Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
Irmandade da Adaga Negra
AMANTE RENASCIDO
Primeira Parte
– O canalha está indo para a ponte! Ele é meu!
Tohrment esperou por um assobio em resposta, e quando o ouviu, disparou atrás do lesser, botas golpeando poças d’água, pernas se movendo incessantemente, mãos em punhos. Ele passou pelas lixeiras e pelo lixo esparramado, ratos dispersos e mendigos, pulou por sobre uma barreira, saltou sobre uma motocicleta.
Três horas da manhã no centro de Caldwell, Nova Iorque, podia lhe fornecer tantos obstáculos que mantinham a merda divertida. Infelizmente, o pequeno projeto de assassino lá na frente estava-o levando a uma direção que não queria tomar.
Quando eles chegaram à rampa da entrada oeste da ponte, Tohr quis matar o idiota – lógico. Diferente dos cantos de privacidade que você encontrava nos labirintos de becos em volta dos clubes, o tráfego sobre o rio Hudson era intenso, até mesmo a esta hora. Ok, certo, os cabos especiais Herbert G. Falcheck não tremeriam com os carros, mas haveria algum tremor – e Deus sabe que cada humano atrás do volante possuía um maldito IPhone nos dias de hoje.
Havia uma regra na guerra entre os vampiros e a Sociedade Lessening: mantenha a porra da distância dos humanos. Essa raça de intrometidos orangotangos verticais era uma complicação a ponto de acontecer, e a última coisa que qualquer um precisava era a confirmação alastrada de que Drácula não era uma mera ficção, e os mortos-vivos não eram somente um programa de televisão ruim.
Ninguém queria aparecer nas manchetes das notícias na TV, jornais ou revistas.
Internet tudo bem. Não tinha crédito algum mesmo.
Este princípio de discrição era a única coisa com a qual o inimigo e a Irmandade da Adaga Negra concordavam, a única consideração assumida por ambos os lados. Então, sim, os assassinos podiam, digamos... Alvejar sua shellan grávida, atirar em seu rosto, e deixá-la para morrer, tirando não apenas a vida dela, mas também a sua própria. Mas Deus os livrasse de chamar atenção dos humanos.
Pois aquilo seria simplesmente errado.
Infelizmente, este desorientado filho da puta de pernas hidráulicas aqui, aparentemente não recebera este memorando.
Nada que uma adaga negra no peito não resolvesse.
Enquanto um rosnado subia pela sua garganta e suas presas se alongavam na boca, Tohr respirou fundo e liberou uma reserva de ódio altamente concentrado, enchendo seu tanque de combustível, sua energia debilitada instantaneamente renovada.
Tinha sido um longo caminho, desde o pesadelo de seu rei e seus Irmãos vindo lhe contar que sua vida tinha acabado. Como um macho vinculado, sua fêmea era o coração que batia em seu peito, e na falta de sua Wellsie, ele tinha sido um fantasma do que fora anteriormente, forma sem conteúdo. A única coisa que o animava era a caça, a captura, e a matança. E o conhecimento de que ele poderia acordar na noite seguinte e encontrar mais disto para derrubar.
Ao invés de realizar o ahvenging[1] de seus mortos, ele bem poderia estar no abençoado Fade com sua família. Francamente, ele preferia – e quem sabe, talvez, ele tivesse sorte esta noite. Talvez no calor da briga ele sofresse um catastrófico ferimento mortal e fosse liberado de seus fardos.
Um macho podia sempre ter esperanças.
O ruído de uma buzina de carro, seguido pela sinfonia de borracha derrapando foi o primeiro sinal de que o Capitão Complicação tinha encontrado o que estivera procurando.
Tohr foi para o topo da rampa bem a tempo de ter um vislumbre do assassino ricocheteando pelo capô de um Toyota nada novo. O impacto parou o sedan; mas não atrasou o assassino. Como todos os lessers, o canalha era mais forte e mais resistente do que tinha sido como mero humano, o negro sangue oleoso do Ômega lhe dava um motor mais potente, suspensão mais apertada e melhor manuseio – bem como pneus de competição, neste caso.
Mas o GPS era uma merda, de verdade.
O assassino se levantou de sua rolagem pelo chão como um dublê profissional e, naturalmente, continuou correndo. Estava ferido, no entanto, o nauseante cheiro de talco de bebê dele estava mais pronunciado.
Tohr chegou ao carro bem na hora que um casal de humanos abria a porta, saia, e começava a agitar os braços como se algo estivesse pegando fogo.
– Departamento de Polícia – Tohr gritou enquanto passava correndo por eles. – Em perseguição!
Isto os acalmou, controlando o dano. Era virtualmente garantido que eles agora se transformariam na turma do gargarejo, cheios de Kodak, e aquilo era perfeito - quando tudo estivesse acabado, ele saberia onde encontrá-los para limpar suas memórias, e tomar seus celulares.
Enquanto isto, o lesser aparentava estar se dirigindo para a passagem de pedestres – não seu melhor movimento. Se Tohr estivesse no lugar do idiota, ele teria tentado roubar aquele Toyota e tentaria fugir dirigindo...
– Oh... Essa não... – Tohr falou por entre os dentes.
Aparentemente, o objetivo do canalha não era a passagem de pedestres, mas a borda da própria ponte: o assassino pulou por sobre a cerca que delimitava a passagem de pedestres, e pousou na beirada estreita do outro lado. Próxima parada: o rio Hudson.
O assassino olhou para trás e sob o brilho pêssego das luzes de sódio, sua expressão arrogante era igual à de um garoto de dezesseis anos após tomar meia dúzia de cervejas na frente dos amigos.
Só ego. Nenhum cérebro.
Ele ia pular. O puto ia pular.
Fodido idiota! Mesmo que o suco da alegria do Omega desse aos assassinos todo aquele poder, isto não significava que as leis da física deixassem de existir para eles. A cantiga de Einstein sobre energia igual massa vezes aceleração ainda se aplicava, então, quando o imbecil atingisse a água, ele ia se despedaçar, danificando substancialmente sua estrutura. O que não o mataria, mas o incapacitaria como o inferno.
Os fodidos não podiam morrer a menos que fossem esfaqueados. E eles podiam passar a eternidade em um purgatório de decomposição.
Grande coisa.
E antes do assassinato de sua Wellsie, Tohr provavelmente teria deixado para lá. Na deslizante balança da guerra, era mais importante envolver aqueles humanos no cobertor da merda amnésica e seguir adiante para ajudar John Matthew e Qhuinn, quem ainda estavam lidando com os negócios lá no beco. Agora? Não houve hesitação: de um jeito ou de outro, ele e seu assassino iam ter uma reuniãozinha.
Tohr pulou por sobre o parapeito, alcançou a passagem de pedestres, e subiu pela cerca. Agarrando os elos, ele oscilou a parte inferior do corpo pelo topo, e pousou as botas no parapeito.
A aparência de orgulho bêbado do lesser diminuiu um pouco, quando ele começou a se afastar.
– O quê, você acha que tenho medo de altura? – Tohr disse em uma voz baixa. – Ou que um metro e meio de cerca iria me manter longe de você?
O vento rugia contra eles, colando as roupas contra seus corpos e assobiando através das vigas de aço. Longe, longe, longe, lá embaixo, as águas negras do rio pareciam um tênue trecho escuro, como um estacionamento.
Devia ser dura como asfalto também.
– Eu tenho uma arma, – o lesser gritou.
– Então saque.
– Meus amigos virão por mim!
– Você não tem amigo algum.
O lesser era um novato, seus cabelos, olhos e pele ainda não tinham empalidecido. Magricela e agitado, ele provavelmente havia sido um usuário de drogas que tinha fritado o cérebro – o que foi, sem sombra de dúvidas, o motivo pelo qual descambara a se juntar à Sociedade.
– Eu vou pular! Vou pular essa porra!
Tohr pegou o cabo de uma de suas duas adagas e retirou a lâmina escura do coldre em seu peito. – Então para de choramingar e comece a voar.
O assassino olhou para o abismo. – Eu vou! Juro que vou!
Uma rajada de vento os atingiu de uma direção diferente, arremeçando o comprido casaco de couro de Tohr em direção à queda livre. – Não me importa. Vou matá-lo aqui em cima ou lá embaixo.
O lesser espiou pela borda novamente, hesitou, e então rapidamente se inclinou para o lado, atingindo todo aquele nada-além-de-ar, seus braços girando como se tentasse manter o equilíbrio para cair em pé.
O que àquela altura serviria apenas para direcionar os ossos sólidos à cavidade abdominal. Melhor do que engolir a própria cabeça, no entanto.
Tohr embainhou novamente a adaga e preparou-se para sua própria queda, respirando fundo. E então foi...
Enquanto passava por sobre a borda e tomava a primeira fisgada de antigravidade, a ironia do salto da ponte não lhe escapou. Passara tanto tempo desejando que a morte chegasse, rezando para a Virgem Escriba tomar seu corpo e mandá-lo para junto de seus amados. Suicídio nunca tinha sido uma opção; se você tirasse sua própria vida, não lhe seria permitido entrar no Fade – e aquela era a única razão pela qual ele não tinha cortado os próprios pulsos, colocado uma arma na própria boca, ou... Pulado de uma ponte.
Em sua queda, deixou-se alegrar com a ideia de que aquele era o fim, que o impacto que viria em um segundo e meio ia ser o fim de seu sofrimento. Tudo o que ele tinha que fazer era reposicionar sua queda em forma de mergulho, não proteger a cabeça e deixar o inevitável acontecer: apagão, como paralisia, morte por afogamento.
Exceto que este tipo de morte-para-sempre não seria o seu resultado. Fosse lá quem fosse que estivesse no comando destas coisas, saberia que ao contrário do lesser, ele tinha a opção de salvar-se.
Acalmando sua mente, ele desmaterializou-se da queda livre – num momento a gravidade tinha um apertão mortal sobre ele; no outro ele não era nada além de uma nuvem invisível de moléculas que ele podia projetar para qualquer direção que quisesse.
Ao lado, o assassino atingiu a água não com um splash de alguém caindo numa piscina, ou o ploft de alguém pulando de um trampolim de mergulho. O fodido era como um míssil atingindo o alvo, e a explosão registrada na forma de uma quebra sonora, enquanto galões de água do rio Hudson se elevavam no ar velozmente.
Tohr, por outro lado, escolheu retomar sua forma em cima do massivo suporte de concreto à direita do local de impacto. Três... Dois... Um...
Bingo.
Uma cabeça elevou-se do meio do ainda borbulhante ponto de entrada. Sem braços movendo-se na tentativa de ganhar novamente um pouco de oxigênio. Sem pernas chutando. Sem engasgo.
Mas ele não estava morto: você podia passar por cima deles com seu carro, bater até seu punho quebrar, arrancar os seus braços e/ou pernas, fazer o inferno que quisesse... E eles continuariam vivos.
Os fodidos eram os carrapatos do submundo. E não havia maneira de evitar se molhar.
Tohr tirou o sobretudo, dobrou-o cuidadosamente, e deixou-o aninhado na junção onde a parte superior do suporte encontrava sua grande base aquática. Entrar na água vestido com aquilo era receita certa para afogamento, no mais, ele tinha que proteger suas armas e seu telefone celular.
Com um par de oscilantes saltos, para que pudesse conseguir suficiente impulso para pular na água aberta, ele se jogou no ponto de ondulação, seus braços acima da cabeça, as palmas juntas, seu corpo reto como uma flecha. Ao contrário do lesser, sua penetração foi elegante e suave, mesmo que ele tenha vindo à superfície do Hudson de um mergulho de três a quatro metros.
Frio. Real e fodidamente frio.
Afinal, era meados de abril no estado de Nova Iorque – o que ainda era quase um mês longe de qualquer coisa remotamente agradável.
Expirando pela boca enquanto se agitava das profundezas, ele caiu em um poderoso estilo-livre. Quando chegou ao assassino, agarrou a jaqueta e começou a puxar o peso não-morto para a terra.
Onde ele terminaria com isto. Para que pudesse procurar pelo próximo.
Enquanto Tohr saía para as laterais da ponte, John Matthew viu sua vida passar diante de seus olhos, num segundo – certo como se fosse ele cujas botas deixavam o chão sólido naquele salto limpo.
Ele estava na terra, embaixo da rampa de saída, quando aconteceu, no processo de acabar com o assassino que vinha perseguindo: com o canto dos olhos, ele viu algo em queda da grande altura sobre o rio.
Não fizera sentido de início. Qualquer lesser com meio cérebro saberia que aquela não era uma boa rota de fuga. Exceto que, então, tudo se tornou claro. Uma figura estava parada na beirada da ponte, casaco de couro balançando a seu redor como uma mortalha.
Tohrment.
Nããããããão, John gritara sem fazer som algum.
– Filho da mãe, ele vai pular – Qhuinn balbuciou por trás dele.
John pulou para frente, só o que podia fazer, e então gritou silenciosamente enquanto via a coisa mais próxima que tivera de um pai, pular.
Mais tarde, John refletiria que momentos como este deviam ser o que as pessoas diziam ser a própria morte – enquanto você visualizava a sequência de eventos que se desdobravam, e a matemática adicionava até a destruição certa, sua mente voava para o modo de projeção de slides, mostrando a você cenas da vida como você sempre a conhecera.
John sentado à mesa de Tohr e Wellsie naquela primeira noite em que ele tinha sido adotado no mundo dos vampiros... A expressão no rosto de Tohr quando o resultado do exame de sangue anunciara que John era filho de Darius... Aquele momento aterrador quando a Irmandade chegara para dizer aos dois que Wellsie se fora...
Então vieram imagens do segundo ato: Lassiter trazendo um Tohr vazio e murcho de volta, de fosse lá onde ele estivera... Tohr e John finalmente enlouquecendo juntos sobre o assassinato... Tohr gradualmente recuperando suas forças... A própria shellan de John aparecendo no vestido vermelho que Wellsie usara ao emparelhar-se com Tohr...
Cara, o destino era uma merda. Bastava entrar sem pedir licença e mijar no jardim de rosas de todo mundo.
E agora estava esculhambando a cama de flores dos outros.
Só que então Tohr abruptamente desapareceu no ar. Num momento ele estava voando-para-a-liberdade; no seguinte, se fora.
Graças a Deus, John pensou.
– Obrigado, menino Jesus, – Qhuinn sussurrou.
Um momento depois, no lado oposto de uma pilastra, uma flecha escura mergulhou no rio.
Sem um olhar ou palavra, ele e Qhuinn dispararam naquela direção, chegando à terra rochosa bem no momento que Tohr emergiu, agarrando o assassino, e começando a nadar. Enquanto John se punha em posição para ajudar a tirar o lesser da água, seus olhos se firmaram no rosto pálido e cruel de Tohr.
O macho parecia morto, mesmo que estivesse tecnicamente vivo.
Peguei-o, John gesticulou enquanto se inclinava para pegar o braço mais próximo, e levantava o ensopado assassino para fora do rio. A coisa pousou amontoada e dava a exata impressão de um peixe, olhos esbugalhados, boca escancarada, barulhinhos de cliques vinham de sua garganta aberta.
Não importava, Tohr era a questão, e John olhava para o Irmão enquanto emergia da água: calças de couro estavam coladas nas coxas magras, a camiseta regata como uma segunda pele no peito achatado, cabelo escuro curto com a mecha branca se destacando mesmo molhado.
Olhos azuis escuros firmados no lesser.
Ou calculadamente ignorando a atenção de John.
Provavelmente ambos.
Tohr abaixou-se e agarrou o lesser pela garganta. Com as presas cruelmente alongadas, ele grunhiu, – Eu te disse.
Então ele sacou a adaga negra e começou a golpear.
John e Qhuinn deram um passo para trás. Era isto ou conseguir uma pintura corporal.
– Ele podia só golpear o maldito peito, – Qhuinn murmurou, – E acabar logo com isto.
Só que matar o assassino não era o ponto. Profanação era.
Aquela lâmina negra afiada penetrou cada centímetro de carne – exceto o peito, que era o interruptor que o apagaria. Com cada espirro de sangue, Tohr exalava duramente; com cada puxão da lâmina livre, o Irmão inalava profundamente, o ritmo da respiração guiando a cena grotesca.
– Agora eu sei como eles fazem alface triturado.
John esfregou o rosto, e esperou que aquilo fosse o fim do comentário.
Tohr não diminuiu o ritmo. Ele só parou. E depois de tudo, ele se pôs ao lado, levantando-se com uma mão ensopada de sangue oleoso. O assassino estava... Bom, retalhado, é, mas ele não tinha ainda terminado.
Não haveria pedido de ajuda, no entanto. Apesar da exaustão óbvia de Tohr, John e Qhuinn tinham bom senso suficiente para não estragar este final de jogo. Eles já o viram anteriormente. O golpe final tinha de ser de Tohr.
Após um par de momentos para recobrar-se, o Irmão postou-se novamente, segurando a adaga com as duas mãos e erguendo a lâmina acima da cabeça.
Um clamor rouco escapou de sua garganta enquanto enterrava a ponta no peito que restara de sua presa. Enquanto luzes brilhantes espocaram, a expressão trágica no rosto de Tohr foi iluminada, como um personagem de histórias em quadrinhos, sua expressão deformada, assustadora, por um momento... E por uma eternidade.
Ele sempre olhava para baixo, para a luz, mesmo o sol provisório sendo brilhante demais para se olhar diretamente.
Depois que tudo acabou, o Irmão tombou como se sua coluna tivesse se tornado pastosa, sua energia desaparecendo. Claramente, ele precisava se alimentar, mas naquele assunto, como em tantos outros, não se podia tocar.
– Que horas são, – ele perguntou, sem fôlego.
Qhuinn olhou para seu Suunto[2]. – Duas da manhã.
Tohr levantou o olhar do chão manchado que encarava, focando seus olhos avermelhados na parte do centro da cidade de onde eles tinham vindo.
– Que tal voltarmos para a mansão. – Qhuinn pegou seu telefone celular. –Butch não está longe...
– Não. – Thor lançou-se para trás e sentou-se. – Não chame ninguém. Estou bem... Só preciso recuperar o fôlego.
Puta. Merda. O cara não estava nem perto de bem, como também John naquele momento. No entanto, tinha de dar um desconto, só um deles estava encharcado num vento de cerca de dez graus.
John balançou sua mão no campo de visão do Irmão. Vamos para casa agora.
Flutuando pelo vento, como um alarme soando numa casa silenciosa, o cheiro de talco de bebês picou em seus narizes.
O fedor fez o que a tentativa de recuperação de fôlego não tinha conseguido: fez com que Tohr se levantasse. Foi-se o ar de desorientação, sem vida – inferno, se você informasse a ele que continuava molhado como um peixe, ele provavelmente ficaria surpreso.
– Há mais deles, – ele resmungou.
Enquanto se afastava, John praguejou ao maluco.
– Vamos, – Qhuinn disse. – Vamos nos apressar. Esta será uma longa noite.
– Tire um tempo de folga... Descanse... Aproveite...
Xhex murmurava para a turma de móveis antigos enquanto saia do quarto e caminhava em direção ao banheiro. E voltava novamente. E... La novamente até chegar à marmorelândia mais uma vez.
No banheiro que ela compartilhava agora com John, parou perto da enorme Jacuzzi. Perto das torneiras de bronze havia uma bandeja de prata com todo tipo de loções, poções e porcariada de mulherzinha. E aquilo não era nem a metade. Nas pias? Outra bandeja, esta cheia de perfumes Chanel: Cristalle, Coco, Nº 5, Coco Mademoiselle. Em seguida vinha a fina cesta de vime cheia de escovas de cabelo, algumas com cerdas curtas, outras com cerdas pontudas ou uma merda de metal afiado. Nos armários? Uma fileira de vidros de esmaltes de unhas OPI[3] em variações suficientes de malditos rosados que deixariam a própria Barbie com hemorragia nasal. Bem como quinze tipos diferentes de mousse, gel, spray para cabelo.
Sério mesmo?
E sem falar na maquiagem Bobbi Brown[4].
Quem diabos eles achavam que tinha se mudado para cá? Uma daquelas Kardashian malucas?
E falando nisto... Cristo, ela mal podia acreditar que agora sabia quem era Kim, Kourtney, Khloe, Kris; o irmão Rob; o padrasto Bruce, as irmãzinhas Kendall e Kylie; e também o bando de marido(s), namorado(s), e aquele garoto Mason...
Fitando os próprios olhos no espelho, ela pensou, “Bem, isso não era interessante?” Ela conseguiria derreter seu cérebro com o canal E! Entertainement Television.
Por certo, fazia menos sujeira do que serrar a cabeça e o resultado era o mesmo.
– Aquela merda precisava vir com uma etiqueta de advertência.
Quando olhou para seu reflexo, reconheceu o cabelo preto e curto, a pele pálida, o corpo duro e firme. As unhas cortadas. A absoluta falta de maquiagem. Ela estava até vestindo suas próprias roupas, a camiseta regata preta e as calças de couro, um uniforme que ela vestia todas as noites por anos.
Bem, tirando algumas noites atrás. Então ela vestira algo completamente diferente.
Talvez aquele vestido fosse a razão do aparecimento de todas aquelas coisas femininas depois da cerimônia de emparelhamento: Fritz e os doggen devem ter assumido que ela tinha virado uma nova página. Era isto ou isso tudo era parte de um padrão de dar boas-vindas a uma novata shellan emparelhada.
Afastando-se, ela colocou as mãos na base de sua garganta, no grande diamante quadrado que John comprara para ela. Incrustado em resistente platina, era a única peça de joia que ela podia se imaginar usando: forte, sólida, capaz de resistir a uma boa luta e continuar em seu corpo.
Neste novo mundo de Paul Mitchell[5] e Bed Head[6], e das coisas fedorentas da Coco, pelo menos John a entendia. Quanto ao resto deles? Você pode dizer 'educação'? Não foi a primeira vez que ela bancou a professora para um punhado de machos que pensava que somente porque você tem seios, deveria ser mantida em uma gaiola dourada. Se alguém tentasse transformá-la numa mulherzinha da glymera? Ela só observaria através das barras douradas, soltaria uma bomba na base da gaiola e penduraria os restos incendiados num candelabro no vestíbulo.
Dirigindo-se ao quarto, ela abriu o closet e tirou o vestido vermelho que usara durante a cerimônia. O único vestido que já vestira – e tinha de admitir que gostara do jeito que John o tirara com os dentes. E é, claro, as noites de brincadeiras tinham sido ótimas – primeiras férias que ela tinha em uma eternidade. Tudo o que faziam era sexo, alimentar um ao outro, comer ótima comida, alternando momentos de sono.
Mas agora John tinha voltado a campo – enquanto que para ela não estava previsto começar a lutar até a noite seguinte.
Isto era só vinte e quatro horas, um adiamento, não um beco sem saída.
Então, qual diabos era o problema dela?
Talvez todo aquele trelelê feminino tenha despertado sua megera interior sem nenhuma boa razão. Ela não estava presa, ninguém a estava obrigando a mudar a si mesma, e aquela catástrofe da maratona Kardashian na TV tinha sido unicamente sua maldita culpa. E pelas coisas de beleza? Os doggen estavam apenas tentando ser gentis, da única maneira que sabiam.
Não havia muitas fêmeas como ela. E não somente porque ela era metade sympath...
Franzindo o cenho, ela baixou a cabeça.
Deixando o cetim cair de suas mãos, saiu para a rede emocional que havia lá fora, no salão.
Com seus sentidos sympath, a estrutura tridimensional de tristeza, perda e vergonha era tão real quanto uma construção para a qual você podia ir, dar uma olhada, ou entrar. Infelizmente, neste caso, não havia como consertar os danos às estruturas, ou o buraco no teto, ou o fato de que o sistema elétrico não estava mais funcionando. Por mais que ela experimentasse as emoções de alguém como se fosse sua própria casa, não havia como contratar trabalhadores para vir e reparar o que estava quebrado, nada de encanadores ou eletricistas ou pintores para esta merda. Os proprietários da casa tinham de executar as próprias reformas no que estivesse quebrado, amassado e deteriorado; ninguém poderia fazer isto por eles.
Enquanto saía pelo corredor de estátuas, Xhex sentiu um tremor percorrer sua própria casinha. Em seguida, uma figura vestida num manto, mancando lá em cima, era sua mãe.
Deus, aquilo ainda era estranho de dizer, mesmo que apenas em sua mente - e não se aplicava em tantos outros níveis, não é mesmo?
Ela pigarreou. – Boa noite... Ah...
Não soava certo soltar um mahmen ou mãe ou mamãe. No'One, o nome como a fêmea era chamada, não soava confortável, tampouco. Então, novamente, do que você poderia chamar alguém que tinha sido sequestrado por um sympath, violentamente forçada a conceber, e então aprisionada pela biologia a carregar o resultado da tortura?
Nome e sobrenome: Eu e Muito. Nome do meio: Lamento.
Enquanto No'One se virava para ela, o capuz que usava, cobria seu rosto. – Boa noite.
Como estás?
O Inglês era carregado nos lábios da mãe, sugerindo que a fêmea estaria mais confortável falando no Antigo Idioma. E a reverência que ela fez era totalmente desnecessária, torta, provavelmente, por conta da lesão que a tornara manca.
Aquela essência que ela exalava não era Chanel. A menos que eles tivessem recentemente criado uma linha chamada Tragédia.
– Estou bem. – Que tal entediada e inquieta. – Onde estava indo?
– Arrumar a sala de estar.
Xhex engoliu um súbito 'não-mexa-lá'. Fritz não deixava ninguém, além dos companheiros doggen erguer um dedo na mansão – e No'One, apesar do fato de estar ali para servir Payne, estava hospedada em um quarto de hóspede, comia à mesa com os Irmãos, e era aceita ali como mãe de uma shellan emparelhada. Não era uma criada de maneira alguma.
– É, ah... Você não gostaria de... – Fazer o quê? Xhex imaginou. O que as duas poderiam possivelmente fazer juntas? Xhex era uma lutadora. A mãe dela era... Um fantasma com substância. Não tinham nada em comum.
– Está tudo bem, – No'One disse gentilmente. – Isto é difícil...
Um trovão ecoou pelo vestíbulo abaixo, certo como se nuvens tivessem se formado, relâmpagos espocado e a chuva começasse a cair. Enquanto No'One recuava, Xhex olhou por cima do ombro. Que diabos estava...
Rhage, também conhecido como Hollywood, vulgo o maior e mais lindo dos Irmãos, simplesmente pulou no balcão do segundo andar. Quando pousou, seu cabelo louro balançou na direção dela, seus olhos azuis esverdeados em chamas.
– John Matthew ligou. Precisam de uma mão no centro da cidade. Arme-se e nos encontre na porta da frente em dez minutos.
– Beleza. – Xhex assoviou enquanto esfregava as mãos.
Quando se voltou para sua mãe, a fêmea tremia, mas tentava não demonstrar.
– Tudo bem. – Xhex disse. – Sou boa em lutar. Não vou me machucar.
Belas palavras. Só que não era esta a preocupação da fêmea. Sua expressão demonstrava medo... De Xhex.
Dãã. Já que ela era em metade sympath por nascimento, é claro que No'One pensaria “perigosa” antes de “filha”.
– Vou te deixar em paz. – Xhex disse. – Não se preocupe.
Enquanto corria de volta para o quarto, ela não conseguia ignorar a dor em seu peito. Mas também, não podia ignorar a realidade. Sua mãe não a quisera antes.
E ainda não a queria.
E ninguém podia culpá-la.
Por debaixo do tecido de seu manto com capuz, No'One observara a alta, forte e implacável fêmea que ela tinha dado à luz, correr para lutar contra o inimigo.
Xhexania não parecia nem um pouco perturbada pela ideia de encarar lessers mortais. De fato, aquele gesto zombeteiro que fizera à ordem do Irmão sugeria que ela saborearia aquilo.
Os joelhos de No'One fraquejaram enquanto pensava no que ela tinha trazido ao mundo, esta fêmea com poder em seus membros e vingança no coração. Nenhuma fêmea da glymera responderia daquela forma; mas também, a elas nunca teria sido feito um pedido destes.
Mas o sympath estava em sua filha.
Querida Virgem Escriba...
Ainda assim, enquanto Xhexania se virara, havia uma expressão rapidamente dissimulada em seu rosto.
No'One se adiantou, mancando pelo corredor abaixo para o quarto da filha. Diante da porta pesada, bateu suavemente.
Levou um momento até Xhexania abrir. – Oi.
– Eu sinto muito.
Não houve reação. O que provou tudo. – Pelo quê?
– Eu sei o que é não ser estimada pelos pais. Eu não desejo isto para você.
– Está tudo bem. – Xhexania deu de ombros. – Não é como se eu não soubesse de onde você vem.
– Eu...
– Ouça, eu tenho de me aprontar. Entre se quiser, mas saiba que não estou me vestindo para o chá.
No'One hesitou no limiar. Dentro, o quarto estava bem habitado: a cama estava bagunçada, havia calças de couro pendurada em cadeiras; dois pares de botas no chão; duas garrafas de vinho em uma mesa de canto perto da chaise lounge. Em todo redor a essência de um macho puro-sangue vinculado, escura e sensual, revestia o ar.
Revestia Xhexania também.
Houve uma sequência de cliques e No'One olhou em torno do batente. No closet, Xhexania estava colocando algum tipo de arma de aparência horrenda, em seus suportes. Ela se movia com competência, deslizando um coldre embaixo de seu braço e pegando outro. E então foi a vez da munição e um faca...
– Você não vai se sentir melhor a meu respeito se continuar aí.
– Eu não vim por mim.
Aquilo parou os movimentos das mãos. – Então por quê?
– Eu vi a expressão em seu rosto. Eu não quero isto para você.
Xhexania estendeu a mão e pegou a jaqueta preta de couro. Enquanto a vestia, praguejou.
– Olhe, não vamos fingir que alguma de nós queria que eu nascesse, ok? Eu te perdoo, você me perdoa, nós fomos vítimas, bla bla bla bla. Precisamos estabelecer isto e seguir adiante.
– Tem certeza de que é isto que quer?
A fêmea congelou, e então estreitou os olhos. – Eu sei o que você fez. Na noite de meu nascimento.
No'One deu um passo atrás. – Como...
Xhexania apontou para seu próprio peito. – Sympath, lembra. – A guerreira veio para frente, sua marcha implacável. – Isto significa que eu entro nas pessoas, de forma que eu posso sentir o medo que você sente bem agora. E o arrependimento. E a dor. Só de estar perto de mim, você se sente de volta quando tudo aconteceu... E sim, eu sei que você preferiu enterrar uma adaga em seu estômago a encarar um futuro comigo. Então, como eu disse, que tal se você e eu evitássemos uma a outra, e poupássemos a ambas uma discussão?
No'One ergueu o queixo. – De fato, você é uma mestiça.
Sobrancelhas escuras se elevaram. – Como é?
– Você sente somente uma parte do que eu sinto por você. Ou talvez você não queira saber, por suas próprias razões, que eu posso desejar me importar com você.
Apesar do fato da fêmea estar coberta de armas, ela subitamente pareceu vulnerável.
– Em sua rude autoproteção, não separe nossos caminhos. – No'One sussurrou. – Não precisamos forçar uma proximidade que não existe. Mas não nos deixe evitar que ela se desenvolva se houver uma chance. Talvez... Talvez você me diga só esta noite se há uma maneira de te ajudar. Comecemos assim... E vamos ver o que acontece.
Xhexania voltou a mover-se e andou em volta, seu corpo firme e duro parecia o de um macho, seu traje era como de um macho, sua energia masculina. Ela parou quando estava na frente do closet e, depois de um momento, pegou o vestido vermelho que Tohrment tinha lhe dado para a noite de seu emparelhamento.
– Você limpou o cetim? – No'One perguntou. – E eu não estou sugerindo que você o sujou. Tecidos finos devem ser cuidados, para que sejam preservados.
– Não faço a menor ideia por onde começar.
– Permita-me, então?
– Deixa para lá.
– Por favor. Permita-me.
Xhexania desviou o olhar. Em voz baixa disse, – Por que, em nome de Deus, você iria querer fazer isto?
A verdade era tão simples quanto quatro palavras, e ainda assim, tão complexa como um idioma inteiro. – Você é minha filha.
De volta ao centro de Caldwell, Tohr desfez-se do frio e das dores decorrentes da exaustão que o atingia e saiu à caça novamente. O cheiro de sangue lesser fresco era como cocaína em seu sistema, deixando-o ligado e dando-lhe força para ir em frente.
Por trás dele, ouviu os outros dois se aproximarem, e soube malditamente bem que eles não estavam procurando pelo inimigo... Mas arriscando a fodida sorte ao tentar levá-lo de volta à mansão. O alvorecer era a única coisa que conseguiria isto.
Ademais, quanto mais destruído ele estivesse, maiores as chances dele realmente conseguir dormir por uma hora ou duas.
Enquanto contornava a esquina do beco, suas botas derraparam em hesitação. À sua frente, sete lessers circulavam um par de guerreiros, mas não eram Z e Phury, ou V e Butch, ou Blaylock e Rhage.
Havia uma foice nas mãos do guerreiro à esquerda. Uma fodida e agudamente afiada foice.
– Filho da puta. – Tohr murmurou.
O macho com a lâmina curvada tinha os pés plantados no chão, como se fosse um deus, a arma ereta, o rosto feio sorrindo em antecipação como se estivesse prestes a sentar-se para uma boa refeição. Próximo a ele, um vampiro que Tohr não via há eras não era nada parecido com o cara que ele certa vez conhecera no País Antigo.
Parece que Throe, filho de Throe, se unira à turma errada.
John e Qhuinn postaram-se cada um de um lado, e o último olhou em volta. – Não me diga que são os novos vizinhos.
– Xcor.
– Ele nasceu com aquela boca[7], ou alguém fez isso nele?
– Quem sabe.
– Bem, se era para ser uma rinoplastia, ele precisa de um novo cirurgião plástico.
Tohr olhou para John. – Diga a eles para não virem.
Como é? – O garoto gesticulou.
– Eu sei que você mandou uma mensagem para os Irmãos na mansão. Diga-lhes que foi um engano. Agora mesmo. – Quando John começou a discutir, ele cortou a conversa. – Você quer mesmo uma guerra aqui? Você chama a Irmandade, ele chama seus bastardos, e subitamente as coisas saem do controle e estaremos sem estratégia nenhuma. Vamos lidar com isto nós mesmos - Falo fodidamente sério, John. Eu já lidei com estes garotos antes. Você não.
Quando o olhar duro de John encontrou os seus, Tohr teve a sensação, como sempre, que eles já tinham estado juntos em situações como estas, há muito, muito mais tempo do que apenas os poucos últimos meses.
– Você tem de confiar em mim, filho.
A resposta de John foi expressar uma maldição, pegar seu celular e começar a teclar.
Naquele momento, Xcor se deu conta dos visitantes. Apesar do número de lessers à sua frente, ele começou a rir. – São os malditos Adaga Negra - e bem a tempo de nos salvar. Querem que nos ajoelhemos?
Os assassinos viraram – grande erro. Xcor não perdeu tempo, com um golpe circular, atingiu dois deles na parte inferior das costas. Foi sua amostra grátis. Enquanto a dupla caía ao chão, os outros se dividiram em dois grupos, metade enfrentando Xcor e Throe, metade se dirigindo a Tohr e os garotos.
Tohr soltou um rugido e enfrentou o ataque de mãos limpas, pulando a frente e agarrando o primeiro assassino a sua frente. Ele foi direto para a cabeça, agarrando forte, antes de levantar o joelho e esmigalhar o rosto do puto. Então ele rodou a coisa num círculo e jogou o corpo inerte de cabeça, do lado de uma lixeira.
Quando o barulho diminuiu, Tohr encarou o próximo da fila. Ele preferia ter aproveitado mais deste primeiro ataque, mas não ia enrolar: no extremo oposto do beco, outros sete novatos estavam brotando como cobras de uma árvore, escalando a cerca de arame.
Ele sacou duas adagas, firmou as botas no chão, e avaliou uma estratégia de ataque para os recém chegados. Cara... Diga o que quiser sobre as aptidões sociais, éticas e políticas de Xcor; o filho da puta sabia lutar. Ele balançava aquela foice ao redor como se pesasse menos de cem gramas, e ele tinha habilidade de avaliar a distância – pedaços de lesser voavam para todos os lados, mãos, uma cabeça, um braço. O canalha era inacreditavelmente eficiente, e Throe também não ficava atrás.
Contra todos os prognósticos, e contra a escolha de qualquer um deles, Tohr e sua equipe entraram no ritmo dos bastardos: Xcor encarou o primeiro round das lâminas à espera no canto do beco, enquanto seu segundo em comando continha a segunda onda no lugar para que ninguém ficasse preso. Depois, Tohr, John e Qhuinn enfrentaram a massa, um assassino após o outro foram massacrados – retalhados.
Considerando que tinha sido um showzinho no começo, agora era trabalho. Xcor não estava fazendo nenhum movimento exagerado com a lâmina; Throe não estava pulando em volta; John e Qhuinn estavam no páreo.
E Tohr estava afundado até os joelhos em vingança.
Estes eram apenas novatos – então os assassinos não estavam oferecendo muito desafio em termos de habilidade. Em número, no entanto, eram tantos que a maré podia virar...
Um terceiro esquadrão apareceu na cerca.
Enquanto eles desciam da cerca um após o outro, Tohr lamentou a ordem que havia dado a John. Aquilo tinha sido a vingança falando. Foda-se a merda de evitar um confronto entre a Irmandade e o Bando de Bastardos; ele quisera as mortes para si mesmo. O resultado? Ele colocara as vidas de Qhuinn e John em risco. Xcor e Throe – eles podiam morrer esta noite, na noite seguinte, no ano que vem, que fosse. E quanto a ele mesmo – bem, era possível pular de uma ponte de centenas de formas diferentes.
Mas os garotos...? Valia à pena protegê-los. John era o hellren de alguém agora. E Qhuinn tinha muita vida pela frente ainda.
Não era justo que sua morte levasse-os a sepultura precocemente.
Xcor, filho de um pai desconhecido, tinha sua amante nas mãos. Sua foice era a única fêmea que ele já tinha se importado, e esta noite, enquanto dava conta do que começara com sete inimigos, e então cresceu para quatorze, e depois se tornara vinte e um, ela pagava sua lealdade com um desempenho inigualável.
A medida que se moviam juntos, ela era a extensão não apenas de seus braços, mas de seu corpo, seus olhos, seu cérebro. Ele não era um soldado com uma arma; unidos, eles eram a besta com poderosa mandíbula. E enquanto eles trabalhavam, ele soube que era disto que tinha sentido falta. Isto era porque ele tinha atravessado o oceano para o Novo Mundo: para encontrar uma vida nova em uma terra nova onde ainda houvesse muitos dos velhos inimigos valorosos.
Após sua chegada, no entanto, suas ambições tinham identificado um objetivo ainda mais nobre. E isto significava que os outros vampiros deste beco estavam em seu caminho.
No extremo oposto da rua, Tohrment, filho de Hharm era algo que valia a pena ver. Tanto quanto Xcor odiava admitir, o Irmão era um guerreiro incrível, girando aquelas adagas negras, que capturavam a luz ambiente, com braços e pernas mudando de posição tão rápido quanto uma batida de coração, o equilíbrio e execução – pura perfeição.
Se ele fosse um dos machos de Xcor, o Irmão bem poderia ter que ser eliminado para que Xcor mantivesse sua posição de liderança: era um mandamento básico de liderança que um fosse eliminado caso representasse um risco potencial para a posição do outro... Embora isso não significasse que seu bando fosse de incompetentes – afinal de contas, era preciso eliminar os fracos também.
O Bloodletter tinha lhe ensinado esta e outras lições.
Ao menos algumas eram mentiras.
Nunca haveria lugar para os como Tohrment em seu bando de bastardos, no entanto: aquele Irmão e seus iguais não se rebaixariam a si próprios por uma refeição compartilhada, muito menos por qualquer associação profissional.
Embora uma associação tenha sido feita esta noite, por um breve período. Enquanto a luta progredia, ele e Throe entraram numa cooperação com os Irmãos, atacando lessers em grupos pequenos ao alcance da lâmina, imediatamente após eles serem despachados para o Ômega pelos outros três.
Dois Irmãos, ou candidatos a Irmãos, estavam com Tohr, e ambos eram maiores do que ele – de fato, Tohrment, filho de Hharm, não estava tão grande quanto ele costumava ser. Talvez se recuperando de ferimentos recentes? Fosse qual fosse a causa, Tohr escolhera seus companheiros com sabedoria. O da direita era um macho enorme, cujo tamanho depunha a favor do programa de procriação da Virgem Escriba. O outro era mais parecido com Xcor e seus machos em altura e largura – o que equivalia a dizer que não era pequeno. Ambos trabalhavam incessantemente e sem hesitação, sem demonstrar medo algum.
Quando finalmente acabou, Xcor respirava com dificuldade, suas têmporas e bíceps anestesiados do exercício. Todos que tinham presas estavam em pé. Todos os que tinham sangue negro nas veias se foram, enviados de volta ao seu criador maligno.
Os cinco permaneceram em posição, armas ainda nas mãos enquanto arfavam, olhos procurando por qualquer sinal de agressão por parte dos outros.
Xcor olhou para Throe e acenou com a cabeça levemente. Se os outros Irmãos tivessem sido chamados, não seria o tipo de confronto do qual sairiam vivos. Se fosse só com esses três? Ele e seu soldado teriam uma chance, mas haveria lesões.
Ele não tinha vindo a Caldwell para morrer. Ele veio para ser rei.
– Estava ansioso para revê-lo, Tohrment, filho de Hharm. – ele disse.
– Indo embora tão cedo? – o Irmão retrucou.
– Achou que eu iria fazer uma reverência a sua frente?
– Não, isto requereria educação.
Xcor sorriu friamente, revelando as presas que se alongaram. Seu temperamento era mantido pelo seu autocontrole – e o fato de que ele já tinha começado a trabalhar na glymera. – Ao contrário da Irmandade, nós somos somente soldados que realmente trabalham a noite. Então, ao invés de beijar o anel por um hábito antiquado, vamos procurar e eliminar mais dos inimigos.
– Eu sei por que está aqui, Xcor.
– Você sabe ler pensamentos?
– Você vai ser morto.
– De fato. Ou talvez seja o contrário.
Tohrment balançou a cabeça lentamente. – Considere isto um aviso amigável. Volte para o lugar de onde veio, antes que desencadeie acontecimentos que te levarão para a cova antes do tempo.
– Eu gosto daqui. O ar é estimulante deste lado do oceano. Por falar nisso, como vai a sua shellan?
A corrente de ar frio que avançou era o que ele queria. Ele tinha ouvido um falatório de que a fêmea Wellesandra tinha sido assassinada na guerra algum tempo atrás, e ele não tinha escrúpulos em usar quaisquer armas contra o inimigo.
E o tiro foi certeiro. Imediatamente, os dois machos ao lado do Irmão deram um passo e o agarraram. Mas não haveria luta ou discussão. Não nesta noite.
Xcor e Throe se desmaterializaram, dispersando-se na noite fria de primavera. Ele não se preocupava se seriam seguidos. Aqueles dois se certificariam de que Tohr estava bem, o que significava que eles iriam dissuadi-lo de qualquer vingança impensada que pudesse resultar em uma armadilha.
Eles não tinham como saber que ele não conseguiria acessar o resto de sua tropa.
Ele e Throe se materializaram no topo do mais alto arranha-céu da cidade. Ele e seus soldados tinham sempre um ponto de encontro, de forma que o bando poderia se reunir de vez em quando durante a noite, e este telhado imponente não era apenas facilmente visível de todos os cantos do campo de batalha, parecia apropriado.
Xcor gostava da vista das alturas.
– Precisamos de telefones celulares. – Throe disse, acima do ruído do vento.
– Precisamos?
– Eles os tem.
– O inimigo, quer dizer?
– Sim. Todos eles. – Quando Xcor não disse nada mais, seu braço-direito murmurou, – Eles têm meios de se comunicarem...
– Não precisamos disto. Se você se permite confiar em gente de fora, eles se tornam armas contra você. Nós temos nos saído muito bem sem tal tecnologia, por séculos.
– E esta é uma nova era, em um novo lugar. As coisas são diferentes aqui.
Xcor olhou por sobre os ombros, trocando a vista da cidade pela vista de seu segundo em comando. Throe, filho de Throe, era um bom exemplo de raça, feições perfeitas, e corpo atraente que, graças às lições de Xcor, agora não era mais somente decorativo, mas útil. Na verdade, ele tinha crescido no passar dos anos, finalmente merecendo o direito de declarar seu gênero como masculino.
Xcor sorriu friamente. – Se as táticas dos Irmãos e seus métodos são tão bons, porque a raça está se extinguindo?
– Coisas acontecem.
– E às vezes elas são o resultado de erros – erros fatais. – Xcor retomou sua vista da cidade. – Você consegue conceber o quão facilmente estes erros podem ser cometidos.
– Tudo o que estou dizendo...
– Este é o problema com a glymera - sempre procurando pelo caminho mais fácil. Eu pensei que tinha arrancado esta tendência de você anos atrás. Precisa que eu te relembre?
Enquanto Throe calava a porra da boca, Xcor sorriu mais largamente.
Concentrando-se na extensão de Caldwell, ele sabia que, por mais escura que fosse a noite, seu futuro seria de fato, brilhante.
E cimentado com os corpos da Irmandade.
– Onde infernos estão encontrando todos esses recrutas? – Qhuinn perguntou enquanto caminhava pela cena da luta, suas botas golpeando o sangue negro.
John mal ouvia o cara, embora seus ouvidos estivessem funcionando perfeitamente bem. Com a partida daqueles bastardos, ele permanecia colado ao lado de Tohr. O Irmão parecia ter se recuperado daquele inesperado chute no saco que Xcor havia lhe dado, mas ainda estava loooonge de relaxar.
Tohr limpou suas lâminas negras em sua coxa. Respirou profundamente. Expirou o que parecia ter saído de um buraco interno.
– Ah... A única coisa que faz sentido em Manhattan. Você precisa de uma grande população. Com muitas sementes más na periferia.
– Quem é esse Fore-lesser?
– Um merdinha, pelo que ouvi.
– Direto do beco do Ômega.
– Esperto, apesar de tudo.
No momento em que John ia abordar toda a questão da hora da Cinderela-se-transformar-em-abóbora, sua cabeça girou.
– Existem mais. – Tohr disse grunhindo.
É, mas este não era o problema.
A shellan de John estava lá fora nos becos.
Instantaneamente, tudo veio à sua mente; sua descarga de banheiro foi acionada. Que diabos ela estava fazendo fora da mansão? Ela não estava em patrulha. Ela deveria estar em casa...
Assim que o odor fresco de um lesser respirando entrou em seu nariz, uma profunda convicção interna se apossou de seu peito: Ela não deveria estar aqui fora de jeito nenhum.
– Eu preciso pegar meu casaco. – Tohr disse. – Fique aqui e eu irei com você.
Sem. Chance.
No instante em que Tohr se desmaterializou de volta à ponte John disparou suas botas ecoando no asfalto enquanto Qhuinn gritava algo que terminou com:
– Filho da puta!
Tanto faz. Diferente das selvagens, loucas e maníacas diversões de Tohr, isso era importante.
John atravessou o beco, caiu numa rua lateral, pulou sobre duas fileiras de carros estacionados, girou em um desvio...
E ali estava ela, sua companheira, sua amante, sua vida, enfrentando um quarteto de lessers em frente a um alojamento abandonado, ladeada por um grande, loiro e irritante traidor.
Rhage jamais deveria tê-la convocado. John havia dito reforços, com toda certeza ele não quis dizer a sua Xhex. E em segundo lugar, ele havia dito a eles para ficarem em casa, como Tohr havia requisitado. Que merda eles estavam...
– Ei! – Rhage chamou animado. Como se os estivesse convidando para uma festa. – Eu pensei que nós podíamos tomar um ar essa noite no liiiindo centro de Caldwell.
Certo. Esse era um momento no qual ser mudo era uma merda. Seu maldito filho...
Xhex se virou para olhar para ele e foi aí que aconteceu. Um dos lessers estava sacando uma faca e o filho da puta tinha tanto um bom braço quanto um grande alvo: a lâmina voou pelo ar, o cabo sobre o ponto.
Até que de repente parou... No peito de Xhex.
Pela segunda vez na noite, John gritou sem emitir som algum.
Enquanto seu corpo avançava, Xhex se precipitou contra o assassino, uma expressão de raiva comprimindo seu rosto. Sem perder um segundo, ela agarrou o cabo e retirou a arma de sua própria carne, mas quanto tempo sua força iria durar? Aquilo havia atingido diretamente...
Jesus Cristo! Ela ia tentar dar um fim no bastardo. Mesmo ferida, ela estava indo atrás dele com unhas e dentes... E acabaria se matando no processo.
O único pensamento que disparou pela cabeça de John era que ele não queria terminar como Tohr. Ele não queria andar por aquele trecho do inferno na terra.
Ele não queria perder sua Xhex essa noite, nem amanhã à noite, nenhuma noite. Nunca.
Abrindo sua boca, ele rugiu todo ar para fora de seus pulmões. Não estava consciente de estar se desmaterializando, mas ele estava sobre aquele lesser tão rápido que desvanecer e se materializar era a única explicação para o que estava acontecendo. Travando na garganta da coisa com sua palma da mão, ele empurrou o pedaço de merda para o chão deixando seu próprio peso segui-lo. Quando eles atingiram o chão, esmurrou a cara do lesser, esmagando o nariz e, provavelmente, quebrando o osso do malar ou uma cavidade ocular.
Não parando por aí.
Ao mesmo tempo em que o sangue negro espirrava sobre todo seu corpo, ele arreganhou suas presas e as enfiou no inimigo enquanto mantinha a coisa no chão. O instinto destrutivo estava tão finamente sintonizado e focado, que ele teria continuado até que estivesse mastigando o próprio pavimento, mas aí, seu lado racional surgiu como que dizendo e-aí-como-vai?.
Ele precisava avaliar os ferimentos de Xhex.
Sacando sua adaga, ele ergueu os braços e travou seu olhar com o do assassino. Ou do que sobrou do par de olhos do lesser.
John enterrou aquela lâmina tão profundamente forte que depois do flash de luz e a explosão esvanecerem, ele precisou do agarre das duas mãos e da força de todo seu corpo para retirar a arma do asfalto. Se recuperando da luta, ele rezou para ver Xhex...
Ela estava mais do que de pé. Ela estava enfrentando outro do grupo, mesmo com uma crescente mancha vermelha saindo do seu peito e seu braço direito solto, sem utilidade.
John quase perdeu sua sanidade.
Levantando-se, ele atirou seu corpo entre sua companheira e o inimigo e, enquanto a empurrava fora do caminho, levou um golpe direcionado a ela, um sólido balançar com um taco de baseball que soou os sinos de sua igreja e momentaneamente o fez perder o equilíbrio.
Exatamente o tipo de coisa que a teria derrubado e selado seu caixão.
Com uma alternada rápida, ele restabeleceu seu equilíbrio e então agarrou a segunda tentativa do lesser de atingi-lo com ambas as mãos.
Um rápido golpe e ele acertou o lesser no rosto com sua própria tacada, dando ao morto-vivo meio segundo para clarear as coisas em sua cabeça. E chegou a hora de finalizar.
– Mas que inferno! – Xhex gritou no momento em que ele forçava o assassino no chão.
Não era uma boa forma de se comunicar, considerando que as mãos dele estavam na garganta do lesser. E então novamente, não iria ajudar em nada se ela soubesse o que se passava na cabeça dele.
Com uma estocada rápida, John despachou o assassino de volta para o Ômega e se levantou. Seu olho esquerdo, o que havia sido atingido pelo taco, estava começando a inchar e ele podia sentir sua pulsação em seu rosto. Nesse ínterim, Xhex continuava sangrando.
– Nunca mais faça isso comigo. – Ela sibilou.
Ele queria enfiar seu dedo na cara dela, mas se o fizesse, não conseguiria falar. Então não lute quando estiver ferimento-feri-ferida!
Cristo, ele não conseguia nem se comunicar direito, seus dedos tropeçando nas palavras.
– Eu estava bem!
Você está sangrando, merda...
– É um ferimento.
Então por que você não consegue levantar seu braço!
Os dois estavam se aproximando um do outro, não de um jeito bom, seus maxilares projetados para frente, seus corpos debruçados agressivamente. E, quando ela não respondeu ao seu último argumento, ele soube que sua suposição estava correta – soube, também, que ela estava sofrendo.
– Eu posso cuidar de mim mesma, John Matthew. – Ela disparou. – Eu não preciso de você olhando sobre meus ombros porque sou uma fêmea.
Eu teria feito o mesmo por um dos Irmãos. – Bem, pela maioria deles teria feito. – Então não me venha com essa baboseira feminista pra cima de mim...
– Baboseira feminista?!
Foi você quem mencionou seu sexo, não eu.
Os olhos dela se estreitaram. – Oh, é mesmo. Por mais engraçado que isso seja você não me convence. E se você pensa que o fato de me defender sozinha se trate de um maldito discurso político, você se emparelhou com a droga da fêmea errada.
Isso não é sobre você ser fêmea!
– Uma merda que não é!
E com essa citação, ela inspirou profundamente, como se para lembrá-lo de que seu odor de vinculação estava tão forte, que sobrepunha até mesmo todo o cheiro fétido do sangue lesser espalhado a sua volta.
John mostrou suas presas e assinalou. – Isto é sobre sua estupidez em criar uma desvantagem no campo de batalha.
A boca de Xhex se abriu, mas em seguida, ao invés de responder, ela só o encarou.
Abruptamente, ela cruzou seu braço bom sobre seu peito e olhou por sobre o ombro esquerdo dele, lentamente balançando a cabeça para trás e para frente.
Como se ela estivesse se arrependendo não apenas do que acabara de acontecer, mas talvez de tê-lo conhecido em primeiro lugar.
John praguejou e começou a andar de um lado para o outro, só para descobrir que todo mundo ali no beco – e que seriam Tohr, Qhuinn, Rhage, Blaylock, Zsadist e Phury – estava assistindo ao show. E o que você sabe, cada um dos machos tinha uma expressão que sugeria que eles estavam realmente, verdadeiramente, completamente e plenamente felizes de que a última declaração de John não havia saído das suas bocas.
Vocês se importam?! – John acenou com o olhar.
Na dica, o grupo começou a disfarçar, olhando para o céu escuro, abaixo para o pavimento, através dos tijolos nas paredes do beco. Murmúrios masculinos flutuavam na brisa fétida, como se eles estivessem numa convenção de críticos de cinema discutindo o filme que havia acabado de ser projetado na tela.
Ele não dava a mínima para suas opiniões.
E nesse momento de raiva, ele não ligava para a de Xhex também.
De volta à mansão da Irmandade, No’One tinha o vestido da cerimônia de emparelhamento de sua filha nas mãos e um doggen plantado a sua frente, frustrando sua busca por direções para a lavanderia no segundo andar. A primeira pergunta foi bem-vinda; a segunda não.
– Não, – ela disse novamente. – Eu mesma devo cuidar disso.
– Ama, por favor, é uma coisa simples para...
– Então me deixar cuidar do vestido não deve ser nenhum problema para você.
O rosto do doggen se abateu tanto, que era uma maravilha que ele não precisasse elevar os olhos para encontrar com os seus. – Talvez… Eu devesse apenas checar com meu superior...
– E talvez eu devesse dizer a ele o quão prestativo você foi me mostrando os produtos de limpeza e o quanto eu apreciei os seus ótimos serviços prestados a mim.
Embora seu capuz estivesse erguido escondendo sua face, o doggen parecia medir as intenções dela claramente. Ela não seria convencida do contrário. Não por esse membro dos empregados e nem por nenhum outro. A única opção dele seria jogá-la por cima dos ombros e carregá-la para fora dali e isso jamais ocorreria.
– Eu estou…
– Prestes a me mostrar o caminho, não é mesmo?
– Ah... Sim, ama.
Ela inclinou a cabeça. – Obrigada
– Posso pegar…
– A dianteira? Sim, por favor. Obrigada.
Ele não iria segurar o vestido para ela. Ou limpá-lo. Ou pendurá-lo. Ou guardá-lo.
Isso era entre ela e sua filha.
Com o desânimo digno de um náufrago, o servo se virou e começou a caminhar, guiando-a pelo longo corredor decorado com belas estátuas de mármore com machos em diversas posições. Em seguida, através de algumas portas giratórias no final, para a esquerda e através de outro conjunto de portas.
A partir deste ponto, tudo mudou. A passadeira no piso de madeira não era mais Oriental, mas um simples e limpo, de cor creme. Não havia nenhuma arte nessas paredes impecáveis e suaves e, as janelas eram cobertas não com grandes faixas de cor com franjas e borlas[8], mas com pesados tecidos de algodão na mesma cor clara.
Eles haviam entrado na ala dos servos da mansão.
A justaposição havia sido a mesma na mansão de seu pai: um padrão para a família. Um padrão para os criados.
Pelo menos era o que tinha ouvido. Ela nunca havia ido para a parte dos fundos da casa quando viveu lá.
– Isso deve ser, – o doggen abriu um par de portas, – tudo o que a ama procura.
O aposento era do tamanho da suíte que ela possuía na casa de seu pai, grande e espaçoso. Exceto que não haviam janelas. Nenhuma grande cama com um conjunto de móveis feito a mão. Nenhum tapete bordado em pêssego, amarelo e vermelho. Nenhum guarda-roupa repleto de roupas da moda vindas de Paris, ou gavetas de joias, ou cesto com fitas de cabelo.
Isso era onde ela pertencia agora. Especialmente enquanto o doggen descrevia os diversos utilitários brancos, como as máquinas de lavar e secadoras e depois, detalhava a operação da tábua de passar e dos ferros.
Sim, a ala dos servos, muito mais do que as acomodações de hóspedes, era seu lar e, tinha sido sempre desde que ela… Encontrou a si mesma em um lugar diferente.
Na verdade, se ela pudesse convencer alguém, qualquer pessoa, a deixá-la ter um quarto aqui embaixo nesta parte da mansão, seria preferível. Infelizmente, de qualquer maneira, como mãe da shellan de um dos principais guerreiros da casa, foram-lhe concedidos privilégios, os quais ela não merecia.
O doggen começou a abrir os armários e as despensas, mostrando a ela toda a espécie de equipamentos e misturas descritos como vaporizadores e removedores de manchas e prensas...
Terminado o tour, ela se aproximou e se ergueu desajeitadamente no seu pé bom para pendurar o cabide do vestido na maçaneta.
– Existe alguma mancha a qual a senhora tenha conhecimento? – o doggen perguntou enquanto ela examinava a saia.
No’One seguiu o mesmo procedimento em cada pedaço de toda a parte de baixo, no corpete e nas mangas. – Há apenas esta que eu consigo ver. – ela se inclinou cuidadosamente para não por muito peso em sua perna fraca. – Aqui onde a barra encosta no chão.
O doggen fez o mesmo e inspecionou a mancha escurecida no tecido, suas pálidas mãos tão seguras, seu semblante era de concentração ao invés de confusão.
– Sim, lavagem manual a seco, eu creio.
Ele a levou para o outro lado do aposento e descreveu um processo que com certeza levaria horas. Perfeito. E antes que ela o deixasse partir, insistiu que ele ficasse ao seu lado durante os primeiros procedimentos. Como isso o faria se sentir mais útil, funcionaria para ambos.
– Acredito que estou pronta para continuar sozinha. – ela disse eventualmente.
– Muito bem, ama. – ele fez uma reverência e sorriu. – E devo descer e contribuir com o preparo da Última Refeição. Se vir a precisar de qualquer coisa, por favor, me chame.
Pelo que ela aprendeu desde sua chegada, isso requereria um telefone…
– Aqui. – ele disse por cima do balcão. – Aperte asterisco, em seguida um e pergunte por mim, Greenly.
– Você foi de grande ajuda.
Ela afastou o olhar rapidamente, não querendo vê-lo fazer uma reverência a ela. E não tentou respirar fundo até que a porta se fechasse atrás dele.
Agora só, ela colocou as mãos nos quadris e deixou sua cabeça cair por um instante, a pressão em seu peito dificultando que o ar preenchesse seus pulmões.
Quando ela chegou aqui, esperava ter que fazer um grande esforço – e teve, só que não com as coisas nas quais imaginava que teria.
Ela não havia considerado como seria difícil existir numa casa aristocrática. A casa da Primeira Família, na verdade. Pelo menos no período em que ela esteve com as Escolhidas, havia outro ritmo e outras regras, com ninguém abaixo dela. Aqui? A posição elevada, que as pessoas forçavam sobre ela, cortava seu oxigênio na maioria do tempo.
Querida Virgem Escriba, talvez ela devesse ter pedido para o servo ficar. Ao menos a natural necessidade por compostura a mantinha firme em suas costelas. Com ninguém de quem se esconder, contudo, ela lutava para respirar.
O manto teria que ser retirado.
Mancando até as portas, ela pretendia trancá-las, mas descobriu que não havia o mecanismo. Não era o que ela estava esperando.
Puxando uma pequena abertura, ela colocou a cabeça para fora e checou duas vezes o longo pátio.
Todos os servos estariam no andar de baixo preparando a comida para as pessoas da casa. E o mais importante era que não existia possibilidade de que mais ninguém além dos doggens viesse para esta parte da mansão.
Ela estava a salvo de outros olhares.
Fechando-se no aposento novamente, ela soltou o nó em volta de sua cintura, removeu o capuz de sua cabeça e então se despiu do peso que ela suportava sempre quando em público. Ah, glorioso alívio. Erguendo bem os braços, alongou os ombros, a as costas e então puxou seu pescoço de um lado para o outro. Sua última ação foi levantar a pesada trança de seu cabelo e colocá-la sobre seu ombro, aliviando um pouco da pressão em sua nuca.
Salvo aquela primeira noite em que ela havia chegado a esta casa e confrontado sua filha, bem como o Irmão que havia tentado salvar sua vida há muito tempo, ninguém mais havia visto seu rosto. E ninguém mais iria. Desde aquela breve revelação, ela sempre se manteve coberta e iria permanecer dessa forma.
A prova de sua identidade havia sido um mal necessário.
Como sempre, ela usava por baixo de sua túnica uma simples vestimenta de linho que ela mesma tinha confeccionado. Possuía várias dessas e quando elas ficavam muito desgastadas, ela as reutilizava como toalhas para se enxugar. Ela não estava certa de onde encontraria o tecido para substituí-las aqui, mas esse não era o problema. A fim de se recompor fisicamente para que não precisasse se alimentar, ela retornaria regularmente para o Outro Lado e lá conseguiria o que necessitasse.
Os dois lugares eram tão diferentes. E ainda assim, suas horas eram as mesmas: infinitas, solitárias...
Não, não inteiramente solitárias. Ela tinha vindo a este lado para encontrar sua filha, e agora que a tinha encontrado, ela iria...
Bem, esta noite, ela iria limpar este vestido.
Acariciando o tecido delicado, ela não pôde impedir as lembranças de emergirem, um gêiser nada bem-vindo.
Ela tivera vestidos como este. Dúzias deles. Eles tinham enchido o armário de seu quarto de dormir, aquele quarto lindamente mobiliado que tinha portas francesas.
As quais se provaram menos do que seguras.
Enquanto os olhos dela se enevoaram, ela lutou contra o puxão do passado. Ela já passara por aquele buraco negro mais vezes do que podia contar...
– Você devia queimar este manto.
No’One girou tão rápido que quase derrubou o vestido da bancada.
Na porta estava um forte macho com cabelos loiros e negros. Na verdade, ele era tão grande que preenchia o umbral duplo, mas isto não era o mais chocante.
Ele parecia brilhar.
Mas também, ele estava coberto de ouro, argolas e pregos marcando as orelhas, sobrancelhas, lábios, garganta.
No’One esticou as mãos para o que normalmente a cobria, e ele ficou parado calmamente enquanto ela vestia o manto.
– Melhor? – ele disse suavemente.
– Quem é você?
O coração dela batia tão rápido que as três palavras saíram apressadamente. Ela não era boa com machos em lugares fechados, e este lugar era muito fechado, e ele era muito macho.
– Sou seu amigo.
– Então porque ainda não fomos apresentados?
– Algumas pessoas diriam que isto foi sorte sua, – ele murmurou. – E você já me viu, às refeições.
Ela provavelmente tinha visto mesmo. Comumente ela mantinha a cabeça baixa e os olhos no prato, mas sim, ele tinha estado por lá.
– Você é muito bonita, – ele disse.
Somente duas coisas evitaram que ela entrasse em pânico: primeiro, não havia especulação naquela voz profunda dele, nada de calor masculino, nada que a fizesse sentir-se uma presa; e segundo, ele tinha mudado de posição, estava recostado contra o batente da porta agora – deixando-lhe espaço para fugir se ela precisasse.
Como se ele soubesse que a deixava nervosa.
– Eu tenho te dado tempo para se ambientar e entender seu comportamento, – ele murmurou.
– Por que você faria isto?
– Porque você está aqui por um motivo muito importante, e eu vou te ajudar.
Os olhos do macho, brilhantes e sem pupilas travaram-se nos seus, mesmo que o rosto dela estivesse nas sombras... Como se ele não estivesse somente olhando para ela, mas dentro dela.
Ela deu um passo para trás.
– Você não me conhece.
Ao menos esta era uma verdade tão sólida que ela conseguiria plantar os pés sobre ela: mesmo se este, sabe-se lá quem, fosse um conhecido de seus pais, sua família, sua linhagem, ele não a conhecia. Ela não era mais quem uma vez fora: o sequestro, o nascimento, sua morte tinha apagado de vez aquele quadro.
Ou tinha-o quebrado em pedaços, mais precisamente.
– Eu sei que você pode me ajudar, – ele disse, – Que tal isto?
– Você está procurando uma criada?
Difícil de imaginar, dado o número de empregados nesta casa – mas este não era o ponto. Ela não queria servir um macho de nenhuma forma mais próxima.
– Não. – Agora ele sorriu, e ela teve de admitir que ele parecia um pouco... Gentil. – Você sabe, sua escolha não precisa ser por servir.
Ela elevou um pouco o queixo. – Todos os trabalhos são honrados.
Aquele era um fato que ela desconhecia antes de tudo mudar. Querida Virgem Escriba, ela tinha sido uma pirralha mimada e estragada. E desfazer-se daquelas roupas feias e cravejadas de joias, de auto-presunção tinha sido a única coisa boa que sobrara disto tudo.
– Não sustentaria o contrário. – Ele inclinou a cabeça, como se estivesse imaginando-a em um lugar diferente, com roupas diferentes. Ou talvez ele só estivesse com torcicolo; sabe-se lá. – Pelo que sei, você é a mãe da Xhex.
– Ela nasceu de mim, sim.
– Eu ouvi dizer que Darius e Tohr a deram à adoção depois do nascimento.
– Eles o fizeram. Eles me ampararam durante minha convalescência. – Ela pulou a parte sobre ter pegado a adaga dele e tê-la enterrado em sua própria carne: ela já tinha falado demais com este macho.
– Você sabe, Tohrment, filho de Hharm, passa muito tempo olhando para sua direção às refeições.
No’One recuou. – Tenho certeza de que está enganado.
– Meus olhos funcionam muito bem. Os dele também, aparentemente.
Agora ela riu, a dura e curta explosão escapando de sua garganta. – Posso assegurar-lhe, não é por me achar bonita.
O macho deu de ombros, – Bem, amigos podem discordar.
– Com o devido respeito, não somos amigos. Eu não o conheço...
Abruptamente, o quarto se encheu de um brilho dourado, a luz tão intensa e deliciosa, que ela sentiu a pele pinicar de calor.
No’One deu mais um passo para trás enquanto percebia que não era uma ilusão de ótica cortesia de todas as joias que ele usava. O macho era a fonte da iluminação, seu corpo, seu rosto, sua aura como fogo contido.
Enquanto ele sorria para ela, sua expressão era a de um homem santo. – Meu nome é Lassiter, e eu vou dizer-lhe tudo o que precisa saber sobre mim. Eu sou um anjo, em primeiro lugar, e um pecador, em segundo, e eu não vou ficar por aqui por muito tempo. Eu nunca vou machucá-la, mas estou pronto para fazê-la malditamente desconfortável, se isto for preciso para fazer meu trabalho. Eu gosto de por do sol e longas caminhadas na praia, mas minha fêmea perfeita não mais existe. Oh, e meu hobby favorito é irritar pessoas. Acho que fui criado para tirar as pessoas do sério – provavelmente devido a toda aquela coisa de ressurreição.
As mãos de No’One se elevaram e seguraram o manto em um agarre apertado. – Por que você está aqui?
– Se eu te dissesse agora, você lutaria com unhas e dentes, mas vamos apenas dizer que eu acredito em círculos completos... Eu simplesmente não tinha visto o círculo no qual estamos até que você chegou. – Ele fez uma ligeira reverência.
– Cuide-se... E deste vestido bonito.
Com isto, ele se foi, deslizando para longe, levando o calor e a luz com ele.
Recostando-se contra o balcão, ela levou um tempo para perceber que a mão doía. Olhando para baixo, ela olhou a distância, vendo as juntas esbranquiçadas e a carne rígida contra a lapela do manto, como se fossem membros de outra pessoa.
Era sempre assim quando ela olhava para qualquer parte de seu corpo.
Mas ao menos, ela podia controlar sua carne: seu cérebro ordenava à mão anexada ao braço que estava grudado ao torso para soltar e relaxar.
Enquanto as mãos obedeciam, ela olhou novamente para o local onde o macho tinha estado. As portas estavam fechadas. Exceto... Ele não tinha fechado, tinha?
Ele tinha ao menos estado aqui?
Ela adiantou-se e olhou para o corredor. Em todas as direções... Não havia ninguém.
Após quase duzentos anos de emparelhamento, Tohr estava bem familiarizado com as discussões entre guerreiros estupidamente teimosos e suas fêmeas de temperamento forte. E como era ridículo ter um momento de nostalgia logo agora quando John e Xhex estavam quase arrancando os olhos um do outro.
Deus, ele e sua Wellsie tinham tido alguns bons rounds em seus dias.
Só uma coisa a mais para lamentar.
Trazendo seu cérebro exausto aos trilhos novamente, ele se postou entre o par, percebendo que a situação precisava de uma injeção de realidade. Se tivesse sido qualquer outro casal, ele não teria gasto o fôlego. Romance não era seu negócio – indo eles bem ou mal – mas se tratava de John. Ele era... O filho que ele uma vez esperara ter.
– Hora de voltar à mansão, – ele disse. – Vocês dois precisam de cuidados.
– Fique fora disto.
Fique fora disto.
Tohr esticou a mão e agarrou a nuca de John Matthew, apertando aqueles tendões até que o macho foi forçado a olhar para ele. – Não precisa ser um imbecil sobre isto.
Oh, claro, tudo bem então você ser imbecil...
– Você está certo, garoto. Este privilégio vem com a idade. Agora cale a boca e entre na porra do carro.
John franziu a testa como se só agora tivesse notado que Butch tinha chegado com o Escalade.
– E você, – Tohr disse em um tom mais suave. – Faça um favor a todos nós e cuide deste ombro. Depois disto, você pode chamá-lo de fodido cabeça-de-vento, dizer que ele tem a cabeça enfiada no rabo, e muitas outras coisas que lhe ocorrerem - mas agora, este seu ferimento está cicatrizando em três ou quatro diferentes maneiras ruins. Você precisa ver nosso cirurgião rápido, e como você é uma fêmea razoável, eu sei que sabe que estou certo.
Tohr esticou o dedo indicador e enfiou-o na cara de John. – Cala. Boca. E não, ela vai voltar sozinha à mansão. Não vai, Xhex? Ela não vai entrar neste carro com você.
As mãos de John começaram a se mover, mas pararam quando Xhex disse, – Ok, vou para o norte agora.
– Bom. Vamos lá, filho. – Tohr empurrou John na direção da SUV, preparado para agarrá-lo pelos cabelos curtos se fosse preciso. – Hora de dar uma voltinha.
Cara, John estava tão puto que seria possível fritar um ovo em sua testa.
No entanto. Merda. Tohr abriu a porta do lado do passageiro e jogou o guerreiro no banco da frente como se ele fosse uma mala com uma muda de roupa, ou um saco de tacos de golfe, ou talvez um saco de compras.
