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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMANTE VINGADO
AMANTE VINGADO

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo 30


John disse ao Qhuinn e ao Blay que ficaria em seu quarto o resto da noite, e quando esteve seguro de que engoliram a mentira, escapuliu para o exterior através dos quartos do pessoal da casa, e se dirigiu diretamente ao ZeroSum.
Tinha que se mover rápido, porque certo como a merda que um dos dois iria vê-lo e então formariam uma condenada busca.
Evitando a entrada principal do clube, rodeou-o e foi ao beco onde uma vez viu como Xhex rompia a cabeça de um imbecil que tinha uma boca grande e um punhado de coca. Encontrando a câmera de segurança que havia em cima da saída lateral, John levantou a cabeça e olhou para a lente.
Quando a porta se abriu, não teve nem que olhar para saber que era ela.
— Quer entrar? — disse.
Ele sacudiu a cabeça, e dessa vez não o preocupou a barreira da comunicação. Merda, não sabia o que dizer. Não sabia por que estava ali. Só sabia que tinha que ir.
Xhex saiu do clube e apoiou as costas contra a porta, cruzando uma bota com ponta de aço sobre a outra.
— Contou a alguém?
Ele a olhou nos olhos serenamente e sacudiu a cabeça.
— Vai fazê-lo?
Voltou a sacudir a cabeça.
Com um tom suave, um que nunca escutou dela nem esperou, sussurrou-lhe:
— Por quê?
Ele simplesmente se encolheu de ombros. Francamente, surpreendia-o que não tivesse tratado de tirar suas lembranças. Era mais certo. Mais limpo...
— Deveria ter tirado suas lembranças. — disse, fazendo com que se perguntasse se estava lendo sua mente — A noite passada estava fodida da cabeça, e foi tão rápido que não o fiz. Naturalmente, agora seria um longo passo, assim...
Deu-se conta que era por isso que tinha vindo. Queria assegurar que se manteria calado.
A partida de Thor fortalecera a decisão. Quando John foi falar com o Irmão e confrontou que o macho tinha desaparecido de novo, sem dizer nenhuma palavra outra vez, algo mudou em seu interior, como uma rocha sendo transladada de um lado a outro dentro de seu jardim, uma mudança permanente na paisagem.
John estava sozinho. E, portanto, suas decisões eram dele. Respeitava Wrath e à Irmandade, mas não era um irmão e talvez nunca fosse. Claro, era um vampiro, mas tinha passado a maior parte de sua vida separado da raça, por isso a repulsão pelos symphath era algo que nunca compreendeu de todo. Sociopatas? Demônios, quanto ao que lhe concernia, essa merda começava em casa, com o comportamento que tiveram Zsadist e V antes de emparelhar-se.
John não ia entregar Xhex ao rei para que fosse deportada à colônia. De maneira nenhuma.
Agora a voz dela se voltou áspera:
— Então, o que quer?
Dado o tipo de gente de baixa índole, oportunista e desesperada com que ela tratava noite após noite, não estava nada surpreso pela pergunta.
Sustentando seu olhar, sacudiu a cabeça e realizou um movimento de corte sobre sua garganta.
Nada, vocalizou.
Xhex o olhou com seus frios olhos cinza, e a sentiu meter-se em sua cabeça, percebendo o impulso contra seus pensamentos. Deixou-a explorar para que visse qual era sua posição, porque isso, mais que qualquer palavra que pudesse pronunciar, daria-lhe a maior tranqüilidade.
— John Matthew, é um em um milhão. — disse em voz baixa — A maioria das pessoas se aproveitaria disto como a merda. Especialmente dado o tipo de vícios que posso te prover aqui no clube.
Ele se encolheu de ombros.
— Então, para onde se dirigia esta noite? E onde estão seus companheiros?
Ele sacudiu a cabeça.
— Quer falar sobre o Thor? — quando os olhos dele dispararam para os dela, disse-lhe — Sinto, mas está em sua mente.
Quando John sacudiu a cabeça outra vez, algo lhe tocou a bochecha e olhou para cima. Estava começando a nevar, flocos pequenos e diminutos formando redemoinhos no vento.
— A primeira nevada do ano. — disse Xhex, afastando-se da porta — E você sem casaco.
Ele olhou para baixo e se deu conta que tudo o que tinha vestido era um jeans e uma camiseta Nerdz. Ao menos se lembrou de calçar sapatos.
Xhex meteu a mão no bolso e a estendeu com algo dentro. Uma chave. Uma pequena chave de metal.
— Sei que não quer ir para casa, e tenho um lugar perto daqui. É seguro e subterrâneo. Se quiser vai ali, fica todo o tempo que necessite. Obtém a privacidade que busca até que ordene toda essa merda.
Estava a ponto de sacudir a cabeça para se negar quando lhe disse na Antiga Língua:
— Deixe-me te compensar desta maneira.
Ele pegou a chave sem roçar sua mão e vocalizou: Obrigado.
Depois que lhe deu o endereço, deixou-a nesse beco com a neve flutuando para baixo do céu noturno. Quando chegou à Rua Trade, olhou sobre seu ombro. Ainda estava ao lado da porta lateral, observando-o com os braços cruzados e as botas plantadas firmemente no chão.
Os delicados flocos que aterrissavam em seu cabelo curto e escuro, e em seus ombros nus e fortes, não a suavizavam nem um pouco. Não era um anjo lhe fazendo um favor por uma simples razão. Era enigmática, perigosa e imprevisível.
E ele a amava.
John a saudou com a mão e dobrou a esquina, unindo-se a um desfile de humanos agasalhados que caminhavam rapidamente de bar em bar.

Xhex permaneceu onde estava inclusive depois que o corpo grande de John desapareceu de vista.
Um em um milhão, pensou uma vez mais. Esse menino era um em um milhão.
Enquanto voltava a entrar no clube, soube que era questão de tempo antes que seus dois amigos, ou talvez os membros da Irmandade, aparecessem tratando de encontrá-lo. Sua resposta ia ser que não o tinha visto e não tinha idéia de onde estava.
Ponto.
Ele a protegia, ela o protegia.
Isso era tudo.
Estava saindo da seção VIP quando seu auricular soou. Depois que seu segurança deixou de falar, amaldiçoou e levantou seu relógio para falar pelo rádio.
— Levem-no a meu escritório.
Após assegurar-se de que o andar estava livre de garotas trabalhadoras, entrou na parte do clube para o público em geral, e observou enquanto o Detetive da Cruz era guiado através da multidão de usuários.
— Sim, Qhuinn? — disse sem voltar-se.
— Cristo, deve ter olhos nas costas.
Olhou-o por cima de seu ombro.
— E você mantém isso em mente.
O ahstrux nohstrum de John era o tipo de macho com que a maioria das fêmeas queria transar. E muitos machos, também. Fazia que o negro-sobre-negro se visse espetacular, como sua camisa Affliction[57] sob a jaqueta de motoqueiro, mas seu estilo passava por todos os lados. O cinto era Grommet[58] e as barras do jeans desgastado que levava, ganhava-os do The Cure[59]. O cabelo negro aparado, o piercing no lábio e os sete brincos negros que subiam ao longo de sua orelha esquerda eram emo. As New Rocks[60] com plataformas de dez centímetros eram Góticas. As tatuagens na nuca eram Hart & Huntington[61].
E quanto às armas ocultas que sabia malditamente bem que tinha guardadas sob os braços? Eram autenticamente ao estilo Rambo, e esses punhos que penduravam em seus lados? Eram absolutamente do AMC[62].
O pacote inteiro, sem importar a procedência dos componentes, era sensual, e pelo que tinha visto no clube até pouco tempo ele dava capital importância a seu atrativo. Até o ponto em que os banheiros privados do fundo foram como o escritório de sua casa.
Entretanto, depois de ter sido promovido a guarda pessoal do John, havia diminuído o ritmo.
— O que ocorre? — disse ela.
— John esteve aqui?
— Não.
Qhuinn entrecerrou seus olhos desiguais.
— Não o viu para nada?
— Não.
Enquanto o tipo a olhava fixamente, sabia que não estava captando nada. A mentira vinha em segundo lugar depois do assassinato em sua lista de habilidades.
— Maldito seja. — murmurou, passeando o olhar pelo clube.
— Se o vir, direi que o está procurando.
— Obrigado. — voltou a se enfocar nela — Escuta, não sei que merda aconteceu entre vocês dois, e não é assunto meu...
Xhex revirou os olhos.
— O que explica claramente por que o está mencionando agora.
— É um bom macho. Só mantém isso em mente, está bem? — o olhar verde e azul de Qhuinn estava cheio de um tipo de clareza que só uma vida verdadeiramente dura daria a um macho — A muitas pessoas não cairia bem que o derrubassem sobre o traseiro. Especialmente a mim.
No silêncio que seguiu, teve que dar crédito ao Qhuinn: a maioria das pessoas não tinha os ovos para enfrentá-la e a ameaça subjacente nessas desapaixonadas palavras era óbvia.
— Qhuinn, é boa gente, sabe. É um bom amigo.
Bateu-lhe no ombro, e logo se dirigiu para seu escritório pensando que o rei tinha feito uma escolha inteligente com o ahstrux nohstrum de John. Qhuinn era um pervertido filho da puta, mas um autêntico assassino, e a alegrava que fosse o que vigiava ao seu macho.
Que vigiasse o John Matthew, quis dizer.
Porque não era seu macho. No mais mínimo.
Quando chegou a sua porta, abriu-a sem excitação.
— Boa noite, Detetive.
José da Cruz ostentava outro terno de duas peças barato, e ele, seu terno e o casaco que levava em cima se viam igualmente cansados.
— Boa noite. — respondeu.
— O que posso fazer por você? — sentou-se atrás da escrivaninha e lhe fez um sinal para que se sentasse na cadeira que utilizara a última vez.
Ele foi direto ao assunto:
— Pode me dizer onde esteve ontem tarde da noite?
Não completamente, pensou. Porque a uma em ponto estava matando a um vampiro, e isso não era de sua incumbência.
— Estive aqui no clube por quê?
— Tem algum empregado que possa confirmá-lo?
— Sim. Pode falar com iAm ou com qualquer um de meu pessoal. Sempre que me diga que diabos está acontecendo.
— Ontem à noite encontramos um objeto de vestir pertencente a Grady na cena de um crime.
Oh, caramba, se alguém mais tinha assassinado a esse filho da puta, ela estaria de saco cheio.
— Mas não seu corpo?
— Não. Era uma jaqueta com uma águia nas costas, a qual era a marca dele. Era como sua assinatura, ao que parece.
— Interessante. Então por que está me perguntando onde estava?
— A jaqueta tinha salpicaduras de sangue. Não estamos certos se eram dele ou não, mas saberemos amanhã.
— Volto a repetir, por que queria saber onde estive?
Da Cruz plantou suas palmas na escrivaninha e se inclinou para frente, seus olhos marrom chocolate estavam malditamente sérios.
— Porque tenho o pressentimento de que gostaria de vê-lo morto.
— É certo que não gosto dos homens abusivos. Mas tudo o que tem é sua jaqueta, não há corpo, e se por acaso fosse pouco, estive aqui ontem à noite. Por isso se alguém o liquidou, não fui eu.
Ele se endireitou.
— Vão fazer um funeral para Chrissy?
— Sim, amanhã. O aviso saiu no jornal de hoje. Ela podia não ter muitos familiares, mas era muito apreciada na Rua Trade. Aqui somos uma grande família feliz. — sorriu Xhex — Detetive, vai usar um bracelete negro por ela?
— Estou convidado?
— É um país livre. E iria de toda forma, verdade?
Da Cruz sorriu genuinamente, e seus olhos perderam a maior parte de sua agressividade.
— Sim, o faria. Incomoda-se se verifico os seus álibis? E tomo declarações?
— Não, nem um pouco. Chamarei-os agora mesmo.
Enquanto Xhex falava por seu relógio, o detetive passeou a vista pelo escritório, e quando ela deixou cair o braço, disse-lhe:
— A decoração não a atrai muito.
— Gosto que as coisas se limitem ao que necessito e nada mais.
— Mmm. Minha esposa gosta de decoração. Tem o dom de fazer que os lugares pareçam acolhedores. É agradável.
— Soa como uma boa mulher.
— Oh, e é. Além disso, faz o melhor queso[63] que alguma vez provei. — disse enquanto lhe dava uma olhada — Sabe, escutei muitas coisas a respeito deste clube.
— Sim?
— Sim. Particularmente sobre Vícios.
— Ah.
— E fiz os deveres quanto ao Grady. Foi detido no verão por um delito agravado de posse de drogas. O caso ainda está pendente.
— Bem, sei que ele será levado ante a justiça.
— Foi despedido deste clube um pouco antes dessa detenção, verdade?
— Por desviar recursos do bar.
— E, entretanto, não apresentaram queixa?
— Se chamasse à polícia cada vez que um de meus empregados levanta uns verdes, teria a vocês meninos, na discagem rápida.
— Mas escutei que essa não era a única razão pela que o tinham despedido.
— Sério?
— A Rua Trade, como você disse, é sua própria família… Mas isso não significa que não haja falatórios. E as pessoas me disseram que foi despedido porque estava traficando aqui no clube.
— Bem, isso é compreensível, verdade? Nunca permitiríamos que alguém traficasse em nossa propriedade.
— Porque é o território de seu chefe e ele não aprecia a concorrência.
Ela sorriu.
— Detetive, aqui não há concorrência.
E isso era verdade. Rehvenge era o macho alfa. Ponto. Qualquer limpa cú barato que tratasse de passar pequenas quantidades sob o teto do clube, era quebrado. Duramente.
— Se for honesto, não estou seguro de como o fazem. — murmurou da Cruz — Durante anos houve especulações a respeito deste lugar, e, entretanto, ninguém foi capaz de obter uma causa provável para pedir uma ordem de averiguação.
E isso acontecia porque as mentes humanas, inclusive as conectadas nos ombros dos policiais, eram facilmente manipuláveis. Algo visto ou falado podia ser apagado em um instante.
— Nada sombrio ocorre aqui. — disse ela — Assim é como o fazemos.
— Seu chefe está por aqui?
— Não, esta noite não.
— Então confia em você para dirigir seu negócio enquanto não está.
— Como eu, ele nunca vai por muito tempo.
Da Cruz assentiu.
— Boa política. Falando do tema, não sei se terá escutado, mas parece haver uma guerra de territórios em marcha.
— Guerra de território? Pensei que as duas partes de Caldwell estavam em paz uma com a outra. O rio já não é uma divisão.
— Guerra de território por drogas.
— Não sei nada sobre isso.
— É meu outro caso. Encontramos dois traficantes mortos junto ao rio.
Xhex franziu o cenho, pensando que a surpreendia não ter se informado disso ainda.
— Bom, as drogas são um negócio duro.
— Dispararam a ambos na cabeça.
— Isso o obteria.
— Ricky Martínez e Isaac Rush. Conhece-os?
— Escutei sobre eles, mas ambos apareceram nos jornais. — disse enquanto punha uma mão na cópia do CCJ que estava cuidadosamente empilhado em sua escrivaninha — E sou uma grande leitora.
— Então viu o artigo sobre eles que saiu hoje.
— Ainda não, mas estava a ponto de tomar um descanso. Tenho que ter minha dose diária de Dilbert[64].
— É esse sobre a escrivaninha? Durante anos fui fã de Calvin e Hobbes[65]. Odiei que acabasse e na realidade não me entretive com nenhuma das novas. Suponho que fiquei no tempo.
— Gosta do que gosta. Não há nada mau nisso.
— É o que minha esposa diz. — os olhos de Da Cruz vagaram novamente pelos arredores — Então, um par de pessoas disseram que ambos vieram ao clube ontem à noite.
— Calvin e Hobbes? Um era um menino e o outro um tigre. Nenhum teria conseguido passar por meus seguranças.
Da Cruz sorriu brevemente.
— Não, Martínez e Rush.
— Ah, bom, você andou pelo clube. Todas as noites têm uma enorme quantidade de gente aqui.
— Certo. Este é um dos clubes mais bem-sucedidos da cidade. — Da Cruz colocou as mãos nos bolsos laterais de sua calça, seu casaco caiu para trás e a jaqueta de seu terno se esticou ao redor de seu peito — Um dos yonquis que vive sob a ponte viu um modelo antigo da Ford junto com uma Mercedes negra e um Lexus todo cromado deixando a área pouco depois que esses dois fossem baleados.
— Os traficantes de droga podem permitir-se bons carros. Não estou segura do que faziam com o Ford.
— O que seu chefe dirige? Um Bentley, verdade? Ou conseguiu um novo veículo?
— Não, ainda tem o Bentley.
— Um carro caro.
— Muito.
— Conhece alguém com uma Mercedes negra? Porque as testemunhas também viram uma rondando ao redor do apartamento onde foi achada a jaqueta com a águia do Grady.
— Não posso dizer que conheça algum dono de um Merc.
Houve um golpe na porta, e Trez e iAm entraram, os dois seguranças faziam que o detetive parecesse um Funda estacionado entre um par de Hummers.
— Bem, os deixo para que falem. — disse Xhex com absoluta fé nos melhores amigos de Rehv — Detetive, vejo-o no funeral.
— Se não antes. Hey, alguma vez pensou em adquirir uma planta para pôr aqui dentro? Poderia fazer a diferença.
— Não, sou muito boa matando coisas. — sorriu com humor — Sabe onde me encontrar. Até mais tarde.
Enquanto fechava a porta detrás dela, deixou de fingir e franziu o cenho. A guerra de territórios não era boa para o negócio, e se Martínez e Rush tinham sido mortos, era um sinal seguro de que apesar do clima de dezembro, a escória de Caldwell estava desenvolvendo outro broto de calor.
Merda, isso era o último que necessitavam.
As vibrações que sentia em seu bolso indicaram que alguém tratava de localizá-la, e respondeu a chamada no instante em que viu de quem se tratava.
— Encontrou o Grady? — perguntou brandamente.
A voz profunda de Big Rob estava cheia de frustração:
— O maldito deve estar escondido. Silent Tom e eu estivemos em todos os clubes. Também em sua casa e com alguns de seus amigões.
— Segue procurando, mas tome cuidado. Sua jaqueta foi encontrada na cena de outro crime. Os policiais o estão buscando implacavelmente.
— Não nos renderemos até que tenhamos algo positivo sobre ele para você.
— Bom menino. Agora desliga o telefone e continua com o rastreamento.
— Não há problema, chefe.


Capítulo 31

 
Dentro de seu banheiro escuro como uma boca de lobo, Rehvenge chocou-se contra uma das paredes de mármore, andou aos tropicões sobre o chão de mármore e ricocheteou contra o balcão de mármore. Seu corpo estava vivo, as sensações vibravam através dele, registrando a dor por ter batido o quadril, o ardor que supunha de sua respiração entrecortada nos pulmões, e o tamborilar de seu coração contra o esterno.
Deixou o edredom de cetim cair, acendeu as luzes com sua vontade e olhou para baixo.
Tinha o pênis rígido e grosso, a ponta estava brilhante e pronta para penetrar.
Santa... Merda.
Olhou ao redor. Sua visão era normal, via as cores negra, brilhante e branco do banheiro e a borda da jacuzzi se elevava do chão, com uma óbvia profundidade. E, ainda assim, embora não visse nada plano nem de cor vermelha rubi, seus sentidos estavam completamente vivos, seu sangue estava quente e trovejava em suas veias, sua pele estava pronta para ser tocada e o orgasmo que havia na haste de sua ereção gritava para ser liberado.
Estava absolutamente vinculado com Ehlena.
E isso significava que, ao menos nesse momento, quando estava tão desesperado por ter sexo com ela, seu lado vampiro estava se impondo sobre a parte symphath que havia nele.
Sua necessidade dela tinha triunfado sobre a escuridão que havia nele.
Ocorreu-lhe que devia tratar-se dos hormônios da vinculação. Hormônios da vinculação que tinham alterado sua química interna.
No reconhecimento de sua nova realidade, não havia motivos para sentir uma alegria elevada, nenhuma sensação de triunfo, nem o impulso de atirar-se sobre ela e bombear em seu interior com toda a sua força. Tudo o que podia fazer era ficar olhando fixamente para baixo, a seu pênis e pensar onde havia estado antes. No que tinha feito com ele... E, com o resto de seu corpo.
Rehvenge desejava arrancar de si a estúpida coisa.
Porra, de nenhuma forma compartilharia isso com Ehlena. Salvo que... Não podia retornar ali fora nesse estado.
Rehv agarrou a ereção com sua ampla mão e acariciou a si mesmo. Oh... Porra... Sentia-se bem...
Pensou nele descendo pelo corpo de Ehlena, em que tinha sua calidez na boca e a fazia descer pelo fundo de sua garganta. Viu suas coxas estendidas e sua brilhante suavidade e seus próprios dedos deslizando-se dentro e fora enquanto ela gemia e balançava seu...
Seus testículos se comprimiram até ficarem duros como punhos, a parte baixa de suas costas ondeou como uma onda, e, essa repugnante lingüeta sua acionou apesar de não ter nada contra o qual acoplar-se. Um rugido ameaçou subir por sua garganta, mas o conteve mordendo o lábio até que saboreou seu sangue.
Rehv gozou sujando toda a mão, mas, entretanto, se apoiou contra o balcão e seguiu acariciando seu sexo. Gozou uma e outra vez, sujando o espelho e os lavabos, e ainda assim seguia necessitando mais... Como se seu corpo não se liberasse há, digamos, quinhentos anos?
Quando finalmente passou a tormenta, deu-se conta de que estava... Merda, atirado contra a parede, com a cara esmagada contra o mármore, tremiam-lhe os ombros, e suas coxas se sacudiam convulsivamente como se tivesse cabos de arranque de bateria conectados aos dedos dos pés.
Com mãos trêmulas, se pôs a limpar usando uma das toalhas dobradas minuciosamente em uma prateleira, e esfregou o balcão, o espelho e o lavabo. Em seguida, desdobrou outra e lavou as mãos, o pênis, o estômago e as pernas porque se sujou tanto como o fodido banheiro.
Quando finalmente estendeu a mão para o trinco, depois que passara quase uma hora, meio que esperava que Ehlena tivesse se ido, e não podia culpá-la: uma fêmea a quem essencialmente lhe faz o amor lhe oferece a veia e ele sai correndo para o banheiro e se fecha como um maricas.
Porque tinha uma ereção.
Jesus Cristo. Essa noite, que sequer começou muito bem, converteu-se em um choque em cadeia de uma coluna de dezesseis carros na auto-estrada para Vila-Relação.
Rehv preparou a si mesmo e abriu a porta.
Quando a luz se derramou de dentro do banheiro, Ehlena se ergueu nos lençóis, em seu rosto se via uma expressão preocupada... E absolutamente imparcial. Não havia condenação, nem especulação, não havia rastro de que estivesse pensando em algo para fazê-lo sentir ainda pior. Simplesmente havia uma genuína preocupação.
— Está bem?
Bom, olhe se não era essa a pergunta da noite.
Rehvenge deixou a cabeça cair e pela primeira vez desejou descarregar tudo com outra pessoa. Nem sequer com Xhex, que tinha sofrido inclusive mais que ele, sentia a inclinação a praticar essa merda de intercâmbio. Mas, ao ver os olhos cor de caramelo de Ehlena tão abertos e quentes nesse rosto formoso e perfeito, sentiu vontade de confessar cada uma das coisas sujas, fodidas, matreiras, malvadas e repugnantes que tinha feito em sua vida.
Só para ser honesto.
Sim, mas se jogava sua vida sobre a mesa, em que posição ela ficaria? Na situação de ter que reportá-lo por ser um symphath e muito provavelmente temendo por sua própria vida. Grande desenlace. Perfeito.
— Gostaria de ser diferente. — disse. Que era o mais perto que podia estar de dizer a verdade que os separaria para sempre — Desejaria ser um macho diferente.
— Eu não.
Isso era porque não o conhecia. Não verdadeiramente. E, entretanto, não podia confrontar a idéia de não voltar a vê-la nunca mais depois da noite que tiveram juntos.
Nem de que pudesse chegar a temê-lo.
— Se pedisse que voltasse aqui outra vez, — disse — e que me deixasse estar contigo, aceitaria?
Não houve vacilação:
— Sim.
— Embora as coisas não pudessem ser... Normais... Entre nós? Quanto à parte sexual.
— Sim.
Franziu o cenho.
— Isto vai soar mal...
— O que está bem, porque já meti os pés pelas mãos contigo quando estávamos na clínica. Assim ficaríamos quites.
Rehv não pôde evitar sorrir, mas sua expressão não durou.
— Devo saber... Por que. Por que voltaria?
Ehlena se recostou contra os travesseiros e moveu a mão para cima deslocando-a lentamente por cima do lençol de cetim que lhe cobria o estômago.
— Tenho uma só resposta a isso, mas não acredito que seja a que quer ouvir.
O frio intumescimento, estava retornando devido aos remanescentes desses orgasmos que tivera estarem dissipando, acelerou a reclamação que estava fazendo sobre seu corpo.
Por favor, que não seja por lástima, pensou.
— Diga-me. — ficou calada durante um longo tempo, percorrendo com o olhar a vista panorâmica das duas metades de Caldwell que piscavam e resplandeciam.
— Pergunta-me por que voltaria? — disse brandamente — E a única resposta que tenho é... Como poderia não fazê-lo? — desviou os olhos para ele — Em certo nível, não faz sentido para mim, mas em definitivo, os sentimentos alguma vez têm muito sentido, ou sim? E não têm por que ter. Esta noite... Deu-me coisas que não só fazia muito tempo que não tinha, mas sim acredito que nunca tinha experimentado. — sacudiu a cabeça — Ontem envolvi um corpo... Um corpo de alguém de minha idade, um corpo de alguém que provavelmente saiu de sua casa a noite e foi assassinado sem ter a mínima noção de que essa era sua última noite. Não sei aonde vai chegar este — fez um gesto com a mão para trás e para frente entre os dois — assunto entre nós. Talvez dure somente uma noite ou duas. Talvez dure um mês. Talvez dure mais de uma década. Tudo o que sei é que a vida é muito curta para não voltar aqui, para estar contigo desta forma outra vez. A vida é definitivamente muito curta, e gosto muito de estar contigo para que me importe uma merda outra coisa além de ter outro momento como este.
Enquanto olhava Ehlena, o peito de Rehvenge se inflamou.
— Ehlena?
— Sim?
— Não me entenda mal.
Ela respirou profundamente e ele viu que seus ombros nus se esticavam.
— Ok. Tentarei não fazê-lo.
— Se segue vindo aqui? Sendo da forma que é? — houve uma pausa — Vou me apaixonar por você.
   
John encontrou a propriedade de Xhex sem problemas, já que só estava a dez blocos de distância do ZeroSum. Ainda assim, o bairro bem poderia ter estado em um CEP completamente diferente. A fachada cor café avermelhado das edificações da rua era elegante e de estilo clássico, com a merda de madeira esculpida ao redor das janelas-balcão que davam a impressão de ser Vitorianas... Embora como soubesse isso com semelhante certeza não tinha idéia.
Ela não possuía uma casa inteira, a não ser um apartamento no porão de um edifício sem elevador, particularmente atrativo. Debaixo das escadas de pedra que subiam do meio-fio, havia um oco, dentro do qual deslizou para usar a chave em um estranho ferrolho cor bronze. Quando entrou acendeu uma luz, e não viu nada interessante. Chão avermelhado fabricado com lajes de pedra. Paredes construídas com blocos de concreto e branqueadas. No extremo mais afastado havia outra porta com outro estranho ferrolho.
Tinha esperado que Xhex vivesse em algum lugar exótico e cheio de armas.
E que tivesse abundância de meias francesas e saltos agulha.
Mas, essa era sua fantasia.
Foi para o outro extremo da sala, abriu a outra porta e se acenderam mais luzes. O quarto que havia depois da porta não tinha janelas e estava vazio à exceção de uma cama, a falta de decoração não o surpreendeu, levando em consideração o aspecto da sala do porão. Havia um banheiro, mas não havia cozinha, nem telefone nem TV. A única cor que havia na habitação provinha do chão de pranchas de pinheiro antigas que brilhavam com um brilho da cor do mel fresco. As paredes estavam branqueadas, como as da sala, mas estas eram de tijolo.
O ar lhe pareceu surpreendentemente fresco, mas então viu os respiradores. Havia três.
John tirou sua jaqueta de couro e a deixou no chão. Em seguida tirou as botas, conservando postas as meias grossas.
No banheiro, usou o vaso, e salpicou o rosto com água.
Não havia toalhas. Usou as abas de sua camiseta negra.
Estirando-se sobre a cama, permaneceu com as armas em cima, embora não era devido a que tivesse medo de Xhex.
Deus, talvez isso o convertesse em um estúpido. O primeiro que lhe tinham ensinado no programa de treinamento da Irmandade era que nunca podia confiar nos symphaths, e aqui estava ele, arriscando sua vida ao ficar na casa de um... Muito provavelmente passaria o dia, sem dizer a ninguém onde estava.
Não obstante era exatamente o que necessitava.
Quando voltasse ao cair da noite, decidiria o que fazer. Não queria ficar fora da guerra... Gostava muito de lutar. Sentia-se... Bem, e não só pelo fato de defender à raça. Sentia que era o que se supunha que devia estar fazendo, tinha nascido e tinha sido educado para isso.
Mas não estava seguro se poderia voltar para a mansão e viver ali.
Depois que passou um tempo sem se mover, as luzes se apagaram, e simplesmente ficou olhando a escuridão. Enquanto estava ali estendido na cama com a cabeça sobre um dos dois travesseiros relativamente duros, deu-se conta que era a primeira vez que estava verdadeiramente só desde que Tohr tinha ido procurá-lo, com seu enorme Range Rover negro, naquele apartamento de merda.
Recordava com absoluta clareza, como tinha sido viver naquele estúdio parecido a um buraco do inferno que não só estava na parte errada da cidade, mas também diretamente estava na seção perigosa de Caldie. A cada noite vivia aterrorizado porque era fracote e débil, além disso, estava indefeso e o único com que podia alimentar-se era com o Ensure[66] por causa de sua má digestão, por isso pesava menos que um aspirador. A porta que o separava dos consumidores de droga, das prostitutas e dos ratos do tamanho de burros, tinha-lhe parecido fina como um papel.
Desejara fazer bem ao mundo. Ainda o desejava.
Desejara apaixonar-se e estar com uma mulher. Ainda o desejava.
Desejara encontrar uma família, ter uma mãe e um pai, ser parte de um clã.
Já não.
John estava começando a entender que os sentimentos no coração, eram como os tendões no corpo. Podia distender, distender e distender e sentir a dor da distorção e o estiramento... Até certo ponto a articulação seguiria funcionando e o membro se dobraria e suportaria o peso, e continuaria sendo útil depois que a pressão desaparecesse. Mas, não era algo infinito.
Ele se quebrara. E estava endemoniadamente seguro que não havia um equivalente emocional à cirurgia artroscópica[67].
Para ajudar a tranqüilizar sua mente e induzí-la ao descanso que evitaria que se voltasse louco, concentrou-se no que ocorria a seu redor. O quarto estava em silêncio, salvo pela calefação que de todo modo não fazia muito ruído. E o edifício que tinha em cima estava vazio, não havia sons de ninguém se movendo.
Fechando os olhos, se sentiu mais a salvo do que provavelmente fosse conveniente.
Mas, em definitivo, estava acostumado a se valer por si mesmo. O tempo que tinha passado com Tohr e Wellsie e em seguida com a Irmandade tinha sido uma anomalia. Nascera sozinho nessa parada de ônibus, e esteve sozinho no orfanato embora estivesse rodeado de um sempre mutante grupo de meninos. E logo tinha saído sozinho ao mundo.
Fora tratado brutalmente e o superara sem ajuda. Esteve doente e se curou sozinho. Abriu-se caminho o melhor que pode e o tinha feito bem.
Era hora de voltar para suas origens.
À essência de seu ser.
O tempo com Wellsie e Tohr... E com os Irmãos... Tinha sido como um experimento fracassado... Algo que parecera ter potencial, mas que, ao final tinha sido um fracasso.


