por volta da uma hora. Nos vemos mais tarde, então.
– Você me verá, com certeza.
– Obrigado, Pai.
Quando Ômega flutuou pelo chão, colocando o capuz de volta no lugar com a força de sua vontade, um painel deslizou no caminho. Um momento depois, Lash estava sozinho.
Respirou fundo, esfregou o rosto e olhou ao redor, para todas aquelas chamas vermelhas e paredes espetaculares. O lugar era como uma espécie de útero.
Concentrando seu poder, saiu do Dhunhd e voltou ao pequeno e sólido rancho que havia usado como plataforma de lançamento. Quando despertou em sua forma corpórea, odiou o fato de estar deitado num sofá que tinha folhas de outono extravagantes em sua capa. E, Deus, o forro do tecido parecia como o pelo de um cachorro... e cheirava mal como se fosse um também.
Assumindo que o maldito quadrúpede tivesse rolado em um cinzeiro úmido.
Erguendo a cabeça, puxou a camisa até o pescoço. Ainda lá. As lesões ainda estavam visíveis e cada vez maiores. E se sentia um lixo.
Suas mãos tremeram enquanto se endireitava, e quando conferiu seu telefone, não viu nenhuma chamada. Nenhum correio de voz do Sr. D e de nenhum outro assassino. As duas coisas faziam sentido. Tudo e todos estavam sendo encaminhados pelo seu segundo na linha de comando, por isso, se o filho da mãe havia sumido, a Sociedade não poderia encontrar Lash.
Talvez o pequeno texano tivesse sido bom demais como assistente pessoal.
Com a fome estimulando-o, arrastou-se até a cozinha e abriu a porta da geladeira. Vazia. Exceto por uma caixa de bicarbonato de sódio que deve ter sido usada naquele sofá.
Batendo a porta da geladeira, desprezou completamente o mundo e todos que havia nele – apesar de aquilo se dever principalmente ao fato de não ter seus ovos e bacon lhe esperando.
Além disso, um lixo de imóvel poderia surtir esse efeito em alguém. A casa do rancho era uma nova aquisição e esteve lá apenas algumas vezes – inferno, nem mesmo o Sr. D sabia que a Sociedade possuía aquilo. A coisa era assim, Lash a havia resgatado da execução hipotecária, porque iriam precisar de lugares para fazer a metanfetamina e aquele local tinha um porão grande. Impressionante que o antigo proprietário não pôde cobrir os custos da hipoteca. A maldita coisa estava a apenas um nível acima daqueles banheiros que havia do lado de fora das casas antigas.
Talvez meio nível.
Dirigiu-se para a garagem e foi um maldito alívio estar de volta na sua Mercedes... embora se sentisse mortificado ao ter que passar por um drive-thru do McDonald’s para pegar um lanche e um café. Ainda por cima, teve que esperar na fila juntamente com um bando de sujeitos em caminhonetes e mães em minivans.
Enquanto voltava para a casa de arenito, seu humor foi se afundando cada vez mais... e foi jogado completamente na fossa quando entrou na garagem. A porta ainda estava aberta, mas o Lexus tinha desaparecido.
Estacionou o Mercedes debaixo da cobertura, fechou a coisa com o controle remoto e saiu. O jardim nos fundos estava relativamente tranquilo, mas pôde sentir o cheiro do redutor no instante em que...
Parando na varanda, seus olhos dispararam para o segundo andar. Oh, Deus...
Energizado pelo pânico, Lash começou a correr a plena velocidade e irrompeu para os fundos mais rápido do que nunca, passando pela porta...
Seus sapatos escorregaram em algo enquanto via o massacre. Jesus... Cristo... a cozinha dele.
O lugar parecia que tinha sido atingido por uma ducha de óleo. E inferno, não tinha sobrado muito do Sr. D. O tronco do assassino estava no meio da cozinha, perto do balcão, mas seus braços e pernas estavam espalhados por toda parte... e seu órgão digestivo estava pendurado nos puxadores dos armários.
Por algum milagre, a cabeça do cara ainda estava ligada ao tronco e seus olhos estavam bem abertos. A boca começou a mover-se quando viu que já não estava sozinho; um apelo gutural saiu de seus lábios brilhantes pelo sangue negro congelado.
– Seu maldito desgraçado – Lash cuspiu-lhe. – Olhe para você. Pelo amor de Deus!
E, caramba, tinha problemas maiores que o fato de que seu segundo na linha de comando houvesse sido esquartejado. Saltou por cima da bagunça, passou pela sala de jantar e correu até as escadas.
Entrou com tudo no quarto que compartilhava com Xhex e não encontrou nada além de um monte de vazio... e uma janela com um buraco.
– Filha da mãe!
Percorrendo o local, olhou através da porta aberta e viu a marca na parede do corredor. Debruçando-se, apertou o nariz contra o papel de parede e inalou. Seu cheiro estava nas fibras do papel. Tinha quebrado a barreira com força física.
No entanto, ainda estava no quarto enquanto o Sr. D tinha sido atacado. Será que os Irmãos voltaram e ajudaram-na a sair?