– Pode colocar o cinto como um garoto crescido ou devo fazer isto por você?
Os lábios de John se separaram, revelando as presas.
Tohr só balançou a cabeça e apoiou um braço na pintura negra da SUV. Cara, ele estava cansado pra caralho. – Ouça-me... Como um macho que já passou por isto milhões de vezes... Vocês dois precisam de um pouco de espaço agora. Quartos separados, um pouco de calmaria... Então vocês poderão conversar sobre a merda toda e... – Sua voz ficou melancólica. – Bem, sexo de reconciliação é fantástico, pelo que eu me lembre.
A boca de John Matthew formou algumas variações de porra. Então ele bateu a cabeça contra o encosto. Duas vezes.
Nota mental: pedir a Fritz para verificar danos estruturais no banco do carro.
– Acredite em mim, filho. Vocês dois vão passar por isto de vez em quando, e você bem pode começar a lidar com isso de forma racional agora. Levou-me uns bons cinquenta anos piorando as coisas até que aprendi um jeito melhor de discutir. Aprenda com meus erros.
A cabeça de John girou enquanto ele começava a formar com a boca, Eu a amo tanto. Eu morreria se algo acontecesse a e...
Quando ele parou de súbito, Tohr respirou profundamente através da dor em seu peito. – Eu sei. Acredite-me... Eu sei.
Batendo a porta, ele circulou o carro até o lado de Butch. Quando a janela baixou, ele disse tranquilamente, – Dirija devagar e faça o caminho mais longo. Tente chegar lá só depois de a cirurgia terminar. A última coisa que precisamos é ele no pé de Manny enquanto ele a costura.
O tira concordou. – Ei, precisa de uma carona? Você não parece bem.
– Estou bem.
– Tem certeza de que sabe o que estas duas palavras significam?
– Sim. Até mais.
Quando ele se virou, viu que Xhex já tinha partido, e soube haver uma boa probabilidade dela ter feito o que disse que faria. Mesmo que ela estivesse tão puta da vida quanto John, ela não seria tão estúpida sobre sua saúde, ou o futuro deles.
Fêmeas, no final das contas, não eram apenas o sexo mais belo, eram também o mais belamente razoável deles. O que era o único motivo para que a raça sobrevivesse por tanto tempo.
Enquanto o Escalade arrancava a passos de lesma, Tohr antecipava a diversão que Butch iria ter no caminho para casa. Difícil não sentir pena do pobre bastardo.
Eeeeeeee então ele se virou para encarar sua fila do gargarejo. Parecia que o tira de Boston não seria o único a ouvir um sermão, e estava certo, cada um dos machos caiu matando em cima dele:
– Hora de voltar ao centro de treinamento.
– Você precisa de tratamento.
– Você é um macho razoável, e eu sei que sabe que estou certo.
– Não seja um imbecil.
Rhage resumiu o palavrório em uma expressão simples: – O sujo falando do mal lavado.
Puta merda. – Vocês ensaiaram isso?
– Sim, e se você não concordar conosco, – Hollywood mordeu seu pirulito de uva, – Vamos fazer de novo - desta vez com movimentos de dança.
– Poupe-me.
– Tá bom. A menos que concorde em ir para casa, nós vamos dançar. – Para provar seu ponto, o bobão juntou as mãos atrás da cabeça e começou a fazer movimentos obscenos com os quadris. Acompanhado de uma série de, – Uh-huh, uh-huh, ohhhh, simmmmm, quem é o papai...
Os outros olharam para Rhage como se tivesse crescido um chifre no meio da testa dele. Nada incomum. E Tohr soube que, apesar de seu divertimento ridículo, se ele não cedesse, os outros chutariam tão forte seu traseiro, que ele cuspiria os shitkickers[9].
Também nada incomum.
Rhage girou, empinou a bunda e começou a dar palmadas no traseiro como se fosse massa de pão.
A única vantagem? Fosse lá a merda que ele estava cantando, soava abafado.
– Pelo amor da Virgem Escriba, – Z resmungou, – Acabe com nossa miséria e vamos voltar pra porra da casa.
Alguém mais concordou, – Sabe, eu nunca pensei que houvesse vantagens em ser cego...
– Ou surdo.
– Ou mudo, – alguém completou.
Tohr olhou ao redor, esperando que algo que cheirasse como carne de sanduíche de três dias atrás pulasse das sombras.
Sem sorte.
E a próxima coisa que você veria, era Rhage fazer a dança do robô. Ou Cabbage Patch[10]. Ou lançaria – Twist and Shout[11] – pra cima deles.
Seus irmãos jamais o perdoariam.
Uma hora e meia...
Levou uma hora e trinta fodidos minutos para voltar para casa.
Até onde John pôde perceber, a única maneira de a viagem ser mais longa era se Butch tivesse desviado por Connecticut. Ou talvez Maryland.
Quando eles finalmente chegaram à frente da grande mansão de pedra, ele não esperou estacionar o Escalade – ou mesmo parar. Destrancou a porta e escapou enquanto a SUV ainda estava em movimento. Caindo numa corrida desembestada, ele galgou os degraus de pedra da entrada principal de um único salto, e depois de invadir o vestíbulo, meteu a cara tão em cima da câmera de segurança, que quase quebrou as lentes com o nariz.
A porta sólida de bronze se abriu rapidamente, mas ele não saberia dizer quem fez as honras. E o vestíbulo inacreditável das cores do arco-íris, com as colunas de mármore e malaquita e seu teto alto pintado não o impressionaram. Nem o chão de mosaicos que ele cruzou numa corrida cega, ou o chamado de seu nome por sabe-se-lá-quem.
Batendo à porta que estava enfiada por baixo da grande escadaria, ele entrou no túnel subterrâneo que se conectava ao centro de treinamento, digitando os códigos tão fortemente que era incrível não ter quebrado o teclado. Entrando pela traseira do escritório de suprimentos, ele rodeou a mesa, passou pela porta de vidro, e...
– Ela está sendo operada agora, – V anunciou de uma distância de quarenta e cinco metros.
O Irmão estava parado do lado de fora da porta de uma grande sala de exames, um cigarro enrolado a mão entre os dentes, um isqueiro nas mãos enluvadas.
– Serão só mais vinte minutos.
Enquanto um shhhhhhhh se elevou, uma chama diminuta apareceu, e V trouxe o calor para a ponta de seu cigarro. Quando exalou, o aroma de tabaco turco se espalhou vagarosamente pelo salão.
Esfregando a cabeça dolorida, John sentiu como se tivesse sido colocado em um metafórico intervalo.
– Ela vai ficar bem, – V disse num jorro de fumaça.
Não havia motivos para apressar-se agora, e não só apenas porque ela estava na mesa. Era malditamente óbvio que V tinha sido colocado no hall como uma barreira viva e respirante: John não entraria naquele quarto até que o Irmão o permitisse.
Provavelmente isso era o mais esperto a se fazer. Dado seu humor, ele seria perfeitamente capaz de arrombar a porta, deixando nada além do batente na parede – e naturalmente, isto não era o que se queria em bisturilândia.
Desviado de seu objetivo, John arrastou seu traseiro arrependido para o Irmão. Eles te colocaram aqui, não?
– Não. Isso é só uma pausa para fumar.
É, ta certo.
Instalando-se contra a parede próxima ao macho, John sentiu-se tentado a bater a cabeça no concreto, mas não quis arriscar-se a fazer mais barulho.
Era cedo demais, ele pensou. Cedo demais para ele ser afastado de outro tratamento dela. Cedo demais para eles estarem brigando. Cedo demais para a tensão e a raiva.
Posso provar um desses? Ele acenou.
V levantou uma sobrancelha, mas não tentou lhe incutir bom senso. O Irmão só tirou uma bolsa e alguns papéis de enrolar. – Quer fazer as honras?
John negou com a cabeça. Primeiro porque, apesar dele ter visto V enrolar cigarros incontáveis vezes, ele nunca tinha tentado nada como isto antes. Depois, ele não achava que suas mãos estivessem firmes o suficiente.
V tomou conta das coisas por um momento, e enquanto entregava a John o cigarro, acendeu o isqueiro.
Ambos se inclinaram. Bem antes de John encostar a chama no cigarro, V disse, – Um aviso. Esta merda é forte, então não trague muito profundamente...
Santa hipóxia[12], Batman.
Os pulmões de John não rejeitaram simplesmente o ataque; eles tiveram uma convulsão. E enquanto ele tossia através de seus tubos bronquiais, V tirou dele o item ofensor. O que foi de grande ajuda, já que ele precisava de ambas as mãos para apoiar-se nas coxas enquanto se inclinava e tinha ânsias de vômito.
Quando as estrelas se desvaneceram de seus olhos lacrimejantes, ele olhou para V... E sentiu suas bolas se encolherem e hibernarem em suas entranhas inferiores. O Irmão pegara o cigarro de John e estava fumando-o junto com o seu, tragando ambos ao mesmo tempo.
Ótimo. Como se ele já não estivesse se sentindo como um maricas.
V segurou o par com seu dedo indicador e anelar. – A menos que você queira tentar novamente? – Quando John balançou a cabeça, ganhou um aceno de aprovação. – Bom. Uma segunda tragada e sua próxima parada seria o cesto de lixo - e não seria para jogar seu Kleenex[13], sério.
John deixou seu traseiro deslizar pela parede até que o chão de linóleo amparou-o. Onde está Tohr? Ele já chegou?
– Sim. Mandei-o comer. Disse-lhe que não o permitiria aqui até que jurasse que teria uma refeição completa, com sobremesa e tudo. – V tragou de novo e exalou a fumaça cheirosa. – Eu quase tive de arrastá-lo para lá eu mesmo. Você pode contar com ele, de verdade.
Ele quase se matou esta noite.
– O mesmo pode ser dito do resto de nós. É a natureza do trabalho.
Você sabe que com ele é diferente.
Um grunhido foi tudo o que recebeu de resposta.
Enquanto o tempo passava, e V fumava como uma chaminé, John se encontrou querendo perguntar o “imperguntável”.
À beira do decoro, o desespero eventualmente fê-lo cruzar o limite. Assobiando suavemente de modo que Vishous pudesse olhar para ele, ele usou as mãos cuidadosamente.
Como ela vai morrer, V. Enquanto o Irmão endurecia, John assinalou. Eu ouvi que você às vezes vê essas coisas. E se eu souber que será em idade avançada, eu poderia lidar muito melhor com essa coisa dela estar em campo.
V balançou a cabeça, suas sobrancelhas negras descendo sobre seus olhos diamantinos, a tatuagem em sua têmpora mudando de forma. – Você não devia fazer nenhuma mudança em sua vida baseando-se em minhas visões. Elas são apenas fragmentos de um momento no tempo - que poderia ser a próxima semana, próximo ano, três séculos no futuro. É uma ocorrência sem contexto, não um quando e onde.
Com a garganta apertada, John voltou a perguntar, Então ela realmente morre violentamente.
– Eu não disse isso.
O que acontece com ela? Por favor.
Os olhos de V se desviaram de modo que ele encarou o corredor de concreto. E em silêncio, John estava aterrorizado, mas faminto por saber o que o Irmão estava vendo.
– Desculpe, John. Eu cometi o erro de dar esta informação, certa vez, a uma pessoa. Aliviou-o a curto-prazo, realmente o fez, mas... No final, foi uma maldição. Então, sim. Agora eu sei de primeira mão que abrir esta lata de vermes não leva ninguém a lugar algum. – Ele olhou para longe. – Engraçado, a maioria das pessoas não quer saber, certo? E eu acho que é bom e esta é a forma como as coisas devem ser. É por isto que eu não posso ver minha própria morte. Ou a morte de Butch. Ou a morte de Payne. São próximos demais. A vida é para ser vivida às cegas - é desta forma que você não deixa de valorizar a merda toda. A porcaria que eu vejo não é natural - não é certo, garoto.
John sentiu um grande zumbido começar em sua cabeça. Ele sabia que o cara estava falando sensatamente, mas ele estava tremendo de necessidade de saber. Um olhar para a mandíbula de V, no entanto, disse-lhe que ele estava latindo para a árvore errada se insistisse neste assunto.
Nada viria dele.
Exceto, talvez, um punho.
Ainda assim, era horrível ficar à parte deste terrível conhecimento, sabendo que ele estava ali no mundo, um livro que não poderia, não deveria ler – que ele apesar de tudo estava morrendo para ter entre as mãos.
Era apenas... Sua vida inteira estava lá com a doutora Jane e Manny. Tudo o que ele era, e tudo o que ele jamais seria, estava naquela mesa, apagada como uma luz, sendo consertada porque o inimigo a tinha ferido.
Enquanto ele fechava os olhos, ele viu a loucura no rosto de Tohr na hora que o Irmão atacou aquele lesser.
Sim, ele pensou, ele agora sabia, em sua medula precisamente, como o macho se sentia.
Inferno na Terra fazia você fazer algumas coisas fodidamente erradas.
Lá em cima, na sala de jantar formal, a comida que Tohr comia com os outros era toda textura, nenhum sabor. Da mesma forma, a conversa que circulava ao redor da mesa era toda som sem nenhuma relevância. E as pessoas à sua direita e esquerda eram figuras bidimensionais, nada mais que isto.
Enquanto ele se sentava com seus irmãos e suas shellans e convidados da mansão, tudo estava distante, um borrão enevoado.
Bem, quase tudo.
Havia apenas uma coisa na grande sala que causava alguma impressão nele.
Através da porcelana e a prataria, no canto mais afastado dos buquês de flores e candelabros encurvados, uma figura vestida num manto sentava-se imóvel e auto-contida na cadeira precisamente oposta a dele. Com aquele capuz posto, a única coisa à mostra da fêmea que havia por debaixo era um par de mãos delicadas que, de tempos em temos, cortava um pedaço de carne ou garfava um bocado de arroz.
Ela comia como um passarinho. Era silenciosa como uma sombra.
E por que ela estava aqui, ele não fazia ideia.
Ele a havia enterrado no País Antigo. Embaixo de uma macieira, pois ele esperara que as florações perfumadas pudessem acalmá-la em sua morte.
Deus sabia que ela não tivera nada de fácil em sua vida.
E ainda agora ela estava viva novamente, chegara com Payne do Outro Lado, prova positiva de que quando se tratava da Virgem Escriba e sua concessão de misericórdias, tudo era possível.
– Mais carneiro, senhor? – um doggen perguntou, a altura de seu cotovelo.
O estômago de Tohr estava embrulhado tão apertado quanto uma mala lotada, mas ele ainda sentia as juntas enfraquecidas e a cabeça distraída. Achando que comer mais era melhor do que a provação de tomar uma veia, ele disse sim.
– Obrigado, cara.
Enquanto seu prato era novamente cheio com carne, e ele voluntariamente se servia de mais arroz pilafe[14], ele olhou em volta para os outros, só para ter algo o que fazer.
Wrath estava na cabeceira da mesa, o rei presidia a tudo e todos. Beth supostamente deveria estar na cadeira oposta, do outro lado da mesa, mas ao invés, como sempre, ela estava no colo de seu hellren. Como também era típico. Wrath estava mais interessado em prestar homenagem a sua fêmea do que alimentar-se. Mesmo estando totalmente cego agora, ele alimentava sua shellan de seu prato, levantando seu garfo e segurando-o de forma que ela pudesse se inclinar e aceitar o que ele oferecia.
O orgulho que ele tão claramente sentia dela, a satisfação que tinha em cuidar dela, o maldito calor entre eles transformava seu rosto duro e aristocrático em algo quase terno. E de tempos em tempos ele expunha suas longas presas, como se estivesse ansiando por estar com ela, dentro dela... De várias formas.
Não era o tipo de coisa que Tohr precisava ver.
Girando sua cabeça ao redor, ele captou Rehv e Ehlena sentados lado a lado, fazendo coisas de apaixonados. E Phury e Cormia. E Z e Bella.
Rhage e Mary...
Franzindo o cenho, ele pensou em como a fêmea de Hollywood havia sido salva pela Virgem Escriba. Ela estava à beira da morte, apenas para ser puxada de volta e lhe ser oferecido uma vida longa.
Lá embaixo, na clínica. Doutora Jane também. Morta, mas retornara, com nada além de bons anos a frente para ela e seu hellren.
Os olhos de Tohr se fixaram na figura de manto à sua frente.
A raiva ferveu em seu estômago distendido, adicionando pressão. Aquela aristocrata caída em desgraça, agora conhecida pelo nome de No’One, tinha fodidamente voltado também, a ela tinha sido oferecido a dádiva de vida nova pela maldita mãe da raça.
Sua Wellsie?
Morta e deixada de lado. Nada além de lembranças e cinzas.
Para todo o sempre.
Enquanto sua cabeça começava a realmente zunir, ele imaginou quem ele tinha de subornar ou golpear para ter este tipo de privilégio. Sua Wellsie tinha sido uma fêmea de valor, iguais àquelas três – por que ela não havia sido poupada? Por que caralho ele não era como aqueles outros machos, ansiando pelo resto de seus anos?
Por que não havia sido oferecida misericórdia a ele e sua shellan quando mais precisavam...
Ele estava olhando para ela.
Não... Ele a estava encarando.
Do outro lado da mesa, Tohrment, filho de Hharm, tinha os olhos focados em No’One com olhos duros e zangados, como se estivesse ressentido não apenas de sua presença naquela casa, mas também por cada respiração em seus pulmões ou batidas de seu coração.
A expressão não favorecia suas feições. De fato, ele havia envelhecido tanto desde a última vez que o tinha visto, mesmo que vampiros, especialmente aqueles de linhagens fortes, aparentassem ter vinte e poucos anos antes de morrerem. E aquela não era a única mudança nele. Ele sofria de perda de peso persistente – não importava o quanto comesse à mesa, ele não trazia muita carne em seus ossos, seu rosto marcado com bochechas vazias e um queixo muito pronunciado, seus olhos fundos manchados com sombras acima e abaixo deles.
Sua enfermidade física, fosse o que fosse, não o impedia de lutar, no entanto. Ele não tinha se trocado antes da refeição, e suas roupas sujas estavam manchadas com sangue vermelho e óleo preto, lembretes viscerais de como aqueles machos passavam suas noites.
Ele tinha lavado as mãos, no entanto.
Onde estava sua shellan? Ela se perguntou. Não tinha visto nenhuma evidência de uma esposa – talvez ele tenha permanecido não emparelhado por todos esses anos? Certamente se ele tivesse uma fêmea, ela estaria aqui, apoiando-o.
Afundando sua cabeça ainda mais no capuz, ela posicionou o garfo e a faca ao lado de seu prato. Ela não tinha mais apetite para comida.
Não que estivesse faminta pelos ecos do passado. O último, no entanto, não era algo que ela pudesse educadamente recusar...
Tohrment tinha sido tão jovem quanto ela quando passaram aqueles meses juntos naquela cabana fortificada no País Antigo, refugiando-se do frio do inverno, a umidade da primavera, o calor do verão e do cair das folhas do outono. Eles tiveram quatro estações para observarem sua barriga inchar com vida, um ciclo completo de calendário no qual ele e seu mentor, Darius, mantiveram-na sob cuidado.
Não era assim que sua primeira gravidez deveria acabar. Não era assim que uma fêmea de sua estirpe deveria viver. Não era assim o destino que ela havia almejado.
Muita arrogância dela assumir alguma coisa, entretanto. Havia sido assim, e ainda era, sem volta. Do momento em que ela tinha sido capturada e afastada de sua família, ela havia mudado para sempre tão certamente quanto se ácido tivesse sido espirrado em seu rosto, ou seu corpo tivesse queimado até ficar irreconhecível, ou tivesse perdido membros, visão ou audição.
Porém, isto não foi o pior de tudo. Ruim mesmo foi ela ter sido maculada, mas tinha que ser por um sympath? E que aquele estresse tivesse catalisado seu primeiro período de necessidade?
Ela tinha passado aquelas quatro estações embaixo daquele teto de palha consciente de que havia um monstro crescendo dentro dela. Certamente, seu status social havia sido perdido mesmo se fosse um vampiro que a tivesse sequestrado e privado sua família da coisa mais valiosa dela: sua virgindade. Antes de seu sequestro, como filha do leahdyre do Conselho, ela tinha sido uma mercadoria de alto valor, o tipo de coisa que era mantida guardada e exposta em ocasiões especiais como uma joia fina.
De fato, seu pai tinha feito arranjos para seu emparelhamento com alguém que a proveria de um estilo de vida ainda mais alto do que aquele no qual havia nascido...
Com terrível clareza, ela relembrou que penteava o cabelo quando o suave clique da porta francesa ecoou.
Ela baixou a escova na penteadeira.
E então a tranca havia sido destrancada por outra pessoa...
Em momentos calmos, desde então, ela algumas vezes imaginava que tinha descido para os aposentos subterrâneos da família naquela noite. Ela não se sentia bem – provavelmente, por causa de seu período de necessidade – e tinha ficado lá em cima porque haveria mais coisas para distraí-la de sua inquietude.
Sim... Ela fingia às vezes que os tinha seguido para baixo, para o porão e, uma vez lá, tinha finalmente dito a seu pai sobre a figura estranha que estava aparecendo com frequência no terraço de fora de seu quarto.
Ela teria se salvado.
Evitado esta raiva do guerreiro do outro lado da mesa...
Ela tinha usado a adaga de Tohrment. Bem depois do parto, ela tinha pego a arma dele. Incapaz de enfrentar a realidade do que tinha trazido ao mundo, incapaz de continuar vivendo o destino a que tinha sido condenada, ela tinha virado a lâmina para seu próprio estômago.
A última coisa que ouvira antes que a luz a envolvesse tinha sido o grito dele...
O ruído da cadeira dele sendo afastada fê-la pular, e todo mundo na mesa silenciou, todos pararam de comer, todos os movimentos cessando, toda conversa sendo cortada enquanto ele saía da sala.
No’One levou seu guardanapo a boca sob o capuz e limpou-a. Ninguém olhou para ela, como se não tivessem percebido a fixação dele nela. Mas no extremo oposto, o anjo com cabelos loiros-e-pretos a olhava fixamente.
Desviando o olhar do dele, ela viu Tohrment sair da sala de jogos do outro lado do saguão. Ele trazia uma garrafa de um líquido escuro em cada mão, e seu rosto ameaçador não era nada além de uma espécie de máscara mortal.
Fechando as pálpebras, ela buscou profundamente dentro de si, tentando achar a força que ia precisar para se aproximar do macho que acabara de sair tão abruptamente. Ela tinha vindo para este lado, para esta casa, para consertar as coisas com a filha que tinha abandonado.
Havia outro que precisava de desculpas, no entanto.
E embora palavras de arrependimento fossem seu último objetivo, ela começaria com o vestido, devolvendo-o a ele tão logo terminasse de limpá-lo com suas próprias mãos. Comparativamente, era uma coisa tão pequena. Mas tinha de começar por algum lugar, e o vestido era claramente uma herança de sua linhagem, dado a sua filha para vestir, quando ela não tinha família nenhuma.
Mesmo depois de todos estes anos, ele continuava a tomar conta de Xhexania.
Ele era uma macho de valor.
No’One foi mais silenciosa em sua partida, mas a sala caiu em silêncio de novo quando ela se levantou de seu assento. Mantendo a cabeça abaixada, ela saiu, não pela arcada, como ele tinha saído, mas através da saída dos criados que levava à cozinha.
Mancando por entre os fornos, balcões e doggen ocupados e desaprovadores, ela seguiu pela escada traseira, aquela que tinha paredes simples de gesso e degraus de madeira...
– Ele pertencia à shellan dele.
O couro suave da sola de seu chinelo guinchou quando ela girou. Lá embaixo, o anjo estava parado no último degrau.
– O vestido, – ele disse, – Era o vestido que Wellesandra usou na noite em que eles foram emparelhados quase duzentos anos atrás.
– Oh, então eu devo devolvê-lo a ela...
– Ela está morta.
Um calafrio correu em sua espinha. – Morta...
– Um lesser atirou em sua cara. – Quando No’One engasgou, os olhos brancos dele não piscaram. – Ela estava grávida.
No’One esticou a mão para o corrimão enquanto seu corpo oscilou.
– Desculpe, – o anjo disse. – Eu não cubro a merda de açúcar, e você precisa saber no que está entrando se for devolver o vestido a ele. Xhex devia ter te dito - estou surpreso que não o tenha.
De fato. Embora não fosse como se elas estivessem passando bastante tempo juntas – e tivessem um monte de assuntos próprios para ficar papeando.
– Eu não sabia, – ela disse finalmente. – As bacias de visão no Outro Lado... Elas nunca... – Só que ela nunca tinha pensado em Tohrment quando ia ver nas bacias; ela tinha sempre se preocupado com Xhexania e focada nela.
– Tragédia, como o amor, cega as pessoas, – ele disse, como se pudesse ler seus arrependimentos.
– Eu não vou levar o vestido a ele. – Balançou a cabeça. – Eu já causei danos suficientes. Dar-lhe o vestido de sua fêmea...
– É um bom gesto. Eu acho que você deve devolvê-lo a ele. Talvez ajude.
– Ajudar no quê? – Ela disse, entorpecidamente.
– A lembrá-lo de que ela se foi.
No’One franziu o cenho. – Como se ele tivesse se esquecido?
– Você ficaria surpresa, minha bela. A corrente de lembranças precisa ser quebrada - então eu digo para levar o vestido a ele, e deixe-o pegá-lo de ti.
No’One tentou imaginar aquela troca. – Que cruel - não, se você está tão interessado em torturá-lo, pode fazer você mesmo.
O anjo ergueu uma sobrancelha. – Não é tortura. É realidade. O tempo está passando e ele precisa seguir adiante rápido. Leve o vestido a ele.
– Porque está tão interessado nos assuntos dele?
– O destino dele é o meu próprio.
– Como isto é possível?
– Acredite-me, eu não fiz as regras.
O anjo olhou para ela como se desafiando-a a encontrar falsidade em suas afirmações.
– Perdoe-me. – Ela disse roucamente, – mas eu já causei suficiente dano aquele bom macho. Eu não vou fazer parte de nada que o machuque.
O anjo esfregou os olhos como se tivesse dor de cabeça. – Maldição. Ele não precisa de amparo. Ele precisa de uma boa bota dura no traseiro - e se ele não conseguir uma logo, ele vai rezar para estar no buraco de merda no qual está agora.
– Não entendo nada disto...
– O inferno é um lugar com vários níveis. E para onde ele está indo vai fazer este período de agonia parecer nada além de agulhas por baixo de unhas.
No’One recuou e então teve de limpar a garganta. – Você não tem jeito com as palavras, anjo.
– Sério? Não diga.
– Eu não posso... Eu não posso fazer o que você deseja.
– Sim, você pode. Você deve.
Quando Tohr entrou na sala de jogos, ele não se preocupou em checar quais garrafas tinha pegado. No segundo andar, no entanto, ele viu que a garrafa em sua mão direita era a Tequila Herradura de Qhuinn, e a garrafa em sua mão esquerda era... Drambui[15]?
Okay, certo, ele podia estar desesperado, ele ainda tinha bom gosto, e esta merda era horrível.
Avançando pela sala de estar até o fim do saguão, ele trocou a última pelo bom e velho rum fora de moda – talvez ele pudesse fingir que tequila era coca-cola e misturar os dois.
Em seu quarto, ele fechou a porta, quebrou o lacre do Bacardi, e abriu a tampa, mandando o líquido goela abaixo. Pausa para engolir e respirar. Repetir. Eeeee mais uma vez repetir... E mais um bom gole. A linha de fogo que ia de seus lábios às suas entranhas era meio gostosa, como se ele tivesse engolido um relâmpago, e ele manteve o ritmo, tomando ar quando era necessário como se tivesse nadando em estilo livre numa piscina.
Metade da garrafa se foi em cerca de dez minutos, e ele ainda estava em pé em seu próprio quarto. O que era bem estúpido, ele supunha. Ao contrário de ficar bêbado, o que era extremamente necessário.
Ele pôs toda a bebida na mesa de cabeceira e chutou seu coturno até tirá-los. Calças de couro, meias, camiseta regata seguiu na pilha. Quando estava nu, andou até o banheiro, ligou o chuveiro, e entrou com as garrafas nas mãos.
O rum durou todo o tempo de ensaboar-se e passar o shampoo nos cabelos. Quando começou a passar condicionador, abriu a Herradura e terminou-a rapidamente.
Não foi até que saiu do banho que ele começou a sentir os efeitos, as pontas afiadas de seu humor se realinhando e brotando a suavidade do esquecimento. Mesmo quando a maré chegou para reclamá-lo, no entanto, ele continuou bebendo enquanto entrava pingando no quarto.
Ele queria descer à clínica para ver como Xhex e John estavam, mas ele sabia que ela ia se sair bem desta, e eles teriam todo tipo de coisa para resolver. Ademais, seu humor estava péssimo, e Deus sabia, que eles já tiveram o bastante disto à volta do casal lá no beco.
Desnecessário compartilhar o fardo.
Ele deixou o edredom secar seu corpo. Bem, isto e o calor que gentilmente entrava pela circulação de ar no teto. A Herradura durou um pouco mais do que o rum – provavelmente porque seu estômago estava com lotação esgotada por causa de toda bebida e o grande jantar. Quando a tequila acabou, ele colocou a garrafa na mesa de cabeceira e posicionou seus membros confortavelmente – o que não foi difícil. Àquele ponto, ele poderia ser embalado em uma caixa de FedEx que estaria tudo bem.
Fechando os olhos, o quarto começou a girar suavemente, como se sua cama estive bem em cima de um ralo e tudo estivesse lentamente descendo por ele.
Sabe... Considerando o quão bem tudo estava indo, ele teria de lembrar-se desta saída. A dor em seu peito não era nada além de um eco abafado; sua fome de sangue estava esquecida; suas emoções plácidas como uma placa de mármore. Mesmo quando ele dormia, ele não conseguia este tipo de trégua...
A batida em sua porta foi tão suave, que ele pensou que era só uma batida de seu coração. Mas quando se repetiu e se repetiu novamente.
– Maldição, fodido inferno... – ele ergueu a cabeça do travesseiro e gritou, – O quê?
Quando não houve resposta, ele levantou. – Uou! É, ok... Olá.
Segurando-se na cabeceira da cama, ele chutou a garrafa vazia de Herradura que estava no chão. Nossa! Seu centro de gravidade estava agora dividido entre a ponta do dedinho do pé e a ponta externa de sua orelha esquerda. O que significava que seu corpo estava tentando ir para dois lados diferentes ao mesmo tempo.
Chegar à porta foi como patinar no gelo. Em um carrossel. Com um helicóptero como volante.
E a maçaneta era um alvo móvel, apesar de ser um mistério aquela porta dançar de um lado para outro em seu batente, sem se quebrar.
Abrindo-a, ele grunhiu, – O quê?
Não havia ninguém ali. Mas o que ele viu o deixou momentaneamente sóbrio.
No corredor, dependurado em um dos cabides, estava o vestido vermelho de sua Wellsie.
Ele olhou à esquerda e não viu ninguém. Então ele olhou para a direita e viu... No’One.
No final do corredor, a fêmea vestida em manto ia tão rápido quanto seu coxear permitia, seu corpo frágil se movendo de forma estranha por baixo daquelas camadas de roupa áspera.
Ele provavelmente a teria alcançado. Mas, merda, ele obviamente a tinha assustado pra caralho, e se ele havia sido inadequado para conversa à mesa de jantar, agora ele estava “inadequadomais”.
Vê? Estava até inventando palavras.
Para completar, ele estava nu em pelo.
Atravessando o corredor, ele parou em frente ao vestido. A coisa foi evidentemente limpa com cuidado e preparado para ser guardado, as mangas recheadas com papel de seda, o seu cabide, um daqueles que tinha uma inserção acolchoada para o corpete.
Enquanto olhava para o vestido, os efeitos do álcool faziam parecer como se a saia estivesse tremulando à brisa, o tecido vermelho-sangue ondulando, o comprimento à luz e refletindo-o de vários ângulos.
Só que ele era a única coisa movendo-se ali, não era?
Esticando a mão, ele levantou o cabide de onde estava pendurado e carregou o vestido para dentro do quarto, fechando a porta atrás de si. Em cima da cama, deitou o vestido no lado que Wellsie sempre preferira – o mais longe da porta – e cuidadosamente arrumou as mangas e a saia, fazendo ajustes mínimos até que estava perfeitamente posicionado.
Então ele apagou as luzes.
Deitando-se, encurvou-se ao lado do vestido, colocando a cabeça no travesseiro oposto ao que seria o de Wellsie.
Com uma mão trêmula, tocou o cetim do corpete vazio, sentindo as barbatanas sob o tecido, a estrutura do vestido feita para envolver gentilmente o corpo curvilíneo de uma fêmea.
Não era tão bom quanto as costelas dela. Assim como o cetim não era tão bom quanto a pele dela. E as mangas não eram tão boas quanto os braços dela.
– Sinto tanto sua falta... – Ele acariciou a área do vestido onde estaria a cintura dela – onde a cintura dela deveria estar. – Sinto tanto, tanto sua falta.
E pensar que certa vez ela recheara este vestido. Tinha vivido dentro dele por um tempo breve, nada além do disparo de uma câmera fotográfica de uma noite da vida de ambos.
Por que estas lembranças não a traziam de volta? Elas pareciam fortes o bastante, poderosas o bastante, um feitiço de invocação que deveria fazê-la magicamente reinflar o vestido.
Só que ela estava viva somente em sua mente. Sempre com ele, sempre fora do alcance.
Era isso o que a morte era, percebeu. A grande ilusionista.
E como se ele relesse a passagem de um livro, ele relembrou o dia do seu emparelhamento, o modo como estivera tão nervosamente ao lado dos Irmãos, incômodo com o manto de cetim e o cinto de joias. Seu pai biológico, Hharm, não tinha vindo, a reconciliação que chegou ao fim de sua vida, ainda estava a séculos no futuro. Mas Darius tinha estado lá, o macho olhando para ele a cada dois segundos, pois sem dúvida se preocupava se Tohr iria desmaiar.
O que era preocupação dos dois.
E então Wellsie apareceu...
Tohr deslizou a palma da mão na saia acetinada. Fechando os olhos, imaginou a pele cálida, carne vital recheando o vestido novamente, sua respiração expandindo e contraindo a prisão do corpete, suas longas, longas pernas impedindo que a saia encostasse no chão, o cabelo ruivo cacheado cobrindo a renda negra das mangas.
Em sua visão, ela era real e estava em seus braços, buscando por ele por entre os cílios enquanto dançavam o minueto com os outros. Ambos eram virgens naquela noite. Ele era um idiota desajeitado. Ela sabia exatamente o que fazer. E tinha sido mais ou menos assim que as coisas continuaram a ser na relação deles.
Embora muito rápido ele tenha se tornado malditamente bom no sexo.
Eles tinham sido Yin e Yang, e ainda assim, exatamente iguais. Ele era um sargento na Irmandade, ela tinha sido uma general em casa, e juntos, eles tinham tudo...
Talvez fosse por isso que tudo aconteceu, ele pensou. Ele tivera muita sorte e ela também, e a Virgem Escriba tinha de igualar o placar.
E agora, aqui estava ele, vazio como aquele vestido, porque o que preenchera ambos, ele e o vestido, tinha desaparecido.
As lágrimas que vieram a seus olhos eram silenciosas, do tipo que escorria e ensopava o travesseiro, passando pelo nariz e caindo em queda livre para pingar uma após a outra como chuva da beira de um telhado.
Seu polegar ia e vinha pelo cetim, como se estivesse esfregando o quadril dela como fazia antes quando estavam juntos, e ele moveu a perna para cima da saia.
Mas não era a mesma coisa. Não havia corpo por baixo, e o tecido cheirava a limão, não à pele dela. E ali estava ele, depois de tudo, sozinho neste quarto que nunca fora deles.
– Deus, eu sinto sua falta, – ele disse em uma voz partida. – Todas as noites. Todos os dias...
Do canto escuro do quarto, Lassiter estava parado perto do armário, sentindo-se um merda enquanto Tohr sussurrava para o vestido.
Esfregando o rosto, ele se perguntou por que... Por que diabos, de todas as maneiras que ele poderia ter se libertado do Limbo, tinha tido de ser deste jeito.
A merda estava começando a afetá-lo.
A ele. O anjo que não ligava a mínima para as outras pessoas, aquele que deveria ser um acertador de contas, advogado ou qualquer coisa na Terra onde foder os outros fosse um trunfo em seu curso de trabalho.
Ele nunca deveria ter sido um anjo. Aquilo requeria uma habilidade que ele não tinha e não podia fingir.
Lá atrás, quando o Criador se aproximara dele com uma oportunidade de se redimir, ele tinha estado focado demais na ideia de se libertar para pensar nas particularidades da tarefa. Tudo o que ele ouvira fora algo na linha de, – Vá a terra, bote este vampiro na linha, liberte aquela shellan, – bla bla bla... Depois, ele estaria livre para cuidar de seus assuntos ao invés de estar preso naquela terra do nem-aqui-nem-ali. Parecia um bom negócio. E no começo, fora. Aparecer na floresta com um Big Mac, alimentar o pobre coitado, arrastá-lo para cá... E, então, esperar até Tohr estar forte o bastante fisicamente para começar o processo de seguir adiante.
Bom plano. Só que então veio a estagnação.
“Seguir adiante” era mais do que só lutar contra o inimigo, aparentemente.
Ele estivera perdendo as esperanças, estivera a desistir... Quando subitamente aquela fêmea No’One aparecera na casa – e pela primeira vez, Tohr realmente focou em algo.
E foi quando a luz veio a Marblehead[16]: “Seguir adiante” requereria outro nível de participação no mundo.
Certo. Bom. Excelente. Faça o cara transar, formidável! Então todo mundo ganhava – mais especificamente o próprio Lassiter. E, merda, no instante em que ele viu No’One sem o capuz, ele soube que estava no caminho certo. Ela era estonteantemente bonita, o tipo de fêmea que faria até um macho que não estava interessado naquilo, empertigar-se e arrumar as calças. Ela tinha pele branca como papel e cabelos loiros que deviam cascatear até os quadris quando soltos. Com lábios rosados, e olhos adoravelmente cinzentos, bochechas que eram da cor da parte interior de morangos, ela era linda demais para ser real.
E claramente ela era perfeita por outras razões: ela queria consertar as coisas, e Lassiter assumira que com um pouco de sorte, a natureza tomaria seu curso e tudo se encaixaria... E ela cairia na cama do Irmão.
Certo. Bom. Excelente.
Exceto, o quer que seja, esta... Cena... Do outro lado do quarto? Nada certo, nada bom, nada excelente.
Este tipo de sofrimento era um abismo, um purgatório particular de alguém que não tinha morrido. E maldito fosse se o anjo soubesse como tirar o Irmão dali.
Francamente, ele estava tendo problemas até em testemunhar.
E neste tom, ele não planejara respeitar o cara. Depois de tudo, ele era só uma missão, não estava aqui para virar amiguinho com a sua chave para liberdade.
O problema era, quando a essência amarga da agonia do macho se elevava e enchia o quarto, era impossível não se solidarizar por ele.
Cara, ele somente não podia malditamente aguentar mais.
Projetando-se para fora, no corredor, ele andou sozinho pelas estátuas até o início da grande escadaria. Sentando-se no degrau de cima, ele ouviu os sons da casa. Lá embaixo, os doggen faziam a limpeza depois da Última Refeição, os comentários animados deles como música ao fundo, todo ritmado. Atrás dele, no estúdio, o rei e a rainha estavam... “trabalhando”, por assim dizer. A essência de vinculação de Wrath enchia o ar, a respiração ofegante de Beth, muito baixa. O resto da casa estava relativamente quieto, os outros Irmãos e shellans e convidados retirados para dormir... Ou para outras coisas na linha do que o casal real estava fazendo.
Erguendo os olhos, ele focou no teto pintado que estava acima do chão de mosaico do saguão. Por sobre as cabeças dos guerreiros retratados em seus cavalos ameaçadores, o céu azul e nuvens brancas pareciam meio ridículos – afinal, vampiros não podiam lutar durante o dia. Mas, que seja, esta era a beleza de representar a realidade ao invés de estar nela. Quando você tinha o pincel na mão, você era o deus que você desejaria que controlasse sua vida, capaz de pegar e escolher no catálogo de mercadorias do destino e da mão de cartas do destino para sua longa e eterna vantagem.
Olhando para as nuvens, ele esperou pela figura que procurava aparecesse, e logo apareceu.
Wellesandra estava sentada em um grande e desolado campo, a planície infinita cheia de pedras cinza, o vento cruel atingindo-a por todas as direções. Ela não estava indo tão bem quanto ia quando a viu pela primeira vez. Embaixo de um cobertor cinza que envolvia ela e a criança, ela estava mais pálida, os cabelos vermelhos apagados numa mancha sem graça, a pele pastosa, os olhos não mais apresentavam aquela tonalidade marrom-xerez. E o bebê em seus braços, o pequeno e enrolado montinho, não se movia muito mais.
Esta era a tragédia do Limbo. Ao contrário do Fade, não era para ser eterno. Era uma estação intermediária rumo a um destino final, e era diferente para cada um. A única coisa que não mudava? Se você ficasse por muito tempo, não conseguiria sair. Sem graça eterna para você.
Você apenas perambularia em um nada infernal, sem chance de se libertar do vazio.
E estes dois estavam atingindo o fim de sua corda.
– Estou fazendo o melhor que posso, – ele disse a eles. – Só aguentem mais um pouco... Fodido inferno... Aguentem.
A primeira coisa que Xhex fez quando voltou à consciência foi procurar por John na sala de recuperação.
Ele não estava sentado na cadeira no canto do quarto. Não estava no chão, no canto. Não estava na cama ao seu lado.
Ela estava sozinha.
Onde diabos estava ele?
Ah, tá, claro. Ele demonstrou medo por ela no campo de luta, mas, então, a largara aqui? Será que ele tinha sequer voltado para sua cirurgia?
Com um grunhido, ela considerou rolar para o lado, mas com todos os tubos de intravenosas em seu braço e fios em seu peito, decidiu não lutar com os plugs. Bem, e então havia o feliz fato de que alguém lhe tinha feito um enorme buraco no ombro. Várias vezes.
Deitada lá com uma careta no rosto, tudo no quarto a irritava. O sopro quente do aquecedor no teto, o contínuo som das máquinas atrás de sua cabeça, os lençóis que pareciam lixa, o travesseiro duro como pedra, e o colchão macio demais...
Onde caralho estava John?
Pelo amor de Deus, ela pode ter cometido um erro ao emparelhar-se com ele. A coisa de amá-lo era o que tinha que ser – não houve mudanças nisto, e ela não queria que houvesse. Mas ela devia ter pensado melhor antes de oficializar as coisas. Mesmo que os papéis sexuais tradicionais dos vampiros estivessem mudando, graças em grande parte, a Wrath largando mão dos Modos Antigos, ainda existia um bocado de merda patriarcal cercando as shellans. Você pode ser uma amiga, uma namorada, uma amante, uma colega de trabalho, uma mecânica de carros, pelo amor da porra, e esperar que sua vida pertença somente a você mesmo.
Mas ela temia que, uma vez que seu nome estava cravado nas costas de um macho – e pior, um macho guerreiro de linhagem pura – as coisas mudavam. As expectativas trocavam.
Seu par começaria a ficar no seu caminho, pensando que você não conseguiria cuidar de si mesma.
Onde estava John?
De saco cheio, ela ergueu-se dos travesseiros, arrancou o soro e prendeu a extremidade, de modo que a solução salina não respingasse no chão todo. Em seguida, silenciou o monitor cardíaco atrás de si, e então arrancou os fios de seu peito com a mão livre.
Manteve o braço direito imóvel contra a costela – ela só precisava andar, não hastear uma bandeira.
Pelo menos ela não tinha um cateter.
Colocando o pé no linóleo, ergueu-se cuidadosamente e se congratulou por ser uma pacientezinha tão boazinha. No banheiro, lavou o rosto, escovou os dentes, usou a privada.
Quando saiu, esperava ver John em uma das duas entradas.
Nada.
Indo para o pé da cama, ela tirou as coisas lentamente, porque seu corpo estava mole das drogas, da cirurgia, e do fato de que ela precisava se alimentar – embora neste momento, a veia de John era a última coisa que ela estava interessada. Quanto mais ele ficava longe, mais ela não tinha vontade de ver o traseiro peludo dele.
Maldito.
Mais além no closet, ela abriu as portas, tirou a bata de hospital e vestiu pijama médico – o qual, claro, não eram de seu tamanho, mas masculinos. E não era metáfora. Enquanto ela lutava para se vestir com uma mão, amaldiçoava John, a Irmandade, todas as shellans, fêmeas em geral... E especialmente a camiseta e calças, enquanto lutava com uma mão só para fechar os botões que alcançavam seus pés.
Enquanto marchava para a porta, deliberadamente ignorou o fato de que estava procurando seu par, e ao invés, focou nas músicas em sua cabeça, pequenas versões a capela de Top 40 hits como “O que lhe deu o direito de tirá-la do campo de batalha”, “Como infernos pôde ele deixá-la sozinha aqui embaixo”, e o sempre popular “Todos os homens são idiotas”.
Dôo-dah, dôo-dah
Abrindo a porta, ela...
Do outro lado do corredor, John estava sentado no chão duro, joelhos erguidos como paus de barraca, braços cruzados no peito. O olhar dele encontrou o dela no instante em que ela apareceu – não porque ele olhou na direção dela, mas porque ele estava focado naquele espaço que ela ocuparia muito antes dela realmente chegar lá.
O barulho em sua mente silenciou: ele aparentava ter passado pelo inferno, carregando as chamas da sala de estar do capeta nas mãos nuas.
Descruzando os braços, ele assinalou, Eu achei que você gostaria de um pouco de privacidade.
Bem, merda. Ali vinha ele, arruinando seu mau-humor.
Adiantando-se, ela se sentou ao lado dele. Ele não a ajudou, e ela sabia que estava fazendo de propósito – como um modo de honrar sua independência.
– Acho que esta foi nossa primeira briga, – ela disse.
Ele concordou. Eu odiei. A coisa toda. E sinto muito – eu só... Não consigo explicar o que me deu, mas quando te vi ferida, eu surtei.
Ela soltou o ar lenta e longamente. – Você disse que estava tudo bem em eu lutar. Bem antes de nos emparelharmos, você disse que tudo bem para você.
Eu sei. E ainda está tudo bem.
– Tem certeza disto?
Depois de um momento, ele afirmou de novo. Eu amo você.
– Eu, também. Digo, você. Você sabe.
Mas ele não tinha realmente respondido, tinha? E ela não tinha a energia para seguir com isso. Os dois ficaram só sentados no chão em silêncio até que eventualmente ela pegou a mão dele.
– Preciso me alimentar. – Ela disse roucamente. – Você me deixa....
Os olhos dele se fixaram nos seus e a cabeça caiu para o lado. Sempre, ele expressou.
Ela se levantou sem sua ajuda e esticou a mão livre para ele. Quando ele pegou sua palma, ela conjurou sua força e puxou-o para cima. Então, deixou-o entrar na sala de recuperação, trancou a porta com uma ordem mental e ele sentou na cama.
Ele estava esfregando as palmas nas calças de couro como se estivesse nervoso, e antes que ela pudesse ir a ele, levantou-se. Preciso de uma chuveirada. Não posso chegar perto de você assim – estou coberto de sangue.
Deus, ela nem tinha notado que ele ainda vestia suas roupas de combate. – Ok.
Eles trocaram de lugar, ela se dirigiu à beira do colchão, ele indo ao banheiro para ligar a água quente. Ele deixou a porta aberta... Então, enquanto tirava sua camiseta regata, ela observava seus ombros incharem e torcerem.
Seu nome, Xhexania, não estava apenas tatuado, mas escavado em bonitos símbolos através de suas costas.
Quando ele se curvou para tirar as calças, o traseiro dele fez uma estupenda aparição, as coxas firmes flexionando-se enquanto ele liberava uma perna e então a outra. Quando ele entrou no chuveiro, saiu do campo de visão dela, mas voltou logo.
Ele não estava excitado, ela percebeu.
Era a primeira vez que isto acontecia. Especialmente uma vez que ela estava a ponto de se alimentar.
John enrolou uma toalha em volta do quadril e enfiou a ponta na cintura. Quando ele se virou para ela, seus olhos sérios deixaram-na triste. Gostaria que eu colocasse um roupão?
O que diabos tinha acontecido com eles? Ela pensou. E pelo amor da porra, eles tinham passado por muita coisa até chegar na coisa boa apenas para estragar tudo.
– Não. – Ela balançou a cabeça e secou os olhos. – Por favor... Não...
Quando ele se aproximou, manteve a toalha bem onde estava.
Quando ficou parado à sua frente, ajoelhou-se e levantou o pulso. Tome de mim. Por favor, me deixe cuidar de você.
Xhex se inclinou e pegou a mão dele. Passando o dedão para frente e para trás em sua veia, ela sentiu a conexão crescer entre eles novamente, aquele elo que havia sido partido no beco, se recobrando, uma ferida cicatrizando.
Alcançando-o, ela o pegou pela nuca e trouxe sua boca para a dela. Beijando-o lentamente, profundamente, ela separou as pernas, deixando espaço para ele enquanto ele se aproximava, os quadris encontrando o lugar que era dele, e só dele.
Quando a toalha foi ao chão, a mão dela foi ao sexo dele – e sentiu-o endurecer.
Bem como ela queria.
Acariciando-o, ela curvou o lábio superior, expondo as presas. Então, inclinando a cabeça para o lado, ela arranhou uma linha pelo pescoço dele.
O corpo imenso dele estremeceu – então ela repetiu o movimento, desta vez com a língua. – Venha para a cama comigo.
John não perdeu tempo, preenchendo o espaço que ela liberou enquanto ia mais para trás.
Muito olho-a-olho. Como se eles estivessem conhecendo um ao outro novamente.
Pegando a mão dele, ela a colocou em seu quadril enquanto rolava para perto dele, e enquanto seus corpos entravam em contato, seu agarre apertando, a essência de vinculação dele elevando-se.
Ela intencionava manter as coisas suaves e lentas. Mas seus corpos tinham outras intenções. Necessidade tomou as rédeas e assumiu o controle, e ela atacou a garganta dele com um bote poderoso, tomando o que precisava para sobreviver e permanecer forte – e também o marcando a sua maneira. Em resposta, o corpo dele convulsionou contra o dela, sua ereção querendo estar dentro dela.
Enquanto ela tomava grandes goles da veia dele, lutava para tirar o pijama – mas ele ajudou-a nisto. E então a mão dele chegou bem lá onde ela desejava, movendo-se no seu centro, esfregando e escorregando, provocando-a e então, penetrando-a. Movendo-se contra seus dedos longos, ela entrou num ritmo que era certo para ambos, seus gemidos brigando por espaço em sua garganta com o sangue que ela estava sugando em quantidades alarmantes.
Depois do primeiro orgasmo dela, ela mudou de posição – com ajuda dele – e sentou-se sobre ele. Ela precisava ficar relativamente parada para continuar travada à sua garganta, mas ele ocupou-se dos movimentos, bombeando contra ela, se aproximando e recuando, criando aquela fricção que ambos queriam.
Quando ela gozou pela segunda vez, teve de afastar a boca da carne dele para gritar seu nome. E enquanto ele pulsava dentro dela, ela parou de se mover para absorver a sensação de invasão e pulsação, tão familiar, e ainda assim, tão nova.
Jesus... A expressão dele... Os olhos fechados bem apertados, os dentes expostos, os músculos do pescoço repuxando, tudo enquanto uma linha de delicioso vermelho escorria das marcas de mordida que ela ainda tinha de lamber para selar.
Quando as pálpebras dele finalmente se abriram, ela olhou fixamente para a névoa de felicidade naqueles olhos azuis dele. Seu amor por ela não era só emocional; havia um inegável componente físico nele. Era desta forma que machos vinculados funcionavam.
Talvez ele não pudesse ter se contido naquele beco, ela pensou. Talvez aquela fosse a besta dentro da casca civilizada, a parte animal dos vampiros que separavam a espécie daqueles humanos fracos.
Ela lambeu as marcas no pescoço dele, fechando as feridas, saboreando o gosto que embarcava em sua boca e tomava a via expressa pela sua garganta. Novamente ela podia sentir o poder nascendo em suas entranhas, e isto era só o começo. Quando seu corpo absorvesse o que ele tinha dado, ela ia se sentir cada vez mais forte.
– Eu amo você, – ela disse.
Com isto, ela o levantou dos travesseiros de modo que ela estivesse sentada em seu colo, sua excitação empurrando ainda mais fundo em seu centro. Espalmando a nuca dele com a mão livre, ela o trouxe a sua veia e segurou-o no lugar.
Ele não precisava de maior encorajamento do que este – e a dor que veio com seu ataque era uma aguilhoada fina que a levava bem à borda da liberação, seu sexo ordenhando o dele em outro orgasmo, trabalhando contra seu membro, apertando-o, puxando-o para ela.
Os braços de John se fecharam ao seu redor, e a visão deles pelo canto de seu olho, fê-la franzir o cenho. Os braços dele eram imensos, membros inchados que, a despeito do quão forte ela era, poderiam levantar mais peso, bater mais forte, socar mais rápido. Eles eram maiores do que suas coxas, mais duros do que sua cintura.
Seus corpos não haviam, de fato, sido feitos iguais, haviam? Ele sempre seria mais poderoso do que ela.
Uma realidade, certo. Mas ser maior não era fator determinante em campo; nem era mérito para se julgar um guerreiro. Ela era certeira como atiradora, tão boa quanto com uma adaga, e igualmente furiosa e implacável quando cara a cara com a presa.
Ela tinha simplesmente que o fazer ver isto.
Biologia era uma coisa. Mas mesmo os homens possuíam um cérebro.
Quando o sexo finalmente terminou, John deitou-se ao lado de sua fêmea, totalmente saciado e sonolento. Seria provavelmente uma boa ideia procurar um pouco de comida, mas ele não tinha energia ou vontade.
Ele não queria deixá-la. Neste momento. Daqui a dez minutos. Amanhã, próxima semana, próximo mês...
Enquanto ela se curvava para ele, ele puxou um cobertor da mesa lateral e jogou-o por cima deles, mesmo que a combinação dos seus corpos já estivesse bastante quente.
Ele soube exatamente o momento em que ela pegou no sono – a respiração dela mudou e sua perna se movia de tempos em tempos.
Ele imaginou se ela estava chutando sua bunda em seus sonhos. Ele tinha que trabalhar a merda toda; isto era certo.
E não havia ninguém a quem recorrer para falar sobre isso – não é como se ele pudesse pedir a Tohr mais do que o conselho que ele teve esta noite. E todos os demais tinham relacionamentos perfeitos. Tudo o que ele via à mesa de jantar eram casais sorridentes e felizes – dificilmente o tipo de opinião que ele procuraria.
Ele podia até imaginar a resposta: Você está tendo problemas? Sério? Huh... Isto é estranho... Talvez você possa ligar para a rádio, ou alguma merda assim?
A única diferença é que esta resposta poderia ser dada por alguém de cavanhaque, alguém com um par de facas, um sobretudo de pele ou um pirulito Tootsie Roll na boca...
Ele tinha este momento de paz, no entanto. E ele e Xhex podiam consertar isto.
Eles precisavam.
Você disse que estava tudo bem em eu lutar. Bem antes de nos emparelharmos, você disse que tudo bem para você.
E realmente estava. Mas isto tinha sido antes dele vê-la sendo atingida bem na sua frente.
A coisa era... E por mais doloroso que fosse admitir... A última coisa que ele queria ser era o Irmão que ele mais admirava. Agora que ele tinha Xhex apropriadamente, a ideia de perdê-la e sentir-se na pele de Tohr era simplesmente a ameaça mais terrível que ele já encarara.
Ele não fazia ideia de como o Irmão estava se virando para sair da cama todas as noites. E francamente, se ele não tivesse ainda perdoado o cara por sumir e ficar desaparecido durante aquele tempo, ele teria perdoado agora.
Ele pensou naquele momento quando Wrath e a Irmandade tinham vindo a eles em grupo. Ele e Tohr tinham estado no escritório do centro de treinamento, com o Irmão ligando para casa vezes sem conta, esperando, rezando por algo a mais do que a secretária eletrônica...
No corredor, fora do escritório, havia fissuras nas grossas paredes de concreto – a despeito de aquela maldita coisa ser de concreto de quarenta e cinco centímetros de espessura. A liberação de energia de Tohr, de sua fúria e dor tinha sido tão grande que ele literalmente explodira para sabe-se lá Deus onde, estremecendo a fundação subterrânea até que ela estalara.
John ainda não sabia para aonde ele tinha ido. Mas Lassiter o tinha trazido de volta em má forma.
Ele continuava em má forma.
Egoísta como era, John não queria isto para si mesmo. Tohr era metade do homem que uma vez fora – e não só por ter perdido peso – e apesar de ninguém se atrever a demonstrar pena na sua frente, cada um dos guerreiros sentiam-na por trás das portas fechadas.
Difícil saber quanto mais tempo o Irmão durará lá fora com o inimigo. Ele se recusava a tomar uma veia, então ele estava enfraquecendo, ainda que cada noite ele saísse a campo, sua necessidade de vingança ficando cada vez mais forte e voraz.
Ele iria se matar. Simples assim.
Era como triangular o impacto de um carro num carvalho: simples questão de geometria. Você desenhava os ângulos e trajetórias e bum! Lá estava Tohr, morto no asfalto.
Apesar de que, merda, ele provavelmente tomaria seu último suspiro com um sorriso, sabendo que finalmente estaria com sua shellan.
Talvez fosse por isto que John estava estressado sobre as coisas com Xhex como estavam. Ele estava próximo a outras pessoas na casa, a sua meio-irmã, Beth, a Qhuinn e Blay, aos outros Irmãos. Mas Tohr e Xhex eram seu ponto de apoio – e a ideia de perder a ambos?
Meeeeeerda.
Pensar em Xhex em campo, ele sabia que se ela continuasse lá fora, em todos aqueles becos, combatendo os inimigos, ela se machucaria novamente. Eles todos se machucavam às vezes. A maioria dos ferimentos eram somente arranhões, mas você nunca saberia quando a linha seria cruzada, quando um simples mão-a-mão sairia do controle e você seria cercado.
Não que ele duvidasse dela ou de sua capacidade – apesar daquele monte de merda que saíra de sua boca naquela noite. Eram as circunstâncias que ele não gostava. Cedo demais, se você jogasse os dados muitas vezes, você se veria frente a frente com os olhos da serpente. E no panorama geral, a vida dela era mais importante do que ter mais um lutador em campo.
Ele devia ter pensado nisto um pouco mais antes de sair concordando com aquele Sim, certamente, Estou ok com você lutando...
– No que você está pensando? – ela perguntou, na escuridão.
Como se o que estivesse martelando em seu cérebro a tivesse acordado.
Ajeitando-se, ele colocou sua cabeça próximo a dela e balançou, negando. Mas ele estava mentindo. E ela provavelmente sabia.
Na noite seguinte, Qhuinn parou no canto mais afastado do escritório de Wrath, encostado na junção de duas paredes azuis. A sala era enorme, quase doze metros de comprimento por doze metros de largura, e tinha um teto alto o suficiente para te dar sangramento nasal. Mas o espaço estava apertado.
Também, havia uma dúzia de pessoas tão grandes amontoadas em volta dos sofisticados móveis franceses.
Qhuinn conhecia a merda francesa. Sua morta-e-esquecida mãe gostara do estilo, e antigamente, antes dele ser renegado pela família, aborreceram-no à exaustão sobre não sentar em sua porcaria Luis-Alguma-Coisa.
Ao menos, esta era a única área na qual ele não era discriminado dentro da própria casa – ela queria apenas que ela e suas irmãs estacionassem as bundas naqueles assentos delicados. A ele e seu irmão não era permitido. Nunca. E seu pai tolerava a contragosto, basicamente porque ele pagara pela coisa toda, centenas de anos atrás.
Tanto faz.
Ao menos a mesa central de comando de Wrath fazia sentido. A cadeira do rei era tão grande quanto um carro, e provavelmente era tão pesada quanto um também, esculpida de forma áspera, porém elegante para ser o trono da raça. E a enorme mesa a sua frente também não tinha sido feita para uma garota.
Esta noite, e como de costume, Wrath se parecia com o assassino que era: silencioso, intenso, mortal. Basicamente uma senhora anti-Avon. Ao seu lado, Beth, sua rainha e shellan, estava composta e séria. E do outro lado, George, seu cachorro auxiliar de visão, parecia... Bem, praticamente saído de um cartão-postal. Mas então, golden retrievers eram sempre assim: pitorescos, lindos e acariciáveis.
Mais Donny Osmond do que senhor sombrio.
Novamente, Wrath mais do que merecia o título.
De repente, Qhuinn lançou seu olhar díspar para o tapete Aubusson. Ele não precisava ver quem estava parado ao lado da rainha.
Ah, inferno.
Sua visão periférica estava funcionando muito bem esta noite.
O galinha de seu primo, o chupador-de-rola, vestido em ternos, Montblanc-enfiado-no-cu de seu primo Saxton, o Magnífico, estava próximo à rainha, parecendo uma combinação de Cary Grant e algum modelo em um maldito comercial de perfume.
Não que Qhuinn estivesse sendo amargo.
Porque o cara dividia a cama com Blay.
Não.
Não. Nenhum pouco.
O chupador-de-rola...
Com um estremecimento, ele pensou que talvez fosse hora de mudar de insulto para algo um pouco distante do que aqueles dois certamente...
Deus, ele não podia nem ir por este caminho. Não se ele quisesse respirar.
Blay também estava na sala, mas o cara estava longe de seu amante. Ele sempre ficava. Fosse nesses encontros, ou fora deles, eles nunca apareciam mais próximos do que um metro de distância.
O que era a única bênção concedida em viver na mesma casa que o par. Nunca eram vistos de lábios grudados ou mesmo de mãos dadas.
Não que Qhuinn não rolasse acordado em sua cama durante o dia, torturando-se com toda a merda de Kama Sutra...
A porta do escritório se abriu e Tohrment entrou se arrastando. Cara, ele parecia que havia sido jogado de um carro em movimento da autoestrada, seus olhos como buracos de mijo na neve, seu corpo se movendo de forma enrijecida enquanto ele andava para ficar perto de John e Xhex.
Com esta chegada, a voz de Wrath cortou a conversa, calando a todos. – Agora que estamos todos aqui, eu vou enlatar a merda e deixar que Rehvenge assuma. Eu não tenho nada bom para dizer sobre isto, então ele será mais eficiente relatando-lhes tudo.
Enquanto os Irmãos murmuravam, o sólido filho-da-puta de moicano postou a bengala no chão e se levantou. Como de costume, o mestiço estava vestido inteiramente de preto em um terno risca-de-giz – Deus, Qhuinn estava começando a odiar tudo o que tinha lapelas – e um casaco de pele de mink para mantê-lo aquecido. Com suas tendências sympath sob controle, graças a doses regulares de dopamina, seus olhos estavam violetas, e quase que totalmente não-diabólicos.
Quase. Ele realmente não era alguém que você quereria como inimigo, e não só porque, como Wrath, ele era o líder de seu povo. Seu trabalho diurno era ser rei da colônia sympath do norte. As noites eram passadas aqui com sua shellan, Ehlena, vivendo La vida vampírica. E nunca os dois lados se encontrariam.
Mesmo não dito, ele era considerado uma adição valiosa à Irmandade.
– Alguns dias atrás, uma carta foi enviada para cada chefe das famílias que restaram. – Ele procurou no casaco e tirou uma página dobrada do que parecia ser um pergaminho antiquado. – Entregue pelos correios. Manuscrito. No Antigo Idioma. O meu demorou um pouco para chegar até mim porque foi enviado ao acampamento do norte. Não, eu não faço ideia de como eles conseguiram o endereço, e sim, eu confirmei que todos receberam uma carta.
Equilibrando sua bengala contra o sofá delicado onde estivera sentado, ele abriu o pergaminho com a ponta dos dedos, como se não gostasse da textura da coisa. Então em uma voz baixa e profunda, leu cada frase no idioma ancestral no qual fora escrito.
– Meu velho amigo, escrevo-lhe para lhe advertir de minha chegada à cidade de Caldwell com meus soldados. Apesar de nos conhecermos há muito tempo no País Antigo, os acontecimentos medonhos dos últimos anos nesta jurisdição tornaram impossível para nós, mantermo-nos, em sã consciência, onde tínhamos estabelecido nosso domicílio. Como talvez você tenha ouvido de nossos amigos de além-mar, nossos esforços erradicaram a Sociedade Lessening por lá. Claramente, é hora de trazer um braço fortemente armado a cargo deste lado do oceano – a raça aqui nesta área têm tido perdas irreparáveis, algumas das quais, talvez pudessem ter sido evitadas se estivéssemos aqui antes. Não peço nada em retorno ao nosso serviço pela raça, embora apreciasse a oportunidade de encontrar-me com você e o Conselho – apenas para expressar minhas sinceras condolências aos que suportaram os ataques. É uma pena que as coisas chegassem a isto – o comentário é triste sobre certos segmentos de nossa sociedade.
Com amável respeito, Xcor.
Quando Rehv terminou, dobrou o papel e sumiu com ele. Ninguém disse coisa alguma.
– Foi minha reação também, – ele murmurou secamente.
Isto abriu as comportas, todos falando de uma só vez, as maldições fluindo rica e pesadamente.
Wrath fechou o punho e bateu na mesa fazendo o abajur pular, e George se esconder debaixo do trono de seu dono. Quando a ordem foi restaurada, foi como um garanhão amansado com um arreio; um respeito tênue, mais como uma pausa no galope do que uma mansidão verdadeira.
– Eu acho que o bastardo estava fora a noite passada, – Wrath disse.
Tohrment falou alto. – Nos encontramos com Xcor, sim.
– Então, não é um imitador.
– Não, mas foi escrito por outra pessoa. Ele é analfabeto.
– Eu ensinarei o filho da puta a ler, – V murmurou. – Enfiando a Biblioteca do Congresso no traseiro dele.
Enquanto grunhidos de aprovação ameaçaram se tornar uma bagunça maior, Wrath bateu na mesa de novo. – O que sabemos sobre este bando?
Tohr deu de ombros. – Assumindo que ele manteve os mesmos caras, são um total de cinco. Três primos. Aquele astro pornô Zypher...
Rhage emitiu um som de menosprezo a isto. Evidentemente, embora ele agora estivesse emparelhado e feliz, ele sentia que a raça tinha uma, e somente uma lenda sexual – e esta seria ele.
– E Throe estava com ele naquele beco, – Tohr completou. – Veja, não vou mentir - é claro que Xcor está organizando um ataque contra...
Quando ele não terminou a afirmação, Wrath concordou. – Mim.
– O que significa nós.
– Nós.
– Nós.
Mais vozes do que poderia ser contadas repetiram aquela única palavra, uma única sílaba vinda de cada canto da sala, cada assento almofadado, cada canto reto de parede onde alguém estava encostado.
E era aquilo. Ao contrário do pai de Wrath, seu rei tinha sido primeiro um guerreiro e um Irmão – então o vínculo que havia sido forjado não era nascido de algum artefato ou tarefa assumida, mas o fato de que Wrath estivera ao lado deles em campo e salvara seus rabos pessoalmente vez ou outra.
O rei sorriu um pouco. – Agradeço o apoio.
– Ele tem que morrer. – Quando todo mundo olhou para Rehvenge, o cara deu de ombros. – Simples e claro. Não vamos enrolar sobre isso com etiqueta e reuniões. Vamos apenas apagá-lo.
– Você não acha que está sendo um pouco sedento demais, devorador de pecados? – Wrath falou lentamente.
– De um rei para outro, saiba que estou mostrando meu dedo do meio agora. – E ele estava, com um sorriso. – Sympaths são conhecidos pela eficiência.
– Sim, e eu posso sentir onde está querendo chegar. Infelizmente, a lei diz que você tem de atentar contra minha vida antes que eu possa enterrá-lo.
– É para isto que a situação está se encaminhando.
– Concordo, mas nossas mãos estão atadas. Minha ordem para assassinar o que de outra forma é um macho inocente não vai nos ajudar aos olhos da glymera.
– Por que você teria de estar associado à morte?
– E se o bastardo for inocente. – Rhage falou alto. – Eu sou a porra do coelhinho da páscoa.
– Oh, bom, – alguém zombou. – Vou chamá-lo de Hollywood saltitante de agora em diante.
– Monstruoso Bo Peep, – alguém falou.
– Podemos colocá-lo em um comercial da Cadbury[17] finalmente fazer algum dinheiro...
– Gente, – Rhage cortou, – o ponto é que ele não é inocente, e eu não sou o coelhinho da páscoa...
– Cadê seu cestinho?
– Posso brincar com seus ovos?
– Pule para cá, grandão...
– Querem calar a porra da boca? Sério!
Enquanto vários comentários sobre coelhinhos fofinhos de rabos de algodão eram lançados como gelatina numa briga de comida, Wrath teve de bater na mesa mais uma ou duas vezes. O estresse estava tão alto, que se eles não soltassem um pouco de vapor, a merda ia ficar feia rapidamente. Não significava que a Irmandade não tinha foco; pelo contrário, todos se sentiam como Qhuinn – como que esmurrados no estômago.
Wrath era o tecido da vida, a base de tudo, a viva e respirante estrutura da raça. Depois dos brutais ataques da Sociedade Lessening, o que restara da aristocracia tinha abandonado Caldwell rumo a suas casas seguras fora da cidade. A última coisa que os vampiros precisavam era mais fragmentação, especialmente na forma de um violento golpe ao líder por direito.
E Rehv estava certo. Era isto que estava acontecendo. Inferno, até Qhuinn podia seguir a trilha. Passo um, plantar dúvidas nas mentes da glymera sobre a habilidade da Irmandade proteger a raça. Passo dois, preencher o vazio em campo com os soldados de Xcor. Passo três, criar aliados no Conselho e semear raiva e desconfiança contra o rei. Passo quatro, destronar Wrath e alimentar a tempestade. Passo cinco, emergir como um novo líder.
Quando a ordem no escritório foi finalmente reestabelecida, Wrath parecia absolutamente malvado. – O próximo idiota da boca grande que fizer eu bater na minha mesa de novo, vai ser chutado pra fora daqui. – Depois disto, ele baixou a mão, pegou o retriever de quarenta quilos, e acomodou George no colo. – Vocês estão assustando meu cachorro e isto está me deixando puto.
Enquanto o animal colocava sua cabeça grande na curva dos braços do rei, Wrath acariciava toda aquela pelagem sedosa e loira. Era absolutamente incompatível, o enorme vampiro de aparência cruel acalmando aquele cão charmoso e gentil, mas os dois mantinham uma relação simbiótica, confiança e amor espessos como sangue de ambos os lados.
– Agora, se vocês estão prontos para serem razoáveis, – o rei disse, – Vou dizer-lhes o que vamos fazer. Rehv vai atrasar os caras o máximo que puder.
– Eu ainda acho que poderíamos botar uma faca em seu olho esquerdo, – Rehv murmurou, – mas ao invés disto, temos de mantê-los afastados. Ele quer ver e ser visto, e como leahdyre do Conselho, eu posso atrapalhá-lo um pouco neste ponto. A voz dele nos ouvidos da glymera não é algo que precisamos agora.
– Enquanto isto, – Wrath anunciou, – Eu vou sair e vou encontrar pessoalmente os chefes das famílias, no território deles.
Ante isto, houve outra explosão na sala, desprezando o aviso dele, pessoas pularam de seus assentos, levantando as mãos com adagas.
Má ideia. Qhuinn pensou, concordando com os outros.
Wrath os deixou continuar por um minuto, como se tivesse esperado isso. Então, ele voltou ao controle da reunião. – Eu não posso esperar um apoio que não mereço - e eu não tenho visto pessoalmente essas pessoas em décadas, senão em séculos. Meu pai encontrava esses caras todos os meses, alguns todas as semanas, para resolver seus conflitos.
– Você é o rei! – alguém falou. – Você não precisa fazer merda...