Capítulo 32
 
 
Que fosse noite ou dia, isso não incomodava Lash.
Enquanto entrava com o senhor D no estacionamento de um moinho abandonado e os faróis do Mercedes oscilavam riscando um grande arco, não o preocupava se encontrava com o rei dos symphaths ao meio-dia ou a meia-noite, porque de algum modo já não se sentia intimidado pelo idiota.
Fechou o 550 e caminhou com o senhor D atravessando uma extensão de asfalto deteriorado para uma porta que estava muito firme, se tomasse em consideração o estado em que estava o moinho. Graças à ligeira neve que caía, a situação se parecia com algo tirado de um anúncio para férias pitorescas em Vermont, sempre que não se olhasse muito de perto ao teto nem o revestimento rachado.
O symphath já estava dentro. Lash estava tão certo disso como de poder sentir as rajadas de vento nas bochechas e ouvir as pedras frouxas rangendo sob suas botas de combate.
O senhor D abriu a porta e Lash entrou primeiro para demonstrar que não necessitava que um subordinado lhe abrisse caminho. No interior do moinho não havia nada exceto muito ar frio, fazia muito que o edifício retangular fora despojado de todo o útil.
O symphath lhe esperava no extremo mais afastado da sala, perto da maciça roda que ainda se assentava no rio como uma velha mulher gorda em um banheiro refrescante.
— Amigo, que agradável vê-lo novamente. — disse o rei, a voz de serpente frisando-se entre as vigas.
Lash se aproximou do macho com passo elegante e lento, tomando seu tempo, verificando e voltando a verificar novamente as sombras projetadas pelas janelas de vidro. Nada exceto o rei. Isso estava bom.
— Considerou minha proposta? — perguntou o rei.
Lash não estava de humor para andar pelos ramos. Depois da cagada da noite anterior com o entregador do Domino’s, e, que em aproximadamente uma hora deviam eliminar a outro narcotraficante, esse não era o momento para jogos.
— Sim. E sabe o que? Não estou seguro de que precise te fazer nenhum favor. Estou pensando que ou me dá o que quero. Ou... Possivelmente me limite a enviar meus homens ao norte para te matar e a todos os anormais dali.
Esse rosto insosso e pálido forçou um sorriso sereno.
— Porém o que ganharia com isso? Seria destruir aos mesmos instrumentos que desejas utilizar para derrotar os seus inimigos. Não é um passo lógico para que tome nenhum governante.
Lash sentiu um formigamento na ponta do pênis, o respeito o excitava, embora se negasse a reconhecer o fato.
— Sabe, nunca teria pensado que um rei poderia necessitar ajuda. Por que não pode perpetrar o crime você mesmo?
— Fazer parecer que o falecimento ocorreu fora do âmbito de minha influência me reportaria circunstâncias atenuantes e certos benefícios. Com o correr do tempo, aprenderá, que as maquinações na calada são às vezes muito mais efetivas do que aquelas que realiza a plena vista de sua gente.
Ponto conseguido, embora novamente, Lash não o elogiaria.
— Não sou tão jovem como crê. — disse em seu lugar. Porra, envelhecera perto de um trilhão de anos nos últimos quatro meses.
— E tampouco é tão velho como crê você. Mas isso é outra conversa para outro momento.
— Não estou procurando um terapeuta.
— O que é uma vergonha. Sou bastante bom me colocando na cabeça de outros.
Sim, Lash podia vê-lo.
— Este teu objetivo. É um macho ou uma fêmea?
— Importaria?
— Nem o mais mínimo.
O symphath definitivamente ficou radiante.
— É um macho. E como falei, existem circunstâncias excepcionais.
— Como quais?
— Será difícil chegar a ele. Seu guarda-costas é bastante temível. — o rei flutuou até uma janela e olhou para fora. Depois de um momento, girou a cabeça como se fosse um mocho, rodando a espinha dorsal até que quase esteve olhando para trás, e logo, por um momento, em seus olhos brancos houve um brilho vermelho — Acredita que pode dirigir tal penetração?
— É homo? — soltou Lash.
O rei riu.
— Quer dizer, se prefiro amantes de meu sexo?
— Sim.
— Isso te faria sentir incômodo?
— Não. – sim, porque significaria que mais ou menos e de certa forma se excitava com um tipo que rebatia para a outra equipe.
— Não mente muito bem. — murmurou o rei — Mas isso melhorará com a idade.
Porra.
— E não acredito que seja tão poderoso como pensa que é.
Quando a especulação sexual desapareceu Lash soube que tinha metido o dedo na ferida.
— Tome cuidado com as águas de enfrentamento...
— Poupe-me da merda de três no quarto e os biscoitos da sorte, sua Alteza. Se enchesse essa toga com um bom par de culhões, se desfaria desse tipo você mesmo.
A serenidade voltou ao semblante do rei, como se com esse arrebatamento Lash acabasse de provar sua inferioridade.
— E, ainda assim, em vez de fazê-lo, faço que outra pessoa se encarregue disso por mim. É muito mais sofisticado, embora não espero que você o compreenda.
Lash se desmaterializou, apareceu justamente frente ao macho e fechou as palmas ao redor dessa garganta esbelta. Com um só impulso brutal, impulsionou ao rei para cima pondo-o contra a parede.
Seus olhos se encontraram e quando Lash sentiu um intento de sondagem em sua mente, fechou instintivamente a entrada a seu lóbulo frontal.
— Não vai abrir meu baú aí acima, imbecil. Sinto muito.
O olhar fixo do rei se voltou tão vermelho como o sangue.
— Não.
— Não o que?
— Não prefiro amantes de meu próprio sexo.
Obviamente foi a espetada perfeita: implicando que, Lash se aproximava porque deles dois era ele quem gostava de pênis. Soltou-o e começou a passear dando pernadas.
Agora a voz do rei era menos serpentina e mais séria.
— Você e eu nos enfrentamos em igualdade de condições. Acredito que esta aliança será benéfica para ambos.
Lash girou e encarou ao macho.
— Esse macho, que você deseja morto, onde o encontro?
— O momento deve ser o adequado. A escolha do momento... É tudo.
 
Rehvenge observou como Ehlena punha a roupa, e apesar de que vê-la voltar a meter-se nesse uniforme não era exatamente o que desejava, o espetáculo dela inclinada subindo lentamente as meias pela perna não estava nada mal.
Para. Nada. Mal.
Ela riu enquanto levantava o sutiã e o fazia girar ao redor do dedo.
— Posso pôr isso agora?
— Absolutamente.
— Vai fazer que tome meu tempo outra vez?
— É somente que supus que não havia pressa com as meias. — sorriu como o lobo que estava se sentindo — Quero dizer, essas coisas desfiam, verdade...  Oh, caramba...
Ehlena não esperou que terminasse de falar, mas arqueou as costas e pendeu o sutiã ao redor do torso. As pequenas oscilações que realizou enquanto o grampeava na parte dianteira fizeram o Rehvenge ofegar... E isso foi antes que subisse os suspensórios sobre os ombros, deixando que as taças encaixassem sob os seios.
Ela se voltou para ele.
— Esqueci como funciona. Pode me ajudar?
Rehv grunhiu e a atraiu para si, sugando um mamilo dentro da boca e acariciando o outro com o polegar. Enquanto ela ofegava, ele colocou as taças em seu lugar.
— Gosto de ser seu engenheiro em lingerie, mas, sabe, fica melhor quando não o tem posto. — quando fez dançar as sobrancelhas de forma maliciosa, a risada dela foi tão espontânea e natural que lhe deteve o coração — Gosto desse som.
— E eu gosto de fazê-lo.
Ela colocou as pernas dentro de seu uniforme e puxou para cima, logo abotoou os botões.
— Lástima. — disse ele.
— Quer saber algo bobo? Pus isto apesar de não ter que ir trabalhar esta noite.
— De verdade? Por quê?
— Queria manter as coisas no plano profissional, e, entretanto aqui estou encantada de que não tenha funcionado desse modo.
Ele ficou de pé e a tomou em seus braços, já sem se preocupar com o fato de estar totalmente nu.
— Somo-me à parte de estar encantado.
Beijou-a brandamente, e ao se separarem ela disse:
— Obrigada por uma tarde encantadora.
Rehv colocou seu cabelo detrás das orelhas.
— O que faz amanhã?
— Trabalhar.
— A que hora sai?
— Às quatro.
— Virá aqui.
Ela não vacilou.
— Sim.
— Agora vou ver minha mãe. — disse ele, enquanto saíam do dormitório e atravessavam a biblioteca.
— Seriamente?
— Sim, ligou-me e pediu para ver-me. Nunca faz isso. — sentia-se bem ao compartilhar detalhes de sua vida. Bom, alguns deles, em todo caso — Esteve tratando de me converter em uma pessoa mais espiritual, e espero que isto não se trate de um convite a me colocar em algum tipo de retiro.
— A propósito, o que faz? No que trabalha? — Ehlena riu — Sei tão pouco de você.
Rehv se concentrou na vista panorâmica da cidade que ficava sobre o ombro dela.
— Oh, em muitas coisas diferentes. Em sua maior parte no mundo humano. Agora que minha irmã está emparelhada, só tenho a minha mãe para cuidar.
— Onde está seu pai?
Na tumba fria, aonde o idiota pertencia.
— Morreu.
— Sinto muito.
Os quentes olhos de Ehlena dispararam algo através de seu peito, que certo como a merda sentia como culpa. Não lamentava ter matado seu pai, lamentava ter que ocultar tanto a ela.
— Obrigado. — disse rigidamente.
— Não queria me intrometer em sua vida ou sua família. Sou só curiosa, mas se preferir...
— Não, é somente que... Não falo muito de mim mesmo. — e isso era verdade — É que... Esse é o toque de um telefone celular?
Ehlena franziu o cenho e se afastou.
— O meu. Em meu casaco.
Ela correu à sala de jantar, e a tensão em sua voz ao responder foi evidente.
— Sim? Ah, olá! Sim, não, eu... Agora? É obvio. E o engraçado é que não precisarei ir trocar-me o uniforme por que... Oh. Sim. Claro. Bom.
Quando chegou à arcada da sala de jantar ouviu a tampa do telefone se fechando.
— Tudo bem?
— Ah, sim. Só trabalho. — Ehlena se aproximou enquanto vestia o casaco — Não é nada. Provavelmente seja somente falta de pessoal.
— Quer que te leve? — Deus, adoraria levá-la ao trabalho, e não simplesmente porque poderiam estar juntos um pouco mais. Um macho gostava de fazer coisas por sua fêmea. Protegê-la. Ocupar-se dela...
Bom, que porra? Não que não gostasse dos pensamentos que estava tendo a respeito dela, mas era como se alguém lhe tivesse trocado o CD. E não, não era o fodido Barry Manilow.
Embora definitivamente agora houvesse algo do Maroon 5 no idiota.
Afh...
— Oh, não, irei sozinha, mas obrigada. — Ehlena se deteve diante de uma das portas corrediças — Esta noite foi tão... Uma revelação.
Rehv se aproximou a pernadas, tomou seu rosto entre as mãos, e a beijou com força. Quando se afastou para trás, disse-lhe sombriamente:
— Somente devido a você.
Então ela sorriu, resplandecendo do interior, e repentinamente ele a desejou nua outra vez para poder entrar nela: o instinto de marcá-la estava vociferando dentro dele, e o único modo em que podia sossegá-lo era dizendo-se que tinha deixado bastante de seu aroma na pele dela.
— Mande-me uma mensagem quando chegar à clínica, assim saberei que está a salvo. — disse.
— Farei.
Deu um último beijo, atravessou a porta e se perdeu na noite.
 
Quando deixou Rehvenge, Ehlena estava voando, e não simplesmente porque estivesse desmaterializando através do rio até a clínica. Para ela, a noite não era fria, era fresca. Seu uniforme não estava enrugado por ficar atirado em uma cama e ter se derrubado sobre ele, estava astutamente desalinhado. Seu cabelo não era uma confusão, era casual.
A chamada para ir à clínica não era uma intrusão, era uma oportunidade.
Nada poderia fazê-la descer desta elevação incandescente. Ela era uma das estrelas que havia no céu aveludado da noite, inalcançável, intocável, por cima dos conflitos terrestres.
Embora ao tomar forma diante das garagens da clínica, algo do brilho cor de rosa se perdeu. Parecia injusto que pudesse sentir-se como o fazia, tendo em conta o que tinha acontecido a noite anterior: apostaria sua vida que nesse momento a família de Stephan não estaria refletindo nada similar à alegria. Mal teriam terminado com o ritual da morte, pelo amor de Deus... Passariam anos antes que pudessem sentir algo remotamente parecido ao que cantava em seu peito quando pensava em Rehv.
Caso pudessem sentir-se assim alguma vez. Tinha a sensação de que para seus pais nunca seria o mesmo.
Amaldiçoando, atravessou rapidamente o estacionamento, e seus sapatos deixaram pequenos rastros negros no pó de neve que tinha caído antes. Por ser uma funcionária, o trajeto através dos postos de checagem para a sala de espera não demorou, e, quando entrou na área de recepção, tirou o casaco e se dirigiu diretamente ao balcão da recepção.
O enfermeiro que estava atrás do computador elevou o olhar e sorriu. Rhodes era um dos poucos machos do pessoal, e definitivamente um favorito na clínica, a classe de tipo que se dava bem com todo mundo e era rápido com os sorrisos, os abraços e os cinco em alto.
— Ouça neném, como... — quando ela se aproximou, franziu o cenho e rápido empurrou a cadeira para trás, pondo distância entre eles — Errr... Olá.
Franzindo o cenho, olhou para trás, esperando ver um monstro, dada a maneira em que ele se encolhia ante ela.
— Está bem?
— OH, sim. Totalmente. — olhou-a com intensidade — Como você está?
— Estou bem. Contente por poder ajudar. Onde está Catya?
— Acredito que disse que estaria te esperando no escritório de Havers.
— Irei ali então.
— Sim. Bom.
Ela reparou que sua caneca estava vazia.
— Quer que traga um café quando acabar?
— Não, não. — disse rapidamente, levantando ambas as mãos — Estou bem. Obrigado. Realmente.
— Tem certeza que está bem?
— Sim. Absolutamente bem. Obrigado.
Ehlena se afastou, sentindo-se absolutamente como uma leprosa. Geralmente ela e Rhodes se davam muito bem, mas, não esta noite...
Oh, meu Deus, pensou. Rehvenge tinha deixado seu aroma sobre ela. Tinha que ser isso.
Deu a volta... Mas, o que poderia lhe dizer, realmente?
Esperando que Rhodes fosse o único em captá-lo, entrou no vestiário para desfazer do casaco e se pôs a caminho, ziguezagueando entre os membros do pessoal e pacientes que encontrava no caminho. Quando chegou ao escritório de Havers, a porta estava aberta, o médico estava sentado atrás de sua mesa e Catya em uma cadeira, de costas ao vestíbulo.
Ehlena bateu brandamente no batente.
— Olá.
Havers levantou o olhar e Catya jogou uma olhada sobre o ombro. Os dois pareciam positivamente doentes.
— Entre. — disse o médico bruscamente — E feche a porta.
Enquanto fazia o que lhe pedia, o coração de Ehlena começou a pulsar rapidamente. Havia uma cadeira vazia junto à Catya, e se sentou porque de repente sentiu que seus joelhos afrouxavam.
Estivera neste escritório várias vezes, e geralmente tinha sido para recordar ao médico que comesse, porque uma vez que começava com os históricos dos pacientes perdia a noção do tempo. Mas, isto não se tratava dele, verdade?
Houve um longo silêncio, durante o qual os pálidos olhos de Havers evitaram encontrar aos dela, dedicando-se a brincar com as pernas de seus óculos de tartaruga marinha.
Catya foi quem falou, e o fez com voz tensa.
— Ontem à noite, antes de sair, um dos guardas de segurança que esteve monitorando todas as câmeras chamou minha atenção sobre o fato de que esteve na farmácia. Sozinha. Disse que a viu pegar algumas pílulas e sair com elas. Olhei a fita, comprovei a estante pertinente e era penicilina.
— Por que não o trouxe? — perguntou Havers — Tornaria a ver Rehvenge imediatamente.
O momento que seguiu foi como algo saído de uma série de televisão, onde a câmera fazia um zoom sobre o rosto de um personagem: Ehlena sentiu como se tudo estivesse afastando-se dela, o escritório se retirava, afastando-se na distância enquanto ela era repentinamente iluminada por projetores e posta sob o escrutínio do microscópio.
As perguntas giraram em seu cérebro. Realmente tinha pensado que poderia sair ilesa com o que fizera? Sabia que havia câmeras de segurança... E, entretanto a noite anterior, quando se meteu atrás do balcão do farmacêutico, não tinha pensado nisso.
Como resultado disso, tudo mudaria. Sua vida, que sempre tinha sido uma luta, ia se converter em insuportável.
Destino? Não... Estupidez.
Como demônios podia ter feito algo assim?
— Demitirei-me. — disse bruscamente — Com vigência a partir desta noite. Nunca deveria tê-lo feito... Estava preocupada com ele, super excitada pelo Stephan, e cometi um terrível engano de julgamento. Estou profundamente arrependida.
Nem Havers nem Catya disseram nada, nem tinham que fazê-lo. Era um assunto de confiança, e ela tinha traído a deles. Assim como um montão de normas de segurança referente ao trato de pacientes.
— Esvaziarei meu armário. E irei imediatamente.


Capítulo 33


Rehvenge não via sua mãe o suficiente.
Esse foi o pensamento que lhe ocorreu enquanto estacionava diante do refúgio ao que a tinha mudado fazia quase um ano. Depois que a mansão familiar em Caldwell foi atacada pelos lessers, tirou todo mundo dessa casa e os instalou nesta mansão Tudor, bem ao sul da cidade.
Era o único bem que saíra do seqüestro de sua irmã… Bom, isso e o fato de que Bella encontrasse um macho de valor no Irmão que a tinha resgatado. A coisa era que, com o Rehv tendo tirado sua mãe da cidade quando o fez, ela e sua amada doggen tinham escapado do que a Sociedade Lessening tinha feito à aristocracia durante o verão.
Rehv estacionou o Bentley diante da mansão, e antes que saísse do carro, a porta da casa se abriu e a doggen de sua mãe saiu e ficou sob a luz, abrigada contra o frio.
Os sapatos ingleses de Rehv tinham solas escorregadias, assim foi muito cuidadoso ao atravessar a neve pulverizada.
— Ela está bem?
A doggen elevou o olhar, e tinha os olhos empanados com lágrimas.
— Aproxima-se sua hora.
Rehv entrou, fechou a porta, e se negou a ouvir isso.
— Não é possível.
— Sinto muito, senhor. — a doggen tirou um lenço branco do bolso de seu uniforme cinza — Sinto… Muito.
— Não é o bastante velha.
— Sua vida foi muito mais longa que seus anos.
A doggen sabia bem o que acontecia na casa quando o pai de Bella ainda estava com eles. Limpara vidros quebrados e porcelana destroçada. Tinha enfaixado ferimentos e prestado cuidados.
— Realmente, não posso suportar que se vá. — disse a criada — Estarei perdida sem minha ama.
Rehv pôs uma mão intumescida sobre seu ombro e apertou brandamente.
— Não sabe com segurança. Não foi ver o Havers. Deixe-me vê-la, ok?
Quando a doggen assentiu, Rehv subiu lentamente a escada até o primeiro andar, passando diante de retratos familiares a óleo que ele tinha transferido da antiga casa.
No patamar, foi para a esquerda e bateu em um jogo de portas.
— Mahmen?
— Estou aqui, meu filho.
A resposta na Antiga Língua veio detrás de outra porta, ele retrocedeu e entrou no closet, o familiar aroma de Chanel Nº 5 o acalmou.
— Onde está? — disse aos metros e metros de roupa pendurada.
— Estou no fundo, meu amado filho.
Enquanto Rehv passava entre as fileiras de blusas, saias, vestidos e trajes de baile, inspirou profundamente. O perfume, selo indiscutível de sua mãe, achava-se em todos os objetos de vestir, penduradas por cor e tipo, e o frasco de que provinha estava sobre a carregada penteadeira, entre maquiagem, loções e pós.
Encontrou-a diante do espelho de três corpos. Engomando.
O que era além do estranho e o fez avaliá-la.
Sua mãe era majestosa inclusive com sua camisola rosa, levava o cabelo branco recolhido em cima de sua cabeça perfeitamente proporcionada, e, sentada nesse tamborete alto tinha uma postura deliciosa, com seus grandes diamantes em forma de pêra brilhando na mão. A tábua de engomar, atrás da qual se sentava, tinha uma cesta e um spray de amido em um extremo e uma pilha de lenços engomados no outro. Quando a viu, estava na metade de um lenço, com o ferro marcando ao meio do quadrado amarelo pálido, o ferro que esgrimia chiava enquanto o deslizava acima e abaixo.
— Mahmen, o que está fazendo? — bem, em certo nível era óbvio, mas sua mãe era a castelã[68]. Não podia recordar tê-la visto jamais fazendo tarefas domésticas, lavando a roupa ou algo desse tipo. As pessoas tinham doggens para essas coisas.
Madalina elevou o olhar, seus opacos olhos azuis pareciam cansados, seu sorriso era mais um esforço que honesta alegria.
— Estes eram de meu pai. Encontramos quando estávamos revisando as caixas que vieram do sótão da antiga casa.
A “antiga casa” era a de Caldwell onde viveram durante quase um século.
— Poderia dizer a sua criada que fizesse por você. — inclinou-se e beijou a suave bochecha — Adoraria te ajudar.
— Sim, ela disse o mesmo. — depois de pôr a mão em seu rosto, sua mãe voltou para o que estava fazendo, dobrando o quadrado de linho outra vez, tomando o spray de amido e vaporizando-o sobre o lenço — Mas isto é algo que eu devo fazer.
— Posso me sentar? — perguntou, assinalando com a cabeça uma cadeira que havia ao lado do espelho.
— Oh, é obvio, onde estão minhas maneiras? — deixou o ferro e começou a descer do tamborete — E devemos te conseguir algo…
Ele levantou a mão.
— Não, Mahmen, acabei de comer.
Fez uma reverência e voltou a encarapitar-se ao banco.
— Agradeço que me concedesse esta audiência, já que conheço sua natureza ativa…
— Sou seu filho. Como pode pensar que não viria?
O lenço engomado foi colocado em cima de seus ordenados irmãos, e o último foi tirado da cesta.
O ferro exalou vapor enquanto ela passava com cuidado sua base quente sobre o quadrado branco. Enquanto o movia lentamente, ele olhou ao espelho. As omoplatas se destacavam sob a camisola de seda e na nuca se via claramente sua espinha dorsal.
Quando voltou a fixar-se em seu rosto, viu uma lágrima cair do olho ao lenço.
Oh… Querida Virgem Escriba, pensou. Não estou preparado.
Rehv cravou a bengala no chão e se ajoelhou ante ela. Girando o tamborete para ele, tirou o ferro de sua mão e o deixou a um lado, preparado para levá-la a Havers, preparado para pagar qualquer medicina que lhe pudesse comprar mais tempo.
— Mahmen, o que a aflige? — tomou um dos lenços engomados de seu pai e tocou ligeiramente a parte inferior dos olhos — Fala com seu filho legítimo do peso que há em seu coração.
Derramou intermináveis lágrimas, e ele as apanhou uma a uma. Apesar de sua idade e seu pranto, era encantadora, uma Escolhida caída que tinha vivido uma vida dura e, entretanto, permanecia cheia de graça.
Quando finalmente falou, sua voz foi tênue.
— Estou morrendo. — negou com a cabeça antes que ele pudesse falar — Não, sejamos sinceros um com o outro. Meu fim chegou.
Veremos, pensou Rehv para si mesmo.
— Meu pai. — tocou o lenço com o qual Rehv secou suas lágrimas — Meu pai… É estranho que agora pense nele dia e noite, mas o faço. Ele foi o Primale faz muito tempo, e amava aos seus filhos. Sua maior alegria era sua linhagem, e embora fossemos muitos, relacionou-se com todos nós. Estes lenços? Foram feitos com suas túnicas. A mim agradavam verdadeiramente os trabalhos de costura, e ele sabia por isso me deu algumas de suas túnicas.
Esticou uma mão ossuda e acariciou o montão que tinha engomado.
— Quando deixei o Outro Lado, ele me fez tomar alguns deles. Estava apaixonada por um Irmão e convencida de que minha vida só estaria completa se estivesse com ele. É óbvio, então…
Sim, foi essa então a parte de sua vida que lhe causara tal dor: então foi violada por um symphath, ficou grávida de Rehvenge e foi forçada a dar à luz uma monstruosidade de híbrido que de algum modo ela tinha aconchegado a seu seio e amado como qualquer filho teria querido ser amado. E, todo o tempo que o rei symphath a manteve encarcerada, o Irmão ao que amava a buscava… Só para morrer no processo de seu resgate.
E essas tragédias não tinham sido o final.
— Depois que fui… Resgatada, meu pai chamou-me ao seu leito de morte. — continuou — De todas as Escolhidas, de todos seus companheiros e filhos, ele quis ver a mim. Mas, eu não queria ir. Não podia suportar… Não era a filha que ele conhecia. — os olhos se encontraram com os de Rehv, e havia uma súplica profunda neles — Não queria que soubesse nada de mim. Estava suja.
Caramba, ele conhecia essa sensação, mas sua mahmen não necessitava essa carga. Não tinha nem idéia da classe de merda com a que ele tratava e nunca saberia, porque era evidente que a principal razão pela qual se prostituía era para que ela não tivesse de suportar a tortura de ver seu filho deportado.
— Quando me neguei ao chamado, a Directrix veio a mim e me disse que estava sofrendo. Que não iria ao Fade até que fosse vê-lo. Que permaneceria no doloroso bordo da morte durante a eternidade a menos que o aliviasse. À tarde seguinte fui, desconsolada. — nesse momento o olhar de sua mãe se voltou violento — Ao chegar ao templo do Primale, quis me abraçar, mas não pude… Permitir. Era uma estranha com o rosto de um ser amado, isso era tudo, e tentei manter um bate-papo amável e intrascendente. Foi então que disse algo que até agora não pudera compreender por completo. Disse: “A alma oprimida não passará embora o corpo falhe”. Ele estava prisioneiro pelo que ficara sem resolver a meu respeito. Sentia que falhara em seu papel. Que se me tivesse mantido no Outro Lado, teria tido melhor destino do que se revelou depois de que me fora.
Isso fechou a garganta de Rehv, quando na parte frontal de seu cérebro se instalou uma terrível suspeita.
A voz de sua mãe era fraca, mas franca.
— Aproximei-me da cama, e ele estendeu sua mão para mim, e sustentei sua palma dentro da minha. Nesse momento lhe disse que amava ao meu filho, que ia emparelhar-me com um macho da glymera e que nem tudo estava perdido. Meu pai examinou meu rosto em busca da verdade nas palavras que falei, e quando esteve satisfeito com o que viu, fechou os olhos… E se deixou levar. Soube que se não tivesse ido… — respirou fundo — Verdadeiramente, não posso deixar esta terra com as coisas como estão.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Todos estão bem, Mahmen. Bella e sua filha estão bem e a salvo. Eu…
— Pare. — sua mãe levantou a mão e o agarrou pelo queixo, do modo em que fazia quando era pequeno e dado a causar problemas — Sei o que fez. Sei que matou meu hellren, Rempoon.
Rehv sopesou a possibilidade de seguir mantendo a mentira, mas, dada a expressão de sua mãe, a verdade tinha sido revelada, e nada do que pudesse dizer a dissuadiria.
— Como? — perguntou — Como o averiguou?
— Quem mais o faria? Quem mais poderia? — quando o soltou e acariciou sua bochecha, ele se enterneceu ao sentir o quente contato — Não esqueça que via este seu rosto cada vez que meu hellren perdia a paciência. Meu filho, meu forte e poderoso filho. Olhe-se.
O sincero e afetuoso orgulho que sentia por ele era algo que nunca tinha entendido, dadas as circunstâncias de sua concepção.
— Também sei, — sussurrou — que matou ao seu pai biológico. Faz vinte e cinco anos.
Agora, isso sim captou sua atenção.
— Não supunha que soubesse. Nada disto. Quem lhe disse isso?
Ela afastou a mão de seu rosto e apontou a mesa de maquiagem, à tigela de cristal que ele sempre tinha assumido que era para fazê-la manicura.
— Os velhos hábitos de uma Escolhida escriba, são difíceis de matar. Vi-o na água. Justamente depois que acontecesse.
— E manteve em segredo. — disse ele maravilhado.
— E não posso mais. E por isso te trouxe aqui.
A horrível sensação ressurgiu, era resultado de estar preso entre o que sua mãe pediria que fizesse e a forte convicção de que sua irmã não sairia beneficiada ao inteirar-se de todos os segredos sujos e malignos da família. Bella tinha permanecido protegida desta maldade toda sua vida, e não havia razão para fazer uma completa revelação agora, especialmente se sua mãe estava morrendo.
O que Madalina não ia fazer, recordou-se.
— Mahmen…
— Sua irmã nunca deve saber.
Rehv se esticou, rezando para ter ouvido bem.
— Desculpe?
— Jure que fará tudo o que esteja em seu poder para assegurar que ela nunca saiba. — enquanto sua mãe se inclinava para frente e agarrava seus braços, ele podia afirmar que realmente estava lhe cravando os dedos pelo modo em que os ossos das mãos e punhos se sobressaíam descarnadamente — Não quero que ela leve este tipo de peso. Viu-se forçado a fazê-lo, e o teria poupado disso se pudesse, mas não pude. E, se ela não sabe então a próxima geração não terá que sofrer. Nalla tampouco terá que suportar este peso. Pode morrer contigo e comigo. Jura-me isso.
Rehv olhou fixamente aos olhos de sua mãe e nunca a amou mais.
Assentiu uma vez.
— Olhe-me no rosto e esteja segura, juro-o. Bella e sua descendência nunca saberão. O passado morrerá contigo e comigo.
Os ombros de sua mãe afrouxaram sob a camisola, e o tremente suspiro que exalou expressou claramente seu alívio.
— É o filho que outras mães só podem desejar.
— Como isso pode ser certo? — disse brandamente.
— Como pode não ser?
Madalina se compôs e tomou o lenço da mão de Rehv.
— Tenho que engomar este outra vez, e após, possivelmente, me ajudará a ir a minha cama?
— É obvio. E quero chamar o Havers.
— Não.
— Mahmen…
— Gostaria que minha passagem fosse sem intervenção médica. De todo modo ninguém poderia me salvar agora.
— Não pode saber isso…
Ela levantou sua encantadora mão com o pesado anel de diamantes.
— Estarei morta antes do anoitecer de amanhã. Vi na tigela.
Rehv ficou sem fôlego, seu pulmão se negava a funcionar. Não estou preparado para isto. Não estou preparado. Não estou preparado…
Madalina foi muito precisa com o último lenço, alinhando as pontas cuidadosamente, passou o ferro lentamente daqui para lá. Quando terminou, colocou o perfeito quadrado sobre outros, assegurando-se de que todos estivessem alinhados.
— Está feito. — disse.
Rehv se inclinou sobre sua bengala para levantar-se e lhe oferecer o braço, e juntos partiram arrastando os pés para o dormitório, ambos instáveis.
— Tem fome? — perguntou enquanto retirava as mantas e a ajudava a deitar-se.
— Não, estou bem como estou.
As mãos de ambos trabalharam juntas para arrumar os lençóis, a manta e o edredom de forma que tudo estivesse dobrado com precisão e posicionado diretamente sobre seu peito. Quando se endireitou, soube que ela não voltaria a sair da cama outra vez e não pôde suportar.
— Bella deve vir aqui. — disse com rudeza — Precisa despedir-se.
Sua mãe assentiu e fechou os olhos.
— Deve vir agora, e, por favor, que traga a menina.

Em Caldwell, na mansão da Irmandade, Tohr caminhava por seu dormitório. O que era uma piada realmente, tendo em conta quão fraco estava. Cambalear era tudo o que podia obter.
Cada minuto e meio comprovava o relógio, o tempo passava a uma velocidade alarmante, até que sentiu como se o relógio de areia do mundo tivesse se quebrado e os segundos, como a areia, estivessem se pulverizando por toda parte.
Necessitava mais tempo. Mais… Merda, entretanto, serviria isso de alguma ajuda?
Simplesmente não podia imaginar como se arrumaria para superar o que estava a ponto de acontecer e sabia que por mais que desse voltas ao assunto, não ia mudar. Por exemplo, não podia decidir se era melhor ter uma testemunha. A vantagem era que dessa forma seria ainda menos pessoal. A desvantagem era que se quebrava-se haveria outra pessoa no quarto presenciando.
— Ficarei.
Tohr deu uma olhada a Lassiter, que estava ajeitado na chaise junto às janelas. As pernas do anjo estavam cruzadas à altura dos tornozelos, e uma das botas de combate marcava o compasso de um lado ao outro, como outra forma odiosa de medir o tempo.
— Vamos, — disse Lassiter — vi seu lamentável traseiro nu. O que poderia ser pior que isso?
As palavras eram a típica fanfarronice e o tom de voz foi surpreendentemente aprazível…
A batida na porta foi suave. O que significava que não era um Irmão. E dado que não havia aroma de comida abrindo caminho por debaixo da porta, não era Fritz com uma bandeja de comida destinada a terminar em trono de porcelana.
Evidentemente a chamada ao Phury tinha funcionado.
Tohr começou a tremer da cabeça aos pés.
— Bom, tranqüilo aí. — Lassiter levantou e se aproximou rapidamente — Quero que se sente aqui. Não quererá fazer isto perto de uma cama. Vamos… Não, não lute contra mim. Sabe que é o que terá que fazer. É biologia, não uma escolha, assim, deve deixar a culpa de fora.
Tohr se sentiu empurrado para uma cadeira de encosto rígido que estava perto do escritório e, porra, foi bem a tempo, seus joelhos perderam interesse em seu trabalho e o par se afrouxou de forma que golpeou o assento tecido com tanta força que ricocheteou.
— Não sei como fazer isto.
A magnífica face de Lassiter apareceu diante da sua.
— Seu corpo fará por você. Afaste a sua mente e o seu coração e deixe que seu instinto faça o que deve ser feito. Isto não é tua culpa. Assim é como sobrevive.
— Não quero sobreviver.
— Não me diga? E eu que pensava que toda esta merda de autodestruição era só um passatempo.
Tohr não tinha forças para arremeter contra o anjo. Não tinha forças para deixar a habitação. Nem sequer tinha a reserva suficiente para chorar.
Lassiter foi até a porta e a abriu.
— Hey, obrigado por vir.
Tohr não podia suportar olhar a qual escolhida entrou, mas não havia forma de ignorar sua presença: seu aroma delicado e floral flutuou para ele.
O perfume natural de Wellsie tinha sido mais forte que esse, feito não só de rosa e jasmim, mas também da fragrância que refletia seu temperamento.
— Meu senhor. — disse uma voz feminina — Sou a Escolhida Selena, vim para serví-lo.
Houve uma longa pausa.
— Vá a ele. — disse Lassiter brandamente — Precisamos terminar com isto.
Tohr pôs o rosto entre as mãos, e deixou a cabeça cair frouxamente sobre o pescoço. Era o único que podia fazer para seguir respirando, dentro e fora, enquanto a fêmea se posicionava no chão a seus pés.
Através dos compridos e magros dedos viu o branco da túnica que se derramava a seu redor. Wellsie não esteve muito interessada nos vestidos. O único que verdadeiramente gostava era o vermelho e negro com o que se emparelhou a ele.
Uma imagem dessa cerimônia sagrada apareceu em sua mente, e viu com trágica clareza o momento em que a Virgem Escriba agarrara sua mão e a de Wellsie e declarou que era um bom emparelhamento, verdadeiramente um muito bom emparelhamento. Havia sentido uma grande calidez ao estar ligado a sua fêmea através da mãe da raça, e essa sensação de amor, propósito e otimismo se incrementou um milhão de vezes ao olhar a seu amor aos olhos.
Parecera que tinham toda uma vida de felicidade e alegria ante eles… E, entretanto, agora aqui estava ele, ao outro lado de uma perda inconcebível, sozinho.
Não, pior que sozinho. Só e a ponto de tomar o sangue de outra fêmea em seu corpo.
— Isto está acontecendo muito rápido. — disse entre dentes detrás das palmas de suas mãos — Não posso… Necessito mais tempo…
Que Deus o ajudasse, mas, se esse anjo dizia uma só palavra a respeito de ser esse o momento oportuno, faria que esse bastardo desejasse que seus dentes fossem de vidro blindado.
— Meu senhor. — disse a Escolhida brandamente — Retornarei se esse é seu desejo. E voltarei prontamente se então não for o momento adequado. E retornarei e voltarei a retornar uma vez mais até que você esteja preparado. Por favor… Meu senhor, na verdade, só desejo ajudar, não o ferir.
Ele franziu o cenho. Soava muito amável, e não havia nenhuma só nota sedutora em nenhuma das sílabas que deixaram seus lábios.
— Diga-me a cor de seu cabelo. — disse através das mãos.
— É negro como a noite e está preso tão firmemente como minhas irmãs e eu pudemos. Também tomei a liberdade de envolvê-lo em um turbante, embora você não pedisse. Pensei… Que possivelmente seria de mais ajuda.
— Diga-me cor de seus olhos.
— Azuis, meu senhor. Um pálido azul céu.
Os de Wellsie tinham sido de cor xerez.
— Meu senhor, — sussurrou a Escolhida — nem sequer precisa me olhar. Deixe que permaneça atrás de você, e tome o pulso dessa forma.
Ouviu o sussurro do suave tecido e o aroma da fêmea agitar-se a seu redor até que proveio de detrás dele. Deixando cair às mãos, Tohr viu as longas pernas de Lassiter embainhadas em jeans. Os tornozelos do anjo estavam cruzados outra vez, agora enquanto se achava recostado contra a parede.
Um braço esbelto coberto de tecido branco apareceu ante ele.
Com lentos puxões, a manga da túnica foi gradualmente elevando-se mais e mais acima.
O pulso que ficou exposto era frágil, a pele era branca e fina.
As veias sob a superfície eram de uma cor azul clara.
As presas de Tohr saíram bruscamente do paladar e um grunhido saiu de seus lábios. O bastardo do anjo tinha razão. De repente, sua mente ficou vazia, tudo se centrava em seu corpo e no que lhe fora privado durante tanto tempo.
Tohr fechou firmemente sua forte mão sobre o ombro dela, chiou como uma cobra e mordeu o pulso da Escolhida até o osso, fixando as presas no lugar. Houve um grito de alarme e uma resistência, mas ele estava longe enquanto bebia. Os goles eram como punhos em uma corda, puxando esse sangue para baixo, a suas vísceras, tão rapidamente que não tinha tempo de saboreá-la.
Quase matou à Escolhida.
E se inteirou disso mais tarde, depois que finalmente Lassiter o desprendesse e o deixasse fora de combate com um murro à cabeça… Porque no instante em que foi separado da fonte desses nutrientes, tratou de agarrar à fêmea outra vez.
O anjo caído teve razão.
A horrível biologia era o máximo condutor, ganhando inclusive ao mais robusto de coração.
E ao mais reverente dos viúvos.


