Irmandade da "Adaga Negra"
Capítulo 41
John levou seu fodido tempo na ducha de Xhex, e se lavou profundamente não porque estivesse sujo, mas sim, porque pensou que ele também podia brincar esse joguinho de apagar-o-quadro-negro-por-completo e o-que-aconteceu-entre-nós-não-aconteceu-realmente.
Depois que ela se foi, não sabia há quantas horas e horas depois, seu primeiro pensamento foi negativo. Não mentiria: Tudo o que queria fazer era sair diretamente para fora e ficar sob o sol, e, assim, terminar com essa piada que como um imbecil perdedor chamava de vida.
Havia muitas coisas nas quais falhava. Não podia falar. Era péssimo em matemática. Seu sentido da moda, se o deixavam só, era patético. Não era particularmente bom com as emoções. Normalmente perdia no gim rummy[78] e sempre no pôquer. E tinha muitos outros defeitos.
Mas, ser péssimo no sexo era o pior de todos.
Enquanto estava estendido na cama de Xhex considerando os méritos da auto-imolação, perguntou-se por que o fato de ser uma calamidade na hora de foder parecia mais importante que qualquer outra deficiência.
Talvez fosse porque o recente capítulo em sua vida sexual o fizera passar a um território ainda mais complicado, mais hostil. Talvez fosse porque o desastre mais recente estava muito fresco.
Talvez porque tinha sido a gota que transbordou o copo.
Tal e como via, tivera relações sexuais duas vezes, e em ambas ele tinha sido tomado, uma vez violentamente e contra sua vontade e então, umas quantas horas atrás, tinha sido com seu consentimento total e absoluto. As repercussões de ambas as experiências eram péssimas, e durante o tempo que tinha passado na cama de Xhex, tinha tratado de não reviver as feridas, mas em sua maior parte tinha falhado. Naturalmente.
Entretanto, ao cair da noite, já tinha desenvolvido um par de ovos ao dar-se conta que estava deixando que outras pessoas fodessem com sua mente. Em nenhum dos casos tinha feito nada mal. Então por que demônio pensava em acabar com sua vida quando não era ele o problema?
A resposta não era converter a si mesmo no equivalente vampiro de um s’more[79].
Merda, não. A resposta era não voltar a ser nunca, jamais, uma vítima.
De agora em diante, quando se tratasse de foder, seria ele o que foderia.
John saiu da ducha, secou seu corpo poderoso e ficou frente ao espelho, medindo seus músculos e sua força. Quando cavou a mão em torno de seus testículos e seu pênis, seu pesado sexo se sentia bem.
Não. Nunca mais seria a vítima de outros. Porra! Era hora de crescer.
John deixou a toalha da maneira que aterrissou sobre qualquer lugar, vestiu-se rapidamente, e de certa forma, quando ajustou suas armas e foi em busca de seu telefone se sentiu mais alto.
Negava-se a seguir sendo um sacal débil e chorão.
Sua mensagem para Qhuinn e Blay foi breve e concisa: Vms no ZS. V embebedar-me e spro q façam o mesmo.
Após apertar enviar, foi ao registro de chamadas. Várias pessoas discaram para seu telefone durante o dia, em sua maior parte Blay e Qhuinn, quem evidentemente chamou a cada duas horas. Também viu que ficou registrado um número privado desconhecido que tinha insistido três vezes.
O resultado final era que tinha dois correios de voz, e sem muita curiosidade, acessou a sua conta e escutou, esperando que o desconhecido fosse um humano que ligou para o número errado.
Não era.
A voz de Tohrment se ouvia tensa e baixa:
“Ouça, John, sou eu, Tohr. Escuta… Eu, ah, não sei se receberá isto, mas poderia me ligar se o fizer? Estou preocupado com você. Preocupa-me, e quero dizer que sinto muito. Sei que realmente estive fodidamente ausente durante muito tempo já, mas retornarei. Fui… Fui à Tumba. Era ali onde estava. Tinha que retornar e ver… Merda, não sei. Tinha que ver o lugar onde tudo começou antes de poder me lançar de volta à realidade. E logo eu, ah, ontem à noite me alimentei. Pela primeira vez desde que… — sua voz se quebrou e ouviu uma forte inspiração — Desde que Wellsie morreu. Pensei que não poderia suportá-lo, mas o fiz. Levará um tempo conseguir…”
Nesse momento a mensagem se interrompeu e uma voz gravada perguntou se queria guardá-la ou apagá-la. Pressionou a tecla para saltar à seguinte mensagem.
Era Tohr outra vez:
“Ouça, desculpa por isso, cortaram a comunicação. Só queria dizer que sinto te haver fodido. Não foi justo para você. Você também esteve levando luto por ela, e não estive ali para te ajudar, e isso sempre me pesará. Abandonei-te quando me necessitava. E… Sinto de verdade. Entretanto, já deixei de correr. Não vou a nenhuma parte. Suponho… Suponho que estou aqui e é aqui aonde pertenço. Porra! Estou falando sem sentido. Olhe me ligue, por favor, para me fazer saber que está a salvo. Adeus.”
Soou um bip e a voz gravada interrompeu:
“Guardar ou apagar?” induziu.
Quando John afastou o telefone de sua orelha para olhá-lo fixamente, houve um momento de vacilação quando o menino que ainda ficava nele pedia a gritos por seu pai.
Uma mensagem de texto de Qhuinn brilhou na tela, tirando-o da imaturidade.
John apertou apagar para a segunda mensagem de voz de Tohr, e, quando perguntaram se queria revisar a primeira mensagem, respondeu que sim e apagou aquela também.
O texto de Qhuinn era breve: T vmos lá.
Genial, pensou John enquanto recolhia sua jaqueta de couro e saía.
Para ser alguém desempregada e com um montão de faturas pendentes, era bastante insólito que Ehlena estivesse de bom humor.
Não obstante quando se desmaterializou para o Commodore se sentia feliz. Tinha problemas? Sim, definitivamente: se não encontrasse trabalho logo, ela e seu pai corriam o risco de perder o teto que tinham sobre suas cabeças. Mas tinha solicitado um posto de faxineira com uma família de vampiros para sair do apuro, e estava considerando fazer bico no mundo humano. As transcrições médicas eram uma idéia, o único problema era que não tinha uma identidade humana que pudesse ser impressa em um cartão plastificado, e obtê-la ia custar dinheiro. De toda forma, o salário de Lusie estava pago até o final de semana, e seu pai estava encantado de que sua “história”, como ele a chamava, tivesse agradado a sua filha.
E, além disso, tinha Rehv.
Não sabia que direção as coisas tomariam com ele, mas para eles existia uma possibilidade, e o sentimento de esperança e o otimismo que gerava essa possibilidade, fazia que se sentisse animada em todos os campos de sua vida, incluída a Santa merda do desemprego.
Tomando forma no terraço do apartamento de cobertura certo, sorriu às pequenas rajadas de flocos que formava redemoinhos com o vento e se perguntou por que será que cada vez que caía o frio não parecia tão frio.
Quando deu a volta, viu uma silhueta maciça através do vidro. Rehvenge estava esperando-a e permanecia atento à sua chegada, e, o fato de que desejasse isto tanto como ela fez que seu sorriso ampliasse tanto que seus incisivos zumbiram pelo frio.
Antes que pudesse avançar, a porta em frente a ele se abriu deslizando para um lado, e cruzou de uma pernada a distância que os separava, o vento invernal apanhou seu casaco de zibelina e o arrancou de corpo. Seus olhos de ametista reluziram. Sua pernada era poder puro. Sua aura era inegavelmente masculina.
Quando se deteve frente a ela, seu coração deu um salto. À luz do resplendor da cidade, seu rosto era severo e afetuoso ao mesmo tempo, e, embora sem dúvida estivesse congelado até os ossos, abriu seu casaco, a convidando há compartilhar o pouco calor que seu corpo pudesse ter.
Ehlena se meteu dentro e o abraçou, segurando-o com força, aspirando profundamente seu perfume.
Ele baixou a boca até sua orelha.
— Senti saudades.
Ela fechou os olhos, pensando que essas pequenas palavras eram tão boas como um “te amo”.
— Também senti sua falta.
Quando ele soltou uma suave risada de satisfação, ela escutou o som e ao mesmo tempo o sentiu retumbar em seu peito. E, então a abraçou mais estreitamente.
— Sabe? Com você assim apoiada contra mim, não tenho frio.
— Isso me faz feliz.
— A mim também. — ele girou com ela em seus braços para que ambos pudessem ficar frente ao terraço que parecia estar coberto com uma manta de neve, os arranhas-céu do centro e as duas pontes com suas fileiras de faróis dianteiros amarelos e luzes traseiras vermelhas — Nunca tinha conseguido desfrutar desta vista de uma forma tão próxima e pessoal como agora. Antes de você… Só a tinha visto através do vidro.
Agasalhada dentro do quente refúgio que o corpo e o casaco dele proporcionavam, Ehlena se sentiu triunfante porque juntos tinham vencido ao frio.
Com a cabeça descansando sobre seu coração, disse:
— É magnífica.
— Sim.
— E, entretanto… Não sei, mas só você me parece real.
Rehvenge se afastou um pouco e levantou seu queixo com seu comprido dedo. Quando sorriu, ela viu que suas presas se alargaram, e instantaneamente se excitou.
— Estava pensando exatamente o mesmo. — disse — Neste momento, não posso ver nada mais que a você.
Inclinou a cabeça e a beijou, beijou-a e beijou um pouco mais enquanto alguns flocos de neve dançavam ao redor deles como se constituíssem uma força centrífuga, um universo próprio que girava lentamente.
Quando ela deslizou seus braços ao redor da nuca dele e ambos perderam o controle, Ehlena fechou os olhos.
E isso significava que ela não viu e Rehvenge não percebeu a presença que se materializou no alto do telhado do luxuoso apartamento de cobertura…
E que os olhou com uns olhos que brilhavam avermelhados com a cor do sangue recém derramado.
Capítulo 42
— Por favor, se possível, trata de não se mover… De acordo, assim está bem.
Doutora Jane passou ao olho esquerdo de Wrath, enviando o feixe de luz de sua caneta-lanterna diretamente até a parte posterior de seu cérebro, ou, ao menos, isso pareceu a ele. Enquanto o arpão o brocava, teve que resistir ao impulso de retirar a cabeça.
— De verdade que isto não te agrada. — murmurou ela enquanto apagava a caneta-lanterna.
— Não.
Esfregou aos olhos e voltou a colocar os óculos de sol, incapaz de ver nada além de um par de brilhantes alvos negros.
Beth interveio.
— Mas isso não é incomum. Nunca pôde tolerar a luz.
Enquanto sua voz se desvanecia, ele estendeu o braço e apertou sua mão para tratar de reconfortá-la, o que, se funcionasse, também reconfortaria a ele por extensão.
Falando em ser desmancha-prazeres. Depois que ficou evidente que seus olhos tomaram um pequeno descanso não programado, Beth chamou à doutora Jane, que estava na nova clínica, e mais que disposta a fazer uma visita a domicílio imediatamente. Entretanto, Wrath insistiu em ir onde estava a doutora. O último que queria era que Beth tivesse de ouvir más notícias em seu quarto matrimonial… E o que era quase igualmente importante... Para ele, esse era seu espaço sagrado. Com exceção de Fritz que entrava para limpar, ninguém era bem-vindo em seu dormitório. Nem sequer os Irmãos.
Além disso, Doutora Jane iria querer fazer exames. Os médicos sempre queriam fazer exames.
Convencer Beth tinha levado bastante tempo, mas a seguir Wrath pôs seus óculos escuros, pôs o braço ao redor dos ombros de sua shellan, e, juntos, saíram do quarto, desceram sua escada privada, e entraram pela galeria exterior do segundo piso. No caminho, tropeçara um par de vezes, ao chocar seus shitkickers nos cantos dos tapetes pequenos e esquecer a localização exata dos degraus, e o acidentado trajeto acabou por ser uma revelação. Não tinha se dado conta de que confiava tanto em sua defeituosa visão como aparentemente o fazia.
Sagrada… E querida Virgem Escriba, pensou. O que ocorreria se ficava permanente e completamente cego?
Não poderia suportar. Simplesmente não poderia suportá-lo.
Felizmente, quando estavam no túnel a meio caminho para o centro de treinamento, a cabeça tinha palpitado várias vezes, e repentinamente o ligeiro brilho do teto atravessou seus óculos de sol. Melhor dizendo, seus olhos o tinham registrado. Deteve-se, piscou e tirou os óculos de sol e imediatamente teve que voltar a pô-los quando olhou para cima às placas fluorescentes.
Assim, nem tudo estava perdido.
Quando, a doutora Jane se deteve frente a ele, cruzou os braços e as lapelas de seu avental branco se enrugaram. Estava completamente sólida, sua forma fantasmal era tão substancial como a sua ou a de Beth, e ele virtualmente podia cheirar a madeira ardendo enquanto considerava seu caso.
— Suas pupilas estão virtualmente insensíveis, mas isso é porque estão quase totalmente contraídas para começar… Maldita seja! Oxalá tivesse feito em você um estudo óptico em condições normais. Disse que a cegueira te atacou de repente?
— Deitei-me e quando despertei era incapaz de ver qualquer coisa. Não estou seguro de quando ocorreu.
— Notou algo diferente?
— Além do fato de que não tenho dor de cabeça?
— Teve recentemente?
— Sim. É pela tensão nervosa.
Doutora Jane franziu o cenho. Ou ao menos ele sentiu que o fez. Para ele, seu rosto era um borrão pálido com cabelo loiro curto, suas feições eram indistintas.
— Quero que faça uma TAC na consulta com Havers.
— Por quê?
— Para ver um par de coisas. Assim, vejamos, despertou e sua vista simplesmente se foi…
— Para que quer a TAC?
— Quero saber há algo anormal em seu cérebro.
A mão de Beth apertou a sua como se estivesse tratando de acalmá-lo, mas o pânico o fazia ser descortês.
— Como o que? Porra, Doutora, simplesmente me diga.
— Um tumor. — como ele e Beth contiveram o fôlego, Doutora Jane continuou rapidamente — Os vampiros não contraem câncer. Mas houve casos de tumores benignos e isso poderia explicar as dores de cabeça. Agora me conte outra vez, despertou e… Se foi. Aconteceu algo incomum antes que dormisse? Ou depois?
— Eu… — porra. Merda — Despertei e me alimentei.
— Quanto tempo passou da última vez que o tinha feito?
Beth respondeu.
— Aproximadamente três meses.
— Muito tempo. — murmurou a doutora.
— Assim pensa que poderia ser isso? — perguntou Wrath — Não me alimentei o suficiente e a perdi, mas quando bebi de sua veia, minha vista retornou e…
— Acredito que necessita uma TAC.
Com ela não cabiam tolices, nada a discutir. Assim ao ouvir que abria um telefone e discava, manteve a boca fechada apesar de isso estar matando-o.
— Verei quando Havers pode te atender.
O que, sem dúvida, seria no ato. Wrath e o médico da raça tiveram suas diferenças, que remontavam à época em que estava com a Marissa, mas o homem sempre tinha dado prioridade a sua atenção quando era necessário.
Quando Doutora Jane começava a falar, Wrath interrompeu sua conversa.
— Não diga a Havers para o que é. Você e só você verá os resultados. Entendemo-nos?
A última coisa que precisavam era que houvesse qualquer tipo de especulação sobre sua capacidade para governar.
Beth elevou a voz.
— Diga que é para mim.
Doutora Jane assentiu e mentiu com desenvoltura, e enquanto dispunha tudo, Wrath atraiu Beth para seu lado.
Nenhum deles disse nada, porque que tipo de conversa teria? Ambos estavam assustados como a merda… Sua visão era uma porcaria, mas ele necessitava a pouca que tivesse. Sem ela? Que diabo faria?
— Tenho que ir à reunião do Conselho à meia-noite. — disse brandamente. Quando Beth se esticou, ele negou com a cabeça — Politicamente falando, devo ir. As coisas estão muito instáveis neste momento para não comparecer, ou tratar de mudá-la para outra noite. Tenho que aparentar uma posição de força.
— E o que ocorre se perder a vista no meio da reunião? — vaiou ela.
— Então dissimularei até que possa sair dali.
— Wrath…
A doutora Jane fechou seu telefone.
— Pode vê-lo agora mesmo.
— Quanto tempo demorará?
— Perto de uma hora.
— Bem. Há um lugar em que devo ir a meia-noite.
— Por que não vemos o que diz o exame…
— Tenho que…
A doutora Jane o interrompeu com uma autoridade que indicava que nesta ocasião ele era um paciente, não o rei.
— “Ter que” é um termo relativo. Já veremos o que ocorre ali dentro e logo poderá decidir quantos “tenho que” consegue.
Ehlena poderia ficar no terraço com Rehvenge durante vinte anos, mas lhe sussurrou ao ouvido que tinha preparado algo para comer, e sentar-se frente a ele à luz de velas soava igualmente bom.
Depois de um prolongado beijo final, entraram juntos, ela recostada contra ele, que rodeava sua cintura com o braço, enquanto ela tinha a mão em suas costas, entre suas omoplatas. O luxuoso apartamento de cobertura estava caloroso, assim que tirou o casaco e o lançou sobre um dos sofás negros de couro.
— Pensei que podíamos comer na cozinha. — disse ele.
E até aqui chegava “à luz de velas”, mas o que importava? Desde que estivesse com ele, ela brilharia o suficiente para iluminar todo o maldito apartamento de cobertura.
Rehvenge pegou sua mão e a guiou através da sala de jantar fazendo-a cruzar para o outro lado da porta de serviço basculante. A cozinha era de granito negro e aço inoxidável, muito urbana e brilhante, e em um extremo do balcão, onde havia um beiral, estava disposto o serviço para dois, frente a um par de tamboretes. Havia uma vela branca acesa, e sua chama vagava em cima de seu pedestal de cera.
— Oh, isto cheira fantástico. — ela deslizou em um dos tamboretes — Italiana. E dizia que só podia preparar uma coisa.
— Bom, na realidade trabalhei como escravo para fazer isto.
Inclinou-se para o forno com um floreio e tirou uma fôrma plana com…
Ehlena estalou em gargalhadas.
— Pizza de pão francês.
— Só o melhor para você.
— DiGiorno?
— É obvio. E esbanjei ao comprar o tipo supremo. Pensei que poderia tirar aquilo que você não goste. — usou um par de pegadores de prata esterlina para transferir as pizzas aos pratos e logo pôs a bandeja do forno sobre o balcão da cozinha — Também tenho vinho tinto.
Enquanto voltava com a garrafa, o único que ela pôde fazer foi olhá-lo e sorrir.
— Sabe, — disse ele enquanto servia um pouco em seu copo — gosto da forma em que me olha.
Ela espalmou as mãos sobre o rosto.
— Não posso evitar.
— Não tente. Faz com que me sinta mais alto.
— E não é pequeno para começar. — ela tentou conter-se, mas enquanto ele enchia seu próprio copo, deixava a garrafa, e se sentava a seu lado tinha muita vontade de rir bobamente.
— Começamos? — disse ele, pegando sua faca e seu garfo.
— Oh, meu Deus, me alegro de que também faça isso.
— Faça o que?
— Comer pizza com faca e garfo. No trabalho, as outras enfermeiras me enchiam a paciência… — deixou a frase sem terminar — Bom, de qualquer maneira, alegra-me que haja alguém como eu.
Quando ambos se dedicaram a seu jantar, surgiu o som do pão rangente quebrando-se sob as lâminas das facas.
Rehvenge esperou até que ela tomou seu primeiro bocado e então disse:
— Deixe-me te ajudar em sua busca de trabalho. — tinha cronometrado à perfeição, porque ela nunca falava com a boca cheia, assim tinha um montão de tempo para continuar — Deixe que me ocupe de você e de seu pai até que tenha outro trabalho que proporcione o mesmo ganho que o da clínica. — ela começou a negar com a cabeça, mas ele levantou alto sua mão — Espera, pensa nisso. Se não tivesse me comportado como um imbecil, não teria feito o que fez para que a despedissem. Assim, é justo que a compense, e se ajuda, pensa nisso de um ponto de vista legal. Sob as Antigas Leis lhe devo isso, e não estou fazendo nada mais que obedecer às leis.
Ela limpou a boca.
— É só que parece… Estranho.
— Porque por uma vez alguém estaria ajudando a você em lugar de que seja o inverso?
Bem, maldita seja sim.
— Não quero me aproveitar de você.
— Mas me ofereci, e acredite, tenho os meios.
Bastante certo, pensou ela, olhando seu casaco e o pesado faqueiro de prata com o que comia e o prato de porcelana e o…
— Na mesa tem umas maneiras deliciosas. — murmurou sem causa aparente.
Ele fez uma pausa.
— Obra de minha mãe.
Ehlena pôs a mão sobre seu enorme ombro.
— Posso dizer que sinto outra vez?
Ele limpou a boca com um guardanapo.
— Pode fazer algo melhor por mim.
— O que?
— Deixe-me cuidar de você. Para que sua procura por trabalho seja para encontrar algo que deseje fazer em vez de uma louca correria para se colocar em algo que te possibilite pagar as contas. — ergueu os olhos para o teto e levou as mãos ao peito como se estivesse a ponto de desmaiar — Isso aliviaria muito meu sofrimento. Você e só você tem o poder de me salvar.
Ehlena riu um pouco, mas não podia manter nenhuma aparência de jovialidade. Sob a superfície, percebeu que ele sofria, e a dor se fazia patente nas sombras que tinha sob os olhos e a sombria tensão de sua mandíbula. Era evidente que se esforçava para aparentar-se normal em seu benefício, e embora apreciasse não sabia como podia fazer que se detivesse sem o pressionar.
Na realidade ainda não eram mais que desconhecidos um para o outro, verdade? Apesar de todo o tempo que passaram juntos os últimos dois dias, o que sabia realmente dele? Sua ascendência? Quando estava com ele ou quando falavam por telefone, sentia como se soubesse tudo o que necessitava, mas sendo realista, o que tinham em comum?
Ele franziu o cenho enquanto deixava cair suas mãos e cortava outra parte de pizza.
— Não vá por aí.
— Desculpe?
— Em qualquer lugar que esteja indo em sua mente. É o lugar errado para você e para mim. — tomou um sorvo de vinho — Não serei grosseiro e lerei sua mente, mas posso sentir o que sente, e está se distanciando. Isso não é o que persigo. Não no que se refere a você. — levantou seus olhos de ametista e a olhou fixamente — Pode confiar em que cuidarei de você, Ehlena. Nunca duvide disso.
Ao olhá-lo, acreditava nele cem por cento. Absolutamente. Sem lugar a dúvidas.
— Faço. Confio em você.
Algo iluminou seu rosto, mas ele o ocultou.
— Bem. Agora, termina seu jantar e se dê conta que eu ajudá-la é o correto.
Ehlena voltou para seu jantar, e seguiu comendo lentamente a pizza. Quando acabou, apoiou os talheres na borda direita do prato, limpou a boca, e tomou um sorvo de vinho.
— De acordo. — olhou-o — Deixarei que me ajude.
Quando ele sorriu amplamente, porque se sairia com a sua, ela interrompeu a satisfação que estava lhe inflando o peito.
— Mas há condições.
Ele riu.
— Impõem limitações a um presente que lhe fazem?
— Não é um presente. — olhou-o mortalmente séria — É só até que encontre um trabalho, não o trabalho de meus sonhos. E quero te pagar a dívida.
Ele perdeu um pouco de sua satisfação.
— Não quero seu dinheiro.
— E eu sinto o mesmo sobre o seu. — dobrou seu guardanapo — Sei que não te faz falta o dinheiro, mas é a única forma em que o aceitarei.
Ele franziu o cenho.
— Então será sem interesses. Não aceitarei nem um cêntimo de interesses.
— Trato feito. — ela estendeu a palma e esperou.
Ele amaldiçoou. E voltou a amaldiçoar.
— Não quero que me devolva isso.
— Impossível.
Depois que sua boca desenhasse algumas intrincadas maldições, pôs a mão na dela e as apertaram.
— É uma dura negociadora e sabe. — disse.
— Mas me respeita por isso, verdade?
— Bem, sim. E faz que queira te despir.
— Oh.
Ehlena se ruborizou da cabeça aos pés enquanto ele descia de seu tamborete, erguia-se ante ela, e cavava as mãos em torno de seu rosto.
— Vai deixar que te leve a minha cama?
Dada a forma em que brilhavam esses olhos cor violeta, estava disposta a permitir que a tomasse no maldito chão da cozinha se pedisse.
— Sim.
Um grunhido brotou de seu peito enquanto a beijava.
— Adivinha o que?
— O que? — respirou ela.
— Essa era a resposta certa.
Rehvenge a tirou de seu tamborete e a beijou rápida e brandamente. Com a bengala na mão, guiou-a ao outro lado do apartamento de cobertura, atravessando salas que não viu e passando frente a uma resplandecente vista que não apreciou. Unicamente era consciente da profunda e palpitante antecipação que sentia pelo que ele lhe faria.
A antecipação e… A culpa. O que ela podia lhe dar? Aqui estava ela ansiando-o sexualmente outra vez, mas para ele não haveria alívio. Apesar de que dizia que obtinha algo do intercâmbio, sentia como se fosse…
— No que está pensando? — perguntou quando entravam no dormitório.
Ela o olhou.
— Quero estar contigo, mas… Não sei. Sinto como se estivesse te usando ou…
— Não o faz. Confia em mim, estou muito familiarizado com o que significa ser usado. O que acontece entre nós não tem nada a ver com isso. — interrompeu-a antes que lhe perguntasse a respeito — Não, não quero entrar em detalhes porque necessito… Merda! Necessito que estes momentos contigo sejam singelos. Só você e eu. Estou cansado do resto do mundo, Ehlena. Estou tão fodidamente cansado dele.
Pensou que se tratava dessa outra fêmea. E se não queria a quem quer que fosse entre eles? Parecia bem.
— É somente que preciso que isto saia bem. — disse Ehlena — O que há entre nós. E quero que você também sinta algo.
— Faço-o. Às vezes nem eu posso acreditar, mas o faço.
Rehv fechou a porta detrás deles, apoiou sua bengala na parede, e tirou o casaco de zibelina. O conjunto que levava debaixo das peles era outra obra de mestre de corte delicioso, esta vez de cor cinza pomba com listras diplomáticas negras. A camisa que tinha debaixo era negra e levava os dois primeiros botões desabotoados.
Seda pensou. Essa camisa devia ser de seda. Nenhum outro tecido emitiria esse resplendor luminescente.
— É tão formosa. — disse enquanto a olhava fixamente — Aí de pé abaixo dessa luz.
Ela olhou suas calças negras da GAP e o suéter de malha de pescoço alto que já tinha dois anos.
— Deve estar cego.
— Por quê? — perguntou, aproximando-se Rehvenge se deteve.
— Bom, sinto-me como uma imbecil por dizer isto. — alisou a parte dianteira das calças prêt-à-porter — Mas desejaria ter melhor roupa. Então estaria formosa.
Rehvenge se deteve.
E logo a deixou fodidamente sobressaltada ao ajoelhar-se frente a ela.
Quando levantou a vista, tinha um leve sorriso nos lábios.
— Não entende, Ehlena. — com mãos suaves, acariciou sua panturrilha e levantou seu pé, apoiando-o na coxa. Enquanto desabotoava os cordões de sua sapatilha Keds, sussurrou — Sem importar o que vista… Para mim, sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Enquanto tirava sua sapatilha e levantava a vista para olhá-la, ela estudou seu duro e bonito rosto, desde esses espetaculares olhos até a sólida mandíbula e as arrogantes maçãs do rosto.
Estava se apaixonando por ele.
E como ocorreria com qualquer outra opção, não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Já tinha dado o salto.
Rehvenge inclinou a cabeça.
— Sinto-me feliz de que me aceite.
As palavras foram tão baixas e humildes, totalmente em oposição à incrível envergadura de seus ombros.
— Como poderia não fazê-lo?
Ele sacudiu a cabeça lentamente de um lado a outro.
— Ehlena…
Pronunciou seu nome com dificuldade, como se houvesse muitas outras palavras detrás dele, palavras que não podia pronunciar. Ela não o compreendia, mas sim sabia o que desejava fazer.
Ehlena retirou seu pé, ajoelhou-se e o rodeou com os braços. Sustentou-o quando se apoiou nela, acariciando sua nuca até a suave franja de cabelo do corte moicano.
Parecia tão frágil quando se entregava a ela e compreendeu que se alguém tentava lhe fazer mal, embora ele fosse perfeitamente capaz de cuidar-se por acaso mesmo, ela poderia cometer um assassinato. Para protegê-lo, seria capaz de matar.
A convicção era tão sólida como os ossos que havia debaixo de sua pele:
Algumas vezes inclusive os poderosos necessitavam amparo.
Capítulo 43
Rehv era o tipo de macho que se orgulhava de seu trabalho, fosse pôr pizzas de pão francês no forno e cozinhá-las à perfeição ou servindo ao vinho... Ou agradando sua Ehlena até que não fosse mais que uma fatigada e resplandecente extensão mais que satisfeita de fêmea nua.
— Não posso sentir os dedos dos pés. — murmurou quando ele riscou um caminho de beijos para cima desde o centro de suas coxas.
— Isso é mau?
— Em absoluto.
Quando se deteve para lamber um de seus peitos, ela serpenteou, e Rehv sentiu o movimento contra seu próprio corpo. A esta altura, acostumou a que a sensação irrompesse através da neblina de seu intumescimento, e desfrutava da repercussão da calidez e a fricção, sem se preocupar que seu lado mal pudesse escapar de sua jaula de dopamina. Embora o que registrava não era tão pronunciado como o que sentia quando não estava medicado, era suficiente para que seu corpo estivesse indiscutivelmente excitado.
Rehv não podia acreditar, mas houve certo número de vezes em que pensou que poderia chegar ao orgasmo. Entre o sabor dela quando sugava seu sexo e a forma em que seus quadris meneavam contra o colchão, quase tinha perdido o controle.
Salvo que era melhor manter seu pênis fora do quadro. Sério, como funcionaria? Não sou impotente, milagre dos milagres, porque ativou meu instinto de marcar, assim que o vampiro que há em mim venceu ao symphath. Viva! É obvio que isso significa ter que tratar com minha lingüeta, assim como também terá que aceitar o lugar onde estive colocando regularmente essa parte de carne que pendura entre minha perna os últimos vinte e cinco anos. Mas, vamos isso é erótico, não?
Sim, tinha uma pressa enorme em pôr Ehlena nessa posição.
Certamente!
Além disso, isto era suficiente para ele: agradá-la, servi-la sexualmente, era suficiente.
— Rehv...?
Levantou o olhar de seus peitos. Dado o tom rouco de sua voz e a expressão erótica de seus olhos, estava preparado para ceder a qualquer coisa.
— Sim? — lambeu um mamilo.
— Abre a boca para mim.
Franziu o cenho, mas fez o que ela pedia, perguntando-se por que...
Ehlena estendeu o braço e tocou uma de suas presas completamente estendida.
— Disse que você gostava de me agradar, e se nota. Estas são tão largas... Tão afiadas... Tão brancas...
Quando uniu as coxas como se tudo o que acabava de dizer estivesse excitando-a, soube aonde conduziria isto.
— Sim, mas...
— Assim, me agradaria que as utilizasse comigo. Agora.
— Ehlena...
Essa incandescência especial começou a abandonar o rosto dela.
— Tem algo contra meu sangue?
— Deus, não.
— Então por que não quer se alimentar de mim? — sentando-se, segurou um travesseiro sobre os peitos e seu cabelo loiro acobreado caiu e ocultou seu rosto — Oh. Certo. Já se alimentou com... Ela?
— Cristo, não! — preferia chupar ao sangue de um lesser. Porra, antes beberia do cadáver putrefato de um cervo na sarjeta da estrada antes de tomar a veia da princesa.
— Não toma sua veia?
Olhou Ehlena diretamente aos olhos e negou com a cabeça.
— Não o faço. E nunca o farei.
Ehlena suspirou e jogou o cabelo para trás.
— Sinto muito. Não sei se tenho direito a fazer este tipo de perguntas.
— Tem. — tomou sua mão — Tem totalmente. Não é... Que não possa perguntar...
Enquanto suas palavras ficavam suspensas no ar, seus mundos chocaram um contra outro e todo tipo de escombros caíram ao seu redor. Certamente, podia perguntar.... Só que ele não podia lhe responder.
Ou podia?
— Você é a única a que desejo. — disse simplesmente, atendo-se tanto à verdade como podia revelar — Você é a única em que desejo estar. — sacudiu a cabeça, dando-se conta do que acabava de dizer — Com. Quero dizer, com. Olhe, sobre o alimentar-se. Se quero fazê-lo de você? Porra, sim. Mas...
— Então não há nenhum, mas.
Uma merda que não. Tinha a sensação de que se tomasse sua veia, a montaria. Seu pênis estava pronto inclusive agora, e só estavam falando disso.
— Isto é suficiente para mim, Ehlena. Agradá-la é suficiente.
Ela franziu o cenho.
— Então deve ter algum problema com meus antecedentes.
— Desculpe?
— Acredita que meu sangue é débil? Porque se te interessa, posso traçar minha linhagem até a aristocracia. Pode ser que meu pai e eu estejamos passando por momentos difíceis, mas durante gerações e durante a maior parte de sua vida, fomos membros da glymera. — quando Rehv fez uma careta, ela saltou da cama, utilizando o travesseiro para defender-se — Não sei exatamente de onde descende sua família, mas posso te assegurar que minhas veias são aceitáveis.
— Ehlena, essa não é a questão.
— Está certo disso? — foi até onde tinha tirado sua roupa. Primeiro vestiu as calcinhas e o sutiã, e depois recolheu suas calças negras.
Não podia compreender porque saciar sua necessidade de sangue era tão importante para ela... Porque o que tirava ela disso? Mas, talvez essa era a diferença entre eles. Ela não fazia as coisas para aproveitar-se das pessoas, por isso seus cálculos não se centravam no que podia tirar das coisas. Para ele, inclusive quando se tratava de agradá-la, estava conseguindo algo tangível em troca: observá-la retorcer-se sob sua boca o fazia sentir-se poderoso e forte, um autêntico macho, e não um assexuado monstro sóciopata.
Ela não era como ele. E por isso a amava.
Oh... Cristo. A...?
Sim, o fazia.
A compreensão fez com que Rehv se levantasse da cama, caminhasse até ela, e tomasse sua mão quando terminou de subir as calças. Ela se deteve e o olhou.
— Não é você. — disse — Pode me acreditar.
Deu-lhe um puxão e a atraiu contra seu corpo.
— Então demonstre. — disse brandamente.
Afastando-se, olhou seu rosto durante um comprido momento. As presas pulsavam em sua boca, deixava-o muito claro. E podia sentir a fome no fundo de seu estômago, curvando-o, exigindo.
— Ehlena...
— Demonstra.
Não poderia dizer que não. Simplesmente não tinha a força necessária para rechaçá-la. Estava mal em muitíssimos níveis, mas ela era tudo o que queria, necessitava, desejava.
Rehv afastou cuidadosamente o cabelo da garganta.
— Serei gentil.
— Não tem que ser.
— Serei de qualquer forma.
Embalando seu rosto entre as palmas, inclinou-lhe a cabeça a um lado e expôs a frágil veia azul que corria para seu coração. Enquanto preparava a si mesmo para o golpe, seu pulso se acelerou, pôde ver como o bombeamento se fazia mais rápido até que palpitou.
— Não me sinto merecedor de seu sangue. — disse, percorrendo o pescoço com a ponta do dedo indicador — Não tem nada a ver com sua linha de descendência.
Ehlena levantou as mãos para seu rosto.
— Rehvenge, do que se trata? Ajude-me a entender o que está acontecendo aqui. Sinto-me como... Quando estou contigo, sinto-me inclusive mais perto de você que de meu próprio pai. Mas há buracos enormes. Sei que há coisas neles. Fale.
Agora seria o momento, pensou, de descarregar tudo.
E esteve tentado. Seria um alívio enorme acabar com as mentiras. O problema era que não havia nada mais egoísta que pudesse lhe fazer. Se ela conhecesse seus segredos, estaria infringindo a lei junto com ele... Ou isso ou enviaria a seu amante à colônia. E, se Ehlena escolhia o último, ele estaria mandando a merda à promessa que fez a sua mãe, porque sua cobertura ficaria totalmente ao descoberto.
Não era adequado para ela. Não era para nada adequado para ela, e sabia.
Rehv tinha a intenção de deixar que Ehlena partisse.
Tinha intenção de deixar cair às mãos, afastar-se e deixá-la terminar de vestir a roupa. Era bom com a persuasão. Poderia convencê-la e fazê-la ver que o fato de que não bebesse não era para tanto...
Só que sua boca se abriu. Abriu-se enquanto um vaio subia por sua garganta e transpassava a fina barreira que separava suas presas da veia vital e palpitante.
Ela ofegou bruscamente, e os músculos que subiam de seus ombros se esticaram, como se lhe tivesse dobrado o rosto para baixo. Oh, espera, tinha feito. Estava intumescido até o tutano, absolutamente insensível, mas não era por sua medicação. Cada músculo de seu corpo havia se posto rígido.
— Preciso de você. — gemeu.
Rehv a mordeu com força e ela gritou, sua espinha dorsal se dobrou quase pela metade quando a aprisionou com sua força. Porra, era perfeita. Tinha sabor de vinho espesso e com corpo e bebeu profundamente dela com insistentes sucções de sua boca.
E a levou até a cama.
Ehlena não tinha a mínima oportunidade. Nem ele tampouco.
Ativada pela alimentação, sua natureza vampira o varreu, contudo, a necessidade do macho de marcar o que desejava, de estabelecer seu território sexual, de dominar, assumiu o controle e o levou a rasgar suas calças, levantar uma perna, colocar o pênis na entrada de seu sexo...
E penetrar em seu interior.
Ehlena deixou escapar outro guincho quando a penetrou. Era incrivelmente estreita, e temendo feri-la, ficou quieto para que seu corpo pudesse acomodá-lo.
— Está bem? — perguntou, com um tom de voz tão gutural que não sabia se poderia o entender.
— Não... Pare. — Ehlena envolveu as pernas ao redor de seu traseiro, colocando-se em ângulo para que pudesse entrar ainda mais profundamente.
O grunhido que ele emitiu ressonou por todo o dormitório... Até que o encerrou de volta em sua garganta.
Apesar de tudo e inclusive no meio do frenesi da alimentação e o sexo, Rehv foi cuidadoso com ela... Nada a ver como era com a princesa. Rehv se deslizava dentro e fora brandamente, assegurando-se de que Ehlena estivesse cômoda com seu tamanho. Quando se tratava de sua chantagista? Queria dividir dor. Com Ehlena? Castraria a si mesmo com uma faca oxidada antes de machucá-la.
O problema era que ela se movia ao mesmo tempo, enquanto ele bebia até não poder mais, e a fricção desenfreada de seus corpos logo o afligiu e seus quadris já não se ondulavam cuidadosamente, mas sim amassavam... Até que teve que soltar sua veia ou correr o risco de rasgar seu pescoço. Depois de um par de lambidas às marcas das punções, deixou cair à cabeça entre o cabelo dela e se dedicou a isso dura, profunda e ardentemente.
Ehlena teve um orgasmo, e, quando sentiu os puxões aferrando o eixo de seu pênis, seu próprio alívio saiu disparado de seu escroto... O que não podia deixar que acontecesse. Antes que sua lingüeta se expandisse, saiu, derramando-se sobre o sexo e a parte baixa do estômago dela.
Quando tudo acabou, derrubou-se sobre ela, e passou um momento antes que pudesse falar.
— Ah... Merda... Sinto muito, devo ser pesado.
As mãos de Ehlena deslizaram para cima por suas costas.
— Na realidade é maravilhoso.
— Eu... Tive um orgasmo.
— Sim, teve. — havia um sorriso em seu tom — Realmente teve.
— Não estava seguro que pudesse... Já sabe. Por isso foi que saí... Não esperava... Sim.
Mentiroso. Puto mentiroso.
A felicidade na voz dela o pôs doente.
— Bom, me alegro que ocorresse. E se voltar a ocorrer, genial. E se não, igualmente bom. Sem pressões.
Rehv fechou os olhos, doía-lhe o peito. Retirou-se para que ela não descobrisse que tinha uma lingüeta... E porque gozar dentro dela era uma traição, dada todas as coisas que ela não sabia dele.
Enquanto ela suspirava e o acariciava com o nariz, sentiu-se como um total e absoluto bastardo.
Capítulo 44
O TAC[80] não representava um problema. Wrath simplesmente se sentou na fria mesa e ficou quieto enquanto essa peça branca de equipamento médico murmurava e tossia educadamente em seu percurso ao redor de sua cabeça.
A merda era esperar os resultados.
Durante o exame, a doutora Jane era a única pessoa que havia do outro lado da divisória de vidro, e pelo que podia dizer, passou todo momento franzindo o cenho à tela do computador. E agora que tudo tinha terminado, ainda seguia fazendo-o. Enquanto isso, Beth entrou e estava ao seu lado na pequena sala ladrilhada.
Só Deus sabia o que a Dra. Jane tinha encontrado.
— Não tenho medo de passar pela faca — disse a sua shellan — Sempre que seja essa fêmea a que empunhe a maldita coisa.
— Pode fazer cirurgia no cérebro?
Bom ponto.
— Não sei.
Ele ficou a brincar distraidamente com o Rubi saturnino de Beth, dando voltas à pedra uma e outra vez.
— Me faça um favor — cochichou.
Beth apertou sua mão.
— O que quiser. O que necessita?
— Cantarola a canção de Jeopardy.
Houve uma pausa. Em seguida Beth pôs-se a rir e deu um golpe em seu ombro.
— Wrath...
— Melhor, tire a roupa e cantarola enquanto faz a dança do ventre — quando sua shellan inclinou-se e beijou sua testa, levantou a vista e a olhou através dos óculos — Crê que brinco? Anda, ambos necessitamos a distração. E te prometo que darei uma boa propina.
— Nunca leva dinheiro contigo.
Ele passou a língua sobre o lábio superior.
— Planejo pagar com trabalho.
— É terrível — sorriu Beth — E me agrada.
Olhando-a fixamente, sentiu-se bem e atemorizado ao mesmo tempo. Como seria sua vida se ficasse totalmente cego? Não ver nunca mais o longo cabelo escuro de sua shellan nem seu brilhante sorriso era...
— Bom — disse Dra. Jane ao entrar — Isto é o que sei.
Wrath tratou de não chiar quando a doutora fantasmal colocou as mãos nos bolsos de seu jaleco branco e pareceu ordenar seus pensamentos.
— Não vejo evidências de um tumor nem de uma hemorragia. Mas há anormalidades em vários lóbulos. Eu nunca tinha visto o TAC do cérebro de um vampiro antes, assim não tenho a menor idéia de qual é a consistência estrutural que se considera dentro da gama de “normalidade”. Sei que quer que só eu o veja, mas nisto não posso decidir, e gostaria que Havers revisasse o exame. Antes que me diga que não, queria te recordar que jurou proteger sua intimidade. Não pode revelar...
— Traga-o — disse Wrath.
— Não levará muito tempo — Dra. Jane bateu em seu ombro e depois no de Beth — Está justamente aí fora. Pedi que esperasse no caso de ocorrer problemas com o equipamento.
Wrath observou como a doutora atravessava a pequena sala de monitoramento e saía ao vestíbulo. Pouco depois, voltou com o alto e magro médico. Havers fez uma reverência ante ele e Beth através do vidro e logo foi para os monitores.
Ambos adotaram uma postura idêntica: dobrados pela cintura, com as mãos nos bolsos e as sobrancelhas franzidas sobre os olhos.
— Na faculdade de medicina, os treinam para fazer isso? — perguntou Beth.
— É gracioso, estava me perguntando o mesmo.
Longo tempo. Longa espera. Muita conversa e gesticulação da dupla que estava do outro lado da grande janela saliente, assinalando a tela com suas canetas. Finalmente os dois se endireitaram e assentiram.
Entraram juntos.
— O exame é normal — disse Havers.
Wrath exalou com tanta força que foi virtualmente um fôlego. Normal. Normal era bom.
Logo Havers fez uma série de perguntas, às quais Wrath respondeu, não refletindo muito sobre nenhuma delas
— Com a permissão de sua médica particular — disse Havers, fazendo uma reverência para Dra. Jane — queria tomar uma amostra de sangue de sua veia para analisá-la e realizar um breve exame.
Dra. Jane intrometeu-se:
— Acredito que é uma boa idéia. Quando as coisas não estão claras, sempre é bom ter uma segunda opinião.
— Vamos logo — disse Wrath, dando um rápido beijo na mão de Beth antes de soltá-la.
— Meu senhor, seria tão amável para tirar os óculos?
Havers foi rápido, acostumado com a rotina da luz-perfuradora-de-globos-oculares; logo o rodeou para fazer um exame do ouvido, seguida de uma verificação do coração. Uma enfermeira entrou com a merda tira-sangue, mas foi a Dra. Jane que fez o espeta-e-tira em sua veia.
Quando tudo acabou, Havers voltou a colocar ambas as mãos nos bolsos e fez outro desses cenhos de médico.
— Tudo parece normal. Bom, normal para você. Porque para começar suas pupilas não respondem, em nenhum sentido, mas isso é um mecanismo de defesa porque elas são muito fotossensíveis.
— Então qual é a conclusão? — perguntou Wrath.
Dra. Jane encolheu de ombros.
— Tem um histórico de enxaquecas. E se a cegueira aparece novamente, voltamos aqui imediatamente. Possivelmente um TAC enquanto está ocorrendo nos ajude a localizar com exatidão o problema.
Havers fez outra reverência para Dra. Jane.
— Farei chegar a sua médica os resultados da análise de sangue.
— Muito bem.
Wrath levantou o olhar para sua shellan, preparado para partir, mas Beth estava concentrada nos médicos.
— Nenhum de vocês parece muito feliz com isto — disse.
Dra. Jane falou lenta e cuidadosamente, como se estivesse procurando as palavras precisas.
— Cada vez que há uma deterioração funcional que não podemos explicar, ponho-me nervosa. Não digo que isto seja uma situação extrema. Mas o fato de que o TAC tenha saído bem não basta para me convencer de que esteja fora de perigo.
Wrath desceu da maca e tomou a jaqueta negra de couro que Beth segurava. Era fodidamente fantástico poder vestir a coisa e abandonar o papel de paciente em que seus malditos olhos o haviam colocado.
— Não vou ser negligente com isto — disse aos médicos açougueiros — Mas vou seguir trabalhando.
Houve um coro de necessita-descançar-alguns-dias, que desprezou saindo da consulta. A questão era que, enquanto ele e Beth percorriam o corredor a passos largos, uma estranha sensação de urgência o invadiu.
Tinha a sensação de que devia atuar depressa, porque não ficava muito tempo.
John levou um maldito tempo em chegar ao ZeroSum. Depois de deixar a casa de Xhex, passeou por Tenth Street (uma rua) e caminhou sob as rajadas de neve até um Tex/Mex. Quando esteve no interior, sentou-se em uma mesa próxima à saída de incêndios e, apontando as imagens no menu laminado, pediu dois pratos de costeletas de porco, com um acompanhamento de purê, e outro de salada de couve.
A garçonete que anotou seu pedido e entregou a comida estava com uma saia o suficientemente curta para ser considerada roupa de baixo, e parecia estar disposta a lhe servir algo mais que comida. E de fato o considerou. Tinha o cabelo loiro, não estava muito maquiada e suas pernas eram bonitas. Mas cheirava como uma churrasqueira, e não apreciou a forma em que falava, muito devagar, como se pensasse que era tolo.
John pagou em dinheiro, deixou uma boa gorjeta, e se apressou a sair antes que ela pudesse tratar de dar seu telefone. Fora no frio, tomou o caminho comprido para o Trade. Que era o mesmo que dizer que se desviou em cada beco que encontrou.
Nenhum lesser. Nem tampouco humanos fazendo cagadas.
Finalmente, entrou no ZeroSum. Ao atravessar as portas de ferro e vidro e captar o bombardeio de luzes e música e pessoas suspeitas habilmente disfarçadas, sua cobertura de menino-mau caiu um pouco. Xhex estaria aqui...
Sim. E? O que era ele, um fodido maricas que não podia estar no mesmo clube que ela?
Já não. John arrumou os testículos e caminhou a passos largos para a corda de veludo, passou pelo escrutínio dos gorilas, e entrou na sala VIP. Ao fundo, na mesa da Irmandade, Qhuinn e Blay estavam sentados como um par de quarterbacks (zagueiros) apanhados na reserva, enquanto sua equipe se afogava no campo: estavam ansiosos e tamborilavam os dedos brincando com os guardanapos que vinham com suas garrafas de Corona[81].
Quando se aproximou deles, ambos levantaram o olhar e cessou todo movimento, como se alguém tivesse congelado a imagem de seu DVD.
— Hey — disse Qhuinn.
John se sentou junto a seus amigos e gesticulou:
Hey.
— Como vai? — perguntou Qhuinn, enquanto a garçonete se aproximava com um perfeito sentido de oportunidade — Outras três Coronas...
John interrompeu o cara. Quero algo diferente. Diga… que quero um Jack Daniel’s só com gelo.
Qhuinn arqueou as sobrancelhas, mas fez o pedido e observou como a mulher trotava para o balcão.
— De alta octanagem, né?
John encolheu de ombros e olhou uma loira que estava duas mesas mais à frente. No instante em que ela viu que a olhava, entrou totalmente em modo chamativo, jogando o cabelo denso e brilhante sobre as costas e erguendo os peitos até que esticaram o quase inexistente LBD[82].
Apostava que ela não cheirava a costelas.
— Em… John, que porra está te passando?
O que quer dizer? gesticulou para o Qhuinn sem tirar os olhos da mulher.
— Está olhando a essa franguinha como se quisesse enrolá-la em um espeto e pôr seu molho quente por toda parte.
Blay tossiu um pouco.
— Realmente não tem muita manha com as palavras, sabe?
— Só digo o que vejo.
Chegou a garçonete e pôs o Jack e as cervejas sobre a mesa, e John atacou sua bebida com vontade, atirando a merda para dentro e abrindo a garganta de forma que caísse em cascata direto para seu estômago.
— Está vai ser uma dessas noites? — murmurou Qhuinn — Nas que acaba no banheiro?
Certo como a merda que sim, gesticulou John. Mas não porque vá vomitar.
— Então por que…? OH! — Qhuinn tinha o aspecto de alguém a quem acabassem de beliscar a bunda.
Sim, OH! pensou John enquanto examinava a zona VIP no caso de aparecer uma candidata melhor.
A seu lado, havia um trio de homens de negócios, cada um tinha uma mulher consigo, e todas tinham o aspecto de estar prontas para sair na capa da Vanity Fair. Em frente, tinha o pacote básico de seis Euro-gentuzas[83] que não paravam de assoar narizes e com freqüência iam em dupla ao banheiro. No balcão havia um par de trepadores com suas amantes totalmente bêbadas, e outro par de consumidores de droga que só olhavam às garotas profissionais.
Estava ainda em modo explorador quando Rehvenge em pessoa entrou a passos largos na sala VIP. Quando as pessoas o viram, uma onda de estremecimentos atravessou o lugar, porque mesmo que não soubessem que era o proprietário do clube, não abundavam os caras de dois metros de altura que levassem uma bengala vermelha, um casaco negro de marta zibelina e um corte de cabelo mohawk.
Além disso, inclusive com essa luz tênue, se podia ver que tinha olhos cor violeta.
Como sempre, estava ladeado por dois machos que eram de seu tamanho e tinham o aspecto de comer balas no café da manhã. Xhex não estava com eles, mas isso estava bem. Isso era bom.
— Definitivamente quando crescer quero ser como esse cara — disse Qhuinn arrastando as palavras.
— Só que não corte o cabelo — disse Blay — É muito bonito... digo, os topetes requerem um montão de atenção.
Enquanto Blay apertava sua cerveja, os olhos díspares de Qhuinn apenas posaram sobre o rosto de seu melhor amigo antes de afastar o olhar rapidamente.
Depois de pedir por gestos à garçonete outro Jack, John girou e olhou através da cascata que formava uma parede para a seção pública do clube. Ali na pista de dança, havia uma tonelada de mulheres procurando exatamente o que ele queria dar. Tudo o que tinha que fazer era ir até ali e escolher entre as voluntárias dispostas.
Grande plano, exceto, sem razão aparente, ficou a pensar no reality The Show de Maury. Realmente queria correr o risco de deixar grávida alguma humana escolhida ao azar? Supunha-se que sabia quando estavam ovulando, mas que porra sabia ele dos assuntos das fêmeas?
Franzindo o cenho, voltou a olhar ao redor, apertou em sua mão o Jack recém servido, e se centrou nas garotas profissionais.
As profissionais. Que conheciam o jogo do sexo casual que ele estava procurando. Muito melhor.
Enfocou o olhar em uma fêmea morena cujo rosto era igual ao da Virgem Maria. Marie Terese acreditou ter ouvido que assim se chamava. Era a chefa das profissionais, mas também estava disponível para alugar. Nesse momento, estava jogando o quadril como dizendo “vêm aqui” para um cara que exibia um terno de três peças e parecia estar muito interessado em seus atributos.
Vêem comigo, gesticulou John ao Qhuinn.
— Onde...? Ok! entendi — Qhuinn acabou sua cerveja e levantou — Suponho que voltaremos, Blay.
— Sim. Passem… bem.
John liderou o caminho para a morena, cujos olhos azuis pareceram surpresos ao ver que os dois se aproximavam. Com uma espécie de desculpa sedutora, deixou de lado a seu potencial cliente.
— Necessitam algo? — perguntou, sem evidenciar nenhum tipo de convite. Embora fosse amistosa, porque sabia que John e os meninos eram convidados especiais do Reverendo. Embora naturalmente não soubesse a razão.
Pergunte quanto, gesticulou para o Qhuinn. Pelos dois.
Qhuinn limpou a garganta.
— Quer saber quanto.
Ela franziu o cenho.
— Depende do que queiram. As garotas têm... — John assinalou à mulher — Eu?
John assentiu.
Quando a morena entrecerrou os olhos azuis e franziu os lábios vermelhos, John imaginou sua boca sobre ele, seu pênis gostou da imagem e surgiu em uma instantânea e alegre ereção. Sim, tinha uma boca muito bonit...
— Não — disse ela — Não pode me ter.
Qhuinn elevou a voz antes que as mãos de John pudessem pôr-se a voar.
— Por quê? Nosso dinheiro é tão bom como o de qualquer outro.
— Posso escolher com quem faço negócios. Alguma das outras garotas poderia pensar diferente. Podem lhes perguntar.
John estava disposto a apostar que o rechaço tinha algo a ver com Xhex. Deus sabia que tinha havido um montão de contato visual entre ele e a chefa de segurança do clube e sem dúvida Marie Terese não queria se meter no meio.
Ao menos, disse a si mesmo que era isso, ou, do contrário restava o fato de que sequer uma prostituta podia suportar a idéia de estar com ele.
De acordo, está bem, gesticulou John. A quem sugere?
Depois que Qhuinn falasse, ela disse:
— Sugeriria que voltasse para seu Jack e deixasse tranqüilas às garotas.
Não vai ocorrer, e quero a uma profissional.
Qhuinn traduziu, e o cenho de Marie Terese se fez ainda mais profundo.
— Serei honesta contigo. Isto soa a um foda-se. Como se estivesse mandando uma mensagem. Quer se deitar com alguém, vai e encontra a uma prostitutazinha na pista de dança ou em um desses reservados. Não o faça com alguém que trabalha com ela, Ok?
Bem. Tudo estava absolutamente relacionado com Xhex.
O velho John teria feito o que lhe sugeria. E uma merda; em primeiro lugar o velho John não teria esta conversa. Mas as coisas tinham mudado.
Obrigado, mas acredito que perguntaremos a uma de suas colegas. Se cuide.
John já girava quando Qhuinn falou, mas Marie Terese o agarrou pelo braço.
— Está bem. Se quiser se comportar como um imbecil, vá falar com a Gina, a que está ali de vermelho.
John fez uma pequena reverência, logo aceitou sua sugestão, e se aproximou de uma mulher de cabelo negro com um vestido de vinil vermelho tão brilhante, que essa merda podia ser qualificada como luz estroboscópica.
A diferença de Marie Terese, aceitou o plano antes que Qhuinn pudesse sequer chegar a perguntar.
— Quinhentos — disse com um amplo sorriso — Cada um. Porque deduzo que vão juntos?
John assentiu um pouco assombrado de que tivesse sido tão fácil. Mas bem, isto era pelo que pagavam. Facilidade.
— Vamos à parte de trás? — Gina se posicionou entre ele e Qhuinn, tomou a cada um pelo braço e os guiou, passando à frente de Blay, que estava concentrado em sua cerveja.
Enquanto caminhavam pelo corredor para os banheiros privados, John se sentia febril: Quente e desvinculado do que o rodeava, estava indo à deriva, preso só pelo fino braço da prostituta a que pagaria para foder.
Estava bastante seguro que se ela o soltava simplesmente se afastaria flutuando.
Capítulo 45
Quando Xhex subiu as escadas e entrou na seção VIP, a princípio não esteve segura de que demônio estava vendo. Parecia como se John e Qhuinn estivessem se dirigindo à parte traseira com Gina. A menos, é obvio que houvesse outros dois caras iguais a eles, um com tatuagem na Antiga Língua na nuca e outro com os ombros tão largos como os de Rehv.
Mas com toda certeza aquela era Gina com seu vestido vermelho-não-se-detenha.
Xhex recebeu a voz de Trez pelo auricular.
— Rehv está aqui e estamos te esperando.
Sim, bem, esperariam um pouco mais.
Xhex deu a volta e iniciou o caminho de volta para o cordão de veludo… ao menos até que seu caminho foi bloqueado por um tipo com um Prada falso.
— Ouça carinho, aonde vai tão apressada?
Foi um movimento ruim de sua parte. O pedaço de Euro-irrelevante drogado escolheu à fêmea errada para cortar o passo.
— Se afaste de meu caminho antes que o aparte eu mesma.
— O que ocorre? — disse estendendo a mão para seu quadril — Não pode arrumar-se com um verdadeiro homem?... Oh.
Xhex converteu a tentativa de olha passar a mão em um esmaga-tendões, retorcendo a mão em seu punho até que o braço dele formigou.
— Bem — disse — Faz aproximadamente uma hora e vinte minutos, comprou setecentos dólares em coca. Apesar da quantidade que esteve se metendo no banheiro, estou disposta a apostar que ainda leva bastante contigo para que o prendam por posse. Assim deixa de encher o saco e saia de meu caminho, se tratar de me tocar outra vez, quebrarei todos estes dedos, e em seguida farei o mesmo com a outra mão.
Soltou-o dando um empurrão, que o enviou, aos tropeções, para seus companheiros.
Xhex seguiu caminhando, deixou atrás a zona VIP e atravessou com passos largos a pista de dança. Dirigiu-se a uma porta que havia debaixo da escada que subia à sobreloja, marcada como SÓ PESSOAL DE SEGURANÇA e digitou um código. O corredor do outro lado passava frente à porta do vestuário do pessoal antes de levá-la ao seu destino, o escritório de segurança. Depois de digitar outro código, entrou na sala de seis por seis onde toda a equipe de vigilância descarregava dados nos computadores.
Salvo o escritório de Rehv e a guarida onde Rally fracionava a droga, que estavam em um sistema separado, tudo o que ocorria no resto do local, ficava registrado digitalmente ali, e havia telas de cor cinza-azulada que mostrava imagens de todo o clube.
— Ouça, Chuck — disse ao tipo que estava atrás do escritório — Se importa se fico um minuto a sós?
— Não há problema. De todo modo tenho que tomar um descanso para ir ao banheiro.
Trocou de lugar com ele, afundando-se na cadeira Kirk[84], como a chamavam os meninos.
— Não necessitarei muito tempo.
— Nem eu tampouco, chefa. Quer algo de beber?
— Estou bem, obrigada.
Quando Chuck assentiu e saiu movendo-se pesadamente, centrou-se nos monitores que mostravam os quartos de banho da zona VIP.
OH… Deus.
O trio do inferno estava apertado, com Gina no meio. John beijava um caminho para os peitos desta, e Qhuinn, que estava de pé atrás da mulher, deslizava suas mãos para frente, rodeando seus quadris.
Presa entre os machos, Gina não parecia estar trabalhando. Parecia uma mulher que estava sendo agradada em grande estilo.
Maldita seja.
Pelo menos era Gina. Xhex não tinha nenhuma relação com ela, já que a mulher acabava de entrar para o quadro de pessoal, assim não era muito diferente como se estivesse fodendo a alguma garota da pista de dança.
Xhex se recostou na cadeira e forçou-se a examinar os outros monitores. Havia gente por toda a parede, e as imagens agitadas de gente bebendo, metendo-se em brigas, tendo relações sexuais, dançando, falando e olhando fixamente para longe, encheram sua vista.
Isso estava bem, pensou. Isso estava… bem. John tinha abandonado seus delírios românticos e foi com outra. Isso estava bem…
— Xhex, onde está? — disse a voz de Trez no auricular.
Levantou o braço e falou por seu relógio.
— Me dê um fodido minuto!
A resposta do mouro foi tipicamente sossegada.
— Está bem?
— Eu… olhe, sinto muito. Estou indo.
Sim, e também o estava Gina.
Cristo.
Xhex se levantou da cadeira Kirk e seus olhos voltaram para a tela que deliberadamente tinha evitado olhar.
As coisas tinham progredido. Rapidamente.
John estava movendo seus quadris.
Exatamente quando Xhex retrocedia e ia sair, ele levantou o olhar para a câmara de segurança. Era difícil determinar se sabia que a câmara estava ali ou se simplesmente seus olhos se dirigiram ali por acaso.
Merda. Tinha o rosto turvo, a mandíbula firmemente apertada, e em seu olhar havia uma expressão desalmada que a entristeceu.
Xhex tentou não ver a mudança nele como o que era e falhou. Ela tinha lhe feito isto. Possivelmente não fora a única razão pela qual se tornou de pedra, mas era uma grande parte dela.
Ele afastou o olhar.
Ela girou.
Chuck pôs a cabeça pela porta.
— Necessita mais tempo?
— Não, obrigado. Vi o suficiente.
Deu-lhe uma palmada no ombro e partiu, ao sair foi para a direita. Ao final do corredor havia uma porta negra reforçada. Digitando outro código mais, tomou o passadiço até o escritório de Rehv, e quando atravessou a porta, os três machos que rodeavam o escritório a olharam com cautela.
Ela se apoiou contra a parede negra frente a eles.
— O que?
Rehv se recostou em sua cadeira, e cruzou os braços cobertos de pele sobre o peito.
— Está se preparando para entrar em seu período de necessidade?
Enquanto ele falava, Trez e iAm fizeram o movimento de mãos que as Sombras utilizavam para proteger-se contra o desastre.
— Deus, não. Por que a pergunta?
— Porque, não se ofenda, mas tem um fodido mau humor.
— Não tenho — quando os machos se olharam entre si, ladrou — Deixem de fazer isso.
OH, fantástico, agora todos eles evitavam olhar-se de forma deliberada.
— Podemos terminar com a reunião — disse, tratando de moderar o tom.
Rehv descruzou os braços e se sentou direito.
— Sim. Estou a ponto de sair para uma reunião do conselho.
— Quer que o acompanhemos? — perguntou Trez.
— Sempre, desde que não tenhamos nenhuma negociação importante acertada para depois de meia-noite.
Xhex sacudiu a cabeça.
— O que tínhamos na agenda para esta semana foi as nove e terminou sem problemas. Embora diga que nosso comprador estava muito nervoso, e isso foi antes que escutasse na freqüência da polícia que outro narcotraficante foi encontrado morto.
— Assim dos seis grandes sub-traficantes que compravam de nós, só restam dois? Porra! Temos uma luta territorial, bem na nossa frente.
— E é muito provável que, quem quer que esteja revolvendo a merda tentará escalar posição na cadeia alimentar.
— Razão pela qual iAm e eu acreditamos que deve ter alguém contigo vinte e quatro horas do dia, os sete dias da semana até que esta merda termine — disse Trez.
Rehv pareceu aborrecido, mas não discordou.
— Temos alguma dica de quem está deixando esses corpos por todos os lados?
— Bom! Óbvio. — disse Trez — As pessoas acreditam que seja você.
— Não seria lógico. Por que aniquilaria meus próprios compradores?
Agora foi Rehv que recebeu todos os olhares desconfiados do galinheiro.
— OH, vamos — disse — Não sou tão mau. Bom, está bem, mas só se alguém me fode. E, me perdoem, mas os quatro que morreram? Eram homens de negócios direitos. Não enchiam o saco para nada. Eram bons clientes.
— Tem falado com seus fornecedores? — perguntou Trez.
— Sim. Disse que me dêem um tempo e confirmei que tinha a intenção de movimentar a mesma quantidade de produto. Os que perdemos serão substituídos rapidamente por outros, porque os vendedores são como erva daninha. Sempre voltam a crescer.
Discutiram um pouco sobre o mercado e os preços e logo Rehv disse:
— Antes que fiquemos sem tempo, me falem do clube. O que está ocorrendo?
Bem, essa era uma grande pergunta, pensou Xhex. E o que diz nossa vigilância? Ding-ding-ding: John Matthew. O mais provável é que à Gina estivesse ocorrendo, algo chamado John Matthew. E que estivesse ocorrendo de joelhos frente a ele.
— Xhex, está grunhindo?
— Não — obrigou-se a concentrar-se e lhe dar um panorama geral dos incidentes acontecidos essa noite, até o momento. Trez fez o relatório do Iron Mask, o qual estava ao seu encargo, e depois iAm falou de finanças e do Restaurante Sal, outra das posses de Rehv. Em definitivo, eram os negócios habituais… tendo em conta que infringiam o tipo de leis humanas que os suporia uma grave condenação se os apanhassem.
Não obstante a mente de Xhex estava só parcialmente no jogo, e quando chegou à hora de partir, foi à primeira em chegar à porta, embora geralmente se atrasasse.
Saiu do escritório no momento exato.
Se quisesse que lhe dessem uma joelhada no saco.
Nesse preciso momento, apareceu Qhuinn na entrada do corredor que levava aos banheiros privados, tinha os lábios inchados e avermelhados, o cabelo revolto e o aroma de sexo, orgasmos e atos indecentes feitos com delicadeza o precedia.
Ela se deteve, embora isso fosse uma idéia estúpida.
Gina foi à seguinte, e tinha o aspecto de necessitar uma bebida. Do tipo Gatorade. A mulher estava enfraquecida, e não porque estivesse deliberadamente em seu modo à-caça-de-sexo, não porque lhe tinham dado uma apropriada sessão de prazer, e o suave sorriso que ostentava na boca era muito íntimo e honesto para o gosto de Xhex.
John foi o último a sair, com a cabeça erguida, o olhar vazio e os ombros jogados para trás.
Esteve magnífico. Estava disposta a apostar… que estivera magnífico.
Ele voltou a cabeça e seus olhares se encontraram. Tinha desaparecido a tímida contemplação, o rubor, as torpes adulações. Saudou-a com um curto movimento de cabeça e afastou o olhar, estava calmo, e, dada a forma em que avaliou outra das prostitutas… preparado para mais sexo.
Um incômodo e inusitado pesar atravessou o peito de Xhex, alterando o firme batimento de seu coração. Em sua campanha para salvá-lo do caos pelo que tinha atravessado seu último amante, tinha destruído algo; ao afastá-lo, tinha-lhe despojado de algo muito precioso.
Tinha perdido sua inocência.
Xhex levou o relógio bracelete até a boca.
— Necessito um pouco de ar.
A resposta de Trez foi de justa aprovação.
— Boa idéia.
— Voltarei exatamente antes que partam à reunião do conselho.
Quando Lash voltou da guarida de seu pai, só precisou de aproximadamente dez minutos para voltar completamente à vida antes de entrar no Mercedes e conduzir até a choça de merda em que as drogas tinham sido embaladas. Estava tão atordoado que pensou que seria um milagre se não se chocava com algo, e quase o fez. Enquanto esfregava aos olhos e tratava de chamar por telefone, não freou o suficientemente rápido em um semáforo vermelho, e foi só graças a que os caminhões de sal da cidade de Caldwell saíram mais cedo que seus pneumáticos tiveram algo para frear.
Deixou o telefone e se concentrou na merda de estar atrás do volante. Provavelmente era melhor do que falar com o Senhor D de todas as formas, dado que ainda estava na névoa paterna, como ele chamava.
Merda, o calor o voltava ainda mais torpe.
Lash baixou os vidros e desligou o ar quente que ondeava para o assento dianteiro do sedan, e quando chegou à merda da casa, estava muito mais alerta. Estacionou na parte de trás, para que o Merc ficasse protegido pelo alpendre fechado com malha e a garagem, e entrou pela porta da cozinha.
— Onde está? — gritou — Coloque-me em dia.
Silêncio.
Pôs a cabeça dentro da garagem, e quando só viu o Lexus, supôs que o senhor D, Grady, e os outros dois provavelmente estivessem retornando, depois de ter liquidado a esse outro traficante. O que queria dizer que tinha tempo de comer algo. Enquanto ia à geladeira que estava abastecida para ele, chamou por telefone ao pequeno texano. Soou uma vez. Duas vezes.
Estava tirando um sanduíche de peru comprado em uma padaria e checando o prazo de validade quando ativou a campainha de voz de D.
Lash endireitou-se e olhou fixamente o telefone. Nunca recorria ao correio de voz. Jamais.
É obvio, que a reunião podia ter se atrasado e nesse momento podiam estar exatamente na metade da mesma.
Lash comeu e esperou, acreditando que lhe devolveria a chamada imediatamente. Quando não foi assim, entrou na sala de estar, conectou o computador portátil e acessou ao software GPS que localizava todos e cada um dos telefones da Sociedade Lessening no mapa de Caldwell. Configurou a busca para que procurasse o do senhor D e descobriu…
O tipo estava viajando rapidamente, movendo-se nesta direção. E os outros dois lessers estavam com ele.
Assim, por que não respondia ao fodido telefone?
Desconfiando, Lash chamou outra vez e começou a passear pela sala de mau humor enquanto a chamada soava e soava. Pelo que podia ver, na casa, não havia nada fora de lugar. A sala estava igual, os outros dois dormitórios e o principal estavam em ordem, todas as janelas tinham o ferrolho em seu lugar e as persianas estavam baixas.
Quando tomou o corredor que levava à frente da casa, estava chamando o texano pela terceira vez…
Lash se deteve a meio caminho e girou a cabeça para a única porta que não abriu… ao longo de todo o batente da mesma entrava uma brisa fria.
Não tinha que abrir a coisa para saber o que acontecera, mas igualmente rompeu a fodida. A janela estava em pedacinhos e havia nervuras negras — de borracha, não de sangue de assassino — ao redor do batente.
A dar uma rápida olhada pela fresta, Lash observou que sobre a fina capa de neve havia uns rastros que se dirigiam para a rua. Sem dúvida a rotina de fugir a pé a toda pressa não tinha durado muito. Nos arredores dessa tranqüila vizinhança havia muitos carros que podiam fazer uma ligação direta para levá-los, e isso era uma coisa de criança para qualquer criminoso que se apreciasse.
Grady tinha evaporado.
E sua jogada o surpreendia. Não era o diamante mais brilhante da corrente, mas a polícia o estava procurando. Por que arriscar-se a ter outro grupo de filhos da puta o caçando?
Lash entrou na sala e franziu o cenho ao ver o sofá onde Grady deixou a caixa gordurenta de Domino’s e… o jornal que esteve lendo.
E estava aberto na parte dos obituários.
Pensando nos nódulos machucados de Grady, Lash se aproximou e recolheu o jornal…
Cheirou algo nas páginas. Old Spice. Ah, assim o senhor D tinha um pouco de inteligência, e também tinha olhado a coisa….
Lash examinou as colunas. Um grupo de humanos entre os setenta e os oitenta. Um nos sessenta. Dois nos cinqüenta. Nenhum deles se assemelhava ao nome de Grady nem como sobrenome nem como nome composto. Três eram de fora da cidade, mas tinham família aqui em Caldie…
E então ali estava: Christianne Andrews, idade vinte e quatro. Não aparecia a causa da morte, mas a morte tinha sido no domingo, e o funeral ocorreu hoje no Cemitério de Pine Grove. A chave? Em vez de flores, por favor, envia donativos ao Departamento de Policia para o fundo de Vítimas de Violência Doméstica.
Lash se lançou sobre o computador portátil e checou o relatório do GPS. O Focus do senhor D se dirigia para… bem, o que parece? O Cemitério de Pine Grove, onde uma vez a adorável Christianne descansaria por toda a eternidade nos braços dos anjos.
Agora a história de Grady era clara: o cabrón espanca sua garota com regularidade até que uma noite leva a dureza do amor muito longe. Ela morre, a polícia encontra seu corpo e começam a procurar o namorado camello[85] que descarrega o estresse de seu trabalho em casa com sua pequena mulher. Não era de admirar que o estivessem procurando.
E o amor conquistava tudo… inclusive o sentido comum dos criminosos.
Lash saiu e se desmaterializou para o cemitério, preparado para um cara a cara não só com o parvo humano, mas também com os fodidos e estúpidos assassinos que deveriam ter vigiado melhor ao idiota.
Materializou-se a uns nove metros de distância de um carro estacionado… motivo pelo qual quase fica à vista do tipo que estava sentado dentro da coisa. Transladando-se rapidamente detrás da estátua de uma mulher que vestia uma túnica, Lash comprovou o que estava ocorrendo no sedan: no interior havia um humano, a julgar pelo aroma. Um humano que tomou muito café.
Um policial disfarçado. Que sem dúvida estava esperando que o FDP do Grady fizesse exatamente o que ia fazer: quer dizer, apresentar as condolências à garota que tinha assassinado.
Sim, bem, os dois podiam jogar o espera-e-verá.
Lash tirou o telefone e escondeu a brilhante tela com a palma. O texto que enviou ao senhor D era um obstáculo que rezava ao inferno para que chegasse a tempo. Com a polícia presente no lugar, Lash se encarregaria de Grady sozinho.
E, em seguida se lançaria sobre quem quer que tenha deixado o humano sozinho tempo suficiente para que pudesse escapar.
Capítulo 46
Parado ao pé da escadaria principal, Wrath terminou de preparar-se para a reunião com a glymera colocando um colete à prova de balas Kevlar.
— É leve.
— O peso nem sempre o faz melhor — disse V enquanto acendia um cigarro feito à mão e fechava de repente seu isqueiro de ouro.
— Está seguro disso.
— Quando se trata de coletes balísticos, estou — Vishous exalou, e a fumaça escureceu seu rosto momentaneamente antes de flutuar para cima, ao teto ornamentado — Mas se te faz sentir melhor, podemos amarrar uma porta de garagem em seu peito. Ou um carro, quem sabe.
O som de fortes pisadas que provinham detrás dele, ecoaram no suntuoso vestíbulo da cor das pedras preciosas, quando Rhage e Zsadist desceram juntos, como uma dupla de genuínos assassinos, com as adagas da Irmandade postas nas capas de seus peitos, com os punhos para baixo. Quando chegaram frente à Wrath, escutou-se um ruído de campainha que vinha da porta de entrada, e Fritz foi arrastando os pés para deixar entrar ao Phury, que havia se desmaterializado das Adirondacks, assim como também Butch, que acabava de chegar através do pátio.
Ao olhar a seus irmãos, Wrath sentiu que o atravessava uma descarga. Apesar de que dois deles ainda não lhe falavam, podia sentir o sangue de guerreiro que tinham em comum, percorrendo seu corpo, e desfrutou da necessidade coletiva de lutar contra o inimigo, fosse um lesser ou um de sua própria raça.
Um suave som proveniente das escadas o fez girar a cabeça.
Tohr estava descendo com cuidado desde o segundo andar, como se não estivesse seguro se podia confiar nos músculos de suas coxas para que resistissem e sustentassem seu peso. Pelo que Wrath podia ver, o irmão estava vestido com calças camufladas que se ajustavam a uns quadris do tamanho dos de um moço, e usava um suéter negro grosso com gola alta, que disfarçava sob suas axilas. Não havia adagas em seu peito, mas tinha um par de pistolas pendurando desse cinturão de couro que, com esperança e uma prece, estava mantendo as calças em seu lugar.
Lassiter estava ao seu lado, mas ao menos por uma vez, o anjo não estava bancando o esperto. Embora, tampouco, olhava por aonde ia. Por alguma razão, tinha o olhar fixo no mural existente no teto, o dos guerreiros lutando nas nuvens.
Todos os irmãos olharam Tohr, mas ele não se deteve, nem olhou para ninguém, simplesmente continuou caminhando até que chegou ao chão de mosaico. E, nem ali parou. Passou pela Irmandade, foi até a porta que conduzia para a noite, e esperou.
A única lembrança do que tinha sido alguma vez, era o porte de sua mandíbula. Essa firme parte de osso sobressalente paralelo ao chão e ainda um pouco mais alto. Pelo que a ele concernia, ia sair e pronto.
Sim, pois estava equivocado.
Wrath aproximou-se dele e disse brandamente:
— Tohr, sinto muito...
— Não há razão para pedir perdão. Vamos.
— Não.
Houve vários movimentos incômodos, como se os outros irmãos estivessem odiando isto tanto quanto Wrath.
— Não está o suficientemente forte — Wrath queria pôr a mão no ombro de Tohr, mas sabia que isso conduziria a um violento encolhimento de ombros, dada a forma que mantinha o frágil corpo tenso — Só espera até estar preparado. Esta guerra... Esta fodida guerra vai continuar.
O relógio que estava no estúdio do andar superior, começou a badalar, o som rítmico se difundia do estúdio de Wrath, passando sobre a balaustrada dourada e caindo até os ouvidos dos ali reunidos. Eram onze e meia. Tempo de sair se queriam examinar o perímetro do local da reunião antes que chegassem os sujeitos da glymera.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e olhou sobre o ombro aos cinco guerreiros vestidos de negro, que permaneciam juntos como uma unidade. Seus corpos zumbiam cheios de poder, suas armas não estavam constituídas só pelo que pendia de capas e pistoleiras, mas sim, também o eram suas mãos, pés, braços, pernas e mentes. A fortaleza mental estava no sangue; o treinamento e a força bruta em sua carne.
Necessitavam ambas para lutar. À vontade te levava só até certo ponto.
— Fica — disse Wrath — E isso é tudo.
Com uma maldição, abriu caminho para o pórtico e saiu ao outro lado. Deixar Tohr atrás era mal, mas não havia outra escolha. O irmão estava indefeso até o ponto de ser um perigo para si mesmo, e seria uma grande distração. Se saísse, cada um dos irmãos o teria em mente, por isso todo o grupo teria a cabeça fodida... E, isso não era exatamente o que queria se iria a uma reunião onde alguém poderia tratar de assassinar ao rei. Pela, vejamos segunda vez na semana.
Enquanto as portas exteriores da mansão se fechavam com um som ensurdecedor, Tohr ficou do outro lado e Wrath e os irmãos permaneceram sob as rajadas de vento vigorosas que sulcavam a parede da montanha do complexo, corriam através do pátio e ziguezagueavam entre os carros que havia ali.
— Maldita seja — murmurou Rhage enquanto se concentravam no longínquo horizonte.
Após um momento, Vishous girou a cabeça para Wrath, e sua silhueta ficou perfilada contra o céu cinza.
— Temos que...
Soou a detonação de uma arma de fogo, e o cigarro feito a mão que V tinha entre os lábios foi arrancado de sua boca. Ou, possivelmente foi diretamente vaporizado.
— Que merda! — gritou V enquanto retrocedia.
Todos viraram juntos, procurando suas armas mesmo sabendo que não havia maneira no inferno de que seus inimigos pudessem estar perto da grande fortaleza de pedra.