– Você vê está carta? É a nova ordem mundial - se eu não respondê-la de forma proativa, eu vou estar me boicotando. Veja, meus irmãos, se vocês estivessem em campo, a ponto de enfrentar o inimigo, vocês se enganariam sobre a paisagem? Vocês mentiriam a si mesmos sobre a disposição das ruas, os prédios, os carros, ou se o tempo estaria quente ou frio, chuvoso ou seco? Não. Então porque eu me enganaria sobre a tradição ser algo contra o que eu possa me esconder durante uma luta? Lá no tempo de meu pai... Esta merda era como uma armadura a prova de balas. Agora? É um pedaço de papel, gente. Vocês tem de saber disto.
Houve um longo momento de silêncio, e então todos olharam para Tohr. Como costumavam recorrer a ele quando a merda ficava pegajosa demais.
– Ele está certo, – o Irmão disse roucamente. Então focou em Wrath. – Mas você tem de saber que não fará isto sozinho. Precisa ter dois ou três de nós com você. E o encontro tem de ser marcado para daqui a uns meses - convoque-os muito rápido e vai parecer desesperado, mas, mais ao ponto, eu não quero ninguém se organizando para atacá-lo. Os locais devem ser examinados previamente por nós, e... – Com isto, ele fez uma pausa para olhar em volta. – Precisa estar ciente de que estaremos prontos para atirar. Vamos atirar para matar quando sua vida estiver em risco - seja por uma fêmea ou macho, ou doggen ou o chefe de uma família. Não vamos pedir permissão ou ferir superficialmente. Se puder aceitar estes termos, estaremos com você nesta.
Ninguém mais poderia ter exposto as regras daquele jeito e sair sem um ferimento depois. O rei dava ordens a Irmandade, não o contrário. Mas este era o novo mundo, como Wrath tinha dito.
O macho em questão cerrou o maxilar por um momento. Então grunhiu.
– Concordo.
Enquanto todo mundo soltava a respiração, Qhuinn se viu olhando para Blay. Ah, inferno, fale sobre uma zona de respiração – era por isto que ele evitava o cara como a praga. Só um olhar e ele ficava preso, todo o tipo de reações rolando dentro dele, até que a sala girava um pouquinho...
Por nenhuma boa razão, os olhos de Blay se ergueram e encontraram os seus.
Foi como ser atingido no traseiro com um fio desencapado, seu corpo estremecendo a ponto de ter de esconder a reação com uma tossidela enquanto desviava o olhar.
Suave como uma cratera. É. Fantástico.
– ... E enquanto isto, – Wrath estava dizendo, – Eu quero saber onde estes soldados estão ficando.
– Posso cuidar disto, – Xhex disse alto. – Especialmente se achá-los durante o dia.
Todas as cabeças se viraram na direção dela. Ao lado dela, John enrijeceu da cabeça aos pés, e Qhuinn praguejou por baixo de sua respiração.
Falando em combates... Só que o casal não acabou de sair de um?
Cara, algumas vezes ele ficava realmente feliz de não estar metido numa relação.
Não de novo, John pensou consigo mesmo. Pelo amor da porra, eles mal voltaram a se falar, e agora isto?
Se ele pensava que lutar lado a lado com Xhex era problema, a ideia dela tentando se infiltrar no Bando de Bastardos em território deles, deixava-o à beira de um ataque epiléptico.
Enquanto ele batia a cabeça na parede, percebeu que todo mundo e seus cachorros estavam olhando para ele. Literalmente – até os olhos marrons de George estavam voltados para sua direção.
– Você só pode estar de brincadeira, – Xhex disse. – Você está fodidamente brincando comigo.
Mesmo depois de ela falar, ninguém olhou para ela. Era tudo sobre John. Claramente, por ele ser hellren dela, buscavam sua aprovação – ou não – sobre o que ele expunha.
E John parecia não conseguir se mover, grudado no gélido pântano entre o que ela queria e no que ele não queria que eles terminassem.
Wrath pigarreou. – Bem, esta é uma oferta gentil...
– Oferta gentil? – ela cuspiu. – Como se eu estivesse convidando você para um jantar?
Diga algo, ele disse a si mesmo. Erga suas mãos sacolejantes e diga-lhe... O quê? Que ele estava de acordo com ela ir em busca de seis machos sem juízo? Depois do que Lash tinha feito a ela? E se ela fosse capturada e...
Oh, Jesus, ele estava rachando ali. Sim, ela era dura e forte e capaz. Mas era tão mortal quanto qualquer outra pessoa. E sem Xhex, ele não iria querer estar neste planeta, de maneira nenhuma.
Rehvenge bateu sua bengala e se levantou. – Vamos conversar nós dois...
– Com licença? – Xhex gritou. – Falar? Como se fosse eu que precisasse de uma readaptação mental? Sem querer ofendê-lo, Rehv. Todos vocês precisam de mim para fazer o que eu posso fazer para ajudar.
Enquanto todos os outros machos da sala olhavam para a ponta de seus coturnos, o rei sympath balançou a cabeça. – As coisas são diferentes, agora.
– Como?
– Vamos lá, Xhex...
– Vocês estão doidos? Só porque meu nome está nas costas dele, eu subitamente virei uma prisioneira ou uma merda assim?
– Xhex...
– Oh, não, não, você pode cortar essa merda de tom razoável. – Ela olhou para os machos, e então focou em Beth e Payne. – Eu não sei como vocês duas aguentam - eu realmente não sei.
John estava tentando pensar no que poderia dizer para evitar o confronto, mas que perda de tempo. Dois trens já tinham batido de frente e então já havia metal retorcido e engrenagens incendiadas por todos os lados.
Especialmente enquanto Xhex marchava para a porta como se estivesse se preparando para arranhá-la abaixo só para provar seu ponto de vista.
Quando ele se virou para segui-la, ela olhou-o com um olhar inflexível. – Se você vier atrás de mim por qualquer outra razão além de me deixar ir atrás de Xcor, pare onde está. Porque você pertence a este antiquado grupo de misóginos. Não ao meu lado.
Erguendo as mãos, ele expressou Não é errado querer mantê-la a salvo.
– Isto não é sobre segurança - é sobre controle.
Besteira! Você foi ferida há menos de vinte e quatro horas...
– Bem, tenho uma ideia. Eu quero manter você a salvo - então que tal você parar de lutar? – Ela olhou por sobre os ombros para Wrath. – Você vai me apoiar, meu senhor? Que tal o resto de vocês, tolos? Vamos botar uma saia e meia calça no John, vamos? Vamos lá, me apoiem. Não? Vocês não acham que isto seria ‘justo’?
O temperamento de John se incendiou, e ele só... Ele não queria fazer o que fez, só aconteceu.
Ele bateu sua bota, criando um barulho trovejante, e apontou... Diretamente para Tohr.
Desconfortável. Horrível. Silêncio.
Como se ele e Xhex não estivessem apenas lavando sua roupa suja na frente de todo mundo, mas ele tivesse jogado as meias suadas e camisetas manchadas deles na cabeça de Tohr.
Em resposta? O Irmão apenas cruzou os braços no peito e acenou, uma vez.
Xhex balançou a cabeça. – Eu tenho de sair daqui. Eu tenho de clarear minha mente. John, se você sabe o que é bom para você, você não vai me seguir.
E com isto, ela sumiu.
Depois, John esfregou o rosto, tão forte que sentiu como se estivesse rearranjando suas feições.
– Que tal todo mundo sair para a patrulha noturna, – Wrath disse suavemente, – Eu quero falar com John. Tohr, você fica.
Não precisou pedir duas vezes. A Irmandade e os outros saíram como se alguém estivesse lá fora roubando seus carros.
Beth ficou para trás. George também.
Quando as portas se fecharam, John olhou para Tohr. Sinto muito.
– Nah, filho. – O macho deu um passo adiante. – Eu não quero que você esteja como estou hoje, também.
O Irmão colocou seus braços em volta de John, e John o abraçou, colidindo com seu corpo forte... Que ainda assim conseguiu mantê-lo em pé.
A voz de Tohr era firme em seu ouvido: – Tudo bem. Você está comigo. Está tudo bem...
John pôs a cabeça de lado e olhou para a porta pela qual sua shellan tinha saído. Ele quisera ir atrás dela com cada fibra de seu ser – mas aquelas fibras também eram o que continuava despedaçando-o. Em sua mente, ele entendia tudo o que ela estava dizendo, mas seu coração e seu corpo estavam sendo controlados por algo separado de tudo aquilo, algo maior e mais primitivo. E estava engolfando tudo.
Era errado. Desrespeitoso. Antiquado de uma maneira que ele jamais imaginara que seria. Ele não pensava que fêmeas deviam ser sequestradas, e ele acreditava em sua parceira, e ele queria ela...
A salvo.
Ponto.
– Dê-lhe um pouco de tempo, – Tohr murmurou, – e vamos atrás dela, ok? Você e eu vamos juntos.
– Bom plano, – Wrath disse, – porque nenhum dos dois vão a campo hoje. – O rei ergueu as mãos para cortar a discussão. – Certo?
Aquilo calou a boca dos dois.
– Então você está bem? – o rei perguntou a Tohr.
O sorriso do Irmão não era nem um pouco caloroso. – Eu já estou no inferno - a merda não vai piorar só porque ele está me usando como exemplo do que ele não quer ser.
– Tem certeza disto?
– Não se preocupe comigo.
– Mais fácil dizer do que fazer. – Wrath moveu a mão, como se ele não quisesse seguir com isso. – Estamos entendidos?
Enquanto Tohr concordava e virava para a porta, John fez uma reverência à Primeira Família e foi atrás do macho.
Ele não teve de correr. Tohr estava esperando por ele no corredor. – Escute-me - Está tudo bem. Sério.
Eu sinto... Tanto. John expressou. Sobre tudo. E... Merda, eu sinto saudades de Wellsie - Eu realmente sinto falta dela.
Tohr piscou por um momento. Então em uma voz quieta, ele disse, – Eu sei, filho. Eu sei que você a perdeu, também.
Você acha que ela teria gostado de Xhex?
– Sim. – A sombra de um sorriso atingiu aquele rosto áspero. – Ela só a encontrou uma vez e foi há muito tempo, mas elas se entenderam, e se tivesse havido tempo... Elas teriam se dado muito bem. E cara, numa noite como esta, seria muito bom contar com uma ajuda feminina.
Tem razão. John expressou, enquanto tentava imaginar como se aproximar de Xhex.
Ao menos ele conseguia imaginar onde ela estava: em sua antiga casa no Rio Hudson. Era o refúgio dela, seu espaço privado. E quando ele aparecesse em sua porta, ele podia apenas rezar para que ela não o jogasse de bunda no chão.
Mas eles tinham de se entender, de alguma maneira.
Eu acho melhor ir sozinho, John expressou. Isto provavelmente vai ser feio.
Horroroso definiria melhor, ele pensou.
– Tudo bem. Saiba que estarei aqui se precisar de mim.
Não tinha sido sempre assim, John pensou quando se separaram. Quase como se conhecessem há séculos, ao invés de meros anos. Então, de novo ele achava que era isto o que acontecia quando você cruzava em sua vida com alguém com quem você era verdadeiramente compatível.
Era como se sempre tivessem estado juntos.
– Eu farei.
Quando No’One falou, o grupo de doggens por trás dos quais ela vinha se esgueirando, movimentaram-se como um bando de pássaros, todos de uma vez. Na modesta sala dos empregados, havia homens e mulheres, cada um vestido de acordo com sua função, fosse cozinheiro ou limpador, padeiro ou mordomo. Ela os tinha encontrado quando saíra para um passeio à toa, e quem era ela para não aproveitar a oportunidade?
Aquele no comando, Fritz Perlmutter, parecia a ponto de desmaiar. Mas também, ele havia sido doggen do pai dela há muitos anos, e tinha muita dificuldade em vê-la se definindo como uma serviçal. – Minha boa senhora...
– No’One. Meu nome agora é No’One. Faça o favor de me chamar somente assim. E como eu disse, vou me encarregar da limpeza do centro de treinamento.
Fosse lá o que isso fosse.
De fato, a noite passada com aquele vestido tinha sido uma bênção inigualável, a tarefa ocupando suas mãos e dando-lhe tal concentração, que fez com que as horas passassem rapidamente. Tal qual era no Outro Lado, seu trabalho manual era a única coisa que a acalmava e estruturava sua existência.
Como ela sentira falta de ter um propósito.
Na verdade, ela tinha vindo para cá para servir Payne, mas a fêmea não queria ajuda. Ela tinha vindo para cá para tentar se aproximar de sua filha, mas a fêmea recém-emparelhada tinha outras coisas com o que se ocupar. E ela tinha vindo para cá em busca de um tipo de paz, só que estava enlouquecendo com a ociosidade desde sua chegada.
E isto antes de seu quase confronto com Tohrment nesta manhã.
Ao menos ele pegou o vestido. Não estava mais onde ela o tinha pendurado quando ele respondera à sua batida na porta com tanta grosseria.
Subitamente, ela notou que o mordomo estava olhando para ela em expectativa, como se tivesse dito algo que pedisse uma resposta.
– Por favor, leve-me até lá, – ela disse, – e me mostre o serviço.
Pelo modo como seu rosto velho e enrugado se fechou ainda mais, ela percebeu que não era a resposta esperada. – Senhorita...
– No’One. E você, ou alguém de sua equipe, pode me mostrar agora.
A equipe inteira pareceu preocupada, como se rumores de que os céus estavam caindo tivessem subitamente se tornado realidade.
– Obrigada, – ela disse ao mordomo. – Pela sua ajuda.
Claramente reconhecendo que não ia vencer, o doggen chefe fez uma ligeira reverência. – Mas é claro que eu vou, senh-Ah. No-Er...
Quando ele não conseguiu pronunciar seu nome, como se o apropriado título de “senhorita” fosse necessário para desengatar a sua fala, ela teve pena dele.
– Vocês são muito gentis. – Ela murmurou. – Agora, vamos.
Depois de dispensar os outros, ele a levou pela sala dos empregados, atravessando a cozinha rumo ao vestíbulo por uma porta que ela ainda não tinha visto. Enquanto prosseguiam, ela se lembrou de seu antigo e mais jovem eu, a querida filha de uma linhagem importante que se recusava a cortar a própria carne, pentear o próprio cabelo ou vestir-se sozinha. Que desperdício. Ao menos agora que não era ninguém, nem possuía nada de seu, era claro para ela como passar as horas de maneira significativa: trabalhando. O trabalho era a chave.
– Vamos por aqui, – o mordomo falou enquanto mantinha aberta uma porta escondida embaixo de uma grande escada, – Deixe-me lhe dar os códigos.
– Obrigada, – ela respondeu, memorizando-os.
Enquanto seguia o doggen pelo longo tubo estreito de um túnel subterrâneo, ela pensou, sim, se ela fosse ficar deste lado, precisaria ocupar-se com tarefas, mesmo que isso ofendesse os doggens, a Irmandade, as shellans... Melhor do que a prisão de seus próprios pensamentos.
Eles saíram do túnel passando por trás de um armário, seguindo por uma sala baixa que tinha uma mesa, armários de metal, e uma porta de vidro.
O doggen pigarreou. – Este é o centro de treinamento e instalação médica. Temos salas de aula, um ginásio, armários, sala de levantamento de peso, área de terapia física e uma piscina, bem como outras amenidades. Há pessoal responsável pela limpeza pesada de cada seção – isto foi dito severamente, como se ele não se importasse se ela era convidada ou o próprio rei: ela não ia bagunçar sua programação, – mas a doggen responsável pela lavanderia foi para a cama descansar, como ela é uma doggen idosa, não é mais seguro para ela ficar em pé. Por favor, vamos por aqui.
Quando ele abriu a porta de vidro, seguiram pelo corredor e se dirigiram para uma sala de portas duplas que era quase idêntica à lavanderia que ela tinha usado a noite passada na casa principal. Os vinte minutos seguintes foram passados com ele a ensinando novamente como operar as máquinas, e então o mordomo revisou com ela um mapa das instalações de forma que ela soubesse onde pegar as roupas para lavar e como retornar com elas à lavanderia.
E então, depois de um silêncio rígido, e uma despedida ainda mais rígida, ela estava abençoadamente sozinha.
Em pé, no meio da área de serviço, cercada de máquinas de lavar, secadoras e mesas de passar, fechou os olhos e respirou bem fundo.
Oh, a adorável solidão, e o afortunado peso do trabalho pousado sobre seus ombros. Pelas próximas seis horas, ela não teria de pensar em nada além de toalhas brancas e lençóis: encontrá-los, colocá-los nas máquinas, dobrá-los, devolvê-los aos locais apropriados.
Não haveria espaço para seu passado ou seus arrependimentos aqui. Só o trabalho.
Pegando um carrinho com rodas, ela empurrou o recipiente de tecido azul pelo corredor afora e começou a dar as voltas, começando com a clínica e retornando à lavanderia quando não havia mais espaço no carrinho. Depois que colocou o primeiro monte na enorme máquina de lavar, ela saiu novamente, passando pela sala dos armários e encontrando uma montanha de panos brancos. Precisou de duas viagens para levar todas as toalhas, e fez uma pilha delas no centro da área de serviço, ao lado do ralo no chão de concreto cinza.
Sua parada final a levou por todo o caminho à esquerda pelo corredor até a piscina. Enquanto ela seguia, as rodas do carrinho faziam uma espécie de assobio ao deslizar, e seus pés se embaralhavam desconfortavelmente, o que a fazia se segurar na borda do carrinho dando-lhe um pouco mais de estabilidade, ajudando-a a ir mais rápido.
Quando ouviu música, vinda da área da piscina, diminuiu. Então parou.
A melodia de notas e vozes não fazia sentido, uma vez que todos os membros da Irmandade e suas shellans estavam fora, para suas ocupações noturnas. A menos que alguém tenha esquecido a música ligada, depois de utilizarem a piscina?
Empurrando seu caminho para uma sala de levantamento de peso azulejada com mosaicos de figuras masculinas atléticas, foi atingida por uma parede de calor e umidade tão pesada, que era como se tivesse passando por uma cortina de veludo. E por toda volta, havia um aroma estranho, químico no ar, um que a fez se perguntar com o que eles tratavam a água – no Outro Lado, tudo sempre estava permanentemente fresco e limpo, mas ela sabia que não era assim na Terra.
Deixando o carrinho na entrada, foi em frente e atravessou um espaço vasto e cavernoso. Estirou a mão para tocar os azulejos mornos na parede, correndo os dedos por sobre céus azuis e campos verdes, mas evitou tocar as figuras masculinas em trajes sumários, com arco e flecha, equipamento de esgrima, e poses de corrida.
Ela amava a água. A sensação de flutuar, o amenizar das dores em sua perna ruim, a sensação de ligeira liberdade...
– Oh... Meu... – ela engasgou enquanto virava o corredor.
A piscina era quatro vezes maior do que qualquer uma no Outro Lado, e sua água era de um vacilante azul pálido – provavelmente por causa dos azulejos que revestiam seu fundo. Linhas negras percorriam toda extensão, demarcando raias, e havia números decrescentes na borda de pedra, claramente marcando a profundidade. Em cima, o teto era em forma de domo e coberto de mais mosaicos, e havia bancos nas paredes, provendo lugares para sentar. Ecoando no ambiente, a música estava alta, mas não muito, e a melodia triste possuía uma ressonância prazerosa.
Uma vez sozinha, não conseguiu resistir ao impulso de se aproximar e testar a temperatura da água com o pé descalço.
Tentador. Tão tentador.
Ao invés de ceder à tentação, concentrou-se em seus deveres voltando ao carrinho, empurrando-o até um cesto de vime maior, e então transferiu a carga de roupas úmidas e sujas.
Quando se virou para partir, parou e olhou para a água de novo.
De jeito nenhum que a primeira rodada de lençóis já teria terminado seu ciclo de lavagem. Ainda havia ao menos quarenta e cinco minutos de acordo com o que a máquina tinha informado.
Verificou o relógio que havia na parede.
Talvez apenas alguns minutos na piscina, ela decidiu. Podia ser bom ter algum alívio para sua perna, e não havia nada que pudesse fazer para adiantar seu trabalho por um tempinho.
Pegando uma das toalhas limpas e dobradas da pilha, ela checou novamente a sala anterior. Foi mais abaixo e olhou no corredor.
Não havia ninguém lá. E agora era a hora – a equipe estaria concentrada na limpeza do segundo andar da mansão, uma vez que tinham de terminar aquele trabalho entre a Primeira e a Última Refeição. E não havia ninguém sendo tratado na clínica, pelo menos no momento.
Ela tinha de se apressar.
Mancando de volta para o lado mais raso, desamarrou seu manto e tirou o capuz, despindo-se até ficar somente a roupa de baixo. Após breve hesitação, ela tirou-a também – teria de se lembrar de trazer uma sobressalente da próxima vez que fizesse algo assim. Melhor permanecer modesta.
Enquanto dobrava suas coisas, ela deliberadamente olhou para panturrilha retorcida, traçando os cordões de cicatrizes que formavam um feio mapa em relevo de montanhas e vales em sua pele. Antigamente, a perna funcionava perfeitamente e era tão linda que artistas desejariam pintá-la. Agora era um símbolo de quem e o que ela era, um lembrete da desgraça que fizera dela menos que uma pessoa... E, ainda assim, uma pessoa melhor.
Por sorte, havia um corrimão cromado perto dos degraus, e ela agarrou-o para equilibrar-se enquanto lentamente entrava na água cálida. Antes de afundar, recolheu sua trança e prendeu a pesada extensão em volta do topo da cabeça, enfiando a ponta de forma que ficasse presa no lugar.
E então... Deslizou.
Fechando os olhos em êxtase, deixou-se boiar, sem peso, a água uma brisa morna em volta de sua carne, seu corpo amparado gentilmente pelas mãos bondosas da piscina. Quando se dirigiu ao centro, desistiu de sua decisão de não molhar o cabelo, e deitou de costas, movendo as mãos em círculos para manter-se na superfície.
Por um breve momento, permitiu-se sentir algo, abrindo as portas de seus sentidos.
E foi... Bom.
Largado para trás na mansão nesta noite, Tohr estava fora do turno da noite, preso e de ressaca: uma trindade mal-humorada, se é que já se viu uma.
A boa notícia era que a maioria das pessoas havia saído ou estava cuidando de seus assuntos, ele não tinha de infectar ninguém com seu humor tóxico.
Pensando nisto, dirigiu-se ao centro de treinamento, vestido nada além de seu calção de banho. Era sabido que a ressaca, em sua maior parte, se devia à desidratação, então decidira não apenas ir à piscina e ficar submerso... Mas trazer algum alívio líquido com ele. E isto era pelo bem de sua saúde.
O que ele trazia? Oh, bom, vodka – ele sinceramente gostava, e ei, era parecido com água.
Parando no túnel, ele tomou um gole da Goose do V e engoliu...
Porra. O som da bota de John batendo no chão, como um maldito dobre de sinos, era algo que ele nunca iria esquecer. Assim como o dedo do garoto apontando para ele.
Hora de outro gole... E ei, que tal um pouco mais?
Enquanto voltava a caminhar para o que provavelmente seria uma festa de afogamento, ele reconheceu ser um clichê ambulante. Ele vira seus irmãos naquele estado de vez em quando, zanzando em volta com uma cabeça amarga e confusa, comportando-se mau, e uma garrafa de suco nocauteador grudada nas mãos. Antes que Wellsie fosse tirada dele, nunca entendera os motivos.
Agora? Dãaa.
Você fazia o que tinha de fazer para passar pelas horas. E as noites quando não podia lutar eram as piores – exceto, claro, os dias insone, encarando a luminosidade do dia, um sinal brilhante de proibido sair. Isto era ainda mais miserável.
Quando saiu do escritório rumo à piscina, estava feliz por não ter que disfarçar a expressão em seu rosto, moderar a linguagem, ou esfriar o ânimo.
Abrindo a porta da ante-sala, sua pressão sanguínea baixou diante da quente e acolhedora onda de umidade que o atingiu. A música ajudou também. Do sistema de som, U2 enchia o ar, o bom e velho The Josua Tree ecoando ao redor.
A primeira pista de que algo estava errado era a pilha de trapos próxima à parte rasa da piscina. E talvez se ele não estivesse bebendo, ele poderia ter somado dois e dois antes de...
Flutuando no centro da piscina, uma fêmea estava virada para cima na superfície da água, seus seios nus brilhando, seus mamilos enrijecidos no ar morno, a cabeça jogada para trás.
– Porra.
Difícil saber o que fez mais barulho: seu palavrão ou a garrafa de Goose caindo no chão... Ou a água espirrando no meio enquanto No’One se endireitava e afundava, cobrindo-se, na medida em que tentava manter a cabeça fora da água.
Tohr virou e cobriu os olhos com as mãos...
Com este movimento, o vidro quebrado cortou a sola de seu pé descalço, a dor tirando-lhe o equilíbrio – não que ele precisasse de qualquer ajuda com isso, graças a ter enchido a cara de vodka. Apoiou a mão, tentando levantar-se do chão – e acabou cortando a palma da mão direita também.
– Fodido Inferno, – ele gritou, jogando-se para longe dos cacos de vidro.
Enquanto rolava de costas, No’One saia da água e puxava seu manto, cobrindo sua pele nua, aquela trança longa balançando livremente enquanto puxava o capuz para o lugar.
Com outra maldição, Tohr levantou a mão para checar o ferimento. Ótimo. Bem no centro da mão que segurava a adaga, havia uma merda de corte de cinco centímetros e alguns milímetros de profundidade.
Só Deus sabia o estado em que estava seu pé.
– Eu não sabia que você estava aqui, – ele disse, sem olhar para ela. – Sinto muito.
Pelo canto do olho, ele viu No’One se aproximando, seus pés descalços aparecendo por baixo da cobertura do manto.
– Não se aproxime, – ele grunhiu. – Há vidro por todo lado.
– Eu já volto.
– Está bem, – ele murmurou, enquanto erguia o pé para dar uma olhada.
Fantástico – maior, mais profundo. Sangrando mais. E ainda havia vidro no corte.
Com um grunhido, arrancou o pequeno triângulo de vidro e puxou a coisa pra fora. Seu sangue no caco era vermelho como rubor, e ele virou o pedaço de um lado para o outro, olhando a luz atravessar a mancha.
– Pensando em começar sozinho a cirurgia?
Tohr olhou para Manny Manello, doutor, cirurgião humano, hellren emparelhado com a irmã gêmea de V. O cara tinha vindo com um kit de primeiros socorros, e também com sua atitude habitual de – eu-governo-o-mundo.
Qual o problema dos médicos? Eles eram quase tão ruins quanto os guerreiros. Ou reis.
O humano se agachou ao seu lado. – Você está vazando.
– Não diga.
Bem quando se perguntava onde No’One estava, a fêmea apareceu com uma vassoura, um cesto rolante e uma pá de lixo. Sem olhar para ele ou para o humano, começou a varrer cuidadosamente.
Ao menos ela calçara os sapatos.
Jesus Cristo... Ela estava realmente, fodidamente pelada.
Enquanto Manello furava e cutucava a mão ferida, e então começava a anestesiar e costurar, Tohr observava a fêmea de canto de olho – sem olhar diretamente. Especialmente não depois...
Jesus... Tipo, realmente fodidamente pelada...
Ok, hora de parar de pensar nisso.
Concentrando-se em seu manquejar, ele notou que estava bastante pronunciado, e se perguntou se ela se machucou naquela pressa de sair da piscina e se vestir.
Ele a vira frenética antes. Mas só uma vez...
Fora na noite em que eles a resgataram daquele sympath.
Ele matara o bastardo. Atirara em seu captor bem na cabeça, derrubando-o como uma pedra. Então ele e Darius a tinham levado para a carruagem para levá-la de volta a casa de sua família. O plano era devolvê-la. Levá-la ao sangue de seu sangue. Entregá-la àqueles que por todos os direitos deveriam ajudar em sua cura.
Só que quando se aproximaram da imponente mansão, ela se jogou da carruagem mesmo com os cavalos a galope. E ele nunca se esqueceria da visão dela naquela camisola branca, cruzando o campo, correndo como se estivesse sendo perseguida, embora seu sequestro já tivesse terminado.
Ela sabia que estava grávida. Foi por isto que fugira.
Ela também mancava naquela ocasião.
Aquela foi a sua única tentativa de fuga. Bem, até aquela depois do parto, aquela que fora bem-sucedida.
Deus... Estivera nervoso perto dela durante aqueles meses que ficaram juntos no abrigo de Darius. Não tinha nenhuma experiência com fêmeas de qualquer tipo. É, claro, crescera cercado delas enquanto vivera com sua mãe, mas fora como uma criança, um pretrans. E no instante em que passara pela transição, fora tirado de sua casa e jogado no poço do nade-ou-afunde, campo de treinamento do Blodletter – onde ele tinha estado ocupado demais tentando manter-se vivo para se preocupar com prostitutas.
Ele nem mesmo conhecia Wellsie pessoalmente naquela época. Seu compromisso com ela tinha sido um acordo que sua mãe fizera quando ele tinha vinte e cinco anos, antes mesmo de que ela tivesse nascido.
Com um espasmo, ele chiou, e Manello olhou por cima de sua agulha e linha. – Desculpe. Você quer mais lidocaína?
– Estou bem.
O capuz de No’One se mexeu um pouco quando ela virou para olhar. Depois de um momento, voltou a trabalhar com a vassoura.
Talvez fosse o álcool agindo, mas ele subitamente não dava mais a mínima para disfarces. Deixou-se abertamente olhar para a fêmea enquanto o bom doutor terminava a mão.
– Sabe, vou ter que te fazer usar um suporte. – Manello murmurou.
– Se me disser o que precisa, – No’One disse suavemente, – Trarei para você.
– Perfeito. Vá à sala de equipamento no final do ginásio. Na sala de treinamento físico, encontrará os...
Enquanto o cara dava as instruções. No’One acenava, o capuz dela se movendo para cima e para baixo. Por alguma razão, Tohr tentava imaginar seu rosto, mas estava embaçado. Ele não a tinha visto apropriadamente em séculos – aquele breve relance agora mesmo não contava, devido à distância. E quando ela se revelou a Xhex e ele antes da cerimônia de emparelhamento, tinha estado petrificado demais para prestar atenção.
Mas ela era loira; ele sabia disto. E ela sempre gostara de sombras – ou ao menos, tinha gostado na cabana de Darius. Não gostava de ser olhada também, naquela época.
– Ok, estamos indo bem, – Manello disse enquanto inspecionava seu serviço de reparação. – Vamos enfaixar e seguir adiante.
No’One voltou quando o médico estava prendendo a ponta da gaze no lugar.
– Pode olhar se quiser.
Tohr franziu o cenho até perceber que Manello estava falando com No’One. A fêmea se aproximara, e certo como se aquele capuz dela fosse um expressivo rosto, ele podia dizer que estava preocupada.
– Só um aviso, no entanto. – Manello se moveu para baixo. – O pé está pior do que a mão - mas a palma é mais importante, porque é com o que ele luta.
Enquanto No’One hesitava. Tohr deu de ombros. – Pode olhar tudo o que quiser, desde que seu estômago aguente.
Ela deu a volta e parou atrás do médico, cruzando os braços nas mangas de seu manto de forma que parecia uma estátua religiosa. Só que ela estava muito viva. Quando ele piscou enquanto a agulha entrava sem anestesia, ela pareceu se encolher.
Como se sua dor a afetasse.
Tohr manteve os olhos afastados durante todo o procedimento.
– Ok, terminamos, – Manello disse algum tempo depois. – E antes que pergunte, vou te responder com um ‘é, provavelmente’. – Dada rapidez com que vocês caras se curam, você provavelmente estará bom amanhã à noite. Pelo amor de Deus, vocês são como carros – após uma batida, vão ao funileiro, e quando menos se espera, estão de volta à estrada. Humanos levam tanto maldito tempo para se recuperar.
Uh-huh, certo. Tohr não se colocaria no mesmo nível de um Dodge Ram. A exaustão que ele estava sentindo a seu redor significava necessidade se alimentar - e isto significava que estes ferimentos pequenos poderiam levar mais tempo para se curar.
Tirando aquela única sessão com Selena, ele não tinha tomado uma veia desde...
Não. Não por aí de novo. Não tinha necessidade de abrir aquela porta.
– Sem se apoiar neste pé, – o médico disse enquanto tirava as luvas. – Ao menos até o amanhecer. E sem nadar.
– Sem problema. – Especialmente no último. Depois do que ele vira boiando no meio da maldita coisa, ele bem poderia nunca mais entrar naquela piscina. Em qualquer piscina, por falar nisso.
A única coisa que se salvava da completa bagunça que fora o acontecimento, era o fato de que não houvera nada sexual do lado dele. É, ele ficara chocado, mas não significava que ele quisera... Sabe, cair em cima dela ou uma merda dessas.
– Uma pergunta, – o médico disse enquanto se levantava e segurava sua mão.
Tohr aceitou a palma e com um pouco de surpresa viu que foi puxado solidamente de uma vez, até estar sobre seu pé.
– O que?
– Como aconteceu?
Tohr olhou para No’One, que desviou o olhar rapidamente, e virou o corpo inteiro para a direção oposta.
– A garrafa escorregou da minha mão, – Tohr murmurou.
– Ah, bem - acidentes acontecem. – O tom de – tá bom, acredito... – sugeria que o cara não acreditava na desculpa nem por um segundo. – Chame-me se precisar. Estarei na clínica pelo resto da noite.
– Obrigado, cara.
– Tudo bem.
E então... Ele e No’One estavam a sós.
Quando o médico partiu, No’One se pegou querendo distância de Tohrment. Era como se, na ausência de outras pessoas no lugar, ele tivesse subitamente chegado mais perto e estivesse muito, muito maior.
No silêncio que evaporava, teve a sensação de que deveriam estar falando, mas sua mente estava enevoada. Mortificada nem chegava perto de descrevê-la, e teve a impressão de que, se pudesse ao menos se explicar, talvez pudesse fazer aquela sensação desaparecer.
Enquanto isto, havia demais da forma física dele à mostra, para ser confortável. Ele era tão alto – centímetros e mais centímetros – trinta centímetros mais alto do que ela. E seu corpo não era tão esguio quanto o dela. Apesar de ser mais magro do que se lembrava, e muito mais leve do que seus Irmãos, ainda era maior e mais musculoso do que qualquer macho da glymera com quem ela já estivera...
Onde estava sua língua? Ela pensou.
E assim, ainda enquanto devaneava, tudo o que conseguia fazer era medir a extensão brutal dos ombros, e o sólido contorno de tórax pesado, e aqueles braços longos e cruelmente musculosos. Não que o achasse atraente. Ela de repente teve medo de todo aquele poder físico...
Tohrment foi quem deu um passo para trás, o rosto demonstrando desgosto. – Não olhe para mim deste jeito.
Tremendo, ela lembrou a si mesma que este era o macho que a salvara. Não alguém que a machucara. Ou que a machucaria. – Sinto muito...
– Escute, e eu quero deixar isto bem claro. Não tenho interesse nenhum em você. Não sei que tipo de jogo está fazendo.
– Jogo?
O braço poderoso dele se estirou quando apontou para a piscina. – Deitada aí esperando eu chegar...
No’One recuou. – O quê? Eu não estava esperando você ou qualquer outra pessoa...
– Mentira...
– Eu conferi antes, para ter certeza de que estava sozinha...
– Você estava nua, flutuando ali como uma vagabunda...
– Vagabunda?
Suas vozes alteradas ricocheteavam em volta como balas, cruzando caminhos enquanto interrompiam um ao outro.
Tohrment se projetou para frente em seus quadris. – Por que está aqui?
– Estava recolhendo as toalhas para lavar...
– Não ao centro de treinamento - a esta maldita mansão.
– Eu queria ver minha filha...
– Então por que você não tem passado nenhum tempo com ela?
– Ela está recém-emparelhada! Eu tentei parecer acessível...
– É, eu sei. Só que não para ela.
A falta de respeito naquela voz profunda à fez querer se encolher, mas a injustiça deu-lhe determinação. – Eu não tinha como saber que você ia entrar aqui. Pensei que todos tinham saído esta noite...
Tohrment diminuiu a distância entre eles. – Eu vou dizer isto só uma vez. Não há nada aqui para você. Os machos emparelhados desta casa estão vinculados às suas shellans, Qhuinn não está interessado, e nem eu. Se você está aqui procurando um hellren, está sem sorte...
– Eu não quero macho algum! – O grito dela o calou, mas não foi suficiente. – Eu vou dizer isto somente uma vez - Eu me mataria antes de sequer aceitar outro homem em meu corpo. Eu sei por que você me odeia, e eu respeito suas razões, mas eu não quero você nem qualquer um do seu tipo. Nunca.
– Então que tal começar por manter-se vestida em suas malditas roupas.
Ela teria lhe dado um tapa se tivesse altura. Sua palma até formigou.
Mas ela não pulou para apagar aquela expressão terrível do rosto dele à força. Erguendo o queixo, disse com o máximo de dignidade que conseguiu, – Caso tenha se esquecido do que o último macho fez a mim, posso garantir que eu não esqueci. Se vai escolher acreditar em mim ou preferir sua ilusão, não é da minha conta – ou de meu interesse.
Quando ela passou por ele mancando, desejou que sua perna fosse o que tinha sido antes. Orgulho era muito melhor expressado com uma marcha firme.
No momento em que chegou à antessala, olhou para trás, na direção dele. Ele não tinha se virado, então deu com seus ombros... E o nome de sua shellan, o qual estava entalhado na pele. – Eu nunca mais me aproximarei desta água. Com roupa ou sem roupa.
Enquanto ela vacilava para a porta, tremia da cabeça aos pés, e não foi até que sentiu o golpe frio do ar do corredor, que percebeu que deixara para trás o cesto rolante, a vassoura e sua roupa de baixo.
Ela não ia voltar para buscá-los, disto tinha certeza.
Na lavanderia, fechou a porta e se inclinou na parede, perto das portas.
Subitamente, sentiu como se estivesse sufocando, e arrancou o capuz da cabeça. De fato, seu corpo estava quente, e não por causa do manto pesado que vestia. Um fogo interno tinha se enraizado e usava suas entranhas como combustível, a fumaça aquecida daquele fogo enchendo seus pulmões, roubando o oxigênio.
Era impossível perceber o macho que conhecera no País Antigo naquele que ela acabara de ver. O primeiro era desajeitado, mas nunca, nunca desrespeitoso, uma alma amável e gentil que de alguma forma sobrepujava seus brutais esforços na guerra – ainda assim, mantinha sua compaixão.
Esta interação de hoje fora amarga.
E ela que pensara que cuidar daquele vestido tinha sido benéfico?
Teria melhor sorte movendo a mansão com a mente.
À saída raivosa de No’One, Tohr decidiu que tirando o fato de que John Matthew não tinha cortado a mão e o pé esta noite, parecia que Tohr e o garoto tinham muito em comum: Cortesia de seus temperamentos, ambos estavam agora vestindo a fantasia de Capitão Imbecil – que incluía, sem custo adicional, a capa da desgraça, as botas da vergonha, e chaves para o Desastre Móvel.
Cristo, o que saíra de sua boca?
Caso tenha se esquecido do que o último macho fez a mim, posso garantir que eu não esqueci.
Com um gemido, apertou a ponte do nariz. Por que caralho ele pensara, sequer por um momento, que aquela fêmea tinha interesse sexual nele como macho?
– Porque você assumiu que ela estava atraída por você e se apavorou.
Tohr fechou os olhos. – Agora não, Lassiter.
Naturalmente, o anjo caído não prestou atenção à metafórica FAIXA POLICIAL – NÃO ULTRAPASSE em suas palavras. O anjo de cabelo loiro e preto entrou e se sentou em um dos bancos, colocando os cotovelos nos joelhos vestidos em couro, os olhos estranhos fixos e sérios.
– É hora de você e eu termos uma conversinha.
– Sobre minhas habilidades sociais? – Tohr balançou a cabeça. – Sem ofensas, mas eu preferia ouvir conselhos de Rhage – e isto é significativo.
– Você já ouviu falar do Limbo?
Tohr desajeitadamente girou em seu pé bom. – Não estou interessado em uma aula agora, obrigado.
– É um lugar muito real.
– Como Cleveland. Detroit. Lindo subúrbio de Burbank. – Ele tinha sido um grande fã de Laugh-In[18] nos anos sessenta. Que o processassem. – Mas não preciso saber sobre elas também.
– É onde Wellsie está.
O coração de Tohr parou no peito. – De que infernos você está falando?
– Ela não está no Fade.
Ok. Certo. Ele provavelmente devia seguir aquela primeira com um “Do que porra você está falando?”. Mas, tudo o que pode fazer, foi olhar fixamente para o cara.
– Ela não está onde você pensa, – o anjo murmurou.
Com a boca seca, conseguiu falar, – Está dizendo que ela está no inferno? Porque é a única outra opção.
– Não, não é.
Tohr tomou um fôlego profundo. – Minha shellan era uma fêmea de valor, e ela está no Fade... Não há motivos para pensar que ela está no Dhund. Da minha parte, já estou cansado de pular na garganta das pessoas esta noite. Então vou sair por aquela porta ali... – apontou na direção da antessala só para ajudar, – E você vai me deixar ir. Porque não estou com humor para isto.
Virando, começou a mancar, usando a muleta que No’One tinha trazido.
– Você parece ter muita maldita certeza de algo que não sabe merda nenhuma.
Tohr parou. Fechou os olhos de novo. Rezou por uma emoção, qualquer emoção, além da vontade de matar.
Sem sorte.
Olhou por sobre o ombro. – Você é um anjo, certo. Então é esperado que tenha compaixão. Eu acabei de acusar uma fêmea que foi estuprada antes de ser engravidada, de ser uma vagabunda. Acha realmente que eu posso aguentar ser torturado sobre minha shellan bem agora?
– Existem três lugares no além-vida. O Fade, onde os amados se reencontram. Dhund, aonde os injustos vão. E o Limbo...
– Você ouviu o que eu acabei de dizer?
– ...É onde as almas ficam presas. Não é como os outros dois...
– Você se importa?
– ...Porque o Limbo é diferente para todo mundo. Bem agora, sua shellan e seu bebê estão presos por sua culpa. É por isto que eu vim. Estou aqui para ajudá-lo, ajudá-los a partirem para onde pertencem.
Cara, era uma boa hora para ter um pé fodido, Tohr pensou, pois ele subitamente perdeu o equilíbrio. Aquilo ou o centro de treinamento estava girando no eixo da casa.
– Não entendo, – suspirou.
– Você precisa seguir em frente, meu homem. Pare de se apegar a ela para que ela possa ir...
– Não há purgatório, se é isso que está sugerindo...
– De onde caralho você acha que eu vim?
Tohr ergueu a sobrancelha. – Você realmente quer que eu responda?
– Não tem graça. E estou falando sério.
– Não, você está mentindo...
– Já se perguntou como eu te encontrei naquela floresta? Por que eu fiquei por perto? Já se perguntou por um momento por que insisto em perder meu tempo com você? Sua shellan e seu filho estão presos e eu fui enviado para cá para libertá-los.
– Filho? – Tohr resfolegou.
– É, ela estava carregando um menininho.
As pernas de Tohr cederam naquele momento – felizmente, o anjo pulou a frente e segurou-o antes que quebrasse algo.
– Venha cá. – Lassiter o moveu para o banco. – Sente-se aqui e coloque a cabeça entre os joelhos – sua cor acaba de ir para o inferno.
Desta vez, Tohr não discutiu; deixou sua bunda cair e permitiu-se ser empurrado pelo anjo. Quando abriu a boca para tentar respirar, notou sem motivo algum que os azulejos no chão não eram sólidos azuis-claros, mas tinham manchas multicoloridas de branco, cinza e marinho.
Quando a grande mão começou a fazer movimentos circulares em suas costas, se sentiu estranhamente confortado.
– Um filho... – Tohr ergueu a cabeça um pouco e passou a mão no rosto. – Eu queria um filho.
– Ela também.
Ele olhou severamente. – Ela nunca me disse.
– Ela não falou porque não queria que ficasse se gabando de ter dois machos na casa.
Tohr riu. Ou talvez fosse um soluço. – Ela faria mesmo isso.
– É.
– Então você a viu.
– É. Ela não está bem, Tohr.
De repente, sentiu como... – Vou vomitar. – O que era melhor do que chorar. – Purgatório?
– O Limbo. E há um motivo para que ninguém saiba sobre ele. Se você sai, está no Fade – ou Dhund, e suas experiências passadas são esquecidas, uma lembrança ruim que se apaga. E se sua janela fecha, está preso lá para sempre, então não é como se fosse possível fazer documentários sobre o lugar.
– Não entendo - ela viveu uma vida boa. Era uma fêmea de valor que foi ceifada cedo. Porque ela não foi para o Fade?
– Você ouviu o que eu disse? Por sua causa.
– Eu? – Ele jogou as mãos para cima. – O que porra eu fiz de errado? Estou vivendo e respirando – eu não me matei e não vou...
– Você não a deixou ir. Não minta. Vamos lá, veja só o que acabou de fazer com No’One. Deparou-se com ela pelada, embora não tenha sido culpa dela, e cortou-lhe a cabeça porque pensou que ela estava dando em cima de você.
– E é tão estranho assim que eu não queira ser seduzido? – Tohr franziu o cenho. – Ademais, como infernos você sabe o que acabou de acontecer.
– Você não acha honestamente que voltará a estar totalmente sozinho, acha? E o problema não é No’One. É você... Você não quer se sentir atraído por ela.
– Eu não estava atraído por ela. Eu não estou.
– Mas tudo bem se estiver. Este é o ponto...
Tohr estendeu o braço, agarrou a frente da camiseta do anjo, e juntou as cabeças. – Tenho duas coisas para dizer a você. Não acredito em nada do que está dizendo, e se você sabe o que é bom para si mesmo, vai fechar a porra da boca sobre minha fêmea.
Enquanto Tohr o soltava e se levantava, Lassiter praguejou. – Você não tem a eternidade para isto, companheiro.
– Fique fora de meu quarto.
– Está querendo apostar a eternidade dela em sua raiva? É realmente tão arrogante?
Tohr olhou por sobre o ombro... Só que o filho da puta se fora: Não havia nada além de ar no banco onde o anjo estivera. E era difícil discutir com um banco.
– Tanto faz. Fodido doente mental.
Quando Xhex entrou no Iron Mask, sentiu como se voltasse no tempo. Por anos ela havia trabalhado em clubes como este, circulando entre gente desesperada como estas, mantendo os olhos abertos para problemas... Como aquela pequena complicação que se formava adiante.
Bem a sua frente, dois caras estavam se encarando, uma dupla de touros góticos quase arranhando o chão com suas New Rocks[19]. Justamente ao lado, uma garota de cabelo branco e preto, decote brilhante e uma roupa idiota, que envolvia fivelas com correias de couro preto, observava a situação malditamente satisfeita consigo mesma.
Xhex queria meter a mão na cara dela e despachá-la só pela sua atitude.
O real problema, no entanto, não era essa idiota que só tinha peitos, mas os dois pedaços de carne que estavam prestes a brigar pra valer. A preocupação não era tanto o que eles fariam com os narizes ou as mandíbulas um do outro; eram as outras duzentas pessoas como estavam basicamente se comportando. Corpos masculinos voando para trás em doze diferentes direções poderiam derrubar um monte de espectadores em seus traseiros, e quem precisava disso?
Estava prestes a entrar em ação, quando se lembrou de que este não era mais seu trabalho. Ela não era mais responsável por esses imbecis, suas libidos e os seus ciúmes, seu consumo e venda de drogas, suas façanhas sexuais...
Eeeeeee aqui estava Trez "Senhor Razão", tomando conta da situação de qualquer forma.
Os humanos na multidão viam o mouro simplesmente como um deles, apenas maior e mais agressivo. Ela sabia a verdade, no entanto. Aquele Sombra era muito mais perigoso do que qualquer um dos Homo sapiens poderia imaginar. Se ele quisesse, poderia rasgar suas gargantas num piscar de olhos... Em seguida, lançaria as carcaças em um espeto sobre uma fogueira, regaria por duas horas e os teria para jantar com uma espiga de milho e um saco de batatas fritas.
Os Sombras tinham uma maneira única de eliminar seus inimigos.
Antiácido, alguém?
Quando o tamanho de Trez fez sua marca, a dinâmica no palco mudou instantaneamente: a puta desprezível deu uma olhada para ele e pareceu esquecer os nomes dos dois caras que ela instigou para confusão. Enquanto isso, o par de palhaços bêbados esfriou um pouco, recuando e reavaliando a sua situação.
Bom plano, eles estavam a um passo de terem a situação forçadamente reavaliada para eles.
Os olhos de Trez se encontraram com os de Xhex por um instante e, então ele se concentrou em seus três clientes. Enquanto a fêmea tentava andar de esguelha até ele, reluzindo seus olhos e seu decote, ela dava toda a impressão de um bife para um vegetariano: Trez estava vagamente aborrecido.
Sobre o ruído da música, Xhex apenas pescou algumas palavras aqui e ali, mas ela podia imaginar o roteiro muito bem: Não seja um idiota. Resolvam lá fora. Primeira e única advertência antes de vocês se tornarem persona non grata.
No final de tudo, Trez praticamente teve que se separar da vadia com um pé de cabra, porque de alguma forma, ela havia grudado em seu braço.
Afastando-a dele com um, – Você não pode estar falando sério?! – ele se aproximou. – Ei.
Aquele sorriso, lento e sexy dele era o problema, é claro. E a voz profunda não ajudava. Ou aquele corpo.
– Ei. – Ela teve que sorrir de volta. – Problemas femininos novamente?
– Sempre. – Ele olhou ao redor. – Onde está o seu homem?
– Não está aqui.
– Ahhhhh. – Pausa. – Como você está?
– Eu não sei, Trez. Eu não sei por que estou aqui. Eu só...
Estendendo a mão, ele colocou seu pesado braço sobre os ombros dela e a aproximou dele. Deus, ele cheirava o mesmo, uma cominação de Gucci Pour Homme e algo que era totalmente dele.
– Venha cá, mocinha, – ele murmurou. – Ao meu escritório.
– Não me chame de mocinha.
– Certo. Que tal docinho?
Ela passou um braço em volta da cintura dele e inclinou sua cabeça em seu peito quando eles começaram a caminhar juntos. – Você gosta de suas bolas onde elas estão?
– Sim. Eu não gosto da sua aparência, no entanto. Eu prefiro você mal humorada e irritada.
– Eu também, Trez. Eu também...
– Então, nós ficamos bem no ‘docinho’? Ou eu tenho que ser mais drástico com você? Eu vou lançar mão do ‘fofinha’ se eu precisar.
No caminho para a parte de trás do clube, ao lado do vestiário onde as "dançarinas" se trocavam e colocavam suas roupas casuais, o escritório de Trez tinha uma porta parecida com a de um frigorífico. Dentro, havia um sofá de couro preto, uma mesa grande de metal e um cofre forrado com uma manta de chumbo, fixado no chão. Era isso. Bem, além das ordens de compra, recibos, mensagens telefônicas, laptops...
Parecia que um milhão de anos havia passado desde que ela tinha estado em torno de tudo isso.
– Acho que iAm não esteve por aqui ainda, – ela disse, acenando para a bagunça em cima da mesa. O gêmeo de Trez nunca teria resistido àquilo.
– Ele está cozinhando no Sal, até a meia-noite.
– Mesmo horário, então.
– Se está dando certo...
Enquanto os dois se instalavam, ele em sua cadeira estilo trono, ela no sofá, com o coração ferido.
– Fale comigo, – disse ele, seu escuro rosto sério.
Apoiando a cabeça em sua mão e cruzando a perna, ela remexeu nos cadarços de seu coturno.
– E se eu lhe disser que quero meu antigo emprego de volta?
Em sua visão periférica, ela o viu recuar um pouco.
– Eu pensei que você estava lutando com os Irmãos.
– Eu também.
– Wrath não está exatamente confortável com uma mulher no campo?
– John não está. – Quando Trez amaldiçoou, ela falou sério. – E como eu sou sua shellan, o que ele fala é o que vale.
– Ele realmente olhou nos seus olhos e...
– Oh, ele fez mais do que isso. – Quando um rosnado ameaçador se infiltrou no ar, ela acenou com a mão. – Não, nada violento. O argumento... Os argumentos não foram nada divertidos, no entanto.
Trez recostou na cadeira. Tamborilou seus dedos sobre a confusão na sua frente. Olhou para ela. – Claro que você pode voltar... Você me conhece. Eu não estou vinculado a qualquer noção de propriedade vampírica e a nossa é uma sociedade matriarcal, então, eu nunca entendi os misoginiados Antigos Caminhos. Estou preocupado com você e John, contudo.
– Nós vamos resolver isso. – Como? Ela não tinha a menor ideia. Mas ela não estava se deixando levar pelo medo de que eles não seriam capazes de colocar alguma credibilidade em suas palavras. – Eu simplesmente não posso ficar sentada naquela casa sem fazer nada e eu não quero sequer colocar os olhos sobre todos eles. Merda, Trez, eu deveria ter sabido que essa coisa de emparelhamento era uma má ideia. Eu não sirvo para isso.
– Parece que não é você quem está criando o problema. Apesar de que eu sei de onde ele está surgindo. Se alguma coisa acontecesse com iAm, eu fodidamente enlouqueceria... Então não é uma boa ideia ele e eu lutarmos lado a lado.
– Você luta mesmo assim.
– Sim, mas nós somos estúpidos. E não é como se saíssemos à procura de briga toda noite... Nós temos negócios que nos mantém ocupados e é só quando alguma coisa nos encontra que cuidamos dela. – Ele abriu uma gaveta da mesa e atirou-lhe um molho de chaves. – Tem um último escritório vazio no corredor. Se aquele detetive do departamento de homicídios, retornar sobre o caso de Chrissy e o seu namorado morto, nós lidaremos com isso, se tivermos que fazer. Enquanto isso, vou te colocar de volta na folha de pagamento. Você chegou numa boa hora, eu poderia usar alguma ajuda para organizar os seguranças. Mas, e eu realmente quero dizer isso, não há obrigação em longo prazo. Você pode sair quando quiser.
– Obrigada, Trez.
Os dois se olhavam por sobre a mesa.
– Vai ficar tudo bem, – o Sombra disse.
– Você parece certo disso.
– Eu estou.
Acerca de um quarteirão e meio de distância do Iron Mask, Xcor estava sotavento de um estúdio de tatuagem, o brilho vermelho, amarelo e azul de seu luminoso de neon penetrando em seus olhos lhe davam nos nervos.
Throe e Zypher tinham entrado no estabelecimento há dez minutos.
Mas não para se tatuar.
Por tudo o que era sagrado, Xcor preferia que os seus soldados estivessem em outro lugar numa missão por qualquer outra coisa. Infelizmente, não se pode negociar com a necessidade de sangue e eles ainda tinham que encontrar uma fonte confiável para isso. As fêmeas humanas serviam para saciar a sede na qual eles estavam, mas a força não durava muito e isso significava que a busca por vítimas era quase tão frequente quanto por comida.
De fato, eles estavam por aqui apenas há uma semana e ele já podia sentir o efeito retardado sobre a sua carne. Lá no Antigo País, existiam vampiras fêmeas as quais eles pagavam pelo serviço. Aqui, não possuíam esse luxo e ele temia que demorasse algum tempo até que tivessem.
Embora se ele se tornasse rei, o problema estaria resolvido.
Enquanto aguardava, mudou seu peso para trás e para frente em suas botas, seu casaco de couro rangendo sutilmente. Em suas costas, oculta no seu coldre, mas pronta para uso, sua foice estava tão impaciente quanto ele.
Às vezes, podia jurar que a coisa falava com ele: por exemplo, de tempos em tempos, um humano passava pela abertura do beco onde ele estava; talvez fosse um solitário caminhando rapidamente, ou uma mulher andando sem propósito enquanto tentava acender um cigarro contra o vento ou um pequeno grupo de farristas. Qualquer que fosse a variante, seus olhos os rastreavam como presas, observando a forma como seus corpos se moviam e onde poderiam estar escondendo quaisquer armas e quantos saltos seriam necessários para se colocar em seus caminhos.
E o tempo todo, sua foice lhe sussurrava, incitando-o a agir.
Na época de Bloodletter, os humanos eram poucos e menos robustos, bons tanto para a prática de alvo e como para fonte de sustento, razão esta pela qual a raça de ratos sem cauda tinha criado tantos mitos sobre vampiros. Agora, porém, os roedores tinham tomado a terra como palácio, se tornando uma ameaça.
Uma pena que ele não podia trabalhar em Caldwell apropriadamente. Derrotar não apenas o grande Rei Cego e a Irmandade, mas os Homo sapiens também.
Sua foice estava preparada; isso era certo. Ela praticamente vibrava em suas costas, implorando para ser usada, com aquela voz que era mais sexy do que qualquer coisa que seus ouvidos já haviam realmente ouvido de uma fêmea.
Throe emergiu da loja e veio até o beco. Imediatamente, as presas de Xcor se alongaram e seu pau endurecia, não porque ele estava interessado em sexo, mas porque isso era apenas o que seu corpo fazia.
– Zypher está terminando com elas agora, – disse seu tenente.
– Bom.
Quando uma porta de metal se abriu a frente, ambos mergulharam suas mãos em seus casacos de couro e agarraram as armas. Mas era apenas Zypher... Com um triunvirato de mulheres, todas elas tão atraentes quanto o lixo ao lado de um prato de jantar.
Mendigos, humanos perdedores, de qualquer maneira. Além disso, cada uma possuía o principal requisito: um pescoço.
Durante a aproximação, Zypher estava sorrindo, mas com cuidado para não revelar suas presas. Com seu sotaque, ele balbuciou.
– Estas são Carla, Beth e Linda...
– Lindsay, – a da ponta disse.
– Lindsay, – ele corrigiu, estendendo e puxando-as para mais perto. – Garotas, vocês conheceram meu amigo e este é meu chefe.
O soldado não se incomodou com os nomes, por que perder tempo? No entanto, independentemente da inadequada apresentação, elas pareciam excitadas: Carla, Beth, e Lin-qualquer-porra sorriam para Throe, todas dando sinal verde... Até que olharam para Xcor.
Apesar de estar em sua maior parte nas sombras, uma luz de segurança havia sido ativada pelo movimento de abrir da porta pela qual eles haviam saído e claramente elas não gostaram do que viram. Duas delas olharam para o chão. A outra ficou ocupada mexendo na jaqueta de couro de Zypher.
A rejeição intrínseca não era uma reação inédita. Na verdade, nenhuma mulher jamais olhou para ele com aprovação ou atração.
Felizmente, ele não poderia se importar menos.
Antes que o silêncio se tornasse mais desconfortável, Zypher disse,
– Então, estas encantadoras senhoras estavam prestes a ir para o trabalho...
– No Iron Mask, – Lin-qualquer coisa falou.
– Mas concordaram em se encontrar conosco aqui às 3h.
– Quando nós sairmos do trabalho, – uma delas acrescentou.
Quando o trio caiu em um jogo irritante de risadinhas safadas, Xcor não estava mais tão interessado nelas do que elas estavam nele. Na verdade, suas aspirações eram muito mais elevadas do que os gostos de Zypher. Sexo, tanto como tomar sangue, era uma inconveniente função biológica e ele era inteligente demais para cair nessa besteira de romance.
Se alguém estava determinado a ir por esse caminho, a castração era mais fácil, menos doloroso e bem como, permanente.
– Então, nós temos um encontro? – Zypher disse para a mulher.
A que mais se arrastava nas roupas dele, sussurrou algo que trouxe sua cabeça para baixo. Quando suas sobrancelhas se franziram, não foi difícil entender o ponto principal e a mulher não parecia muito infeliz com a resposta.
Ela ronronou.
Mas novamente, isso era o que todos os gatos abandonados dos becos faziam, Xcor supôs.
– É um encontro, – o vampiro disse, olhando para Throe. – Prometi que vamos cuidar dessas três muito bem.
– Eu tenho o que precisamos.
– Bem. Bom. – Ele golpeou a bunda de uma, depois de outra. A terceira, a mulher tentando entrar em seu casaco, ele inclinou para trás e a beijou duro.
Mais risadinhas. Mais olhares tímidos que não eram inteiramente sobre o fato de que estas eram prostitutas a caminho de serem pagas.
Justo quando elas estavam saindo, cada uma das mulheres olhou para Xcor, suas expressões sugerindo que ele era como uma doença a qual elas estavam prestes a serem expostas. Ele se perguntou quem pegaria o palito pequeno quando todos se reunissem – porque certo como o dia era longo e as noites demasiadamente curtas, ele teria uma delas.
Simplesmente custaria um extra nestes tipos de situações.
– Belos exemplares de virtude, – Xcor disse secamente quando estava sozinho com seus soldados.
Zypher deu de ombros. – Elas são o que são. E vai ser bom o suficiente.
– Estou tentando encontrar para nós as fêmeas adequadas, – Throe disse. – Porém, não é fácil.
– Talvez você precise trabalhar mais. – Xcor olhou para o céu. – Agora vamos começar a trabalhar. O tempo está sendo desperdiçado.
Vagabunda? Vagabunda?
Quando No’One se projetou para o Outro Lado e reentrou no Santuário onde passou séculos, não conseguia tirar aquela palavra nem a raiva de sua cabeça.
Lá embaixo, no centro de treinamento, a roupa limpa nunca havia sido dobrada tão ferozmente, e quando terminou suas tarefas, não tinha como permanecer na mansão pelas horas do dia.
Aqui era seu único outro destino.
E já estava na hora de vir aqui para se revigorar de qualquer maneira.
Parada no campo de flores coloridas, ela respirou fundo diversas vezes… E rezou para que fosse deixada a sós. As Escolhidas eram um grupo gentil de fêmeas sagradas e mereciam muito mais do que ela tinha a oferecer, mesmo uma transeunte ocasional – felizmente, elas estavam principalmente lá no Lado Oposto agora com o Primale.
Levantando sua túnica, ela começou a caminhar, atravessando as tulipas que floresciam perpetuamente com seus chapéus gordos em matizes vibrantes, como joias. Ela andou até que sua perna ruim começou a protestar. E ainda assim continuou a caminhada.
O precioso território da Virgem Escriba era ligado em todos os quatro lados por uma floresta espessa, e salpicada com edifícios de estilo clássico e templos. No’One conhecia cada telhado, cada parede, cada caminho, cada lago – e agora em sua fúria, ela fez um largo círculo em volta de tudo isso.
A raiva a animava, levando-a para frente em direção a… Nada e ninguém. E ainda, assim, ela disparou.
Como podia ele, que a tinha visto sofrer, chamá-la disso? Ela foi uma virgem, que teve violentamente roubado o presente que tencionava dar para aquele com quem se emparelhasse.
Vagabunda!
Na verdade, Tohrment não era o macho que ela uma vez havia conhecido – e quando o pensamento lhe ocorreu, ela refletiu que nisto eles eram iguais. Ela mesma havia perdido uma encarnação anterior de si mesmo, mas diferente dele, sua personalidade atual havia progredido.
Após algum tempo, a perna doeu tanto que ela teve que reduzir o passo… E então parar. A dor foi uma grande elucidação, fazendo o ambiente em que ela estava agora suplantar o que havia deixado lá embaixo, mas que estava retido nela.
Ela estava parada na frente do Templo das Escribas Isoladas.
Estava desocupado. Como todos os outros edifícios estavam.
Quando olhou ao redor, a verdadeira dimensão do silêncio se infiltrou nela. A paisagem estava totalmente desocupada. Era como se, em um lance de ironia, a cor vibrante que finalmente viera até aqui não tivesse simplesmente substituído o branco onipresente, mas afugentado toda a vida.
Recordando o passado, quando teve tanta coisa para lidar, ela percebeu que na verdade havia ido ao Outro Lado não apenas para procurar sua filha, mas para encontrar um lugar onde pudesse se ocupar até a exaustão, de forma que não pensasse em excesso.
Aqui ela não tinha nada para fazer.
Querida Virgem Escriba, ela iria enlouquecer.
Abruptamente, uma imagem de Tohrment, filho de Hharm, de ombros nus encheu sua mente até que a cegou.
WELLESANDRA
O nome foi esculpido na largura da musculatura dele no Idioma Antigo, a marca de uma verdadeira união de corpos e almas.
Depois de ter algo assim arrancado pelo destino, sem dúvidas ele estava tão destruído quanto ela estava. E ela havia ficado com raiva no princípio, também. Quando havia chegado aqui após sua morte e a Directrix a mostrou suas tarefas, seu entorpecimento se esvaíra, revelando um fogo de raiva. Contudo, não havia nada a atacar, com exceção de si mesma – e ela havia feito isso há décadas.
Pelo menos até que ela percebeu o “por que” de seu destino, o propósito por trás de sua tragédia e a causa de sua salvação.
Ela fora agraciada com uma segunda chance, nascendo de uma outra maneira para exercer um papel de servidão e humildade, e aprender com seus erros do passado.
Empurrando a larga porta do templo, ela mancou adentrando na nobre sala, onde as filas de mesas, os rolos de pergaminho e as várias canetas de penas estavam. Em cada posto, no centro do espaço de trabalho, ficava uma tigela de cristal redonda preenchida três quartos com água tão pura que era quase invisível.
Na verdade, Tohrment estava sofrendo assim como ela havia sofrido também, talvez apenas começando a jornada que ela sentia haver completado há muitos anos para contar. E, embora a raiva fosse uma emoção fácil de sentir em face à acusação injusta dele, entendimento e compaixão eram as posições mais difíceis e mais valiosas para tomar…
Ela tinha aprendido isso a partir do exemplo das Escolhidas.
Embora o entendimento requeresse conhecimento, ela pensou, fitando uma das bacias.
Quando se aproximou, ela estava inquieta com a busca que estava prestes a iniciar, e escolheu um local afastado, bem no fundo, longe das portas e das janelas estilo catedral.
Sentando-se, ela não encontrou nenhum pó na superfície da mesa, nem minuciosos resíduos dentro ou sobre a água, nem tinta seca nas garrafas – a despeito do fato de já haver se passado um longo tempo desde que a sala esteve cheia com as fêmeas buscando os eventos da raça e registrando a história que aparecia perante seus olhos gentis.
No’One levantou a bacia, segurando-a com as palmas das mãos, sem tocar os dedos. Com movimento quase imperceptível, ela começou a circular a água, imaginando o passado de Tohrment tão claramente quanto era capaz.
Logo após, uma história começou a surgir, contada em imagens em movimento que foram completadas em cor viva e animadas pelo amor.
Ela nunca antes pensou em procurar por ele e sua vida nas bacias. As poucas vezes que ela veio aqui tinha sido para verificar a felicidade de sua família e o curso da vida de sua filha. Embora, agora, ela sabia que tinha sido muito doloroso para ela olhar o par de guerreiros que lhe deram abrigo e proteção.
Em seu final e mais covarde ato, ela traiu a ambos.
Na superfície da água, ela viu Tohrment com uma fêmea ruiva de estatura alta – eles estavam valsando, ela naquele vestido vermelho, ele sem túnica e exibindo a escarificação fresca do nome dela escrito no Idioma Antigo. Ele estava tão feliz, tão incandescente, seu amor e união o fazendo brilhar como a Estrela do Norte.
Houve outras cenas que seguiram, vagando ao longo dos anos, de quando tudo tinha sido novidade entre eles até o conforto que veio com a familiaridade, dos domicílios pequenos aos maiores, dos tempos bons, em que eles riram juntos até tempos difíceis quando discutiram.
Era o melhor que a vida tinha a oferecer para alguém: uma pessoa para amar e ser amada, com quem você esculpisse um significado no tronco de carvalho do transcurso perene do tempo.
E então outra cena.
A fêmea estava em uma cozinha, uma adorável e brilhante cozinha, parada diante de um fogão. Havia uma panela no fogo, alguma carne cozinhando nela, e ela tinha uma espátula na mão. Não estava olhando para baixo, no entanto. Ela estava encarando o espaço na sua frente, seus olhos desfocados quando a fumaça começou a ondular.
Tohrment apareceu no meio do caminho, correndo para a entrada. Ele chamou seu nome e agarrou uma toalha pequena, indo para um acessório no teto e batendo o pano de um lado a outro com vigor enquanto estremecia como se seus ouvidos machucassem.
Sobre o fogão, Wellesandra voltou a prestar atenção e empurrou a panela ardente da serpentina incandescente. Ela começou a falar, e embora não houvesse som associado com as imagens, ficou claro que estava se desculpando.
Depois que tudo ficou resolvido, acalmado e sem mais chamas, Tohrment se recostou no balcão, cruzou os braços sobre o peito, e falou um pouco. Então, ele ficou em silêncio.
Passou um longo tempo antes de Wellesandra responder. Nas imagens anteriores de suas vidas, ela sempre pareceu ser forte e direta… Agora sua expressão era hesitante.
Quando ela terminou sua resposta, seus lábios franziram juntos e seus olhos se fixaram em seu companheiro.
Os braços de Tohrment gradualmente se desdobraram até que tombaram moles, e sua boca ficou frouxa, fazendo com que sua mandíbula caísse aberta. Seus olhos piscaram repetidas vezes, abrindo e fechando, abrindo e fechando, abrindo e fechando…
Quando ele finalmente se moveu, foi com a graça de alguém que tinha quebrado todos os ossos de seu corpo: ele cambaleou toda a distância que os separava e caiu de joelhos diante de sua shellan. Alcançando-a com as mãos trêmulas, ele tocou em seu baixo ventre enquanto lágrimas caiam de seus olhos.
Ele não disse uma palavra. Apenas agarrou sua companheira, seus braços grandes e fortes envolvendo a cintura dela, sua bochecha molhada vindo a descansar em seu útero.
Acima dele, Wellesandra começou a sorrir… Sorrir radiantemente, na verdade.
Sob sua felicidade, porém, o rosto de Tohr estava convertido em linhas de terror. Como se soubesse, até então, que a gravidez que ela regozijou era a destruição para todos os três...
– Eu pensei que iria encontrá-la deste lado.
No’One se virou bruscamente, a água na tigela espirrando sobre sua túnica, a imagem arruinada.
Tohrment parou na porta, certo como se a invasão dela na privacidade dele o convocasse para proteger o que era corretamente dele. Seu temperamento havia se dissipado, mas até na ausência de raiva, seu rosto magro não era nada perto do que ela tinha acabado de ver.
– Eu vim pedir desculpas, – ele disse.
Ela cuidadosamente colocou a tigela de volta, observando como a superfície agitada da água se acalmou e o nível subiu lentamente para o que tinha sido, reabastecido a partir de um reservatório desconhecido, invisível.
– Eu pensei em esperar até que ficasse um pouco sóbrio...
– Eu estive lhe observando, – ela disse. – Na bacia. Com sua shellan.
Isso o calou.
Levantando-se, No’One alisou a túnica, embora caísse como sempre, lisa e em dobras de pano.
– Eu entendo porque você está em um caminho horrível para um temperamento explosivo. Está na natureza de um animal ferido atacar até mesmo uma mão amiga.
Quando ela olhou para cima, ele estava franzindo a testa muito profundamente, suas sobrancelhas em uma única linha. Não exatamente uma abertura para conversar. Mas estava na hora de limpar o ar entre eles, e assim como o desbridamento de um ferimento aberto, podia se esperar que fosse doer.
A infecção deve ser arrancada a partir da carne, no entanto.
– Há quanto tempo ela morreu?
– Assassinada, – ele disse depois de um momento. – Ela foi assassinada.
– Há quanto tempo?
– Quinze meses, vinte e seis dias, sete horas. Eu teria que verificar um relógio para saber os minutos.
No’One caminhou até a janela e olhou para fora sobre a brilhante grama verde.
– Como você descobriu que ela tinha sido tirada de você?
– Meu rei. Meus Irmãos. Eles vieram até mim… E eles me disseram que ela havia sido baleada.
– O que aconteceu depois disto?
– Eu gritei. Fui para algum lugar, qualquer outro lugar. Eu chorei por semanas no deserto sozinho.
– Você não realizou uma cerimônia do Fade?
– Eu não voltei por quase um ano. – Ele amaldiçoou e esfregou o rosto. – Eu não posso acreditar que você esteja me perguntando esta merda, e não posso acreditar que eu estou respondendo.
Ela encolheu os ombros.
– É porque você foi cruel comigo na piscina. Você se sente culpado, e eu sinto como se você me devesse algo. O último me faz corajosa e o anterior solta seus lábios.
Ele abriu a boca. Fechou-a. Abriu-a novamente.
– Você é muito esperta.
– Não na verdade. Isso é óbvio.
– O que viu nas bacias?