Capítulo 34


Quando Ehlena chegou a casa, compôs uma expressão falsa, despediu-se de Lusie, e foi ver seu pai, que “fazia incríveis avanços” em seu trabalho. Não obstante, assim que pôde, foi ao seu quarto para conectar-se online. Tinha que verificar quanto dinheiro possuía, contando até o último tostão, e não acreditava que gostaria do que verificasse. Depois de identificar-se em sua conta bancária, repassou os cheques que teria de cobrir e assinalou o que venceria na primeira semana do mês. A boa notícia era que ainda receberia seu pagamento de novembro.
Sua conta poupança não chegava a onze dos grandes.
Não sobrava nada para vender. E, não sobrava nada do orçamento mensal.
Lusie teria que deixar de vir. O que seria um saco, porque aceitaria outro cliente para preencher o vazio, assim, quando Ehlena encontrasse um novo trabalho haveria um buraco em cuidados médicos que preencher.
Assumindo que conseguisse outro posto. Seguro como a merda que não seria de enfermeira. Que fosse despedida por justa causa não era o que algum empregador quisesse ver em um currículo.
Por que roubara essas porcarias de pílulas?
Ehlena ficou sentada olhando à tela somando e voltando a somar todos os numerozinhos até que se juntaram formando um só borrão, e nem sequer pôde registrar a soma.
— Minha filha?
Fechou rapidamente o portátil, porque ao seu pai não caía bem a eletrônica, e compôs o semblante.
— Sim? Quero dizer, sim?
— Pergunto-me se você gostaria de ler uma passagem ou duas de meu trabalho? Parece ansiosa, e descobri que tais atividades acalmam a mente. — aproximou-se de seu lado arrastando os pés e estendeu galantemente o braço.
Ehlena se levantou porque às vezes tudo o que uma pessoa podia fazer era aceitar as instruções de outra. Não queria ler nenhuma das incoerências que tinha rabiscado nessas páginas. Não suportava fingir que estava tudo bem. Desejava, embora fosse só por uma hora, poder ter de volta ao seu pai para poder falar da posição ruim que ela colocou a ambos.
— Isso seria encantador. — disse com um tom de voz apagado e elegante.
Seguindo-o a seu escritório, ajudou-o a acomodar-se em sua cadeira e olhou ao redor, às descuidadas pilhas de papéis. Que desastre. Havia pastas de couro negro cheias até o ponto de se romper. Pastas repletas até os batentes. Cadernos de apontamentos de espirais com páginas escapando de seus limites como línguas de cão. Folhas brancas soltas esparramadas aqui e ali, como se as páginas tivessem tentado empreender o vôo e não tivessem conseguido chegar muito longe.
Tudo isto era seu diário, ou isso dizia ele. Em realidade, era somente uma pilha atrás de outra de sem-sentidos, a manifestação física de seu caos mental.
— Aqui. Sente-se, sente-se. — seu pai limpou o assento próximo a sua escrivaninha, movendo uns blocos de papéis mantidos com elástico de borracha de cor café claro.
Depois de sentar-se, Ehlena pôs as mãos sobre os joelhos e apertou com força, tentando não perder o controle. Era como se o lixo da sala fosse uma espiral magnética que fazia com que seus próprios pensamentos e maquinações rodassem inclusive mais rápidos, e, essa não era em absoluto a ajuda que necessitava.
Seu pai passeou a vista pelo escritório e sorriu como se desculpando.
— Semelhante trabalho para um rendimento comparativamente pequeno. Algo assim como colher pérolas. As horas que passei aqui, a quantidade de horas para cumprir cabalmente com meu propósito...
Ehlena apenas ouvia. Se não pudesse quitar o aluguel, aonde iriam? Haveria algo inclusive mais barato que não tivesse ratos e baratas sibilantes? Como seu pai enfrentaria um ambiente estranho? Queridíssima Virgem Escriba assumiu que tinham chegado ao fundo à noite em que ele queimara a conveniente casa que alugavam. O que havia mais ao fundo que isto?
Soube que tinha problemas quando tudo se borrou.
A voz de seu pai continuava, percorrendo através de seu silencioso pânico.
— Empenhei-me em registrar com fidelidade tudo o que vi...
Ehlena não ouviu muito mais.
Quebrou-se pela metade. Sentada na pequena cadeira sem braços, inundada pelo inútil balbuciar sem sentido de seu pai e examinando suas ações e aonde uma decisão ruim levara a ambos, chorou.
E não só por ter perdido o trabalho. Era pelo Stephan. Pelo que ocorrera com Rehvenge. Pelo fato de seu pai ser um adulto que não podia compreender a realidade de sua situação.
Era por estar tão sozinha.
Ehlena abraçou a si mesma e chorou, exalando roucos fôlegos por entre seus lábios até que esteve muito exausta para fazer outra coisa mais que permanecer dobrada sobre seu próprio colo.
Finalmente, soltou um grande suspiro e limpou os olhos com a manga do uniforme que já não necessitaria.
Quando levantou o olhar, seu pai estava sentado completamente imóvel em sua cadeira, com uma expressão de absoluta surpresa.
— Verdadeiramente... Minha filha.
Veja, esta era a questão. Podia ter perdido toda a pompa financeira de sua condição anterior, mas os velhos hábitos demoravam a morrer. A reserva da glymera ainda definia a forma de conversar de ambos... Em razão disso, uma grande sessão de choro equivalia a atirar-se de costas sobre a mesa do café da manhã e que lhe saísse um “alien” do estômago.
— Perdoe-me, Pai. — disse, sentindo-se mais que parva — Acredito que deveria me desculpar.
— Não... Espere. Ia ler.
Fechou os olhos, sua pele esticando-se ao longo de todo seu corpo. Em certo nível, toda sua vida estava definida pela patologia mental de seu pai, e, embora em sua maior parte visse seu sacrifício como algo que lhe devia, esta noite estava muito alterada para fingir que algo tão inútil como seu “trabalho” era de importância crucial.
— Pai, eu...
Uma das gavetas da escrivaninha se abriu e fechou.
— Aqui o tem filha. Tem em suas mãos algo mais que só uma passagem.
Abriu as pálpebras à força…
E teve que inclinar para frente para assegurar-se de que realmente estava vendo bem. Entre as palmas de seu pai havia uma pilha próxima a um centímetro de grossura de páginas brancas perfeitamente alinhadas.
— Este é o meu trabalho. — disse simplesmente — Um livro para você, minha filha.

No andar inferior do refúgio Tudor, Rehv esperava junto às janelas da sala, com o olhar fixo na grama ondulada. As nuvens se afastaram e uma lua crescente pendia no brilhante céu invernal. Em sua mão intumescida, sustentava seu novo telefone celular, que acabava de fechar com uma maldição.
Não podia acreditar que no andar de acima, sua mãe estivesse em seu leito de morte, que nesse mesmo momento sua irmã e seu hellren corressem às pressas contra a saída do sol para poder chegar ali antes... E, ainda assim o trabalho elevava sua feia e chifruda cabeça.
Outro camelo morto. O que somava três nas últimas vinte e quatro horas.
Xhex foi breve e concisa, muito ao seu estilo. Ao contrário de Ricky Martínez e Isaac Rush, cujos corpos foram encontrados no rio, este cara aparecera em seu carro no estacionamento vazio de um centro comercial com uma bala atravessando a parte de trás de seu crânio. O que significava que o carro foi conduzido até ali com o corpo dentro: ninguém seria tão estúpido para disparar ao idiota em um lugar que, indubitavelmente, tinha cobertura de câmeras de segurança. Entretanto, como o relato da polícia não informava nada mais, teriam que esperar os periódicos e as notícias matutinas da TV para inteirar-se de mais detalhes.
Mas aí estava o problema, e a razão de ter amaldiçoado.
Esses três tinham feito compras no correr das últimas duas noites.
Razão pela qual Xhex o interrompera na casa de sua mãe. O negócio das drogas não estava simplesmente desregulamentado, a não ser totalmente irregular, e o ponto de equilíbrio que se alcançou em Caldwell e que permitia que ele e seus colegas de alto nível pudessem fazer dinheiro era algo muito delicado.
Ao ser um grande jogador, seus fornecedores eram uma combinação de traficantes de Miami, importadores do porto de Nova Iorque, destiladores de Connecticut, e fabricantes de X de Rhode Island. Todos eles eram homens de negócios, como ele, e a maioria eram independentes, exemplos, não filiados à máfia dos Estados Unidos. A relação era sólida e os homens que no outro extremo eram tão cuidadosos e escrupulosos como ele era: o que faziam era simplesmente uma questão que implicava uma transação financeira e uma mudança de mãos de produtos, como em qualquer outro segmento legítimo da economia. Os carregamentos chegavam à Caldwell através de várias residências e eram transportados ao ZeroSum, onde Rally estava a cargo de provar, cortar e empacotar.
Era uma máquina bem azeitada que tinha levado dez anos pôr em marcha, e requeria uma combinação de empregados bem pagos, ameaças de dor física, a realização dessas surras, e o constante relacionamento para assegurar a manutenção.
Três cadáveres eram suficientes para fazer pedaços de todo o acerto, provocando não só um déficit econômico, a não ser uma luta de poder nos níveis inferiores que ninguém necessitava: alguém estava encarregando-se das pessoas em seu território, e seus colegas se perguntariam se estava distribuindo algum tipo de castigo ou, pior, se estava ele mesmo sendo castigado. Os preços flutuariam, as relações ficariam tensas e a informação passaria a ser não confiável.
Este assunto devia ser atendido.
Tinha que fazer algumas chamadas para assegurar a seus importadores e produtores que mantinha o controle de Caldwell e que nada impediria a venda de suas mercadorias. Mas Cristo, por que agora?
Rehv dirigiu os olhos ao teto.
Durante um momento, fantasiou deixando tudo, salvo que isso era pura merda. Enquanto a princesa fizesse parte de sua vida, permaneceria no negócio, porque não havia uma maldita forma de que permitisse que essa cadela ficasse com a fortuna de sua família. Deus sabia que o pai de Bella fizera o bastante nesse sentido ao tomar decisões financeiras ruins.
Enquanto a princesa estivesse no mundo, Rehv seguiria sendo o senhor da droga de Caldwell e faria suas chamadas... Embora, não da casa de sua mãe, não durante o tempo que dedicava a sua família. Os negócios podiam esperar até que tivesse cumprido com sua família.
Embora uma coisa estivesse clara. De agora em diante, Xhex, Trez e iAm teriam que vigiar as coisas ainda mais de perto, porque certo como a merda que se alguém era ambicioso o bastante para tentar acabar com esses intermediários, era mais que provável que tentaria com um peixe graúdo como Rehv. O problema era que seria de vital importância que Rehv se deixasse ver pelo clube. Fazer ato de presença era crítico em tempos revoltos, quando seus contatos de negócios estariam observando-o para ver se fugia e se escondia. Era melhor que o percebessem como a pessoa que podia estar levando a cabo as matanças do que como a um maricas que se escondia rapidamente quando as coisas ficavam difíceis.
Sem razão aparente, abriu seu telefone e se certificou se tinha chamadas perdidas. Outra vez. Nada de Ehlena. Ainda.
Era provável que simplesmente estivesse ocupada na clínica, presa na agitação. É óbvio que sim. E, não era como se a instalação corresse perigo de ser assaltada. Estava localizada em um lugar remoto, tinha bastante segurança, e, se algo mal tivesse ocorrido teria se informado.
Verdade?
Demônios.
Franzindo o cenho, verificou seu relógio. Hora de tomar mais duas pílulas.
Dirigiu-se à cozinha e estava bebendo um copo de leite e tomando mais penicilina quando um par de faróis iluminou a fachada da casa. Enquanto o Escalade estacionava à frente e abriam as portas, deixou o copo, apoiou a bengala no chão, e foi saudar sua irmã, seu marido e a filha de ambos.
Bella já tinha os olhos vermelhos quando entrou, porque deixara claro o que estava acontecendo. Seu hellren vinha logo atrás dela, levando a sua sonolenta filha nos enormes braços, e com uma expressão turva em seu rosto com cicatrizes.
— Minha irmã. — disse Rehv enquanto tomava Bella entre seus braços. Enquanto a abraçava ligeiramente, chocou as palmas com Zsadist — Alegra-me que esteja aqui, amigo.
Z assentiu com seu crânio raspado.
— A mim também.
Bella se afastou e limpou os olhos rapidamente.
— Está acima na cama?
— Sim, sua doggen está com ela.
Bella tomou sua filha nos braços e, após, Rehv abriu caminho subindo as escadas. Frente às portas do dormitório, chamou primeiro na soleira e esperou enquanto sua mãe e a fiel criada se preparavam.
— Quão mal está? — sussurrou Bella.
Rehv baixou o olhar para sua irmã, pensando que esta era uma das poucas situações que podia ver-se não sendo tão forte para ela como queria ser.
Sua voz foi rouca.
— Chegou a hora.
Os olhos de Bella se fecharam exatamente quando sua mahmen disse com um tom de voz instável:
— Entrem.
Quando Rehv abriu uma das duas portas, ouviu Bella inalar intensamente, mas, mais que isso percebeu sua mentira emocional: a tristeza e o pânico se entrelaçavam, dobrando-se e redobrando-se até formar uma caixa sólida. Era uma estampagem de sentimentos que só tinha visto em funerais. E, por acaso não tinha isso um perfeito e trágico sentido.
— Mahmen. — disse Bella enquanto ia à cama.
Quando Madalina estendeu os braços, seu rosto estava impregnado de felicidade.
— Meus amores, meus queridíssimos amores.
Bella se inclinou e beijou a bochecha de sua mãe, depois transferiu cuidadosamente o peso de Nalla. Como sua mãe não tinha forças para segurar à pequena, colocou um dos travesseiros restantes de forma que servisse de apoio para o pescoço e a cabeça de Nalla.
O sorriso de sua mãe era resplandecente.
— Olhem seu rosto... Certamente será uma grande beleza. — elevou uma mão esquelética para Z — E o orgulhoso papai, que cuida de suas fêmeas com tanta força e integridade.
Zsadist se aproximou e estreitou a mão que lhe estendia, inclinando-se para roçar os nódulos dela com a testa, como era costume entre mães e genros.
— Sempre as manterei a salvo.
— Certamente. Disso estou bem segura. — sua mãe sorriu ao feroz guerreiro que parecia totalmente desconcertado entre as cortinas de renda que rodeavam a cama... Mas então suas forças fraquejaram e permitiu que sua cabeça caísse a um lado.
— Minha maior alegria. — sussurrou enquanto olhava a sua neta.
Bella encostou o quadril sobre o colchão e roçou gentilmente o joelho de sua mãe. O silêncio no quarto se voltou suave como um pôr-do-sol, um casulo de tranqüilidade que pousou sobre todos eles e aliviou a tensão.
Havia uma única coisa boa em tudo isto: Uma morte natural que ocorria no momento adequado era uma bênção tão grande como uma vida longa e tranqüila.
Sua mãe não teve o último. Mas Rehv manteria sua promessa assegurando-se que a paz que havia neste quarto se mantivesse também depois que ela se fosse.
Bella se inclinou para sua filha e sussurrou:
— Dorminhoca, acorde para sua Grahmen.
Quando Madalina roçou brandamente a bochecha da pequena, Nalla despertou com um gorjeio. Quando esses olhos amarelos, brilhantes como diamantes enfocaram o velho e amado rosto que tinha ante ela, a pequena sorriu e estendeu suas mãos gordinhas. Quando a menina apertou o dedo de sua avó, Madalina elevou o olhar e espiou ao Rehv por cima da seguinte geração. Em seu olhar havia uma súplica.
E lhe deu exatamente o que necessitava. Pondo o punho sobre o coração, fez a mais ligeira das inclinações, pronunciando seu voto uma vez mais.
Sua mãe piscou, com lágrimas tremendo em suas pestanas, e uma onda de gratidão se derramou sobre ele. Embora não pudesse sentir a calidez da mesma, sabia pela forma em que permitiu que seu casaco de zibelina se abrisse que sua temperatura corporal acabava de subir.
Sabia também que seria capaz de tudo para manter sua promessa. Uma boa morte não era somente rápida e indolor. Uma boa morte implicava deixar seu mundo em ordem, que passava ao Fade com a satisfação de saber que os entes amados estariam bem cuidados e a salvo, e, embora tivessem que atravessar o processo do duelo, ficava a segurança de que não tinha deixado nada sem dizer ou fazer.
Ou que não havia dito nada, como era o caso aqui.
Era o maior presente que podia dar à mãe que o criara de um modo melhor do que merecia, a única forma em que podia compensá-la pelas circunstâncias de seu cruel nascimento.
Madalina sorriu e soltou um comprido e agradecido fôlego.
E tudo foi como tinha que ser.


Capítulo 35


John Matthew acordou com sua H&K  apontando à porta que se abria no inóspito quarto de Xhex. Seu ritmo cardíaco estava tão sereno quanto sua mão firme, e, mesmo quando as luzes acenderam, não piscou. Se não gostasse do aspecto de quem quer que fosse que abria a fechadura e virava o trinco, colocaria uma bala no meio de qualquer peito que surgisse.
— Tranqüilo. — disse Xhex enquanto entrava e os fechava juntos — Sou somente eu.
Ele voltou a pôr a trava e baixou a arma.
— Estou impressionada. — murmurou ela enquanto se recostava contra o batente da porta — Desperta como um guerreiro.
De pé do outro lado do quarto, com seu poderoso corpo relaxado, era a fêmea mais atrativa que já vira. O que queria dizer que a menos que ela quisesse o mesmo que ele, teria que ir. As fantasias eram boas, mas em carne e osso era melhor, e, não acreditava que pudesse manter-se afastado dela.
John esperou. E esperou. Nenhum dos dois se moveu.
Bem. Hora de ir antes de se comportar como um imbecil.
Começou a baixar as pernas da cama, mas ela sacudiu a cabeça.
— Não, fique onde está.
Ok. Mas isso queria dizer que necessitaria um pouco de camuflagem.
Estendeu a mão em busca de sua jaqueta e arrastou o couro até seu colo, porque sua arma não era unicamente o que estava preparada para ser usada. Como de costume, tinha uma ereção, o que era habitual na merda de “acorda-desperta-levanta-e-brilha”… Assim como um problema sempre que entrava no raio de ação dela.
— Sairei em seguida. — disse ela, deixando cair sua jaqueta negra e dirigindo-se ao banheiro.
A porta se fechou e ele ficou boquiaberto.
Poderia ser… Que acontecesse?
Alisou o cabelo, arrumou a camisa, e acomodou seu pênis. O qual não só estava duro, mas também pulsava. Baixou o olhar para a longitude que se apertava contra o zíper de seu jeans A&F e tratou de indicar à coisa que possivelmente ela ficaria, mas isso não queria dizer necessariamente que tivesse interesse em utilizar seus quadris para praticar como montar.
Xhex saiu um pouco depois e se deteve junto ao interruptor.
— Tem algo contra a escuridão?
Ele negou lentamente com a cabeça.
O quarto se afundou na escuridão e a ouviu dirigir-se para a cama.
Com o coração disparado no peito e o pênis ardendo, John apressou em mover-se lhe deixando muito espaço. Quando se deitou, sentiu cada nuance do movimento do colchão, escutou o suave roçar de seu cabelo quando pousou no travesseiro e distinguiu seu aroma nas profundezas de suas narinas.
Não podia respirar.
Nem sequer quando ela suspirou relaxando-se.
— Não me tem medo. — disse em voz baixa.
Ele negou com a cabeça apesar dela não poder vê-lo.
— É duro.
Oh, Deus, pensou ele. Sim, estava.
Um pânico instantâneo tomou forma, como um chacal saltando de um arbusto grunhindo. Porra! Era difícil imaginar o que seria pior: que Xhex o buscasse e ele perdesse sua ereção… Como ocorreu com a Escolhida Layla na noite de sua transição. Ou, que Xhex não o buscasse absolutamente.
Ela resolveu o cara ou coroa girando para ele e pondo uma mão em seu peito.
— Tranqüilo. — disse quando saltou.
Depois que se tranqüilizou, sua carícia prosseguiu para o estômago, e quando cavou a mão ao redor de seu pênis através dos jeans, ele se arqueou na cama, abrindo a boca para soltar um silencioso gemido.
Não houve preliminares, mas em todo caso não os desejava. Baixou o zíper, tirou sua ereção e logo houve uns movimentos e ouviu o som de suas calças de couro caindo ao chão.
Montou-o, plantando as palmas nos peitorais e o empurrando contra o colchão. Quando algo morno, suave e úmido se esfregou contra ele, já não o preocupou absolutamente ficar flácido. Seu corpo ansiava por entrar nela, nada do passado abriria caminho através de seu instinto de emparelhamento.
Xhex se levantou sobre os joelhos, tomou sua ereção na mão, e a levantou. Quando se sentou, sentiu uma deliciosa e tensa pressão ao longo de seu pênis, a compressão eletrizante detonou o orgasmo que provocou que seus quadris saltassem para cima. Sem pensar se era o correto, aferrou-se a suas coxas…
Ficou gelado quando sentiu o metal, mas então já estava muito longe. Tudo o que pôde fazer foi apertar as mãos enquanto estremecia uma e outra vez, em uma interminável perda de sua virgindade.
Era a coisa mais assombrosa que jamais sentiu. Sabia como era por suas masturbações. Tinha feito mil vezes desde sua transição. Mas, isto tirava do jogo algo que ele pudesse ter-se feito. Xhex era indescritível.
E isso foi antes que começasse a se mover.
Quando terminou com esse primeiro fantasma-orgasmo, ela lhe deu um minuto para recuperar o fôlego, e logo começou a menear os quadris para cima e para trás. Ele ofegou. Seus músculos internos apertavam e soltavam seu pênis, a pressão intermitente fez seus testículos se esticarem e estarem preparadas uma vez mais.
Agora entendia total e completamente as ânsias de Qhuinn por despir-se. Isto era incrível, especialmente quando John deixou que seu corpo seguisse ao dela e se moveram juntos. Inclusive quando o ritmo se tornou mais e mais rápido, convertendo-se algo urgente, sabia exatamente o que estava acontecendo e onde estava cada parte de ambos. Desde as palmas de suas mãos em seu peito, passando pelo peso dela sobre ele, e a fricção do sexo até a forma em que o fôlego se enroscava na garganta.
Quando gozou outra vez, seu corpo ficou rígido dos pés à cabeça, e seus lábios articularam o nome dela como em suas fantasias… Só que com mais urgência.
E então terminou.
Xhex se levantou para liberá-lo e seu pênis caiu sobre seu ventre. Comparado com o quente refúgio de seu corpo, o suave algodão da camiseta que usava era como lixa, e a temperatura ambiente estava gelada. A cama se moveu quando ela se estendeu a seu lado, e ele girou para encará-la na escuridão. Sua respiração era difícil, mas ansiava beijá-la no interlúdio antes que o fizessem outra vez.
John estendeu a mão e sentiu que ela se esticava quando a pousou sobre a lateral de seu pescoço, mas ela não se afastou. Deus, sua pele era suave… Oh, tão suave. Embora os músculos que percorriam seus ombros fossem como aço, a pele que os cobria era suave como a seda.
John se moveu devagar ao levantar a parte superior de seu corpo e se inclinar sobre ela, deslocando a carícia até sua bochecha, embalando o rosto brandamente, encontrando seus lábios com o polegar.
Não queria pressioná-la. Ela tinha feito a maior parte do trabalho e o tinha feito espetacularmente. Mais que isso, tinha lhe dado o dom do sexo e mostrou que apesar do que lhe tinham feito, ainda era um macho, ainda era capaz de desfrutar com aquilo que seu corpo nasceu para fazer. Se era ele quem iniciaria o primeiro beijo entre eles, estava decidido a fazê-lo bem.
Baixou a cabeça…
— Isto não se trata disso. — Xhex o empurrou, desceu da cama, e entrou no banheiro.
A porta se fechou, e o pênis de John murchou sobre sua camiseta quando ouviu  cair à água: ela estava limpando-se dele, desfazendo-se do que seu corpo lhe tinha dado. Com as mãos tremendo, meteu-se de novo em seu jeans, tratando de ignorar a umidade e o aroma erótico.
Quando Xhex saiu, recolheu sua jaqueta, e foi abrir a porta. Quando a luz do vestíbulo entrou, converteu-a em uma destacada sombra negra, alta e forte.
— Já amanheceu, no caso de não ter checado seu relógio. — fez uma pausa — E aprecio que tenha sido discreto a respeito de minha… Situação.
A porta fechou silenciosamente atrás dela.
Assim, esse era o porquê atrás de sua atuação. Tinha dado sexo a ele para agradecer por que manteve seu segredo.
Cristo, como podia ter pensado que fosse algo mais?
Completamente vestidos. Sem beijos. E estava bastante seguro que tinha sido o único que gozou: sua respiração não se alterou, não tinha gemido, não a alagou o alívio depois de fazê-lo. Não que ele soubesse muito sobre fêmeas e orgasmos, mas era o que aconteceu a ele quando gozou.
Não foi uma transa por pena. Foi uma por gratidão.
John esfregou seu rosto. Era tão estúpido. Por pensar que tinha significado algo.
Tão, mas tão estúpido.
 
Tohr acordou com o estômago como se tivesse sido pintado com um spray da cor da dor. A agonia era tão intensa que em seu sonho pós-alimentação de morto para o mundo, rodeou seu ventre com os braços e se encurvou sobre si mesmo.
Endireitando de sua posição encurvada e tremente, perguntou-se se teria havido algo mau no sangue…
Os rugidos que emitia eram o suficientemente altos para rivalizar com um triturador de lixo.
A dor… Era fome? Baixou os olhos para a fossa côncava que havia entre seus quadris. Esfregou a superfície dura e plana. Escutou outro rugido.
Seu corpo exigia comida, quantidades industriais de sustento.
Olhou o relógio. Dez da manhã. John não passara para vê-lo para a Última Comida.
Tohr se ergueu sem utilizar os braços e foi ao banheiro sobre pernas que sentia curiosamente firmes. Usou o vaso, mas não para vomitar, depois lavou o rosto, e se deu conta que não tinha roupa que vestir.
Vestindo um robe de felpa, saiu de seu dormitório pela primeira vez desde que tinha entrado nele.
As luzes do corredor das estátuas o fizeram piscar como se fossem focos de um cenário, e necessitou um minuto para adaptar-se a… Tudo.
Estendendo-se para cima e abaixo pelo corredor, os machos de mármore em suas várias posturas estavam tal e como os recordava: tão fortes, elegantes e estáticos, e sem motivo aparente, recordou o Darius comprando-os um a um, formando a coleção. Naquela época, quando D se pôs em ritmo de compra, enviara Fritz aos leilões da Sotheby’s e Christie’s em Nova Iorque, e, quando cada uma das obras de mestres era entregue em uma caixa com todo esse estofo e esses tecidos as envolvendo, o irmão fazia uma festa de inauguração.
D amara a arte.
Tohr franziu o cenho. Wellsie e seu filho não nascido seriam sempre sua primeira e mais importante perda. Mas tinha mais mortos que vingar, ou não? Os lessers levaram não só sua família, mas também seu melhor amigo.
A fúria se agitou nas profundezas de seu ventre… Desencadeando outro tipo de fome. De guerra.
Com uma concentração e uma determinação que eram de uma única vez estranhas e familiares, Tohr se dirigiu para a escada principal e se deteve quando chegou às portas quase fechadas do escritório. Percebeu Wrath atrás delas, mas, na realidade não queria interagir com ninguém.
Ao menos pensava isso.
Então, por que simplesmente não ligou à cozinha para pedir comida?
Tohr espiou através da fresta entre as portas.
Wrath estava dormindo em seu escritório, seu comprido e brilhante cabelo negro se abria em leque sobre a papelada e tinha um antebraço dobrado sob a cabeça como se fosse um travesseiro. Na mão livre, ainda sustentava a lupa que devia usar se queria tentar ler algo.
Tohr entrou na sala. Jogando um olhar a seu redor, viu o suporte da chaminé e pôde imaginar o Zsadist ajeitado contra ela, com uma expressão séria em seu rosto marcado e os olhos negros brilhantes. Phury sempre estava perto dele, geralmente sentado na chaise azul pálido que havia ao lado da janela. V e Butch tinham tendência a se apropriar do sofá alto e frágil. Rhage escolhia diferentes lugares dependendo de seu humor…
Tohr franziu o cenho quando notou o que estava junto a escrivaninha de Wrath.
A horrenda e andrajosa poltrona verde-abacate, com remendos puídos nas almofadas de couro… Era a cadeira de Tohr. A que Wellsie insistiu em jogar fora porque parecia um fiasco. A que ele tinha posto no escritório do centro de treinamento.
— Trouxemos aqui para que John voltasse para a mansão.
Tohr girou a cabeça bruscamente. Wrath estava levantando a cabeça do braço e sua voz era tão grogue como a aparência de seu rosto.
O rei falou lentamente, como se não quisesse assustar sua visita.
— Depois do que aconteceu, John não queria sair do escritório. Negava-se a dormir em outro lugar que não fosse essa cadeira. Que enredo… Comportava-se mal nos treinamentos. Metia-se em brigas. Ao final me pus firme, mudei esse traste inútil para cá, e as coisas melhoraram. — Wrath girou para a cadeira — Costumava lhe agradar sentar-se ali e me olhar trabalhar. Após sua transição e as incursões ocorridas no verão, esteve saindo para lutar de noite e dormindo durante o dia, assim não esteve aqui tanto tempo. De certa forma sinto sua falta.
Tohr tomou um susto. Tinha feito uma boa merda a esse pobre menino. Certo, fora incapaz de atuar diferente, mas John sofreu um montão.
Ainda sofria.
Tohr se envergonhou de si mesmo ao pensar em como despertava nessa cama cada manhã e cada tarde e John levava a bandeja e se sentava com ele enquanto comia… E permanecia ali, como se o menino soubesse que assim que ficasse sozinho, vomitaria a maior parte do que tivesse lhe servido.
John teve que enfrentar a morte de Wellsie por si só. Atravessar a transição por si só. Atravessar muitas primeiras vezes por si só.
Tohr se sentou no sofá de V e Butch. A coisa se sentia surpreendentemente firme, mais do que lembrava. Pondo as palmas de suas mãos sobre as almofadas, empurrou.
— Foi reforçado enquanto não estava. — disse Wrath tranqüilamente.
Houve um bom período de silêncio, a pergunta que Wrath queria fazer pairava no ar tão clamorosamente como o eco das badaladas dos sinos de uma capela privada.
Tohr clareou a garganta. A única pessoa com a qual poderia ter falado a respeito do que tinha em mente era Darius, mas o irmão estava morto e enterrado. Não obstante, Wrath era a próxima pessoa a que considerava mais próxima…
— Foi… — Tohr cruzou os braços sobre o peito — Estive bem. Ela ficou detrás de mim.
Wrath assentiu lentamente.
— Boa idéia.
— Foi idéia dela.
— Selena está bem. Bondosa.
— Não estou certo de quanto tempo me levará. — disse Tohr, não querendo sequer falar da fêmea — Já sabe, estar preparado para lutar. Terei que treinar um pouco. Ir ao campo de tiro. Fisicamente? Não tenho idéia de como se recuperará meu corpo.
— Não se preocupe pelo tempo. Só cure.
Tohr baixou o olhar para suas mãos e as apertou formando um par de punhos. Não tinha carne sobre os ossos, por isso os nódulos se sobressaíam na pele como se fosse um mapa em relevo das Adirondacks, nada mais que picos dentados e vales cavados.
Seria uma longa viagem de retorno, pensou. E, inclusive uma vez que estivesse fisicamente forte, em seu baralho de cartas mental ainda lhe faltariam todos os ases. Sem importar quanto pesasse nem quão bem lutasse nada trocaria isso.
Houve um golpe seco na porta e fechou os olhos, rezando para que não fosse um de seus irmãos. Não queria dar muita importância a sua volta à terra dos vivos.
Sim. Hurra. Uau. Bárbaro.
— O que ocorre, Qhuinn? — perguntou o rei.
— Encontramos o John. Mais ou menos.
As pálpebras de Tohr se abriram amplamente e deu a volta, franzindo o cenho ao menino que estava na porta. Antes que Wrath pudesse falar, Tohr exigiu:
— Estava perdido?
Qhuinn pareceu surpreso de vê-lo de novo em pé, mas o macho se recompôs rapidamente enquanto Wrath exigia:
— Por que não me informou que se foi?
— Não sabia que se foi. — Qhuinn entrou, e o ruivo das aulas de treinamento, Blay, estava com ele — Disse a ambos que estava fora do turno de rodízios e que iria dormir. Nós acreditamos, e antes que me arranque às bolas, durante todo esse tempo fiquei em meu quarto porque pensei que ele estava no seu. Assim que me dei conta de que não estava ali, fomos buscá-lo.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e depois interrompeu a desculpa de Qhuinn.
— Ah, está bem, filho. Não sabia. Não podia fazer nada. Onde caralho está?
Tohr não escutou a resposta devido ao rugido que havia em sua cabeça. John estava em Caldwell sozinho? Foi sem dizer a ninguém? E se aconteceu algo?
Interrompeu a conversa.
— Esperem, onde está?
Qhuinn levantou seu telefone.
— Não quis dizer. Só escreveu que está a salvo, em qualquer lugar que esteja, e que se encontrará conosco amanhã de noite.
— Quando voltará para casa? — exigiu Tohr.
— Acredito, — disse Qhuinn encolhendo de ombros — que não voltará.