Uma passada rápida pela casa e o humor de Lash foi de ruim para tóxico. O laptop tinha sumido. Os celulares tinham desaparecido.
Filhos da mãe.
Na cozinha, dirigiu-se para a despensa para pegar o...
– Ah, não acredito!
Ajoelhando, verificou que o painel tinha sido quebrado e aberto. Tinham destruído seu esconderijo, também? Como inferno tinham encontrado?
Do outro lado, o Sr. D parecia uma aula de anatomia. Talvez tivesse entregado tudo. O que significava que Lash não poderia ter certeza de que seus outros endereços não estavam comprometidos.
Em uma explosão de raiva, levantou o punho, erguendo-o com força e pegou qualquer coisa que lhe veio a mão.
Um maciço vidro de azeitonas.
A coisa quebrou, o liquido derramou pelo lugar, aqueles pequenos olhos bateram e rolaram para a liberdade em todas as direções.
Lash entrou com tudo de volta à cozinha e foi em direção ao Sr. D. Aquela boca sangrenta começou a trabalhar novamente, a luta lamentável era definitivamente nauseante.
Indo até o balcão, Lash pegou uma faca, segurou no cabo e abaixou.
– Você disse alguma coisa a eles?
Quando o Sr. D negou com a cabeça, Lash encarou os olhos do cara. O branco estava escurecido em um tom de cinza e as pupilas estavam tão dilatadas ao ponto de quase não haver íris. Contudo, apesar de parecer estar à beira da morte, abandonado à própria sorte, o Sr. D definharia e apodreceria para sempre naquela condição. Havia apenas uma maneira de “matá-lo”.
– Tem certeza? – Lash murmurou. – Mesmo quando lhe arrancaram o braço do lugar?
A boca do Sr. D se moveu, os sons eram guturais como comida molhada de cachorro caindo de uma lata.
Soltando um palavrão revoltado, Lash apunhalou o peito vazio do redutor, livrando-se de pelo menos uma parte da bagunça. O estalo e o brilho se desvaneceram rapidamente e, em seguida, Lash fechou a casa, trancando a porta dos fundos antes de voltar ao segundo andar.
Levou meia hora para arrumar as malas, e enquanto descia as escadas carregando seis malas Prada, não conseguiu se lembrar de quando teve de carregar sua própria bagagem.
Depois de enfileirar sua carga um passo atrás dele, ativou o alarme de segurança, trancou e arrastou suas coisas até a Mercedes.
Enquanto se afastava dirigindo, odiou a ideia de retornar ao maldito rancho. Mas, no momento, não tinha opção – e tinha outras coisas para se preocupar antes de pensar no lugar onde viveria.
Precisava encontrar Xhex. Se tinha saído sozinha, não havia nenhuma possibilidade de ter ido longe. Estava fraca demais. Então, a Irmandade a tinha levado com certeza.
Jesus Cristo... Com seu pai aparecendo a uma hora da madrugada para a indução dela, teria que encontrá-la logo. Ou isso, ou encontrar alguém que pudesse substituí-la.
A batida na porta que despertou John foi um verdadeiro estrondo, barulhento como um disparo.
No instante em que ouviu, ficou sentado. Enquanto esfregava os olhos, assobiou um “entre” e rezou para não ser nada além de Qhuinn com uma bandeja da Primeira Refeição.
A porta não foi aberta.
John franziu a testa e deixou cair as mãos.
Ficou em pé, pegou um par de jeans e puxou-os até os quadris, em seguida, aproximou-se e... Wrath estava em pé na porta com George ao seu lado e não estava sozinho. Os meninos e Rehvenge estavam com ele, assim como todos os outros Irmãos, inclusive Tohr.
Oh... Deus... Não.
Suas mãos gesticularam rápido mesmo com seu coração quase parando.
Onde o corpo foi encontrado?
– Ela está viva – Rehvenge respondeu, enquanto segurava um celular. – Acabei de receber a mensagem. Tecle quatro.
John precisou de um segundo para processar a informação. Então, agarrou o celular da mão do macho e pressionou a tecla. Houve um bipe e então...
Caramba... aquela voz. A voz dela.
– Rehv... estou fora. Eu saí. – Houve um baixo e profundo suspiro. – Estou bem. Estou intacta. Estou fora. – Longa pausa. A ponto de John quase parar e verificar se o... – Eu preciso de um tempo. Estou segura... Mas não vou voltar por um tempo. Preciso de um tempo. Diga a todos... conte... a todo mundo. Vou manter contato. – Outra pausa e sua voz cresceu mais forte ao ponto da raiva. – Assim que puder... Lash é meu. Você me entendeu? Ninguém vai pegá-lo a não ser eu.
A mensagem terminou.
John teclou quatro novamente e escutou.
Depois da segunda vez, entregou a coisa de volta a Rehv e encontrou aqueles olhos ametistas. Estava bem consciente que Rehv tinha sido próximo de Xhex por anos e anos. Sabia que o cara não apenas compartilhava experiências com ela, mas também o sangue sympatho que, em muitos aspectos, mudava tudo. Sabia que o macho era mais velho e mais sábio que aquela conversa fiada toda.