– Tem certeza que deseja que eu diga?
– Tudo isso passa pela minha cabeça em uma volta infinita. Não vai ser um flash de notícia, seja como for.
– Ela lhe disse que estava grávida em sua cozinha. Você caiu no chão em frente a ela – ela estava feliz, você não.
Quando ele empalideceu, ela desejou que tivesse compartilhado uma das outras cenas.
E então ele a surpreendeu.
– É estranho… Mas eu soube que era uma má notícia. Muita felicidade demais. Ela queria tanto um filho. A cada dez anos nós brigávamos sobre isso quando ela tinha sua necessidade. Finalmente, chegou ao ponto dela dizer que iria me deixar se eu não concordasse em tentar. Era como escolher entre ser baleado ou ser atacado por uma lâmina de espada – de qualquer modo, eu sabia... De alguma maneira que eu iria perdê-la.
Usando a muleta, ele mancou até uma cadeira, puxou-a e se sentou. Quando ele desajeitadamente manobrou seu pé lesionado ao redor, ela percebeu que eles ainda tinham outra coisa em comum.
Ela se aproximou lenta e irregularmente, sentando-se a mesa ao lado dele.
– Eu sinto tanto. – Quando ele pareceu um pouco surpreso, ela deu com os ombros novamente. – Como eu não posso dar minhas condolências em face a sua perda? Na verdade, depois de ver vocês dois juntos, eu acho que nunca poderei esquecer o quanto você a amava.
Depois de um momento, ele murmurou roucamente, – Então, são dois.
Quando eles se calaram, Tohr olhou fixamente para a figura pequena e coberta, sentada tão imóvel próximo a ele. Eles estavam separados por cerca de um metro e meio, cada um sentado em uma das mesas de copista. Mas eles pareciam mais próximos que isto.
– Tire seu capuz para mim. – Quando No’One hesitou, ele acrescentou, – Você viu o melhor da minha vida. Eu quero ver seus olhos.
Suas mãos pálidas levantaram, e tremeram ligeiramente quando ela removeu o que cobria seu rosto.
Ela não olhou para ele. Provavelmente não podia.
Com foco imparcial, ele mediu os ângulos espetaculares de suas feições.
– Por que você usa isso o tempo todo?
Ela respirou fundo, a túnica subindo e descendo de tal forma que ele foi forçado a lembrar que ela estava provavelmente ainda nua sob isto.
– Diga-me, – ele exigiu.
Quando ela endireitou os ombros, ele pensou que qualquer um que acreditasse que esta fêmea era fraca tinha uma visão equivocada.
– Este rosto... – ela fez um gesto em torno de seu queixo perfeitamente esculpido e as bochechas rosadas e altas – ...Não é quem eu sou. Se as pessoas veem isso, elas me tratam com uma deferência que é inadequada. Até as Escolhidas assim me trataram. Eu o cobri porque se eu não fizer, então estou propagando uma mentira, e por mais que isso me chateie, é o suficiente.
– Você tem um jeito exagerado de colocar as coisas.
– Essa não é uma explicação suficiente.
– É. – Quando ela ia subir a coisa novamente, ele a alcançou e colocou a mão em seu braço. – Se eu prometer esquecer com o que você parece, você vai mantê-la abaixada? Eu não posso julgar seu humor também quando você está se escondendo – e no caso de não ter notado, nós não estamos exatamente conversando sobre o clima aqui.
Ela manteve a mão na metade do caminho do capuz, como se não pudesse tirar. E então ela travou seus olhos nele – de forma tão direta que ele recuou.
Era a primeira vez que ela realmente olhava para ele, ele percebeu. Desde Sempre.
Falando com igual sinceridade, ela disse:
– Apenas para que você e eu sejamos totalmente claros um com o outro, eu não tenho nenhum interesse em qualquer macho. Eu estou sexualmente repelida por seu tipo, e isso inclui você também.
Ele limpou a garganta. Puxou a sua regata. Reposicionou-se na cadeira.
Então ele respirou lento e aliviado.
No’One continuou:
– Se eu ofendi você…
– Não, não de modo algum. Eu sei que não é pessoal.
– Verdadeiramente não é.
– Sendo honesto, isso torna as coisas… Mais fáceis. Porque eu me sinto do mesmo modo. – Com isso, ela realmente sorriu um pouco. – Somos duas ervilhas em uma vagem, de fato.
Ficaram em silêncio por um tempo. Até que ele abruptamente disse:
– Eu ainda estou apaixonado por minha shellan.
– Por que você não estaria? Ela era adorável.
Ele se sentiu sorrir pela primeira vez em… Muito tempo.
– Não era apenas sua aparência. Era tudo sobre ela.
– Eu poderia dizer pela maneira que você olhava fixamente para ela. Você estava encantado.
Ele levantou uma das penas e verificou o corte fino e afiado de sua ponta.
– Deus… Eu estava nervoso naquela noite que nós nos emparelhamos. Eu a queria tanto – e não podia acreditar que ela ia ser minha.
– Foi arranjado?
– Sim, pela minha mahmen. Meu pai não se importava com aquele tipo de coisa – ou para mim, no que diz respeito a esse assunto. Mas minha mãe cuidou das coisas o melhor que pôde – e ela era esperta. Ela sabia que se eu tivesse uma fêmea boa, eu estaria arrumado por toda vida. Ou pelo menos… Esse era o plano.
– Sua mahmen está viva?
– Não, e eu estou contente que ela não esteja. Ela não teria… Gostado nada disso.
– E seu pai?
– Ele está morto, também. Ele me renegou até chegar perto do túmulo. Cerca de seis meses antes de morrer, ele me chamou e eu não teria ido, se não fosse por Wellsie. Ela me fez ir, e ela estava certa. Ele formalmente me reclamou em seu leito de morte. Eu não sei por que isso era tão importante para ele, mas foi.
– E Darius? Eu não o vi por perto…
– Ele foi morto pelo inimigo. Logo antes de Wellsie. – quando ela ofegou e colocou a mão na boca, ele acenou. – Tem sido um inferno, realmente.
– Você está completamente sozinho, – ela disse em voz baixa.
– Eu tenho meus Irmãos.
– Você os deixa entrar.
Com uma risada curta, ele sacudiu a cabeça.
– Você é como sinos do inferno com os retóricos, você sabe disto?
– Sinto muito, eu…
– Não, não se desculpe. – Ele colocou a pena de volta no seu suporte. – Eu gosto de conversar com você.
Quando ele ouviu a surpresa na própria voz, ele riu. – Cara, eu só estou jogando charme em você hoje à noite, não é? – Dando uma tapa nas coxas para terminar a conversa, ele se levantou com ajuda da muleta. – Escute, eu também vim aqui para fazer uma pequena pesquisa. Você sabe onde está a biblioteca? Droga, se eu pudesse encontrá-la.
– Sim, claro. – Quando ela ficou de pé, puxou aquele capuz sobre a cabeça novamente. – Eu vou levar você lá.
Enquanto ela passava por ele, ele franziu a testa.
– Você está mancando pior que o habitual. Você se machucou?
– Não. Quando eu movimento demais, dói.
– Nós podíamos cuidar disso lá embaixo… Manello é…
– Obrigado, mas não.
Tohr estendeu a mão e a parou antes dela sair pela porta.
– O capuz. Deixe-o para baixo, por favor. – Quando ela não respondeu, ele disse, – Não há ninguém aqui exceto nós. Você está segura.
Enquanto John Matthew permanecia às margens do rio Hudson, cerca de quinze minutos ao norte do centro de Caldwell, ele sentia como se estivesse a milhares de quilômetros de distância de todo mundo.
Em sua volta, ele teve a predominante brisa, assim como, uma pequena cabana de caça que, se você não soubesse o que realmente era, desprezaria como algo que não valesse nem o esforço de derrubar. No entanto, o lugar era uma fortaleza, com paredes reforçadas com aço, um teto impenetrável, janelas à prova de balas... E poder de fogo suficiente em sua garagem para fazer a metade da população da cidade ver Deus de perto e pessoalmente.
Ele supôs que Xhex viria pra cá. Estava tão convencido disso que ele não se preocupou em rastreá-la.
Mas ela não estava...
Um reflexo de faróis à sua direita fez com que se virasse. Um carro estava descendo pela pista, se aproximando lentamente da cabana.
John franziu o cenho quando sua audição foi inundada pelo barulho do motor: baixo, profundo, um rosnado ameaçador.
Isso não era um Hyundai ou Honda. Não poderia ser uma Harley, muito suave.
Qualquer inferno que fosse, passou serpenteando e continuou todo o caminho até a ponta onde aquela casa grande pra cacete havia sido construída. Algum tempo depois, as luzes se acenderam dentro da mansão, iluminação se espalhando pelas varandas aos montes, por todos os três andares.
A maldita coisa parecia uma nave espacial prestes a decolar.
Nada que fosse da sua conta. E era hora de ir, de qualquer maneira.
Amaldiçoando baixo, dispersou suas moléculas e se dirigiu à periferia de Caldie, àquela extensão de bares, casas noturnas e estúdios de tatuagem nos arredores da Rua Trade.
O Iron Mask havia sido o segundo clube de Rehvenge, uma instalação de dança/sexo/drogas criada para atender a uma faixa demográfica gótica que não encontrava o que queria em seu primeiro estabelecimento, o ZeroSum – que possuía uma vibe mais do tipo Eurotrash[20].
Havia uma fila na entrada, – sempre havia uma, – mas os dois seguranças, Big Rob e Silent Tom, o reconheceram e o deixaram passar na frente de todos os outros.
Cortinas de veludo, grandes sofás, luz negra... As mulheres em couro preto, com maquiagem pálida e apliques de cabelo até os traseiros... Homens em grupos, bolando estratégias para conseguir transar... Música melancólica com letras que faziam você pensar com carinho em comer bala[21].
Mas talvez fosse apenas o seu mau humor.
E ela estava aqui. Ele podia sentir seu sangue em Xhex, e ele se dirigiu através da multidão, focado no sinal.
Quando ele chegou à porta não marcada que levava à parte com entrada permitida somente para a equipe do clube, Trez emergiu das sombras. Naturalmente.
– E aí? – disse o Sombra, oferecendo sua mão.
Os dois apertaram as mãos, bateram os ombros e deram tapas nas costas um do outro.
– Você está aqui para falar com ela? – Quando John assentiu, o cara abriu a porta. – Eu lhe dei o escritório ao lado do vestiário, ao lado do meu. Vá em frente – ela está apenas verificando os relatórios de sua equipe...
O Sombra se interrompeu abruptamente, mas havia dito o suficiente.
Jesus Cristo...
– Ah, sim, ela está lá atrás, – o cara murmurou como se estivesse planejando ficar fora desta.
John se abaixou para entrar e caminhou pelo corredor. Quando chegou a uma porta fechada, não viu uma placa com o nome dela, mas imaginou quanto tempo isto duraria.
E ele bateu, mesmo que ela já devesse saber da sua presença.
Quando ouviu sua voz, ele abriu a porta e entrou...
Xhex estava no canto mais distante da sala, curvada e puxando alguma coisa do chão. Quando ela olhou para cima e congelou, o que dizia a ele que, na verdade, ela não tinha notado sua chegada.
Ótimo. Ela estava tão concentrada em seu novo antigo emprego, que já o havia esquecido.
– Ah... Ei. – Olhando para baixo novamente, ela retomou o que estava fazendo, arrancando...
Um cabo de extensão foi arrancado de debaixo do armário, sua ponta afiada voando.
Antes que pudesse voar ao redor e atingi-la, ele avançou, agarrou a coisa e tomou o golpe ele mesmo, o aguilhão da dor amortecido por sua caixa torácica.
– Obrigada, – ela disse quando ele lhe entregou o cabo e se afastou. – Estava preso lá atrás.
Então... Você vai trabalhar aqui agora?
– Sim, vou. Eu não acho que a outra opção seja realista. E, – seus olhos ficaram duros, – se você tentar me dizer que eu não posso...
Deus, Xhex, isso não é o que somos. Ele meneou para trás e para frente sobre a mesa que os separava. Nós não somos assim.
– Na verdade, eu acho que é, porque nós estamos aqui, não estamos?
Eu não quero impedi-la de lutar...
– Mas você impediu. Não vamos fingir o contrário. – Xhex sentou na cadeira do escritório e recostou-se, arrancando um gemido do móvel. – Agora que você e eu estamos vinculados, os Irmãos, até mesmo o seu Rei, acatam suas decisões – não, espere, eu não terminei. – Ela fechou os olhos como se estivesse exausta. – Apenas me deixe por isto para fora. Eu sei que eles me respeitam, mas respeitam mais o direito de um macho vinculado sobre sua shellan. Não é algo específico da Irmandade, é o próprio fundamento da sociedade vampírica e, sem dúvida, se deve ao fato de que um macho vinculado é um animal perigoso. Você não pode mudar isso e eu não posso viver assim, então aqui estamos nós.
Eu posso falar com eles, fazê-los...
– Eles não são a raiz do problema.
John sentiu uma súbita vontade de socar uma parede. Eu posso mudar.
Abruptamente, seus ombros caíram e seus olhos, aqueles olhos cinza da cor de uma arma de fogo, se tornaram resolutos. – Eu não acho que você possa John. Nem eu. Não vou ficar em casa e esperar que você volte antes de amanhecer, todas as noites.
Eu não estou pedindo que você faça isso.
– Bom, porque eu não vou voltar para a mansão. – Enquanto John sentia o sangue escorrer pra fora da sua cabeça, ela limpou a garganta. – Sabe, essa coisa toda de vínculo... Sei que você não pode evitar. Estava furiosa quando fui embora, mas eu estive pensando sobre isso desde então, e... Merda, sei que se você pudesse se sentir de outro jeito, ser diferente, você faria. Porém, a realidade é que nós poderíamos passar alguns outros meses miseráveis tentando descobrir e aprender a odiar um ao outro no processo... E eu não quero isso. Você não quer isso.
Então você está simplesmente terminando comigo, ele assinalou. É isso?
– Não! Eu não sei... Quero dizer, porra. – Ela jogou as mãos para cima. – O que mais eu vou fazer? Estou tão frustrada com você, comigo, com tudo... Que nem mesmo estou certa de que o que estou falando faz sentido.
John franziu o cenho, encontrando-se na mesma posição difícil na qual ela estava. Onde ficava o meio termo?
Há mais para nós do que isso, ele sinalizou.
– Eu quero acreditar nisso, – ela disse tristemente. – Realmente quero.
Num impulso, ele caminhou ao redor da mesa e se inclinou sobre ela. Segurando o braço da cadeira, girou-a em sua direção e estendeu as palmas das mãos, oferecendo-as a ela.
Não havia nenhuma exigência. Sem agressão. Ela poderia escolher ou não.
Após um momento, Xhex colocou suas mãos nas dele e quando ele a puxou para cima, ela não lutou.
Deslizando os braços em volta dela, trouxe-a para perto e, em seguida, movendo-se, inclinou-a, fazendo-a perder o equilíbrio, segurando-a em seus poderosos braços, mantendo-a longe do chão.
Com o olhar fixo no dela, uniu seus lábios uma vez, brevemente. Quando ela não o esbofeteou, o chutou nas bolas, ou o mordeu, baixou a cabeça e tomou sua boca apropriadamente, persuadindo-lhe a se abrir para ele.
Quando ela o fez, ele fundiu seu corpo ao dela e a beijou como se não houvesse amanhã. Uma das suas mãos acabou no traseiro dela, apertando; a outra segurava a sua nuca. No momento em que um gemido ameaçou escapar da garganta dela, ele soube que havia provado seu ponto.
Embora não houvesse nenhuma solução imediata para sua situação de macho vinculado, sabia que essa ligação entre eles era certa, em um mundo que, de repente, parecia estar cheio de incertezas.
Ele interrompeu o beijo, soltando-a e a colocando novamente onde ela estava sentada. E caminhou até a porta.
Envie uma mensagem quando você quiser me ver novamente, – ele sinalizou. – Vou lhe dar o seu espaço, mas saiba uma coisa: vou esperar sempre por você.
Ainda bem que a cadeira estava ali, Xhex pensou quando a porta se fechou atrás de John.
Sim, uau. Independente do que estivesse enchendo sua cabeça, seu corpo estava tão fluido e calmo como o ar quente.
Ela ainda o queria. E ele havia deixado isso claro. Eles se encaixavam, pelo menos nessa área.
Santo inferno, como eles se encaixavam.
Merda, o que fazer agora?
Bem, uma ideia... Seria mandar uma mensagem para que ele voltasse, trancar a porta e batizar seu novo escritório de forma inapropriada.
Ela até estendeu a mão para seu telefone.
No final, porém, mandou uma mensagem completamente diferente.
Vamos dar um jeito nisso. Prometo.
Colocando o telefone de volta, ela sabia que era responsabilidade dos dois encontrar seu próprio futuro – e trabalhar os obstáculos implacáveis e pedregosos que surgiriam com o passar do tempo, de uma maneira na qual a solução se encaixasse no que os dois precisassem.
Ela havia suposto que lutaria lado a lado com ele e com a Irmandade e assim foi.
Talvez ainda fosse dessa forma. Talvez não.
Quando deu uma olhada ao redor em seu escritório, não tinha certeza de quanto tempo mais estaria aqui...
A batida na porta que interrompeu seus pensamentos soou uma única vez, com força.
– Sim, – ela chamou.
Big Rob e Silent Tom entraram, com o mesmo aspecto de sempre, como se estivessem prestes a soltar algum figurão de cabeça por seu mau comportamento. E por mais que ela ainda estivesse focada em John, era bom lidar com o negócio com o qual estava familiarizada. Ela já havia passado muitas noites certificando-se de que o clube funcionasse bem.
Isso ela podia fazer.
– Falem comigo, – ela disse.
Naturalmente, Big Rob tomou a iniciativa. – Há um jogador novo na cidade.
– Em que linha de negócios?
O cara deu um tapinha na lateral de seu nariz.
Drogas. Maravilha, mas não exatamente uma surpresa. Rehv havia sido o chefão por uma década e agora que tinha saído de cena? Oportunidade, como a natureza, detestava um vácuo e dinheiro era um grande motivador.
Que maravilha. O submundo de Caldwell já era uma mesa de três pés vinda do inferno; não precisavam de mais instabilidade.
– Quem?
– Ninguém sabe. Ele surgiu como de lugar nenhum e acabou de comprar meio milhão em pó de Benloise, em espécie[22].
Ela franziu o cenho. Não era como se estivesse duvidando das fontes de seu leão de chácara, mas isso era muita mercadoria. – Isso não quer dizer que vá ser vendido aqui em Caldwell.
– Nós acabamos de confiscar isso de um desordeiro no banheiro masculino.
Big Tom lançou um pacote de celofane sobre a mesa. A coisa era a porção padrão de, aproximadamente, sete gramas para consumo próprio, exceto por um pequeno detalhe. Estava com um selo em tinta vermelha.
Porra...
– Eu não tenho ideia do signifique essa coisinha escrita aí.
Claro que ele não tinha. Era um caractere da Linguagem Antiga, que não tinha um equivalente em inglês. Normalmente era estampado em documentos oficiais e representava a morte.
A pergunta era... Quem estava tentando tomar o lugar de Rehv, que por acaso era alguém da raça?
– O cara do qual você pegou isso, você o deixou ir? – ela perguntou.
– Ele está aguardando você no meu escritório.
Xhex se levantou e contornou a mesa. Atingindo Big Tom no braço com um soco rápido, ela disse, – Eu sempre gostei de você.
No Santuário, No'One levou Tohrment para a biblioteca, e esperava deixá-lo com suas investigações, o que quer que elas fossem. Quando chegaram ao seu destino, no entanto, ele abriu a porta para ela, e acenou para ela ir em frente.
É claro que ela passou pela soleira.
O templo de livros era longo, estreito e alto, construído preferencialmente sob as dimensões para conter os fólios[23] em pé em suas extremidades. Por toda a volta, volumes encadernados em couro, preenchidos com os traços cuidadosos de gerações de Escolhidas, foram arrumados em caixas de mármore branco em ordem cronológica, as histórias neles reportadas eram reais e sobre as vidas vividas lá embaixo, testemunhadas sobre a tela transparente de água.
Tohrment parou por um momento, sua muleta mantendo-o estável enquanto ele deixava o pé enfaixado erguido.
– O que você está procurando? – Ela perguntou à medida que olhava para as prateleiras mais próximas. A visão dos volumes a fez pensar no futuro da preservação do passado. Com as Escolhidas explorando o mundo real, elas não estavam registrando muita coisa, se é que estavam registrando algo. Esta longa tradição poderia muito bem estar perdida.
– A vida após a morte. – Tohrment respondeu. – Alguma ideia se há uma seção sobre isso?
– Eu acredito que as crônicas estão organizadas por ano, não por assunto.
– Você já ouviu falar do Limbo?
– Do quê?
Ele riu de forma áspera quando mancou para frente e começou a inspecionar as pilhas. – Exatamente. Nós temos o Fade. Nós temos o Dhund. Dois finais opostos que eu presumi serem as únicas opções quando você morre. Estou à procura de qualquer evidência de que haja outra opção. Droga... Sim... Estes estão por ordem cronológica, não por assunto. Tem algum lugar em que seja diferente?
– Não que eu saiba.
– Algum sistema de índice?
– Só por década, acredito. De qualquer forma, eu não sou uma especialista nisso.
– Merda, poderá levar anos para ver tudo isso.
– Talvez você devesse falar com uma das Escolhidas? Pelo que eu sei Selena era uma escriba...
– Ninguém precisa saber sobre isso. É sobre minha Wellsie.
A ironia dessa frase parecia perdida nele.
– Espere... Há uma outra sala.
Levando-o pelo corredor central abaixo, ela então o guiou para a esquerda, para dentro do que era essencialmente um cofre.
– Este é o lugar mais sagrado, onde as vidas da Irmandade são mantidas.
As pesadas portas resistiram à invasão, ao menos quando ela tentou abri-las. Ante a força de Tohrment, no entanto, renderam-se revelando uma estreita e alta sala.
– Então, ela nos mantém trancados e distantes, – ele disse secamente enquanto inspecionava os nomes nas lombadas. – Olhe para estes...
Ele tirou um dos volumes e abriu a lombada do livro. – Ah, Throe... Pai do atual Throe. Imagino o que o velho homem pensaria sobre com quem seu filho divide a cama.
Quando ele guardou o volume, ela o fitou sem nenhum constrangimento, as sobrancelhas dele tensas em concentração, os fortes e, no entanto, refinados dedos manuseando os livros com cuidado, seu corpo inclinando-se nas prateleiras.
Seu cabelo escuro era espesso e brilhante, e cortado muito curto. E aquela listra branca na frente parecia terrivelmente fora de lugar – até que ela pensou em seus assombrados e cansados olhos.
Ah, aqueles olhos dele. Azuis como as safiras do Tesouro, e tão preciosos quanto, ela supunha.
Ele era muito bonito, ela percebeu.
Engraçado, o fato de que ele estava apaixonado por outra pessoa tornou possível que ela até mesmo o avaliasse nesse nível: Com ele sentindo como se sentia por sua shellan, ele estava... Seguro. Ao ponto em que ela já não se sentia estranha por ele tê-la visto despida. Ele nunca olharia para ela de qualquer forma sexual. Isso seria uma violação do seu amor por Wellesandra.
– Tem mais alguma coisa aqui? – ele disse, curvando-se enquanto se equilibrava sobre a muleta. – Eu apenas vi... Biografias dos Irmãos...
– Aqui, permita-me ajudar.
Juntos, eles passaram por tudo, e não encontraram nenhum volume com referências relativas ao céu ou inferno. Apenas Irmão após Irmão após Irmão...
– Nada. – ele murmurou. – Para que porra serve uma boa biblioteca se você não consegue encontrar nada nela?
– Talvez... – Segurando-se na ponta de uma prateleira, ela desajeitadamente se inclinou para frente, rastreando os nomes. Finalmente, ela encontrou o que estava procurando. – Nós poderíamos pesquisar na sua.
Cruzando os braços sobre o peito, ele pareceu envolver a si mesmo.
– Ela estaria aí, não estaria?
– Ela foi uma parte de sua vida, e você é o assunto.
– Pegue-a.
Havia várias dedicadas a ele, e No'One deslizou a mais atual para fora. Abrindo a lombada, ela passou por sobre a declaração de linhagem na frente, e mapeou através das várias páginas que estavam focadas em suas proezas em combate. Quando ela chegou ao que tinha sido escrito por último, ela franziu a testa.
– O que diz?
Na velha linguagem, ela leu em voz alta a data e em seguida a nota: – “Nessa exata noite, ele perdeu sua shellan emparelhada da face da Terra, Wellesandra, que esperava uma criança. Posteriormente, ele se desligou da sociedade comunal da Irmandade da Adaga Negra.”
– É isso?
– Sim.
Ela girou o livro de modo que ele pudesse ler por si mesmo, mas a mão dele cortou o ar.
– Jesus Cristo, eu fiquei arruinado, e isso é tudo o que elas escreveram.
– Talvez elas estivessem sendo respeitosas com sua dor. – Ela colocou o livro de lado. – Certamente isso é melhor manter em particular.
Ele não disse mais nada, apenas permaneceu ali, inclinado contra a muleta que o mantinha em pé, seus olhos irritados pregados no chão.
– Fale comigo. – disse ela suavemente.
– Fodido inferno. – Enquanto ele esfregava os olhos, o cansaço irradiava dele. – A única paz que eu tenho em todo este pesadelo é saber que a minha Wellsie está no Fade com o meu filho. Essa é a única coisa com a qual eu posso viver. Quando eu me pego louco, eu digo a mim mesmo que ela está segura, e é melhor eu passar pelo sofrimento ao invés dela,... Melhor que eu seja o único a sentir saudades aqui na Terra. Porque, veja, o Fade é supostamente para ser todo paz e amor, certo? Exceto que então aquele anjo aparece e começa a falar sobre algum tipo de Limbo,... E agora, de repente, meu único consolo... Puf! E ainda por cima? Eu nunca ouvi falar do lugar e eu não consigo verificar se...
– Eu tive uma ideia. Venha comigo. – Quando ele apenas olhou para ela, ela não estava disposta a aceitar um não como resposta. – Venha.
Puxando-o pelo braço, ela o levou para fora do cofre e de volta para a parte principal da biblioteca. Então, ela foi fundo nas pilhas, passando as datas dos volumes, localizando os mais recentes.
– Qual foi o dia em que ela... – Quando Tohrment deu-lhe o mês e o dia novamente, ela puxou o volume adequado.
Folheando, ela sentia a presença dele pairando sobre ela – e não era ameaçadora.
– Aqui,... Aqui está ela.
– Oh... Deus. O quê?
– Diz apenas... Sim, o mesmo que está anotado em seu volume. Ela foi perdida da Terra... Espere um pouco.
Indo para trás, depois para frente, ela traçou as histórias das outras fêmeas e machos que tinham morrido naquela data. Esse e aquele passaram para o Fade... Para o Fade... Para o Fade...
Quando No'One olhou para ele novamente, ela sentiu um momento de verdadeiro temor.
– Na verdade, não diz que ela está lá. No Fade, eu digo.
– O que você quer dizer...
– Apenas diz que ela está perdida. Não diz que ela está no Fade.
No fundo do coração frio e arenoso de Caldwell, Xcor rastreou um único lesser.
Viajando sobre a irregular e morta grama de um parque, ele se moveu silenciosamente por trás do morto-vivo, foice na mão, o corpo pronto para pegá-lo de surpresa. Esse era um desgarrado, um que havia se separado do grupo que ele e seu bando de bastardos tinham atacado mais cedo.
A coisa estava, obviamente, ferida, seu sangue negro deixando uma trilha que era, como se via, eminentemente óbvia.
Ele e seus soldados tinham matado todos os seus colegas atrás dos becos; então eles tinham pegado alguns suvenires sob o comando de Xcor, e ele havia se separado deles para encontrar este desertor solitário. Throe e Zypher, nesse meio tempo, tinham voltado para a loja de tatuagem para organizar as fêmeas para a alimentação, e os primos retornaram ao acampamento base para cuidar de seus ferimentos de batalha.
Talvez, se as mulheres fossem despachadas com o entusiasmo adequado, eles poderiam encontrar um outro esquadrão do inimigo antes do amanhecer – embora esquadrão fosse a palavra errada. Muito profissional. Estes atuais recrutas não eram nada como aqueles do Antigo País quando estavam no auge da guerra; recentes em suas induções, estes ainda não tinham sequer empalidecido, e eles não pareciam estar bem organizados ou capazes de trabalhar juntos durante a atividade. Além disso, suas armas eram em grande parte armas de rua: estiletes, canivetes, tacos – quando eles tinham revólveres, as pistolas eram incompatíveis e muitas vezes eles atiravam mal.
Era um exército criado em massa, do qual a força parecia estar essencialmente na quantidade. E a Irmandade não podia vencê-los? Que desgraça.
Focando-se novamente em sua presa, Xcor começou a reduzir a distância.
Hora de terminar este trabalho. Se alimentar. Voltar para as ruas.
A área pública na qual eles haviam entrado era perto do rio, e bem iluminada demais para o gosto de Xcor. E também muito a céu aberto: pontilhada com mesas de piquenique e rodeada de tambores de lixo, não oferecia muitas formas de abrigo de olhares curiosos, mas ao menos a noite estava fria o suficiente para fazer com que os humanos de alguma credibilidade ficassem dentro de casa. Haveria sempre transeuntes ao redor, é claro. Felizmente, eles tendiam a ficar em seus próprios mundos, e se não o fizessem, ninguém iria dar-lhes atenção.
Em frente, o lesser estava em uma trilha de concreto que, em vez de conduzi-lo a um local seguro, iria apenas entregá-lo ao seu fim – e ele estava pronto para seu ato final. Ele estava começando a cambalear de um lado para o outro, um braço balançando inutilmente para o equilíbrio que iria remanescer ilusório, o outro apertado em seu tronco. Nesse ritmo, ele iria cair no chão logo, e onde estaria à diversão nisso...
Um soluço rompeu os sons suaves da noite.
E depois outro.
Era um choro. A maldita coisa estava chorando como uma fêmea.
A onda de raiva de Xcor se elevou tão rápida que ele quase engasgou. De repente, ele desembainhou sua foice e pegou sua adaga de aço.
Antes havia sido uma questão de negócios, agora isso era pessoal.
Ao seu comando, as luzes do calçadão sobre os altos postes começaram a se apagar uma a uma, tanto em frente quanto atrás do assassino, a escuridão se aproximando até que finalmente, mesmo através de sua fraqueza e dor, ele percebeu que sua hora havia chegado.
– Ah, porra... Não... - A coisa virou-se para a luz da última lâmpada. – Cristo, não...
Seu rosto era de um branco puro, como se ele estivesse maquiado, mas não era porque ele havia sido um assassino por tempo suficiente para empalidecer. Jovem, apenas dezoito ou vinte, ele tinha tatuagens em volta do pescoço e descendo pelos braços, e se a memória servia, ele havia sido bastante competente com uma faca – embora tenha sido óbvio durante o corpo a corpo que aquilo fora mais instinto do que treinamento.
Era evidente que ele tinha sido um agressor na sua encarnação anterior; sua demonstração inicial de força provou que ele estava acostumado a adversários que caiam após o primeiro ataque. De qualquer forma o tempo de sua força e ego havia passado, e estas lágrimas patéticas provavam o que ele era em seu íntimo.
Quando a última luz, aquela que estava sobre ele, se apagou, ele gritou.
Xcor atacou com força brutal, lançando seu grande peso pelo ar e travando-se na coisa enquanto a empurrava contra a grama.
Espalmando em sua face, ele enterrou a faca no ombro e a puxou para baixo, rasgando-o pelo tendão e músculo, cisilhando através do osso. Hálito quente explodiu quando o lesser gritou novamente – provando mais uma vez que mesmo os mortos-vivos tinham receptores de dor.
Xcor se inclinou e pôs a boca no ouvido do macho. – Chore para mim. Chore bastante... Chore com força até que você não consiga respirar.
O bastardo seguiu o conselho e agiu nos conformes, chorando abertamente com grandes e roucos golpes de ar e trêmulas expirações. Reinando sobre o espetáculo, Xcor absorveu a fraqueza através de seus poros, puxando-a, segurando-a firme em seus próprios pulmões.
O ódio que sentia ia além da guerra, além dessa noite e desse momento. Profundo na alma, fervendo até a medula, seu desgosto o fez querer juntar e esquartejar o ex-humano.
Mas havia um final mais apropriado para isso.
Virando a coisa sobre o estômago, ele colocou seus dois joelhos entre as coxas apertadas do lesser, e afastou as pernas dele como se fosse uma fêmea prestes a ser fodida. Elevando-se sobre o corpo de bruços, empurrou o rosto dele na grama.
E então ele começou a trabalhar.
Sem mais essa de erguer alto a faca e apunhalar para baixo. Agora era hora de ser preciso e cuidadoso ao prosseguir com sua adaga.
Enquanto o lesser lutava em vão, Xcor cortou através da gola da camisa sem mangas dele, então colocou a lâmina entre os dentes e rasgou o tecido em dois, expondo os ombros e as costas da coisa. Uma tatuagem de algum tipo de cena urbana havia sido feita com uma competência respeitável, a tinta exibindo um grande efeito na superfície suave da pele – ao menos onde o sangue negro e oleoso não ofuscava a imagem.
O choro e o forte arquejo faziam a imagem distorcer e retomar a sua forma, distorcer e retomar, como se fosse uma imagem de um filme mal projetado.
– Uma pena arruinar esta peça. – Xcor falou lentamente. – Deve ter levado muito tempo para fazer. Deve ter doído também.
Xcor colocou a ponta da lâmina da navalha na nuca da coisa. Perfurando a pele, ele foi cada vez mais fundo, até que ele foi parado pelo osso.
Mais choro.
Ele colocou a boca na orelha do puto de novo.
– Eu só estou revelando o que todo mundo pode ver.
Com um traço seguro e firme, ele puxou a faca para baixo, traçando a pilha ordenada de vértebras, enquanto sua presa guinchava como um porco. E então ele transferiu seus joelhos para a parte de trás das pernas do assassino, plantando uma palma no centro do ombro... E alcançou para travar um aperto no topo da espinha.
O que aconteceu quando ele jogou toda a sua força sobre o seu objetivo não era nenhum nada que um humano pudesse sobreviver. O lesser, no entanto, permaneceu acordado, mesmo depois de tudo, respiração já não era possível para ele, e ele não seria capaz de se levantar nunca mais: sua infraestrutura central, a qual havia definido sua postura e sua mobilidade, sua altura e largura, agora estava pendurada na mão de Xcor.
O assassino ainda estava chorando, lágrimas escorriam de seus olhos.
Xcor sentou-se, e respirou fundo pelo esforço. Seria uma coisa boa deixar este fraco aqui em seu estado atual, seu destino ser um resíduo sem espinha para sempre, e ele ficou um momento para desfrutar do sofrimento e guardar essa visão de punição em sua mente.
Relembrando através dos anos, ele se recordou de estar em uma posição semelhante. Reduzido a emoção crua, deitado no chão, nu e degradado.
Você é tão sem valor quanto o seu rosto. Saia.
O Bloodletter tinha sido friamente desdenhoso, seus subordinados eficientes e impiedosos: os braços e pernas de Xcor haviam sido dominados e ele tinha sido levado para a entrada da caverna do acampamento de guerra – na qual ele havia sido jogado para fora como se estivessem removendo excrementos de cavalo.
Sozinho e na neve branca e fria de inverno, Xcor estava deitado onde o haviam jogado, da mesma forma que este assassino estava, incapacitado, à mercê dos outros. Ele tinha sido virado para cima, no entanto.
Na verdade, aquela não tinha sido a primeira vez que ele fora expulso. Começando com a fêmea de quem ele havia nascido; então passando pelo último orfanato em que ele havia estado, ele tinha uma longa história de ser renegado. O acampamento de guerra havia sido sua última chance de encontrar alguma comunidade, e ele tinha se recusado a ser expelido de seus confinamentos.
Ele havia conquistado sua entrada de volta conseguindo tolerar a dor. E até mesmo o Bloodletter tinha ficado impressionado com o que ele provou ser capaz de suportar.
Lágrimas eram para as crianças, fêmeas e machos castrados. Pena que a lição havia sido desperdiçada neste pedaço de...
– Você esteve ocupado.
Xcor olhou para cima. Throe tinha saído do nada, sem dúvida materializando-se no local.
– As mulheres estão prontas? – Xcor exigiu rispidamente.
– Está na hora.
Xcor se esforçou para reunir suas forças. Ele tinha que cuidar dessa bagunça – não se podia deixar um cadáver se contorcendo para trás para que os humanos o encontrassem e extrapolassem sobre isso até suas cabeças explodirem.
– Há um lavatório por ali. – Throe apontou através do gramado. – Termine isso e nos deixe lavarmos você.
– Como se eu fosse um bebê? – Xcor encarou seu tenente. – Penso que não. Você volte para as putas. Eu devo estar lá em breve.
– Você não pode trazer seus troféus.
– E onde você sugere que eu os deixe? – Seu tom sugeria que "na sua bunda" era uma opção, pelo menos do ponto de vista dele. – Vá.
Throe desaprovou e discordou, mas, no entanto – e por protocolo – ele acenou e se afastou.
Deixado sozinho, Xcor dispensou à carcaça profanada uma última olhada.
– Oh, supere isso.
A vontade de continuar a punir aquela fraqueza lhe deu a energia para apunhalar a coisa no peito. No instante em que a ponta de aço penetrou, houve um estouro, um clarão... E então nada mais que uma mancha na grama onde o lesser esteve deitado.
Ficando em pé, ele pegou a espinha da sua presa e colocou-a na mochila em seu ombro com os outros troféus.
Não se encaixava, uma extremidade projetando-se no topo.
Throe tinha razão sobre o terrível saco de troféus. Droga.
Desmaterializando em cima do telhado do banheiro, ele deixou seus troféus sob os contornos do sistema de ventilação e entrou onde as pias e os sanitários ficavam. Ele estava quase certo que o lugar tinha o cheiro falso do aromatizador de ar, mas nada foi capaz de superar o mau cheiro enjoativo de carne podre de sua presa.
Luzes ativadas por movimento se acenderam quando ele se moveu ao redor, criando uma névoa fluorescente. As pias eram de aço inoxidável e rudimentares, mas a água corria fria e limpa, e, inclinando-se, ele segurou as mãos em concha e enxaguou o rosto uma vez. Duas vezes. Mais uma vez.
Tão idiota perder tempo se arrumando, ele pensou. Essas prostitutas não se lembrariam de nada. E não era como se, lavando-se, ele pudesse melhorar a graciosidade de suas feições.
Por outro lado, melhor não assustá-las em fuga. Arrastá-las de volta era um saco.
Quando ele levantou a cabeça, ele se viu nas folhas de metal bruto que deveriam ser os espelhos. Mesmo o reflexo estando embotado, ele notou sua feiura e pensou em Throe nesse momento. Apesar do fato de que o soldado esteve fora lutando durante toda a noite, o seu belo rosto tinha aparecido fresco como uma margarida, sua aparência polida ofuscava a realidade de que ele tinha sangue de assassino em suas roupas e que tinha sido arranhado e machucado.
Xcor, no entanto, poderia ter descansado por duas semanas seguidas, comido uma grande refeição, e se alimentado da porra de uma Escolhida, e ele ainda pareceria repulsivo.
Lavou o rosto mais uma vez. Em seguida procurou ao redor por algo para usar como toalha. Tudo o que parecia haver eram máquinas parafusadas na parede para secar as mãos com ar quente.
Seu casaco de couro estava imundo. A camisa preta solta por baixo estava igual.
Ele deixou o sanitário com água fria pingando pelo queixo, reaparecendo em cima no telhado. Sua sacola não estaria segura o suficiente aqui, e ele ia ter que deixar a sua foice e seu casaco em algum lugar muito seguro.
Enquanto a exaustão tomava conta dele, ele pensou... Tudo isso era um maldito incômodo.
Bem acima do caos de Caldwell, na silenciosa biblioteca de mármore das Escolhidas, Tohr tinha um grito tão alto preso em sua cabeça, que era de se estranhar que No’One não estivesse cobrindo os ouvidos por causa do barulho.
Ele estendeu sua mão. – Dê-me.
Tirando o volume dela, forçou os olhos a focarem os caracteres no Idioma Antigo que haviam sido tão cuidadosamente escritos.
Wellesandra, par do Irmão da Adaga Negra Tohrment, filho de Hharm, filha de sangue de Relix, deixou a Terra esta noite, levando com ela sua criança não nascida, um filho de aproximadamente quarenta semanas.
Lendo a passagem curta, sentiu como se o evento todo tivesse ocorrido um momento atrás, seu corpo se afundando naquele velho e familiar rio de dor.
Teve de repassar os símbolos algumas vezes antes de se concentrar, não apenas no que estava escrito, mas no que não estava.
Não mencionava o Fade.
Passando pelos parágrafos, ele comparou as anotações das outras mortes. Havia algumas...
Deixou a Terra e foi para o Fade. Deixou a Terra e foi para o Fade. Deixou a– ele virou a página – Terra e foi para o Fade.
– Oh, Deus...
Um barulho agudo zumbiu em volta, ele não ergueu os olhos. Mas de repente, No’One começou a puxar seu braço.
– Sente-se, por favor, sente-se. – Ela puxou mais forte. – Por favor.
Ele se deixou ir, e o banquinho que ela puxou, sustentou seu peso.
– Há alguma chance, – ele disse em voz gutural, – que elas simplesmente se esqueceram de colocar o Fade na escritura?
Não houve necessidade de No’One, ou qualquer outra pessoa, responder a esta questão. As Escolhidas isoladas tinham uma tarefa sagrada, algo com o que não foderiam. E este tipo de lapso seria uma foda grande.
A voz de Lassiter golpeou sua porta interior: É por isto que eu vim – estou aqui para ajudá-lo, ajudá-la.
– Eu preciso voltar à mansão, – ele murmurou.
O próximo passo foi se levantar, mas não foi bem. Entre a súbita fraqueza de seu corpo e o pé fodido, ele esbarrou em uma das pilhas, o contorno de seu ombro empurrando uma onda nos livros cujas lombadas estavam tão cuidadosamente arrumadas. Eeeeee então foi um caso do chão subindo na direção oposta à sua queda...
Algo pequeno e macio ficou no caminho...
Era um corpo. Um diminuto corpo feminino com quadris e seios que subitamente e de forma chocante gravaram-se nele, mesmo em meio à crise de pânico.
Instantaneamente, a visão de No’One naquela piscina, a forma de seu corpo nu brilhando e úmido, explodiu como uma mina terrestre em seu cérebro, a explosão tão grande que destruiu tudo o que o vinha guiando.
Aconteceu tão rápido: o contato, a lembrança... A excitação.
Por baixo do zíper de sua calça de couro, seu pau distendeu-se para seu tamanho total. Sem pedir licença.
– Deixe-me ajudá-lo a voltar para a cadeira, – ele a ouviu dizer de uma grande distância.
– Não me toque. – Ele a afastou. Cambaleou para longe. – Não se aproxime de mim. Estou... Perdendo o controle...
Tropeçando no caminho pelas estantes, ele não conseguia respirar, não podia... Aguentar...
Tão logo saiu da biblioteca, correu para longe do Santuário, devolvendo seu corpo sem fé ao seu quarto na mansão.
Ele ainda estava ereto quando chegou lá.
Dãa.
Olhando para o botão da sua calça, tentou achar outra explicação. Talvez fosse um coágulo? Um coágulo no pinto... Ou talvez... Merda...
De jeito nenhum que ele estava atraído por outra fêmea.
Ele era um macho vinculado, maldição.
– Lassiter, – buscou em volta. – Lassiter!
Onde diabos estava aquele anjo?
– Lassiter! – ele berrou.
Quando não houve resposta, não houve nenhuma entrada-intempestiva-pela-porta, ele estava preso sozinho... Com sua ereção.
A raiva curvou sua mão direita em um punho.
Com um giro cruel, ele deu um soco em si mesmo, bem onde importava, acertando os próprios cojones[24]...
– Porra!
Foi como ser atingido por uma bola de demolição, e seu prédio inteiro veio abaixo, a dor o atingindo tão rápido que ele lambeu o tapete.
Enquanto se endireitava e tentava se colocar de joelhos, o tempo inteiro se perguntando se não tinha causado sérios danos internos, uma voz seca invadiu os seus oh-oh-ohs.
– Merda, isto deve ter doído. – A cara do anjo entrou em seu ângulo de visão. – A vantagem é que você agora poderá cantar a parte do Alvin no CD de Natal.
– O que... – Difícil falar. Mas então era difícil até respirar. E cada vez que ele tossia, achava que suas bolas tinham subido garganta acima. – Diga-me... O Limbo...
– Você não quer esperar até recuperar o fôlego?
Tohr ergueu uma mão e agarrou o braço do anjo. – Diga-me, filho da puta.
Era uma verdade universal entre os machos que toda vez que você via um cara ser acertado nas bolas, você experimentava o impacto da dor fantasma em seu próprio equipamento.
Enquanto Lassiter se abaixava ao lado do corpo encolhido do irmão, ele se sentia um pouco nauseado, e levou um tempo para apalpar o que jazia entre suas pernas – só para assegurar aos carinhas lá embaixo de que não importasse o quão iconoclasta ele fosse, algumas coisas eram sagradas.
– Diga-me!
Impressionante que o cara ainda conseguisse juntar energia para gritar. E, sim, não havia a opção de talvez-mais tarde-depois-de-você-recobrar, com um filho da puta que podia socar-se daquela forma.
Não havia razão para suavizar a merda, no entanto. Não.
– O Limbo não é realmente território da Virgem Escriba ou do Omega. É território do Criador – e antes que pergunte, este seria o criador de todas as coisas. Sua Virgem Escriba, o Omega, tudo o mais. Há algumas maneiras de acabar indo para lá, mas, sobretudo, é porque você não se desapega, ou porque alguém mais não se desapega de você.
Quando Tohr ficou em silêncio, Lassiter reconheceu os sinais de danos cerebrais e teve pena do pobre filho da puta.
Colocando a mão no ombro do Irmão, disse gentilmente, – Respire comigo. Vamos, vamos fazer juntos. Vamos apenas respirar essa merda pra fora por um minuto...
Eles ficaram deste jeito por um longo tempo, Tohr encurvado em volta dos quadris, Lassiter se sentindo como uma tábua.
Em sua longa vida, ele tinha visto sofrimento em todas as formas. Doença. Desmembramento. Decepções em escalas épicas.
Olhando para suas mãos esticadas, ele percebeu que se mantivera afastado de tudo aquilo. Endurecera pela superexposição e experiência pessoal. Separado de qualquer compaixão.
Cara, ele era o anjo errado para este trabalho.
Inferno de situação os dois estavam metidos.
Os olhos de Tohr se elevaram e estavam tão dilatados que se Lassiter não soubesse que eram azuis, teria jurado que eram pretos.
– O que posso fazer...? – o Irmão gemeu.
Oh, cara, ele não podia aguentar.
Subitamente, levantou-se e foi para a janela. Lá fora, a paisagem estava discretamente iluminada, os jardins longe de resplandecentes em seu estado nascente. De fato, a primavera era uma incubadora gelada e cruel, relegando o calor do verão a uma lembrança.
Uma lembrança distante.
– Ajude-me a ajudá-la, – Tohr disse roucamente. – É isto que me disse.
No silêncio que se seguiu, ele não teve nada. Sem voz. Sem pensamentos até. E isto era, apesar do fato de que, a menos que ele puxasse algo do rabo, estava indo em direção a um inferno feito sob medida para ele, sem chance de escapar. E Wellsie e aquela criança estavam presas no deles. E Tohr estava preso no dele.
Ele tinha sido tão arrogante.
Nunca tinha ocorrido a ele que não fosse funcionar. Ele tinha se aproximado, tinha sido irreverente, confiante, e preparado apenas para o resultado final – o qual teria sido a liberdade para si mesmo.
Uma batalha nunca tinha lhe ocorrido. O conceito de derrota não tinha estado em nenhum lugar próximo ao seu radar.
E ele nunca tinha esperado ligar uma merda para o que acontecesse a Wellsie e Tohr.
– Você disse que estava aqui para me ajudar, ajudá-la. – Quando não houve resposta, a voz de Tohr baixou. – Lassiter, estou de joelhos aqui.
– Só porque suas bolas estão em sua garganta.
– Você disse...
– Você não acredita, lembra?
– Eu vi. Nos livros do Outro Lado. Ela não está no Fade.
Lassiter olhou para fora para os jardins e se maravilhou com a metáfora da vida que eles eram – a despeito do quão encolhidos e decrépitos eles aparentassem, estavam à ponto de se adiantar e cantar para a primavera.
– Ela não está no Fade!
Algo o atacou, girando-o e batendo de bunda contra a parede, tão forte, que se ele estivesse com suas asas, elas teriam se espatifado.
– Ela não está lá!
O rosto de Tohr estava retorcido em uma paródia de suas feições, e enquanto uma mão se enganchava em sua garganta, Lassiter teve um momento de clareza. O Irmão podia matá-lo, bem aqui, bem agora.
Talvez fosse assim que ele fosse mesmo acabar no Limbo novamente. Um par de golpes na cabeça, então talvez um pescoço quebrado, e puf! Você falhou. Olá, nada infinito.
Engraçado, ele nunca considerara voltar. Provavelmente deveria.
– Melhor abrir a fodida boca, anjo, – Tohr grunhiu.
Lassiter traçou aquele rosto de novo, medindo o poder daquele corpo, mediu a temperatura da raiva. – Você a ama demais.
– Ela é minha shellan...
– Era. Maldito seja, era.
Houve um ligeiro silêncio. Então um ruído de um crack, e uma luz, e muita dor. Bem como uma oscilação nos joelhos – não, ele não admitiria isto.
O bastardo o golpeou.
Lassiter empurrou o cara para trás, cuspiu sangue no tapete, e pensou em revidar. Foda-se a luta, no entanto. Se o Criador fosse reclamá-lo, então O Que Tudo Era e O Fim de Tudo teria de vir busca-lo: Tohr não o enviaria por encomenda expressa.
Hora de sair deste inferno de quarto.
Enquanto ele ia para a porta, a maldição murmurada por trás de si foi facilmente ignorada. Especialmente dado ao fato de que ele estava imaginando qual de seus olhos estava dependurado de seus nervos óticos.
– Lassiter. Porra. Lassiter... Sinto muito.
O anjo girou. – Você quer saber qual o problema? – Ele apontou direto para a cara de Tohr. – Você é o problema. Sinto muito que você tenha perdido sua fêmea. Sinto muito que você sinta vontade de se suicidar. Sinto muito que não tenha motivos para sair da cama... Ou para ir para a cama. Sinto muito que você tenha um furúnculo na bunda, uma dor de dente e uma amaldiçoada e fodida dor de ouvido. Você está vivo. Ela não está. E você se agarrando deste jeito ao passado está prendendo a vocês dois no Limbo.
Tomando fôlego, ele se aproximou do fodido. – Quer o melhor panorama? Bem, ei-lo aqui, maldição. Ela está se desvanecendo... Não está indo ao Fade. E você é a razão disso estar acontecendo. Isto... – ele apontou para o corpo magro do macho e seu pé e mão enfaixados, – é porque ela está lá. E quanto mais você se apegar a ela, e à sua antiga vida, e tudo o que perdeu, menor será a chance dela se libertar. Você está no comando aqui, não ela, não eu... Então que tal golpear a si mesmo de novo da próxima vez, imbecil.
Tohr esfregou o rosto com uma mão trêmula, como se tentasse apagar seus traços. E então ele agarrou a frente da camiseta que usava – bem em cima do coração. – Eu não posso parar... Só porque o corpo dela parou.
– Mas você está agindo como se tivesse acontecido ontem, e não me parece que isto vai mudar. – Lassiter foi até a cama onde o vestido de emparelhamento estava estendido. Agarrando o cetim, ele arrancou a coisa pela saia grossa e balançou: – Isto não é ela. Sua raiva não é ela. Seus sonhos, sua fodida dor... Nada disto é ela. Ela se foi.
– Eu sei disto, – Tohr replicou. – Você acha que eu não sei disto?
Lassiter balançou o vestido, o cetim caindo como uma chuva de sangue. – Então diga!
Silêncio.
– Diga, Tohr. Deixe-me ouvir.
– Ela está...
– Diga.
– Ela está...
Quando nada mais veio, balançou a cabeça e jogou o vestido na cama. Murmurando por entre os dentes, ele foi para a porta de novo. – Isto não vai a lugar algum. Infelizmente, será o mesmo para ela.
Com a proximidade do alvorecer, Xhex encerrou sua primeira noite de volta à vida antiga. O ritmo das horas tinha sido bom, a natureza pingue-pongue de lidar com uma multidão de pessoas em um espaço fechado, misturando álcool na equação fazia o tempo passar suficientemente rápido. Também era bom ser Alex Hess, chefe de segurança, novamente – dona de si mesma, embora o nome que usasse entre os humanos fosse falso.
E era fodidamente fantástico não ter a Irmandade respirando às suas costas.
O que não era tão fantástico era o fato de que tudo parecia vazio, como se a vida tivesse sido remexida por uma escavadeira em preparação para a chegada das betoneiras.
Ela nunca soubera de fêmeas que sofressem aquele troço de vinculação. Mas como de costume, isto não significava que não fosse possível, sem John a seu lado, tudo parecia somente um grande e ressonante “sei lá” [25].
Uma rápida verificada no relógio lhe mostrou que restava somente uma hora de verdadeira escuridão. Cara, ela queria ter vindo de moto para poder montá-la e sair por aí em velocidade absurda. No entanto, a Ducati tinha ficado trancada na garagem.
Ela se perguntava se havia alguma regra contra shellans pilotarem.
Provavelmente não... Desde que a referida shellan montasse de lado, vestida numa armadura reforçada, e usasse um capacete blindado de Kevlar, eles provavelmente a deixariam dar umas voltinhas em frente da casa.
Vrum-vrum. Fodidamente obaaaaaaa!
Saindo de seu escritório, ela trancou a coisa com uma ordem mental de forma que não tivesse de se preocupar com chaves.
– Ei, Trez, – ela disse quando seu chefe saía do vestiário feminino. – Estava justamente indo lhe procurar.
O Sombra estava enfiando a barra de sua camiseta branca por dentro das calças pretas, e parecendo um pouco mais relaxado do que de costume. Um segundo mais tarde, uma das garotas de programa saiu pela porta trazendo um brilho, como se tivesse sido polida a mão.
O que provavelmente era verdade.
Pelo menos sua expressão confusa dizia a Xhex que Trez estava mantendo as coisas na moita. Mas ainda assim... Você não devia se alimentar no lugar onde trabalha. Podiam surgir complicações.
– Te vejo amanhã à noite, – a mulher disse com um sorriso confuso. – Estou atrasada. Encontro com amigas.
Depois que a garota saiu pelos fundos, Xhex olhou para Trez. – Você devia usar outras fontes.
– É conveniente e estou sendo cuidadoso.
– Não é seguro. Além disso, você pode bagunçar a cabeça dela.
– Eu jamais uso a mesma garota duas vezes. – Trez passou o braço a sua volta. – Mas chega de falar de mim. Está saindo?
– Sim.
Juntos, caminharam lentamente para a porta que a garota tinha usado. Deus... Era como nos velhos tempos, como se nada tivesse mudado, desde a última vez que tinham fechado o clube juntos. E ainda assim, Lash acontecera. John acontecera. O emparelhamento acon...
– Eu não vou insultá-la oferecendo para lhe acompanhar até em casa, – Trez murmurou.
– Isto significa que você gosta das suas pernas onde elas estão, hein?
– É. Elas se encaixam em minhas calças perfeitamente. – Ele abriu a porta para ela, o ar gelado invadindo como se tentasse fugir de si mesmo. – O que devo dizer se ele aparecer por aqui.
– Que estou bem.
– Que bom que mentir não é um problema para mim. – Quando ela ia começar a discutir, o Sombra girou os olhos. – Não desperdice seu fôlego, nem meu tempo. Vá para casa e tente dormir. Talvez as coisas estejam melhores amanhã.
Como resposta, ela lhe deu um rápido abraço, e saiu para a escuridão.
Ao invés de se desmaterializar para o norte, vagou pela Rua Trade. Tudo estava em modo de fechamento: os clubes cuspiam os últimos fregueses – que pareciam tão atraentes como chicletes mastigados; o estúdio de tatuagem estava desligando o sinal luminoso; o restaurante Tex-Mex já tinha baixado as portas.
A merda ficava pior conforme ela avançava, tudo ficando mais escuro e sujo até chegar aos quarteirões que circundavam os prédios abandonados. Com a crise na economia, os negócios estavam secando como animais atropelados, e encontrar lessers ficava cada vez mais difícil e raro...
Xhex parou. Cheirou o ar. Olhou para a esquerda.
A essência inconfundível de um vampiro macho se elevou de uma viela deserta.
AIFT, ou, Antes da Irmandade Foder Tudo, certamente, teria se aproximado, verificado se algum deles precisava de ajuda, descoberto o que os Irmãos estavam fazendo.
Agora, ela apenas continuou andando, caminhando em frente com a cabeça bem elevada. Eles não queriam a ajuda dela – não, isto não era totalmente certo. Eles pareciam ok com ela, até John ter suas objeções. Era mais como se eles não estivessem mais confortáveis com a presença dela...
Dois quarteirões à frente, uma figura sólida apareceu em seu caminho.
Ela parou. Respirou fundo. Sentiu uma agulhada nos olhos.
Na brisa que chegava a ela, a inconfundível essência de vinculação de John era um aroma obscuro que varria o fedor da cidade e a aguilhoada podre de sua infelicidade.
Ela começou a andar na direção dele. Rápido. Mais rápido...
Agora estava correndo.
Ele a encontrou no meio do caminho, caindo numa corrida assim que a viu apressar o passo, e eles colidiram um contra o outro.
Difícil saber quem procurou a boca de quem, ou os braços de quem se apertaram mais, ou quem estava mais desesperado.
Mas aí, até nisto eles eram iguais.
Separando o beijo, ela gemeu, – Minha casa.
No instante em que ele acenou concordando, ela desapareceu e ele também... E eles retomaram a forma do lado de fora de sua cabana.
Não esperaram entrar.
Ele a fodeu em pé, apoiada na porta, no frio.
Foi tudo tão rápido e frenético, ela rasgou as calças de couro antes de libertar uma perna, ele arrancou os botões da própria calça. Então ela estava arreganhada e travada nos quadris dele e ele estava enterrado até a base em seu centro.
Ele meteu nela tão forte que ela bateu a cabeça na porta como se tentasse invadir a própria casa. Então ele a mordeu ao lado do pescoço – não para se alimentar, só para prendê-la no lugar. Ele parecia tão maior dentro dela, esticando-a ao ponto máximo de sua capacidade. Ela precisava daquilo. Neste momento, nesta noite, ela precisava dele cru e descontrolado, e um pouco doloroso.
Inferno, sim, ela precisava – e foi exatamente isto que ela conseguiu.
Quando ela gozou, os quadris dele se apertaram contra o dela, a ereção desencadeando uma tempestade profunda nela, estimulando seu próprio orgasmo.
E então eles estavam dentro da cabana. No chão. As pernas dela totalmente abertas, a boca dele em seu sexo.
Com as mãos dele apertando suas coxas, e seu pau ainda ereto saltando pelo zíper aberto, ele caiu nela com uma língua furiosa, golpeando-a, penetrando-a, tomando o que eles acabaram de ter.
O prazer era insuportável, um tipo de agonia que a fez jogar a cabeça para trás e se contorcer no chão, as mãos se apertando no assoalho enquanto lutava sem sucesso para impedir-se de mover-se para frente e para trás.
O orgasmo a tomou tão violentamente que enquanto ela gritava o nome dele, luzes brilhantes espocaram em seus olhos. E ele não diminuiu o ritmo. Enquanto o ataque continuava, teve certeza de que em certa altura, ele a mordeu na parte interna da perna, naquela junção onde a veia grossa descia para alimentar a parte inferior de seu corpo. Mas havia sucção demais, liberação demais, tudo era demais... Não dava para ter certeza ou sequer se importar.
Quando John finalmente parou e ergueu a cabeça, eles estavam no extremo oposto, quase na sala de estar. Oh, que imagem. O rosto de seu companheiro estava ruborizado, sua boca brilhante e inchada, suas presas tão longas que não conseguia fechar a mandíbula – e ela se sentia bagunçada da mesma forma, respiração entrecortada, o sexo pulsando com um ritmo cardíaco próprio.
Ele ainda estava duro.
Que pena que ela mal tivesse energia para piscar – porque ele merecia uma maldita recompensa...
Só que ele parecia saber exatamente o que ela estava pensando. Erguendo-se entre as pernas abertas dela, ele segurou sua ereção e começou a mover as mãos para cima e para baixo.
Com um gemido, ela arqueou e ondulou os quadris. – Goza em cima de mim, – ela disse por entre dentes cerrados.
John trabalhou a si mesmo, as palmas de suas mãos fechadas em volta de seu membro grosso, fazendo um ruído deslizante enquanto bombeava. As coxas sólidas se abriram enquanto apoiava os joelhos mais abertos, em busca de equilíbrio, os músculos de seus braços saltando em áspero alívio enquanto ele ia mais rápido e mais duro. E então ele grunhiu algo inaudível, seu corpo ficou rígido enquanto jatos quentes respingaram todo o sexo dela.
Só o pensamento dela mesma molhada e melecada quase era suficiente para fazê-la gozar de novo. Mas a visão dele fazendo isto com ela? Empurrou-a novamente além do limite mais uma vez...
– Ela vai precisar de mais duzentos para ir com ele.
Xcor se manteve de lado durante as negociações com as prostitutas, certificando-se de permanecer nas sombras – especialmente agora que Throe tinha chegado à parte mais difícil, que era arrumar as coisas para ele. Não havia necessidade de se expor para que o preço subisse ainda mais.
Somente duas, das três garotas, tinham aparecido nesta casa abandonada, abaixo da rua Trade, mas aparentemente a número três estava a caminho – ainda que, graças ao fato de estar atrasada, tenha sido a azarada da noite ao ser atribuída a ele.
Apesar disto, suas amigas estavam tentando protegê-la – a menos, é claro, que elas tivessem a intenção de se apoderar do bônus. Afinal, boas prostitutas, como bons soldados, tendiam a cuidar umas das outras.
De repente, Zypher se aproximou da mulher que estava falando, claramente preparado para usar seus atributos físicos para conservar os atributos financeiros. Enquanto o vampiro deslizava a ponta do dedo na clavícula da garota, ela pareceu cair em um transe.
Da parte de Zypher não se tratava de truque mental. Fêmeas de ambas as raças não conseguiam evitar esta reação a ele.
O vampiro se inclinou para ela, falando suavemente. Então lambeu sua garganta. Por trás dele, Throe estava como sempre, silencioso, atento, paciente. Esperando sua vez.
Sempre o cavalheiro.
– Ok, – a mulher disse sem fôlego. – Só mais cinquenta...
Naquele momento, a porta foi aberta.
Xcor e seus soldados colocaram as mãos nos casacos, alcançando as armas, prontos para matar. Mas era só a prostituta atrasada.
– Ei, garota, eeeeeeei, – ela disse para as amigas.
Parada na porta, com uma jaqueta frouxa cobrindo suas roupas de puta, e o desequilíbrio de uma bêbada, ela estava obviamente chapada, seu rosto encoberto com a expressão enevoada de recém-drogada.
Bom. Seria mais fácil lidar com ela assim.
Zypher bateu palmas. – Direto aos negócios.
Um risinho foi dado pela garota mais próxima a ele. – Adoro seu sotaque.
– Então você pode ficar comigo.
– Espere, eu, também! – Um risinho de mais alguém. – Eu adoro também!
– Você vai tomar conta do meu companheiro aqui... Meu amigo. Que vai pagar a todas agora.
Throe deu um passo à frente com a grana, e enquanto a depositava em mãos expectantes, as putas pareceram mais concentradas nos dois machos do que no dinheiro.
Uma inversão de papéis profissionais que Xcor podia apostar que não acontecia muito frequentemente.
E então os pares foram formados, com Throe e Zypher levando suas presas para cantos separados, enquanto ele era deixado com a puta confusa.
– Então vamos começar? – ela disse com um sorriso ensaiado. O fato de seus olhos estarem suavizados pelas drogas quase tornavam a expressão real.
– Venha para mim.
Ele esticou as mãos, ainda na escuridão.
– Oh, eu gosto. – Ela se moveu, exagerando o balanço dos quadris. – Você soa como... Eu não sei o quê.
Quando ela alcançou sua mão, ele a puxou até ele – só que, então, ela recuou.
– Oh-er... Um... Ok.
Virando o rosto para o lado, ela esfregou o nariz, e então, apertou-o como se não pudesse aguentar o seu cheiro. Lógico. Era preciso mais do que uma passada de água para tirar o cheiro de lesser de alguém. Naturalmente, Throe e Zypher tinham tomado um momento para se desmaterializarem para casa, a fim de se limparem. Ele, no entanto, tinha ficado para lutar.
Mauricinhos. Os dois. Por outro lado, as mulheres com quem eles estavam não pareciam tentar escapar.
– Está bem, – ela disse resignada. – Mas sem beijos.
– Pelo que me consta, não sugeri tal coisa.
– Só para deixar claro.
Enquanto gemidos começavam a se elevar, Xcor olhou para baixo, para a humana. O cabelo estava meio solto nos ombros, parecendo bagunçado, como se tivesse sido puxado. A maquiagem era pesada e borrada na linha dos lábios e no canto de um olho. Seu perfume era suor e...
Xcor franziu o cenho, enquanto percebia uma essência indesejável.
– Agora, ouça, – ela disse, – não olhe para mim deste jeito. Estas são minhas regras e você pode...
Ele a deixou divagar enquanto estendia a mão para erguer um lado do cabelo semi-preso e emaranhado, expondo sua garganta. Nada além de pele lisa. Mas do outro lado...
Ah, sim. Ali estavam. Duas marcas de mordida, bem na jugular dela.
Ela já tinha sido usada esta noite por um de sua espécie. E aquilo explicava a névoa, e a essência que seu nariz conseguia captar nela.
Xcor deixou o cabelo voltar ao lugar. Então se afastou.
– Não posso acreditar que está sendo tão irritante, – ela falou. – Só porque eu não vou te beijar... Não vou te devolver o dinheiro, sabe. Trato é trato.
Alguém estava tendo um orgasmo, o som de prazer tão rico e exuberante, que a sinfonia transformou, mesmo que brevemente, aquela construção abandonada em uma alcova apropriada.
– Mas é claro que pode manter o dinheiro, – ele murmurou.
– Quer saber, foda-se, você pode ficar com ele. – Ela jogou o dinheiro nele. – Você cheira como esgoto e é feio como o pecado.
Enquanto as notas batiam em seu peito, ele inclinou a cabeça levemente. – Como quiser.
– Foda-se.
O entusiasmo com o qual ela mudou de puta para cadela, sugeria que este tipo de alteração de humor não lhe era incomum. Mais uma razão para manter as coisas em nível profissional entre ele e o sexo feminino.
Enquanto ele se abaixava para pegar o dinheiro, ela ergueu o pé e tentou chutá-lo na cabeça.
O que não foi esperto. Com todo o seu treinamento de guerreiro e os anos de experiência em combate, seu corpo se defendeu instintivamente, sem comando consciente algum de sua mente. A puta foi pega pelo tornozelo, desequilibrando-se, e caiu ao chão. E antes que ele tivesse consciência de ter se movido, ele a tinha deitada de bruços e segurava o pescoço frágil dela na curva grossa de seu braço.
Em seguida, ele estava preparado para quebrá-lo.
As agressões dela pararam. Agora ela choramingava e implorava.
Ele imediatamente a soltou, saindo de cima dela, então, ajudou-a a encostar na parede. Ela estava hiperventilando, o peito bombeando para cima e para baixo tão violentamente que corria o risco de romper os peitos falsos nas taças do sutiã.
Enquanto se inclinava para ela, pensou em como o Bloodletter teria lidado com a situação. Aquele macho não a teria deixado ir além da parte do ‘sem beijos’ – ele teria tomado o que quisesse, em seus próprios termos, e ao inferno com o quanto poderia tê-la machucado. Ou se a teria matado.
– Olhe para mim, – Xcor ordenou.
Quando aqueles grandes e chocados olhos se ergueram, ele limpou de sua memória o fato de ter estado daqui, colocando-a num transe. Instantaneamente a respiração dela se acalmou, seu corpo reassumiu sua postura calma e relaxada, suas mãos frenéticas e trêmulas se imobilizaram.
Juntando o dinheiro, ele o colocou em seu colo. Ela o merecia pelos hematomas que apresentaria pela manhã.
Então, com um grunhido, Xcor se abaixou e se encostou de novo contra a parede perto dela, esticando as pernas e cruzando-as nos tornozelos. Ele tinha de pegar sua mochila de provisões e sua foice no arranha-céu, mas naquele momento, estava exausto demais para se mover.
No entanto, sem alimentação para ele esta noite. Mesmo com a hipnose.
Se ele tomasse a veia da humana próxima a ele, poderia matá-la. Ele estava cruelmente faminto, e não sabia o quanto já tinham tomado dela. Pelo que sabia, aquela debilidade dela poderia ser pressão baixa.
Do outro lado, ele via seus soldados trepando, e tinha de admitir que o ritmo dos corpos era erótico. Em outras circunstâncias, ele imaginava que Zypher teria unido os dois pares em um grande emaranhado de braços e pernas, peitos e mãos, paus e rachas escorregadias. Não aqui, no entanto. O espaço era imundo, inseguro e gelado.
Encostando a cabeça na parede, Xcor fechou os olhos e continuou ouvindo.
Se ele adormecesse, e seus soldados lhe perguntassem se tinha se alimentado, ele usaria a experiência dos outros para acalmar-lhes a preocupação.
E então só teria de afundar as presas em outra fonte mais tarde.
Na verdade, ele odiava se alimentar. Ao contrário do Bloodletter, ele não se excitava em impor-se sobre mulheres e fêmeas – e Deus sabia, nenhuma delas viria a ele de livre e espontânea vontade.
Devia sua vida às prostitutas, supunha.
Quando alguém voltou a gozar, desta vez um dos soldados – Throe, se fosse para adivinhar – ele se imaginou com um rosto diferente, um rosto bonito, um rosto atraente que fizesse as fêmeas quererem se aproximar ao invés de correr gritando.
Talvez ele devesse remover sua própria coluna.
Mas esta era a beleza de pensamentos internos. Ninguém precisava saber de suas fraquezas.
E uma vez que terminasse de tê-los, podia metê-los na lixeira mental à qual pertenciam.
Qhuinn nunca fora bom em esperar. Isto quando a merda estava indo bem. Imagine, considerando que ele já mentira duas vezes a respeito do paradeiro de John Matthew.
Não era uma ocasião muito feliz.
Enquanto fazia cera na porta escondida na grande escadaria – de modo que pudesse correr para o túnel se alguém aparecesse – tinha a melhor visão possível da entrada. O que significou que quando a porta do vestíbulo se abriu, ele visualizou inteiramente seu casal absolutamente favorito: Blay e Saxton.
Ele devia ter sabido que sua sorte não falharia desta vez.
Blay segurou a porta aberta, como o cavalheiro que era, e enquanto Saxton a atravessava, o bastardo deu um insinuante e semicerrado olhar por sobre o ombro.
Cara, este tipo de “olhar” era pior do que pegar os dois em público num beijo estilo desentupidor de pia.
Sem dúvidas eles tinham saído para uma agradável refeição, então passaram na casa de Saxton para o tipo de brincadeira que era difícil ter aqui na mansão. Privacidade total não era algo que você podia achar facilmente por aqui...
Quando Blay removeu seu casaco Burberry, o botão de sua camisa de seda se abriu, revelando uma marca de mordida no pescoço. E em sua clavícula.
Só Deus sabia onde mais haveria outras...
De repente, Saxton disse algo que fez Blay ruborizar, e a risada um pouco tímida e reservada que se seguiu, deu a Qhuinn vontade de vomitar.
Ótimo, então o puto era um comediante, e Blay gostava das piadas dele.
Fantástico.
Iupi.