Capítulo 36


A mãe de Rehvenge fez a passagem para o Fade às onze e onze da manhã.
Estava rodeada por seu filho, sua filha, sua neta adormecida, seu feroz genro e atendida por sua querida doggen.
Foi uma morte plácida. Uma morte muito plácida. Fechou os olhos, e uma hora mais tarde ofegou duas vezes e deixou escapar uma longa exalação, como se seu corpo suspirasse de alívio enquanto sua alma voava livre do aprisionamento corpóreo. E foi estranho… Nalla despertou nesse momento e a menina cravou o olhar não em sua granhmen, mas, um pouco mais acima da cama. As pequenas mãos gordinhas se estenderam ao alto, sorriu e gorjeou como se alguém acabasse de acariciar sua bochecha.
Rehv baixou os olhos para o corpo. Sua mãe sempre acreditou que renasceria no Fade, as raízes de sua fé foram plantadas no fértil terreno de sua educação como Escolhida. Esperava que isso fosse certo. Queria acreditar que vivia em algum lugar.
Foi a única coisa que aliviou, embora fosse um pouco, a dor que sentia no peito.
Quando a doggen começou a chorar baixinho, Bella abraçou sua filha e Zsadist. Rehv permaneceu afastado deles, sentado sozinho aos pés da cama, observando como o rosto de sua mãe ia perdendo a cor.
Quando um formigamento floresceu em suas mãos e pés, recordou que o legado de seu pai, assim como o de sua mãe, estaria sempre com ele.
Levantou-se, fez uma pequena reverência a todos, e se desculpou. No banheiro do quarto onde se hospedava, olhou sob o lavabo e deu graças à Virgem Escriba de ter sido bastante inteligente para colocar um par de ampolas de dopamina na parte de atrás. Acendendo a luz do teto, tirou o casaco de zibelina e a jaqueta Gucci dos ombros. Quando o resplendor avermelhado que vinha de acima o pôs muito nervoso, porque o fez pensar que o estresse pela morte fazia aflorar seu lado perverso, apagou a luz, abriu a ducha e antes de continuar, esperou que subisse o vapor.
Engoliu outras duas pílulas de penicilina enquanto tamborilava o chão com o mocassim.
Quando se considerou capaz de suportar, enrolou a manga da camisa e deliberadamente ignorou seu reflexo no espelho. Após encher uma seringa de injeção, utilizou o cinto LV[69] para formar um laço que pôs ao redor de seus bíceps, logo puxou o couro negro, dobrou-o e o aprisionou contra as costelas.
Introduziu a agulha de aço dentro de uma de suas veias infectadas e apertou o êmbolo…
— O que está fazendo?
A voz de sua irmã o fez levantar a cabeça. Através do espelho, ela estava olhando fixamente a agulha que tinha no braço e as veias judiadas e avermelhadas.
A primeira coisa que lhe ocorreu foi rosnar que saísse. Não queria que visse isto, e, não só porque significasse que teria que dizer mais mentiras. Era algo íntimo.
Em troca, tirou a seringa de injeção com calma, pôs a tampa, e a jogou. Enquanto a ducha chiava, baixou a manga, após vestiu a jaqueta e o casaco de zibelina.
Fechou a água.
— Sou diabético. — disse. Merda, dissera a Ehlena que tinha Parkinson. Maldita seja.
Bom, tampouco era como se fossem se encontrar um dia desses.
Bella levou a mão à boca.
— Desde quando? Está bem?
— Estou bem. — forçou um sorriso — Você está bem?
— Espere, desde quando isto está acontecendo?
— Estive me injetando há uns dois anos. — ao menos isto não era uma mentira — Vejo Havers com regularidade. — Ding! Ding! Outra verdade — Levo bem.
Bella olhou seu braço.
— É por isso que sempre tem frio?
— Isso é pela má circulação. Por isso necessito a bengala. Tenho um sentido ruim de equilíbrio.
— Pensei que havia dito que isso era por causa de uma ferida?
— A diabetes compromete a forma em que me curo.
— Oh, claro. — assentiu tristemente — Desejaria ter sabido.
Quando o contemplou com seus grandes olhos azuis, pensou que odiava lhe mentir, mas tudo o que tinha que fazer era pensar na plácida expressão de sua mãe.
Rehv rodeou sua irmã com o braço e a conduziu fora do banheiro.
— Não é importante. Eu cuido disso.
O ar era mais frio no quarto, mas notou só porque Bella se envolveu com seus braços e se aconchegou.
— Quando deveríamos fazer a cerimônia? — perguntou.
— Telefonarei à clínica, e farei que Havers venha aqui ao cair da noite para envolvê-la. Em seguida temos que decidir onde enterrá-la.
— No Complexo da Irmandade. Ali é onde a quero.
— Se Wrath permitir que a doggen e eu assistamos, está bem.
— É obvio. Z está agora ao telefone com o rei.
— Não acredito que fiquem muitos integrantes da glymera na cidade que queiram despedir-se.
— Pegarei sua agenda no andar de baixo e farei um anúncio.
Semelhante conversa objetiva e prática demonstrava que a morte formava, sem dúvida alguma, parte da vida.
Quando Bella deixou escapar um soluço afogado, Rehv a atraiu contra seu peito.
— Vêem aqui, minha irmã.
Enquanto permaneciam juntos com a cabeça dela apoiada em seu peito, pensou na quantidade de vezes que tinha tratado de salvá-la do mundo. Não obstante, a vida, tinha seguido seu curso de todos os modos.
Deus, quando era pequena, antes de sua transição esteve absolutamente convencido de que podia protegê-la e cuidar dela. Quando tinha fome se assegurava de que tivesse comida. Quando necessitava roupas, comprava para ela. Quando não podia dormir, ficava com ela até que fechava os olhos. Entretanto, agora que crescera, sentia como se seu repertório estivesse limitado a lhe servir simplesmente de consolo. Embora possivelmente fosse assim como funcionava. Quando é menino, um bom arrulho era tudo o que necessitava para acalmar o estresse do dia e te fazer sentir seguro.
Agora a abraçando, desejou que houvesse tais remédios rápidos para adultos.
— Sentirei sua falta. — disse Bella — Não éramos muito parecidas, mas sempre a amei.
— Você foi sua maior alegria. Sempre foi.
Bella se afastou.
— E você também.
Colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás de sua orelha.
— Você e sua família querem descansar aqui?
Bella assentiu.
— Onde ficaremos?
— Pergunte a doggen de mahmen.
— Farei isso. — Bella deu um apertão em sua mão, que ele não pôde sentir e abandonou o quarto.
Quando esteve sozinho, aproximou-se da cama e tirou o telefone celular. Ehlena não enviou uma mensagem à noite anterior, e enquanto procurava o número da clínica na agenda, tentou não se preocupar. Talvez houvesse feito o turno diurno. Deus! Esperava que sim.
Havia poucas probabilidades que tivesse ocorrido algo mau. Muito poucas.
Mas ligaria para ela depois.
— Olá, clínica. — disse a voz na Antiga Língua.
— É Rehvenge, filho de Rempoon. Minha mãe acaba de morrer, e preciso fazer os trâmites para que seu corpo seja conservado.
A fêmea ofegou ao outro extremo. Não caía bem a nenhuma das enfermeiras, mas todas elas tinham adorado sua mãe. Todo mundo a adorava…
Todo mundo a tinha adorado, melhor dizendo.
Esfregou o moicano.
— Há alguma possibilidade de que Havers possa vir à casa ao cair da noite?
— Sim, claro que sim, e posso dizer em nome de todos, que estamos profundamente afligidos por sua morte e lhe desejamos uma passagem segura ao Fade.
— Obrigado.
— Espere um momento. — quando a fêmea retornou, disse — O doutor chegará imediatamente após o pôr-do-sol. Com sua permissão, levará alguém para que o ajude…
— A quem? — não estava seguro como se sentiria se fosse Ehlena. Não queria que tivesse que tratar com outro corpo tão cedo, e o fato que fosse o de sua mãe poderia ser inclusive mais duro para ela — Ehlena?
A enfermeira vacilou.
— Ah, não, Ehlena não.
Franziu o cenho, seus instintos symphath se ativaram pelo tom da fêmea.
— Ehlena trabalhou ontem à noite? — houve outra pausa — Trabalhou?
— Sinto muito, não posso falar sobre...
Sua voz baixou convertendo-se em um grunhido.
— Trabalhou ou não. É uma pergunta simples. Fez-o. Ou não o fez.
A enfermeira ficou nervosa.
— Sim, sim, ela veio…
— E?
— Nada. Ela...
— Qual é o problema?
— Não há nenhum problema. — a exasperação que ouviu nessa voz indicou que alegres interações como essa eram parte do motivo para que o detestassem tanto.
Tratou de nivelar mais a voz.
— É evidente que há um problema, e vai me contar o que está acontecendo ou vou continuar telefonando até que alguém me diga. E, se ninguém o fizer, aparecerei frente ao balcão da recepção e vou voltar louco a cada um de vocês até que um membro da equipe ceda e me diga isso.
Houve uma pausa que vibrou com “é-tão-imbecil”.
— Bom. Ela já não trabalha aqui.
Rehv inalou emitindo um chiado e sua mão disparou para a Baggie[70] de plástico, cheia de penicilina que esteve guardando no bolso superior de seu terno.
— Por quê?
— Não revelarei isso sem importar o que faça.
 Houve um clique quando desligou.

Ehlena estava no andar de baixo, sentada à desmantelada mesa da cozinha, com o manuscrito de seu pai frente a ela. Lera duas vezes no escritório dele, em seguida o tinha deitado e subiu ali, onde o examinou uma vez mais.
O título era Na Selva Pluvial da Mente do Macaco.
Queridíssima Virgem Escriba, se antes tinha acreditado que sentia compaixão pelo macho, agora se sentia identificada com ele. As trezentas páginas manuscritas eram um tour guiado através de sua doença mental, um vívido estudo de “caminhe-um-quilometro-em-meus-sapatos” a respeito de quando tinha começado a doença e onde o tinha conduzido.
Jogou uma olhada ao papel de alumínio que cobria as janelas. As vozes que torturavam sua mente provinham de diversas fontes, e uma delas, era através das ondas de rádio que os satélites que orbitavam a terra emitiam.
Ela já sabia tudo isto.
Mas no livro, seu pai descrevia o Reynolds Wrap[71] como uma interpretação tangível da psicose: ambos, o papel alumínio e a esquizofrenia mantinham afastado o mundo real, ambos o isolavam… E com ambos em seu lugar ele estava mais seguro do que se não estivessem ao seu redor. A verdade era que ele amava sua doença tanto quanto a temia.
Fazia muitos, muitos anos, depois que a família o traíra nos negócios e o arruinara frente aos olhos da glymera, deixou de confiar em sua capacidade para ler as intenções e motivações de outros. Tinha posto sua fé nas pessoas erradas e… Isso havia lhe custado sua shellan.
O certo era que Ehlena teve uma idéia equivocada a respeito da morte de sua mãe. Logo após a grande queda, sua mãe havia se amparado no láudano para ajudá-la a agüentar, e o alívio transitório floresceu convertendo-se em uma muleta, quando a vida como ela a conheceu desmoronou… O dinheiro, a posição, as casas, as posses, abandonaram-na como formosas pombas debandando sobre um campo, indo a um lugar mais seguro.
E, a seguir veio o fracasso do compromisso de Ehlena, o macho se distanciou antes de declarar publicamente que terminava a relação… Porque Ehlena o tinha seduzido levando-o a sua cama e aproveitando-se dele.
Isto para sua mãe tinha sido a gota que transbordou o copo.
O que fora uma decisão conjunta entre Ehlena e o macho se voltou contra Ehlena convertendo-a em uma fêmea sem valor, em uma meretriz do inferno que corrompeu um macho que unicamente tivera as mais honoráveis das intenções. Tendo forjado essa reputação na glymera, Ehlena nunca poderia ter se casado, embora sua família mantivesse o status perdido.
À noite em que estalou o escândalo, a mãe de Ehlena foi para seu quarto e horas mais tarde foi encontrada morta. Ehlena sempre supôs que foi por uma overdose de láudano, mas não. De acordo com o manuscrito, cortou as veias e sangrou sobre os lençóis.
Seu pai começou ouvir vozes no momento em que viu sua fêmea morta na cama matrimonial, com o pálido corpo emoldurado pela auréola vermelho intenso do derramamento de sua vida.
Na medida em que a doença mental avançava, se refugiara cada vez mais na paranóia, mas de maneira estranha se sentia mais seguro ali. Em sua mente, a vida real estava repleta de gente que podia ou não traí-lo. Sem dúvida, todas as vozes de sua cabeça o perseguiam. Como esses macacos loucos que se lançavam ao ar e saltavam entre os ramos do bosque da doença, fazendo chover ramos e duros caroços de fruta sobre ele em forma de pensamentos, podia dizer que conhecia seus inimigos. Podia vê-los, senti-los e conhecê-los pelo que eram, e as armas que tinha para combatê-los, era uma geladeira bem organizada, estanho sobre as janelas, rituais verbais e seus escritos.
Fora, no mundo real? Estava desprotegido e perdido, a mercê de outros, sem defesas para julgar o que era perigoso e o que não. Por outro lado na doença, era onde queria estar, porque como dizia ele, conhecia os limites da selva e os caminhos que rodeavam os troncos e as tribulações dos macacos.
Ali sua bússola mantinha um verdadeiro norte.
Para surpresa de Ehlena? Não, tudo era sofrimento para ele. Antes de cair doente, foi um advogado litigante em assuntos da Antiga Lei, um macho reconhecido por sua afeição ao debate e sua avidez de encontrar oponentes difíceis. Na doença, tinha encontrado exatamente a mesma classe de conflitos com que desfrutara quando estava são. As vozes em sua mente como escreveu ele com a ironia de sua auto-realização, eram igualmente inteligentes e direitas como ele para debater. Para ele, seus violentos episódios eram nada mais que o equivalente mental de um bom combate de boxe, e como no fim sempre saia dele, sempre se sentia vencedor.
Também era consciente que nunca sairia da selva. Era como disse na última linha do livro, sua ultima direção antes de ir para o Fade. E seu único pesar era que ali só havia espaço para um único habitante, que sua estada entre os macacos significava que não podia estar com ela, sua filha.
Entristecia-o a separação e a carga que representava para ela.
Sabia que ele era muito difícil de tratar. Era consciente dos sacrifícios que fazia. Afligia-se pela solidão em que ela se encontrava.
Era tudo o que ela queria escutá-lo dizer, e, enquanto sustentava as páginas, não importava que fosse por escrito e não verbalmente. Em todo caso, era melhor desta maneira porque podia lê-las uma e outra vez.
Seu pai sabia muito mais do que ela pensava.
E, estava muito mais contente do que jamais poderia imaginar.
Passou a palma da mão sobre a primeira página. A escrita à mão, que estava em azul, porque um advogado adequadamente instruído nunca escrevia em negro, era tão limpa e nítida como a narração do passado, e, tão elegante e de bom gosto como as consideráveis conclusões às que tinha chegado e as apreciações em profundidade que oferecia.
Deus... Vivera com ele durante tanto tempo, e somente agora sabia o que ele vivia.
E todo mundo era assim, não? Cada um em sua selva pluvial particular, sozinhos sem importar quantos parentes andasse ao seu lado.
A saúde mental era simplesmente um assunto de ter menos macacos? Talvez a mesma quantidade, com a condição de que fossem agradáveis?
O amortecido som de um telefone celular a fez levantar a cabeça. Esticando a mão até o outro lado da mesa, tirou-o do bolso do casaco e atendeu.
— Alô? — no silêncio que seguiu soube quem era — Rehvenge?
— Despediram-na.
Ehlena apoiou o cotovelo sobre a mesa e cobriu a testa com a mão.
— Estou bem. A ponto de ir dormir. E você?
— Foi devido às pílulas que me trouxe, verdade?
— O jantar foi realmente bom. Requeijão e palitos de cenoura…
— Deixe disso já. — ladrou.
Deixou cair o braço e franziu o cenho.
— Como?
— Por que fez isso, Ehlena? Por que demônios…
— Ok, vai reconsiderar seu tom de voz ou esta conversa receberá a tecla de fim.
— Ehlena, você precisa desse trabalho.
— Não me diga o que necessito.
Ele soltou uma maldição. Soltou mais algumas.
— Sabe, — murmurou ela — se acrescentar uma trilha sonora e algumas metralhadoras, teremos um filme Duro de Matar[72]. Falando disso, como ficou sabendo?
— Minha mãe morreu.
Ehlena ofegou.
— Que...? Oh, meu Deus, quando? Quero dizer, sinto muito…
— Fará meia hora.
Lentamente negou com a cabeça.
— Sinto muito, Rehvenge.
— Telefonei à clínica para... Fazer os acertos. — Exalou com o mesmo tipo de esgotamento que ela sentia. Enfim… Sim. — Nunca me enviou a mensagem dizendo que tinha chegado à clínica a salvo. Assim perguntei, e foi assim.
— Maldita seja, tinha a intenção de fazê-lo, mas... — bom, estava ocupada sendo despedida.
— Mas essa não foi a única razão pela qual quis te ligar.
— Não?
— Eu só... Precisava ouvir sua voz.
Ehlena respirou profundamente, e fixou os olhos nos artigos do manuscrito de seu pai. Pensou em tudo, tanto o bom e o mau, o que descobriu, nessas páginas.
—É engraçado, — respondeu — esta noite sinto o mesmo.
— Sério? Como… De verdade?
— Absoluta e definitivamente… Sim.


Capítulo 37


Wrath estava de mau humor, e sabia por que o ruído que o doggen fazia ao encerar a balaustrada de madeira na parte superior da escada principal lhe dava vontade de atear fogo em toda a fodida mansão.
Pensava em Beth. O que explicava por que enquanto se sentava atrás de seu escritório a dor no peito o estava matando.
Não que não compreendesse por que estava aborrecida com ele. E, não era que acreditasse que não merecia algum tipo de castigo. Simplesmente odiava o fato de Beth não estar dormindo na casa e que ter de mandar uma mensagem de texto à sua shellan para lhe pedir permissão para ligar para ela.
O fato de não ter dormido durante dias também devia contribuir para ficar de saco cheio.
E era provável que precisasse se alimentar. Mas, assim como com o sexo, passou tanto tempo da última vez que o fez, que mal podia lembrar como era.
Passeou o olhar pelo escritório e desejou poder automedicar o impulso de gritar receitando uma saída para lutar contra algo: suas únicas outras opções eram ir ao ginásio ou embebedar-se, e acabava de voltar do primeiro e não estava absolutamente interessado no último.
Verificou o telefone outra vez. Beth não devolveu a mensagem, e fazia três horas que a mandara. E estava bem. Provavelmente estivesse ocupada ou dormindo.
E uma merda que estava tudo bem.
Ficou de pé, deslizando seu RAZR no bolso de trás de sua calça de couro, e se dirigiu para as portas duplas. O doggen no corredor estava pondo a alma e a vida na rotina de passar cera e abrilhantar, e graças a seus esforços se elevava um denso e fresco aroma de limão.
— Meu senhor. — disse o doggen, fazendo uma profunda reverência.
— Está fazendo um grande trabalho.
— É um prazer. — sorriu o macho — É minha alegria servir a você e a sua família.
Wrath colocou uma palma no ombro do criado e se foi trotando escada abaixo. Quando chegou ao chão de mosaicos do vestíbulo, virou à esquerda, para a cozinha, e se alegrou de que não houvesse ninguém dentro. Abrindo o refrigerador, confrontou todo tipo de sobras e tirou um peru pela metade sem nenhum entusiasmo.
Girando para os armários…
— Olá.
Voltou a cabeça bruscamente sobre o ombro.
— Beth? O que está…? Pensei que estava em Lugar Seguro.
— Estava. Mas acabo de retornar.
Franziu o cenho. Por ser mestiça, Beth podia tolerar a luz do sol, mas punha os fodidos cabelos dele em pé cada vez que ela se aventurava durante o dia. Não discutiria isso agora. Ela sabia o que ele pensava, e, além disso, estava em casa e isso era tudo o que importava.
— Estava fazendo algo para comer. — disse, embora certamente, o peru que estava sobre a tábua de açougueiro evidenciava — Quer se unir a mim?
Deus! Adorava o modo que cheirava. Rosas florescendo na noite. Para ele era mais acolhedor que qualquer cera com aroma de limão, mais magnífico que qualquer perfume.
— Que tal se fizer algo para ambos? — disse ela — Parece que está a ponto de cair.
Esteve a ponto de dizer: não, estou bem, e então se deteve. Inclusive a menor das meias verdades acentuaria os problemas entre eles… E o fato de que ele estivesse absolutamente esgotado sequer era uma mentira pequena.
— Isso seria genial. Obrigado.
— Sente-se. — disse, aproximando-se dele.
Ele queria abraçá-la.
E o fez.
Os braços de Wrath se separaram repentinamente, fechando-se sobre ela, e a atraíram para seu peito. Dando-se conta do que tinha feito, ia soltá-la, mas ela permaneceu com ele, mantendo seus corpos juntos. Estremecido, deixou cair a cabeça sobre seu perfumado e sedoso cabelo e a apertou, moldando sua suavidade contra os contornos de seus duros músculos.
— Senti tanto sua falta. — lhe disse.
— Também senti sua falta.
Quando ela relaxou contra ele, não foi tão parvo para acreditar que este momento era uma panacéia instantânea, mas tomaria o que lhe oferecia.
Afastando-se, subiu os óculos escuros acima de sua cabeça para que pudesse ver seus olhos inúteis. Para ele, o rosto de Beth era impreciso e formoso, embora o aroma de chuva fresca que era a essência das lágrimas não o agradou.
Acariciou ambas as bochechas com os polegares.
— Permitirá que te beije? — perguntou.
Quando assentiu, sustentou seu rosto entre as palmas de suas mãos e baixou a boca par a dela. O agradável contato foi absoluta e esmagadoramente familiar e ao mesmo tempo algo do passado. Parecia ter passado uma eternidade desde que fizessem algo mais que dar-se beijinhos… E a separação não era só devido ao que ele tinha feito. Era por tudo. A guerra. Os Irmãos. A glymera. John e Tohr. A família.
Sacudindo a cabeça, disse:
— A vida se converteu em um obstáculo para nossa vida.
—Tem muita razão. — acariciou seu rosto com a palma da mão — Também afetou sua saúde. Assim, quero que se sente ali e me permita te dar de comer.
— Supõe-se que é o inverso. O macho dá de comer a sua fêmea.
— É o rei. — sorriu — Você faz as regras. E sua shellan gostaria de te servir.
— Amo você. — atraiu-a novamente e a apertou e simplesmente ficou agarrado a sua companheira — Não tem que me responder com o mesmo…
— Também te amo.
Agora chegou a vez dele se afrouxar contra ela.
— Hora de que coma. — disse ela, arrastando-o para a mesa de carvalho de estilo rústico e afastando uma cadeira para que se sentasse.
Ao sentar-se deu um pulo, elevou os quadris e tirou o celular do bolso. A coisa começou a dar saltos sobre a mesa, chocando-se contra o saleiro e o pimentero.
— Sanduíche? — perguntou Beth.
— Isso seria genial.
— Para você serão dois.
Wrath voltou a pôr os óculos de sol em seu lugar, porque a luz do teto fazia com que sua cabeça pulsasse. Quando isso não foi suficiente, fechou os olhos, e embora não pudesse ver Beth mover-se pelo lugar, os sons que fazia na cozinha o acalmaram como uma canção de ninar. A ouviu abrir as gavetas, e o repicar dos utensílios dentro das mesmas. Em seguida ouviu o refrigerador abrir com um ofego e houve ruído de fricção, seguido de vidro golpeando vidro. A gaveta do pão foi deslizada para fora e o pacote de plástico que cobria o centeio que gostava, rangeu. Sentiu o rasgar de uma faca ao atravessar uma alface…
— Wrath?
O suave som de seu nome o fez abrir as pálpebras e levantar a cabeça.
— Qu…?
— Cochilou. — a mão de sua shellan alisou seu cabelo — Come. Em seguida vou te levar para a cama.
Os sanduíches estavam exatamente como gostava: sobrecarregados de carne, pouco alface e tomates e com muita maionese. Comeu ambos, e embora deveria tê-lo animado, o esgotamento que lhe aferrava o corpo com seu punho mortal pegou com mais força.
— Anda, vamos. — Beth o puxou pela mão.
— Não, espere. — disse, despertando — Preciso te dizer o que vai acontecer ao anoitecer desta noite.
— Ok. — em seu tom de voz havia certa insinuação de tensão, como se estivesse preparando a si mesma.
— Sente-se. Por favor.
Puxou a cadeira de debaixo da mesa com um ranger e acomodou lentamente seu peso.
— Alegra-me que esteja sendo completamente sincero comigo. — murmurou — Com respeito ao que for.
Wrath acariciou seus dedos com os seus, tentando acalmá-la, pois sabia que o que tinha que dizer somente a preocuparia mais.
— Alguém… Bem, provavelmente mais de um, mas pelo menos um que saibamos, quer me matar. — a mão de Beth se esticou na sua, e ele seguiu acariciando-a, tentando relaxá-la — Vou me reunir com o conselho da glymera esta noite, e espero… Problemas. Todos os Irmãos vêm comigo e não atuaremos como estúpidos, mas não vou mentir te dizendo que é uma situação comum.
— Este… Alguém… É obviamente parte do conselho, verdade? Assim vale a pena que vá em pessoa?
— O que começou tudo não representará um problema.
— Como é isso?
— Rehvenge fez com que o assassinassem.
Voltou a apertar suas mãos.
— Jesus… — tomou um profundo fôlego. E outro — Oh… Deus querido.
— A pergunta que todos nos fazemos agora é, quem mais está nisso? Isso é parte do motivo pela qual minha presença nessa reunião é tão importante. É também uma demonstração de força, e isso é de importância. Não fujo. Nem tampouco os Irmãos.
Wrath se preparou para que lhe dissesse: “Não, não vá”, e se perguntou o que faria então.
Mas a voz de Beth foi tranqüila.
— Compreendo. Mas tenho um pedido.
As sobrancelhas se arquearam, aparecendo por cima dos óculos de sol.
— E é?
— Quero que use um colete à prova de balas. Não é que duvide dos Irmãos… É só que me daria um pouco mais de consolo.
Wrath piscou. Após levou suas mãos aos lábios e as beijou.
— Posso fazer isso. Por você, certamente que posso fazê-lo.
Ela assentiu uma vez e se levantou da cadeira.
— Ok. Ok… Bem. Agora, anda, vamos nos deitar. Estou tão esgotada como você se vê.
Wrath ficou de pé, atraiu-a para ele, e juntos saíram ao vestíbulo, e seus pés cruzaram o mosaico de uma macieira em flor.
— Amo você. — disse ele — Estou tão apaixonado por você.
Beth apertou o braço que tinha ao redor de sua cintura e pôs o rosto contra seu peito. O aroma acre e defumado do medo emanava dela, contaminando seu aroma natural a rosas. E, ainda apesar de tudo, fez um gesto afirmativo com a cabeça e disse:
— Sua rainha tampouco foge, sabe?
— Sei. Eu… Sei totalmente.

Em seu dormitório no refúgio de sua mãe, Rehv impulsionou seu corpo para trás até que esteve apoiado contra os travesseiros. Enquanto acomodava o casaco de marta sobre seus joelhos, disse ao seu celular:
— Tenho uma idéia. Que tal se começarmos de novo esta chamada telefônica?
A suave risada de Ehlena se fez sentir estranhamente otimista.
— Bom. Ligará outra vez ou…
— Diga-me, onde está?
— Em cima, na cozinha.
O que explicava o leve eco.
— Pode ir ao seu quarto? Relaxar?
— Vai ser uma conversa longa?
— Bom, reconsiderarei meu tom e preste atenção. — baixou a voz um tom, convertendo-se em um completo Lotário — Por favor, Ehlena. Vai para cama e me leve contigo.
Ela ficou sem fôlego e riu outra vez.
— Que melhora.
— Eu sei, certo… Para que não pense que não recebo bem as ordens. Agora, que tal se me devolver o favor. Vai para seu dormitório e se ponha cômoda. Não quero estar sozinho, e tenho a sensação de que você tampouco.
Em vez de um “É verdade”, ouviu o gratificante som de uma cadeira sendo afastada. Quando começou a andar, o som amortecido de seus passos lhe pareceu encantador, o rangido da escada não… Porque o som o fazia perguntar-se onde exatamente vivia com seu pai. Esperava que fosse uma casa antiga com pranchas velhas e antiquadas, e não uma que estivesse deteriorada.
Ouviu o chiado de uma porta ao abrir-se e houve uma pausa, e estava disposto a apostar a que estava verificando como estava seu pai.
— Está dormindo profundamente? — perguntou Rehv.
As dobradiças chiaram outra vez.
— Como soube?
— Porque é boa assim.
Houve outro ruído de porta e logo o clique de uma fechadura ao encaixar em seu lugar.
— Dará-me um minuto?
Um minuto? Merda daria o mundo se pudesse.
— Tome seu tempo.
Houve um som surdo, como se tivesse deixado o telefone sobre um edredom ou uma colcha. Mais protestos de porta. Silêncio. Outro chiado e o débil gorgojeio da descarga de um vaso sanitário. Pisadas. Saltos na cama. Um ranger próximo e logo…
— Alô?
— Cômoda? — disse ele, consciente de que estava sorrindo como um idiota… Fora que, Deus, a idéia de tê-la onde ele desejava que estivesse era fantástica.
— Sim, e você?
— Mais do que possa acreditar. — por outro lado, com sua voz no ouvido, poderia estar no processo de lhe arrancarem as unhas e ainda estaria igualmente alegre.
O silêncio que seguiu foi tão suave como a zibelina de seu casaco e igualmente quente.
— Quer falar de sua mãe? — perguntou ela gentilmente.
— Sim. Embora não sei o que dizer, além de que se foi serenamente e rodeada de sua família, e isso é tudo o que qualquer um poderia pedir. Chegou seu tempo.
— Embora sentirá sua falta.
— Sim. Farei.
— Há algo que possa fazer?
— Sim.
— Diga-me.
— Permita-me cuidar de você.
Ela riu baixinho.
— Certo. Que tal se te ponho a par de algo. Neste tipo de situação, se supõe que é você quem terá que ser cuidado.
— Mas ambos sabemos que fui o que tirou seu trabalho…
— Pare. — houve outro rangido, como se houvesse se incorporando sobre os travesseiros — Tomei a decisão de te levar essas pílulas, sou uma adulta suscetível de cometer um erro de julgamento. Não está em dívida comigo, porque fui eu quem colocou os pés pelas mãos.
— Discordo completamente. Mas, deixando isso de lado, falarei com Havers quando vier aqui para…
— Não, não o fará. Querido Senhor, Rehvenge, sua mãe acaba de morrer. Não deve preocupar-se por…
— O que podia fazer por ela, está feito. Permita-me te ajudar. Posso falar com Havers…
— Não mudará as coisas. Já não confiará em mim, e não posso culpá-lo.
— Mas as pessoas cometem enganos.
— E alguns não podem ser remediados.
— Não acredito nisso. — embora como symphath, não era exatamente perito na merda da moral de alguém. Nem com muito — Especialmente quando se trata de você.
— Não sou diferente dos demais.
— Olhe. Não me faça arruinar meu tom outra vez. — advertiu — Fez algo por mim. Quero fazer algo por você. É uma simples troca e intercâmbio.
— Mas conseguirei outro trabalho e estive fazendo as coisas funcionarem por mim mesma, durante muito tempo. Acontece que é uma de minhas aptidões essenciais.
—Não duvido. — deteve-se para causar efeito e jogou a melhor carta que tinha — Embora este seja o assunto, não pode me deixar com esta carga sobre minha consciência. Vai me comer por dentro. Sua má escolha foi resultado da minha.
Ela riu brandamente.
— Por que não me surpreende que conheça minhas debilidades? E realmente o aprecio, mas se Havers perverter as regras por mim, que tipo de mensagem transmitiria? Ele e Catya, minha supervisora, já anunciaram ao resto do pessoal. Agora não podem voltar atrás, nem eu ia querer que o fizesse somente porque você está disposto a utilizar uma mão dura com ele.
Bem, merda, pensou Rehv. Tinha planejado manipular a mente de Havers, mas isso não se ocuparia de todas as demais pessoas que trabalhavam na clínica, verdade?
— Bom, então me permita te ajudar até que possa se recuperar.
— Obrigada, mas…
Ele quis amaldiçoar.
— Tenho uma idéia. Se reúna comigo em minha casa para discutir a respeito disso?
— Rehv…
— Excelente. Tenho que me ocupar de minha mãe mais cedo pela tarde e tenho uma reunião à meia-noite. O que te parece às três da manhã? Maravilhoso… Verei-a então.
Durante um instante se fez silêncio e logo ela riu entre dentes.
— Sempre consegue o que deseja. Verdade?
— Bastante freqüentemente.
— Bem. Três em ponto desta noite.
— Estou tão feliz de ter trocado de tom, você não?
Ambos riram, e a tensão se escorreu da conexão como se fosse drenada.
Quando se ouviu outro rangido, ele supôs que significava que estava voltando a deitar-se e ficando cômoda outra vez.
— Então posso te contar algo que meu pai fez? — disse ela abruptamente.
— Pode me contar isso e logo me explicar porque não comeu mais no jantar. E, depois vamos falar sobre o último filme que viu, os livros que tem lido e a respeito do que pensa sobre o aquecimento global.
— De verdade, tudo isso?
Deus! Amava sua risada.
— Sim. Estamos em rede, assim é grátis. Oh, e quero saber qual é sua cor favorita.
— Rehvenge… Realmente não quer estar sozinho, verdade? — as palavras foram ditas suavemente e quase distraidamente, como se o pensamento escapulisse por sua boca.
— Neste momento… Unicamente o que quero é estar contigo. Isso é tudo o que sei.
— Tampouco estaria preparada. Se meu pai morresse esta noite, não estaria pronta para deixá-lo ir.
Ele fechou os olhos.
— Isso é… — teve que esclarecer a garganta — Assim é exatamente como me sinto. Não estou preparado para isto.
— Seu pai também morreu. Assim sei que é muito mais difícil.
— Bom, sim ele está morto, embora não sinto sua falta absolutamente. Ela sempre foi a única para mim. E tendo ido ela… Sinto como se acabasse de dirigir até meu lar para encontrar que alguém o queimou. Quero dizer, não a via todas as noites nem sequer todas as semanas, mas sempre tinha a possibilidade de ir vê-la, me sentar com ela e cheirar seu Chanel Nº 5. De ouvir sua voz e vê-la ao outro lado de uma mesa. Essa possibilidade… Era onde residiam meus alicerces, e não tinha me dado conta até que a perdi. Merda… Estou falando sem sentido.
— Não, tem muito sentido. A mim ocorre o mesmo. Minha mãe se foi e meu pai… Está aqui, mas não está. Assim, também sinto que não tenho um lar. Que estou à deriva.
Esta era a razão para as pessoas se casarem, pensou Rehv subitamente. Esquece o sexo e a posição social. Se fossem preparadas, fariam-no para construir uma casa sem paredes, um teto invisível e um chão que ninguém pudesse pisar… E que não obstante a estrutura fosse um refúgio que nenhuma tormenta pudesse derrubar, e nenhum fósforo pudesse incendiar, nem o passar dos anos pudesse degradar.
Nesse momento se deu conta. Um vínculo de emparelhamento como esse te ajudava a superar noites de merda como esta.
Bella tinha encontrado esse refúgio com seu Zsadist. E possivelmente seu irmão mais velho precisasse seguir o exemplo de sua irmã.
— Bom, — disse Ehlena com estupidez — se quiser posso responder a pergunta a respeito de minha cor favorita. Possivelmente evite que as coisas fiquem muito profundas.
Rehv sacudiu a si mesmo e retornou ao assunto.
— E qual seria?
Ehlena pigarreou um pouco.
— Minha cor favorita é o… Ametista.
Rehv sorriu até que doeram suas bochechas.
— Acredito que é uma cor genial para que você goste. A cor perfeita.