Tohr estava parado tranqüilamente na entrada da mansão, seus pés plantados solidamente e suas duas mãos agarrando a culatra da arma que acabava de disparar.
V se jogou para frente, mas Butch o aprisionou, segurando fortemente seu peito, para evitar que derrubasse Tohr ao chão.
Isso não deteve a boca de V.
— Em que merda está pensando!
Tohr baixou o canhão.
— Talvez ainda não esteja preparado para lutar mão a mão, mas sou de longe melhor atirador que qualquer de vocês.
— É um maldito louco — espetou V — Isso é o que é.
— De verdade acredita que te poria uma bala na cabeça? — o tom de voz do Tohr era uniforme — Já perdi ao amor de minha vida. Disparar a um de meus irmãos não é o tipo de arremate que estou procurando. Como falei, sou o melhor de todos com uma arma, e esse não é o tipo de recurso que querem deixar na reserva em uma noite como esta — Tohr voltou a embainhar a SIG — E, antes que me volte louco com seus porquês, tinha que fazer uma demonstração, e era melhor que disparar ao seu horrível cavanhaque. E isso não quer dizer que não seja capaz de matar por te dar a barbeada que seu queixo está pedindo a gritos.
Houve uma longa pausa.
Wrath estalou em gargalhadas. O que, naturalmente, era loucura. Mas a idéia de não ter que lutar com o fato de ter deixado Tohr para trás como a um cão que não se permite ir com o resto da família, era um alívio tão assombroso que tudo o que pôde fazer foi rir.
Rhage foi o primeiro a se unir e atirou a cabeça para trás e as luzes da mansão refletiram em seu brilhante cabelo loiro, seus dentes super brancos relampejaram. Enquanto ria, levantou a grande mão e a pousou sobre seu coração como se estivesse esperando que a coisa não entrasse em curto-circuito.
Butch foi o seguinte, o poli ladrou com força e soltou o peito de seu melhor amigo. Phury sorriu durante um segundo, e em seguida seus grandes ombros começaram a estremecer... E, aí começou Z cujo sorriso começou a ampliar até que seu rosto com cicatrizes apresentou um grande sorriso zombador.
Tohr não sorriu, mas a satisfação com a qual apoiou o peso de seu corpo nos calcanhares lembrou um reflexo do homem que costumava ser. Sempre tinha sido um cara sério, daqueles mais interessados em assegurar-se de que todos estivessem tranqüilos e bem, do que em fazer brincadeiras e ser um gozador. Mas isso não significava que não pudesse curtir brincadeiras como o melhor deles.
Era a razão pela qual tinha sido o líder perfeito para a Irmandade. Tinha o conjunto de habilidades convenientes e necessárias para esse trabalho; uma cabeça firme e um coração caloroso.
Em meio das risadas, Rhage olhou Wrath. Sem dizer uma palavra, os dois se abraçaram, e quando se afastaram Wrath deu a seu irmão o equivalente masculino de uma desculpa... Que era um bom golpe no ombro. Em seguida virou para Z e este assentiu uma vez. O qual era a versão taquigráfica de Zsadist para: Sim, se comportou como um imbecil, mas tinha suas razões e já estamos bem.
Era difícil saber quem iniciou, mas alguém pôs seus braços sobre os ombros de outro, e logo esse fez o mesmo, e terminaram abraçados como jogadores de futebol. O círculo que formaram debaixo desse vento frio era desigual, estava composto por diferentes alturas corporais, variadas larguras de peito e diferentes braços. Mas estavam vinculados e juntos eram uma unidade.
De pé, quadril com quadril com seus irmãos, Wrath viu que o que uma vez tinha dado por certo, era em realidade algo muito excepcional e especial: a Irmandade estava reunida uma vez mais.
— Hey… querem compartilhar um pouco de seu “bromance[86]” por aqui?
A voz do Lassiter fez que elevassem as cabeças. O anjo estava de pé nos degraus da mansão e seu brilho conferia à noite uma luz suave e encantadora.
— Posso golpeá-lo? — perguntou V.
— Mais tarde — respondeu Wrath, rompendo o círculo — E muitas, muitas vezes.
— Não era exatamente o que tinha em mente — murmurou o anjo enquanto um por um foram desmaterializando para a reunião, e Butch partia dirigindo para encontrar-se com eles.
Xhex tomou forma entre um grupo de pinheiros que estava mais ou menos a noventa metros da tumba de Chrissy. Escolheu esse lugar não porque esperasse que Grady estivesse ali parado sobre a lápide, choramingando sobre a manga de sua jaqueta de águia, mas sim, porque queria sentir-se ainda pior do que já se sentia... E, não podia pensar em um melhor lugar para isso, que onde a garota ia terminar assim que chegasse a primavera.
Entretanto, e para sua surpresa, não estava sozinha. Por duas razões.
O sedan estacionado bem do outro lado da curva, com uma linha de visão limpa até a tumba, era indubitavelmente do De la Cruz ou um de seus subordinados. Mas também, havia alguém mais.
Mais precisamente era uma força malévola.
Cada instinto symphath que possuía lhe dizia que andasse com cuidado. Pelo que podia distinguir, essa coisa era um lesser com uma injeção de ácido nitroso em seu motor maligno, e em um impetuoso arrebatamento de auto proteção, isolou a si mesma, fundindo-se com a paisagem...
Bom, bom, bom… outra eventualidade para atender.
Do norte, aproximava-se um grupo de homens, dois dos quais eram altos e o outro muito mais baixo. Todos estavam vestidos de negro e sua coloração era tão clara que pareciam noruegueses.
Genial. A menos que houvesse uma nova turma na cidade, uma cheia de valentões viciados no “Por que você vale muito[87]”, e que foram fanáticos da tinta Preference de L´Oréal, essa turma de loirinhos eram assassinos.
O DPC, a Sociedade Lessening, e algo pior, todos brincando de correr ao redor da tumba de Chrissy? Quais eram as possibilidades?
Xhex esperou, observando como os assassinos se separavam e procuravam árvores atrás das quais esconder-se.
Só havia uma explicação: Grady tinha ficado com os lessers. Não era nenhuma surpresa, se levava em conta que faziam o recrutamento entre criminosos, especialmente do tipo violento.
Xhex deixou que passassem os minutos, ruminando a situação, esperando simplesmente o estalo de ação que era inevitável, dado o elenco com que contava este filme. Devia retornar ao clube, mas a merda lá teria que rodar sem ela, porque de maneira nenhuma se iria dali.
Grady tinha que estar a caminho.
Passou um pouco mais de tempo, e soprou mais vento frio e muito nuvens de um azul escuro e um cinza brilhante passaram flutuando por cima da face da lua.
E logo, de um nada, os lessers, se foram.
A presença malévola também se desmaterializou.
Talvez tivessem se rendido, mas não parecia provável. Pelo que sabia dos lessers, tinham muitos defeitos, mas o TDA[88] não era um deles. Isso podia significar uma de duas coisas, ou tinha passado algo mais importante, ou tinham trocado de pla...
Ouviu um sussurro através do chão.
Olhando sobre seu ombro, viu Grady.
Estava se abraçando contra o frio, tinha os braços metidos numa parka negra que ficava grande e arrastava os pés sobre a fina cobertura de neve. Olhava ao redor, procurando entre as tumbas a mais nova, e se continuava, logo encontraria a de Chrissy.
É obvio isso também queria dizer que veria o poli incógnito no carro. Ou, o poli veria ele.
Bem. Tempo de fazer uma jogada.
Assumindo que os assassinos permaneceriam afastados, Xhex podia se encarregar do DPC.
Não perderia esta oportunidade. De nenhuma maldita maneira.
Desligando seu celular, preparou-se para ir trabalhar.
Capítulo 47
— Maldita seja, temos que ir — disse Rehv atrás de sua escrivaninha. Ao finalizar outra chamada para o celular de Xhex, atirou seu telefone novo como se não fosse mais que um pedaço de lixo, algo que evidentemente estava se convertendo em um mau hábito — Não sei onde demônios está, mas temos que ir.
— Voltará — Trez pôs uma trincheira de couro negro e se encaminhou para a porta — E dado o humor que tinha é melhor que esteja ausente em vez de estar aqui. Irei ver o supervisor de turno e direi que me avise caso surja qualquer tipo de problema, logo irei buscar o B.
Quando se foi, iAm voltou a checar as duas H&K que tinha sob os braços com eficiência letal, seus olhos negros tinham uma expressão serena e suas mãos eram firmes. Satisfeito, o macho recolheu uma trincheira de couro cor cinza aço e a pôs.
O fato de que os casacos dos irmãos fossem similares tinha sentido. Trez e iAm gostavam das mesmas coisas. Sempre. Embora não fossem gêmeos de nascimento, vestiam-se de forma similar e sempre iam armados com armas idênticas e conseqüentemente compartilhavam as mesmas idéias, valores e princípios.
Não obstante, havia algo em que eram diferentes. Enquanto iAm permanecia junto à porta, em silêncio e quieto como um Dobermann em serviço - mas sua falta de conversa não significava que não fosse tão mortal como seu irmão, porque os olhos do tipo expressavam toneladas de coisas, apesar de que sua boca permanecesse firmemente atarraxada - a iAm nunca escapava nada.
Incluindo, obviamente, os antibióticos que Rehv tirou de seu bolso e engoliu. Assim como também o fato de que a seguir apareceu uma agulha esterilizada e foi posta em uso.
—Bem — disse o macho, enquanto Rehv voltava a baixar a manga e vestia a jaqueta do terno.
— Bem o que? — iAm simplesmente olhou-o fixamente do outro lado do escritório, com uma expressão de não seja imbecil sabe perfeitamente bem do que estou falando.
Estava acostumado a fazer isso freqüentemente. Falar toneladas com somente um olhar.
— Como é — murmurou Rehv — Não se excite tanto, não é como se tivesse dado volta à página para começar de novo.
Podia estar tratando a infecção de seu braço, mas ainda seguia havendo merda pendurando como franjas podres por todas as arestas de sua vida.
— Está seguro disso?
Rehv revirou os olhos e ficou de pé, deslizando um saco de M&M no bolso de seu casaco.
— Pode me acreditar.
iAm adotou uma expressão de «Ah, sim? E cravou os olhos no casaco de Rehv.
— Derretem-se em sua boca, não em sua mão[89].
— OH, se cale. Olhe, as pílulas devem ser tomadas com a comida. Leva contigo um sanduíche de presunto e queijo em pão de centeio? Eu não.
— Poderia ter feito uns linguini[90] com salsa e sal e ter te trazido. A próxima vez me avise com mais tempo.
Rehv saiu do escritório.
— Poderia deixar de ser tão considerado? Faz me sentir como uma merda.
— Isso é problema seu não meu.
Quando saíam do escritório, iAm falou por seu relógio e Rehv não perdeu nada de seu tempo no trajeto entre a porta lateral do clube e o carro. Quando esteve dentro do B, iAm desapareceu, viajando como uma sombra ondulada sobre o chão, desordenando as páginas de uma revista, fazendo repicar uma lata abandonada e arrepiando a neve solta.
Chegaria antes ao lugar da reunião e abriria o local enquanto Trez conduzia para lá.
Rehv marcou a reunião nesse lugar por dois motivos. Primeiro, era o leahdyre, então o conselho devia ir aonde ele dissesse e sabia que se retorceriam porque considerariam o estabelecimento indigno deles. Isso sempre era um prazer. E, segundo, era uma propriedade que adquiriu como investimento, assim estava em seu território.
Isso sempre era uma necessidade.
O Restaurante Salvatore’s, lar do famoso molho Sal, era totalmente uma instituição italiana em Caldie, e fazia mais de cinqüenta anos que tinha aberto suas portas. Quando o neto do primeiro dono, Sal III, como o conhecia, desenvolveu um horrendo hábito pelo jogo e adquiriu uma dívida de cento e vinte mil dólares com os apostadores de Rehv, deu-se a troca “isso por aquilo”: o neto transferiu a escritura legal do estabelecimento ao Rehv e Rehv não rompeu a bússola à terceira geração.
O que em termos vulgares, significava que o cara se salvava de que lhe destroçassem os cotovelos e os joelhos até ao ponto de necessitar uma substituição de articulações.
OH, e a receita secreta do molho Sal tinha vindo com o restaurante… requerimento acrescentado por iAm: durante as negociações que tinham durado tanto como um minuto e meio, a Sombra tinha elevado a voz para dizer: sem molho, não há trato. E logo tinha exigido prová-la para assegurar-se de que a receita fosse a correta.
Desde que se produziu essa feliz transação, o mouro esteve administrando o lugar, e quem o teria dito? Estava dando lucros. Mas, bem isso era o que ocorria quando não empregava cada centavo disponível para dilapidá-lo em seleções de futebol ruins. No restaurante o tráfico estava em alta, a qualidade da comida voltava a ser a de antes, e o lugar estava recebendo uma cirurgia estética fodidamente importante que se traduzia em novas mesas, cadeiras, toalhas, tapetes e candelabros.
Todos os quais eram réplicas exatas do que houvera antes.
Não se fodia com a tradição, como costumava dizer iAm.
A única mudança interior era uma que ninguém podia ver: uma malha de aço tinha sido aplicada a cada centímetro quadrado de paredes e tetos e todas as portas exceto uma tinham sido reforçadas com a mesma merda.
Ninguém poderia desmaterializar para dentro ou para fora sem que a direção estivesse inteirada ou tivesse aprovado.
Para falar a verdade, o dono do lugar era Rehv, mas era o bebê de iAm, e o mouro tinha razão ao estar orgulhoso de seus esforços. Até os goombahs[91] italianos da velha escola apreciavam a comida que cozinhava.
Quinze minutos mais tarde, o Bentley se deteve sob o abrigo para carros do único piso em expansão da extensão de tijolo à vista que era sua marca registrada. No edifício as luzes estavam apagadas, inclusive as que iluminavam o nome de Sal, embora o estacionamento deserto estivesse iluminado com o brilho alaranjado de abajures a gás antigos.
Trez aguardou na escuridão com o motor ligado e as portas do carro à prova de balas trancadas, enquanto evidentemente se comunicava com seu irmão da forma em que faziam as Sombras. Após um momento fez um gesto afirmativo com a cabeça e desligou o motor.
— Está limpo — saiu e deu a volta no Bentley para abrir a porta traseira ao Rehv, enquanto este agarrava sua bengala e deslizava seu corpo intumescido pelo assento de couro para sair. Durante o tempo que demoraram em cruzar o pavimento e abrir a pesada porta negra, a arma do mouro esteve desencapada e sobre sua coxa.
Entrar no Sal era como atravessar o Mar Vermelho. Literalmente.
Frank Sinatra lhes deu a bem-vinda, seu tema «Wives and Lovers» fluía dos alto-falantes embutidos no teto de veludo vermelho. Sob seus pés o tapete vermelho foi substituído recentemente e brilhava com o mesmo brilho e a mesma intensidade que o sangue humano recém derramado. As paredes circundantes eram vermelhas com um desenho de folhas e pétalas e a iluminação era como a de uma sala de cinema, quer dizer que em sua maior parte estava ao nível do chão. Durante o horário de trabalho, a tribuna da anfitriã e o lugar onde deixavam os casacos eram atendidos por vistosas mulheres de cabelos escuros com vestidos curtos e meias vermelhas, e todos os garçons usavam ternos negros com gravatas vermelhas.
A um lado, havia uma fileira de telefones públicos dos anos cinqüenta e duas máquinas vendedoras de cigarros da época do Kojak, e como sempre, o lugar cheirava a orégano, alho e boa comida. No fundo, também persistia um aroma de cigarros e charutos… ainda que a lei estabelecesse que não podia fumar neste tipo de estabelecimento, no ambiente de trás, onde estavam as mesas reservadas e se realizavam os jogos de pôquer, a administração permitia fazê-lo.
Rehv sempre esteve um pouquinho de saco cheio com respeito a ter tanto vermelho o rodeando, mas sabia que enquanto pudesse olhar por volta dos dois salões de refeições e ver que as toalhas das mesas eram brancas e que as cadeiras de couro tinham a profundidade adequada, estava bem.
— A Irmandade já está aqui — disse Trez enquanto se dirigiam para a suíte privada onde seria a reunião.
Quando entraram na sala, não se ouviam conversas, nem risadas, sequer um pigarro entre os machos que enchiam o espaço. Os Irmãos estavam alinhados ombro a ombro diante de Wrath, que estava parado frente à única porta que não estava reforçada com aço… para que pudesse desmaterializar-se livremente e imediatamente em caso de ser necessário.
— Boa noite — disse Rehv, optando pela cabeceira da mesa longa e estreita que tinha sido disposta com vinte cadeiras.
Houve uma linguagem obscura e incompreensível de “olá como está”, mas o hermético grupo de guerreiros parecia uma linha de defesa de futebol americano, enfocados exclusivamente na porta de entrada que Rehv acabava de atravessar.
Sim, se fodia com seu amigo Wrath o fariam conhecer seu possível futuro… metendo isso pelo seu traseiro.
E quem o julgaria? Aparentemente tinham adquirido um mascote. Um pouco mais afastado, para a esquerda, havia um tipo que parecia uma brilhante estatueta do Oscar, com a testa alta e usando umas calças camufladas, seu cabelo loiro e moreno o fazia parecer um heavy dos anos oitenta em busca de uma banda que o respaldasse. Contudo, o aspecto de Lassiter, o anjo caído, não era menos feroz que dos Irmãos. Talvez fosse devido a seus piercings. Ou, por que seus olhos eram completamente brancos. A merda com isso, o motivo verdadeiro era que as vibrações que emitia o tipo eram realmente intensas.
Interessante. Dada a forma em que fixava seu olhar penetrante na porta, igual aos outros, se diria que Wrath estava na lista de proteção às espécies desse anjo.
iAm entrou pela parte traseira, com a arma em uma mão e uma bandeja com cappuccinos na outra.
Vários Irmãos aceitaram o que lhes oferecia, embora todos esses copos delicados fossem se converter em goma de mascar para os tacos de seus shitkickers se tivessem que brigar.
— Obrigado, amigo — Rehv também aceitou um dos cappuccinos — Cannoli[92]?
— Estão vindo.
As instruções para ir à reunião foram claramente indicadas de antemão. Os membros do conselho deviam chegar pela parte dianteira do restaurante. Se algum sequer tocava o trinco de outra porta, assumiria o risco de que lhe disparassem. iAm lhes permitiria a entrada e os escoltaria para outra sala. A partida, também seria pela porta dianteira, e lhes proporcionaria um guarda para que pudessem desmaterializar-se a salvo. Ostensivamente, as medidas de segurança se deviam a que Rehv estava “preocupado devido aos lessers”. O verdadeiro motivo era proteger Wrath.
iAm entrou com os cannoli .
Comeram os cannoli.
Trouxeram mais cappuccinos.
Frank cantou “Fly me to the Moon”. Em seguida veio essa canção que falava do bar que estava fechando e que ele necessitava outra para o caminho.
E, logo aquela que se referia a três moedas em uma fonte. E ao fato que estivesse apaixonado por alguém.
Junto ao Wrath, Rhage trocou o peso imponente de seu corpo de uma shitkicker a outra, e sua jaqueta de couro chiou. A seu lado, o rei fez rodar seus ombros, e um deles rangeu. Butch fez soar seus nódulos. V acendeu um cigarro. Phury e Z olharam um ao outro.
Rehv jogou uma olhada a iAm e a Trez que estavam na entrada. Voltou a olhar para o Wrath.
— Surpresa, surpresa.
Fazendo uso de sua bengala, ficou de pé e deu uma volta ao redor da sala, e seu lado symphath sentiu respeito pela tática ofensiva dos outros membros do conselho ao organizar esta ausência inesperada. Nunca teria pensado que tinham culhões suficiente para…
Da porta dianteira do restaurante lhes chegou um bing-bong.
Enquanto Rehv girava a cabeça, ouviu o suave deslizar metálico ao serem retiradas as travas das armas que os Irmãos tinham nas mãos.
Do outro lado da rua, frente aos portões fechados do Cemitério de Pine Grove, Lash caminhou para um Honda Civic que estava estacionado nas sombras. Quando pôs a mão sobre o capô, sentiu-o quente, e não teve que rodeá-lo ao assento do condutor para saber que a janela tinha sido quebrada. Este era o carro que Grady utilizou para ir até a tumba de sua falecida ex.
Quando ouviu o som de botas que se aproximavam pelo asfalto, agarrou a arma que levava no bolso superior.
Enquanto se aproximava, o senhor D não deixava de tocar seu chapéu de cowboy.
— Por que nos fez abandonar…?
Com toda calma Lash elevou a arma nivelando-a a altura da cabeça do lesser.
— Me dê agora um motivo para que não te abra um buraco nesse puto cérebro que tem.
Os assassinos que estavam dos lados do senhor D deram um passo atrás. Muito atrás.
— Porque descobri que tinha fugido — disse o senhor D com seu sotaque texano — Por isso. Estes dois não tinham nem a menor idéia de onde tinha ido.
— Você estava no comando. Você o perdeu.
O senhor D tinha o olhar sereno.
— Estava contando todo seu dinheiro. Quer que outra pessoa faça essa tarefa? Não acredito.
Merda, bom ponto. Lash baixou a arma e olhou os outros dois. Diferente do senhor D que estava firme como uma rocha, os outros estavam muito agitados. O que indicava precisamente quem tinha perdido sua propriedade.
— Quanto dinheiro entrou? — perguntou Lash, com a vista ainda cravada em seus homens.
— Muito. Está tudo ali no Escort.
— Bem, o que lhes parece? Meu humor está melhorando — murmurou Lash, guardando sua arma — Quanto a por que ordenei detê-los, Grady está a ponto de ser preso com minhas fodidas felicitações. Quero que seja a noiva de alguém algumas vezes e que desfrute da vida atrás das grades antes que o mate.
— Mas e o que me diz de…?
— Temos os meios para contatar com os outros dois distribuidores e podemos vender o produto por nossa conta. Não o necessitamos.
O som de um carro aproximando-se dos portões de ferro de dentro do cemitério fez que todos girassem a cabeça para a direita. Era o carro que esteve estacionado do outro lado da curva junto a essa nova tumba e quando o PDM se deteve, de seu cano de escapamento se elevou o vapor, emitindo bufos como se o motor estivesse soltando peidos. Desceu um cara muito desarrumado de cabelo escuro. Depois de abrir a corrente, aplicou toda sua energia a empurrar um lado dos portões, logo os atravessou com o carro, voltou a descer do mesmo e fechou o lugar outra vez.
No carro não havia ninguém mais.
Dobrou à esquerda, e as luzes vermelhas foram se desvanecendo enquanto se afastava.
Lash jogou uma olhada ao Civic que era a única outra forma que tinha Grady de sair dali.
Que porra tinha se passado? O policial deveria ter visto Grady, porque esteve caminhando diretamente para seu carro…
Lash se enrijeceu e logo girou rapidamente sobre sua bota, moendo, com a grosa sola, o sal que tinha sido derramado sobre o caminho.
Havia algo mais no cemitério. Algo que nesse momento tinha decidido revelar a si mesmo.
Algo que se percebia exatamente igual ao symphath do norte do Estado.
E, esse era o motivo de que o policial se foi. Tinham-no impulsionado mentalmente a fazê-lo.
— Retorna à choça com o dinheiro — disse ao senhor D — Te verei ali.
— Sim senhor. Em seguida.
Lash não prestou muita atenção à resposta. Estava muito interessado em inteirar-se de que merda estava passando ao redor da tumba da garota morta prematuramente.
Capítulo 48
Xhex se alegrava que a mente humana fosse como argila: não levou muito tempo obter que o cérebro de José Da Cruz registrasse a ordem que lhe deu, e assim que o fez, pôs seu copo de café frio no porta copos e arrancou com o carro.
Do outro lado, entre as árvores, Grady parou sua marcha de zumbi, tinha aspecto de estar fodidamente horrorizado ao ver que havia um sedan ali. Entretanto, ela não se preocupou de que o tipo pudesse acovardar-se. A dor pela perda, o desespero e o remorso enchiam o ar que o rodeava e essa rede logo lhe faria avançar para a tumba recente, com maior resolução que qualquer pensamento que ela pudesse implantar no lóbulo frontal do filho da puta.
Xhex esperou enquanto ele esperava… e efetivamente, assim que Da Cruz se foi, essas botas fabricadas para caminhar voltaram para o jogo, levando Grady bem onde ela o desejava.
Quando ele chegou à lápide de granito, um som afogado escapou de sua boca e foi o primeiro soluço de muitos que seguiram. Como uma bichinha começou a soluçar, e seu fôlego se congelava formando nuvens brancas enquanto se agachava sobre o lugar onde a mulher que tinha assassinado passaria o próximo século decompondo-se.
Se gostava tanto da Chrissy, por que não pensou nisso antes de liquidá-la?
Xhex saiu de atrás do carvalho e deixou que seu mascaramento evaporasse, revelando a si mesma na paisagem. Enquanto se aproximava do assassino de Chrissy, levou a mão para a parte baixa de suas costas e desencapou a faca de aço inoxidável que elegantemente estava embainhada ao longo de sua espinha dorsal. A arma era longa como seu antebraço.
— Olá, Grady — disse.
Grady girou de repente como se tivessem metido um cartucho de dinamite no traseiro e ele tivesse a esperança de apagar o pavio na neve.
Xhex manteve a lâmina atrás de sua coxa.
— Como está?
— O que…?
Buscou com o olhar suas duas mãos. Quando só viu uma, retrocedeu como um caranguejo, sobre mãos e pés, arrastando a bunda pelo chão.
Xhex o seguiu, procurando manter uma distância de um metro entre eles. A julgar pela forma que Grady insistia em olhar por cima do ombro, diria que estava se preparando para virar e sair correndo, e ela se manteria calma até que ele…
Bingo.
Grady se balançou para a esquerda, mas ela caiu sobre ele, agarrando-o pelo pulso, permitiu que o impulso que adquiriu o levasse para frente até que seu agarre o freou completamente. Terminou de barriga para baixo com a arma dobrada atrás de suas costas e rendido a sua misericórdia. E, é obvio que ela tinha nascido com uma carência absoluta de misericórdia. Com uma rápida navalhada, fez um corte em seu tríceps, atravessando à grossa parka[93] e a pele fina e suave.
Fez isso só para distraí-lo, e funcionou. Grady uivou com dor e apressou-se a cobrir a ferida.
Isso deu a ela tempo de sobra para agarrar a bota esquerda dele e torcer até que ele não se importou mais com o que estava ocorrendo no braço. Gritou e tratou de aliviar a pressão dando a volta, mas ela plantou um joelho na parta baixa de suas costas e manteve-o no lugar enquanto quebrava seu tornozelo com uma torção. Desmontou-se rapidamente e com outro corte incapacitou sua outra perna fatiando os tendões de sua coxa.
Isso cortou as choramingações pela metade.
Quando Grady entrou em pânico, perdeu o fôlego e se acalmou… até que ela começou a arrastá-lo para a tumba. Ele lutou por todo o caminho da mesma maneira que gritava, mas fez mais ruído que efeito. Uma vez que esteve onde o queria, cortou os tendões do outro braço para que por mais que se esforçasse em mover as mãos, não pudesse. Então, virou-o para que tivesse uma boa vista do céu e puxou sua parka para cima.
Agarrou seu cinturão ao mesmo tempo em que mostrava a faca.
Os homens eram graciosos. Sem importar quanto descontrolados estivessem, era só aproximar algo comprido, afiado e brilhante a seu cérebro primário, e obteria fogos de artifício.
— Não…!
— Oh, sim — aproximou a faca a seu rosto— Claro que sim.
Ele lutou decididamente, apesar das feridas ocasionadas para inibi-lo, e ela se deteve para desfrutar do espetáculo.
— Antes que te deixe, estará morto — disse enquanto ele se sacudia por toda parte — Mas, antes de ir, você e eu vamos passar um bom momento juntos. Não muito, sabe? Tenho que voltar para o trabalho. Menos mal que sou rápida.
Pôs a bota sobre seu peito para imobilizá-lo, abriu o botão e o zíper da braguilha, e baixou-lhe as calças.
— Quanto tempo levou para matá-la, Grady? Quanto?
Absolutamente aterrorizado, gemeu e retorceu-se. Seu sangue manchou a neve branca de vermelho.
— Quanto tempo, filho da puta? — Fez um corte ao longo da cintura de sua cueca Empório Armani — Quanto tempo sofreu?
Um momento depois, Grady gritou tão forte, que o som sequer foi humano; parecia mais ao estridente som de um corvo negro.
Xhex fez uma pausa e desviou o olhar em direção à estátua da mulher com túnica que havia passado tanto tempo olhando durante o serviço de Chrissy. Por um momento, pareceu que o rosto de pedra tinha mudado de posição, como se a formosa fêmea já não estivesse olhando Deus, e sim a Xhex.
Mas isso não era possível, ou era?
Enquanto Wrath permanecia atrás da parede de Irmãos, seus ouvidos captaram o som distante da porta dianteira de Sal abrindo e fechando, isolando o sutil giro das dobradiças entre os Scooby–dooby–doos de Sinatra. O que fosse que estivessem esperando, acabava de chegar, e, tanto seu corpo, como seus sentidos e coração desaceleraram, como se estivessem aproximando de uma curva fechada e se preparassem para tomá-la a toda potência.
Moveu os olhos para poder enfocá-los melhor, a sala vermelha, a mesa branca e as nucas das cabeças de seus irmãos se fizeram um pouco mais claras enquanto iAm voltava a aparecer na arcada.
Um macho extremamente bem vestido o acompanhava.
Bem, esse cara tinha “glymera” estampado por todo seu elegante traseiro. Com um ondulado cabelo loiro penteado para o lado, tinha um estilo tipo “O Grande Gatsby” [94], seu rosto estava tão perfeitamente proporcionado e equilibrado que era francamente formoso. Seu casaco de lã negra estava confeccionado para ajustar-se ao seu magro corpo, e na mão levava uma fina maleta com documentos.
Wrath nunca o tinha visto antes, mas parecia jovem para a situação que acabava de encontrar. Muito jovem.
Não era nada mais que um cordeiro para o sacrifício muito caro e com muito estilo.
Rehvenge caminhou a passos largos para o menino, o symphath sustentava sua bengala como se fosse desencapar uma espada que havia nela, caso Gatsby se atrevesse sequer a respirar fundo.
— Será melhor que comece a falar. Já.
Wrath se adiantou, metendo-se entre Rhage e Z, nenhum dos dois ficou muito contente com a mudança de posições. Um rápido gesto de mão evitou que tratassem de manobrar para ficar frente a ele.
— Como se chama filho?
A última coisa de que precisavam era um cadáver, e com o Rehv nunca podia dar nada por certo.
O cordeiro Gatsby fez uma sóbria reverência e logo se endireitou. Quando falou, fez com uma voz que surpreendentemente era profunda e segura, considerando a quantidade de carregadores automáticos que tinha apontados a seu peito.
— Sou Saxton, filho de Tyhm.
— Vi seu nome com antecedência. Prepara relatórios a respeito de linhas sucessórias?
— Sim.
Assim que o Conselho realmente estava descendo pela linha sucessória, não? Sequer enviavam o filho de um membro do Conselho.
— Quem o enviou, Saxton?
— O substituto de um homem morto.
Wrath não tinha idéia de como a glymera soube da morte de Montrag e não lhe importava. Contanto que a mensagem chegasse à outra pessoa envolvida no complô, isso era tudo o que importava.
— Por que não nos diz seu parecer?
O macho deixou a maleta sobre a mesa e soltou o clipe dourado. No instante em que o fez, Rehv liberou sua espada vermelha e pôs a ponta exatamente sobre uma garganta pálida. Saxton congelou-se e olhou a seu redor sem mover a cabeça.
— Seria melhor que se movesse devagar, filho — murmurou Wrath — Há muitos tipos de gatilho fácil nesta sala, e esta noite é o alvo favorito de todos eles.
As palavras pronunciadas por essa voz estranhamente profunda e serena foram comedidas:
— É por isso que lhe disse que devíamos fazer isto.
— Fazer o que? — disse Rhage, sempre impetuoso… apesar da espada de Rehv, Hollywood estava preparado para saltar sobre Gatsby saindo ou não algum tipo de arma de entre essas dobras de couro.
Saxton olhou ao Rhage, e em seguida voltou a enfocar-se em Wrath.
— No dia seguinte do assassinato do Montrag…
— Interessante escolha de palavras — disse Wrath arrastando as palavras, e se perguntando o quanto saberia exatamente este tipo.
— É obvio que foi um assassinato. Quando acaba morto, geralmente conserva os olhos dentro de seu crânio.
Rehv sorriu, revelando um par de adagas bucais idênticas.
— Isso depende de seu assassino.
— Continua — incitou Wrath— E Rehv, se não se importa, afrouxa um pouco com esse teu fio.
O symphath retrocedeu um pouco, mas não embainhou sua arma, e Saxton o olhou de esguelha antes de continuar.
— À noite em que Montrag foi assassinado, isto foi entregue a meu chefe — Saxton abriu a maleta de documentos e tirou um envelope de seda — Era do Montrag.
Pôs a coisa de barriga para baixo sobre a mesa para mostrar que o selo de cera não tinha sido quebrado e se afastou.
Wrath olhou o envelope.
— V, poderia fazer as honras?
V se adiantou e levantou o envelope com sua mão enluvada. Ouviu-se papel que se rasgava e em seguida mais papel deslizando fora do envelope.
Silêncio.
V guardou novamente os documentos, colocou o envelope na cintura de suas calças, na parte baixa de suas costas, e olhou fixamente ao Gatsby.
— Supõe-se que devemos acreditar que você não o leu?
— Não o fiz. Meu chefe tampouco. Ninguém o fez desde que a seqüência de fatos da custódia caiu sobre meu chefe e sobre mim.
— Seqüência de fatos de custódia? É advogado, ou só um assistente jurídico?
— Estou estudando para ser advogado na Antiga Lei.
V se inclinou para frente e despiu as presas.
— Está seguro de que não leu isto, verdade?
Saxton devolveu o olhar ao Irmão como se repentinamente estivesse fascinado com as tatuagens da têmpora de V. após um momento, sacudiu a cabeça e falou com esse tom baixo de voz que tinha.
— Não estou interessado em me unir à lista de pessoas que foi encontrada morta e sem olhos sobre seus tapetes. Tampouco meu chefe. O selo que tinha esse documento foi posto pelas mãos de Montrag. O que tenha dentro não foi lido desde que ele deixou que essa cera quente gotejasse em cima do envelope.
— Como sabe que foi Montrag o que o lacrou?
— A que está na frente é sua letra, sei por que vi muitas notas suas em documentos. Além disso, seu doggen pessoal trouxe a pedido dele.
Enquanto Saxton falava, Wrath estudava cuidadosamente as emoções do macho, aspirando com seu nariz. Não havia engano. Tinha a consciência limpa. O tipo se sentia atraído por V, mas, além disso? Não havia nada. Nem sequer medo. Era precavido, mas estava tranqüilo.
— Se está mentindo — disse V brandamente — Nos inteiraremos e iremos te buscar.
— Não duvido disso nem por um instante.
— O que lhes parece? O advogado é inteligente.
Vishous ocupou novamente seu lugar na fila, e sua mão retornou à culatra de sua arma.
Wrath desejava saber o que havia no envelope, mas se dava conta que o que houvesse aí dentro não devia ser adequado para ver em tão variada companhia.
— Então, onde estão seu chefe e seus amigos, Saxton?
— Nenhum deles virá — Saxton olhou as cadeiras vazias — Todos estão aterrorizados. Depois do que aconteceu ao Montrag, encerraram-se em suas casas e permanecerão ali.
Bem. Pensou Wrath. Com a glymera fazendo honra a seu talento de ser covarde, tinha uma coisa menos de que preocupar-se.
— Obrigado por vir, filho.
Saxton tomou a dispensa exatamente pelo que era, voltando a fechar sua maleta, fez outra reverência, e girou para ir.
— Filho?
Saxton se deteve e se voltou.
— Meu senhor?
— Teve que convencer a seu chefe para que decidisse fazer isto, verdade? — Um discreto silêncio foi a resposta — Então é um bom assessor, e acredito em você… pelo que você sabe, nem você nem seu empregador inspecionaram o envelope para ver o que for que tenha dentro. Entretanto, a bom entendedor poucas palavras bastam. Se fosse você buscaria outro trabalho. As coisas ficarão piores antes de melhorar, e o desespero faz com que até as pessoas mais honoráveis se voltem uma merda. Já o enviaram à boca do leão uma vez. Voltarão a fazê-lo.
Saxton sorriu.
— Se alguma vez necessitar um advogado pessoal, me avise. Depois de todo o treinamento em fideicomissos, patrimônios e linhas sucessórias que tive este verão, tenho intenção de começar a trabalhar por conta própria.
Fez outra reverência e logo partiu acompanhado de iAm, com a cabeça alta e o passo firme.
— O que tem ali, V? — perguntou Wrath em voz baixa.
— Nada bom, meu senhor, nada bom.
A visão do Wrath escureceu, voltando para seu estado normal de inutilidade desfocada, e a última coisa que viu claramente antes que ocorresse, foi como V cravava seus olhos diamantinos em Rehvenge.
Capítulo 49
Quando o carro incógnito da polícia deixou o cemitério de Pine Grove, Lash se concentrou completamente na presença symphath que acabava de se revelar dentro das portas.
— Percam-se — disse a seus homens.
Quando se desmaterializaram, empreendeu o caminho de volta para a tumba da garota morta que estava na esquina posterior da…
O grito parecia vir de uma ópera desafinada, de uma soprano que perdera o controle de sua voz, e o tom havia voado alto deixando de ser canto para converter-se em chiado. Quando Lash reassumiu sua forma, ficou de saco cheio porque acabava de perder a diversão e os jogos… porque isso devia ter sido digno de ser visto.
Grady estava estendido de costas com as calças abaixadas, sangrando por várias partes, mas especialmente por um corte recente que atravessava seu esôfago. Estava vivo como uma mosca no batente de uma janela quente, tinha os braços e as pernas retorcidos e os fazia girar lentamente.
Sua assassina deixava a posição escondida e erguia-se: era essa cadela mariamacho do ZeroSum. E, em contraposição à mosca moribunda, que era alheia a tudo salvo a sua própria morte, ela soube o momento exato em que Lash entrou em cena. Deu a volta rapidamente adquirindo uma posição de luta, com uma expressão concentrada no rosto, agarrou firmemente a faca que gotejava, e afirmou as coxas preparando para que pudesse impulsionar seu duro corpo para diante.
Era fodidamente sexy. Especialmente quando franziu o cenho ao reconhecê-lo.
— Acreditei que estivesse morto — disse — E também acreditei que fosse vampiro.
Ele sorriu.
— Surpresa. E você também esteve ocultando um segredo, verdade?
— Não. Nunca me caiu bem, e isso não mudou.
Lash sacudiu a cabeça e olhou seu corpo descaradamente.
— Fica realmente bem vestida de couro, sabia?
— E você estaria melhor com um espartilho engomado.
Ele riu.
— Esse foi um golpe baixo.
— Assim como meu oponente. Imagino.
Lash sorriu e, com algumas vívidas imagens, fez crescer sua atração até obter uma ereção completa porque sabia que ela perceberia. Imaginou-a ajoelhada frente a ele, com seu pênis na boca, enquanto sustentava sua cabeça com as mãos e fodia sua boca até que ela tivesse ânsias.
Xhex pôs os olhos em branco.
— Pornografia. Barata.
— Não. Sexo. Futuro.
— Sinto muito, não estou interessada em Justin Timberlake. Nem em Rum Jeremy[95].
— Já veremos — Lash assinalou com a cabeça ao humano, cujas contorções minguaram como se estivesse congelando com o frio — Temo que me deva algo.
— Se te refere a uma ferida de faca, já me ponho a fazê-la.
— Isso — disse apontando Grady — Era meu.
— Deveria elevar suas normas. Isso — disse imitando sua postura — é merda de cão.
— A merda é um bom fertilizante.
— Então deixa que se espalhe sob uma roseira, e veremos que tal o faz.
Grady deixou escapar um gemido e ambos o olharam. O bastardo estava na etapa final da morte, seu rosto tinha a mesma cor da terra congelada que havia ao redor de sua cabeça, o sangue que fluía de suas feridas diminuindo.
Repentinamente, Lash deu-se conta do que lhe tinham metido na boca e olhou a Xhex.
— Caralho… poderia me interessar seriamente em uma mulher como você, comedora de pecados.
Xhex passou a folha de sua arma ao longo da borda escarpada da lápide, o sangue de Grady se transferiu do metal à pedra como se fosse a marca de uma vingança.
— Tem guelra, lesser, considerando o que lhe fiz. Ou, não quer conservar teu par?
— Sou diferente.
— Menor que ele? Cristo, que decepção. Agora, se me desculpar, estou indo.
Levantou a faca e o saudou, antes de desaparecer.
Lash ficou olhando o ar onde ela esteve, até que Grady gorjeou fracamente como uma drenagem com o último atoleiro de água da banheira.
— Viu-a? — perguntou Lash ao idiota — Que fêmea. Definitivamente a saborearei.
O último fôlego de Grady saiu do buraco de sua garganta, porque não tinha outro lugar por onde sair, já que sua boca estava ocupada fazendo uma mamada a si mesmo.
Lash plantou as mãos nos quadris e olhou o corpo que ia se esfriando.
Xhex… devia assegurar-se de que seus caminhos voltassem a cruzar. E tinha esperanças de que tentasse dizer aos Irmãos que o vira: um inimigo alterado era melhor que um composto. Sabia que a Irmandade se perguntaria como demônios o Omega fizera para converter um vampiro em lesser, mas isso era só uma pequena parte da história.
Ele seguia sendo o que apresentaria o final da piada.
Enquanto Lash ia passeando lentamente pela noite fria, acomodou-se dentro de suas calças e decidiu que precisava ter sexo. Deus sabia que desejava.
Ao tempo em que iAm fechava a porta dianteira de Sal, Rehvenge embainhava sua espada vermelha e observava Vishous. O Irmão o olhava fixamente de má maneira.
— Então, o que havia aí dentro?
— Você.
— Montrag tratou de fazer parecer que era eu o responsável pelo complô para matar Wrath? — não é que importasse que o tivesse feito. Rehv já tinha demonstrado de que lado estava ao fazer que passassem a faca ao filho de puta.
Vishous sacudiu a cabeça lentamente, em seguida observou como iAm se unia a seu irmão.
Rehv falou causticamente:
— Não há nada que não saibam a respeito de mim.
— Bom, então, aqui tem comedor de pecados — V atirou o envelope a mesa — Aparentemente, Montrag sabia o que era. E, indubitavelmente esse foi o motivo pelo qual foi a você para tentar matar Wrath. Se divulgasse o que era, ninguém acreditaria que não tinha sido tua idéia e só tua.
Rehv franziu o cenho e tirou o que parecia uma declaração jurada que narrava como foi assassinado seu padrasto. O que. Merda? O pai do Montrag esteve na casa depois do assassinato; isso Rehv sabia. Porém, que o tipo tivesse feito que o hellren de sua mãe não só falasse, mas também atestasse? E que então, não houvesse feito nada com a informação?
Rehv reviveu o que tinha passado um par de dias atrás, nessa reunião no estúdio de Montrag… e o alegre comentário do tipo a respeito de que sabia que tipo de macho era Rehv.
Sabia, bem, e não só o que referia ao tráfico de drogas.
Rehv voltou a guardar o documento no envelope. Merda, se isto saía à luz a promessa que fizera à sua mãe voaria em pedaços.
—Então, o que diz exatamente aí dentro? — perguntou um dos Irmãos.
Rehv colocou o envelope dentro de seu casaco de marta zibelina.
— Uma declaração jurada assinada por meu padrasto exatamente antes de morrer me denunciando como symphath. É original, a julgar pela assinatura que figura ao final e que está feita com sangue. Mas, o quanto estão dispostos a apostar que Montrag não envio sua única cópia?
— Talvez seja falsa — murmurou Wrath.
Improvável, pensou Rehv. Muitos dos detalhes acerca do que ocorreu essa noite eram corretos.
Repentinamente, retornou ao passado, na noite em que fizera essa proeza. Tinham tido que levar sua mãe à clínica do Havers porque teve um de seus inúmeros “acidentes”. Quando foi evidente que a deixariam em observação durante o dia, Bella ficou com ela, e Rehv tinha tomado uma decisão.
Tinha retornado a casa, reunido aos doggens nas dependências de serviço, e enfrentado o pesar coletivo de todos aqueles que serviam à sua família. Podia recordar muito claramente ter olhado aos machos e às fêmeas da casa e haver enfrentando um a um os olhares de todos eles. Muitos tinham chegado ao lar graças a seu padrasto, mas permaneceram por sua mãe. E estavam esperando que ele fizesse algo para deter o que esteve ocorrendo durante muito tempo.
Disse que saíssem da mansão por uma hora.
Ninguém havia manifestado desacordo, e cada um deles o abraçou ao sair. Todos sabiam o que faria, e também era sua vontade.
Rehv ali ficou até que o último doggen se foi, e em seguida havia ido ao estúdio de seu padrasto e encontrado ao macho examinando documentos em seu escritório. Em sua fúria, Rehv se encarregou do macho à antiga, devolvendo golpe por golpe, igualando a dor infligida à sua mãe antes de conduzir ao filho da puta a sua real e imerecida recompensa.
Quando soou a campainha na porta dianteira, Rehv tinha assumido que fosse o pessoal que retornava, e o estavam avisando para que pudessem declarar sem faltar à verdade que não tinham visto o assassino em ação. Necessitando aplicar-lhe um último “foda-se”, tinha lhe dado um murro quebrando o crânio de seu padrasto com tanta força que do golpe a espinha dorsal do bastardo mal-tratador de shellan saiu do lugar.
Movendo-se rápido, Rehv tinha se afastado do corpo, aberto a porta principal com sua vontade e saído pelas portas–balcão que estavam no fundo. Que os doggen encontrassem o corpo ao chegar a casa, era perfeito, já que a subespécie era dócil por natureza e nunca se veria implicada em um ato de violência. Além disso, a essa altura seu lado symphath estava rugindo, e precisava recuperar o controle de si mesmo.
E, naqueles dias isso não implicava dopamina. Tinha que usar a dor para domar ao comedor de pecados que havia nele.
Tudo tinha parecido encaixar em seu lugar… até que se inteirou na clínica que o pai do Montrag tinha encontrado o corpo. Não obstante, resultou que não havia nada do que preocupar-se. Pelo que havia dito o macho naquele momento, Rehm tinha entrado, deparou-se com a cena, e tinha chamado Havers. Quando o doutor chegou, o pessoal tinha chegado, e declarado que a ausência do grupo se devia a que era o solstício do verão e tinham estado fora se preparando para as cerimônias que celebrariam essa semana.
O pai do Montrag tinha representado bem seu papel, igual seu filho. Qualquer alteração emocional que Rehv tivesse captado fosse naquele tempo ou durante a reunião que tivera fazia poucos dias, as teria atribuído a recente morte ou ao assassinato, os quais ambos estiveram presentes na missiva.
Deus! Resultava claro, muito claro, o que esteve perseguindo Montrag ao fazer acertos com Rehv para o assassinato de Wrath. Depois que a façanha ocorresse, estaria preparado para aparecer com a declaração jurada que exporia Rehv como assassino e como symphath e dessa forma quando fosse deportado, assumiria o poder não só do Conselho, mas também da raça inteira.
Genial.
Que pena que não tivesse funcionado conforme o planejado. Fazia que lhe enchesse os fodidos olhos de lágrimas, verdade?
— Sim, deve haver mais declarações juradas — murmurou Rehv — Ninguém faria circular sua única cópia.
— Valeria a pena fazer uma visita a essa casa — disse Wrath — Se os herdeiros do Montrag se apoderam de algo assim, todos estaremos em problemas, entendem-me?
— Morreu sem descendência, mas sim, em algum lugar fica algo de sua linhagem. E, vou me assegurar de que não se inteirem disto.
De nenhuma maldita maneira o obrigariam a romper o juramento feito a sua mãe.
Isso jamais ocorreria.
CONTINUA
Capítulo 41
John levou seu fodido tempo na ducha de Xhex, e se lavou profundamente não porque estivesse sujo, mas sim, porque pensou que ele também podia brincar esse joguinho de apagar-o-quadro-negro-por-completo e o-que-aconteceu-entre-nós-não-aconteceu-realmente.
Depois que ela se foi, não sabia há quantas horas e horas depois, seu primeiro pensamento foi negativo. Não mentiria: Tudo o que queria fazer era sair diretamente para fora e ficar sob o sol, e, assim, terminar com essa piada que como um imbecil perdedor chamava de vida.
Havia muitas coisas nas quais falhava. Não podia falar. Era péssimo em matemática. Seu sentido da moda, se o deixavam só, era patético. Não era particularmente bom com as emoções. Normalmente perdia no gim rummy[78] e sempre no pôquer. E tinha muitos outros defeitos.
Mas, ser péssimo no sexo era o pior de todos.
Enquanto estava estendido na cama de Xhex considerando os méritos da auto-imolação, perguntou-se por que o fato de ser uma calamidade na hora de foder parecia mais importante que qualquer outra deficiência.
Talvez fosse porque o recente capítulo em sua vida sexual o fizera passar a um território ainda mais complicado, mais hostil. Talvez fosse porque o desastre mais recente estava muito fresco.
Talvez porque tinha sido a gota que transbordou o copo.
Tal e como via, tivera relações sexuais duas vezes, e em ambas ele tinha sido tomado, uma vez violentamente e contra sua vontade e então, umas quantas horas atrás, tinha sido com seu consentimento total e absoluto. As repercussões de ambas as experiências eram péssimas, e durante o tempo que tinha passado na cama de Xhex, tinha tratado de não reviver as feridas, mas em sua maior parte tinha falhado. Naturalmente.
Entretanto, ao cair da noite, já tinha desenvolvido um par de ovos ao dar-se conta que estava deixando que outras pessoas fodessem com sua mente. Em nenhum dos casos tinha feito nada mal. Então por que demônio pensava em acabar com sua vida quando não era ele o problema?
A resposta não era converter a si mesmo no equivalente vampiro de um s’more[79].
Merda, não. A resposta era não voltar a ser nunca, jamais, uma vítima.
De agora em diante, quando se tratasse de foder, seria ele o que foderia.
John saiu da ducha, secou seu corpo poderoso e ficou frente ao espelho, medindo seus músculos e sua força. Quando cavou a mão em torno de seus testículos e seu pênis, seu pesado sexo se sentia bem.
Não. Nunca mais seria a vítima de outros. Porra! Era hora de crescer.
John deixou a toalha da maneira que aterrissou sobre qualquer lugar, vestiu-se rapidamente, e de certa forma, quando ajustou suas armas e foi em busca de seu telefone se sentiu mais alto.
Negava-se a seguir sendo um sacal débil e chorão.
Sua mensagem para Qhuinn e Blay foi breve e concisa: Vms no ZS. V embebedar-me e spro q façam o mesmo.
Após apertar enviar, foi ao registro de chamadas. Várias pessoas discaram para seu telefone durante o dia, em sua maior parte Blay e Qhuinn, quem evidentemente chamou a cada duas horas. Também viu que ficou registrado um número privado desconhecido que tinha insistido três vezes.
O resultado final era que tinha dois correios de voz, e sem muita curiosidade, acessou a sua conta e escutou, esperando que o desconhecido fosse um humano que ligou para o número errado.
Não era.
A voz de Tohrment se ouvia tensa e baixa:
“Ouça, John, sou eu, Tohr. Escuta… Eu, ah, não sei se receberá isto, mas poderia me ligar se o fizer? Estou preocupado com você. Preocupa-me, e quero dizer que sinto muito. Sei que realmente estive fodidamente ausente durante muito tempo já, mas retornarei. Fui… Fui à Tumba. Era ali onde estava. Tinha que retornar e ver… Merda, não sei. Tinha que ver o lugar onde tudo começou antes de poder me lançar de volta à realidade. E logo eu, ah, ontem à noite me alimentei. Pela primeira vez desde que… — sua voz se quebrou e ouviu uma forte inspiração — Desde que Wellsie morreu. Pensei que não poderia suportá-lo, mas o fiz. Levará um tempo conseguir…”
Nesse momento a mensagem se interrompeu e uma voz gravada perguntou se queria guardá-la ou apagá-la. Pressionou a tecla para saltar à seguinte mensagem.
Era Tohr outra vez:
“Ouça, desculpa por isso, cortaram a comunicação. Só queria dizer que sinto te haver fodido. Não foi justo para você. Você também esteve levando luto por ela, e não estive ali para te ajudar, e isso sempre me pesará. Abandonei-te quando me necessitava. E… Sinto de verdade. Entretanto, já deixei de correr. Não vou a nenhuma parte. Suponho… Suponho que estou aqui e é aqui aonde pertenço. Porra! Estou falando sem sentido. Olhe me ligue, por favor, para me fazer saber que está a salvo. Adeus.”
Soou um bip e a voz gravada interrompeu:
“Guardar ou apagar?” induziu.
Quando John afastou o telefone de sua orelha para olhá-lo fixamente, houve um momento de vacilação quando o menino que ainda ficava nele pedia a gritos por seu pai.
Uma mensagem de texto de Qhuinn brilhou na tela, tirando-o da imaturidade.
John apertou apagar para a segunda mensagem de voz de Tohr, e, quando perguntaram se queria revisar a primeira mensagem, respondeu que sim e apagou aquela também.
O texto de Qhuinn era breve: T vmos lá.
Genial, pensou John enquanto recolhia sua jaqueta de couro e saía.
Para ser alguém desempregada e com um montão de faturas pendentes, era bastante insólito que Ehlena estivesse de bom humor.
Não obstante quando se desmaterializou para o Commodore se sentia feliz. Tinha problemas? Sim, definitivamente: se não encontrasse trabalho logo, ela e seu pai corriam o risco de perder o teto que tinham sobre suas cabeças. Mas tinha solicitado um posto de faxineira com uma família de vampiros para sair do apuro, e estava considerando fazer bico no mundo humano. As transcrições médicas eram uma idéia, o único problema era que não tinha uma identidade humana que pudesse ser impressa em um cartão plastificado, e obtê-la ia custar dinheiro. De toda forma, o salário de Lusie estava pago até o final de semana, e seu pai estava encantado de que sua “história”, como ele a chamava, tivesse agradado a sua filha.
E, além disso, tinha Rehv.
Não sabia que direção as coisas tomariam com ele, mas para eles existia uma possibilidade, e o sentimento de esperança e o otimismo que gerava essa possibilidade, fazia que se sentisse animada em todos os campos de sua vida, incluída a Santa merda do desemprego.
Tomando forma no terraço do apartamento de cobertura certo, sorriu às pequenas rajadas de flocos que formava redemoinhos com o vento e se perguntou por que será que cada vez que caía o frio não parecia tão frio.
Quando deu a volta, viu uma silhueta maciça através do vidro. Rehvenge estava esperando-a e permanecia atento à sua chegada, e, o fato de que desejasse isto tanto como ela fez que seu sorriso ampliasse tanto que seus incisivos zumbiram pelo frio.
Antes que pudesse avançar, a porta em frente a ele se abriu deslizando para um lado, e cruzou de uma pernada a distância que os separava, o vento invernal apanhou seu casaco de zibelina e o arrancou de corpo. Seus olhos de ametista reluziram. Sua pernada era poder puro. Sua aura era inegavelmente masculina.
Quando se deteve frente a ela, seu coração deu um salto. À luz do resplendor da cidade, seu rosto era severo e afetuoso ao mesmo tempo, e, embora sem dúvida estivesse congelado até os ossos, abriu seu casaco, a convidando há compartilhar o pouco calor que seu corpo pudesse ter.
Ehlena se meteu dentro e o abraçou, segurando-o com força, aspirando profundamente seu perfume.
Ele baixou a boca até sua orelha.
— Senti saudades.
Ela fechou os olhos, pensando que essas pequenas palavras eram tão boas como um “te amo”.
— Também senti sua falta.
Quando ele soltou uma suave risada de satisfação, ela escutou o som e ao mesmo tempo o sentiu retumbar em seu peito. E, então a abraçou mais estreitamente.
— Sabe? Com você assim apoiada contra mim, não tenho frio.
— Isso me faz feliz.
— A mim também. — ele girou com ela em seus braços para que ambos pudessem ficar frente ao terraço que parecia estar coberto com uma manta de neve, os arranhas-céu do centro e as duas pontes com suas fileiras de faróis dianteiros amarelos e luzes traseiras vermelhas — Nunca tinha conseguido desfrutar desta vista de uma forma tão próxima e pessoal como agora. Antes de você… Só a tinha visto através do vidro.
Agasalhada dentro do quente refúgio que o corpo e o casaco dele proporcionavam, Ehlena se sentiu triunfante porque juntos tinham vencido ao frio.
Com a cabeça descansando sobre seu coração, disse:
— É magnífica.
— Sim.
— E, entretanto… Não sei, mas só você me parece real.
Rehvenge se afastou um pouco e levantou seu queixo com seu comprido dedo. Quando sorriu, ela viu que suas presas se alargaram, e instantaneamente se excitou.
— Estava pensando exatamente o mesmo. — disse — Neste momento, não posso ver nada mais que a você.
Inclinou a cabeça e a beijou, beijou-a e beijou um pouco mais enquanto alguns flocos de neve dançavam ao redor deles como se constituíssem uma força centrífuga, um universo próprio que girava lentamente.
Quando ela deslizou seus braços ao redor da nuca dele e ambos perderam o controle, Ehlena fechou os olhos.
E isso significava que ela não viu e Rehvenge não percebeu a presença que se materializou no alto do telhado do luxuoso apartamento de cobertura…
E que os olhou com uns olhos que brilhavam avermelhados com a cor do sangue recém derramado.
Capítulo 42
— Por favor, se possível, trata de não se mover… De acordo, assim está bem.
Doutora Jane passou ao olho esquerdo de Wrath, enviando o feixe de luz de sua caneta-lanterna diretamente até a parte posterior de seu cérebro, ou, ao menos, isso pareceu a ele. Enquanto o arpão o brocava, teve que resistir ao impulso de retirar a cabeça.
— De verdade que isto não te agrada. — murmurou ela enquanto apagava a caneta-lanterna.
— Não.
Esfregou aos olhos e voltou a colocar os óculos de sol, incapaz de ver nada além de um par de brilhantes alvos negros.
Beth interveio.
— Mas isso não é incomum. Nunca pôde tolerar a luz.
Enquanto sua voz se desvanecia, ele estendeu o braço e apertou sua mão para tratar de reconfortá-la, o que, se funcionasse, também reconfortaria a ele por extensão.
Falando em ser desmancha-prazeres. Depois que ficou evidente que seus olhos tomaram um pequeno descanso não programado, Beth chamou à doutora Jane, que estava na nova clínica, e mais que disposta a fazer uma visita a domicílio imediatamente. Entretanto, Wrath insistiu em ir onde estava a doutora. O último que queria era que Beth tivesse de ouvir más notícias em seu quarto matrimonial… E o que era quase igualmente importante... Para ele, esse era seu espaço sagrado. Com exceção de Fritz que entrava para limpar, ninguém era bem-vindo em seu dormitório. Nem sequer os Irmãos.
Além disso, Doutora Jane iria querer fazer exames. Os médicos sempre queriam fazer exames.
Convencer Beth tinha levado bastante tempo, mas a seguir Wrath pôs seus óculos escuros, pôs o braço ao redor dos ombros de sua shellan, e, juntos, saíram do quarto, desceram sua escada privada, e entraram pela galeria exterior do segundo piso. No caminho, tropeçara um par de vezes, ao chocar seus shitkickers nos cantos dos tapetes pequenos e esquecer a localização exata dos degraus, e o acidentado trajeto acabou por ser uma revelação. Não tinha se dado conta de que confiava tanto em sua defeituosa visão como aparentemente o fazia.
Sagrada… E querida Virgem Escriba, pensou. O que ocorreria se ficava permanente e completamente cego?
Não poderia suportar. Simplesmente não poderia suportá-lo.
Felizmente, quando estavam no túnel a meio caminho para o centro de treinamento, a cabeça tinha palpitado várias vezes, e repentinamente o ligeiro brilho do teto atravessou seus óculos de sol. Melhor dizendo, seus olhos o tinham registrado. Deteve-se, piscou e tirou os óculos de sol e imediatamente teve que voltar a pô-los quando olhou para cima às placas fluorescentes.
Assim, nem tudo estava perdido.
Quando, a doutora Jane se deteve frente a ele, cruzou os braços e as lapelas de seu avental branco se enrugaram. Estava completamente sólida, sua forma fantasmal era tão substancial como a sua ou a de Beth, e ele virtualmente podia cheirar a madeira ardendo enquanto considerava seu caso.
— Suas pupilas estão virtualmente insensíveis, mas isso é porque estão quase totalmente contraídas para começar… Maldita seja! Oxalá tivesse feito em você um estudo óptico em condições normais. Disse que a cegueira te atacou de repente?
— Deitei-me e quando despertei era incapaz de ver qualquer coisa. Não estou seguro de quando ocorreu.
— Notou algo diferente?
— Além do fato de que não tenho dor de cabeça?
— Teve recentemente?
— Sim. É pela tensão nervosa.
Doutora Jane franziu o cenho. Ou ao menos ele sentiu que o fez. Para ele, seu rosto era um borrão pálido com cabelo loiro curto, suas feições eram indistintas.
— Quero que faça uma TAC na consulta com Havers.
— Por quê?
— Para ver um par de coisas. Assim, vejamos, despertou e sua vista simplesmente se foi…
— Para que quer a TAC?
— Quero saber há algo anormal em seu cérebro.
A mão de Beth apertou a sua como se estivesse tratando de acalmá-lo, mas o pânico o fazia ser descortês.
— Como o que? Porra, Doutora, simplesmente me diga.
— Um tumor. — como ele e Beth contiveram o fôlego, Doutora Jane continuou rapidamente — Os vampiros não contraem câncer. Mas houve casos de tumores benignos e isso poderia explicar as dores de cabeça. Agora me conte outra vez, despertou e… Se foi. Aconteceu algo incomum antes que dormisse? Ou depois?
— Eu… — porra. Merda — Despertei e me alimentei.
— Quanto tempo passou da última vez que o tinha feito?
Beth respondeu.
— Aproximadamente três meses.
— Muito tempo. — murmurou a doutora.
— Assim pensa que poderia ser isso? — perguntou Wrath — Não me alimentei o suficiente e a perdi, mas quando bebi de sua veia, minha vista retornou e…
— Acredito que necessita uma TAC.
Com ela não cabiam tolices, nada a discutir. Assim ao ouvir que abria um telefone e discava, manteve a boca fechada apesar de isso estar matando-o.
— Verei quando Havers pode te atender.
O que, sem dúvida, seria no ato. Wrath e o médico da raça tiveram suas diferenças, que remontavam à época em que estava com a Marissa, mas o homem sempre tinha dado prioridade a sua atenção quando era necessário.
Quando Doutora Jane começava a falar, Wrath interrompeu sua conversa.
— Não diga a Havers para o que é. Você e só você verá os resultados. Entendemo-nos?
A última coisa que precisavam era que houvesse qualquer tipo de especulação sobre sua capacidade para governar.
Beth elevou a voz.
— Diga que é para mim.
Doutora Jane assentiu e mentiu com desenvoltura, e enquanto dispunha tudo, Wrath atraiu Beth para seu lado.
Nenhum deles disse nada, porque que tipo de conversa teria? Ambos estavam assustados como a merda… Sua visão era uma porcaria, mas ele necessitava a pouca que tivesse. Sem ela? Que diabo faria?
— Tenho que ir à reunião do Conselho à meia-noite. — disse brandamente. Quando Beth se esticou, ele negou com a cabeça — Politicamente falando, devo ir. As coisas estão muito instáveis neste momento para não comparecer, ou tratar de mudá-la para outra noite. Tenho que aparentar uma posição de força.
— E o que ocorre se perder a vista no meio da reunião? — vaiou ela.
— Então dissimularei até que possa sair dali.
— Wrath…
A doutora Jane fechou seu telefone.
— Pode vê-lo agora mesmo.
— Quanto tempo demorará?
— Perto de uma hora.
— Bem. Há um lugar em que devo ir a meia-noite.
— Por que não vemos o que diz o exame…
— Tenho que…
A doutora Jane o interrompeu com uma autoridade que indicava que nesta ocasião ele era um paciente, não o rei.
— “Ter que” é um termo relativo. Já veremos o que ocorre ali dentro e logo poderá decidir quantos “tenho que” consegue.
Ehlena poderia ficar no terraço com Rehvenge durante vinte anos, mas lhe sussurrou ao ouvido que tinha preparado algo para comer, e sentar-se frente a ele à luz de velas soava igualmente bom.
Depois de um prolongado beijo final, entraram juntos, ela recostada contra ele, que rodeava sua cintura com o braço, enquanto ela tinha a mão em suas costas, entre suas omoplatas. O luxuoso apartamento de cobertura estava caloroso, assim que tirou o casaco e o lançou sobre um dos sofás negros de couro.
— Pensei que podíamos comer na cozinha. — disse ele.
E até aqui chegava “à luz de velas”, mas o que importava? Desde que estivesse com ele, ela brilharia o suficiente para iluminar todo o maldito apartamento de cobertura.
Rehvenge pegou sua mão e a guiou através da sala de jantar fazendo-a cruzar para o outro lado da porta de serviço basculante. A cozinha era de granito negro e aço inoxidável, muito urbana e brilhante, e em um extremo do balcão, onde havia um beiral, estava disposto o serviço para dois, frente a um par de tamboretes. Havia uma vela branca acesa, e sua chama vagava em cima de seu pedestal de cera.
— Oh, isto cheira fantástico. — ela deslizou em um dos tamboretes — Italiana. E dizia que só podia preparar uma coisa.
— Bom, na realidade trabalhei como escravo para fazer isto.
Inclinou-se para o forno com um floreio e tirou uma fôrma plana com…
Ehlena estalou em gargalhadas.
— Pizza de pão francês.
— Só o melhor para você.
— DiGiorno?
— É obvio. E esbanjei ao comprar o tipo supremo. Pensei que poderia tirar aquilo que você não goste. — usou um par de pegadores de prata esterlina para transferir as pizzas aos pratos e logo pôs a bandeja do forno sobre o balcão da cozinha — Também tenho vinho tinto.
Enquanto voltava com a garrafa, o único que ela pôde fazer foi olhá-lo e sorrir.
— Sabe, — disse ele enquanto servia um pouco em seu copo — gosto da forma em que me olha.
Ela espalmou as mãos sobre o rosto.
— Não posso evitar.
— Não tente. Faz com que me sinta mais alto.
— E não é pequeno para começar. — ela tentou conter-se, mas enquanto ele enchia seu próprio copo, deixava a garrafa, e se sentava a seu lado tinha muita vontade de rir bobamente.
— Começamos? — disse ele, pegando sua faca e seu garfo.
— Oh, meu Deus, me alegro de que também faça isso.
— Faça o que?
— Comer pizza com faca e garfo. No trabalho, as outras enfermeiras me enchiam a paciência… — deixou a frase sem terminar — Bom, de qualquer maneira, alegra-me que haja alguém como eu.
Quando ambos se dedicaram a seu jantar, surgiu o som do pão rangente quebrando-se sob as lâminas das facas.
Rehvenge esperou até que ela tomou seu primeiro bocado e então disse:
— Deixe-me te ajudar em sua busca de trabalho. — tinha cronometrado à perfeição, porque ela nunca falava com a boca cheia, assim tinha um montão de tempo para continuar — Deixe que me ocupe de você e de seu pai até que tenha outro trabalho que proporcione o mesmo ganho que o da clínica. — ela começou a negar com a cabeça, mas ele levantou alto sua mão — Espera, pensa nisso. Se não tivesse me comportado como um imbecil, não teria feito o que fez para que a despedissem. Assim, é justo que a compense, e se ajuda, pensa nisso de um ponto de vista legal. Sob as Antigas Leis lhe devo isso, e não estou fazendo nada mais que obedecer às leis.
Ela limpou a boca.
— É só que parece… Estranho.
— Porque por uma vez alguém estaria ajudando a você em lugar de que seja o inverso?
Bem, maldita seja sim.
— Não quero me aproveitar de você.
— Mas me ofereci, e acredite, tenho os meios.
Bastante certo, pensou ela, olhando seu casaco e o pesado faqueiro de prata com o que comia e o prato de porcelana e o…
— Na mesa tem umas maneiras deliciosas. — murmurou sem causa aparente.
Ele fez uma pausa.
— Obra de minha mãe.
Ehlena pôs a mão sobre seu enorme ombro.
— Posso dizer que sinto outra vez?
Ele limpou a boca com um guardanapo.
— Pode fazer algo melhor por mim.
— O que?
— Deixe-me cuidar de você. Para que sua procura por trabalho seja para encontrar algo que deseje fazer em vez de uma louca correria para se colocar em algo que te possibilite pagar as contas. — ergueu os olhos para o teto e levou as mãos ao peito como se estivesse a ponto de desmaiar — Isso aliviaria muito meu sofrimento. Você e só você tem o poder de me salvar.
Ehlena riu um pouco, mas não podia manter nenhuma aparência de jovialidade. Sob a superfície, percebeu que ele sofria, e a dor se fazia patente nas sombras que tinha sob os olhos e a sombria tensão de sua mandíbula. Era evidente que se esforçava para aparentar-se normal em seu benefício, e embora apreciasse não sabia como podia fazer que se detivesse sem o pressionar.
Na realidade ainda não eram mais que desconhecidos um para o outro, verdade? Apesar de todo o tempo que passaram juntos os últimos dois dias, o que sabia realmente dele? Sua ascendência? Quando estava com ele ou quando falavam por telefone, sentia como se soubesse tudo o que necessitava, mas sendo realista, o que tinham em comum?
Ele franziu o cenho enquanto deixava cair suas mãos e cortava outra parte de pizza.
— Não vá por aí.
— Desculpe?
— Em qualquer lugar que esteja indo em sua mente. É o lugar errado para você e para mim. — tomou um sorvo de vinho — Não serei grosseiro e lerei sua mente, mas posso sentir o que sente, e está se distanciando. Isso não é o que persigo. Não no que se refere a você. — levantou seus olhos de ametista e a olhou fixamente — Pode confiar em que cuidarei de você, Ehlena. Nunca duvide disso.
Ao olhá-lo, acreditava nele cem por cento. Absolutamente. Sem lugar a dúvidas.
— Faço. Confio em você.
Algo iluminou seu rosto, mas ele o ocultou.
— Bem. Agora, termina seu jantar e se dê conta que eu ajudá-la é o correto.
Ehlena voltou para seu jantar, e seguiu comendo lentamente a pizza. Quando acabou, apoiou os talheres na borda direita do prato, limpou a boca, e tomou um sorvo de vinho.
— De acordo. — olhou-o — Deixarei que me ajude.
Quando ele sorriu amplamente, porque se sairia com a sua, ela interrompeu a satisfação que estava lhe inflando o peito.
— Mas há condições.
Ele riu.
— Impõem limitações a um presente que lhe fazem?
— Não é um presente. — olhou-o mortalmente séria — É só até que encontre um trabalho, não o trabalho de meus sonhos. E quero te pagar a dívida.
Ele perdeu um pouco de sua satisfação.
— Não quero seu dinheiro.
— E eu sinto o mesmo sobre o seu. — dobrou seu guardanapo — Sei que não te faz falta o dinheiro, mas é a única forma em que o aceitarei.
Ele franziu o cenho.
— Então será sem interesses. Não aceitarei nem um cêntimo de interesses.
— Trato feito. — ela estendeu a palma e esperou.
Ele amaldiçoou. E voltou a amaldiçoar.
— Não quero que me devolva isso.
— Impossível.
Depois que sua boca desenhasse algumas intrincadas maldições, pôs a mão na dela e as apertaram.
— É uma dura negociadora e sabe. — disse.
— Mas me respeita por isso, verdade?
— Bem, sim. E faz que queira te despir.
— Oh.
Ehlena se ruborizou da cabeça aos pés enquanto ele descia de seu tamborete, erguia-se ante ela, e cavava as mãos em torno de seu rosto.
— Vai deixar que te leve a minha cama?
Dada a forma em que brilhavam esses olhos cor violeta, estava disposta a permitir que a tomasse no maldito chão da cozinha se pedisse.
— Sim.
Um grunhido brotou de seu peito enquanto a beijava.
— Adivinha o que?
— O que? — respirou ela.
— Essa era a resposta certa.
Rehvenge a tirou de seu tamborete e a beijou rápida e brandamente. Com a bengala na mão, guiou-a ao outro lado do apartamento de cobertura, atravessando salas que não viu e passando frente a uma resplandecente vista que não apreciou. Unicamente era consciente da profunda e palpitante antecipação que sentia pelo que ele lhe faria.
A antecipação e… A culpa. O que ela podia lhe dar? Aqui estava ela ansiando-o sexualmente outra vez, mas para ele não haveria alívio. Apesar de que dizia que obtinha algo do intercâmbio, sentia como se fosse…
— No que está pensando? — perguntou quando entravam no dormitório.
Ela o olhou.
— Quero estar contigo, mas… Não sei. Sinto como se estivesse te usando ou…
— Não o faz. Confia em mim, estou muito familiarizado com o que significa ser usado. O que acontece entre nós não tem nada a ver com isso. — interrompeu-a antes que lhe perguntasse a respeito — Não, não quero entrar em detalhes porque necessito… Merda! Necessito que estes momentos contigo sejam singelos. Só você e eu. Estou cansado do resto do mundo, Ehlena. Estou tão fodidamente cansado dele.
Pensou que se tratava dessa outra fêmea. E se não queria a quem quer que fosse entre eles? Parecia bem.
— É somente que preciso que isto saia bem. — disse Ehlena — O que há entre nós. E quero que você também sinta algo.
— Faço-o. Às vezes nem eu posso acreditar, mas o faço.
Rehv fechou a porta detrás deles, apoiou sua bengala na parede, e tirou o casaco de zibelina. O conjunto que levava debaixo das peles era outra obra de mestre de corte delicioso, esta vez de cor cinza pomba com listras diplomáticas negras. A camisa que tinha debaixo era negra e levava os dois primeiros botões desabotoados.
Seda pensou. Essa camisa devia ser de seda. Nenhum outro tecido emitiria esse resplendor luminescente.
— É tão formosa. — disse enquanto a olhava fixamente — Aí de pé abaixo dessa luz.
Ela olhou suas calças negras da GAP e o suéter de malha de pescoço alto que já tinha dois anos.
— Deve estar cego.
— Por quê? — perguntou, aproximando-se Rehvenge se deteve.
— Bom, sinto-me como uma imbecil por dizer isto. — alisou a parte dianteira das calças prêt-à-porter — Mas desejaria ter melhor roupa. Então estaria formosa.
Rehvenge se deteve.
E logo a deixou fodidamente sobressaltada ao ajoelhar-se frente a ela.
Quando levantou a vista, tinha um leve sorriso nos lábios.
— Não entende, Ehlena. — com mãos suaves, acariciou sua panturrilha e levantou seu pé, apoiando-o na coxa. Enquanto desabotoava os cordões de sua sapatilha Keds, sussurrou — Sem importar o que vista… Para mim, sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Enquanto tirava sua sapatilha e levantava a vista para olhá-la, ela estudou seu duro e bonito rosto, desde esses espetaculares olhos até a sólida mandíbula e as arrogantes maçãs do rosto.
Estava se apaixonando por ele.
E como ocorreria com qualquer outra opção, não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Já tinha dado o salto.
Rehvenge inclinou a cabeça.
— Sinto-me feliz de que me aceite.
As palavras foram tão baixas e humildes, totalmente em oposição à incrível envergadura de seus ombros.
— Como poderia não fazê-lo?
Ele sacudiu a cabeça lentamente de um lado a outro.
— Ehlena…
Pronunciou seu nome com dificuldade, como se houvesse muitas outras palavras detrás dele, palavras que não podia pronunciar. Ela não o compreendia, mas sim sabia o que desejava fazer.
Ehlena retirou seu pé, ajoelhou-se e o rodeou com os braços. Sustentou-o quando se apoiou nela, acariciando sua nuca até a suave franja de cabelo do corte moicano.
Parecia tão frágil quando se entregava a ela e compreendeu que se alguém tentava lhe fazer mal, embora ele fosse perfeitamente capaz de cuidar-se por acaso mesmo, ela poderia cometer um assassinato. Para protegê-lo, seria capaz de matar.
A convicção era tão sólida como os ossos que havia debaixo de sua pele:
Algumas vezes inclusive os poderosos necessitavam amparo.
Capítulo 43
Rehv era o tipo de macho que se orgulhava de seu trabalho, fosse pôr pizzas de pão francês no forno e cozinhá-las à perfeição ou servindo ao vinho... Ou agradando sua Ehlena até que não fosse mais que uma fatigada e resplandecente extensão mais que satisfeita de fêmea nua.
— Não posso sentir os dedos dos pés. — murmurou quando ele riscou um caminho de beijos para cima desde o centro de suas coxas.
— Isso é mau?
— Em absoluto.
Quando se deteve para lamber um de seus peitos, ela serpenteou, e Rehv sentiu o movimento contra seu próprio corpo. A esta altura, acostumou a que a sensação irrompesse através da neblina de seu intumescimento, e desfrutava da repercussão da calidez e a fricção, sem se preocupar que seu lado mal pudesse escapar de sua jaula de dopamina. Embora o que registrava não era tão pronunciado como o que sentia quando não estava medicado, era suficiente para que seu corpo estivesse indiscutivelmente excitado.
Rehv não podia acreditar, mas houve certo número de vezes em que pensou que poderia chegar ao orgasmo. Entre o sabor dela quando sugava seu sexo e a forma em que seus quadris meneavam contra o colchão, quase tinha perdido o controle.
Salvo que era melhor manter seu pênis fora do quadro. Sério, como funcionaria? Não sou impotente, milagre dos milagres, porque ativou meu instinto de marcar, assim que o vampiro que há em mim venceu ao symphath. Viva! É obvio que isso significa ter que tratar com minha lingüeta, assim como também terá que aceitar o lugar onde estive colocando regularmente essa parte de carne que pendura entre minha perna os últimos vinte e cinco anos. Mas, vamos isso é erótico, não?
Sim, tinha uma pressa enorme em pôr Ehlena nessa posição.
Certamente!
Além disso, isto era suficiente para ele: agradá-la, servi-la sexualmente, era suficiente.
— Rehv...?
Levantou o olhar de seus peitos. Dado o tom rouco de sua voz e a expressão erótica de seus olhos, estava preparado para ceder a qualquer coisa.
— Sim? — lambeu um mamilo.
— Abre a boca para mim.
Franziu o cenho, mas fez o que ela pedia, perguntando-se por que...
Ehlena estendeu o braço e tocou uma de suas presas completamente estendida.
— Disse que você gostava de me agradar, e se nota. Estas são tão largas... Tão afiadas... Tão brancas...
Quando uniu as coxas como se tudo o que acabava de dizer estivesse excitando-a, soube aonde conduziria isto.
— Sim, mas...
— Assim, me agradaria que as utilizasse comigo. Agora.
— Ehlena...
Essa incandescência especial começou a abandonar o rosto dela.
— Tem algo contra meu sangue?
— Deus, não.
— Então por que não quer se alimentar de mim? — sentando-se, segurou um travesseiro sobre os peitos e seu cabelo loiro acobreado caiu e ocultou seu rosto — Oh. Certo. Já se alimentou com... Ela?
— Cristo, não! — preferia chupar ao sangue de um lesser. Porra, antes beberia do cadáver putrefato de um cervo na sarjeta da estrada antes de tomar a veia da princesa.
— Não toma sua veia?
Olhou Ehlena diretamente aos olhos e negou com a cabeça.
— Não o faço. E nunca o farei.
Ehlena suspirou e jogou o cabelo para trás.
— Sinto muito. Não sei se tenho direito a fazer este tipo de perguntas.