Então, Saxton subiu as escadas. Blay, por sua vez, contornou o...
Merda. Qhuinn virou e esticou-se para a porta, as mãos tentando liberar o ferrolho.
– Oi.
As mãos de Qhuinn ficaram imóveis. Seu corpo se imobilizou. Seu coração... Parou de bater.
Aquela voz. Aquela voz suave e profunda, que ele ouvira quase sua vida inteira.
Endireitando a espinha, ele deu um foda-se à ideia de escapar, virou-se, e encarou seu antigo melhor amigo, como o macho que era. – Oi. Teve uma boa noite?
Merda, ele quis retirar aquilo. E se o cara não tivesse?
– Sim, e você?
– É. Bom. John e eu saímos. Ele já voltou, e vamos para o centro de treinamento. Ele está se trocando.
Difícil saber se era a mentira ou a queimação em seu peito que o fazia tão tagarela.
– Sem Última Refeição para você?
– Pois é.
Som de grilos ao fundo. O tema de Jeopardy![26] uma bomba nuclear – não que Qhuinn percebesse até mesmo uma nuvem em forma de cogumelo àquela altura.
Deus, os olhos de Blay eram tão condenadamente azuis. E... Puta merda, os dois estavam realmente sozinhos. Quando fora a última vez que isto acontecera?
Oh, sim. Um pouco antes de Blay se enroscar com seu primo, pela primeira vez.
– Então, você tirou os piercings, – Blay disse.
– Não todos.
– Por quê? Digo... Eles sempre foram... Tipo, você, sabe?
– Acho que eu não quero mais ser definido assim.
Quando as sobrancelhas de Blay se elevaram, Qhuinn meio que quis fazer a mesma coisa. Ele achara que outra coisa sairia de sua boca. Algo como, – Sei lá. – ou, – Não importa. – ou, – Eu ainda os tenho onde importa, não se preocupe.
Depois ele apertaria o saco, e riria com desdém como se tivesse bolas do tamanho de sua cabeça.
Não era de se espantar que Saxton parecesse tão atraente.
– Então, é... – ele disse. Então pigarreou. – Como vão as coisas com... Vocês dois?
Foi a deixa para uma segunda viagem às alturas daquelas sobrancelhas ruivas. – Estou bem – Estamos... ah, bem. Bem. Ah...
Depois de um momento, Blay olhou por cima do ombro, em direção à porta da dispensa do mordomo. Claramente, era o começo de uma retirada.
Ei, quando você sair, Qhuinn quis dizer, pode me fazer um favor? Acho que meu ventrículo esquerdo está no chão, então, se não se importar, procure não pisar nele enquanto sai? Obrigado. Ótimo.
– Você está se sentindo bem? – Blay murmurou.
– Sim. Eu vou malhar com John. – Ele já tinha dito aquilo. Merda. Isto era um trem descarrilado. – Então aqui está você. Para onde estava indo?
– Eu vou... Atrás de alguma comida para Sax e para mim.
– Sem Última Refeição para vocês, também. Acho que temos isto em comum. – Alguém levante os pompons e torça pelo time. Iupi. – Então, tá, aproveite. Aproveitem, digo...
Do outro lado, a porta do vestíbulo se abriu e John Matthew entrou. – Filho da puta, – Qhuinn murmurou. – O desgraçado finalmente voltou.
– Eu pensei que você tinha dito que ele estava...
– Eu estava acobertando. A nós dois.
– Vocês não estavam juntos? Espere, se você for pego longe dele...
– Não foi minha escolha. Acredite.
Enquanto Qhuinn se dirigia ao Sr. Independente, Blay se juntou a ele, John deu uma olhada para os dois e sua expressão ahh-satisfação, sumiu tão certamente como se alguém tivesse chutado seu traseiro com uma bota com biqueira de aço.
– Precisamos conversar, – Qhuinn vaiou.
John olhou em volta como se procurasse um esconderijo. É, bem, más notícias para ele; o vestíbulo era essencialmente vazio de móveis, e o estúpido vadio não poderia pular longe o bastante para alcançar a sala de jantar.
Qhuinn, eu ia ligar...
Qhuinn pegou o cara pela nuca e empurrou-o de cara para o chão entre a sinuca e a pipoqueira. Ao passar pelo umbral, John se libertou e correu para o bar. Pegou uma garrafa de Jack, rompeu o lacre e a abriu.
– Você acha que isto é uma porra de uma piada? – Qhuinn bateu na lágrima tatuada abaixo de seu olho. – Eu devo estar com você em cada momento da noite ou do dia, porra. Eu menti por você nos últimos quarenta minutos...
– É verdade. Ele mentiu.
Quando Blay falou por detrás, foi uma surpresa. Uma do tipo bom.
Eu fui ver Xhex, está certo? Neste momento, ela é minha prioridade.
Qhuinn abanou os braços. – Ótimo. Então quando V me esfaquear no peito, você poderá continuar se sentindo bem com você mesmo. Obrigado.
– John, você não pode minimizar coisas como esta. – Blay contornou e pegou um copo, como se temesse que o amigo fosse tomar direto do gargalo. – Me dê isto.
Ele pegou a bebida, despejou uma dose saudável, e...
Bebeu ele mesmo.
– O que, – ele murmurou quando sentiu os dois o encarando. – Aqui, pegue de volta se quiser.
John tomou um gole e então olhou para o espaço. Depois de um momento, ele estendeu o Jack na direção de Qhuinn.
Rolando os olhos, Qhuinn murmurou, – Ao menos este é o tipo de desculpas que eu aceito.
Quando ele pegou a garrafa, ocorreu a ele que fazia eras desde que os três estiveram juntos. Bem antes de suas transições, eles passavam cada noite depois do treino, no antigo quarto de Blay, na casa dos pais do cara, passando as horas jogando vídeo games, bebendo cerveja e falando do futuro.
E agora, que eles estavam finalmente onde sempre quiseram estar? Todo mundo parecia estar indo em direções diferentes.
Novamente, John estava certo. O cara estava apropriadamente emparelhado agora, então, é claro que seu foco estaria em outro lugar. E Blay estava tendo um maldito tempo bom com Saxton, o Galinha.
Qhuinn era o único que ainda se associava ao Lado Negro.
– Puta que pariu, – ele murmurou para John. – Vamos só esquecer isto...
– Não, – Blay cortou. – Isto não está certo. Corta a merda, John... Deixe-o ir com você. Não importa se saiu para estar com Xhex ou não. Você deve isto a ele.
Qhuinn parou de respirar, concentrando-se com tudo o que tinha no macho que tinha sido seu melhor amigo, e nunca seu amante... E no para sempre que nunca aconteceria.
Mesmo depois de tudo o que acontecera entre eles, e todas as merdas do final, que foram lendárias, Blay ainda guardava suas costas.
– Eu amo você, – Qhuinn revelou no silêncio.
John ergueu as mãos e assinalou, Eu amo você também. E eu estou fodidamente arrependido. Esta coisa entre mim e Xhex...
Blah, blah, blah. Ou, Blah, blah, blah, como era o caso, pela linguagem de sinais.
Qhuinn não ouvia nada. Enquanto John seguia e seguia, explicando seu problema, Qhuinn sentiu-se tentado a interromper e voltar a não apenas o que dissera, mas a quem dissera. Só que tudo o que podia pensar era em Blay chegando com Sax, e naquele maldito rubor em seu rosto.
Custou-lhe tudo o que tinha dentro de si olhar para John e dizer, – Podemos resolver isto, tudo bem? Deixe-me segui-lo... Eu não vou olhar. Prometo.
John estava assinalando alguma coisa. Qhuinn anuiu. Então Blay começou a recuar, dando um passo para trás, então outro, então um terceiro.
Mais conversa. Blay falou.
E então o macho virou e saiu. Para pegar comida. Voltar para Saxton.
Um assobio baixo o fez limpar a mente e se concentrar em John.
– Sim. Com certeza.
John franziu o cenho. Você quer que eu grude um bilhete de estacionamento na sua testa?
– O quê?
Desculpe, eu tive a impressão de que não estava prestando atenção. Acho que estava certo.
Qhuinn deu de ombros. – Encare deste jeito, eu não estou mais com vontade de lhe trucidar.
Oh, bom. Maravilhoso. Mas Blay está certo. Não vou fazer isto de novo.
– Obrigado, cara.
Quer um gole?
– Sim, boa ideia. A melhor. – Se dirigiu ao bar. – De fato, eu vou pegar uma garrafa só para mim.
– Ela está morta.
Ao som da voz do macho, Lassiter olhou por sobre o ombro. Do outro lado do quarto, Tohr estava parado à porta, segurando-se no batente.
Lassiter baixou as coisas que estava empacotando. O showzinho que fazia arrumando a maleta não era porque ele carregaria qualquer uma destas merdas consigo, mas ao invés disto, porque parecia justo deixar suas coisas em ordem para a convocação que estava próxima. Depois que ele fosse sugado novamente para o Limbo, a equipe de limpeza descartaria suas roupas, assim como as poucas coisas que juntara.
O Irmão entrou e fechou-os no quarto.
– Ela está morta. – Ele mancou e se sentou na chaise. – Pronto. Eu disse.
Lassiter acomodou o traseiro na cama e fitou o cara. – E você acha que isto é o suficiente?
– O que caralho você quer de mim?
Ele teve que rir. – Por favor, se eu estivesse dirigindo este show, você já a teria recuperado há meses e eu já teria dado no pé desta porra aqui.
Tohr riu um pouco, surpreso.
– Ah, vamos lá, meu homem, – Lassiter murmurou. – Eu não quero te foder. Você não tem seios, para começar... E eu sou um cara chegado em seios. E depois, você é um cara legal. Você merece mais do que isto.
Agora Tohr olhou para baixo, chocado.
– Oh, pelo amor da merda. – Lassiter se levantou e foi de novo às gavetas abertas da cômoda. Pegou um par de calças de couro, remexeu nelas, e dobrou-as de novo.
Manter as mãos ocupadas deveria ajudá-lo a manter o foco mental. Não funcionou tão bem desta vez. Talvez ele devesse apenas bater a cabeça na parede.
– Indo a algum lugar? – O Irmão perguntou depois de um tempo.
– Sim.
– Desistindo de mim?
– Eu lhe disse. Eu não faço as regras. Eu vou ser puxado de volta, e é melhor que seja mais cedo do que tarde.
– Puxado para onde?
– Para o lugar de onde vim. – Ele deu de ombros, mesmo que fosse um movimento covarde. Mas uma eternidade de isolamento era o inferno para um cara como ele. – Não é uma viagem que eu esteja ansioso para fazer.
– Você estaria indo para o lugar onde... Wellsie está?
– Eu lhe disse, o Limbo é diferente para cada um.
Tohr colocou a cabeça entre as mãos. – Eu não consigo me desligar. Ela era minha vida. Como infernos eu...
– Você pode começar por tentar não se castrar com o punho quando ficar de pau duro por outra fêmea.
Quando o Irmão não disse nada, Lassiter teve a sensação de que o cara estava chorando. E é, uau, isto não tornava as coisas muito esquisitas? Deus. Maldição.
Lassiter balançou a cabeça. – Eu sou o anjo errado para este trabalho, de verdade.
– Eu nunca a traí. – Tohr inalou com dificuldade pelo nariz, a fungada totalmente masculina, como fungadas eram. – Outros machos... Mesmo os vinculados, digo, eles procuravam fêmeas de vez em quando. Talvez eles pulassem a cerca um pouquinho. Eu não. Ela não era perfeita, mas ela era mais do que suficiente para me manter satisfeito. Inferno, quando Wrath precisou de alguém para manter um olho em Beth quando eles se conheceram? Ele me enviou. Ele sabia que eu não daria em cima dela, não apenas pelo respeito a ele, mas porque eu não teria o menor interesse. Eu literalmente, nunca tive sequer um pensamento passageiro para outra.
– Você teve hoje.
– Não me lembre.
Bem, ao menos o cara não negou. – O que é justamente o motivo pelo qual estou prestes a iniciar minha viagem de mão única à terra do Nunca-Mais-Voltar. E sua shellan vai ficar onde ela está.
Tohr esfregou o meio do peito como se doesse. – Você tem certeza que eu não morri e já fui para este Limbo? Porque certo como a merda que, parece com o que descreveu. Sofrimento, mas não Dhund.
– Eu não sei. Talvez algumas pessoas não estejam cientes de que estejam nele... mas minhas ordens foram claras como uma campainha, e era sobre você se desapegar, de modo que ela pudesse seguir adiante.
Tohr baixou as mãos como se estivesse muito cansado do mundo. – Eu nunca pensei que houvesse algo pior do que a morte dela. Eu nunca poderia imaginar qualquer curso de eventos que doesse mais. – Ele amaldiçoou. – Eu devia saber que o destino é tão sádico quanto infinitamente criativo. Imaginar que se eu foder outra fêmea será o que vai abrir as portas do Fade, para aquela que eu amo. Equação fabulosa. Fodidamente fantástico.
Não era nem metade disto, Lassiter pensou. Mas porque mencionar agora?
– Eu tenho de saber uma coisa, – o Irmão disse. – Como um anjo, você acredita que certas pessoas estão malditas desde o início? Que algumas vidas são simplesmente amaldiçoadas assim que começam?
– Eu acho... – Merda, ele não iria tão fundo. Isto não era ele. – Eu... Ah, eu acho que a vida joga algumas probabilidades por sobre as cabeças de cada desgraçado vivo e que respira neste planeta. As chances são injustas por definição, e aleatórias.
– E então este Criador seu? Ele não tem um papel nisto tudo?
– Nosso, – ele murmurou. – E, eu não sei. Não boto muita fé em coisa alguma.
– Um anjo que é ateu?
Lassiter riu um pouco. – Talvez seja por isto que eu continue me metendo em problemas.
– Nah. Isso acontece só porque é um imbecil.
Ambos deram risada. Então se sentaram em silêncio.
– Então, o que será preciso? – Tohr perguntou. – Honestamente, o que infernos o destino vai exigir de mim agora?
– O mesmo que em qualquer esforço. Sangue, suor e lágrimas.
– É isto, – Tohr disse secamente. – E eu aqui pensando que podia ser só um braço ou uma perna.
Quando Lassiter não respondeu, o Irmão balançou a cabeça. – Ouça, você precisa ficar. Você tem que me ajudar.
– Não está funcionando.
– Eu vou me esforçar mais. Por favor.
Depois de uma eternidade, Lassiter sentiu sua cabeça assentir. – Ok. Tudo bem. Eu ajudarei.
Tohr exalou longa e lentamente, como se estivesse aliviado. Mostrou o que já sabia; ainda estavam todos encrencados.
– Você sabe, – o Irmão disse, – Eu não gostava de você quando lhe conheci. Pensei que era um idiota.
– O sentimento era mútuo. Embora não a parte do idiota... E não era pessoal. Eu não gosto de ninguém, e como eu disse, eu não acredito verdadeiramente em coisa alguma.
– Mesmo assim você vai ficar para me ajudar?
– Eu não sei... Eu acho que eu só quero o mesmo que sua shellan. – Ele deu de ombros. – No fim do dia, os vivos e os mortos são os mesmos. Todos estão apenas procurando um lar. Além disto... Eu não sei, você não é tão mau.
Tohr voltou a seu quarto algum tempo depois. Quando chegou a sua porta, encontrou sua muleta apoiada contra o painel.
No’One a tinha devolvido a ele. Depois de ele tê-la esquecido no Outro Lado.
Pegando a coisa, ele entrou no quarto... E meio que esperou encontrá-la nua em sua cama, pronta para um pouco de sexo. O que era completamente ridículo – em níveis demais para contar.
Acomodando-se na chaise lounge, fitou o vestido que Lassiter tinha manuseado tão rudemente. O cetim delicado estava emaranhado em ondas, a desordem criando um maravilhoso e brilhante espetáculo em cima da cama.
– Minha adorada está morta, – ele disse em voz alta.
Enquanto o som das palavras se desvanecia, algo ficou súbita e estupidamente claro: Wellesandra, filha de sangue de Relix, jamais preencheria aquele corpete de novo. Ela jamais passaria aquela saia por cima da cabeça e se contorceria no espartilho, ou libertaria as pontas do cabelo das amarrações às costas. Ela jamais procuraria sapatos que combinassem, ou ficaria brava por ter espirrado imediatamente após passar rímel, ou se preocuparia se iria derrubar algo na saia.
Ela estava... Morta.
Que irônico. Ele estivera lamentando sua ausência todo este tempo, e ainda assim, de alguma forma, perdera o ponto mais óbvio. Ela não iria voltar. Nunca.
Levantando-se, ele atravessou o quarto e gentilmente recolheu o vestido. A saia se recusou a obedecer, escorregando de suas mãos e caindo ao chão novamente – fazendo o que queria e tomando controle da situação.
Do mesmo jeito que Wellsie sempre fizera.
Quando ele conseguiu lidar moderadamente com todo o tecido, carregou o vestido até o closet, abriu as portas duplas, e pendurou o peso glorioso em um cabide.
Merda. Ele iria dar de cara com ele a cada vez que entrasse ali.
Soltando-o, ele o puxou para outro lado, de forma que ficasse na escuridão, por trás de dois ternos que ele nunca usava e das gravatas que tinham sido compradas para ele, não por sua companheira, mas por Fritz.
E então ele trancou bem o closet.
De volta à cama, ele se deitou e fechou seus olhos.
Seguir adiante não precisava envolver sexo, disse a si mesmo. Simplesmente não precisava. Aceitar a morte, deixá-la ir para salvá-la, aquilo ele podia fazer sem o bônus de... Nenhum tipo de coisa relacionada a uma fêmea pelada. No final, o que ele ia fazer? Chegaria nos becos, escolheria uma puta para foder? Aquilo seria somente uma função corporal, como respirar. Difícil entender como aquilo poderia ajudar.
Deitado imóvel, ele tentou visualizar pombas sendo libertadas de gaiolas, e águas rompendo barragens, e o vento soprando as árvores, e...
Fodido inferno. Era como se por trás de suas pálpebras, estivessem mostrando programas do maldito canal Discovery.
Mas então, bem quando ele estava se deixando levar, as imagens mudaram, trocando para água, preguiçosa água azul-esverdeada, sem correnteza. Calma. Água morna. Com ar úmido a sua volta...
Ele não estava bem certo do momento em que tinha adormecido, mas a imagem se tornou um sonho, que começou com um braço pálido, um adorável braço pálido flutuando na água, a preguiçosa água azul-esverdeada que não tinha correnteza. Calma. Morna...
Era sua Wellsie na piscina. Sua linda Wellsie, seus seios apontando enquanto ela flutuava, seu estômago reto e quadris curvilíneos, e sexo liso, lambidos pela umidade.
No sonho, ele viu a si mesmo irrompendo na piscina, andando a passos curtos, a água ensopando suas roupas...
Subitamente, ele parou e olhou para seu peito.
Suas adagas estavam amarradas a ele. Suas armas por baixo de seus braços, seu cinto de munição preso nos seus quadris.
O que infernos ele estava fazendo? Molhada, essa merda toda seria inutilizada...
Não era Wellsie.
Santa merda, aquela não era sua shellan...
Com um grito, Tohr se levantou, escapando do sonho. Batendo as mãos em suas coxas, esperando encontrar couro molhado. Mas não, nada daquilo tinha sido real.
No entanto, sua excitação estava de volta. E um pensamento que ele se recusava a permitir aflorar, apegava-se no fundo de sua mente.
Enquanto ele olhava para seu sexo e amaldiçoava, a forte extensão o fez pensar nas incontáveis vezes que ele o utilizara para prazer e diversão... E procriação.
Agora ele só queria que ficasse mole para sempre.
Recostando-se novamente contra os travesseiros, o pesar caiu sobre ele como um peso físico, quando ele reconheceu a verdade no que o anjo dissera. Ele não tinha, de fato, deixado sua Wellsie ir, em nenhum nível.
Ele... Era o problema.
VERÃO
Do ponto privilegiado por trás dos binóculos, a mansão do outro lado do rio Hudson parecia enorme, um enorme amontoado de pavimentos, que jazia ousadamente no penhasco rochoso. Em cada um dos andares, luzes brilhavam através de painéis envidraçados, como se a coisa não tivesse paredes sólidas.
– Belo palácio, – Zypher comentou, sob a espessa brisa cálida.
– É, – houve uma concordância à esquerda.
Xcor baixou os binóculos. – Exposição demais à luz do dia. É uma questão de tempo até tudo virar churrasco.
– Talvez ele tenha equipado o porão, – Zypher disse. – Com mais uma daquelas banheiras de mármore...
Dado o tom de sua voz, o soldado estava imaginando fêmeas de todo tipo, na água com bolhas, e Xcor deu-lhe um olhar, antes de voltar à observação.
Que desperdício. Assail – filho de um dos maiores Irmãos que já existiram – poderia ter sido um guerreiro, um lutador, talvez até um Irmão, mas sua mãe Escolhida caída em desgraça o tinha forçado a seguir um caminho divergente.
Embora fosse discutível se o bastardo ainda tinha pau, ele tinha forjado seu próprio destino em mais atividades, além de banheiras de mármore. Como estava, no entanto, ele era simplesmente outro dreno inútil na espécie, um mauricinho, com nada de valoroso com que ocupar suas noites.
Embora isto pudesse estar a ponto de mudar hoje.
Sob estes céus coberto de nuvens, contra o pano de fundo de relâmpagos, este macho era significativo, pelo menos por enquanto. Certo, as circunstâncias de sua relevância podiam lhe custar à vida, mas na história, livros serviam seus propósitos, ele podia bem ser lembrado por ter desempenhado um pequeno papel em um momento marcante da raça.
Não que ele desconfiasse disto, claro.
Novamente, um amigo não devia estar ciente de estar atraindo tubarões.
Analisando os andares novamente, Xcor decidiu que a ausência de árvores e arbustos era resultado de um processo de limpeza anterior à construção. Sem dúvida um aristocrata quereria jardins trabalhados; o fato de que tornasse a casa mais vulnerável não era algo que fosse preocupar um sujeito como Assail.
As boas notícias eram que, apesar de, aparentemente haver aço na estrutura da casa – como parte de vigas, pregos fixadores do assoalho, coluna de sustentação do telhado – pelo menos era possível se aproximar, entrar e sair de todos aqueles vidros.
– Ah, sim, aqui está o orgulhoso anfitrião, – Xcor grunhiu ante a figura de um macho que atravessava a grande sala de estar.
Não havia nem mesmo cortinas para esconder sua presença. Era como se ele fosse um hamster em uma gaiola.
O macho merecia morrer por ser tão estúpido, e de fato, às costas de Xcor, a foice começou a cantarolar como um canto fúnebre.
Xcor aumentou o foco dos binóculos. Assail estava tirando algo do bolso da frente – um cigarro. E naturalmente, o isqueiro era dourado. Ele provavelmente achava que fogo, como carne empacotada, originava-se das lojas.
Seria um prazer matá-lo.
Junto com os outros, que logo apareceriam.
De fato, o Conselho da glymera tinha efetivamente ignorado Xcor e seu Bando de Bastardos. Não houve convite para reunião. Nenhum cumprimento por parte de seu leahdyre, Rehvenge. Nem mesmo uma resposta oficial à carta que ele tinha enviado, na primavera.
De início, isto o havia frustrado violentamente. Mas então, um passarinho tinha começado a cantar em seu ouvido, e outro caminho havia se revelado.
A melhor arma em uma guerra, frequentemente, não era uma adaga, ou uma arma, ou mesmo um canhão. Era algo invisível e mortal – ainda que não gás venenoso. Era algo que não tinha peso algum e importância inestimável.
Informação, sólida, informação confirmada, de uma fonte dentro do campo inimigo, tinha o tipo de poder de uma bomba atômica.
Sua carta ao Conselho havia sido recebida, e mais ainda, havia sido levada a sério. O grande Rei Cego, embora sem dizer nada, tinha imediatamente iniciado uma série de encontros com os cabeças das linhagens que restaram – pessoalmente, nas residências deles.
Jogada ousada em tempos de guerra – e provou que o desafio de Xcor tinha embasamento: Um rei não arriscava sua vida a menos que, estando fora de contato com seus súditos, fosse forçado a restabelecer a conexão.
Em retrospecto, isto era ainda melhor do que uma reunião com o Conselho. Havia um número limitado de membros restantes, e todos eles tinham residência conhecida. Wrath já tinha se encontrado com a maioria, e, graças àquele passarinho, Xcor já sabia quem faltava.
Mudando o foco para os arredores, ele alcançou o telhado. As varandas. A chaminé no canto próximo.
De acordo com a fonte de Xcor, Assail chegou na primavera, assumiu a posse desta propriedade, e... Era tudo o que os aristocratas sabiam. Bem, além da circunstância curiosa de que o macho não tinha trazido ninguém mais com ele – nem família, nem empregados, nem shellan – e que ele se mantinha discreto. Ambas eram coisas incomuns para um membro da glymera, mas então, talvez ele estivesse esperando para ver como as coisas se desenrolariam neste ambiente antes de trazer seu sangue para junto de si e entreter outros de sua laia...
Ele tinha um irmão mais novo, não tinha? Também mimado por aquela mãe Escolhida deles. Talvez uma meia-irmã de reputação duvidosa?
Por trás dele, Xcor ouviu seus soldados se esticarem, o couro estalando, as armas mudando de posição. Lá em cima, nuvens tempestuosas continuavam a liberar raios intermitentes de luz, com o som de base do trovão a ribombar à distância.
Ele devia ter desconfiado desde o início que o fim seria aquele: Se ele queria Wrath fora do trono, teria de tirá-lo ele mesmo. Confiar na glymera para qualquer coisa além de ilusões infundadas de grandeza tinha sido um erro.
Ao menos ele tinha um aliado infiltrado no Conselho. No final das contas, quando as coisas acabassem em bagunça, ele precisaria de apoio. Felizmente, havia mais pessoas que concordavam com ele, do que as que discordavam: Wrath não era nada mais do que uma figura decorativa, e apesar de que isto fosse aceitável em tempos de paz, nesta era de guerra e luta, isto era insuportável.
As Antigas Leis podiam manter aquele macho onde ele não pertencia, este tempo todo. Enquanto isto, Xcor esperaria pelo momento apropriado, e golpearia decisivamente.
Era hora do reinado de Wrath ser relegado a uma esquecível breve nota de rodapé.
– Eu odeio esperar, – Zypher murmurou.
– Esta é única qualidade que interessa, – Xcor retrucou.
No vestíbulo da mansão da Irmandade, todo mundo estava reunido para sair para a noite, os machos andando em círculos aos pés da grande escadaria, as armas cintilando em peitos e em quadris, as sobrancelhas tensas sobre olhos frios, os corpos se movendo como de garanhões, cujos cascos não podiam se manter imóveis.
Das sombras do lado de fora da despensa do mordomo, No’One esperava Tohrment descer e se juntar a eles. Ele geralmente vinha entre os primeiros, mas ultimamente vinha se demorando mais e mais...
Lá estava ele, no alto da escada, vestido em couro preto.
Enquanto ele descia, segurou o corrimão, casualmente.
Ela não se deixou enganar.
Ele estava cada vez mais fraco nos últimos meses, seu corpo definhando, até que se tornou claro, que apenas sua sede de vingança era o que o mantinha em pé.
Ele estava faminto de sangue. Ainda que obviamente se recusasse a ceder àquela exigência da carne.
Desta forma, ela nervosamente esperava e observava, no início de cada noite e ao fim dela. Cada por do sol, ela esperava que ele descesse finalmente renovado. A cada quase amanhecer, ela se encontrava rezando para que ele voltasse vivo.
Querida Virgem Escriba, ele...
– Você está mal para caralho, – um dos Irmãos disse.
Tohrment ignorou o comentário, enquanto se aproximava do sólido macho que emparelhara Xhexania. Os dois eram uma equipe, pelo que ela podia ver, e estava grata por isso. O mais jovem devia ser um sangue-puro, apesar de sua nomenclatura, e ela ouvira inúmeras referências à valentia dele, em campo. Além disto, aquele guerreiro em particular nunca estava sozinho: Atrás dele, tão fiel quanto um reflexo, estava um soldado de aparência cruel, um com olhos de íris díspares e um ar calculista em seu olhar, que sugeria que ele era tão esperto quanto forte.
Ela tinha de acreditar que ambos interfeririam se Tohrment estivesse em perigo.
– Gostando da vista? Eu não.
Ela se assustou e girou rapidamente, seu manto a beira de esvoaçar-se. Lassiter tinha saído da despensa, sem que ela percebesse e preenchia a entrada da porta aberta, seu cabelo loiro-e-preto e seus piercings dourados, refletindo a luz do teto acima dele.
Seus olhos sábios eram sempre algo do que fugir, mas naquele momento, o olhar fixo branco não estava nela.
Cruzando seus braços sobre o peito e enfiando as mãos nas mangas do manto, ela voltou a olhar também para Tohrment. – Na verdade, eu não sei como ele continua a lutar.
– É hora de parar de enrolar em torno dele.
Ela não estava completamente certa de entender o significado, mas adivinhou. – Há Escolhidas que se disponibilizariam a alimentá-lo. Certamente ele poderia usar uma delas?
– Você fodidamente acha?
Ao mesmo tempo, o foco deles mudou, mas só por um momento, enquanto Wrath, o Rei Cego, aparecia no início das escadas e descia para a reunião. Ele estava vestido para a guerra, também, e seu amado cão não estava com ele – ele era guiado neste momento pela sua rainha, os dois em tal sincronia que se moviam na mesma postura, passo, equilíbrio.
Tohrment tinha tido aquilo uma vez, ela pensou.
– Eu queria que houvesse um jeito de ajudá-lo, – ela murmurou. – Eu faria qualquer coisa para vê-lo bem, ao invés de sozinho em seu sofrimento.
– Tem certeza disto? – veio a resposta sombria.
– Claro.
Lassiter colocou o rosto no ângulo de visão dela. – Você tem mesmo certeza disto?
Ela ia dar um passo atrás, mas se viu impedida pela moldura da porta. – Sim...
O anjo estendeu a mão espalmada. – Jure.
No’One franziu o cenho. – Não compreendo...
– Você disse que faria qualquer coisa... Eu quero que você jure. – Agora aqueles olhos brancos ardiam. – Estamos empacados desde a primavera, e não temos toda a eternidade. Você diz que quer salvá-lo, e eu quero que você assuma este compromisso... Não importa o que custe.
De repente, como se a lembrança tivesse sido deliberadamente posta em sua mente – talvez pelo anjo, mas mais provavelmente, pela sua consciência – ela lembrou daqueles momentos depois do nascimento de Xhexania, quando sua dor física e sua agonia mental tinham se tornado uma coisa só, o equilíbrio finalmente equalizado enquanto a agonia em seu coração por tudo o que tinha perdido se manifestava em seu próprio núcleo...
Incapaz de carregar seus fardos, ela tinha tomado a adaga de Tohrment, do coldre no peito dele, e usara-a de uma maneira que o fizera gritar.
Seu lamento rouco tinha sido a última coisa que ela ouvira.
Olhando para cima, para o anjo, ela não era estúpida e também não era mais ingênua. – Você está sugerindo que eu o alimente.
– Sim. Estou. É hora de seguir para o próximo nível.
No’One teve de endurecer-se antes de olhar novamente para Tohrment. Mas enquanto ela fitava seu corpo fragilizado, ela se decidiu: Ele tivera de enterrá-la... Então, ela certamente poderia forçar-se a aceitá-lo em sua veia, para que pudesse lhe dar vida.
Assumindo que ele aceitaria o que fosse oferecido.
Assumindo que ela conseguisse se forçar.
De fato, mesmo em hipótese, seu corpo tremeu com o pensamento, mas sua mente rejeitava a resposta de sua carne. Este não era um macho interessado em nada dela. Realmente, ele era o único macho a quem poderia alimentar de forma segura.
– O sangue de uma Escolhida seria mais puro, – ela se ouviu dizer.
– E não nos levaria a lugar algum.
No’One balançou a cabeça, recusando-se a ler nas entrelinhas deste comentário. Então ela tomou a mão do anjo. – Eu servirei as necessidades de sangue dele, se ele vier a mim.
Lassiter fez uma ligeira reverência. – Eu tomarei conta desta parte. E vou lhe cobrar isto.
– Não vai ser preciso. Meu juramento é meu juramento.
Em pé no vestíbulo com seus Irmãos, Tohr teve um mau pressentimento sobre como a noite seria. Mais uma vez ele havia acordado daquele sonho com sua Wellsie e a criança, o mesmo que ele tinha de tempos em tempos, mas que somente compreendera de verdade quando Lassiter forneceu o contexto. Ele sabia agora que os dois estavam no Limbo, amontoados debaixo de um cobertor cinza no meio de uma paisagem escura e cinza que era fria e inflexível.
Eles estavam gradualmente se movendo para longe.
A primeira vez que ele tinha tido a visão, ele havia sido capaz de distinguir cada fio de cabelo da cabeça de sua shellan... E as meias-luas brancas nas pontas das unhas dela... E a forma como as fibras do cobertor áspero capturavam a estranha luz ambiente...
Bem como os contornos do pequeno embrulho que ela embalava contra o coração.
Agora, porém, ela estava a metros de distância, o terreno cinza entre eles, algo que ele havia tentado cruzar, mas fora incapaz de percorrer. E, tão terrível quanto, ela tinha perdido toda a cor, rosto e cabelo tingidos agora com o cinza da prisão em ela estava presa.
Naturalmente, ele ficou louco quando acordou.
Pelo amor de Deus, ele tinha feito tudo que podia para seguir em frente nos últimos meses: Guardou o vestido. Desceu para a Primeira e Última refeição. Tentou a porra da yoga, besteira transcendental, e até mesmo chegou a entrar na internet para pesquisar as diferentes etapas do luto e outras bobagens de psicologismo barato.
Ele tentou não pensar em Wellsie conscientemente, e se o seu subconsciente expelia uma memória, ele a anulava. Quando seu coração doía, ele imaginava pombas brancas liberadas de gaiolas, represas estourando, estrelas cadentes, e um monte de outras estúpidas metáforas que faziam parte de cartazes motivacionais.
E ainda assim ele havia tido aquele sonho em tons de cinza.
E Lassiter ainda estava aqui.
Não estava funcionando...
– Tohr? Você está com a gente? – Wrath gritou.
– Sim.
– Tem certeza disso? – Depois de um momento, os óculos escuros de Wrath oscilaram de volta para o resto do grupo. – Então nós faremos assim. V, John Matthew, Qhuinn, e Tohr, comigo. Todos os demais em campo, prontos para entrar como apoio.
Houve um grito de acordo dos Irmãos, e eles estavam todos em fila passando pelo vestíbulo.
Tohr foi o último a passar pela porta, e justamente quando ele ia passar pelo batente, algo o fez parar e olhar por cima do ombro.
No'One havia saído de algum lugar, e estava parada na margem da representação da macieira no chão, o capuz e o manto fazendo-a parecer uma sombra que, de repente havia ficado em 3-D.
O tempo passou devagar e então rastejou até parar quando ele encontrou os olhos dela, alguma estranha atração mantendo-o onde ele estava.
Nos meses que se passaram desde a primavera, ele a tinha visto nas refeições, forçou-se a falar com ela, puxou-lhe a cadeira e a ajudou a se servir como fazia com as outras fêmeas da casa.
Mas ele não havia ficado sozinho com ela, e ele nunca tocava nela.
Por algum motivo, ele sentiu como se estivesse tocando nela agora. – No'One? – ele disse.
Os braços dela se revelaram para fora das mangas e suas mãos subiram para o capuz que lhe cobria a face. Com graça, ela se revelou para ele.
Os olhos dela estavam luminosos e um pouco assustados, seus traços tão perfeitos como tinham sido na primavera no Santuário. E mais para baixo, sua garganta era uma perfeita e pálida coluna de carne... A qual ela tocou levemente com as pontas dos dedos que tremiam.
Vinda do nada, a fome o golpeou com força, a necessidade reverberando através do corpo dele, alongando suas presas, separando seus lábios...
– Tohr? Que porra é essa?
A voz afiada de V quebrou o feitiço, e maldizendo, ele olhou por sobre seu ombro. – Estou indo...
– Ótimo. Porque o rei está esperando por você, falou?
Tohr olhou de volta através do vestíbulo, mas No'One tinha ido embora. Como se ela nunca tivesse estado lá.
Esfregando os olhos, ele se perguntou se tinha imaginado a coisa toda. Havia ele se esgotado ao ponto da alucinação...
Se ele estava vendo coisas, não era exaustão, uma parte dele observou.
– Não diga mais uma palavra. – ele murmurou quando passou por seu Irmão. – Nem mais uma maldita coisa.
Como V começou a falar bem baixo, era obviamente uma ladainha de todos os erros de Tohr, reais e imaginados, mas que fosse. Pelo menos aquela merda estava mantendo a boca do filho da puta ocupada enquanto eles caminhavam em direção a Wrath, John Matthew e Qhuinn.
– Pronto. – Tohr anunciou.
Nenhum deles precisava lhe dizer “até que enfim” verbalmente. Suas expressões eram gritantes o suficiente.
Segundos depois, os cinco se rematerializaram no gramado ondulante de uma casa tão grande que você poderia manter um exército nela. Tragicamente, apenas o proprietário estava na residência, porque ele era tudo o que havia restado da linhagem.
Eles tinham estado em tantas casas como essa ao longo dos últimos meses. Em muitas. E as histórias eram todas iguais. Famílias dizimadas. Esperança destruída. Aqueles deixados para trás sobrevivendo, não vivendo.
A Irmandade não estava muito certa de que estas visitas eram bem-vindas, muito embora, naturalmente, ninguém recusava o rei. E eles não se arriscavam. Com as armas em mãos, a formação que assumiram ao se aproximarem da porta era com Tohr na frente de Wrath, V na retaguarda, John na mão de adaga do rei, e Qhuinn do outro lado.
Mais duas outras reuniões como essa e eles poderiam fazer uma pausa...
O que se passou a seguir provou que o inesperado pode acontecer num instante.
Abruptamente, o mundo começou a girar, a ampla casa antiga se torcendo e girando como se tivesse uma batedeira na fundação.
– Tohr! – Alguém gritou.
Uma mão o agarrou. Algum outro praguejou.
– Ele foi baleado?
– Filho da mãe...
Xingando, Tohr afastou todos eles de si e recuperou o equilíbrio. – Pelo amor de Deus, estou bem...
V se encostou tanto nele que o bastardo estava praticamente dentro de seu nariz. – Vá para casa.
– Por acaso você ficou louco...
– Você é uma vulnerabilidade aqui. Eu estou chamando reforços.
Tohr estava pronto para argumentar, mas Wrath apenas balançou a cabeça. – Você precisa se alimentar, meu irmão. Já é hora.
– Layla está pronta para isso. – Qhuinn emendou. – Eu tenho cuidado da manutenção dela deste lado.
Tohr olhou para os quatro e sabia que tinha perdido. Cristo, V já estava com o telefone no ouvido.
Ele também sabia que em certo ponto eles tinham razão. Mas Deus, ele não queria enfrentar aquele calvário de novo.
– Vá para casa. – Wrath ordenou.
V pôs seu celular longe. – A posição de Rhage é... Bingo.
Quando Hollywood apareceu, Tohr resmungou um par de vezes. Mas não havia como enfrentá-los... Ou a sua realidade.
Com todo o entusiasmo de alguém que enfrenta a amputação de um membro, ele voltou para a mansão... Para ir procurar a Escolhida Layla.
Foda.
Através de seus binóculos, Xcor assistiu ao venerável Assail caminhando em sua enorme cozinha e parar em uma janela que dava para a direção dos bastardos.
O macho ainda era pecaminosamente bonito, com o cabelo escuro e violentamente negro e pele bronzeada. As características eram tão aristocráticas, e ele realmente parecia inteligente... Embora esta fosse a coisa com a glymera. Frequentemente as pessoas com feições finas e corpos adequados eram erroneamente assumidas pelas outras como tendo também o cérebro compatível.
Quando o vampiro caiu em algum tipo de atividade, Xcor franziu a testa e se perguntou se ele não estava vendo coisas. Realmente... Não. Parecia que o homem estava de fato checando o mecanismo de uma arma como se estivesse acostumado a fazer isso. E depois que ele enfiou a arma sob aquele paletó preto precisamente costurado, ele pegou outra e prosseguiu com o mesmo processo.
Estranho.
A menos que o rei o tenha alertado de que poderia haver problemas na visita? Mas não, isso seria idiota. Se você fosse o assento do poder da raça, você não iria querer aparecer sob o cerco.
Especialmente se você de fato estivesse no cerco.
– Ele está partindo. – Xcor anunciou quando Assail pareceu se dirigir para a garagem. – Ele não tem um encontro com Wrath. Pelo menos não essa noite... Ou certamente não aqui. Vamos atravessar o rio. Agora.
Em um instante, eles desmaterializaram, reassumindo suas formas no grupo de pinheiros na margem da propriedade.
Ele estava errado sobre o paisagismo, Xcor percebeu. Havia manchas circulares por todo o gramado onde a grama estava preenchendo, e aqui, em torno da parte de trás da casa, havia uma pilha primorosamente empilhada de não simplesmente lenha, mas de árvores inteiras.
Assim como um machado enterrado em um toco, e uma serrilha... Com madeira amarrada recém-cortada para queimar.
Então o macho tinha algum doggen, pelo menos. E aparentemente considerava o quão importante era não fornecer cobertura para atacantes. A menos que a retirada das árvores tenha sido por uma questão de estética?
Não havia muito mais do que floresta desse lado da casa.
De fato, Assail não parecia ser o típico aristocrata, Xcor pensou sombriamente. A questão era o porquê.
A porta da garagem mais próxima da casa começou a subir silenciosamente, a sua ascensão desencadeando uma ampliação da luz. Dentro, um poderoso motor acelerou, e então alguma variedade de uma coisa rebaixada, algo negro e brilhante, saiu em marcha ré.
Quando o veículo parou e a porta começou a descer, ficou claro que Assail estava esperando pacientemente até que a casa estivesse segura antes dele sair.
E então quando ele saiu, ele não foi rápido; e não estava com seus faróis acesos.
– Vamos segui-lo. – Xcor ordenou, fechando os binóculos e prendendo-os em seu cinto.
Desmaterializando em intervalos, eles foram capazes de acompanhar o macho descendo o rio em direção Caldwell. A perseguição não apresentou nenhum desafio. Apesar de estar atrás do volante do que parecia ser um carro esportivo de considerável velocidade, Assail parecia não ter nenhuma pressa... O que, em outras circunstâncias, Xcor teria assinalado o macho como sendo um aristocrata típico sem nada melhor para fazer do que parecer bem em um assento de couro.
Mas talvez não neste caso...
O carro parou em todas as luzes vermelhas, evitou a autoestrada, e penetrou em ruas e becos do centro da cidade com a mesma falta de entusiasmo.
Assail foi para a esquerda, depois à direita... Esquerda de novo. Outra esquerda. Ainda mais voltas, até que ele estava na parte mais antiga do bosque da cidade, onde os edifícios de tijolo estavam dilapidados, e onde os missionários e cozinhas voluntarias servindo alimentos aos desabrigados eram mais comuns do que empresas com fins lucrativos.
Um caminho mais sinuoso não poderia ter sido tomado.
Xcor e seu bando de bastardos eram por ele mantidos aparecendo de telhado em telhado, uma prática que se tornou complicada com as condições degradadas.
Exceto que então o carro parou em um beco apertado entre um cortiço que havia sido condenado e a casca desmoronada de um prédio sem elevador. Quando Assail saiu, ele fumava seu charuto, a fumaça doce sendo levada pela corrente de ar para o nariz de Xcor.
Por um momento, Xcor perguntou se eles tinham sido atraídos para uma armadilha... E quando ele pegou em sua arma, seus soldados fizeram o mesmo. Mas então, um grande sedan preto fez uma ampla curva e rolou na pista. Enquanto parava diante dele, a posição escolhida por Assail se tornou clara. Ao contrário dos recém-chegados, o vampiro tinha estacionado em frente às quatro vias, para que assim ele pudesse ir em qualquer direção.
Esperto, caso alguém quisesse fugir.
Humanos emergiram do outro carro. Quatro deles.
– Está aqui sozinho? – o da frente perguntou.
– Sim. Como vocês pediram.
Os humanos compartilharam olhares que sugeriam que a obediência do macho era loucura. – Você tem o dinheiro?
– Sim.
– Onde está?
– Em minha posse. – O inglês do macho era semelhante ao de Xcor – com forte sotaque – mas a comparação terminava aí. Esse era um sotaque da classe alta, e não um irlandês grosseiro. – Você tem minha mercadoria?
– Sim, nós temos. Vamos ver o dinheiro.
– Depois que eu inspecionar o que você me trouxe.
O homem que estava falando tirou uma arma e apontou-a para o peito do vampiro. – Essa não é a maneira como nós vamos fazer isso.
Assail lançou uma nuvem de fumaça azul e rolou o charuto entre as pontas dos dedos.
– Você ouviu o que eu disse, imbecil? – O humano gritou enquanto os três atrás dele sumiram com suas mãos dentro de seus paletós.
– Sim.
– Isso vai ser feito do jeito que nós queremos, imbecil.
– Isso seria “Assailtar”, senhor.
– Vá se foder. Me dê a grana.
– Hum. De fato. Da forma que você exigiu.
De repente os olhos do vampiro se fixaram nos do humano, e depois de um momento, a arma na palma daquela mão começou a vibrar ligeiramente. Com o cenho franzido, o cara olhou para sua mão, como se ele estivesse enviando um comando para ela.
– Porém, não é assim que eu faço negócios. – Assail murmurou.
A boca daquela arma gradualmente começou a se mover, se afastando do vampiro e se movendo em um amplo círculo cada vez mais longe. Com pânico crescente, o homem agarrou seu próprio pulso, como se estivesse lutando com outra pessoa, mas nenhum de seus esforços ocasionou uma mudança na trajetória.
Enquanto a arma estava lentamente se voltando para seu próprio operador, os outros homens começaram a gritar e a ficarem nervosos. O vampiro não disse nada, não fez nada, mantendo-se absolutamente calmo e no controle enquanto ele congelava aqueles três no local, bloqueando seus corpos, mas não os seus rostos. Oh, aquelas expressões de pânico. Eram especialmente deliciosas.
Quando a arma estava na têmpora do homem, Assail sorriu, mostrando os dentes brancos que brilhavam na escuridão.
– Permita-me mostrar como eu faço negócios. – ele disse em uma voz baixa.
E então o homem puxou o gatilho e atirou na própria cabeça.
Quando o corpo caiu no chão e o som do tiro ecoou, os olhos dos homens restantes se abriam largamente em horror, mesmo enquanto seus corpos permaneceram imobilizados.
– Você. – Assail disse para o mais próximo do sedan. – Traga-me o que eu comprei.
– Eu-eu-eu... – O homem engoliu em seco. – Nós não temos nada.
Com a altivez digna de um rei, Assail rebateu: – Desculpe-me, o que você disse?
– Nós não trouxemos nada.
– E por que não?
– Porque nós iríamos... – O homem teve outra tentativa de deglutição. – Nós iríamos...
– Vocês iriam pegar meu dinheiro e me deixar para morrer? – Quando não houve resposta, Assail assentiu com a cabeça. – Eu posso ver o valor nisso. E sem dúvida vocês irão entender o que devo fazer agora.
Enquanto o vampiro fumava seu charuto, o homem que tinha falado começou a reposicionar sua própria arma, a boca da arma acabando em cima de sua têmpora.
Um por um, mais três tiros foram disparados.
E então o vampiro vagueou e apagou seu charuto na boca morta do primeiro que caiu.
Xcor riu suavemente quando Assail retornou ao seu veículo.
– Nós vamos segui-lo? – Zypher perguntou.
E não era essa a questão? Havia lessers para lutar aqui no centro da cidade, e não havia motivo para se importar se Assail estava fazendo dinheiro com os vícios dos humanos. Ainda assim, havia muito da noite para ser utilizada, e ainda podia haver um encontro entre o macho e o rei.
– Sim. – respondeu Xcor. – Mas só eu e Throe. Se houver uma reunião com Wrath, nós encontraremos vocês.
– É por isso que todos nós precisamos de telefones celulares. – Throe disse. – Mais rápido, melhor coordenação.
Xcor rangeu os dentes. Desde sua chegada ao Novo Mundo, ele havia permitido Throe utilizar apenas um celular, e nenhum outro: os sentidos de olfato e audição de um lutador, seu instinto afiado por treinamento e prática, seu conhecimento de seu inimigo e de si mesmo, esses não vem com uma conta mensal, a necessidade de recarga, ou a ameaça de ser posto de lado e perdido ou roubado.
Ignorando o comentário, Xcor ordenou: – O resto de vocês vai em frente e encontrem o inimigo.
– Qual deles? – Zypher disse com uma gargalhada. – Há um número crescente deles para escolher.
De fato. Como Assail que não estava se comportando como um aristocrata. Ele estava agindo como um macho que pode estar tentando construir uma espécie de império próprio.
Era perfeitamente possível que este membro da glymera fosse o tipo de vampiro de Xcor. O que significava que ele poderia muito bem ter de ser eliminado em algum ponto – e não simplesmente como um efeito colateral.
Havia espaço para apenas um rei em Caldwell.
Quando Tohr retomou forma na mansão da Irmandade, ele estava puto da vida com o mundo. Em grande escala. Bravo como uma víbora.
Caminhando pelo vestíbulo, rezou para que Fritz somente liberasse a porta a distância, e não fizesse a rotina pessoal. Ninguém precisava vê-lo do jeito que estava...
Suas preces foram atendidas quando a porta interna se abriu, e ele marchou pelo saguão para uma audiência vazia. Por todo o primeiro andar a casa estava silenciosa, os doggen aproveitando a oportunidade de cuidar dos quartos de cima antes do início da preparação da Última Refeição.
Merda. Ele provavelmente precisaria mandar uma mensagem a Phury para saber onde Layla estava...
Em um instinto súbito e incontrolável, sua cabeça girou no pescoço, os olhos focando a sala de jantar.
Algo dentro dele disse para continuar andando, o impulso carregando-o através dos arcos, passando pela mesa grande e brilhante... E pela porta basculante da cozinha.
No’One estava no balcão, quebrando ovos em uma tigela de cerâmica...
Sozinha.
Ela parou no meio do ato, seu capuz se erguendo e virando para olhá-lo.
Por alguma razão, seu coração começou a bater forte. – Eu imaginei você? – ele disse.
– Perdão?
– Eu a imaginei no vestíbulo antes de sair?
No’One baixou lentamente a mão, evitando que o ovo espatifasse. Temporariamente. – Não. Não imaginou.
– Tire seu capuz de novo.
Não era um pedido, era uma ordem – o tipo de coisa que Wellsie jamais teria aceitado. No’One, por outro lado, solenemente obedeceu.
E ali estava ela, revelada para seus olhos, a capa de cabelos louros terminando no início da trança, as bochechas pálidas e olhos luminosos, seu rosto...
– Eu disse a Lassiter... – Ela limpou a garganta. – Lassiter me perguntou se eu podia alimentá-lo.
– E você disse.
– Sim.
De repente, ele se lembrou dela naquela piscina, flutuando de costas, completamente nua, com a língua penetrante da água lambendo sua pele morna.
Inteira.
Tohr estendeu uma mão e apoiou-se em um armário. Difícil saber o que o afetava mais: a súbita necessidade de tomar a garganta dela, ou seu completo desespero diante do pensamento de fazer isto.
– Eu ainda amo minha shellan, – ouviu-se dizer.
E aquele continuava a ser o problema: Todas as decisões do mundo, toda a merda de virar-uma-nova-página-e-deixá-la-ir, não tinha mudado seus sentimentos nem um pouco.
– Eu sei, – No’One respondeu. – E isto me deixa feliz.
– Eu devia usar uma Escolhida. – Ele deu um passo em sua direção.
– Eu sei. E concordo. O sangue delas é mais puro.
Ele deu outro passo a frente. – Você é de uma boa linhagem.
– Era, – disse ela rigidamente.
Quando os ombros estreitos dela começaram a tremer levemente – como se tivesse sentido a fome dele – o predador nele despertou. Subitamente, encontrou-se querendo pular em cima do balcão onde ela estava, para que pudesse...
Fazer o quê?
Bem, era óbvio.
Mesmo que seu coração e sua mente não fossem nada além de um rinque vazio de patinação no gelo, totalmente congelado e liso pra caralho, o resto dele estava vivo, seu corpo pulsando com um propósito que ameaçava abater as boas intenções, decoro apropriado... E seu processo de luto.
Enquanto ele dava mais passos em sua direção, teve um pensamento assustador de que isto era o que Lassiter quisera dizer por seguir adiante: neste momento ele estava deixando Wellsie para trás. Ele não tinha consciência de nada mais, além da diminuta fêmea a sua frente, que lutava para ficar parada enquanto era caçada por um Irmão.
Ele parou apenas quando não estava a mais de trinta centímetros de distância. Olhando para baixo, para cabeça encurvada dela, seus olhos se travaram na pulsação frágil em sua veia jugular.
Ela respirava com mais dificuldade do que ele.
E quando ele inalou, capturou uma essência.
Não era medo.
Querida Virgem Escriba, ele era enorme.
Enquanto No’One permanecia imóvel, a espera do grande guerreiro que vinha para cima dela, sentiu o calor que vinha do corpo sólido dele certo como se estivesse próxima a um furioso fogo. E ainda assim... Ela não estava sendo queimada. E não estava com medo. Sentia-se aquecida em um lugar profundo, tão enterrado dentro dela, que ela não reconhecia imediatamente como parte de sua estrutura interna.
Tudo o que sabia é que ele tomaria sua veia em alguns instantes, e ela permitiria – não porque o anjo pedira, e não porque ela tinha jurado, e não para consertar algo do passado.
Ela... Queria isto dele.
Quando ele chiou, ela soube que Tohrment abrira a boca para expor as presas.
Seria agora. E ela não erguera a manga. Desamarrara o topo do manto, descera o tecido pelos ombros e inclinara a cabeça para o lado.
Oferecendo a ele sua garganta.
Oh, como o coração dela batia.
– Não aqui, – ele grunhiu. – Venha comigo.
Pegando-a pela mão, ele a levou para a despensa do mordomo e fechou a porta. A pequena e apertada sala era cheia de prateleiras de frutas e vegetais enlatados, o ar parado e morno cheirava a grãos recém-moídos e à doçura seca da farinha.
Quando a luz acima de suas cabeças se acendeu, e a porta se trancou sozinha, ela soube que ele tinha feito isto com o pensamento.
E então ele só a encarou enquanto as presas se alongaram ainda mais, as pontas brancas gêmeas aparecendo por onde seus lábios se separavam, seus olhos brilhando.
– O que eu faço? – ela disse roucamente.
Ele franziu o cenho. – O que quer dizer?
– O que eu... Faço por você? – O sympath tinha tomado o que quisera e ao inferno com ela. E seu pai nunca tinha permitido, naturalmente, que qualquer macho se alimentasse dela. Haveria uma maneira correta para...
Subitamente, Tohrment pareceu sair do vortex, algo o trazendo, de volta de uma consciência diferente. E ainda assim, seu corpo continuou totalmente tenso, seu peso mudando de uma bota a outra, as mãos se fechando em punhos e se abrindo, se fechando... E se abrindo.
– Você nunca...
– Meu pai estava me guardando. E quando eu fui sequestrada... Eu nunca fiz isto da maneira adequada.
Tohrment colocou a mão sobre a sua cabeça como se ele tivesse uma dor dentro dela. – Olha, isto é...
– Diga-me o que fazer.
Conforme ele exparimentava seus olhos sobre ela mais uma vez, ela refletiu como o nome dele era de fato adequado. Com, o quanto ele era atormentado.
– Eu preciso disto, – ele disse, como se falando para si mesmo.
– Sim, você precisa. Você está tão magro que me dói vê-lo.
Só que ele ia parar isto, ela pensou enquanto o olhar dele se enevoava. E ela sabia o motivo.
– Ela é bem-vinda neste espaço, – No’One disse. – Traga sua shellan em sua mente. Deixe-a tomar meu lugar.
Qualquer coisa para ajudá-lo. Pela grande gentileza que Tohrment demonstrara para seu antigo eu, e as maquinações cruéis do destino contra ele, ela faria qualquer coisa para ajudá-lo.
– Eu posso machucá-la, – ele disse severamente.
– Não será pior do que algo a que eu já tenha sobrevivido.
– Por que...
– Pare de falar. Para de tentar pensar. Faça o que é preciso para cuidar de si mesmo.
Houve um longo e tenso silêncio. E então a luz se apagou, a salinha escureceu, com a única iluminação sendo aquela que sangrava pelo vidro leitoso dos painéis de vidro da porta.
Ela ofegou.
Ele respirou mais forte.
E então um braço se aferrou a sua cintura e puxou-a para frente. Enquanto ela batia contra a parede de seu peito, era como se tivesse sido jogada contra uma rocha, e ela cegamente jogou as mãos procurando por algo em que se apoiar...
A carne dos braços dele era suave e quente, a pele fina cobrindo os músculos.
Puxando. Puxando em sua trança. Então torcendo... E seu cabelo foi solto, seu couro cabeludo livre do elástico e poupado da prisão, a liberação puxando sua cabeça para trás.
Uma mão grande se enredou em suas mechas, apertando-as, puxando para baixo. E enquanto o pescoço dela se esticava mais, sua espinha foi forçada a seguir até que ela esteve totalmente apoiada na força dele.
Desorientada e sem equilíbrio, ela momentaneamente perdeu o propósito, tal como ele tinha estado antes da escuridão ter sido forjada.
Procurando pelo rosto dele, ela encontrou. Mas não havia alívio ali. Ela não conseguia ver as feições, não conseguia encontrá-lo no corpo masculino que estava contra ela.
Instantaneamente, a visão dele se tornou nada mais do que linhas e ângulos anônimos. E o corpo dele não era o de Tohrment, o Irmão que cuidara de salvá-la, mas de outro estranho.
Não havia maneira de voltar, no entanto, não tinha como parar o giro da roda que ela tinha iniciado.
O agarre dele, seus braços, seu corpo ainda mais tenso até esmagá-la contra ele. E enquanto ela enrijecia, ele baixou a cabeça, um grunhido primitivo emanou das profundezas daquelas costelas dele, uma essência escura e rica permeando seu medo.
Houve outro chiado, seguido por um arranhão fino que começou em sua clavícula e seguiu subindo mais acima.
O pânico a engolfou.
A presença dele, seu agarre, o fato de que ela não conseguia enxergar apropriadamente, tudo naquela experiência levou-a de volta ao passado, e ela começou a lutar.
Foi quando ele a mordeu.
Violentamente.
No’One gritou e tentou empurrá-lo, mas as presas dele já estavam afundadas, a dor doce como ser espetada. E então a sucção, a poderosa sucção que foi acompanhada por um tremor selvagem do corpo dele.
Algo duro se projetou dos quadris dele. Pressionando-a na barriga.
Usando toda sua força, ela tentou novamente se libertar, mas seus esforços eram uma brisa em comparação ao furacão da força dele.
E então... A pélvis dele começou a se mover contra ela, girando, aquela excitação dele empurrando contra seu manto, procurando um caminho para dentro enquanto ele tomava profundamente dela, gemidos de satisfação se elevando no ar entre eles.
Ele nem ao menos percebera o medo dela, tão envolvido ele estava.
E a mente consciente dela não conseguia esquecer o fato de que quisera isto dele.
Olhando para o teto, ela se lembrou das outras vezes que tinha lutado em vão, e rezou, como tinha rezado antes, para que aquilo acabasse logo.
Querida Virgem Escriba, o que ela tinha feito...
O corpo contra o de Tohr rendeu tudo o que podia: sangue, fôlego e carne. E malditos fossem os dois, mas ele tomou, tomou forte e vorazmente, bebendo profundo, e querendo mais do que apenas a veia.
Ele queria o núcleo desta fêmea.
Ele queria estar dentro dela enquanto tomasse dela.
E esta era a verdade mesmo que ele estivesse agudamente consciente do fato de que esta não era sua Wellsie. Seu cabelo não se sentia igual – O de No’One caía em suave extensão, não cachos finos. Seu sangue não tinha o mesmo gosto – o sabor rico em sua língua e o sabor picante no fundo de sua garganta eram diferentes. E seu corpo era mais fino e mais delicado, ao invés de robusto e poderoso.
Mas ele ainda a queria.
Seu maldito pau estava rugindo sem pedir licença – pronto para tomar e tomar e... Possuir ao mesmo tempo. Ao menos sexualmente.
Merda, esta bola de fogo de desejo e necessidade não era nada como a alimentação anêmica e pálida que tinha tido com a Escolhida Selena. Isto era o que devia ser, este abandono, esta ruptura da capa civilizada para revelar o animal que havia por dentro.
E maldito fosse, ele iria adiante.
Reposicionando No’One, ele deixou que o apertão em sua cintura fosse abaixo até que ele estava agarrando a parte baixa de suas costas, e então os quadris... E então o traseiro dela.
Subitamente, ele a empurrou no armário de copos, os painéis nas portas fazendo barulho. Ele não quis ser rude, mas era impossível lutar contra a necessidade. E pior, no fundo de sua mente, ele não queria.
Levantando sua cabeça, ele soltou um rugido que machucou até mesmo seu próprio ouvido, e então a mordeu novamente, seu controle colapsando ante o banquete de seus sentidos famintos.
A segunda mordida foi mais alta e mais perto da mandíbula dela, e a sucção se tornou ainda mais intensa, a nutrição dela acelerando para as fibras de seus músculos, fortalecendo-o, restaurando-o, fazendo-o completo fisicamente novamente.
A sucção... Porra... A sucção...
Quando ele finalmente levantou a cabeça, ele estava bêbado dela, sua mente girando por razões diferentes da fome de sangue anterior. A próxima coisa seria sexo, e ele de fato já procurava uma cama em volta.
Só que... Eles estavam na despensa do mordomo? Que diabos?
Cristo, ele não conseguia nem lembrar como isto tinha acontecido.
Ele tinha certeza, no entanto, que não queria ela sangrando, então baixou a cabeça para a garganta dela. Esticando a língua, ele lambeu a coluna que tinha mordido duas vezes, sentindo veludo e o gosto dela, e o cheiro dela...
A essência que penetrou seu nariz não era um perfume comercial.
E não era o aroma suculento de excitação feminina, que ele tinha sentido no começo.
Ela estava aterrorizada.
– No’One? – ele disse, enquanto sentia-a tremer, pela primeira vez.
Com um choro rouco, ela começou a soluçar, e em seu choque, ele ficou momentaneamente anestesiado. Então, enquanto a sensação voltava, ele sentiu tudo claramente demais: suas unhas afundando-se em seus bíceps, seu corpo delicado tentando se libertar.
Ele a soltou imediatamente...
No’One caiu no armário do canto e então foi para a porta, brigando com a maçaneta, fazendo tanta força que o vidro opaco certamente iria se quebrar.
– Espere, eu deixo você...
No instante em que ele liberou a fechadura ela correu para fora, voando pela cozinha e pelo outro lado, como se estivesse correndo para salvar sua vida querida.
– Merda! – Ele foi atrás dela. – No’One!
Ele não se importava se alguém o escutasse chamando seu nome de novo, sua voz ecoando pelo teto alto da sala de jantar enquanto ele passava voando pela longa mesa e chegava ao vestíbulo.
Enquanto ela atravessava a figura da macieira no chão, ele lembrou-se da noite em que eles tinham tentado levá-la a casa de seu pai, sua camisola noturna voando atrás dela, transformando-a em um fantasma enquanto corria pelo campo à luz da lua.
Agora o manto dela esvoaçava às suas costas enquanto corria pelas escadas.
O pânico de Tohr estava em níveis tão altos que ele se desmaterializou, reassumindo forma no meio da escada e ainda assim não na frente dela. Continuando a perseguição a pé, ele seguiu pelo estúdio de Wrath, e pelo corredor à direita.
No segundo em que ela chegou ao quarto em que ocupava, ela se jogou para dentro e bateu a porta.
Ele chegou ao painel de madeira bem a tempo de ouvir a tranca girar.
Enquanto o sangue dela corria pelo seu sistema, dando-lhe o poder do qual sentira tanta falta, o apetite por comida que não vinha tendo, e a clareza mental que estivera no comando por eras, ele lembrou tudo o que não tinha lembrado enquanto estivera na garganta dela.
Ela tinha se dado de bom grado, generosamente, e ele tinha tomado demais, rápido demais, em um quarto escuro onde poderia ter sido qualquer um que não aquele que ela concordara em alimentar.
Ele a assustara. Ou pior.
Girando, ele encostou as costas na porta e deixou seus joelhos falharem até que seu traseiro chegou ao chão. – Merda... Maldito inferno...
Maldito fosse ele.
Oh, espere, maldito ele já era.
Quase na hora de fechar o Iron Mask, Xhex estava em seu escritório, balançando a cabeça para Big Rob. Em sua mesa, entre eles, havia mais três pacotes daquela cocaína com o símbolo da morte na embalagem. – Está brincando comigo com esta merda?
– Tirei isto de um cara há dez minutos.
– Você o segurou?
– Dentro da legalidade. Disse-lhe que estava cuidando da papelada. Não mencionei exatamente que ele era livre para partir... Felizmente, o cará está tão bêbado, que não está preocupado com seus direitos civis.
– Deixe-me ir falar com ele.
– Você sabe onde ele está.
Ela saiu, e virou à esquerda. A sala de interrogatório ficava no final do salão, e não havia fechadura na porta – a última coisa que eles queriam era problema com o Departamento de Polícia de Cadwell. Fazer disto mais problemas: Dado o que rolava sob este teto todas as noites, a polícia vinha xeretar de vez em quando.
Abrindo a porta, ela praguejou baixinho. O cara sentado à mesa estava dobrado sobre si mesmo, seu queixo encostado no peito, seus braços pendendo soltos, seus joelhos abertos. Estava vestido como um dândi fora-de-moda, estilo steam-punk[27], ostentando um terno preto justo e uma camisa branca com um colarinho alto de rendas – e naturalmente, algo estava errado sobre o tópico. O tecido, para começar. O fato de que nada disso era feito a mão, para completar. Os botões... Mas era isso que acontecia quando humanos que se fingiam de entendidos, mergulhavam seus dedos em águas históricas. Eles faziam a merda errada, o tempo todo.
Fechando a porta silenciosamente, ela caminhou até ele em silêncio, fechou um punho... E bateu na mesa para acordá-lo.
Oh, veja, ele tinha uma pequena bengala para completar o modelito. E um chapéu.
Quando o cara se espreguiçou, apoiando-se em somente duas pernas da cadeira, ela agarrou a bengala de ébano e deixou a gravidade decidir o que fazer com o humano...
Que. Fofo. Na boca aberta dele, duas presas de porcelana projetadas tinham sido coladas sobre seus caninos. Aparentemente isto o fazia se sentir ainda mais Frank Langella[28].
Ela se sentou exatamente enquanto ele caía de costas, e estudou a caveira prateada no topo da bengala, enquanto ele se levantava do chão, arrumava sua fantasia de idiota assim como a cadeira, e sentava-se de novo. Enquanto ele alisava o cabelo negro, as raízes se mostravam mais castanhas.
– Sim, vamos deixá-lo ir, – ela disse antes que perguntasse. – E contanto que você me diga o que quero saber, eu não vou colocar nossos amigos abaixo do DPC[29] envolvidos.
– Ok. É. Obrigado.
Pelo menos ele não tentou fingir sotaque inglês. – Onde você arranjou a coca? – Ela ergueu uma mão no momento em que ele abriu a boca. – Antes que me diga que é de seu amigo e que estava apenas mantendo para ele, ou que você pegou o casaco emprestado e isto estava no bolso, a polícia não vai acreditar nesta besteira mais do que eu – mas eu garanto que eles vão começar a ouvir a mentira.
Houve um longo silêncio, durante o qual ela olhou para ele. Ele até mesmo usava lentes de contato vermelhas, para fazer as íris parecerem cintilar.
Ela se perguntou se ele já tentara se desmaterializar atravessando uma parede.
Ela estava pronta para ajudá-lo nesta tentativa.
– Eu fiz a compra na esquina da Trade com a Décima Oitava. Cerca de três horas atrás. Eu não sei o nome do cara, mas ele geralmente está lá todas as noites, entre onze e meia-noite.
– Ele só vende a merda marcada com este símbolo?
– Não. – O cara pareceu relaxar, seu sotaque de Nova Jersey cada vez mais forte. – Ele tem de tudo. Desde a primavera, eu só consegui achar coca algumas vezes. Mas, sei lá, há mais ou menos um mês ele tem sempre. É disto que eu gosto.
Seria esta a interpretação de Drácula uma revolta contra o sistema? Ela se perguntou.
– Como se chama? – ela perguntou.
– Adaga. Combina com quem eu sou. – Enquanto ele se levantava, o anel que levava no dedo mínimo refletiu a luz. – Eu sou um vampiro.
– Meeeeesmo? Eu achei que eles não existissem.
– Oh, nós somos bem reais. – Ele deu a ela mais uma vez, um olhar todo Lothario[30]. – Eu podia lhe apresentar umas pessoas. Trazê-la para o coven[31].
– Isto não é para bruxas?
– Eu tenho três esposas, sabe.
– Parece superlotada a sua casa.
– Estou procurando uma quarta.
– Bela oferta, mas sou casada. – Quando ela disse as palavras, seu peito doeu. – Felizmente, devo completar.
Ela não tinha certeza sobre prol de que benefício tinha embutido isso. Deus, John...
O toque na porta foi suave. – Sim, – ela disse sobre o ombro.
– Você tem visita.
No instante em que a resposta atingiu seus ouvidos, seu corpo retomou vida, e repentinamente ela estava pronta para jogar este filho da puta a lá Halloween de cabeça pela porta.
John chegou mais cedo esta noite, o que estava bem para ela.
– Terminamos, – ela anunciou, ficando de pé.
O humano levantou-se, com suas narinas se alargando. – Deus, seu perfume é... Fantástico.
– Não traga esta merda para minha casa novamente, ou da próxima vez, nos não iremos ter conversa alguma. Entendido?
Abrindo a porta, ela foi atingida pela essência de vinculação de seu macho: Aquele aroma sombrio estava inundando o hall...
E lá estava ele, do outro lado, parado do lado de fora de seu escritório.
Seu John.
Quando a cabeça dele se voltou para olhá-la, ele ergueu o queixo e sorriu, seus olhos parecendo um pouco malvados. O que significava que ele estava mais do que pronto para ela.
– Você é linda, – o falsário suspirou enquanto andava em frente.
Ela estava a ponto de empurrá-lo para longe, quando John se apercebeu do excitado filho da mãe.
Isto não iria acabar bem.
Seu macho vinculado veio andando pelo corredor, seus shitkickers[32] soando alto o bastante para abafar o ritmo baixo que vinham do próprio clube.
Seu companheiro com chapéu e bengala ainda estava concentrado nela, mas aquilo não durou. Quando percebeu a força da natureza de quase cento e quarenta quilos, vindo para cima dele, ele de fato recuou e se escondeu atrás de Xhex.
Viril. É. Realmente material de primeira.
John parou à porta e bloqueou toda a saída, aqueles lindos olhos azuis dele, parecendo cruéis enquanto encarava o humano por sobre o ombro dela.
Deus, ela queria transar com ele, ela pensou.
Com um aceno casual, fez as apresentações. – Este é meu marido, John. John, este aqui está de saída. Quer acompanhá-lo até a saída, querido?
Antes do falsário responder, John expôs as presas e deixou escapar um vaio. Era o único som que ele podia fazer além de assobiar, mas foi melhor do que palavras.
– Oh, cara, – Xhex murmurou enquanto se afastava para o lado, rapidamente.
O charlatão acabou de se mijar.
John estava mais do que feliz em levar o lixo para fora. Humano imbecil, olhando para sua fêmea daquele jeito? O desgraçado tinha sorte, por John estar com muito tesão. Ou então ele tomaria seu tempo, para quebrar uma perna ou um braço, só para enfatizar seu ponto de vista.
Agarrando a nuca do cara apertadamente, ele fez o filho da puta marchar até a saída mais próxima, chutou a porta para abri-la e arrastou-o para o estacionamento.
Algum tipo de – Oh, Deus, por favor, não me machuque, – estava saindo daquela boca, e com boas malditas razões. Só um fino véu de bom senso, mantinha John longe de um assassinato.