Capítulo 38


No funeral de Chrissy havia quinze pessoas que a conheceram e uma que não… E, Xhex escrutinou o cemitério açoitado pelo vento à procura de uma décima sétima pessoa que se escondesse entre as árvores, as tumbas ou as lápides maiores.
Não estranhava que o fodido cemitério se chamasse Arvoredo de Pinheiros. Havia ramos espalhados por todo o lugar, proporcionando um amplo refúgio para alguém que não quisesse ser visto. Maldito seja o inferno.
Tinha encontrado o cemitério nas Páginas Amarelas. Os dois primeiros para os quais telefonou não tinham espaço disponível. O terceiro só tinha espaço no Muro da Eternidade, como tinha chamado o homem, para corpos incinerados. Ao final, encontrou este lugar, o Arvoredo de Pinheiros e comprou o retângulo de terra que agora todos rodeavam.
O ataúde rosado custou quase cinco das grandes. A parte de terra outras três. O sacerdote, padre como é que o chamassem os humanos, indicou que o apropriado seria uma doação e sugeriu que cem dólares estariam bem.
Nenhum problema. Chrissy merecia.
Xhex voltou a examinar os fodidos pinheiros, esperando encontrar o idiota que a assassinou. Bobby Grady tinha que vir. A maioria dos abusadores que matavam aos objetos de suas obsessões continuava conectada emocionalmente. E, embora a polícia o estivesse procurando, e ele devia saber, o impulso de ver como a punham para descansar venceria à lógica.
Xhex se concentrou no culto. O macho humano vestia um casaco negro, expondo o pescoço branco na parte da garganta. Em suas palmas, sobre o bonito ataúde de Chrissy, segurava uma Bíblia que lia em voz baixa e respeitosa. Os extremos da fita de cetim que estava entre as páginas douradas, para assinalar as seções mais utilizadas, sobressaíam da parte inferior do livro, e  ondeavam suas cores em vermelho, amarelo e branco no ar frio. Xhex se perguntou como seria sua lista de “favoritos”. Bodas. Batismos (se tinha entendido bem essa palavra). Funerais.
Rezaria pelos pecadores? Perguntou-se. Caso recordava-se corretamente dessa coisa do Cristianismo, acreditava que era seu dever fazê-lo… Assim, embora não soubesse que Chrissy foi uma prostituta, se soubesse de todos os modos teria que adotar esse tom e expressão de respeito.
Isto consolou Xhex, embora não saberia dizer por que.
Do norte soprou uma brisa gelada, e ela reatou a vigilância do terreno. Chrissy não ia permanecer aqui quando terminassem. Como tantos rituais, isto era somente uma exibição. Ao estar sob a terra gelada, ia ter que esperar até a primavera, alojada em um fichário de carne do necrotério. Mas, ao menos tinha a lápide de granito rosado, é obvio colocada onde seria enterrada. Xhex optou por fazer uma inscrição singela, só o nome de Chrissy e as datas, mas, ao longo das bordas havia um lindo trabalho de ornamentação como se fosse um pergaminho.
Esta era a primeira cerimônia mortuária humana a que Xhex comparecia, e lhe pareceu muito estranha, todas essas sepulturas, primeiro na caixa, logo sob a terra. A noção de estar sob a terra era suficiente para fazê-la puxar o pescoço de sua jaqueta de couro. Não. Isto não era para ela. Nesse aspecto, era inteiramente symphath.
As piras funerárias eram a única forma de partir.
Ante a tumba, o oficiante se inclinou com uma pá de prata e escavou o chão, em seguida, tomou um punhado da terra solta e pronunciou sobre o ataúde:
— Cinzas as cinzas, pó ao pó.
O homem deixou voar os grãos de terra, e quando o forte vento se apoderou deles Xhex suspirou, a esta parte sim encontrava sentido. Na tradição symphath, o morto era elevado sobre uma série de plataformas de madeira, em que ateavam fogo de baixo, a fumaça flutuava para cima e se dispersava da mesma forma em que fez o pó, a mercê dos elementos. E o que ficava? A cinza que era deixada onde repousava.
É obvio que os symphaths eram queimados porque ninguém confiava que realmente estivessem mortos quando “morriam”. Às vezes sim. Outras vezes só fingiam. E valia a pena assegurar-se.
Mas, a elegante mentira era a mesma em ambas as tradições, não? Sendo reduzido a cinzas liberava do corpo, e, entretanto, continuava sendo parte de tudo.
O sacerdote fechou a Bíblia e inclinou a cabeça, e, enquanto todo mundo seguia seu exemplo, Xhex voltou a passear a vista pelos arredores, rezando para que esse fodido Grady estivesse em algum lugar.
Mas pelo que podia ver e sentir, ainda não tinha aparecido.
Merda! Olhe todas essas lápides... Implantadas nas sinuosas colinas que agora apresentavam uma cor marrom invernal. Embora as lápides fossem todas distintas (longas e finas, ou baixas e perto do chão, brancas, cinzas, negras, rosadas, douradas) havia um esquema central comum a todas elas, as fileiras de mortos estavam dispostas como casas em uma cidade, com caminhos asfaltados e extensões de árvores serpenteando entre elas.
Uma lápide atraiu sua atenção. Era uma estátua de uma mulher vestida com uma túnica que olhava fixamente aos céus, seu rosto e sua postura era tão plácido e sereno como o céu nublado em que estava enfocada. O granito em que estava esculpida era de um cinza pálido, a mesma cor que sobressaía por cima dela, e por um momento foi difícil distinguir onde terminava a escultura e onde começava o horizonte.
Sacudindo-se, Xhex olhou a Trez e, quando seus olhos se encontraram, ele fez um gesto negativo quase imperceptível com a cabeça. O mesmo ocorreu com iAm. Nenhum deles tinha captado a presença de Bobby, tampouco.
Enquanto isso o detetive Da Cruz a contemplava, e ela sabia, não porque lhe devolvesse o favor, mas sim porque cada vez que seus olhos se pousavam nela podia sentir suas emoções mudar. Ele compreendia o que ela sentia. Realmente o fazia. E havia uma parte dele que a respeitava por sua ânsia de vingança. Mas estava decidido.
Quando o sacerdote deu um passo atrás e a conversa fluiu, Xhex se deu conta que o serviço tinha terminado, e observou como Marie Terese era a primeira em romper as filas, dirigindo-se para o sacerdote para apertar sua mão. Estava espetacular com o traje do funeral, a renda negra que cobria sua cabeça realmente parecia a de uma noiva, as miçangas e a cruz que tinha nas mãos a faziam parecer piedosa quase até o ponto do monástico.
Obviamente, o sacerdote aprovava seu traje, seu rosto sério e formoso e o que fosse que estava dizendo, porque se inclinou e segurou sua mão. Quando entraram em contato, a mentira emocional dele trocou para o amor, a um puro, concentrado e casto amor.
Xhex se deu conta que era devido a isso que a estátua tinha chamado sua atenção. Marie Terese era exatamente igual à mulher da túnica. Que estranho.
— Bonito serviço, huh.
Deu a volta e olhou ao detetive Da Cruz.
— Pareceu-me adequado. Na realidade não saberia dizer.
— Então, não é católica.
— Não. — Xhex saudou Trez e iAm enquanto a multidão se dispersava. Os meninos levariam todo mundo para comer fora antes de ir ao trabalho, como uma forma mais de honrar a Chrissy.
— Grady não veio. — disse o detetive.
— Não.
Da Cruz sorriu.
— Sabe, fala da mesma forma como decora.
— Gosto de manter as coisas simples.
— Simplesmente os fatos, senhora? Pensei que essa era minha linha. — jogou uma olhada às costas das pessoas que se afastavam em direção aos três carros estacionados juntos no caminho. Um por um, o Bentley de Rehv, um esportivo Honda e o Camry de cinco anos de Marie Terese arrancaram.
— Assim, onde está seu chefe? — murmurou Da Cruz — Esperava vê-lo aqui.
— É uma ave noturna.
— Ah.
— Olhe detetive, irei.
— Sério? — fez um amplo gesto abrangendo os arredores com o braço — No que? Ou é das que gostam de caminhar com este tempo?
— Estacionei em outro lugar.
— Sim? Não está pensando em ficar pelos arredores? Já sabe, para ver se há alguma chegada tardia.
— Agora, por que faria isso?
— Certamente, por quê?
Houve uma longa, longa, longa pausa, durante a qual Xhex permaneceu olhando fixamente a estátua que lhe recordava a Marie Terese.
— Quer me levar até meu carro, detetive?
— Sim, é obvio que sim.
O sedam sem marca era tão prático como o vestuário do detetive, mas, como o grosso casaco do homem, era quente, e assim como o que havia dentro das roupas do detetive, era poderoso, o motor grunhiu como algo que se encontraria sob a capota de um Corvette.
Da Cruz jogou uma olhada para trás e acelerou.
— Aonde vou?
— Ao clube, se não se importar.
— Foi onde deixou o carro?
— Trouxeram-me até aqui.
— Ah.
Enquanto Da Cruz conduzia ao longo do sinuoso caminho, ela olhou fixamente para fora, às lápides e por um breve momento pensou na quantidade de corpos que tinha abandonado.
Incluído ao de John Matthew.
Fazia o possível para não pensar no que tinham feito e na forma em que deixara esse corpo grande e duro dele totalmente esparramado sobre sua cama. A expressão de seus olhos ao vê-la atravessar a porta estava repleta de uma angústia que não podia permitir-se interiorizar. Não se tratava de que não lhe importasse uma merda, o problema era que lhe importava muito.
Esse era o motivo pelo qual teve que ir, e pelo qual não podia correr o risco de voltar a ficar a sós com ele outra vez. Já tinha passado por isso antes, e os resultados foram pior que trágicos.
— Está bem? — perguntou Da Cruz.
— Sim, estou bem, detetive. E você?
— Bem. Simplesmente bem. Obrigado por perguntar.
Frente a eles surgiram às portas do cemitério, as intricadas grades de ferro estavam totalmente abertas, uma a cada lado do caminho.
— Voltarei aqui. — disse Da Cruz enquanto freava e em seguida avançava pela rua além das portas — Porque penso que Grady aparecerá em algum momento. Tem que fazê-lo.
— Pois bem, a mim não verá.
— Não?
— Não. Pode contar com isso. — é que era muito boa escondendo-se.

Quando o telefone de Ehlena fez um bip em seu ouvido, teve que afastá-lo de sua cabeça.
— Que demôn… Oh. A bateria está acabando. Espera.
A profunda risada de Rehvenge provocou uma pausa em sua busca pelo cabo, só para poder ouvir até o último retumbar desse som.
— Ok! Já estou conectada. — voltou-se a acomodar contra os travesseiros — Agora, onde estávamos… Oh, sim. Sou eu quem tenho curiosidade, exatamente que tipo de homem de negócios é?
— Um com êxito.
— O que explica o guarda-roupa.
Ele riu de novo.
— Não, meu bom gosto explica o guarda-roupa.
— Bom então a parte do êxito é a que o paga.
— Bem, minha família é afortunada. Deixemos assim.
Deliberadamente se concentrou em seu edredom para não lembrar-se da puída habitação de teto baixo em que estava. Melhor ainda… Ehlena estendeu a mão e apagou a luz sobre as caixas de leite que tinha empilhado ao lado de sua cama.
— O que foi isso? — perguntou ele.
— A luz. Ah, acabo de apagá-la.
— Oh, muito mal, te mantive acordada muito tempo.
— Não, só... Queria estar às escuras, é tudo.
A voz de Rehv foi tão baixa que mal pôde ouvi-la.
— Por quê?
Sim, como se fosse lhe dizer que era porque não queria pensar onde vivia.
— Eu… Queria me pôr ainda mais cômoda.
— Ehlena. — o desejo tingiu seu tom, trocando o tenor da conversa de um flerte a… Um pouco muito sexual. E num instante, estava de volta em sua cama nesse apartamento de cobertura, nua, com a boca dele sobre sua pele.
— Ehlena...
— O que? — respondeu com voz rouca.
— Ainda está com o uniforme? O que te tirei?
— Sim. — a palavra foi mais suspiro que outra coisa, e foi muito mais que uma resposta à pergunta que fez. Sabia o que desejava, e ela também desejava.
— Os botões da frente... — murmurou — Abre um para mim?
— Sim.
Quando soltou o primeiro deles, ele disse:
— E outro.
— Sim.
Prosseguiram até que o uniforme esteve totalmente aberto na frente, e ela a sério se alegrou que as luzes estivessem apagadas… Não porque se sentisse envergonhada, mas porque assim lhe parecia que ele estava ali ao seu lado.
Rehvenge gemeu, e o ouviu lamber os lábios.
— Se estivesse aí, sabe o que estaria fazendo? Estaria percorrendo seus peitos com as pontas dos dedos. Encontraria um mamilo e faria círculos ao seu redor para que estivesse preparado.
Ela fez o que ele descrevia e ofegou quando tocou a si mesma. Logo se deu conta…
— Preparado para que?
Riu comprido e baixo.
— Quer me ouvir dizer isso, não?
— Sim.
— Preparado para minha boca, Ehlena. Recorda como se sente? Porque recordo exatamente como é seu sabor. Deixe o sutiã posto e se belisque para mim… Como se estivesse te chupando através de uma dessas suas preciosas taças de renda branca.
Ehlena apertou o polegar e o indicador, apanhando o mamilo entre os dois. O efeito foi menor que a sucção cálida e úmida dele, mas foi bom o bastante, especialmente com ele lhe dizendo que o fizesse. Repetiu o beliscão e se arqueou na cama, gemendo seu nome.
— Oh, Jesus... Ehlena.
— Agora... O que...? — enquanto soltava o ar pela boca, sentia pulsações entre as coxas, estava úmida, desesperada por fosse o que quer que fossem fazer.
— Queria estar aí contigo. — gemeu ele.
— Está comigo. Está.
— Outra vez. Aperta por mim. — enquanto se estremecia e gritava seu nome, foi rápido com a seguinte ordem — Suba a saia para mim. De forma que fique ao redor de sua cintura. Deixa o telefone e faça rápido. Estou impaciente.
Deixou cair o telefone sobre a cama e arrastou a saia sobre suas coxas até passar os quadris. Teve que apalpar ao redor de si para encontrar o telefone e rapidamente o pôs no ouvido.
— Alô?
— Deus, isso soou bem... Podia ouvir a roupa subindo por seu corpo. Quero que comece pelas coxas. Vá primeiro ali. Deixe postas as meias e se acaricie para cima.
As meias atuavam como um condutor de seu contato, amplificando a sensação assim como fazia a voz dele.
— Recorde-me fazendo isso. — lhe disse com uma voz velada — Recorde.
— Sim, Oh, sim...
Estava ofegando tão forte pela antecipação, que quase perdeu seu grunhido:
— Desejaria poder te cheirar.
— Mais acima? — perguntou.
— Não. — quando seu nome abandonou seus lábios em protesto, riu da forma em que fazia um amante, suave e quieto, uma risada que era tanto de satisfação como de promessa — Sobe pela parte exterior da coxa para o quadril e em seguida para as costas e volta a baixar.
Fez o que lhe pediu e enquanto se acariciava ele lhe falava:
— Adoraria estar contigo. Não posso esperar para ir ali outra vez. Sabe o que estou fazendo?
— O que?
— Lambendo meus lábios. Porque estou pensando em mim abrindo caminho a beijos por suas coxas para em seguida passar minha língua, para cima e para baixo pelo lugar onde morro por estar. — ela gemeu seu nome outra vez e foi recompensada — Vai ali abaixo, Ehlena. Por cima das meias. Vai onde eu gostaria de estar.
Quando o fez, sentiu através do fino náilon toda a paixão que tinham gerado, e seu sexo respondeu umedecendo-se ainda mais.
— Tire-as. — disse — As meias. Tire isso e mantenha contigo.
Ehlena deixou o telefone outra vez e, em sua pressa por tirar as meias, nem se preocupou que pudesse escorregar. Procurou tateando ao telefone, e apenas o teve ao alcance já estava perguntando o que seria o próximo.
— Desliza a mão sob as calcinhas. E me diga o que encontra.
Houve uma pausa.
— Oh, Deus... Estou úmida.
Esta vez quando Rehvenge gemeu, perguntou-se se teria uma ereção, tinha visto que era capaz de ter uma, mas em definitivo, a impotência não significava que não pudesse se pôr duro. Só significava que por alguma razão não podia gozar.
Jesus! Desejava poder lhe dar algumas ordens, umas que concordassem com qualquer nível sexual no qual podia funcionar. Só que não sabia até onde chegar.
— Se acaricie e pense que sou eu. — grunhiu — Que é minha mão.
Fez o que ele pediu e teve um forte orgasmo, esparramando-se por toda a cama, pronunciando seu nome em uma explosão tão silenciosa como possível.
— Tire as calcinhas.
Entendido! Pensou enquanto as puxava para baixar pelas coxas e atirar Deus sabia onde.
Voltou a deitar de costas, ansiando voltar a fazê-lo, quando ele disse:
— Pode segurar o telefone entre a orelha e o ombro?
— Sim. — ao caralho, se queria que se transformasse em um pretzel  de vampiro ela estaria de acordo com o plano.
— Pegue as meias com as duas mãos, as estenda bem tensas, em seguida as passe entre suas pernas da frente para trás.
Riu com um indício erótico, em seguida disse docemente:
— Quer que me esfregue contra elas, não?
A respiração dele foi como um disparo em seu ouvido.
— Porra, sim.
— Macho sujo.
— Um banho de sua língua poderia me limpar. O que te parece?
— Sim.
— Adoro essa palavra em seus lábios. — enquanto ria, disse — Então o que está esperando, Ehlena? Precisa dar um bom uso a essas meias.
Embalou o telefone celular no pescoço, encontrou uma boa posição para fazê-lo, e em seguida, sentindo-se como uma rameira e desfrutando, pegou as meias brancas, rodou até ficar de lado, e deslizou a parte de náilon entre as pernas.
— Devagar e com firmeza. — disse ele, ofegante.
Ela boqueou ante o contato, a dura e tensa corda se afundou em seu sexo, tocando todos os lugares corretos.
— Mova-se contra ela. — disse Rehvenge com satisfação — Deixe-me escutar o bem que se sente.
Ela fez exatamente isso, as meias se empaparam e se esquentaram igualando-se a seu núcleo. Continuou fazendo-o, cavalgando sobre as sensações e o fluir de suas palavras até que gozou uma e outra vez. Na escuridão, com os olhos fechados e a voz dele em seu ouvido, era quase tão bom como estar com ele.
Quando ficou frouxa, jogada de qualquer forma sobre a cama, com a respiração entrecortada e sentindo-se fenomenal, se aconchegou ao redor do telefone.
— É tão formosa. — disse baixinho.
— Só porque você me faz assim.
— Oh, está muito enganada sobre isso. — baixou a voz — Esta noite virá para ver-me mais cedo? Não posso esperar até as quatro.
— Sim.
— Bom.
— Quando?
— Estarei aqui com minha mãe e minha família até ao redor das dez. Vem depois dessa hora?
— Sim.
— Tenho essa reunião, mas teremos ao redor de uma hora de intimidade.
— Perfeito.
Houve uma longa pausa, uma que ela teve a perturbadora sensação que bem podia ter sido preenchida com um te quero de ambas as partes se tivessem tido coragem.
— Que durma bem. — suspirou ele.
— Você também, se puder. E, escute se não puder dormir, me ligue. Estou aqui.
— Farei. Prometo.
Houve outro tenso silêncio, como se cada um estivesse esperando que o outro desligasse primeiro.
Ehlena riu, apesar de que a idéia de lhe deixar doesse seu coração.
— Ok, ao três. Um. Dois…
— Espera.
— O que?
Não respondeu durante muito tempo.
— Não quero deixar o telefone.
Ela fechou os olhos.
— Sinto-me igual.
Rehvenge soltou um suspiro, lento e baixo.
— Obrigado. Por permanecer comigo.
A palavra que lhe veio à mente não tinha nenhum sentido, e não estava segura de por que a disse, mas o fez:
— Sempre.
— Se quiser, pode fechar os olhos e imaginar que estou a seu lado. Abraçando-te.
— Farei exatamente isso.
— Bem. Que durma bem. — foi ele quem cortou a comunicação.
Quando Ehlena afastou o telefone da orelha e apertou o botão de fim, o teclado se iluminou, emitindo uma luz azul brilhante. O aparelho estava quente pelo lugar onde o tinha segurado durante tanto tempo, e acariciou a tela plana com o polegar.
Sempre. Ela queria estar ali para ele sempre.
O teclado se obscureceu, a luz se extinguiu de um modo tão terminante que a aterrorizou. Mas ainda podia ligar para ele, não? Poderia parecer patética e necessitada, mas ele continuava no planeta embora não estivesse ao telefone.
A possibilidade de ligar para ele estava ali.
Deus, hoje sua mãe morreu. E de todas as pessoas em sua vida com a que podia ter passado as horas, tinha escolhido a ela.
Subindo os lençóis e a colcha por cima de suas pernas, Ehlena encolheu-se em posição fetal ao redor do telefone, embalou-o, e dormiu.


Capítulo 39


Matando tempo no puto rancho que decidiu usar como narco-casa, Lash sentava-se muito direito em uma cadeira na qual, em sua antiga vida, sequer teria permitido que seu rottweiller cagasse. A coisa era um Barcalounger[73], um pedaço de merda barato e com muito enchimento que infelizmente era tão cômodo como a merda.
Não era exatamente o trono ao que aspirava, mas sim um maldito bom lugar para estacionar seu traseiro.
A sala que se estendia atrás de seu notebook aberto, era de quatro por quatro e com uma decoração de acordo com os baixos ganhos que-não-podiam-permitir-se-situar, os braços dos sofás puídos, havia uma imagem de um descolorido Jesus Cristo que pendia inclinada e o tapete desbotado tinha manchas pequenas e arredondadas… Que pareciam sugerir xixi de gato.
O senhor D dormia com as costas apoiadas contra a porta principal, a pistola na mão e o chapéu de vaqueiro jogado sobre seus olhos. Outros dois lessers estavam sentados sob uma arcada que havia na sala, estavam apoiados um em cada pilastra e tinham as pernas estendidas.
Grady estava no sofá, com uma caixa aberta do Domino’s Pizza ao seu lado e unicamente o que se via sobre a cartolina branca eram manchas gordurentas e tiras de queijo que formavam um padrão parecido aos raios de uma roda. Comeu uma Migthy Meaty[74] extragrande sozinho e nesse momento lia um exemplar atrasado do Caldwell Courier Journal.
O fato de que o homem estivesse tão estranhamente relaxado fazia com que Lash tivesse vontade de fazer uma autópsia enquanto o FDP ainda respirava. Que demônios? O filho de Omega merecia um pouco mais de ansiedade de suas vítimas seqüestradas, o fodia muitíssimo.
Lash olhou seu relógio e decidiu dar a seus homens só meia hora mais de recarga. Hoje, tinham programadas outras duas reuniões com distribuidores de narcóticos, e essa noite seria a primeira vez que seus homens sairiam às ruas com o produto.
O que significava que teria que deixar esfriar até amanhã o assunto com o rei symphath… Lash ia fechar o trato, mas os interesses financeiros da Sociedade tinham preponderância.
Lash olhou por cima de um de seus lessers adormecido para a cozinha, onde uma longa mesa dobradiça estava estendida. Espalhadas ao longo de sua superfície laminada havia pequenas bolsinhas de plástico, do tipo que se dava quando comprava um par de brincos baratos no centro comercial. Umas tinham pó branco dentro, outras pequenas pedras marrons, outras continham pílulas. Os agentes diluentes que utilizaram como levedura em pó e talco, formava suaves pilhas, e os envoltórios de celofane em que vieram os quilogramas estavam atirados no chão.
Vá, merda. Grady pensava que valia aproximadamente duzentos e cinqüenta mil dólares e que, com quatro homens na rua, trocaria de mãos em aproximadamente dois dias.
A Lash agradava esses cálculos, e passou as últimas horas examinando seu plano de negócios. O acesso a mais mercadoria representaria um problema de abastecimento, não podia continuar com a rotina de aponta-e-dispara para sempre, porque ficaria sem pessoas a quem apontar. A questão era onde penetrar na cadeia do negócio: tinham os importadores estrangeiros como os sul-americanos, os japoneses ou os europeus; também havia atacadistas, como Rehvenge; e, em seguida havia uma maior quantidade de distribuidores em pequenas quantidades, que eram os tipos que Lash esteve eliminando. Considerando a dificuldade que seria chegar aos atacadistas e quanto tempo tomaria desenvolver uma relação com os importadores, o mais lógico seria se converter em produtor.
A geografia limitava suas opções, porque Caldwell tinha uma temporada de cultivos que duravam uns dez minutos, mas as drogas como o X e a meta-anfetamina não requeriam bom clima. E, como era de conhecimento público, na Internet podia-se conseguir instruções de como construir e fazer funcionar laboratórios de meta-anfetamina e fábricas de X. É obvio que o problema se apresentaria na hora de obter os ingredientes, porque nos estabelecimentos havia leis e mecanismos de seguimento para fiscalizar a venda de vários dos componentes químicos. Mas ele tinha o controle mental do seu lado. Ao ser os humanos tão facilmente manipuláveis, teria forma de tratar com esse tipo de problemas.
Enquanto contemplava a brilhante tela, decidiu que o seguinte grande trabalho do senhor D consistiria em estabelecer um par destas instalações de produção. A Sociedade Lessening possuía muitos bens imóveis; demônios, uma das chácaras seria perfeita. Prover o pessoal ia ser um problema, mas de todo modo já era hora de efetuar um recrutamento.
Enquanto o senhor D estivesse trabalhando para instaurar as fábricas, Lash abriria o caminho no mercado. Rehvenge tinha que desaparecer. Inclusive se a Sociedade distribuía unicamente X e meta-anfetamina, quanto menos distribuidores desses produtos houvesse, melhor, e isso significava tirar o atacadista que havia no topo… Embora como chegar a ele era um fodido quebra-cabeças. No ZeroSum estavam esses dois brutamontes e essa puta fêmea transexual, além disso suficiente câmaras de segurança e sistemas de alarme para equiparar-se ao Museu Metropolitano de Arte. Por outro lado, Rehv devia ser um filho da puta inteligente ou não teria durado tanto como o fazia. O clube estava aberto durante quanto? Cinco anos?
Um forte barulho de papel fez com que Lash voltasse a enfocar os olhos por cima de seu Dell[75]. Grady levantou abandonando a pouco elegante postura escancarada de quando esteve no sofá e empunhava o CCJ[76] dentro dos punhos fechados com tanta força que pareciam nós marinheiros e essa espécie de anel sem pedra que levava lhe incrustava na pele do dedo.
— O que acontece? — disse Lash arrastando as palavras — Leu que a pizza provoca que te suba o colesterol ou alguma merda assim?
Não era como se o mal-nascido fosse viver tempo suficiente para preocupar-se com suas artérias coronárias.
— Não é nada… Nada, não é nada.
Grady atirou o jornal a um lado e se jogou sobre as almofadas do sofá. Quando seu pouco interessante rosto empalideceu, levou uma mão ao coração, como se a coisa estivesse fazendo aeróbica dentro de seu tórax, e com a outra retirou o cabelo, que não necessitava nenhuma ajuda para afastar-se de sua frente.
— Que bobagem acontece com você?
Grady sacudiu a cabeça, fechou os olhos e moveu os lábios como se estivesse falando consigo mesmo.
Lash voltou a baixar o olhar para a tela de seu computador.
Ao menos o idiota estava aborrecido. Isso era bastante satisfatório.