— Tem. — tomou sua mão — Tem totalmente. Não é... Que não possa perguntar...
Enquanto suas palavras ficavam suspensas no ar, seus mundos chocaram um contra outro e todo tipo de escombros caíram ao seu redor. Certamente, podia perguntar.... Só que ele não podia lhe responder.
Ou podia?
— Você é a única a que desejo. — disse simplesmente, atendo-se tanto à verdade como podia revelar — Você é a única em que desejo estar. — sacudiu a cabeça, dando-se conta do que acabava de dizer — Com. Quero dizer, com. Olhe, sobre o alimentar-se. Se quero fazê-lo de você? Porra, sim. Mas...
— Então não há nenhum, mas.
Uma merda que não. Tinha a sensação de que se tomasse sua veia, a montaria. Seu pênis estava pronto inclusive agora, e só estavam falando disso.
— Isto é suficiente para mim, Ehlena. Agradá-la é suficiente.
Ela franziu o cenho.
— Então deve ter algum problema com meus antecedentes.
— Desculpe?
— Acredita que meu sangue é débil? Porque se te interessa, posso traçar minha linhagem até a aristocracia. Pode ser que meu pai e eu estejamos passando por momentos difíceis, mas durante gerações e durante a maior parte de sua vida, fomos membros da glymera. — quando Rehv fez uma careta, ela saltou da cama, utilizando o travesseiro para defender-se — Não sei exatamente de onde descende sua família, mas posso te assegurar que minhas veias são aceitáveis.
— Ehlena, essa não é a questão.
— Está certo disso? — foi até onde tinha tirado sua roupa. Primeiro vestiu as calcinhas e o sutiã, e depois recolheu suas calças negras.
Não podia compreender porque saciar sua necessidade de sangue era tão importante para ela... Porque o que tirava ela disso? Mas, talvez essa era a diferença entre eles. Ela não fazia as coisas para aproveitar-se das pessoas, por isso seus cálculos não se centravam no que podia tirar das coisas. Para ele, inclusive quando se tratava de agradá-la, estava conseguindo algo tangível em troca: observá-la retorcer-se sob sua boca o fazia sentir-se poderoso e forte, um autêntico macho, e não um assexuado monstro sóciopata.
Ela não era como ele. E por isso a amava.
Oh... Cristo. A...?
Sim, o fazia.
A compreensão fez com que Rehv se levantasse da cama, caminhasse até ela, e tomasse sua mão quando terminou de subir as calças. Ela se deteve e o olhou.
— Não é você. — disse — Pode me acreditar.
Deu-lhe um puxão e a atraiu contra seu corpo.
— Então demonstre. — disse brandamente.
Afastando-se, olhou seu rosto durante um comprido momento. As presas pulsavam em sua boca, deixava-o muito claro. E podia sentir a fome no fundo de seu estômago, curvando-o, exigindo.
— Ehlena...
— Demonstra.
Não poderia dizer que não. Simplesmente não tinha a força necessária para rechaçá-la. Estava mal em muitíssimos níveis, mas ela era tudo o que queria, necessitava, desejava.
Rehv afastou cuidadosamente o cabelo da garganta.
— Serei gentil.
— Não tem que ser.
— Serei de qualquer forma.
Embalando seu rosto entre as palmas, inclinou-lhe a cabeça a um lado e expôs a frágil veia azul que corria para seu coração. Enquanto preparava a si mesmo para o golpe, seu pulso se acelerou, pôde ver como o bombeamento se fazia mais rápido até que palpitou.
— Não me sinto merecedor de seu sangue. — disse, percorrendo o pescoço com a ponta do dedo indicador — Não tem nada a ver com sua linha de descendência.
Ehlena levantou as mãos para seu rosto.
— Rehvenge, do que se trata? Ajude-me a entender o que está acontecendo aqui. Sinto-me como... Quando estou contigo, sinto-me inclusive mais perto de você que de meu próprio pai. Mas há buracos enormes. Sei que há coisas neles. Fale.
Agora seria o momento, pensou, de descarregar tudo.
E esteve tentado. Seria um alívio enorme acabar com as mentiras. O problema era que não havia nada mais egoísta que pudesse lhe fazer. Se ela conhecesse seus segredos, estaria infringindo a lei junto com ele... Ou isso ou enviaria a seu amante à colônia. E, se Ehlena escolhia o último, ele estaria mandando a merda à promessa que fez a sua mãe, porque sua cobertura ficaria totalmente ao descoberto.
Não era adequado para ela. Não era para nada adequado para ela, e sabia.
Rehv tinha a intenção de deixar que Ehlena partisse.
Tinha intenção de deixar cair às mãos, afastar-se e deixá-la terminar de vestir a roupa. Era bom com a persuasão. Poderia convencê-la e fazê-la ver que o fato de que não bebesse não era para tanto...
Só que sua boca se abriu. Abriu-se enquanto um vaio subia por sua garganta e transpassava a fina barreira que separava suas presas da veia vital e palpitante.
Ela ofegou bruscamente, e os músculos que subiam de seus ombros se esticaram, como se lhe tivesse dobrado o rosto para baixo. Oh, espera, tinha feito. Estava intumescido até o tutano, absolutamente insensível, mas não era por sua medicação. Cada músculo de seu corpo havia se posto rígido.
— Preciso de você. — gemeu.
Rehv a mordeu com força e ela gritou, sua espinha dorsal se dobrou quase pela metade quando a aprisionou com sua força. Porra, era perfeita. Tinha sabor de vinho espesso e com corpo e bebeu profundamente dela com insistentes sucções de sua boca.
E a levou até a cama.
Ehlena não tinha a mínima oportunidade. Nem ele tampouco.
Ativada pela alimentação, sua natureza vampira o varreu, contudo, a necessidade do macho de marcar o que desejava, de estabelecer seu território sexual, de dominar, assumiu o controle e o levou a rasgar suas calças, levantar uma perna, colocar o pênis na entrada de seu sexo...
E penetrar em seu interior.
Ehlena deixou escapar outro guincho quando a penetrou. Era incrivelmente estreita, e temendo feri-la, ficou quieto para que seu corpo pudesse acomodá-lo.
— Está bem? — perguntou, com um tom de voz tão gutural que não sabia se poderia o entender.
— Não... Pare. — Ehlena envolveu as pernas ao redor de seu traseiro, colocando-se em ângulo para que pudesse entrar ainda mais profundamente.
O grunhido que ele emitiu ressonou por todo o dormitório... Até que o encerrou de volta em sua garganta.
Apesar de tudo e inclusive no meio do frenesi da alimentação e o sexo, Rehv foi cuidadoso com ela... Nada a ver como era com a princesa. Rehv se deslizava dentro e fora brandamente, assegurando-se de que Ehlena estivesse cômoda com seu tamanho. Quando se tratava de sua chantagista? Queria dividir dor. Com Ehlena? Castraria a si mesmo com uma faca oxidada antes de machucá-la.
O problema era que ela se movia ao mesmo tempo, enquanto ele bebia até não poder mais, e a fricção desenfreada de seus corpos logo o afligiu e seus quadris já não se ondulavam cuidadosamente, mas sim amassavam... Até que teve que soltar sua veia ou correr o risco de rasgar seu pescoço. Depois de um par de lambidas às marcas das punções, deixou cair à cabeça entre o cabelo dela e se dedicou a isso dura, profunda e ardentemente.
Ehlena teve um orgasmo, e, quando sentiu os puxões aferrando o eixo de seu pênis, seu próprio alívio saiu disparado de seu escroto... O que não podia deixar que acontecesse. Antes que sua lingüeta se expandisse, saiu, derramando-se sobre o sexo e a parte baixa do estômago dela.
Quando tudo acabou, derrubou-se sobre ela, e passou um momento antes que pudesse falar.
— Ah... Merda... Sinto muito, devo ser pesado.
As mãos de Ehlena deslizaram para cima por suas costas.
— Na realidade é maravilhoso.
— Eu... Tive um orgasmo.
— Sim, teve. — havia um sorriso em seu tom — Realmente teve.
— Não estava seguro que pudesse... Já sabe. Por isso foi que saí... Não esperava... Sim.
Mentiroso. Puto mentiroso.
A felicidade na voz dela o pôs doente.
— Bom, me alegro que ocorresse. E se voltar a ocorrer, genial. E se não, igualmente bom. Sem pressões.
Rehv fechou os olhos, doía-lhe o peito. Retirou-se para que ela não descobrisse que tinha uma lingüeta... E porque gozar dentro dela era uma traição, dada todas as coisas que ela não sabia dele.
Enquanto ela suspirava e o acariciava com o nariz, sentiu-se como um total e absoluto bastardo.
Capítulo 44
O TAC[80] não representava um problema. Wrath simplesmente se sentou na fria mesa e ficou quieto enquanto essa peça branca de equipamento médico murmurava e tossia educadamente em seu percurso ao redor de sua cabeça.
A merda era esperar os resultados.
Durante o exame, a doutora Jane era a única pessoa que havia do outro lado da divisória de vidro, e pelo que podia dizer, passou todo momento franzindo o cenho à tela do computador. E agora que tudo tinha terminado, ainda seguia fazendo-o. Enquanto isso, Beth entrou e estava ao seu lado na pequena sala ladrilhada.
Só Deus sabia o que a Dra. Jane tinha encontrado.
— Não tenho medo de passar pela faca — disse a sua shellan — Sempre que seja essa fêmea a que empunhe a maldita coisa.
— Pode fazer cirurgia no cérebro?
Bom ponto.
— Não sei.
Ele ficou a brincar distraidamente com o Rubi saturnino de Beth, dando voltas à pedra uma e outra vez.
— Me faça um favor — cochichou.
Beth apertou sua mão.
— O que quiser. O que necessita?
— Cantarola a canção de Jeopardy.
Houve uma pausa. Em seguida Beth pôs-se a rir e deu um golpe em seu ombro.
— Wrath...
— Melhor, tire a roupa e cantarola enquanto faz a dança do ventre — quando sua shellan inclinou-se e beijou sua testa, levantou a vista e a olhou através dos óculos — Crê que brinco? Anda, ambos necessitamos a distração. E te prometo que darei uma boa propina.
— Nunca leva dinheiro contigo.
Ele passou a língua sobre o lábio superior.
— Planejo pagar com trabalho.
— É terrível — sorriu Beth — E me agrada.
Olhando-a fixamente, sentiu-se bem e atemorizado ao mesmo tempo. Como seria sua vida se ficasse totalmente cego? Não ver nunca mais o longo cabelo escuro de sua shellan nem seu brilhante sorriso era...
— Bom — disse Dra. Jane ao entrar — Isto é o que sei.
Wrath tratou de não chiar quando a doutora fantasmal colocou as mãos nos bolsos de seu jaleco branco e pareceu ordenar seus pensamentos.
— Não vejo evidências de um tumor nem de uma hemorragia. Mas há anormalidades em vários lóbulos. Eu nunca tinha visto o TAC do cérebro de um vampiro antes, assim não tenho a menor idéia de qual é a consistência estrutural que se considera dentro da gama de “normalidade”. Sei que quer que só eu o veja, mas nisto não posso decidir, e gostaria que Havers revisasse o exame. Antes que me diga que não, queria te recordar que jurou proteger sua intimidade. Não pode revelar...
— Traga-o — disse Wrath.
— Não levará muito tempo — Dra. Jane bateu em seu ombro e depois no de Beth — Está justamente aí fora. Pedi que esperasse no caso de ocorrer problemas com o equipamento.
Wrath observou como a doutora atravessava a pequena sala de monitoramento e saía ao vestíbulo. Pouco depois, voltou com o alto e magro médico. Havers fez uma reverência ante ele e Beth através do vidro e logo foi para os monitores.
Ambos adotaram uma postura idêntica: dobrados pela cintura, com as mãos nos bolsos e as sobrancelhas franzidas sobre os olhos.
— Na faculdade de medicina, os treinam para fazer isso? — perguntou Beth.
— É gracioso, estava me perguntando o mesmo.
Longo tempo. Longa espera. Muita conversa e gesticulação da dupla que estava do outro lado da grande janela saliente, assinalando a tela com suas canetas. Finalmente os dois se endireitaram e assentiram.
Entraram juntos.
— O exame é normal — disse Havers.
Wrath exalou com tanta força que foi virtualmente um fôlego. Normal. Normal era bom.
Logo Havers fez uma série de perguntas, às quais Wrath respondeu, não refletindo muito sobre nenhuma delas
— Com a permissão de sua médica particular — disse Havers, fazendo uma reverência para Dra. Jane — queria tomar uma amostra de sangue de sua veia para analisá-la e realizar um breve exame.
Dra. Jane intrometeu-se:
— Acredito que é uma boa idéia. Quando as coisas não estão claras, sempre é bom ter uma segunda opinião.
— Vamos logo — disse Wrath, dando um rápido beijo na mão de Beth antes de soltá-la.
— Meu senhor, seria tão amável para tirar os óculos?
Havers foi rápido, acostumado com a rotina da luz-perfuradora-de-globos-oculares; logo o rodeou para fazer um exame do ouvido, seguida de uma verificação do coração. Uma enfermeira entrou com a merda tira-sangue, mas foi a Dra. Jane que fez o espeta-e-tira em sua veia.
Quando tudo acabou, Havers voltou a colocar ambas as mãos nos bolsos e fez outro desses cenhos de médico.
— Tudo parece normal. Bom, normal para você. Porque para começar suas pupilas não respondem, em nenhum sentido, mas isso é um mecanismo de defesa porque elas são muito fotossensíveis.
— Então qual é a conclusão? — perguntou Wrath.
Dra. Jane encolheu de ombros.
— Tem um histórico de enxaquecas. E se a cegueira aparece novamente, voltamos aqui imediatamente. Possivelmente um TAC enquanto está ocorrendo nos ajude a localizar com exatidão o problema.
Havers fez outra reverência para Dra. Jane.
— Farei chegar a sua médica os resultados da análise de sangue.
— Muito bem.
Wrath levantou o olhar para sua shellan, preparado para partir, mas Beth estava concentrada nos médicos.
— Nenhum de vocês parece muito feliz com isto — disse.
Dra. Jane falou lenta e cuidadosamente, como se estivesse procurando as palavras precisas.
— Cada vez que há uma deterioração funcional que não podemos explicar, ponho-me nervosa. Não digo que isto seja uma situação extrema. Mas o fato de que o TAC tenha saído bem não basta para me convencer de que esteja fora de perigo.
Wrath desceu da maca e tomou a jaqueta negra de couro que Beth segurava. Era fodidamente fantástico poder vestir a coisa e abandonar o papel de paciente em que seus malditos olhos o haviam colocado.
— Não vou ser negligente com isto — disse aos médicos açougueiros — Mas vou seguir trabalhando.
Houve um coro de necessita-descançar-alguns-dias, que desprezou saindo da consulta. A questão era que, enquanto ele e Beth percorriam o corredor a passos largos, uma estranha sensação de urgência o invadiu.
Tinha a sensação de que devia atuar depressa, porque não ficava muito tempo.
John levou um maldito tempo em chegar ao ZeroSum. Depois de deixar a casa de Xhex, passeou por Tenth Street (uma rua) e caminhou sob as rajadas de neve até um Tex/Mex. Quando esteve no interior, sentou-se em uma mesa próxima à saída de incêndios e, apontando as imagens no menu laminado, pediu dois pratos de costeletas de porco, com um acompanhamento de purê, e outro de salada de couve.
A garçonete que anotou seu pedido e entregou a comida estava com uma saia o suficientemente curta para ser considerada roupa de baixo, e parecia estar disposta a lhe servir algo mais que comida. E de fato o considerou. Tinha o cabelo loiro, não estava muito maquiada e suas pernas eram bonitas. Mas cheirava como uma churrasqueira, e não apreciou a forma em que falava, muito devagar, como se pensasse que era tolo.
John pagou em dinheiro, deixou uma boa gorjeta, e se apressou a sair antes que ela pudesse tratar de dar seu telefone. Fora no frio, tomou o caminho comprido para o Trade. Que era o mesmo que dizer que se desviou em cada beco que encontrou.
Nenhum lesser. Nem tampouco humanos fazendo cagadas.
Finalmente, entrou no ZeroSum. Ao atravessar as portas de ferro e vidro e captar o bombardeio de luzes e música e pessoas suspeitas habilmente disfarçadas, sua cobertura de menino-mau caiu um pouco. Xhex estaria aqui...
Sim. E? O que era ele, um fodido maricas que não podia estar no mesmo clube que ela?
Já não. John arrumou os testículos e caminhou a passos largos para a corda de veludo, passou pelo escrutínio dos gorilas, e entrou na sala VIP. Ao fundo, na mesa da Irmandade, Qhuinn e Blay estavam sentados como um par de quarterbacks (zagueiros) apanhados na reserva, enquanto sua equipe se afogava no campo: estavam ansiosos e tamborilavam os dedos brincando com os guardanapos que vinham com suas garrafas de Corona[81].
Quando se aproximou deles, ambos levantaram o olhar e cessou todo movimento, como se alguém tivesse congelado a imagem de seu DVD.
— Hey — disse Qhuinn.
John se sentou junto a seus amigos e gesticulou:
Hey.
— Como vai? — perguntou Qhuinn, enquanto a garçonete se aproximava com um perfeito sentido de oportunidade — Outras três Coronas...
John interrompeu o cara. Quero algo diferente. Diga… que quero um Jack Daniel’s só com gelo.
Qhuinn arqueou as sobrancelhas, mas fez o pedido e observou como a mulher trotava para o balcão.
— De alta octanagem, né?
John encolheu de ombros e olhou uma loira que estava duas mesas mais à frente. No instante em que ela viu que a olhava, entrou totalmente em modo chamativo, jogando o cabelo denso e brilhante sobre as costas e erguendo os peitos até que esticaram o quase inexistente LBD[82].
Apostava que ela não cheirava a costelas.
— Em… John, que porra está te passando?
O que quer dizer? gesticulou para o Qhuinn sem tirar os olhos da mulher.
— Está olhando a essa franguinha como se quisesse enrolá-la em um espeto e pôr seu molho quente por toda parte.
Blay tossiu um pouco.
— Realmente não tem muita manha com as palavras, sabe?
— Só digo o que vejo.
Chegou a garçonete e pôs o Jack e as cervejas sobre a mesa, e John atacou sua bebida com vontade, atirando a merda para dentro e abrindo a garganta de forma que caísse em cascata direto para seu estômago.
— Está vai ser uma dessas noites? — murmurou Qhuinn — Nas que acaba no banheiro?
Certo como a merda que sim, gesticulou John. Mas não porque vá vomitar.
— Então por que…? OH! — Qhuinn tinha o aspecto de alguém a quem acabassem de beliscar a bunda.
Sim, OH! pensou John enquanto examinava a zona VIP no caso de aparecer uma candidata melhor.
A seu lado, havia um trio de homens de negócios, cada um tinha uma mulher consigo, e todas tinham o aspecto de estar prontas para sair na capa da Vanity Fair. Em frente, tinha o pacote básico de seis Euro-gentuzas[83] que não paravam de assoar narizes e com freqüência iam em dupla ao banheiro. No balcão havia um par de trepadores com suas amantes totalmente bêbadas, e outro par de consumidores de droga que só olhavam às garotas profissionais.
Estava ainda em modo explorador quando Rehvenge em pessoa entrou a passos largos na sala VIP. Quando as pessoas o viram, uma onda de estremecimentos atravessou o lugar, porque mesmo que não soubessem que era o proprietário do clube, não abundavam os caras de dois metros de altura que levassem uma bengala vermelha, um casaco negro de marta zibelina e um corte de cabelo mohawk.
Além disso, inclusive com essa luz tênue, se podia ver que tinha olhos cor violeta.
Como sempre, estava ladeado por dois machos que eram de seu tamanho e tinham o aspecto de comer balas no café da manhã. Xhex não estava com eles, mas isso estava bem. Isso era bom.
— Definitivamente quando crescer quero ser como esse cara — disse Qhuinn arrastando as palavras.
— Só que não corte o cabelo — disse Blay — É muito bonito... digo, os topetes requerem um montão de atenção.
Enquanto Blay apertava sua cerveja, os olhos díspares de Qhuinn apenas posaram sobre o rosto de seu melhor amigo antes de afastar o olhar rapidamente.
Depois de pedir por gestos à garçonete outro Jack, John girou e olhou através da cascata que formava uma parede para a seção pública do clube. Ali na pista de dança, havia uma tonelada de mulheres procurando exatamente o que ele queria dar. Tudo o que tinha que fazer era ir até ali e escolher entre as voluntárias dispostas.
Grande plano, exceto, sem razão aparente, ficou a pensar no reality The Show de Maury. Realmente queria correr o risco de deixar grávida alguma humana escolhida ao azar? Supunha-se que sabia quando estavam ovulando, mas que porra sabia ele dos assuntos das fêmeas?
Franzindo o cenho, voltou a olhar ao redor, apertou em sua mão o Jack recém servido, e se centrou nas garotas profissionais.
As profissionais. Que conheciam o jogo do sexo casual que ele estava procurando. Muito melhor.
Enfocou o olhar em uma fêmea morena cujo rosto era igual ao da Virgem Maria. Marie Terese acreditou ter ouvido que assim se chamava. Era a chefa das profissionais, mas também estava disponível para alugar. Nesse momento, estava jogando o quadril como dizendo “vêm aqui” para um cara que exibia um terno de três peças e parecia estar muito interessado em seus atributos.
Vêem comigo, gesticulou John ao Qhuinn.
— Onde...? Ok! entendi — Qhuinn acabou sua cerveja e levantou — Suponho que voltaremos, Blay.
— Sim. Passem… bem.
John liderou o caminho para a morena, cujos olhos azuis pareceram surpresos ao ver que os dois se aproximavam. Com uma espécie de desculpa sedutora, deixou de lado a seu potencial cliente.
— Necessitam algo? — perguntou, sem evidenciar nenhum tipo de convite. Embora fosse amistosa, porque sabia que John e os meninos eram convidados especiais do Reverendo. Embora naturalmente não soubesse a razão.
Pergunte quanto, gesticulou para o Qhuinn. Pelos dois.
Qhuinn limpou a garganta.
— Quer saber quanto.
Ela franziu o cenho.
— Depende do que queiram. As garotas têm... — John assinalou à mulher — Eu?
John assentiu.
Quando a morena entrecerrou os olhos azuis e franziu os lábios vermelhos, John imaginou sua boca sobre ele, seu pênis gostou da imagem e surgiu em uma instantânea e alegre ereção. Sim, tinha uma boca muito bonit...
— Não — disse ela — Não pode me ter.
Qhuinn elevou a voz antes que as mãos de John pudessem pôr-se a voar.
— Por quê? Nosso dinheiro é tão bom como o de qualquer outro.
— Posso escolher com quem faço negócios. Alguma das outras garotas poderia pensar diferente. Podem lhes perguntar.
John estava disposto a apostar que o rechaço tinha algo a ver com Xhex. Deus sabia que tinha havido um montão de contato visual entre ele e a chefa de segurança do clube e sem dúvida Marie Terese não queria se meter no meio.
Ao menos, disse a si mesmo que era isso, ou, do contrário restava o fato de que sequer uma prostituta podia suportar a idéia de estar com ele.
De acordo, está bem, gesticulou John. A quem sugere?
Depois que Qhuinn falasse, ela disse:
— Sugeriria que voltasse para seu Jack e deixasse tranqüilas às garotas.
Não vai ocorrer, e quero a uma profissional.
Qhuinn traduziu, e o cenho de Marie Terese se fez ainda mais profundo.
— Serei honesta contigo. Isto soa a um foda-se. Como se estivesse mandando uma mensagem. Quer se deitar com alguém, vai e encontra a uma prostitutazinha na pista de dança ou em um desses reservados. Não o faça com alguém que trabalha com ela, Ok?
Bem. Tudo estava absolutamente relacionado com Xhex.
O velho John teria feito o que lhe sugeria. E uma merda; em primeiro lugar o velho John não teria esta conversa. Mas as coisas tinham mudado.
Obrigado, mas acredito que perguntaremos a uma de suas colegas. Se cuide.
John já girava quando Qhuinn falou, mas Marie Terese o agarrou pelo braço.
— Está bem. Se quiser se comportar como um imbecil, vá falar com a Gina, a que está ali de vermelho.
John fez uma pequena reverência, logo aceitou sua sugestão, e se aproximou de uma mulher de cabelo negro com um vestido de vinil vermelho tão brilhante, que essa merda podia ser qualificada como luz estroboscópica.
A diferença de Marie Terese, aceitou o plano antes que Qhuinn pudesse sequer chegar a perguntar.
— Quinhentos — disse com um amplo sorriso — Cada um. Porque deduzo que vão juntos?
John assentiu um pouco assombrado de que tivesse sido tão fácil. Mas bem, isto era pelo que pagavam. Facilidade.
— Vamos à parte de trás? — Gina se posicionou entre ele e Qhuinn, tomou a cada um pelo braço e os guiou, passando à frente de Blay, que estava concentrado em sua cerveja.
Enquanto caminhavam pelo corredor para os banheiros privados, John se sentia febril: Quente e desvinculado do que o rodeava, estava indo à deriva, preso só pelo fino braço da prostituta a que pagaria para foder.
Estava bastante seguro que se ela o soltava simplesmente se afastaria flutuando.
Capítulo 45
Quando Xhex subiu as escadas e entrou na seção VIP, a princípio não esteve segura de que demônio estava vendo. Parecia como se John e Qhuinn estivessem se dirigindo à parte traseira com Gina. A menos, é obvio que houvesse outros dois caras iguais a eles, um com tatuagem na Antiga Língua na nuca e outro com os ombros tão largos como os de Rehv.
Mas com toda certeza aquela era Gina com seu vestido vermelho-não-se-detenha.
Xhex recebeu a voz de Trez pelo auricular.
— Rehv está aqui e estamos te esperando.
Sim, bem, esperariam um pouco mais.
Xhex deu a volta e iniciou o caminho de volta para o cordão de veludo… ao menos até que seu caminho foi bloqueado por um tipo com um Prada falso.
— Ouça carinho, aonde vai tão apressada?
Foi um movimento ruim de sua parte. O pedaço de Euro-irrelevante drogado escolheu à fêmea errada para cortar o passo.
— Se afaste de meu caminho antes que o aparte eu mesma.
— O que ocorre? — disse estendendo a mão para seu quadril — Não pode arrumar-se com um verdadeiro homem?... Oh.
Xhex converteu a tentativa de olha passar a mão em um esmaga-tendões, retorcendo a mão em seu punho até que o braço dele formigou.
— Bem — disse — Faz aproximadamente uma hora e vinte minutos, comprou setecentos dólares em coca. Apesar da quantidade que esteve se metendo no banheiro, estou disposta a apostar que ainda leva bastante contigo para que o prendam por posse. Assim deixa de encher o saco e saia de meu caminho, se tratar de me tocar outra vez, quebrarei todos estes dedos, e em seguida farei o mesmo com a outra mão.
Soltou-o dando um empurrão, que o enviou, aos tropeções, para seus companheiros.
Xhex seguiu caminhando, deixou atrás a zona VIP e atravessou com passos largos a pista de dança. Dirigiu-se a uma porta que havia debaixo da escada que subia à sobreloja, marcada como SÓ PESSOAL DE SEGURANÇA e digitou um código. O corredor do outro lado passava frente à porta do vestuário do pessoal antes de levá-la ao seu destino, o escritório de segurança. Depois de digitar outro código, entrou na sala de seis por seis onde toda a equipe de vigilância descarregava dados nos computadores.
Salvo o escritório de Rehv e a guarida onde Rally fracionava a droga, que estavam em um sistema separado, tudo o que ocorria no resto do local, ficava registrado digitalmente ali, e havia telas de cor cinza-azulada que mostrava imagens de todo o clube.
— Ouça, Chuck — disse ao tipo que estava atrás do escritório — Se importa se fico um minuto a sós?
— Não há problema. De todo modo tenho que tomar um descanso para ir ao banheiro.
Trocou de lugar com ele, afundando-se na cadeira Kirk[84], como a chamavam os meninos.
— Não necessitarei muito tempo.
— Nem eu tampouco, chefa. Quer algo de beber?
— Estou bem, obrigada.
Quando Chuck assentiu e saiu movendo-se pesadamente, centrou-se nos monitores que mostravam os quartos de banho da zona VIP.
OH… Deus.
O trio do inferno estava apertado, com Gina no meio. John beijava um caminho para os peitos desta, e Qhuinn, que estava de pé atrás da mulher, deslizava suas mãos para frente, rodeando seus quadris.
Presa entre os machos, Gina não parecia estar trabalhando. Parecia uma mulher que estava sendo agradada em grande estilo.
Maldita seja.
Pelo menos era Gina. Xhex não tinha nenhuma relação com ela, já que a mulher acabava de entrar para o quadro de pessoal, assim não era muito diferente como se estivesse fodendo a alguma garota da pista de dança.
Xhex se recostou na cadeira e forçou-se a examinar os outros monitores. Havia gente por toda a parede, e as imagens agitadas de gente bebendo, metendo-se em brigas, tendo relações sexuais, dançando, falando e olhando fixamente para longe, encheram sua vista.
Isso estava bem, pensou. Isso estava… bem. John tinha abandonado seus delírios românticos e foi com outra. Isso estava bem…
— Xhex, onde está? — disse a voz de Trez no auricular.
Levantou o braço e falou por seu relógio.
— Me dê um fodido minuto!
A resposta do mouro foi tipicamente sossegada.
— Está bem?
— Eu… olhe, sinto muito. Estou indo.
Sim, e também o estava Gina.
Cristo.
Xhex se levantou da cadeira Kirk e seus olhos voltaram para a tela que deliberadamente tinha evitado olhar.
As coisas tinham progredido. Rapidamente.
John estava movendo seus quadris.
Exatamente quando Xhex retrocedia e ia sair, ele levantou o olhar para a câmara de segurança. Era difícil determinar se sabia que a câmara estava ali ou se simplesmente seus olhos se dirigiram ali por acaso.
Merda. Tinha o rosto turvo, a mandíbula firmemente apertada, e em seu olhar havia uma expressão desalmada que a entristeceu.
Xhex tentou não ver a mudança nele como o que era e falhou. Ela tinha lhe feito isto. Possivelmente não fora a única razão pela qual se tornou de pedra, mas era uma grande parte dela.
Ele afastou o olhar.
Ela girou.
Chuck pôs a cabeça pela porta.
— Necessita mais tempo?
— Não, obrigado. Vi o suficiente.
Deu-lhe uma palmada no ombro e partiu, ao sair foi para a direita. Ao final do corredor havia uma porta negra reforçada. Digitando outro código mais, tomou o passadiço até o escritório de Rehv, e quando atravessou a porta, os três machos que rodeavam o escritório a olharam com cautela.
Ela se apoiou contra a parede negra frente a eles.
— O que?
Rehv se recostou em sua cadeira, e cruzou os braços cobertos de pele sobre o peito.
— Está se preparando para entrar em seu período de necessidade?
Enquanto ele falava, Trez e iAm fizeram o movimento de mãos que as Sombras utilizavam para proteger-se contra o desastre.
— Deus, não. Por que a pergunta?
— Porque, não se ofenda, mas tem um fodido mau humor.
— Não tenho — quando os machos se olharam entre si, ladrou — Deixem de fazer isso.
OH, fantástico, agora todos eles evitavam olhar-se de forma deliberada.
— Podemos terminar com a reunião — disse, tratando de moderar o tom.
Rehv descruzou os braços e se sentou direito.
— Sim. Estou a ponto de sair para uma reunião do conselho.
— Quer que o acompanhemos? — perguntou Trez.
— Sempre, desde que não tenhamos nenhuma negociação importante acertada para depois de meia-noite.
Xhex sacudiu a cabeça.
— O que tínhamos na agenda para esta semana foi as nove e terminou sem problemas. Embora diga que nosso comprador estava muito nervoso, e isso foi antes que escutasse na freqüência da polícia que outro narcotraficante foi encontrado morto.
— Assim dos seis grandes sub-traficantes que compravam de nós, só restam dois? Porra! Temos uma luta territorial, bem na nossa frente.
— E é muito provável que, quem quer que esteja revolvendo a merda tentará escalar posição na cadeia alimentar.
— Razão pela qual iAm e eu acreditamos que deve ter alguém contigo vinte e quatro horas do dia, os sete dias da semana até que esta merda termine — disse Trez.
Rehv pareceu aborrecido, mas não discordou.
— Temos alguma dica de quem está deixando esses corpos por todos os lados?
— Bom! Óbvio. — disse Trez — As pessoas acreditam que seja você.
— Não seria lógico. Por que aniquilaria meus próprios compradores?
Agora foi Rehv que recebeu todos os olhares desconfiados do galinheiro.
— OH, vamos — disse — Não sou tão mau. Bom, está bem, mas só se alguém me fode. E, me perdoem, mas os quatro que morreram? Eram homens de negócios direitos. Não enchiam o saco para nada. Eram bons clientes.
— Tem falado com seus fornecedores? — perguntou Trez.
— Sim. Disse que me dêem um tempo e confirmei que tinha a intenção de movimentar a mesma quantidade de produto. Os que perdemos serão substituídos rapidamente por outros, porque os vendedores são como erva daninha. Sempre voltam a crescer.
Discutiram um pouco sobre o mercado e os preços e logo Rehv disse:
— Antes que fiquemos sem tempo, me falem do clube. O que está ocorrendo?
Bem, essa era uma grande pergunta, pensou Xhex. E o que diz nossa vigilância? Ding-ding-ding: John Matthew. O mais provável é que à Gina estivesse ocorrendo, algo chamado John Matthew. E que estivesse ocorrendo de joelhos frente a ele.
— Xhex, está grunhindo?
— Não — obrigou-se a concentrar-se e lhe dar um panorama geral dos incidentes acontecidos essa noite, até o momento. Trez fez o relatório do Iron Mask, o qual estava ao seu encargo, e depois iAm falou de finanças e do Restaurante Sal, outra das posses de Rehv. Em definitivo, eram os negócios habituais… tendo em conta que infringiam o tipo de leis humanas que os suporia uma grave condenação se os apanhassem.
Não obstante a mente de Xhex estava só parcialmente no jogo, e quando chegou à hora de partir, foi à primeira em chegar à porta, embora geralmente se atrasasse.
Saiu do escritório no momento exato.
Se quisesse que lhe dessem uma joelhada no saco.
Nesse preciso momento, apareceu Qhuinn na entrada do corredor que levava aos banheiros privados, tinha os lábios inchados e avermelhados, o cabelo revolto e o aroma de sexo, orgasmos e atos indecentes feitos com delicadeza o precedia.
Ela se deteve, embora isso fosse uma idéia estúpida.
Gina foi à seguinte, e tinha o aspecto de necessitar uma bebida. Do tipo Gatorade. A mulher estava enfraquecida, e não porque estivesse deliberadamente em seu modo à-caça-de-sexo, não porque lhe tinham dado uma apropriada sessão de prazer, e o suave sorriso que ostentava na boca era muito íntimo e honesto para o gosto de Xhex.
John foi o último a sair, com a cabeça erguida, o olhar vazio e os ombros jogados para trás.
Esteve magnífico. Estava disposta a apostar… que estivera magnífico.
Ele voltou a cabeça e seus olhares se encontraram. Tinha desaparecido a tímida contemplação, o rubor, as torpes adulações. Saudou-a com um curto movimento de cabeça e afastou o olhar, estava calmo, e, dada a forma em que avaliou outra das prostitutas… preparado para mais sexo.
Um incômodo e inusitado pesar atravessou o peito de Xhex, alterando o firme batimento de seu coração. Em sua campanha para salvá-lo do caos pelo que tinha atravessado seu último amante, tinha destruído algo; ao afastá-lo, tinha-lhe despojado de algo muito precioso.
Tinha perdido sua inocência.
Xhex levou o relógio bracelete até a boca.
— Necessito um pouco de ar.
A resposta de Trez foi de justa aprovação.
— Boa idéia.
— Voltarei exatamente antes que partam à reunião do conselho.
Quando Lash voltou da guarida de seu pai, só precisou de aproximadamente dez minutos para voltar completamente à vida antes de entrar no Mercedes e conduzir até a choça de merda em que as drogas tinham sido embaladas. Estava tão atordoado que pensou que seria um milagre se não se chocava com algo, e quase o fez. Enquanto esfregava aos olhos e tratava de chamar por telefone, não freou o suficientemente rápido em um semáforo vermelho, e foi só graças a que os caminhões de sal da cidade de Caldwell saíram mais cedo que seus pneumáticos tiveram algo para frear.
Deixou o telefone e se concentrou na merda de estar atrás do volante. Provavelmente era melhor do que falar com o Senhor D de todas as formas, dado que ainda estava na névoa paterna, como ele chamava.
Merda, o calor o voltava ainda mais torpe.
Lash baixou os vidros e desligou o ar quente que ondeava para o assento dianteiro do sedan, e quando chegou à merda da casa, estava muito mais alerta. Estacionou na parte de trás, para que o Merc ficasse protegido pelo alpendre fechado com malha e a garagem, e entrou pela porta da cozinha.
— Onde está? — gritou — Coloque-me em dia.
Silêncio.
Pôs a cabeça dentro da garagem, e quando só viu o Lexus, supôs que o senhor D, Grady, e os outros dois provavelmente estivessem retornando, depois de ter liquidado a esse outro traficante. O que queria dizer que tinha tempo de comer algo. Enquanto ia à geladeira que estava abastecida para ele, chamou por telefone ao pequeno texano. Soou uma vez. Duas vezes.
Estava tirando um sanduíche de peru comprado em uma padaria e checando o prazo de validade quando ativou a campainha de voz de D.
Lash endireitou-se e olhou fixamente o telefone. Nunca recorria ao correio de voz. Jamais.
É obvio, que a reunião podia ter se atrasado e nesse momento podiam estar exatamente na metade da mesma.
Lash comeu e esperou, acreditando que lhe devolveria a chamada imediatamente. Quando não foi assim, entrou na sala de estar, conectou o computador portátil e acessou ao software GPS que localizava todos e cada um dos telefones da Sociedade Lessening no mapa de Caldwell. Configurou a busca para que procurasse o do senhor D e descobriu…
O tipo estava viajando rapidamente, movendo-se nesta direção. E os outros dois lessers estavam com ele.
Assim, por que não respondia ao fodido telefone?
Desconfiando, Lash chamou outra vez e começou a passear pela sala de mau humor enquanto a chamada soava e soava. Pelo que podia ver, na casa, não havia nada fora de lugar. A sala estava igual, os outros dois dormitórios e o principal estavam em ordem, todas as janelas tinham o ferrolho em seu lugar e as persianas estavam baixas.
Quando tomou o corredor que levava à frente da casa, estava chamando o texano pela terceira vez…
Lash se deteve a meio caminho e girou a cabeça para a única porta que não abriu… ao longo de todo o batente da mesma entrava uma brisa fria.
Não tinha que abrir a coisa para saber o que acontecera, mas igualmente rompeu a fodida. A janela estava em pedacinhos e havia nervuras negras — de borracha, não de sangue de assassino — ao redor do batente.
A dar uma rápida olhada pela fresta, Lash observou que sobre a fina capa de neve havia uns rastros que se dirigiam para a rua. Sem dúvida a rotina de fugir a pé a toda pressa não tinha durado muito. Nos arredores dessa tranqüila vizinhança havia muitos carros que podiam fazer uma ligação direta para levá-los, e isso era uma coisa de criança para qualquer criminoso que se apreciasse.
Grady tinha evaporado.
E sua jogada o surpreendia. Não era o diamante mais brilhante da corrente, mas a polícia o estava procurando. Por que arriscar-se a ter outro grupo de filhos da puta o caçando?
Lash entrou na sala e franziu o cenho ao ver o sofá onde Grady deixou a caixa gordurenta de Domino’s e… o jornal que esteve lendo.
E estava aberto na parte dos obituários.
Pensando nos nódulos machucados de Grady, Lash se aproximou e recolheu o jornal…
Cheirou algo nas páginas. Old Spice. Ah, assim o senhor D tinha um pouco de inteligência, e também tinha olhado a coisa….
Lash examinou as colunas. Um grupo de humanos entre os setenta e os oitenta. Um nos sessenta. Dois nos cinqüenta. Nenhum deles se assemelhava ao nome de Grady nem como sobrenome nem como nome composto. Três eram de fora da cidade, mas tinham família aqui em Caldie…
E então ali estava: Christianne Andrews, idade vinte e quatro. Não aparecia a causa da morte, mas a morte tinha sido no domingo, e o funeral ocorreu hoje no Cemitério de Pine Grove. A chave? Em vez de flores, por favor, envia donativos ao Departamento de Policia para o fundo de Vítimas de Violência Doméstica.
Lash se lançou sobre o computador portátil e checou o relatório do GPS. O Focus do senhor D se dirigia para… bem, o que parece? O Cemitério de Pine Grove, onde uma vez a adorável Christianne descansaria por toda a eternidade nos braços dos anjos.
Agora a história de Grady era clara: o cabrón espanca sua garota com regularidade até que uma noite leva a dureza do amor muito longe. Ela morre, a polícia encontra seu corpo e começam a procurar o namorado camello[85] que descarrega o estresse de seu trabalho em casa com sua pequena mulher. Não era de admirar que o estivessem procurando.
E o amor conquistava tudo… inclusive o sentido comum dos criminosos.
Lash saiu e se desmaterializou para o cemitério, preparado para um cara a cara não só com o parvo humano, mas também com os fodidos e estúpidos assassinos que deveriam ter vigiado melhor ao idiota.
Materializou-se a uns nove metros de distância de um carro estacionado… motivo pelo qual quase fica à vista do tipo que estava sentado dentro da coisa. Transladando-se rapidamente detrás da estátua de uma mulher que vestia uma túnica, Lash comprovou o que estava ocorrendo no sedan: no interior havia um humano, a julgar pelo aroma. Um humano que tomou muito café.
Um policial disfarçado. Que sem dúvida estava esperando que o FDP do Grady fizesse exatamente o que ia fazer: quer dizer, apresentar as condolências à garota que tinha assassinado.
Sim, bem, os dois podiam jogar o espera-e-verá.
Lash tirou o telefone e escondeu a brilhante tela com a palma. O texto que enviou ao senhor D era um obstáculo que rezava ao inferno para que chegasse a tempo. Com a polícia presente no lugar, Lash se encarregaria de Grady sozinho.
E, em seguida se lançaria sobre quem quer que tenha deixado o humano sozinho tempo suficiente para que pudesse escapar.
Capítulo 46
Parado ao pé da escadaria principal, Wrath terminou de preparar-se para a reunião com a glymera colocando um colete à prova de balas Kevlar.
— É leve.
— O peso nem sempre o faz melhor — disse V enquanto acendia um cigarro feito à mão e fechava de repente seu isqueiro de ouro.
— Está seguro disso.
— Quando se trata de coletes balísticos, estou — Vishous exalou, e a fumaça escureceu seu rosto momentaneamente antes de flutuar para cima, ao teto ornamentado — Mas se te faz sentir melhor, podemos amarrar uma porta de garagem em seu peito. Ou um carro, quem sabe.
O som de fortes pisadas que provinham detrás dele, ecoaram no suntuoso vestíbulo da cor das pedras preciosas, quando Rhage e Zsadist desceram juntos, como uma dupla de genuínos assassinos, com as adagas da Irmandade postas nas capas de seus peitos, com os punhos para baixo. Quando chegaram frente à Wrath, escutou-se um ruído de campainha que vinha da porta de entrada, e Fritz foi arrastando os pés para deixar entrar ao Phury, que havia se desmaterializado das Adirondacks, assim como também Butch, que acabava de chegar através do pátio.
Ao olhar a seus irmãos, Wrath sentiu que o atravessava uma descarga. Apesar de que dois deles ainda não lhe falavam, podia sentir o sangue de guerreiro que tinham em comum, percorrendo seu corpo, e desfrutou da necessidade coletiva de lutar contra o inimigo, fosse um lesser ou um de sua própria raça.
Um suave som proveniente das escadas o fez girar a cabeça.
Tohr estava descendo com cuidado desde o segundo andar, como se não estivesse seguro se podia confiar nos músculos de suas coxas para que resistissem e sustentassem seu peso. Pelo que Wrath podia ver, o irmão estava vestido com calças camufladas que se ajustavam a uns quadris do tamanho dos de um moço, e usava um suéter negro grosso com gola alta, que disfarçava sob suas axilas. Não havia adagas em seu peito, mas tinha um par de pistolas pendurando desse cinturão de couro que, com esperança e uma prece, estava mantendo as calças em seu lugar.
Lassiter estava ao seu lado, mas ao menos por uma vez, o anjo não estava bancando o esperto. Embora, tampouco, olhava por aonde ia. Por alguma razão, tinha o olhar fixo no mural existente no teto, o dos guerreiros lutando nas nuvens.
Todos os irmãos olharam Tohr, mas ele não se deteve, nem olhou para ninguém, simplesmente continuou caminhando até que chegou ao chão de mosaico. E, nem ali parou. Passou pela Irmandade, foi até a porta que conduzia para a noite, e esperou.
A única lembrança do que tinha sido alguma vez, era o porte de sua mandíbula. Essa firme parte de osso sobressalente paralelo ao chão e ainda um pouco mais alto. Pelo que a ele concernia, ia sair e pronto.
Sim, pois estava equivocado.
Wrath aproximou-se dele e disse brandamente:
— Tohr, sinto muito...
— Não há razão para pedir perdão. Vamos.
— Não.
Houve vários movimentos incômodos, como se os outros irmãos estivessem odiando isto tanto quanto Wrath.
— Não está o suficientemente forte — Wrath queria pôr a mão no ombro de Tohr, mas sabia que isso conduziria a um violento encolhimento de ombros, dada a forma que mantinha o frágil corpo tenso — Só espera até estar preparado. Esta guerra... Esta fodida guerra vai continuar.
O relógio que estava no estúdio do andar superior, começou a badalar, o som rítmico se difundia do estúdio de Wrath, passando sobre a balaustrada dourada e caindo até os ouvidos dos ali reunidos. Eram onze e meia. Tempo de sair se queriam examinar o perímetro do local da reunião antes que chegassem os sujeitos da glymera.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e olhou sobre o ombro aos cinco guerreiros vestidos de negro, que permaneciam juntos como uma unidade. Seus corpos zumbiam cheios de poder, suas armas não estavam constituídas só pelo que pendia de capas e pistoleiras, mas sim, também o eram suas mãos, pés, braços, pernas e mentes. A fortaleza mental estava no sangue; o treinamento e a força bruta em sua carne.
Necessitavam ambas para lutar. À vontade te levava só até certo ponto.
— Fica — disse Wrath — E isso é tudo.
Com uma maldição, abriu caminho para o pórtico e saiu ao outro lado. Deixar Tohr atrás era mal, mas não havia outra escolha. O irmão estava indefeso até o ponto de ser um perigo para si mesmo, e seria uma grande distração. Se saísse, cada um dos irmãos o teria em mente, por isso todo o grupo teria a cabeça fodida... E, isso não era exatamente o que queria se iria a uma reunião onde alguém poderia tratar de assassinar ao rei. Pela, vejamos segunda vez na semana.
Enquanto as portas exteriores da mansão se fechavam com um som ensurdecedor, Tohr ficou do outro lado e Wrath e os irmãos permaneceram sob as rajadas de vento vigorosas que sulcavam a parede da montanha do complexo, corriam através do pátio e ziguezagueavam entre os carros que havia ali.
— Maldita seja — murmurou Rhage enquanto se concentravam no longínquo horizonte.
Após um momento, Vishous girou a cabeça para Wrath, e sua silhueta ficou perfilada contra o céu cinza.
— Temos que...
Soou a detonação de uma arma de fogo, e o cigarro feito a mão que V tinha entre os lábios foi arrancado de sua boca. Ou, possivelmente foi diretamente vaporizado.
— Que merda! — gritou V enquanto retrocedia.
Todos viraram juntos, procurando suas armas mesmo sabendo que não havia maneira no inferno de que seus inimigos pudessem estar perto da grande fortaleza de pedra.
Tohr estava parado tranqüilamente na entrada da mansão, seus pés plantados solidamente e suas duas mãos agarrando a culatra da arma que acabava de disparar.
V se jogou para frente, mas Butch o aprisionou, segurando fortemente seu peito, para evitar que derrubasse Tohr ao chão.
Isso não deteve a boca de V.
— Em que merda está pensando!
Tohr baixou o canhão.
— Talvez ainda não esteja preparado para lutar mão a mão, mas sou de longe melhor atirador que qualquer de vocês.
— É um maldito louco — espetou V — Isso é o que é.
— De verdade acredita que te poria uma bala na cabeça? — o tom de voz do Tohr era uniforme — Já perdi ao amor de minha vida. Disparar a um de meus irmãos não é o tipo de arremate que estou procurando. Como falei, sou o melhor de todos com uma arma, e esse não é o tipo de recurso que querem deixar na reserva em uma noite como esta — Tohr voltou a embainhar a SIG — E, antes que me volte louco com seus porquês, tinha que fazer uma demonstração, e era melhor que disparar ao seu horrível cavanhaque. E isso não quer dizer que não seja capaz de matar por te dar a barbeada que seu queixo está pedindo a gritos.
Houve uma longa pausa.
Wrath estalou em gargalhadas. O que, naturalmente, era loucura. Mas a idéia de não ter que lutar com o fato de ter deixado Tohr para trás como a um cão que não se permite ir com o resto da família, era um alívio tão assombroso que tudo o que pôde fazer foi rir.
Rhage foi o primeiro a se unir e atirou a cabeça para trás e as luzes da mansão refletiram em seu brilhante cabelo loiro, seus dentes super brancos relampejaram. Enquanto ria, levantou a grande mão e a pousou sobre seu coração como se estivesse esperando que a coisa não entrasse em curto-circuito.
Butch foi o seguinte, o poli ladrou com força e soltou o peito de seu melhor amigo. Phury sorriu durante um segundo, e em seguida seus grandes ombros começaram a estremecer... E, aí começou Z cujo sorriso começou a ampliar até que seu rosto com cicatrizes apresentou um grande sorriso zombador.
Tohr não sorriu, mas a satisfação com a qual apoiou o peso de seu corpo nos calcanhares lembrou um reflexo do homem que costumava ser. Sempre tinha sido um cara sério, daqueles mais interessados em assegurar-se de que todos estivessem tranqüilos e bem, do que em fazer brincadeiras e ser um gozador. Mas isso não significava que não pudesse curtir brincadeiras como o melhor deles.
Era a razão pela qual tinha sido o líder perfeito para a Irmandade. Tinha o conjunto de habilidades convenientes e necessárias para esse trabalho; uma cabeça firme e um coração caloroso.
Em meio das risadas, Rhage olhou Wrath. Sem dizer uma palavra, os dois se abraçaram, e quando se afastaram Wrath deu a seu irmão o equivalente masculino de uma desculpa... Que era um bom golpe no ombro. Em seguida virou para Z e este assentiu uma vez. O qual era a versão taquigráfica de Zsadist para: Sim, se comportou como um imbecil, mas tinha suas razões e já estamos bem.
Era difícil saber quem iniciou, mas alguém pôs seus braços sobre os ombros de outro, e logo esse fez o mesmo, e terminaram abraçados como jogadores de futebol. O círculo que formaram debaixo desse vento frio era desigual, estava composto por diferentes alturas corporais, variadas larguras de peito e diferentes braços. Mas estavam vinculados e juntos eram uma unidade.
De pé, quadril com quadril com seus irmãos, Wrath viu que o que uma vez tinha dado por certo, era em realidade algo muito excepcional e especial: a Irmandade estava reunida uma vez mais.
— Hey… querem compartilhar um pouco de seu “bromance[86]” por aqui?
A voz do Lassiter fez que elevassem as cabeças. O anjo estava de pé nos degraus da mansão e seu brilho conferia à noite uma luz suave e encantadora.
— Posso golpeá-lo? — perguntou V.
— Mais tarde — respondeu Wrath, rompendo o círculo — E muitas, muitas vezes.
— Não era exatamente o que tinha em mente — murmurou o anjo enquanto um por um foram desmaterializando para a reunião, e Butch partia dirigindo para encontrar-se com eles.
Xhex tomou forma entre um grupo de pinheiros que estava mais ou menos a noventa metros da tumba de Chrissy. Escolheu esse lugar não porque esperasse que Grady estivesse ali parado sobre a lápide, choramingando sobre a manga de sua jaqueta de águia, mas sim, porque queria sentir-se ainda pior do que já se sentia... E, não podia pensar em um melhor lugar para isso, que onde a garota ia terminar assim que chegasse a primavera.
Entretanto, e para sua surpresa, não estava sozinha. Por duas razões.
O sedan estacionado bem do outro lado da curva, com uma linha de visão limpa até a tumba, era indubitavelmente do De la Cruz ou um de seus subordinados. Mas também, havia alguém mais.
Mais precisamente era uma força malévola.
Cada instinto symphath que possuía lhe dizia que andasse com cuidado. Pelo que podia distinguir, essa coisa era um lesser com uma injeção de ácido nitroso em seu motor maligno, e em um impetuoso arrebatamento de auto proteção, isolou a si mesma, fundindo-se com a paisagem...
Bom, bom, bom… outra eventualidade para atender.
Do norte, aproximava-se um grupo de homens, dois dos quais eram altos e o outro muito mais baixo. Todos estavam vestidos de negro e sua coloração era tão clara que pareciam noruegueses.
Genial. A menos que houvesse uma nova turma na cidade, uma cheia de valentões viciados no “Por que você vale muito[87]”, e que foram fanáticos da tinta Preference de L´Oréal, essa turma de loirinhos eram assassinos.
O DPC, a Sociedade Lessening, e algo pior, todos brincando de correr ao redor da tumba de Chrissy? Quais eram as possibilidades?
Xhex esperou, observando como os assassinos se separavam e procuravam árvores atrás das quais esconder-se.
Só havia uma explicação: Grady tinha ficado com os lessers. Não era nenhuma surpresa, se levava em conta que faziam o recrutamento entre criminosos, especialmente do tipo violento.
Xhex deixou que passassem os minutos, ruminando a situação, esperando simplesmente o estalo de ação que era inevitável, dado o elenco com que contava este filme. Devia retornar ao clube, mas a merda lá teria que rodar sem ela, porque de maneira nenhuma se iria dali.
Grady tinha que estar a caminho.
Passou um pouco mais de tempo, e soprou mais vento frio e muito nuvens de um azul escuro e um cinza brilhante passaram flutuando por cima da face da lua.
E logo, de um nada, os lessers, se foram.
A presença malévola também se desmaterializou.
Talvez tivessem se rendido, mas não parecia provável. Pelo que sabia dos lessers, tinham muitos defeitos, mas o TDA[88] não era um deles. Isso podia significar uma de duas coisas, ou tinha passado algo mais importante, ou tinham trocado de pla...
Ouviu um sussurro através do chão.
Olhando sobre seu ombro, viu Grady.
Estava se abraçando contra o frio, tinha os braços metidos numa parka negra que ficava grande e arrastava os pés sobre a fina cobertura de neve. Olhava ao redor, procurando entre as tumbas a mais nova, e se continuava, logo encontraria a de Chrissy.
É obvio isso também queria dizer que veria o poli incógnito no carro. Ou, o poli veria ele.
Bem. Tempo de fazer uma jogada.
Assumindo que os assassinos permaneceriam afastados, Xhex podia se encarregar do DPC.
Não perderia esta oportunidade. De nenhuma maldita maneira.
Desligando seu celular, preparou-se para ir trabalhar.
Capítulo 47
— Maldita seja, temos que ir — disse Rehv atrás de sua escrivaninha. Ao finalizar outra chamada para o celular de Xhex, atirou seu telefone novo como se não fosse mais que um pedaço de lixo, algo que evidentemente estava se convertendo em um mau hábito — Não sei onde demônios está, mas temos que ir.
— Voltará — Trez pôs uma trincheira de couro negro e se encaminhou para a porta — E dado o humor que tinha é melhor que esteja ausente em vez de estar aqui. Irei ver o supervisor de turno e direi que me avise caso surja qualquer tipo de problema, logo irei buscar o B.
Quando se foi, iAm voltou a checar as duas H&K que tinha sob os braços com eficiência letal, seus olhos negros tinham uma expressão serena e suas mãos eram firmes. Satisfeito, o macho recolheu uma trincheira de couro cor cinza aço e a pôs.
O fato de que os casacos dos irmãos fossem similares tinha sentido. Trez e iAm gostavam das mesmas coisas. Sempre. Embora não fossem gêmeos de nascimento, vestiam-se de forma similar e sempre iam armados com armas idênticas e conseqüentemente compartilhavam as mesmas idéias, valores e princípios.
Não obstante, havia algo em que eram diferentes. Enquanto iAm permanecia junto à porta, em silêncio e quieto como um Dobermann em serviço - mas sua falta de conversa não significava que não fosse tão mortal como seu irmão, porque os olhos do tipo expressavam toneladas de coisas, apesar de que sua boca permanecesse firmemente atarraxada - a iAm nunca escapava nada.
Incluindo, obviamente, os antibióticos que Rehv tirou de seu bolso e engoliu. Assim como também o fato de que a seguir apareceu uma agulha esterilizada e foi posta em uso.
—Bem — disse o macho, enquanto Rehv voltava a baixar a manga e vestia a jaqueta do terno.
— Bem o que? — iAm simplesmente olhou-o fixamente do outro lado do escritório, com uma expressão de não seja imbecil sabe perfeitamente bem do que estou falando.
Estava acostumado a fazer isso freqüentemente. Falar toneladas com somente um olhar.
— Como é — murmurou Rehv — Não se excite tanto, não é como se tivesse dado volta à página para começar de novo.
Podia estar tratando a infecção de seu braço, mas ainda seguia havendo merda pendurando como franjas podres por todas as arestas de sua vida.
— Está seguro disso?
Rehv revirou os olhos e ficou de pé, deslizando um saco de M&M no bolso de seu casaco.
— Pode me acreditar.
iAm adotou uma expressão de «Ah, sim? E cravou os olhos no casaco de Rehv.
— Derretem-se em sua boca, não em sua mão[89].
— OH, se cale. Olhe, as pílulas devem ser tomadas com a comida. Leva contigo um sanduíche de presunto e queijo em pão de centeio? Eu não.
— Poderia ter feito uns linguini[90] com salsa e sal e ter te trazido. A próxima vez me avise com mais tempo.
Rehv saiu do escritório.
— Poderia deixar de ser tão considerado? Faz me sentir como uma merda.
— Isso é problema seu não meu.
Quando saíam do escritório, iAm falou por seu relógio e Rehv não perdeu nada de seu tempo no trajeto entre a porta lateral do clube e o carro. Quando esteve dentro do B, iAm desapareceu, viajando como uma sombra ondulada sobre o chão, desordenando as páginas de uma revista, fazendo repicar uma lata abandonada e arrepiando a neve solta.
Chegaria antes ao lugar da reunião e abriria o local enquanto Trez conduzia para lá.
Rehv marcou a reunião nesse lugar por dois motivos. Primeiro, era o leahdyre, então o conselho devia ir aonde ele dissesse e sabia que se retorceriam porque considerariam o estabelecimento indigno deles. Isso sempre era um prazer. E, segundo, era uma propriedade que adquiriu como investimento, assim estava em seu território.
Isso sempre era uma necessidade.
O Restaurante Salvatore’s, lar do famoso molho Sal, era totalmente uma instituição italiana em Caldie, e fazia mais de cinqüenta anos que tinha aberto suas portas. Quando o neto do primeiro dono, Sal III, como o conhecia, desenvolveu um horrendo hábito pelo jogo e adquiriu uma dívida de cento e vinte mil dólares com os apostadores de Rehv, deu-se a troca “isso por aquilo”: o neto transferiu a escritura legal do estabelecimento ao Rehv e Rehv não rompeu a bússola à terceira geração.
O que em termos vulgares, significava que o cara se salvava de que lhe destroçassem os cotovelos e os joelhos até ao ponto de necessitar uma substituição de articulações.
OH, e a receita secreta do molho Sal tinha vindo com o restaurante… requerimento acrescentado por iAm: durante as negociações que tinham durado tanto como um minuto e meio, a Sombra tinha elevado a voz para dizer: sem molho, não há trato. E logo tinha exigido prová-la para assegurar-se de que a receita fosse a correta.
Desde que se produziu essa feliz transação, o mouro esteve administrando o lugar, e quem o teria dito? Estava dando lucros. Mas, bem isso era o que ocorria quando não empregava cada centavo disponível para dilapidá-lo em seleções de futebol ruins. No restaurante o tráfico estava em alta, a qualidade da comida voltava a ser a de antes, e o lugar estava recebendo uma cirurgia estética fodidamente importante que se traduzia em novas mesas, cadeiras, toalhas, tapetes e candelabros.
Todos os quais eram réplicas exatas do que houvera antes.
Não se fodia com a tradição, como costumava dizer iAm.
A única mudança interior era uma que ninguém podia ver: uma malha de aço tinha sido aplicada a cada centímetro quadrado de paredes e tetos e todas as portas exceto uma tinham sido reforçadas com a mesma merda.
Ninguém poderia desmaterializar para dentro ou para fora sem que a direção estivesse inteirada ou tivesse aprovado.
Para falar a verdade, o dono do lugar era Rehv, mas era o bebê de iAm, e o mouro tinha razão ao estar orgulhoso de seus esforços. Até os goombahs[91] italianos da velha escola apreciavam a comida que cozinhava.
Quinze minutos mais tarde, o Bentley se deteve sob o abrigo para carros do único piso em expansão da extensão de tijolo à vista que era sua marca registrada. No edifício as luzes estavam apagadas, inclusive as que iluminavam o nome de Sal, embora o estacionamento deserto estivesse iluminado com o brilho alaranjado de abajures a gás antigos.
Trez aguardou na escuridão com o motor ligado e as portas do carro à prova de balas trancadas, enquanto evidentemente se comunicava com seu irmão da forma em que faziam as Sombras. Após um momento fez um gesto afirmativo com a cabeça e desligou o motor.
— Está limpo — saiu e deu a volta no Bentley para abrir a porta traseira ao Rehv, enquanto este agarrava sua bengala e deslizava seu corpo intumescido pelo assento de couro para sair. Durante o tempo que demoraram em cruzar o pavimento e abrir a pesada porta negra, a arma do mouro esteve desencapada e sobre sua coxa.
Entrar no Sal era como atravessar o Mar Vermelho. Literalmente.
Frank Sinatra lhes deu a bem-vinda, seu tema «Wives and Lovers» fluía dos alto-falantes embutidos no teto de veludo vermelho. Sob seus pés o tapete vermelho foi substituído recentemente e brilhava com o mesmo brilho e a mesma intensidade que o sangue humano recém derramado. As paredes circundantes eram vermelhas com um desenho de folhas e pétalas e a iluminação era como a de uma sala de cinema, quer dizer que em sua maior parte estava ao nível do chão. Durante o horário de trabalho, a tribuna da anfitriã e o lugar onde deixavam os casacos eram atendidos por vistosas mulheres de cabelos escuros com vestidos curtos e meias vermelhas, e todos os garçons usavam ternos negros com gravatas vermelhas.
A um lado, havia uma fileira de telefones públicos dos anos cinqüenta e duas máquinas vendedoras de cigarros da época do Kojak, e como sempre, o lugar cheirava a orégano, alho e boa comida. No fundo, também persistia um aroma de cigarros e charutos… ainda que a lei estabelecesse que não podia fumar neste tipo de estabelecimento, no ambiente de trás, onde estavam as mesas reservadas e se realizavam os jogos de pôquer, a administração permitia fazê-lo.
Rehv sempre esteve um pouquinho de saco cheio com respeito a ter tanto vermelho o rodeando, mas sabia que enquanto pudesse olhar por volta dos dois salões de refeições e ver que as toalhas das mesas eram brancas e que as cadeiras de couro tinham a profundidade adequada, estava bem.
— A Irmandade já está aqui — disse Trez enquanto se dirigiam para a suíte privada onde seria a reunião.
Quando entraram na sala, não se ouviam conversas, nem risadas, sequer um pigarro entre os machos que enchiam o espaço. Os Irmãos estavam alinhados ombro a ombro diante de Wrath, que estava parado frente à única porta que não estava reforçada com aço… para que pudesse desmaterializar-se livremente e imediatamente em caso de ser necessário.
— Boa noite — disse Rehv, optando pela cabeceira da mesa longa e estreita que tinha sido disposta com vinte cadeiras.
Houve uma linguagem obscura e incompreensível de “olá como está”, mas o hermético grupo de guerreiros parecia uma linha de defesa de futebol americano, enfocados exclusivamente na porta de entrada que Rehv acabava de atravessar.
Sim, se fodia com seu amigo Wrath o fariam conhecer seu possível futuro… metendo isso pelo seu traseiro.
E quem o julgaria? Aparentemente tinham adquirido um mascote. Um pouco mais afastado, para a esquerda, havia um tipo que parecia uma brilhante estatueta do Oscar, com a testa alta e usando umas calças camufladas, seu cabelo loiro e moreno o fazia parecer um heavy dos anos oitenta em busca de uma banda que o respaldasse. Contudo, o aspecto de Lassiter, o anjo caído, não era menos feroz que dos Irmãos. Talvez fosse devido a seus piercings. Ou, por que seus olhos eram completamente brancos. A merda com isso, o motivo verdadeiro era que as vibrações que emitia o tipo eram realmente intensas.
Interessante. Dada a forma em que fixava seu olhar penetrante na porta, igual aos outros, se diria que Wrath estava na lista de proteção às espécies desse anjo.
iAm entrou pela parte traseira, com a arma em uma mão e uma bandeja com cappuccinos na outra.
Vários Irmãos aceitaram o que lhes oferecia, embora todos esses copos delicados fossem se converter em goma de mascar para os tacos de seus shitkickers se tivessem que brigar.
— Obrigado, amigo — Rehv também aceitou um dos cappuccinos — Cannoli[92]?
— Estão vindo.
As instruções para ir à reunião foram claramente indicadas de antemão. Os membros do conselho deviam chegar pela parte dianteira do restaurante. Se algum sequer tocava o trinco de outra porta, assumiria o risco de que lhe disparassem. iAm lhes permitiria a entrada e os escoltaria para outra sala. A partida, também seria pela porta dianteira, e lhes proporcionaria um guarda para que pudessem desmaterializar-se a salvo. Ostensivamente, as medidas de segurança se deviam a que Rehv estava “preocupado devido aos lessers”. O verdadeiro motivo era proteger Wrath.
iAm entrou com os cannoli .
Comeram os cannoli.
Trouxeram mais cappuccinos.
Frank cantou “Fly me to the Moon”. Em seguida veio essa canção que falava do bar que estava fechando e que ele necessitava outra para o caminho.
E, logo aquela que se referia a três moedas em uma fonte. E ao fato que estivesse apaixonado por alguém.
Junto ao Wrath, Rhage trocou o peso imponente de seu corpo de uma shitkicker a outra, e sua jaqueta de couro chiou. A seu lado, o rei fez rodar seus ombros, e um deles rangeu. Butch fez soar seus nódulos. V acendeu um cigarro. Phury e Z olharam um ao outro.
Rehv jogou uma olhada a iAm e a Trez que estavam na entrada. Voltou a olhar para o Wrath.
— Surpresa, surpresa.
Fazendo uso de sua bengala, ficou de pé e deu uma volta ao redor da sala, e seu lado symphath sentiu respeito pela tática ofensiva dos outros membros do conselho ao organizar esta ausência inesperada. Nunca teria pensado que tinham culhões suficiente para…
Da porta dianteira do restaurante lhes chegou um bing-bong.
Enquanto Rehv girava a cabeça, ouviu o suave deslizar metálico ao serem retiradas as travas das armas que os Irmãos tinham nas mãos.
Do outro lado da rua, frente aos portões fechados do Cemitério de Pine Grove, Lash caminhou para um Honda Civic que estava estacionado nas sombras. Quando pôs a mão sobre o capô, sentiu-o quente, e não teve que rodeá-lo ao assento do condutor para saber que a janela tinha sido quebrada. Este era o carro que Grady utilizou para ir até a tumba de sua falecida ex.
Quando ouviu o som de botas que se aproximavam pelo asfalto, agarrou a arma que levava no bolso superior.
Enquanto se aproximava, o senhor D não deixava de tocar seu chapéu de cowboy.
— Por que nos fez abandonar…?
Com toda calma Lash elevou a arma nivelando-a a altura da cabeça do lesser.
— Me dê agora um motivo para que não te abra um buraco nesse puto cérebro que tem.
Os assassinos que estavam dos lados do senhor D deram um passo atrás. Muito atrás.
— Porque descobri que tinha fugido — disse o senhor D com seu sotaque texano — Por isso. Estes dois não tinham nem a menor idéia de onde tinha ido.
— Você estava no comando. Você o perdeu.
O senhor D tinha o olhar sereno.
— Estava contando todo seu dinheiro. Quer que outra pessoa faça essa tarefa? Não acredito.
Merda, bom ponto. Lash baixou a arma e olhou os outros dois. Diferente do senhor D que estava firme como uma rocha, os outros estavam muito agitados. O que indicava precisamente quem tinha perdido sua propriedade.
— Quanto dinheiro entrou? — perguntou Lash, com a vista ainda cravada em seus homens.
— Muito. Está tudo ali no Escort.
— Bem, o que lhes parece? Meu humor está melhorando — murmurou Lash, guardando sua arma — Quanto a por que ordenei detê-los, Grady está a ponto de ser preso com minhas fodidas felicitações. Quero que seja a noiva de alguém algumas vezes e que desfrute da vida atrás das grades antes que o mate.
— Mas e o que me diz de…?
— Temos os meios para contatar com os outros dois distribuidores e podemos vender o produto por nossa conta. Não o necessitamos.
O som de um carro aproximando-se dos portões de ferro de dentro do cemitério fez que todos girassem a cabeça para a direita. Era o carro que esteve estacionado do outro lado da curva junto a essa nova tumba e quando o PDM se deteve, de seu cano de escapamento se elevou o vapor, emitindo bufos como se o motor estivesse soltando peidos. Desceu um cara muito desarrumado de cabelo escuro. Depois de abrir a corrente, aplicou toda sua energia a empurrar um lado dos portões, logo os atravessou com o carro, voltou a descer do mesmo e fechou o lugar outra vez.
No carro não havia ninguém mais.
Dobrou à esquerda, e as luzes vermelhas foram se desvanecendo enquanto se afastava.
Lash jogou uma olhada ao Civic que era a única outra forma que tinha Grady de sair dali.
Que porra tinha se passado? O policial deveria ter visto Grady, porque esteve caminhando diretamente para seu carro…
Lash se enrijeceu e logo girou rapidamente sobre sua bota, moendo, com a grosa sola, o sal que tinha sido derramado sobre o caminho.
Havia algo mais no cemitério. Algo que nesse momento tinha decidido revelar a si mesmo.
Algo que se percebia exatamente igual ao symphath do norte do Estado.
E, esse era o motivo de que o policial se foi. Tinham-no impulsionado mentalmente a fazê-lo.
— Retorna à choça com o dinheiro — disse ao senhor D — Te verei ali.
— Sim senhor. Em seguida.
Lash não prestou muita atenção à resposta. Estava muito interessado em inteirar-se de que merda estava passando ao redor da tumba da garota morta prematuramente.
Capítulo 48
Xhex se alegrava que a mente humana fosse como argila: não levou muito tempo obter que o cérebro de José Da Cruz registrasse a ordem que lhe deu, e assim que o fez, pôs seu copo de café frio no porta copos e arrancou com o carro.
Do outro lado, entre as árvores, Grady parou sua marcha de zumbi, tinha aspecto de estar fodidamente horrorizado ao ver que havia um sedan ali. Entretanto, ela não se preocupou de que o tipo pudesse acovardar-se. A dor pela perda, o desespero e o remorso enchiam o ar que o rodeava e essa rede logo lhe faria avançar para a tumba recente, com maior resolução que qualquer pensamento que ela pudesse implantar no lóbulo frontal do filho da puta.
Xhex esperou enquanto ele esperava… e efetivamente, assim que Da Cruz se foi, essas botas fabricadas para caminhar voltaram para o jogo, levando Grady bem onde ela o desejava.
Quando ele chegou à lápide de granito, um som afogado escapou de sua boca e foi o primeiro soluço de muitos que seguiram. Como uma bichinha começou a soluçar, e seu fôlego se congelava formando nuvens brancas enquanto se agachava sobre o lugar onde a mulher que tinha assassinado passaria o próximo século decompondo-se.
Se gostava tanto da Chrissy, por que não pensou nisso antes de liquidá-la?
Xhex saiu de atrás do carvalho e deixou que seu mascaramento evaporasse, revelando a si mesma na paisagem. Enquanto se aproximava do assassino de Chrissy, levou a mão para a parte baixa de suas costas e desencapou a faca de aço inoxidável que elegantemente estava embainhada ao longo de sua espinha dorsal. A arma era longa como seu antebraço.
— Olá, Grady — disse.
Grady girou de repente como se tivessem metido um cartucho de dinamite no traseiro e ele tivesse a esperança de apagar o pavio na neve.
Xhex manteve a lâmina atrás de sua coxa.
— Como está?
— O que…?
Buscou com o olhar suas duas mãos. Quando só viu uma, retrocedeu como um caranguejo, sobre mãos e pés, arrastando a bunda pelo chão.
Xhex o seguiu, procurando manter uma distância de um metro entre eles. A julgar pela forma que Grady insistia em olhar por cima do ombro, diria que estava se preparando para virar e sair correndo, e ela se manteria calma até que ele…
Bingo.
Grady se balançou para a esquerda, mas ela caiu sobre ele, agarrando-o pelo pulso, permitiu que o impulso que adquiriu o levasse para frente até que seu agarre o freou completamente. Terminou de barriga para baixo com a arma dobrada atrás de suas costas e rendido a sua misericórdia. E, é obvio que ela tinha nascido com uma carência absoluta de misericórdia. Com uma rápida navalhada, fez um corte em seu tríceps, atravessando à grossa parka[93] e a pele fina e suave.
Fez isso só para distraí-lo, e funcionou. Grady uivou com dor e apressou-se a cobrir a ferida.
Isso deu a ela tempo de sobra para agarrar a bota esquerda dele e torcer até que ele não se importou mais com o que estava ocorrendo no braço. Gritou e tratou de aliviar a pressão dando a volta, mas ela plantou um joelho na parta baixa de suas costas e manteve-o no lugar enquanto quebrava seu tornozelo com uma torção. Desmontou-se rapidamente e com outro corte incapacitou sua outra perna fatiando os tendões de sua coxa.
Isso cortou as choramingações pela metade.
Quando Grady entrou em pânico, perdeu o fôlego e se acalmou… até que ela começou a arrastá-lo para a tumba. Ele lutou por todo o caminho da mesma maneira que gritava, mas fez mais ruído que efeito. Uma vez que esteve onde o queria, cortou os tendões do outro braço para que por mais que se esforçasse em mover as mãos, não pudesse. Então, virou-o para que tivesse uma boa vista do céu e puxou sua parka para cima.
Agarrou seu cinturão ao mesmo tempo em que mostrava a faca.
Os homens eram graciosos. Sem importar quanto descontrolados estivessem, era só aproximar algo comprido, afiado e brilhante a seu cérebro primário, e obteria fogos de artifício.
— Não…!
— Oh, sim — aproximou a faca a seu rosto— Claro que sim.
Ele lutou decididamente, apesar das feridas ocasionadas para inibi-lo, e ela se deteve para desfrutar do espetáculo.
— Antes que te deixe, estará morto — disse enquanto ele se sacudia por toda parte — Mas, antes de ir, você e eu vamos passar um bom momento juntos. Não muito, sabe? Tenho que voltar para o trabalho. Menos mal que sou rápida.
Pôs a bota sobre seu peito para imobilizá-lo, abriu o botão e o zíper da braguilha, e baixou-lhe as calças.
— Quanto tempo levou para matá-la, Grady? Quanto?
Absolutamente aterrorizado, gemeu e retorceu-se. Seu sangue manchou a neve branca de vermelho.
— Quanto tempo, filho da puta? — Fez um corte ao longo da cintura de sua cueca Empório Armani — Quanto tempo sofreu?
Um momento depois, Grady gritou tão forte, que o som sequer foi humano; parecia mais ao estridente som de um corvo negro.
Xhex fez uma pausa e desviou o olhar em direção à estátua da mulher com túnica que havia passado tanto tempo olhando durante o serviço de Chrissy. Por um momento, pareceu que o rosto de pedra tinha mudado de posição, como se a formosa fêmea já não estivesse olhando Deus, e sim a Xhex.
Mas isso não era possível, ou era?
Enquanto Wrath permanecia atrás da parede de Irmãos, seus ouvidos captaram o som distante da porta dianteira de Sal abrindo e fechando, isolando o sutil giro das dobradiças entre os Scooby–dooby–doos de Sinatra. O que fosse que estivessem esperando, acabava de chegar, e, tanto seu corpo, como seus sentidos e coração desaceleraram, como se estivessem aproximando de uma curva fechada e se preparassem para tomá-la a toda potência.
Moveu os olhos para poder enfocá-los melhor, a sala vermelha, a mesa branca e as nucas das cabeças de seus irmãos se fizeram um pouco mais claras enquanto iAm voltava a aparecer na arcada.
Um macho extremamente bem vestido o acompanhava.
Bem, esse cara tinha “glymera” estampado por todo seu elegante traseiro. Com um ondulado cabelo loiro penteado para o lado, tinha um estilo tipo “O Grande Gatsby” [94], seu rosto estava tão perfeitamente proporcionado e equilibrado que era francamente formoso. Seu casaco de lã negra estava confeccionado para ajustar-se ao seu magro corpo, e na mão levava uma fina maleta com documentos.
Wrath nunca o tinha visto antes, mas parecia jovem para a situação que acabava de encontrar. Muito jovem.
Não era nada mais que um cordeiro para o sacrifício muito caro e com muito estilo.
Rehvenge caminhou a passos largos para o menino, o symphath sustentava sua bengala como se fosse desencapar uma espada que havia nela, caso Gatsby se atrevesse sequer a respirar fundo.
— Será melhor que comece a falar. Já.
Wrath se adiantou, metendo-se entre Rhage e Z, nenhum dos dois ficou muito contente com a mudança de posições. Um rápido gesto de mão evitou que tratassem de manobrar para ficar frente a ele.
— Como se chama filho?
A última coisa de que precisavam era um cadáver, e com o Rehv nunca podia dar nada por certo.
O cordeiro Gatsby fez uma sóbria reverência e logo se endireitou. Quando falou, fez com uma voz que surpreendentemente era profunda e segura, considerando a quantidade de carregadores automáticos que tinha apontados a seu peito.
— Sou Saxton, filho de Tyhm.
— Vi seu nome com antecedência. Prepara relatórios a respeito de linhas sucessórias?
— Sim.
Assim que o Conselho realmente estava descendo pela linha sucessória, não? Sequer enviavam o filho de um membro do Conselho.
— Quem o enviou, Saxton?
— O substituto de um homem morto.
Wrath não tinha idéia de como a glymera soube da morte de Montrag e não lhe importava. Contanto que a mensagem chegasse à outra pessoa envolvida no complô, isso era tudo o que importava.
— Por que não nos diz seu parecer?
O macho deixou a maleta sobre a mesa e soltou o clipe dourado. No instante em que o fez, Rehv liberou sua espada vermelha e pôs a ponta exatamente sobre uma garganta pálida. Saxton congelou-se e olhou a seu redor sem mover a cabeça.
— Seria melhor que se movesse devagar, filho — murmurou Wrath — Há muitos tipos de gatilho fácil nesta sala, e esta noite é o alvo favorito de todos eles.
As palavras pronunciadas por essa voz estranhamente profunda e serena foram comedidas:
— É por isso que lhe disse que devíamos fazer isto.
— Fazer o que? — disse Rhage, sempre impetuoso… apesar da espada de Rehv, Hollywood estava preparado para saltar sobre Gatsby saindo ou não algum tipo de arma de entre essas dobras de couro.