Quando não houve jeito de fazer o cara olhar para ele, John girou o pedaço de merda, agarrando-o pelos ombros, e ergueu-o até que os sapatos bonitos de couro negro brilhante, se balançaram sob a brisa.
Encontrando os olhos, que tinham algum tipo de cor vermelha falsa ridícula neles, John fez o charlatão cair em transe, e limpou as lembranças daquelas presas que tinham sido expostas. Então... Bem, era tentador demais implantar uma ladainha sobre como vampiros realmente existiam e estavam indo atrás dele.
Uma boa dose de paranoia poria um fim rápido a esta piada na qual o fodido vinha vivendo.
De novo, não valia o esforço. Especialmente não quando podia estar lá dentro, com sua fêmea, bem agora.
Com um chacoalhão final, ele deixou o cara ir, mandando-o numa corrida desembestada. O fodido era magricelo; exercícios lhe fariam bem.
Enquanto John voltava ao clube, ele viu a Ducati de Xhex estacionada contra o prédio, debaixo de uma luz de emergência, e maldição... Ele a imaginou montando todo aquele poder, debruçada no motor, pilotando a moto em volta de um cruzamento perigoso...
Ele olhou para a porta e viu-a parada no espaço aberto.
– Eu pensei que você ia despedaçar a garganta dele, – ela falou lentamente.
Ela estava totalmente excitada.
Conforme John se dirigia a ela, ele não parou até sentir os seios esmagados contra seu peito, e ela não se moveu nem de leve – o que naturalmente o excitou ainda mais. Deus, ela estava quente, para começar, mas esta separação auto-imposta que estavam vivendo o fazia ainda mais desesperado por estar com ela.
– Quer vir até meu escritório. – disse ela em um rosnado. – Ou fazer isto aqui?
Quando ele apenas acenou como o mudo que era, ela riu. – Que tal lá dentro, para não assustarmos as crianças.
É, para a maioria dos humanos, sexo não envolvia sangue e presas.
E enquanto ela o guiava, ele olhava seus quadris balançarem e se perguntava, se de fato era possível a língua de alguém, anatomicamente, cair ao chão.
No instante em que eles estavam juntos novamente, ele estava por toda ela, beijando-a duramente, enquanto as mãos trabalhavam rápido, tirando sua camiseta. Quando os dedos dela se enroscaram nos seus cabelos, ele se inclinou e enviou uma oração de agradecimento por ela nunca se preocupar com um sutiã.
Com o mamilo dela dentro de sua boca faminta e uma mão entre as pernas dela por trás, ele a deitou em cima da papelada na mesa. O próximo movimento foi para tirar suas calças, e então ele estava livre e penetrando ela.
Foda rápida e furiosa, do tipo que redistribuía os móveis e provavelmente chamava atenção, esse era sempre o passo inicial. A segunda vez era mais lenta. A terceira vez, era daquela merda sensual que era filmada em lentes embaçadas em filmes.
Era o jeito costumeiro de lidar com o banquete: empanturrava-se para se livrar logo da fome; então se concentrava nas coisas favoritas; terminava com um delicado aperitivo...
Eles chegaram ao mesmo tempo, ele debruçado sobre ela, ela envolvendo suas longas pernas em torno de seus quadris, ambos segurando tão apertado como podiam.
No meio dos espasmos de liberação, aconteceu de ele erguer a cabeça e olhar para cima. Do outro lado, havia um armário de arquivos, e uma cadeira extra... E por alguma razão, ele notou pela primeira vez que a parede era feita de blocos de concreto, pintada de preto.
A mesma merda que ele vinha olhando nos últimos meses. E nada disso tinha sido registrado.
Agora, no entanto, o fato de que não era a casa dela, ou dele, atingiu-o duramente.
Ela não o tinha convidado para voltar a sua casa, no rio, desde que eles tiveram aquela primeira sessão de rala e rola depois da separação.
Ela não tinha voltado à mansão também.
Fechando seus olhos, tentou se reconectar com o que seu corpo ainda estava fazendo, mas tudo o que conseguiu foram sensações vagas das pulsações abaixo da cintura. Erguendo as sobrancelhas, ele queria olhá-la no rosto, mas ela estava arqueada para trás, e tudo o que ele conseguia ver era a ponta de seu queixo. E alguns cartões de ponto. De seus subalternos.
Que podiam estar bem ali fora, na porta, ouvindo-os.
Merda... Isto era desgastante.
Ele estava tendo um caso ilícito... Com sua própria companheira.
No começo, tinha sido tão excitante, como se estivessem namorando, de um jeito que não tinham feito quando eles se conheceram. E ele assumira que sempre seria assim, divertido.
Só que havia sombras no caminho o tempo todo, não havia?
Fechando os olhos apertadamente, percebeu o quanto preferia fazer isto numa cama. Na cama de casal deles. E não era só porque fosse antiquado; ele sentia saudades dela dormindo ao seu lado.
– O que foi, John?
Ele abriu as pálpebras. Devia saber que ela perceberia que sua mente estava longe – fora as habilidades sympath, ela o conhecia mais do que qualquer outra pessoa. E agora, enquanto ele enfrentava seus os olhos cinza metálicos, uma punhalada de tristeza o atingiu no peito.
Ele realmente não queria falar disto, porém. Eles tinham tão pouco tempo juntos.
Ele a beijou profunda e longamente, achando que era o melhor tipo de distração para ambos – e funcionou. Enquanto a língua dela encontrou a dele, ele começou a se mover dentro dela de novo, os movimentos longos levando-o ao limite, e então o facilitando em todo o caminho. O ritmo era lento, mas incansável, e ele também foi varrido para um lugar onde sua cabeça se aquietou.
A liberação foi uma onda gentil se quebrando desta vez, e ele se rendeu a ela numa espécie de desespero.
Quando tudo passou, como todos os orgasmos faziam, ele se tornou agudamente consciente do distante pulsar da música, e dos sons dos passos no chão, e do toque longínquo de um celular.
– O que há de errado? – ela disse.
Quando separou seus corpos, notou que ambos estavam quase totalmente vestidos. Quando fora a última vez que estiveram totalmente nus?
Jesus... Fora durante aquele breve período de felicidade, depois de seu emparelhamento. O que parecia agora uma memória distante. Talvez sobre outro casal.
– Tudo saiu bem com Wrath esta noite? – ela perguntou enquanto colocava as calças. – É sobre isto?
Seu cérebro lutava para se concentrar, mas felizmente, suas mãos estavam trabalhando bem, e não apenas no botão das calças. Sim, a reunião foi bem. No entanto, é difícil julgar. A glymera é toda sobre aparências.
– Hum. – Ela nunca tinha muito a dizer sobre as coisas envolvendo a Irmandade. Mas dada a posição deles sobre ela lutar, ele ficaria surpreso se ela sequer mencionasse seu trabalho.
Como foram as coisas aqui? – Ele expressou.
Ela pegou algo sobre o qual estivera deitada, um pacotinho. – Temos um novo traficante na cidade.
Ele pegou o que ela jogou, franzindo o cenho ao símbolo estampado no celofane. Que diabos? Isto é... O Idioma Antigo.
– É, e não fazemos ideia de quem está por trás disto. Mas eu prometo que vou descobrir.
Avise-me se eu puder ajudar.
– Tenho tudo sob controle.
Eu sei.
O silêncio que se seguiu serviu para lembrá-lo de onde eles estavam – e onde não estavam.
– Tem razão, – ela disse repentinamente. – Eu não o levei de novo à minha casa, de propósito. É difícil o suficiente vê-lo partir daqui.
Eu podia ficar com você. Eu podia me mudar, e...
– Wrath jamais permitiria... Com toda razão, devo admitir. Você é uma ferramenta muito valiosa para ele, e minha cabana não é nem de longe tão segura quanto a mansão. No mais, o que diabos faríamos com Qhuinn? Ele merece uma vida também... E pelo menos, onde você está ele tem alguma autonomia.
Dias alternados, então.
Ela deu de ombros. – Até que não seja suficiente? John, isto é o que temos... E é melhor do que muita gente tem. Você não pensa que Tohr mataria para poder ter...
Não é suficiente para mim. Sou ganancioso, e você é minha shellan, não uma foda ocasional.
– E eu não posso voltar à mansão. Sinto muito. Se eu voltar, vou acabar odiando-os... E você. Eu gostaria de fingir que posso consertar esta merda sozinha, e assumir as mudanças eu mesma, mas não posso.
Eu vou falar com Wrath.
– Wrath não é o problema. Eles tiraram as reações de você. Todos eles.
Quando ele não respondeu, ela veio a ele, colocou as mãos em seu rosto, e encarou-o nos olhos. – É deste jeito que tem de ser. Agora vá, para eu poder fechar. E volte para mim correndo amanhã à noite. Já estou contando os minutos.
Ela o beijou com firmeza.
E então se virou e saiu do escritório.
No'One acordou com um grande, horripilante grito, o tipo de coisa que acompanhava um assassinato sangrento.
Levou-lhe pouco tempo para perceber que era ela a responsável pelo som, sua boca amplamente aberta, seu corpo rígido, seus pulmões queimando enquanto expirava.
Afortunadamente, havia deixado às luzes acesas e, freneticamente olhava ao redor para as paredes cobertas de tecido, para as cortinas e colchas do quarto. Em seguida, ela se concentrou em sua túnica... Sim, ela vestia a sua túnica, não uma fina camisola.
Tinha sido um sonho. Um sonho...
Ela não estava num celeiro subterrâneo.
Ela não estava à mercê do symphath...
– Eu sinto muito.
Ofegante, ela recuou para a cabeceira acolchoada. Tohrment estava de pé no interior do quarto, a porta fechada atrás dele.
– Você está bem? – Ele disse.
Ela puxou seu capuz de volta em seu lugar, escondendo-se debaixo dele. – Eu... – Lembranças do que havia ocorrido entre eles tornava difícil pensar claramente. – Eu estou... Bem o suficiente.
– Eu não acredito nisto, – ele disse roucamente. – Deus... Eu sinto tanto. Não há desculpa para o que eu fiz. E eu não chegarei perto de você nunca mais. Eu juro...
A angústia em sua voz perfurou-a como se a mesma fosse sua. – Está tudo bem...
– O inferno que está. Eu até a fiz ter um pesadelo...
– O que me despertou não foi você. Foi... O de antes. – Respirando fundo, ela disse. – É estranho, eu nunca sonhei com... O que me aconteceu... Nunca. Já pensei nisso muitas vezes, mas quando durmo, tenho apenas escuridão.
– E justo agora? – Ele rangeu os dentes.
– Eu estava de volta no subsolo. No celeiro. O odor lá embaixo... Querida Virgem Escriba, o cheiro. – Envolvendo os braços em torno de si, se sentiu inalando exatamente como se estivesse mais uma vez atrás da áspera porta de carvalho. – Pedras de sal[33]... Havia me esquecido das pedras de sal.
– Como é?
– Havia pedras de sal lá para os animais... Foi por isso que minhas cicatrizes permaneceram. Eu sempre me perguntei se talvez ele tivesse usado algum tipo de poder symphath ou algo para alterar a minha pele. Mas não, existiam pedras de sal e as carnes salgadas[34]. – Ela balançou a cabeça. – Havia me esquecido disso até agora. Esqueci tantos detalhes...
Quando uma gutural maldição saiu dele, ela olhou para cima. A expressão de Tohrment sugeriu que ele desejava poder matar aquele symphath novamente... Mas ele encobriu isso, como se não quissesse aborrecê-la.
– Eu não acho que eu já tenha lhe dito que sinto muito, – ele disse suavemente. – Naquela época, na cabana com Darius. Ele e eu lamentamos tanto que você tenha...
– Por favor, não falemos mais sobre o assunto. Eu o agradeço.
No silêncio constrangedor que se seguiu, o estômago dele roncou.
– Você deveria comer, – ela murmurou.
– Não tenho fome.
– Seu estôm...
– Pode ir para o inferno.
Encarando fixamente para sua figura imóvel, ficou espantada pela diferença nele: mesmo depois de tão curto tempo, a cor estava de volta em seu rosto, sua postura estava mais ereta, seus olhos muito mais alertas.
O sangue era uma coisa tão poderosa, ela pensou.
– Irei alimentá-lo novamente. – Enquanto ele considerava se ela havia perdido o juízo, ela ergueu seu queixo e encontrou o seu olhar. – Certamente, eu o farei de novo.
Para ver esta melhoria nele em tão pouco tempo, ela suportaria aqueles momentos de terror novamente. Ela nunca fora aprisionada por seu passado, mas oh, a mudança nele: o seu sangue o tinha livrado do cansaço e aquilo o manteria vivo no campo de batalha.
– Como você pode dizer isso? – Sua voz estava rouca, a ponto de quebrar.
– É simplesmente como me sinto.
– Obrigação não deveria levá-la tão longe em seu inferno pessoal.
– Isto eu decido, não você.
Ele franziu o cenho. – Você era um cordeiro indo para o abate naquela despensa.
– Se isso fosse verdade, eu não estaria respirando agora mesmo, estaria?
– Você gostou do sonho que acabou de ter? Divertiu-se com ele? – Enquanto ela recuava, ele percorreu seu olhar pelas janelas fechadas e encarou com fixação como se pudesse ver o jardim através delas. – Você é mais do que uma serviçal ou uma prostituta de sangue, você sabe.
Com uma altivez apropriada, ela lhe informou. – Servir bem os outros é um esforço nobre.
Olhando por cima do ombro, seus olhos encontraram os dela apesar do capuz. – Mas você não está fazendo isso para ser nobre. Você está sob este manto que esconde sua beleza e seu estatus para se punir. Eu não acho que tenha algo a ver com algum tipo de traço altruísta.
– Você não me conhece ou minhas motivações...
– Eu estava excitado. – Aquilo a fez piscar. – Você devia estar ciente disto.
Bem, sim, ela estava. Mas...
– E se eu pegar sua veia de novo, aquilo vai acontecer. Novamente.
– Você não estava pensando em mim, no entanto, – ela ressaltou.
– E isso faz diferença?
– Sim.
– Você tem certeza disso? – Disse ele secamente.
– Você não fez nada no momento, você fez? E aquela única alimentação não vai ser suficiente... Você deve saber disso. Passou muito tempo para você. Você já chegou tão longe, mas vai precisar de mais, em breve.
Enquanto ele amaldiçoava, ela ergueu o queixo mais uma vez, resoluta.
Depois de um longo tempo, ele balançou a cabeça. – Você é tão... Estranha.
– Devo tomar isso como um elogio.
Do outro lado do quarto, Tohr olhava para No'One e tinha de respeitar a merda de sua postura... Embora, estivesse claro, que ela havia perdido o juízo: ela estava totalmente ereta, apesar do fato de possuir marcas de mordida em seu pescoço, ter acordado gritando e de que enfrentava um Irmão.
Cristo, quando ouviu aquele grito, ele havia praticamente derrubado a maldita porta. Visões dela com algum outro tipo de faca, fazendo o próprio inferno de ferimentos, o havia posto em ação. Mas tudo que existia era ela no meio daquela cama, alheia a tudo menos ao que passava em sua cabeça.
Pedras de sal. Maldito inferno.
– Sua perna, – disse ele suavemente. – Como isso aconteceu?
– Ele colocou uma algema de aço em volta do meu tornozelo e me acorrentou a uma viga. Quando ele... Vinha até mim... O metal cortava minha carne.
Tohr cerrou os olhos contra as imagens. – Oh, Deus...
Ele não estava certo sobre o que dizer depois disso. Só ficou ali, impotente, entristecido... Desejando que muitas coisas fossem diferentes em suas vidas.
– Eu acho que sei por que estamos aqui, – ela disse abruptamente.
– Porque você gritou.
– Não, eu quero dizer... – Ela limpou a garganta. – Eu sempre me perguntei por que a Virgem Escriba me levou para o Santuário. Mas Lassiter, o anjo, está certo. Estou aqui para ajudá-lo, como você me ajudou muito tempo atrás.
– Eu não a salvei, lembre-se. Não no final.
– Você fez, no entanto. – Ele estava balançando a cabeça quando ela o interrompeu. – Eu costumava ver você dormir... Lá no Antigo País. Você estava sempre à direita do fogo e dormia de lado, voltado para mim. Passei horas memorizando a forma como o brilho fraco que vinha da turfa brincava sobre os seus olhos fechados e suas bochechas e seu maxilar.
De repente, o quarto parecia retrair-se sobre ambos, ficando mais apertado, menor... Mais aquecido. – Por quê?
– Porque você não era nada como o symphath. Você era moreno e ele era pálido. Você era largo e ele era esguio. Você era gentil comigo... E ele não era. Você foi a única coisa que me impediu de ficar completamente louca.
– Eu nunca soube.
– Eu não queria que você soubesse.
Depois de um momento, ele disse severamente. – Você sempre planejou se matar.
– Sim.
– Por que não o fez antes do nascimento? – Cara, não podia acreditar o quão sincero eles estavam sendo.
– Não queria amaldiçoar o bebê. Eu havia ouvido os rumores sobre o que acontecia, se você tirasse a sua vida por suas próprias mãos e eu estava preparada para aceitar as consequências pelas minhas ações. Mas o ainda não nascido? Ele estava vindo ao mundo sob tanta tristeza para começar, mas pelo menos ele poderia fazer de seu destino o que fosse possível.
E, contudo, ela não fora amaldiçoada... Talvez em razão de suas circunstâncias... Deus sabia que ela havia sofrido o suficiente em seu caminho para o fim.
Com isso, ele sacudiu a cabeça novamente. – Sobre a alimentação. Agradeço sua oferta, eu realmente agradeço. Mas, de alguma forma, não posso imaginar que uma repetição daquela cena lá embaixo vai fazer bem a nenhum de nós.
– Admita que você se sente mais forte.
– Você disse que nunca havia sonhado com aquela merda desde que aconteceu.
– Um sonho não é...
– É o suficiente pra mim.
Aquele queixo dela se ergueu mais uma vez, bem e maldito fosse se aquele hábito não era... Bem, atraente, não. Não, aquilo não era atraente.
Realmente.
– Se posso sobreviver aos acontecimentos, – ela disse, – Posso sobreviver às memórias.
Naquele momento, olhando para aquele lado do quarto, para sua demonstração de vontade, ele sentiu um laço com ela, certo como se uma corda ligasse ambos, peito contra peito.
– Venha a mim de novo, – ela anunciou. – Quando você estiver em necessidade.
– Vamos ver, – ele descartou. – Agora, você está... Bem? Aqui neste quarto, eu quero dizer? Você pode trancar a porta…
– Eu ficarei bem, se você vier a mim outra vez.
– No’One…
– É a única maneira que tenho de fazer as coisas ficarem certas com você.
– Você não tem acertar coisa nenhuma. Honestamente.
Afastando-se, ele foi até a porta e, antes de sair, olhou por cima do ombro. Ela estava olhando para as mãos entrelaçadas, a cabeça encapuzada curvada.
Deixando-a com a pouca de paz que possuía, levou seu queixoso estômago para seu quarto e se disarmou. Estava honestamente faminto, seu apetite por comida esculpindo um poço sem fundo em sua parte inferior de seu tronco... E, embora ele tivesse preferido ignorar a demanda, não tinha escolha. Requisitando uma refeição para Fritz, pensou em No'One, e, disse ao doggen para ter certeza que ela tivesse alguma comida também.
Agora, hora do banho. Depois de ligar o chuveiro, despiu-se e deixou as roupas no chão de mármore onde elas haviam pousado. Estava a um passo de pisar sobre a bagunça quando se viu no longo espelho sobre a pia.
Mesmo para seu desinteressado olhar, era óbvio que seu corpo havia se recuperado, os músculos firmes sob sua pele, seus ombros de volta aonde deveriam estar, ao invés de para baixo ao redor de seu diafragma.
Um pena que ele não se sentia melhor sobre a recuperação.
Dentro do espaço envidraçado, permaneceu sob os jatos, apoiou os braços e deixou a água correr por sua carne.
Quando fechou os olhos, viu-se novamente na despensa, na garganta de No'One, sugando de sua veia. Deveria ter tomado o seu pulso, não a sua garganta... Definitivamente, porque ele não tinha...
Abruptamente, a lembraça surgiu poderosa sobre ele, os gostos e os aromas e a sensação daquela fêmea contra ele, desligando sua mente e elevando seus sentidos.
Deus, ela havia sido... Um nascer do sol.
Abrindo seus olhos, olhou para a ereção que se fez presente na primeira imagem mental. Seu pênis estava em proporção com o resto dele... O que significava longo, grosso e pesado. E capaz de seguir assim por horas.
Enquanto aquilo se esforçava em um pedido por atenção, ele temia que a excitação fosse como a fome em seu estômago: não iria a lugar nenhum até que ele fizesse algo a respeito.
Sim, foda-se isso. Ele não era um macho pós-transição com um pau permanetemente duro e uma mão peluda. Ele podia escolher se queria ou não bater uma, pelo amor de Deus... E agora seria um grande NÃO.
Agarrando o sabonete, ensaboou suas pernas e, desejou ser como V... Não, não com as velas pretas e outra merda. Mas pelo menos se possuisse a mente daquele vampiro, ele poderia pensar, por exemplo, na formação molecular do plástico, ou na composição química da pasta de dentes com flúor, ou... como a gasolina fazia os carros funcionarem.
Ou ele poderia pensar em caras... Dado que ele não se fosse atraido por eles, podia muito bem levar a uma deflação misericordiosa.
O problema era que, ele era apenas Tohrment, filho de Hharm... Então estava preso tentando se lembrar de como fazer biscoitos Toll House[35]: não sabia porra nenhuma sobre ciência, não dava uma merda para esportes e não havia lido um jornal ou assistido ao noticiário de TV há anos.
Além disso, aquelas eram as únicas malditas coisas que ele sabia como fazer... O que você colocava neles? Manteiga? Gordura? Esperma?!
Enquanto não encontrava nenhuma resposta, começou a se preocupar que seu Canal de Culinária não fosse apenas incompetente, mas não faria merda nenhuma para o seu pau estúpido.
Fez uma nova tentativa. E só podia se lembrar de como abrir a porra do saco de batatas fritas.
Paralisado, quadril rígido e desesperado, ele fechou os olhos... E pensou em sua Wellsie, nua e em sua cama. Em seu sabor, como o fazia se sentir, de todas as maneiras que estiveram juntos, de todos os dias que passaram entrelaçados e ofegantes.
Agarrando a si mesmo, fixou as imagens de sua companheira no primeiro plano de sua mente, aplincando-as sobre tudo que tivesse relação com No’One. Ele não queria outra fêmea neste espaço; ele teria que cuidar desta situação, o que não queria, mas, malditamente, fixaria os limites.
Ele estava certo como o inferno que não poderia escolher seu destino, mas as suas fantasias estavam totalmente em suas mãos.
Acariciando seu eixo, tentou se lembrar de tudo sobre a sua beleza ruiva: a imagem que de seus cabelos caídos sobre seus seios, o brilho do seu sexo descoberto, como seus seios se empinavam quando ela estava deitada.
Isso era apenas parte de um livro de história, enfim, e as ilustrações havia desvanescido... Como se sua mente tivesse extraído a tinta das páginas.
Concentração perdida, ele ergueu suas pálpebras e obteve um oi-como-vai da sua mão abraçada àquela puta excitação, tentando bombear alguma coisa, qualquer coisa.
Era como ordenhar uma máquina de Coca-Cola... levando-o a lugar nenhum. Bem, exceto pela vaga ferroada de dor onde a pele foi beliscada na cabeça.
– Merda.
Descartando a má idéia, ele se ocupou com o sabonete, passando a barra sobre o peito e embaixo das suas axilas.
– Amo? – Fritz chamou do outro cômodo. – Desejaria mais alguma coisa?
Ele não pediria pornografia ao Doggen. Isso era nojento em vários níveis. – Ah, não, obrigado, meu homem.
– Muito bem. Tenha um sono abençoado.
Sim. Certo. – Você também.
Depois que a porta do quarto foi fechada novamente, Tohr aplicou shampoo e ensaboou sua cabeça como supostamente todos os machos faziam: Espremer uma quantidade abundante da merda, esfregar em seu cabelo como se você estivesse tentando tirar uma mancha de um carpete e, em seguida, permanecer debaixo do jato d’água infinitamente porque você havia usado muito do produto que Fritz tinha comprado pra você.
Mais tarde, ele decidiria se teria sido melhor manter os olhos abertos. Assim que fechou as pálpebras para evitar espuma, a agitação quente que escorria por seu torso se transformou em mãos e o desejo por um orgasmo voltou ainda mais forte que antes, seu pênis latejando, suas bolas se apertando...
Instantaneamente, ele estava novamente lá embaixo na despensa, sua boca travada na suave garganta de No'One, sua sucção e deglutição enchendo seu estômago, seus braços apertando-a com força contra seu corpo...
Sua shellan é bem vinda aqui.
Sacudiu sua cabeça ao som da voz dela em seu ouvido interno. Mas então compreendeu que aquela era a resposta.
Agarrando-se mais uma vez, disse a seu cérebro que as imagens eram de sua Wellsie. Que o sentimento, a sensação, o cheiro, o gosto... Eram de sua Wellsie, não de outra fêmea.
Não era uma memória.
Era sua companheira de volta para ele...
A liberação foi tão repentina, o fazendo recuar, com os olhos arregalados, seu corpo sacudindo não pelo orgasmo, mas pela surpresa, sim, na verdade, ele estava realmente na vida real, não num escape de sonhos.
Enquanto ele se esfregava e acariciava o cume, ele se viu gozando, seu sexo fazendo o que deveria fazer, expelindo os jatos que atingiram a parede molhada de mármore e o painel de vidro da porta.
A vista era menos erótica que biológica.
Era apenas uma função fisiológica, ele percebeu. Como respirar e comer. Sim, uma sensação boa, mas o mesmo acontecia com uma respiração profunda: naquele vácuo de emoção, neste banho solitário, era realmente apenas uma série de ejaculações lançadas através de sua próstata.
Sentimentos davam significado ao sexo, quer seja em uma fantasia, ou com a sua companheira... Ou com alguém que você não gostasse tanto assim.
Ou não queria querer, uma voz interior ressaltou.
Quando seu corpo terminou, temia que fosse apenas uma situação de rodada única, porque ele ainda estava tão ereto como quando isso havia começado. Mas pelo menos ele não se sentia como se tivesse traído sua companheira. Na verdade, não sentia nada e isso era bom.
Enxaguando-se, saiu do box, enxugou-se com uma toalha... E levou o pedaço de tecido felpudo com ele para o quarto.
Estava quase certo que depois que comesse, as coisas ficariam confusas quando se deitasse e não por causa de algum tipo de indigestão.
Mas estava… Tudo bem. Tão bem quanto isso fosse possível, ele pensou.
O sexo que teve com sua companheira havia sido monumental, esmagador, acionador de fogos de artifício... Transformador.
Essa merda era tão sexy quanto um resfriado.
Desde que ele não pensasse em...
Deteve-se e limpou a garganta, mesmo que não estivesse falando em voz alta.
Desde que não pensasse em mais ninguém de persuasão feminina, ele estava bem.
A noite seguinte, Xcor permaneceu encostado na parte traseira de um prédio de tijolos construído no coração do centro da cidade. Afastado por quase três metros, o espaço formava um tipo de ataúde, fornecendo-lhe sombras para se esconder, bem como cobertura para balas perdidas.
Sozinho, ele estava totalmente e completamente furioso enquanto inspecionava a área e ficava de olho no carro lustroso de cor preta que tinha seguido.
Erguendo seu antebraço, ele verificou seu relógio. Novamente. Onde estavam seus soldados?
Ao se separar do grupo para seguir Assail, veio parar aqui, mas antes dele partir, ele disse aos outros para encontrá-lo depois que terminassem a primeira rodada de combate... A tarefa de localização não devia ter sido difícil. Todos eles tinham que fazer uma vigilância telhado por telhado na parte da cidade onde o tráfico de drogas era mais predominante.
Não era tão difícil.
E, no entanto, ali estava ele, só.
Assail estava dentro do edifício em frente, provavelmente se associando com mais da laia que ele havia matado na noite anterior. O local onde ele mantinha negócios era ostensivamente uma galeria de arte, mas Xcor era antiquado, e não ingênuo. Todos os tipos de bens e serviços podiam ser negociados a partir de qualquer tipo de estabelecimento dito “legítimo”.
Era quase uma hora depois, quando o outro vampiro finalmente reapareceu, e a luz sobre a saída iluminou a parte de trás de seu cabelo densamente preto e suas feições predatórias. Ele caminhou em direção ao carro rebaixado estacionado do lado de fora, andou em torno dele, um anel de algum tipo no dedo mindinho brilhou.
Ele fez um movimento, estava vestido de preto, ele parecia… Exatamente um vampiro. Escuro, sensual, perigoso.
Pausando na porta do carro, ele colocou sua mão dentro de sua jaqueta para pegar suas chaves...
E girou ao redor para enfrentar Xcor com uma arma. – Você honestamente acha que eu não sei que você está me seguindo?
Aquela pronuncia era tão velho mundo e por isso muito espesso, o acento transformando as palavras praticamente em um idioma estrangeiro... Ou o que teria sido o caso se Xcor não estivesse intimamente familiarizado com o dialeto original.
Onde estavam seus malditos soldados?
Quando Xcor saiu, ele tinha sua própria automática, e não foi sem satisfação que ele assistiu o outro macho recuar ligeiramente quando o reconhecimento despontou.
– Você esperava um Irmão, talvez? – Xcor falou arrastadamente.
Assail não baixou sua arma. – Meu negócio é meu. Você não tem nenhum direito de me vigiar. Meu negócio é o que eu determinar que ele seja.
– Seus modos não vão funcionar aqui.
– E que “modos” são esses?
– Existem leis aqui.
– Assim eu soube. E estou bastante confiante que você quebrou várias com seu empreendimento.
– Eu não me refiro a uns humanos. – Como se esses fossem completamente irrelevantes... E pelo menos sobre isso eles podiam concordar.
– A Antiga lei prevê...
– Nós estamos no Novo Mundo, Assail. Novas regras.
– De acordo com quem?
– Eu.
O macho estreitou seus olhos. – Ultrapassando já?
– Tire suas próprias conclusões.
– Então eu devo deixá-lo. E devo me despedir de você agora, a menos que você tenha planejado atirar em mim. Nesse caso, eu devo levá-lo comigo. – Ele ergueu sua outra mão. Nela estava um pequeno e preto aparelho. – Só para que fique claro, a bomba esta ligada a subestrutura de meu carro, explodirá se meu dedo polegar não fizer contato com este botão... Que é justamente o que acontecerá automaticamente se você puser uma bala em meu peito ou em minhas costas. Oh, e talvez eu deva mencionar que a explosão tem um raio que inclui onde você está, e a detonação é tão eficiente que você não poderá desmaterializar para fora da zona rápido o suficiente.
Xcor riu com genuíno respeito. – Você sabe o que eles dizem sobre suicidas, não sabe? Nada de Fade para eles.
– Não é suicídio se você atirar em mim primeiro. Autodefesa.
– E você está disposto a testar isso?
– Se você estiver.
O macho pareceu totalmente desinteressado com a escolha, ficaria em paz se vivesse ou morresse, indiferente com a violência e a dor... E contundo não desconectado, também.
Ele teria dado um soldado excepcional, Xcor pensou. Se ele não tivesse sido castrado por sua mamãe.
– Então sua solução, – Xcor murmurou, – é autodestruição mútua.
– O que vai ser?
Se Xcor tivesse seu reforço no lugar, escolheria um caminho melhor para lidar com isto. Mas não, os bastardos não estavam em nenhum lugar ao redor. E era um princípio fundamental de conflito que se você estivesse enfrentando um inimigo bem preparado, que estivesse bem prevenido e bem ancorado, você não se empenharia... Você retrocederia, marcharia, e viveria para lutar em circunstâncias mais favoráveis à sua própria vitória.
Além disso, Assail teria que ser mantido vivo tempo suficiente, de forma que o rei poderia encontrar-se com ele.
Nada disso lhe assentou bem, porém, o humor de Xcor já escuro no começo, ficou totalmente preto.
Ele não disse nada adicional. Ele simplesmente se desmaterializou para outro beco cerca de meio quilometro de distancia, deixando sua partida falar por ele.
Quando se voltou para uma banca de jornais fechada, ele estava furioso com seus soldados, sua ira proveniente do confronto com Assail foi transferida e aumentada quando ele pensou em seus machos.
Iniciando uma investigação por conta própria, ele foi até o edifício abandonado e de lá para o clube de tatuagem dentro do beco até que ele se encontrou no arranha-céu. Quando tomou forma, eles estavam todos lá, vadiando como se não tivessem nada melhor para fazerem.
Violência substituiu as muitas veias em seu corpo... Ao ponto dele começar a sentir o zumbido de insanidade dentro dos limites de seu crânio.
Era a fome de sangue, claro. Mas a causa raiz não fez nada para moderar as emoções.
– Onde diabos vocês estavam? – Ele exigiu, o vento rasgando ao redor de sua cabeça.
– Você disse para que nós esperássemos aqui...
– Eu disse para vocês virem me encontrar!
Throe ergueu suas mãos. – Porra! Todos nós precisamos de telefones, não é justo!
Xcor se lançou contra o macho, agarrando-o pelo casaco e o lançando contra uma porta de aço. – Modere. Seu. Tom.
– Dessa vez eu estou certo...
– Nós não vamos discutir sobre isso novamente.
Xcor se afastou do homem, sua fúria lançada para ao lado, para a força quente do vento soprando pela cidade.
Throe, porém, não deixaria isto passar. – Nós podíamos ter estado onde você queria que fôssemos. A Irmandade tem celulares...
Ele se virou.
– Foda-se a Irmandade!
– Você teria uma melhor sorte se nós tivéssemos meios de comunicação!
– A Irmandade é fraca sem seus amparos tecnológicos!
Throe agitou sua cabeça, todo aristocrata-que-sabe-melhor. – Não, eles estão no futuro. E nós não podemos competir com eles se nós estivermos no passado.
Xcor fechou os punhos. Seu pai... O Bloodletter, ao contrário... Teria empurrado o filho de uma cadela direto para o lado de fora do edifício por esta insolência e insubordinação. Xcor deu um passo em direção ao macho.
Exceto que, ele pensou com fria lógica. Existia um caminho mais útil para lidar com isto.
– Nós vamos para o campo. Agora.
Quando ele nivelou seu olhar fixando-o em Throe, existia uma e só uma resposta aceitável, e os outros sabiam disso, a julgar pela maneira que eles pegaram suas armas e se preparavam para enfrentar o inimigo.
E ah, sim, Throe, sempre o dândi que apreciava a ordem social, mesmo em algumas situações militares, naturalmente ajustou-se para segui-lo.
Entretanto, novamente, existiam outras razões para ele seguir ordens superiores além de uma afinidade para o consenso. Era aquela dívida que ele acreditava que se livraria para sempre. Era seu compromisso com os outros bastardos, que tinha crescido com o passar do tempo e era mútuo... Sobre esse ponto.
E, claro, sua querida irmã que partiu, mas que de algum modo ainda estava com ele.
Bem, ela era mais próxima a Xcor.
Com um aceno de cabeça, ele e seus soldados viajaram em sprays de moléculas soltas para baixo no sistema de becos. Enquanto eles iam, Xcor recordou àquela noite há muito tempo quando um senhor o abordou em uma parte suja de Londres para um mortal propósito.
O arranjo do pedido tinha sido mais envolvente do que havia pensado Throe.
Fazer com que Xcor matasse a pessoa que manchou sua irmã exigiu muito mais que apenas os xelins no bolso dele. Exigiu sua vida inteira. E o serviço da dívida o havia transformado em algo além de um membro da glymera que recebeu o nome de Irmandade: Throe esteve à altura de seu legado de sangue, superando de longe suas expectativas.
Superando de longe todas as expectativas: Na verdade, Xcor havia chegado ao ponto de usar o macho como um exemplo de debilidade para os outros. E supunha-se que Throe era uma humilhante esgrima perante os verdadeiros soldados, um rebaixado maricas que choramingava estar quebrado todo tempo, e que, portanto, tinha que servi-los.
Não onde eles terminaram.
No chão, onde eles se materializaram, o beco estava quente e os fazia transpirar devido ao calor do verão, e quando seus soldados se espalharam por trás dele, eles preencheram os limites de uma parede de tijolos.
Eles sempre caçavam em grupo, ao contrário da Irmandade, eles ficavam uns com os outros.
Então todos eles viram o que aconteceu a seguir.
Desembainhando uma de suas adagas de aço, Xcor segurou a alça fortemente, virando-se para Throe.
E cortou o macho no intestino.
Alguém gritou. Vários xingaram. Throe se enrolou em torno do ferimento...
Xcor pegou o ombro do macho, retirou a arma, e o apunhalou novamente.
O odor de sangue de vampiro fresco era inconfundível.
Precisava ser de duas fontes e não de apenas uma.
Retirando sua adaga, ele empurrou Throe para trás, de forma que o macho caiu no chão. Então ele pegou uma das lâminas de Throe de seu coldre e correu a extremidade afiada por dentro de seu próprio antebraço.
Passando a sua ferida em toda a parte superior do corpo de Throe, ele então forçou o punhal ensanguentado na mão do soldado. Então, abaixou-se, travando os olhos cruéis no macho.
– Quando a Irmandade o achar, eles o apanharão e cuidarão de você... E você vai descobrir onde eles vivem. Você vai lhes dizer que eu o traí e que quer lutar com eles. Você vai interagir com eles e achará um caminho para se infiltrar no domicílio deles. – Ele apontou um dedo para o rosto do macho. – E como você está tão comprometido em trocar informações, você vai contar para mim. Você tem vinte e quatro horas e então nós dois vamos nos reunir, ou os restos de sua doce irmã vão ter um fim lamentável.
Os olhos de Throe se arregalaram em seu rosto pálido.
– Sim, eu a tenho. – Xcor se abaixou mais ainda até o ponto de ficar cara a cara. – Eu a tenho comigo desde o princípio. Então, eu lhe digo, não esqueça para quem sua lealdade reside.
– Seu… Bastardo…
– Você está certo. Você tem até amanhã. Topo do Mundo, quatro da manhã, esteja lá.
Os olhos do macho arderam quando se encontraram com os seus, e o ódio presente era resposta o suficiente: Xcor detinha as cinzas do macho morto, e ambos sabiam que, se ele era capaz de enviar seu segundo no comando à toca do leão, lançar aqueles restos em uma lata de lixo ou em um banheiro sujo ou na cesta de fritar de uma McDonald, não teria problema algum.
A ameaça por si só, no entanto, era mais do que suficiente para algemar Throe.
E da mesma maneira que ele teve que se sacrificar em outros tempos, iria, então, se sacrificar também agora por quem ele perdeu.
Xcor se levantou e girou.
Seus soldados estavam em pé, ombro-a-ombro, uma parede de ameaça que o encarou de frente. Mas ele não estava preocupado com a rebeldia. Eles tinham sido criados, se alguém pudesse denominar isso pelo Bloodletter – ensinados por aquele macho sádico a arte de lutar, e de retribuição. Se eles ficaram surpreendidos, devia ter sido porque Xcor não fez isto mais cedo.
– Voltem para o acampamento pelo resto da noite. Eu tenho uma reunião... Se eu retornar e perceber que um de vocês foi embora, eu o caçarei e não o deixarei machucado. Eu finalizarei o trabalho.
Eles partiram sem olhar para Throe... Ou ele, no que diz respeito a esse assunto.
Escolha sábia.
Sua raiva era mais afiada que as lâminas que ele acabou de usar.
Quando Throe foi deixado só no beco, ele posicionou a mão apertada contra seu abdômen, exercendo pressão para reduzir a perda de sangue.
Embora seu corpo estivesse incapacitado pela dor, sua visão e audição eram sobrenaturalmente agudas enquanto rastreavam o ambiente: Os edifícios arqueados acima dele eram altos e sem luzes. As janelas eram estreitas e tinham vidro espesso, ondulado. O ar cheirava a cozido de carne, como se ele não estivesse longe de um restaurante ou um grande negócio. E lá ao longe, ele ouviu os sons dos carros e a pressa dos freios de um ônibus e uma mulher rindo estridentemente.
Era ainda inicio da noite.
Alguém podia encontrá-lo. Amigo. Inimigo. Lesser. Irmão.
Pelo menos Xcor o deixou com seu punhal em sua mão.
Com uma maldição, ele rolou para o lado e tentou ficar em pé...
Não ajudou poder registrar tudo muito de forma brilhante e ruidosa. Em um ataque de agonia, o mundo retrocedeu, a bomba que explodiu em seu intestino foi de tal magnitude que ele se perguntou se não havia rompido algo.
Voltando suavemente para onde estava, ele pensou que Xcor poderia bem estar incorreto. Por ventura este beco seria um caixão para ele, em lugar de uma travessia para servir a Irmandade.
Na verdade, enquanto ele provia seu sofrimento, percebeu que devia ter imaginado melhor. Ele se desenvolveu para estar à vontade ao redor daquele macho, da mesma maneira que ao lidar com tigres poderia lhe tornar negligente: Ele supôs certos padrões de comportamento, achando neles uma segurança equivocada e previsível.
Em realidade, o perigo não dissipou, mas cresceu.
E como tinha sido desde o primeiro momento com Xcor, ele permaneceu preso pelas circunstâncias que os aproximaram.
Sua irmã. Sua doce e pura irmã.
Eu a tenho comigo desde o princípio.
Throe gemeu, mas não por seus ferimentos. Como Xcor conseguiu as cinzas?
Ele assumiu que sua família havia realizado uma cerimônia adequada e cuidado dela como era apropriado. E como ele podia ter imaginado o contrário? Ele não havia sido autorizado a ver sua mãe ou seu irmão uma vez que o negócio tinha sido feito, e seu pai tinha morrido dez anos atrás.
A injustiça era muita. Na morte, se esperaria que tivesse a paz que ela merecia. Afinal, o Fade tinha sido criado para almas com luz e adoráveis como a sua irmã tinha sido. Mas sem ter tido a cerimônia...
Querida Virgem Escriba, poderia ter sido negada a ela a entrada.
Esta era uma maldição sobre ela. E ele.
Olhando fixamente para o céu, do qual ele não podia ver quase nada, ele pensou sobre a Irmandade. Se eles o achassem antes de morrer, e se eles o levassem como Xcor assumiu, ele faria como havia sido exigido. Ao contrario dos outros do Bando de Bastardos, ele tinha sua própria fidelidade, e esta não era para com o rei ou Xcor ou seus soldados da mesma categoria, embora em verdade, começou a balançar na direção daqueles machos.
Não, sua submissão estava para outro… e Xcor sabia disto. Razão pela qual aquele déspota fez o esforço há muito tempo para ter alguma garantia contra a liberdade de Throe.
A princípio ele assumiu que o fedor da brisa morna era de uma caixa de lixo, o resultado da mudança de direção do vento pegou o odor de alguns restos de comida desperdiçada. Mas não, existia uma doçura intrigante no buquê repugnante.
Erguendo sua cabeça, ele olhou abaixo de seu corpo através de metros e metros de pavimento. No fim da ruela, três lessers entraram em seu campo de visão.
As risadas deles eram sua sentença de morte, e ainda assim ele se pegou sorrindo, até que flashes fracos de luz sugeriram que facas tinham sido retiradas.
A ideia de que o destino havia frustrado o plano de Xcor pareceu uma nota perfeitamente aceitável. Exceto por sua irmã… Como ele podia ajudá-la se estivesse morto?
Quando os assassinos o abordaram, ele sabia que o que eles iriam fazer nele faria a dor em seu estômago parecer nada além de uma tombada com o dedão do pé.
Mas ele teria que lutar, e ele lutaria.
Até a última batida do seu coração e o movimento final de sua respiração, ele lutaria com tudo que ele tinha pela única coisa que lhe restava viver.
Maldito fosse se Tohr não notasse uma diferença em si mesmo. Por mais que odiasse admitir, enquanto ele, John e Qhuinn seguiam para o quarteirão na área do centro da cidade, ele estava mais forte, mais ágil... Lúcido como um filho da puta. E suas habilidades haviam retornado: Não tinha mais problemas de equilíbrio. Sua visão estava aguçada. A audição estava tão boa que ele conseguia ouvir o arrastar das patas dos ratos que corriam pelos becos à procura de refúgio.
Você nunca percebe o quão espessa é a neblina na qual se está envolto, até que ela se dissipe.
Alimentar-se era inegavelmente poderoso, especialmente em seu tipo de trabalho, e sim, ele claramente precisava de uma nova profissão. Contador. Catador de fiapos. Hipnotizador de cães. Qualquer coisa que só fosse necessário ficar sentado em cima do rabo, a noite toda.
Mas nestes casos, ele não poderia ahvenge sua Wellsie. E depois de tudo o que aconteceu a noite passada, do que aconteceu na despensa ao que ele fez sozinho depois que finalmente foi para a cama, ele sentia como se tivesse coisas a consertar com ela.
Cristo, só o fato de No’One ter lhe dado tamanha força, fazia-o pensar que a memória de Wellsie havia sido violada de certa forma. Maculada. Corroída.
Quando ele se alimentara da Escolhida Selena, isso não o tinha incomodado tanto – talvez porque ainda estivesse em estado de choque... Talvez, por não ter se sentido nem um pouco excitado antes, durante e depois que se alimentou.
Fodido Inferno, ele estava tão pronto para brigar esta noite.
E menos de três quarteirões depois, encontrou o que estava buscando: o cheiro de lessers.
Quando ele e os garotos começaram uma corrida silenciosa, não sacou nenhuma de suas armas. Com o humor que estava, mão-a-mão era o que precisava, e se tivesse sorte...
O grito que cortou a noite através do tráfego distante, não era o de uma fêmea. Baixo e rasgado, podia apenas ter saído de uma garganta masculina.
Aos diabos com a aproximação silenciosa.
Em corrida desatada, ele rodeou a esquina de um beco e se deparou com uma parede de cheiros que não teve dificuldades em processar: sangue vampiro – de dois tipos, ambos machos. Sangue de assassino – só um, forte e desagradável.
Mais à frente, havia um vampiro macho caído no asfalto, dois assassinos em pé, e um lesser cambaleando em volta, tendo obviamente acabado de ser arranhado no rosto. O que explicava o grito.
Era toda a informação que ele precisava para atacar.
Diretamente em frente, saltou em cima de um dos lessers, pegando o desgraçado pelo pescoço com seu braço e esmigalhando-o[36] no ar com um puxão. Enquanto a gravidade resolvia o assunto e jogava o inimigo ao chão de cara para cima, a tentação era de arrebentar o infeliz com um chute – mas com alguém ferido no meio do beco, esta era uma situação de emergência. Sacou uma de suas adagas, espetou o fodido no peito, e retomou sua posição de luta antes do flash se apagar
À esquerda, John cuidava do lesser cuja bochecha vazava, apunhalando-o de volta a seu profano criador. E para Qhuinn sobrou o número três, girando-o em volta e jogando-o de cabeça numa parede.
Sem mais inimigos para enfrentar, pelo menos naquele momento, Tohr correu para o macho caído.
– Throe, – respirou quando viu o cara.
O soldado jazia de costas, apertando a barriga com a mão que não segurava sua adaga. Muito sangue. Muita dor, dada à expressão torturada.
– John! Qhuinn! – Tohr chamou. – Mantenham os olhos atentos ao Bando de Bastardos.
Ao receber um assobio e um – Entendido – em resposta, agachou-se, e checou a pulsação. O pulsar vacilante que encontrou, não era um bom sinal.
Afastando-se, encontrou um par de olhos azul céu. – Vai me dizer quem fez isto a você? Ou vou ter de adivinhar.
Throe abriu a boca, tossiu sangue, e fechou os olhos.
– Ooook, vou adivinhar, seu chefe. Como estou indo? – Tohr ergueu a mão do cara e deu uma olhada no ferimento da barriga. Ou melhor, ferimentos. – Sabe, você nunca pertenceu à mesma laia daquele filho da puta.
Não teve resposta, mas o cara também não estava inconsciente – sua respiração era rápida demais, os ofegos indicando o tipo de dor que se manifestava somente com consciência. Tanto fazia. Xcor era a única explicação. O Bando de Bastardos sempre lutava em esquadrão único, e eles nunca teriam deixado um soldado para trás – a menos que Xcor tivesse ordenado.
Além disto, dois tipos de sangue de vampiro? Devia ter sido uma briga de adagas.
– O que aconteceu? Vocês dois brigaram sobre o que comer na Última Refeição? Sobre roupas? Ou foi algo mais sério. Homer versus Fred Flintstone?
Ele rapidamente desarmou o soldado, removendo duas armas boas e úteis, muita munição, inúmeras facas, um pedaço de fio para asfixiar, e...
– Cuidado, – Ele berrou quando Throe ergueu o braço. Pegando-o facilmente, forçou-o novamente para baixo, sem esforço algum. – Movimentos rápidos vão me fazer terminar o trabalho que Xcor começou.
– Faca na canela... – veio a resposta entrecortada.
Tohr ergueu a calça, e, hello, mais metal.
– Ao menos ele lhe deixou bem abastecido, – Tohr murmurou, enquanto pegava o telefone celular e chamava o complexo.
– Eu tenho uma situação, – disse quando V atendeu.
Depois de uma rápida troca de palavras com o Irmão, ele e Vishous decidiram levar o filho da puta ao centro de treinamento. Afinal, o inimigo de seu inimigo podia ser seu amigo... Sob as circunstâncias certas. Além disto, o mhis que cercava o complexo podia bagunçar até o GPS do Papai Noel. De jeito nenhum o Bando de Bastardos conseguiria encontrar o cara, se isto fosse uma armadilha.
Dez minutos depois, Butch chegou no Escalade.
Throe não tinha muito do que reclamar ao ser erguido, carregado e largado no banco traseiro: o fodido finalmente tinha desmaiado. As boas novas era que isto significava que ele não era uma ameaça imediata – mas seria útil mantê-lo vivo.
Objeto de barganha? Fonte de informação? Banquinho para os pés...
As opções eram infinitas.
– Bem o tipo de passageiro que eu gosto, – Butch disse assim que se sentou atrás do volante de novo. – Assim não vai ficar dando pitaco na maneira como dirijo.
Tohr concordou. – Eu vou com você...
O primeiro tiro que soou veio da arma de John, e Tohr imediatamente voltou ao modo de luta, abrindo a porta do Escalade, ao mesmo tempo em que sacava a própria arma.
O segundo tiro veio do inimigo, fosse lá quem fosse.
Arrastando-se para se cobrir atrás do SUV a prova de balas, Tohr bateu na lataria traseira para incitar o tira a dar o fora. Throe era valioso demais para ser perdido para algo tão banal quanto um grupo de lessers. Pior, podiam ser os Bastardos.
Quando o irmão arrancou, Tohr foi deixado com o traseiro ao vento, mas cuidou disto rapidamente, desviando-se abaixado, tornando-se um alvo móvel, difícil de atingir.
Balas o seguiram, só que o dono do dedo no gatilho não sabia como cercar uma presa – as balas ricocheteavam no asfalto perto dele, mas não rápido o bastante. E quando se atirou para trás de uma lixeira, preparou-se para revidar, tão logo verificou onde seus garotos estavam.
Silêncio no beco...
Não, não exatamente.
Gotejamento, como se algo estivesse vazando da barriga de ferro da enorme lixeira, o fez franzir o cenho e olhar rapidamente para baixo.
Não era a lixeira.
Merda. Tinha sido atingido.
Como um computador escaneando, ele olhou para seu corpo e identificou as fontes de dano. Tórax, lado esquerdo, costelas. Braço superior, lado de fora, quatro polegadas abaixo de sua axila. E... Era tudo.
Ele não tinha sentido nada, e não estava afetado, nem pela dor, nem pela perda de sangue. A maldita alimentação – era como colocar combustível de jato no tanque dele. E é claro, ajudava ainda mais porque as balas não tinham atingido nada importante – eram somente raspões.
Colocando a cabeça para fora da lixeira, não conseguia ver ninguém no beco, mas podia sentir assassinos por toda volta, fazendo mira. Pelo menos não havia cheiro de nenhum outro sangue fresco além do seu. Então John e Qhuinn estavam bem, graças a Deus.
A calmaria que se seguiu deu-lhe nos nervos.
Especialmente quando persistiu.
Cara, alguém tinha de colocar esta briga nos trilhos de novo – Butch estava indo embora com uma bomba relógio em sua traseira, e Tohr queria estar lá quando o Irmão chegasse ao complexo.
Mais do tema de Jeopardy!
Do nada, aquela cena horrível da despensa do mordomo atingiu-o de novo, sua fome e a resistência de No’One e a reação de seu corpo atravessando-o...
Uma grande fúria devoradora mordeu-o no traseiro, arruinando sua concentração, tirando-o da luta – e colocando-o exatamente onde ele não queria estar.
Enquanto seu cérebro se embaralhava e seu peito ardia, ele quis gritar.
Ao invés disto, escolheu outro jeito de forçar sua mente a ir para outra direção.
Erguendo ambas as mãos com as armas à frente, pulou para fora da lixeira.
Por falar em para-raios, gatilhos foram apertados. Balas voaram. E ele era o alvo.
Quando seu ombro foi para trás, soube que tinha sido atingido de novo, mas não prestou atenção. Se concentrando na fonte, descarregou ambas as semi-automáticas na esquina escura, enquanto seguia em frente.
Alguém estava gritando, mas ele não podia ouvir – não ouviria.
Ele estava em piloto automático.
Ele estava... Invencível.
Quando a chamada chegou ao centro médico, No’One estava na sala principal de exames, entregando uma pilha de roupas recém dobradas que saiu direto da secadora e ainda estavam mornas.
Por cima da mesa, doutora Jane alcançou o telefone. – Ele o quê? Pode repetir? Quem? E você está trazendo-o para cá?
Naquele momento, a porta do corredor externo se abriu e No’One deu um passo involuntário a frente. Os Irmãos Vishous e Rhage encheram a sala quando entraram – e os guerreiros estavam ameaçadores, olhos obscurecidos, sobrancelhas baixas, corpos tensos.
Traziam adagas na mão direita.
– Espere, sim, eles estão aqui. Qual a sua estimativa de chegada? Ok, sim, estarei pronta. – Jane desligou e olhou para os machos. – Acho que vocês estão encarregados da segurança.
– Tenha certeza. – Vishous acenou para a mesa de operação. – Então não vou poder lhe ajudar.
– Por que você vai ter uma faca na garganta do meu paciente.
– Você entendeu. Onde está Ehlena?
A conversa aumentou enquanto a doutora Jane juntava o equipamento e material, e no caos que se seguiu, No’One rezava para que ninguém a notasse. Quem seria trazido...
Como se lesse seus pensamentos, Vishous olhou para sua direção. – Todo pessoal não-essencial deve sair do complexo...
O telefone da mesa tocou de novo com um som estridente, e a curadora Jane levou-o ao ouvido de novo. – Alô? Qhuinn? O que foi... O quê? Ele fez o quê? – Os olhos da fêmea voaram para seu companheiro, as bochechas empalidecendo. – Diga o quão ruim? E ele precisa de transporte? Você tem... Graças a Deus. Sim, eu cuidarei disto.
Ela desligou e falou em uma voz vazia. – Tohr foi atingido. Várias vezes. Manny! – ela chamou. – Temos outro chegando!
Tohrment?
Vishous amaldiçoou. – Se Throe fez algo a ele...
– Ele enfrentou diretamente o tiroteio, – Jane cortou.
Todo mundo congelou.
Quando No’One esticou uma mão para a parede, a fim de se equilibrar, Rhage disse suavemente, – Como assim?
– Eu não sei muito mais. Qhuinn só disse que ele saiu do local onde estava abrigado, ergueu as duas armas, e só... Avançou diretamente para o tiroteio.
O outro doutor, Manuel, veio voando da porta seguinte. – Quem temos agora?
Houve muito mais conversa naquele ponto, vozes profundas se misturando ao tom mais alto da fêmea. Ehlena, a enfermeira chegou. Mais dois Irmãos.
No’One se afastou para o canto perto do armário de suprimentos, ficando fora do caminho, enquanto olhava para o chão e rezava. Quando um par de enormes botas negras entraram em sua linha de visão, ela só balançou a cabeça, sabendo o que seria dito a ela.
– Você precisa ir.
A voz de Vishous era firme e certeira. Quase gentil, o que era novidade.
Erguendo o queixo, ela encontrou gelados olhos diamantinos. – Realmente, você terá de me matar e arrastar meu corpo daqui se quiser que eu saia.
O Irmão franziu o cenho, – Ouça, estamos trazendo um perigoso...
Um repentino e sutil rosnado pareceu surpreender o macho. Bobagem, ela pensou, considerando que ele mesmo o tinha feito...
Não. Ele não o tinha feito.
Ela estava fazendo. Aquele aviso estava se erguendo de seu peito, saindo pelos seus próprios lábios.
Interrompendo o som, ela pronunciou, – Eu ficarei. Em qual sala vocês irão tratá-lo?
V piscou, como se estivesse surpreso e não familiarizado com a sensação. Depois de um momento, olhou por sobre o ombro para sua companheira. – Ah, Jane... Onde Tohr vai ficar?
– Bem aqui. Throe vai ficar na segunda sala de operações... Tem menos portas, então há menos chance de tentar escapar.
O Irmão se virou e saiu, mas só para pegar um banquinho e trazê-lo a ela. – Neste caso, você vai se cansar de ficar em pé.
Então ele a deixaria ficar.
Querida Virgem Escriba, quem é que andava desprotegido sob fogo inimigo? Perguntou-se.
A resposta, quando lhe ocorreu, fez suas entranhas se contorcerem: alguém que queria ser morto cumprindo o dever. Isso é o que ele era.
Talvez fosse melhor se Layla o alimentasse. Menos complicado – não. Não menos complicado. A Escolhida era incrivelmente bonita, sem nenhum tipo de deformidade. Sim, ele tinha afirmado que não desejava ninguém de maneira sexual, mas a resolução de um macho podia ser extremamente testada por uma fêmea com a aparência dela. E qualquer resposta deste tipo o mataria.
No’One era melhor para ele.
Sim, aquilo estava certo. Ela cuidaria de suas necessidades.
Enquanto continuava a se auto-justificar, o fato de que a ideia dele tomando da garganta da bela Escolhida a fazia sentir-se curiosamente violenta, não era nada que ela quisesse examinar muito a fundo.
Throe despertou em um vazio. Ele não tinha visão, não tinha audição e nenhuma sensação em seu corpo, como se a escuridão circundante o tivesse reivindicado completamente.
Ah, então isso era o Dhund, pensou. O oposto do iluminado Fade. O lugar sombrio onde aqueles que haviam pecado na terra eram trancados por toda a eternidade.
Este era o inferno do Ômega, e de fato, era quente.
Sua barriga estava em chamas...
– Não, você está errado. Aquele lesser foi baleado de cima, também. Alguém mais estava no local.
Os sentidos de Throe voltaram rapidamente para ele, afastando o vazio claro como o nascer do sol sobre a paisagem... Mas ele teve o cuidado de não alterar sua respiração e de não se mover. Aquele macho não era um de seus companheiros soldados.
E nem o segundo que falou: – Do que você está falando?
– Quando fui para esfaqueá-lo de volta para o Ômega, ele estava crivado de balas, algumas das quais só poderiam ter sido descarregadas a partir de um ângulo privilegiado sobre ele. Estou lhe dizendo, a parte superior de seu crânio, ombros, toda aquela merda estava uma bagunça.
– Algum dos nossos meninos lá em cima?
– Não que eu saiba.
Uma terceira voz disse: – Não. Estávamos todos ao nível do solo.
– Alguém mais apagou o desgraçado. Tohr pôs um pouco de chumbo nele, com certeza, mas isso não foi tudo...
– Cale-se. Nosso convidado se recuperou.
Com o fim do truque, Throe abriu seus olhos. Ah, sim. Isso não era o Dhund – mas era quase. Toda a Irmandade da Adaga Negra cobria as paredes do quarto no qual ele estava, os machos olhando para ele com a agressão em suas medulas. E isso não era tudo. Havia alguns outros com eles, soldados, claramente... Assim como aquela fêmea, a que havia matado o Bloodletter.
Bem como o grande Rei Cego.
Throe se focou em Wrath. O macho tinha óculos escuros, mas, mesmo assim, o olhar demorado por trás daquelas lentes se percebia muito obviamente. De fato, o vampiro mais importante do planeta estava como ele sempre foi, um sólido lutador, com a astúcia de um mestre estrategista, a expressão de um carrasco, e um corpo forte o suficiente para acompanhar todas aquelas descrições.
Apropriadamente denominado, ele era.
E Xcor tinha escolhido um adversário muito, muito perigoso.
O rei se aproximou do leito: – Meus cirurgiões salvaram sua vida.
– Eu não duvido. – Throe raspou pela garganta. Querida Virgem Escriba, sua garganta estava dolorida.
– Então, da forma como eu vejo isso, em circunstâncias normais, um macho de valor estaria me devendo. Mas considerando com quem você tem estado na cama, as regras normais não se aplicam.
Throe engoliu um par de vezes: – Minha lealdade em primeiro lugar, a minha única... A única... É para com a minha família...
– Que porra de família? – o Irmão Vishous murmurou.
– Minhas relações de sangue, é o que quero dizer. Minha... Amada irmã...
– Eu pensei que ela estivesse morta.
Throe olhou para o lutador: – Ela está.
O rei interveio entre eles: – Tá, tá, tá... O acordo é o seguinte: Você vai ser liberado quando estiver bem o suficiente, livre para sair e dizer ao mundo que eu e os meus meninos somos tão piedosos e justos como a porra da Madre Teresa, apesar de quem seu chefe é...
– Era.
– Tanto faz. O ponto principal é que você é bem-vindo para permanecer em um pedaço...
– A menos que você faça merda. – Vishous interveio.
O rei olhou para o Irmão. – ...enquanto você agir como um cavalheiro. Nós traremos até mesmo alguém para alimentá-lo. Quanto mais cedo você estiver fora daqui, melhor.
– E se eu quisesse lutar junto com vocês?
Vishous cuspiu no chão: – Nós não aceitamos traidores...
Os olhos de Wrath se voltaram ao redor.
– V, Feche sua boca, filho da mãe. Ou ficará no corredor.
Vishous, filho do Bloodletter, não era o tipo de macho a quem qualquer um se dirigia assim. Exceto, aparentemente, Wrath. Neste caso, o Irmão com as tatuagens no rosto, a reputação de um pervertido e a mão da morte, fez exatamente o que foi dito. Ele fechou a boca.
O que dizia muito sobre Wrath. Não dizia?
O rei continuou: – Mas eu não me importaria em saber quem lhe cortou.
– Xcor.
As narinas de Wrath se dilataram. – E ele lhe deixou para morrer?
– Sim. – Em algum nível, ele ainda não podia acreditar nisso. O que sinalizava o quanto ele era estúpido. – Sim... Ele deixou.
– É essa é a razão de sua fidelidade ser de seu próprio sangue agora?
– Não. Essa tem sido a verdade sempre.
Wrath balançou a cabeça e cruzou os braços sobre o peito. – Você diz a verdade.
– Sempre.
– Bom, ainda bem que você vai deixá-los agora, filho. O Bando de Bastardos está mexendo em um vespeiro do qual eles não vão se safar.
– Na verdade... Não há nada que eu possa dizer que você já não saiba.
Wrath riu suavemente. – Um diplomata.
Vishous interveio: – Tente animal morto...
A mão de Wrath se ergue no ar, o diamante negro do anel do rei cintilando. – Alguém ponha essa boca para fora deste quarto. Ou eu o farei.
– Estou saindo, porra.
Depois que o Irmão marchou para fora, o rei esfregou sua testa. – Ok. Chega de falar. Você parece uma merda... Onde está Layla?
Throe começou a sacudir a cabeça. – Eu não tenho necessidade de sangue...
– Besteira. E você não vai morrer sob nossa vigilância para que Xcor possa nos acusar de termos lhe matado. Eu não vou dar a ele esse tipo de arma. – Enquanto o rei se encaminhava para a porta, Throe percebeu pela primeira vez que havia um cão ao lado do macho... E usando um cabresto que Wrath segurava. Ele era verdadeiramente cego? – Desnecessário dizer, que isso será testemunhado... Oh, olá, Escolhida.
O cérebro inteiro de Throe parou de funcionar ante a visão que entrou no quarto. Uma absoluta... Visão. Alta, cabelo e olhos claros, vestida com uma túnica branca, era de fato uma Escolhida.
Tão bela era ela, pensou. Um nascer do sol que vivia e respirava... Um milagre.
E ela não estava sozinha, como era apropriado para uma jóia como ela. Ao seu lado, Phury, filho de Ahgony, era um muro de proteção, com o rosto fechado tão tenso, parecendo como se por ventura ela lhe pertencesse? Ele até tinha uma adaga negra na mão – embora discretamente alojada em sua coxa, indubtavelmente, de modo que a fêmea não visse e se alarmasse.
– Eu vou lhe deixar para que possa se alimentar – disse Wrath. – Mas se eu fosse você, tomava cuidado. Meus meninos aqui, eles são um tantinho nervosos.He even had a black dagger in his hand- although it was discreetly held by his thight, undoubtedly so the female did not see it and grow alarmed. "I'll leave you to ths," Wrath said. "but if I were you, I'd watch yourself. My boys here, they're a little twitchy." -Lover Reborn, pg. 210it appeared as if tight, it appeared as if mayhap she was his? He even had a black dagger in his hand- although it was discreetly held by his thight, undoubtedly so the female did not see it and grow alarmed. "I'll leave you to ths," Wrath said. "but if I were you, I'd watch yourself. My boys here, they're a little twitchy." -Lover Reborn, pg. 210
Depois que o grande Rei Cego saiu com o cão loiro, Throe estava sozinho com os Irmãos, os soldados... E aquela fêmea.
Quando ela veio mais para dentro do quarto, seu sorriso era uma fonte de paz e feminilidade em meio às armadilhas vis de guerra e morte, e se ele não estivesse deitado, ele teria caído de joelhos em reverência.
Fazia tanto tempo desde que ele esteve ao redor de uma fêmea de valor. Na verdade, ele estava tão acostumado com as putas e as prostitutas, as quais ele tratava como damas por força do hábito, mas não por consideração.
Os olhos dele lacrimejaram.
Ela o fez lembrar da sua irmã, de como ela deveria ser.
Phury deu um passo na frente dela, bloqueando-lhe a visão quando ele se inclinou e colocou a boca na orelha de Throe. Enquanto ele apertou o bíceps de Throe até que doeu insuportavelmente, o Irmão resmungou baixinho: – Você fica duro e eu vou castrá-lo assim que ela sair.
Bem... Se isso não estava claro como cristal. E uma rápida olhada ao redor da sala sugeriu que Phury não seria o único que viria atrás dele. Os outros Irmãos lutariam por pedaços de sua carcaça morta se ele ficasse excitado.
Endireitando-se em toda sua altura, Phury sorriu para a fêmea como se não houvesse nada com que se preocupar. – Este soldado está muito grato pelo dom da sua veia, Escolhida. Não está?
O "idiota" não foi dito. E o aperto mais uma vez no braço de Throe foi tão escondido quanto enfático.
– Estou eternamente agradecido, sua graça. – ele sussurrou.
Com isso, a Escolhida sorriu para Throe, roubando-lhe a respiração. – Se eu puder ser até mesmo uma pequena forma de ajuda para um macho de valor tal como você, eu sou abençoada. Não há maior serviço à raça do que lutar contra o inimigo.
– Posso pensar em pelo menos mais um. – alguém disse sob suas respirações.
Quando Phury acenou para ela vir para a cabeceira da cama, Throe só podia olhar para o rosto dela, seu coração lutando para decidir se batia ou se parava completamente. E quando ele imaginou que gosto ela poderia ter, ele tentou não lamber seus lábios... Pois certamente isso estava incluso na lista de atividades proibidas. Ele também lembrou severamente seu sexo para permanecer flácido ou perderia seus dois melhores e estúpidos companheiros.
– Eu não sou digno. – ele disse suavemente para ela.
– Isso com certeza. – alguém resmungou.
A Escolhida franziu a testa por cima do ombro. – Oh, mas certamente ele é. Qualquer um que empunha uma adaga com honra contra os lessers é digno. – Ela olhou para ele novamente. – Senhor, eu posso servi-lo agora?
Ah... Droga.
As palavras dela foram direto para o pênis. Direto sobre o eixo, que engrossou imediatamente, até a ponta, que prontamente latejou de desejo.
Throe fechou os olhos e rezou para que tivesse força. E pela má pontaria dos Irmãos. Nenhum dos quais provavelmente seria concedido... O pulso dela estava perto de seus lábios... Ele podia sentir o cheiro.
Com os olhos reluzindo abertos, ele viu sua veia frágil em uma notável distância – e que a misericordiosa Virgem Escriba o salvasse, tudo no que ele podia pensar era em alcançá-la, acariciando seu rosto suave...
Uma lâmina negra forçou seu braço de volta para baixo. – Sem tocar. – Phury disse sombriamente.
Bem... Ao menos se isso era tudo com que o Irmão estava preocupado, obviamente ele não tinha percebido a questão abaixo da cintura. E meio que concordando em ter a si mesmo neutralizado, Throe faria qualquer coisa para fazer isso acontecer – então não tocar era bom.
Não tocar estava bom para ele...
Enquanto Tohr estava deitado em sua cama, ele despertou com o pensamento de que era um pouco cedo para estar dormindo. Ele não deveria estar lá fora lutando? Por que é que ele estava...
– Traga Layla aqui imediatamente. – uma voz masculina berrou. – Não podemos operar até que a pressão arterial dele suba...
Disse o quê? Tohr se perguntou. A pressão arterial de quem estava ruim...?
– Ela vai estar aí o mais rápido possível. – veio uma resposta distante.
Eles estavam falando sobre ele? Não, eles não poderiam estar...
Quando ele abriu seus olhos, a luminária industrial pendurada diretamente sobre seu rosto clareou as coisas rápido. Esse não era o seu quarto; essa era a clínica no centro de treinamento. E eles estavam falando sobre ele.
Tudo voltou num flash. Ele saindo de trás daquela lixeira. Seu corpo sendo perfurado enquanto andava para frente, abrindo fogo. Ele atirando até que parou despencando sobre a forma fedorenta daquele assassino.
Depois disso, ele cambaleou para trás e para frente, como uma vareta só parcialmente fincada no solo.
E então as luzes se apagaram.
Com um gemido, ele tentou se erguer, mas sua mão escorregou no acolchoamento da maca. Ele supôs que ele estava vazando...
O rosto bonito de Manello apareceu em sua linha de visão, substituindo a brilhante-e-reluzente luz do dispositivo. Uau – veja só essa expressão. O bastardo olhou como se alguém tivesse acabado de lhe dar entradas para a Disneylândia. Surpresa!
– Você não devia estar consciente.
– Ruim assim, hein?
– Talvez um pouco pior. Sem ofensa, mas em que diabos você estava pensando? – O bom cirurgião girou e correu para a porta, empurrando sua cabeça para o corredor. – Precisamos de Layla aqui! Agora!
Nisso, houve alguma conversa, mas ele não conseguiu acompanhar nada, e não porque ele estava ferido. Apesar de toda a conversação, seu corpo tinha uma enorme opinião sobre de quem ele iria se alimentar – e no que lhe dizia respeito, apesar do quão adorável a Escolhida era, não seria ela.
E foi um choque perceber o porquê.
Ele queria No'One. Mesmo que não fosse justo...
– Eu vou alimentá-lo. Eu devo cuidar dele.
Ao som da voz de No'One, Tohr rangeu os dentes, e sentiu uma onda passar por ele. Virando a cabeça, ele olhou para além das mesas de instrumentos cirúrgicos... E lá estava ela no canto mais distante, o capuz no lugar, seu corpo parado, as mãos agitando sob as mangas do robe.
No instante em que ele a viu, suas presas se alongaram, e seu corpo preencheu a própria pele, o resíduo da dormência recuando e revelando todos os tipos de sensações: dor no lado do pescoço, nas costelas, e debaixo do braço; formigamento nas pontas de seus caninos, certeiros como se ele já houvesse atingido; fome em suas entranhas – por ela.
Fome em seu pau – por ela.