Capitulo 40


À tarde seguinte, Rehv desceu com cuidado a escada curva do refúgio da família, guiando Havers de volta à porta principal que o médico da raça atravessou apenas quarenta minutos antes. Bella e a enfermeira que o assistiu também o seguiam. Ninguém falava, só se ouvia o som inusitadamente alto das pegadas sobre o amaciado tapete.
Enquanto caminhava, tudo o que podia cheirar era morte. O aroma das ervas rituais se mantinha no fundo de suas fossas nasais, como se a merda encontrasse refúgio do frio em seus seios, e se perguntava quanto tempo passaria antes que deixasse de captar seu odorzinho cada vez que inalasse.
Fazia com que um macho quisesse pegar um aplicador de jorro de areia, dirigi-lo ali acima e fazer uma boa limpeza abrasiva.
Para falar a verdade, sentia uma terrível necessidade de ar fresco, mas não se atrevia a mover-se mais rápido. Entre sua bengala e o corrimão esculpido, se dirigia bem, mas depois de ver sua mãe envolta em linho, não tinha somente o corpo intumescido, sua mente também estava. O último que precisava era terminar aterrissando sobre o traseiro no vestíbulo de mármore.
Rehv desceu o último degrau, trocou a bengala à mão direita, e virtualmente se equilibrou para abrir a porta. O vento frio que entrava era uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Sua temperatura interna desceu em ladeira, mas foi capaz de tomar um profundo e gelado fôlego que substituiu algo do que o atormentava com a aguda promessa de que cairia uma nevasca.
Clareando a garganta, estendeu a mão para o médico da raça.
— Tratou a minha mãe com incrível respeito. Agradeço, obrigado.
Atrás de seus óculos de tartaruga marinha, os olhos de Havers não demonstravam somente compaixão profissional, mas sim uma compaixão honesta, e estendeu a palma como um companheiro enfermo.
— Ela era muito especial. A raça perdeu uma de suas luzes espirituais.
Bella deu um passo adiante para abraçar o médico, e Rehv fez uma reverência ante a enfermeira que o assistiu sabendo que ela sem dúvida preferiria não ter que tocá-lo.
Enquanto o par saía pela porta principal para desmaterializar de volta à clínica, Rehv tomou um momento para contemplar a noite. Definitivamente ia nevar de novo, e esta vez não seria somente essa espécie de pozinho da noite anterior.
Perguntou-se se sua mãe teria visto as nevascas na tarde anterior. Ou, se teria perdido o que provou ser sua última oportunidade de ver os delicados cristais milagrosos que caíam à deriva do céu?
Deus, ninguém tinha uma infinita quantidade de noites. Nenhuma inumerável multidão de rajadas de neve para ver.
Sua mãe adorava as nevascas. Cada vez que se apresentavam, ia à sala, acendia as luzes do exterior, apagava as de dentro, e se sentava ali olhando para fora, de noite. Enquanto seguisse caindo, ficava ali. Podia passar horas.
O que ela veria, perguntou-se. Na neve que caía, o que teria visto? Nunca perguntou.
Cristo, por que as coisas tinham que acabar.
Rehv fechou a porta, deixando o espetáculo invernal fora e se reclinou contra seus sólidos painéis de madeira. Ante ele, debaixo do lustre que havia no alto, estava sua irmã, chorosa e apática, embalando sua filha nos braços.
Desde o falecimento, não soltara Nalla, mas à pequena não importava. A filha estava adormecida nos braços de sua mãe, sua fronte estava franzida pela concentração, como se estivesse crescendo tão rápido, que sequer quando estava em repouso se permitia um descanso.
— Costumava te apertar dessa maneira. — disse Rehv — E você estava acostumada a dormir assim. Tão profundamente.
— Fazia-o? — Bella sorriu e esfregou as costas de Nalla
O body daquela noite era branco e negro com um logotipo da excursão do AC/DC AO VIVO e Rehv não pôde evitar sorrir. Não o surpreendia absolutamente que sua irmã tivesse descartado toda a merda brega de patinhos-e-coelhinhos favorecendo um vestuário de recém-nascida que era definitivamente impressionante. E bendita fosse. Se alguma vez chegasse a ter um filho...
Rehv franziu o cenho e pôs freio a esses pensamentos.
— O que aconteceu? — perguntou sua irmã
— Nada. — além de que pela primeira vez em sua vida tinha pensado em ter descendência.
Possivelmente fosse pela morte de sua mãe.
Possivelmente fosse pela Ehlena, apontou outra parte dele.
— Quer comer algo? — disse — Antes que Z e você empreendam a volta?
Bella levantou a vista para as escadas, de onde baixava flutuando o som de uma ducha.
— Gostaria.
Rehv pôs uma mão sobre seu ombro e caminharam juntos por um vestíbulo adornado com paisagens emolduradas, e através de um refeitório com paredes da cor do Merlot. A cozinha contrastava com o resto da casa, pois era muito singela centrando-se na funcionalidade, mas havia uma mesa muito agradável a qual sentar-se, e ali em uma das cadeiras com respaldo alto e braço acomodou sua irmã e à pequena.
— O que gostaria? —perguntou, indo para a geladeira.
— Têm cereais?
Ele se dirigiu ao armário onde se armazenavam as bolachas e as conservas, esperando que... Sim, Frosted Flakes[77]. Havia uma grande caixa de Frosted Flakes lado a lado com um pacote de biscoitinhos salgados Kleeber Clube e uns crótons do Pepperidge Farm.
Ao tirar os cereais, girou a caixa para que visse a frente e olhou o Tony, o Tigre.
Repassando as linhas do desenho com a ponta do dedo, disse brandamente:
— Você ainda gosta dos Frosted Flakes?
— Oh, absolutamente. São meus favoritos.
— Bem. Isso me faz feliz.
Bella riu um pouco.
— Por quê?
— Não se… Lembra? — deteve a si mesmo — Entretanto, por que o faria?
— Recordar o que?
— Foi faz muito tempo. Observei você quando os comia e… Simplesmente era agradável, isso é tudo. A forma em que os desfrutava. Eu gostava da forma em que os desfrutava.
Pegou uma terrina, uma colher e o leite desnatado, foi com o lote até onde estava sua irmã e fazendo um pequeno lugar dispôs tudo frente a ela.
Enquanto ela trocava de lugar à pequena para ter a mão direita livre para usar a colher, ele abriu a caixa e o fino saco de plástico e começou a servi-los.
— Diga-me quando estiver bom. — disse.
O som dos cereais golpeando a terrina, esse pequeno som de chapinhar, falava de uma vida cotidiana normal e era muito forte. Como aqueles passos descendo a escada. Era como se ao silenciar o batimento do coração de sua mãe tivesse subido o volume do resto do mundo até que sentiu que necessitava abafadores para os ouvidos.
— Pare. — disse Bella.
Ele trocou a caixa de cereais pela caixa de leite Hood e derrubou um rio branco sobre os cereais.
— Uma vez mais, com sentimento.
— Pare.
Rehv se sentou enquanto fechava a tampa e soube que não devia lhe perguntar se queria que ele carregasse Nalla. Embora incômodo para comer, ela não soltaria essa menina durante um bom momento e estava bem. Mais que bem. Ver como se consolava com a próxima geração contribuiu um pouco para dar consolo a ele
— Mmm. — murmurou Bella com o primeiro bocado.
No silêncio que surgiu entre eles, Rehv se permitiu relembrar outra cozinha, em outro tempo, muito anterior, quando sua irmã era muito mais jovem e ele muitíssimo menos corrupto. Recordou uma terrina de Tony em particular que era melhor ela não recordar, aquela que após ter terminado, ainda seguia tendo vontade de comer mais, e teve de lutar contra tudo o que aquele bastardo de seu pai lhe tinha ensinado a respeito das fêmeas que deviam ser magras e que nunca repetiam. Quando cruzou a cozinha da antiga casa e logo retornou a sua cadeira levando a caixa de cereais, Rehv aclamou silenciosamente e quando começou a servir-se outra porção… Começou a chorar lágrimas de sangue pelo que teve que desculpar-se dizendo que ia ao quarto de banho.
Tinha assassinado ao pai dela por duas razões: sua mãe e Bella.
Uma de suas recompensas foi à tentativa de liberdade de Bella ao comer mais quando sentia fome. A outra foi saber que não haveria mais contusões no rosto de sua mãe.
Perguntava-se o que teria Bella pensado se soubesse o que ele tinha feito. O odiaria? Possivelmente. Não estava seguro de quanto recordava a respeito de todos os maus tratos, especialmente os que foram feito a sua mahmen.
— Está bem? — perguntou ela repentinamente.
Ele passou a mão por seu topete.
— Sim.
— Pode ser difícil de interpretar. — dedicou-lhe um pequeno sorriso, como se quisesse estar segura de que não havia ironia em suas palavras — Nunca sei se está bem.
— Estou.
Ela passeou a vista pela cozinha.
— Que fará com esta casa?
— Vou conservá-la, ao menos durante outros seis meses. Comprei de um humano, faz um ano e meio e preciso agüentá-la um pouco mais ou vão me ferrar nos lucros de capital.
— Sempre foi bom com o dinheiro. — inclinou-se para levar outra colherada à boca — Posso te perguntar algo?
— Claro.
— Tem alguém?
— Alguém como?
— Já sabe… Uma fêmea. Ou um macho.
— Acredita que sou gay? — enquanto ria, ela ficou de um vermelho escarlate, e ele desejou abraçá-la com todas as suas forças.
— Bom Rehvenge, se for não há problema. — disse, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça que o fez sentir como se lhe tivesse estendido a mão para consolá-lo — Quero dizer, você nunca apresentou nenhuma fêmea, jamais. E, não quero pressupor... Que você... Ah... Bem, em certo momento do dia fui ao seu quarto para ver como estava e te escutei falando com alguém. Não é que estivesse escutando às escondidas... Não estava... Oh, merda.
— Está bem. — sorriu abertamente e então se deu conta que não havia uma resposta simples para sua pergunta. Ao menos, no que referia a se tinha a alguém.
Ehlena era... O que era?
Franziu o cenho. A resposta que vinha a sua mente afundava profundamente nele. Muito profundamente. E dada à superestrutura de mentiras sobre a qual estava construída sua vida, não estava seguro que esse tipo de prospecção fosse uma idéia acertada: porra, sua montanha de carvão já estava suficientemente instável para permitir que houvesse ocos que impregnassem tão fundo sob a superfície.
Bella baixou a colher lentamente.
— Meu Deus... Tem alguém, verdade?
Ele se obrigou a responder de forma que a quantidade de complicações diminuíram. Embora isso fosse como tirar só uma parte de lixo da pilha.
— Não, não tenho. — jogou uma olhada a sua terrina — Quer mais?
Ela sorriu.
— Sim. — enquanto a servia, disse — Sabe, a segunda terrina sempre é a melhor.
— Não poderia estar mais de acordo.
Bella empurrou os cereais para baixo com o dorso de sua colher.
— Amo você, irmão meu.
— E eu a você, irmã minha. Sempre.
— Acredito que mahmen está no Fade nos cuidando. Não sei se acredita nesse tipo de coisas, mas ela o fazia, e depois do nascimento de Nalla também cheguei a acreditar.
Era consciente de que quase perderam Bella na mesa de parto, e se perguntava o que ela teria visto nesses momentos, quando sua alma não estava nem aqui nem ali. Nunca tinha pensado muito sobre onde se terminava, mas estava disposto a apostar que ela tinha razão. Se alguém podia velar por seus descendentes do Fade, essa seria sua encantadora e piedosa mãe.
Isso lhe proporcionava consolo e um propósito.
Ali acima, sua mãe nunca teria que preocupar-se com o que a tinha preocupado. Não pelo que a ele concernia.
— Oh, olhe, está nevando. — disse Bella
Olhou através da janela. Iluminados pela luz das luzes de gás que havia ao longo da entrada para carros, os pequenos pontos brancos caíam à deriva.
— Ela teria amado isto. — murmurou ele.
— Mahmen?
— Lembra como costumava sentar-se em uma cadeira para contemplar os flocos caírem?
— Não os observava cair.
Rehv franziu o cenho e a olhou do outro lado da mesa.
— Com certeza que sim. Durante horas, ela…
Bella negou com a cabeça
— Gostava do aspecto que tinham depois de cair.
— Como sabe?
— Perguntei uma vez. Já sabe, por que se sentava e ficava olhando para fora durante tanto tempo. — Bella reacomodou Nalla em seus braços e com uma mão alisou as mechinhas de cabelo de sua menina — Disse que era porque quando a neve cobria a terra, os ramos e os telhados, lembrava-se de quando estava no Outro Lado com as Escolhidas, onde tudo estava bem. Disse... Que depois que a neve caía, ela se via restituída a sua vida antes da queda. Nunca entendi o que queria dizer com isso, e ela nunca me explicou isso.
Rehv voltou a olhar através da janela. À velocidade que estavam caindo os flocos, passaria um tempo antes que a paisagem ficasse branca.
Não era de estranhar que sua mãe permanecesse horas olhando para fora.

Wrath despertou na escuridão, mas de uma forma deliciosa, familiar e feliz. Sua cabeça estava sobre seu próprio travesseiro, suas costas contra seu próprio colchão, as mantas até seu queixo, e o aroma de sua shellan profundamente em seu nariz.
Dormiu felizmente durante um comprido tempo, podia afirmar pelo muito que precisava esticar-se. E sua dor de cabeça se foi. Ido... Deus, esteve vivendo com a dor durante tanto tempo, que era somente em sua ausência quando se dava conta de quão ruim se tornou.
Esticando todo o corpo, esticou os músculos das pernas e braços até fazer ranger os ombros e endireitar sua coluna, seu corpo se sentiu glorioso.
Dando a volta, encontrou Beth com o braço, e deslizando-o ao redor de sua cintura a capturou por atrás e se curvou ao redor dela de maneira a poder enterrar o rosto no suave cabelo de sua nuca. Ela sempre dormia sobre o lado direito, e o tema de adotar a posição de colheres paralelas era assunto dele... Gostava de rodear o corpo menor dela com o seu que era muito mais comprido porque o fazia sentir que era o suficientemente forte para protegê-la.
Entretanto, manteve os quadris separados dela. Seu pênis estava rígido e cheio de eu-desejo, mas se sentia agradecido somente por poder se deitar com ela... E não tinha intenção de arruinar o momento fazendo-a sentir incomoda.
— Mmm. — disse ela, acariciando seu braço — Está acordado.
— Estou. — e mais que isso.
Armou-se uma confusão enquanto ela dava a volta, movendo-se dentro de seu abraço até que esteve de frente.
— Dormiu bem?
— Oh, sim.
Quando sentiu um ligeiro puxão de cabelo, soube que estava brincando com as pontas frisadas, e se alegrou de mantê-lo tão longo como o tinha. Inclusive embora tivesse que prender a pesada massa negra na parte de atrás da cabeça quando saía para lutar, e que a merda demorava eternidades para secar-se — tanto, de fato, que tinha que usar um secador, o que era muito fodidamente efeminado para acreditar — Beth amava a coisa. Podia lembrar as muitas vezes que ela o tinha desdobrado em leque sobre seus seios nus...
Bom, desacelerar esse trem seria uma muito boa idéia. Se continuasse com esse tipo de coisas teria que montá-la ou perder sua condenada mente.
— Adoro seu cabelo, Wrath. — na escuridão, sua voz baixa era como o toque de seus dedos, delicada e devastadora.
— Eu adoro quando coloca suas mãos sobre ele. — replicou, com a voz rouca — Entre o meio dele, de qualquer forma que você goste de tocá-lo.
Estiveram só Deus sabia quanto tempo ali deitados lado a lado, encarando um ao outro, os dedos dela retorcendo e enroscando as densas ondas.
— Obrigada, — disse ela baixinho — por me contar sobre esta noite.
— Teria preferido ter boas notícias para te contar.
— Mesmo assim me alegra que me conte. Prefiro saber.
Encontrou seu rosto para comprovar, e enquanto deslizava os dedos sobre as bochechas, o nariz até os lábios, via-a com as mãos e a conhecia com o coração.
— Wrath... — ela colocou a mão sobre sua ereção.
— Oh, caralho... — esticando a parte baixa das costas impulsionou os quadris para frente.
Ela riu baixinho.
— Sua linguagem amorosa faria com que um caminhoneiro se sentisse orgulhoso.
— Sinto muito, eu… — a respiração se prendeu na garganta quando ela o acariciou por cima dos boxer que pôs em atenção a seu pudor — Caralh... Quero dizer...
— Não, eu gosto. É muito você.
A fez rodar e montou sobre seus quadris... Sagrada merda. Sabia que veio para cama com uma camisola de flanela, mas onde quer que estivesse, não estava cobrindo as pernas, porque seu doce e quente centro se esfregou contra seu pênis.
Wrath grunhiu, e perdeu o controle. Com um súbito impulso, atirou-a de costas, baixou os Calvin Klein que raramente usava, por suas coxas, e se introduziu nela. Quando ela gritou e arranhou suas costas com as unhas, lhe alargaram as presas completamente e começaram a palpitar.
— Preciso de você. — disse — Necessito isso.
— Eu também.
Não economizou nada de seu poder, mas em definitivo, gostava assim algumas vezes, cru, selvagem, que o corpo dele marcasse o seu com dureza.
O rugido que lançou quando se introduziu nela sacudiu o óleo que pendia sobre a cama e fez repicar os frascos de perfume que estavam na penteadeira e continuou movendo-se em seu interior, mais besta que amante civilizado. Mas, quando seu aroma começou a encher seu nariz, soube que o desejava exatamente como era... Cada vez que chegava ao orgasmo, ela fazia com ele, seu sexo apertava e puxava o dele, o mantendo profundamente em seu interior.
Com uma ordem ofegante, disse-lhe:
— Toma minha veia…
Ele vaiou como um predador, foi em busca de seu pescoço e a mordeu com força.
O corpo de Beth se sacudiu abaixo do dele, e entre seus quadris sentiu que brotava uma calidez que não tinha nada a ver com o que tinha deixado em seu interior. Em sua boca, o sangue dela era o presente da vida, sentia-o espesso na língua e descendo por sua garganta, enchendo o ventre com um forno quente que iluminava sua carne de dentro para fora.
Enquanto bebia, seus quadris tomaram o comando, agradando a ela, sentindo prazer em si mesmo, quando esteve satisfeito, lambeu as marcas da dentada, e voltou a ocupar-se dela, esticando-se para baixo levantou uma de suas pernas para poder entrar ainda mais profundamente enquanto golpeava com força. Quando em uma das investidas voltou a gozar, segurou-lhe a nuca com a palma da mão e aproximou seus lábios a sua garganta.
Mas não teve oportunidade de expressar uma ordem. Ela o mordeu, e no momento em que suas agudas pontas ferroaram sua pele sentiu a doce chicotada da dor e teve um novo orgasmo, um que foi mais brutal que todos os outros. Saber que possuía o que ela necessitava e desejava, que ela vivia do que pulsava ao longo de suas veias, era fodidamente erótico.
Quando sua shellan acabou e fechou as feridas as lambendo, ele rodou sobre suas costas mantendo-os unidos, com a esperança de que...
Oh, sim, fizeram um bom uso dela montando-o. Enquanto ela tomava o comando, ele levantou as palmas de suas mãos para seus peitos e se deu conta que ainda tinha a camisola posta, de maneira que a tirou pela cabeça e atirou a quem-demônios-lhe-importava-onde. Encontrando seus peitos novamente, sopesou-os e estavam tão pesados e abundantes em suas palmas que não pôde evitar arquear para cima e tomar um de seus mamilos na boca. Sugou enquanto ela bombeava por ambos até que se fez muito difícil manter a conexão e teve que deixar cair seu torso sobre a cama.
Beth gritou, e em seguida ele o fez, e então ambos chegaram juntos ao clímax. Depois ela se derrubou junto a ele e permaneceram um ao lado do outro, ofegando.
— Isso foi incrível. — ofegou ela.
— Fodidamente incrível.
Ele tateou ao seu redor na escuridão, até que encontrou sua mão, e ficaram assim unidos durante um momento.
— Tenho fome. — disse ela.
— Eu também.
— Bem, deixa que vá procurar algo para os dois.
— Não quero que vá. — disse puxando sua mão, atraindo-a para ele, e beijando-a — É a melhor fêmea que um macho poderia chegar a ter jamais.
— Também te amo.
Como se estivessem sincronizados, seus estômagos rugiram ao mesmo tempo.
— De acordo, possivelmente sim seja hora de comer. — enquanto riam juntos, Wrath soltou sua shellan — Espera, me deixe acender a luz para que possa encontrar a camisola.
Imediatamente soube que algo andava mal. Beth deixou de rir e ficou absolutamente paralisada.
— Leelan? Está bem? Fiz-te mal? — oh, Deus... Tinha sido tão bruto — Eu sinto...
Interrompeu-o com voz estrangulada.
— Minha luz já está acesa, Wrath. Antes que despertasse, eu estava lendo.

 

CONTINUA

Capítulo 30


John disse ao Qhuinn e ao Blay que ficaria em seu quarto o resto da noite, e quando esteve seguro de que engoliram a mentira, escapuliu para o exterior através dos quartos do pessoal da casa, e se dirigiu diretamente ao ZeroSum.
Tinha que se mover rápido, porque certo como a merda que um dos dois iria vê-lo e então formariam uma condenada busca.
Evitando a entrada principal do clube, rodeou-o e foi ao beco onde uma vez viu como Xhex rompia a cabeça de um imbecil que tinha uma boca grande e um punhado de coca. Encontrando a câmera de segurança que havia em cima da saída lateral, John levantou a cabeça e olhou para a lente.
Quando a porta se abriu, não teve nem que olhar para saber que era ela.
— Quer entrar? — disse.
Ele sacudiu a cabeça, e dessa vez não o preocupou a barreira da comunicação. Merda, não sabia o que dizer. Não sabia por que estava ali. Só sabia que tinha que ir.
Xhex saiu do clube e apoiou as costas contra a porta, cruzando uma bota com ponta de aço sobre a outra.
— Contou a alguém?
Ele a olhou nos olhos serenamente e sacudiu a cabeça.
— Vai fazê-lo?
Voltou a sacudir a cabeça.
Com um tom suave, um que nunca escutou dela nem esperou, sussurrou-lhe:
— Por quê?
Ele simplesmente se encolheu de ombros. Francamente, surpreendia-o que não tivesse tratado de tirar suas lembranças. Era mais certo. Mais limpo...
— Deveria ter tirado suas lembranças. — disse, fazendo com que se perguntasse se estava lendo sua mente — A noite passada estava fodida da cabeça, e foi tão rápido que não o fiz. Naturalmente, agora seria um longo passo, assim...
Deu-se conta que era por isso que tinha vindo. Queria assegurar que se manteria calado.
A partida de Thor fortalecera a decisão. Quando John foi falar com o Irmão e confrontou que o macho tinha desaparecido de novo, sem dizer nenhuma palavra outra vez, algo mudou em seu interior, como uma rocha sendo transladada de um lado a outro dentro de seu jardim, uma mudança permanente na paisagem.
John estava sozinho. E, portanto, suas decisões eram dele. Respeitava Wrath e à Irmandade, mas não era um irmão e talvez nunca fosse. Claro, era um vampiro, mas tinha passado a maior parte de sua vida separado da raça, por isso a repulsão pelos symphath era algo que nunca compreendeu de todo. Sociopatas? Demônios, quanto ao que lhe concernia, essa merda começava em casa, com o comportamento que tiveram Zsadist e V antes de emparelhar-se.
John não ia entregar Xhex ao rei para que fosse deportada à colônia. De maneira nenhuma.
Agora a voz dela se voltou áspera:
— Então, o que quer?
Dado o tipo de gente de baixa índole, oportunista e desesperada com que ela tratava noite após noite, não estava nada surpreso pela pergunta.
Sustentando seu olhar, sacudiu a cabeça e realizou um movimento de corte sobre sua garganta.
Nada, vocalizou.
Xhex o olhou com seus frios olhos cinza, e a sentiu meter-se em sua cabeça, percebendo o impulso contra seus pensamentos. Deixou-a explorar para que visse qual era sua posição, porque isso, mais que qualquer palavra que pudesse pronunciar, daria-lhe a maior tranqüilidade.
— John Matthew, é um em um milhão. — disse em voz baixa — A maioria das pessoas se aproveitaria disto como a merda. Especialmente dado o tipo de vícios que posso te prover aqui no clube.
Ele se encolheu de ombros.
— Então, para onde se dirigia esta noite? E onde estão seus companheiros?
Ele sacudiu a cabeça.
— Quer falar sobre o Thor? — quando os olhos dele dispararam para os dela, disse-lhe — Sinto, mas está em sua mente.
Quando John sacudiu a cabeça outra vez, algo lhe tocou a bochecha e olhou para cima. Estava começando a nevar, flocos pequenos e diminutos formando redemoinhos no vento.
— A primeira nevada do ano. — disse Xhex, afastando-se da porta — E você sem casaco.
Ele olhou para baixo e se deu conta que tudo o que tinha vestido era um jeans e uma camiseta Nerdz. Ao menos se lembrou de calçar sapatos.
Xhex meteu a mão no bolso e a estendeu com algo dentro. Uma chave. Uma pequena chave de metal.
— Sei que não quer ir para casa, e tenho um lugar perto daqui. É seguro e subterrâneo. Se quiser vai ali, fica todo o tempo que necessite. Obtém a privacidade que busca até que ordene toda essa merda.
Estava a ponto de sacudir a cabeça para se negar quando lhe disse na Antiga Língua:
— Deixe-me te compensar desta maneira.
Ele pegou a chave sem roçar sua mão e vocalizou: Obrigado.
Depois que lhe deu o endereço, deixou-a nesse beco com a neve flutuando para baixo do céu noturno. Quando chegou à Rua Trade, olhou sobre seu ombro. Ainda estava ao lado da porta lateral, observando-o com os braços cruzados e as botas plantadas firmemente no chão.
Os delicados flocos que aterrissavam em seu cabelo curto e escuro, e em seus ombros nus e fortes, não a suavizavam nem um pouco. Não era um anjo lhe fazendo um favor por uma simples razão. Era enigmática, perigosa e imprevisível.
E ele a amava.
John a saudou com a mão e dobrou a esquina, unindo-se a um desfile de humanos agasalhados que caminhavam rapidamente de bar em bar.

Xhex permaneceu onde estava inclusive depois que o corpo grande de John desapareceu de vista.
Um em um milhão, pensou uma vez mais. Esse menino era um em um milhão.
Enquanto voltava a entrar no clube, soube que era questão de tempo antes que seus dois amigos, ou talvez os membros da Irmandade, aparecessem tratando de encontrá-lo. Sua resposta ia ser que não o tinha visto e não tinha idéia de onde estava.
Ponto.
Ele a protegia, ela o protegia.
Isso era tudo.
Estava saindo da seção VIP quando seu auricular soou. Depois que seu segurança deixou de falar, amaldiçoou e levantou seu relógio para falar pelo rádio.
— Levem-no a meu escritório.
Após assegurar-se de que o andar estava livre de garotas trabalhadoras, entrou na parte do clube para o público em geral, e observou enquanto o Detetive da Cruz era guiado através da multidão de usuários.
— Sim, Qhuinn? — disse sem voltar-se.
— Cristo, deve ter olhos nas costas.
Olhou-o por cima de seu ombro.
— E você mantém isso em mente.
O ahstrux nohstrum de John era o tipo de macho com que a maioria das fêmeas queria transar. E muitos machos, também. Fazia que o negro-sobre-negro se visse espetacular, como sua camisa Affliction[57] sob a jaqueta de motoqueiro, mas seu estilo passava por todos os lados. O cinto era Grommet[58] e as barras do jeans desgastado que levava, ganhava-os do The Cure[59]. O cabelo negro aparado, o piercing no lábio e os sete brincos negros que subiam ao longo de sua orelha esquerda eram emo. As New Rocks[60] com plataformas de dez centímetros eram Góticas. As tatuagens na nuca eram Hart & Huntington[61].
E quanto às armas ocultas que sabia malditamente bem que tinha guardadas sob os braços? Eram autenticamente ao estilo Rambo, e esses punhos que penduravam em seus lados? Eram absolutamente do AMC[62].
O pacote inteiro, sem importar a procedência dos componentes, era sensual, e pelo que tinha visto no clube até pouco tempo ele dava capital importância a seu atrativo. Até o ponto em que os banheiros privados do fundo foram como o escritório de sua casa.
Entretanto, depois de ter sido promovido a guarda pessoal do John, havia diminuído o ritmo.
— O que ocorre? — disse ela.
— John esteve aqui?
— Não.
Qhuinn entrecerrou seus olhos desiguais.
— Não o viu para nada?
— Não.
Enquanto o tipo a olhava fixamente, sabia que não estava captando nada. A mentira vinha em segundo lugar depois do assassinato em sua lista de habilidades.
— Maldito seja. — murmurou, passeando o olhar pelo clube.
— Se o vir, direi que o está procurando.
— Obrigado. — voltou a se enfocar nela — Escuta, não sei que merda aconteceu entre vocês dois, e não é assunto meu...
Xhex revirou os olhos.
— O que explica claramente por que o está mencionando agora.
— É um bom macho. Só mantém isso em mente, está bem? — o olhar verde e azul de Qhuinn estava cheio de um tipo de clareza que só uma vida verdadeiramente dura daria a um macho — A muitas pessoas não cairia bem que o derrubassem sobre o traseiro. Especialmente a mim.
No silêncio que seguiu, teve que dar crédito ao Qhuinn: a maioria das pessoas não tinha os ovos para enfrentá-la e a ameaça subjacente nessas desapaixonadas palavras era óbvia.
— Qhuinn, é boa gente, sabe. É um bom amigo.
Bateu-lhe no ombro, e logo se dirigiu para seu escritório pensando que o rei tinha feito uma escolha inteligente com o ahstrux nohstrum de John. Qhuinn era um pervertido filho da puta, mas um autêntico assassino, e a alegrava que fosse o que vigiava ao seu macho.
Que vigiasse o John Matthew, quis dizer.
Porque não era seu macho. No mais mínimo.
Quando chegou a sua porta, abriu-a sem excitação.
— Boa noite, Detetive.
José da Cruz ostentava outro terno de duas peças barato, e ele, seu terno e o casaco que levava em cima se viam igualmente cansados.
— Boa noite. — respondeu.
— O que posso fazer por você? — sentou-se atrás da escrivaninha e lhe fez um sinal para que se sentasse na cadeira que utilizara a última vez.
Ele foi direto ao assunto:
— Pode me dizer onde esteve ontem tarde da noite?
Não completamente, pensou. Porque a uma em ponto estava matando a um vampiro, e isso não era de sua incumbência.
— Estive aqui no clube por quê?
— Tem algum empregado que possa confirmá-lo?
— Sim. Pode falar com iAm ou com qualquer um de meu pessoal. Sempre que me diga que diabos está acontecendo.
— Ontem à noite encontramos um objeto de vestir pertencente a Grady na cena de um crime.
Oh, caramba, se alguém mais tinha assassinado a esse filho da puta, ela estaria de saco cheio.
— Mas não seu corpo?
— Não. Era uma jaqueta com uma águia nas costas, a qual era a marca dele. Era como sua assinatura, ao que parece.
— Interessante. Então por que está me perguntando onde estava?
— A jaqueta tinha salpicaduras de sangue. Não estamos certos se eram dele ou não, mas saberemos amanhã.
— Volto a repetir, por que queria saber onde estive?
Da Cruz plantou suas palmas na escrivaninha e se inclinou para frente, seus olhos marrom chocolate estavam malditamente sérios.
— Porque tenho o pressentimento de que gostaria de vê-lo morto.
— É certo que não gosto dos homens abusivos. Mas tudo o que tem é sua jaqueta, não há corpo, e se por acaso fosse pouco, estive aqui ontem à noite. Por isso se alguém o liquidou, não fui eu.
Ele se endireitou.
— Vão fazer um funeral para Chrissy?
— Sim, amanhã. O aviso saiu no jornal de hoje. Ela podia não ter muitos familiares, mas era muito apreciada na Rua Trade. Aqui somos uma grande família feliz. — sorriu Xhex — Detetive, vai usar um bracelete negro por ela?
— Estou convidado?
— É um país livre. E iria de toda forma, verdade?
Da Cruz sorriu genuinamente, e seus olhos perderam a maior parte de sua agressividade.
— Sim, o faria. Incomoda-se se verifico os seus álibis? E tomo declarações?
— Não, nem um pouco. Chamarei-os agora mesmo.
Enquanto Xhex falava por seu relógio, o detetive passeou a vista pelo escritório, e quando ela deixou cair o braço, disse-lhe:
— A decoração não a atrai muito.
— Gosto que as coisas se limitem ao que necessito e nada mais.
— Mmm. Minha esposa gosta de decoração. Tem o dom de fazer que os lugares pareçam acolhedores. É agradável.
— Soa como uma boa mulher.
— Oh, e é. Além disso, faz o melhor queso[63] que alguma vez provei. — disse enquanto lhe dava uma olhada — Sabe, escutei muitas coisas a respeito deste clube.
— Sim?
— Sim. Particularmente sobre Vícios.
— Ah.
— E fiz os deveres quanto ao Grady. Foi detido no verão por um delito agravado de posse de drogas. O caso ainda está pendente.
— Bem, sei que ele será levado ante a justiça.
— Foi despedido deste clube um pouco antes dessa detenção, verdade?
— Por desviar recursos do bar.
— E, entretanto, não apresentaram queixa?
— Se chamasse à polícia cada vez que um de meus empregados levanta uns verdes, teria a vocês meninos, na discagem rápida.
— Mas escutei que essa não era a única razão pela que o tinham despedido.
— Sério?
— A Rua Trade, como você disse, é sua própria família… Mas isso não significa que não haja falatórios. E as pessoas me disseram que foi despedido porque estava traficando aqui no clube.
— Bem, isso é compreensível, verdade? Nunca permitiríamos que alguém traficasse em nossa propriedade.
— Porque é o território de seu chefe e ele não aprecia a concorrência.
Ela sorriu.
— Detetive, aqui não há concorrência.
E isso era verdade. Rehvenge era o macho alfa. Ponto. Qualquer limpa cú barato que tratasse de passar pequenas quantidades sob o teto do clube, era quebrado. Duramente.
— Se for honesto, não estou seguro de como o fazem. — murmurou da Cruz — Durante anos houve especulações a respeito deste lugar, e, entretanto, ninguém foi capaz de obter uma causa provável para pedir uma ordem de averiguação.
E isso acontecia porque as mentes humanas, inclusive as conectadas nos ombros dos policiais, eram facilmente manipuláveis. Algo visto ou falado podia ser apagado em um instante.
— Nada sombrio ocorre aqui. — disse ela — Assim é como o fazemos.
— Seu chefe está por aqui?
— Não, esta noite não.
— Então confia em você para dirigir seu negócio enquanto não está.
— Como eu, ele nunca vai por muito tempo.
Da Cruz assentiu.
— Boa política. Falando do tema, não sei se terá escutado, mas parece haver uma guerra de territórios em marcha.
— Guerra de território? Pensei que as duas partes de Caldwell estavam em paz uma com a outra. O rio já não é uma divisão.
— Guerra de território por drogas.
— Não sei nada sobre isso.
— É meu outro caso. Encontramos dois traficantes mortos junto ao rio.
Xhex franziu o cenho, pensando que a surpreendia não ter se informado disso ainda.
— Bom, as drogas são um negócio duro.
— Dispararam a ambos na cabeça.
— Isso o obteria.
— Ricky Martínez e Isaac Rush. Conhece-os?
— Escutei sobre eles, mas ambos apareceram nos jornais. — disse enquanto punha uma mão na cópia do CCJ que estava cuidadosamente empilhado em sua escrivaninha — E sou uma grande leitora.
— Então viu o artigo sobre eles que saiu hoje.
— Ainda não, mas estava a ponto de tomar um descanso. Tenho que ter minha dose diária de Dilbert[64].
— É esse sobre a escrivaninha? Durante anos fui fã de Calvin e Hobbes[65]. Odiei que acabasse e na realidade não me entretive com nenhuma das novas. Suponho que fiquei no tempo.
— Gosta do que gosta. Não há nada mau nisso.
— É o que minha esposa diz. — os olhos de Da Cruz vagaram novamente pelos arredores — Então, um par de pessoas disseram que ambos vieram ao clube ontem à noite.
— Calvin e Hobbes? Um era um menino e o outro um tigre. Nenhum teria conseguido passar por meus seguranças.
Da Cruz sorriu brevemente.
— Não, Martínez e Rush.
— Ah, bom, você andou pelo clube. Todas as noites têm uma enorme quantidade de gente aqui.
— Certo. Este é um dos clubes mais bem-sucedidos da cidade. — Da Cruz colocou as mãos nos bolsos laterais de sua calça, seu casaco caiu para trás e a jaqueta de seu terno se esticou ao redor de seu peito — Um dos yonquis que vive sob a ponte viu um modelo antigo da Ford junto com uma Mercedes negra e um Lexus todo cromado deixando a área pouco depois que esses dois fossem baleados.
— Os traficantes de droga podem permitir-se bons carros. Não estou segura do que faziam com o Ford.
— O que seu chefe dirige? Um Bentley, verdade? Ou conseguiu um novo veículo?
— Não, ainda tem o Bentley.
— Um carro caro.
— Muito.
— Conhece alguém com uma Mercedes negra? Porque as testemunhas também viram uma rondando ao redor do apartamento onde foi achada a jaqueta com a águia do Grady.
— Não posso dizer que conheça algum dono de um Merc.
Houve um golpe na porta, e Trez e iAm entraram, os dois seguranças faziam que o detetive parecesse um Funda estacionado entre um par de Hummers.
— Bem, os deixo para que falem. — disse Xhex com absoluta fé nos melhores amigos de Rehv — Detetive, vejo-o no funeral.
— Se não antes. Hey, alguma vez pensou em adquirir uma planta para pôr aqui dentro? Poderia fazer a diferença.
— Não, sou muito boa matando coisas. — sorriu com humor — Sabe onde me encontrar. Até mais tarde.
Enquanto fechava a porta detrás dela, deixou de fingir e franziu o cenho. A guerra de territórios não era boa para o negócio, e se Martínez e Rush tinham sido mortos, era um sinal seguro de que apesar do clima de dezembro, a escória de Caldwell estava desenvolvendo outro broto de calor.
Merda, isso era o último que necessitavam.
As vibrações que sentia em seu bolso indicaram que alguém tratava de localizá-la, e respondeu a chamada no instante em que viu de quem se tratava.
— Encontrou o Grady? — perguntou brandamente.
A voz profunda de Big Rob estava cheia de frustração:
— O maldito deve estar escondido. Silent Tom e eu estivemos em todos os clubes. Também em sua casa e com alguns de seus amigões.
— Segue procurando, mas tome cuidado. Sua jaqueta foi encontrada na cena de outro crime. Os policiais o estão buscando implacavelmente.
— Não nos renderemos até que tenhamos algo positivo sobre ele para você.
— Bom menino. Agora desliga o telefone e continua com o rastreamento.
— Não há problema, chefe.