Saxton olhou ao Rhage, e em seguida voltou a enfocar-se em Wrath.
— No dia seguinte do assassinato do Montrag…
— Interessante escolha de palavras — disse Wrath arrastando as palavras, e se perguntando o quanto saberia exatamente este tipo.
— É obvio que foi um assassinato. Quando acaba morto, geralmente conserva os olhos dentro de seu crânio.
Rehv sorriu, revelando um par de adagas bucais idênticas.
— Isso depende de seu assassino.
— Continua — incitou Wrath— E Rehv, se não se importa, afrouxa um pouco com esse teu fio.
O symphath retrocedeu um pouco, mas não embainhou sua arma, e Saxton o olhou de esguelha antes de continuar.
— À noite em que Montrag foi assassinado, isto foi entregue a meu chefe — Saxton abriu a maleta de documentos e tirou um envelope de seda — Era do Montrag.
Pôs a coisa de barriga para baixo sobre a mesa para mostrar que o selo de cera não tinha sido quebrado e se afastou.
Wrath olhou o envelope.
— V, poderia fazer as honras?
V se adiantou e levantou o envelope com sua mão enluvada. Ouviu-se papel que se rasgava e em seguida mais papel deslizando fora do envelope.
Silêncio.
V guardou novamente os documentos, colocou o envelope na cintura de suas calças, na parte baixa de suas costas, e olhou fixamente ao Gatsby.
— Supõe-se que devemos acreditar que você não o leu?
— Não o fiz. Meu chefe tampouco. Ninguém o fez desde que a seqüência de fatos da custódia caiu sobre meu chefe e sobre mim.
— Seqüência de fatos de custódia? É advogado, ou só um assistente jurídico?
— Estou estudando para ser advogado na Antiga Lei.
V se inclinou para frente e despiu as presas.
— Está seguro de que não leu isto, verdade?
Saxton devolveu o olhar ao Irmão como se repentinamente estivesse fascinado com as tatuagens da têmpora de V. após um momento, sacudiu a cabeça e falou com esse tom baixo de voz que tinha.
— Não estou interessado em me unir à lista de pessoas que foi encontrada morta e sem olhos sobre seus tapetes. Tampouco meu chefe. O selo que tinha esse documento foi posto pelas mãos de Montrag. O que tenha dentro não foi lido desde que ele deixou que essa cera quente gotejasse em cima do envelope.
— Como sabe que foi Montrag o que o lacrou?
— A que está na frente é sua letra, sei por que vi muitas notas suas em documentos. Além disso, seu doggen pessoal trouxe a pedido dele.
Enquanto Saxton falava, Wrath estudava cuidadosamente as emoções do macho, aspirando com seu nariz. Não havia engano. Tinha a consciência limpa. O tipo se sentia atraído por V, mas, além disso? Não havia nada. Nem sequer medo. Era precavido, mas estava tranqüilo.
— Se está mentindo — disse V brandamente — Nos inteiraremos e iremos te buscar.
— Não duvido disso nem por um instante.
— O que lhes parece? O advogado é inteligente.
Vishous ocupou novamente seu lugar na fila, e sua mão retornou à culatra de sua arma.
Wrath desejava saber o que havia no envelope, mas se dava conta que o que houvesse aí dentro não devia ser adequado para ver em tão variada companhia.
— Então, onde estão seu chefe e seus amigos, Saxton?
— Nenhum deles virá — Saxton olhou as cadeiras vazias — Todos estão aterrorizados. Depois do que aconteceu ao Montrag, encerraram-se em suas casas e permanecerão ali.
Bem. Pensou Wrath. Com a glymera fazendo honra a seu talento de ser covarde, tinha uma coisa menos de que preocupar-se.
— Obrigado por vir, filho.
Saxton tomou a dispensa exatamente pelo que era, voltando a fechar sua maleta, fez outra reverência, e girou para ir.
— Filho?
Saxton se deteve e se voltou.
— Meu senhor?
— Teve que convencer a seu chefe para que decidisse fazer isto, verdade? — Um discreto silêncio foi a resposta — Então é um bom assessor, e acredito em você… pelo que você sabe, nem você nem seu empregador inspecionaram o envelope para ver o que for que tenha dentro. Entretanto, a bom entendedor poucas palavras bastam. Se fosse você buscaria outro trabalho. As coisas ficarão piores antes de melhorar, e o desespero faz com que até as pessoas mais honoráveis se voltem uma merda. Já o enviaram à boca do leão uma vez. Voltarão a fazê-lo.
Saxton sorriu.
— Se alguma vez necessitar um advogado pessoal, me avise. Depois de todo o treinamento em fideicomissos, patrimônios e linhas sucessórias que tive este verão, tenho intenção de começar a trabalhar por conta própria.
Fez outra reverência e logo partiu acompanhado de iAm, com a cabeça alta e o passo firme.
— O que tem ali, V? — perguntou Wrath em voz baixa.
— Nada bom, meu senhor, nada bom.
A visão do Wrath escureceu, voltando para seu estado normal de inutilidade desfocada, e a última coisa que viu claramente antes que ocorresse, foi como V cravava seus olhos diamantinos em Rehvenge.
Capítulo 49
Quando o carro incógnito da polícia deixou o cemitério de Pine Grove, Lash se concentrou completamente na presença symphath que acabava de se revelar dentro das portas.
— Percam-se — disse a seus homens.
Quando se desmaterializaram, empreendeu o caminho de volta para a tumba da garota morta que estava na esquina posterior da…
O grito parecia vir de uma ópera desafinada, de uma soprano que perdera o controle de sua voz, e o tom havia voado alto deixando de ser canto para converter-se em chiado. Quando Lash reassumiu sua forma, ficou de saco cheio porque acabava de perder a diversão e os jogos… porque isso devia ter sido digno de ser visto.
Grady estava estendido de costas com as calças abaixadas, sangrando por várias partes, mas especialmente por um corte recente que atravessava seu esôfago. Estava vivo como uma mosca no batente de uma janela quente, tinha os braços e as pernas retorcidos e os fazia girar lentamente.
Sua assassina deixava a posição escondida e erguia-se: era essa cadela mariamacho do ZeroSum. E, em contraposição à mosca moribunda, que era alheia a tudo salvo a sua própria morte, ela soube o momento exato em que Lash entrou em cena. Deu a volta rapidamente adquirindo uma posição de luta, com uma expressão concentrada no rosto, agarrou firmemente a faca que gotejava, e afirmou as coxas preparando para que pudesse impulsionar seu duro corpo para diante.
Era fodidamente sexy. Especialmente quando franziu o cenho ao reconhecê-lo.
— Acreditei que estivesse morto — disse — E também acreditei que fosse vampiro.
Ele sorriu.
— Surpresa. E você também esteve ocultando um segredo, verdade?
— Não. Nunca me caiu bem, e isso não mudou.
Lash sacudiu a cabeça e olhou seu corpo descaradamente.
— Fica realmente bem vestida de couro, sabia?
— E você estaria melhor com um espartilho engomado.
Ele riu.
— Esse foi um golpe baixo.
— Assim como meu oponente. Imagino.
Lash sorriu e, com algumas vívidas imagens, fez crescer sua atração até obter uma ereção completa porque sabia que ela perceberia. Imaginou-a ajoelhada frente a ele, com seu pênis na boca, enquanto sustentava sua cabeça com as mãos e fodia sua boca até que ela tivesse ânsias.
Xhex pôs os olhos em branco.
— Pornografia. Barata.
— Não. Sexo. Futuro.
— Sinto muito, não estou interessada em Justin Timberlake. Nem em Rum Jeremy[95].
— Já veremos — Lash assinalou com a cabeça ao humano, cujas contorções minguaram como se estivesse congelando com o frio — Temo que me deva algo.
— Se te refere a uma ferida de faca, já me ponho a fazê-la.
— Isso — disse apontando Grady — Era meu.
— Deveria elevar suas normas. Isso — disse imitando sua postura — é merda de cão.
— A merda é um bom fertilizante.
— Então deixa que se espalhe sob uma roseira, e veremos que tal o faz.
Grady deixou escapar um gemido e ambos o olharam. O bastardo estava na etapa final da morte, seu rosto tinha a mesma cor da terra congelada que havia ao redor de sua cabeça, o sangue que fluía de suas feridas diminuindo.
Repentinamente, Lash deu-se conta do que lhe tinham metido na boca e olhou a Xhex.
— Caralho… poderia me interessar seriamente em uma mulher como você, comedora de pecados.
Xhex passou a folha de sua arma ao longo da borda escarpada da lápide, o sangue de Grady se transferiu do metal à pedra como se fosse a marca de uma vingança.
— Tem guelra, lesser, considerando o que lhe fiz. Ou, não quer conservar teu par?
— Sou diferente.
— Menor que ele? Cristo, que decepção. Agora, se me desculpar, estou indo.
Levantou a faca e o saudou, antes de desaparecer.
Lash ficou olhando o ar onde ela esteve, até que Grady gorjeou fracamente como uma drenagem com o último atoleiro de água da banheira.
— Viu-a? — perguntou Lash ao idiota — Que fêmea. Definitivamente a saborearei.
O último fôlego de Grady saiu do buraco de sua garganta, porque não tinha outro lugar por onde sair, já que sua boca estava ocupada fazendo uma mamada a si mesmo.
Lash plantou as mãos nos quadris e olhou o corpo que ia se esfriando.
Xhex… devia assegurar-se de que seus caminhos voltassem a cruzar. E tinha esperanças de que tentasse dizer aos Irmãos que o vira: um inimigo alterado era melhor que um composto. Sabia que a Irmandade se perguntaria como demônios o Omega fizera para converter um vampiro em lesser, mas isso era só uma pequena parte da história.
Ele seguia sendo o que apresentaria o final da piada.
Enquanto Lash ia passeando lentamente pela noite fria, acomodou-se dentro de suas calças e decidiu que precisava ter sexo. Deus sabia que desejava.
Ao tempo em que iAm fechava a porta dianteira de Sal, Rehvenge embainhava sua espada vermelha e observava Vishous. O Irmão o olhava fixamente de má maneira.
— Então, o que havia aí dentro?
— Você.
— Montrag tratou de fazer parecer que era eu o responsável pelo complô para matar Wrath? — não é que importasse que o tivesse feito. Rehv já tinha demonstrado de que lado estava ao fazer que passassem a faca ao filho de puta.
Vishous sacudiu a cabeça lentamente, em seguida observou como iAm se unia a seu irmão.
Rehv falou causticamente:
— Não há nada que não saibam a respeito de mim.
— Bom, então, aqui tem comedor de pecados — V atirou o envelope a mesa — Aparentemente, Montrag sabia o que era. E, indubitavelmente esse foi o motivo pelo qual foi a você para tentar matar Wrath. Se divulgasse o que era, ninguém acreditaria que não tinha sido tua idéia e só tua.
Rehv franziu o cenho e tirou o que parecia uma declaração jurada que narrava como foi assassinado seu padrasto. O que. Merda? O pai do Montrag esteve na casa depois do assassinato; isso Rehv sabia. Porém, que o tipo tivesse feito que o hellren de sua mãe não só falasse, mas também atestasse? E que então, não houvesse feito nada com a informação?
Rehv reviveu o que tinha passado um par de dias atrás, nessa reunião no estúdio de Montrag… e o alegre comentário do tipo a respeito de que sabia que tipo de macho era Rehv.
Sabia, bem, e não só o que referia ao tráfico de drogas.
Rehv voltou a guardar o documento no envelope. Merda, se isto saía à luz a promessa que fizera à sua mãe voaria em pedaços.
—Então, o que diz exatamente aí dentro? — perguntou um dos Irmãos.
Rehv colocou o envelope dentro de seu casaco de marta zibelina.
— Uma declaração jurada assinada por meu padrasto exatamente antes de morrer me denunciando como symphath. É original, a julgar pela assinatura que figura ao final e que está feita com sangue. Mas, o quanto estão dispostos a apostar que Montrag não envio sua única cópia?
— Talvez seja falsa — murmurou Wrath.
Improvável, pensou Rehv. Muitos dos detalhes acerca do que ocorreu essa noite eram corretos.
Repentinamente, retornou ao passado, na noite em que fizera essa proeza. Tinham tido que levar sua mãe à clínica do Havers porque teve um de seus inúmeros “acidentes”. Quando foi evidente que a deixariam em observação durante o dia, Bella ficou com ela, e Rehv tinha tomado uma decisão.
Tinha retornado a casa, reunido aos doggens nas dependências de serviço, e enfrentado o pesar coletivo de todos aqueles que serviam à sua família. Podia recordar muito claramente ter olhado aos machos e às fêmeas da casa e haver enfrentando um a um os olhares de todos eles. Muitos tinham chegado ao lar graças a seu padrasto, mas permaneceram por sua mãe. E estavam esperando que ele fizesse algo para deter o que esteve ocorrendo durante muito tempo.
Disse que saíssem da mansão por uma hora.
Ninguém havia manifestado desacordo, e cada um deles o abraçou ao sair. Todos sabiam o que faria, e também era sua vontade.
Rehv ali ficou até que o último doggen se foi, e em seguida havia ido ao estúdio de seu padrasto e encontrado ao macho examinando documentos em seu escritório. Em sua fúria, Rehv se encarregou do macho à antiga, devolvendo golpe por golpe, igualando a dor infligida à sua mãe antes de conduzir ao filho da puta a sua real e imerecida recompensa.
Quando soou a campainha na porta dianteira, Rehv tinha assumido que fosse o pessoal que retornava, e o estavam avisando para que pudessem declarar sem faltar à verdade que não tinham visto o assassino em ação. Necessitando aplicar-lhe um último “foda-se”, tinha lhe dado um murro quebrando o crânio de seu padrasto com tanta força que do golpe a espinha dorsal do bastardo mal-tratador de shellan saiu do lugar.
Movendo-se rápido, Rehv tinha se afastado do corpo, aberto a porta principal com sua vontade e saído pelas portas–balcão que estavam no fundo. Que os doggen encontrassem o corpo ao chegar a casa, era perfeito, já que a subespécie era dócil por natureza e nunca se veria implicada em um ato de violência. Além disso, a essa altura seu lado symphath estava rugindo, e precisava recuperar o controle de si mesmo.
E, naqueles dias isso não implicava dopamina. Tinha que usar a dor para domar ao comedor de pecados que havia nele.
Tudo tinha parecido encaixar em seu lugar… até que se inteirou na clínica que o pai do Montrag tinha encontrado o corpo. Não obstante, resultou que não havia nada do que preocupar-se. Pelo que havia dito o macho naquele momento, Rehm tinha entrado, deparou-se com a cena, e tinha chamado Havers. Quando o doutor chegou, o pessoal tinha chegado, e declarado que a ausência do grupo se devia a que era o solstício do verão e tinham estado fora se preparando para as cerimônias que celebrariam essa semana.
O pai do Montrag tinha representado bem seu papel, igual seu filho. Qualquer alteração emocional que Rehv tivesse captado fosse naquele tempo ou durante a reunião que tivera fazia poucos dias, as teria atribuído a recente morte ou ao assassinato, os quais ambos estiveram presentes na missiva.
Deus! Resultava claro, muito claro, o que esteve perseguindo Montrag ao fazer acertos com Rehv para o assassinato de Wrath. Depois que a façanha ocorresse, estaria preparado para aparecer com a declaração jurada que exporia Rehv como assassino e como symphath e dessa forma quando fosse deportado, assumiria o poder não só do Conselho, mas também da raça inteira.
Genial.
Que pena que não tivesse funcionado conforme o planejado. Fazia que lhe enchesse os fodidos olhos de lágrimas, verdade?
— Sim, deve haver mais declarações juradas — murmurou Rehv — Ninguém faria circular sua única cópia.
— Valeria a pena fazer uma visita a essa casa — disse Wrath — Se os herdeiros do Montrag se apoderam de algo assim, todos estaremos em problemas, entendem-me?
— Morreu sem descendência, mas sim, em algum lugar fica algo de sua linhagem. E, vou me assegurar de que não se inteirem disto.
De nenhuma maldita maneira o obrigariam a romper o juramento feito a sua mãe.
Isso jamais ocorreria.
CONTINUA
Capítulo 41
John levou seu fodido tempo na ducha de Xhex, e se lavou profundamente não porque estivesse sujo, mas sim, porque pensou que ele também podia brincar esse joguinho de apagar-o-quadro-negro-por-completo e o-que-aconteceu-entre-nós-não-aconteceu-realmente.
Depois que ela se foi, não sabia há quantas horas e horas depois, seu primeiro pensamento foi negativo. Não mentiria: Tudo o que queria fazer era sair diretamente para fora e ficar sob o sol, e, assim, terminar com essa piada que como um imbecil perdedor chamava de vida.
Havia muitas coisas nas quais falhava. Não podia falar. Era péssimo em matemática. Seu sentido da moda, se o deixavam só, era patético. Não era particularmente bom com as emoções. Normalmente perdia no gim rummy[78] e sempre no pôquer. E tinha muitos outros defeitos.
Mas, ser péssimo no sexo era o pior de todos.
Enquanto estava estendido na cama de Xhex considerando os méritos da auto-imolação, perguntou-se por que o fato de ser uma calamidade na hora de foder parecia mais importante que qualquer outra deficiência.
Talvez fosse porque o recente capítulo em sua vida sexual o fizera passar a um território ainda mais complicado, mais hostil. Talvez fosse porque o desastre mais recente estava muito fresco.
Talvez porque tinha sido a gota que transbordou o copo.
Tal e como via, tivera relações sexuais duas vezes, e em ambas ele tinha sido tomado, uma vez violentamente e contra sua vontade e então, umas quantas horas atrás, tinha sido com seu consentimento total e absoluto. As repercussões de ambas as experiências eram péssimas, e durante o tempo que tinha passado na cama de Xhex, tinha tratado de não reviver as feridas, mas em sua maior parte tinha falhado. Naturalmente.
Entretanto, ao cair da noite, já tinha desenvolvido um par de ovos ao dar-se conta que estava deixando que outras pessoas fodessem com sua mente. Em nenhum dos casos tinha feito nada mal. Então por que demônio pensava em acabar com sua vida quando não era ele o problema?
A resposta não era converter a si mesmo no equivalente vampiro de um s’more[79].
Merda, não. A resposta era não voltar a ser nunca, jamais, uma vítima.
De agora em diante, quando se tratasse de foder, seria ele o que foderia.
John saiu da ducha, secou seu corpo poderoso e ficou frente ao espelho, medindo seus músculos e sua força. Quando cavou a mão em torno de seus testículos e seu pênis, seu pesado sexo se sentia bem.
Não. Nunca mais seria a vítima de outros. Porra! Era hora de crescer.
John deixou a toalha da maneira que aterrissou sobre qualquer lugar, vestiu-se rapidamente, e de certa forma, quando ajustou suas armas e foi em busca de seu telefone se sentiu mais alto.
Negava-se a seguir sendo um sacal débil e chorão.
Sua mensagem para Qhuinn e Blay foi breve e concisa: Vms no ZS. V embebedar-me e spro q façam o mesmo.
Após apertar enviar, foi ao registro de chamadas. Várias pessoas discaram para seu telefone durante o dia, em sua maior parte Blay e Qhuinn, quem evidentemente chamou a cada duas horas. Também viu que ficou registrado um número privado desconhecido que tinha insistido três vezes.
O resultado final era que tinha dois correios de voz, e sem muita curiosidade, acessou a sua conta e escutou, esperando que o desconhecido fosse um humano que ligou para o número errado.
Não era.
A voz de Tohrment se ouvia tensa e baixa:
“Ouça, John, sou eu, Tohr. Escuta… Eu, ah, não sei se receberá isto, mas poderia me ligar se o fizer? Estou preocupado com você. Preocupa-me, e quero dizer que sinto muito. Sei que realmente estive fodidamente ausente durante muito tempo já, mas retornarei. Fui… Fui à Tumba. Era ali onde estava. Tinha que retornar e ver… Merda, não sei. Tinha que ver o lugar onde tudo começou antes de poder me lançar de volta à realidade. E logo eu, ah, ontem à noite me alimentei. Pela primeira vez desde que… — sua voz se quebrou e ouviu uma forte inspiração — Desde que Wellsie morreu. Pensei que não poderia suportá-lo, mas o fiz. Levará um tempo conseguir…”
Nesse momento a mensagem se interrompeu e uma voz gravada perguntou se queria guardá-la ou apagá-la. Pressionou a tecla para saltar à seguinte mensagem.
Era Tohr outra vez:
“Ouça, desculpa por isso, cortaram a comunicação. Só queria dizer que sinto te haver fodido. Não foi justo para você. Você também esteve levando luto por ela, e não estive ali para te ajudar, e isso sempre me pesará. Abandonei-te quando me necessitava. E… Sinto de verdade. Entretanto, já deixei de correr. Não vou a nenhuma parte. Suponho… Suponho que estou aqui e é aqui aonde pertenço. Porra! Estou falando sem sentido. Olhe me ligue, por favor, para me fazer saber que está a salvo. Adeus.”
Soou um bip e a voz gravada interrompeu:
“Guardar ou apagar?” induziu.
Quando John afastou o telefone de sua orelha para olhá-lo fixamente, houve um momento de vacilação quando o menino que ainda ficava nele pedia a gritos por seu pai.
Uma mensagem de texto de Qhuinn brilhou na tela, tirando-o da imaturidade.
John apertou apagar para a segunda mensagem de voz de Tohr, e, quando perguntaram se queria revisar a primeira mensagem, respondeu que sim e apagou aquela também.
O texto de Qhuinn era breve: T vmos lá.
Genial, pensou John enquanto recolhia sua jaqueta de couro e saía.
Para ser alguém desempregada e com um montão de faturas pendentes, era bastante insólito que Ehlena estivesse de bom humor.
Não obstante quando se desmaterializou para o Commodore se sentia feliz. Tinha problemas? Sim, definitivamente: se não encontrasse trabalho logo, ela e seu pai corriam o risco de perder o teto que tinham sobre suas cabeças. Mas tinha solicitado um posto de faxineira com uma família de vampiros para sair do apuro, e estava considerando fazer bico no mundo humano. As transcrições médicas eram uma idéia, o único problema era que não tinha uma identidade humana que pudesse ser impressa em um cartão plastificado, e obtê-la ia custar dinheiro. De toda forma, o salário de Lusie estava pago até o final de semana, e seu pai estava encantado de que sua “história”, como ele a chamava, tivesse agradado a sua filha.
E, além disso, tinha Rehv.
Não sabia que direção as coisas tomariam com ele, mas para eles existia uma possibilidade, e o sentimento de esperança e o otimismo que gerava essa possibilidade, fazia que se sentisse animada em todos os campos de sua vida, incluída a Santa merda do desemprego.
Tomando forma no terraço do apartamento de cobertura certo, sorriu às pequenas rajadas de flocos que formava redemoinhos com o vento e se perguntou por que será que cada vez que caía o frio não parecia tão frio.
Quando deu a volta, viu uma silhueta maciça através do vidro. Rehvenge estava esperando-a e permanecia atento à sua chegada, e, o fato de que desejasse isto tanto como ela fez que seu sorriso ampliasse tanto que seus incisivos zumbiram pelo frio.
Antes que pudesse avançar, a porta em frente a ele se abriu deslizando para um lado, e cruzou de uma pernada a distância que os separava, o vento invernal apanhou seu casaco de zibelina e o arrancou de corpo. Seus olhos de ametista reluziram. Sua pernada era poder puro. Sua aura era inegavelmente masculina.
Quando se deteve frente a ela, seu coração deu um salto. À luz do resplendor da cidade, seu rosto era severo e afetuoso ao mesmo tempo, e, embora sem dúvida estivesse congelado até os ossos, abriu seu casaco, a convidando há compartilhar o pouco calor que seu corpo pudesse ter.
Ehlena se meteu dentro e o abraçou, segurando-o com força, aspirando profundamente seu perfume.
Ele baixou a boca até sua orelha.
— Senti saudades.
Ela fechou os olhos, pensando que essas pequenas palavras eram tão boas como um “te amo”.
— Também senti sua falta.
Quando ele soltou uma suave risada de satisfação, ela escutou o som e ao mesmo tempo o sentiu retumbar em seu peito. E, então a abraçou mais estreitamente.
— Sabe? Com você assim apoiada contra mim, não tenho frio.
— Isso me faz feliz.
— A mim também. — ele girou com ela em seus braços para que ambos pudessem ficar frente ao terraço que parecia estar coberto com uma manta de neve, os arranhas-céu do centro e as duas pontes com suas fileiras de faróis dianteiros amarelos e luzes traseiras vermelhas — Nunca tinha conseguido desfrutar desta vista de uma forma tão próxima e pessoal como agora. Antes de você… Só a tinha visto através do vidro.
Agasalhada dentro do quente refúgio que o corpo e o casaco dele proporcionavam, Ehlena se sentiu triunfante porque juntos tinham vencido ao frio.
Com a cabeça descansando sobre seu coração, disse:
— É magnífica.
— Sim.
— E, entretanto… Não sei, mas só você me parece real.
Rehvenge se afastou um pouco e levantou seu queixo com seu comprido dedo. Quando sorriu, ela viu que suas presas se alargaram, e instantaneamente se excitou.
— Estava pensando exatamente o mesmo. — disse — Neste momento, não posso ver nada mais que a você.
Inclinou a cabeça e a beijou, beijou-a e beijou um pouco mais enquanto alguns flocos de neve dançavam ao redor deles como se constituíssem uma força centrífuga, um universo próprio que girava lentamente.
Quando ela deslizou seus braços ao redor da nuca dele e ambos perderam o controle, Ehlena fechou os olhos.
E isso significava que ela não viu e Rehvenge não percebeu a presença que se materializou no alto do telhado do luxuoso apartamento de cobertura…
E que os olhou com uns olhos que brilhavam avermelhados com a cor do sangue recém derramado.
Capítulo 42
— Por favor, se possível, trata de não se mover… De acordo, assim está bem.
Doutora Jane passou ao olho esquerdo de Wrath, enviando o feixe de luz de sua caneta-lanterna diretamente até a parte posterior de seu cérebro, ou, ao menos, isso pareceu a ele. Enquanto o arpão o brocava, teve que resistir ao impulso de retirar a cabeça.
— De verdade que isto não te agrada. — murmurou ela enquanto apagava a caneta-lanterna.
— Não.
Esfregou aos olhos e voltou a colocar os óculos de sol, incapaz de ver nada além de um par de brilhantes alvos negros.
Beth interveio.
— Mas isso não é incomum. Nunca pôde tolerar a luz.
Enquanto sua voz se desvanecia, ele estendeu o braço e apertou sua mão para tratar de reconfortá-la, o que, se funcionasse, também reconfortaria a ele por extensão.
Falando em ser desmancha-prazeres. Depois que ficou evidente que seus olhos tomaram um pequeno descanso não programado, Beth chamou à doutora Jane, que estava na nova clínica, e mais que disposta a fazer uma visita a domicílio imediatamente. Entretanto, Wrath insistiu em ir onde estava a doutora. O último que queria era que Beth tivesse de ouvir más notícias em seu quarto matrimonial… E o que era quase igualmente importante... Para ele, esse era seu espaço sagrado. Com exceção de Fritz que entrava para limpar, ninguém era bem-vindo em seu dormitório. Nem sequer os Irmãos.
Além disso, Doutora Jane iria querer fazer exames. Os médicos sempre queriam fazer exames.
Convencer Beth tinha levado bastante tempo, mas a seguir Wrath pôs seus óculos escuros, pôs o braço ao redor dos ombros de sua shellan, e, juntos, saíram do quarto, desceram sua escada privada, e entraram pela galeria exterior do segundo piso. No caminho, tropeçara um par de vezes, ao chocar seus shitkickers nos cantos dos tapetes pequenos e esquecer a localização exata dos degraus, e o acidentado trajeto acabou por ser uma revelação. Não tinha se dado conta de que confiava tanto em sua defeituosa visão como aparentemente o fazia.
Sagrada… E querida Virgem Escriba, pensou. O que ocorreria se ficava permanente e completamente cego?
Não poderia suportar. Simplesmente não poderia suportá-lo.
Felizmente, quando estavam no túnel a meio caminho para o centro de treinamento, a cabeça tinha palpitado várias vezes, e repentinamente o ligeiro brilho do teto atravessou seus óculos de sol. Melhor dizendo, seus olhos o tinham registrado. Deteve-se, piscou e tirou os óculos de sol e imediatamente teve que voltar a pô-los quando olhou para cima às placas fluorescentes.
Assim, nem tudo estava perdido.
Quando, a doutora Jane se deteve frente a ele, cruzou os braços e as lapelas de seu avental branco se enrugaram. Estava completamente sólida, sua forma fantasmal era tão substancial como a sua ou a de Beth, e ele virtualmente podia cheirar a madeira ardendo enquanto considerava seu caso.
— Suas pupilas estão virtualmente insensíveis, mas isso é porque estão quase totalmente contraídas para começar… Maldita seja! Oxalá tivesse feito em você um estudo óptico em condições normais. Disse que a cegueira te atacou de repente?
— Deitei-me e quando despertei era incapaz de ver qualquer coisa. Não estou seguro de quando ocorreu.
— Notou algo diferente?
— Além do fato de que não tenho dor de cabeça?
— Teve recentemente?
— Sim. É pela tensão nervosa.
Doutora Jane franziu o cenho. Ou ao menos ele sentiu que o fez. Para ele, seu rosto era um borrão pálido com cabelo loiro curto, suas feições eram indistintas.
— Quero que faça uma TAC na consulta com Havers.
— Por quê?
— Para ver um par de coisas. Assim, vejamos, despertou e sua vista simplesmente se foi…
— Para que quer a TAC?
— Quero saber há algo anormal em seu cérebro.
A mão de Beth apertou a sua como se estivesse tratando de acalmá-lo, mas o pânico o fazia ser descortês.
— Como o que? Porra, Doutora, simplesmente me diga.
— Um tumor. — como ele e Beth contiveram o fôlego, Doutora Jane continuou rapidamente — Os vampiros não contraem câncer. Mas houve casos de tumores benignos e isso poderia explicar as dores de cabeça. Agora me conte outra vez, despertou e… Se foi. Aconteceu algo incomum antes que dormisse? Ou depois?
— Eu… — porra. Merda — Despertei e me alimentei.
— Quanto tempo passou da última vez que o tinha feito?
Beth respondeu.
— Aproximadamente três meses.
— Muito tempo. — murmurou a doutora.
— Assim pensa que poderia ser isso? — perguntou Wrath — Não me alimentei o suficiente e a perdi, mas quando bebi de sua veia, minha vista retornou e…
— Acredito que necessita uma TAC.
Com ela não cabiam tolices, nada a discutir. Assim ao ouvir que abria um telefone e discava, manteve a boca fechada apesar de isso estar matando-o.
— Verei quando Havers pode te atender.
O que, sem dúvida, seria no ato. Wrath e o médico da raça tiveram suas diferenças, que remontavam à época em que estava com a Marissa, mas o homem sempre tinha dado prioridade a sua atenção quando era necessário.
Quando Doutora Jane começava a falar, Wrath interrompeu sua conversa.
— Não diga a Havers para o que é. Você e só você verá os resultados. Entendemo-nos?
A última coisa que precisavam era que houvesse qualquer tipo de especulação sobre sua capacidade para governar.
Beth elevou a voz.
— Diga que é para mim.
Doutora Jane assentiu e mentiu com desenvoltura, e enquanto dispunha tudo, Wrath atraiu Beth para seu lado.
Nenhum deles disse nada, porque que tipo de conversa teria? Ambos estavam assustados como a merda… Sua visão era uma porcaria, mas ele necessitava a pouca que tivesse. Sem ela? Que diabo faria?
— Tenho que ir à reunião do Conselho à meia-noite. — disse brandamente. Quando Beth se esticou, ele negou com a cabeça — Politicamente falando, devo ir. As coisas estão muito instáveis neste momento para não comparecer, ou tratar de mudá-la para outra noite. Tenho que aparentar uma posição de força.
— E o que ocorre se perder a vista no meio da reunião? — vaiou ela.
— Então dissimularei até que possa sair dali.
— Wrath…
A doutora Jane fechou seu telefone.
— Pode vê-lo agora mesmo.
— Quanto tempo demorará?
— Perto de uma hora.
— Bem. Há um lugar em que devo ir a meia-noite.
— Por que não vemos o que diz o exame…
— Tenho que…
A doutora Jane o interrompeu com uma autoridade que indicava que nesta ocasião ele era um paciente, não o rei.
— “Ter que” é um termo relativo. Já veremos o que ocorre ali dentro e logo poderá decidir quantos “tenho que” consegue.
Ehlena poderia ficar no terraço com Rehvenge durante vinte anos, mas lhe sussurrou ao ouvido que tinha preparado algo para comer, e sentar-se frente a ele à luz de velas soava igualmente bom.
Depois de um prolongado beijo final, entraram juntos, ela recostada contra ele, que rodeava sua cintura com o braço, enquanto ela tinha a mão em suas costas, entre suas omoplatas. O luxuoso apartamento de cobertura estava caloroso, assim que tirou o casaco e o lançou sobre um dos sofás negros de couro.
— Pensei que podíamos comer na cozinha. — disse ele.
E até aqui chegava “à luz de velas”, mas o que importava? Desde que estivesse com ele, ela brilharia o suficiente para iluminar todo o maldito apartamento de cobertura.
Rehvenge pegou sua mão e a guiou através da sala de jantar fazendo-a cruzar para o outro lado da porta de serviço basculante. A cozinha era de granito negro e aço inoxidável, muito urbana e brilhante, e em um extremo do balcão, onde havia um beiral, estava disposto o serviço para dois, frente a um par de tamboretes. Havia uma vela branca acesa, e sua chama vagava em cima de seu pedestal de cera.
— Oh, isto cheira fantástico. — ela deslizou em um dos tamboretes — Italiana. E dizia que só podia preparar uma coisa.
— Bom, na realidade trabalhei como escravo para fazer isto.
Inclinou-se para o forno com um floreio e tirou uma fôrma plana com…
Ehlena estalou em gargalhadas.
— Pizza de pão francês.
— Só o melhor para você.
— DiGiorno?
— É obvio. E esbanjei ao comprar o tipo supremo. Pensei que poderia tirar aquilo que você não goste. — usou um par de pegadores de prata esterlina para transferir as pizzas aos pratos e logo pôs a bandeja do forno sobre o balcão da cozinha — Também tenho vinho tinto.
Enquanto voltava com a garrafa, o único que ela pôde fazer foi olhá-lo e sorrir.
— Sabe, — disse ele enquanto servia um pouco em seu copo — gosto da forma em que me olha.
Ela espalmou as mãos sobre o rosto.
— Não posso evitar.
— Não tente. Faz com que me sinta mais alto.
— E não é pequeno para começar. — ela tentou conter-se, mas enquanto ele enchia seu próprio copo, deixava a garrafa, e se sentava a seu lado tinha muita vontade de rir bobamente.
— Começamos? — disse ele, pegando sua faca e seu garfo.
— Oh, meu Deus, me alegro de que também faça isso.
— Faça o que?
— Comer pizza com faca e garfo. No trabalho, as outras enfermeiras me enchiam a paciência… — deixou a frase sem terminar — Bom, de qualquer maneira, alegra-me que haja alguém como eu.
Quando ambos se dedicaram a seu jantar, surgiu o som do pão rangente quebrando-se sob as lâminas das facas.
Rehvenge esperou até que ela tomou seu primeiro bocado e então disse:
— Deixe-me te ajudar em sua busca de trabalho. — tinha cronometrado à perfeição, porque ela nunca falava com a boca cheia, assim tinha um montão de tempo para continuar — Deixe que me ocupe de você e de seu pai até que tenha outro trabalho que proporcione o mesmo ganho que o da clínica. — ela começou a negar com a cabeça, mas ele levantou alto sua mão — Espera, pensa nisso. Se não tivesse me comportado como um imbecil, não teria feito o que fez para que a despedissem. Assim, é justo que a compense, e se ajuda, pensa nisso de um ponto de vista legal. Sob as Antigas Leis lhe devo isso, e não estou fazendo nada mais que obedecer às leis.
Ela limpou a boca.
— É só que parece… Estranho.
— Porque por uma vez alguém estaria ajudando a você em lugar de que seja o inverso?
Bem, maldita seja sim.
— Não quero me aproveitar de você.
— Mas me ofereci, e acredite, tenho os meios.
Bastante certo, pensou ela, olhando seu casaco e o pesado faqueiro de prata com o que comia e o prato de porcelana e o…
— Na mesa tem umas maneiras deliciosas. — murmurou sem causa aparente.
Ele fez uma pausa.
— Obra de minha mãe.
Ehlena pôs a mão sobre seu enorme ombro.
— Posso dizer que sinto outra vez?
Ele limpou a boca com um guardanapo.
— Pode fazer algo melhor por mim.
— O que?
— Deixe-me cuidar de você. Para que sua procura por trabalho seja para encontrar algo que deseje fazer em vez de uma louca correria para se colocar em algo que te possibilite pagar as contas. — ergueu os olhos para o teto e levou as mãos ao peito como se estivesse a ponto de desmaiar — Isso aliviaria muito meu sofrimento. Você e só você tem o poder de me salvar.
Ehlena riu um pouco, mas não podia manter nenhuma aparência de jovialidade. Sob a superfície, percebeu que ele sofria, e a dor se fazia patente nas sombras que tinha sob os olhos e a sombria tensão de sua mandíbula. Era evidente que se esforçava para aparentar-se normal em seu benefício, e embora apreciasse não sabia como podia fazer que se detivesse sem o pressionar.
Na realidade ainda não eram mais que desconhecidos um para o outro, verdade? Apesar de todo o tempo que passaram juntos os últimos dois dias, o que sabia realmente dele? Sua ascendência? Quando estava com ele ou quando falavam por telefone, sentia como se soubesse tudo o que necessitava, mas sendo realista, o que tinham em comum?
Ele franziu o cenho enquanto deixava cair suas mãos e cortava outra parte de pizza.
— Não vá por aí.
— Desculpe?
— Em qualquer lugar que esteja indo em sua mente. É o lugar errado para você e para mim. — tomou um sorvo de vinho — Não serei grosseiro e lerei sua mente, mas posso sentir o que sente, e está se distanciando. Isso não é o que persigo. Não no que se refere a você. — levantou seus olhos de ametista e a olhou fixamente — Pode confiar em que cuidarei de você, Ehlena. Nunca duvide disso.
Ao olhá-lo, acreditava nele cem por cento. Absolutamente. Sem lugar a dúvidas.
— Faço. Confio em você.
Algo iluminou seu rosto, mas ele o ocultou.
— Bem. Agora, termina seu jantar e se dê conta que eu ajudá-la é o correto.
Ehlena voltou para seu jantar, e seguiu comendo lentamente a pizza. Quando acabou, apoiou os talheres na borda direita do prato, limpou a boca, e tomou um sorvo de vinho.
— De acordo. — olhou-o — Deixarei que me ajude.
Quando ele sorriu amplamente, porque se sairia com a sua, ela interrompeu a satisfação que estava lhe inflando o peito.
— Mas há condições.
Ele riu.
— Impõem limitações a um presente que lhe fazem?
— Não é um presente. — olhou-o mortalmente séria — É só até que encontre um trabalho, não o trabalho de meus sonhos. E quero te pagar a dívida.
Ele perdeu um pouco de sua satisfação.
— Não quero seu dinheiro.
— E eu sinto o mesmo sobre o seu. — dobrou seu guardanapo — Sei que não te faz falta o dinheiro, mas é a única forma em que o aceitarei.
Ele franziu o cenho.
— Então será sem interesses. Não aceitarei nem um cêntimo de interesses.
— Trato feito. — ela estendeu a palma e esperou.
Ele amaldiçoou. E voltou a amaldiçoar.
— Não quero que me devolva isso.
— Impossível.
Depois que sua boca desenhasse algumas intrincadas maldições, pôs a mão na dela e as apertaram.
— É uma dura negociadora e sabe. — disse.
— Mas me respeita por isso, verdade?
— Bem, sim. E faz que queira te despir.
— Oh.
Ehlena se ruborizou da cabeça aos pés enquanto ele descia de seu tamborete, erguia-se ante ela, e cavava as mãos em torno de seu rosto.
— Vai deixar que te leve a minha cama?
Dada a forma em que brilhavam esses olhos cor violeta, estava disposta a permitir que a tomasse no maldito chão da cozinha se pedisse.
— Sim.
Um grunhido brotou de seu peito enquanto a beijava.
— Adivinha o que?
— O que? — respirou ela.
— Essa era a resposta certa.
Rehvenge a tirou de seu tamborete e a beijou rápida e brandamente. Com a bengala na mão, guiou-a ao outro lado do apartamento de cobertura, atravessando salas que não viu e passando frente a uma resplandecente vista que não apreciou. Unicamente era consciente da profunda e palpitante antecipação que sentia pelo que ele lhe faria.
A antecipação e… A culpa. O que ela podia lhe dar? Aqui estava ela ansiando-o sexualmente outra vez, mas para ele não haveria alívio. Apesar de que dizia que obtinha algo do intercâmbio, sentia como se fosse…
— No que está pensando? — perguntou quando entravam no dormitório.
Ela o olhou.
— Quero estar contigo, mas… Não sei. Sinto como se estivesse te usando ou…
— Não o faz. Confia em mim, estou muito familiarizado com o que significa ser usado. O que acontece entre nós não tem nada a ver com isso. — interrompeu-a antes que lhe perguntasse a respeito — Não, não quero entrar em detalhes porque necessito… Merda! Necessito que estes momentos contigo sejam singelos. Só você e eu. Estou cansado do resto do mundo, Ehlena. Estou tão fodidamente cansado dele.
Pensou que se tratava dessa outra fêmea. E se não queria a quem quer que fosse entre eles? Parecia bem.
— É somente que preciso que isto saia bem. — disse Ehlena — O que há entre nós. E quero que você também sinta algo.
— Faço-o. Às vezes nem eu posso acreditar, mas o faço.
Rehv fechou a porta detrás deles, apoiou sua bengala na parede, e tirou o casaco de zibelina. O conjunto que levava debaixo das peles era outra obra de mestre de corte delicioso, esta vez de cor cinza pomba com listras diplomáticas negras. A camisa que tinha debaixo era negra e levava os dois primeiros botões desabotoados.
Seda pensou. Essa camisa devia ser de seda. Nenhum outro tecido emitiria esse resplendor luminescente.
— É tão formosa. — disse enquanto a olhava fixamente — Aí de pé abaixo dessa luz.
Ela olhou suas calças negras da GAP e o suéter de malha de pescoço alto que já tinha dois anos.
— Deve estar cego.
— Por quê? — perguntou, aproximando-se Rehvenge se deteve.
— Bom, sinto-me como uma imbecil por dizer isto. — alisou a parte dianteira das calças prêt-à-porter — Mas desejaria ter melhor roupa. Então estaria formosa.
Rehvenge se deteve.
E logo a deixou fodidamente sobressaltada ao ajoelhar-se frente a ela.
Quando levantou a vista, tinha um leve sorriso nos lábios.
— Não entende, Ehlena. — com mãos suaves, acariciou sua panturrilha e levantou seu pé, apoiando-o na coxa. Enquanto desabotoava os cordões de sua sapatilha Keds, sussurrou — Sem importar o que vista… Para mim, sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Enquanto tirava sua sapatilha e levantava a vista para olhá-la, ela estudou seu duro e bonito rosto, desde esses espetaculares olhos até a sólida mandíbula e as arrogantes maçãs do rosto.
Estava se apaixonando por ele.
E como ocorreria com qualquer outra opção, não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Já tinha dado o salto.
Rehvenge inclinou a cabeça.
— Sinto-me feliz de que me aceite.
As palavras foram tão baixas e humildes, totalmente em oposição à incrível envergadura de seus ombros.
— Como poderia não fazê-lo?
Ele sacudiu a cabeça lentamente de um lado a outro.
— Ehlena…
Pronunciou seu nome com dificuldade, como se houvesse muitas outras palavras detrás dele, palavras que não podia pronunciar. Ela não o compreendia, mas sim sabia o que desejava fazer.
Ehlena retirou seu pé, ajoelhou-se e o rodeou com os braços. Sustentou-o quando se apoiou nela, acariciando sua nuca até a suave franja de cabelo do corte moicano.
Parecia tão frágil quando se entregava a ela e compreendeu que se alguém tentava lhe fazer mal, embora ele fosse perfeitamente capaz de cuidar-se por acaso mesmo, ela poderia cometer um assassinato. Para protegê-lo, seria capaz de matar.
A convicção era tão sólida como os ossos que havia debaixo de sua pele:
Algumas vezes inclusive os poderosos necessitavam amparo.
Capítulo 43
Rehv era o tipo de macho que se orgulhava de seu trabalho, fosse pôr pizzas de pão francês no forno e cozinhá-las à perfeição ou servindo ao vinho... Ou agradando sua Ehlena até que não fosse mais que uma fatigada e resplandecente extensão mais que satisfeita de fêmea nua.
— Não posso sentir os dedos dos pés. — murmurou quando ele riscou um caminho de beijos para cima desde o centro de suas coxas.
— Isso é mau?
— Em absoluto.
Quando se deteve para lamber um de seus peitos, ela serpenteou, e Rehv sentiu o movimento contra seu próprio corpo. A esta altura, acostumou a que a sensação irrompesse através da neblina de seu intumescimento, e desfrutava da repercussão da calidez e a fricção, sem se preocupar que seu lado mal pudesse escapar de sua jaula de dopamina. Embora o que registrava não era tão pronunciado como o que sentia quando não estava medicado, era suficiente para que seu corpo estivesse indiscutivelmente excitado.
Rehv não podia acreditar, mas houve certo número de vezes em que pensou que poderia chegar ao orgasmo. Entre o sabor dela quando sugava seu sexo e a forma em que seus quadris meneavam contra o colchão, quase tinha perdido o controle.
Salvo que era melhor manter seu pênis fora do quadro. Sério, como funcionaria? Não sou impotente, milagre dos milagres, porque ativou meu instinto de marcar, assim que o vampiro que há em mim venceu ao symphath. Viva! É obvio que isso significa ter que tratar com minha lingüeta, assim como também terá que aceitar o lugar onde estive colocando regularmente essa parte de carne que pendura entre minha perna os últimos vinte e cinco anos. Mas, vamos isso é erótico, não?
Sim, tinha uma pressa enorme em pôr Ehlena nessa posição.
Certamente!
Além disso, isto era suficiente para ele: agradá-la, servi-la sexualmente, era suficiente.
— Rehv...?
Levantou o olhar de seus peitos. Dado o tom rouco de sua voz e a expressão erótica de seus olhos, estava preparado para ceder a qualquer coisa.
— Sim? — lambeu um mamilo.
— Abre a boca para mim.
Franziu o cenho, mas fez o que ela pedia, perguntando-se por que...
Ehlena estendeu o braço e tocou uma de suas presas completamente estendida.
— Disse que você gostava de me agradar, e se nota. Estas são tão largas... Tão afiadas... Tão brancas...
Quando uniu as coxas como se tudo o que acabava de dizer estivesse excitando-a, soube aonde conduziria isto.
— Sim, mas...
— Assim, me agradaria que as utilizasse comigo. Agora.
— Ehlena...
Essa incandescência especial começou a abandonar o rosto dela.
— Tem algo contra meu sangue?
— Deus, não.
— Então por que não quer se alimentar de mim? — sentando-se, segurou um travesseiro sobre os peitos e seu cabelo loiro acobreado caiu e ocultou seu rosto — Oh. Certo. Já se alimentou com... Ela?
— Cristo, não! — preferia chupar ao sangue de um lesser. Porra, antes beberia do cadáver putrefato de um cervo na sarjeta da estrada antes de tomar a veia da princesa.
— Não toma sua veia?
Olhou Ehlena diretamente aos olhos e negou com a cabeça.
— Não o faço. E nunca o farei.
Ehlena suspirou e jogou o cabelo para trás.
— Sinto muito. Não sei se tenho direito a fazer este tipo de perguntas.
— Tem. — tomou sua mão — Tem totalmente. Não é... Que não possa perguntar...
Enquanto suas palavras ficavam suspensas no ar, seus mundos chocaram um contra outro e todo tipo de escombros caíram ao seu redor. Certamente, podia perguntar.... Só que ele não podia lhe responder.
Ou podia?
— Você é a única a que desejo. — disse simplesmente, atendo-se tanto à verdade como podia revelar — Você é a única em que desejo estar. — sacudiu a cabeça, dando-se conta do que acabava de dizer — Com. Quero dizer, com. Olhe, sobre o alimentar-se. Se quero fazê-lo de você? Porra, sim. Mas...
— Então não há nenhum, mas.
Uma merda que não. Tinha a sensação de que se tomasse sua veia, a montaria. Seu pênis estava pronto inclusive agora, e só estavam falando disso.
— Isto é suficiente para mim, Ehlena. Agradá-la é suficiente.
Ela franziu o cenho.
— Então deve ter algum problema com meus antecedentes.
— Desculpe?
— Acredita que meu sangue é débil? Porque se te interessa, posso traçar minha linhagem até a aristocracia. Pode ser que meu pai e eu estejamos passando por momentos difíceis, mas durante gerações e durante a maior parte de sua vida, fomos membros da glymera. — quando Rehv fez uma careta, ela saltou da cama, utilizando o travesseiro para defender-se — Não sei exatamente de onde descende sua família, mas posso te assegurar que minhas veias são aceitáveis.
— Ehlena, essa não é a questão.
— Está certo disso? — foi até onde tinha tirado sua roupa. Primeiro vestiu as calcinhas e o sutiã, e depois recolheu suas calças negras.
Não podia compreender porque saciar sua necessidade de sangue era tão importante para ela... Porque o que tirava ela disso? Mas, talvez essa era a diferença entre eles. Ela não fazia as coisas para aproveitar-se das pessoas, por isso seus cálculos não se centravam no que podia tirar das coisas. Para ele, inclusive quando se tratava de agradá-la, estava conseguindo algo tangível em troca: observá-la retorcer-se sob sua boca o fazia sentir-se poderoso e forte, um autêntico macho, e não um assexuado monstro sóciopata.
Ela não era como ele. E por isso a amava.
Oh... Cristo. A...?
Sim, o fazia.
A compreensão fez com que Rehv se levantasse da cama, caminhasse até ela, e tomasse sua mão quando terminou de subir as calças. Ela se deteve e o olhou.
— Não é você. — disse — Pode me acreditar.
Deu-lhe um puxão e a atraiu contra seu corpo.
— Então demonstre. — disse brandamente.
Afastando-se, olhou seu rosto durante um comprido momento. As presas pulsavam em sua boca, deixava-o muito claro. E podia sentir a fome no fundo de seu estômago, curvando-o, exigindo.
— Ehlena...
— Demonstra.
Não poderia dizer que não. Simplesmente não tinha a força necessária para rechaçá-la. Estava mal em muitíssimos níveis, mas ela era tudo o que queria, necessitava, desejava.
Rehv afastou cuidadosamente o cabelo da garganta.
— Serei gentil.
— Não tem que ser.
— Serei de qualquer forma.
Embalando seu rosto entre as palmas, inclinou-lhe a cabeça a um lado e expôs a frágil veia azul que corria para seu coração. Enquanto preparava a si mesmo para o golpe, seu pulso se acelerou, pôde ver como o bombeamento se fazia mais rápido até que palpitou.
— Não me sinto merecedor de seu sangue. — disse, percorrendo o pescoço com a ponta do dedo indicador — Não tem nada a ver com sua linha de descendência.
Ehlena levantou as mãos para seu rosto.
— Rehvenge, do que se trata? Ajude-me a entender o que está acontecendo aqui. Sinto-me como... Quando estou contigo, sinto-me inclusive mais perto de você que de meu próprio pai. Mas há buracos enormes. Sei que há coisas neles. Fale.
Agora seria o momento, pensou, de descarregar tudo.
E esteve tentado. Seria um alívio enorme acabar com as mentiras. O problema era que não havia nada mais egoísta que pudesse lhe fazer. Se ela conhecesse seus segredos, estaria infringindo a lei junto com ele... Ou isso ou enviaria a seu amante à colônia. E, se Ehlena escolhia o último, ele estaria mandando a merda à promessa que fez a sua mãe, porque sua cobertura ficaria totalmente ao descoberto.
Não era adequado para ela. Não era para nada adequado para ela, e sabia.
Rehv tinha a intenção de deixar que Ehlena partisse.
Tinha intenção de deixar cair às mãos, afastar-se e deixá-la terminar de vestir a roupa. Era bom com a persuasão. Poderia convencê-la e fazê-la ver que o fato de que não bebesse não era para tanto...
Só que sua boca se abriu. Abriu-se enquanto um vaio subia por sua garganta e transpassava a fina barreira que separava suas presas da veia vital e palpitante.
Ela ofegou bruscamente, e os músculos que subiam de seus ombros se esticaram, como se lhe tivesse dobrado o rosto para baixo. Oh, espera, tinha feito. Estava intumescido até o tutano, absolutamente insensível, mas não era por sua medicação. Cada músculo de seu corpo havia se posto rígido.
— Preciso de você. — gemeu.
Rehv a mordeu com força e ela gritou, sua espinha dorsal se dobrou quase pela metade quando a aprisionou com sua força. Porra, era perfeita. Tinha sabor de vinho espesso e com corpo e bebeu profundamente dela com insistentes sucções de sua boca.
E a levou até a cama.
Ehlena não tinha a mínima oportunidade. Nem ele tampouco.
Ativada pela alimentação, sua natureza vampira o varreu, contudo, a necessidade do macho de marcar o que desejava, de estabelecer seu território sexual, de dominar, assumiu o controle e o levou a rasgar suas calças, levantar uma perna, colocar o pênis na entrada de seu sexo...
E penetrar em seu interior.
Ehlena deixou escapar outro guincho quando a penetrou. Era incrivelmente estreita, e temendo feri-la, ficou quieto para que seu corpo pudesse acomodá-lo.
— Está bem? — perguntou, com um tom de voz tão gutural que não sabia se poderia o entender.
— Não... Pare. — Ehlena envolveu as pernas ao redor de seu traseiro, colocando-se em ângulo para que pudesse entrar ainda mais profundamente.
O grunhido que ele emitiu ressonou por todo o dormitório... Até que o encerrou de volta em sua garganta.
Apesar de tudo e inclusive no meio do frenesi da alimentação e o sexo, Rehv foi cuidadoso com ela... Nada a ver como era com a princesa. Rehv se deslizava dentro e fora brandamente, assegurando-se de que Ehlena estivesse cômoda com seu tamanho. Quando se tratava de sua chantagista? Queria dividir dor. Com Ehlena? Castraria a si mesmo com uma faca oxidada antes de machucá-la.
O problema era que ela se movia ao mesmo tempo, enquanto ele bebia até não poder mais, e a fricção desenfreada de seus corpos logo o afligiu e seus quadris já não se ondulavam cuidadosamente, mas sim amassavam... Até que teve que soltar sua veia ou correr o risco de rasgar seu pescoço. Depois de um par de lambidas às marcas das punções, deixou cair à cabeça entre o cabelo dela e se dedicou a isso dura, profunda e ardentemente.
Ehlena teve um orgasmo, e, quando sentiu os puxões aferrando o eixo de seu pênis, seu próprio alívio saiu disparado de seu escroto... O que não podia deixar que acontecesse. Antes que sua lingüeta se expandisse, saiu, derramando-se sobre o sexo e a parte baixa do estômago dela.
Quando tudo acabou, derrubou-se sobre ela, e passou um momento antes que pudesse falar.
— Ah... Merda... Sinto muito, devo ser pesado.
As mãos de Ehlena deslizaram para cima por suas costas.
— Na realidade é maravilhoso.
— Eu... Tive um orgasmo.
— Sim, teve. — havia um sorriso em seu tom — Realmente teve.
— Não estava seguro que pudesse... Já sabe. Por isso foi que saí... Não esperava... Sim.
Mentiroso. Puto mentiroso.
A felicidade na voz dela o pôs doente.
— Bom, me alegro que ocorresse. E se voltar a ocorrer, genial. E se não, igualmente bom. Sem pressões.
Rehv fechou os olhos, doía-lhe o peito. Retirou-se para que ela não descobrisse que tinha uma lingüeta... E porque gozar dentro dela era uma traição, dada todas as coisas que ela não sabia dele.
Enquanto ela suspirava e o acariciava com o nariz, sentiu-se como um total e absoluto bastardo.
Capítulo 44
O TAC[80] não representava um problema. Wrath simplesmente se sentou na fria mesa e ficou quieto enquanto essa peça branca de equipamento médico murmurava e tossia educadamente em seu percurso ao redor de sua cabeça.
A merda era esperar os resultados.
Durante o exame, a doutora Jane era a única pessoa que havia do outro lado da divisória de vidro, e pelo que podia dizer, passou todo momento franzindo o cenho à tela do computador. E agora que tudo tinha terminado, ainda seguia fazendo-o. Enquanto isso, Beth entrou e estava ao seu lado na pequena sala ladrilhada.
Só Deus sabia o que a Dra. Jane tinha encontrado.
— Não tenho medo de passar pela faca — disse a sua shellan — Sempre que seja essa fêmea a que empunhe a maldita coisa.
— Pode fazer cirurgia no cérebro?
Bom ponto.
— Não sei.
Ele ficou a brincar distraidamente com o Rubi saturnino de Beth, dando voltas à pedra uma e outra vez.
— Me faça um favor — cochichou.
Beth apertou sua mão.
— O que quiser. O que necessita?
— Cantarola a canção de Jeopardy.
Houve uma pausa. Em seguida Beth pôs-se a rir e deu um golpe em seu ombro.
— Wrath...
— Melhor, tire a roupa e cantarola enquanto faz a dança do ventre — quando sua shellan inclinou-se e beijou sua testa, levantou a vista e a olhou através dos óculos — Crê que brinco? Anda, ambos necessitamos a distração. E te prometo que darei uma boa propina.
— Nunca leva dinheiro contigo.
Ele passou a língua sobre o lábio superior.
— Planejo pagar com trabalho.
— É terrível — sorriu Beth — E me agrada.
Olhando-a fixamente, sentiu-se bem e atemorizado ao mesmo tempo. Como seria sua vida se ficasse totalmente cego? Não ver nunca mais o longo cabelo escuro de sua shellan nem seu brilhante sorriso era...
— Bom — disse Dra. Jane ao entrar — Isto é o que sei.
Wrath tratou de não chiar quando a doutora fantasmal colocou as mãos nos bolsos de seu jaleco branco e pareceu ordenar seus pensamentos.
— Não vejo evidências de um tumor nem de uma hemorragia. Mas há anormalidades em vários lóbulos. Eu nunca tinha visto o TAC do cérebro de um vampiro antes, assim não tenho a menor idéia de qual é a consistência estrutural que se considera dentro da gama de “normalidade”. Sei que quer que só eu o veja, mas nisto não posso decidir, e gostaria que Havers revisasse o exame. Antes que me diga que não, queria te recordar que jurou proteger sua intimidade. Não pode revelar...
— Traga-o — disse Wrath.
— Não levará muito tempo — Dra. Jane bateu em seu ombro e depois no de Beth — Está justamente aí fora. Pedi que esperasse no caso de ocorrer problemas com o equipamento.
Wrath observou como a doutora atravessava a pequena sala de monitoramento e saía ao vestíbulo. Pouco depois, voltou com o alto e magro médico. Havers fez uma reverência ante ele e Beth através do vidro e logo foi para os monitores.
Ambos adotaram uma postura idêntica: dobrados pela cintura, com as mãos nos bolsos e as sobrancelhas franzidas sobre os olhos.
— Na faculdade de medicina, os treinam para fazer isso? — perguntou Beth.
— É gracioso, estava me perguntando o mesmo.
Longo tempo. Longa espera. Muita conversa e gesticulação da dupla que estava do outro lado da grande janela saliente, assinalando a tela com suas canetas. Finalmente os dois se endireitaram e assentiram.
Entraram juntos.
— O exame é normal — disse Havers.
Wrath exalou com tanta força que foi virtualmente um fôlego. Normal. Normal era bom.
Logo Havers fez uma série de perguntas, às quais Wrath respondeu, não refletindo muito sobre nenhuma delas
— Com a permissão de sua médica particular — disse Havers, fazendo uma reverência para Dra. Jane — queria tomar uma amostra de sangue de sua veia para analisá-la e realizar um breve exame.
Dra. Jane intrometeu-se:
— Acredito que é uma boa idéia. Quando as coisas não estão claras, sempre é bom ter uma segunda opinião.
— Vamos logo — disse Wrath, dando um rápido beijo na mão de Beth antes de soltá-la.
— Meu senhor, seria tão amável para tirar os óculos?
Havers foi rápido, acostumado com a rotina da luz-perfuradora-de-globos-oculares; logo o rodeou para fazer um exame do ouvido, seguida de uma verificação do coração. Uma enfermeira entrou com a merda tira-sangue, mas foi a Dra. Jane que fez o espeta-e-tira em sua veia.
Quando tudo acabou, Havers voltou a colocar ambas as mãos nos bolsos e fez outro desses cenhos de médico.
— Tudo parece normal. Bom, normal para você. Porque para começar suas pupilas não respondem, em nenhum sentido, mas isso é um mecanismo de defesa porque elas são muito fotossensíveis.
— Então qual é a conclusão? — perguntou Wrath.
Dra. Jane encolheu de ombros.
— Tem um histórico de enxaquecas. E se a cegueira aparece novamente, voltamos aqui imediatamente. Possivelmente um TAC enquanto está ocorrendo nos ajude a localizar com exatidão o problema.
Havers fez outra reverência para Dra. Jane.
— Farei chegar a sua médica os resultados da análise de sangue.
— Muito bem.
Wrath levantou o olhar para sua shellan, preparado para partir, mas Beth estava concentrada nos médicos.
— Nenhum de vocês parece muito feliz com isto — disse.
Dra. Jane falou lenta e cuidadosamente, como se estivesse procurando as palavras precisas.
— Cada vez que há uma deterioração funcional que não podemos explicar, ponho-me nervosa. Não digo que isto seja uma situação extrema. Mas o fato de que o TAC tenha saído bem não basta para me convencer de que esteja fora de perigo.
Wrath desceu da maca e tomou a jaqueta negra de couro que Beth segurava. Era fodidamente fantástico poder vestir a coisa e abandonar o papel de paciente em que seus malditos olhos o haviam colocado.
— Não vou ser negligente com isto — disse aos médicos açougueiros — Mas vou seguir trabalhando.
Houve um coro de necessita-descançar-alguns-dias, que desprezou saindo da consulta. A questão era que, enquanto ele e Beth percorriam o corredor a passos largos, uma estranha sensação de urgência o invadiu.
Tinha a sensação de que devia atuar depressa, porque não ficava muito tempo.
John levou um maldito tempo em chegar ao ZeroSum. Depois de deixar a casa de Xhex, passeou por Tenth Street (uma rua) e caminhou sob as rajadas de neve até um Tex/Mex. Quando esteve no interior, sentou-se em uma mesa próxima à saída de incêndios e, apontando as imagens no menu laminado, pediu dois pratos de costeletas de porco, com um acompanhamento de purê, e outro de salada de couve.
A garçonete que anotou seu pedido e entregou a comida estava com uma saia o suficientemente curta para ser considerada roupa de baixo, e parecia estar disposta a lhe servir algo mais que comida. E de fato o considerou. Tinha o cabelo loiro, não estava muito maquiada e suas pernas eram bonitas. Mas cheirava como uma churrasqueira, e não apreciou a forma em que falava, muito devagar, como se pensasse que era tolo.
John pagou em dinheiro, deixou uma boa gorjeta, e se apressou a sair antes que ela pudesse tratar de dar seu telefone. Fora no frio, tomou o caminho comprido para o Trade. Que era o mesmo que dizer que se desviou em cada beco que encontrou.
Nenhum lesser. Nem tampouco humanos fazendo cagadas.
Finalmente, entrou no ZeroSum. Ao atravessar as portas de ferro e vidro e captar o bombardeio de luzes e música e pessoas suspeitas habilmente disfarçadas, sua cobertura de menino-mau caiu um pouco. Xhex estaria aqui...
Sim. E? O que era ele, um fodido maricas que não podia estar no mesmo clube que ela?
Já não. John arrumou os testículos e caminhou a passos largos para a corda de veludo, passou pelo escrutínio dos gorilas, e entrou na sala VIP. Ao fundo, na mesa da Irmandade, Qhuinn e Blay estavam sentados como um par de quarterbacks (zagueiros) apanhados na reserva, enquanto sua equipe se afogava no campo: estavam ansiosos e tamborilavam os dedos brincando com os guardanapos que vinham com suas garrafas de Corona[81].
Quando se aproximou deles, ambos levantaram o olhar e cessou todo movimento, como se alguém tivesse congelado a imagem de seu DVD.
— Hey — disse Qhuinn.
John se sentou junto a seus amigos e gesticulou:
Hey.
— Como vai? — perguntou Qhuinn, enquanto a garçonete se aproximava com um perfeito sentido de oportunidade — Outras três Coronas...
John interrompeu o cara. Quero algo diferente. Diga… que quero um Jack Daniel’s só com gelo.
Qhuinn arqueou as sobrancelhas, mas fez o pedido e observou como a mulher trotava para o balcão.
— De alta octanagem, né?
John encolheu de ombros e olhou uma loira que estava duas mesas mais à frente. No instante em que ela viu que a olhava, entrou totalmente em modo chamativo, jogando o cabelo denso e brilhante sobre as costas e erguendo os peitos até que esticaram o quase inexistente LBD[82].
Apostava que ela não cheirava a costelas.
— Em… John, que porra está te passando?
O que quer dizer? gesticulou para o Qhuinn sem tirar os olhos da mulher.
— Está olhando a essa franguinha como se quisesse enrolá-la em um espeto e pôr seu molho quente por toda parte.
Blay tossiu um pouco.
— Realmente não tem muita manha com as palavras, sabe?
— Só digo o que vejo.
Chegou a garçonete e pôs o Jack e as cervejas sobre a mesa, e John atacou sua bebida com vontade, atirando a merda para dentro e abrindo a garganta de forma que caísse em cascata direto para seu estômago.
— Está vai ser uma dessas noites? — murmurou Qhuinn — Nas que acaba no banheiro?
Certo como a merda que sim, gesticulou John. Mas não porque vá vomitar.
— Então por que…? OH! — Qhuinn tinha o aspecto de alguém a quem acabassem de beliscar a bunda.
Sim, OH! pensou John enquanto examinava a zona VIP no caso de aparecer uma candidata melhor.
A seu lado, havia um trio de homens de negócios, cada um tinha uma mulher consigo, e todas tinham o aspecto de estar prontas para sair na capa da Vanity Fair. Em frente, tinha o pacote básico de seis Euro-gentuzas[83] que não paravam de assoar narizes e com freqüência iam em dupla ao banheiro. No balcão havia um par de trepadores com suas amantes totalmente bêbadas, e outro par de consumidores de droga que só olhavam às garotas profissionais.
Estava ainda em modo explorador quando Rehvenge em pessoa entrou a passos largos na sala VIP. Quando as pessoas o viram, uma onda de estremecimentos atravessou o lugar, porque mesmo que não soubessem que era o proprietário do clube, não abundavam os caras de dois metros de altura que levassem uma bengala vermelha, um casaco negro de marta zibelina e um corte de cabelo mohawk.
Além disso, inclusive com essa luz tênue, se podia ver que tinha olhos cor violeta.
Como sempre, estava ladeado por dois machos que eram de seu tamanho e tinham o aspecto de comer balas no café da manhã. Xhex não estava com eles, mas isso estava bem. Isso era bom.
— Definitivamente quando crescer quero ser como esse cara — disse Qhuinn arrastando as palavras.
— Só que não corte o cabelo — disse Blay — É muito bonito... digo, os topetes requerem um montão de atenção.
Enquanto Blay apertava sua cerveja, os olhos díspares de Qhuinn apenas posaram sobre o rosto de seu melhor amigo antes de afastar o olhar rapidamente.
Depois de pedir por gestos à garçonete outro Jack, John girou e olhou através da cascata que formava uma parede para a seção pública do clube. Ali na pista de dança, havia uma tonelada de mulheres procurando exatamente o que ele queria dar. Tudo o que tinha que fazer era ir até ali e escolher entre as voluntárias dispostas.
Grande plano, exceto, sem razão aparente, ficou a pensar no reality The Show de Maury. Realmente queria correr o risco de deixar grávida alguma humana escolhida ao azar? Supunha-se que sabia quando estavam ovulando, mas que porra sabia ele dos assuntos das fêmeas?
Franzindo o cenho, voltou a olhar ao redor, apertou em sua mão o Jack recém servido, e se centrou nas garotas profissionais.
As profissionais. Que conheciam o jogo do sexo casual que ele estava procurando. Muito melhor.
Enfocou o olhar em uma fêmea morena cujo rosto era igual ao da Virgem Maria. Marie Terese acreditou ter ouvido que assim se chamava. Era a chefa das profissionais, mas também estava disponível para alugar. Nesse momento, estava jogando o quadril como dizendo “vêm aqui” para um cara que exibia um terno de três peças e parecia estar muito interessado em seus atributos.
Vêem comigo, gesticulou John ao Qhuinn.
— Onde...? Ok! entendi — Qhuinn acabou sua cerveja e levantou — Suponho que voltaremos, Blay.
— Sim. Passem… bem.
John liderou o caminho para a morena, cujos olhos azuis pareceram surpresos ao ver que os dois se aproximavam. Com uma espécie de desculpa sedutora, deixou de lado a seu potencial cliente.
— Necessitam algo? — perguntou, sem evidenciar nenhum tipo de convite. Embora fosse amistosa, porque sabia que John e os meninos eram convidados especiais do Reverendo. Embora naturalmente não soubesse a razão.
Pergunte quanto, gesticulou para o Qhuinn. Pelos dois.
Qhuinn limpou a garganta.
— Quer saber quanto.
Ela franziu o cenho.
— Depende do que queiram. As garotas têm... — John assinalou à mulher — Eu?
John assentiu.
Quando a morena entrecerrou os olhos azuis e franziu os lábios vermelhos, John imaginou sua boca sobre ele, seu pênis gostou da imagem e surgiu em uma instantânea e alegre ereção. Sim, tinha uma boca muito bonit...
— Não — disse ela — Não pode me ter.
Qhuinn elevou a voz antes que as mãos de John pudessem pôr-se a voar.
— Por quê? Nosso dinheiro é tão bom como o de qualquer outro.
— Posso escolher com quem faço negócios. Alguma das outras garotas poderia pensar diferente. Podem lhes perguntar.
John estava disposto a apostar que o rechaço tinha algo a ver com Xhex. Deus sabia que tinha havido um montão de contato visual entre ele e a chefa de segurança do clube e sem dúvida Marie Terese não queria se meter no meio.
Ao menos, disse a si mesmo que era isso, ou, do contrário restava o fato de que sequer uma prostituta podia suportar a idéia de estar com ele.
De acordo, está bem, gesticulou John. A quem sugere?
Depois que Qhuinn falasse, ela disse:
— Sugeriria que voltasse para seu Jack e deixasse tranqüilas às garotas.
Não vai ocorrer, e quero a uma profissional.
Qhuinn traduziu, e o cenho de Marie Terese se fez ainda mais profundo.
— Serei honesta contigo. Isto soa a um foda-se. Como se estivesse mandando uma mensagem. Quer se deitar com alguém, vai e encontra a uma prostitutazinha na pista de dança ou em um desses reservados. Não o faça com alguém que trabalha com ela, Ok?
Bem. Tudo estava absolutamente relacionado com Xhex.
O velho John teria feito o que lhe sugeria. E uma merda; em primeiro lugar o velho John não teria esta conversa. Mas as coisas tinham mudado.
Obrigado, mas acredito que perguntaremos a uma de suas colegas. Se cuide.
John já girava quando Qhuinn falou, mas Marie Terese o agarrou pelo braço.
— Está bem. Se quiser se comportar como um imbecil, vá falar com a Gina, a que está ali de vermelho.
John fez uma pequena reverência, logo aceitou sua sugestão, e se aproximou de uma mulher de cabelo negro com um vestido de vinil vermelho tão brilhante, que essa merda podia ser qualificada como luz estroboscópica.
A diferença de Marie Terese, aceitou o plano antes que Qhuinn pudesse sequer chegar a perguntar.
— Quinhentos — disse com um amplo sorriso — Cada um. Porque deduzo que vão juntos?
John assentiu um pouco assombrado de que tivesse sido tão fácil. Mas bem, isto era pelo que pagavam. Facilidade.
— Vamos à parte de trás? — Gina se posicionou entre ele e Qhuinn, tomou a cada um pelo braço e os guiou, passando à frente de Blay, que estava concentrado em sua cerveja.
Enquanto caminhavam pelo corredor para os banheiros privados, John se sentia febril: Quente e desvinculado do que o rodeava, estava indo à deriva, preso só pelo fino braço da prostituta a que pagaria para foder.
Estava bastante seguro que se ela o soltava simplesmente se afastaria flutuando.
Capítulo 45
Quando Xhex subiu as escadas e entrou na seção VIP, a princípio não esteve segura de que demônio estava vendo. Parecia como se John e Qhuinn estivessem se dirigindo à parte traseira com Gina. A menos, é obvio que houvesse outros dois caras iguais a eles, um com tatuagem na Antiga Língua na nuca e outro com os ombros tão largos como os de Rehv.
Mas com toda certeza aquela era Gina com seu vestido vermelho-não-se-detenha.
Xhex recebeu a voz de Trez pelo auricular.
— Rehv está aqui e estamos te esperando.
Sim, bem, esperariam um pouco mais.
Xhex deu a volta e iniciou o caminho de volta para o cordão de veludo… ao menos até que seu caminho foi bloqueado por um tipo com um Prada falso.
— Ouça carinho, aonde vai tão apressada?
Foi um movimento ruim de sua parte. O pedaço de Euro-irrelevante drogado escolheu à fêmea errada para cortar o passo.
— Se afaste de meu caminho antes que o aparte eu mesma.
— O que ocorre? — disse estendendo a mão para seu quadril — Não pode arrumar-se com um verdadeiro homem?... Oh.
Xhex converteu a tentativa de olha passar a mão em um esmaga-tendões, retorcendo a mão em seu punho até que o braço dele formigou.
— Bem — disse — Faz aproximadamente uma hora e vinte minutos, comprou setecentos dólares em coca. Apesar da quantidade que esteve se metendo no banheiro, estou disposta a apostar que ainda leva bastante contigo para que o prendam por posse. Assim deixa de encher o saco e saia de meu caminho, se tratar de me tocar outra vez, quebrarei todos estes dedos, e em seguida farei o mesmo com a outra mão.
Soltou-o dando um empurrão, que o enviou, aos tropeções, para seus companheiros.
Xhex seguiu caminhando, deixou atrás a zona VIP e atravessou com passos largos a pista de dança. Dirigiu-se a uma porta que havia debaixo da escada que subia à sobreloja, marcada como SÓ PESSOAL DE SEGURANÇA e digitou um código. O corredor do outro lado passava frente à porta do vestuário do pessoal antes de levá-la ao seu destino, o escritório de segurança. Depois de digitar outro código, entrou na sala de seis por seis onde toda a equipe de vigilância descarregava dados nos computadores.
Salvo o escritório de Rehv e a guarida onde Rally fracionava a droga, que estavam em um sistema separado, tudo o que ocorria no resto do local, ficava registrado digitalmente ali, e havia telas de cor cinza-azulada que mostrava imagens de todo o clube.
— Ouça, Chuck — disse ao tipo que estava atrás do escritório — Se importa se fico um minuto a sós?
— Não há problema. De todo modo tenho que tomar um descanso para ir ao banheiro.
Trocou de lugar com ele, afundando-se na cadeira Kirk[84], como a chamavam os meninos.
— Não necessitarei muito tempo.
— Nem eu tampouco, chefa. Quer algo de beber?
— Estou bem, obrigada.
Quando Chuck assentiu e saiu movendo-se pesadamente, centrou-se nos monitores que mostravam os quartos de banho da zona VIP.
OH… Deus.
O trio do inferno estava apertado, com Gina no meio. John beijava um caminho para os peitos desta, e Qhuinn, que estava de pé atrás da mulher, deslizava suas mãos para frente, rodeando seus quadris.
Presa entre os machos, Gina não parecia estar trabalhando. Parecia uma mulher que estava sendo agradada em grande estilo.
Maldita seja.
Pelo menos era Gina. Xhex não tinha nenhuma relação com ela, já que a mulher acabava de entrar para o quadro de pessoal, assim não era muito diferente como se estivesse fodendo a alguma garota da pista de dança.
Xhex se recostou na cadeira e forçou-se a examinar os outros monitores. Havia gente por toda a parede, e as imagens agitadas de gente bebendo, metendo-se em brigas, tendo relações sexuais, dançando, falando e olhando fixamente para longe, encheram sua vista.
Isso estava bem, pensou. Isso estava… bem. John tinha abandonado seus delírios românticos e foi com outra. Isso estava bem…
— Xhex, onde está? — disse a voz de Trez no auricular.
Levantou o braço e falou por seu relógio.
— Me dê um fodido minuto!
A resposta do mouro foi tipicamente sossegada.
— Está bem?
— Eu… olhe, sinto muito. Estou indo.
Sim, e também o estava Gina.
Cristo.
Xhex se levantou da cadeira Kirk e seus olhos voltaram para a tela que deliberadamente tinha evitado olhar.
As coisas tinham progredido. Rapidamente.
John estava movendo seus quadris.
Exatamente quando Xhex retrocedia e ia sair, ele levantou o olhar para a câmara de segurança. Era difícil determinar se sabia que a câmara estava ali ou se simplesmente seus olhos se dirigiram ali por acaso.
Merda. Tinha o rosto turvo, a mandíbula firmemente apertada, e em seu olhar havia uma expressão desalmada que a entristeceu.
Xhex tentou não ver a mudança nele como o que era e falhou. Ela tinha lhe feito isto. Possivelmente não fora a única razão pela qual se tornou de pedra, mas era uma grande parte dela.
Ele afastou o olhar.
Ela girou.
Chuck pôs a cabeça pela porta.
— Necessita mais tempo?
— Não, obrigado. Vi o suficiente.
Deu-lhe uma palmada no ombro e partiu, ao sair foi para a direita. Ao final do corredor havia uma porta negra reforçada. Digitando outro código mais, tomou o passadiço até o escritório de Rehv, e quando atravessou a porta, os três machos que rodeavam o escritório a olharam com cautela.
Ela se apoiou contra a parede negra frente a eles.
— O que?
Rehv se recostou em sua cadeira, e cruzou os braços cobertos de pele sobre o peito.
— Está se preparando para entrar em seu período de necessidade?
Enquanto ele falava, Trez e iAm fizeram o movimento de mãos que as Sombras utilizavam para proteger-se contra o desastre.
— Deus, não. Por que a pergunta?
— Porque, não se ofenda, mas tem um fodido mau humor.
— Não tenho — quando os machos se olharam entre si, ladrou — Deixem de fazer isso.
OH, fantástico, agora todos eles evitavam olhar-se de forma deliberada.
— Podemos terminar com a reunião — disse, tratando de moderar o tom.
Rehv descruzou os braços e se sentou direito.
— Sim. Estou a ponto de sair para uma reunião do conselho.
— Quer que o acompanhemos? — perguntou Trez.
— Sempre, desde que não tenhamos nenhuma negociação importante acertada para depois de meia-noite.
Xhex sacudiu a cabeça.
— O que tínhamos na agenda para esta semana foi as nove e terminou sem problemas. Embora diga que nosso comprador estava muito nervoso, e isso foi antes que escutasse na freqüência da polícia que outro narcotraficante foi encontrado morto.
— Assim dos seis grandes sub-traficantes que compravam de nós, só restam dois? Porra! Temos uma luta territorial, bem na nossa frente.