Merda.
Ele rapidamente camuflou a excitação arrancando a cortina cirúrgica ao redor e segurando-a em frente a seus quadris.
– Ok, você não deveria ser capaz de se sentar. – Manny murmurou.
Ele estava sentado? Oh, ei, verificando... E quanto à segunda dose de surpresa do médico? Cara legal, mas ele estava sendo um humano idiota a respeito da coisa envolvendo a alimentação. Com este tipo de fome por aquela fêmea em particular? Tohr era a porra do Super-Homem, capaz de levantar um caminhão com uma mão enquanto fazia malabarismos com carros com a outra.
Ele estava preocupado com No'One, no entanto. A última vez tinha sido um desastre épico.
Exceto que, do outro lado da sala, ela apenas balançou a cabeça para ele, como se ela soubesse exatamente com o que ele estava preocupado, e estava pronta para seguir adiante de qualquer maneira.
Por alguma razão, a coragem dela fez seus olhos arderem.
– Deixe-nos. – ele disse ao cirurgião sem olhar para o homem. – E não deixe ninguém entrar até eu chamar por você.
Praguejando. Murmurando. Todos os quais ele ignorou. E quando ele finalmente ouviu a porta se fechar, ele tomou o firme controle de seus instintos, o conhecimento de que ele estava sozinho com ela temperando todo aquele impulso de se alimentar. Ele não iria machucá-la ou assustá-la de novo. Ponto.
A voz aguda de No'One cortou o silêncio: – Você está sangrando tanto.
Oh, cara, eles não deviam tê-lo limpado ainda. Ed – Parece pior do que é.
– Então você deveria estar morto.
Ele riu um pouco. Em seguida, riu um pouco mais – e culpou os “hahas” pela perda de sangue. Porque nada dessa merda era engraçado.
Quando ele esfregou seu rosto, ele atingiu uma ferida em carne viva e teve que deitar novamente – o que o fez se perguntar se ele podia estar em apuros – e não um apuro de variedade sexual. Quantas balas estavam nele? Quão perto ele esteve de morrer?
Sem ofensa, mas em que diabos você estava pensando?
Expurgando tudo isso, ele estendeu a mão e acenou para ela. Quando ela se aproximou dele, seu mancar era bem evidente, e, quando ela chegou à mesa, ela apoiou o quadril contra a borda como se talvez sua perna a estivesse incomodando.
– Deixe-me pegar uma cadeira para você. – disse ele, fazendo um movimento para se levantar.
A mão delicada dela o acalmou de volta. – Eu pego.
Enquanto ele a observava mancar por todo o caminho, era óbvio que ela estava com dor. – Há quanto tempo você está em pé?
– Algum tempo.
– Você deveria ter ido.
Ela rolou o banco e gemeu quando tirou o peso de seus pés. – Não até que eu soubesse que você estava em casa em segurança. Eles disseram... Que você entrou na linha de fogo.
Deus, ele desejava poder ver os olhos dela. – Não é a primeira vez que eu faço algo estúpido.
Como se isso de alguma forma fizesse as coisas melhores? Idiota.
– Eu não quero que você morra. – ela sussurrou.
Deus. Droga. A emoção profunda nessas palavras o deixou perplexo.
Quando o silêncio reinou mais uma vez, ele olhou para a sombra criada pelo capuz, pensando naquele momento no qual ele saiu de trás daquela lixeira. Então, ele voltou mais longe em sua memória....
– Sabe de uma coisa? Eu estive louco com você por anos. – Como ela apareceu recuar, ele moderou seu tom. – Eu simplesmente não podia acreditar no que você fez consigo mesma. Nós tínhamos chegado tão longe, nós três, você, eu e Darius. Éramos uma espécie de família, e eu acho que eu sempre senti que você nos traiu de alguma maneira. Mas agora... Depois que eu perdi tudo que eu tinha... Eu entendo o porquê. Eu realmente entendo.
A cabeça dela caiu para baixo. – Oh, Tohrment.
Ele estendeu a mão e cobriu as mãos dela com a sua própria. Exceto que, então, ele notou que a sua estava suja de sangue e manchada, uma caricatura horrível contra a pureza da pele dela.
Quando ele pretendeu retirar sua mão, ela o segurou e os manteve juntos.
Ele limpou a garganta. – Sim, eu acho que eu entendo porque você fez aquilo. Naquele momento, você não conseguia ver ninguém além de si mesma. Não foi para machucar as outras pessoas ao seu redor... Foi para terminar seu próprio sofrimento, porque você simplesmente não podia suportar mais nenhum minuto.
Houve um longo momento de silêncio, e então ela disse silenciosamente, – Quando você andou para aquelas balas esta noite, você estava tentando...
– Aquilo foi apenas parte da batalha.
– Foi?
– Sim. Apenas fazendo meu trabalho.
– Dadas as reações de seus Irmãos, eles parecem pensar que isso não está na descrição das funções.
Erguendo seus olhos, ele capturou o reflexo deles nos contornos de aço inoxidável da luminária cirúrgica, ele deitado e vazando, ela curvada e encapuzada. Suas formas e figuras estavam distorcidas, dobradas, torcidas e fora de forma por causa da superfície refletora irregular, mas a imagem era precisa em mais de uma maneira. Seus destinos tinham sido da mesma forma, como se para torná-los ambos grotescos.
Estranhamente, as suas duas mãos entrelaçadas eram o mais definido de tudo, essa imagem sendo refletida perfeitamente.
– Eu odiei o que eu fiz com você na noite passada. – ele desabafou.
– Eu sei. Mas isso não é motivo para se matar.
Verdade. Ele tinha outras razões mais do que suficientes para isso.
Abruptamente, No'One tirou o capuz, e ele imediatamente se concentrou na garganta dela.
Merda, ele queria aquela veia, a que corria tão perto da superfície.
O bate-papo acabou. A fome estava de volta, e não era apenas biológica. Ele queria estar na carne dela novamente, bebendo não apenas para curar suas feridas, mas porque ele gostava do sabor dela, e a sensação da pele fina dela na sua boca, e a forma como suas presas a perfuravam profundamente e deixavam-no receber parte dela dentro dele.
Ok, talvez ele tenha mentido um pouco sobre o banho de balas. Ele tinha absolutamente odiado machucá-la – mas essa não foi a única razão pela qual ele andou no meio de todo aquele chumbo. A verdade era, que ela estava chamando algo para fora dele, algum tipo de emoção, e esses sentimentos estavam começando a girar as engrenagens dentro dele que estavam enferrujadas e debilitadas pela falta de uso.
Isso o apavorou. Ela o apavorou.
E ainda assim, olhando para o rosto tenso dela agora mesmo, ele estava feliz por ter voltado vivo daquele beco. – Eu estou feliz por ainda estar aqui.
A respiração que ela exalou era um alívio sendo manifestado, – Sua presença acalma a todos, e você é importante neste mundo. Você significa muito.
Ele riu sem jeito, – Você me superestima.
– Você se subestima.
– Idem. – ele sussurrou.
– Como é?
– Você sabe exatamente o que quero dizer. – Ele pontuou isso apertando a mão dela, e quando ela não respondeu, ele disse: – Eu estou feliz por você estar aqui.
– Estou feliz por você estar aqui. É um milagre.
Sim, provavelmente ela estava certa. Ele não tinha ideia de como ele tinha saído daquilo vivo. Ele não estivera usando um colete.
Talvez a sorte dele estivesse mudando.
Pouco tarde no jogo, infelizmente.
Olhando para ela, ele tomou suas feições encantadoras, de seus olhos cinzentos de pomba para os lábios rosados... Para a coluna elegante de sua garganta e o pulso que batia debaixo da pele preciosa.
De repente, o olhar dela foi para a boca dele.
– Sim. – disse ela. – Eu vou alimentá-lo agora.
Calor e potência bruta ressurgiram do corpo dele, balançando os quadris para cima e solucionando o problema de pressão sanguínea do cirurgião. Mas toda a excitação era à toa. A parte dele que queria coisas dela, coisas que ela não estaria confortável dando a ninguém... Coisas que tinham haver com o que ele tinha feito no chuveiro e na cama sozinho durante o dia... Não seriam resolvidas aqui.
Além disso, a mente e o coração dele não estavam interessados em nenhuma dessas merdas, e essa era uma outra razão pela qual ela era perfeita para ele. Layla poderia muito bem levar seu corpo além da excitação; No'One nunca o faria. E havia traições piores para com sua shellan do que querer o inatingível. Pelo menos com No'One, e graças ao seu autocontrole, esses impulsos seriam para sempre apenas uma fantasia, uma inofensiva, irrealizada fantasia de masturbação que não tinha mais substância em sua vida real do que pornografia na Internet...
Que Deus lhe ajude, uma pequena voz observou, se algum dia ela também lhe quiser.
E era isso mesmo. Mas como ela pareceu hesitar, ele estava certo de que nunca ia acontecer.
Com uma voz gutural, ele disse a ela: – Eu não tenho pressa. E saiba que as luzes vão ficar acesas dessa vez... E vou tomar do seu pulso apenas o quanto você estiver interessada em me dar.
Conforme No’One sentava-se ao lado de Tohrment, ela ouviu-se dizendo de novo, – Sim...
Querida Virgem Escriba, algo mudara entre eles. No ar denso e carregado entre seus corpos, uma espécie de calor cintilava, a corrente de eletricidade esquentando sua pele de dentro para fora.
Isto era totalmente diferente daquela vez no escuro da despensa com ele, lutando contra o estrangulamento incessante do passado.
Tohrment praguejou baixinho. – Merda. Eu devia ter me limpado antes.
Como se ele não fosse nada mais do que um balcão respingado, ou um monte de roupa suja que precisasse ser lavada.
Ela franziu o cenho. – Não me importa sua aparência. Está respirando e seu coração continua batendo... Isto é tudo o que importa para mim.
– Você tem padrões baixos para machos.
– Eu não tenho padrão para machos. No entanto, se você estiver saudável e a salvo, estarei em paz.
– Maldição, – ele disse suavemente. – Eu realmente não entendo... Mas acredito em você.
– É a verdade.
Olhando para as mãos entrelaçadas, ela pensou no que ele dissera... Sobre o passado, sobre a família que os três haviam forjado na País Antigo.
Sobre como ela tinha despedaçado aquilo para todos eles, inclusive sua filha.
De fato, ela sempre vira a ressurreição que havia lhe sido dada como uma punição por ter tirado a própria vida, mas sim, ela percebeu mais uma vez, agora havia outro propósito a servir.
Ela tinha ferido este macho, mas a ela também havia sido dada a oportunidade de ajudá-lo.
Era o princípio fundamental da Virgem Escriba em funcionamento: todas as coisas completavam um círculo de forma que o equilíbrio fosse mantido.
Assumindo que ela pudesse ajudá-lo nisto.
Com um sentimento de propósito, ela desceu o olhar pelo corpo dele – ou para o que podia ver dele não coberto pelo lençol. Seu peito era cheio de músculos, uma cicatriz em forma de estrela marcava um dos peitorais, e seu abdômen era estriado de força. Por todo ele havia hematomas que ela não se atrevia adivinhar de onde vinham, e pequenos buracos redondos que a assustaram.
Mas o que estava acontecendo abaixo foi o que capturou seu olhar. Ele estava segurando o lençol azul acima dos quadris como se escondesse alguma coisa, seu braço e mão apertando enquanto ela olhava.
– Não se preocupe com isso, – ele disse em voz gutural.
Ele estava excitado, ela pensou.
– No’One, vamos... Olhe nos meus olhos. Não me olhe aí embaixo.
A temperatura na sala aumentou um pouco mais, a ponto dela pensar em tirar o manto. E subitamente, como se ele pudesse ler sua mente, sua pélvis girou em um arco que era... Sensual.
– Oh, porra... No’one, não faça isso.
Uma desconhecida expectativa percorreu suas veias, fazendo sua cabeça zunir e seu estômago se sentir ligeiramente doente. E ainda assim ela não pensou em não alimentá-lo; se muito, quis sua boca ainda mais.
Com este pensamento, levou o pulso aos lábios dele.
O chiado dele foi ligeiro, a mordida rápida, a dor doce como a picada de centenas de pequenas agulhas. E então... Ele estava sugando, sua boca quente e úmida travada contra sua carne e sugando ritmicamente...
Ele gemeu. Do fundo da garganta, ele gemeu de prazer, e ao som do gemido, o coração dela pulou no peito e acelerou ainda mais. Mais daquele calor, inebriante e insidioso, floresceu por sob sua pele, fazendo os pensamentos se bagunçarem e seu corpo ficar lânguido.
Como se Tohrment sentisse a mudança nela, gemeu novamente, sua cabeça se esticando, o peito se erguendo, os olhos rolando para dentro da cabeça. E então ele começou a fazer barulhinhos que lembravam miados, uma súplica que não combinava com seu enorme tamanho, os sons lamentosos se elevando repetidamente de sua garganta, alternados com os goles.
Com as luzes acesas, e seu braço sob seu controle para retrair caso quisesse, o pânico dela apareceu apenas brevemente, antes de ser totalmente afastado. Havia muito de Tohrment ali para que ela o confundisse com qualquer outro, e o quarto bem-iluminado no qual estavam não tinha nada em comum com o celeiro. Tudo era claro e limpo, e este macho em sua veia... Era totalmente vampiro e nem remotamente parecido com um sympath.
Quanto mais calma ela se sentia, mais desperta ficava.
Os quadris dele se moviam o tempo todo, agora.
Por baixo dos lençóis que ela brevemente lavaria, por baixo do aperto que eram agora ambas as mãos, sua pélvis ondulava. E cada vez que o fazia, seu abdômen se contraía e seu torso se arqueava... E os sons ficavam um pouco mais altos.
Ele estava profundamente excitado.
Mesmo terrivelmente ferido, seu corpo estava pronto para acasalar – desesperado por isto, como os movimentos do corpo indicavam...
De início, ela não entendeu o formigamento que a inundou, anestesiando-a e hipersensibilizando ao mesmo tempo. Talvez fosse o fato de que ela o tivesse alimentado duas vezes em menos de um dia... Mas não. Enquanto as mãos de Tohrment se juntavam novamente na frente dos quadris, enquanto ele apertava a si mesmo mais forte por sobre o lençol, era evidente que seu sexo clamava por atenção e que ele estava sendo forçado a obedecer...
A cintilação voltou ainda mais intensamente quando ela percebeu que ele estava se esfregando.
Os lábios de No’One se separaram e respirar se tornou difícil, e por baixo de suas vestes, o calor aumentou ainda mais e se concentrou em suas entranhas.
Querida Virgem Escriba, ela estava.... Excitada. Pela primeira vez na vida.
Como se pudesse ler sua mente, os olhos dele encontraram os seus. Havia confusão neles. E uma misteriosa escuridão que parecia próxima demais para ser temida. Mas havia mais daquele calor, tanto mais...
Enquanto ela se perdia naquele olhar reluzente, uma das mãos dele largou a parte inferior e subiu para o peito. Quando ele tocou seu braço, não foi para mantê-la no lugar, ou segurá-la, mas para tocar sua carne suave e lentamente.
Respirar se tornou impossível.
E ela não se importou.
O correr leve dos dedos dele sobre sua pele era intoxicante, levando-a perto desta chama que ela não podia enxergar. Fechando seus olhos, ela se permitiu voar para longe de qualquer preocupação ou temores, até que não soube nada além das sensações em seu corpo.
De fato, enquanto o alimentava, ela se alimentava, uma parte escondida de sua alma sendo nutrida pela primeira vez...
Eventualmente ela ouviu as lambidas e percebeu que tinha acabado.
Ela quis lhe pedir para continuar.
Estava mais como para lhe implorar
Erguendo as pálpebras pesadas, não conseguia focar os olhos, e isso parecia apropriado. O mundo estava girando igual a ela... Mole e zonza, com mel em suas veias e bolas de algodão no cérebro.
Tohrment não parecia assim, no entanto.
Ele parecia afiado como uma lâmina, seus músculos se contraindo agora não só nos quadris, mas no corpo inteiro, dos bíceps ao abdômen – mesmos seus pés por baixo da coberta estavam esticados.
A outra mão dele, aquela que a tinha acariciado, voltou para baixo da cintura. – Acho melhor você partir.
Sua voz era tão profunda que ela franziu o cenho enquanto tentava decifrar as palavras. – Fiz algo errado?
– Não, mas eu estou quase fazendo. – Ele cerrou os dentes brancos enquanto movia os quadris para cima e para baixo, debaixo do lençol. – Eu tenho que... Porra.
E foi então que ela entendeu o que ele queria dizer.
– No’One, por favor... Eu preciso... Não consigo me segurar mais...
Seu corpo sólido estava tão bonito nesta agonia particular. Apesar de ensanguentado, ferido e machucado, havia algo inegavelmente sexual no modo como ele cerrava os dentes e se arqueava na cama.
Por um momento, o pesadelo dela com o sympath ameaçou vir à tona, o terror tentando ganhar espaço na borda de sua consciência. Mas então Tohrment gemeu e mordeu o lábio inferior, aqueles longos caninos marcando a carne suave e rosada.
– Eu não quero sair, – ela disse roucamente.
O rosto dele se levantou, outra maldição partindo seus lábios. – Se ficar vai ter um inferno de um show.
– Então... Mostre-me.
Aquilo reteve sua atenção, os olhos dele grudando nos olhos dela, seu corpo congelando. Enquanto ele piscava, parou de se mover.
Em um tom rude, ele disse – Eu vou gozar. Você sabe o que isto significa? Orgasmo?
Graças a Virgem Escriba pela cadeira, No’One pensou. Porque entre aquela voz profunda, a essência inebriante dele e o modo erótico que se tocava, mesmo a perna boa dela não teria força para aguentar seu pouco peso.
– No’One, você entende?
Quem respondeu foi a parte dela recém desperta: – Sim. Eu sei. E eu quero ver.
Ele balançou a cabeça como se tivesse intenção de discutir. Só que não disse mais nada.
– Alivie-se, guerreiro, – ela disse a ele.
– Oh, Jesus...
– Agora.
À sua ordem, uma espécie de escravidão caiu sobre ele. Cintura abaixo, sob a coberta, um de seus joelhos se ergueu, as coxas se abrindo completamente enquanto tocava aquela parte vital que o definia como exclusivamente macho.
O que aconteceu em seguida desafiava descrição. Ele trabalhou si mesmo contra o lençol amarrotado, girando os quadris, empurrando para baixo, seu corpo ganhando impulso...
Oh, os sons: do resfolegar de sua respiração aos seus gemidos aos barulhos provindos de debaixo do lençol.
Isto era o animal macho nos espasmos da paixão.
E não havia retorno.
Para nenhum deles.
Mais rápido. Mais pressão nas mãos dele, até que o peito se inflou, a anatomia parecendo talhada ao invés de feita de carne. E então ele praguejou em uma explosão de respiração e se ergueu contra o aperto que mantinha em seu sexo. Seus espasmos a fez pressionar o próprio tórax e respirar com um arquejo, como se o que estivesse acontecendo com ele estivesse replicado na forma dela. De fato, que milagre era este? Tohrment parecia sentir dor, e ainda assim não mostrava evidência alguma de querer que parasse – quando muito, ele parecia querer intensificá-la, elevando os quadris cada vez mais.
Até que acabou.
No final das contas, os únicos sons no quarto era a respiração deles, de início bastante alto e então baixando e baixando, até que ficaram calmos.
Enquanto os sentidos ampliados dela recuaram, sua mente voltou ao controle, e o mesmo pareceu acontecer com ele. Liberando as mãos, ele revelou uma umidade no lençol que não estivera ali antes.
– Você está bem? – ele disse roucamente.
Ela abriu a boca. A voz perdida, tudo o que pode fazer foi acenar.
– Tem certeza disto?
Era tão difícil colocar em palavras seus sentimentos. Ela não se sentia ameaçada, certamente. Mas também não estava... Bem.
Estava girando e inquieta. Dentro de sua cabeça. Fora dela. – Estou tão... Confusa.
– Sobre o quê?
Os ferimentos de bala em sua carne chamaram sua atenção e ela balançou a cabeça. Não era hora de falar. – Deixe-me chamar os curadores. Você precisa ser tratado.
– Você é mais importante que isto. Você está bem?
Dada a linha teimosa de seu queixo, era claro que ele não estava blefando. E sem dúvida se ela saísse do quarto para buscar o cirurgião, ele a seguiria e deixaria uma trilha do sangue que não tinha para desperdiçar.
Ela deu de ombros. – Eu só não esperava...
Quando ela não disse mais, a realidade de sua situação lhe voltou à consciência. Aquela excitação, aquela satisfação que ele tivera... Tinha sido sobre sua shellan, não tinha? Ela tinha dito a ele que Wellesandra era bem-vinda entre eles, e ele tinha deixado amplamente claro que não desejava ninguém além daquela fêmea. Quando ele aparentava estar concentrado nela, provavelmente estava só projetando a imagem de outra pessoa.
Nada daquilo era sobre ela.
O que realmente não devia incomodá-la. Era, afinal, exatamente o que ela dissera a ele que queria.
Então por que ela se sentia tão curiosamente vazia?
– Eu estou bem. – Ela encontrou o seu olhar. – Juro. Agora, posso, por favor, chamar os médicos? Eu não vou conseguir respirar direito até que eles cuidem de você.
Os olhos dele se estreitaram. Mas então ele acenou. – Ok.
Ela sorriu rigidamente e se virou.
Bem na hora que ela chegou à porta, ele disse – No’One.
– Sim?
– Eu quero lhe devolver o favor.
Bem, e não é que aquilo parou a fêmea nos trilhos?
Meio que fez o coração de Tohr congelar, também.
Enquanto No’One parava à porta de costas para ele, ele mal podia acreditar que aquilo saíra de sua boca – mas era a maldita verdade, e ele estava determinado a mantê-la.
– Eu sei que você vai ao Santuário para cuidar de sua necessidade de sangue, –ele disse, – mas isto não deve ser suficiente. Não esta noite. Tomei muito de você nas últimas vinte e quatro horas.
Quando ela não respondeu, ele capturou sua essência e precisou refrear na garganta um grunhido em resposta. Ele não tinha certeza de que ela soubesse em sua mente, mas seu corpo fora claro: ele queria o que ele pudesse dar a ela.
Mal.
Só que... Deus, no que ele estava se metendo? Ele ia alimentar outra pessoa além de sua Wellsie?
Deus te ajude se ela, algum dia, te desejar também...
Não, não, nãããããoooo, isto não era sobre sexo. Era sobre ele cuidar dela depois dela tê-lo deixado tomar de sua veia. Era só sangue – o que era inquietante o bastante e o deixava suficientemente fodido.
Tem certeza disto? A vozinha retrucou.
Bem quando ele estava a ponto de dar um foda-se a si mesmo, o sermão de merda de Lassiter voltou a ele. Você está vivo. Ela não está. E seu apego ao passado está prendendo vocês dois em um Limbo.
Tohr pigarreou. – Falo sério. Eu quero estar lá para você. É somente biológico...
Oh, sério? Aquela voz exigiu.
Foda-se...
– Perdão? – ela disse, lançando um olhar por sobre o ombro, erguendo as sobrancelhas.
Ótimo, então ele não estava só falando sozinho.
– Ouça, – ele disse, – venha a mim depois que eles terminarem de me tratar. Estarei em meu quarto logo em seguida.
– Você pode estar mais ferido do que imagina.
– Não, eu já passei por isto. Muitas vezes.
Ela colocou o capuz. – Precisa de forças para se recuperar.
– Você me deu mais do que o suficiente para nós dois. Venha para mim... Digo... – Merda. Porra. – Procure-me.
Houve uma longa pausa. – Vou buscar o curador.
Quando No’One saiu, ele deitou a cabeça – e quando bateu no travesseiro duro, o barulho reverberou em seu crânio. A sensação foi boa. Então fez de novo.
Manello entrou na sala de exame. – Vocês dois terminaram?
O tom do cara era livre de malícia, algo que Tohr teria gostado mais se não tivesse acabado de lhe ocorrer que tinha esporrado o lençol todo.
– Ok, vamos começar, homem crescido. – O cirurgião pegou um par de luvas de látex. – Eu tirei radiografias enquanto você estava apagado, e me alegro em dizer que só tem duas balas em você. Peito e ombro. Então eu vou entrar, realizar uma balatomia, e então costurar os orifícios de entrada e saída. Mamão com açúcar.
– Preciso me limpar antes.
– Este é meu trabalho, e acredite-me, tenho água destilada suficiente para lavar todo o seu sangue e ainda sobrar para depois lavar um carro.
– É... Hum... Não estou falando deste tipo de sujeira.
Soem os pneus guinchando... Enquanto a expressão de Manello foi de relaxada para resolutamente profissional, ficou óbvio que a mensagem tinha sido captada.
– Soa bem. Que tal se eu pegar outro lençol?
– É. Obrigado. – Inferno fodido. Ele estava corando. Ou isso ou ele tinha sido ferido no rosto também, e só estava percebendo agora.
Enquanto um lençol limpo desconfortavelmente mudava de mãos, nenhum dos dois olhou para o outro – e então, Manello ficou deliberadamente ocupado em uma mesa rolante de aço inoxidável, checando as agulhas e linhas e tesouras e pacotes estéreis que estavam sobre ela.
Incrível como sexo podia transformar dois machos totalmente adultos em adolescentes.
Tohr se ajeitou e mandou sua “paudurescência” dar um tempo. Infelizmente, seu pênis parecia estar falando outro idioma, porque a coisa continuou dura como uma alavanca. Talvez ele fosse surdo?
Ele estava meio cansado de brigar com ele.
Jogando o tecido sujo no chão, ele se cobriu com o limpo. – Eu, ah, estou pronto.
A boa notícia é que ao menos ele não tinha sido ferido na coxa, então Manello ia se concentrar somente na parte superior de seu corpo.
– Bom, – o doutor disse quando se aproximou. – Agora, acho que podemos lidar com tudo isto localmente, e quanto menos drogas, melhor. Então eu vou arriscar e não te apagar, ok?
– Não me importa, doutor. Faça o que quiser.
– Gosto de sua atitude. E vamos começar com esta em seu peito. Pode doer a picada da anestesia local...
– Pooooorra.
– Desculpe por isto.
– Nada que possa fazer. – Bem, além de pegar um prego e pregá-lo na cama.
Enquanto Manello começava o trabalho, Tohr fechou os olhos e pensou em No’one. – Eu não tenho de ficar aqui depois disto, tenho?
– Se fosse um humano? Absolutamente sim. Mas esta merda já está se curando. Maldição, vocês são incríveis.
– Então eu posso voltar direto para a mansão.
– Bem, é... Eventualmente. – Houve um ressoante bonk! – como se o cara tivesse jogado uma das balas na bandeja. – Eu acho que Mary quer lhe ver antes.
– Por quê?
– Ela quer apenas ver como você está.
Tohr olhou para o cara. – Por quê?
– Você percebe o quão sortudo você é por isto não ter terminado em...
– Eu não preciso ‘falar’ com ela, se é isto que vocês querem.
– Ouça, eu não vou ficar no meio disto.
– Estou bem...
– Você foi atingido esta noite.
– Riscos do trabalho...
– Mentira. Você não está ‘bem’, e você precisa ‘falar’ com alguém. Imbecil. – No bem e no falar, o humano gesticulou com as mãos, fazendo aspas no ar, apesar dos dedos estarem ocupados segurando os instrumentos.
Tohr fechou os olhos em frustração. – Ouça, eu vejo Mary quando puder... Mas logo depois disto, estarei ocupado.
Em resposta, o médico cobriu todo tipo de território de saúde mental, a maioria dos quais eram pontuados com a palavra ‘porra’.
Não era problema de Tohr, no entanto.
Mais a oeste, na área rural de Caldwell, Zypher sentou, em silêncio, em seu beliche. Não que estivesse sozinho no porão que o Bando de Bastardos usava como acomodação. Os três primos estavam com ele, cada um tão capaz de falar quanto ele, mas da mesma maneira não querendo ceder.
Não havia nenhum movimento real entre eles. Sem sons, exceto os suspiros de sua faca de caça, enquanto entalhava a madeira macia de novo, e de novo.
Ninguém dormia.
Enquanto o amanhecer se estendia sobre a terra e despejava seu domínio iluminado, seus pensamentos eram igualmente consumidos, o fardo das ações de seu líder pesando em cima deles.
Não era de se estranhar que Xcor tivesse apunhalado Throe, tão brutalmente, por sua insubordinação. Não era difícil de acreditar que tivesse então, ordenado que o resto deles se mantivesse afastado, de forma que seu companheiro de armas fosse abandonado à morte para o inimigo.
E ainda assim, ele, de alguma forma, não conseguia compreender. E claramente, nem os outros.
Throe sempre fora a cola que os mantivera unidos, um macho de valor, com mais honra do que todos eles juntos... Assim como com bom-senso, de forma que assumira o papel de intermediário com Xcor. Throe estava tipicamente na linha de frente com o líder frio e calculista deles, era a única voz que o macho ouvia – bem, geralmente. Ele também era o tradutor entre eles e o resto do mundo, o único com acesso a Internet, que encontrara esta casa e estava tentando arranjar-lhes fêmeas da raça, das quais pudessem se alimentar, o que coordenava dinheiro e serviçais.
Ele estava certo sobre a tecnologia também.
Só que Xcor tinha surtado, e agora... Se os matadores não tivessem chegado a Throe naquele beco, os Irmãos bem podiam tê-lo matado só para não perder o costume.
Então, haveria um prêmio sobre suas cabeças logo. Era só questão de tempo...
Examinando sua escultura, ele pensou que era um pedaço de merda, em nada se parecendo mais com um pássaro agora do que quando era um galho de carvalho silvestre. De fato, ele não tinha nenhuma veia artística em suas mãos, seus olhos, ou seu coração. Isto era só uma maneira de passar o tempo, enquanto se ocupava em permanecer desperto.
De fato, ele queria que houvesse uma fêmea por perto. Foder era seu melhor talento, e ele era conhecido por passar horas entre as pernas de uma dama com grande efeito.
Ele bem gostaria de um pouco de distração.
Jogando o pedaço de madeira aos pés do beliche, examinou sua lâmina. Tão pura e afiada, capaz de muito mais do que simplesmente entalhar, de forma tosca, uma andorinha.
Ele não gostara de Throe no início. O macho tinha chegado ao Bando de Bastardos em uma noite chuvosa, e ele parecera tão fora de lugar quanto era: um garotinho mimado entre assassinos, parado do lado de fora de um casebre, que, sem dúvida, não usaria para abrigar nem um cavalo.
Da ponta de seu chapéu aos seus sapatos perfeitamente polidos, eles todos tinham desprezado cada centímetro dele.
E então Xcor tinha sorteado entre eles, quem bateria nele primeiro. Zypher tinha ganhado, e sorrira enquanto estalava as juntas dos dedos e se aprontava para entregar a masculinidade do macho a seu líder real, em uma bandeja de prata.
Throe tinha se agitado aos primeiros golpes que caíra sobre ele, não oferecendo defesa apropriada e levando os golpes na cabeça e estômago. Mas, mais cedo do que todo mundo esperava, algo tinha se ligado nele – sua postura tinha mudado, sem nenhuma razão, seus punhos se ergueram, seu corpo preenchendo aquelas roupas elegantes de uma maneira toda diferente.
A reviravolta tinha sido... Nada além de extraordinária.
Zypher tinha continuado a lutar com o macho, lançando golpes combinados que foram repentinamente defendidos... E, depois de pouco tempo, revidados, até que ele mesmo teve de aumentar seus esforços.
Aquele mauricinho tinha aprendido, bem ali naquela hora, mesmo que suas roupas finas estivessem rasgadas e sujas, mesmo que ele estivesse ensopado pela chuva e seu próprio sangue.
Durante aquela primeira luta, e nas que se sucederam, ele tinha demonstrado uma estranha capacidade de assimilar. Entre o punho inicial que voara em sua direção, e o momento em que ele finalmente tinha caído de bunda de exaustão, ele tinha evoluído mais como lutador, do que soldados que passaram anos treinando no acampamento de guerra do Bloodletter.
Eles todos rodearam Throe quando caiu na lama, o peito subindo e descendo pesadamente, o rosto bonito machucado, o chapéu há muito perdido.
Parado sobre o macho, Zypher tinha cuspido o sangue de sua boca... E então se inclinou e ofereceu a mão. O mauricinho ainda tinha muito o que provar – mas ele não tinha bancado o adulador durante a luta.
De fato, ele provara não ser nenhum adulador.
Era estranho sentir-se aliado de alguém da aristocracia. Mas Throe tinha merecido o respeito vezes sem conta. E há tempos ele vinha sendo um deles – apesar de que isto também podia ter terminado hoje, em tantos níveis.
Zypher moveu a faca para frente e para trás, a luz das velas na lâmina era uma coisa linda, tão adorável como quando a luz banhava a pele interna das coxas de uma fêmea.
Xcor tinha usado uma destas para o que fizera – cortar, trinchar, matar – mas seu alvo? Considerando o que Throe fizera por eles, seu líder, em sua fúria, tinha causado mais dano do que benefício. De fato, a fome de sangue de Xcor estava tornando-o beligerante. E com uma mente como a dele, e com planos como os que ele tinha, isto não era uma boa combinação...
A nuca de Zypher formigou, uma das aranhas, que vivia com eles, atravessava sua nuca. Bateu a mão, com uma maldição, amassando-a em sua carne, destruindo a coisa.
Ele, provavelmente, devia tentar dormir. De fato, estivera esperando o retorno de Xcor, mas o amanhecer já tinha chegado há tempos, e o macho não tinha voltado. Talvez estivesse morto, a Irmandade tendo-o pego sozinho. Ou talvez um daqueles encontros clandestinos, que ele tinha com aquele membro da glymera, tinha acabado mal.
Zypher se surpreendeu ao perceber que não se importava. Ele meio que desejava, por falar nisto, que Xcor jamais retornasse para casa de novo.
Era uma grande mudança em seus pensamentos. Lá atrás, quando o Bando de Bastardos tinha inicialmente se reunido no País Antigo, eles eram um bando de mercenários, cada um por si. O Bloodletter tinha sido o único capaz de uni-los: aquela máquina de matar, que não trazia humanidade para controlar seus desejos, tinha sido o macho mais cruel em campo de batalha, e eles tinham individualmente seguido a ele, como um símbolo de liberdade e força na guerra.
Afinal, não havia jeito da Irmandade da Adaga Negra os aceitarem.
Com o passar do tempo, no entanto, os laços se estreitaram. Independente de como Xcor conduzia as coisas, os soldados que lutavam por ele desenvolveram lealdades... E eles a estenderam até mesmo para o ex-aristocrata, Throe.
– Você vai falar com ele? – Syphon perguntou suavemente, a voz vindo de baixo.
Ele e Syphon dividiam beliches há eras, com Zypher sempre com a cama de cima. Era o mesmo com fêmeas e mulheres também, eles formavam uma boa equipe. Syphon conseguia acompanhá-lo: na cama, no chão, contra uma parede... Em campo também.
– Sim. Se ele voltar para casa.
– Eu não estranharia se ele não voltasse. – O sotaque irlandês era espesso naquela voz profunda, dando flexões diferentes às sílabas. E era o mesmo com os primos do macho. – Ele não devia ter feito aquilo.
– É.
– Você não devia se colocar contra ele também.
– Não, eu vou cuidar disto.
O grunhido que veio em resposta, sugeria que um apoio estava sendo avaliado antes de ser oferecido, e ele bem que poderia precisar. Xcor era tão maldoso como lutador quanto o era como amante.
– Malditas aranhas, – Zypher murmurou enquanto estapeava a nuca de novo.
– Devíamos ter feito alguma coisa, – alguém disse na escuridão.
Era Balthazar.
E um rumor de concordância se ergueu através da luz de velas.
– Nós não vamos ficar de braços cruzados de novo, – Zypher anunciou. – E não vamos fazê-lo agora.
Assumindo que o fodido voltasse para casa. O que, se ele não voltasse, não seria porque ele pensara melhor ou se arrependera do que tinha feito. Não Xcor. Ele era tão decidido quanto suas lâminas.
Uma coisa era certa, no entanto: Se Throe estava morto, Xcor ia ter um motim em suas mãos. Inferno, aquilo era certo até mesmo se o soldado sobrevivesse. Ninguém iria colocar a vida em risco, na busca pelo trono, por alguém que não honrava os laços de...
Zypher bateu na nuca tão forte que alguém comentou, – Se você preferir um açoite, podemos arranjar.
A umidade na palma de sua mão o fez trazê-la à frente...
Sangue. Sangue vermelho. Um monte dele.
Maldição, ele deve ter sido mordido pela porra. Levantando a outra mão, ele investigou a área, tocando com a ponta dos dedos...
Uma gota de sangue caiu nas costas de seus pulsos.
Olhando para as vigas de piso acima de sua cabeça, sua bochecha aparou a próxima gota que caiu de uma pequena rachadura na madeira sólida.
Ele saiu de seu beliche com facas em ambas as mãos, antes que caísse uma quarta. Os demais ficaram imediatamente alertas, sem proferirem sequer uma pergunta – só observá-lo se preparar para a luta, os fez saírem das camas, atentos.
– Você está sangrando, – Syphon sussurrou.
– Não sou eu. Alguém está lá em cima.
Zypher inalou tentando apreender alguma essência, mas tudo o que pôde sentir foi o mofado e penetrante fedor da umidade subterrânea.
– Será que a Irmandade trouxe Xcor para nós? – alguém sussurrou.
Em questão de segundos, armas foram checadas e placas de armaduras foram amarradas a peitos.
– Eu vou primeiro, – Zypher anunciou.
Não houve discussão – mas também, ele já estava na base das escadas reforçadas, e começando a subir. Os outros o seguiram, e mesmo que todos pesassem juntos mais de quatrocentos e cinquenta quilos, eles subiram sem fazer barulho, sem estalos ou grunhidos da madeira velha sob suas mãos. Ou seus pés, melhor dizendo.
Ao menos até chegarem ao topo. Os três últimos degraus estavam mal posicionados de propósito, de forma que pudesse dar o alerta de qualquer invasão. Ele os pulou, se desmaterializando diretamente à porta reforçada de aço, instalada em uma moldura de aço concretada em quatro paredes que tinham aço misturado ao gesso.
Não havia jeito de alguém entrar ou sair sem ser visto.
Com cuidado, ele gentilmente liberou o trinco de aço e girou a maçaneta. Então abriu levemente.
O cheiro de sangue fresco atingiu seu nariz, tão espesso que ele sentia um gosto doce metálico no fundo da garganta. E reconheceu a fonte.
Era Xcor. E não havia nada, nem ninguém com ele: sem fedor de lesser, sem as especiarias escuras de um vampiro macho, sem a colônia patética de um humano.
Zypher assinalou para os outros se manterem afastados. Ele iria precisar deles para salvar seu traseiro se seu nariz estivesse enganado.
Abrindo a porta em um empurrão rápido e silencioso, ele pisou na escuridão artificial criada pelos painéis e cortinas que cobriam as janelas...
Através do piso rachado da cozinha e a madeira poeirenta do corredor, no canto da sala, num círculo de velas cor de mel... Xcor jazia sentado em uma poça de sangue.
O soldado ainda vestia suas roupas de luta, a foice e as armas junto a ele no chão, pernas estendidas, braços nus e ensanguentados, apoiados nas coxas.
Havia uma adaga de aço em sua mão.
Ele estava se cortando. Repetidas vezes com a lâmina de sua faca, ele cortava seus braços fortes e musculosos, de forma que o sangue pingava de ferimentos riscados demais para contar. Mas aquilo não era o chocante. Havia lágrimas nos rosto do macho. Corriam pelas suas bochechas, caíam de sua mandíbula e queixo, se misturavam com o que caía de sua carne.
Palavras, roucas e baixas, soavam – ...Maldito maricas... Chorão, inútil, maricas... Pare... Pare... Você fez o que tinha de fazer a ele... Maldito maricas...
Aparentemente alguém mais tinha desenvolvido um laço com Throe.
De fato, o líder deles estava odioso em sua miséria e arrependimento.
Zypher lentamente recuou pela porta e a fechou de novo.
– O quê? – Syphon exigiu na escuridão.
– Precisamos deixá-lo sozinho.
– Xcor está vivo então?
– Sim. E ele está sofrendo pela sua própria mão, pela razão correta... Derramando seu sangue por aquele que ofendeu tão mortalmente.
Houve um ruído de aprovação, e então todos giraram e desceram.
Era um começo. Mas havia um longo caminho ainda para ganhar novamente a lealdade deles. E eles precisavam saber o que acontecera a Throe.
Sentado no chão duro, em uma poça de seu próprio sangue, Xcor estava preso entre seu condicionamento nas mãos do Bloodletter e seu... Coração, ele supunha.
Estranho que a esta idade descobrisse que realmente tinha um desses, e difícil encarar esta descoberta como uma bênção.
Parecia mais uma garantia de fracasso. O Bloodletter tinha ensinado bem os requisitos para um bom soldado, e emoções, ao contrário da raiva, vingança e ambição não eram parte deste ensino: Lealdade era algo que se exigia dos subordinados, e se não a dessem a você, e a você somente, se livrava deles como armas defeituosas. Respeito era dado somente em resposta à força de seus inimigos, e simplesmente, porque você não gostaria de ser derrotado por subestimar o oponente. Amor era associado somente com a aquisição e bem-sucedida defesa de seu poder...
Afundando a faca manchada de vermelho, novamente, em sua pele, ele vaiou enquanto a dor picava através de seus braços e pernas, fazendo sua cabeça zumbir e a batida de seu coração enfraquecer.
Enquanto o sangue fresco caía, ele rezou para que pudesse extrair de seu corpo o emaranhado confuso de arrependimento que o engolfara assim que abandonara Throe naquele beco.
Como podia isto ter dado tão errado...
O caos, de fato, começara quando ele não se afastara do beco.
Depois de mandar seus machos ficarem longe de Throe, ele tivera a intenção de fazer o mesmo... Mas acabara à espreita no topo do telhado de um dos prédios, escondido, enquanto velava o soldado. Ostensivamente, disse a si mesmo que era só porque queria se certificar de que os Irmãos achariam seu segundo em comando, e não a Sociedade Lessening – porque a informação que ele precisava estava no primeiro e não no segundo.
Exceto que ele tinha observado Throe se contorcer de dor no asfalto, membros se agitando em ângulos estranhos, enquanto buscava alívio em outra posição, a realidade de um guerreiro orgulhoso rendida indefesa o tinha atingido.
Para que causara tamanha agonia?
Quando os ventos bateram contra Xcor, clareando sua mente e esfriando sua raiva, ele percebeu que suas ações caíam desconfortavelmente sobre ele. Insuportavelmente.
Quando os assassinos chegaram, ele sacou sua arma, preparou-se para defender o macho que tinha abandonado. Mas Throe tinha feito um formidável ataque... E então os Irmãos tinham chegado e agido conforme o previsto, despacharam os lessers com facilidade, pegaram Throe e colocaram-no na traseira de um veículo preto.
Naquele momento, Xcor resolveu não seguir o SUV. E a razão que o moveu era um anátema às razões iniciais.
Throe seria tratado com grande competência no covil da Irmandade.
Verdade fosse dita sobre os fodidos luxuosos, ele sabia que eles tinham acesso a tratamento médico de alta qualidade. Eles eram a guarda particular do rei; Wrath não lhes daria nada menos. Se ele os seguisse, com a ideia de se infiltrar na mansão? Eles poderiam descobri-lo, e lutar com ele o caminho inteiro, ao invés de levar Throe para a ajuda que precisava.
De fato, Xcor ficara longe pela razão errada, a razão ruim, uma razão inaceitável – a despeito de todo seu treinamento, ele se viu escolhendo a vida de Throe acima de sua ambição. Sua raiva queria levá-lo para uma direção, mas seu arrependimento o queria levar para outra. E o segundo tinha vencido.
O Bloodletter, sem dúvida, estaria se revirando no túmulo.
Decisão tomada, ele definhou nos escombros da noite e de suas intenções quando tiros espocaram no beco, antes mesmo do veículo que levava Throe tivesse a chance de partir.
Enquanto juntava suas coisas, houve uma breve calmaria... E então Tohrment, filho de Hharm, tinha andado para o centro da rua, sem cobertura, tornando-se um alvo para os lessers recém-chegados, ao mesmo tempo em que descarregava suas armas de fogo em cima deles.
Era impossível não respeitá-lo por isso.
Xcor estava diretamente acima do matador que começou a atirar de volta no Irmão – e ainda assim, mesmo que as armas do inimigo estivessem direcionadas ao macho, Tohrment continuou em frente com os dois canos, sem se deter, inabalável.
Um tiro na cabeça e seria seu fim para sempre.
Motivado por algo que ele se recusava a nomear, Xcor tinha deitado de barriga, se arrastado até a beira do prédio, e apontado a própria arma, esvaziando seu canhão no lesser que estava escondido, afastando qualquer possibilidade da morte do Irmão. Pareceu uma recompensa justa por toda aquela coragem.
Então ele se desmaterializou para longe da área, e andou pelas ruas de Caldwell por horas, as lições do Bloodletter batendo na sua porta interna, exigindo que as deixassem entrar de forma que pudessem extinguir a sensação de que o que fizera com Throe estava errado.
O arrependimento só tinha aumentado, no entanto, devorando sua pele, redefinindo sua relação com seu soldado... Assim como com o macho que uma vez chamara de Pai.
A concepção de que ele poderia não ser feito do mesmo material do Bloodletter o tinha irritado. Especialmente dado que ele tinha se colocado a si mesmo, e seus desgraçados em rota de colisão com o Rei Cego – e executar este plano requereria o tipo de força que vinha somente dos totalmente sem compaixão.
De fato, era tarde demais para recuar daquele curso agora, mesmo que quisesse – e ele não queria. Ele tinha intenção de derrubar Wrath – pela simples razão de que o trono era para ser tomado, não importando o que as Leis Antigas ou tradição cega ditavam.
Mas quando se tratava de seus soldados, e seu segundo em comando...
Concentrou-se novamente em seus braços, hábito e uma busca cega por si mesmo o fez novamente afundar a lâmina em sua carne, arrastando a ponta para cima, de forma que o dano fosse grande, limpo e adequadamente doloroso.
Estava ficando difícil achar carne fresca.
Vaiando por entre dentes cerrados, ele rezou para que a dor atingisse seu núcleo. Ele precisava dela sobreposta às suas emoções, da forma que a voz lembrada do Bloodletter jamais falhara, fortalecendo-o, dando-lhe uma mente clara e coração gelado.
Não estava funcionando. A dor só atingia seu coração, amplificando a traição que ele desencadeara sobre o macho de alma boa, que o servira tão bem.
Pegajoso de seu próprio sangue, nadando em sua própria tortura, ele reaplicou a lâmina de novo e de novo, esperando pela velha clareza familiar chegar...
E quando não chegou, se viu percebendo que, se ele tivesse alguma vez a chance, ele libertaria Throe, finalmente e para sempre.
Enquanto Tohr jazia deitado sozinho em sua cama, ele não tinha consciência de nada mais, além da pulsação cardíaca em seu pau. Bem, isto e do cheiro de flores recém-colhidas de Fritz, que fazia sua rotina de meio-dia, com a troca dos vasos no corredor.
– É isto que quer de mim, anjo? – Ele perguntou em voz alta. – Vamos lá, eu sei que está aqui. É isto o que quer?
Para enfatizar a questão, colocou sua mão por baixo das cobertas e desceu-as pelo peito e barriga até parar à frente dos quadris. Enquanto segurava seu membro, não conseguiu evitar de arquear a coluna, nem de refrear o gemido que subiu pela sua garganta.
– Onde caralhos está você? – ele rosnou incerto na semi-escuridão, de com quem estaria falando. Lassiter. No’One. As misericordiosas Moiras[37] que teciam o destino – se é que elas existiam mesmo.
Em algum nível, ele não conseguia acreditar que estava esperando por outra fêmea – e o fato de que o frágil equilíbrio entre a urgência e a culpa estava rapidamente se inclinando para a primeira era um...
– Se você disser meu nome enquanto faz isto, eu vou engulhar.
A voz de Lassiter estava rouca e desencarnada, quando saiu do canto oposto do quarto, onde a chaise ficava.
– É isto que você queria dizer? – Deus, aquele era realmente ele? Tohr se perguntou. Faminto, impaciente. Rabugento porque estava todo excitado.
– É melhor do que vê-lo caminhar sob uma chuva de balas... – Houve um som de movimento. – Ei, sem ofensa, mas se importa de colocar as duas mãos num lugar onde eu possa vê-las?
– Você pode fazê-la vir a mim?
– Livre arbítrio é o que há. E mãos, filho da puta. Se não se importa.
Tohr colocou ambas as mãos fora e se sentiu compelido a declarar, – Eu quero alimentá-la, não trepar com ela. Eu não colocaria No’One nesta posição.
– Eu sugiro que você deixe-a tomar a própria decisão sobre a questão do sexo. – O cara tossiu um pouco... Mas então, novamente, trepada é um assunto estranho entre dois caras se estão falando de uma fêmea de valor. – Ela pode ter suas próprias ideias.
Tohr se lembrou do jeito que ela o olhara na clínica, enquanto ele se masturbava. Ela não tinha tido medo. Ela parecera cativada...
Ele não sabia ao certo como lidar com isto...
Seu corpo se arqueou sozinho, como se para dizer, O caralho que não sabe, camarada.
Enquanto outra tosse soava, Tohr riu um pouco. – Você tem alergia a estas flores?
– É. É isto. Eu vou deixá-lo agora, ok? – Houve uma pausa. – Estou orgulhoso de você.
Tohr franziu o cenho. – Por quê?
Quando não houve resposta, ficou claro que o anjo já tinha saído.
Um toque suave na porta o fez se endireitar, e mal sentiu a dor de seus ferimentos: Ele sabia exatamente quem era. – Entre.
Venha para mim.
A porta foi entreaberta, e No’One deslizou para dentro, trancando-os.
Quando ele sentiu o clique do mecanismo da fechadura, seu corpo desligou sua mente por completo. Ele ia alimentá-la... E, Deus ajudasse aos dois, ele ia fodê-la se ela deixasse.
Por um breve momento de lucidez, ele pensou em lhe dizer para ir embora, de forma que pudessem se poupar daquele momento quando o sexo esfriava, e as mentes clareavam... E duas pessoas compreendiam que aqueles coquetéis Molotovs que pareciam tão divertidos e excitantes de fazer e jogar, tinham, na realidade, destruído as paisagens deles.
Só que ele simplesmente estendeu a mão para ela.
Depois de um momento, ela removeu o capuz. Enquanto ele relembrava seu rosto e forma, ele viu que ela não se parecia em nada com sua Wellsie. Ela era de constituição menor e mais delicada. Cores pálidas ao invés de vibrantes. Autentica ao invés de teimosa.
Ele gostava dela, no entanto. E era mais fácil, de uma maneira diferente, que ela fosse tão diferente. Menores as chances desta fêmea tomar o lugar de sua amada em seu coração. Mesmo que seu corpo estivesse excitado, aquilo era o menos importante da conexão. Machos com o tipo de linhagem que ele tinha, quando em boa saúde e bem alimentado, como agora ele estava, podiam sentir tesão por um saco de batatas.
E No’One, apesar da opinião sobre si mesma, era um inferno mais atraente do que vegetais de raízes...
Cristo, o romance estava simplesmente incrível aqui em cima, não estava?
Ela se aproximou lentamente, seu manquejar mal sendo notado, e quando chegou à beira do colchão, olhou para baixo, para o peito nu dele, seus braços, seu estômago... E desceu ainda mais com seus olhos.
– Estou excitado de novo, – ele disse em voz gutural. E fodido fosse ele, mas não tinha mencionado aquilo para alertá-la. A verdade? Ele desejava trazer aquele olhar de volta, aquele que estivera nos olhos dela enquanto ele se masturbava até gozar.
E, quem diria... Ali estava: calor e curiosidade. Não havia medo.
– Devo tomar seu pulso daqui? – ela perguntou.
– Venha para a cama, – ele só rosnou.
Ela apoiou um joelho no colchão alto, e então com dificuldade tentou trazer o outro. Mas sua perna ruim a desequilibrou, e ela caiu para a frente...
Tohr pegou-a facilmente, agarrando seus ombros e impedindo-a de cair de cara. – Te peguei.
E não é que aquilo tinha duplo sentido?
Deliberadamente, ele a puxou para cima dele, de forma que ela pousasse sobre seus peitorais. Cara, ela não pesava nada. Mas também, comia pouco.
Ele não era o único que precisava se alimentar direito.
Então, ele só parou, para lhe dar tempo de se ajustar. Ele era um macho grande, e estava excitado como a merda, e já a tinha assustado o suficiente. Pelo que lhe constava, ela podia tomar todo o tempo do mundo para ter certeza de que soubesse quem é que estava com ela...
De repente, o cheiro dela mudou, assumindo o inebriante espectro do despertar feminino. Em resposta, seus quadris ondularam por baixo das cobertas, e ela esticou um olhar por sobre o ombro, olhando o corpo dele reagir.
Se ele fosse um macho educado, teria escondido a resposta, e se certificado de que isto era somente sobre ele retribuir o serviço que ela lhe tinha prestado. Mas ele estava se sentindo muito mais macho do que educado.
Diante disto, ele a baixou em seu peito, colocando-a em um ângulo tal que sua boca estava perto de sua jugular.
Pele.
Cálida pele masculina contra os lábios dela.
Cálida, limpa, pele de vampiro que era dourado-bronzeada, e não branco passado. Aquele cheiro de especiarias, e força, e... Algo tão erótico, seu corpo tinha retornado àquele lugar vulcânico.
Enquanto ela respirava, a essência dele – aquela essência de macho – produziu uma reação sem precedentes. Tudo virou instantaneamente instintivo, suas presas se alongaram, os lábios se abriram, a língua saiu da boca como que com a intenção de provar.
– Beba, No’One... Você sabe que quer. Beba de mim...
Engolindo em seco, ela se empurrou para cima dele e encontrou seus olhos ardentes. Havia tantas emoções para decifrar neles, e o mesmo se podia dizer de sua voz e sua expressão. Isto não era fácil para ele; mas também, este era seu quarto de casal, onde ele, sem dúvida, tinha estado com sua companheira milhares de vezes.
E ainda assim, ele a desejava. Era óbvio pela tensão de seu corpo, naquela ereção que mesmo por baixo das cobertas, ela podia ver.
Ela sabia que ele estava numa encruzilhada problemática agora, dividido entre contradições. Ela também. Ela queria isto, mas se ela se alimentasse dele agora, as coisas iriam avançar, e ela não tinha certeza de estar preparada para aonde aquilo iria parar.
Só que ela não ia recuar. E nem ele.
– Você não me quer em seu pulso, – ela disse em uma voz que não parecia dela.
– Não.
– Então onde você me quer. – Não era uma pergunta. E, querida Virgem Escriba, ela não sabia quem estava falando com ele daquele jeito – baixo, sedutor, exigente.
– Em minha garganta. – Suas palavras foram ainda mais baixas, e ele gemeu enquanto os olhos dela se voltaram para onde ele pareceu tê-la colocado deliberadamente.
Este guerreiro poderoso queria ser usado por ela. Enquanto ele se recostava nos travesseiros, seu corpo enorme parecia estar naquele estado de tensão estranho que ela já vira antes, mantido preso por amarras invisíveis que ele não conseguia quebrar.
Seus olhos se crivaram nos dela, enquanto ele inclinava para o lado, expondo sua veia... Do lado oposto ao qual ela estava. De forma que ela teria de se esticar sobre seu peito de novo. Sim, ela pensou, ela queria isto também... Só que antes de fazer qualquer tipo de movimento, ela deu uma chance ao seu eu interior de entrar em pânico. A última coisa que ela queria era se tornar extenuada e apavorada no meio disto.
Nada emergiu das profundezas. Por uma vez, o presente estava tão vivo e cativante que o passado não era nem um eco, ou uma sombra – ela estava, neste momento, totalmente limpa.
E muito certa do que desejava.
No’One esticou o braço e se estendeu para superar a expansão impossível do torso dele. Seu tamanho era quase uma piada, a justaposição de seus corpos era absurda – e ainda assim ela não tinha medo. As almofadas duras de seus peitorais e o feixe amplo de seus ombros não lhe eram ameaçadores.
Eles somente serviram para aguçar ainda mais sua fome pela veia dele.
Seu corpo se arqueou para cima enquanto ela se deitava sobre ele, e oh, o calor. Fervendo pela pele dele e aumentando a necessidade em seu próprio corpo, tão certo como lenha em uma fogueira.
Fazia tanto tempo desde que ela tomara de um macho. E nos tempos antigos, tinha sido feito somente sob a estrita supervisão, não apenas de seu pai, mas de outros machos de sua linhagem. De fato, no decorrer do ato, havia um toque de cerimônia, biologia temperada pela sociedade e expectativa social.
Ela nunca tinha ficado excitada... E caso o elegante cavalheiro que estava com ela, tivesse ficado, ele sabiamente não tinha demonstrado.
Isto era tudo o que as experiências anteriores não tinham sido.
Isto era cru, e selvagem... E muito sexual.
– Tome de mim, – ele comandou, a mandíbula cerrada, o queixo erguido, a garganta se tornando mais e mais exposta.
Quando ela trouxe a cabeça para baixo, estremeceu da cabeça aos pés, e atacou-o sem nenhuma elegância.
Desta vez, o gemido veio dela.
Seu sabor não se parecia com nada que ela se lembrasse, um rugido estrondoso em sua boca, em sua língua, garganta abaixo. Seu sangue era tão mais puro e forte do que aquele que ela tinha tido, e oh, o poder dele. Era como se a potência de seu corpo guerreiro invadisse o seu, transformando-a em algo mais do que jamais fora.
– Tome mais, – ele incentivou, em voz rouca. – Tome tudo...
Ela fez como ele mandou, ajustando o ângulo da cabeça, para se encaixar em sua garganta ainda mais perfeitamente. E enquanto ela bebia com gosto renovado, viu-se ficando agudamente consciente do peso de seus seios apoiado no peito dele. E da dor em suas entranhas, que não importava o quanto ela tomasse, parecia somente aumentar. E do estado lânguido de suas pernas... Como se tudo o que elas quisessem fazer era se escancararem.
Para ele.
A reversão de sua rigidez e tensão era tão completa, que parecia irreversível, e isto importava? Tão consumida ela estava, que não se importava com nada além do que já estava tendo.
Tohr atingiu um orgasmo logo depois do primeiro ataque de No’One. Não dava para parar a contração de suas bolas ou os choques de pulsação que viajaram até seu pau ou a explosão que eclodiu na cabeça de seu membro quando ele tremeu embaixo dos lençóis.
– Poooorra… No’One...
Como se ela soubesse o que tinha acabado de acontecer, e para o que ele estava pedindo permissão, ela assentiu com a cabeça contra a garganta dele. Então desceu ao ponto de pegar-lhe o pulso e empurrar a mão dele sob o lençol.
Ele não iria pedir duas vezes.
Abrindo as pernas, ele acariciava seu membro rígido em um ritmo que combinava com o puxar em sua veia. E enquanto ele gozava de novo, sua excitação pulsando como louca, ele mergulhou uma mão, agarrou seu saco, e apertou forte. O prazer e dor se tornaram um espelho de parque de diversões, o reflexo distorcido de um contra o outro ampliando todas as sensações, das presas em seu pescoço às erupções abaixo da cintura.
A sensação de se deixar levar, de colocar de lado a dor contra a qual ele lutou noite e dia, era um puta de um alívio. Ele era o lago temporariamente derretido e livre de sua cobertura de gelo, e ele se deliciava em sua abertura para ela, do modo como ele se deixou ficar deitado ali embaixo do corpo leve dela, capturado e seguro por seu peso delicado e sua mordida poderosa.
Fazia tanto tempo desde que ele sentiu alguma coisa boa no fundo do solo congelado de sua alma. E porque ele sabia que todos os seus fardos estariam esperando por ele quando este calmo amanhecer desvanecesse, ele se deleitou ainda mais na experiência, deliberadamente revestindo-se de todas as sensações.
Quando No’One finalmente recolheu suas presas, o rastro da lambida da língua dela quando selou os ferimentos das perfurações o fez gozar tudo de novo: o molhado, morno arrastar sobre sua pele traduziu-se para baixo em seu corpo indo parar em sua ereção, que chutou e empinou, jogando para fora mais do que já cobria seu abdômen e encharcava os lençóis.
Ele olhou fixamente nos olhos dela enquanto gozava, mordendo o lábio inferior, lançando a cabeça para trás – então assim ela saberia exatamente o que ele estava fazendo.
E foi então que ele soube… Ela queria um pouco daquilo também.
O cheiro delicioso dela disse isso a ele.
– Você vai me deixar fazer você se sentir bem? – Ele disse roucamente.
– Eu… Eu não sei o que fazer.
– Isto é um sim?
– Sim… – ela sussurrou.
Ficando de lado, ele gentilmente a empurrou contra o colchão. – Tudo que você tem que fazer é ficar aí deitada, eu cuidarei de tudo.
A facilidade com a qual ela concordou foi uma humilde surpresa, e uma sugestão imediata, até onde sua libido sabia, para deixá-la nua, montá-la, e gozar nela inteira.
Mas não iria acontecer. Por muitas razões.
– Eu irei devagar, – ele gemeu, perguntando-se se falava para ele ou para ela. E então pensou… Porra, sim, ele iria devagar. Ele não tinha certeza se conseguiria se lembrar do que fazer com uma fêmea...
Vindo do nada, uma sombra atravessou sua mente, saltando de seu cérebro e se colocando entre eles, escurecendo o momento.
Com uma dor triste, ele percebeu que não conseguia se lembrar exatamente quando ele e Wellsie estiveram juntos nos momentos finais; se ele soubesse o futuro deles, teria prestado mais atenção em tudo.
Sem dúvida, tinha sido uma daquelas confortáveis, esquecíveis, mas finalmente profundas sessões na cama deles, com os dois meio acordados e felizes pelo andar do curso da...
– Tohrment?
O som da voz de No’One mexeu com ele, ameaçando descarrilar completamente o que estava acontecendo no presente. Exceto que então ele pensou em Lassiter… E ele pensou em sua shellan naquele mundo subterrâneo cinza, presa naquele campo desolado de poeira.
Se ele parasse agora, ele nunca mais voltaria para este momento, este potencial, esta situação de novo com No’One… Com qualquer outra. Ele iria ficar permanentemente preso na estrada de seu luto... E Wellsie nunca estaria livre.
Droga, como acontece com tantas coisas na vida, você tem que empurrar os obstáculos e este era um dos grandes. Também não iria durar para sempre. Ele teve mais de um ano de luto e pesar, e havia décadas e séculos disso pela frente. Pelos próximos dez minutos, quinze minutos, uma hora – quanto quer que isso durasse – ele apenas precisaria ficar no aqui e agora.
Apenas com No’One.
– Tohrment, nós podemos pa...
– Eu posso soltar seu manto? – A voz dele soou morta para seus próprios ouvidos. – Por favor… Deixe-me ver você.
Quando ela assentiu com a cabeça, ele engoliu em seco e levou uma mão trêmula para o laço da bata dela. A coisa se soltou com uma pequena ou nenhuma ajuda dele, e então as dobras estavam livres de revestir corpo dela.
Seu sexo pulsou duro ao vê-la quase descoberta diante de seus olhos, de suas mãos… De sua boca.
E essa reação lhe disse que infelizmente… Ou felizmente… Ele podia fazer isto. Ele iria fazer isto.
Deslizando sua mão ao redor da cintura dela, ele pausou. Wellsie tinha um corpo tão luxuriante, todo curvas femininas e força de fêmea que ele havia amado tanto. No’One não era assim.
– Você tem que comer mais. – ele disse asperamente.
Quando as sobrancelhas dela se reuniram e ela pareceu retrair-se, ele quis bater em sua cabeça. Nenhuma fêmea precisava ouvir sobre defeitos em momentos como esse.
– Você é muito bonita, – ele disse, os olhos sondando o tecido fino que cobria os seios e seus quadris. – Eu só me preocupo com você. É só isso.
Quando ela relaxou novamente, ele não teve pressa, acariciando-a através da manta de linho simples que ela vestia, lentamente movendo-se sobre a barriga dela. Aquela imagem dela suspensa sobre a palma cristalina da água azul da piscina, flutuando com os braços abertos, a cabeça para trás e os seios com os bicos intumescidos o fizeram gemer.
E deu a ele uma direção específica.
Arrastando as pontas dos dedos para cima, ele acariciou a parte inferior do seio dela...
O silvo que ela soltou e a arqueada súbita indicavam que o contato era mais do que bem-vindo. Mas não havia pressa. Ele já havia sido apressado lá na despensa; não iria acontecer novamente.
De forma lânguida, ele subiu até que seu dedo indicador alcançou o mamilo. Mais silvos. Mais arquejos.
Mais exploração.
O corpo dele estava rugindo, seu pau lutava sob a coberta contra o autocontrole, contra o ritmo. Mas ele estava mantendo as coisas quietas lá em baixo, e merda, iriam permanecer assim. Isto era para ela, não para ele, e a maneira mais rápida de virar a mesa seria colocar o corpo nu dele em qualquer lugar perto dela.
Tinha que ser o sangue dela nele. Sim, era isso. Essa era a causa do desejo louco dele de emparelhar.…
Quando No’One debateu suas pernas em cima do edredom, e agarrou o antebraço dele com as unhas, foi aí que pegou o seio todo, alternando o polegar com dedo indicador enquanto a acariciava.
– Você gosta? – ele falou lentamente quando ela ofegou.
A resposta que ela eventualmente deu nada mais era do que um monte de sons; então novamente, todo aquele erótico esforço deu a ele a verdadeira resposta.
Ela realmente gostava de como estava se sentindo.
Circundando a parte de baixo das costas dela com o braço, ele gentilmente a ergueu até sua boca. Ele teve um momento de hesitação antes de chupar, exatamente porque ele não poderia acreditar que estivesse realmente fazendo isto com alguém: nunca tinha ocorrido a ele que teria qualquer tipo de vida sexual além das memórias, mas aqui estava ele, íntimo e pessoal, por assim dizer, essa conexão elétrica faiscando, seu corpo nu e excitado, sua boca perto de saborear alguém diferente.
– Tohrment… – ela gemeu. – Eu não sei o que eu estou...
– Está tudo bem. Eu tenho você… Eu tenho você.
Baixando sua cabeça, ele separou seus lábios e roçou no mamilo dela através do manto, para frente e para trás, para frente e para trás. Em resposta, as mãos dela se cravaram no cabelo dele, gostosas em seu couro cabeludo, apertando, arranhando.
Merda, o cheiro dela era fantástico, o aroma mais leve e mais cítrico do que o de Wellsie… Ainda assim, como combustível de foguete nas veias dele.
Uma lambida o levou a raspar o tecido e a sugestão do paraíso... Então ele a lambeu novamente. E de novo. E de novo.
Sugando-a em sua boca, ele puxou o mamilo, arrastando para cima quando ele perdeu o ritmo. E enquanto ela se segurava mais forte nele, ele movia as mãos ao redor do corpo dela, conhecendo os quadris e as coxas dela, a barriga e aquelas minúsculas costelas.
A cama fazia um sutil rangido, o colchão esticando-se embaixo dele quando se moveu mais para perto dela… E trouxe a parte inferior de seus corpos juntas.
Estava na hora de esquentar mais as coisas.
Era por isso que as fêmeas tinham aquele olhar quando elas pensavam em seus companheiros.
No’One finalmente entendia porque quando um hellren entrava em uma sala, sua shellan se endireitava um pouco e portava um sorriso secreto. Essa era a causa dos olhares compartilhados entre as duas metades das espécies. Isto explicava a urgência para terminar logo a cerimônia de emparelhamento, a refeição dos convidados e a dança com a casa fechada para o dia.
Era por isso que felizes casais emparelhados algumas vezes não desciam para a Primeira Refeição. Ou para Última Refeição. Ou qualquer refeição no meio delas.
Este banquete dos sentidos era o sustento definitivo para a espécie.
E algo que ela nunca acreditou que conheceria.
A razão por ser capaz de apreciar isso? Apesar do desejo frenético nos corpos dos dois, Tohr era tão cuidadoso com ela. Embora ele estivesse obviamente excitado, e ela também estivesse, ele não se apressava. O autocontrole dele era um conjunto de barras de aço sobre os instintos coletivos de emparelhamento deles, o saborear e o ritmo dele tão sem pressa e inofensivo, como a queda graciosa de uma pena através do ar calmo.
Isso estava deixando-a louca, na verdade.
Mas ela sabia que era melhor. Frustrada como estava, ela sabia que esse era o jeito certo, pois não havia nenhuma possibilidade de confundir com quem ela estava ou se ela queria isso...
A sensação da boca molhada dele selada em seu seio a fez clamar e marcar o couro cabeludo dele. E isso foi antes dele começar a chupá-la.
Ao redor de seu mamilo, ele disse: – Você abrirá suas pernas para mim?
As coxas dela obedeceram antes de seus lábios poderem formar uma aquiescência, e a risada que ela recebeu em resposta foi um estrondo profundo de satisfação no peito dele. Ele também não perdeu tempo. Fechando a boca sobre o seio dela, a palma deslizando até o topo da coxa e movendo-se acima pelo lado de dentro.
– Levante os quadris para mim, – ele disse antes de lamber o mamilo um pouco mais.
Ela imediatamente obedeceu, tão perdida na expectativa que ela não conseguiu compreender porque ele perguntou. Exceto que então, houve uma escovada suave ao redor das pernas dela.
O manto. Ele estava movendo o manto para cima...
O toque dele retornou, acariciando a parte superior da coxa, indo para baixo… Antes de se mover uma vez mais para o lado de dentro.…
Oh, a falta de barreira. Como se isto já não estivesse sendo bom o suficiente.
Em resposta, a pélvis dela se arqueou e esticou e não chegou a lugar nenhum, quando se tratava de persuadi-lo para o calor que ele acabaria por reivindicar. De fato, nas desviadas ministrações dele, o florescer no núcleo dela mudou para algo ousado, a sensação mudando para uma forte necessidade afiada, a dor da qual era muito semelhante de quando ele havia tomado da veia dela.
O primeiro toque no sexo dela foi nada além de uma leve passagem que a deixou clamando por mais. O segundo foi uma leve mudança. O terceiro foi um...
Ela lançou sua mão para baixo e cobriu a dele, empurrando-o contra sua parte quente.
O gemido dele foi inesperado, sugerindo que a sensação dela pode tê-lo feito gozar, sim, ela sabia pelo jeito que o corpo dele espasmou que ele tinha sofrido outra liberação, os quadris dele balançavam debaixo dos cobertores de um modo que a fez pensar em penetrações.
Repetidas, vigorosas penetrações.
– Tohrment… – A voz dela era áspera, seu cérebro obstruído, seu corpo a única coisa que estava ciente de tudo isso.
Foi um momento antes de ele poder responder-lhe com qualquer outra coisa do que uma respiração arfante.
– Você está bem?
– Ajude-me. Eu preciso…
Ele passou os lábios contra o seio dela e avançou com a mão mais longe.
– Eu cuidarei disto. Prometo. Só um pouco mais.
Ela não sabia quanto “mais” ela poderia ir antes de seu corpo explodir.
Exceto, que, então, ele lhe ensinou que havia alturas ainda maiores de frustrações.
Eventualmente, o roçar começou da mesma maneira, lentamente, levemente, uma provocação ao invés de um toque de verdade. Mas graças à grande Virgem Escriba, não ficou daquele jeito. Quando ele sutilmente aumentou a pressão no topo de seu sexo, ela estava se lembrando do modo como ele tinha dado prazer a si mesmo na clínica, com as mãos que empurravam embaixo em seus quadris, seu corpo criando fricção até que algo estalou e o prazer cresceu...
O orgasmo era mais poderoso que qualquer coisa que ela já tinha sentido. Nem mesmo a dor que ela conheceu nas mãos do symphath chegou perto do prazer que resistiu na parte inferior de seu corpo, reverberando até seu peito, e ecoando para as pontas dos dedos das mãos e dos pés.
Ela conhecia a Terra. Ela conhecia o Santuário.
Mas isso… Era o paraíso.