Mas o macho vinculado em John o deixava em pé de igualdade quando se tratava dela.
Talvez até tivesse vantagem.
Para onde ela iria?, assinalou.
Após Qhuinn traduzir, Rehv assentiu.
– Ela tem uma cabana de caça a uns vinte quilômetros ao norte daqui. No Rio Hudson. Acho que é onde ela está. Teria acesso a um telefone lá e é seguro. Vou até lá ao anoitecer, sozinho. A menos que você se junte a mim.
Ninguém parecia surpreso com a troca de palavras... mas então John percebeu que seu segredo tinha sido revelado. Depois da maneira como se comportou no quarto daquela casa... para não falar de como tinha rasgado o redutor, todos sabiam como se sentia sobre Xhex.
Essa era a razão pelo grupo todo ter ido até lá. Estavam reconhecendo seu status, prestando-lhe o devido respeito. Os direitos e os limites de um macho vinculado eram respeitados quando dizia respeito as suas fêmeas.
John olhou para Qhuinn e assinalou:
Diga a ele que vou.
Depois que seu amigo traduziu, Rehv assentiu com a cabeça e então virou-se para Wrath.
– Vou com ele e só ele. E não pode levar Qhuinn. Vamos ter problemas suficientes com ela quando nós dois chegarmos sem termos anunciado.
Wrath franziu a testa.
– Que droga, Rehv...
– Ela é um risco iminente de fuga. Já passei por isso antes com Xhex. Qualquer aparição, ela entra em parafuso e não vai ligar de novo. Além disso, John aqui... ele vai me seguir de qualquer maneira, não vai, filho? Vai despistar Qhuinn e me seguir de qualquer jeito.
John não hesitou em concordar com a cabeça.
Quando Quinn soltou um “filho da mãe”, Wrath balançou a cabeça.
– Por que diabos nomeei você para ser o ahstrux dele...
Houve um período de tenso silêncio, durante o qual o rei avaliou John e Rehv. Então disse:
– Oh, pelo amor de Deus, está bem... vou deixá-lo ir sem seu guarda essa única vez, mas não enfrente o inimigo. Você vai à cabana, e apenas até lá, e depois volta e pega Qhuinn antes de voltar ao campo. Estamos claros?
John assentiu e foi ao banheiro.
– Dez minutos – Rehv disse. – Você tem dez minutos e então saímos.
John ficou pronto em quatro minutos, e já estava no andar de baixo em seis. Estava totalmente armado, como mandava o protocolo, e coberto com couro protetor. Mais que isso, sentia-se vivo ao ponto da insanidade, o sangue zumbindo com a intensidade de um tornado.
Enquanto andava, sentia os olhares. Partindo da sala de bilhar. Da sala de jantar. De lá de cima da sacada do segundo andar. Bocas silenciosas, mas olhos que não perdiam nada.
Estava claro que a Irmandade e os outros moradores estavam hesitantes sobre sua conexão com Xhex e achava que podia entendê-los. Surpresa! Ele havia se vinculado a uma sympatho.
Mas não se consegue escolher por quem vai se apaixonar... ou mudar os sentimentos de alguém que não te corresponde.
Deus, não que essa parte importasse. Ela estava viva!
Rehvenge desceu a escada principal, a bengala vermelha batendo nos degraus acarpetados a cada passo que seu pé direito dava. Não estava vestido para guerra: seu longo casaco de pele deslizava sobre seus sapatos e sobre os punhos do seu elegante terno preto.
Aproximando-se de John, apenas balançou a cabeça e abriu caminho para a porta principal. Juntos, atravessaram e penetraram a noite fria.
O ar cheirava a terra limpa e molhada.
O perfume da primavera. O aroma próprio da esperança e do renascimento.
Caminhando até o Bentley, John encheu os pulmões com a fragrância e prendeu a respiração, pois dizia a si mesmo que Xhex estaria fazendo a mesma coisa naquela mesma noite.
E não porque estaria enterrada.
Lágrimas surgiram em seus olhos enquanto a gratidão o lavava ao longo de cada veia que tinha, bombeando um coração que cantava.
Não podia acreditar que a veria... Deus, vê-la novamente. Olhar seus olhos cor de bronze. Para...
Droga, seria difícil não lançar os braços ao redor dela e abraçá-la até amanhã de manhã. Ou talvez até a próxima semana.
Quando entraram no carro, Rehv ligou o motor, mas não colocou o carro em movimento. Olhava além do para-brisa, para o caminho de paralelepípedos à frente.
Como uma voz tranquila disse.
– Há quanto tempo isto está acontecendo com você? Com relação a ela?
John pegou um pequeno bloco que tinha levado e escreveu:
Desde o momento em que a vi pela primeira vez.
Depois de Rehv ler o rabisco, franziu a testa.
– Ela sente o mesmo?
John não deixou seus olhos baixarem enquanto balançava a cabeça. Não fazia sentido esconder qualquer coisa. Não com um sympatho.
Rehv assentiu com a cabeça uma vez.
– Típico dela. Maldição... Certo, vamos fazer isso.
Com um rugido, partiram pela noite.