— E é muito provável que, quem quer que esteja revolvendo a merda tentará escalar posição na cadeia alimentar.
— Razão pela qual iAm e eu acreditamos que deve ter alguém contigo vinte e quatro horas do dia, os sete dias da semana até que esta merda termine — disse Trez.
Rehv pareceu aborrecido, mas não discordou.
— Temos alguma dica de quem está deixando esses corpos por todos os lados?
— Bom! Óbvio. — disse Trez — As pessoas acreditam que seja você.
— Não seria lógico. Por que aniquilaria meus próprios compradores?
Agora foi Rehv que recebeu todos os olhares desconfiados do galinheiro.
— OH, vamos — disse — Não sou tão mau. Bom, está bem, mas só se alguém me fode. E, me perdoem, mas os quatro que morreram? Eram homens de negócios direitos. Não enchiam o saco para nada. Eram bons clientes.
— Tem falado com seus fornecedores? — perguntou Trez.
— Sim. Disse que me dêem um tempo e confirmei que tinha a intenção de movimentar a mesma quantidade de produto. Os que perdemos serão substituídos rapidamente por outros, porque os vendedores são como erva daninha. Sempre voltam a crescer.
Discutiram um pouco sobre o mercado e os preços e logo Rehv disse:
— Antes que fiquemos sem tempo, me falem do clube. O que está ocorrendo?
Bem, essa era uma grande pergunta, pensou Xhex. E o que diz nossa vigilância? Ding-ding-ding: John Matthew. O mais provável é que à Gina estivesse ocorrendo, algo chamado John Matthew. E que estivesse ocorrendo de joelhos frente a ele.
— Xhex, está grunhindo?
— Não — obrigou-se a concentrar-se e lhe dar um panorama geral dos incidentes acontecidos essa noite, até o momento. Trez fez o relatório do Iron Mask, o qual estava ao seu encargo, e depois iAm falou de finanças e do Restaurante Sal, outra das posses de Rehv. Em definitivo, eram os negócios habituais… tendo em conta que infringiam o tipo de leis humanas que os suporia uma grave condenação se os apanhassem.
Não obstante a mente de Xhex estava só parcialmente no jogo, e quando chegou à hora de partir, foi à primeira em chegar à porta, embora geralmente se atrasasse.
Saiu do escritório no momento exato.
Se quisesse que lhe dessem uma joelhada no saco.
Nesse preciso momento, apareceu Qhuinn na entrada do corredor que levava aos banheiros privados, tinha os lábios inchados e avermelhados, o cabelo revolto e o aroma de sexo, orgasmos e atos indecentes feitos com delicadeza o precedia.
Ela se deteve, embora isso fosse uma idéia estúpida.
Gina foi à seguinte, e tinha o aspecto de necessitar uma bebida. Do tipo Gatorade. A mulher estava enfraquecida, e não porque estivesse deliberadamente em seu modo à-caça-de-sexo, não porque lhe tinham dado uma apropriada sessão de prazer, e o suave sorriso que ostentava na boca era muito íntimo e honesto para o gosto de Xhex.
John foi o último a sair, com a cabeça erguida, o olhar vazio e os ombros jogados para trás.
Esteve magnífico. Estava disposta a apostar… que estivera magnífico.
Ele voltou a cabeça e seus olhares se encontraram. Tinha desaparecido a tímida contemplação, o rubor, as torpes adulações. Saudou-a com um curto movimento de cabeça e afastou o olhar, estava calmo, e, dada a forma em que avaliou outra das prostitutas… preparado para mais sexo.
Um incômodo e inusitado pesar atravessou o peito de Xhex, alterando o firme batimento de seu coração. Em sua campanha para salvá-lo do caos pelo que tinha atravessado seu último amante, tinha destruído algo; ao afastá-lo, tinha-lhe despojado de algo muito precioso.
Tinha perdido sua inocência.
Xhex levou o relógio bracelete até a boca.
— Necessito um pouco de ar.
A resposta de Trez foi de justa aprovação.
— Boa idéia.
— Voltarei exatamente antes que partam à reunião do conselho.
Quando Lash voltou da guarida de seu pai, só precisou de aproximadamente dez minutos para voltar completamente à vida antes de entrar no Mercedes e conduzir até a choça de merda em que as drogas tinham sido embaladas. Estava tão atordoado que pensou que seria um milagre se não se chocava com algo, e quase o fez. Enquanto esfregava aos olhos e tratava de chamar por telefone, não freou o suficientemente rápido em um semáforo vermelho, e foi só graças a que os caminhões de sal da cidade de Caldwell saíram mais cedo que seus pneumáticos tiveram algo para frear.
Deixou o telefone e se concentrou na merda de estar atrás do volante. Provavelmente era melhor do que falar com o Senhor D de todas as formas, dado que ainda estava na névoa paterna, como ele chamava.
Merda, o calor o voltava ainda mais torpe.
Lash baixou os vidros e desligou o ar quente que ondeava para o assento dianteiro do sedan, e quando chegou à merda da casa, estava muito mais alerta. Estacionou na parte de trás, para que o Merc ficasse protegido pelo alpendre fechado com malha e a garagem, e entrou pela porta da cozinha.
— Onde está? — gritou — Coloque-me em dia.
Silêncio.
Pôs a cabeça dentro da garagem, e quando só viu o Lexus, supôs que o senhor D, Grady, e os outros dois provavelmente estivessem retornando, depois de ter liquidado a esse outro traficante. O que queria dizer que tinha tempo de comer algo. Enquanto ia à geladeira que estava abastecida para ele, chamou por telefone ao pequeno texano. Soou uma vez. Duas vezes.
Estava tirando um sanduíche de peru comprado em uma padaria e checando o prazo de validade quando ativou a campainha de voz de D.
Lash endireitou-se e olhou fixamente o telefone. Nunca recorria ao correio de voz. Jamais.
É obvio, que a reunião podia ter se atrasado e nesse momento podiam estar exatamente na metade da mesma.
Lash comeu e esperou, acreditando que lhe devolveria a chamada imediatamente. Quando não foi assim, entrou na sala de estar, conectou o computador portátil e acessou ao software GPS que localizava todos e cada um dos telefones da Sociedade Lessening no mapa de Caldwell. Configurou a busca para que procurasse o do senhor D e descobriu…
O tipo estava viajando rapidamente, movendo-se nesta direção. E os outros dois lessers estavam com ele.
Assim, por que não respondia ao fodido telefone?
Desconfiando, Lash chamou outra vez e começou a passear pela sala de mau humor enquanto a chamada soava e soava. Pelo que podia ver, na casa, não havia nada fora de lugar. A sala estava igual, os outros dois dormitórios e o principal estavam em ordem, todas as janelas tinham o ferrolho em seu lugar e as persianas estavam baixas.
Quando tomou o corredor que levava à frente da casa, estava chamando o texano pela terceira vez…
Lash se deteve a meio caminho e girou a cabeça para a única porta que não abriu… ao longo de todo o batente da mesma entrava uma brisa fria.
Não tinha que abrir a coisa para saber o que acontecera, mas igualmente rompeu a fodida. A janela estava em pedacinhos e havia nervuras negras — de borracha, não de sangue de assassino — ao redor do batente.
A dar uma rápida olhada pela fresta, Lash observou que sobre a fina capa de neve havia uns rastros que se dirigiam para a rua. Sem dúvida a rotina de fugir a pé a toda pressa não tinha durado muito. Nos arredores dessa tranqüila vizinhança havia muitos carros que podiam fazer uma ligação direta para levá-los, e isso era uma coisa de criança para qualquer criminoso que se apreciasse.
Grady tinha evaporado.
E sua jogada o surpreendia. Não era o diamante mais brilhante da corrente, mas a polícia o estava procurando. Por que arriscar-se a ter outro grupo de filhos da puta o caçando?
Lash entrou na sala e franziu o cenho ao ver o sofá onde Grady deixou a caixa gordurenta de Domino’s e… o jornal que esteve lendo.
E estava aberto na parte dos obituários.
Pensando nos nódulos machucados de Grady, Lash se aproximou e recolheu o jornal…
Cheirou algo nas páginas. Old Spice. Ah, assim o senhor D tinha um pouco de inteligência, e também tinha olhado a coisa….
Lash examinou as colunas. Um grupo de humanos entre os setenta e os oitenta. Um nos sessenta. Dois nos cinqüenta. Nenhum deles se assemelhava ao nome de Grady nem como sobrenome nem como nome composto. Três eram de fora da cidade, mas tinham família aqui em Caldie…
E então ali estava: Christianne Andrews, idade vinte e quatro. Não aparecia a causa da morte, mas a morte tinha sido no domingo, e o funeral ocorreu hoje no Cemitério de Pine Grove. A chave? Em vez de flores, por favor, envia donativos ao Departamento de Policia para o fundo de Vítimas de Violência Doméstica.
Lash se lançou sobre o computador portátil e checou o relatório do GPS. O Focus do senhor D se dirigia para… bem, o que parece? O Cemitério de Pine Grove, onde uma vez a adorável Christianne descansaria por toda a eternidade nos braços dos anjos.
Agora a história de Grady era clara: o cabrón espanca sua garota com regularidade até que uma noite leva a dureza do amor muito longe. Ela morre, a polícia encontra seu corpo e começam a procurar o namorado camello[85] que descarrega o estresse de seu trabalho em casa com sua pequena mulher. Não era de admirar que o estivessem procurando.
E o amor conquistava tudo… inclusive o sentido comum dos criminosos.
Lash saiu e se desmaterializou para o cemitério, preparado para um cara a cara não só com o parvo humano, mas também com os fodidos e estúpidos assassinos que deveriam ter vigiado melhor ao idiota.
Materializou-se a uns nove metros de distância de um carro estacionado… motivo pelo qual quase fica à vista do tipo que estava sentado dentro da coisa. Transladando-se rapidamente detrás da estátua de uma mulher que vestia uma túnica, Lash comprovou o que estava ocorrendo no sedan: no interior havia um humano, a julgar pelo aroma. Um humano que tomou muito café.
Um policial disfarçado. Que sem dúvida estava esperando que o FDP do Grady fizesse exatamente o que ia fazer: quer dizer, apresentar as condolências à garota que tinha assassinado.
Sim, bem, os dois podiam jogar o espera-e-verá.
Lash tirou o telefone e escondeu a brilhante tela com a palma. O texto que enviou ao senhor D era um obstáculo que rezava ao inferno para que chegasse a tempo. Com a polícia presente no lugar, Lash se encarregaria de Grady sozinho.
E, em seguida se lançaria sobre quem quer que tenha deixado o humano sozinho tempo suficiente para que pudesse escapar.
Capítulo 46
Parado ao pé da escadaria principal, Wrath terminou de preparar-se para a reunião com a glymera colocando um colete à prova de balas Kevlar.
— É leve.
— O peso nem sempre o faz melhor — disse V enquanto acendia um cigarro feito à mão e fechava de repente seu isqueiro de ouro.
— Está seguro disso.
— Quando se trata de coletes balísticos, estou — Vishous exalou, e a fumaça escureceu seu rosto momentaneamente antes de flutuar para cima, ao teto ornamentado — Mas se te faz sentir melhor, podemos amarrar uma porta de garagem em seu peito. Ou um carro, quem sabe.
O som de fortes pisadas que provinham detrás dele, ecoaram no suntuoso vestíbulo da cor das pedras preciosas, quando Rhage e Zsadist desceram juntos, como uma dupla de genuínos assassinos, com as adagas da Irmandade postas nas capas de seus peitos, com os punhos para baixo. Quando chegaram frente à Wrath, escutou-se um ruído de campainha que vinha da porta de entrada, e Fritz foi arrastando os pés para deixar entrar ao Phury, que havia se desmaterializado das Adirondacks, assim como também Butch, que acabava de chegar através do pátio.
Ao olhar a seus irmãos, Wrath sentiu que o atravessava uma descarga. Apesar de que dois deles ainda não lhe falavam, podia sentir o sangue de guerreiro que tinham em comum, percorrendo seu corpo, e desfrutou da necessidade coletiva de lutar contra o inimigo, fosse um lesser ou um de sua própria raça.
Um suave som proveniente das escadas o fez girar a cabeça.
Tohr estava descendo com cuidado desde o segundo andar, como se não estivesse seguro se podia confiar nos músculos de suas coxas para que resistissem e sustentassem seu peso. Pelo que Wrath podia ver, o irmão estava vestido com calças camufladas que se ajustavam a uns quadris do tamanho dos de um moço, e usava um suéter negro grosso com gola alta, que disfarçava sob suas axilas. Não havia adagas em seu peito, mas tinha um par de pistolas pendurando desse cinturão de couro que, com esperança e uma prece, estava mantendo as calças em seu lugar.
Lassiter estava ao seu lado, mas ao menos por uma vez, o anjo não estava bancando o esperto. Embora, tampouco, olhava por aonde ia. Por alguma razão, tinha o olhar fixo no mural existente no teto, o dos guerreiros lutando nas nuvens.
Todos os irmãos olharam Tohr, mas ele não se deteve, nem olhou para ninguém, simplesmente continuou caminhando até que chegou ao chão de mosaico. E, nem ali parou. Passou pela Irmandade, foi até a porta que conduzia para a noite, e esperou.
A única lembrança do que tinha sido alguma vez, era o porte de sua mandíbula. Essa firme parte de osso sobressalente paralelo ao chão e ainda um pouco mais alto. Pelo que a ele concernia, ia sair e pronto.
Sim, pois estava equivocado.
Wrath aproximou-se dele e disse brandamente:
— Tohr, sinto muito...
— Não há razão para pedir perdão. Vamos.
— Não.
Houve vários movimentos incômodos, como se os outros irmãos estivessem odiando isto tanto quanto Wrath.
— Não está o suficientemente forte — Wrath queria pôr a mão no ombro de Tohr, mas sabia que isso conduziria a um violento encolhimento de ombros, dada a forma que mantinha o frágil corpo tenso — Só espera até estar preparado. Esta guerra... Esta fodida guerra vai continuar.
O relógio que estava no estúdio do andar superior, começou a badalar, o som rítmico se difundia do estúdio de Wrath, passando sobre a balaustrada dourada e caindo até os ouvidos dos ali reunidos. Eram onze e meia. Tempo de sair se queriam examinar o perímetro do local da reunião antes que chegassem os sujeitos da glymera.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e olhou sobre o ombro aos cinco guerreiros vestidos de negro, que permaneciam juntos como uma unidade. Seus corpos zumbiam cheios de poder, suas armas não estavam constituídas só pelo que pendia de capas e pistoleiras, mas sim, também o eram suas mãos, pés, braços, pernas e mentes. A fortaleza mental estava no sangue; o treinamento e a força bruta em sua carne.
Necessitavam ambas para lutar. À vontade te levava só até certo ponto.
— Fica — disse Wrath — E isso é tudo.
Com uma maldição, abriu caminho para o pórtico e saiu ao outro lado. Deixar Tohr atrás era mal, mas não havia outra escolha. O irmão estava indefeso até o ponto de ser um perigo para si mesmo, e seria uma grande distração. Se saísse, cada um dos irmãos o teria em mente, por isso todo o grupo teria a cabeça fodida... E, isso não era exatamente o que queria se iria a uma reunião onde alguém poderia tratar de assassinar ao rei. Pela, vejamos segunda vez na semana.
Enquanto as portas exteriores da mansão se fechavam com um som ensurdecedor, Tohr ficou do outro lado e Wrath e os irmãos permaneceram sob as rajadas de vento vigorosas que sulcavam a parede da montanha do complexo, corriam através do pátio e ziguezagueavam entre os carros que havia ali.
— Maldita seja — murmurou Rhage enquanto se concentravam no longínquo horizonte.
Após um momento, Vishous girou a cabeça para Wrath, e sua silhueta ficou perfilada contra o céu cinza.
— Temos que...
Soou a detonação de uma arma de fogo, e o cigarro feito a mão que V tinha entre os lábios foi arrancado de sua boca. Ou, possivelmente foi diretamente vaporizado.
— Que merda! — gritou V enquanto retrocedia.
Todos viraram juntos, procurando suas armas mesmo sabendo que não havia maneira no inferno de que seus inimigos pudessem estar perto da grande fortaleza de pedra.
Tohr estava parado tranqüilamente na entrada da mansão, seus pés plantados solidamente e suas duas mãos agarrando a culatra da arma que acabava de disparar.
V se jogou para frente, mas Butch o aprisionou, segurando fortemente seu peito, para evitar que derrubasse Tohr ao chão.
Isso não deteve a boca de V.
— Em que merda está pensando!
Tohr baixou o canhão.
— Talvez ainda não esteja preparado para lutar mão a mão, mas sou de longe melhor atirador que qualquer de vocês.
— É um maldito louco — espetou V — Isso é o que é.
— De verdade acredita que te poria uma bala na cabeça? — o tom de voz do Tohr era uniforme — Já perdi ao amor de minha vida. Disparar a um de meus irmãos não é o tipo de arremate que estou procurando. Como falei, sou o melhor de todos com uma arma, e esse não é o tipo de recurso que querem deixar na reserva em uma noite como esta — Tohr voltou a embainhar a SIG — E, antes que me volte louco com seus porquês, tinha que fazer uma demonstração, e era melhor que disparar ao seu horrível cavanhaque. E isso não quer dizer que não seja capaz de matar por te dar a barbeada que seu queixo está pedindo a gritos.
Houve uma longa pausa.
Wrath estalou em gargalhadas. O que, naturalmente, era loucura. Mas a idéia de não ter que lutar com o fato de ter deixado Tohr para trás como a um cão que não se permite ir com o resto da família, era um alívio tão assombroso que tudo o que pôde fazer foi rir.
Rhage foi o primeiro a se unir e atirou a cabeça para trás e as luzes da mansão refletiram em seu brilhante cabelo loiro, seus dentes super brancos relampejaram. Enquanto ria, levantou a grande mão e a pousou sobre seu coração como se estivesse esperando que a coisa não entrasse em curto-circuito.
Butch foi o seguinte, o poli ladrou com força e soltou o peito de seu melhor amigo. Phury sorriu durante um segundo, e em seguida seus grandes ombros começaram a estremecer... E, aí começou Z cujo sorriso começou a ampliar até que seu rosto com cicatrizes apresentou um grande sorriso zombador.
Tohr não sorriu, mas a satisfação com a qual apoiou o peso de seu corpo nos calcanhares lembrou um reflexo do homem que costumava ser. Sempre tinha sido um cara sério, daqueles mais interessados em assegurar-se de que todos estivessem tranqüilos e bem, do que em fazer brincadeiras e ser um gozador. Mas isso não significava que não pudesse curtir brincadeiras como o melhor deles.
Era a razão pela qual tinha sido o líder perfeito para a Irmandade. Tinha o conjunto de habilidades convenientes e necessárias para esse trabalho; uma cabeça firme e um coração caloroso.
Em meio das risadas, Rhage olhou Wrath. Sem dizer uma palavra, os dois se abraçaram, e quando se afastaram Wrath deu a seu irmão o equivalente masculino de uma desculpa... Que era um bom golpe no ombro. Em seguida virou para Z e este assentiu uma vez. O qual era a versão taquigráfica de Zsadist para: Sim, se comportou como um imbecil, mas tinha suas razões e já estamos bem.
Era difícil saber quem iniciou, mas alguém pôs seus braços sobre os ombros de outro, e logo esse fez o mesmo, e terminaram abraçados como jogadores de futebol. O círculo que formaram debaixo desse vento frio era desigual, estava composto por diferentes alturas corporais, variadas larguras de peito e diferentes braços. Mas estavam vinculados e juntos eram uma unidade.
De pé, quadril com quadril com seus irmãos, Wrath viu que o que uma vez tinha dado por certo, era em realidade algo muito excepcional e especial: a Irmandade estava reunida uma vez mais.
— Hey… querem compartilhar um pouco de seu “bromance[86]” por aqui?
A voz do Lassiter fez que elevassem as cabeças. O anjo estava de pé nos degraus da mansão e seu brilho conferia à noite uma luz suave e encantadora.
— Posso golpeá-lo? — perguntou V.
— Mais tarde — respondeu Wrath, rompendo o círculo — E muitas, muitas vezes.
— Não era exatamente o que tinha em mente — murmurou o anjo enquanto um por um foram desmaterializando para a reunião, e Butch partia dirigindo para encontrar-se com eles.
Xhex tomou forma entre um grupo de pinheiros que estava mais ou menos a noventa metros da tumba de Chrissy. Escolheu esse lugar não porque esperasse que Grady estivesse ali parado sobre a lápide, choramingando sobre a manga de sua jaqueta de águia, mas sim, porque queria sentir-se ainda pior do que já se sentia... E, não podia pensar em um melhor lugar para isso, que onde a garota ia terminar assim que chegasse a primavera.
Entretanto, e para sua surpresa, não estava sozinha. Por duas razões.
O sedan estacionado bem do outro lado da curva, com uma linha de visão limpa até a tumba, era indubitavelmente do De la Cruz ou um de seus subordinados. Mas também, havia alguém mais.
Mais precisamente era uma força malévola.
Cada instinto symphath que possuía lhe dizia que andasse com cuidado. Pelo que podia distinguir, essa coisa era um lesser com uma injeção de ácido nitroso em seu motor maligno, e em um impetuoso arrebatamento de auto proteção, isolou a si mesma, fundindo-se com a paisagem...
Bom, bom, bom… outra eventualidade para atender.
Do norte, aproximava-se um grupo de homens, dois dos quais eram altos e o outro muito mais baixo. Todos estavam vestidos de negro e sua coloração era tão clara que pareciam noruegueses.
Genial. A menos que houvesse uma nova turma na cidade, uma cheia de valentões viciados no “Por que você vale muito[87]”, e que foram fanáticos da tinta Preference de L´Oréal, essa turma de loirinhos eram assassinos.
O DPC, a Sociedade Lessening, e algo pior, todos brincando de correr ao redor da tumba de Chrissy? Quais eram as possibilidades?
Xhex esperou, observando como os assassinos se separavam e procuravam árvores atrás das quais esconder-se.
Só havia uma explicação: Grady tinha ficado com os lessers. Não era nenhuma surpresa, se levava em conta que faziam o recrutamento entre criminosos, especialmente do tipo violento.
Xhex deixou que passassem os minutos, ruminando a situação, esperando simplesmente o estalo de ação que era inevitável, dado o elenco com que contava este filme. Devia retornar ao clube, mas a merda lá teria que rodar sem ela, porque de maneira nenhuma se iria dali.
Grady tinha que estar a caminho.
Passou um pouco mais de tempo, e soprou mais vento frio e muito nuvens de um azul escuro e um cinza brilhante passaram flutuando por cima da face da lua.
E logo, de um nada, os lessers, se foram.
A presença malévola também se desmaterializou.
Talvez tivessem se rendido, mas não parecia provável. Pelo que sabia dos lessers, tinham muitos defeitos, mas o TDA[88] não era um deles. Isso podia significar uma de duas coisas, ou tinha passado algo mais importante, ou tinham trocado de pla...
Ouviu um sussurro através do chão.
Olhando sobre seu ombro, viu Grady.
Estava se abraçando contra o frio, tinha os braços metidos numa parka negra que ficava grande e arrastava os pés sobre a fina cobertura de neve. Olhava ao redor, procurando entre as tumbas a mais nova, e se continuava, logo encontraria a de Chrissy.
É obvio isso também queria dizer que veria o poli incógnito no carro. Ou, o poli veria ele.
Bem. Tempo de fazer uma jogada.
Assumindo que os assassinos permaneceriam afastados, Xhex podia se encarregar do DPC.
Não perderia esta oportunidade. De nenhuma maldita maneira.
Desligando seu celular, preparou-se para ir trabalhar.
Capítulo 47
— Maldita seja, temos que ir — disse Rehv atrás de sua escrivaninha. Ao finalizar outra chamada para o celular de Xhex, atirou seu telefone novo como se não fosse mais que um pedaço de lixo, algo que evidentemente estava se convertendo em um mau hábito — Não sei onde demônios está, mas temos que ir.
— Voltará — Trez pôs uma trincheira de couro negro e se encaminhou para a porta — E dado o humor que tinha é melhor que esteja ausente em vez de estar aqui. Irei ver o supervisor de turno e direi que me avise caso surja qualquer tipo de problema, logo irei buscar o B.
Quando se foi, iAm voltou a checar as duas H&K que tinha sob os braços com eficiência letal, seus olhos negros tinham uma expressão serena e suas mãos eram firmes. Satisfeito, o macho recolheu uma trincheira de couro cor cinza aço e a pôs.
O fato de que os casacos dos irmãos fossem similares tinha sentido. Trez e iAm gostavam das mesmas coisas. Sempre. Embora não fossem gêmeos de nascimento, vestiam-se de forma similar e sempre iam armados com armas idênticas e conseqüentemente compartilhavam as mesmas idéias, valores e princípios.
Não obstante, havia algo em que eram diferentes. Enquanto iAm permanecia junto à porta, em silêncio e quieto como um Dobermann em serviço - mas sua falta de conversa não significava que não fosse tão mortal como seu irmão, porque os olhos do tipo expressavam toneladas de coisas, apesar de que sua boca permanecesse firmemente atarraxada - a iAm nunca escapava nada.
Incluindo, obviamente, os antibióticos que Rehv tirou de seu bolso e engoliu. Assim como também o fato de que a seguir apareceu uma agulha esterilizada e foi posta em uso.
—Bem — disse o macho, enquanto Rehv voltava a baixar a manga e vestia a jaqueta do terno.
— Bem o que? — iAm simplesmente olhou-o fixamente do outro lado do escritório, com uma expressão de não seja imbecil sabe perfeitamente bem do que estou falando.
Estava acostumado a fazer isso freqüentemente. Falar toneladas com somente um olhar.
— Como é — murmurou Rehv — Não se excite tanto, não é como se tivesse dado volta à página para começar de novo.
Podia estar tratando a infecção de seu braço, mas ainda seguia havendo merda pendurando como franjas podres por todas as arestas de sua vida.
— Está seguro disso?
Rehv revirou os olhos e ficou de pé, deslizando um saco de M&M no bolso de seu casaco.
— Pode me acreditar.
iAm adotou uma expressão de «Ah, sim? E cravou os olhos no casaco de Rehv.
— Derretem-se em sua boca, não em sua mão[89].
— OH, se cale. Olhe, as pílulas devem ser tomadas com a comida. Leva contigo um sanduíche de presunto e queijo em pão de centeio? Eu não.
— Poderia ter feito uns linguini[90] com salsa e sal e ter te trazido. A próxima vez me avise com mais tempo.
Rehv saiu do escritório.
— Poderia deixar de ser tão considerado? Faz me sentir como uma merda.
— Isso é problema seu não meu.
Quando saíam do escritório, iAm falou por seu relógio e Rehv não perdeu nada de seu tempo no trajeto entre a porta lateral do clube e o carro. Quando esteve dentro do B, iAm desapareceu, viajando como uma sombra ondulada sobre o chão, desordenando as páginas de uma revista, fazendo repicar uma lata abandonada e arrepiando a neve solta.
Chegaria antes ao lugar da reunião e abriria o local enquanto Trez conduzia para lá.
Rehv marcou a reunião nesse lugar por dois motivos. Primeiro, era o leahdyre, então o conselho devia ir aonde ele dissesse e sabia que se retorceriam porque considerariam o estabelecimento indigno deles. Isso sempre era um prazer. E, segundo, era uma propriedade que adquiriu como investimento, assim estava em seu território.
Isso sempre era uma necessidade.
O Restaurante Salvatore’s, lar do famoso molho Sal, era totalmente uma instituição italiana em Caldie, e fazia mais de cinqüenta anos que tinha aberto suas portas. Quando o neto do primeiro dono, Sal III, como o conhecia, desenvolveu um horrendo hábito pelo jogo e adquiriu uma dívida de cento e vinte mil dólares com os apostadores de Rehv, deu-se a troca “isso por aquilo”: o neto transferiu a escritura legal do estabelecimento ao Rehv e Rehv não rompeu a bússola à terceira geração.
O que em termos vulgares, significava que o cara se salvava de que lhe destroçassem os cotovelos e os joelhos até ao ponto de necessitar uma substituição de articulações.
OH, e a receita secreta do molho Sal tinha vindo com o restaurante… requerimento acrescentado por iAm: durante as negociações que tinham durado tanto como um minuto e meio, a Sombra tinha elevado a voz para dizer: sem molho, não há trato. E logo tinha exigido prová-la para assegurar-se de que a receita fosse a correta.
Desde que se produziu essa feliz transação, o mouro esteve administrando o lugar, e quem o teria dito? Estava dando lucros. Mas, bem isso era o que ocorria quando não empregava cada centavo disponível para dilapidá-lo em seleções de futebol ruins. No restaurante o tráfico estava em alta, a qualidade da comida voltava a ser a de antes, e o lugar estava recebendo uma cirurgia estética fodidamente importante que se traduzia em novas mesas, cadeiras, toalhas, tapetes e candelabros.
Todos os quais eram réplicas exatas do que houvera antes.
Não se fodia com a tradição, como costumava dizer iAm.
A única mudança interior era uma que ninguém podia ver: uma malha de aço tinha sido aplicada a cada centímetro quadrado de paredes e tetos e todas as portas exceto uma tinham sido reforçadas com a mesma merda.
Ninguém poderia desmaterializar para dentro ou para fora sem que a direção estivesse inteirada ou tivesse aprovado.
Para falar a verdade, o dono do lugar era Rehv, mas era o bebê de iAm, e o mouro tinha razão ao estar orgulhoso de seus esforços. Até os goombahs[91] italianos da velha escola apreciavam a comida que cozinhava.
Quinze minutos mais tarde, o Bentley se deteve sob o abrigo para carros do único piso em expansão da extensão de tijolo à vista que era sua marca registrada. No edifício as luzes estavam apagadas, inclusive as que iluminavam o nome de Sal, embora o estacionamento deserto estivesse iluminado com o brilho alaranjado de abajures a gás antigos.
Trez aguardou na escuridão com o motor ligado e as portas do carro à prova de balas trancadas, enquanto evidentemente se comunicava com seu irmão da forma em que faziam as Sombras. Após um momento fez um gesto afirmativo com a cabeça e desligou o motor.
— Está limpo — saiu e deu a volta no Bentley para abrir a porta traseira ao Rehv, enquanto este agarrava sua bengala e deslizava seu corpo intumescido pelo assento de couro para sair. Durante o tempo que demoraram em cruzar o pavimento e abrir a pesada porta negra, a arma do mouro esteve desencapada e sobre sua coxa.
Entrar no Sal era como atravessar o Mar Vermelho. Literalmente.
Frank Sinatra lhes deu a bem-vinda, seu tema «Wives and Lovers» fluía dos alto-falantes embutidos no teto de veludo vermelho. Sob seus pés o tapete vermelho foi substituído recentemente e brilhava com o mesmo brilho e a mesma intensidade que o sangue humano recém derramado. As paredes circundantes eram vermelhas com um desenho de folhas e pétalas e a iluminação era como a de uma sala de cinema, quer dizer que em sua maior parte estava ao nível do chão. Durante o horário de trabalho, a tribuna da anfitriã e o lugar onde deixavam os casacos eram atendidos por vistosas mulheres de cabelos escuros com vestidos curtos e meias vermelhas, e todos os garçons usavam ternos negros com gravatas vermelhas.
A um lado, havia uma fileira de telefones públicos dos anos cinqüenta e duas máquinas vendedoras de cigarros da época do Kojak, e como sempre, o lugar cheirava a orégano, alho e boa comida. No fundo, também persistia um aroma de cigarros e charutos… ainda que a lei estabelecesse que não podia fumar neste tipo de estabelecimento, no ambiente de trás, onde estavam as mesas reservadas e se realizavam os jogos de pôquer, a administração permitia fazê-lo.
Rehv sempre esteve um pouquinho de saco cheio com respeito a ter tanto vermelho o rodeando, mas sabia que enquanto pudesse olhar por volta dos dois salões de refeições e ver que as toalhas das mesas eram brancas e que as cadeiras de couro tinham a profundidade adequada, estava bem.
— A Irmandade já está aqui — disse Trez enquanto se dirigiam para a suíte privada onde seria a reunião.
Quando entraram na sala, não se ouviam conversas, nem risadas, sequer um pigarro entre os machos que enchiam o espaço. Os Irmãos estavam alinhados ombro a ombro diante de Wrath, que estava parado frente à única porta que não estava reforçada com aço… para que pudesse desmaterializar-se livremente e imediatamente em caso de ser necessário.
— Boa noite — disse Rehv, optando pela cabeceira da mesa longa e estreita que tinha sido disposta com vinte cadeiras.
Houve uma linguagem obscura e incompreensível de “olá como está”, mas o hermético grupo de guerreiros parecia uma linha de defesa de futebol americano, enfocados exclusivamente na porta de entrada que Rehv acabava de atravessar.
Sim, se fodia com seu amigo Wrath o fariam conhecer seu possível futuro… metendo isso pelo seu traseiro.
E quem o julgaria? Aparentemente tinham adquirido um mascote. Um pouco mais afastado, para a esquerda, havia um tipo que parecia uma brilhante estatueta do Oscar, com a testa alta e usando umas calças camufladas, seu cabelo loiro e moreno o fazia parecer um heavy dos anos oitenta em busca de uma banda que o respaldasse. Contudo, o aspecto de Lassiter, o anjo caído, não era menos feroz que dos Irmãos. Talvez fosse devido a seus piercings. Ou, por que seus olhos eram completamente brancos. A merda com isso, o motivo verdadeiro era que as vibrações que emitia o tipo eram realmente intensas.
Interessante. Dada a forma em que fixava seu olhar penetrante na porta, igual aos outros, se diria que Wrath estava na lista de proteção às espécies desse anjo.
iAm entrou pela parte traseira, com a arma em uma mão e uma bandeja com cappuccinos na outra.
Vários Irmãos aceitaram o que lhes oferecia, embora todos esses copos delicados fossem se converter em goma de mascar para os tacos de seus shitkickers se tivessem que brigar.
— Obrigado, amigo — Rehv também aceitou um dos cappuccinos — Cannoli[92]?
— Estão vindo.
As instruções para ir à reunião foram claramente indicadas de antemão. Os membros do conselho deviam chegar pela parte dianteira do restaurante. Se algum sequer tocava o trinco de outra porta, assumiria o risco de que lhe disparassem. iAm lhes permitiria a entrada e os escoltaria para outra sala. A partida, também seria pela porta dianteira, e lhes proporcionaria um guarda para que pudessem desmaterializar-se a salvo. Ostensivamente, as medidas de segurança se deviam a que Rehv estava “preocupado devido aos lessers”. O verdadeiro motivo era proteger Wrath.
iAm entrou com os cannoli .
Comeram os cannoli.
Trouxeram mais cappuccinos.
Frank cantou “Fly me to the Moon”. Em seguida veio essa canção que falava do bar que estava fechando e que ele necessitava outra para o caminho.
E, logo aquela que se referia a três moedas em uma fonte. E ao fato que estivesse apaixonado por alguém.
Junto ao Wrath, Rhage trocou o peso imponente de seu corpo de uma shitkicker a outra, e sua jaqueta de couro chiou. A seu lado, o rei fez rodar seus ombros, e um deles rangeu. Butch fez soar seus nódulos. V acendeu um cigarro. Phury e Z olharam um ao outro.
Rehv jogou uma olhada a iAm e a Trez que estavam na entrada. Voltou a olhar para o Wrath.
— Surpresa, surpresa.
Fazendo uso de sua bengala, ficou de pé e deu uma volta ao redor da sala, e seu lado symphath sentiu respeito pela tática ofensiva dos outros membros do conselho ao organizar esta ausência inesperada. Nunca teria pensado que tinham culhões suficiente para…
Da porta dianteira do restaurante lhes chegou um bing-bong.
Enquanto Rehv girava a cabeça, ouviu o suave deslizar metálico ao serem retiradas as travas das armas que os Irmãos tinham nas mãos.
Do outro lado da rua, frente aos portões fechados do Cemitério de Pine Grove, Lash caminhou para um Honda Civic que estava estacionado nas sombras. Quando pôs a mão sobre o capô, sentiu-o quente, e não teve que rodeá-lo ao assento do condutor para saber que a janela tinha sido quebrada. Este era o carro que Grady utilizou para ir até a tumba de sua falecida ex.
Quando ouviu o som de botas que se aproximavam pelo asfalto, agarrou a arma que levava no bolso superior.
Enquanto se aproximava, o senhor D não deixava de tocar seu chapéu de cowboy.
— Por que nos fez abandonar…?
Com toda calma Lash elevou a arma nivelando-a a altura da cabeça do lesser.
— Me dê agora um motivo para que não te abra um buraco nesse puto cérebro que tem.
Os assassinos que estavam dos lados do senhor D deram um passo atrás. Muito atrás.
— Porque descobri que tinha fugido — disse o senhor D com seu sotaque texano — Por isso. Estes dois não tinham nem a menor idéia de onde tinha ido.
— Você estava no comando. Você o perdeu.
O senhor D tinha o olhar sereno.
— Estava contando todo seu dinheiro. Quer que outra pessoa faça essa tarefa? Não acredito.
Merda, bom ponto. Lash baixou a arma e olhou os outros dois. Diferente do senhor D que estava firme como uma rocha, os outros estavam muito agitados. O que indicava precisamente quem tinha perdido sua propriedade.
— Quanto dinheiro entrou? — perguntou Lash, com a vista ainda cravada em seus homens.
— Muito. Está tudo ali no Escort.
— Bem, o que lhes parece? Meu humor está melhorando — murmurou Lash, guardando sua arma — Quanto a por que ordenei detê-los, Grady está a ponto de ser preso com minhas fodidas felicitações. Quero que seja a noiva de alguém algumas vezes e que desfrute da vida atrás das grades antes que o mate.
— Mas e o que me diz de…?
— Temos os meios para contatar com os outros dois distribuidores e podemos vender o produto por nossa conta. Não o necessitamos.
O som de um carro aproximando-se dos portões de ferro de dentro do cemitério fez que todos girassem a cabeça para a direita. Era o carro que esteve estacionado do outro lado da curva junto a essa nova tumba e quando o PDM se deteve, de seu cano de escapamento se elevou o vapor, emitindo bufos como se o motor estivesse soltando peidos. Desceu um cara muito desarrumado de cabelo escuro. Depois de abrir a corrente, aplicou toda sua energia a empurrar um lado dos portões, logo os atravessou com o carro, voltou a descer do mesmo e fechou o lugar outra vez.
No carro não havia ninguém mais.
Dobrou à esquerda, e as luzes vermelhas foram se desvanecendo enquanto se afastava.
Lash jogou uma olhada ao Civic que era a única outra forma que tinha Grady de sair dali.
Que porra tinha se passado? O policial deveria ter visto Grady, porque esteve caminhando diretamente para seu carro…
Lash se enrijeceu e logo girou rapidamente sobre sua bota, moendo, com a grosa sola, o sal que tinha sido derramado sobre o caminho.
Havia algo mais no cemitério. Algo que nesse momento tinha decidido revelar a si mesmo.
Algo que se percebia exatamente igual ao symphath do norte do Estado.
E, esse era o motivo de que o policial se foi. Tinham-no impulsionado mentalmente a fazê-lo.
— Retorna à choça com o dinheiro — disse ao senhor D — Te verei ali.
— Sim senhor. Em seguida.
Lash não prestou muita atenção à resposta. Estava muito interessado em inteirar-se de que merda estava passando ao redor da tumba da garota morta prematuramente.
Capítulo 48
Xhex se alegrava que a mente humana fosse como argila: não levou muito tempo obter que o cérebro de José Da Cruz registrasse a ordem que lhe deu, e assim que o fez, pôs seu copo de café frio no porta copos e arrancou com o carro.
Do outro lado, entre as árvores, Grady parou sua marcha de zumbi, tinha aspecto de estar fodidamente horrorizado ao ver que havia um sedan ali. Entretanto, ela não se preocupou de que o tipo pudesse acovardar-se. A dor pela perda, o desespero e o remorso enchiam o ar que o rodeava e essa rede logo lhe faria avançar para a tumba recente, com maior resolução que qualquer pensamento que ela pudesse implantar no lóbulo frontal do filho da puta.
Xhex esperou enquanto ele esperava… e efetivamente, assim que Da Cruz se foi, essas botas fabricadas para caminhar voltaram para o jogo, levando Grady bem onde ela o desejava.
Quando ele chegou à lápide de granito, um som afogado escapou de sua boca e foi o primeiro soluço de muitos que seguiram. Como uma bichinha começou a soluçar, e seu fôlego se congelava formando nuvens brancas enquanto se agachava sobre o lugar onde a mulher que tinha assassinado passaria o próximo século decompondo-se.
Se gostava tanto da Chrissy, por que não pensou nisso antes de liquidá-la?
Xhex saiu de atrás do carvalho e deixou que seu mascaramento evaporasse, revelando a si mesma na paisagem. Enquanto se aproximava do assassino de Chrissy, levou a mão para a parte baixa de suas costas e desencapou a faca de aço inoxidável que elegantemente estava embainhada ao longo de sua espinha dorsal. A arma era longa como seu antebraço.
— Olá, Grady — disse.
Grady girou de repente como se tivessem metido um cartucho de dinamite no traseiro e ele tivesse a esperança de apagar o pavio na neve.
Xhex manteve a lâmina atrás de sua coxa.
— Como está?
— O que…?
Buscou com o olhar suas duas mãos. Quando só viu uma, retrocedeu como um caranguejo, sobre mãos e pés, arrastando a bunda pelo chão.
Xhex o seguiu, procurando manter uma distância de um metro entre eles. A julgar pela forma que Grady insistia em olhar por cima do ombro, diria que estava se preparando para virar e sair correndo, e ela se manteria calma até que ele…
Bingo.
Grady se balançou para a esquerda, mas ela caiu sobre ele, agarrando-o pelo pulso, permitiu que o impulso que adquiriu o levasse para frente até que seu agarre o freou completamente. Terminou de barriga para baixo com a arma dobrada atrás de suas costas e rendido a sua misericórdia. E, é obvio que ela tinha nascido com uma carência absoluta de misericórdia. Com uma rápida navalhada, fez um corte em seu tríceps, atravessando à grossa parka[93] e a pele fina e suave.
Fez isso só para distraí-lo, e funcionou. Grady uivou com dor e apressou-se a cobrir a ferida.
Isso deu a ela tempo de sobra para agarrar a bota esquerda dele e torcer até que ele não se importou mais com o que estava ocorrendo no braço. Gritou e tratou de aliviar a pressão dando a volta, mas ela plantou um joelho na parta baixa de suas costas e manteve-o no lugar enquanto quebrava seu tornozelo com uma torção. Desmontou-se rapidamente e com outro corte incapacitou sua outra perna fatiando os tendões de sua coxa.
Isso cortou as choramingações pela metade.
Quando Grady entrou em pânico, perdeu o fôlego e se acalmou… até que ela começou a arrastá-lo para a tumba. Ele lutou por todo o caminho da mesma maneira que gritava, mas fez mais ruído que efeito. Uma vez que esteve onde o queria, cortou os tendões do outro braço para que por mais que se esforçasse em mover as mãos, não pudesse. Então, virou-o para que tivesse uma boa vista do céu e puxou sua parka para cima.
Agarrou seu cinturão ao mesmo tempo em que mostrava a faca.
Os homens eram graciosos. Sem importar quanto descontrolados estivessem, era só aproximar algo comprido, afiado e brilhante a seu cérebro primário, e obteria fogos de artifício.
— Não…!
— Oh, sim — aproximou a faca a seu rosto— Claro que sim.
Ele lutou decididamente, apesar das feridas ocasionadas para inibi-lo, e ela se deteve para desfrutar do espetáculo.
— Antes que te deixe, estará morto — disse enquanto ele se sacudia por toda parte — Mas, antes de ir, você e eu vamos passar um bom momento juntos. Não muito, sabe? Tenho que voltar para o trabalho. Menos mal que sou rápida.
Pôs a bota sobre seu peito para imobilizá-lo, abriu o botão e o zíper da braguilha, e baixou-lhe as calças.
— Quanto tempo levou para matá-la, Grady? Quanto?
Absolutamente aterrorizado, gemeu e retorceu-se. Seu sangue manchou a neve branca de vermelho.
— Quanto tempo, filho da puta? — Fez um corte ao longo da cintura de sua cueca Empório Armani — Quanto tempo sofreu?
Um momento depois, Grady gritou tão forte, que o som sequer foi humano; parecia mais ao estridente som de um corvo negro.
Xhex fez uma pausa e desviou o olhar em direção à estátua da mulher com túnica que havia passado tanto tempo olhando durante o serviço de Chrissy. Por um momento, pareceu que o rosto de pedra tinha mudado de posição, como se a formosa fêmea já não estivesse olhando Deus, e sim a Xhex.
Mas isso não era possível, ou era?
Enquanto Wrath permanecia atrás da parede de Irmãos, seus ouvidos captaram o som distante da porta dianteira de Sal abrindo e fechando, isolando o sutil giro das dobradiças entre os Scooby–dooby–doos de Sinatra. O que fosse que estivessem esperando, acabava de chegar, e, tanto seu corpo, como seus sentidos e coração desaceleraram, como se estivessem aproximando de uma curva fechada e se preparassem para tomá-la a toda potência.
Moveu os olhos para poder enfocá-los melhor, a sala vermelha, a mesa branca e as nucas das cabeças de seus irmãos se fizeram um pouco mais claras enquanto iAm voltava a aparecer na arcada.
Um macho extremamente bem vestido o acompanhava.
Bem, esse cara tinha “glymera” estampado por todo seu elegante traseiro. Com um ondulado cabelo loiro penteado para o lado, tinha um estilo tipo “O Grande Gatsby” [94], seu rosto estava tão perfeitamente proporcionado e equilibrado que era francamente formoso. Seu casaco de lã negra estava confeccionado para ajustar-se ao seu magro corpo, e na mão levava uma fina maleta com documentos.
Wrath nunca o tinha visto antes, mas parecia jovem para a situação que acabava de encontrar. Muito jovem.
Não era nada mais que um cordeiro para o sacrifício muito caro e com muito estilo.
Rehvenge caminhou a passos largos para o menino, o symphath sustentava sua bengala como se fosse desencapar uma espada que havia nela, caso Gatsby se atrevesse sequer a respirar fundo.
— Será melhor que comece a falar. Já.
Wrath se adiantou, metendo-se entre Rhage e Z, nenhum dos dois ficou muito contente com a mudança de posições. Um rápido gesto de mão evitou que tratassem de manobrar para ficar frente a ele.
— Como se chama filho?
A última coisa de que precisavam era um cadáver, e com o Rehv nunca podia dar nada por certo.
O cordeiro Gatsby fez uma sóbria reverência e logo se endireitou. Quando falou, fez com uma voz que surpreendentemente era profunda e segura, considerando a quantidade de carregadores automáticos que tinha apontados a seu peito.
— Sou Saxton, filho de Tyhm.
— Vi seu nome com antecedência. Prepara relatórios a respeito de linhas sucessórias?
— Sim.
Assim que o Conselho realmente estava descendo pela linha sucessória, não? Sequer enviavam o filho de um membro do Conselho.
— Quem o enviou, Saxton?
— O substituto de um homem morto.
Wrath não tinha idéia de como a glymera soube da morte de Montrag e não lhe importava. Contanto que a mensagem chegasse à outra pessoa envolvida no complô, isso era tudo o que importava.
— Por que não nos diz seu parecer?
O macho deixou a maleta sobre a mesa e soltou o clipe dourado. No instante em que o fez, Rehv liberou sua espada vermelha e pôs a ponta exatamente sobre uma garganta pálida. Saxton congelou-se e olhou a seu redor sem mover a cabeça.
— Seria melhor que se movesse devagar, filho — murmurou Wrath — Há muitos tipos de gatilho fácil nesta sala, e esta noite é o alvo favorito de todos eles.
As palavras pronunciadas por essa voz estranhamente profunda e serena foram comedidas:
— É por isso que lhe disse que devíamos fazer isto.
— Fazer o que? — disse Rhage, sempre impetuoso… apesar da espada de Rehv, Hollywood estava preparado para saltar sobre Gatsby saindo ou não algum tipo de arma de entre essas dobras de couro.
Saxton olhou ao Rhage, e em seguida voltou a enfocar-se em Wrath.
— No dia seguinte do assassinato do Montrag…
— Interessante escolha de palavras — disse Wrath arrastando as palavras, e se perguntando o quanto saberia exatamente este tipo.
— É obvio que foi um assassinato. Quando acaba morto, geralmente conserva os olhos dentro de seu crânio.
Rehv sorriu, revelando um par de adagas bucais idênticas.
— Isso depende de seu assassino.
— Continua — incitou Wrath— E Rehv, se não se importa, afrouxa um pouco com esse teu fio.
O symphath retrocedeu um pouco, mas não embainhou sua arma, e Saxton o olhou de esguelha antes de continuar.
— À noite em que Montrag foi assassinado, isto foi entregue a meu chefe — Saxton abriu a maleta de documentos e tirou um envelope de seda — Era do Montrag.
Pôs a coisa de barriga para baixo sobre a mesa para mostrar que o selo de cera não tinha sido quebrado e se afastou.
Wrath olhou o envelope.
— V, poderia fazer as honras?
V se adiantou e levantou o envelope com sua mão enluvada. Ouviu-se papel que se rasgava e em seguida mais papel deslizando fora do envelope.
Silêncio.
V guardou novamente os documentos, colocou o envelope na cintura de suas calças, na parte baixa de suas costas, e olhou fixamente ao Gatsby.
— Supõe-se que devemos acreditar que você não o leu?
— Não o fiz. Meu chefe tampouco. Ninguém o fez desde que a seqüência de fatos da custódia caiu sobre meu chefe e sobre mim.
— Seqüência de fatos de custódia? É advogado, ou só um assistente jurídico?
— Estou estudando para ser advogado na Antiga Lei.
V se inclinou para frente e despiu as presas.
— Está seguro de que não leu isto, verdade?
Saxton devolveu o olhar ao Irmão como se repentinamente estivesse fascinado com as tatuagens da têmpora de V. após um momento, sacudiu a cabeça e falou com esse tom baixo de voz que tinha.
— Não estou interessado em me unir à lista de pessoas que foi encontrada morta e sem olhos sobre seus tapetes. Tampouco meu chefe. O selo que tinha esse documento foi posto pelas mãos de Montrag. O que tenha dentro não foi lido desde que ele deixou que essa cera quente gotejasse em cima do envelope.
— Como sabe que foi Montrag o que o lacrou?
— A que está na frente é sua letra, sei por que vi muitas notas suas em documentos. Além disso, seu doggen pessoal trouxe a pedido dele.
Enquanto Saxton falava, Wrath estudava cuidadosamente as emoções do macho, aspirando com seu nariz. Não havia engano. Tinha a consciência limpa. O tipo se sentia atraído por V, mas, além disso? Não havia nada. Nem sequer medo. Era precavido, mas estava tranqüilo.
— Se está mentindo — disse V brandamente — Nos inteiraremos e iremos te buscar.
— Não duvido disso nem por um instante.
— O que lhes parece? O advogado é inteligente.
Vishous ocupou novamente seu lugar na fila, e sua mão retornou à culatra de sua arma.
Wrath desejava saber o que havia no envelope, mas se dava conta que o que houvesse aí dentro não devia ser adequado para ver em tão variada companhia.
— Então, onde estão seu chefe e seus amigos, Saxton?
— Nenhum deles virá — Saxton olhou as cadeiras vazias — Todos estão aterrorizados. Depois do que aconteceu ao Montrag, encerraram-se em suas casas e permanecerão ali.
Bem. Pensou Wrath. Com a glymera fazendo honra a seu talento de ser covarde, tinha uma coisa menos de que preocupar-se.
— Obrigado por vir, filho.
Saxton tomou a dispensa exatamente pelo que era, voltando a fechar sua maleta, fez outra reverência, e girou para ir.
— Filho?
Saxton se deteve e se voltou.
— Meu senhor?
— Teve que convencer a seu chefe para que decidisse fazer isto, verdade? — Um discreto silêncio foi a resposta — Então é um bom assessor, e acredito em você… pelo que você sabe, nem você nem seu empregador inspecionaram o envelope para ver o que for que tenha dentro. Entretanto, a bom entendedor poucas palavras bastam. Se fosse você buscaria outro trabalho. As coisas ficarão piores antes de melhorar, e o desespero faz com que até as pessoas mais honoráveis se voltem uma merda. Já o enviaram à boca do leão uma vez. Voltarão a fazê-lo.
Saxton sorriu.
— Se alguma vez necessitar um advogado pessoal, me avise. Depois de todo o treinamento em fideicomissos, patrimônios e linhas sucessórias que tive este verão, tenho intenção de começar a trabalhar por conta própria.
Fez outra reverência e logo partiu acompanhado de iAm, com a cabeça alta e o passo firme.
— O que tem ali, V? — perguntou Wrath em voz baixa.
— Nada bom, meu senhor, nada bom.
A visão do Wrath escureceu, voltando para seu estado normal de inutilidade desfocada, e a última coisa que viu claramente antes que ocorresse, foi como V cravava seus olhos diamantinos em Rehvenge.
Capítulo 49
Quando o carro incógnito da polícia deixou o cemitério de Pine Grove, Lash se concentrou completamente na presença symphath que acabava de se revelar dentro das portas.
— Percam-se — disse a seus homens.
Quando se desmaterializaram, empreendeu o caminho de volta para a tumba da garota morta que estava na esquina posterior da…
O grito parecia vir de uma ópera desafinada, de uma soprano que perdera o controle de sua voz, e o tom havia voado alto deixando de ser canto para converter-se em chiado. Quando Lash reassumiu sua forma, ficou de saco cheio porque acabava de perder a diversão e os jogos… porque isso devia ter sido digno de ser visto.
Grady estava estendido de costas com as calças abaixadas, sangrando por várias partes, mas especialmente por um corte recente que atravessava seu esôfago. Estava vivo como uma mosca no batente de uma janela quente, tinha os braços e as pernas retorcidos e os fazia girar lentamente.
Sua assassina deixava a posição escondida e erguia-se: era essa cadela mariamacho do ZeroSum. E, em contraposição à mosca moribunda, que era alheia a tudo salvo a sua própria morte, ela soube o momento exato em que Lash entrou em cena. Deu a volta rapidamente adquirindo uma posição de luta, com uma expressão concentrada no rosto, agarrou firmemente a faca que gotejava, e afirmou as coxas preparando para que pudesse impulsionar seu duro corpo para diante.
Era fodidamente sexy. Especialmente quando franziu o cenho ao reconhecê-lo.
— Acreditei que estivesse morto — disse — E também acreditei que fosse vampiro.
Ele sorriu.
— Surpresa. E você também esteve ocultando um segredo, verdade?
— Não. Nunca me caiu bem, e isso não mudou.
Lash sacudiu a cabeça e olhou seu corpo descaradamente.
— Fica realmente bem vestida de couro, sabia?
— E você estaria melhor com um espartilho engomado.
Ele riu.
— Esse foi um golpe baixo.
— Assim como meu oponente. Imagino.
Lash sorriu e, com algumas vívidas imagens, fez crescer sua atração até obter uma ereção completa porque sabia que ela perceberia. Imaginou-a ajoelhada frente a ele, com seu pênis na boca, enquanto sustentava sua cabeça com as mãos e fodia sua boca até que ela tivesse ânsias.
Xhex pôs os olhos em branco.
— Pornografia. Barata.
— Não. Sexo. Futuro.
— Sinto muito, não estou interessada em Justin Timberlake. Nem em Rum Jeremy[95].
— Já veremos — Lash assinalou com a cabeça ao humano, cujas contorções minguaram como se estivesse congelando com o frio — Temo que me deva algo.
— Se te refere a uma ferida de faca, já me ponho a fazê-la.
— Isso — disse apontando Grady — Era meu.
— Deveria elevar suas normas. Isso — disse imitando sua postura — é merda de cão.
— A merda é um bom fertilizante.
— Então deixa que se espalhe sob uma roseira, e veremos que tal o faz.
Grady deixou escapar um gemido e ambos o olharam. O bastardo estava na etapa final da morte, seu rosto tinha a mesma cor da terra congelada que havia ao redor de sua cabeça, o sangue que fluía de suas feridas diminuindo.
Repentinamente, Lash deu-se conta do que lhe tinham metido na boca e olhou a Xhex.
— Caralho… poderia me interessar seriamente em uma mulher como você, comedora de pecados.
Xhex passou a folha de sua arma ao longo da borda escarpada da lápide, o sangue de Grady se transferiu do metal à pedra como se fosse a marca de uma vingança.
— Tem guelra, lesser, considerando o que lhe fiz. Ou, não quer conservar teu par?
— Sou diferente.
— Menor que ele? Cristo, que decepção. Agora, se me desculpar, estou indo.
Levantou a faca e o saudou, antes de desaparecer.
Lash ficou olhando o ar onde ela esteve, até que Grady gorjeou fracamente como uma drenagem com o último atoleiro de água da banheira.
— Viu-a? — perguntou Lash ao idiota — Que fêmea. Definitivamente a saborearei.
O último fôlego de Grady saiu do buraco de sua garganta, porque não tinha outro lugar por onde sair, já que sua boca estava ocupada fazendo uma mamada a si mesmo.
Lash plantou as mãos nos quadris e olhou o corpo que ia se esfriando.
Xhex… devia assegurar-se de que seus caminhos voltassem a cruzar. E tinha esperanças de que tentasse dizer aos Irmãos que o vira: um inimigo alterado era melhor que um composto. Sabia que a Irmandade se perguntaria como demônios o Omega fizera para converter um vampiro em lesser, mas isso era só uma pequena parte da história.
Ele seguia sendo o que apresentaria o final da piada.
Enquanto Lash ia passeando lentamente pela noite fria, acomodou-se dentro de suas calças e decidiu que precisava ter sexo. Deus sabia que desejava.
Ao tempo em que iAm fechava a porta dianteira de Sal, Rehvenge embainhava sua espada vermelha e observava Vishous. O Irmão o olhava fixamente de má maneira.
— Então, o que havia aí dentro?
— Você.
— Montrag tratou de fazer parecer que era eu o responsável pelo complô para matar Wrath? — não é que importasse que o tivesse feito. Rehv já tinha demonstrado de que lado estava ao fazer que passassem a faca ao filho de puta.
Vishous sacudiu a cabeça lentamente, em seguida observou como iAm se unia a seu irmão.
Rehv falou causticamente:
— Não há nada que não saibam a respeito de mim.
— Bom, então, aqui tem comedor de pecados — V atirou o envelope a mesa — Aparentemente, Montrag sabia o que era. E, indubitavelmente esse foi o motivo pelo qual foi a você para tentar matar Wrath. Se divulgasse o que era, ninguém acreditaria que não tinha sido tua idéia e só tua.
Rehv franziu o cenho e tirou o que parecia uma declaração jurada que narrava como foi assassinado seu padrasto. O que. Merda? O pai do Montrag esteve na casa depois do assassinato; isso Rehv sabia. Porém, que o tipo tivesse feito que o hellren de sua mãe não só falasse, mas também atestasse? E que então, não houvesse feito nada com a informação?
Rehv reviveu o que tinha passado um par de dias atrás, nessa reunião no estúdio de Montrag… e o alegre comentário do tipo a respeito de que sabia que tipo de macho era Rehv.
Sabia, bem, e não só o que referia ao tráfico de drogas.
Rehv voltou a guardar o documento no envelope. Merda, se isto saía à luz a promessa que fizera à sua mãe voaria em pedaços.
—Então, o que diz exatamente aí dentro? — perguntou um dos Irmãos.
Rehv colocou o envelope dentro de seu casaco de marta zibelina.
— Uma declaração jurada assinada por meu padrasto exatamente antes de morrer me denunciando como symphath. É original, a julgar pela assinatura que figura ao final e que está feita com sangue. Mas, o quanto estão dispostos a apostar que Montrag não envio sua única cópia?
— Talvez seja falsa — murmurou Wrath.
Improvável, pensou Rehv. Muitos dos detalhes acerca do que ocorreu essa noite eram corretos.
Repentinamente, retornou ao passado, na noite em que fizera essa proeza. Tinham tido que levar sua mãe à clínica do Havers porque teve um de seus inúmeros “acidentes”. Quando foi evidente que a deixariam em observação durante o dia, Bella ficou com ela, e Rehv tinha tomado uma decisão.
Tinha retornado a casa, reunido aos doggens nas dependências de serviço, e enfrentado o pesar coletivo de todos aqueles que serviam à sua família. Podia recordar muito claramente ter olhado aos machos e às fêmeas da casa e haver enfrentando um a um os olhares de todos eles. Muitos tinham chegado ao lar graças a seu padrasto, mas permaneceram por sua mãe. E estavam esperando que ele fizesse algo para deter o que esteve ocorrendo durante muito tempo.
Disse que saíssem da mansão por uma hora.
Ninguém havia manifestado desacordo, e cada um deles o abraçou ao sair. Todos sabiam o que faria, e também era sua vontade.
Rehv ali ficou até que o último doggen se foi, e em seguida havia ido ao estúdio de seu padrasto e encontrado ao macho examinando documentos em seu escritório. Em sua fúria, Rehv se encarregou do macho à antiga, devolvendo golpe por golpe, igualando a dor infligida à sua mãe antes de conduzir ao filho da puta a sua real e imerecida recompensa.
Quando soou a campainha na porta dianteira, Rehv tinha assumido que fosse o pessoal que retornava, e o estavam avisando para que pudessem declarar sem faltar à verdade que não tinham visto o assassino em ação. Necessitando aplicar-lhe um último “foda-se”, tinha lhe dado um murro quebrando o crânio de seu padrasto com tanta força que do golpe a espinha dorsal do bastardo mal-tratador de shellan saiu do lugar.
Movendo-se rápido, Rehv tinha se afastado do corpo, aberto a porta principal com sua vontade e saído pelas portas–balcão que estavam no fundo. Que os doggen encontrassem o corpo ao chegar a casa, era perfeito, já que a subespécie era dócil por natureza e nunca se veria implicada em um ato de violência. Além disso, a essa altura seu lado symphath estava rugindo, e precisava recuperar o controle de si mesmo.
E, naqueles dias isso não implicava dopamina. Tinha que usar a dor para domar ao comedor de pecados que havia nele.
Tudo tinha parecido encaixar em seu lugar… até que se inteirou na clínica que o pai do Montrag tinha encontrado o corpo. Não obstante, resultou que não havia nada do que preocupar-se. Pelo que havia dito o macho naquele momento, Rehm tinha entrado, deparou-se com a cena, e tinha chamado Havers. Quando o doutor chegou, o pessoal tinha chegado, e declarado que a ausência do grupo se devia a que era o solstício do verão e tinham estado fora se preparando para as cerimônias que celebrariam essa semana.
O pai do Montrag tinha representado bem seu papel, igual seu filho. Qualquer alteração emocional que Rehv tivesse captado fosse naquele tempo ou durante a reunião que tivera fazia poucos dias, as teria atribuído a recente morte ou ao assassinato, os quais ambos estiveram presentes na missiva.
Deus! Resultava claro, muito claro, o que esteve perseguindo Montrag ao fazer acertos com Rehv para o assassinato de Wrath. Depois que a façanha ocorresse, estaria preparado para aparecer com a declaração jurada que exporia Rehv como assassino e como symphath e dessa forma quando fosse deportado, assumiria o poder não só do Conselho, mas também da raça inteira.
Genial.
Que pena que não tivesse funcionado conforme o planejado. Fazia que lhe enchesse os fodidos olhos de lágrimas, verdade?
— Sim, deve haver mais declarações juradas — murmurou Rehv — Ninguém faria circular sua única cópia.
— Valeria a pena fazer uma visita a essa casa — disse Wrath — Se os herdeiros do Montrag se apoderam de algo assim, todos estaremos em problemas, entendem-me?
— Morreu sem descendência, mas sim, em algum lugar fica algo de sua linhagem. E, vou me assegurar de que não se inteirem disto.
De nenhuma maldita maneira o obrigariam a romper o juramento feito a sua mãe.
Isso jamais ocorreria.
CONTINUA
Capítulo 41
John levou seu fodido tempo na ducha de Xhex, e se lavou profundamente não porque estivesse sujo, mas sim, porque pensou que ele também podia brincar esse joguinho de apagar-o-quadro-negro-por-completo e o-que-aconteceu-entre-nós-não-aconteceu-realmente.
Depois que ela se foi, não sabia há quantas horas e horas depois, seu primeiro pensamento foi negativo. Não mentiria: Tudo o que queria fazer era sair diretamente para fora e ficar sob o sol, e, assim, terminar com essa piada que como um imbecil perdedor chamava de vida.
Havia muitas coisas nas quais falhava. Não podia falar. Era péssimo em matemática. Seu sentido da moda, se o deixavam só, era patético. Não era particularmente bom com as emoções. Normalmente perdia no gim rummy[78] e sempre no pôquer. E tinha muitos outros defeitos.
Mas, ser péssimo no sexo era o pior de todos.
Enquanto estava estendido na cama de Xhex considerando os méritos da auto-imolação, perguntou-se por que o fato de ser uma calamidade na hora de foder parecia mais importante que qualquer outra deficiência.
Talvez fosse porque o recente capítulo em sua vida sexual o fizera passar a um território ainda mais complicado, mais hostil. Talvez fosse porque o desastre mais recente estava muito fresco.
Talvez porque tinha sido a gota que transbordou o copo.
Tal e como via, tivera relações sexuais duas vezes, e em ambas ele tinha sido tomado, uma vez violentamente e contra sua vontade e então, umas quantas horas atrás, tinha sido com seu consentimento total e absoluto. As repercussões de ambas as experiências eram péssimas, e durante o tempo que tinha passado na cama de Xhex, tinha tratado de não reviver as feridas, mas em sua maior parte tinha falhado. Naturalmente.
Entretanto, ao cair da noite, já tinha desenvolvido um par de ovos ao dar-se conta que estava deixando que outras pessoas fodessem com sua mente. Em nenhum dos casos tinha feito nada mal. Então por que demônio pensava em acabar com sua vida quando não era ele o problema?
A resposta não era converter a si mesmo no equivalente vampiro de um s’more[79].
Merda, não. A resposta era não voltar a ser nunca, jamais, uma vítima.
De agora em diante, quando se tratasse de foder, seria ele o que foderia.
John saiu da ducha, secou seu corpo poderoso e ficou frente ao espelho, medindo seus músculos e sua força. Quando cavou a mão em torno de seus testículos e seu pênis, seu pesado sexo se sentia bem.
Não. Nunca mais seria a vítima de outros. Porra! Era hora de crescer.
John deixou a toalha da maneira que aterrissou sobre qualquer lugar, vestiu-se rapidamente, e de certa forma, quando ajustou suas armas e foi em busca de seu telefone se sentiu mais alto.
Negava-se a seguir sendo um sacal débil e chorão.
Sua mensagem para Qhuinn e Blay foi breve e concisa: Vms no ZS. V embebedar-me e spro q façam o mesmo.
Após apertar enviar, foi ao registro de chamadas. Várias pessoas discaram para seu telefone durante o dia, em sua maior parte Blay e Qhuinn, quem evidentemente chamou a cada duas horas. Também viu que ficou registrado um número privado desconhecido que tinha insistido três vezes.
O resultado final era que tinha dois correios de voz, e sem muita curiosidade, acessou a sua conta e escutou, esperando que o desconhecido fosse um humano que ligou para o número errado.
Não era.
A voz de Tohrment se ouvia tensa e baixa:
“Ouça, John, sou eu, Tohr. Escuta… Eu, ah, não sei se receberá isto, mas poderia me ligar se o fizer? Estou preocupado com você. Preocupa-me, e quero dizer que sinto muito. Sei que realmente estive fodidamente ausente durante muito tempo já, mas retornarei. Fui… Fui à Tumba. Era ali onde estava. Tinha que retornar e ver… Merda, não sei. Tinha que ver o lugar onde tudo começou antes de poder me lançar de volta à realidade. E logo eu, ah, ontem à noite me alimentei. Pela primeira vez desde que… — sua voz se quebrou e ouviu uma forte inspiração — Desde que Wellsie morreu. Pensei que não poderia suportá-lo, mas o fiz. Levará um tempo conseguir…”
Nesse momento a mensagem se interrompeu e uma voz gravada perguntou se queria guardá-la ou apagá-la. Pressionou a tecla para saltar à seguinte mensagem.
Era Tohr outra vez:
“Ouça, desculpa por isso, cortaram a comunicação. Só queria dizer que sinto te haver fodido. Não foi justo para você. Você também esteve levando luto por ela, e não estive ali para te ajudar, e isso sempre me pesará. Abandonei-te quando me necessitava. E… Sinto de verdade. Entretanto, já deixei de correr. Não vou a nenhuma parte. Suponho… Suponho que estou aqui e é aqui aonde pertenço. Porra! Estou falando sem sentido. Olhe me ligue, por favor, para me fazer saber que está a salvo. Adeus.”
Soou um bip e a voz gravada interrompeu:
“Guardar ou apagar?” induziu.
Quando John afastou o telefone de sua orelha para olhá-lo fixamente, houve um momento de vacilação quando o menino que ainda ficava nele pedia a gritos por seu pai.
Uma mensagem de texto de Qhuinn brilhou na tela, tirando-o da imaturidade.
John apertou apagar para a segunda mensagem de voz de Tohr, e, quando perguntaram se queria revisar a primeira mensagem, respondeu que sim e apagou aquela também.
O texto de Qhuinn era breve: T vmos lá.
Genial, pensou John enquanto recolhia sua jaqueta de couro e saía.
Para ser alguém desempregada e com um montão de faturas pendentes, era bastante insólito que Ehlena estivesse de bom humor.
Não obstante quando se desmaterializou para o Commodore se sentia feliz. Tinha problemas? Sim, definitivamente: se não encontrasse trabalho logo, ela e seu pai corriam o risco de perder o teto que tinham sobre suas cabeças. Mas tinha solicitado um posto de faxineira com uma família de vampiros para sair do apuro, e estava considerando fazer bico no mundo humano. As transcrições médicas eram uma idéia, o único problema era que não tinha uma identidade humana que pudesse ser impressa em um cartão plastificado, e obtê-la ia custar dinheiro. De toda forma, o salário de Lusie estava pago até o final de semana, e seu pai estava encantado de que sua “história”, como ele a chamava, tivesse agradado a sua filha.
E, além disso, tinha Rehv.
Não sabia que direção as coisas tomariam com ele, mas para eles existia uma possibilidade, e o sentimento de esperança e o otimismo que gerava essa possibilidade, fazia que se sentisse animada em todos os campos de sua vida, incluída a Santa merda do desemprego.
Tomando forma no terraço do apartamento de cobertura certo, sorriu às pequenas rajadas de flocos que formava redemoinhos com o vento e se perguntou por que será que cada vez que caía o frio não parecia tão frio.
Quando deu a volta, viu uma silhueta maciça através do vidro. Rehvenge estava esperando-a e permanecia atento à sua chegada, e, o fato de que desejasse isto tanto como ela fez que seu sorriso ampliasse tanto que seus incisivos zumbiram pelo frio.
Antes que pudesse avançar, a porta em frente a ele se abriu deslizando para um lado, e cruzou de uma pernada a distância que os separava, o vento invernal apanhou seu casaco de zibelina e o arrancou de corpo. Seus olhos de ametista reluziram. Sua pernada era poder puro. Sua aura era inegavelmente masculina.
Quando se deteve frente a ela, seu coração deu um salto. À luz do resplendor da cidade, seu rosto era severo e afetuoso ao mesmo tempo, e, embora sem dúvida estivesse congelado até os ossos, abriu seu casaco, a convidando há compartilhar o pouco calor que seu corpo pudesse ter.
Ehlena se meteu dentro e o abraçou, segurando-o com força, aspirando profundamente seu perfume.
Ele baixou a boca até sua orelha.
— Senti saudades.
Ela fechou os olhos, pensando que essas pequenas palavras eram tão boas como um “te amo”.
— Também senti sua falta.
Quando ele soltou uma suave risada de satisfação, ela escutou o som e ao mesmo tempo o sentiu retumbar em seu peito. E, então a abraçou mais estreitamente.
— Sabe? Com você assim apoiada contra mim, não tenho frio.
— Isso me faz feliz.
— A mim também. — ele girou com ela em seus braços para que ambos pudessem ficar frente ao terraço que parecia estar coberto com uma manta de neve, os arranhas-céu do centro e as duas pontes com suas fileiras de faróis dianteiros amarelos e luzes traseiras vermelhas — Nunca tinha conseguido desfrutar desta vista de uma forma tão próxima e pessoal como agora. Antes de você… Só a tinha visto através do vidro.
Agasalhada dentro do quente refúgio que o corpo e o casaco dele proporcionavam, Ehlena se sentiu triunfante porque juntos tinham vencido ao frio.
Com a cabeça descansando sobre seu coração, disse:
— É magnífica.
— Sim.
— E, entretanto… Não sei, mas só você me parece real.
Rehvenge se afastou um pouco e levantou seu queixo com seu comprido dedo. Quando sorriu, ela viu que suas presas se alargaram, e instantaneamente se excitou.
— Estava pensando exatamente o mesmo. — disse — Neste momento, não posso ver nada mais que a você.
Inclinou a cabeça e a beijou, beijou-a e beijou um pouco mais enquanto alguns flocos de neve dançavam ao redor deles como se constituíssem uma força centrífuga, um universo próprio que girava lentamente.
Quando ela deslizou seus braços ao redor da nuca dele e ambos perderam o controle, Ehlena fechou os olhos.
E isso significava que ela não viu e Rehvenge não percebeu a presença que se materializou no alto do telhado do luxuoso apartamento de cobertura…
E que os olhou com uns olhos que brilhavam avermelhados com a cor do sangue recém derramado.
Capítulo 42
— Por favor, se possível, trata de não se mover… De acordo, assim está bem.
Doutora Jane passou ao olho esquerdo de Wrath, enviando o feixe de luz de sua caneta-lanterna diretamente até a parte posterior de seu cérebro, ou, ao menos, isso pareceu a ele. Enquanto o arpão o brocava, teve que resistir ao impulso de retirar a cabeça.
— De verdade que isto não te agrada. — murmurou ela enquanto apagava a caneta-lanterna.
— Não.
Esfregou aos olhos e voltou a colocar os óculos de sol, incapaz de ver nada além de um par de brilhantes alvos negros.
Beth interveio.
— Mas isso não é incomum. Nunca pôde tolerar a luz.
Enquanto sua voz se desvanecia, ele estendeu o braço e apertou sua mão para tratar de reconfortá-la, o que, se funcionasse, também reconfortaria a ele por extensão.
Falando em ser desmancha-prazeres. Depois que ficou evidente que seus olhos tomaram um pequeno descanso não programado, Beth chamou à doutora Jane, que estava na nova clínica, e mais que disposta a fazer uma visita a domicílio imediatamente. Entretanto, Wrath insistiu em ir onde estava a doutora. O último que queria era que Beth tivesse de ouvir más notícias em seu quarto matrimonial… E o que era quase igualmente importante... Para ele, esse era seu espaço sagrado. Com exceção de Fritz que entrava para limpar, ninguém era bem-vindo em seu dormitório. Nem sequer os Irmãos.
Além disso, Doutora Jane iria querer fazer exames. Os médicos sempre queriam fazer exames.
Convencer Beth tinha levado bastante tempo, mas a seguir Wrath pôs seus óculos escuros, pôs o braço ao redor dos ombros de sua shellan, e, juntos, saíram do quarto, desceram sua escada privada, e entraram pela galeria exterior do segundo piso. No caminho, tropeçara um par de vezes, ao chocar seus shitkickers nos cantos dos tapetes pequenos e esquecer a localização exata dos degraus, e o acidentado trajeto acabou por ser uma revelação. Não tinha se dado conta de que confiava tanto em sua defeituosa visão como aparentemente o fazia.
Sagrada… E querida Virgem Escriba, pensou. O que ocorreria se ficava permanente e completamente cego?
Não poderia suportar. Simplesmente não poderia suportá-lo.
Felizmente, quando estavam no túnel a meio caminho para o centro de treinamento, a cabeça tinha palpitado várias vezes, e repentinamente o ligeiro brilho do teto atravessou seus óculos de sol. Melhor dizendo, seus olhos o tinham registrado. Deteve-se, piscou e tirou os óculos de sol e imediatamente teve que voltar a pô-los quando olhou para cima às placas fluorescentes.
Assim, nem tudo estava perdido.
Quando, a doutora Jane se deteve frente a ele, cruzou os braços e as lapelas de seu avental branco se enrugaram. Estava completamente sólida, sua forma fantasmal era tão substancial como a sua ou a de Beth, e ele virtualmente podia cheirar a madeira ardendo enquanto considerava seu caso.
— Suas pupilas estão virtualmente insensíveis, mas isso é porque estão quase totalmente contraídas para começar… Maldita seja! Oxalá tivesse feito em você um estudo óptico em condições normais. Disse que a cegueira te atacou de repente?
— Deitei-me e quando despertei era incapaz de ver qualquer coisa. Não estou seguro de quando ocorreu.
— Notou algo diferente?
— Além do fato de que não tenho dor de cabeça?
— Teve recentemente?
— Sim. É pela tensão nervosa.
Doutora Jane franziu o cenho. Ou ao menos ele sentiu que o fez. Para ele, seu rosto era um borrão pálido com cabelo loiro curto, suas feições eram indistintas.
— Quero que faça uma TAC na consulta com Havers.
— Por quê?
— Para ver um par de coisas. Assim, vejamos, despertou e sua vista simplesmente se foi…
— Para que quer a TAC?
— Quero saber há algo anormal em seu cérebro.
A mão de Beth apertou a sua como se estivesse tratando de acalmá-lo, mas o pânico o fazia ser descortês.
— Como o que? Porra, Doutora, simplesmente me diga.
— Um tumor. — como ele e Beth contiveram o fôlego, Doutora Jane continuou rapidamente — Os vampiros não contraem câncer. Mas houve casos de tumores benignos e isso poderia explicar as dores de cabeça. Agora me conte outra vez, despertou e… Se foi. Aconteceu algo incomum antes que dormisse? Ou depois?
— Eu… — porra. Merda — Despertei e me alimentei.
— Quanto tempo passou da última vez que o tinha feito?
Beth respondeu.
— Aproximadamente três meses.
— Muito tempo. — murmurou a doutora.
— Assim pensa que poderia ser isso? — perguntou Wrath — Não me alimentei o suficiente e a perdi, mas quando bebi de sua veia, minha vista retornou e…
— Acredito que necessita uma TAC.
Com ela não cabiam tolices, nada a discutir. Assim ao ouvir que abria um telefone e discava, manteve a boca fechada apesar de isso estar matando-o.
— Verei quando Havers pode te atender.
O que, sem dúvida, seria no ato. Wrath e o médico da raça tiveram suas diferenças, que remontavam à época em que estava com a Marissa, mas o homem sempre tinha dado prioridade a sua atenção quando era necessário.
Quando Doutora Jane começava a falar, Wrath interrompeu sua conversa.
— Não diga a Havers para o que é. Você e só você verá os resultados. Entendemo-nos?
A última coisa que precisavam era que houvesse qualquer tipo de especulação sobre sua capacidade para governar.
Beth elevou a voz.
— Diga que é para mim.
Doutora Jane assentiu e mentiu com desenvoltura, e enquanto dispunha tudo, Wrath atraiu Beth para seu lado.
Nenhum deles disse nada, porque que tipo de conversa teria? Ambos estavam assustados como a merda… Sua visão era uma porcaria, mas ele necessitava a pouca que tivesse. Sem ela? Que diabo faria?
— Tenho que ir à reunião do Conselho à meia-noite. — disse brandamente. Quando Beth se esticou, ele negou com a cabeça — Politicamente falando, devo ir. As coisas estão muito instáveis neste momento para não comparecer, ou tratar de mudá-la para outra noite. Tenho que aparentar uma posição de força.
— E o que ocorre se perder a vista no meio da reunião? — vaiou ela.
— Então dissimularei até que possa sair dali.