Capítulo 31

 
Dentro de seu banheiro escuro como uma boca de lobo, Rehvenge chocou-se contra uma das paredes de mármore, andou aos tropicões sobre o chão de mármore e ricocheteou contra o balcão de mármore. Seu corpo estava vivo, as sensações vibravam através dele, registrando a dor por ter batido o quadril, o ardor que supunha de sua respiração entrecortada nos pulmões, e o tamborilar de seu coração contra o esterno.
Deixou o edredom de cetim cair, acendeu as luzes com sua vontade e olhou para baixo.
Tinha o pênis rígido e grosso, a ponta estava brilhante e pronta para penetrar.
Santa... Merda.
Olhou ao redor. Sua visão era normal, via as cores negra, brilhante e branco do banheiro e a borda da jacuzzi se elevava do chão, com uma óbvia profundidade. E, ainda assim, embora não visse nada plano nem de cor vermelha rubi, seus sentidos estavam completamente vivos, seu sangue estava quente e trovejava em suas veias, sua pele estava pronta para ser tocada e o orgasmo que havia na haste de sua ereção gritava para ser liberado.
Estava absolutamente vinculado com Ehlena.
E isso significava que, ao menos nesse momento, quando estava tão desesperado por ter sexo com ela, seu lado vampiro estava se impondo sobre a parte symphath que havia nele.
Sua necessidade dela tinha triunfado sobre a escuridão que havia nele.
Ocorreu-lhe que devia tratar-se dos hormônios da vinculação. Hormônios da vinculação que tinham alterado sua química interna.
No reconhecimento de sua nova realidade, não havia motivos para sentir uma alegria elevada, nenhuma sensação de triunfo, nem o impulso de atirar-se sobre ela e bombear em seu interior com toda a sua força. Tudo o que podia fazer era ficar olhando fixamente para baixo, a seu pênis e pensar onde havia estado antes. No que tinha feito com ele... E, com o resto de seu corpo.
Rehvenge desejava arrancar de si a estúpida coisa.
Porra, de nenhuma forma compartilharia isso com Ehlena. Salvo que... Não podia retornar ali fora nesse estado.
Rehv agarrou a ereção com sua ampla mão e acariciou a si mesmo. Oh... Porra... Sentia-se bem...
Pensou nele descendo pelo corpo de Ehlena, em que tinha sua calidez na boca e a fazia descer pelo fundo de sua garganta. Viu suas coxas estendidas e sua brilhante suavidade e seus próprios dedos deslizando-se dentro e fora enquanto ela gemia e balançava seu...
Seus testículos se comprimiram até ficarem duros como punhos, a parte baixa de suas costas ondeou como uma onda, e, essa repugnante lingüeta sua acionou apesar de não ter nada contra o qual acoplar-se. Um rugido ameaçou subir por sua garganta, mas o conteve mordendo o lábio até que saboreou seu sangue.
Rehv gozou sujando toda a mão, mas, entretanto, se apoiou contra o balcão e seguiu acariciando seu sexo. Gozou uma e outra vez, sujando o espelho e os lavabos, e ainda assim seguia necessitando mais... Como se seu corpo não se liberasse há, digamos, quinhentos anos?
Quando finalmente passou a tormenta, deu-se conta de que estava... Merda, atirado contra a parede, com a cara esmagada contra o mármore, tremiam-lhe os ombros, e suas coxas se sacudiam convulsivamente como se tivesse cabos de arranque de bateria conectados aos dedos dos pés.
Com mãos trêmulas, se pôs a limpar usando uma das toalhas dobradas minuciosamente em uma prateleira, e esfregou o balcão, o espelho e o lavabo. Em seguida, desdobrou outra e lavou as mãos, o pênis, o estômago e as pernas porque se sujou tanto como o fodido banheiro.
Quando finalmente estendeu a mão para o trinco, depois que passara quase uma hora, meio que esperava que Ehlena tivesse se ido, e não podia culpá-la: uma fêmea a quem essencialmente lhe faz o amor lhe oferece a veia e ele sai correndo para o banheiro e se fecha como um maricas.
Porque tinha uma ereção.
Jesus Cristo. Essa noite, que sequer começou muito bem, converteu-se em um choque em cadeia de uma coluna de dezesseis carros na auto-estrada para Vila-Relação.
Rehv preparou a si mesmo e abriu a porta.
Quando a luz se derramou de dentro do banheiro, Ehlena se ergueu nos lençóis, em seu rosto se via uma expressão preocupada... E absolutamente imparcial. Não havia condenação, nem especulação, não havia rastro de que estivesse pensando em algo para fazê-lo sentir ainda pior. Simplesmente havia uma genuína preocupação.
— Está bem?
Bom, olhe se não era essa a pergunta da noite.
Rehvenge deixou a cabeça cair e pela primeira vez desejou descarregar tudo com outra pessoa. Nem sequer com Xhex, que tinha sofrido inclusive mais que ele, sentia a inclinação a praticar essa merda de intercâmbio. Mas, ao ver os olhos cor de caramelo de Ehlena tão abertos e quentes nesse rosto formoso e perfeito, sentiu vontade de confessar cada uma das coisas sujas, fodidas, matreiras, malvadas e repugnantes que tinha feito em sua vida.
Só para ser honesto.
Sim, mas se jogava sua vida sobre a mesa, em que posição ela ficaria? Na situação de ter que reportá-lo por ser um symphath e muito provavelmente temendo por sua própria vida. Grande desenlace. Perfeito.
— Gostaria de ser diferente. — disse. Que era o mais perto que podia estar de dizer a verdade que os separaria para sempre — Desejaria ser um macho diferente.
— Eu não.
Isso era porque não o conhecia. Não verdadeiramente. E, entretanto, não podia confrontar a idéia de não voltar a vê-la nunca mais depois da noite que tiveram juntos.
Nem de que pudesse chegar a temê-lo.
— Se pedisse que voltasse aqui outra vez, — disse — e que me deixasse estar contigo, aceitaria?
Não houve vacilação:
— Sim.
— Embora as coisas não pudessem ser... Normais... Entre nós? Quanto à parte sexual.
— Sim.
Franziu o cenho.
— Isto vai soar mal...
— O que está bem, porque já meti os pés pelas mãos contigo quando estávamos na clínica. Assim ficaríamos quites.
Rehv não pôde evitar sorrir, mas sua expressão não durou.
— Devo saber... Por que. Por que voltaria?
Ehlena se recostou contra os travesseiros e moveu a mão para cima deslocando-a lentamente por cima do lençol de cetim que lhe cobria o estômago.
— Tenho uma só resposta a isso, mas não acredito que seja a que quer ouvir.
O frio intumescimento, estava retornando devido aos remanescentes desses orgasmos que tivera estarem dissipando, acelerou a reclamação que estava fazendo sobre seu corpo.
Por favor, que não seja por lástima, pensou.
— Diga-me. — ficou calada durante um longo tempo, percorrendo com o olhar a vista panorâmica das duas metades de Caldwell que piscavam e resplandeciam.
— Pergunta-me por que voltaria? — disse brandamente — E a única resposta que tenho é... Como poderia não fazê-lo? — desviou os olhos para ele — Em certo nível, não faz sentido para mim, mas em definitivo, os sentimentos alguma vez têm muito sentido, ou sim? E não têm por que ter. Esta noite... Deu-me coisas que não só fazia muito tempo que não tinha, mas sim acredito que nunca tinha experimentado. — sacudiu a cabeça — Ontem envolvi um corpo... Um corpo de alguém de minha idade, um corpo de alguém que provavelmente saiu de sua casa a noite e foi assassinado sem ter a mínima noção de que essa era sua última noite. Não sei aonde vai chegar este — fez um gesto com a mão para trás e para frente entre os dois — assunto entre nós. Talvez dure somente uma noite ou duas. Talvez dure um mês. Talvez dure mais de uma década. Tudo o que sei é que a vida é muito curta para não voltar aqui, para estar contigo desta forma outra vez. A vida é definitivamente muito curta, e gosto muito de estar contigo para que me importe uma merda outra coisa além de ter outro momento como este.
Enquanto olhava Ehlena, o peito de Rehvenge se inflamou.
— Ehlena?
— Sim?
— Não me entenda mal.
Ela respirou profundamente e ele viu que seus ombros nus se esticavam.
— Ok. Tentarei não fazê-lo.
— Se segue vindo aqui? Sendo da forma que é? — houve uma pausa — Vou me apaixonar por você.
   
John encontrou a propriedade de Xhex sem problemas, já que só estava a dez blocos de distância do ZeroSum. Ainda assim, o bairro bem poderia ter estado em um CEP completamente diferente. A fachada cor café avermelhado das edificações da rua era elegante e de estilo clássico, com a merda de madeira esculpida ao redor das janelas-balcão que davam a impressão de ser Vitorianas... Embora como soubesse isso com semelhante certeza não tinha idéia.
Ela não possuía uma casa inteira, a não ser um apartamento no porão de um edifício sem elevador, particularmente atrativo. Debaixo das escadas de pedra que subiam do meio-fio, havia um oco, dentro do qual deslizou para usar a chave em um estranho ferrolho cor bronze. Quando entrou acendeu uma luz, e não viu nada interessante. Chão avermelhado fabricado com lajes de pedra. Paredes construídas com blocos de concreto e branqueadas. No extremo mais afastado havia outra porta com outro estranho ferrolho.
Tinha esperado que Xhex vivesse em algum lugar exótico e cheio de armas.
E que tivesse abundância de meias francesas e saltos agulha.
Mas, essa era sua fantasia.
Foi para o outro extremo da sala, abriu a outra porta e se acenderam mais luzes. O quarto que havia depois da porta não tinha janelas e estava vazio à exceção de uma cama, a falta de decoração não o surpreendeu, levando em consideração o aspecto da sala do porão. Havia um banheiro, mas não havia cozinha, nem telefone nem TV. A única cor que havia na habitação provinha do chão de pranchas de pinheiro antigas que brilhavam com um brilho da cor do mel fresco. As paredes estavam branqueadas, como as da sala, mas estas eram de tijolo.
O ar lhe pareceu surpreendentemente fresco, mas então viu os respiradores. Havia três.
John tirou sua jaqueta de couro e a deixou no chão. Em seguida tirou as botas, conservando postas as meias grossas.
No banheiro, usou o vaso, e salpicou o rosto com água.
Não havia toalhas. Usou as abas de sua camiseta negra.
Estirando-se sobre a cama, permaneceu com as armas em cima, embora não era devido a que tivesse medo de Xhex.
Deus, talvez isso o convertesse em um estúpido. O primeiro que lhe tinham ensinado no programa de treinamento da Irmandade era que nunca podia confiar nos symphaths, e aqui estava ele, arriscando sua vida ao ficar na casa de um... Muito provavelmente passaria o dia, sem dizer a ninguém onde estava.
Não obstante era exatamente o que necessitava.
Quando voltasse ao cair da noite, decidiria o que fazer. Não queria ficar fora da guerra... Gostava muito de lutar. Sentia-se... Bem, e não só pelo fato de defender à raça. Sentia que era o que se supunha que devia estar fazendo, tinha nascido e tinha sido educado para isso.
Mas não estava seguro se poderia voltar para a mansão e viver ali.
Depois que passou um tempo sem se mover, as luzes se apagaram, e simplesmente ficou olhando a escuridão. Enquanto estava ali estendido na cama com a cabeça sobre um dos dois travesseiros relativamente duros, deu-se conta que era a primeira vez que estava verdadeiramente só desde que Tohr tinha ido procurá-lo, com seu enorme Range Rover negro, naquele apartamento de merda.
Recordava com absoluta clareza, como tinha sido viver naquele estúdio parecido a um buraco do inferno que não só estava na parte errada da cidade, mas também diretamente estava na seção perigosa de Caldie. A cada noite vivia aterrorizado porque era fracote e débil, além disso, estava indefeso e o único com que podia alimentar-se era com o Ensure[66] por causa de sua má digestão, por isso pesava menos que um aspirador. A porta que o separava dos consumidores de droga, das prostitutas e dos ratos do tamanho de burros, tinha-lhe parecido fina como um papel.
Desejara fazer bem ao mundo. Ainda o desejava.
Desejara apaixonar-se e estar com uma mulher. Ainda o desejava.
Desejara encontrar uma família, ter uma mãe e um pai, ser parte de um clã.
Já não.
John estava começando a entender que os sentimentos no coração, eram como os tendões no corpo. Podia distender, distender e distender e sentir a dor da distorção e o estiramento... Até certo ponto a articulação seguiria funcionando e o membro se dobraria e suportaria o peso, e continuaria sendo útil depois que a pressão desaparecesse. Mas, não era algo infinito.
Ele se quebrara. E estava endemoniadamente seguro que não havia um equivalente emocional à cirurgia artroscópica[67].
Para ajudar a tranqüilizar sua mente e induzí-la ao descanso que evitaria que se voltasse louco, concentrou-se no que ocorria a seu redor. O quarto estava em silêncio, salvo pela calefação que de todo modo não fazia muito ruído. E o edifício que tinha em cima estava vazio, não havia sons de ninguém se movendo.
Fechando os olhos, se sentiu mais a salvo do que provavelmente fosse conveniente.
Mas, em definitivo, estava acostumado a se valer por si mesmo. O tempo que tinha passado com Tohr e Wellsie e em seguida com a Irmandade tinha sido uma anomalia. Nascera sozinho nessa parada de ônibus, e esteve sozinho no orfanato embora estivesse rodeado de um sempre mutante grupo de meninos. E logo tinha saído sozinho ao mundo.
Fora tratado brutalmente e o superara sem ajuda. Esteve doente e se curou sozinho. Abriu-se caminho o melhor que pode e o tinha feito bem.
Era hora de voltar para suas origens.
À essência de seu ser.
O tempo com Wellsie e Tohr... E com os Irmãos... Tinha sido como um experimento fracassado... Algo que parecera ter potencial, mas que, ao final tinha sido um fracasso.


Capítulo 32
 
 
Que fosse noite ou dia, isso não incomodava Lash.
Enquanto entrava com o senhor D no estacionamento de um moinho abandonado e os faróis do Mercedes oscilavam riscando um grande arco, não o preocupava se encontrava com o rei dos symphaths ao meio-dia ou a meia-noite, porque de algum modo já não se sentia intimidado pelo idiota.
Fechou o 550 e caminhou com o senhor D atravessando uma extensão de asfalto deteriorado para uma porta que estava muito firme, se tomasse em consideração o estado em que estava o moinho. Graças à ligeira neve que caía, a situação se parecia com algo tirado de um anúncio para férias pitorescas em Vermont, sempre que não se olhasse muito de perto ao teto nem o revestimento rachado.
O symphath já estava dentro. Lash estava tão certo disso como de poder sentir as rajadas de vento nas bochechas e ouvir as pedras frouxas rangendo sob suas botas de combate.
O senhor D abriu a porta e Lash entrou primeiro para demonstrar que não necessitava que um subordinado lhe abrisse caminho. No interior do moinho não havia nada exceto muito ar frio, fazia muito que o edifício retangular fora despojado de todo o útil.
O symphath lhe esperava no extremo mais afastado da sala, perto da maciça roda que ainda se assentava no rio como uma velha mulher gorda em um banheiro refrescante.
— Amigo, que agradável vê-lo novamente. — disse o rei, a voz de serpente frisando-se entre as vigas.
Lash se aproximou do macho com passo elegante e lento, tomando seu tempo, verificando e voltando a verificar novamente as sombras projetadas pelas janelas de vidro. Nada exceto o rei. Isso estava bom.
— Considerou minha proposta? — perguntou o rei.
Lash não estava de humor para andar pelos ramos. Depois da cagada da noite anterior com o entregador do Domino’s, e, que em aproximadamente uma hora deviam eliminar a outro narcotraficante, esse não era o momento para jogos.
— Sim. E sabe o que? Não estou seguro de que precise te fazer nenhum favor. Estou pensando que ou me dá o que quero. Ou... Possivelmente me limite a enviar meus homens ao norte para te matar e a todos os anormais dali.
Esse rosto insosso e pálido forçou um sorriso sereno.
— Porém o que ganharia com isso? Seria destruir aos mesmos instrumentos que desejas utilizar para derrotar os seus inimigos. Não é um passo lógico para que tome nenhum governante.
Lash sentiu um formigamento na ponta do pênis, o respeito o excitava, embora se negasse a reconhecer o fato.
— Sabe, nunca teria pensado que um rei poderia necessitar ajuda. Por que não pode perpetrar o crime você mesmo?
— Fazer parecer que o falecimento ocorreu fora do âmbito de minha influência me reportaria circunstâncias atenuantes e certos benefícios. Com o correr do tempo, aprenderá, que as maquinações na calada são às vezes muito mais efetivas do que aquelas que realiza a plena vista de sua gente.
Ponto conseguido, embora novamente, Lash não o elogiaria.
— Não sou tão jovem como crê. — disse em seu lugar. Porra, envelhecera perto de um trilhão de anos nos últimos quatro meses.
— E tampouco é tão velho como crê você. Mas isso é outra conversa para outro momento.
— Não estou procurando um terapeuta.
— O que é uma vergonha. Sou bastante bom me colocando na cabeça de outros.
Sim, Lash podia vê-lo.
— Este teu objetivo. É um macho ou uma fêmea?
— Importaria?
— Nem o mais mínimo.
O symphath definitivamente ficou radiante.
— É um macho. E como falei, existem circunstâncias excepcionais.
— Como quais?
— Será difícil chegar a ele. Seu guarda-costas é bastante temível. — o rei flutuou até uma janela e olhou para fora. Depois de um momento, girou a cabeça como se fosse um mocho, rodando a espinha dorsal até que quase esteve olhando para trás, e logo, por um momento, em seus olhos brancos houve um brilho vermelho — Acredita que pode dirigir tal penetração?
— É homo? — soltou Lash.
O rei riu.
— Quer dizer, se prefiro amantes de meu sexo?
— Sim.
— Isso te faria sentir incômodo?
— Não. – sim, porque significaria que mais ou menos e de certa forma se excitava com um tipo que rebatia para a outra equipe.
— Não mente muito bem. — murmurou o rei — Mas isso melhorará com a idade.
Porra.
— E não acredito que seja tão poderoso como pensa que é.
Quando a especulação sexual desapareceu Lash soube que tinha metido o dedo na ferida.
— Tome cuidado com as águas de enfrentamento...
— Poupe-me da merda de três no quarto e os biscoitos da sorte, sua Alteza. Se enchesse essa toga com um bom par de culhões, se desfaria desse tipo você mesmo.
A serenidade voltou ao semblante do rei, como se com esse arrebatamento Lash acabasse de provar sua inferioridade.
— E, ainda assim, em vez de fazê-lo, faço que outra pessoa se encarregue disso por mim. É muito mais sofisticado, embora não espero que você o compreenda.
Lash se desmaterializou, apareceu justamente frente ao macho e fechou as palmas ao redor dessa garganta esbelta. Com um só impulso brutal, impulsionou ao rei para cima pondo-o contra a parede.
Seus olhos se encontraram e quando Lash sentiu um intento de sondagem em sua mente, fechou instintivamente a entrada a seu lóbulo frontal.
— Não vai abrir meu baú aí acima, imbecil. Sinto muito.
O olhar fixo do rei se voltou tão vermelho como o sangue.
— Não.
— Não o que?
— Não prefiro amantes de meu próprio sexo.
Obviamente foi a espetada perfeita: implicando que, Lash se aproximava porque deles dois era ele quem gostava de pênis. Soltou-o e começou a passear dando pernadas.
Agora a voz do rei era menos serpentina e mais séria.
— Você e eu nos enfrentamos em igualdade de condições. Acredito que esta aliança será benéfica para ambos.
Lash girou e encarou ao macho.
— Esse macho, que você deseja morto, onde o encontro?
— O momento deve ser o adequado. A escolha do momento... É tudo.
 
Rehvenge observou como Ehlena punha a roupa, e apesar de que vê-la voltar a meter-se nesse uniforme não era exatamente o que desejava, o espetáculo dela inclinada subindo lentamente as meias pela perna não estava nada mal.
Para. Nada. Mal.
Ela riu enquanto levantava o sutiã e o fazia girar ao redor do dedo.
— Posso pôr isso agora?
— Absolutamente.
— Vai fazer que tome meu tempo outra vez?
— É somente que supus que não havia pressa com as meias. — sorriu como o lobo que estava se sentindo — Quero dizer, essas coisas desfiam, verdade...  Oh, caramba...
Ehlena não esperou que terminasse de falar, mas arqueou as costas e pendeu o sutiã ao redor do torso. As pequenas oscilações que realizou enquanto o grampeava na parte dianteira fizeram o Rehvenge ofegar... E isso foi antes que subisse os suspensórios sobre os ombros, deixando que as taças encaixassem sob os seios.
Ela se voltou para ele.
— Esqueci como funciona. Pode me ajudar?
Rehv grunhiu e a atraiu para si, sugando um mamilo dentro da boca e acariciando o outro com o polegar. Enquanto ela ofegava, ele colocou as taças em seu lugar.
— Gosto de ser seu engenheiro em lingerie, mas, sabe, fica melhor quando não o tem posto. — quando fez dançar as sobrancelhas de forma maliciosa, a risada dela foi tão espontânea e natural que lhe deteve o coração — Gosto desse som.
— E eu gosto de fazê-lo.
Ela colocou as pernas dentro de seu uniforme e puxou para cima, logo abotoou os botões.
— Lástima. — disse ele.
— Quer saber algo bobo? Pus isto apesar de não ter que ir trabalhar esta noite.
— De verdade? Por quê?
— Queria manter as coisas no plano profissional, e, entretanto aqui estou encantada de que não tenha funcionado desse modo.
Ele ficou de pé e a tomou em seus braços, já sem se preocupar com o fato de estar totalmente nu.
— Somo-me à parte de estar encantado.
Beijou-a brandamente, e ao se separarem ela disse:
— Obrigada por uma tarde encantadora.
Rehv colocou seu cabelo detrás das orelhas.
— O que faz amanhã?
— Trabalhar.
— A que hora sai?
— Às quatro.
— Virá aqui.
Ela não vacilou.
— Sim.
— Agora vou ver minha mãe. — disse ele, enquanto saíam do dormitório e atravessavam a biblioteca.
— Seriamente?
— Sim, ligou-me e pediu para ver-me. Nunca faz isso. — sentia-se bem ao compartilhar detalhes de sua vida. Bom, alguns deles, em todo caso — Esteve tratando de me converter em uma pessoa mais espiritual, e espero que isto não se trate de um convite a me colocar em algum tipo de retiro.
— A propósito, o que faz? No que trabalha? — Ehlena riu — Sei tão pouco de você.
Rehv se concentrou na vista panorâmica da cidade que ficava sobre o ombro dela.
— Oh, em muitas coisas diferentes. Em sua maior parte no mundo humano. Agora que minha irmã está emparelhada, só tenho a minha mãe para cuidar.
— Onde está seu pai?
Na tumba fria, aonde o idiota pertencia.
— Morreu.
— Sinto muito.
Os quentes olhos de Ehlena dispararam algo através de seu peito, que certo como a merda sentia como culpa. Não lamentava ter matado seu pai, lamentava ter que ocultar tanto a ela.
— Obrigado. — disse rigidamente.
— Não queria me intrometer em sua vida ou sua família. Sou só curiosa, mas se preferir...
— Não, é somente que... Não falo muito de mim mesmo. — e isso era verdade — É que... Esse é o toque de um telefone celular?
Ehlena franziu o cenho e se afastou.
— O meu. Em meu casaco.
Ela correu à sala de jantar, e a tensão em sua voz ao responder foi evidente.
— Sim? Ah, olá! Sim, não, eu... Agora? É obvio. E o engraçado é que não precisarei ir trocar-me o uniforme por que... Oh. Sim. Claro. Bom.
Quando chegou à arcada da sala de jantar ouviu a tampa do telefone se fechando.
— Tudo bem?
— Ah, sim. Só trabalho. — Ehlena se aproximou enquanto vestia o casaco — Não é nada. Provavelmente seja somente falta de pessoal.
— Quer que te leve? — Deus, adoraria levá-la ao trabalho, e não simplesmente porque poderiam estar juntos um pouco mais. Um macho gostava de fazer coisas por sua fêmea. Protegê-la. Ocupar-se dela...
Bom, que porra? Não que não gostasse dos pensamentos que estava tendo a respeito dela, mas era como se alguém lhe tivesse trocado o CD. E não, não era o fodido Barry Manilow.
Embora definitivamente agora houvesse algo do Maroon 5 no idiota.
Afh...
— Oh, não, irei sozinha, mas obrigada. — Ehlena se deteve diante de uma das portas corrediças — Esta noite foi tão... Uma revelação.
Rehv se aproximou a pernadas, tomou seu rosto entre as mãos, e a beijou com força. Quando se afastou para trás, disse-lhe sombriamente:
— Somente devido a você.
Então ela sorriu, resplandecendo do interior, e repentinamente ele a desejou nua outra vez para poder entrar nela: o instinto de marcá-la estava vociferando dentro dele, e o único modo em que podia sossegá-lo era dizendo-se que tinha deixado bastante de seu aroma na pele dela.
— Mande-me uma mensagem quando chegar à clínica, assim saberei que está a salvo. — disse.
— Farei.
Deu um último beijo, atravessou a porta e se perdeu na noite.
 
Quando deixou Rehvenge, Ehlena estava voando, e não simplesmente porque estivesse desmaterializando através do rio até a clínica. Para ela, a noite não era fria, era fresca. Seu uniforme não estava enrugado por ficar atirado em uma cama e ter se derrubado sobre ele, estava astutamente desalinhado. Seu cabelo não era uma confusão, era casual.
A chamada para ir à clínica não era uma intrusão, era uma oportunidade.
Nada poderia fazê-la descer desta elevação incandescente. Ela era uma das estrelas que havia no céu aveludado da noite, inalcançável, intocável, por cima dos conflitos terrestres.
Embora ao tomar forma diante das garagens da clínica, algo do brilho cor de rosa se perdeu. Parecia injusto que pudesse sentir-se como o fazia, tendo em conta o que tinha acontecido a noite anterior: apostaria sua vida que nesse momento a família de Stephan não estaria refletindo nada similar à alegria. Mal teriam terminado com o ritual da morte, pelo amor de Deus... Passariam anos antes que pudessem sentir algo remotamente parecido ao que cantava em seu peito quando pensava em Rehv.
Caso pudessem sentir-se assim alguma vez. Tinha a sensação de que para seus pais nunca seria o mesmo.
Amaldiçoando, atravessou rapidamente o estacionamento, e seus sapatos deixaram pequenos rastros negros no pó de neve que tinha caído antes. Por ser uma funcionária, o trajeto através dos postos de checagem para a sala de espera não demorou, e, quando entrou na área de recepção, tirou o casaco e se dirigiu diretamente ao balcão da recepção.
O enfermeiro que estava atrás do computador elevou o olhar e sorriu. Rhodes era um dos poucos machos do pessoal, e definitivamente um favorito na clínica, a classe de tipo que se dava bem com todo mundo e era rápido com os sorrisos, os abraços e os cinco em alto.
— Ouça neném, como... — quando ela se aproximou, franziu o cenho e rápido empurrou a cadeira para trás, pondo distância entre eles — Errr... Olá.
Franzindo o cenho, olhou para trás, esperando ver um monstro, dada a maneira em que ele se encolhia ante ela.
— Está bem?
— OH, sim. Totalmente. — olhou-a com intensidade — Como você está?
— Estou bem. Contente por poder ajudar. Onde está Catya?
— Acredito que disse que estaria te esperando no escritório de Havers.
— Irei ali então.
— Sim. Bom.
Ela reparou que sua caneca estava vazia.
— Quer que traga um café quando acabar?
— Não, não. — disse rapidamente, levantando ambas as mãos — Estou bem. Obrigado. Realmente.
— Tem certeza que está bem?
— Sim. Absolutamente bem. Obrigado.
Ehlena se afastou, sentindo-se absolutamente como uma leprosa. Geralmente ela e Rhodes se davam muito bem, mas, não esta noite...
Oh, meu Deus, pensou. Rehvenge tinha deixado seu aroma sobre ela. Tinha que ser isso.
Deu a volta... Mas, o que poderia lhe dizer, realmente?
Esperando que Rhodes fosse o único em captá-lo, entrou no vestiário para desfazer do casaco e se pôs a caminho, ziguezagueando entre os membros do pessoal e pacientes que encontrava no caminho. Quando chegou ao escritório de Havers, a porta estava aberta, o médico estava sentado atrás de sua mesa e Catya em uma cadeira, de costas ao vestíbulo.
Ehlena bateu brandamente no batente.
— Olá.
Havers levantou o olhar e Catya jogou uma olhada sobre o ombro. Os dois pareciam positivamente doentes.
— Entre. — disse o médico bruscamente — E feche a porta.
Enquanto fazia o que lhe pedia, o coração de Ehlena começou a pulsar rapidamente. Havia uma cadeira vazia junto à Catya, e se sentou porque de repente sentiu que seus joelhos afrouxavam.
Estivera neste escritório várias vezes, e geralmente tinha sido para recordar ao médico que comesse, porque uma vez que começava com os históricos dos pacientes perdia a noção do tempo. Mas, isto não se tratava dele, verdade?
Houve um longo silêncio, durante o qual os pálidos olhos de Havers evitaram encontrar aos dela, dedicando-se a brincar com as pernas de seus óculos de tartaruga marinha.
Catya foi quem falou, e o fez com voz tensa.
— Ontem à noite, antes de sair, um dos guardas de segurança que esteve monitorando todas as câmeras chamou minha atenção sobre o fato de que esteve na farmácia. Sozinha. Disse que a viu pegar algumas pílulas e sair com elas. Olhei a fita, comprovei a estante pertinente e era penicilina.
— Por que não o trouxe? — perguntou Havers — Tornaria a ver Rehvenge imediatamente.
O momento que seguiu foi como algo saído de uma série de televisão, onde a câmera fazia um zoom sobre o rosto de um personagem: Ehlena sentiu como se tudo estivesse afastando-se dela, o escritório se retirava, afastando-se na distância enquanto ela era repentinamente iluminada por projetores e posta sob o escrutínio do microscópio.
As perguntas giraram em seu cérebro. Realmente tinha pensado que poderia sair ilesa com o que fizera? Sabia que havia câmeras de segurança... E, entretanto a noite anterior, quando se meteu atrás do balcão do farmacêutico, não tinha pensado nisso.
Como resultado disso, tudo mudaria. Sua vida, que sempre tinha sido uma luta, ia se converter em insuportável.
Destino? Não... Estupidez.
Como demônios podia ter feito algo assim?
— Demitirei-me. — disse bruscamente — Com vigência a partir desta noite. Nunca deveria tê-lo feito... Estava preocupada com ele, super excitada pelo Stephan, e cometi um terrível engano de julgamento. Estou profundamente arrependida.
Nem Havers nem Catya disseram nada, nem tinham que fazê-lo. Era um assunto de confiança, e ela tinha traído a deles. Assim como um montão de normas de segurança referente ao trato de pacientes.
— Esvaziarei meu armário. E irei imediatamente.