Quando No’One teve um orgasmo, o pau de Tohr ejaculou novamente, a sensação de seu sexo escorregadio e seu quadris se movendo, e o som da voz dela gritando empurrou-o muuuuito além do limiar: Ela estava molhada; estava aberta; estava pronta para ele.
Ela estava gostosa.
E enquanto ela se esfregava contra sua mão, ele queria cair de boca nela e sentir sua língua invadindo-a, assim ele podia engolir o que lhe dera.
De fato, se ela não estivesse tão fortemente grudada nele, teria se movido para a posição onde isso seria possível, baixando a cabeça no corpo dela, encontrando-a com os lábios. Mas não havia como ir para lugar algum, naquele momento. Não até que ambos os corpos se acalmassem e seus músculos se acomodassem nos ossos.
Só que... Ela não o largou.
Mesmo depois de sua liberação acabar, seus braços mantiveram seu surpreendentemente forte abraço em seu pescoço.
Quando ela começou a tremer, ele sentiu cada tremor.
De início ele imaginou que fosse a paixão voltando, mas se tornou rapidamente óbvio que não era o caso.
No’One estava chorando suavemente.
Quando ele tentou se afastar, ela só o agarrou mais forte, enfiando a cabeça em seu peito, escondendo-se. Claramente, ela não estava com medo dele, nem ele a machucara. Mas, Deus, ainda assim...
– Shh... – ele sussurrou enquanto colocava a grande palma da mão em suas costas e começou a circular gentilmente. – Tudo bem...
Na verdade, aquilo era uma mentira. Ele não tinha certeza se as coisas estavam bem. Especialmente quando ela começou a soluçar a sério.
Já que não havia nada que ele pudesse fazer além de ficar com ela, baixou a cabeça para perto da dela, e puxou o edredom de suas pernas para cobri-la e mantê-la aquecida.
Ela chorou por uma eternidade.
Ele teria que abraçá-la por muito mais tempo do que isto.
Era estranho... Prover-lhe um lugar de segurança em si mesmo, deu-lhe um propósito e foco que eram tão forte quanto os sexuais tinham sido momentos antes. E em retrospecto, ele devia saber que isto iria acontecer. O que acontecera era provavelmente a primeira e única experiência que ela consentira. Fêmea de valor de uma família de alta linhagem? De jeito nenhum ela teria permitido sequer segurar as mãos de um homem.
A violência daquele sympath tinha sido tudo o que ela conhecera.
Maldito o fosse, ele queria matar aquele desgraçado de novo.
– Eu não... Sei porque... Estou chorando, – ela disse, eventualmente as palavras saindo por entre exalações difíceis.
– Estou com você, – ele murmurou. – Pelo tempo que precisar, estou com você.
Mas as emoções estavam passando, a respiração dela se acalmando, as fungadas não tão fortes. Estava tudo acabado após uma última inalação trêmula. Então ela estava parada e ele também.
– Fale comigo. –Ele continuava acariciando suas costas. – Diga-me no que está pensando.
Ela abriu a boca como se fosse responder, mas só balançou a cabeça.
– Bem, eu acho que você é muito corajosa.
– Corajosa? – ela riu. – Você não me conhece mesmo.
– Muito corajosa. Isto não deve ter sido fácil para você... E sinto-me honrado em você ter-me permitido... Fazer o que fiz com você.
O rosto dela pareceu confuso. – Por quê?
– É necessária uma grande confiança, No’One... Especialmente para alguém com um passado como o seu.
Franzindo a testa, ela pareceu se encolher em si mesma.
– Ei, – ele disse, colocando seu dedo embaixo do queixo dela. – Olhe para mim. – Quando ela o fez, ele traçou seu rosto levemente. – Eu queria ter algo filosófico ou pungente ou... Algo... Para ajudá-la a colocar a merda toda em perspectiva. Eu não tenho, e sinto muito por isto. Eu sei disto, no entanto. É necessária verdadeira coragem para superar o passado, e você o fez esta noite.
– Eu acho que nós dois tivemos coragem então.
Os olhos dele se desviaram para longe. – Sim.
Houve um momento de silêncio, como se o passado tivesse sugado toda a energia de ambos.
De repente, ela perguntou, – Por que no final é tão estranho? Eu me sinto tão... Distante de você.
Ele anuiu, pensando. Sim, sexo podia ser estranho assim, mesmo se eles não tivessem aquelas complicações que tinham oscilando sobre suas cabeças. Mesmo se você não percorresse o caminho todo, a proximidade despedaçadora que era compartilhada, parecia fazer o retorno ao normal parecer distante apesar do fato de estarem deitados lado a lado.
– Eu devia voltar para o meu quarto agora, – ela disse.
Ele a imaginou no andar de baixo, e achou que era longe demais. – Não. Fique aqui.
À luz fraca, ele podia ver que ela estava franzindo o cenho de novo. – Tem certeza?
Ele estendeu a mão e afastou uma mecha loira do cabelo que escapara da trança. – Sim, eu tenho.
Eles se olharam por um longo tempo, e de alguma forma – talvez fosse o brilho vulnerável no olhar dela, talvez a linha de sua boca, talvez fosse ele lendo sua mente – ele sabia exatamente no que ela estava pensando.
– Eu sabia que era você, – ele disse suavemente. – O tempo todo... Eu sabia que era você.
– E isto está... Ok, para usar sua expressão?
Ele voltou a pensar em sua companheira. – Você não se parece nada com a Wellsie.
Quando ele a ouviu limpar a garganta, ele percebeu que falara alto. – Não, o que eu quis dizer foi...
– Não precisa se explicar. – O sorriso triste dela era cheio de compaixão. – Realmente não precisa.
– No’One...
Ela ergueu a mão. – Não há necessidade de explicar... A propósito, as flores aqui são maravilhosas. Eu nunca senti um cheiro destes.
– Elas estão no corredor, na verdade. Fritz as troca a cada dois dias. Ouça, posso fazer algo por você?
– Você já não fez o bastante? – ela retrucou.
– Eu gostaria de lhe trazer comida.
As graciosas sobrancelhas dela se arquearam. – Eu não quero lhe dar trabalho...
– Mas você está com fome, não está?
– Bem... Sim...
– Então eu voltarei em um minuto.
Ele saiu do colchão rápido, e inconscientemente se preparou para sentir o mundo girar selvagemente. Mas não houve cabeça leve, nem necessidade de retomar o equilíbrio, nem a merda de zonzeira. Seu corpo estava pronto para ir quando ele rodeou o pé da cama.
Os olhos de No’One caíram nele, e a expressão em seu rosto o parou imediatamente.
Aquela curiosidade estava de volta aos seus olhos. Fome também.
Ele não tinha considerado se eles repetiriam o que acabara de acontecer. Mas dado o jeito que ela estava olhando para ele... A resposta aparentemente seria um grande “sim” , pelo menos por parte dela.
– Você gosta do que vê? – ele perguntou, em uma voz profunda demais.
– Sim...
Bem, não é que aquilo o fez endurecer de novo? Abaixo de sua cintura, seu pau pulsou – e maldito fosse, se os olhos dela não se cravaram nele, para ver o show.
– Há outras coisas que quero fazer com você, – ele rosnou. – Aquilo foi só o começo. Se você quiser.
Os lábios dela se separaram, as pálpebras baixando um pouco. – E você quer?
– Sim, eu quero.
– Então eu diria... Sim, por favor.
Ele acenou para ela, como se tivessem chegado a um tipo de acordo. Então ele teve de se forçar a se afastar da cama.
Dirigindo-se ao closet, pegou um jeans e foi para a porta.
– Algo em particular? – ele perguntou antes de sair.
No’One lentamente negou com a cabeça, as pálpebras ainda baixadas, a boca ainda entreaberta, as bochechas ruborizadas. Cara... Ela não tinha ideia do quanto estava atraente naquela grande e desarrumada cama, seu manto dependurado ao lado do colchão, o penteado desfeito com pontas loiras, seu aroma mais forte e sedutor do que nunca.
Talvez a comida pudesse esperar. Especialmente quando notou que as pernas nuas estavam à mostra, no meio do edredom bagunçado.
Sim, ele tinha planos para eles. O tipo de plano abaixo dos ombros.
De repente, ela puxou as cobertas para cima de sua perna ruim, escondendo-a dele.
Tohr marchou de volta para ela, e decididamente puxou o edredom de volta para onde estava. Traçando as feridas mal curadas com a ponta dos dedos, ele a fitou diretamente nos olhos.
– Você é linda. Cada pedacinho seu. Não pense nem por um momento que há algo errado com você. Estamos entendidos?
– Mas...
– Não. Eu não vou ouvir isso. – Curvando-se, ele pressionou os lábios pela sua canela, panturrilha, tornozelo, traçando as cicatrizes, acariciando-as. – Linda. Inteira.
– Como pode dizer isto? – ela sussurrou, piscando para afastar as lágrimas.
– Porque é a verdade. – Endireitando-se, ele deu a ela um apertão final. – Não se esconda de mim, ok? E depois de eu lhe alimentar, eu acho que vou ter de lhe mostrar o quão sério estou falando.
Aquilo a fez sorrir... E então rir um pouco.
– Esta é minha garota, – ele murmurou. Só que... Merda, ela não era dele. O que infernos tinha saído de sua boca?
Forçando-se a ir para a porta, pisou no corredor, fechou-a e...
– Que diabos? – Erguendo sua perna, inspecionou a sola do pé. Havia tinta prateada nela.
Olhando para o chão, achou uma trilha de... Tinta prateada da entrada até o balcão do segundo andar.
Com uma maldição, perguntou-se qual dos doggen esteve trabalhando em qual parte da casa. Boa coisa que manchas faziam os pobres bastardos sentirem-se radiantes; de outra forma, Fritz ficaria possesso.
Seguindo a linha de pingos até o início da grande escadaria, ele desceu para o vestíbulo com elas.
A sujeira atravessava o vestíbulo.
– Senhor, bom dia. Precisa de alguma coisa?
Tohr se virou para Fritz, quem estava atravessando a sala de jantar com um pote de cera. – Ei, sim. Eu preciso de um pouco de comida. Mas e essa tinta? Vocês estão fazendo algo obsceno com a fonte lá de fora?
O mordomo se virou e franziu o cenho. – Não tem ninguém pintando nada em nenhum lugar do Complexo.
– Bem, alguém está bancando o Michelangelo. – Tohr ficou de cócoras para passar o dedo em uma das manchas...
Espere aí – não era tinta.
E a merda cheirava a flores.
Flores frescas?
De fato, era o mesmo aroma do seu quarto.
Quando seus olhos chegaram à porta do vestíbulo, ele pensou na chuva de balas que atravessara. E se preocupou ao perceber que sua sobrevivência não era um milagre, afinal.
– Chame a doutora Jane, rápido – ele gritou para o doggen.
Ah, siiiimmm, Lassiter pensou enquanto rolava em cima de uma pedra quente e começava a banhar ao sol seu traseiro nu. É isso aí...
Considerando tudo, tinha sido um dia bom para ser atingido por tiros.
Bem, noite, melhor dizendo.
Graças ao Criador era verão. Deitado nos degraus da frente da mansão, o brilhante megawatt de julho o atingiu, os raios curando seu corpo crivado de balas. Sem o sol? Ele bem poderia ter morrido de novo – o que não era o jeito que ele queria encontrar seu chefe. De fato, a luz do sol era para ele o que sangue era para os vampiros; uma necessidade que ele realmente aproveitava. E enquanto ele se banhava com a coisa, a dor diminuía, a força retornava... E ele pensou em Tohr.
Que idiotice agir daquele jeito no beco. O que, em nome de tudo o que era mais sagrado, o fodido estava pensando?
Não importava. De jeito nenhum que ele ia deixar aquele desgraçado andar sob aquela chuva de balas sem nenhuma proteção. Os dois tinham chegado longe demais para cagar logo agora que estavam conseguindo algum progresso.
E agora, graças a ele ter se tornado uma almofada de alfinetes, Tohr e No’One estavam fazendo sexo.
Então nem tudo estava perdido. Ele estava, no entanto, seriamente pensando em socar aquele Irmão no saco, como desforra. Primeiro, aquela merda tinha doído pra caralho. Depois, se fosse dezembro? Ele não teria conseguido...
O som da pesada porta da frente se abrindo fez levantar a sua cabeça e girá-la. Doutora Jane, a fantástica curadora deles, irrompeu pela porta como se planejasse correr certa distância.
Ela parou subitamente, evitando pisar nele. – Aqui está você!
Oh, veja, ela trouxe com ela sua caixa de diversão, a pequena cruz vermelha denotando suprimentos de emergência.
– Um inferno de boa hora para pegar um bronze. – Ela murmurou.
Ele descansou a cabeça de novo, a bochecha se esmagando contra a pedra morna.
– Só “tomando” um pouco do meu remédio, como um bom paciente.
– Importa-se se eu examiná-lo?
– Seu companheiro vai me matar se você me ver pelado?
– Você está pelado.
– Você não está olhando para o meu melhor lado. – Quando ela só se inclinou para ele, sem mais comentários, ele murmurou. – Tá bom. Não importa... Mas não cubra o meu sol. Eu preciso mais dele do que de você.
Ela colocou a caixa perto de sua orelha e ficou de joelhos. – É, V me falou um pouco como você trabalha.
– Aposto que sim. Você sabe, ele e eu tivemos nossos assuntos. – O filho da puta tinha até salvado ele uma vez... O que tinha sido um milagre dado o tanto que eles se odiavam. – Temos história.
– Ele mencionou isso. – As palavras dela foram ditas distraidamente, como se ela estivesse checando os buracos. – Você deve ter algumas balas ainda dentro de você... Se importa se eu lhe virar?
– As balas não importam. Meu corpo irá consumi-las... Desde que eu tenha brilho do sol suficiente em meus ombros.
– Você ainda está sangrando muito.
– Eu vou ficar bem.
E ele estava começando a pensar que não era uma mentira. Depois de todo o acontecido, ele continuou a se manter invisível e tinha se escondido no banco de passageiro do Mercedes que tinha levado Tohr de volta à clínica. No momento em que ele chegou ao centro médico, roubou alguns curativos e mumificou o próprio rabo de forma que não sangrasse o lugar inteiro. Não havia motivo para se apressar para sair – não havia muito brilho do sol aquela altura – ou ao menos não suficiente para fazer diferença. Ademais, ele achou que ele ia superar aquilo.
Não. Foi logo depois de estar naquele quarto com Tohr que reconheceu que estava com problemas. Respirar era difícil. A dor ficando mais intensa. A visão começando a borrar. Felizmente, o sol já estava totalmente alto naquele momento.
E ele teria de sair na hora que No’One estivesse chegando de qualquer forma...
– Lassiter. Eu quero ver a sua parte da frente.
– É isto o que as garotas dizem.
– Você quer que eu lhe vire? Porque eu o farei.
– Seu companheiro não vai gostar disto.
– Como se isso fosse lhe incomodar.
– Verdade. Isso na realidade faz valer à pena o esforço.
Com um grunhido, ele apoiou as palmas das mãos na poça prateada brilhante embaixo dele, e virou para o lado como o pedaço de bife que ele era.
– Uau, – ela suspirou.
– Eu sei, certo? Bem dotado como um cavalo.
– Se você for realmente bonzinho... E sobreviver a isso... Eu prometo que não conto a V.
– Sobre meu tamanho.
Ela riu um pouco. – Não, sobre você ter achado que eu olhei para você de qualquer outra maneira além de profissionalmente. Posso fazer um curativo aqui? – ela tocou-o levemente nos peitorais. – Mesmo se eu deixar as balas dentro, pode ser que o curativo diminua o sangramento?
– Não é uma boa ideia. O brilho do sol e a área que ele alcança, é só o que preciso. E eu vou estar bem. Desde que não apareçam nuvens.
– Deveríamos providenciar uma cama de bronzeamento artificial?
Agora ele riu... O que o fez tossir. – Não, não... Tem de ser a coisa verdadeira.
– Eu não gosto do som deste chiado.
– Que horas são?
– Uma e vinte e seis.
– Venha em outros trinta minutos e veja com seus próprios olhos.
Houve um momento de silêncio. – Ok. Eu volto. Tohr vai querer um... – Seu celular tocou, e ela atendeu, – Eu estava justamente falando de você. Sim, estou com ele, e ele está... Mal, mas ele diz que está cuidando de si mesmo. É claro que ficarei com ele... Não, tenho suprimentos suficientes, e eu ligarei daqui a vinte minutos. Está bem, dez. – Houve uma longa pausa e então ela respirou fundo. – É... Ah... É um bocado de buracos de bala. Em seu peito. – Outra pausa. – Alô? Alô, Tohr... Oh, bom, pensei que tinha caído. Sim... Não, ouça, tem de confiar em mim. Se eu achasse que ele estava em perigo, eu o arrastaria chutando e gritando para o vestíbulo. Mas para ser honesta, estou observando-o curar-se enquanto falamos... Eu consigo ver os ferimentos internos se dissipando diante de meus olhos. Ok. Sim. Tchau.
Lassiter não fez nenhum comentário àquilo; ele só ficou onde estava, olhos fechados, o corpo se curando com a luz solar de volta ao estado saudável.
– Então você é a razão de Tohr ter saído vivo daquele beco, – a boa doutora murmurou depois de um tempo.
– Eu não sei do que está falando.
– Desculpe, meu caro, mas você só ganha uma alimentação. Isso é o que me foi dito.
Como Throe estava deitado na cama na qual ele havia sido amarrado, ele não se surpreendeu com a resposta do médico humano para sua pergunta. Dar força a um prisioneiro não funcionaria a favor da Irmandade. O problema era que ele não estava se recuperando muito bem, e mais sangue ajudaria.
Claro que... Se ele fosse se alimentar, não seria uma adorável coincidência que ele pudesse ver aquela Escolhida mais uma vez antes de partir?
Ela estava por perto. Ele podia senti-la...
– Na verdade, eu acredito que os planos estão sendo feitos para a sua partida iminente. O cair da noite está bastante próximo.
Talvez se ele simplesmente se recusasse a se mover?
Não, isso provavelmente não retardaria a jogada da Irmandade. Eles apenas lidariam com ele como qualquer outra variedade de lixo.
Depois disso, o cirurgião humano saiu – como é que eles estavam usando um humano, por sinal? – e, então, ele estava sozinho novamente.
Quando a porta reabriu, ele não se preocupou em abrir suas pálpebras. Não era a Escolhida...
O clique de metal com metal perto do ouvido dele chamou sua atenção. Abrindo os olhos arregalados, ele olhou para o cano de uma Magnum 357.
O dedo enluvado de Vishous estava junto ao gatilho. – Acorda, acorda.
– Se você me expulsar agora, – ele disse fracamente, – eu não vou sobreviver.
Nisso, ele disse a verdade. Vivendo do sustento fraco das fêmeas humanas por tanto tempo como ele tinha vivido, ele não estava em posição de se curar das feridas dessa gravidade tão rapidamente.
Vishous deu de ombros.
– Então nós o entregaremos a Xcor em uma caixa de pinho.
– Boa sorte com isso, companheiro. Eu não direi onde encontrá-lo. – Embora não por causa de Xcor. Ele não queria que seus companheiros soldados – ou mais propriamente, seus ex-camaradas – fossem atacados de surpresa. – Você pode me torturar se quiser. Mas nada escapará dos meus lábios.
– Se eu decidir torturar você, muita coisa vai escapar, confie em mim.
– Então prossiga...
O cirurgião se meteu entre eles.
– Okaaaay, vamos relaxar antes que eu precise pegar minha agulha e linha de novo. Você, – ele acenou para Throe – cale a porra dessa boca, ele não é um menino que precisa de encorajamento quando se trata de derramamento de sangue. E quanto à soltura dele? – Ele se concentrou no Irmão. – Meu paciente tem razão. Olhe para os sinais vitais dele, ele está pendurado por um fio. Eu pensei que o objetivo de tudo isso era conseguir que ele sobrevivesse? E o principal, ele vai precisar tomar da veia de novo. Ou isso, ou mais uma ou duas semanas de recuperação.
Os olhos gelados do Irmão se ergueram para as máquinas que apitavam e relampejavam atrás da cama.
Quando o lutador praguejou em voz baixa, Throe sorriu para si mesmo.
O Irmão saiu sem uma palavra.
– Obrigado. – Throe disse para o curador.
O homem franziu a testa.
– É apenas a minha opinião clínica. Acredite em mim, eu mal posso esperar para você dar o fora do meu território.
– Muito justo.
Deixado sozinho novamente, ele esperou com expectativa. E o fato de que ninguém veio por um tempo lhe indicava que os Irmãos estavam discutindo sobre o seu destino.
Provavelmente uma discussão animada.
Quando a porta foi finalmente escancarada, suas narinas se alargaram, e sua cabeça chicoteou para o lado... Lá estava ela.
Tão encantadora quanto um sonho. Tão celestial quanto a lua. Tão real quanto era. Ladeada pelos Irmãos Phury e Vishous, a Escolhida sorriu para ele docemente – como se ela estivesse inteiramente sem saber que esses homens estavam preparados para parti-lo se ele sequer espirrasse em sua direção.
– Senhor, foi me dito que precisa de mais?
Eu preciso de você inteira, ele pensou quando ele acenou para ela.
Aproximando-se da cama, ela foi se sentar próximo a ele, mas Phury arreganhou as presas por cima da cabeça dela e Vishous sutilmente indicou a arma em sua virilha.
– Aqui. – disse Phury, redirecionando-a a uma cadeira com delicadeza. – Você vai ficar muito mais confortável aqui.
Não era de todo verdade, uma vez que agora ela tinha que alcançá-lo. No entanto, a voz do Irmão era tão encantadora e confortável, que isso fez a declaração parecer verdadeira.
No momento em que ela trouxe seu braço, Throe quis dizer que ela era linda, e que ele tinha sentido sua falta, e que iria adorá-la se ela lhe desse uma chance. Mas ele gostava de ter língua em sua boca – e não cortada e jogada fora no chão.
– Por que você sempre me olha assim? – ela disse.
– Você é tão bonita...
Por cima do ombro dela, Phury arreganhou as presas novamente, seu rosto se transformando em nada menos do que violência total.
Throe não se importava. Ele estava recebendo outro sabor de ambrosia, e esses dois homens não fariam nada verdadeiramente horrível na frente da honrada Escolhida.
Que estava no momento corando como nunca – e isso não a fazia ainda mais resplandecente?
Quando a Escolhida se esticou para frente e colocou o pulso na boca dele, seus braços se estremeceram contra as correntes que o prendiam e houve um momento de confusão para ela quando ouviu o barulho. Não havia nada para ver sobre os cobertores, no entanto; tudo estava encoberto sob o que o mantinha aquecido.
– São apenas as molas da cama. – ele murmurou.
Ela sorriu novamente e reposicionou o pulso sobre a boca dele.
Envolvendo-a com os olhos, ele enfiou as presas tão cuidadosamente quanto podia, não querendo machucá-la mesmo que da menor forma – e enquanto bebia, ele olhou para o rosto dela, guardando na memória para que pudesse mantê-la perto de seu coração.
Porque esta era provavelmente a última vez que ele a veria.
De fato, tão despedaçado ele estava entre agradecer à Virgem Escriba por essa fêmea ter entrado em sua vida mesmo por um momento, e ainda, ver esses dois encontros como uma espécie de maldição.
Ela iria permanecer com ele, ele temia. Assombrá-lo tão certo como um fantasma...
Cedo demais tinha acabado, e ele retraiu seus caninos da carne perfumada. Lambeu uma, duas vezes, acariciando-a com sua língua...
– Ok, já é o suficiente. – Phury a recolheu da cadeira, sorrindo para ela calorosamente. – Vá encontrar Qhuinn agora, você vai precisar de um pouco de força.
Isso era verdade, Throe pensou com uma pontada de culpa. De fato, ela estava pálida e parecia um pouco tonta. Então, bem, ela o havia alimentado duas vezes em poucas horas.
Ele queria que seu nome fosse Qhuinn.
Phury a escoltou até a porta e a despachou com gentis palavras na Língua Antiga. E então ele se voltou... E se certificou de que a trava estava no lugar.
O punho veio voando para ele de lado, e dada a sua breve impressão de couro preto, era claramente do Irmão Vishous.
E o som do impacto resultante foi tão alto como se lenha tivesse sido rachada.
Entretanto, ele sempre teve uma mandíbula robusta.
Enquanto sinos de catedral tocavam na cabeça de Throe e ele cuspia sangue, Vishous disse severamente:
– Isso é por olhá-la como se estivesse fodendo-a em sua mente.
Do outro lado da sala, o Irmão Phury também fechou um punho e começou a bater na palma aberta de sua mão livre. Quando ele se aproximou, ele disse em um tom desagradável:
– E isso é para ter certeza de que você não prosseguirá com essa ideia brilhante.
Throe sorriu para os dois. Quanto mais eles batessem nele... Mais provável seria que ele tivesse que se alimentar novamente.
Eles estavam certos, também: ele queria estar com ela – apesar de que "fazendo amor" era um termo muito melhor.
E aqueles momentos com ela valiam qualquer coisa que eles fizessem com ele...
Na mansão, Tohr estava sentado no primeiro degrau da grande escadaria, os cotovelos sobre os joelhos dobrados, queixo sobre o punho, seu celular virado para cima próximo a ele.
Sua bunda estava dormente.
Na verdade, depois de estar sentado onde ele estava pelas últimas – quanto tempo? cinco horas? – ele provavelmente teria que procurar a Dra. Jane para remover cirurgicamente as fibras do tapete de sua entrada...
O sistema de segurança da porta soltou um sinal sonoro, e ele se precipitou, caminhando para o painel, checando a tela, liberando o bloqueio da porta.
Lassiter entrou sozinho, provavelmente porque Dra. Jane tinha retornado para o Pit. E o anjo estava nu como um gaio[38]... E estava muito bem. Sem buracos de bala, sem cicatrizes, sem contusões.
– Se você continuar me olhando assim é melhor me pagar o jantar depois.
Tohr encarou o anjo: – Que diabos você estava pensando?
Lassiter sacudiu a dedo: – Você, dentre todas as pessoas, não precisa me perguntar isso. Não sobre a noite passada.
Tendo dito isso – e totalmente despreocupado com a nudez – Lassiter passeou pela sala de bilhar e se dirigiu ao bar. A boa notícia era que pelo menos quando ele estava atrás da coisa servindo um licor, seu estivador e aquelas duas boias não estavam à vista.
– Scotch? Gin? Bourbon? – Perguntou o anjo. – Eu vou ter um Orgasmo.
Tohr esfregou o rosto. – Você poderia nunca dizer essa palavra ao meu redor quando estiver com o traseiro nu?
Isso desencadeou uma rodada de "Orgaaaaasmmmo, orgaaaaasmmmo, orgaaaasmmmo", ao som da Quinta de Beethoven. Felizmente, a porcaria frutada que o filho da puta colocou em seu copo cortou o coro quando ele a engoliu de uma vez.
– Ahhhhh... – O anjo sorriu. – Acho que vou ter outro. Quer um? Ou será que você já teve o bastante nesta tarde?
Uma imagem mental rápida do seio de No'One em sua mão fez o seu pênis saltar sobre esse plano.
– Lassiter, eu sei o que você fez.
– Lá fora? Sim, o sol e eu nos damos bem. Melhor médico que existe, e não cobra nada. Uhu!
De novo com a bebida. O que sugeria que aquela bravata poderia estar sendo um pouco forçada.
Tohr estacionou sobre um dos bancos. – Por que diabos você se colocou na minha frente?
O anjo foi preparar a número três. – Eu vou lhe dizer a mesma coisa que disse para a Dra. Jane: eu não tenho ideia do que você está falando.
– Aquelas eram feridas de bala em você.
– Eram?
– Sim.
– Você pode provar? – Lassiter fez uma voltinha com os braços para cima. – Você pode provar que eu sequer estava ferido?
– Por que negar?
– Isso não é negação se eu não tenho ideia do que caralho você está falando.
Com outro sorriso encantador, ele bebeu novamente. E logo em seguida começou a fazer a número quatro.
Tohr sacudiu a cabeça, – Se você vai ficar bêbado, por que não pode fazer isso como um homem de verdade?
– Eu gosto do sabor de fruta.
– Você é o que você bebe.
O anjo olhou para o relógio. – Merda. Eu perdi Maury. Mas eu gravei a Ellen.
Lassiter se aproximou e estendeu-se no sofá de couro – e Tohr se achou com sorte porque o desgraçado pelo menos teve a decência de envolver um cobertor em torno de suas partes. Quando a televisão ligou, e Ellen DeGeneres dançou por uma fila de donas de casa, era óbvio que aquela conversa não estava na lista de afazeres do anjo.
– Eu só não entendo por que você fez isso. – murmurou Tohr.
O cara não era assim, sempre fora um individualista.
Naquele momento, No'One apareceu nos arcos da sala. Ela estava em seu manto com o capuz no lugar, mas Tohr a viu nua e desfeita, e seu corpo se encheu de vida.
Quando ele deslizou para fora do banco e foi até a fêmea, ele poderia ter jurado que Lassiter murmurou: – Esse é o porquê.
Aproximando-se da fêmea, ele disse, – Ei, você pegou a comida?
– Sim. – ela sussurrou. – Mas eu fiquei preocupada quando você não voltou. O que aconteceu?
Ele olhou de volta para Lassiter. O anjo parecia ter desmaiado, até mesmo sua respiração, o controle remoto sobre o peito em uma mão frouxa, a bebida espumando com a condensação no chão ao lado dele.
Mas Tohr não confiava na aparente inconsciência.
– Nada. – ele disse roucamente. – Não foi... Nada. Vamos lá para cima descansar.
Quando ele a virou com um toque sutil em seus ombros, ela disse: – Tem certeza?
– Sim. – E eles realmente iriam descansar. De repente ele estava esgotado.
Ele deu um último olhar sobre o ombro enquanto caminhava para o vestíbulo. Lassiter estava exatamente onde tinha estado... Exceto que havia um pequeno indício de um sorriso no rosto dele.
Como se tivesse valido a pena, desde que Tohr e No'One estivessem juntos.
À medida que a noite avançava, Throe andava pelas ruas de Caldwell sozinho, desarmado, vestido apenas em pijama de hospital... E mais forte do que jamais estivera desde que chegara ao Novo Mundo.
A surra que levara dos dois Irmãos curou quase imediatamente, e a Irmandade o libertara logo após aquela segunda alimentação.
Ainda faltavam algumas horas antes do encontro com Xcor, e ele passou o tempo com seus próprios pensamentos, nos tênis de corrida dados pelo inimigo.
Durante sua estada com a Irmandade, não aprendera nada sobre a localização de suas instalações. Estivera inconsciente quando chegara – e trancado em uma van sem janelas quando partira. Depois de algum tempo dirigindo, sem dúvida por uma rota tortuosa, largaram-no próximo ao rio, e fora então abandonado a sua própria sorte.
Naturalmente, a van não tinha placa, e nenhuma característica marcante. E ele teve a sensação de que estava sendo observado – como se estivessem esperando para ver se tentaria segui-los enquanto se afastavam.
Ele não tentou. Ficou onde estava até a van desaparecer... E então começou sua caminhada.
A manobra brilhante de Xcor resultara em nada. Bem, tirando o fato de que a vida de Throe fora salva. O pouco que ele averiguara sobre a Irmandade não era nada mais do que eles já não tivessem adivinhado. Seus recursos eram extensos, a julgar pela quantidade e sofisticação dos equipamentos médicos com os quais fora tratado; o número de pessoas que vira ou ouvira andando no saguão era impressionante; e a segurança era levada a sério. De fato, eles formavam uma comunidade escondida tanto de humanos quanto de lessers.
Tudo devia ser subterrâneo, ele achava. Bem guardado. Camuflado para aparentar como se não houvesse nada em particular; mesmo durante os ataques surpresa quando tantos lares da raça tinham sido descobertos e destruídos, não havia rumores de que a casa do rei tivesse sido atingida.
Então o plano de Xcor tinha resultado pouco pelo que constava a Throe, somente a animosidade.
E por um momento, ele se perguntou se ele devia ou não aparecer no encontro com seu antigo líder.
No fim, ele sabia que tamanha revolta seria infrutífera. Xcor possuía algo que Throe queria – a única coisa, na realidade. E enquanto aquelas cinzas estivessem com ele, não havia nada a ser feito a não ser cerrar os dentes, baixar a cabeça, e ir em frente. Era, depois de tudo, o que ele vinha fazendo há séculos.
Só que ele não podia cometer o mesmo erro duas vezes. Só um idiota não recordaria deste lembrete visceral de como as coisas podiam ir bem mal entre eles.
A resposta era recuperar os restos de sua irmã. E tão logo o fizesse? Sentiria falta dos soldados, seus companheiros, da mesma maneira que lhe doía a falta de sua família, mas ele abandonaria o Bando de Bastardos – à força se precisasse. Então talvez, ele pudesse criar raízes em algum lugar da América – não retornaria ao País Antigo. Seria tentação demais revisitar sua linhagem, e isto não seria justo para eles.
No final da noite, por volta de quatro da manhã julgando pela posição da lua, ele se desmaterializou para o topo do arranha-céu. Não tinha armas que pudesse sacar para proteger-se – mas não tinha intenção de lutar. Segundo seus conhecimentos, sua irmã não poderia entrar no Fade sem a cerimônia apropriada, então ele tinha de viver tempo suficiente para enterrá-la.
Tão logo o fizesse, no entanto...
Lá no alto, acima das ruas e de outros prédios da cidade, na curiosamente quieta estratosfera onde não havia buzinas ou barulho de caminhões de entrega chegando cedo, o vento era forte e envolventemente gelado apesar da umidade no ar e a alta temperatura. Mais acima, trovões e raios surgiam abaixo de nuvens de tempestade, prometendo chuva para o início do dia.
Quando começou sua jornada com Xcor, ele era um cavalheiro mais experiente na arte delicada de guiar uma dama na pista de dança – do que em sair no combate mão-a-mão. Mas ele não era mais assim.
Consequentemente, ele parou ao relento sem covardia ou desculpas, pés separados e braços caídos. Não havia fraqueza na linha de seu queixo, no contorno de seu tórax, ou no ângulo reto de seus ombros, e nenhum medo em seu coração pelo que poderia atingi-lo. Tudo aquilo era por causa de Xcor: Throe tinha tecnicamente nascido macho, mas não fora até que ele tinha se juntado àquele guerreiro que ele tinha realmente aprendido a honrar o seu gênero.
Ele sempre estaria em dívida com os soldados com os quais lutara por tanto tempo...
Por trás das máquinas, uma figura se adiantou, o vento balançando o casaco longo e emaranhando-o a um corpo pesado e mortal.
Instinto e treino se destacaram enquanto Throe se colocou em posição de luta, preparado para encarar seu...
Quando o macho deu um passo à frente, a luz da estrutura no teto incidiu sobre seu rosto.
Não era Xcor.
Throe não saiu de posição. – Zypher?
– Sim. – De repente, o soldado foi adiante, e então começou a correr para encurtar a distância entre eles.
Antes de Throe perceber, foi enlaçado em um rude abraço, preso em braços tão fortes quanto os dele, contra um corpo tão grande quanto o dele próprio.
– Você vive, – o soldado resfolegava. – Você está vivo...
Desconfortavelmente de início, e então com um estranho desespero, Throe aferrou-se ao outro guerreiro. – Sim. Sim, sou eu.
Com um empurrão repentino, foi afastado e examinado da cabeça aos pés. – O que eles fizeram com você?
– Nada.
Aqueles olhos se estreitaram. – Seja sincero comigo, irmão. E antes de responder, um de seus olhos ainda está azul e preto[39].
– Eles providenciaram para mim um curandeiro, e uma... Escolhida...
– Uma Escolhida?
– É.
– Talvez eu devesse ser o próximo a ser apunhalado.
Throe teve de rir. – Ela era... Diferente de tudo nesta Terra. Perfeita de cabelo, pele e semblante, etérea, apesar de viver e respirar.
– Eu achava que elas eram invenção.
– Não sei... Talvez eu tenha romantizado tudo. Mas ela era exatamente como os rumores as descrevem... Mais adorável do que qualquer fêmea que seus olhos tenham contemplado.
– Não me torture mais! – Zypher riu brevemente, e então voltou á seriedade. – Você está bem?
Não uma pergunta – uma exigência.
– Eles me trataram como convidado a maior parte do tempo. – De fato, tirando as algemas e a surra – embora para proteção da virtude de uma pedra preciosa, ele tinha de admitir que aprovava o que eles tinham feito a ele. – Mas sim, eu estou completamente recuperado, graças aos curandeiros deles. – Ele olhou em volta. – Onde está Xcor?
Zypher balançou a cabeça. – Ele não virá.
– Então você está aqui para me matar. – Estranho que o macho delegasse a outro uma tarefa que ele certamente adoraria.
– Porra, não. – Zypher tirou do ombro a alça de uma mochila. – Estou aqui para lhe entregar isto.
Do pacote, Zypher tirou uma caixa de latão grande e quadrada, ornada com marcas e inscrições.
Throe pôde somente olhar para a coisa.
Ele não a tinha visto por séculos. De fato, ele não sabia que tinha sido tirada de sua família até Xcor usá-la para ameaçá-lo.
Zypher pigarreou. – Ele me pediu para dizer que lhe liberta. Sua dívida com ele está paga e ele está lhe devolvendo sua morta.
As mãos de Throe tremiam terrivelmente – até que sustentaram o peso das cinzas de sua irmã. Então ficaram firmes.
Enquanto ele permanecia ali ao vento e garoa, abatido e imóvel, Zypher perambulou em círculos, as mãos nos quadris e os olhos nas pedrinhas que cobriam os painéis do teto do edifício.
– Ele não é mais o mesmo desde que o deixou, – o soldado disse. – Esta manhã, encontrei-o se cortando até os ossos, pelo pesar.
Os olhos de Throe perscrutaram o macho que ele conhecia tão bem. – Mesmo?
– É. Ele fez isto o dia inteiro. E esta noite, nem mesmo saiu para lutar. Ficou para trás, no abrigo, sentado sozinho. Ordenou a todo mundo que saísse, exceto eu, e então me deu isto.
Throe trouxe a caixa para mais perto de seu corpo, abraçando fortemente. – Tem certeza que sou a causa de tanto aborrecimento? – disse secamente.
– Absolutamente. Na verdade, ele não é como o Bloodletter em seu coração. Ele quer ser... E ele é capaz de coisas que eu mesmo não seria, contra os outros. Mas pra você, pra nós... Nós somos o clã dele. – O olhar de Zypher estava cheio de sinceridade. – Você devia voltar para nós. Para ele. Ele não vai agir desta forma de novo – estas cinzas são sua prova. E precisamos de você – não só por causa do que você faz, mas por causa do que você se tornou para nós. Só se passaram vinte e quatro horas e nós estamos despedaçados sem você.
Throe olhou para o céu, para a tempestade, para os céus violentos rugindo acima. Tendo sido uma vez amaldiçoado pela circunstância, ele não conseguia acreditar que sequer consideraria ser amaldiçoado por escolha.
– Nós todos estaremos incompletos sem você. Até ele.
Throe teve de sorrir um pouco. – Você alguma vez imaginou que diria isto?
– Não. – A risada que flutuou aos ventos era profunda. – Não a um aristocrata. Mas você é mais do que isto.
– Graças a você.
– E Xcor.
– Não tenho muita certeza se estou pronto para dar a ele qualquer crédito.
– Volte comigo. Veja-o. Volte para sua família. Por mais que possa doer esta noite, você estará perdido sem nós do mesmo modo como estamos perdidos sem você.
Em resposta, Throe pôde apenas olhar para a cidade, suas luzes como estrelas que eram eclipsadas lá em cima.
– Eu não consigo confiar nele, – ouviu-se dizer.
– Ele lhe deu sua liberdade esta noite. Certamente isto significa algo.
– Todos estamos encarando sentenças de morte se continuarmos. Eu vi a Irmandade – se eles eram formidáveis antes, no País Antigo, isto não é nada comparado aos seus recursos agora.
– Então eles vivem bem.
– Eles vivem de maneira inteligente. Eu não poderia encontrá-los mesmo que quisesse. E eles têm instalações extensas... São uma força a ser reconhecida. – Ele olhou em volta. – Xcor ficará desapontado com o que eu descobri, ou seja, nada.
– Ele diz que não.
Throe franziu o cenho. – Não entendo.
– Ele afirmou que não deseja saber nada disto. Você nunca receberá um pedido de desculpas dele diretamente, mas ele lhe deu a chave para as correntes que o prendiam, e ele não aceitará informações de você.
Uma raiva breve tomou conta dele. Então qual foi o propósito disto tudo?
Só que... Talvez Xcor não tenha considerado que ele se sentiria do jeito que se sentiu. E Zypher tinha razão; a ideia de não estar com aqueles machos era... Como morrer. Depois de todos estes anos, era tudo o que tinha.
– Se eu voltar, posso ser um risco a segurança de vocês. E se eu fiz um acordo secreto com a Irmandade? E se eles estiverem aqui. – Ele se virou em volta. – Ou talvez esperando em algum outro lugar para me seguir?
Zypher deu de ombros com completa indiferença. – Estamos tentando um encontro com eles há meses. Tal confronto será bem-vindo.
Throe piscou. E então começou a rir. – Vocês são loucos.
– Não devíamos ser? – De repente, Zypher balançou a cabeça. – Você nunca nos trairia. Mesmo se odiasse Xcor com todo o seu ser, nunca comprometeria o restante de nós.
Isto era verdade, ele pensou. E quanto a odiar Xcor...
Ele olhou para a caixa em seus braços.
Por muitas vezes, no decorrer dos anos, se perguntara sobre as voltas e giros de seu destino.
E parece que esta noite ele ia se perguntar novamente.
Ele não tivera certeza sobre a guerra contra Wrath, mas ante a visão daquela fêmea Escolhida, passara a gostar da ideia de tomar o trono, encontrá-la e reclamá-la para si.
Sede de sangue? Sim, de fato – seu eu anterior nunca teria pensado desta forma. Mas seu novo eu se acostumaria a tomar o que quisesse, a capa de civilidade tinha perdido sua trama depois de tantos anos sem que ele costurasse suas fibras delicadas.
Se pudesse chegar a Wrath, poderia voltar a vê-la...
Subitamente, sentiu sua boca se mover e ouviu sua própria voz ao vento: – Ele vai ter que me permitir comprar telefones celulares.
Xcor ficou em casa a noite inteira.
O problema era o dano em seus braços. Odiava o fato de que eles ainda não tinham se curado, mas era esperto o bastante para saber que mal poderia usá-los. De fato, só segurar a colher para tomar sua sopa, se provava difícil.
Uma adaga contra um inimigo seria uma impossibilidade. E então havia o risco de infecção.
Era a maldita coisa do sangue. De novo. Talvez se ele tivesse tomado tempo para se alimentar daquela puta em... Nossa! Tinha sido na primavera?
Franzindo o cenho, ele realizou uma estranha adição, uma que de longe rendia uma grande soma. Não era de se espantar que ele continuasse em situação difícil... E boa coisa era que ele não estivesse totalmente louco por sangue.
Ou ele estava? Pensando bem no que fizera com Throe, era difícil não julgar suas ações a partir daquele condenado ato.
Com uma maldição, pendeu a cabeça, exaustão e um estranho tipo de tédio pesando em seus ombros...
A porta de trás da cozinha se abriu, e dado ser cedo demais para os soldados voltarem, ele sabia que era Zypher com notícias sobre a partida de Throe.
– Ele estava bem? – Xcor perguntou sem olhar para cima. – Ele conseguiu sair de lá a salvo?
– Ele está, e ele conseguiu.
Os olhos de Xcor se elevaram. Throe estava na arcada, em pé, alto e orgulhoso, olhar alerta, corpo forte.
– E retornei a salvo, – o macho finalizou com um tom severo.
Xcor imediatamente se concentrou em sua sopa e piscou fortemente. De uma vasta distância, observou enquanto a colher em sua mão balançava até derramar o conteúdo.
– Zypher não lhe disse? – ele murmurou grosseiramente.
– Que eu estava livre? Sim. Ele disse.
– Se deseja lutar, eu devo colocar minha refeição de lado.
– Eu não sei se você é capaz de qualquer outra coisa, além de se alimentar, a esta altura.
Malditas camisetas sem mangas, Xcor pensou enquanto virava os braços para dentro, para que ficasse a mostra o mínimo de dano. – Eu consigo lutar, se precisar. Onde estão suas botas?
– Não sei. Eles tomaram tudo o que eu tinha.
– Você foi bem tratado?
– Bem o suficiente. – Throe se adiantou, as tábuas embaixo de seus pés gemeram. – Zypher me disse que você não quer saber de nada do que eu tenha visto.
Xcor só balançou a cabeça.
– Ele também disse que eu nunca ouviria um pedido de desculpas seu. – Houve uma longa pausa. – Eu quero um. Agora.
Xcor colocou de lado sua sopa e se viu olhando as feridas que fizera em si mesmo, relembrando toda aquela dor, todo aquele sangue – o qual secara marrom no assoalho abaixo dele.
– E daí o quê? – ele disse em voz rouca.
– Você terá que descobrir.
Justo, Xcor pensou.
Sem nenhuma elegância – não que ele tivesse qualquer uma, de qualquer jeito – ficou em pé. Com toda sua altura, ele estava instável por mais razões do que seria possível contar, e o desequilíbrio piorou quando encontrou os olhos de seu... Amigo.
Olhando Throe no rosto, deu um passo a frente e ergueu a mão. – Eu sinto muito.
Três palavras simples, faladas em alto e bom som. E não eram suficientes.
– Eu estava errado em tratá-lo daquele jeito. Eu não sou... Tão igual ao Bloodletter quanto eu imaginava... Como eu sempre quis ser.
– Isto não é uma coisa ruim, – Throe disse mansamente.
– Quando se trata de pessoas como você, eu concordo.
– E os outros?
– Os outros também. – Xcor balançou a cabeça. – Isto é o máximo que admitirei, no entanto.
– Então suas ambições não mudaram.
– Não. Meus métodos, no entanto... Eles jamais serão os mesmos.
No silêncio que se seguiu, não houve indicação do que teria em retorno: uma maldição, um soco, um sermão raivoso. A falta de estabilidade lhe golpeava de forma mais do que justa.
– Peça-me para retornar para você como um macho livre, – Throe exigiu.
– Por favor. Volte, e lhe dou minha palavra... Apesar de ela valer menos do que um centavo... Que você terá o respeito que há tempos merece.
Depois de um momento, suas mãos foram engolfadas. – Tudo bem então.
Xcor soltou uma respiração trêmula, cheia de alívio. – Tudo certo, mesmo.
Soltando a mão do guerreiro, ele se curvou, pegou sua quase intocada tigela de sopa... E ofereceu o que restava a Throe.
– Você me deixará modernizar a comunicação? – o macho disse.
– Sim.
E isto foi tudo.
Throe aceitou a sopa e foi para perto de onde Xcor tinha sentado. Deslizando para o chão, colocou a caixa de latão ao seu lado e começou a comer.
Xcor se juntou a ele na mancha de sangue derramado durante o dia, e em silêncio, completaram a reunião. Mas não estava terminado, pelo menos não por parte de Xcor.
Seu arrependimento continuava com ele, o peso do fardo de suas ações alterando-o para sempre, como um ferimento que tinha aberto e que curara errado.
Ou melhor, neste caso... Curara certo.
OUTONO
No’One acordou em meio a um terremoto.
Por baixo dela, o colchão tremia, a grande força do tremor balançava os travesseiros para cá e para lá, fazendo as cobertas voarem, o ar gelado subindo em sua pele...
Sua consciência rapidamente redefiniu a causa do caos. Não era a terra tremendo, mas Tohrment. Ele estava se batendo ao seu lado como se lutasse contra amarras que o prendiam a cama, seu corpo sólido convulsionando incontrolavelmente.
Ele estava tendo aquele sonho novamente. Aquele sobre o qual se recusava a falar, e que, então, tinha de ser sobre sua amada.
A luz do banheiro caiu sobre a nudez dele quando ele ficou em pé, os músculos tensos de suas costas lançando sombras definidas, as mãos fechadas em punhos, as coxas trabalhando como se ele fosse saltar sobre algo.
Enquanto ele recuperava o fôlego e a consciência, o nome que estava entalhado em sua pele em um arco gracioso se expandiu e contraiu, quase como se a fêmea estivesse viva de novo.
Sem uma palavra, Tohrment foi para o banheiro, fechou a porta, cortando a iluminação... E ela.
Deitada no escuro, ela ouviu a água correr. Um rápido olhar ao relógio ao lado da cama indicava que já era hora de se levantar, e ainda assim ela ficou onde estava.
Quantos dias ela passara nesta cama dele? Por volta de um mês. Não, dois... Talvez três? O tempo perdeu o sentido para ela, as noites flutuavam como uma fragrância em uma brisa de verão.
Ele era seu primeiro amante, ela achava.
Só que... Ele se recusava a tomá-la completamente.
Além disso, mesmo depois de todo este tempo juntos, ele não permitia que ela o tocasse. Nem dormia com ela debaixo das cobertas. Ou a beijava na boca. E ele não se juntava a ela na banheira ou piscina, ou a observava se vestir com olhos sedutores... E ele não dormia abraçado a ela.
Ainda assim, ele era generoso com seus talentos sexuais, levando-a vez após outra àquele lugar de êxtase provisório, sempre tão cuidadoso com o corpo dela e suas liberações. E ela sabia que isto lhe dava prazer, também: a reação do corpo dele era poderosa demais para ser escondida.
Parecia mesquinho querer mais. Mas ela queria.
A despeito de toda a loucura e calor que eles despertavam um no outro, a despeito do jeito como ele livremente se alimentava dela e ela fazia o mesmo com ele, ela se sentia... Rejeitada. Presa em um lugar que era um arremedo do destino final. Mesmo que ela tivesse encontrado estrutura em suas noites trabalhando na mansão, e alívio e antecipação a cada amanhecer quando ele voltava da rua saudável e forte, ela estava... Estagnada. Inquieta.
Infeliz.
Que fora o motivo que a levara a chamar um visitante à mansão nesta noite.
Talvez ela pudesse fazer algum progresso em outra parte. Assim esperava.
Saindo do bolsão de calor que ela criara, arrepiou-se, mesmo com o aquecimento ligado. A temperatura inconstante era uma coisa que ela ainda tinha de se acostumar deste lado – e a única coisa do Santuário que ela sentia falta. Aqui, havia vezes em que ela se sentia acalorada, e outras quando se arrepiava, a segunda opção mais prevalecia agora que setembro chegara e trouxera consigo o gelo do outono.
Quando ela colocou o manto, seu tecido era frio, enquanto ela tremia diante do abraço sintético do tecido. Ela sempre se certificava de estar vestida quando fora da cama. Tohrment nunca lhe pedira isto, mas ela sentia que ele preferia assim: por mais que ele gostasse de senti-la, seus olhos evitavam sua nudez e sempre se afastavam também, quando estavam em público – mesmo que certamente os Irmãos soubessem que ela estava ficando com ele.
Ela sentia, que mesmo ele havendo dito que sabia que era ela a quem ele dava prazer, que ele tentava encontrar sua shellan em seu corpo, em suas experiências juntos.
Qualquer lembrete do contrário seria difícil para ele.
Calçando os mocassins de couro, ela hesitou antes de sair. Odiava que ele estivesse alterado, mas ele nunca falaria com ela sobre isto. De fato, ultimamente, ele não falava muito quando ela estava por perto, mesmo que seus corpos fossem fluentes em qualquer que fosse a linguagem que se comunicassem. De fato, nada de bom resultaria de sua permanência aqui, especialmente dado o humor que ele estaria.
Forçando-se para a porta, ela colocou o capuz e saiu, olhando para os dois lados antes de pisar no corredor e fechar a porta, deixando-o sozinho.
Como de costume, ela saiu sem fazer barulho.
– Lassiter, – Tohr sibilou diante do espelho do banheiro. Quando não houve resposta, ele jogou água gelada no rosto de novo. – Lassiter.
Quando fechou os olhos, ele viu sua Wellsie naquela paisagem cinzenta. Ela estava ainda mais distante dele, apagada agora, da distância... Mais difícil do que nunca alcançá-la enquanto ela se sentava tão imóvel entre aquelas rochas de pedra cinzentas.
Eles estavam perdendo terreno.
– Lassiter... Onde caralhos está você?
O anjo finalmente apareceu sentado na beira da Jacuzzi, uma caixa de cookies de chocolate Freddie Freihofer em uma mão, um copo grande de leite na outra.
– Quer um? – ele disse, engolindo a carga calórica. – Saíram direto da geladeira. Tão mais gostosos quando gelados.
Tohr olhou para o cara. – Você me disse que eu era o problema. – Quando tudo o que obteve em resposta foi mastigação, teve vontade de enfiar a caixa inteira na boca do desgraçado. De uma vez. – Ela ainda está lá. Ela quase se foi.
Lassiter colocou de lado o “estrague seu jantar”, como se talvez tivesse perdido o apetite. E quando ele somente balançou a cabeça, Tohr teve um momento de pânico.
– Se você me enganou, anjo, eu vou lhe matar.
O outro macho rolou os olhos. – Eu já estou morto, idiota. E talvez eu deva lhe lembrar de que sua shellan não é a única a quem tento libertar... Meu destino é o dela, lembre-se. Se você falhar, eu falho... Então eu não tenho incentivo nenhum em foder com você.
– Então por que infernos ela continua naquele lugar horrível?
Lassiter levantou as mãos. – Ouça, cara, vai precisar de mais do que só uns orgasmos. Você deve saber disto.
– Jesus Cristo, eu não posso fazer mais do que já estou...
– Sério? – Os olhos de Lassiter se estreitaram. – Tem certeza disso?
Quando cruzaram os olhares, Tohr teve de baixar os olhos – para preservar a privacidade que ele achava que ele e No’One tinham.
Foda-se, eles tiveram centenas de orgasmos juntos, então...
– Você sabe tão bem quanto eu o quanto você não tem feito, – o anjo disse suavemente. – Sangue, suor e lágrimas, é isto que lhe custará.
Baixando a cabeça, Tohr esfregou as têmporas, sentindo como se fosse gritar. Maldita besteira...
– Você vai sair esta noite, certo? – o anjo murmurou. – Então, quando você voltar, procure-me.
– Você estará comigo de qualquer jeito, não estará?
– Não sei sobre o que está falando. Vamos nos encontrar depois da Última Refeição.
– O que vai fazer comigo?
– Você diz que quer ajuda... Bem, eu vou lhe dar alguma.
O anjo se levantou e caminhou despreocupadamente até a porta do banheiro. Então voltou e pegou seus fodidos biscoitos. – Até o amanhecer, meu amigo.
Deixado sozinho, Tohr brevemente considerou socar o espelho – mas então, percebeu que poderia por a perder sua chance de sair e encontrar alguns lessers para matar. E neste exato momento? Esta perspectiva era a única coisa que o mantinha são.
Sangue. Suor. Lágrimas.
Praguejando, ele tomou banho, se barbeou, e saiu para o quarto. No’One já tinha saído, de forma que pudesse chegar à Primeira Refeição antes dele. Ela fazia isto todas as noites, mesmo que o show de discrição não enganasse ninguém.
Você sabe tão bem quanto eu o quanto você não tem feito.
Maldito inferno, Lassiter provavelmente estava certo – e não somente sobre toda a coisa de sexo.
Enquanto pensava nisto, ele percebeu que nunca se explicara a No’One. Tipo, não havia jeito de que ela não soubesse que ele tivera um pesadelo novamente – ele pulando da cama como se ela fosse uma torradeira e estando tão mal humorado, era um sinal de neon sobre o fato no quarto. Mas ele nunca falara com ela sobre ele. Nunca lhe dera uma abertura para perguntar a ele sobre isto.
Ele não conversava realmente com ela sobre nada, na verdade. Nem sobre seu trabalho em campo. Nem seus Irmãos. Nem sobre as disputas que o rei estava tendo com a glymera.
E havia tantas outras distâncias que ele mantinha...
Em seu closet, ele pegou uma calça de couro, colocou-a pelas pernas e...
A cintura travou nas suas coxas. E quando ele puxou de novo, continuaram presas. Subindo ainda mais forte, ela... Se partiu em duas metades.
Que caralho!
Malditos pedaços de merda.
Pegou outra calça. E teve o mesmo problema – suas coxas estavam grandes demais para ela.
Atravessando o closet, checou todas as suas roupas de combate. Agora que pensava nisto, as coisas tinham ficado um pouco apertadas ultimamente. Jaquetas apertando nos ombros. Camisetas se rasgando embaixo dos braços no final da noite. Tudo apertado.
Olhando por sobre os ombros, ele viu seu reflexo no espelho.
Maldição, ele estava... De volta ao tamanho que tinha antes. Estranho que não tivesse notado até esta noite, mas seu corpo, agora em um esquema de alimentação regular, tinha crescido até suas dimensões anteriores, seus ombros cobertos de músculos, seus braços destacando, o estômago ondulado, as coxas inchando de poder.
No’One era responsável por isto. Era o sangue dela nele, tornando-o tão forte.
Foi até o telefone perto da cama, pediu uns pares de roupas de couro em tamanho maior, e então esperou na chaise.
Seus olhos travaram no closet.
O vestido da cerimônia de emparelhamento ainda estava lá, puxado para trás, pendurado onde ele tinha posto quando resolvera tentar seguir adiante.
Lassiter tinha razão. Ele não tinha levado as coisas tão longe quanto poderia. Mas, Deus, ter sexo com outra pessoa? Tipo sexo completo? Sempre existira apenas Wellsie.
Meeeerda... Este pesadelo estava ficando cada vez mais assustador.
Mas, Deus, aquela visão diante da qual ele acordara, de sua shellan ainda mais distante... Ainda mais desvanecida... Seus olhos exaustos torturados e tão cinzas quanto a paisagem.
O toque na porta era forte demais para ser Fritz.
– Entre.
John Matthew olhou pelo batente. O garoto estava vestido para lutar, armado, humor sombrio.
– Vai sair mais cedo? – Tohr disse.
Não, eu troquei de turno com Z – só queria que você soubesse.
– Qual o problema?
Nada.
Que mentira. A verdade veio das formas duras das palavras do garoto, as mãos formando as posições da linguagem de sinais com cantos duros nas letras. E ele estava olhando para o chão.
Tohr lembrou da cama bagunçada e do fato de que No’One deixara uma de suas roupas de baixo na cadeira perto da escrivaninha.
– John, – ele disse, – Ouça...
O garoto não olhou para ele. Só ficou lá na porta aberta, cabeça baixa, sobrancelhas baixas, o corpo coçando para ir embora.
– Entre um minuto. E feche a porta.
John entrou e cruzou os braços ao fechar a porta.
Merda. Por onde começar?
– Eu acho que você sabe o que está rolando aqui. Com No’One.
Não é da minha conta, vieram os sinais em resposta.
– Besteira. – Ao menos ele conseguira algum contato olho-a-olho – o que foi ruim, já que ele prontamente não soube o que dizer. Como poderia explicar o que estava acontecendo? – É uma situação complicada. Mas ninguém[40] está tomando o lugar de Wellsie. – Merda, aquele nome. – Digo...
Você a ama?
– No’One? Não, eu não a amo.
Então o que infernos está fazendo? Não, não me responda. John marchou em volta, mãos nos quadris, armas refletindo a luz em flashes sutis. Eu posso adivinhar.
De um jeito triste, Tohr pensou, a raiva era honorável. Um filho protegendo a memória de sua mãe.
Deus, aquilo doía.
– Eu tive que seguir adiante, – Tohr suspirou roucamente. – Não tive escolha.
Uma porra que não teve. Mas como eu disse, não é da minha conta. Tenho que ir. Até mais.
– Se você acha por um momento que estou tendo uma festa aqui, está errado demais.
Eu ouvi os sons. Eu sei exatamente quanta diversão você está tendo.
Quando ele saiu, a porta se fechou com uma batida.
Fantástico. Esta noite só ficaria melhor se alguém perdesse uma perna. Ou a cabeça.
Em geral, o aroma do sangue humano não era nem de longe tão interessante quanto o sangue de um lesser ou de um vampiro. Mas era igualmente reconhecível, e algo a que era preciso dar alguma atenção.
Quando Xhex passou uma perna por sobre sua Ducati, cheirou o ar de novo.
Definitivamente humano, a oeste do Iron Mask.
Conferindo o relógio, viu que tinha tempo de sobra até seu encontro e, apesar de, no curso normal dos negócios não dar atenção às bagunças envolvendo humanos, mas, à luz da situação atual no mercado negro, desmontou, pegou a chave, e se desmaterializou naquela direção.
Nos últimos três meses, houve uma onda de mortes no centro da cidade. Bem... Dãa para aquilo. Mas as que lhe interessavam não eram coisas de gangues atirando a esmo, crimes passionais rápido no gatilho ou bêbados que atropelavam e fugiam. Seu grupo de interesse era o quarto na lista – relacionado a drogas.
Só que não no sentido ‘overdose’ da coisa.
Todas as mortes tinham sido suicídios.
Intermediários estavam se matando a torto e a direito – e realmente, quais eram as chances de que tantos filhos da puta desenvolvessem consciência ao mesmo tempo? A menos, é claro, que alguém tivesse colocado algum aditivo moral no sistema de água de Caldwell. Neste caso Trez estaria fora do negócio em mais de um sentido – e ele não estava.
A polícia humana estava desnorteada. As notícias rodavam o mundo. Os políticos estavam nervosos e esbravejando.
Ela mesma tentara dar uma de Nancy Drew[41] mas seu timing sempre caia no dito popular, “chegou tarde, perdeu a cadeira”.
Mas também, ela já sabia a resposta para muitas das questões humanas: aquele símbolo para morte no Idioma Antigo, naqueles pacotes eram a chave. E Jezusss... Quanto mais caras engoliam as próprias balas, mais daquele símbolo aparecia. Estavam até começando a aparecer em pacotes de heroína e Ecstasy, não mais apenas em cocaína.
O vampiro em questão, fosse lá quem fosse, ela ou ele estava gradualmente tomando os seus lugares. E depois de um verão ocupado em influenciar a escória humana a apagar seu DNA do conjunto genético humano, conseguira exterminar uma comunidade inteira de traficantes de drogas: só o que restava eram os vendedores de esquina... E Benloise, o fornecedor peixe-grande.
Quando tomou forma atrás de uma van estacionada, ficou claro que chegou à cena em cima dos acontecimentos. Havia dois caras criando poças de sangue no asfalto, deitados de rosto para cima, com olhos cegos. Ambos traziam armas nas mãos e buracos na frente de seus cérebros, e o carro no qual os defuntos tinham chegado ainda estava ligado, portas abertas, vapor subindo de seu cano ejetor.
Mas nada daquilo lhe importava. O que lhe interessou realmente foi o vampiro macho entrando num Jaguar brilhante, o cabelo preto brilhando azulado sob a luz da arcada.
Parece que seu timing melhorou, conseguiu “sentar na cadeira”.
Com um rápido movimento, retomou forma na frente do carro dele, e graças ao fato de que ele não levava os faróis acesos, pôde dar uma boa olhada em seu rosto sob o brilho do painel.
Bem, bem, bem, ela pensou, enquanto ele se voltava para ela.
A risada lenta que veio do macho pertencia a noites de verão: profunda, quente – e perigosa como o relâmpago que se aproxima. – A bela Xhexania.
– Assail. Bem-vindo ao Novo Mundo.
– Eu ouvi que você estava por aqui.
– Do mesmo modo eu também. – Ela acenou aos corpos. – Entendo que está fazendo um serviço público.
O vampiro assumiu uma expressão diabólica, uma que ela teve de respeitar. – Você me dá crédito por algo que não exerço nenhuma influência.
– Uh-huh. Certo.
– Não vai me dizer que se importa com estes ratos sem rabo?
– Me importa que seus produtos invadam o meu clube.
– Clube? – Sobrancelhas elegantes se ergueram sobre aqueles olhos gelados. – Trabalha com humanos?
– Mais como manter eles na linha.
– E você não aprova drogas.
– Quanto mais sob influência delas, mais trabalho me dá.
Houve uma longa pausa. – Você parece bem, Xhex. Como sempre.
Ela pensou em John e no jeito que ele lidara com aquele aspirante a vampiro alguns meses atrás. A história seria outra com Assail – John teria muito mais diversão com um oponente mais digno, e Assail seria capaz de qualquer coisa...
Com uma pontada de dor, ela subitamente se perguntou se seu companheiro sequer se incomodaria em lutar por ela atualmente.
As coisas andavam diferente entre eles, e não de uma maneira boa. Todas aquelas resoluções de verão de ficarem juntos e conectados tinham se evaporado sob o peso de seus trabalhos noturnos e as poucas vezes em que se viam parecia criar mais distância do que cura.
Até agora, no tempo gelado do outono, as visitas eram difíceis, menos frequentes. Menos sexuais também.
– Qual o problema, Xhex? – Assail disse suavemente. – Sinto cheiro de dor.
– Você superestima seu nariz e seu alcance, se acha que pode invadir Caldwell tão rápido. Está tentando calçar sapatos de algum puta mangangão.
– Do seu chefe, Rehvenge, quer dizer.
– Precisamente.
– Isto significa que você irá trabalhar para mim quando eu terminar de limpar o terreno?
– Não na sua vida.
– Que tal na sua? – Ele pontuou as palavras com um sorriso. – Sempre gostei de você, Xhex. Se um dia quiser um emprego de verdade, procure-me... Não tenho problema algum com mestiços.
Eeeeee aquelas palavras fizeram com que ela tivesse vontade de chutá-lo nos dentes. – Sinto muito, eu gosto de onde estou.
– Seu cheiro me diz que não gosta. – Quando ele ligou o carro, o súbito ruído anunciou toda a potência do motor. – Te vejo por aí.
Com um aceno casual, ele se trancou, acelerou o motor e arrancou sem ligar os faróis.
Enquanto ela olhava a morte que ele deixou para trás, pensou, bem, pelo menos agora tinha um nome, mas as boas notícias acabavam por aí. Assail era o tipo de macho a quem não era aconselhado a dar as costas nem por um instante. Camaleão sem consciência, ele podia ter centenas de rostos diferentes para centenas de pessoas diferentes – sem que ninguém soubesse quem ele era na realidade.
Por exemplo, ela não acreditava nem por um momento que ele a achasse atraente. Era só um comentário para desestabilizá-la. E funcionou; só que não pelo motivo que ele intencionara.
Deus, John...
Esta merda entre eles estava matando a ambos, mas eles estavam em um impasse. Incapazes de fazer as coisas funcionar; incapazes de desistirem.
Isto era uma bagunça.
Transportando-se para sua moto, montou, colocou os óculos de sol para proteger os olhos e arrancou. Enquanto se dirigia ao centro da cidade, passou rapidamente por um monte de carros de polícia com as luzes ligadas e sirenes soando, que iam, tão rápido quanto os pneus permitiam, ao lugar de onde ela acabara de sair.
Divirtam-se garotos, ela pensou.
Imaginou se eles tinham um protocolo para suicídios múltiplos agora.
Ela se dirigiu ao norte, para as montanhas. Teria sido mais eficiente somente se desmaterializar, mas precisava clarear sua cabeça, e não havia nada como andar em cento e vinte em uma estrada rural para tornar seu crânio tão limpo quanto um assobio. Com o vento gelado empurrando seus óculos de aviador contra seu nariz, e a jaqueta formando uma segunda pele sobre seus seios, forçou ainda mais o motor, inclinando-se sobre a moto, tornando-se uma só com a máquina.
Enquanto se aproximava da mansão da Irmandade, não tinha certeza do motivo que a levara a concordar com isto. Talvez tivesse sido somente a surpresa diante do pedido. Talvez ela quisesse se encontrar com John. Talvez ela estivesse... Procurando algo, qualquer coisa, que fosse uma mudança nesta nuvem de tristeza na qual estava vivendo.
Mas de novo, talvez o fato de que ela estivesse a ponto de se encontrar com sua mãe significasse que a merda só ia piorar.
Cerca de quinze minutos depois, saiu da estrada e deu de cara com o mhis que estava sempre no lugar. Diminuindo de forma a não atropelar um cervo ou uma árvore, gradualmente começou a subir a elevação, parando na série de portões que eram semelhantes aos que levavam à entrada do centro de treinamento.
Mal precisou diminuir a velocidade nas câmeras de segurança, o que significava que estava sendo aguardada.
Depois de atravessar a última barreira, e passar pela curva larga que levava ao pátio, seu coração foi parar na barriga. Maldição, a grande casa de pedra parecia a mesma. Mas vamos lá, como se fosse mudar? Podia cair uma chuva de bombas nucleares na costa nordeste e...
[1] Optei por deixar como no original, pois é um termo inventado pela autora. Significa: ato mortal de vingança realizado geralmente por um homem que amou alguém.
[2] Marca de relógio.
[3] Marca de esmalte.
[4] Marca de maquiagem.
[5] Marca de produtos para cabelo.
[6] Marca de produtos para cabelo.
[7] Uma alusão ao defeito da boca de Xcor.
[8] Adorno pendente feito de fios de lã, seda, etc.
[9] Tipo de bota que os Irmãos usam.
[10] Dança que consiste em juntar as mãos na forma de punhos e movê-las em movimentos horizontais e circulares.
[11] Música dos Beatles.
[12] Hipóxia significa baixo teor de oxigênio. Trata-se de um estado de carência de oxigênio nos tecidos orgânicos.
[13] Marca de lenço de papel.
[14] Tipo de arroz da culinária indiana.
[15] Licor adocicado de origem escocesa à base de uísque.
[16] Marblehead é uma vila localizada no estado norte -americano de Ohio, no Condado de Ottawa, conhecida pelo alto poder aquisitivo de sua população.
[17] Companhia fabricante de chocolate.
[18] Programa cômico que foi ao ar entre 1968 e 1973, que tinha a frase – beautiful downtown Burbank – como um dos bordões, referindo-se aos subúrbios de Los Angeles onde ficava o estúdio da NBC onde o programa era gravado.
[19] Marca de botas
[20] Termo pejorativo utilizado pelos norte-americanos para denominar os europeus, particularmente, aqueles percebidos como arrogantes, ricos e radicados nos Estados Unidos.
[21] Se matar com um tiro na boca.
[22] Dinheiro vivo.
[23] Livros manuscritos.
[24] Culhões em espanhol.
[25] A expressão em inglês é a forma de dar de ombros.
[26] É um programa de televisão exibido pela CBS. É um show de perguntas e respostas (quiz) variando história, literatura, cultura e ciências. Diferentemente dos quizes tradicionais, os temas são apresentados como respostas e os concorrentes devem formular a pergunta correspondente a cada uma delas.
[27] Estilo surgido durante os anos 80 até finais dos anos 90 que incorporam elementos de ficção científica, fantasia, horror histórico e ficção especulativa.
[28] Ator que interpretou Drácula no filme homônimo em 1979.
[29] Departamento de Polícia de Cadwell.
[30] Na peça The Fair Penitent (1703) de Nicholas Rowe, Lothario é o personagem que seduz e trai Calista. A palavra “Lothario” então passou a significar na expressão inglesa um homem sedutor e irresistível para as mulheres.
[31] O sentido originário da palavra designa uma reunião de bruxas, mas ultimamente é usado também para vampiros.
[32] Um tipo de bota ou coturno.
[33] O termo original, “salt licks”, refere-se a depósito natural ou artificial de sal exposto para os animais (gado, servos, carneiros, etc.) lamberem.
[34] Forma de conservação da carne, na ausência de refrigeração.
[35] Marca norte-americana de biscoitos/cookies.
[36] No original o termo utilizado é “Pop-Tarting”. Pop Tart é um biscoito pré-cozido feito pela Kelloggs, com milhões de unidades vendidas nos Estados Unidos. Sua característica principal é que facilmente se esmigalha na boca.
[37] As Moiras, na mitologia grega, eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram filhas dos deuses Themis e Zeus. Clotho tecia a linha da vida, Lachesis determina o comprimento da linha e Atropos corta a linha quando chega o momento da morte.
[38] Tipo de pássaro.
[39] Referência à surra que levara de Vishous e Phury.
[40] Aqui Ward faz um trocadilho com o nome de No’One, que inglês significa ninguém.
[41] Nancy Drew é uma personagem fictícia que aparece em várias séries de mistério, como uma detetive amadora de 18 anos de idade. Foi criada por Edward Stratemeyer em 1930.
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