— Wrath…
A doutora Jane fechou seu telefone.
— Pode vê-lo agora mesmo.
— Quanto tempo demorará?
— Perto de uma hora.
— Bem. Há um lugar em que devo ir a meia-noite.
— Por que não vemos o que diz o exame…
— Tenho que…
A doutora Jane o interrompeu com uma autoridade que indicava que nesta ocasião ele era um paciente, não o rei.
— “Ter que” é um termo relativo. Já veremos o que ocorre ali dentro e logo poderá decidir quantos “tenho que” consegue.
Ehlena poderia ficar no terraço com Rehvenge durante vinte anos, mas lhe sussurrou ao ouvido que tinha preparado algo para comer, e sentar-se frente a ele à luz de velas soava igualmente bom.
Depois de um prolongado beijo final, entraram juntos, ela recostada contra ele, que rodeava sua cintura com o braço, enquanto ela tinha a mão em suas costas, entre suas omoplatas. O luxuoso apartamento de cobertura estava caloroso, assim que tirou o casaco e o lançou sobre um dos sofás negros de couro.
— Pensei que podíamos comer na cozinha. — disse ele.
E até aqui chegava “à luz de velas”, mas o que importava? Desde que estivesse com ele, ela brilharia o suficiente para iluminar todo o maldito apartamento de cobertura.
Rehvenge pegou sua mão e a guiou através da sala de jantar fazendo-a cruzar para o outro lado da porta de serviço basculante. A cozinha era de granito negro e aço inoxidável, muito urbana e brilhante, e em um extremo do balcão, onde havia um beiral, estava disposto o serviço para dois, frente a um par de tamboretes. Havia uma vela branca acesa, e sua chama vagava em cima de seu pedestal de cera.
— Oh, isto cheira fantástico. — ela deslizou em um dos tamboretes — Italiana. E dizia que só podia preparar uma coisa.
— Bom, na realidade trabalhei como escravo para fazer isto.
Inclinou-se para o forno com um floreio e tirou uma fôrma plana com…
Ehlena estalou em gargalhadas.
— Pizza de pão francês.
— Só o melhor para você.
— DiGiorno?
— É obvio. E esbanjei ao comprar o tipo supremo. Pensei que poderia tirar aquilo que você não goste. — usou um par de pegadores de prata esterlina para transferir as pizzas aos pratos e logo pôs a bandeja do forno sobre o balcão da cozinha — Também tenho vinho tinto.
Enquanto voltava com a garrafa, o único que ela pôde fazer foi olhá-lo e sorrir.
— Sabe, — disse ele enquanto servia um pouco em seu copo — gosto da forma em que me olha.
Ela espalmou as mãos sobre o rosto.
— Não posso evitar.
— Não tente. Faz com que me sinta mais alto.
— E não é pequeno para começar. — ela tentou conter-se, mas enquanto ele enchia seu próprio copo, deixava a garrafa, e se sentava a seu lado tinha muita vontade de rir bobamente.
— Começamos? — disse ele, pegando sua faca e seu garfo.
— Oh, meu Deus, me alegro de que também faça isso.
— Faça o que?
— Comer pizza com faca e garfo. No trabalho, as outras enfermeiras me enchiam a paciência… — deixou a frase sem terminar — Bom, de qualquer maneira, alegra-me que haja alguém como eu.
Quando ambos se dedicaram a seu jantar, surgiu o som do pão rangente quebrando-se sob as lâminas das facas.
Rehvenge esperou até que ela tomou seu primeiro bocado e então disse:
— Deixe-me te ajudar em sua busca de trabalho. — tinha cronometrado à perfeição, porque ela nunca falava com a boca cheia, assim tinha um montão de tempo para continuar — Deixe que me ocupe de você e de seu pai até que tenha outro trabalho que proporcione o mesmo ganho que o da clínica. — ela começou a negar com a cabeça, mas ele levantou alto sua mão — Espera, pensa nisso. Se não tivesse me comportado como um imbecil, não teria feito o que fez para que a despedissem. Assim, é justo que a compense, e se ajuda, pensa nisso de um ponto de vista legal. Sob as Antigas Leis lhe devo isso, e não estou fazendo nada mais que obedecer às leis.
Ela limpou a boca.
— É só que parece… Estranho.
— Porque por uma vez alguém estaria ajudando a você em lugar de que seja o inverso?
Bem, maldita seja sim.
— Não quero me aproveitar de você.
— Mas me ofereci, e acredite, tenho os meios.
Bastante certo, pensou ela, olhando seu casaco e o pesado faqueiro de prata com o que comia e o prato de porcelana e o…
— Na mesa tem umas maneiras deliciosas. — murmurou sem causa aparente.
Ele fez uma pausa.
— Obra de minha mãe.
Ehlena pôs a mão sobre seu enorme ombro.
— Posso dizer que sinto outra vez?
Ele limpou a boca com um guardanapo.
— Pode fazer algo melhor por mim.
— O que?
— Deixe-me cuidar de você. Para que sua procura por trabalho seja para encontrar algo que deseje fazer em vez de uma louca correria para se colocar em algo que te possibilite pagar as contas. — ergueu os olhos para o teto e levou as mãos ao peito como se estivesse a ponto de desmaiar — Isso aliviaria muito meu sofrimento. Você e só você tem o poder de me salvar.
Ehlena riu um pouco, mas não podia manter nenhuma aparência de jovialidade. Sob a superfície, percebeu que ele sofria, e a dor se fazia patente nas sombras que tinha sob os olhos e a sombria tensão de sua mandíbula. Era evidente que se esforçava para aparentar-se normal em seu benefício, e embora apreciasse não sabia como podia fazer que se detivesse sem o pressionar.
Na realidade ainda não eram mais que desconhecidos um para o outro, verdade? Apesar de todo o tempo que passaram juntos os últimos dois dias, o que sabia realmente dele? Sua ascendência? Quando estava com ele ou quando falavam por telefone, sentia como se soubesse tudo o que necessitava, mas sendo realista, o que tinham em comum?
Ele franziu o cenho enquanto deixava cair suas mãos e cortava outra parte de pizza.
— Não vá por aí.
— Desculpe?
— Em qualquer lugar que esteja indo em sua mente. É o lugar errado para você e para mim. — tomou um sorvo de vinho — Não serei grosseiro e lerei sua mente, mas posso sentir o que sente, e está se distanciando. Isso não é o que persigo. Não no que se refere a você. — levantou seus olhos de ametista e a olhou fixamente — Pode confiar em que cuidarei de você, Ehlena. Nunca duvide disso.
Ao olhá-lo, acreditava nele cem por cento. Absolutamente. Sem lugar a dúvidas.
— Faço. Confio em você.
Algo iluminou seu rosto, mas ele o ocultou.
— Bem. Agora, termina seu jantar e se dê conta que eu ajudá-la é o correto.
Ehlena voltou para seu jantar, e seguiu comendo lentamente a pizza. Quando acabou, apoiou os talheres na borda direita do prato, limpou a boca, e tomou um sorvo de vinho.
— De acordo. — olhou-o — Deixarei que me ajude.
Quando ele sorriu amplamente, porque se sairia com a sua, ela interrompeu a satisfação que estava lhe inflando o peito.
— Mas há condições.
Ele riu.
— Impõem limitações a um presente que lhe fazem?
— Não é um presente. — olhou-o mortalmente séria — É só até que encontre um trabalho, não o trabalho de meus sonhos. E quero te pagar a dívida.
Ele perdeu um pouco de sua satisfação.
— Não quero seu dinheiro.
— E eu sinto o mesmo sobre o seu. — dobrou seu guardanapo — Sei que não te faz falta o dinheiro, mas é a única forma em que o aceitarei.
Ele franziu o cenho.
— Então será sem interesses. Não aceitarei nem um cêntimo de interesses.
— Trato feito. — ela estendeu a palma e esperou.
Ele amaldiçoou. E voltou a amaldiçoar.
— Não quero que me devolva isso.
— Impossível.
Depois que sua boca desenhasse algumas intrincadas maldições, pôs a mão na dela e as apertaram.
— É uma dura negociadora e sabe. — disse.
— Mas me respeita por isso, verdade?
— Bem, sim. E faz que queira te despir.
— Oh.
Ehlena se ruborizou da cabeça aos pés enquanto ele descia de seu tamborete, erguia-se ante ela, e cavava as mãos em torno de seu rosto.
— Vai deixar que te leve a minha cama?
Dada a forma em que brilhavam esses olhos cor violeta, estava disposta a permitir que a tomasse no maldito chão da cozinha se pedisse.
— Sim.
Um grunhido brotou de seu peito enquanto a beijava.
— Adivinha o que?
— O que? — respirou ela.
— Essa era a resposta certa.
Rehvenge a tirou de seu tamborete e a beijou rápida e brandamente. Com a bengala na mão, guiou-a ao outro lado do apartamento de cobertura, atravessando salas que não viu e passando frente a uma resplandecente vista que não apreciou. Unicamente era consciente da profunda e palpitante antecipação que sentia pelo que ele lhe faria.
A antecipação e… A culpa. O que ela podia lhe dar? Aqui estava ela ansiando-o sexualmente outra vez, mas para ele não haveria alívio. Apesar de que dizia que obtinha algo do intercâmbio, sentia como se fosse…
— No que está pensando? — perguntou quando entravam no dormitório.
Ela o olhou.
— Quero estar contigo, mas… Não sei. Sinto como se estivesse te usando ou…
— Não o faz. Confia em mim, estou muito familiarizado com o que significa ser usado. O que acontece entre nós não tem nada a ver com isso. — interrompeu-a antes que lhe perguntasse a respeito — Não, não quero entrar em detalhes porque necessito… Merda! Necessito que estes momentos contigo sejam singelos. Só você e eu. Estou cansado do resto do mundo, Ehlena. Estou tão fodidamente cansado dele.
Pensou que se tratava dessa outra fêmea. E se não queria a quem quer que fosse entre eles? Parecia bem.
— É somente que preciso que isto saia bem. — disse Ehlena — O que há entre nós. E quero que você também sinta algo.
— Faço-o. Às vezes nem eu posso acreditar, mas o faço.
Rehv fechou a porta detrás deles, apoiou sua bengala na parede, e tirou o casaco de zibelina. O conjunto que levava debaixo das peles era outra obra de mestre de corte delicioso, esta vez de cor cinza pomba com listras diplomáticas negras. A camisa que tinha debaixo era negra e levava os dois primeiros botões desabotoados.
Seda pensou. Essa camisa devia ser de seda. Nenhum outro tecido emitiria esse resplendor luminescente.
— É tão formosa. — disse enquanto a olhava fixamente — Aí de pé abaixo dessa luz.
Ela olhou suas calças negras da GAP e o suéter de malha de pescoço alto que já tinha dois anos.
— Deve estar cego.
— Por quê? — perguntou, aproximando-se Rehvenge se deteve.
— Bom, sinto-me como uma imbecil por dizer isto. — alisou a parte dianteira das calças prêt-à-porter — Mas desejaria ter melhor roupa. Então estaria formosa.
Rehvenge se deteve.
E logo a deixou fodidamente sobressaltada ao ajoelhar-se frente a ela.
Quando levantou a vista, tinha um leve sorriso nos lábios.
— Não entende, Ehlena. — com mãos suaves, acariciou sua panturrilha e levantou seu pé, apoiando-o na coxa. Enquanto desabotoava os cordões de sua sapatilha Keds, sussurrou — Sem importar o que vista… Para mim, sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Enquanto tirava sua sapatilha e levantava a vista para olhá-la, ela estudou seu duro e bonito rosto, desde esses espetaculares olhos até a sólida mandíbula e as arrogantes maçãs do rosto.
Estava se apaixonando por ele.
E como ocorreria com qualquer outra opção, não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Já tinha dado o salto.
Rehvenge inclinou a cabeça.
— Sinto-me feliz de que me aceite.
As palavras foram tão baixas e humildes, totalmente em oposição à incrível envergadura de seus ombros.
— Como poderia não fazê-lo?
Ele sacudiu a cabeça lentamente de um lado a outro.
— Ehlena…
Pronunciou seu nome com dificuldade, como se houvesse muitas outras palavras detrás dele, palavras que não podia pronunciar. Ela não o compreendia, mas sim sabia o que desejava fazer.
Ehlena retirou seu pé, ajoelhou-se e o rodeou com os braços. Sustentou-o quando se apoiou nela, acariciando sua nuca até a suave franja de cabelo do corte moicano.
Parecia tão frágil quando se entregava a ela e compreendeu que se alguém tentava lhe fazer mal, embora ele fosse perfeitamente capaz de cuidar-se por acaso mesmo, ela poderia cometer um assassinato. Para protegê-lo, seria capaz de matar.
A convicção era tão sólida como os ossos que havia debaixo de sua pele:
Algumas vezes inclusive os poderosos necessitavam amparo.
Capítulo 43
Rehv era o tipo de macho que se orgulhava de seu trabalho, fosse pôr pizzas de pão francês no forno e cozinhá-las à perfeição ou servindo ao vinho... Ou agradando sua Ehlena até que não fosse mais que uma fatigada e resplandecente extensão mais que satisfeita de fêmea nua.
— Não posso sentir os dedos dos pés. — murmurou quando ele riscou um caminho de beijos para cima desde o centro de suas coxas.
— Isso é mau?
— Em absoluto.
Quando se deteve para lamber um de seus peitos, ela serpenteou, e Rehv sentiu o movimento contra seu próprio corpo. A esta altura, acostumou a que a sensação irrompesse através da neblina de seu intumescimento, e desfrutava da repercussão da calidez e a fricção, sem se preocupar que seu lado mal pudesse escapar de sua jaula de dopamina. Embora o que registrava não era tão pronunciado como o que sentia quando não estava medicado, era suficiente para que seu corpo estivesse indiscutivelmente excitado.
Rehv não podia acreditar, mas houve certo número de vezes em que pensou que poderia chegar ao orgasmo. Entre o sabor dela quando sugava seu sexo e a forma em que seus quadris meneavam contra o colchão, quase tinha perdido o controle.
Salvo que era melhor manter seu pênis fora do quadro. Sério, como funcionaria? Não sou impotente, milagre dos milagres, porque ativou meu instinto de marcar, assim que o vampiro que há em mim venceu ao symphath. Viva! É obvio que isso significa ter que tratar com minha lingüeta, assim como também terá que aceitar o lugar onde estive colocando regularmente essa parte de carne que pendura entre minha perna os últimos vinte e cinco anos. Mas, vamos isso é erótico, não?
Sim, tinha uma pressa enorme em pôr Ehlena nessa posição.
Certamente!
Além disso, isto era suficiente para ele: agradá-la, servi-la sexualmente, era suficiente.
— Rehv...?
Levantou o olhar de seus peitos. Dado o tom rouco de sua voz e a expressão erótica de seus olhos, estava preparado para ceder a qualquer coisa.
— Sim? — lambeu um mamilo.
— Abre a boca para mim.
Franziu o cenho, mas fez o que ela pedia, perguntando-se por que...
Ehlena estendeu o braço e tocou uma de suas presas completamente estendida.
— Disse que você gostava de me agradar, e se nota. Estas são tão largas... Tão afiadas... Tão brancas...
Quando uniu as coxas como se tudo o que acabava de dizer estivesse excitando-a, soube aonde conduziria isto.
— Sim, mas...
— Assim, me agradaria que as utilizasse comigo. Agora.
— Ehlena...
Essa incandescência especial começou a abandonar o rosto dela.
— Tem algo contra meu sangue?
— Deus, não.
— Então por que não quer se alimentar de mim? — sentando-se, segurou um travesseiro sobre os peitos e seu cabelo loiro acobreado caiu e ocultou seu rosto — Oh. Certo. Já se alimentou com... Ela?
— Cristo, não! — preferia chupar ao sangue de um lesser. Porra, antes beberia do cadáver putrefato de um cervo na sarjeta da estrada antes de tomar a veia da princesa.
— Não toma sua veia?
Olhou Ehlena diretamente aos olhos e negou com a cabeça.
— Não o faço. E nunca o farei.
Ehlena suspirou e jogou o cabelo para trás.
— Sinto muito. Não sei se tenho direito a fazer este tipo de perguntas.
— Tem. — tomou sua mão — Tem totalmente. Não é... Que não possa perguntar...
Enquanto suas palavras ficavam suspensas no ar, seus mundos chocaram um contra outro e todo tipo de escombros caíram ao seu redor. Certamente, podia perguntar.... Só que ele não podia lhe responder.
Ou podia?
— Você é a única a que desejo. — disse simplesmente, atendo-se tanto à verdade como podia revelar — Você é a única em que desejo estar. — sacudiu a cabeça, dando-se conta do que acabava de dizer — Com. Quero dizer, com. Olhe, sobre o alimentar-se. Se quero fazê-lo de você? Porra, sim. Mas...
— Então não há nenhum, mas.
Uma merda que não. Tinha a sensação de que se tomasse sua veia, a montaria. Seu pênis estava pronto inclusive agora, e só estavam falando disso.
— Isto é suficiente para mim, Ehlena. Agradá-la é suficiente.
Ela franziu o cenho.
— Então deve ter algum problema com meus antecedentes.
— Desculpe?
— Acredita que meu sangue é débil? Porque se te interessa, posso traçar minha linhagem até a aristocracia. Pode ser que meu pai e eu estejamos passando por momentos difíceis, mas durante gerações e durante a maior parte de sua vida, fomos membros da glymera. — quando Rehv fez uma careta, ela saltou da cama, utilizando o travesseiro para defender-se — Não sei exatamente de onde descende sua família, mas posso te assegurar que minhas veias são aceitáveis.
— Ehlena, essa não é a questão.
— Está certo disso? — foi até onde tinha tirado sua roupa. Primeiro vestiu as calcinhas e o sutiã, e depois recolheu suas calças negras.
Não podia compreender porque saciar sua necessidade de sangue era tão importante para ela... Porque o que tirava ela disso? Mas, talvez essa era a diferença entre eles. Ela não fazia as coisas para aproveitar-se das pessoas, por isso seus cálculos não se centravam no que podia tirar das coisas. Para ele, inclusive quando se tratava de agradá-la, estava conseguindo algo tangível em troca: observá-la retorcer-se sob sua boca o fazia sentir-se poderoso e forte, um autêntico macho, e não um assexuado monstro sóciopata.
Ela não era como ele. E por isso a amava.
Oh... Cristo. A...?
Sim, o fazia.
A compreensão fez com que Rehv se levantasse da cama, caminhasse até ela, e tomasse sua mão quando terminou de subir as calças. Ela se deteve e o olhou.
— Não é você. — disse — Pode me acreditar.
Deu-lhe um puxão e a atraiu contra seu corpo.
— Então demonstre. — disse brandamente.
Afastando-se, olhou seu rosto durante um comprido momento. As presas pulsavam em sua boca, deixava-o muito claro. E podia sentir a fome no fundo de seu estômago, curvando-o, exigindo.
— Ehlena...
— Demonstra.
Não poderia dizer que não. Simplesmente não tinha a força necessária para rechaçá-la. Estava mal em muitíssimos níveis, mas ela era tudo o que queria, necessitava, desejava.
Rehv afastou cuidadosamente o cabelo da garganta.
— Serei gentil.
— Não tem que ser.
— Serei de qualquer forma.
Embalando seu rosto entre as palmas, inclinou-lhe a cabeça a um lado e expôs a frágil veia azul que corria para seu coração. Enquanto preparava a si mesmo para o golpe, seu pulso se acelerou, pôde ver como o bombeamento se fazia mais rápido até que palpitou.
— Não me sinto merecedor de seu sangue. — disse, percorrendo o pescoço com a ponta do dedo indicador — Não tem nada a ver com sua linha de descendência.
Ehlena levantou as mãos para seu rosto.
— Rehvenge, do que se trata? Ajude-me a entender o que está acontecendo aqui. Sinto-me como... Quando estou contigo, sinto-me inclusive mais perto de você que de meu próprio pai. Mas há buracos enormes. Sei que há coisas neles. Fale.
Agora seria o momento, pensou, de descarregar tudo.
E esteve tentado. Seria um alívio enorme acabar com as mentiras. O problema era que não havia nada mais egoísta que pudesse lhe fazer. Se ela conhecesse seus segredos, estaria infringindo a lei junto com ele... Ou isso ou enviaria a seu amante à colônia. E, se Ehlena escolhia o último, ele estaria mandando a merda à promessa que fez a sua mãe, porque sua cobertura ficaria totalmente ao descoberto.
Não era adequado para ela. Não era para nada adequado para ela, e sabia.
Rehv tinha a intenção de deixar que Ehlena partisse.
Tinha intenção de deixar cair às mãos, afastar-se e deixá-la terminar de vestir a roupa. Era bom com a persuasão. Poderia convencê-la e fazê-la ver que o fato de que não bebesse não era para tanto...
Só que sua boca se abriu. Abriu-se enquanto um vaio subia por sua garganta e transpassava a fina barreira que separava suas presas da veia vital e palpitante.
Ela ofegou bruscamente, e os músculos que subiam de seus ombros se esticaram, como se lhe tivesse dobrado o rosto para baixo. Oh, espera, tinha feito. Estava intumescido até o tutano, absolutamente insensível, mas não era por sua medicação. Cada músculo de seu corpo havia se posto rígido.
— Preciso de você. — gemeu.
Rehv a mordeu com força e ela gritou, sua espinha dorsal se dobrou quase pela metade quando a aprisionou com sua força. Porra, era perfeita. Tinha sabor de vinho espesso e com corpo e bebeu profundamente dela com insistentes sucções de sua boca.
E a levou até a cama.
Ehlena não tinha a mínima oportunidade. Nem ele tampouco.
Ativada pela alimentação, sua natureza vampira o varreu, contudo, a necessidade do macho de marcar o que desejava, de estabelecer seu território sexual, de dominar, assumiu o controle e o levou a rasgar suas calças, levantar uma perna, colocar o pênis na entrada de seu sexo...
E penetrar em seu interior.
Ehlena deixou escapar outro guincho quando a penetrou. Era incrivelmente estreita, e temendo feri-la, ficou quieto para que seu corpo pudesse acomodá-lo.
— Está bem? — perguntou, com um tom de voz tão gutural que não sabia se poderia o entender.
— Não... Pare. — Ehlena envolveu as pernas ao redor de seu traseiro, colocando-se em ângulo para que pudesse entrar ainda mais profundamente.
O grunhido que ele emitiu ressonou por todo o dormitório... Até que o encerrou de volta em sua garganta.
Apesar de tudo e inclusive no meio do frenesi da alimentação e o sexo, Rehv foi cuidadoso com ela... Nada a ver como era com a princesa. Rehv se deslizava dentro e fora brandamente, assegurando-se de que Ehlena estivesse cômoda com seu tamanho. Quando se tratava de sua chantagista? Queria dividir dor. Com Ehlena? Castraria a si mesmo com uma faca oxidada antes de machucá-la.
O problema era que ela se movia ao mesmo tempo, enquanto ele bebia até não poder mais, e a fricção desenfreada de seus corpos logo o afligiu e seus quadris já não se ondulavam cuidadosamente, mas sim amassavam... Até que teve que soltar sua veia ou correr o risco de rasgar seu pescoço. Depois de um par de lambidas às marcas das punções, deixou cair à cabeça entre o cabelo dela e se dedicou a isso dura, profunda e ardentemente.
Ehlena teve um orgasmo, e, quando sentiu os puxões aferrando o eixo de seu pênis, seu próprio alívio saiu disparado de seu escroto... O que não podia deixar que acontecesse. Antes que sua lingüeta se expandisse, saiu, derramando-se sobre o sexo e a parte baixa do estômago dela.
Quando tudo acabou, derrubou-se sobre ela, e passou um momento antes que pudesse falar.
— Ah... Merda... Sinto muito, devo ser pesado.
As mãos de Ehlena deslizaram para cima por suas costas.
— Na realidade é maravilhoso.
— Eu... Tive um orgasmo.
— Sim, teve. — havia um sorriso em seu tom — Realmente teve.
— Não estava seguro que pudesse... Já sabe. Por isso foi que saí... Não esperava... Sim.
Mentiroso. Puto mentiroso.
A felicidade na voz dela o pôs doente.
— Bom, me alegro que ocorresse. E se voltar a ocorrer, genial. E se não, igualmente bom. Sem pressões.
Rehv fechou os olhos, doía-lhe o peito. Retirou-se para que ela não descobrisse que tinha uma lingüeta... E porque gozar dentro dela era uma traição, dada todas as coisas que ela não sabia dele.
Enquanto ela suspirava e o acariciava com o nariz, sentiu-se como um total e absoluto bastardo.
Capítulo 44
O TAC[80] não representava um problema. Wrath simplesmente se sentou na fria mesa e ficou quieto enquanto essa peça branca de equipamento médico murmurava e tossia educadamente em seu percurso ao redor de sua cabeça.
A merda era esperar os resultados.
Durante o exame, a doutora Jane era a única pessoa que havia do outro lado da divisória de vidro, e pelo que podia dizer, passou todo momento franzindo o cenho à tela do computador. E agora que tudo tinha terminado, ainda seguia fazendo-o. Enquanto isso, Beth entrou e estava ao seu lado na pequena sala ladrilhada.
Só Deus sabia o que a Dra. Jane tinha encontrado.
— Não tenho medo de passar pela faca — disse a sua shellan — Sempre que seja essa fêmea a que empunhe a maldita coisa.
— Pode fazer cirurgia no cérebro?
Bom ponto.
— Não sei.
Ele ficou a brincar distraidamente com o Rubi saturnino de Beth, dando voltas à pedra uma e outra vez.
— Me faça um favor — cochichou.
Beth apertou sua mão.
— O que quiser. O que necessita?
— Cantarola a canção de Jeopardy.
Houve uma pausa. Em seguida Beth pôs-se a rir e deu um golpe em seu ombro.
— Wrath...
— Melhor, tire a roupa e cantarola enquanto faz a dança do ventre — quando sua shellan inclinou-se e beijou sua testa, levantou a vista e a olhou através dos óculos — Crê que brinco? Anda, ambos necessitamos a distração. E te prometo que darei uma boa propina.
— Nunca leva dinheiro contigo.
Ele passou a língua sobre o lábio superior.
— Planejo pagar com trabalho.
— É terrível — sorriu Beth — E me agrada.
Olhando-a fixamente, sentiu-se bem e atemorizado ao mesmo tempo. Como seria sua vida se ficasse totalmente cego? Não ver nunca mais o longo cabelo escuro de sua shellan nem seu brilhante sorriso era...
— Bom — disse Dra. Jane ao entrar — Isto é o que sei.
Wrath tratou de não chiar quando a doutora fantasmal colocou as mãos nos bolsos de seu jaleco branco e pareceu ordenar seus pensamentos.
— Não vejo evidências de um tumor nem de uma hemorragia. Mas há anormalidades em vários lóbulos. Eu nunca tinha visto o TAC do cérebro de um vampiro antes, assim não tenho a menor idéia de qual é a consistência estrutural que se considera dentro da gama de “normalidade”. Sei que quer que só eu o veja, mas nisto não posso decidir, e gostaria que Havers revisasse o exame. Antes que me diga que não, queria te recordar que jurou proteger sua intimidade. Não pode revelar...
— Traga-o — disse Wrath.
— Não levará muito tempo — Dra. Jane bateu em seu ombro e depois no de Beth — Está justamente aí fora. Pedi que esperasse no caso de ocorrer problemas com o equipamento.
Wrath observou como a doutora atravessava a pequena sala de monitoramento e saía ao vestíbulo. Pouco depois, voltou com o alto e magro médico. Havers fez uma reverência ante ele e Beth através do vidro e logo foi para os monitores.
Ambos adotaram uma postura idêntica: dobrados pela cintura, com as mãos nos bolsos e as sobrancelhas franzidas sobre os olhos.
— Na faculdade de medicina, os treinam para fazer isso? — perguntou Beth.
— É gracioso, estava me perguntando o mesmo.
Longo tempo. Longa espera. Muita conversa e gesticulação da dupla que estava do outro lado da grande janela saliente, assinalando a tela com suas canetas. Finalmente os dois se endireitaram e assentiram.
Entraram juntos.
— O exame é normal — disse Havers.
Wrath exalou com tanta força que foi virtualmente um fôlego. Normal. Normal era bom.
Logo Havers fez uma série de perguntas, às quais Wrath respondeu, não refletindo muito sobre nenhuma delas
— Com a permissão de sua médica particular — disse Havers, fazendo uma reverência para Dra. Jane — queria tomar uma amostra de sangue de sua veia para analisá-la e realizar um breve exame.
Dra. Jane intrometeu-se:
— Acredito que é uma boa idéia. Quando as coisas não estão claras, sempre é bom ter uma segunda opinião.
— Vamos logo — disse Wrath, dando um rápido beijo na mão de Beth antes de soltá-la.
— Meu senhor, seria tão amável para tirar os óculos?
Havers foi rápido, acostumado com a rotina da luz-perfuradora-de-globos-oculares; logo o rodeou para fazer um exame do ouvido, seguida de uma verificação do coração. Uma enfermeira entrou com a merda tira-sangue, mas foi a Dra. Jane que fez o espeta-e-tira em sua veia.
Quando tudo acabou, Havers voltou a colocar ambas as mãos nos bolsos e fez outro desses cenhos de médico.
— Tudo parece normal. Bom, normal para você. Porque para começar suas pupilas não respondem, em nenhum sentido, mas isso é um mecanismo de defesa porque elas são muito fotossensíveis.
— Então qual é a conclusão? — perguntou Wrath.
Dra. Jane encolheu de ombros.
— Tem um histórico de enxaquecas. E se a cegueira aparece novamente, voltamos aqui imediatamente. Possivelmente um TAC enquanto está ocorrendo nos ajude a localizar com exatidão o problema.
Havers fez outra reverência para Dra. Jane.
— Farei chegar a sua médica os resultados da análise de sangue.
— Muito bem.
Wrath levantou o olhar para sua shellan, preparado para partir, mas Beth estava concentrada nos médicos.
— Nenhum de vocês parece muito feliz com isto — disse.
Dra. Jane falou lenta e cuidadosamente, como se estivesse procurando as palavras precisas.
— Cada vez que há uma deterioração funcional que não podemos explicar, ponho-me nervosa. Não digo que isto seja uma situação extrema. Mas o fato de que o TAC tenha saído bem não basta para me convencer de que esteja fora de perigo.
Wrath desceu da maca e tomou a jaqueta negra de couro que Beth segurava. Era fodidamente fantástico poder vestir a coisa e abandonar o papel de paciente em que seus malditos olhos o haviam colocado.
— Não vou ser negligente com isto — disse aos médicos açougueiros — Mas vou seguir trabalhando.
Houve um coro de necessita-descançar-alguns-dias, que desprezou saindo da consulta. A questão era que, enquanto ele e Beth percorriam o corredor a passos largos, uma estranha sensação de urgência o invadiu.
Tinha a sensação de que devia atuar depressa, porque não ficava muito tempo.
John levou um maldito tempo em chegar ao ZeroSum. Depois de deixar a casa de Xhex, passeou por Tenth Street (uma rua) e caminhou sob as rajadas de neve até um Tex/Mex. Quando esteve no interior, sentou-se em uma mesa próxima à saída de incêndios e, apontando as imagens no menu laminado, pediu dois pratos de costeletas de porco, com um acompanhamento de purê, e outro de salada de couve.
A garçonete que anotou seu pedido e entregou a comida estava com uma saia o suficientemente curta para ser considerada roupa de baixo, e parecia estar disposta a lhe servir algo mais que comida. E de fato o considerou. Tinha o cabelo loiro, não estava muito maquiada e suas pernas eram bonitas. Mas cheirava como uma churrasqueira, e não apreciou a forma em que falava, muito devagar, como se pensasse que era tolo.
John pagou em dinheiro, deixou uma boa gorjeta, e se apressou a sair antes que ela pudesse tratar de dar seu telefone. Fora no frio, tomou o caminho comprido para o Trade. Que era o mesmo que dizer que se desviou em cada beco que encontrou.
Nenhum lesser. Nem tampouco humanos fazendo cagadas.
Finalmente, entrou no ZeroSum. Ao atravessar as portas de ferro e vidro e captar o bombardeio de luzes e música e pessoas suspeitas habilmente disfarçadas, sua cobertura de menino-mau caiu um pouco. Xhex estaria aqui...
Sim. E? O que era ele, um fodido maricas que não podia estar no mesmo clube que ela?
Já não. John arrumou os testículos e caminhou a passos largos para a corda de veludo, passou pelo escrutínio dos gorilas, e entrou na sala VIP. Ao fundo, na mesa da Irmandade, Qhuinn e Blay estavam sentados como um par de quarterbacks (zagueiros) apanhados na reserva, enquanto sua equipe se afogava no campo: estavam ansiosos e tamborilavam os dedos brincando com os guardanapos que vinham com suas garrafas de Corona[81].
Quando se aproximou deles, ambos levantaram o olhar e cessou todo movimento, como se alguém tivesse congelado a imagem de seu DVD.
— Hey — disse Qhuinn.
John se sentou junto a seus amigos e gesticulou:
Hey.
— Como vai? — perguntou Qhuinn, enquanto a garçonete se aproximava com um perfeito sentido de oportunidade — Outras três Coronas...
John interrompeu o cara. Quero algo diferente. Diga… que quero um Jack Daniel’s só com gelo.
Qhuinn arqueou as sobrancelhas, mas fez o pedido e observou como a mulher trotava para o balcão.
— De alta octanagem, né?
John encolheu de ombros e olhou uma loira que estava duas mesas mais à frente. No instante em que ela viu que a olhava, entrou totalmente em modo chamativo, jogando o cabelo denso e brilhante sobre as costas e erguendo os peitos até que esticaram o quase inexistente LBD[82].
Apostava que ela não cheirava a costelas.
— Em… John, que porra está te passando?
O que quer dizer? gesticulou para o Qhuinn sem tirar os olhos da mulher.
— Está olhando a essa franguinha como se quisesse enrolá-la em um espeto e pôr seu molho quente por toda parte.
Blay tossiu um pouco.
— Realmente não tem muita manha com as palavras, sabe?
— Só digo o que vejo.
Chegou a garçonete e pôs o Jack e as cervejas sobre a mesa, e John atacou sua bebida com vontade, atirando a merda para dentro e abrindo a garganta de forma que caísse em cascata direto para seu estômago.
— Está vai ser uma dessas noites? — murmurou Qhuinn — Nas que acaba no banheiro?
Certo como a merda que sim, gesticulou John. Mas não porque vá vomitar.
— Então por que…? OH! — Qhuinn tinha o aspecto de alguém a quem acabassem de beliscar a bunda.
Sim, OH! pensou John enquanto examinava a zona VIP no caso de aparecer uma candidata melhor.
A seu lado, havia um trio de homens de negócios, cada um tinha uma mulher consigo, e todas tinham o aspecto de estar prontas para sair na capa da Vanity Fair. Em frente, tinha o pacote básico de seis Euro-gentuzas[83] que não paravam de assoar narizes e com freqüência iam em dupla ao banheiro. No balcão havia um par de trepadores com suas amantes totalmente bêbadas, e outro par de consumidores de droga que só olhavam às garotas profissionais.
Estava ainda em modo explorador quando Rehvenge em pessoa entrou a passos largos na sala VIP. Quando as pessoas o viram, uma onda de estremecimentos atravessou o lugar, porque mesmo que não soubessem que era o proprietário do clube, não abundavam os caras de dois metros de altura que levassem uma bengala vermelha, um casaco negro de marta zibelina e um corte de cabelo mohawk.
Além disso, inclusive com essa luz tênue, se podia ver que tinha olhos cor violeta.
Como sempre, estava ladeado por dois machos que eram de seu tamanho e tinham o aspecto de comer balas no café da manhã. Xhex não estava com eles, mas isso estava bem. Isso era bom.
— Definitivamente quando crescer quero ser como esse cara — disse Qhuinn arrastando as palavras.
— Só que não corte o cabelo — disse Blay — É muito bonito... digo, os topetes requerem um montão de atenção.
Enquanto Blay apertava sua cerveja, os olhos díspares de Qhuinn apenas posaram sobre o rosto de seu melhor amigo antes de afastar o olhar rapidamente.
Depois de pedir por gestos à garçonete outro Jack, John girou e olhou através da cascata que formava uma parede para a seção pública do clube. Ali na pista de dança, havia uma tonelada de mulheres procurando exatamente o que ele queria dar. Tudo o que tinha que fazer era ir até ali e escolher entre as voluntárias dispostas.
Grande plano, exceto, sem razão aparente, ficou a pensar no reality The Show de Maury. Realmente queria correr o risco de deixar grávida alguma humana escolhida ao azar? Supunha-se que sabia quando estavam ovulando, mas que porra sabia ele dos assuntos das fêmeas?
Franzindo o cenho, voltou a olhar ao redor, apertou em sua mão o Jack recém servido, e se centrou nas garotas profissionais.
As profissionais. Que conheciam o jogo do sexo casual que ele estava procurando. Muito melhor.
Enfocou o olhar em uma fêmea morena cujo rosto era igual ao da Virgem Maria. Marie Terese acreditou ter ouvido que assim se chamava. Era a chefa das profissionais, mas também estava disponível para alugar. Nesse momento, estava jogando o quadril como dizendo “vêm aqui” para um cara que exibia um terno de três peças e parecia estar muito interessado em seus atributos.
Vêem comigo, gesticulou John ao Qhuinn.
— Onde...? Ok! entendi — Qhuinn acabou sua cerveja e levantou — Suponho que voltaremos, Blay.
— Sim. Passem… bem.
John liderou o caminho para a morena, cujos olhos azuis pareceram surpresos ao ver que os dois se aproximavam. Com uma espécie de desculpa sedutora, deixou de lado a seu potencial cliente.
— Necessitam algo? — perguntou, sem evidenciar nenhum tipo de convite. Embora fosse amistosa, porque sabia que John e os meninos eram convidados especiais do Reverendo. Embora naturalmente não soubesse a razão.
Pergunte quanto, gesticulou para o Qhuinn. Pelos dois.
Qhuinn limpou a garganta.
— Quer saber quanto.
Ela franziu o cenho.
— Depende do que queiram. As garotas têm... — John assinalou à mulher — Eu?
John assentiu.
Quando a morena entrecerrou os olhos azuis e franziu os lábios vermelhos, John imaginou sua boca sobre ele, seu pênis gostou da imagem e surgiu em uma instantânea e alegre ereção. Sim, tinha uma boca muito bonit...
— Não — disse ela — Não pode me ter.
Qhuinn elevou a voz antes que as mãos de John pudessem pôr-se a voar.
— Por quê? Nosso dinheiro é tão bom como o de qualquer outro.
— Posso escolher com quem faço negócios. Alguma das outras garotas poderia pensar diferente. Podem lhes perguntar.
John estava disposto a apostar que o rechaço tinha algo a ver com Xhex. Deus sabia que tinha havido um montão de contato visual entre ele e a chefa de segurança do clube e sem dúvida Marie Terese não queria se meter no meio.
Ao menos, disse a si mesmo que era isso, ou, do contrário restava o fato de que sequer uma prostituta podia suportar a idéia de estar com ele.
De acordo, está bem, gesticulou John. A quem sugere?
Depois que Qhuinn falasse, ela disse:
— Sugeriria que voltasse para seu Jack e deixasse tranqüilas às garotas.
Não vai ocorrer, e quero a uma profissional.
Qhuinn traduziu, e o cenho de Marie Terese se fez ainda mais profundo.
— Serei honesta contigo. Isto soa a um foda-se. Como se estivesse mandando uma mensagem. Quer se deitar com alguém, vai e encontra a uma prostitutazinha na pista de dança ou em um desses reservados. Não o faça com alguém que trabalha com ela, Ok?
Bem. Tudo estava absolutamente relacionado com Xhex.
O velho John teria feito o que lhe sugeria. E uma merda; em primeiro lugar o velho John não teria esta conversa. Mas as coisas tinham mudado.
Obrigado, mas acredito que perguntaremos a uma de suas colegas. Se cuide.
John já girava quando Qhuinn falou, mas Marie Terese o agarrou pelo braço.
— Está bem. Se quiser se comportar como um imbecil, vá falar com a Gina, a que está ali de vermelho.
John fez uma pequena reverência, logo aceitou sua sugestão, e se aproximou de uma mulher de cabelo negro com um vestido de vinil vermelho tão brilhante, que essa merda podia ser qualificada como luz estroboscópica.
A diferença de Marie Terese, aceitou o plano antes que Qhuinn pudesse sequer chegar a perguntar.
— Quinhentos — disse com um amplo sorriso — Cada um. Porque deduzo que vão juntos?
John assentiu um pouco assombrado de que tivesse sido tão fácil. Mas bem, isto era pelo que pagavam. Facilidade.
— Vamos à parte de trás? — Gina se posicionou entre ele e Qhuinn, tomou a cada um pelo braço e os guiou, passando à frente de Blay, que estava concentrado em sua cerveja.
Enquanto caminhavam pelo corredor para os banheiros privados, John se sentia febril: Quente e desvinculado do que o rodeava, estava indo à deriva, preso só pelo fino braço da prostituta a que pagaria para foder.
Estava bastante seguro que se ela o soltava simplesmente se afastaria flutuando.
Capítulo 45
Quando Xhex subiu as escadas e entrou na seção VIP, a princípio não esteve segura de que demônio estava vendo. Parecia como se John e Qhuinn estivessem se dirigindo à parte traseira com Gina. A menos, é obvio que houvesse outros dois caras iguais a eles, um com tatuagem na Antiga Língua na nuca e outro com os ombros tão largos como os de Rehv.
Mas com toda certeza aquela era Gina com seu vestido vermelho-não-se-detenha.
Xhex recebeu a voz de Trez pelo auricular.
— Rehv está aqui e estamos te esperando.
Sim, bem, esperariam um pouco mais.
Xhex deu a volta e iniciou o caminho de volta para o cordão de veludo… ao menos até que seu caminho foi bloqueado por um tipo com um Prada falso.
— Ouça carinho, aonde vai tão apressada?
Foi um movimento ruim de sua parte. O pedaço de Euro-irrelevante drogado escolheu à fêmea errada para cortar o passo.
— Se afaste de meu caminho antes que o aparte eu mesma.
— O que ocorre? — disse estendendo a mão para seu quadril — Não pode arrumar-se com um verdadeiro homem?... Oh.
Xhex converteu a tentativa de olha passar a mão em um esmaga-tendões, retorcendo a mão em seu punho até que o braço dele formigou.
— Bem — disse — Faz aproximadamente uma hora e vinte minutos, comprou setecentos dólares em coca. Apesar da quantidade que esteve se metendo no banheiro, estou disposta a apostar que ainda leva bastante contigo para que o prendam por posse. Assim deixa de encher o saco e saia de meu caminho, se tratar de me tocar outra vez, quebrarei todos estes dedos, e em seguida farei o mesmo com a outra mão.
Soltou-o dando um empurrão, que o enviou, aos tropeções, para seus companheiros.
Xhex seguiu caminhando, deixou atrás a zona VIP e atravessou com passos largos a pista de dança. Dirigiu-se a uma porta que havia debaixo da escada que subia à sobreloja, marcada como SÓ PESSOAL DE SEGURANÇA e digitou um código. O corredor do outro lado passava frente à porta do vestuário do pessoal antes de levá-la ao seu destino, o escritório de segurança. Depois de digitar outro código, entrou na sala de seis por seis onde toda a equipe de vigilância descarregava dados nos computadores.
Salvo o escritório de Rehv e a guarida onde Rally fracionava a droga, que estavam em um sistema separado, tudo o que ocorria no resto do local, ficava registrado digitalmente ali, e havia telas de cor cinza-azulada que mostrava imagens de todo o clube.
— Ouça, Chuck — disse ao tipo que estava atrás do escritório — Se importa se fico um minuto a sós?
— Não há problema. De todo modo tenho que tomar um descanso para ir ao banheiro.
Trocou de lugar com ele, afundando-se na cadeira Kirk[84], como a chamavam os meninos.
— Não necessitarei muito tempo.
— Nem eu tampouco, chefa. Quer algo de beber?
— Estou bem, obrigada.
Quando Chuck assentiu e saiu movendo-se pesadamente, centrou-se nos monitores que mostravam os quartos de banho da zona VIP.
OH… Deus.
O trio do inferno estava apertado, com Gina no meio. John beijava um caminho para os peitos desta, e Qhuinn, que estava de pé atrás da mulher, deslizava suas mãos para frente, rodeando seus quadris.
Presa entre os machos, Gina não parecia estar trabalhando. Parecia uma mulher que estava sendo agradada em grande estilo.
Maldita seja.
Pelo menos era Gina. Xhex não tinha nenhuma relação com ela, já que a mulher acabava de entrar para o quadro de pessoal, assim não era muito diferente como se estivesse fodendo a alguma garota da pista de dança.
Xhex se recostou na cadeira e forçou-se a examinar os outros monitores. Havia gente por toda a parede, e as imagens agitadas de gente bebendo, metendo-se em brigas, tendo relações sexuais, dançando, falando e olhando fixamente para longe, encheram sua vista.
Isso estava bem, pensou. Isso estava… bem. John tinha abandonado seus delírios românticos e foi com outra. Isso estava bem…
— Xhex, onde está? — disse a voz de Trez no auricular.
Levantou o braço e falou por seu relógio.
— Me dê um fodido minuto!
A resposta do mouro foi tipicamente sossegada.
— Está bem?
— Eu… olhe, sinto muito. Estou indo.
Sim, e também o estava Gina.
Cristo.
Xhex se levantou da cadeira Kirk e seus olhos voltaram para a tela que deliberadamente tinha evitado olhar.
As coisas tinham progredido. Rapidamente.
John estava movendo seus quadris.
Exatamente quando Xhex retrocedia e ia sair, ele levantou o olhar para a câmara de segurança. Era difícil determinar se sabia que a câmara estava ali ou se simplesmente seus olhos se dirigiram ali por acaso.
Merda. Tinha o rosto turvo, a mandíbula firmemente apertada, e em seu olhar havia uma expressão desalmada que a entristeceu.
Xhex tentou não ver a mudança nele como o que era e falhou. Ela tinha lhe feito isto. Possivelmente não fora a única razão pela qual se tornou de pedra, mas era uma grande parte dela.
Ele afastou o olhar.
Ela girou.
Chuck pôs a cabeça pela porta.
— Necessita mais tempo?
— Não, obrigado. Vi o suficiente.
Deu-lhe uma palmada no ombro e partiu, ao sair foi para a direita. Ao final do corredor havia uma porta negra reforçada. Digitando outro código mais, tomou o passadiço até o escritório de Rehv, e quando atravessou a porta, os três machos que rodeavam o escritório a olharam com cautela.
Ela se apoiou contra a parede negra frente a eles.
— O que?
Rehv se recostou em sua cadeira, e cruzou os braços cobertos de pele sobre o peito.
— Está se preparando para entrar em seu período de necessidade?
Enquanto ele falava, Trez e iAm fizeram o movimento de mãos que as Sombras utilizavam para proteger-se contra o desastre.
— Deus, não. Por que a pergunta?
— Porque, não se ofenda, mas tem um fodido mau humor.
— Não tenho — quando os machos se olharam entre si, ladrou — Deixem de fazer isso.
OH, fantástico, agora todos eles evitavam olhar-se de forma deliberada.
— Podemos terminar com a reunião — disse, tratando de moderar o tom.
Rehv descruzou os braços e se sentou direito.
— Sim. Estou a ponto de sair para uma reunião do conselho.
— Quer que o acompanhemos? — perguntou Trez.
— Sempre, desde que não tenhamos nenhuma negociação importante acertada para depois de meia-noite.
Xhex sacudiu a cabeça.
— O que tínhamos na agenda para esta semana foi as nove e terminou sem problemas. Embora diga que nosso comprador estava muito nervoso, e isso foi antes que escutasse na freqüência da polícia que outro narcotraficante foi encontrado morto.
— Assim dos seis grandes sub-traficantes que compravam de nós, só restam dois? Porra! Temos uma luta territorial, bem na nossa frente.
— E é muito provável que, quem quer que esteja revolvendo a merda tentará escalar posição na cadeia alimentar.
— Razão pela qual iAm e eu acreditamos que deve ter alguém contigo vinte e quatro horas do dia, os sete dias da semana até que esta merda termine — disse Trez.
Rehv pareceu aborrecido, mas não discordou.
— Temos alguma dica de quem está deixando esses corpos por todos os lados?
— Bom! Óbvio. — disse Trez — As pessoas acreditam que seja você.
— Não seria lógico. Por que aniquilaria meus próprios compradores?
Agora foi Rehv que recebeu todos os olhares desconfiados do galinheiro.
— OH, vamos — disse — Não sou tão mau. Bom, está bem, mas só se alguém me fode. E, me perdoem, mas os quatro que morreram? Eram homens de negócios direitos. Não enchiam o saco para nada. Eram bons clientes.
— Tem falado com seus fornecedores? — perguntou Trez.
— Sim. Disse que me dêem um tempo e confirmei que tinha a intenção de movimentar a mesma quantidade de produto. Os que perdemos serão substituídos rapidamente por outros, porque os vendedores são como erva daninha. Sempre voltam a crescer.
Discutiram um pouco sobre o mercado e os preços e logo Rehv disse:
— Antes que fiquemos sem tempo, me falem do clube. O que está ocorrendo?
Bem, essa era uma grande pergunta, pensou Xhex. E o que diz nossa vigilância? Ding-ding-ding: John Matthew. O mais provável é que à Gina estivesse ocorrendo, algo chamado John Matthew. E que estivesse ocorrendo de joelhos frente a ele.
— Xhex, está grunhindo?
— Não — obrigou-se a concentrar-se e lhe dar um panorama geral dos incidentes acontecidos essa noite, até o momento. Trez fez o relatório do Iron Mask, o qual estava ao seu encargo, e depois iAm falou de finanças e do Restaurante Sal, outra das posses de Rehv. Em definitivo, eram os negócios habituais… tendo em conta que infringiam o tipo de leis humanas que os suporia uma grave condenação se os apanhassem.
Não obstante a mente de Xhex estava só parcialmente no jogo, e quando chegou à hora de partir, foi à primeira em chegar à porta, embora geralmente se atrasasse.
Saiu do escritório no momento exato.
Se quisesse que lhe dessem uma joelhada no saco.
Nesse preciso momento, apareceu Qhuinn na entrada do corredor que levava aos banheiros privados, tinha os lábios inchados e avermelhados, o cabelo revolto e o aroma de sexo, orgasmos e atos indecentes feitos com delicadeza o precedia.
Ela se deteve, embora isso fosse uma idéia estúpida.
Gina foi à seguinte, e tinha o aspecto de necessitar uma bebida. Do tipo Gatorade. A mulher estava enfraquecida, e não porque estivesse deliberadamente em seu modo à-caça-de-sexo, não porque lhe tinham dado uma apropriada sessão de prazer, e o suave sorriso que ostentava na boca era muito íntimo e honesto para o gosto de Xhex.
John foi o último a sair, com a cabeça erguida, o olhar vazio e os ombros jogados para trás.
Esteve magnífico. Estava disposta a apostar… que estivera magnífico.
Ele voltou a cabeça e seus olhares se encontraram. Tinha desaparecido a tímida contemplação, o rubor, as torpes adulações. Saudou-a com um curto movimento de cabeça e afastou o olhar, estava calmo, e, dada a forma em que avaliou outra das prostitutas… preparado para mais sexo.
Um incômodo e inusitado pesar atravessou o peito de Xhex, alterando o firme batimento de seu coração. Em sua campanha para salvá-lo do caos pelo que tinha atravessado seu último amante, tinha destruído algo; ao afastá-lo, tinha-lhe despojado de algo muito precioso.
Tinha perdido sua inocência.
Xhex levou o relógio bracelete até a boca.
— Necessito um pouco de ar.
A resposta de Trez foi de justa aprovação.
— Boa idéia.
— Voltarei exatamente antes que partam à reunião do conselho.
Quando Lash voltou da guarida de seu pai, só precisou de aproximadamente dez minutos para voltar completamente à vida antes de entrar no Mercedes e conduzir até a choça de merda em que as drogas tinham sido embaladas. Estava tão atordoado que pensou que seria um milagre se não se chocava com algo, e quase o fez. Enquanto esfregava aos olhos e tratava de chamar por telefone, não freou o suficientemente rápido em um semáforo vermelho, e foi só graças a que os caminhões de sal da cidade de Caldwell saíram mais cedo que seus pneumáticos tiveram algo para frear.
Deixou o telefone e se concentrou na merda de estar atrás do volante. Provavelmente era melhor do que falar com o Senhor D de todas as formas, dado que ainda estava na névoa paterna, como ele chamava.
Merda, o calor o voltava ainda mais torpe.
Lash baixou os vidros e desligou o ar quente que ondeava para o assento dianteiro do sedan, e quando chegou à merda da casa, estava muito mais alerta. Estacionou na parte de trás, para que o Merc ficasse protegido pelo alpendre fechado com malha e a garagem, e entrou pela porta da cozinha.
— Onde está? — gritou — Coloque-me em dia.
Silêncio.
Pôs a cabeça dentro da garagem, e quando só viu o Lexus, supôs que o senhor D, Grady, e os outros dois provavelmente estivessem retornando, depois de ter liquidado a esse outro traficante. O que queria dizer que tinha tempo de comer algo. Enquanto ia à geladeira que estava abastecida para ele, chamou por telefone ao pequeno texano. Soou uma vez. Duas vezes.
Estava tirando um sanduíche de peru comprado em uma padaria e checando o prazo de validade quando ativou a campainha de voz de D.
Lash endireitou-se e olhou fixamente o telefone. Nunca recorria ao correio de voz. Jamais.
É obvio, que a reunião podia ter se atrasado e nesse momento podiam estar exatamente na metade da mesma.
Lash comeu e esperou, acreditando que lhe devolveria a chamada imediatamente. Quando não foi assim, entrou na sala de estar, conectou o computador portátil e acessou ao software GPS que localizava todos e cada um dos telefones da Sociedade Lessening no mapa de Caldwell. Configurou a busca para que procurasse o do senhor D e descobriu…
O tipo estava viajando rapidamente, movendo-se nesta direção. E os outros dois lessers estavam com ele.
Assim, por que não respondia ao fodido telefone?
Desconfiando, Lash chamou outra vez e começou a passear pela sala de mau humor enquanto a chamada soava e soava. Pelo que podia ver, na casa, não havia nada fora de lugar. A sala estava igual, os outros dois dormitórios e o principal estavam em ordem, todas as janelas tinham o ferrolho em seu lugar e as persianas estavam baixas.
Quando tomou o corredor que levava à frente da casa, estava chamando o texano pela terceira vez…
Lash se deteve a meio caminho e girou a cabeça para a única porta que não abriu… ao longo de todo o batente da mesma entrava uma brisa fria.
Não tinha que abrir a coisa para saber o que acontecera, mas igualmente rompeu a fodida. A janela estava em pedacinhos e havia nervuras negras — de borracha, não de sangue de assassino — ao redor do batente.
A dar uma rápida olhada pela fresta, Lash observou que sobre a fina capa de neve havia uns rastros que se dirigiam para a rua. Sem dúvida a rotina de fugir a pé a toda pressa não tinha durado muito. Nos arredores dessa tranqüila vizinhança havia muitos carros que podiam fazer uma ligação direta para levá-los, e isso era uma coisa de criança para qualquer criminoso que se apreciasse.
Grady tinha evaporado.
E sua jogada o surpreendia. Não era o diamante mais brilhante da corrente, mas a polícia o estava procurando. Por que arriscar-se a ter outro grupo de filhos da puta o caçando?
Lash entrou na sala e franziu o cenho ao ver o sofá onde Grady deixou a caixa gordurenta de Domino’s e… o jornal que esteve lendo.
E estava aberto na parte dos obituários.
Pensando nos nódulos machucados de Grady, Lash se aproximou e recolheu o jornal…
Cheirou algo nas páginas. Old Spice. Ah, assim o senhor D tinha um pouco de inteligência, e também tinha olhado a coisa….
Lash examinou as colunas. Um grupo de humanos entre os setenta e os oitenta. Um nos sessenta. Dois nos cinqüenta. Nenhum deles se assemelhava ao nome de Grady nem como sobrenome nem como nome composto. Três eram de fora da cidade, mas tinham família aqui em Caldie…
E então ali estava: Christianne Andrews, idade vinte e quatro. Não aparecia a causa da morte, mas a morte tinha sido no domingo, e o funeral ocorreu hoje no Cemitério de Pine Grove. A chave? Em vez de flores, por favor, envia donativos ao Departamento de Policia para o fundo de Vítimas de Violência Doméstica.
Lash se lançou sobre o computador portátil e checou o relatório do GPS. O Focus do senhor D se dirigia para… bem, o que parece? O Cemitério de Pine Grove, onde uma vez a adorável Christianne descansaria por toda a eternidade nos braços dos anjos.
Agora a história de Grady era clara: o cabrón espanca sua garota com regularidade até que uma noite leva a dureza do amor muito longe. Ela morre, a polícia encontra seu corpo e começam a procurar o namorado camello[85] que descarrega o estresse de seu trabalho em casa com sua pequena mulher. Não era de admirar que o estivessem procurando.
E o amor conquistava tudo… inclusive o sentido comum dos criminosos.
Lash saiu e se desmaterializou para o cemitério, preparado para um cara a cara não só com o parvo humano, mas também com os fodidos e estúpidos assassinos que deveriam ter vigiado melhor ao idiota.
Materializou-se a uns nove metros de distância de um carro estacionado… motivo pelo qual quase fica à vista do tipo que estava sentado dentro da coisa. Transladando-se rapidamente detrás da estátua de uma mulher que vestia uma túnica, Lash comprovou o que estava ocorrendo no sedan: no interior havia um humano, a julgar pelo aroma. Um humano que tomou muito café.
Um policial disfarçado. Que sem dúvida estava esperando que o FDP do Grady fizesse exatamente o que ia fazer: quer dizer, apresentar as condolências à garota que tinha assassinado.
Sim, bem, os dois podiam jogar o espera-e-verá.
Lash tirou o telefone e escondeu a brilhante tela com a palma. O texto que enviou ao senhor D era um obstáculo que rezava ao inferno para que chegasse a tempo. Com a polícia presente no lugar, Lash se encarregaria de Grady sozinho.
E, em seguida se lançaria sobre quem quer que tenha deixado o humano sozinho tempo suficiente para que pudesse escapar.
Capítulo 46
Parado ao pé da escadaria principal, Wrath terminou de preparar-se para a reunião com a glymera colocando um colete à prova de balas Kevlar.
— É leve.
— O peso nem sempre o faz melhor — disse V enquanto acendia um cigarro feito à mão e fechava de repente seu isqueiro de ouro.
— Está seguro disso.
— Quando se trata de coletes balísticos, estou — Vishous exalou, e a fumaça escureceu seu rosto momentaneamente antes de flutuar para cima, ao teto ornamentado — Mas se te faz sentir melhor, podemos amarrar uma porta de garagem em seu peito. Ou um carro, quem sabe.
O som de fortes pisadas que provinham detrás dele, ecoaram no suntuoso vestíbulo da cor das pedras preciosas, quando Rhage e Zsadist desceram juntos, como uma dupla de genuínos assassinos, com as adagas da Irmandade postas nas capas de seus peitos, com os punhos para baixo. Quando chegaram frente à Wrath, escutou-se um ruído de campainha que vinha da porta de entrada, e Fritz foi arrastando os pés para deixar entrar ao Phury, que havia se desmaterializado das Adirondacks, assim como também Butch, que acabava de chegar através do pátio.
Ao olhar a seus irmãos, Wrath sentiu que o atravessava uma descarga. Apesar de que dois deles ainda não lhe falavam, podia sentir o sangue de guerreiro que tinham em comum, percorrendo seu corpo, e desfrutou da necessidade coletiva de lutar contra o inimigo, fosse um lesser ou um de sua própria raça.
Um suave som proveniente das escadas o fez girar a cabeça.
Tohr estava descendo com cuidado desde o segundo andar, como se não estivesse seguro se podia confiar nos músculos de suas coxas para que resistissem e sustentassem seu peso. Pelo que Wrath podia ver, o irmão estava vestido com calças camufladas que se ajustavam a uns quadris do tamanho dos de um moço, e usava um suéter negro grosso com gola alta, que disfarçava sob suas axilas. Não havia adagas em seu peito, mas tinha um par de pistolas pendurando desse cinturão de couro que, com esperança e uma prece, estava mantendo as calças em seu lugar.
Lassiter estava ao seu lado, mas ao menos por uma vez, o anjo não estava bancando o esperto. Embora, tampouco, olhava por aonde ia. Por alguma razão, tinha o olhar fixo no mural existente no teto, o dos guerreiros lutando nas nuvens.
Todos os irmãos olharam Tohr, mas ele não se deteve, nem olhou para ninguém, simplesmente continuou caminhando até que chegou ao chão de mosaico. E, nem ali parou. Passou pela Irmandade, foi até a porta que conduzia para a noite, e esperou.
A única lembrança do que tinha sido alguma vez, era o porte de sua mandíbula. Essa firme parte de osso sobressalente paralelo ao chão e ainda um pouco mais alto. Pelo que a ele concernia, ia sair e pronto.
Sim, pois estava equivocado.
Wrath aproximou-se dele e disse brandamente:
— Tohr, sinto muito...
— Não há razão para pedir perdão. Vamos.
— Não.
Houve vários movimentos incômodos, como se os outros irmãos estivessem odiando isto tanto quanto Wrath.
— Não está o suficientemente forte — Wrath queria pôr a mão no ombro de Tohr, mas sabia que isso conduziria a um violento encolhimento de ombros, dada a forma que mantinha o frágil corpo tenso — Só espera até estar preparado. Esta guerra... Esta fodida guerra vai continuar.
O relógio que estava no estúdio do andar superior, começou a badalar, o som rítmico se difundia do estúdio de Wrath, passando sobre a balaustrada dourada e caindo até os ouvidos dos ali reunidos. Eram onze e meia. Tempo de sair se queriam examinar o perímetro do local da reunião antes que chegassem os sujeitos da glymera.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e olhou sobre o ombro aos cinco guerreiros vestidos de negro, que permaneciam juntos como uma unidade. Seus corpos zumbiam cheios de poder, suas armas não estavam constituídas só pelo que pendia de capas e pistoleiras, mas sim, também o eram suas mãos, pés, braços, pernas e mentes. A fortaleza mental estava no sangue; o treinamento e a força bruta em sua carne.
Necessitavam ambas para lutar. À vontade te levava só até certo ponto.
— Fica — disse Wrath — E isso é tudo.
Com uma maldição, abriu caminho para o pórtico e saiu ao outro lado. Deixar Tohr atrás era mal, mas não havia outra escolha. O irmão estava indefeso até o ponto de ser um perigo para si mesmo, e seria uma grande distração. Se saísse, cada um dos irmãos o teria em mente, por isso todo o grupo teria a cabeça fodida... E, isso não era exatamente o que queria se iria a uma reunião onde alguém poderia tratar de assassinar ao rei. Pela, vejamos segunda vez na semana.
Enquanto as portas exteriores da mansão se fechavam com um som ensurdecedor, Tohr ficou do outro lado e Wrath e os irmãos permaneceram sob as rajadas de vento vigorosas que sulcavam a parede da montanha do complexo, corriam através do pátio e ziguezagueavam entre os carros que havia ali.
— Maldita seja — murmurou Rhage enquanto se concentravam no longínquo horizonte.
Após um momento, Vishous girou a cabeça para Wrath, e sua silhueta ficou perfilada contra o céu cinza.
— Temos que...
Soou a detonação de uma arma de fogo, e o cigarro feito a mão que V tinha entre os lábios foi arrancado de sua boca. Ou, possivelmente foi diretamente vaporizado.
— Que merda! — gritou V enquanto retrocedia.
Todos viraram juntos, procurando suas armas mesmo sabendo que não havia maneira no inferno de que seus inimigos pudessem estar perto da grande fortaleza de pedra.
Tohr estava parado tranqüilamente na entrada da mansão, seus pés plantados solidamente e suas duas mãos agarrando a culatra da arma que acabava de disparar.
V se jogou para frente, mas Butch o aprisionou, segurando fortemente seu peito, para evitar que derrubasse Tohr ao chão.
Isso não deteve a boca de V.
— Em que merda está pensando!
Tohr baixou o canhão.
— Talvez ainda não esteja preparado para lutar mão a mão, mas sou de longe melhor atirador que qualquer de vocês.
— É um maldito louco — espetou V — Isso é o que é.
— De verdade acredita que te poria uma bala na cabeça? — o tom de voz do Tohr era uniforme — Já perdi ao amor de minha vida. Disparar a um de meus irmãos não é o tipo de arremate que estou procurando. Como falei, sou o melhor de todos com uma arma, e esse não é o tipo de recurso que querem deixar na reserva em uma noite como esta — Tohr voltou a embainhar a SIG — E, antes que me volte louco com seus porquês, tinha que fazer uma demonstração, e era melhor que disparar ao seu horrível cavanhaque. E isso não quer dizer que não seja capaz de matar por te dar a barbeada que seu queixo está pedindo a gritos.
Houve uma longa pausa.
Wrath estalou em gargalhadas. O que, naturalmente, era loucura. Mas a idéia de não ter que lutar com o fato de ter deixado Tohr para trás como a um cão que não se permite ir com o resto da família, era um alívio tão assombroso que tudo o que pôde fazer foi rir.
Rhage foi o primeiro a se unir e atirou a cabeça para trás e as luzes da mansão refletiram em seu brilhante cabelo loiro, seus dentes super brancos relampejaram. Enquanto ria, levantou a grande mão e a pousou sobre seu coração como se estivesse esperando que a coisa não entrasse em curto-circuito.
Butch foi o seguinte, o poli ladrou com força e soltou o peito de seu melhor amigo. Phury sorriu durante um segundo, e em seguida seus grandes ombros começaram a estremecer... E, aí começou Z cujo sorriso começou a ampliar até que seu rosto com cicatrizes apresentou um grande sorriso zombador.
Tohr não sorriu, mas a satisfação com a qual apoiou o peso de seu corpo nos calcanhares lembrou um reflexo do homem que costumava ser. Sempre tinha sido um cara sério, daqueles mais interessados em assegurar-se de que todos estivessem tranqüilos e bem, do que em fazer brincadeiras e ser um gozador. Mas isso não significava que não pudesse curtir brincadeiras como o melhor deles.
Era a razão pela qual tinha sido o líder perfeito para a Irmandade. Tinha o conjunto de habilidades convenientes e necessárias para esse trabalho; uma cabeça firme e um coração caloroso.
Em meio das risadas, Rhage olhou Wrath. Sem dizer uma palavra, os dois se abraçaram, e quando se afastaram Wrath deu a seu irmão o equivalente masculino de uma desculpa... Que era um bom golpe no ombro. Em seguida virou para Z e este assentiu uma vez. O qual era a versão taquigráfica de Zsadist para: Sim, se comportou como um imbecil, mas tinha suas razões e já estamos bem.
Era difícil saber quem iniciou, mas alguém pôs seus braços sobre os ombros de outro, e logo esse fez o mesmo, e terminaram abraçados como jogadores de futebol. O círculo que formaram debaixo desse vento frio era desigual, estava composto por diferentes alturas corporais, variadas larguras de peito e diferentes braços. Mas estavam vinculados e juntos eram uma unidade.
De pé, quadril com quadril com seus irmãos, Wrath viu que o que uma vez tinha dado por certo, era em realidade algo muito excepcional e especial: a Irmandade estava reunida uma vez mais.
— Hey… querem compartilhar um pouco de seu “bromance[86]” por aqui?
A voz do Lassiter fez que elevassem as cabeças. O anjo estava de pé nos degraus da mansão e seu brilho conferia à noite uma luz suave e encantadora.
— Posso golpeá-lo? — perguntou V.
— Mais tarde — respondeu Wrath, rompendo o círculo — E muitas, muitas vezes.
— Não era exatamente o que tinha em mente — murmurou o anjo enquanto um por um foram desmaterializando para a reunião, e Butch partia dirigindo para encontrar-se com eles.
Xhex tomou forma entre um grupo de pinheiros que estava mais ou menos a noventa metros da tumba de Chrissy. Escolheu esse lugar não porque esperasse que Grady estivesse ali parado sobre a lápide, choramingando sobre a manga de sua jaqueta de águia, mas sim, porque queria sentir-se ainda pior do que já se sentia... E, não podia pensar em um melhor lugar para isso, que onde a garota ia terminar assim que chegasse a primavera.
Entretanto, e para sua surpresa, não estava sozinha. Por duas razões.
O sedan estacionado bem do outro lado da curva, com uma linha de visão limpa até a tumba, era indubitavelmente do De la Cruz ou um de seus subordinados. Mas também, havia alguém mais.
Mais precisamente era uma força malévola.
Cada instinto symphath que possuía lhe dizia que andasse com cuidado. Pelo que podia distinguir, essa coisa era um lesser com uma injeção de ácido nitroso em seu motor maligno, e em um impetuoso arrebatamento de auto proteção, isolou a si mesma, fundindo-se com a paisagem...
Bom, bom, bom… outra eventualidade para atender.
Do norte, aproximava-se um grupo de homens, dois dos quais eram altos e o outro muito mais baixo. Todos estavam vestidos de negro e sua coloração era tão clara que pareciam noruegueses.
Genial. A menos que houvesse uma nova turma na cidade, uma cheia de valentões viciados no “Por que você vale muito[87]”, e que foram fanáticos da tinta Preference de L´Oréal, essa turma de loirinhos eram assassinos.
O DPC, a Sociedade Lessening, e algo pior, todos brincando de correr ao redor da tumba de Chrissy? Quais eram as possibilidades?
Xhex esperou, observando como os assassinos se separavam e procuravam árvores atrás das quais esconder-se.
Só havia uma explicação: Grady tinha ficado com os lessers. Não era nenhuma surpresa, se levava em conta que faziam o recrutamento entre criminosos, especialmente do tipo violento.
Xhex deixou que passassem os minutos, ruminando a situação, esperando simplesmente o estalo de ação que era inevitável, dado o elenco com que contava este filme. Devia retornar ao clube, mas a merda lá teria que rodar sem ela, porque de maneira nenhuma se iria dali.
Grady tinha que estar a caminho.
Passou um pouco mais de tempo, e soprou mais vento frio e muito nuvens de um azul escuro e um cinza brilhante passaram flutuando por cima da face da lua.
E logo, de um nada, os lessers, se foram.
A presença malévola também se desmaterializou.
Talvez tivessem se rendido, mas não parecia provável. Pelo que sabia dos lessers, tinham muitos defeitos, mas o TDA[88] não era um deles. Isso podia significar uma de duas coisas, ou tinha passado algo mais importante, ou tinham trocado de pla...
Ouviu um sussurro através do chão.
Olhando sobre seu ombro, viu Grady.
Estava se abraçando contra o frio, tinha os braços metidos numa parka negra que ficava grande e arrastava os pés sobre a fina cobertura de neve. Olhava ao redor, procurando entre as tumbas a mais nova, e se continuava, logo encontraria a de Chrissy.
É obvio isso também queria dizer que veria o poli incógnito no carro. Ou, o poli veria ele.
Bem. Tempo de fazer uma jogada.
Assumindo que os assassinos permaneceriam afastados, Xhex podia se encarregar do DPC.
Não perderia esta oportunidade. De nenhuma maldita maneira.
Desligando seu celular, preparou-se para ir trabalhar.
Capítulo 47
— Maldita seja, temos que ir — disse Rehv atrás de sua escrivaninha. Ao finalizar outra chamada para o celular de Xhex, atirou seu telefone novo como se não fosse mais que um pedaço de lixo, algo que evidentemente estava se convertendo em um mau hábito — Não sei onde demônios está, mas temos que ir.
— Voltará — Trez pôs uma trincheira de couro negro e se encaminhou para a porta — E dado o humor que tinha é melhor que esteja ausente em vez de estar aqui. Irei ver o supervisor de turno e direi que me avise caso surja qualquer tipo de problema, logo irei buscar o B.
Quando se foi, iAm voltou a checar as duas H&K que tinha sob os braços com eficiência letal, seus olhos negros tinham uma expressão serena e suas mãos eram firmes. Satisfeito, o macho recolheu uma trincheira de couro cor cinza aço e a pôs.
O fato de que os casacos dos irmãos fossem similares tinha sentido. Trez e iAm gostavam das mesmas coisas. Sempre. Embora não fossem gêmeos de nascimento, vestiam-se de forma similar e sempre iam armados com armas idênticas e conseqüentemente compartilhavam as mesmas idéias, valores e princípios.
Não obstante, havia algo em que eram diferentes. Enquanto iAm permanecia junto à porta, em silêncio e quieto como um Dobermann em serviço - mas sua falta de conversa não significava que não fosse tão mortal como seu irmão, porque os olhos do tipo expressavam toneladas de coisas, apesar de que sua boca permanecesse firmemente atarraxada - a iAm nunca escapava nada.
Incluindo, obviamente, os antibióticos que Rehv tirou de seu bolso e engoliu. Assim como também o fato de que a seguir apareceu uma agulha esterilizada e foi posta em uso.
—Bem — disse o macho, enquanto Rehv voltava a baixar a manga e vestia a jaqueta do terno.
— Bem o que? — iAm simplesmente olhou-o fixamente do outro lado do escritório, com uma expressão de não seja imbecil sabe perfeitamente bem do que estou falando.
Estava acostumado a fazer isso freqüentemente. Falar toneladas com somente um olhar.
— Como é — murmurou Rehv — Não se excite tanto, não é como se tivesse dado volta à página para começar de novo.
Podia estar tratando a infecção de seu braço, mas ainda seguia havendo merda pendurando como franjas podres por todas as arestas de sua vida.
— Está seguro disso?
Rehv revirou os olhos e ficou de pé, deslizando um saco de M&M no bolso de seu casaco.
— Pode me acreditar.
iAm adotou uma expressão de «Ah, sim? E cravou os olhos no casaco de Rehv.
— Derretem-se em sua boca, não em sua mão[89].
— OH, se cale. Olhe, as pílulas devem ser tomadas com a comida. Leva contigo um sanduíche de presunto e queijo em pão de centeio? Eu não.
— Poderia ter feito uns linguini[90] com salsa e sal e ter te trazido. A próxima vez me avise com mais tempo.
Rehv saiu do escritório.
— Poderia deixar de ser tão considerado? Faz me sentir como uma merda.
— Isso é problema seu não meu.
Quando saíam do escritório, iAm falou por seu relógio e Rehv não perdeu nada de seu tempo no trajeto entre a porta lateral do clube e o carro. Quando esteve dentro do B, iAm desapareceu, viajando como uma sombra ondulada sobre o chão, desordenando as páginas de uma revista, fazendo repicar uma lata abandonada e arrepiando a neve solta.
Chegaria antes ao lugar da reunião e abriria o local enquanto Trez conduzia para lá.
Rehv marcou a reunião nesse lugar por dois motivos. Primeiro, era o leahdyre, então o conselho devia ir aonde ele dissesse e sabia que se retorceriam porque considerariam o estabelecimento indigno deles. Isso sempre era um prazer. E, segundo, era uma propriedade que adquiriu como investimento, assim estava em seu território.
Isso sempre era uma necessidade.
O Restaurante Salvatore’s, lar do famoso molho Sal, era totalmente uma instituição italiana em Caldie, e fazia mais de cinqüenta anos que tinha aberto suas portas. Quando o neto do primeiro dono, Sal III, como o conhecia, desenvolveu um horrendo hábito pelo jogo e adquiriu uma dívida de cento e vinte mil dólares com os apostadores de Rehv, deu-se a troca “isso por aquilo”: o neto transferiu a escritura legal do estabelecimento ao Rehv e Rehv não rompeu a bússola à terceira geração.
O que em termos vulgares, significava que o cara se salvava de que lhe destroçassem os cotovelos e os joelhos até ao ponto de necessitar uma substituição de articulações.
OH, e a receita secreta do molho Sal tinha vindo com o restaurante… requerimento acrescentado por iAm: durante as negociações que tinham durado tanto como um minuto e meio, a Sombra tinha elevado a voz para dizer: sem molho, não há trato. E logo tinha exigido prová-la para assegurar-se de que a receita fosse a correta.
Desde que se produziu essa feliz transação, o mouro esteve administrando o lugar, e quem o teria dito? Estava dando lucros. Mas, bem isso era o que ocorria quando não empregava cada centavo disponível para dilapidá-lo em seleções de futebol ruins. No restaurante o tráfico estava em alta, a qualidade da comida voltava a ser a de antes, e o lugar estava recebendo uma cirurgia estética fodidamente importante que se traduzia em novas mesas, cadeiras, toalhas, tapetes e candelabros.
Todos os quais eram réplicas exatas do que houvera antes.
Não se fodia com a tradição, como costumava dizer iAm.
A única mudança interior era uma que ninguém podia ver: uma malha de aço tinha sido aplicada a cada centímetro quadrado de paredes e tetos e todas as portas exceto uma tinham sido reforçadas com a mesma merda.
Ninguém poderia desmaterializar para dentro ou para fora sem que a direção estivesse inteirada ou tivesse aprovado.
Para falar a verdade, o dono do lugar era Rehv, mas era o bebê de iAm, e o mouro tinha razão ao estar orgulhoso de seus esforços. Até os goombahs[91] italianos da velha escola apreciavam a comida que cozinhava.
Quinze minutos mais tarde, o Bentley se deteve sob o abrigo para carros do único piso em expansão da extensão de tijolo à vista que era sua marca registrada. No edifício as luzes estavam apagadas, inclusive as que iluminavam o nome de Sal, embora o estacionamento deserto estivesse iluminado com o brilho alaranjado de abajures a gás antigos.
Trez aguardou na escuridão com o motor ligado e as portas do carro à prova de balas trancadas, enquanto evidentemente se comunicava com seu irmão da forma em que faziam as Sombras. Após um momento fez um gesto afirmativo com a cabeça e desligou o motor.
— Está limpo — saiu e deu a volta no Bentley para abrir a porta traseira ao Rehv, enquanto este agarrava sua bengala e deslizava seu corpo intumescido pelo assento de couro para sair. Durante o tempo que demoraram em cruzar o pavimento e abrir a pesada porta negra, a arma do mouro esteve desencapada e sobre sua coxa.
Entrar no Sal era como atravessar o Mar Vermelho. Literalmente.
Frank Sinatra lhes deu a bem-vinda, seu tema «Wives and Lovers» fluía dos alto-falantes embutidos no teto de veludo vermelho. Sob seus pés o tapete vermelho foi substituído recentemente e brilhava com o mesmo brilho e a mesma intensidade que o sangue humano recém derramado. As paredes circundantes eram vermelhas com um desenho de folhas e pétalas e a iluminação era como a de uma sala de cinema, quer dizer que em sua maior parte estava ao nível do chão. Durante o horário de trabalho, a tribuna da anfitriã e o lugar onde deixavam os casacos eram atendidos por vistosas mulheres de cabelos escuros com vestidos curtos e meias vermelhas, e todos os garçons usavam ternos negros com gravatas vermelhas.
A um lado, havia uma fileira de telefones públicos dos anos cinqüenta e duas máquinas vendedoras de cigarros da época do Kojak, e como sempre, o lugar cheirava a orégano, alho e boa comida. No fundo, também persistia um aroma de cigarros e charutos… ainda que a lei estabelecesse que não podia fumar neste tipo de estabelecimento, no ambiente de trás, onde estavam as mesas reservadas e se realizavam os jogos de pôquer, a administração permitia fazê-lo.
Rehv sempre esteve um pouquinho de saco cheio com respeito a ter tanto vermelho o rodeando, mas sabia que enquanto pudesse olhar por volta dos dois salões de refeições e ver que as toalhas das mesas eram brancas e que as cadeiras de couro tinham a profundidade adequada, estava bem.
— A Irmandade já está aqui — disse Trez enquanto se dirigiam para a suíte privada onde seria a reunião.
Quando entraram na sala, não se ouviam conversas, nem risadas, sequer um pigarro entre os machos que enchiam o espaço. Os Irmãos estavam alinhados ombro a ombro diante de Wrath, que estava parado frente à única porta que não estava reforçada com aço… para que pudesse desmaterializar-se livremente e imediatamente em caso de ser necessário.
— Boa noite — disse Rehv, optando pela cabeceira da mesa longa e estreita que tinha sido disposta com vinte cadeiras.
Houve uma linguagem obscura e incompreensível de “olá como está”, mas o hermético grupo de guerreiros parecia uma linha de defesa de futebol americano, enfocados exclusivamente na porta de entrada que Rehv acabava de atravessar.
Sim, se fodia com seu amigo Wrath o fariam conhecer seu possível futuro… metendo isso pelo seu traseiro.
E quem o julgaria? Aparentemente tinham adquirido um mascote. Um pouco mais afastado, para a esquerda, havia um tipo que parecia uma brilhante estatueta do Oscar, com a testa alta e usando umas calças camufladas, seu cabelo loiro e moreno o fazia parecer um heavy dos anos oitenta em busca de uma banda que o respaldasse. Contudo, o aspecto de Lassiter, o anjo caído, não era menos feroz que dos Irmãos. Talvez fosse devido a seus piercings. Ou, por que seus olhos eram completamente brancos. A merda com isso, o motivo verdadeiro era que as vibrações que emitia o tipo eram realmente intensas.
Interessante. Dada a forma em que fixava seu olhar penetrante na porta, igual aos outros, se diria que Wrath estava na lista de proteção às espécies desse anjo.
iAm entrou pela parte traseira, com a arma em uma mão e uma bandeja com cappuccinos na outra.
Vários Irmãos aceitaram o que lhes oferecia, embora todos esses copos delicados fossem se converter em goma de mascar para os tacos de seus shitkickers se tivessem que brigar.
— Obrigado, amigo — Rehv também aceitou um dos cappuccinos — Cannoli[92]?
— Estão vindo.
As instruções para ir à reunião foram claramente indicadas de antemão. Os membros do conselho deviam chegar pela parte dianteira do restaurante. Se algum sequer tocava o trinco de outra porta, assumiria o risco de que lhe disparassem. iAm lhes permitiria a entrada e os escoltaria para outra sala. A partida, também seria pela porta dianteira, e lhes proporcionaria um guarda para que pudessem desmaterializar-se a salvo. Ostensivamente, as medidas de segurança se deviam a que Rehv estava “preocupado devido aos lessers”. O verdadeiro motivo era proteger Wrath.
iAm entrou com os cannoli .
Comeram os cannoli.
Trouxeram mais cappuccinos.
Frank cantou “Fly me to the Moon”. Em seguida veio essa canção que falava do bar que estava fechando e que ele necessitava outra para o caminho.
E, logo aquela que se referia a três moedas em uma fonte. E ao fato que estivesse apaixonado por alguém.
Junto ao Wrath, Rhage trocou o peso imponente de seu corpo de uma shitkicker a outra, e sua jaqueta de couro chiou. A seu lado, o rei fez rodar seus ombros, e um deles rangeu. Butch fez soar seus nódulos. V acendeu um cigarro. Phury e Z olharam um ao outro.
Rehv jogou uma olhada a iAm e a Trez que estavam na entrada. Voltou a olhar para o Wrath.
— Surpresa, surpresa.
Fazendo uso de sua bengala, ficou de pé e deu uma volta ao redor da sala, e seu lado symphath sentiu respeito pela tática ofensiva dos outros membros do conselho ao organizar esta ausência inesperada. Nunca teria pensado que tinham culhões suficiente para…
Da porta dianteira do restaurante lhes chegou um bing-bong.
Enquanto Rehv girava a cabeça, ouviu o suave deslizar metálico ao serem retiradas as travas das armas que os Irmãos tinham nas mãos.
Do outro lado da rua, frente aos portões fechados do Cemitério de Pine Grove, Lash caminhou para um Honda Civic que estava estacionado nas sombras. Quando pôs a mão sobre o capô, sentiu-o quente, e não teve que rodeá-lo ao assento do condutor para saber que a janela tinha sido quebrada. Este era o carro que Grady utilizou para ir até a tumba de sua falecida ex.
Quando ouviu o som de botas que se aproximavam pelo asfalto, agarrou a arma que levava no bolso superior.
Enquanto se aproximava, o senhor D não deixava de tocar seu chapéu de cowboy.
— Por que nos fez abandonar…?
Com toda calma Lash elevou a arma nivelando-a a altura da cabeça do lesser.
— Me dê agora um motivo para que não te abra um buraco nesse puto cérebro que tem.
Os assassinos que estavam dos lados do senhor D deram um passo atrás. Muito atrás.
— Porque descobri que tinha fugido — disse o senhor D com seu sotaque texano — Por isso. Estes dois não tinham nem a menor idéia de onde tinha ido.
— Você estava no comando. Você o perdeu.
O senhor D tinha o olhar sereno.
— Estava contando todo seu dinheiro. Quer que outra pessoa faça essa tarefa? Não acredito.
Merda, bom ponto. Lash baixou a arma e olhou os outros dois. Diferente do senhor D que estava firme como uma rocha, os outros estavam muito agitados. O que indicava precisamente quem tinha perdido sua propriedade.
— Quanto dinheiro entrou? — perguntou Lash, com a vista ainda cravada em seus homens.
— Muito. Está tudo ali no Escort.
— Bem, o que lhes parece? Meu humor está melhorando — murmurou Lash, guardando sua arma — Quanto a por que ordenei detê-los, Grady está a ponto de ser preso com minhas fodidas felicitações. Quero que seja a noiva de alguém algumas vezes e que desfrute da vida atrás das grades antes que o mate.
— Mas e o que me diz de…?
— Temos os meios para contatar com os outros dois distribuidores e podemos vender o produto por nossa conta. Não o necessitamos.
O som de um carro aproximando-se dos portões de ferro de dentro do cemitério fez que todos girassem a cabeça para a direita. Era o carro que esteve estacionado do outro lado da curva junto a essa nova tumba e quando o PDM se deteve, de seu cano de escapamento se elevou o vapor, emitindo bufos como se o motor estivesse soltando peidos. Desceu um cara muito desarrumado de cabelo escuro. Depois de abrir a corrente, aplicou toda sua energia a empurrar um lado dos portões, logo os atravessou com o carro, voltou a descer do mesmo e fechou o lugar outra vez.
No carro não havia ninguém mais.
Dobrou à esquerda, e as luzes vermelhas foram se desvanecendo enquanto se afastava.
Lash jogou uma olhada ao Civic que era a única outra forma que tinha Grady de sair dali.
Que porra tinha se passado? O policial deveria ter visto Grady, porque esteve caminhando diretamente para seu carro…
Lash se enrijeceu e logo girou rapidamente sobre sua bota, moendo, com a grosa sola, o sal que tinha sido derramado sobre o caminho.
Havia algo mais no cemitério. Algo que nesse momento tinha decidido revelar a si mesmo.
Algo que se percebia exatamente igual ao symphath do norte do Estado.
E, esse era o motivo de que o policial se foi. Tinham-no impulsionado mentalmente a fazê-lo.
— Retorna à choça com o dinheiro — disse ao senhor D — Te verei ali.
— Sim senhor. Em seguida.
Lash não prestou muita atenção à resposta. Estava muito interessado em inteirar-se de que merda estava passando ao redor da tumba da garota morta prematuramente.
Capítulo 48
Xhex se alegrava que a mente humana fosse como argila: não levou muito tempo obter que o cérebro de José Da Cruz registrasse a ordem que lhe deu, e assim que o fez, pôs seu copo de café frio no porta copos e arrancou com o carro.
Do outro lado, entre as árvores, Grady parou sua marcha de zumbi, tinha aspecto de estar fodidamente horrorizado ao ver que havia um sedan ali. Entretanto, ela não se preocupou de que o tipo pudesse acovardar-se. A dor pela perda, o desespero e o remorso enchiam o ar que o rodeava e essa rede logo lhe faria avançar para a tumba recente, com maior resolução que qualquer pensamento que ela pudesse implantar no lóbulo frontal do filho da puta.
Xhex esperou enquanto ele esperava… e efetivamente, assim que Da Cruz se foi, essas botas fabricadas para caminhar voltaram para o jogo, levando Grady bem onde ela o desejava.
Quando ele chegou à lápide de granito, um som afogado escapou de sua boca e foi o primeiro soluço de muitos que seguiram. Como uma bichinha começou a soluçar, e seu fôlego se congelava formando nuvens brancas enquanto se agachava sobre o lugar onde a mulher que tinha assassinado passaria o próximo século decompondo-se.
Se gostava tanto da Chrissy, por que não pensou nisso antes de liquidá-la?
Xhex saiu de atrás do carvalho e deixou que seu mascaramento evaporasse, revelando a si mesma na paisagem. Enquanto se aproximava do assassino de Chrissy, levou a mão para a parte baixa de suas costas e desencapou a faca de aço inoxidável que elegantemente estava embainhada ao longo de sua espinha dorsal. A arma era longa como seu antebraço.
— Olá, Grady — disse.
Grady girou de repente como se tivessem metido um cartucho de dinamite no traseiro e ele tivesse a esperança de apagar o pavio na neve.
Xhex manteve a lâmina atrás de sua coxa.
— Como está?
— O que…?
Buscou com o olhar suas duas mãos. Quando só viu uma, retrocedeu como um caranguejo, sobre mãos e pés, arrastando a bunda pelo chão.
Xhex o seguiu, procurando manter uma distância de um metro entre eles. A julgar pela forma que Grady insistia em olhar por cima do ombro, diria que estava se preparando para virar e sair correndo, e ela se manteria calma até que ele…
Bingo.
Grady se balançou para a esquerda, mas ela caiu sobre ele, agarrando-o pelo pulso, permitiu que o impulso que adquiriu o levasse para frente até que seu agarre o freou completamente. Terminou de barriga para baixo com a arma dobrada atrás de suas costas e rendido a sua misericórdia. E, é obvio que ela tinha nascido com uma carência absoluta de misericórdia. Com uma rápida navalhada, fez um corte em seu tríceps, atravessando à grossa parka[93] e a pele fina e suave.
Fez isso só para distraí-lo, e funcionou. Grady uivou com dor e apressou-se a cobrir a ferida.
Isso deu a ela tempo de sobra para agarrar a bota esquerda dele e torcer até que ele não se importou mais com o que estava ocorrendo no braço. Gritou e tratou de aliviar a pressão dando a volta, mas ela plantou um joelho na parta baixa de suas costas e manteve-o no lugar enquanto quebrava seu tornozelo com uma torção. Desmontou-se rapidamente e com outro corte incapacitou sua outra perna fatiando os tendões de sua coxa.
Isso cortou as choramingações pela metade.
Quando Grady entrou em pânico, perdeu o fôlego e se acalmou… até que ela começou a arrastá-lo para a tumba. Ele lutou por todo o caminho da mesma maneira que gritava, mas fez mais ruído que efeito. Uma vez que esteve onde o queria, cortou os tendões do outro braço para que por mais que se esforçasse em mover as mãos, não pudesse. Então, virou-o para que tivesse uma boa vista do céu e puxou sua parka para cima.
Agarrou seu cinturão ao mesmo tempo em que mostrava a faca.
Os homens eram graciosos. Sem importar quanto descontrolados estivessem, era só aproximar algo comprido, afiado e brilhante a seu cérebro primário, e obteria fogos de artifício.
— Não…!
— Oh, sim — aproximou a faca a seu rosto— Claro que sim.
Ele lutou decididamente, apesar das feridas ocasionadas para inibi-lo, e ela se deteve para desfrutar do espetáculo.
— Antes que te deixe, estará morto — disse enquanto ele se sacudia por toda parte — Mas, antes de ir, você e eu vamos passar um bom momento juntos. Não muito, sabe? Tenho que voltar para o trabalho. Menos mal que sou rápida.
Pôs a bota sobre seu peito para imobilizá-lo, abriu o botão e o zíper da braguilha, e baixou-lhe as calças.
— Quanto tempo levou para matá-la, Grady? Quanto?
Absolutamente aterrorizado, gemeu e retorceu-se. Seu sangue manchou a neve branca de vermelho.
— Quanto tempo, filho da puta? — Fez um corte ao longo da cintura de sua cueca Empório Armani — Quanto tempo sofreu?
Um momento depois, Grady gritou tão forte, que o som sequer foi humano; parecia mais ao estridente som de um corvo negro.
Xhex fez uma pausa e desviou o olhar em direção à estátua da mulher com túnica que havia passado tanto tempo olhando durante o serviço de Chrissy. Por um momento, pareceu que o rosto de pedra tinha mudado de posição, como se a formosa fêmea já não estivesse olhando Deus, e sim a Xhex.
Mas isso não era possível, ou era?
Enquanto Wrath permanecia atrás da parede de Irmãos, seus ouvidos captaram o som distante da porta dianteira de Sal abrindo e fechando, isolando o sutil giro das dobradiças entre os Scooby–dooby–doos de Sinatra. O que fosse que estivessem esperando, acabava de chegar, e, tanto seu corpo, como seus sentidos e coração desaceleraram, como se estivessem aproximando de uma curva fechada e se preparassem para tomá-la a toda potência.
Moveu os olhos para poder enfocá-los melhor, a sala vermelha, a mesa branca e as nucas das cabeças de seus irmãos se fizeram um pouco mais claras enquanto iAm voltava a aparecer na arcada.
Um macho extremamente bem vestido o acompanhava.
Bem, esse cara tinha “glymera” estampado por todo seu elegante traseiro. Com um ondulado cabelo loiro penteado para o lado, tinha um estilo tipo “O Grande Gatsby” [94], seu rosto estava tão perfeitamente proporcionado e equilibrado que era francamente formoso. Seu casaco de lã negra estava confeccionado para ajustar-se ao seu magro corpo, e na mão levava uma fina maleta com documentos.
Wrath nunca o tinha visto antes, mas parecia jovem para a situação que acabava de encontrar. Muito jovem.
Não era nada mais que um cordeiro para o sacrifício muito caro e com muito estilo.
Rehvenge caminhou a passos largos para o menino, o symphath sustentava sua bengala como se fosse desencapar uma espada que havia nela, caso Gatsby se atrevesse sequer a respirar fundo.
— Será melhor que comece a falar. Já.
Wrath se adiantou, metendo-se entre Rhage e Z, nenhum dos dois ficou muito contente com a mudança de posições. Um rápido gesto de mão evitou que tratassem de manobrar para ficar frente a ele.
— Como se chama filho?
A última coisa de que precisavam era um cadáver, e com o Rehv nunca podia dar nada por certo.
O cordeiro Gatsby fez uma sóbria reverência e logo se endireitou. Quando falou, fez com uma voz que surpreendentemente era profunda e segura, considerando a quantidade de carregadores automáticos que tinha apontados a seu peito.
— Sou Saxton, filho de Tyhm.
— Vi seu nome com antecedência. Prepara relatórios a respeito de linhas sucessórias?
— Sim.
Assim que o Conselho realmente estava descendo pela linha sucessória, não? Sequer enviavam o filho de um membro do Conselho.
— Quem o enviou, Saxton?
— O substituto de um homem morto.
Wrath não tinha idéia de como a glymera soube da morte de Montrag e não lhe importava. Contanto que a mensagem chegasse à outra pessoa envolvida no complô, isso era tudo o que importava.
— Por que não nos diz seu parecer?
O macho deixou a maleta sobre a mesa e soltou o clipe dourado. No instante em que o fez, Rehv liberou sua espada vermelha e pôs a ponta exatamente sobre uma garganta pálida. Saxton congelou-se e olhou a seu redor sem mover a cabeça.
— Seria melhor que se movesse devagar, filho — murmurou Wrath — Há muitos tipos de gatilho fácil nesta sala, e esta noite é o alvo favorito de todos eles.
As palavras pronunciadas por essa voz estranhamente profunda e serena foram comedidas:
— É por isso que lhe disse que devíamos fazer isto.
— Fazer o que? — disse Rhage, sempre impetuoso… apesar da espada de Rehv, Hollywood estava preparado para saltar sobre Gatsby saindo ou não algum tipo de arma de entre essas dobras de couro.
Saxton olhou ao Rhage, e em seguida voltou a enfocar-se em Wrath.
— No dia seguinte do assassinato do Montrag…
— Interessante escolha de palavras — disse Wrath arrastando as palavras, e se perguntando o quanto saberia exatamente este tipo.
— É obvio que foi um assassinato. Quando acaba morto, geralmente conserva os olhos dentro de seu crânio.
Rehv sorriu, revelando um par de adagas bucais idênticas.
— Isso depende de seu assassino.
— Continua — incitou Wrath— E Rehv, se não se importa, afrouxa um pouco com esse teu fio.
O symphath retrocedeu um pouco, mas não embainhou sua arma, e Saxton o olhou de esguelha antes de continuar.
— À noite em que Montrag foi assassinado, isto foi entregue a meu chefe — Saxton abriu a maleta de documentos e tirou um envelope de seda — Era do Montrag.
Pôs a coisa de barriga para baixo sobre a mesa para mostrar que o selo de cera não tinha sido quebrado e se afastou.
Wrath olhou o envelope.
— V, poderia fazer as honras?
V se adiantou e levantou o envelope com sua mão enluvada. Ouviu-se papel que se rasgava e em seguida mais papel deslizando fora do envelope.
Silêncio.
V guardou novamente os documentos, colocou o envelope na cintura de suas calças, na parte baixa de suas costas, e olhou fixamente ao Gatsby.
— Supõe-se que devemos acreditar que você não o leu?
— Não o fiz. Meu chefe tampouco. Ninguém o fez desde que a seqüência de fatos da custódia caiu sobre meu chefe e sobre mim.
— Seqüência de fatos de custódia? É advogado, ou só um assistente jurídico?
— Estou estudando para ser advogado na Antiga Lei.
V se inclinou para frente e despiu as presas.
— Está seguro de que não leu isto, verdade?
Saxton devolveu o olhar ao Irmão como se repentinamente estivesse fascinado com as tatuagens da têmpora de V. após um momento, sacudiu a cabeça e falou com esse tom baixo de voz que tinha.
— Não estou interessado em me unir à lista de pessoas que foi encontrada morta e sem olhos sobre seus tapetes. Tampouco meu chefe. O selo que tinha esse documento foi posto pelas mãos de Montrag. O que tenha dentro não foi lido desde que ele deixou que essa cera quente gotejasse em cima do envelope.
— Como sabe que foi Montrag o que o lacrou?
— A que está na frente é sua letra, sei por que vi muitas notas suas em documentos. Além disso, seu doggen pessoal trouxe a pedido dele.
Enquanto Saxton falava, Wrath estudava cuidadosamente as emoções do macho, aspirando com seu nariz. Não havia engano. Tinha a consciência limpa. O tipo se sentia atraído por V, mas, além disso? Não havia nada. Nem sequer medo. Era precavido, mas estava tranqüilo.
— Se está mentindo — disse V brandamente — Nos inteiraremos e iremos te buscar.
— Não duvido disso nem por um instante.
— O que lhes parece? O advogado é inteligente.
Vishous ocupou novamente seu lugar na fila, e sua mão retornou à culatra de sua arma.
Wrath desejava saber o que havia no envelope, mas se dava conta que o que houvesse aí dentro não devia ser adequado para ver em tão variada companhia.
— Então, onde estão seu chefe e seus amigos, Saxton?
— Nenhum deles virá — Saxton olhou as cadeiras vazias — Todos estão aterrorizados. Depois do que aconteceu ao Montrag, encerraram-se em suas casas e permanecerão ali.
Bem. Pensou Wrath. Com a glymera fazendo honra a seu talento de ser covarde, tinha uma coisa menos de que preocupar-se.
— Obrigado por vir, filho.
Saxton tomou a dispensa exatamente pelo que era, voltando a fechar sua maleta, fez outra reverência, e girou para ir.
— Filho?
Saxton se deteve e se voltou.
— Meu senhor?
— Teve que convencer a seu chefe para que decidisse fazer isto, verdade? — Um discreto silêncio foi a resposta — Então é um bom assessor, e acredito em você… pelo que você sabe, nem você nem seu empregador inspecionaram o envelope para ver o que for que tenha dentro. Entretanto, a bom entendedor poucas palavras bastam. Se fosse você buscaria outro trabalho. As coisas ficarão piores antes de melhorar, e o desespero faz com que até as pessoas mais honoráveis se voltem uma merda. Já o enviaram à boca do leão uma vez. Voltarão a fazê-lo.
Saxton sorriu.
— Se alguma vez necessitar um advogado pessoal, me avise. Depois de todo o treinamento em fideicomissos, patrimônios e linhas sucessórias que tive este verão, tenho intenção de começar a trabalhar por conta própria.
Fez outra reverência e logo partiu acompanhado de iAm, com a cabeça alta e o passo firme.
— O que tem ali, V? — perguntou Wrath em voz baixa.
— Nada bom, meu senhor, nada bom.
A visão do Wrath escureceu, voltando para seu estado normal de inutilidade desfocada, e a última coisa que viu claramente antes que ocorresse, foi como V cravava seus olhos diamantinos em Rehvenge.
Capítulo 49
Quando o carro incógnito da polícia deixou o cemitério de Pine Grove, Lash se concentrou completamente na presença symphath que acabava de se revelar dentro das portas.
— Percam-se — disse a seus homens.
Quando se desmaterializaram, empreendeu o caminho de volta para a tumba da garota morta que estava na esquina posterior da…
O grito parecia vir de uma ópera desafinada, de uma soprano que perdera o controle de sua voz, e o tom havia voado alto deixando de ser canto para converter-se em chiado. Quando Lash reassumiu sua forma, ficou de saco cheio porque acabava de perder a diversão e os jogos… porque isso devia ter sido digno de ser visto.
Grady estava estendido de costas com as calças abaixadas, sangrando por várias partes, mas especialmente por um corte recente que atravessava seu esôfago. Estava vivo como uma mosca no batente de uma janela quente, tinha os braços e as pernas retorcidos e os fazia girar lentamente.
Sua assassina deixava a posição escondida e erguia-se: era essa cadela mariamacho do ZeroSum. E, em contraposição à mosca moribunda, que era alheia a tudo salvo a sua própria morte, ela soube o momento exato em que Lash entrou em cena. Deu a volta rapidamente adquirindo uma posição de luta, com uma expressão concentrada no rosto, agarrou firmemente a faca que gotejava, e afirmou as coxas preparando para que pudesse impulsionar seu duro corpo para diante.
Era fodidamente sexy. Especialmente quando franziu o cenho ao reconhecê-lo.
— Acreditei que estivesse morto — disse — E também acreditei que fosse vampiro.
Ele sorriu.
— Surpresa. E você também esteve ocultando um segredo, verdade?
— Não. Nunca me caiu bem, e isso não mudou.
Lash sacudiu a cabeça e olhou seu corpo descaradamente.
— Fica realmente bem vestida de couro, sabia?
— E você estaria melhor com um espartilho engomado.
Ele riu.
— Esse foi um golpe baixo.
— Assim como meu oponente. Imagino.
Lash sorriu e, com algumas vívidas imagens, fez crescer sua atração até obter uma ereção completa porque sabia que ela perceberia. Imaginou-a ajoelhada frente a ele, com seu pênis na boca, enquanto sustentava sua cabeça com as mãos e fodia sua boca até que ela tivesse ânsias.
Xhex pôs os olhos em branco.
— Pornografia. Barata.
— Não. Sexo. Futuro.
— Sinto muito, não estou interessada em Justin Timberlake. Nem em Rum Jeremy[95].
— Já veremos — Lash assinalou com a cabeça ao humano, cujas contorções minguaram como se estivesse congelando com o frio — Temo que me deva algo.
— Se te refere a uma ferida de faca, já me ponho a fazê-la.
— Isso — disse apontando Grady — Era meu.
— Deveria elevar suas normas. Isso — disse imitando sua postura — é merda de cão.
— A merda é um bom fertilizante.
— Então deixa que se espalhe sob uma roseira, e veremos que tal o faz.
Grady deixou escapar um gemido e ambos o olharam. O bastardo estava na etapa final da morte, seu rosto tinha a mesma cor da terra congelada que havia ao redor de sua cabeça, o sangue que fluía de suas feridas diminuindo.
Repentinamente, Lash deu-se conta do que lhe tinham metido na boca e olhou a Xhex.
— Caralho… poderia me interessar seriamente em uma mulher como você, comedora de pecados.
Xhex passou a folha de sua arma ao longo da borda escarpada da lápide, o sangue de Grady se transferiu do metal à pedra como se fosse a marca de uma vingança.
— Tem guelra, lesser, considerando o que lhe fiz. Ou, não quer conservar teu par?
— Sou diferente.
— Menor que ele? Cristo, que decepção. Agora, se me desculpar, estou indo.
Levantou a faca e o saudou, antes de desaparecer.
Lash ficou olhando o ar onde ela esteve, até que Grady gorjeou fracamente como uma drenagem com o último atoleiro de água da banheira.
— Viu-a? — perguntou Lash ao idiota — Que fêmea. Definitivamente a saborearei.
O último fôlego de Grady saiu do buraco de sua garganta, porque não tinha outro lugar por onde sair, já que sua boca estava ocupada fazendo uma mamada a si mesmo.
Lash plantou as mãos nos quadris e olhou o corpo que ia se esfriando.
Xhex… devia assegurar-se de que seus caminhos voltassem a cruzar. E tinha esperanças de que tentasse dizer aos Irmãos que o vira: um inimigo alterado era melhor que um composto. Sabia que a Irmandade se perguntaria como demônios o Omega fizera para converter um vampiro em lesser, mas isso era só uma pequena parte da história.
Ele seguia sendo o que apresentaria o final da piada.
Enquanto Lash ia passeando lentamente pela noite fria, acomodou-se dentro de suas calças e decidiu que precisava ter sexo. Deus sabia que desejava.
Ao tempo em que iAm fechava a porta dianteira de Sal, Rehvenge embainhava sua espada vermelha e observava Vishous. O Irmão o olhava fixamente de má maneira.
— Então, o que havia aí dentro?
— Você.
— Montrag tratou de fazer parecer que era eu o responsável pelo complô para matar Wrath? — não é que importasse que o tivesse feito. Rehv já tinha demonstrado de que lado estava ao fazer que passassem a faca ao filho de puta.
Vishous sacudiu a cabeça lentamente, em seguida observou como iAm se unia a seu irmão.
Rehv falou causticamente:
— Não há nada que não saibam a respeito de mim.
— Bom, então, aqui tem comedor de pecados — V atirou o envelope a mesa — Aparentemente, Montrag sabia o que era. E, indubitavelmente esse foi o motivo pelo qual foi a você para tentar matar Wrath. Se divulgasse o que era, ninguém acreditaria que não tinha sido tua idéia e só tua.
Rehv franziu o cenho e tirou o que parecia uma declaração jurada que narrava como foi assassinado seu padrasto. O que. Merda? O pai do Montrag esteve na casa depois do assassinato; isso Rehv sabia. Porém, que o tipo tivesse feito que o hellren de sua mãe não só falasse, mas também atestasse? E que então, não houvesse feito nada com a informação?
Rehv reviveu o que tinha passado um par de dias atrás, nessa reunião no estúdio de Montrag… e o alegre comentário do tipo a respeito de que sabia que tipo de macho era Rehv.
Sabia, bem, e não só o que referia ao tráfico de drogas.
Rehv voltou a guardar o documento no envelope. Merda, se isto saía à luz a promessa que fizera à sua mãe voaria em pedaços.
—Então, o que diz exatamente aí dentro? — perguntou um dos Irmãos.
Rehv colocou o envelope dentro de seu casaco de marta zibelina.
— Uma declaração jurada assinada por meu padrasto exatamente antes de morrer me denunciando como symphath. É original, a julgar pela assinatura que figura ao final e que está feita com sangue. Mas, o quanto estão dispostos a apostar que Montrag não envio sua única cópia?
— Talvez seja falsa — murmurou Wrath.
Improvável, pensou Rehv. Muitos dos detalhes acerca do que ocorreu essa noite eram corretos.
Repentinamente, retornou ao passado, na noite em que fizera essa proeza. Tinham tido que levar sua mãe à clínica do Havers porque teve um de seus inúmeros “acidentes”. Quando foi evidente que a deixariam em observação durante o dia, Bella ficou com ela, e Rehv tinha tomado uma decisão.
Tinha retornado a casa, reunido aos doggens nas dependências de serviço, e enfrentado o pesar coletivo de todos aqueles que serviam à sua família. Podia recordar muito claramente ter olhado aos machos e às fêmeas da casa e haver enfrentando um a um os olhares de todos eles. Muitos tinham chegado ao lar graças a seu padrasto, mas permaneceram por sua mãe. E estavam esperando que ele fizesse algo para deter o que esteve ocorrendo durante muito tempo.
Disse que saíssem da mansão por uma hora.
Ninguém havia manifestado desacordo, e cada um deles o abraçou ao sair. Todos sabiam o que faria, e também era sua vontade.
Rehv ali ficou até que o último doggen se foi, e em seguida havia ido ao estúdio de seu padrasto e encontrado ao macho examinando documentos em seu escritório. Em sua fúria, Rehv se encarregou do macho à antiga, devolvendo golpe por golpe, igualando a dor infligida à sua mãe antes de conduzir ao filho da puta a sua real e imerecida recompensa.
Quando soou a campainha na porta dianteira, Rehv tinha assumido que fosse o pessoal que retornava, e o estavam avisando para que pudessem declarar sem faltar à verdade que não tinham visto o assassino em ação. Necessitando aplicar-lhe um último “foda-se”, tinha lhe dado um murro quebrando o crânio de seu padrasto com tanta força que do golpe a espinha dorsal do bastardo mal-tratador de shellan saiu do lugar.
Movendo-se rápido, Rehv tinha se afastado do corpo, aberto a porta principal com sua vontade e saído pelas portas–balcão que estavam no fundo. Que os doggen encontrassem o corpo ao chegar a casa, era perfeito, já que a subespécie era dócil por natureza e nunca se veria implicada em um ato de violência. Além disso, a essa altura seu lado symphath estava rugindo, e precisava recuperar o controle de si mesmo.
E, naqueles dias isso não implicava dopamina. Tinha que usar a dor para domar ao comedor de pecados que havia nele.
Tudo tinha parecido encaixar em seu lugar… até que se inteirou na clínica que o pai do Montrag tinha encontrado o corpo. Não obstante, resultou que não havia nada do que preocupar-se. Pelo que havia dito o macho naquele momento, Rehm tinha entrado, deparou-se com a cena, e tinha chamado Havers. Quando o doutor chegou, o pessoal tinha chegado, e declarado que a ausência do grupo se devia a que era o solstício do verão e tinham estado fora se preparando para as cerimônias que celebrariam essa semana.
O pai do Montrag tinha representado bem seu papel, igual seu filho. Qualquer alteração emocional que Rehv tivesse captado fosse naquele tempo ou durante a reunião que tivera fazia poucos dias, as teria atribuído a recente morte ou ao assassinato, os quais ambos estiveram presentes na missiva.
Deus! Resultava claro, muito claro, o que esteve perseguindo Montrag ao fazer acertos com Rehv para o assassinato de Wrath. Depois que a façanha ocorresse, estaria preparado para aparecer com a declaração jurada que exporia Rehv como assassino e como symphath e dessa forma quando fosse deportado, assumiria o poder não só do Conselho, mas também da raça inteira.
Genial.
Que pena que não tivesse funcionado conforme o planejado. Fazia que lhe enchesse os fodidos olhos de lágrimas, verdade?
— Sim, deve haver mais declarações juradas — murmurou Rehv — Ninguém faria circular sua única cópia.
— Valeria a pena fazer uma visita a essa casa — disse Wrath — Se os herdeiros do Montrag se apoderam de algo assim, todos estaremos em problemas, entendem-me?
— Morreu sem descendência, mas sim, em algum lugar fica algo de sua linhagem. E, vou me assegurar de que não se inteirem disto.
De nenhuma maldita maneira o obrigariam a romper o juramento feito a sua mãe.
Isso jamais ocorreria.
CONTINUA
Capítulo 41
John levou seu fodido tempo na ducha de Xhex, e se lavou profundamente não porque estivesse sujo, mas sim, porque pensou que ele também podia brincar esse joguinho de apagar-o-quadro-negro-por-completo e o-que-aconteceu-entre-nós-não-aconteceu-realmente.
Depois que ela se foi, não sabia há quantas horas e horas depois, seu primeiro pensamento foi negativo. Não mentiria: Tudo o que queria fazer era sair diretamente para fora e ficar sob o sol, e, assim, terminar com essa piada que como um imbecil perdedor chamava de vida.
Havia muitas coisas nas quais falhava. Não podia falar. Era péssimo em matemática. Seu sentido da moda, se o deixavam só, era patético. Não era particularmente bom com as emoções. Normalmente perdia no gim rummy[78] e sempre no pôquer. E tinha muitos outros defeitos.
Mas, ser péssimo no sexo era o pior de todos.
Enquanto estava estendido na cama de Xhex considerando os méritos da auto-imolação, perguntou-se por que o fato de ser uma calamidade na hora de foder parecia mais importante que qualquer outra deficiência.
Talvez fosse porque o recente capítulo em sua vida sexual o fizera passar a um território ainda mais complicado, mais hostil. Talvez fosse porque o desastre mais recente estava muito fresco.
Talvez porque tinha sido a gota que transbordou o copo.
Tal e como via, tivera relações sexuais duas vezes, e em ambas ele tinha sido tomado, uma vez violentamente e contra sua vontade e então, umas quantas horas atrás, tinha sido com seu consentimento total e absoluto. As repercussões de ambas as experiências eram péssimas, e durante o tempo que tinha passado na cama de Xhex, tinha tratado de não reviver as feridas, mas em sua maior parte tinha falhado. Naturalmente.
Entretanto, ao cair da noite, já tinha desenvolvido um par de ovos ao dar-se conta que estava deixando que outras pessoas fodessem com sua mente. Em nenhum dos casos tinha feito nada mal. Então por que demônio pensava em acabar com sua vida quando não era ele o problema?
A resposta não era converter a si mesmo no equivalente vampiro de um s’more[79].
Merda, não. A resposta era não voltar a ser nunca, jamais, uma vítima.
De agora em diante, quando se tratasse de foder, seria ele o que foderia.
John saiu da ducha, secou seu corpo poderoso e ficou frente ao espelho, medindo seus músculos e sua força. Quando cavou a mão em torno de seus testículos e seu pênis, seu pesado sexo se sentia bem.
Não. Nunca mais seria a vítima de outros. Porra! Era hora de crescer.
John deixou a toalha da maneira que aterrissou sobre qualquer lugar, vestiu-se rapidamente, e de certa forma, quando ajustou suas armas e foi em busca de seu telefone se sentiu mais alto.
Negava-se a seguir sendo um sacal débil e chorão.
Sua mensagem para Qhuinn e Blay foi breve e concisa: Vms no ZS. V embebedar-me e spro q façam o mesmo.
Após apertar enviar, foi ao registro de chamadas. Várias pessoas discaram para seu telefone durante o dia, em sua maior parte Blay e Qhuinn, quem evidentemente chamou a cada duas horas. Também viu que ficou registrado um número privado desconhecido que tinha insistido três vezes.
O resultado final era que tinha dois correios de voz, e sem muita curiosidade, acessou a sua conta e escutou, esperando que o desconhecido fosse um humano que ligou para o número errado.
Não era.
A voz de Tohrment se ouvia tensa e baixa:
“Ouça, John, sou eu, Tohr. Escuta… Eu, ah, não sei se receberá isto, mas poderia me ligar se o fizer? Estou preocupado com você. Preocupa-me, e quero dizer que sinto muito. Sei que realmente estive fodidamente ausente durante muito tempo já, mas retornarei. Fui… Fui à Tumba. Era ali onde estava. Tinha que retornar e ver… Merda, não sei. Tinha que ver o lugar onde tudo começou antes de poder me lançar de volta à realidade. E logo eu, ah, ontem à noite me alimentei. Pela primeira vez desde que… — sua voz se quebrou e ouviu uma forte inspiração — Desde que Wellsie morreu. Pensei que não poderia suportá-lo, mas o fiz. Levará um tempo conseguir…”
Nesse momento a mensagem se interrompeu e uma voz gravada perguntou se queria guardá-la ou apagá-la. Pressionou a tecla para saltar à seguinte mensagem.
Era Tohr outra vez:
“Ouça, desculpa por isso, cortaram a comunicação. Só queria dizer que sinto te haver fodido. Não foi justo para você. Você também esteve levando luto por ela, e não estive ali para te ajudar, e isso sempre me pesará. Abandonei-te quando me necessitava. E… Sinto de verdade. Entretanto, já deixei de correr. Não vou a nenhuma parte. Suponho… Suponho que estou aqui e é aqui aonde pertenço. Porra! Estou falando sem sentido. Olhe me ligue, por favor, para me fazer saber que está a salvo. Adeus.”
Soou um bip e a voz gravada interrompeu:
“Guardar ou apagar?” induziu.
Quando John afastou o telefone de sua orelha para olhá-lo fixamente, houve um momento de vacilação quando o menino que ainda ficava nele pedia a gritos por seu pai.
Uma mensagem de texto de Qhuinn brilhou na tela, tirando-o da imaturidade.
John apertou apagar para a segunda mensagem de voz de Tohr, e, quando perguntaram se queria revisar a primeira mensagem, respondeu que sim e apagou aquela também.
O texto de Qhuinn era breve: T vmos lá.
Genial, pensou John enquanto recolhia sua jaqueta de couro e saía.
Para ser alguém desempregada e com um montão de faturas pendentes, era bastante insólito que Ehlena estivesse de bom humor.
Não obstante quando se desmaterializou para o Commodore se sentia feliz. Tinha problemas? Sim, definitivamente: se não encontrasse trabalho logo, ela e seu pai corriam o risco de perder o teto que tinham sobre suas cabeças. Mas tinha solicitado um posto de faxineira com uma família de vampiros para sair do apuro, e estava considerando fazer bico no mundo humano. As transcrições médicas eram uma idéia, o único problema era que não tinha uma identidade humana que pudesse ser impressa em um cartão plastificado, e obtê-la ia custar dinheiro. De toda forma, o salário de Lusie estava pago até o final de semana, e seu pai estava encantado de que sua “história”, como ele a chamava, tivesse agradado a sua filha.
E, além disso, tinha Rehv.
Não sabia que direção as coisas tomariam com ele, mas para eles existia uma possibilidade, e o sentimento de esperança e o otimismo que gerava essa possibilidade, fazia que se sentisse animada em todos os campos de sua vida, incluída a Santa merda do desemprego.
Tomando forma no terraço do apartamento de cobertura certo, sorriu às pequenas rajadas de flocos que formava redemoinhos com o vento e se perguntou por que será que cada vez que caía o frio não parecia tão frio.
Quando deu a volta, viu uma silhueta maciça através do vidro. Rehvenge estava esperando-a e permanecia atento à sua chegada, e, o fato de que desejasse isto tanto como ela fez que seu sorriso ampliasse tanto que seus incisivos zumbiram pelo frio.
Antes que pudesse avançar, a porta em frente a ele se abriu deslizando para um lado, e cruzou de uma pernada a distância que os separava, o vento invernal apanhou seu casaco de zibelina e o arrancou de corpo. Seus olhos de ametista reluziram. Sua pernada era poder puro. Sua aura era inegavelmente masculina.
Quando se deteve frente a ela, seu coração deu um salto. À luz do resplendor da cidade, seu rosto era severo e afetuoso ao mesmo tempo, e, embora sem dúvida estivesse congelado até os ossos, abriu seu casaco, a convidando há compartilhar o pouco calor que seu corpo pudesse ter.
Ehlena se meteu dentro e o abraçou, segurando-o com força, aspirando profundamente seu perfume.
Ele baixou a boca até sua orelha.
— Senti saudades.
Ela fechou os olhos, pensando que essas pequenas palavras eram tão boas como um “te amo”.
— Também senti sua falta.
Quando ele soltou uma suave risada de satisfação, ela escutou o som e ao mesmo tempo o sentiu retumbar em seu peito. E, então a abraçou mais estreitamente.
— Sabe? Com você assim apoiada contra mim, não tenho frio.
— Isso me faz feliz.
— A mim também. — ele girou com ela em seus braços para que ambos pudessem ficar frente ao terraço que parecia estar coberto com uma manta de neve, os arranhas-céu do centro e as duas pontes com suas fileiras de faróis dianteiros amarelos e luzes traseiras vermelhas — Nunca tinha conseguido desfrutar desta vista de uma forma tão próxima e pessoal como agora. Antes de você… Só a tinha visto através do vidro.
Agasalhada dentro do quente refúgio que o corpo e o casaco dele proporcionavam, Ehlena se sentiu triunfante porque juntos tinham vencido ao frio.
Com a cabeça descansando sobre seu coração, disse:
— É magnífica.
— Sim.
— E, entretanto… Não sei, mas só você me parece real.
Rehvenge se afastou um pouco e levantou seu queixo com seu comprido dedo. Quando sorriu, ela viu que suas presas se alargaram, e instantaneamente se excitou.
— Estava pensando exatamente o mesmo. — disse — Neste momento, não posso ver nada mais que a você.
Inclinou a cabeça e a beijou, beijou-a e beijou um pouco mais enquanto alguns flocos de neve dançavam ao redor deles como se constituíssem uma força centrífuga, um universo próprio que girava lentamente.
Quando ela deslizou seus braços ao redor da nuca dele e ambos perderam o controle, Ehlena fechou os olhos.
E isso significava que ela não viu e Rehvenge não percebeu a presença que se materializou no alto do telhado do luxuoso apartamento de cobertura…
E que os olhou com uns olhos que brilhavam avermelhados com a cor do sangue recém derramado.
Capítulo 42
— Por favor, se possível, trata de não se mover… De acordo, assim está bem.
Doutora Jane passou ao olho esquerdo de Wrath, enviando o feixe de luz de sua caneta-lanterna diretamente até a parte posterior de seu cérebro, ou, ao menos, isso pareceu a ele. Enquanto o arpão o brocava, teve que resistir ao impulso de retirar a cabeça.
— De verdade que isto não te agrada. — murmurou ela enquanto apagava a caneta-lanterna.
— Não.
Esfregou aos olhos e voltou a colocar os óculos de sol, incapaz de ver nada além de um par de brilhantes alvos negros.
Beth interveio.
— Mas isso não é incomum. Nunca pôde tolerar a luz.
Enquanto sua voz se desvanecia, ele estendeu o braço e apertou sua mão para tratar de reconfortá-la, o que, se funcionasse, também reconfortaria a ele por extensão.
Falando em ser desmancha-prazeres. Depois que ficou evidente que seus olhos tomaram um pequeno descanso não programado, Beth chamou à doutora Jane, que estava na nova clínica, e mais que disposta a fazer uma visita a domicílio imediatamente. Entretanto, Wrath insistiu em ir onde estava a doutora. O último que queria era que Beth tivesse de ouvir más notícias em seu quarto matrimonial… E o que era quase igualmente importante... Para ele, esse era seu espaço sagrado. Com exceção de Fritz que entrava para limpar, ninguém era bem-vindo em seu dormitório. Nem sequer os Irmãos.
Além disso, Doutora Jane iria querer fazer exames. Os médicos sempre queriam fazer exames.
Convencer Beth tinha levado bastante tempo, mas a seguir Wrath pôs seus óculos escuros, pôs o braço ao redor dos ombros de sua shellan, e, juntos, saíram do quarto, desceram sua escada privada, e entraram pela galeria exterior do segundo piso. No caminho, tropeçara um par de vezes, ao chocar seus shitkickers nos cantos dos tapetes pequenos e esquecer a localização exata dos degraus, e o acidentado trajeto acabou por ser uma revelação. Não tinha se dado conta de que confiava tanto em sua defeituosa visão como aparentemente o fazia.
Sagrada… E querida Virgem Escriba, pensou. O que ocorreria se ficava permanente e completamente cego?
Não poderia suportar. Simplesmente não poderia suportá-lo.
Felizmente, quando estavam no túnel a meio caminho para o centro de treinamento, a cabeça tinha palpitado várias vezes, e repentinamente o ligeiro brilho do teto atravessou seus óculos de sol. Melhor dizendo, seus olhos o tinham registrado. Deteve-se, piscou e tirou os óculos de sol e imediatamente teve que voltar a pô-los quando olhou para cima às placas fluorescentes.
Assim, nem tudo estava perdido.
Quando, a doutora Jane se deteve frente a ele, cruzou os braços e as lapelas de seu avental branco se enrugaram. Estava completamente sólida, sua forma fantasmal era tão substancial como a sua ou a de Beth, e ele virtualmente podia cheirar a madeira ardendo enquanto considerava seu caso.
— Suas pupilas estão virtualmente insensíveis, mas isso é porque estão quase totalmente contraídas para começar… Maldita seja! Oxalá tivesse feito em você um estudo óptico em condições normais. Disse que a cegueira te atacou de repente?
— Deitei-me e quando despertei era incapaz de ver qualquer coisa. Não estou seguro de quando ocorreu.
— Notou algo diferente?
— Além do fato de que não tenho dor de cabeça?
— Teve recentemente?
— Sim. É pela tensão nervosa.
Doutora Jane franziu o cenho. Ou ao menos ele sentiu que o fez. Para ele, seu rosto era um borrão pálido com cabelo loiro curto, suas feições eram indistintas.
— Quero que faça uma TAC na consulta com Havers.
— Por quê?
— Para ver um par de coisas. Assim, vejamos, despertou e sua vista simplesmente se foi…
— Para que quer a TAC?
— Quero saber há algo anormal em seu cérebro.
A mão de Beth apertou a sua como se estivesse tratando de acalmá-lo, mas o pânico o fazia ser descortês.
— Como o que? Porra, Doutora, simplesmente me diga.
— Um tumor. — como ele e Beth contiveram o fôlego, Doutora Jane continuou rapidamente — Os vampiros não contraem câncer. Mas houve casos de tumores benignos e isso poderia explicar as dores de cabeça. Agora me conte outra vez, despertou e… Se foi. Aconteceu algo incomum antes que dormisse? Ou depois?
— Eu… — porra. Merda — Despertei e me alimentei.
— Quanto tempo passou da última vez que o tinha feito?
Beth respondeu.
— Aproximadamente três meses.
— Muito tempo. — murmurou a doutora.
— Assim pensa que poderia ser isso? — perguntou Wrath — Não me alimentei o suficiente e a perdi, mas quando bebi de sua veia, minha vista retornou e…
— Acredito que necessita uma TAC.
Com ela não cabiam tolices, nada a discutir. Assim ao ouvir que abria um telefone e discava, manteve a boca fechada apesar de isso estar matando-o.
— Verei quando Havers pode te atender.
O que, sem dúvida, seria no ato. Wrath e o médico da raça tiveram suas diferenças, que remontavam à época em que estava com a Marissa, mas o homem sempre tinha dado prioridade a sua atenção quando era necessário.
Quando Doutora Jane começava a falar, Wrath interrompeu sua conversa.
— Não diga a Havers para o que é. Você e só você verá os resultados. Entendemo-nos?
A última coisa que precisavam era que houvesse qualquer tipo de especulação sobre sua capacidade para governar.
Beth elevou a voz.
— Diga que é para mim.
Doutora Jane assentiu e mentiu com desenvoltura, e enquanto dispunha tudo, Wrath atraiu Beth para seu lado.
Nenhum deles disse nada, porque que tipo de conversa teria? Ambos estavam assustados como a merda… Sua visão era uma porcaria, mas ele necessitava a pouca que tivesse. Sem ela? Que diabo faria?
— Tenho que ir à reunião do Conselho à meia-noite. — disse brandamente. Quando Beth se esticou, ele negou com a cabeça — Politicamente falando, devo ir. As coisas estão muito instáveis neste momento para não comparecer, ou tratar de mudá-la para outra noite. Tenho que aparentar uma posição de força.
— E o que ocorre se perder a vista no meio da reunião? — vaiou ela.
— Então dissimularei até que possa sair dali.
— Wrath…
A doutora Jane fechou seu telefone.
— Pode vê-lo agora mesmo.
— Quanto tempo demorará?
— Perto de uma hora.
— Bem. Há um lugar em que devo ir a meia-noite.
— Por que não vemos o que diz o exame…
— Tenho que…
A doutora Jane o interrompeu com uma autoridade que indicava que nesta ocasião ele era um paciente, não o rei.
— “Ter que” é um termo relativo. Já veremos o que ocorre ali dentro e logo poderá decidir quantos “tenho que” consegue.
Ehlena poderia ficar no terraço com Rehvenge durante vinte anos, mas lhe sussurrou ao ouvido que tinha preparado algo para comer, e sentar-se frente a ele à luz de velas soava igualmente bom.
Depois de um prolongado beijo final, entraram juntos, ela recostada contra ele, que rodeava sua cintura com o braço, enquanto ela tinha a mão em suas costas, entre suas omoplatas. O luxuoso apartamento de cobertura estava caloroso, assim que tirou o casaco e o lançou sobre um dos sofás negros de couro.
— Pensei que podíamos comer na cozinha. — disse ele.
E até aqui chegava “à luz de velas”, mas o que importava? Desde que estivesse com ele, ela brilharia o suficiente para iluminar todo o maldito apartamento de cobertura.
Rehvenge pegou sua mão e a guiou através da sala de jantar fazendo-a cruzar para o outro lado da porta de serviço basculante. A cozinha era de granito negro e aço inoxidável, muito urbana e brilhante, e em um extremo do balcão, onde havia um beiral, estava disposto o serviço para dois, frente a um par de tamboretes. Havia uma vela branca acesa, e sua chama vagava em cima de seu pedestal de cera.
— Oh, isto cheira fantástico. — ela deslizou em um dos tamboretes — Italiana. E dizia que só podia preparar uma coisa.
— Bom, na realidade trabalhei como escravo para fazer isto.
Inclinou-se para o forno com um floreio e tirou uma fôrma plana com…
Ehlena estalou em gargalhadas.
— Pizza de pão francês.
— Só o melhor para você.
— DiGiorno?
— É obvio. E esbanjei ao comprar o tipo supremo. Pensei que poderia tirar aquilo que você não goste. — usou um par de pegadores de prata esterlina para transferir as pizzas aos pratos e logo pôs a bandeja do forno sobre o balcão da cozinha — Também tenho vinho tinto.
Enquanto voltava com a garrafa, o único que ela pôde fazer foi olhá-lo e sorrir.
— Sabe, — disse ele enquanto servia um pouco em seu copo — gosto da forma em que me olha.
Ela espalmou as mãos sobre o rosto.
— Não posso evitar.
— Não tente. Faz com que me sinta mais alto.
— E não é pequeno para começar. — ela tentou conter-se, mas enquanto ele enchia seu próprio copo, deixava a garrafa, e se sentava a seu lado tinha muita vontade de rir bobamente.
— Começamos? — disse ele, pegando sua faca e seu garfo.
— Oh, meu Deus, me alegro de que também faça isso.
— Faça o que?
— Comer pizza com faca e garfo. No trabalho, as outras enfermeiras me enchiam a paciência… — deixou a frase sem terminar — Bom, de qualquer maneira, alegra-me que haja alguém como eu.
Quando ambos se dedicaram a seu jantar, surgiu o som do pão rangente quebrando-se sob as lâminas das facas.
Rehvenge esperou até que ela tomou seu primeiro bocado e então disse:
— Deixe-me te ajudar em sua busca de trabalho. — tinha cronometrado à perfeição, porque ela nunca falava com a boca cheia, assim tinha um montão de tempo para continuar — Deixe que me ocupe de você e de seu pai até que tenha outro trabalho que proporcione o mesmo ganho que o da clínica. — ela começou a negar com a cabeça, mas ele levantou alto sua mão — Espera, pensa nisso. Se não tivesse me comportado como um imbecil, não teria feito o que fez para que a despedissem. Assim, é justo que a compense, e se ajuda, pensa nisso de um ponto de vista legal. Sob as Antigas Leis lhe devo isso, e não estou fazendo nada mais que obedecer às leis.
Ela limpou a boca.
— É só que parece… Estranho.
— Porque por uma vez alguém estaria ajudando a você em lugar de que seja o inverso?
Bem, maldita seja sim.
— Não quero me aproveitar de você.
— Mas me ofereci, e acredite, tenho os meios.
Bastante certo, pensou ela, olhando seu casaco e o pesado faqueiro de prata com o que comia e o prato de porcelana e o…
— Na mesa tem umas maneiras deliciosas. — murmurou sem causa aparente.
Ele fez uma pausa.
— Obra de minha mãe.
Ehlena pôs a mão sobre seu enorme ombro.
— Posso dizer que sinto outra vez?
Ele limpou a boca com um guardanapo.
— Pode fazer algo melhor por mim.
— O que?
— Deixe-me cuidar de você. Para que sua procura por trabalho seja para encontrar algo que deseje fazer em vez de uma louca correria para se colocar em algo que te possibilite pagar as contas. — ergueu os olhos para o teto e levou as mãos ao peito como se estivesse a ponto de desmaiar — Isso aliviaria muito meu sofrimento. Você e só você tem o poder de me salvar.
Ehlena riu um pouco, mas não podia manter nenhuma aparência de jovialidade. Sob a superfície, percebeu que ele sofria, e a dor se fazia patente nas sombras que tinha sob os olhos e a sombria tensão de sua mandíbula. Era evidente que se esforçava para aparentar-se normal em seu benefício, e embora apreciasse não sabia como podia fazer que se detivesse sem o pressionar.
Na realidade ainda não eram mais que desconhecidos um para o outro, verdade? Apesar de todo o tempo que passaram juntos os últimos dois dias, o que sabia realmente dele? Sua ascendência? Quando estava com ele ou quando falavam por telefone, sentia como se soubesse tudo o que necessitava, mas sendo realista, o que tinham em comum?
Ele franziu o cenho enquanto deixava cair suas mãos e cortava outra parte de pizza.
— Não vá por aí.
— Desculpe?
— Em qualquer lugar que esteja indo em sua mente. É o lugar errado para você e para mim. — tomou um sorvo de vinho — Não serei grosseiro e lerei sua mente, mas posso sentir o que sente, e está se distanciando. Isso não é o que persigo. Não no que se refere a você. — levantou seus olhos de ametista e a olhou fixamente — Pode confiar em que cuidarei de você, Ehlena. Nunca duvide disso.
Ao olhá-lo, acreditava nele cem por cento. Absolutamente. Sem lugar a dúvidas.
— Faço. Confio em você.
Algo iluminou seu rosto, mas ele o ocultou.
— Bem. Agora, termina seu jantar e se dê conta que eu ajudá-la é o correto.
Ehlena voltou para seu jantar, e seguiu comendo lentamente a pizza. Quando acabou, apoiou os talheres na borda direita do prato, limpou a boca, e tomou um sorvo de vinho.
— De acordo. — olhou-o — Deixarei que me ajude.
Quando ele sorriu amplamente, porque se sairia com a sua, ela interrompeu a satisfação que estava lhe inflando o peito.
— Mas há condições.
Ele riu.
— Impõem limitações a um presente que lhe fazem?
— Não é um presente. — olhou-o mortalmente séria — É só até que encontre um trabalho, não o trabalho de meus sonhos. E quero te pagar a dívida.
Ele perdeu um pouco de sua satisfação.
— Não quero seu dinheiro.
— E eu sinto o mesmo sobre o seu. — dobrou seu guardanapo — Sei que não te faz falta o dinheiro, mas é a única forma em que o aceitarei.
Ele franziu o cenho.
— Então será sem interesses. Não aceitarei nem um cêntimo de interesses.
— Trato feito. — ela estendeu a palma e esperou.
Ele amaldiçoou. E voltou a amaldiçoar.
— Não quero que me devolva isso.
— Impossível.
Depois que sua boca desenhasse algumas intrincadas maldições, pôs a mão na dela e as apertaram.
— É uma dura negociadora e sabe. — disse.
— Mas me respeita por isso, verdade?
— Bem, sim. E faz que queira te despir.
— Oh.
Ehlena se ruborizou da cabeça aos pés enquanto ele descia de seu tamborete, erguia-se ante ela, e cavava as mãos em torno de seu rosto.
— Vai deixar que te leve a minha cama?
Dada a forma em que brilhavam esses olhos cor violeta, estava disposta a permitir que a tomasse no maldito chão da cozinha se pedisse.
— Sim.
Um grunhido brotou de seu peito enquanto a beijava.
— Adivinha o que?
— O que? — respirou ela.
— Essa era a resposta certa.
Rehvenge a tirou de seu tamborete e a beijou rápida e brandamente. Com a bengala na mão, guiou-a ao outro lado do apartamento de cobertura, atravessando salas que não viu e passando frente a uma resplandecente vista que não apreciou. Unicamente era consciente da profunda e palpitante antecipação que sentia pelo que ele lhe faria.
A antecipação e… A culpa. O que ela podia lhe dar? Aqui estava ela ansiando-o sexualmente outra vez, mas para ele não haveria alívio. Apesar de que dizia que obtinha algo do intercâmbio, sentia como se fosse…
— No que está pensando? — perguntou quando entravam no dormitório.
Ela o olhou.
— Quero estar contigo, mas… Não sei. Sinto como se estivesse te usando ou…
— Não o faz. Confia em mim, estou muito familiarizado com o que significa ser usado. O que acontece entre nós não tem nada a ver com isso. — interrompeu-a antes que lhe perguntasse a respeito — Não, não quero entrar em detalhes porque necessito… Merda! Necessito que estes momentos contigo sejam singelos. Só você e eu. Estou cansado do resto do mundo, Ehlena. Estou tão fodidamente cansado dele.
Pensou que se tratava dessa outra fêmea. E se não queria a quem quer que fosse entre eles? Parecia bem.
— É somente que preciso que isto saia bem. — disse Ehlena — O que há entre nós. E quero que você também sinta algo.
— Faço-o. Às vezes nem eu posso acreditar, mas o faço.
Rehv fechou a porta detrás deles, apoiou sua bengala na parede, e tirou o casaco de zibelina. O conjunto que levava debaixo das peles era outra obra de mestre de corte delicioso, esta vez de cor cinza pomba com listras diplomáticas negras. A camisa que tinha debaixo era negra e levava os dois primeiros botões desabotoados.
Seda pensou. Essa camisa devia ser de seda. Nenhum outro tecido emitiria esse resplendor luminescente.
— É tão formosa. — disse enquanto a olhava fixamente — Aí de pé abaixo dessa luz.
Ela olhou suas calças negras da GAP e o suéter de malha de pescoço alto que já tinha dois anos.
— Deve estar cego.
— Por quê? — perguntou, aproximando-se Rehvenge se deteve.
— Bom, sinto-me como uma imbecil por dizer isto. — alisou a parte dianteira das calças prêt-à-porter — Mas desejaria ter melhor roupa. Então estaria formosa.
Rehvenge se deteve.
E logo a deixou fodidamente sobressaltada ao ajoelhar-se frente a ela.
Quando levantou a vista, tinha um leve sorriso nos lábios.
— Não entende, Ehlena. — com mãos suaves, acariciou sua panturrilha e levantou seu pé, apoiando-o na coxa. Enquanto desabotoava os cordões de sua sapatilha Keds, sussurrou — Sem importar o que vista… Para mim, sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Enquanto tirava sua sapatilha e levantava a vista para olhá-la, ela estudou seu duro e bonito rosto, desde esses espetaculares olhos até a sólida mandíbula e as arrogantes maçãs do rosto.
Estava se apaixonando por ele.
E como ocorreria com qualquer outra opção, não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Já tinha dado o salto.
Rehvenge inclinou a cabeça.
— Sinto-me feliz de que me aceite.
As palavras foram tão baixas e humildes, totalmente em oposição à incrível envergadura de seus ombros.
— Como poderia não fazê-lo?
Ele sacudiu a cabeça lentamente de um lado a outro.
— Ehlena…
Pronunciou seu nome com dificuldade, como se houvesse muitas outras palavras detrás dele, palavras que não podia pronunciar. Ela não o compreendia, mas sim sabia o que desejava fazer.
Ehlena retirou seu pé, ajoelhou-se e o rodeou com os braços. Sustentou-o quando se apoiou nela, acariciando sua nuca até a suave franja de cabelo do corte moicano.
Parecia tão frágil quando se entregava a ela e compreendeu que se alguém tentava lhe fazer mal, embora ele fosse perfeitamente capaz de cuidar-se por acaso mesmo, ela poderia cometer um assassinato. Para protegê-lo, seria capaz de matar.
A convicção era tão sólida como os ossos que havia debaixo de sua pele:
Algumas vezes inclusive os poderosos necessitavam amparo.
Capítulo 43
Rehv era o tipo de macho que se orgulhava de seu trabalho, fosse pôr pizzas de pão francês no forno e cozinhá-las à perfeição ou servindo ao vinho... Ou agradando sua Ehlena até que não fosse mais que uma fatigada e resplandecente extensão mais que satisfeita de fêmea nua.
— Não posso sentir os dedos dos pés. — murmurou quando ele riscou um caminho de beijos para cima desde o centro de suas coxas.
— Isso é mau?
— Em absoluto.
Quando se deteve para lamber um de seus peitos, ela serpenteou, e Rehv sentiu o movimento contra seu próprio corpo. A esta altura, acostumou a que a sensação irrompesse através da neblina de seu intumescimento, e desfrutava da repercussão da calidez e a fricção, sem se preocupar que seu lado mal pudesse escapar de sua jaula de dopamina. Embora o que registrava não era tão pronunciado como o que sentia quando não estava medicado, era suficiente para que seu corpo estivesse indiscutivelmente excitado.
Rehv não podia acreditar, mas houve certo número de vezes em que pensou que poderia chegar ao orgasmo. Entre o sabor dela quando sugava seu sexo e a forma em que seus quadris meneavam contra o colchão, quase tinha perdido o controle.
Salvo que era melhor manter seu pênis fora do quadro. Sério, como funcionaria? Não sou impotente, milagre dos milagres, porque ativou meu instinto de marcar, assim que o vampiro que há em mim venceu ao symphath. Viva! É obvio que isso significa ter que tratar com minha lingüeta, assim como também terá que aceitar o lugar onde estive colocando regularmente essa parte de carne que pendura entre minha perna os últimos vinte e cinco anos. Mas, vamos isso é erótico, não?
Sim, tinha uma pressa enorme em pôr Ehlena nessa posição.
Certamente!
Além disso, isto era suficiente para ele: agradá-la, servi-la sexualmente, era suficiente.
— Rehv...?
Levantou o olhar de seus peitos. Dado o tom rouco de sua voz e a expressão erótica de seus olhos, estava preparado para ceder a qualquer coisa.
— Sim? — lambeu um mamilo.
— Abre a boca para mim.
Franziu o cenho, mas fez o que ela pedia, perguntando-se por que...
Ehlena estendeu o braço e tocou uma de suas presas completamente estendida.
— Disse que você gostava de me agradar, e se nota. Estas são tão largas... Tão afiadas... Tão brancas...
Quando uniu as coxas como se tudo o que acabava de dizer estivesse excitando-a, soube aonde conduziria isto.
— Sim, mas...
— Assim, me agradaria que as utilizasse comigo. Agora.
— Ehlena...
Essa incandescência especial começou a abandonar o rosto dela.
— Tem algo contra meu sangue?
— Deus, não.
— Então por que não quer se alimentar de mim? — sentando-se, segurou um travesseiro sobre os peitos e seu cabelo loiro acobreado caiu e ocultou seu rosto — Oh. Certo. Já se alimentou com... Ela?
— Cristo, não! — preferia chupar ao sangue de um lesser. Porra, antes beberia do cadáver putrefato de um cervo na sarjeta da estrada antes de tomar a veia da princesa.
— Não toma sua veia?
Olhou Ehlena diretamente aos olhos e negou com a cabeça.
— Não o faço. E nunca o farei.
Ehlena suspirou e jogou o cabelo para trás.
— Sinto muito. Não sei se tenho direito a fazer este tipo de perguntas.
— Tem. — tomou sua mão — Tem totalmente. Não é... Que não possa perguntar...
Enquanto suas palavras ficavam suspensas no ar, seus mundos chocaram um contra outro e todo tipo de escombros caíram ao seu redor. Certamente, podia perguntar.... Só que ele não podia lhe responder.
Ou podia?
— Você é a única a que desejo. — disse simplesmente, atendo-se tanto à verdade como podia revelar — Você é a única em que desejo estar. — sacudiu a cabeça, dando-se conta do que acabava de dizer — Com. Quero dizer, com. Olhe, sobre o alimentar-se. Se quero fazê-lo de você? Porra, sim. Mas...
— Então não há nenhum, mas.
Uma merda que não. Tinha a sensação de que se tomasse sua veia, a montaria. Seu pênis estava pronto inclusive agora, e só estavam falando disso.
— Isto é suficiente para mim, Ehlena. Agradá-la é suficiente.
Ela franziu o cenho.
— Então deve ter algum problema com meus antecedentes.
— Desculpe?
— Acredita que meu sangue é débil? Porque se te interessa, posso traçar minha linhagem até a aristocracia. Pode ser que meu pai e eu estejamos passando por momentos difíceis, mas durante gerações e durante a maior parte de sua vida, fomos membros da glymera. — quando Rehv fez uma careta, ela saltou da cama, utilizando o travesseiro para defender-se — Não sei exatamente de onde descende sua família, mas posso te assegurar que minhas veias são aceitáveis.
— Ehlena, essa não é a questão.
— Está certo disso? — foi até onde tinha tirado sua roupa. Primeiro vestiu as calcinhas e o sutiã, e depois recolheu suas calças negras.
Não podia compreender porque saciar sua necessidade de sangue era tão importante para ela... Porque o que tirava ela disso? Mas, talvez essa era a diferença entre eles. Ela não fazia as coisas para aproveitar-se das pessoas, por isso seus cálculos não se centravam no que podia tirar das coisas. Para ele, inclusive quando se tratava de agradá-la, estava conseguindo algo tangível em troca: observá-la retorcer-se sob sua boca o fazia sentir-se poderoso e forte, um autêntico macho, e não um assexuado monstro sóciopata.
Ela não era como ele. E por isso a amava.
Oh... Cristo. A...?
Sim, o fazia.
A compreensão fez com que Rehv se levantasse da cama, caminhasse até ela, e tomasse sua mão quando terminou de subir as calças. Ela se deteve e o olhou.
— Não é você. — disse — Pode me acreditar.
Deu-lhe um puxão e a atraiu contra seu corpo.
— Então demonstre. — disse brandamente.
Afastando-se, olhou seu rosto durante um comprido momento. As presas pulsavam em sua boca, deixava-o muito claro. E podia sentir a fome no fundo de seu estômago, curvando-o, exigindo.
— Ehlena...
— Demonstra.
Não poderia dizer que não. Simplesmente não tinha a força necessária para rechaçá-la. Estava mal em muitíssimos níveis, mas ela era tudo o que queria, necessitava, desejava.
Rehv afastou cuidadosamente o cabelo da garganta.
— Serei gentil.
— Não tem que ser.
— Serei de qualquer forma.
Embalando seu rosto entre as palmas, inclinou-lhe a cabeça a um lado e expôs a frágil veia azul que corria para seu coração. Enquanto preparava a si mesmo para o golpe, seu pulso se acelerou, pôde ver como o bombeamento se fazia mais rápido até que palpitou.
— Não me sinto merecedor de seu sangue. — disse, percorrendo o pescoço com a ponta do dedo indicador — Não tem nada a ver com sua linha de descendência.
Ehlena levantou as mãos para seu rosto.
— Rehvenge, do que se trata? Ajude-me a entender o que está acontecendo aqui. Sinto-me como... Quando estou contigo, sinto-me inclusive mais perto de você que de meu próprio pai. Mas há buracos enormes. Sei que há coisas neles. Fale.
Agora seria o momento, pensou, de descarregar tudo.
E esteve tentado. Seria um alívio enorme acabar com as mentiras. O problema era que não havia nada mais egoísta que pudesse lhe fazer. Se ela conhecesse seus segredos, estaria infringindo a lei junto com ele... Ou isso ou enviaria a seu amante à colônia. E, se Ehlena escolhia o último, ele estaria mandando a merda à promessa que fez a sua mãe, porque sua cobertura ficaria totalmente ao descoberto.
Não era adequado para ela. Não era para nada adequado para ela, e sabia.
Rehv tinha a intenção de deixar que Ehlena partisse.
Tinha intenção de deixar cair às mãos, afastar-se e deixá-la terminar de vestir a roupa. Era bom com a persuasão. Poderia convencê-la e fazê-la ver que o fato de que não bebesse não era para tanto...
Só que sua boca se abriu. Abriu-se enquanto um vaio subia por sua garganta e transpassava a fina barreira que separava suas presas da veia vital e palpitante.
Ela ofegou bruscamente, e os músculos que subiam de seus ombros se esticaram, como se lhe tivesse dobrado o rosto para baixo. Oh, espera, tinha feito. Estava intumescido até o tutano, absolutamente insensível, mas não era por sua medicação. Cada músculo de seu corpo havia se posto rígido.
— Preciso de você. — gemeu.
Rehv a mordeu com força e ela gritou, sua espinha dorsal se dobrou quase pela metade quando a aprisionou com sua força. Porra, era perfeita. Tinha sabor de vinho espesso e com corpo e bebeu profundamente dela com insistentes sucções de sua boca.
E a levou até a cama.
Ehlena não tinha a mínima oportunidade. Nem ele tampouco.
Ativada pela alimentação, sua natureza vampira o varreu, contudo, a necessidade do macho de marcar o que desejava, de estabelecer seu território sexual, de dominar, assumiu o controle e o levou a rasgar suas calças, levantar uma perna, colocar o pênis na entrada de seu sexo...
E penetrar em seu interior.
Ehlena deixou escapar outro guincho quando a penetrou. Era incrivelmente estreita, e temendo feri-la, ficou quieto para que seu corpo pudesse acomodá-lo.
— Está bem? — perguntou, com um tom de voz tão gutural que não sabia se poderia o entender.
— Não... Pare. — Ehlena envolveu as pernas ao redor de seu traseiro, colocando-se em ângulo para que pudesse entrar ainda mais profundamente.
O grunhido que ele emitiu ressonou por todo o dormitório... Até que o encerrou de volta em sua garganta.
Apesar de tudo e inclusive no meio do frenesi da alimentação e o sexo, Rehv foi cuidadoso com ela... Nada a ver como era com a princesa. Rehv se deslizava dentro e fora brandamente, assegurando-se de que Ehlena estivesse cômoda com seu tamanho. Quando se tratava de sua chantagista? Queria dividir dor. Com Ehlena? Castraria a si mesmo com uma faca oxidada antes de machucá-la.
O problema era que ela se movia ao mesmo tempo, enquanto ele bebia até não poder mais, e a fricção desenfreada de seus corpos logo o afligiu e seus quadris já não se ondulavam cuidadosamente, mas sim amassavam... Até que teve que soltar sua veia ou correr o risco de rasgar seu pescoço. Depois de um par de lambidas às marcas das punções, deixou cair à cabeça entre o cabelo dela e se dedicou a isso dura, profunda e ardentemente.
Ehlena teve um orgasmo, e, quando sentiu os puxões aferrando o eixo de seu pênis, seu próprio alívio saiu disparado de seu escroto... O que não podia deixar que acontecesse. Antes que sua lingüeta se expandisse, saiu, derramando-se sobre o sexo e a parte baixa do estômago dela.
Quando tudo acabou, derrubou-se sobre ela, e passou um momento antes que pudesse falar.
— Ah... Merda... Sinto muito, devo ser pesado.
As mãos de Ehlena deslizaram para cima por suas costas.
— Na realidade é maravilhoso.
— Eu... Tive um orgasmo.
— Sim, teve. — havia um sorriso em seu tom — Realmente teve.
— Não estava seguro que pudesse... Já sabe. Por isso foi que saí... Não esperava... Sim.
Mentiroso. Puto mentiroso.
A felicidade na voz dela o pôs doente.
— Bom, me alegro que ocorresse. E se voltar a ocorrer, genial. E se não, igualmente bom. Sem pressões.
Rehv fechou os olhos, doía-lhe o peito. Retirou-se para que ela não descobrisse que tinha uma lingüeta... E porque gozar dentro dela era uma traição, dada todas as coisas que ela não sabia dele.
Enquanto ela suspirava e o acariciava com o nariz, sentiu-se como um total e absoluto bastardo.
Capítulo 44
O TAC[80] não representava um problema. Wrath simplesmente se sentou na fria mesa e ficou quieto enquanto essa peça branca de equipamento médico murmurava e tossia educadamente em seu percurso ao redor de sua cabeça.
A merda era esperar os resultados.
Durante o exame, a doutora Jane era a única pessoa que havia do outro lado da divisória de vidro, e pelo que podia dizer, passou todo momento franzindo o cenho à tela do computador. E agora que tudo tinha terminado, ainda seguia fazendo-o. Enquanto isso, Beth entrou e estava ao seu lado na pequena sala ladrilhada.
Só Deus sabia o que a Dra. Jane tinha encontrado.
— Não tenho medo de passar pela faca — disse a sua shellan — Sempre que seja essa fêmea a que empunhe a maldita coisa.
— Pode fazer cirurgia no cérebro?
Bom ponto.
— Não sei.
Ele ficou a brincar distraidamente com o Rubi saturnino de Beth, dando voltas à pedra uma e outra vez.
— Me faça um favor — cochichou.
Beth apertou sua mão.
— O que quiser. O que necessita?
— Cantarola a canção de Jeopardy.
Houve uma pausa. Em seguida Beth pôs-se a rir e deu um golpe em seu ombro.
— Wrath...
— Melhor, tire a roupa e cantarola enquanto faz a dança do ventre — quando sua shellan inclinou-se e beijou sua testa, levantou a vista e a olhou através dos óculos — Crê que brinco? Anda, ambos necessitamos a distração. E te prometo que darei uma boa propina.
— Nunca leva dinheiro contigo.
Ele passou a língua sobre o lábio superior.
— Planejo pagar com trabalho.
— É terrível — sorriu Beth — E me agrada.
Olhando-a fixamente, sentiu-se bem e atemorizado ao mesmo tempo. Como seria sua vida se ficasse totalmente cego? Não ver nunca mais o longo cabelo escuro de sua shellan nem seu brilhante sorriso era...
— Bom — disse Dra. Jane ao entrar — Isto é o que sei.
Wrath tratou de não chiar quando a doutora fantasmal colocou as mãos nos bolsos de seu jaleco branco e pareceu ordenar seus pensamentos.
— Não vejo evidências de um tumor nem de uma hemorragia. Mas há anormalidades em vários lóbulos. Eu nunca tinha visto o TAC do cérebro de um vampiro antes, assim não tenho a menor idéia de qual é a consistência estrutural que se considera dentro da gama de “normalidade”. Sei que quer que só eu o veja, mas nisto não posso decidir, e gostaria que Havers revisasse o exame. Antes que me diga que não, queria te recordar que jurou proteger sua intimidade. Não pode revelar...
— Traga-o — disse Wrath.
— Não levará muito tempo — Dra. Jane bateu em seu ombro e depois no de Beth — Está justamente aí fora. Pedi que esperasse no caso de ocorrer problemas com o equipamento.
Wrath observou como a doutora atravessava a pequena sala de monitoramento e saía ao vestíbulo. Pouco depois, voltou com o alto e magro médico. Havers fez uma reverência ante ele e Beth através do vidro e logo foi para os monitores.
Ambos adotaram uma postura idêntica: dobrados pela cintura, com as mãos nos bolsos e as sobrancelhas franzidas sobre os olhos.
— Na faculdade de medicina, os treinam para fazer isso? — perguntou Beth.
— É gracioso, estava me perguntando o mesmo.
Longo tempo. Longa espera. Muita conversa e gesticulação da dupla que estava do outro lado da grande janela saliente, assinalando a tela com suas canetas. Finalmente os dois se endireitaram e assentiram.
Entraram juntos.
— O exame é normal — disse Havers.
Wrath exalou com tanta força que foi virtualmente um fôlego. Normal. Normal era bom.
Logo Havers fez uma série de perguntas, às quais Wrath respondeu, não refletindo muito sobre nenhuma delas
— Com a permissão de sua médica particular — disse Havers, fazendo uma reverência para Dra. Jane — queria tomar uma amostra de sangue de sua veia para analisá-la e realizar um breve exame.
Dra. Jane intrometeu-se:
— Acredito que é uma boa idéia. Quando as coisas não estão claras, sempre é bom ter uma segunda opinião.
— Vamos logo — disse Wrath, dando um rápido beijo na mão de Beth antes de soltá-la.
— Meu senhor, seria tão amável para tirar os óculos?
Havers foi rápido, acostumado com a rotina da luz-perfuradora-de-globos-oculares; logo o rodeou para fazer um exame do ouvido, seguida de uma verificação do coração. Uma enfermeira entrou com a merda tira-sangue, mas foi a Dra. Jane que fez o espeta-e-tira em sua veia.
Quando tudo acabou, Havers voltou a colocar ambas as mãos nos bolsos e fez outro desses cenhos de médico.
— Tudo parece normal. Bom, normal para você. Porque para começar suas pupilas não respondem, em nenhum sentido, mas isso é um mecanismo de defesa porque elas são muito fotossensíveis.
— Então qual é a conclusão? — perguntou Wrath.
Dra. Jane encolheu de ombros.
— Tem um histórico de enxaquecas. E se a cegueira aparece novamente, voltamos aqui imediatamente. Possivelmente um TAC enquanto está ocorrendo nos ajude a localizar com exatidão o problema.
Havers fez outra reverência para Dra. Jane.
— Farei chegar a sua médica os resultados da análise de sangue.
— Muito bem.
Wrath levantou o olhar para sua shellan, preparado para partir, mas Beth estava concentrada nos médicos.
— Nenhum de vocês parece muito feliz com isto — disse.
Dra. Jane falou lenta e cuidadosamente, como se estivesse procurando as palavras precisas.
— Cada vez que há uma deterioração funcional que não podemos explicar, ponho-me nervosa. Não digo que isto seja uma situação extrema. Mas o fato de que o TAC tenha saído bem não basta para me convencer de que esteja fora de perigo.
Wrath desceu da maca e tomou a jaqueta negra de couro que Beth segurava. Era fodidamente fantástico poder vestir a coisa e abandonar o papel de paciente em que seus malditos olhos o haviam colocado.
— Não vou ser negligente com isto — disse aos médicos açougueiros — Mas vou seguir trabalhando.
Houve um coro de necessita-descançar-alguns-dias, que desprezou saindo da consulta. A questão era que, enquanto ele e Beth percorriam o corredor a passos largos, uma estranha sensação de urgência o invadiu.
Tinha a sensação de que devia atuar depressa, porque não ficava muito tempo.
John levou um maldito tempo em chegar ao ZeroSum. Depois de deixar a casa de Xhex, passeou por Tenth Street (uma rua) e caminhou sob as rajadas de neve até um Tex/Mex. Quando esteve no interior, sentou-se em uma mesa próxima à saída de incêndios e, apontando as imagens no menu laminado, pediu dois pratos de costeletas de porco, com um acompanhamento de purê, e outro de salada de couve.
A garçonete que anotou seu pedido e entregou a comida estava com uma saia o suficientemente curta para ser considerada roupa de baixo, e parecia estar disposta a lhe servir algo mais que comida. E de fato o considerou. Tinha o cabelo loiro, não estava muito maquiada e suas pernas eram bonitas. Mas cheirava como uma churrasqueira, e não apreciou a forma em que falava, muito devagar, como se pensasse que era tolo.
John pagou em dinheiro, deixou uma boa gorjeta, e se apressou a sair antes que ela pudesse tratar de dar seu telefone. Fora no frio, tomou o caminho comprido para o Trade. Que era o mesmo que dizer que se desviou em cada beco que encontrou.
Nenhum lesser. Nem tampouco humanos fazendo cagadas.
Finalmente, entrou no ZeroSum. Ao atravessar as portas de ferro e vidro e captar o bombardeio de luzes e música e pessoas suspeitas habilmente disfarçadas, sua cobertura de menino-mau caiu um pouco. Xhex estaria aqui...
Sim. E? O que era ele, um fodido maricas que não podia estar no mesmo clube que ela?
Já não. John arrumou os testículos e caminhou a passos largos para a corda de veludo, passou pelo escrutínio dos gorilas, e entrou na sala VIP. Ao fundo, na mesa da Irmandade, Qhuinn e Blay estavam sentados como um par de quarterbacks (zagueiros) apanhados na reserva, enquanto sua equipe se afogava no campo: estavam ansiosos e tamborilavam os dedos brincando com os guardanapos que vinham com suas garrafas de Corona[81].
Quando se aproximou deles, ambos levantaram o olhar e cessou todo movimento, como se alguém tivesse congelado a imagem de seu DVD.
— Hey — disse Qhuinn.
John se sentou junto a seus amigos e gesticulou:
Hey.
— Como vai? — perguntou Qhuinn, enquanto a garçonete se aproximava com um perfeito sentido de oportunidade — Outras três Coronas...
John interrompeu o cara. Quero algo diferente. Diga… que quero um Jack Daniel’s só com gelo.
Qhuinn arqueou as sobrancelhas, mas fez o pedido e observou como a mulher trotava para o balcão.
— De alta octanagem, né?
John encolheu de ombros e olhou uma loira que estava duas mesas mais à frente. No instante em que ela viu que a olhava, entrou totalmente em modo chamativo, jogando o cabelo denso e brilhante sobre as costas e erguendo os peitos até que esticaram o quase inexistente LBD[82].
Apostava que ela não cheirava a costelas.
— Em… John, que porra está te passando?
O que quer dizer? gesticulou para o Qhuinn sem tirar os olhos da mulher.
— Está olhando a essa franguinha como se quisesse enrolá-la em um espeto e pôr seu molho quente por toda parte.
Blay tossiu um pouco.
— Realmente não tem muita manha com as palavras, sabe?
— Só digo o que vejo.
Chegou a garçonete e pôs o Jack e as cervejas sobre a mesa, e John atacou sua bebida com vontade, atirando a merda para dentro e abrindo a garganta de forma que caísse em cascata direto para seu estômago.
— Está vai ser uma dessas noites? — murmurou Qhuinn — Nas que acaba no banheiro?
Certo como a merda que sim, gesticulou John. Mas não porque vá vomitar.
— Então por que…? OH! — Qhuinn tinha o aspecto de alguém a quem acabassem de beliscar a bunda.
Sim, OH! pensou John enquanto examinava a zona VIP no caso de aparecer uma candidata melhor.
A seu lado, havia um trio de homens de negócios, cada um tinha uma mulher consigo, e todas tinham o aspecto de estar prontas para sair na capa da Vanity Fair. Em frente, tinha o pacote básico de seis Euro-gentuzas[83] que não paravam de assoar narizes e com freqüência iam em dupla ao banheiro. No balcão havia um par de trepadores com suas amantes totalmente bêbadas, e outro par de consumidores de droga que só olhavam às garotas profissionais.
Estava ainda em modo explorador quando Rehvenge em pessoa entrou a passos largos na sala VIP. Quando as pessoas o viram, uma onda de estremecimentos atravessou o lugar, porque mesmo que não soubessem que era o proprietário do clube, não abundavam os caras de dois metros de altura que levassem uma bengala vermelha, um casaco negro de marta zibelina e um corte de cabelo mohawk.
Além disso, inclusive com essa luz tênue, se podia ver que tinha olhos cor violeta.
Como sempre, estava ladeado por dois machos que eram de seu tamanho e tinham o aspecto de comer balas no café da manhã. Xhex não estava com eles, mas isso estava bem. Isso era bom.
— Definitivamente quando crescer quero ser como esse cara — disse Qhuinn arrastando as palavras.
— Só que não corte o cabelo — disse Blay — É muito bonito... digo, os topetes requerem um montão de atenção.
Enquanto Blay apertava sua cerveja, os olhos díspares de Qhuinn apenas posaram sobre o rosto de seu melhor amigo antes de afastar o olhar rapidamente.
Depois de pedir por gestos à garçonete outro Jack, John girou e olhou através da cascata que formava uma parede para a seção pública do clube. Ali na pista de dança, havia uma tonelada de mulheres procurando exatamente o que ele queria dar. Tudo o que tinha que fazer era ir até ali e escolher entre as voluntárias dispostas.
Grande plano, exceto, sem razão aparente, ficou a pensar no reality The Show de Maury. Realmente queria correr o risco de deixar grávida alguma humana escolhida ao azar? Supunha-se que sabia quando estavam ovulando, mas que porra sabia ele dos assuntos das fêmeas?
Franzindo o cenho, voltou a olhar ao redor, apertou em sua mão o Jack recém servido, e se centrou nas garotas profissionais.
As profissionais. Que conheciam o jogo do sexo casual que ele estava procurando. Muito melhor.
Enfocou o olhar em uma fêmea morena cujo rosto era igual ao da Virgem Maria. Marie Terese acreditou ter ouvido que assim se chamava. Era a chefa das profissionais, mas também estava disponível para alugar. Nesse momento, estava jogando o quadril como dizendo “vêm aqui” para um cara que exibia um terno de três peças e parecia estar muito interessado em seus atributos.
Vêem comigo, gesticulou John ao Qhuinn.
— Onde...? Ok! entendi — Qhuinn acabou sua cerveja e levantou — Suponho que voltaremos, Blay.
— Sim. Passem… bem.
John liderou o caminho para a morena, cujos olhos azuis pareceram surpresos ao ver que os dois se aproximavam. Com uma espécie de desculpa sedutora, deixou de lado a seu potencial cliente.
— Necessitam algo? — perguntou, sem evidenciar nenhum tipo de convite. Embora fosse amistosa, porque sabia que John e os meninos eram convidados especiais do Reverendo. Embora naturalmente não soubesse a razão.
Pergunte quanto, gesticulou para o Qhuinn. Pelos dois.
Qhuinn limpou a garganta.
— Quer saber quanto.
Ela franziu o cenho.
— Depende do que queiram. As garotas têm... — John assinalou à mulher — Eu?
John assentiu.
Quando a morena entrecerrou os olhos azuis e franziu os lábios vermelhos, John imaginou sua boca sobre ele, seu pênis gostou da imagem e surgiu em uma instantânea e alegre ereção. Sim, tinha uma boca muito bonit...
— Não — disse ela — Não pode me ter.
Qhuinn elevou a voz antes que as mãos de John pudessem pôr-se a voar.
— Por quê? Nosso dinheiro é tão bom como o de qualquer outro.
— Posso escolher com quem faço negócios. Alguma das outras garotas poderia pensar diferente. Podem lhes perguntar.
John estava disposto a apostar que o rechaço tinha algo a ver com Xhex. Deus sabia que tinha havido um montão de contato visual entre ele e a chefa de segurança do clube e sem dúvida Marie Terese não queria se meter no meio.
Ao menos, disse a si mesmo que era isso, ou, do contrário restava o fato de que sequer uma prostituta podia suportar a idéia de estar com ele.
De acordo, está bem, gesticulou John. A quem sugere?
Depois que Qhuinn falasse, ela disse:
— Sugeriria que voltasse para seu Jack e deixasse tranqüilas às garotas.
Não vai ocorrer, e quero a uma profissional.
Qhuinn traduziu, e o cenho de Marie Terese se fez ainda mais profundo.
— Serei honesta contigo. Isto soa a um foda-se. Como se estivesse mandando uma mensagem. Quer se deitar com alguém, vai e encontra a uma prostitutazinha na pista de dança ou em um desses reservados. Não o faça com alguém que trabalha com ela, Ok?
Bem. Tudo estava absolutamente relacionado com Xhex.
O velho John teria feito o que lhe sugeria. E uma merda; em primeiro lugar o velho John não teria esta conversa. Mas as coisas tinham mudado.
Obrigado, mas acredito que perguntaremos a uma de suas colegas. Se cuide.
John já girava quando Qhuinn falou, mas Marie Terese o agarrou pelo braço.
— Está bem. Se quiser se comportar como um imbecil, vá falar com a Gina, a que está ali de vermelho.
John fez uma pequena reverência, logo aceitou sua sugestão, e se aproximou de uma mulher de cabelo negro com um vestido de vinil vermelho tão brilhante, que essa merda podia ser qualificada como luz estroboscópica.
A diferença de Marie Terese, aceitou o plano antes que Qhuinn pudesse sequer chegar a perguntar.
— Quinhentos — disse com um amplo sorriso — Cada um. Porque deduzo que vão juntos?
John assentiu um pouco assombrado de que tivesse sido tão fácil. Mas bem, isto era pelo que pagavam. Facilidade.
— Vamos à parte de trás? — Gina se posicionou entre ele e Qhuinn, tomou a cada um pelo braço e os guiou, passando à frente de Blay, que estava concentrado em sua cerveja.
Enquanto caminhavam pelo corredor para os banheiros privados, John se sentia febril: Quente e desvinculado do que o rodeava, estava indo à deriva, preso só pelo fino braço da prostituta a que pagaria para foder.
Estava bastante seguro que se ela o soltava simplesmente se afastaria flutuando.
Capítulo 45
Quando Xhex subiu as escadas e entrou na seção VIP, a princípio não esteve segura de que demônio estava vendo. Parecia como se John e Qhuinn estivessem se dirigindo à parte traseira com Gina. A menos, é obvio que houvesse outros dois caras iguais a eles, um com tatuagem na Antiga Língua na nuca e outro com os ombros tão largos como os de Rehv.
Mas com toda certeza aquela era Gina com seu vestido vermelho-não-se-detenha.
Xhex recebeu a voz de Trez pelo auricular.
— Rehv está aqui e estamos te esperando.
Sim, bem, esperariam um pouco mais.
Xhex deu a volta e iniciou o caminho de volta para o cordão de veludo… ao menos até que seu caminho foi bloqueado por um tipo com um Prada falso.
— Ouça carinho, aonde vai tão apressada?
Foi um movimento ruim de sua parte. O pedaço de Euro-irrelevante drogado escolheu à fêmea errada para cortar o passo.
— Se afaste de meu caminho antes que o aparte eu mesma.
— O que ocorre? — disse estendendo a mão para seu quadril — Não pode arrumar-se com um verdadeiro homem?... Oh.
Xhex converteu a tentativa de olha passar a mão em um esmaga-tendões, retorcendo a mão em seu punho até que o braço dele formigou.
— Bem — disse — Faz aproximadamente uma hora e vinte minutos, comprou setecentos dólares em coca. Apesar da quantidade que esteve se metendo no banheiro, estou disposta a apostar que ainda leva bastante contigo para que o prendam por posse. Assim deixa de encher o saco e saia de meu caminho, se tratar de me tocar outra vez, quebrarei todos estes dedos, e em seguida farei o mesmo com a outra mão.
Soltou-o dando um empurrão, que o enviou, aos tropeções, para seus companheiros.
Xhex seguiu caminhando, deixou atrás a zona VIP e atravessou com passos largos a pista de dança. Dirigiu-se a uma porta que havia debaixo da escada que subia à sobreloja, marcada como SÓ PESSOAL DE SEGURANÇA e digitou um código. O corredor do outro lado passava frente à porta do vestuário do pessoal antes de levá-la ao seu destino, o escritório de segurança. Depois de digitar outro código, entrou na sala de seis por seis onde toda a equipe de vigilância descarregava dados nos computadores.
Salvo o escritório de Rehv e a guarida onde Rally fracionava a droga, que estavam em um sistema separado, tudo o que ocorria no resto do local, ficava registrado digitalmente ali, e havia telas de cor cinza-azulada que mostrava imagens de todo o clube.
— Ouça, Chuck — disse ao tipo que estava atrás do escritório — Se importa se fico um minuto a sós?
— Não há problema. De todo modo tenho que tomar um descanso para ir ao banheiro.
Trocou de lugar com ele, afundando-se na cadeira Kirk[84], como a chamavam os meninos.
— Não necessitarei muito tempo.
— Nem eu tampouco, chefa. Quer algo de beber?
— Estou bem, obrigada.
Quando Chuck assentiu e saiu movendo-se pesadamente, centrou-se nos monitores que mostravam os quartos de banho da zona VIP.
OH… Deus.
O trio do inferno estava apertado, com Gina no meio. John beijava um caminho para os peitos desta, e Qhuinn, que estava de pé atrás da mulher, deslizava suas mãos para frente, rodeando seus quadris.
Presa entre os machos, Gina não parecia estar trabalhando. Parecia uma mulher que estava sendo agradada em grande estilo.
Maldita seja.
Pelo menos era Gina. Xhex não tinha nenhuma relação com ela, já que a mulher acabava de entrar para o quadro de pessoal, assim não era muito diferente como se estivesse fodendo a alguma garota da pista de dança.
Xhex se recostou na cadeira e forçou-se a examinar os outros monitores. Havia gente por toda a parede, e as imagens agitadas de gente bebendo, metendo-se em brigas, tendo relações sexuais, dançando, falando e olhando fixamente para longe, encheram sua vista.
Isso estava bem, pensou. Isso estava… bem. John tinha abandonado seus delírios românticos e foi com outra. Isso estava bem…
— Xhex, onde está? — disse a voz de Trez no auricular.
Levantou o braço e falou por seu relógio.
— Me dê um fodido minuto!
A resposta do mouro foi tipicamente sossegada.
— Está bem?
— Eu… olhe, sinto muito. Estou indo.
Sim, e também o estava Gina.
Cristo.
Xhex se levantou da cadeira Kirk e seus olhos voltaram para a tela que deliberadamente tinha evitado olhar.
As coisas tinham progredido. Rapidamente.
John estava movendo seus quadris.
Exatamente quando Xhex retrocedia e ia sair, ele levantou o olhar para a câmara de segurança. Era difícil determinar se sabia que a câmara estava ali ou se simplesmente seus olhos se dirigiram ali por acaso.
Merda. Tinha o rosto turvo, a mandíbula firmemente apertada, e em seu olhar havia uma expressão desalmada que a entristeceu.
Xhex tentou não ver a mudança nele como o que era e falhou. Ela tinha lhe feito isto. Possivelmente não fora a única razão pela qual se tornou de pedra, mas era uma grande parte dela.
Ele afastou o olhar.
Ela girou.
Chuck pôs a cabeça pela porta.
— Necessita mais tempo?
— Não, obrigado. Vi o suficiente.
Deu-lhe uma palmada no ombro e partiu, ao sair foi para a direita. Ao final do corredor havia uma porta negra reforçada. Digitando outro código mais, tomou o passadiço até o escritório de Rehv, e quando atravessou a porta, os três machos que rodeavam o escritório a olharam com cautela.
Ela se apoiou contra a parede negra frente a eles.
— O que?
Rehv se recostou em sua cadeira, e cruzou os braços cobertos de pele sobre o peito.
— Está se preparando para entrar em seu período de necessidade?
Enquanto ele falava, Trez e iAm fizeram o movimento de mãos que as Sombras utilizavam para proteger-se contra o desastre.
— Deus, não. Por que a pergunta?
— Porque, não se ofenda, mas tem um fodido mau humor.
— Não tenho — quando os machos se olharam entre si, ladrou — Deixem de fazer isso.
OH, fantástico, agora todos eles evitavam olhar-se de forma deliberada.
— Podemos terminar com a reunião — disse, tratando de moderar o tom.
Rehv descruzou os braços e se sentou direito.
— Sim. Estou a ponto de sair para uma reunião do conselho.
— Quer que o acompanhemos? — perguntou Trez.
— Sempre, desde que não tenhamos nenhuma negociação importante acertada para depois de meia-noite.
Xhex sacudiu a cabeça.
— O que tínhamos na agenda para esta semana foi as nove e terminou sem problemas. Embora diga que nosso comprador estava muito nervoso, e isso foi antes que escutasse na freqüência da polícia que outro narcotraficante foi encontrado morto.
— Assim dos seis grandes sub-traficantes que compravam de nós, só restam dois? Porra! Temos uma luta territorial, bem na nossa frente.
— E é muito provável que, quem quer que esteja revolvendo a merda tentará escalar posição na cadeia alimentar.
— Razão pela qual iAm e eu acreditamos que deve ter alguém contigo vinte e quatro horas do dia, os sete dias da semana até que esta merda termine — disse Trez.
Rehv pareceu aborrecido, mas não discordou.
— Temos alguma dica de quem está deixando esses corpos por todos os lados?
— Bom! Óbvio. — disse Trez — As pessoas acreditam que seja você.
— Não seria lógico. Por que aniquilaria meus próprios compradores?
Agora foi Rehv que recebeu todos os olhares desconfiados do galinheiro.
— OH, vamos — disse — Não sou tão mau. Bom, está bem, mas só se alguém me fode. E, me perdoem, mas os quatro que morreram? Eram homens de negócios direitos. Não enchiam o saco para nada. Eram bons clientes.
— Tem falado com seus fornecedores? — perguntou Trez.
— Sim. Disse que me dêem um tempo e confirmei que tinha a intenção de movimentar a mesma quantidade de produto. Os que perdemos serão substituídos rapidamente por outros, porque os vendedores são como erva daninha. Sempre voltam a crescer.
Discutiram um pouco sobre o mercado e os preços e logo Rehv disse:
— Antes que fiquemos sem tempo, me falem do clube. O que está ocorrendo?
Bem, essa era uma grande pergunta, pensou Xhex. E o que diz nossa vigilância? Ding-ding-ding: John Matthew. O mais provável é que à Gina estivesse ocorrendo, algo chamado John Matthew. E que estivesse ocorrendo de joelhos frente a ele.
— Xhex, está grunhindo?
— Não — obrigou-se a concentrar-se e lhe dar um panorama geral dos incidentes acontecidos essa noite, até o momento. Trez fez o relatório do Iron Mask, o qual estava ao seu encargo, e depois iAm falou de finanças e do Restaurante Sal, outra das posses de Rehv. Em definitivo, eram os negócios habituais… tendo em conta que infringiam o tipo de leis humanas que os suporia uma grave condenação se os apanhassem.
Não obstante a mente de Xhex estava só parcialmente no jogo, e quando chegou à hora de partir, foi à primeira em chegar à porta, embora geralmente se atrasasse.
Saiu do escritório no momento exato.
Se quisesse que lhe dessem uma joelhada no saco.
Nesse preciso momento, apareceu Qhuinn na entrada do corredor que levava aos banheiros privados, tinha os lábios inchados e avermelhados, o cabelo revolto e o aroma de sexo, orgasmos e atos indecentes feitos com delicadeza o precedia.
Ela se deteve, embora isso fosse uma idéia estúpida.
Gina foi à seguinte, e tinha o aspecto de necessitar uma bebida. Do tipo Gatorade. A mulher estava enfraquecida, e não porque estivesse deliberadamente em seu modo à-caça-de-sexo, não porque lhe tinham dado uma apropriada sessão de prazer, e o suave sorriso que ostentava na boca era muito íntimo e honesto para o gosto de Xhex.
John foi o último a sair, com a cabeça erguida, o olhar vazio e os ombros jogados para trás.
Esteve magnífico. Estava disposta a apostar… que estivera magnífico.
Ele voltou a cabeça e seus olhares se encontraram. Tinha desaparecido a tímida contemplação, o rubor, as torpes adulações. Saudou-a com um curto movimento de cabeça e afastou o olhar, estava calmo, e, dada a forma em que avaliou outra das prostitutas… preparado para mais sexo.
Um incômodo e inusitado pesar atravessou o peito de Xhex, alterando o firme batimento de seu coração. Em sua campanha para salvá-lo do caos pelo que tinha atravessado seu último amante, tinha destruído algo; ao afastá-lo, tinha-lhe despojado de algo muito precioso.
Tinha perdido sua inocência.
Xhex levou o relógio bracelete até a boca.
— Necessito um pouco de ar.
A resposta de Trez foi de justa aprovação.
— Boa idéia.
— Voltarei exatamente antes que partam à reunião do conselho.
Quando Lash voltou da guarida de seu pai, só precisou de aproximadamente dez minutos para voltar completamente à vida antes de entrar no Mercedes e conduzir até a choça de merda em que as drogas tinham sido embaladas. Estava tão atordoado que pensou que seria um milagre se não se chocava com algo, e quase o fez. Enquanto esfregava aos olhos e tratava de chamar por telefone, não freou o suficientemente rápido em um semáforo vermelho, e foi só graças a que os caminhões de sal da cidade de Caldwell saíram mais cedo que seus pneumáticos tiveram algo para frear.
Deixou o telefone e se concentrou na merda de estar atrás do volante. Provavelmente era melhor do que falar com o Senhor D de todas as formas, dado que ainda estava na névoa paterna, como ele chamava.
Merda, o calor o voltava ainda mais torpe.
Lash baixou os vidros e desligou o ar quente que ondeava para o assento dianteiro do sedan, e quando chegou à merda da casa, estava muito mais alerta. Estacionou na parte de trás, para que o Merc ficasse protegido pelo alpendre fechado com malha e a garagem, e entrou pela porta da cozinha.
— Onde está? — gritou — Coloque-me em dia.
Silêncio.
Pôs a cabeça dentro da garagem, e quando só viu o Lexus, supôs que o senhor D, Grady, e os outros dois provavelmente estivessem retornando, depois de ter liquidado a esse outro traficante. O que queria dizer que tinha tempo de comer algo. Enquanto ia à geladeira que estava abastecida para ele, chamou por telefone ao pequeno texano. Soou uma vez. Duas vezes.
Estava tirando um sanduíche de peru comprado em uma padaria e checando o prazo de validade quando ativou a campainha de voz de D.
Lash endireitou-se e olhou fixamente o telefone. Nunca recorria ao correio de voz. Jamais.
É obvio, que a reunião podia ter se atrasado e nesse momento podiam estar exatamente na metade da mesma.
Lash comeu e esperou, acreditando que lhe devolveria a chamada imediatamente. Quando não foi assim, entrou na sala de estar, conectou o computador portátil e acessou ao software GPS que localizava todos e cada um dos telefones da Sociedade Lessening no mapa de Caldwell. Configurou a busca para que procurasse o do senhor D e descobriu…
O tipo estava viajando rapidamente, movendo-se nesta direção. E os outros dois lessers estavam com ele.
Assim, por que não respondia ao fodido telefone?
Desconfiando, Lash chamou outra vez e começou a passear pela sala de mau humor enquanto a chamada soava e soava. Pelo que podia ver, na casa, não havia nada fora de lugar. A sala estava igual, os outros dois dormitórios e o principal estavam em ordem, todas as janelas tinham o ferrolho em seu lugar e as persianas estavam baixas.
Quando tomou o corredor que levava à frente da casa, estava chamando o texano pela terceira vez…
Lash se deteve a meio caminho e girou a cabeça para a única porta que não abriu… ao longo de todo o batente da mesma entrava uma brisa fria.
Não tinha que abrir a coisa para saber o que acontecera, mas igualmente rompeu a fodida. A janela estava em pedacinhos e havia nervuras negras — de borracha, não de sangue de assassino — ao redor do batente.
A dar uma rápida olhada pela fresta, Lash observou que sobre a fina capa de neve havia uns rastros que se dirigiam para a rua. Sem dúvida a rotina de fugir a pé a toda pressa não tinha durado muito. Nos arredores dessa tranqüila vizinhança havia muitos carros que podiam fazer uma ligação direta para levá-los, e isso era uma coisa de criança para qualquer criminoso que se apreciasse.
Grady tinha evaporado.
E sua jogada o surpreendia. Não era o diamante mais brilhante da corrente, mas a polícia o estava procurando. Por que arriscar-se a ter outro grupo de filhos da puta o caçando?
Lash entrou na sala e franziu o cenho ao ver o sofá onde Grady deixou a caixa gordurenta de Domino’s e… o jornal que esteve lendo.
E estava aberto na parte dos obituários.
Pensando nos nódulos machucados de Grady, Lash se aproximou e recolheu o jornal…
Cheirou algo nas páginas. Old Spice. Ah, assim o senhor D tinha um pouco de inteligência, e também tinha olhado a coisa….
Lash examinou as colunas. Um grupo de humanos entre os setenta e os oitenta. Um nos sessenta. Dois nos cinqüenta. Nenhum deles se assemelhava ao nome de Grady nem como sobrenome nem como nome composto. Três eram de fora da cidade, mas tinham família aqui em Caldie…
E então ali estava: Christianne Andrews, idade vinte e quatro. Não aparecia a causa da morte, mas a morte tinha sido no domingo, e o funeral ocorreu hoje no Cemitério de Pine Grove. A chave? Em vez de flores, por favor, envia donativos ao Departamento de Policia para o fundo de Vítimas de Violência Doméstica.
Lash se lançou sobre o computador portátil e checou o relatório do GPS. O Focus do senhor D se dirigia para… bem, o que parece? O Cemitério de Pine Grove, onde uma vez a adorável Christianne descansaria por toda a eternidade nos braços dos anjos.
Agora a história de Grady era clara: o cabrón espanca sua garota com regularidade até que uma noite leva a dureza do amor muito longe. Ela morre, a polícia encontra seu corpo e começam a procurar o namorado camello[85] que descarrega o estresse de seu trabalho em casa com sua pequena mulher. Não era de admirar que o estivessem procurando.
E o amor conquistava tudo… inclusive o sentido comum dos criminosos.
Lash saiu e se desmaterializou para o cemitério, preparado para um cara a cara não só com o parvo humano, mas também com os fodidos e estúpidos assassinos que deveriam ter vigiado melhor ao idiota.
Materializou-se a uns nove metros de distância de um carro estacionado… motivo pelo qual quase fica à vista do tipo que estava sentado dentro da coisa. Transladando-se rapidamente detrás da estátua de uma mulher que vestia uma túnica, Lash comprovou o que estava ocorrendo no sedan: no interior havia um humano, a julgar pelo aroma. Um humano que tomou muito café.
Um policial disfarçado. Que sem dúvida estava esperando que o FDP do Grady fizesse exatamente o que ia fazer: quer dizer, apresentar as condolências à garota que tinha assassinado.
Sim, bem, os dois podiam jogar o espera-e-verá.
Lash tirou o telefone e escondeu a brilhante tela com a palma. O texto que enviou ao senhor D era um obstáculo que rezava ao inferno para que chegasse a tempo. Com a polícia presente no lugar, Lash se encarregaria de Grady sozinho.
E, em seguida se lançaria sobre quem quer que tenha deixado o humano sozinho tempo suficiente para que pudesse escapar.
Capítulo 46
Parado ao pé da escadaria principal, Wrath terminou de preparar-se para a reunião com a glymera colocando um colete à prova de balas Kevlar.
— É leve.
— O peso nem sempre o faz melhor — disse V enquanto acendia um cigarro feito à mão e fechava de repente seu isqueiro de ouro.
— Está seguro disso.
— Quando se trata de coletes balísticos, estou — Vishous exalou, e a fumaça escureceu seu rosto momentaneamente antes de flutuar para cima, ao teto ornamentado — Mas se te faz sentir melhor, podemos amarrar uma porta de garagem em seu peito. Ou um carro, quem sabe.
O som de fortes pisadas que provinham detrás dele, ecoaram no suntuoso vestíbulo da cor das pedras preciosas, quando Rhage e Zsadist desceram juntos, como uma dupla de genuínos assassinos, com as adagas da Irmandade postas nas capas de seus peitos, com os punhos para baixo. Quando chegaram frente à Wrath, escutou-se um ruído de campainha que vinha da porta de entrada, e Fritz foi arrastando os pés para deixar entrar ao Phury, que havia se desmaterializado das Adirondacks, assim como também Butch, que acabava de chegar através do pátio.
Ao olhar a seus irmãos, Wrath sentiu que o atravessava uma descarga. Apesar de que dois deles ainda não lhe falavam, podia sentir o sangue de guerreiro que tinham em comum, percorrendo seu corpo, e desfrutou da necessidade coletiva de lutar contra o inimigo, fosse um lesser ou um de sua própria raça.
Um suave som proveniente das escadas o fez girar a cabeça.
Tohr estava descendo com cuidado desde o segundo andar, como se não estivesse seguro se podia confiar nos músculos de suas coxas para que resistissem e sustentassem seu peso. Pelo que Wrath podia ver, o irmão estava vestido com calças camufladas que se ajustavam a uns quadris do tamanho dos de um moço, e usava um suéter negro grosso com gola alta, que disfarçava sob suas axilas. Não havia adagas em seu peito, mas tinha um par de pistolas pendurando desse cinturão de couro que, com esperança e uma prece, estava mantendo as calças em seu lugar.
Lassiter estava ao seu lado, mas ao menos por uma vez, o anjo não estava bancando o esperto. Embora, tampouco, olhava por aonde ia. Por alguma razão, tinha o olhar fixo no mural existente no teto, o dos guerreiros lutando nas nuvens.
Todos os irmãos olharam Tohr, mas ele não se deteve, nem olhou para ninguém, simplesmente continuou caminhando até que chegou ao chão de mosaico. E, nem ali parou. Passou pela Irmandade, foi até a porta que conduzia para a noite, e esperou.
A única lembrança do que tinha sido alguma vez, era o porte de sua mandíbula. Essa firme parte de osso sobressalente paralelo ao chão e ainda um pouco mais alto. Pelo que a ele concernia, ia sair e pronto.
Sim, pois estava equivocado.
Wrath aproximou-se dele e disse brandamente:
— Tohr, sinto muito...
— Não há razão para pedir perdão. Vamos.
— Não.
Houve vários movimentos incômodos, como se os outros irmãos estivessem odiando isto tanto quanto Wrath.
— Não está o suficientemente forte — Wrath queria pôr a mão no ombro de Tohr, mas sabia que isso conduziria a um violento encolhimento de ombros, dada a forma que mantinha o frágil corpo tenso — Só espera até estar preparado. Esta guerra... Esta fodida guerra vai continuar.
O relógio que estava no estúdio do andar superior, começou a badalar, o som rítmico se difundia do estúdio de Wrath, passando sobre a balaustrada dourada e caindo até os ouvidos dos ali reunidos. Eram onze e meia. Tempo de sair se queriam examinar o perímetro do local da reunião antes que chegassem os sujeitos da glymera.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e olhou sobre o ombro aos cinco guerreiros vestidos de negro, que permaneciam juntos como uma unidade. Seus corpos zumbiam cheios de poder, suas armas não estavam constituídas só pelo que pendia de capas e pistoleiras, mas sim, também o eram suas mãos, pés, braços, pernas e mentes. A fortaleza mental estava no sangue; o treinamento e a força bruta em sua carne.
Necessitavam ambas para lutar. À vontade te levava só até certo ponto.
— Fica — disse Wrath — E isso é tudo.
Com uma maldição, abriu caminho para o pórtico e saiu ao outro lado. Deixar Tohr atrás era mal, mas não havia outra escolha. O irmão estava indefeso até o ponto de ser um perigo para si mesmo, e seria uma grande distração. Se saísse, cada um dos irmãos o teria em mente, por isso todo o grupo teria a cabeça fodida... E, isso não era exatamente o que queria se iria a uma reunião onde alguém poderia tratar de assassinar ao rei. Pela, vejamos segunda vez na semana.
Enquanto as portas exteriores da mansão se fechavam com um som ensurdecedor, Tohr ficou do outro lado e Wrath e os irmãos permaneceram sob as rajadas de vento vigorosas que sulcavam a parede da montanha do complexo, corriam através do pátio e ziguezagueavam entre os carros que havia ali.
— Maldita seja — murmurou Rhage enquanto se concentravam no longínquo horizonte.
Após um momento, Vishous girou a cabeça para Wrath, e sua silhueta ficou perfilada contra o céu cinza.
— Temos que...
Soou a detonação de uma arma de fogo, e o cigarro feito a mão que V tinha entre os lábios foi arrancado de sua boca. Ou, possivelmente foi diretamente vaporizado.
— Que merda! — gritou V enquanto retrocedia.
Todos viraram juntos, procurando suas armas mesmo sabendo que não havia maneira no inferno de que seus inimigos pudessem estar perto da grande fortaleza de pedra.
Tohr estava parado tranqüilamente na entrada da mansão, seus pés plantados solidamente e suas duas mãos agarrando a culatra da arma que acabava de disparar.
V se jogou para frente, mas Butch o aprisionou, segurando fortemente seu peito, para evitar que derrubasse Tohr ao chão.
Isso não deteve a boca de V.
— Em que merda está pensando!
Tohr baixou o canhão.
— Talvez ainda não esteja preparado para lutar mão a mão, mas sou de longe melhor atirador que qualquer de vocês.
— É um maldito louco — espetou V — Isso é o que é.
— De verdade acredita que te poria uma bala na cabeça? — o tom de voz do Tohr era uniforme — Já perdi ao amor de minha vida. Disparar a um de meus irmãos não é o tipo de arremate que estou procurando. Como falei, sou o melhor de todos com uma arma, e esse não é o tipo de recurso que querem deixar na reserva em uma noite como esta — Tohr voltou a embainhar a SIG — E, antes que me volte louco com seus porquês, tinha que fazer uma demonstração, e era melhor que disparar ao seu horrível cavanhaque. E isso não quer dizer que não seja capaz de matar por te dar a barbeada que seu queixo está pedindo a gritos.
Houve uma longa pausa.
Wrath estalou em gargalhadas. O que, naturalmente, era loucura. Mas a idéia de não ter que lutar com o fato de ter deixado Tohr para trás como a um cão que não se permite ir com o resto da família, era um alívio tão assombroso que tudo o que pôde fazer foi rir.
Rhage foi o primeiro a se unir e atirou a cabeça para trás e as luzes da mansão refletiram em seu brilhante cabelo loiro, seus dentes super brancos relampejaram. Enquanto ria, levantou a grande mão e a pousou sobre seu coração como se estivesse esperando que a coisa não entrasse em curto-circuito.
Butch foi o seguinte, o poli ladrou com força e soltou o peito de seu melhor amigo. Phury sorriu durante um segundo, e em seguida seus grandes ombros começaram a estremecer... E, aí começou Z cujo sorriso começou a ampliar até que seu rosto com cicatrizes apresentou um grande sorriso zombador.
Tohr não sorriu, mas a satisfação com a qual apoiou o peso de seu corpo nos calcanhares lembrou um reflexo do homem que costumava ser. Sempre tinha sido um cara sério, daqueles mais interessados em assegurar-se de que todos estivessem tranqüilos e bem, do que em fazer brincadeiras e ser um gozador. Mas isso não significava que não pudesse curtir brincadeiras como o melhor deles.
Era a razão pela qual tinha sido o líder perfeito para a Irmandade. Tinha o conjunto de habilidades convenientes e necessárias para esse trabalho; uma cabeça firme e um coração caloroso.
Em meio das risadas, Rhage olhou Wrath. Sem dizer uma palavra, os dois se abraçaram, e quando se afastaram Wrath deu a seu irmão o equivalente masculino de uma desculpa... Que era um bom golpe no ombro. Em seguida virou para Z e este assentiu uma vez. O qual era a versão taquigráfica de Zsadist para: Sim, se comportou como um imbecil, mas tinha suas razões e já estamos bem.
Era difícil saber quem iniciou, mas alguém pôs seus braços sobre os ombros de outro, e logo esse fez o mesmo, e terminaram abraçados como jogadores de futebol. O círculo que formaram debaixo desse vento frio era desigual, estava composto por diferentes alturas corporais, variadas larguras de peito e diferentes braços. Mas estavam vinculados e juntos eram uma unidade.
De pé, quadril com quadril com seus irmãos, Wrath viu que o que uma vez tinha dado por certo, era em realidade algo muito excepcional e especial: a Irmandade estava reunida uma vez mais.
— Hey… querem compartilhar um pouco de seu “bromance[86]” por aqui?
A voz do Lassiter fez que elevassem as cabeças. O anjo estava de pé nos degraus da mansão e seu brilho conferia à noite uma luz suave e encantadora.
— Posso golpeá-lo? — perguntou V.
— Mais tarde — respondeu Wrath, rompendo o círculo — E muitas, muitas vezes.
— Não era exatamente o que tinha em mente — murmurou o anjo enquanto um por um foram desmaterializando para a reunião, e Butch partia dirigindo para encontrar-se com eles.
Xhex tomou forma entre um grupo de pinheiros que estava mais ou menos a noventa metros da tumba de Chrissy. Escolheu esse lugar não porque esperasse que Grady estivesse ali parado sobre a lápide, choramingando sobre a manga de sua jaqueta de águia, mas sim, porque queria sentir-se ainda pior do que já se sentia... E, não podia pensar em um melhor lugar para isso, que onde a garota ia terminar assim que chegasse a primavera.
Entretanto, e para sua surpresa, não estava sozinha. Por duas razões.
O sedan estacionado bem do outro lado da curva, com uma linha de visão limpa até a tumba, era indubitavelmente do De la Cruz ou um de seus subordinados. Mas também, havia alguém mais.
Mais precisamente era uma força malévola.
Cada instinto symphath que possuía lhe dizia que andasse com cuidado. Pelo que podia distinguir, essa coisa era um lesser com uma injeção de ácido nitroso em seu motor maligno, e em um impetuoso arrebatamento de auto proteção, isolou a si mesma, fundindo-se com a paisagem...
Bom, bom, bom… outra eventualidade para atender.
Do norte, aproximava-se um grupo de homens, dois dos quais eram altos e o outro muito mais baixo. Todos estavam vestidos de negro e sua coloração era tão clara que pareciam noruegueses.
Genial. A menos que houvesse uma nova turma na cidade, uma cheia de valentões viciados no “Por que você vale muito[87]”, e que foram fanáticos da tinta Preference de L´Oréal, essa turma de loirinhos eram assassinos.
O DPC, a Sociedade Lessening, e algo pior, todos brincando de correr ao redor da tumba de Chrissy? Quais eram as possibilidades?
Xhex esperou, observando como os assassinos se separavam e procuravam árvores atrás das quais esconder-se.
Só havia uma explicação: Grady tinha ficado com os lessers. Não era nenhuma surpresa, se levava em conta que faziam o recrutamento entre criminosos, especialmente do tipo violento.
Xhex deixou que passassem os minutos, ruminando a situação, esperando simplesmente o estalo de ação que era inevitável, dado o elenco com que contava este filme. Devia retornar ao clube, mas a merda lá teria que rodar sem ela, porque de maneira nenhuma se iria dali.
Grady tinha que estar a caminho.
Passou um pouco mais de tempo, e soprou mais vento frio e muito nuvens de um azul escuro e um cinza brilhante passaram flutuando por cima da face da lua.
E logo, de um nada, os lessers, se foram.
A presença malévola também se desmaterializou.
Talvez tivessem se rendido, mas não parecia provável. Pelo que sabia dos lessers, tinham muitos defeitos, mas o TDA[88] não era um deles. Isso podia significar uma de duas coisas, ou tinha passado algo mais importante, ou tinham trocado de pla...
Ouviu um sussurro através do chão.
Olhando sobre seu ombro, viu Grady.
Estava se abraçando contra o frio, tinha os braços metidos numa parka negra que ficava grande e arrastava os pés sobre a fina cobertura de neve. Olhava ao redor, procurando entre as tumbas a mais nova, e se continuava, logo encontraria a de Chrissy.
É obvio isso também queria dizer que veria o poli incógnito no carro. Ou, o poli veria ele.
Bem. Tempo de fazer uma jogada.
Assumindo que os assassinos permaneceriam afastados, Xhex podia se encarregar do DPC.
Não perderia esta oportunidade. De nenhuma maldita maneira.
Desligando seu celular, preparou-se para ir trabalhar.
Capítulo 47
— Maldita seja, temos que ir — disse Rehv atrás de sua escrivaninha. Ao finalizar outra chamada para o celular de Xhex, atirou seu telefone novo como se não fosse mais que um pedaço de lixo, algo que evidentemente estava se convertendo em um mau hábito — Não sei onde demônios está, mas temos que ir.
— Voltará — Trez pôs uma trincheira de couro negro e se encaminhou para a porta — E dado o humor que tinha é melhor que esteja ausente em vez de estar aqui. Irei ver o supervisor de turno e direi que me avise caso surja qualquer tipo de problema, logo irei buscar o B.
Quando se foi, iAm voltou a checar as duas H&K que tinha sob os braços com eficiência letal, seus olhos negros tinham uma expressão serena e suas mãos eram firmes. Satisfeito, o macho recolheu uma trincheira de couro cor cinza aço e a pôs.
O fato de que os casacos dos irmãos fossem similares tinha sentido. Trez e iAm gostavam das mesmas coisas. Sempre. Embora não fossem gêmeos de nascimento, vestiam-se de forma similar e sempre iam armados com armas idênticas e conseqüentemente compartilhavam as mesmas idéias, valores e princípios.
Não obstante, havia algo em que eram diferentes. Enquanto iAm permanecia junto à porta, em silêncio e quieto como um Dobermann em serviço - mas sua falta de conversa não significava que não fosse tão mortal como seu irmão, porque os olhos do tipo expressavam toneladas de coisas, apesar de que sua boca permanecesse firmemente atarraxada - a iAm nunca escapava nada.
Incluindo, obviamente, os antibióticos que Rehv tirou de seu bolso e engoliu. Assim como também o fato de que a seguir apareceu uma agulha esterilizada e foi posta em uso.
—Bem — disse o macho, enquanto Rehv voltava a baixar a manga e vestia a jaqueta do terno.
— Bem o que? — iAm simplesmente olhou-o fixamente do outro lado do escritório, com uma expressão de não seja imbecil sabe perfeitamente bem do que estou falando.
Estava acostumado a fazer isso freqüentemente. Falar toneladas com somente um olhar.
— Como é — murmurou Rehv — Não se excite tanto, não é como se tivesse dado volta à página para começar de novo.
Podia estar tratando a infecção de seu braço, mas ainda seguia havendo merda pendurando como franjas podres por todas as arestas de sua vida.
— Está seguro disso?
Rehv revirou os olhos e ficou de pé, deslizando um saco de M&M no bolso de seu casaco.
— Pode me acreditar.
iAm adotou uma expressão de «Ah, sim? E cravou os olhos no casaco de Rehv.
— Derretem-se em sua boca, não em sua mão[89].
— OH, se cale. Olhe, as pílulas devem ser tomadas com a comida. Leva contigo um sanduíche de presunto e queijo em pão de centeio? Eu não.
— Poderia ter feito uns linguini[90] com salsa e sal e ter te trazido. A próxima vez me avise com mais tempo.
Rehv saiu do escritório.
— Poderia deixar de ser tão considerado? Faz me sentir como uma merda.
— Isso é problema seu não meu.
Quando saíam do escritório, iAm falou por seu relógio e Rehv não perdeu nada de seu tempo no trajeto entre a porta lateral do clube e o carro. Quando esteve dentro do B, iAm desapareceu, viajando como uma sombra ondulada sobre o chão, desordenando as páginas de uma revista, fazendo repicar uma lata abandonada e arrepiando a neve solta.
Chegaria antes ao lugar da reunião e abriria o local enquanto Trez conduzia para lá.
Rehv marcou a reunião nesse lugar por dois motivos. Primeiro, era o leahdyre, então o conselho devia ir aonde ele dissesse e sabia que se retorceriam porque considerariam o estabelecimento indigno deles. Isso sempre era um prazer. E, segundo, era uma propriedade que adquiriu como investimento, assim estava em seu território.
Isso sempre era uma necessidade.
O Restaurante Salvatore’s, lar do famoso molho Sal, era totalmente uma instituição italiana em Caldie, e fazia mais de cinqüenta anos que tinha aberto suas portas. Quando o neto do primeiro dono, Sal III, como o conhecia, desenvolveu um horrendo hábito pelo jogo e adquiriu uma dívida de cento e vinte mil dólares com os apostadores de Rehv, deu-se a troca “isso por aquilo”: o neto transferiu a escritura legal do estabelecimento ao Rehv e Rehv não rompeu a bússola à terceira geração.
O que em termos vulgares, significava que o cara se salvava de que lhe destroçassem os cotovelos e os joelhos até ao ponto de necessitar uma substituição de articulações.
OH, e a receita secreta do molho Sal tinha vindo com o restaurante… requerimento acrescentado por iAm: durante as negociações que tinham durado tanto como um minuto e meio, a Sombra tinha elevado a voz para dizer: sem molho, não há trato. E logo tinha exigido prová-la para assegurar-se de que a receita fosse a correta.
Desde que se produziu essa feliz transação, o mouro esteve administrando o lugar, e quem o teria dito? Estava dando lucros. Mas, bem isso era o que ocorria quando não empregava cada centavo disponível para dilapidá-lo em seleções de futebol ruins. No restaurante o tráfico estava em alta, a qualidade da comida voltava a ser a de antes, e o lugar estava recebendo uma cirurgia estética fodidamente importante que se traduzia em novas mesas, cadeiras, toalhas, tapetes e candelabros.
Todos os quais eram réplicas exatas do que houvera antes.
Não se fodia com a tradição, como costumava dizer iAm.
A única mudança interior era uma que ninguém podia ver: uma malha de aço tinha sido aplicada a cada centímetro quadrado de paredes e tetos e todas as portas exceto uma tinham sido reforçadas com a mesma merda.
Ninguém poderia desmaterializar para dentro ou para fora sem que a direção estivesse inteirada ou tivesse aprovado.
Para falar a verdade, o dono do lugar era Rehv, mas era o bebê de iAm, e o mouro tinha razão ao estar orgulhoso de seus esforços. Até os goombahs[91] italianos da velha escola apreciavam a comida que cozinhava.
Quinze minutos mais tarde, o Bentley se deteve sob o abrigo para carros do único piso em expansão da extensão de tijolo à vista que era sua marca registrada. No edifício as luzes estavam apagadas, inclusive as que iluminavam o nome de Sal, embora o estacionamento deserto estivesse iluminado com o brilho alaranjado de abajures a gás antigos.
Trez aguardou na escuridão com o motor ligado e as portas do carro à prova de balas trancadas, enquanto evidentemente se comunicava com seu irmão da forma em que faziam as Sombras. Após um momento fez um gesto afirmativo com a cabeça e desligou o motor.
— Está limpo — saiu e deu a volta no Bentley para abrir a porta traseira ao Rehv, enquanto este agarrava sua bengala e deslizava seu corpo intumescido pelo assento de couro para sair. Durante o tempo que demoraram em cruzar o pavimento e abrir a pesada porta negra, a arma do mouro esteve desencapada e sobre sua coxa.
Entrar no Sal era como atravessar o Mar Vermelho. Literalmente.
Frank Sinatra lhes deu a bem-vinda, seu tema «Wives and Lovers» fluía dos alto-falantes embutidos no teto de veludo vermelho. Sob seus pés o tapete vermelho foi substituído recentemente e brilhava com o mesmo brilho e a mesma intensidade que o sangue humano recém derramado. As paredes circundantes eram vermelhas com um desenho de folhas e pétalas e a iluminação era como a de uma sala de cinema, quer dizer que em sua maior parte estava ao nível do chão. Durante o horário de trabalho, a tribuna da anfitriã e o lugar onde deixavam os casacos eram atendidos por vistosas mulheres de cabelos escuros com vestidos curtos e meias vermelhas, e todos os garçons usavam ternos negros com gravatas vermelhas.
A um lado, havia uma fileira de telefones públicos dos anos cinqüenta e duas máquinas vendedoras de cigarros da época do Kojak, e como sempre, o lugar cheirava a orégano, alho e boa comida. No fundo, também persistia um aroma de cigarros e charutos… ainda que a lei estabelecesse que não podia fumar neste tipo de estabelecimento, no ambiente de trás, onde estavam as mesas reservadas e se realizavam os jogos de pôquer, a administração permitia fazê-lo.
Rehv sempre esteve um pouquinho de saco cheio com respeito a ter tanto vermelho o rodeando, mas sabia que enquanto pudesse olhar por volta dos dois salões de refeições e ver que as toalhas das mesas eram brancas e que as cadeiras de couro tinham a profundidade adequada, estava bem.
— A Irmandade já está aqui — disse Trez enquanto se dirigiam para a suíte privada onde seria a reunião.
Quando entraram na sala, não se ouviam conversas, nem risadas, sequer um pigarro entre os machos que enchiam o espaço. Os Irmãos estavam alinhados ombro a ombro diante de Wrath, que estava parado frente à única porta que não estava reforçada com aço… para que pudesse desmaterializar-se livremente e imediatamente em caso de ser necessário.
— Boa noite — disse Rehv, optando pela cabeceira da mesa longa e estreita que tinha sido disposta com vinte cadeiras.
Houve uma linguagem obscura e incompreensível de “olá como está”, mas o hermético grupo de guerreiros parecia uma linha de defesa de futebol americano, enfocados exclusivamente na porta de entrada que Rehv acabava de atravessar.
Sim, se fodia com seu amigo Wrath o fariam conhecer seu possível futuro… metendo isso pelo seu traseiro.
E quem o julgaria? Aparentemente tinham adquirido um mascote. Um pouco mais afastado, para a esquerda, havia um tipo que parecia uma brilhante estatueta do Oscar, com a testa alta e usando umas calças camufladas, seu cabelo loiro e moreno o fazia parecer um heavy dos anos oitenta em busca de uma banda que o respaldasse. Contudo, o aspecto de Lassiter, o anjo caído, não era menos feroz que dos Irmãos. Talvez fosse devido a seus piercings. Ou, por que seus olhos eram completamente brancos. A merda com isso, o motivo verdadeiro era que as vibrações que emitia o tipo eram realmente intensas.
Interessante. Dada a forma em que fixava seu olhar penetrante na porta, igual aos outros, se diria que Wrath estava na lista de proteção às espécies desse anjo.
iAm entrou pela parte traseira, com a arma em uma mão e uma bandeja com cappuccinos na outra.
Vários Irmãos aceitaram o que lhes oferecia, embora todos esses copos delicados fossem se converter em goma de mascar para os tacos de seus shitkickers se tivessem que brigar.
— Obrigado, amigo — Rehv também aceitou um dos cappuccinos — Cannoli[92]?
— Estão vindo.
As instruções para ir à reunião foram claramente indicadas de antemão. Os membros do conselho deviam chegar pela parte dianteira do restaurante. Se algum sequer tocava o trinco de outra porta, assumiria o risco de que lhe disparassem. iAm lhes permitiria a entrada e os escoltaria para outra sala. A partida, também seria pela porta dianteira, e lhes proporcionaria um guarda para que pudessem desmaterializar-se a salvo. Ostensivamente, as medidas de segurança se deviam a que Rehv estava “preocupado devido aos lessers”. O verdadeiro motivo era proteger Wrath.
iAm entrou com os cannoli .
Comeram os cannoli.
Trouxeram mais cappuccinos.
Frank cantou “Fly me to the Moon”. Em seguida veio essa canção que falava do bar que estava fechando e que ele necessitava outra para o caminho.
E, logo aquela que se referia a três moedas em uma fonte. E ao fato que estivesse apaixonado por alguém.
Junto ao Wrath, Rhage trocou o peso imponente de seu corpo de uma shitkicker a outra, e sua jaqueta de couro chiou. A seu lado, o rei fez rodar seus ombros, e um deles rangeu. Butch fez soar seus nódulos. V acendeu um cigarro. Phury e Z olharam um ao outro.
Rehv jogou uma olhada a iAm e a Trez que estavam na entrada. Voltou a olhar para o Wrath.
— Surpresa, surpresa.
Fazendo uso de sua bengala, ficou de pé e deu uma volta ao redor da sala, e seu lado symphath sentiu respeito pela tática ofensiva dos outros membros do conselho ao organizar esta ausência inesperada. Nunca teria pensado que tinham culhões suficiente para…
Da porta dianteira do restaurante lhes chegou um bing-bong.
Enquanto Rehv girava a cabeça, ouviu o suave deslizar metálico ao serem retiradas as travas das armas que os Irmãos tinham nas mãos.
Do outro lado da rua, frente aos portões fechados do Cemitério de Pine Grove, Lash caminhou para um Honda Civic que estava estacionado nas sombras. Quando pôs a mão sobre o capô, sentiu-o quente, e não teve que rodeá-lo ao assento do condutor para saber que a janela tinha sido quebrada. Este era o carro que Grady utilizou para ir até a tumba de sua falecida ex.
Quando ouviu o som de botas que se aproximavam pelo asfalto, agarrou a arma que levava no bolso superior.
Enquanto se aproximava, o senhor D não deixava de tocar seu chapéu de cowboy.
— Por que nos fez abandonar…?
Com toda calma Lash elevou a arma nivelando-a a altura da cabeça do lesser.
— Me dê agora um motivo para que não te abra um buraco nesse puto cérebro que tem.
Os assassinos que estavam dos lados do senhor D deram um passo atrás. Muito atrás.
— Porque descobri que tinha fugido — disse o senhor D com seu sotaque texano — Por isso. Estes dois não tinham nem a menor idéia de onde tinha ido.
— Você estava no comando. Você o perdeu.
O senhor D tinha o olhar sereno.
— Estava contando todo seu dinheiro. Quer que outra pessoa faça essa tarefa? Não acredito.
Merda, bom ponto. Lash baixou a arma e olhou os outros dois. Diferente do senhor D que estava firme como uma rocha, os outros estavam muito agitados. O que indicava precisamente quem tinha perdido sua propriedade.
— Quanto dinheiro entrou? — perguntou Lash, com a vista ainda cravada em seus homens.
— Muito. Está tudo ali no Escort.
— Bem, o que lhes parece? Meu humor está melhorando — murmurou Lash, guardando sua arma — Quanto a por que ordenei detê-los, Grady está a ponto de ser preso com minhas fodidas felicitações. Quero que seja a noiva de alguém algumas vezes e que desfrute da vida atrás das grades antes que o mate.
— Mas e o que me diz de…?
— Temos os meios para contatar com os outros dois distribuidores e podemos vender o produto por nossa conta. Não o necessitamos.
O som de um carro aproximando-se dos portões de ferro de dentro do cemitério fez que todos girassem a cabeça para a direita. Era o carro que esteve estacionado do outro lado da curva junto a essa nova tumba e quando o PDM se deteve, de seu cano de escapamento se elevou o vapor, emitindo bufos como se o motor estivesse soltando peidos. Desceu um cara muito desarrumado de cabelo escuro. Depois de abrir a corrente, aplicou toda sua energia a empurrar um lado dos portões, logo os atravessou com o carro, voltou a descer do mesmo e fechou o lugar outra vez.
No carro não havia ninguém mais.
Dobrou à esquerda, e as luzes vermelhas foram se desvanecendo enquanto se afastava.
Lash jogou uma olhada ao Civic que era a única outra forma que tinha Grady de sair dali.
Que porra tinha se passado? O policial deveria ter visto Grady, porque esteve caminhando diretamente para seu carro…
Lash se enrijeceu e logo girou rapidamente sobre sua bota, moendo, com a grosa sola, o sal que tinha sido derramado sobre o caminho.
Havia algo mais no cemitério. Algo que nesse momento tinha decidido revelar a si mesmo.
Algo que se percebia exatamente igual ao symphath do norte do Estado.
E, esse era o motivo de que o policial se foi. Tinham-no impulsionado mentalmente a fazê-lo.
— Retorna à choça com o dinheiro — disse ao senhor D — Te verei ali.
— Sim senhor. Em seguida.
Lash não prestou muita atenção à resposta. Estava muito interessado em inteirar-se de que merda estava passando ao redor da tumba da garota morta prematuramente.
Capítulo 48
Xhex se alegrava que a mente humana fosse como argila: não levou muito tempo obter que o cérebro de José Da Cruz registrasse a ordem que lhe deu, e assim que o fez, pôs seu copo de café frio no porta copos e arrancou com o carro.
Do outro lado, entre as árvores, Grady parou sua marcha de zumbi, tinha aspecto de estar fodidamente horrorizado ao ver que havia um sedan ali. Entretanto, ela não se preocupou de que o tipo pudesse acovardar-se. A dor pela perda, o desespero e o remorso enchiam o ar que o rodeava e essa rede logo lhe faria avançar para a tumba recente, com maior resolução que qualquer pensamento que ela pudesse implantar no lóbulo frontal do filho da puta.
Xhex esperou enquanto ele esperava… e efetivamente, assim que Da Cruz se foi, essas botas fabricadas para caminhar voltaram para o jogo, levando Grady bem onde ela o desejava.
Quando ele chegou à lápide de granito, um som afogado escapou de sua boca e foi o primeiro soluço de muitos que seguiram. Como uma bichinha começou a soluçar, e seu fôlego se congelava formando nuvens brancas enquanto se agachava sobre o lugar onde a mulher que tinha assassinado passaria o próximo século decompondo-se.
Se gostava tanto da Chrissy, por que não pensou nisso antes de liquidá-la?
Xhex saiu de atrás do carvalho e deixou que seu mascaramento evaporasse, revelando a si mesma na paisagem. Enquanto se aproximava do assassino de Chrissy, levou a mão para a parte baixa de suas costas e desencapou a faca de aço inoxidável que elegantemente estava embainhada ao longo de sua espinha dorsal. A arma era longa como seu antebraço.
— Olá, Grady — disse.
Grady girou de repente como se tivessem metido um cartucho de dinamite no traseiro e ele tivesse a esperança de apagar o pavio na neve.
Xhex manteve a lâmina atrás de sua coxa.
— Como está?
— O que…?
Buscou com o olhar suas duas mãos. Quando só viu uma, retrocedeu como um caranguejo, sobre mãos e pés, arrastando a bunda pelo chão.
Xhex o seguiu, procurando manter uma distância de um metro entre eles. A julgar pela forma que Grady insistia em olhar por cima do ombro, diria que estava se preparando para virar e sair correndo, e ela se manteria calma até que ele…
Bingo.
Grady se balançou para a esquerda, mas ela caiu sobre ele, agarrando-o pelo pulso, permitiu que o impulso que adquiriu o levasse para frente até que seu agarre o freou completamente. Terminou de barriga para baixo com a arma dobrada atrás de suas costas e rendido a sua misericórdia. E, é obvio que ela tinha nascido com uma carência absoluta de misericórdia. Com uma rápida navalhada, fez um corte em seu tríceps, atravessando à grossa parka[93] e a pele fina e suave.
Fez isso só para distraí-lo, e funcionou. Grady uivou com dor e apressou-se a cobrir a ferida.
Isso deu a ela tempo de sobra para agarrar a bota esquerda dele e torcer até que ele não se importou mais com o que estava ocorrendo no braço. Gritou e tratou de aliviar a pressão dando a volta, mas ela plantou um joelho na parta baixa de suas costas e manteve-o no lugar enquanto quebrava seu tornozelo com uma torção. Desmontou-se rapidamente e com outro corte incapacitou sua outra perna fatiando os tendões de sua coxa.
Isso cortou as choramingações pela metade.
Quando Grady entrou em pânico, perdeu o fôlego e se acalmou… até que ela começou a arrastá-lo para a tumba. Ele lutou por todo o caminho da mesma maneira que gritava, mas fez mais ruído que efeito. Uma vez que esteve onde o queria, cortou os tendões do outro braço para que por mais que se esforçasse em mover as mãos, não pudesse. Então, virou-o para que tivesse uma boa vista do céu e puxou sua parka para cima.
Agarrou seu cinturão ao mesmo tempo em que mostrava a faca.
Os homens eram graciosos. Sem importar quanto descontrolados estivessem, era só aproximar algo comprido, afiado e brilhante a seu cérebro primário, e obteria fogos de artifício.
— Não…!
— Oh, sim — aproximou a faca a seu rosto— Claro que sim.
Ele lutou decididamente, apesar das feridas ocasionadas para inibi-lo, e ela se deteve para desfrutar do espetáculo.
— Antes que te deixe, estará morto — disse enquanto ele se sacudia por toda parte — Mas, antes de ir, você e eu vamos passar um bom momento juntos. Não muito, sabe? Tenho que voltar para o trabalho. Menos mal que sou rápida.
Pôs a bota sobre seu peito para imobilizá-lo, abriu o botão e o zíper da braguilha, e baixou-lhe as calças.
— Quanto tempo levou para matá-la, Grady? Quanto?
Absolutamente aterrorizado, gemeu e retorceu-se. Seu sangue manchou a neve branca de vermelho.
— Quanto tempo, filho da puta? — Fez um corte ao longo da cintura de sua cueca Empório Armani — Quanto tempo sofreu?
Um momento depois, Grady gritou tão forte, que o som sequer foi humano; parecia mais ao estridente som de um corvo negro.
Xhex fez uma pausa e desviou o olhar em direção à estátua da mulher com túnica que havia passado tanto tempo olhando durante o serviço de Chrissy. Por um momento, pareceu que o rosto de pedra tinha mudado de posição, como se a formosa fêmea já não estivesse olhando Deus, e sim a Xhex.
Mas isso não era possível, ou era?
Enquanto Wrath permanecia atrás da parede de Irmãos, seus ouvidos captaram o som distante da porta dianteira de Sal abrindo e fechando, isolando o sutil giro das dobradiças entre os Scooby–dooby–doos de Sinatra. O que fosse que estivessem esperando, acabava de chegar, e, tanto seu corpo, como seus sentidos e coração desaceleraram, como se estivessem aproximando de uma curva fechada e se preparassem para tomá-la a toda potência.
Moveu os olhos para poder enfocá-los melhor, a sala vermelha, a mesa branca e as nucas das cabeças de seus irmãos se fizeram um pouco mais claras enquanto iAm voltava a aparecer na arcada.
Um macho extremamente bem vestido o acompanhava.
Bem, esse cara tinha “glymera” estampado por todo seu elegante traseiro. Com um ondulado cabelo loiro penteado para o lado, tinha um estilo tipo “O Grande Gatsby” [94], seu rosto estava tão perfeitamente proporcionado e equilibrado que era francamente formoso. Seu casaco de lã negra estava confeccionado para ajustar-se ao seu magro corpo, e na mão levava uma fina maleta com documentos.
Wrath nunca o tinha visto antes, mas parecia jovem para a situação que acabava de encontrar. Muito jovem.
Não era nada mais que um cordeiro para o sacrifício muito caro e com muito estilo.
Rehvenge caminhou a passos largos para o menino, o symphath sustentava sua bengala como se fosse desencapar uma espada que havia nela, caso Gatsby se atrevesse sequer a respirar fundo.
— Será melhor que comece a falar. Já.
Wrath se adiantou, metendo-se entre Rhage e Z, nenhum dos dois ficou muito contente com a mudança de posições. Um rápido gesto de mão evitou que tratassem de manobrar para ficar frente a ele.
— Como se chama filho?
A última coisa de que precisavam era um cadáver, e com o Rehv nunca podia dar nada por certo.
O cordeiro Gatsby fez uma sóbria reverência e logo se endireitou. Quando falou, fez com uma voz que surpreendentemente era profunda e segura, considerando a quantidade de carregadores automáticos que tinha apontados a seu peito.
— Sou Saxton, filho de Tyhm.
— Vi seu nome com antecedência. Prepara relatórios a respeito de linhas sucessórias?
— Sim.
Assim que o Conselho realmente estava descendo pela linha sucessória, não? Sequer enviavam o filho de um membro do Conselho.
— Quem o enviou, Saxton?
— O substituto de um homem morto.
Wrath não tinha idéia de como a glymera soube da morte de Montrag e não lhe importava. Contanto que a mensagem chegasse à outra pessoa envolvida no complô, isso era tudo o que importava.
— Por que não nos diz seu parecer?
O macho deixou a maleta sobre a mesa e soltou o clipe dourado. No instante em que o fez, Rehv liberou sua espada vermelha e pôs a ponta exatamente sobre uma garganta pálida. Saxton congelou-se e olhou a seu redor sem mover a cabeça.
— Seria melhor que se movesse devagar, filho — murmurou Wrath — Há muitos tipos de gatilho fácil nesta sala, e esta noite é o alvo favorito de todos eles.
As palavras pronunciadas por essa voz estranhamente profunda e serena foram comedidas:
— É por isso que lhe disse que devíamos fazer isto.
— Fazer o que? — disse Rhage, sempre impetuoso… apesar da espada de Rehv, Hollywood estava preparado para saltar sobre Gatsby saindo ou não algum tipo de arma de entre essas dobras de couro.
Saxton olhou ao Rhage, e em seguida voltou a enfocar-se em Wrath.
— No dia seguinte do assassinato do Montrag…
— Interessante escolha de palavras — disse Wrath arrastando as palavras, e se perguntando o quanto saberia exatamente este tipo.
— É obvio que foi um assassinato. Quando acaba morto, geralmente conserva os olhos dentro de seu crânio.
Rehv sorriu, revelando um par de adagas bucais idênticas.
— Isso depende de seu assassino.
— Continua — incitou Wrath— E Rehv, se não se importa, afrouxa um pouco com esse teu fio.
O symphath retrocedeu um pouco, mas não embainhou sua arma, e Saxton o olhou de esguelha antes de continuar.
— À noite em que Montrag foi assassinado, isto foi entregue a meu chefe — Saxton abriu a maleta de documentos e tirou um envelope de seda — Era do Montrag.
Pôs a coisa de barriga para baixo sobre a mesa para mostrar que o selo de cera não tinha sido quebrado e se afastou.
Wrath olhou o envelope.
— V, poderia fazer as honras?
V se adiantou e levantou o envelope com sua mão enluvada. Ouviu-se papel que se rasgava e em seguida mais papel deslizando fora do envelope.
Silêncio.
V guardou novamente os documentos, colocou o envelope na cintura de suas calças, na parte baixa de suas costas, e olhou fixamente ao Gatsby.
— Supõe-se que devemos acreditar que você não o leu?
— Não o fiz. Meu chefe tampouco. Ninguém o fez desde que a seqüência de fatos da custódia caiu sobre meu chefe e sobre mim.
— Seqüência de fatos de custódia? É advogado, ou só um assistente jurídico?
— Estou estudando para ser advogado na Antiga Lei.
V se inclinou para frente e despiu as presas.
— Está seguro de que não leu isto, verdade?
Saxton devolveu o olhar ao Irmão como se repentinamente estivesse fascinado com as tatuagens da têmpora de V. após um momento, sacudiu a cabeça e falou com esse tom baixo de voz que tinha.
— Não estou interessado em me unir à lista de pessoas que foi encontrada morta e sem olhos sobre seus tapetes. Tampouco meu chefe. O selo que tinha esse documento foi posto pelas mãos de Montrag. O que tenha dentro não foi lido desde que ele deixou que essa cera quente gotejasse em cima do envelope.
— Como sabe que foi Montrag o que o lacrou?
— A que está na frente é sua letra, sei por que vi muitas notas suas em documentos. Além disso, seu doggen pessoal trouxe a pedido dele.
Enquanto Saxton falava, Wrath estudava cuidadosamente as emoções do macho, aspirando com seu nariz. Não havia engano. Tinha a consciência limpa. O tipo se sentia atraído por V, mas, além disso? Não havia nada. Nem sequer medo. Era precavido, mas estava tranqüilo.
— Se está mentindo — disse V brandamente — Nos inteiraremos e iremos te buscar.
— Não duvido disso nem por um instante.
— O que lhes parece? O advogado é inteligente.
Vishous ocupou novamente seu lugar na fila, e sua mão retornou à culatra de sua arma.
Wrath desejava saber o que havia no envelope, mas se dava conta que o que houvesse aí dentro não devia ser adequado para ver em tão variada companhia.
— Então, onde estão seu chefe e seus amigos, Saxton?
— Nenhum deles virá — Saxton olhou as cadeiras vazias — Todos estão aterrorizados. Depois do que aconteceu ao Montrag, encerraram-se em suas casas e permanecerão ali.
Bem. Pensou Wrath. Com a glymera fazendo honra a seu talento de ser covarde, tinha uma coisa menos de que preocupar-se.
— Obrigado por vir, filho.
Saxton tomou a dispensa exatamente pelo que era, voltando a fechar sua maleta, fez outra reverência, e girou para ir.
— Filho?
Saxton se deteve e se voltou.
— Meu senhor?
— Teve que convencer a seu chefe para que decidisse fazer isto, verdade? — Um discreto silêncio foi a resposta — Então é um bom assessor, e acredito em você… pelo que você sabe, nem você nem seu empregador inspecionaram o envelope para ver o que for que tenha dentro. Entretanto, a bom entendedor poucas palavras bastam. Se fosse você buscaria outro trabalho. As coisas ficarão piores antes de melhorar, e o desespero faz com que até as pessoas mais honoráveis se voltem uma merda. Já o enviaram à boca do leão uma vez. Voltarão a fazê-lo.
Saxton sorriu.
— Se alguma vez necessitar um advogado pessoal, me avise. Depois de todo o treinamento em fideicomissos, patrimônios e linhas sucessórias que tive este verão, tenho intenção de começar a trabalhar por conta própria.
Fez outra reverência e logo partiu acompanhado de iAm, com a cabeça alta e o passo firme.
— O que tem ali, V? — perguntou Wrath em voz baixa.
— Nada bom, meu senhor, nada bom.
A visão do Wrath escureceu, voltando para seu estado normal de inutilidade desfocada, e a última coisa que viu claramente antes que ocorresse, foi como V cravava seus olhos diamantinos em Rehvenge.
Capítulo 49
Quando o carro incógnito da polícia deixou o cemitério de Pine Grove, Lash se concentrou completamente na presença symphath que acabava de se revelar dentro das portas.
— Percam-se — disse a seus homens.
Quando se desmaterializaram, empreendeu o caminho de volta para a tumba da garota morta que estava na esquina posterior da…
O grito parecia vir de uma ópera desafinada, de uma soprano que perdera o controle de sua voz, e o tom havia voado alto deixando de ser canto para converter-se em chiado. Quando Lash reassumiu sua forma, ficou de saco cheio porque acabava de perder a diversão e os jogos… porque isso devia ter sido digno de ser visto.
Grady estava estendido de costas com as calças abaixadas, sangrando por várias partes, mas especialmente por um corte recente que atravessava seu esôfago. Estava vivo como uma mosca no batente de uma janela quente, tinha os braços e as pernas retorcidos e os fazia girar lentamente.
Sua assassina deixava a posição escondida e erguia-se: era essa cadela mariamacho do ZeroSum. E, em contraposição à mosca moribunda, que era alheia a tudo salvo a sua própria morte, ela soube o momento exato em que Lash entrou em cena. Deu a volta rapidamente adquirindo uma posição de luta, com uma expressão concentrada no rosto, agarrou firmemente a faca que gotejava, e afirmou as coxas preparando para que pudesse impulsionar seu duro corpo para diante.
Era fodidamente sexy. Especialmente quando franziu o cenho ao reconhecê-lo.
— Acreditei que estivesse morto — disse — E também acreditei que fosse vampiro.
Ele sorriu.
— Surpresa. E você também esteve ocultando um segredo, verdade?
— Não. Nunca me caiu bem, e isso não mudou.
Lash sacudiu a cabeça e olhou seu corpo descaradamente.
— Fica realmente bem vestida de couro, sabia?
— E você estaria melhor com um espartilho engomado.
Ele riu.
— Esse foi um golpe baixo.
— Assim como meu oponente. Imagino.
Lash sorriu e, com algumas vívidas imagens, fez crescer sua atração até obter uma ereção completa porque sabia que ela perceberia. Imaginou-a ajoelhada frente a ele, com seu pênis na boca, enquanto sustentava sua cabeça com as mãos e fodia sua boca até que ela tivesse ânsias.
Xhex pôs os olhos em branco.
— Pornografia. Barata.
— Não. Sexo. Futuro.
— Sinto muito, não estou interessada em Justin Timberlake. Nem em Rum Jeremy[95].
— Já veremos — Lash assinalou com a cabeça ao humano, cujas contorções minguaram como se estivesse congelando com o frio — Temo que me deva algo.
— Se te refere a uma ferida de faca, já me ponho a fazê-la.
— Isso — disse apontando Grady — Era meu.
— Deveria elevar suas normas. Isso — disse imitando sua postura — é merda de cão.
— A merda é um bom fertilizante.
— Então deixa que se espalhe sob uma roseira, e veremos que tal o faz.
Grady deixou escapar um gemido e ambos o olharam. O bastardo estava na etapa final da morte, seu rosto tinha a mesma cor da terra congelada que havia ao redor de sua cabeça, o sangue que fluía de suas feridas diminuindo.
Repentinamente, Lash deu-se conta do que lhe tinham metido na boca e olhou a Xhex.
— Caralho… poderia me interessar seriamente em uma mulher como você, comedora de pecados.
Xhex passou a folha de sua arma ao longo da borda escarpada da lápide, o sangue de Grady se transferiu do metal à pedra como se fosse a marca de uma vingança.
— Tem guelra, lesser, considerando o que lhe fiz. Ou, não quer conservar teu par?
— Sou diferente.
— Menor que ele? Cristo, que decepção. Agora, se me desculpar, estou indo.
Levantou a faca e o saudou, antes de desaparecer.
Lash ficou olhando o ar onde ela esteve, até que Grady gorjeou fracamente como uma drenagem com o último atoleiro de água da banheira.
— Viu-a? — perguntou Lash ao idiota — Que fêmea. Definitivamente a saborearei.
O último fôlego de Grady saiu do buraco de sua garganta, porque não tinha outro lugar por onde sair, já que sua boca estava ocupada fazendo uma mamada a si mesmo.
Lash plantou as mãos nos quadris e olhou o corpo que ia se esfriando.
Xhex… devia assegurar-se de que seus caminhos voltassem a cruzar. E tinha esperanças de que tentasse dizer aos Irmãos que o vira: um inimigo alterado era melhor que um composto. Sabia que a Irmandade se perguntaria como demônios o Omega fizera para converter um vampiro em lesser, mas isso era só uma pequena parte da história.
Ele seguia sendo o que apresentaria o final da piada.
Enquanto Lash ia passeando lentamente pela noite fria, acomodou-se dentro de suas calças e decidiu que precisava ter sexo. Deus sabia que desejava.
Ao tempo em que iAm fechava a porta dianteira de Sal, Rehvenge embainhava sua espada vermelha e observava Vishous. O Irmão o olhava fixamente de má maneira.
— Então, o que havia aí dentro?
— Você.
— Montrag tratou de fazer parecer que era eu o responsável pelo complô para matar Wrath? — não é que importasse que o tivesse feito. Rehv já tinha demonstrado de que lado estava ao fazer que passassem a faca ao filho de puta.
Vishous sacudiu a cabeça lentamente, em seguida observou como iAm se unia a seu irmão.
Rehv falou causticamente:
— Não há nada que não saibam a respeito de mim.
— Bom, então, aqui tem comedor de pecados — V atirou o envelope a mesa — Aparentemente, Montrag sabia o que era. E, indubitavelmente esse foi o motivo pelo qual foi a você para tentar matar Wrath. Se divulgasse o que era, ninguém acreditaria que não tinha sido tua idéia e só tua.
Rehv franziu o cenho e tirou o que parecia uma declaração jurada que narrava como foi assassinado seu padrasto. O que. Merda? O pai do Montrag esteve na casa depois do assassinato; isso Rehv sabia. Porém, que o tipo tivesse feito que o hellren de sua mãe não só falasse, mas também atestasse? E que então, não houvesse feito nada com a informação?
Rehv reviveu o que tinha passado um par de dias atrás, nessa reunião no estúdio de Montrag… e o alegre comentário do tipo a respeito de que sabia que tipo de macho era Rehv.
Sabia, bem, e não só o que referia ao tráfico de drogas.
Rehv voltou a guardar o documento no envelope. Merda, se isto saía à luz a promessa que fizera à sua mãe voaria em pedaços.
—Então, o que diz exatamente aí dentro? — perguntou um dos Irmãos.
Rehv colocou o envelope dentro de seu casaco de marta zibelina.
— Uma declaração jurada assinada por meu padrasto exatamente antes de morrer me denunciando como symphath. É original, a julgar pela assinatura que figura ao final e que está feita com sangue. Mas, o quanto estão dispostos a apostar que Montrag não envio sua única cópia?
— Talvez seja falsa — murmurou Wrath.
Improvável, pensou Rehv. Muitos dos detalhes acerca do que ocorreu essa noite eram corretos.
Repentinamente, retornou ao passado, na noite em que fizera essa proeza. Tinham tido que levar sua mãe à clínica do Havers porque teve um de seus inúmeros “acidentes”. Quando foi evidente que a deixariam em observação durante o dia, Bella ficou com ela, e Rehv tinha tomado uma decisão.
Tinha retornado a casa, reunido aos doggens nas dependências de serviço, e enfrentado o pesar coletivo de todos aqueles que serviam à sua família. Podia recordar muito claramente ter olhado aos machos e às fêmeas da casa e haver enfrentando um a um os olhares de todos eles. Muitos tinham chegado ao lar graças a seu padrasto, mas permaneceram por sua mãe. E estavam esperando que ele fizesse algo para deter o que esteve ocorrendo durante muito tempo.
Disse que saíssem da mansão por uma hora.
Ninguém havia manifestado desacordo, e cada um deles o abraçou ao sair. Todos sabiam o que faria, e também era sua vontade.
Rehv ali ficou até que o último doggen se foi, e em seguida havia ido ao estúdio de seu padrasto e encontrado ao macho examinando documentos em seu escritório. Em sua fúria, Rehv se encarregou do macho à antiga, devolvendo golpe por golpe, igualando a dor infligida à sua mãe antes de conduzir ao filho da puta a sua real e imerecida recompensa.
Quando soou a campainha na porta dianteira, Rehv tinha assumido que fosse o pessoal que retornava, e o estavam avisando para que pudessem declarar sem faltar à verdade que não tinham visto o assassino em ação. Necessitando aplicar-lhe um último “foda-se”, tinha lhe dado um murro quebrando o crânio de seu padrasto com tanta força que do golpe a espinha dorsal do bastardo mal-tratador de shellan saiu do lugar.
Movendo-se rápido, Rehv tinha se afastado do corpo, aberto a porta principal com sua vontade e saído pelas portas–balcão que estavam no fundo. Que os doggen encontrassem o corpo ao chegar a casa, era perfeito, já que a subespécie era dócil por natureza e nunca se veria implicada em um ato de violência. Além disso, a essa altura seu lado symphath estava rugindo, e precisava recuperar o controle de si mesmo.
E, naqueles dias isso não implicava dopamina. Tinha que usar a dor para domar ao comedor de pecados que havia nele.
Tudo tinha parecido encaixar em seu lugar… até que se inteirou na clínica que o pai do Montrag tinha encontrado o corpo. Não obstante, resultou que não havia nada do que preocupar-se. Pelo que havia dito o macho naquele momento, Rehm tinha entrado, deparou-se com a cena, e tinha chamado Havers. Quando o doutor chegou, o pessoal tinha chegado, e declarado que a ausência do grupo se devia a que era o solstício do verão e tinham estado fora se preparando para as cerimônias que celebrariam essa semana.
O pai do Montrag tinha representado bem seu papel, igual seu filho. Qualquer alteração emocional que Rehv tivesse captado fosse naquele tempo ou durante a reunião que tivera fazia poucos dias, as teria atribuído a recente morte ou ao assassinato, os quais ambos estiveram presentes na missiva.
Deus! Resultava claro, muito claro, o que esteve perseguindo Montrag ao fazer acertos com Rehv para o assassinato de Wrath. Depois que a façanha ocorresse, estaria preparado para aparecer com a declaração jurada que exporia Rehv como assassino e como symphath e dessa forma quando fosse deportado, assumiria o poder não só do Conselho, mas também da raça inteira.
Genial.
Que pena que não tivesse funcionado conforme o planejado. Fazia que lhe enchesse os fodidos olhos de lágrimas, verdade?
— Sim, deve haver mais declarações juradas — murmurou Rehv — Ninguém faria circular sua única cópia.
— Valeria a pena fazer uma visita a essa casa — disse Wrath — Se os herdeiros do Montrag se apoderam de algo assim, todos estaremos em problemas, entendem-me?
— Morreu sem descendência, mas sim, em algum lugar fica algo de sua linhagem. E, vou me assegurar de que não se inteirem disto.
De nenhuma maldita maneira o obrigariam a romper o juramento feito a sua mãe.
Isso jamais ocorreria.