Capítulo 33


Rehvenge não via sua mãe o suficiente.
Esse foi o pensamento que lhe ocorreu enquanto estacionava diante do refúgio ao que a tinha mudado fazia quase um ano. Depois que a mansão familiar em Caldwell foi atacada pelos lessers, tirou todo mundo dessa casa e os instalou nesta mansão Tudor, bem ao sul da cidade.
Era o único bem que saíra do seqüestro de sua irmã… Bom, isso e o fato de que Bella encontrasse um macho de valor no Irmão que a tinha resgatado. A coisa era que, com o Rehv tendo tirado sua mãe da cidade quando o fez, ela e sua amada doggen tinham escapado do que a Sociedade Lessening tinha feito à aristocracia durante o verão.
Rehv estacionou o Bentley diante da mansão, e antes que saísse do carro, a porta da casa se abriu e a doggen de sua mãe saiu e ficou sob a luz, abrigada contra o frio.
Os sapatos ingleses de Rehv tinham solas escorregadias, assim foi muito cuidadoso ao atravessar a neve pulverizada.
— Ela está bem?
A doggen elevou o olhar, e tinha os olhos empanados com lágrimas.
— Aproxima-se sua hora.
Rehv entrou, fechou a porta, e se negou a ouvir isso.
— Não é possível.
— Sinto muito, senhor. — a doggen tirou um lenço branco do bolso de seu uniforme cinza — Sinto… Muito.
— Não é o bastante velha.
— Sua vida foi muito mais longa que seus anos.
A doggen sabia bem o que acontecia na casa quando o pai de Bella ainda estava com eles. Limpara vidros quebrados e porcelana destroçada. Tinha enfaixado ferimentos e prestado cuidados.
— Realmente, não posso suportar que se vá. — disse a criada — Estarei perdida sem minha ama.
Rehv pôs uma mão intumescida sobre seu ombro e apertou brandamente.
— Não sabe com segurança. Não foi ver o Havers. Deixe-me vê-la, ok?
Quando a doggen assentiu, Rehv subiu lentamente a escada até o primeiro andar, passando diante de retratos familiares a óleo que ele tinha transferido da antiga casa.
No patamar, foi para a esquerda e bateu em um jogo de portas.
— Mahmen?
— Estou aqui, meu filho.
A resposta na Antiga Língua veio detrás de outra porta, ele retrocedeu e entrou no closet, o familiar aroma de Chanel Nº 5 o acalmou.
— Onde está? — disse aos metros e metros de roupa pendurada.
— Estou no fundo, meu amado filho.
Enquanto Rehv passava entre as fileiras de blusas, saias, vestidos e trajes de baile, inspirou profundamente. O perfume, selo indiscutível de sua mãe, achava-se em todos os objetos de vestir, penduradas por cor e tipo, e o frasco de que provinha estava sobre a carregada penteadeira, entre maquiagem, loções e pós.
Encontrou-a diante do espelho de três corpos. Engomando.
O que era além do estranho e o fez avaliá-la.
Sua mãe era majestosa inclusive com sua camisola rosa, levava o cabelo branco recolhido em cima de sua cabeça perfeitamente proporcionada, e, sentada nesse tamborete alto tinha uma postura deliciosa, com seus grandes diamantes em forma de pêra brilhando na mão. A tábua de engomar, atrás da qual se sentava, tinha uma cesta e um spray de amido em um extremo e uma pilha de lenços engomados no outro. Quando a viu, estava na metade de um lenço, com o ferro marcando ao meio do quadrado amarelo pálido, o ferro que esgrimia chiava enquanto o deslizava acima e abaixo.
— Mahmen, o que está fazendo? — bem, em certo nível era óbvio, mas sua mãe era a castelã[68]. Não podia recordar tê-la visto jamais fazendo tarefas domésticas, lavando a roupa ou algo desse tipo. As pessoas tinham doggens para essas coisas.
Madalina elevou o olhar, seus opacos olhos azuis pareciam cansados, seu sorriso era mais um esforço que honesta alegria.
— Estes eram de meu pai. Encontramos quando estávamos revisando as caixas que vieram do sótão da antiga casa.
A “antiga casa” era a de Caldwell onde viveram durante quase um século.
— Poderia dizer a sua criada que fizesse por você. — inclinou-se e beijou a suave bochecha — Adoraria te ajudar.
— Sim, ela disse o mesmo. — depois de pôr a mão em seu rosto, sua mãe voltou para o que estava fazendo, dobrando o quadrado de linho outra vez, tomando o spray de amido e vaporizando-o sobre o lenço — Mas isto é algo que eu devo fazer.
— Posso me sentar? — perguntou, assinalando com a cabeça uma cadeira que havia ao lado do espelho.
— Oh, é obvio, onde estão minhas maneiras? — deixou o ferro e começou a descer do tamborete — E devemos te conseguir algo…
Ele levantou a mão.
— Não, Mahmen, acabei de comer.
Fez uma reverência e voltou a encarapitar-se ao banco.
— Agradeço que me concedesse esta audiência, já que conheço sua natureza ativa…
— Sou seu filho. Como pode pensar que não viria?
O lenço engomado foi colocado em cima de seus ordenados irmãos, e o último foi tirado da cesta.
O ferro exalou vapor enquanto ela passava com cuidado sua base quente sobre o quadrado branco. Enquanto o movia lentamente, ele olhou ao espelho. As omoplatas se destacavam sob a camisola de seda e na nuca se via claramente sua espinha dorsal.
Quando voltou a fixar-se em seu rosto, viu uma lágrima cair do olho ao lenço.
Oh… Querida Virgem Escriba, pensou. Não estou preparado.
Rehv cravou a bengala no chão e se ajoelhou ante ela. Girando o tamborete para ele, tirou o ferro de sua mão e o deixou a um lado, preparado para levá-la a Havers, preparado para pagar qualquer medicina que lhe pudesse comprar mais tempo.
— Mahmen, o que a aflige? — tomou um dos lenços engomados de seu pai e tocou ligeiramente a parte inferior dos olhos — Fala com seu filho legítimo do peso que há em seu coração.
Derramou intermináveis lágrimas, e ele as apanhou uma a uma. Apesar de sua idade e seu pranto, era encantadora, uma Escolhida caída que tinha vivido uma vida dura e, entretanto, permanecia cheia de graça.
Quando finalmente falou, sua voz foi tênue.
— Estou morrendo. — negou com a cabeça antes que ele pudesse falar — Não, sejamos sinceros um com o outro. Meu fim chegou.
Veremos, pensou Rehv para si mesmo.
— Meu pai. — tocou o lenço com o qual Rehv secou suas lágrimas — Meu pai… É estranho que agora pense nele dia e noite, mas o faço. Ele foi o Primale faz muito tempo, e amava aos seus filhos. Sua maior alegria era sua linhagem, e embora fossemos muitos, relacionou-se com todos nós. Estes lenços? Foram feitos com suas túnicas. A mim agradavam verdadeiramente os trabalhos de costura, e ele sabia por isso me deu algumas de suas túnicas.
Esticou uma mão ossuda e acariciou o montão que tinha engomado.
— Quando deixei o Outro Lado, ele me fez tomar alguns deles. Estava apaixonada por um Irmão e convencida de que minha vida só estaria completa se estivesse com ele. É óbvio, então…
Sim, foi essa então a parte de sua vida que lhe causara tal dor: então foi violada por um symphath, ficou grávida de Rehvenge e foi forçada a dar à luz uma monstruosidade de híbrido que de algum modo ela tinha aconchegado a seu seio e amado como qualquer filho teria querido ser amado. E, todo o tempo que o rei symphath a manteve encarcerada, o Irmão ao que amava a buscava… Só para morrer no processo de seu resgate.
E essas tragédias não tinham sido o final.
— Depois que fui… Resgatada, meu pai chamou-me ao seu leito de morte. — continuou — De todas as Escolhidas, de todos seus companheiros e filhos, ele quis ver a mim. Mas, eu não queria ir. Não podia suportar… Não era a filha que ele conhecia. — os olhos se encontraram com os de Rehv, e havia uma súplica profunda neles — Não queria que soubesse nada de mim. Estava suja.
Caramba, ele conhecia essa sensação, mas sua mahmen não necessitava essa carga. Não tinha nem idéia da classe de merda com a que ele tratava e nunca saberia, porque era evidente que a principal razão pela qual se prostituía era para que ela não tivesse de suportar a tortura de ver seu filho deportado.
— Quando me neguei ao chamado, a Directrix veio a mim e me disse que estava sofrendo. Que não iria ao Fade até que fosse vê-lo. Que permaneceria no doloroso bordo da morte durante a eternidade a menos que o aliviasse. À tarde seguinte fui, desconsolada. — nesse momento o olhar de sua mãe se voltou violento — Ao chegar ao templo do Primale, quis me abraçar, mas não pude… Permitir. Era uma estranha com o rosto de um ser amado, isso era tudo, e tentei manter um bate-papo amável e intrascendente. Foi então que disse algo que até agora não pudera compreender por completo. Disse: “A alma oprimida não passará embora o corpo falhe”. Ele estava prisioneiro pelo que ficara sem resolver a meu respeito. Sentia que falhara em seu papel. Que se me tivesse mantido no Outro Lado, teria tido melhor destino do que se revelou depois de que me fora.
Isso fechou a garganta de Rehv, quando na parte frontal de seu cérebro se instalou uma terrível suspeita.
A voz de sua mãe era fraca, mas franca.
— Aproximei-me da cama, e ele estendeu sua mão para mim, e sustentei sua palma dentro da minha. Nesse momento lhe disse que amava ao meu filho, que ia emparelhar-me com um macho da glymera e que nem tudo estava perdido. Meu pai examinou meu rosto em busca da verdade nas palavras que falei, e quando esteve satisfeito com o que viu, fechou os olhos… E se deixou levar. Soube que se não tivesse ido… — respirou fundo — Verdadeiramente, não posso deixar esta terra com as coisas como estão.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Todos estão bem, Mahmen. Bella e sua filha estão bem e a salvo. Eu…
— Pare. — sua mãe levantou a mão e o agarrou pelo queixo, do modo em que fazia quando era pequeno e dado a causar problemas — Sei o que fez. Sei que matou meu hellren, Rempoon.
Rehv sopesou a possibilidade de seguir mantendo a mentira, mas, dada a expressão de sua mãe, a verdade tinha sido revelada, e nada do que pudesse dizer a dissuadiria.
— Como? — perguntou — Como o averiguou?
— Quem mais o faria? Quem mais poderia? — quando o soltou e acariciou sua bochecha, ele se enterneceu ao sentir o quente contato — Não esqueça que via este seu rosto cada vez que meu hellren perdia a paciência. Meu filho, meu forte e poderoso filho. Olhe-se.
O sincero e afetuoso orgulho que sentia por ele era algo que nunca tinha entendido, dadas as circunstâncias de sua concepção.
— Também sei, — sussurrou — que matou ao seu pai biológico. Faz vinte e cinco anos.
Agora, isso sim captou sua atenção.
— Não supunha que soubesse. Nada disto. Quem lhe disse isso?
Ela afastou a mão de seu rosto e apontou a mesa de maquiagem, à tigela de cristal que ele sempre tinha assumido que era para fazê-la manicura.
— Os velhos hábitos de uma Escolhida escriba, são difíceis de matar. Vi-o na água. Justamente depois que acontecesse.
— E manteve em segredo. — disse ele maravilhado.
— E não posso mais. E por isso te trouxe aqui.
A horrível sensação ressurgiu, era resultado de estar preso entre o que sua mãe pediria que fizesse e a forte convicção de que sua irmã não sairia beneficiada ao inteirar-se de todos os segredos sujos e malignos da família. Bella tinha permanecido protegida desta maldade toda sua vida, e não havia razão para fazer uma completa revelação agora, especialmente se sua mãe estava morrendo.
O que Madalina não ia fazer, recordou-se.
— Mahmen…
— Sua irmã nunca deve saber.
Rehv se esticou, rezando para ter ouvido bem.
— Desculpe?
— Jure que fará tudo o que esteja em seu poder para assegurar que ela nunca saiba. — enquanto sua mãe se inclinava para frente e agarrava seus braços, ele podia afirmar que realmente estava lhe cravando os dedos pelo modo em que os ossos das mãos e punhos se sobressaíam descarnadamente — Não quero que ela leve este tipo de peso. Viu-se forçado a fazê-lo, e o teria poupado disso se pudesse, mas não pude. E, se ela não sabe então a próxima geração não terá que sofrer. Nalla tampouco terá que suportar este peso. Pode morrer contigo e comigo. Jura-me isso.
Rehv olhou fixamente aos olhos de sua mãe e nunca a amou mais.
Assentiu uma vez.
— Olhe-me no rosto e esteja segura, juro-o. Bella e sua descendência nunca saberão. O passado morrerá contigo e comigo.
Os ombros de sua mãe afrouxaram sob a camisola, e o tremente suspiro que exalou expressou claramente seu alívio.
— É o filho que outras mães só podem desejar.
— Como isso pode ser certo? — disse brandamente.
— Como pode não ser?
Madalina se compôs e tomou o lenço da mão de Rehv.
— Tenho que engomar este outra vez, e após, possivelmente, me ajudará a ir a minha cama?
— É obvio. E quero chamar o Havers.
— Não.
— Mahmen…
— Gostaria que minha passagem fosse sem intervenção médica. De todo modo ninguém poderia me salvar agora.
— Não pode saber isso…
Ela levantou sua encantadora mão com o pesado anel de diamantes.
— Estarei morta antes do anoitecer de amanhã. Vi na tigela.
Rehv ficou sem fôlego, seu pulmão se negava a funcionar. Não estou preparado para isto. Não estou preparado. Não estou preparado…
Madalina foi muito precisa com o último lenço, alinhando as pontas cuidadosamente, passou o ferro lentamente daqui para lá. Quando terminou, colocou o perfeito quadrado sobre outros, assegurando-se de que todos estivessem alinhados.
— Está feito. — disse.
Rehv se inclinou sobre sua bengala para levantar-se e lhe oferecer o braço, e juntos partiram arrastando os pés para o dormitório, ambos instáveis.
— Tem fome? — perguntou enquanto retirava as mantas e a ajudava a deitar-se.
— Não, estou bem como estou.
As mãos de ambos trabalharam juntas para arrumar os lençóis, a manta e o edredom de forma que tudo estivesse dobrado com precisão e posicionado diretamente sobre seu peito. Quando se endireitou, soube que ela não voltaria a sair da cama outra vez e não pôde suportar.
— Bella deve vir aqui. — disse com rudeza — Precisa despedir-se.
Sua mãe assentiu e fechou os olhos.
— Deve vir agora, e, por favor, que traga a menina.

Em Caldwell, na mansão da Irmandade, Tohr caminhava por seu dormitório. O que era uma piada realmente, tendo em conta quão fraco estava. Cambalear era tudo o que podia obter.
Cada minuto e meio comprovava o relógio, o tempo passava a uma velocidade alarmante, até que sentiu como se o relógio de areia do mundo tivesse se quebrado e os segundos, como a areia, estivessem se pulverizando por toda parte.
Necessitava mais tempo. Mais… Merda, entretanto, serviria isso de alguma ajuda?
Simplesmente não podia imaginar como se arrumaria para superar o que estava a ponto de acontecer e sabia que por mais que desse voltas ao assunto, não ia mudar. Por exemplo, não podia decidir se era melhor ter uma testemunha. A vantagem era que dessa forma seria ainda menos pessoal. A desvantagem era que se quebrava-se haveria outra pessoa no quarto presenciando.
— Ficarei.
Tohr deu uma olhada a Lassiter, que estava ajeitado na chaise junto às janelas. As pernas do anjo estavam cruzadas à altura dos tornozelos, e uma das botas de combate marcava o compasso de um lado ao outro, como outra forma odiosa de medir o tempo.
— Vamos, — disse Lassiter — vi seu lamentável traseiro nu. O que poderia ser pior que isso?
As palavras eram a típica fanfarronice e o tom de voz foi surpreendentemente aprazível…
A batida na porta foi suave. O que significava que não era um Irmão. E dado que não havia aroma de comida abrindo caminho por debaixo da porta, não era Fritz com uma bandeja de comida destinada a terminar em trono de porcelana.
Evidentemente a chamada ao Phury tinha funcionado.
Tohr começou a tremer da cabeça aos pés.
— Bom, tranqüilo aí. — Lassiter levantou e se aproximou rapidamente — Quero que se sente aqui. Não quererá fazer isto perto de uma cama. Vamos… Não, não lute contra mim. Sabe que é o que terá que fazer. É biologia, não uma escolha, assim, deve deixar a culpa de fora.
Tohr se sentiu empurrado para uma cadeira de encosto rígido que estava perto do escritório e, porra, foi bem a tempo, seus joelhos perderam interesse em seu trabalho e o par se afrouxou de forma que golpeou o assento tecido com tanta força que ricocheteou.
— Não sei como fazer isto.
A magnífica face de Lassiter apareceu diante da sua.
— Seu corpo fará por você. Afaste a sua mente e o seu coração e deixe que seu instinto faça o que deve ser feito. Isto não é tua culpa. Assim é como sobrevive.
— Não quero sobreviver.
— Não me diga? E eu que pensava que toda esta merda de autodestruição era só um passatempo.
Tohr não tinha forças para arremeter contra o anjo. Não tinha forças para deixar a habitação. Nem sequer tinha a reserva suficiente para chorar.
Lassiter foi até a porta e a abriu.
— Hey, obrigado por vir.
Tohr não podia suportar olhar a qual escolhida entrou, mas não havia forma de ignorar sua presença: seu aroma delicado e floral flutuou para ele.
O perfume natural de Wellsie tinha sido mais forte que esse, feito não só de rosa e jasmim, mas também da fragrância que refletia seu temperamento.
— Meu senhor. — disse uma voz feminina — Sou a Escolhida Selena, vim para serví-lo.
Houve uma longa pausa.
— Vá a ele. — disse Lassiter brandamente — Precisamos terminar com isto.
Tohr pôs o rosto entre as mãos, e deixou a cabeça cair frouxamente sobre o pescoço. Era o único que podia fazer para seguir respirando, dentro e fora, enquanto a fêmea se posicionava no chão a seus pés.
Através dos compridos e magros dedos viu o branco da túnica que se derramava a seu redor. Wellsie não esteve muito interessada nos vestidos. O único que verdadeiramente gostava era o vermelho e negro com o que se emparelhou a ele.
Uma imagem dessa cerimônia sagrada apareceu em sua mente, e viu com trágica clareza o momento em que a Virgem Escriba agarrara sua mão e a de Wellsie e declarou que era um bom emparelhamento, verdadeiramente um muito bom emparelhamento. Havia sentido uma grande calidez ao estar ligado a sua fêmea através da mãe da raça, e essa sensação de amor, propósito e otimismo se incrementou um milhão de vezes ao olhar a seu amor aos olhos.
Parecera que tinham toda uma vida de felicidade e alegria ante eles… E, entretanto, agora aqui estava ele, ao outro lado de uma perda inconcebível, sozinho.
Não, pior que sozinho. Só e a ponto de tomar o sangue de outra fêmea em seu corpo.
— Isto está acontecendo muito rápido. — disse entre dentes detrás das palmas de suas mãos — Não posso… Necessito mais tempo…
Que Deus o ajudasse, mas, se esse anjo dizia uma só palavra a respeito de ser esse o momento oportuno, faria que esse bastardo desejasse que seus dentes fossem de vidro blindado.
— Meu senhor. — disse a Escolhida brandamente — Retornarei se esse é seu desejo. E voltarei prontamente se então não for o momento adequado. E retornarei e voltarei a retornar uma vez mais até que você esteja preparado. Por favor… Meu senhor, na verdade, só desejo ajudar, não o ferir.
Ele franziu o cenho. Soava muito amável, e não havia nenhuma só nota sedutora em nenhuma das sílabas que deixaram seus lábios.
— Diga-me a cor de seu cabelo. — disse através das mãos.
— É negro como a noite e está preso tão firmemente como minhas irmãs e eu pudemos. Também tomei a liberdade de envolvê-lo em um turbante, embora você não pedisse. Pensei… Que possivelmente seria de mais ajuda.
— Diga-me cor de seus olhos.
— Azuis, meu senhor. Um pálido azul céu.
Os de Wellsie tinham sido de cor xerez.
— Meu senhor, — sussurrou a Escolhida — nem sequer precisa me olhar. Deixe que permaneça atrás de você, e tome o pulso dessa forma.
Ouviu o sussurro do suave tecido e o aroma da fêmea agitar-se a seu redor até que proveio de detrás dele. Deixando cair às mãos, Tohr viu as longas pernas de Lassiter embainhadas em jeans. Os tornozelos do anjo estavam cruzados outra vez, agora enquanto se achava recostado contra a parede.
Um braço esbelto coberto de tecido branco apareceu ante ele.
Com lentos puxões, a manga da túnica foi gradualmente elevando-se mais e mais acima.
O pulso que ficou exposto era frágil, a pele era branca e fina.
As veias sob a superfície eram de uma cor azul clara.
As presas de Tohr saíram bruscamente do paladar e um grunhido saiu de seus lábios. O bastardo do anjo tinha razão. De repente, sua mente ficou vazia, tudo se centrava em seu corpo e no que lhe fora privado durante tanto tempo.
Tohr fechou firmemente sua forte mão sobre o ombro dela, chiou como uma cobra e mordeu o pulso da Escolhida até o osso, fixando as presas no lugar. Houve um grito de alarme e uma resistência, mas ele estava longe enquanto bebia. Os goles eram como punhos em uma corda, puxando esse sangue para baixo, a suas vísceras, tão rapidamente que não tinha tempo de saboreá-la.
Quase matou à Escolhida.
E se inteirou disso mais tarde, depois que finalmente Lassiter o desprendesse e o deixasse fora de combate com um murro à cabeça… Porque no instante em que foi separado da fonte desses nutrientes, tratou de agarrar à fêmea outra vez.
O anjo caído teve razão.
A horrível biologia era o máximo condutor, ganhando inclusive ao mais robusto de coração.
E ao mais reverente dos viúvos.


Capítulo 34


Quando Ehlena chegou a casa, compôs uma expressão falsa, despediu-se de Lusie, e foi ver seu pai, que “fazia incríveis avanços” em seu trabalho. Não obstante, assim que pôde, foi ao seu quarto para conectar-se online. Tinha que verificar quanto dinheiro possuía, contando até o último tostão, e não acreditava que gostaria do que verificasse. Depois de identificar-se em sua conta bancária, repassou os cheques que teria de cobrir e assinalou o que venceria na primeira semana do mês. A boa notícia era que ainda receberia seu pagamento de novembro.
Sua conta poupança não chegava a onze dos grandes.
Não sobrava nada para vender. E, não sobrava nada do orçamento mensal.
Lusie teria que deixar de vir. O que seria um saco, porque aceitaria outro cliente para preencher o vazio, assim, quando Ehlena encontrasse um novo trabalho haveria um buraco em cuidados médicos que preencher.
Assumindo que conseguisse outro posto. Seguro como a merda que não seria de enfermeira. Que fosse despedida por justa causa não era o que algum empregador quisesse ver em um currículo.
Por que roubara essas porcarias de pílulas?
Ehlena ficou sentada olhando à tela somando e voltando a somar todos os numerozinhos até que se juntaram formando um só borrão, e nem sequer pôde registrar a soma.
— Minha filha?
Fechou rapidamente o portátil, porque ao seu pai não caía bem a eletrônica, e compôs o semblante.
— Sim? Quero dizer, sim?
— Pergunto-me se você gostaria de ler uma passagem ou duas de meu trabalho? Parece ansiosa, e descobri que tais atividades acalmam a mente. — aproximou-se de seu lado arrastando os pés e estendeu galantemente o braço.
Ehlena se levantou porque às vezes tudo o que uma pessoa podia fazer era aceitar as instruções de outra. Não queria ler nenhuma das incoerências que tinha rabiscado nessas páginas. Não suportava fingir que estava tudo bem. Desejava, embora fosse só por uma hora, poder ter de volta ao seu pai para poder falar da posição ruim que ela colocou a ambos.
— Isso seria encantador. — disse com um tom de voz apagado e elegante.
Seguindo-o a seu escritório, ajudou-o a acomodar-se em sua cadeira e olhou ao redor, às descuidadas pilhas de papéis. Que desastre. Havia pastas de couro negro cheias até o ponto de se romper. Pastas repletas até os batentes. Cadernos de apontamentos de espirais com páginas escapando de seus limites como línguas de cão. Folhas brancas soltas esparramadas aqui e ali, como se as páginas tivessem tentado empreender o vôo e não tivessem conseguido chegar muito longe.
Tudo isto era seu diário, ou isso dizia ele. Em realidade, era somente uma pilha atrás de outra de sem-sentidos, a manifestação física de seu caos mental.
— Aqui. Sente-se, sente-se. — seu pai limpou o assento próximo a sua escrivaninha, movendo uns blocos de papéis mantidos com elástico de borracha de cor café claro.
Depois de sentar-se, Ehlena pôs as mãos sobre os joelhos e apertou com força, tentando não perder o controle. Era como se o lixo da sala fosse uma espiral magnética que fazia com que seus próprios pensamentos e maquinações rodassem inclusive mais rápidos, e, essa não era em absoluto a ajuda que necessitava.
Seu pai passeou a vista pelo escritório e sorriu como se desculpando.
— Semelhante trabalho para um rendimento comparativamente pequeno. Algo assim como colher pérolas. As horas que passei aqui, a quantidade de horas para cumprir cabalmente com meu propósito...
Ehlena apenas ouvia. Se não pudesse quitar o aluguel, aonde iriam? Haveria algo inclusive mais barato que não tivesse ratos e baratas sibilantes? Como seu pai enfrentaria um ambiente estranho? Queridíssima Virgem Escriba assumiu que tinham chegado ao fundo à noite em que ele queimara a conveniente casa que alugavam. O que havia mais ao fundo que isto?
Soube que tinha problemas quando tudo se borrou.
A voz de seu pai continuava, percorrendo através de seu silencioso pânico.
— Empenhei-me em registrar com fidelidade tudo o que vi...
Ehlena não ouviu muito mais.
Quebrou-se pela metade. Sentada na pequena cadeira sem braços, inundada pelo inútil balbuciar sem sentido de seu pai e examinando suas ações e aonde uma decisão ruim levara a ambos, chorou.
E não só por ter perdido o trabalho. Era pelo Stephan. Pelo que ocorrera com Rehvenge. Pelo fato de seu pai ser um adulto que não podia compreender a realidade de sua situação.
Era por estar tão sozinha.
Ehlena abraçou a si mesma e chorou, exalando roucos fôlegos por entre seus lábios até que esteve muito exausta para fazer outra coisa mais que permanecer dobrada sobre seu próprio colo.
Finalmente, soltou um grande suspiro e limpou os olhos com a manga do uniforme que já não necessitaria.
Quando levantou o olhar, seu pai estava sentado completamente imóvel em sua cadeira, com uma expressão de absoluta surpresa.
— Verdadeiramente... Minha filha.
Veja, esta era a questão. Podia ter perdido toda a pompa financeira de sua condição anterior, mas os velhos hábitos demoravam a morrer. A reserva da glymera ainda definia a forma de conversar de ambos... Em razão disso, uma grande sessão de choro equivalia a atirar-se de costas sobre a mesa do café da manhã e que lhe saísse um “alien” do estômago.
— Perdoe-me, Pai. — disse, sentindo-se mais que parva — Acredito que deveria me desculpar.
— Não... Espere. Ia ler.
Fechou os olhos, sua pele esticando-se ao longo de todo seu corpo. Em certo nível, toda sua vida estava definida pela patologia mental de seu pai, e, embora em sua maior parte visse seu sacrifício como algo que lhe devia, esta noite estava muito alterada para fingir que algo tão inútil como seu “trabalho” era de importância crucial.
— Pai, eu...
Uma das gavetas da escrivaninha se abriu e fechou.
— Aqui o tem filha. Tem em suas mãos algo mais que só uma passagem.
Abriu as pálpebras à força…
E teve que inclinar para frente para assegurar-se de que realmente estava vendo bem. Entre as palmas de seu pai havia uma pilha próxima a um centímetro de grossura de páginas brancas perfeitamente alinhadas.
— Este é o meu trabalho. — disse simplesmente — Um livro para você, minha filha.

No andar inferior do refúgio Tudor, Rehv esperava junto às janelas da sala, com o olhar fixo na grama ondulada. As nuvens se afastaram e uma lua crescente pendia no brilhante céu invernal. Em sua mão intumescida, sustentava seu novo telefone celular, que acabava de fechar com uma maldição.
Não podia acreditar que no andar de acima, sua mãe estivesse em seu leito de morte, que nesse mesmo momento sua irmã e seu hellren corressem às pressas contra a saída do sol para poder chegar ali antes... E, ainda assim o trabalho elevava sua feia e chifruda cabeça.
Outro camelo morto. O que somava três nas últimas vinte e quatro horas.
Xhex foi breve e concisa, muito ao seu estilo. Ao contrário de Ricky Martínez e Isaac Rush, cujos corpos foram encontrados no rio, este cara aparecera em seu carro no estacionamento vazio de um centro comercial com uma bala atravessando a parte de trás de seu crânio. O que significava que o carro foi conduzido até ali com o corpo dentro: ninguém seria tão estúpido para disparar ao idiota em um lugar que, indubitavelmente, tinha cobertura de câmeras de segurança. Entretanto, como o relato da polícia não informava nada mais, teriam que esperar os periódicos e as notícias matutinas da TV para inteirar-se de mais detalhes.
Mas aí estava o problema, e a razão de ter amaldiçoado.
Esses três tinham feito compras no correr das últimas duas noites.
Razão pela qual Xhex o interrompera na casa de sua mãe. O negócio das drogas não estava simplesmente desregulamentado, a não ser totalmente irregular, e o ponto de equilíbrio que se alcançou em Caldwell e que permitia que ele e seus colegas de alto nível pudessem fazer dinheiro era algo muito delicado.
Ao ser um grande jogador, seus fornecedores eram uma combinação de traficantes de Miami, importadores do porto de Nova Iorque, destiladores de Connecticut, e fabricantes de X de Rhode Island. Todos eles eram homens de negócios, como ele, e a maioria eram independentes, exemplos, não filiados à máfia dos Estados Unidos. A relação era sólida e os homens que no outro extremo eram tão cuidadosos e escrupulosos como ele era: o que faziam era simplesmente uma questão que implicava uma transação financeira e uma mudança de mãos de produtos, como em qualquer outro segmento legítimo da economia. Os carregamentos chegavam à Caldwell através de várias residências e eram transportados ao ZeroSum, onde Rally estava a cargo de provar, cortar e empacotar.
Era uma máquina bem azeitada que tinha levado dez anos pôr em marcha, e requeria uma combinação de empregados bem pagos, ameaças de dor física, a realização dessas surras, e o constante relacionamento para assegurar a manutenção.
Três cadáveres eram suficientes para fazer pedaços de todo o acerto, provocando não só um déficit econômico, a não ser uma luta de poder nos níveis inferiores que ninguém necessitava: alguém estava encarregando-se das pessoas em seu território, e seus colegas se perguntariam se estava distribuindo algum tipo de castigo ou, pior, se estava ele mesmo sendo castigado. Os preços flutuariam, as relações ficariam tensas e a informação passaria a ser não confiável.
Este assunto devia ser atendido.
Tinha que fazer algumas chamadas para assegurar a seus importadores e produtores que mantinha o controle de Caldwell e que nada impediria a venda de suas mercadorias. Mas Cristo, por que agora?
Rehv dirigiu os olhos ao teto.
Durante um momento, fantasiou deixando tudo, salvo que isso era pura merda. Enquanto a princesa fizesse parte de sua vida, permaneceria no negócio, porque não havia uma maldita forma de que permitisse que essa cadela ficasse com a fortuna de sua família. Deus sabia que o pai de Bella fizera o bastante nesse sentido ao tomar decisões financeiras ruins.
Enquanto a princesa estivesse no mundo, Rehv seguiria sendo o senhor da droga de Caldwell e faria suas chamadas... Embora, não da casa de sua mãe, não durante o tempo que dedicava a sua família. Os negócios podiam esperar até que tivesse cumprido com sua família.
Embora uma coisa estivesse clara. De agora em diante, Xhex, Trez e iAm teriam que vigiar as coisas ainda mais de perto, porque certo como a merda que se alguém era ambicioso o bastante para tentar acabar com esses intermediários, era mais que provável que tentaria com um peixe graúdo como Rehv. O problema era que seria de vital importância que Rehv se deixasse ver pelo clube. Fazer ato de presença era crítico em tempos revoltos, quando seus contatos de negócios estariam observando-o para ver se fugia e se escondia. Era melhor que o percebessem como a pessoa que podia estar levando a cabo as matanças do que como a um maricas que se escondia rapidamente quando as coisas ficavam difíceis.
Sem razão aparente, abriu seu telefone e se certificou se tinha chamadas perdidas. Outra vez. Nada de Ehlena. Ainda.
Era provável que simplesmente estivesse ocupada na clínica, presa na agitação. É óbvio que sim. E, não era como se a instalação corresse perigo de ser assaltada. Estava localizada em um lugar remoto, tinha bastante segurança, e, se algo mal tivesse ocorrido teria se informado.
Verdade?
Demônios.
Franzindo o cenho, verificou seu relógio. Hora de tomar mais duas pílulas.
Dirigiu-se à cozinha e estava bebendo um copo de leite e tomando mais penicilina quando um par de faróis iluminou a fachada da casa. Enquanto o Escalade estacionava à frente e abriam as portas, deixou o copo, apoiou a bengala no chão, e foi saudar sua irmã, seu marido e a filha de ambos.
Bella já tinha os olhos vermelhos quando entrou, porque deixara claro o que estava acontecendo. Seu hellren vinha logo atrás dela, levando a sua sonolenta filha nos enormes braços, e com uma expressão turva em seu rosto com cicatrizes.
— Minha irmã. — disse Rehv enquanto tomava Bella entre seus braços. Enquanto a abraçava ligeiramente, chocou as palmas com Zsadist — Alegra-me que esteja aqui, amigo.
Z assentiu com seu crânio raspado.
— A mim também.
Bella se afastou e limpou os olhos rapidamente.
— Está acima na cama?
— Sim, sua doggen está com ela.
Bella tomou sua filha nos braços e, após, Rehv abriu caminho subindo as escadas. Frente às portas do dormitório, chamou primeiro na soleira e esperou enquanto sua mãe e a fiel criada se preparavam.
— Quão mal está? — sussurrou Bella.
Rehv baixou o olhar para sua irmã, pensando que esta era uma das poucas situações que podia ver-se não sendo tão forte para ela como queria ser.
Sua voz foi rouca.
— Chegou a hora.
Os olhos de Bella se fecharam exatamente quando sua mahmen disse com um tom de voz instável:
— Entrem.
Quando Rehv abriu uma das duas portas, ouviu Bella inalar intensamente, mas, mais que isso percebeu sua mentira emocional: a tristeza e o pânico se entrelaçavam, dobrando-se e redobrando-se até formar uma caixa sólida. Era uma estampagem de sentimentos que só tinha visto em funerais. E, por acaso não tinha isso um perfeito e trágico sentido.
— Mahmen. — disse Bella enquanto ia à cama.
Quando Madalina estendeu os braços, seu rosto estava impregnado de felicidade.
— Meus amores, meus queridíssimos amores.
Bella se inclinou e beijou a bochecha de sua mãe, depois transferiu cuidadosamente o peso de Nalla. Como sua mãe não tinha forças para segurar à pequena, colocou um dos travesseiros restantes de forma que servisse de apoio para o pescoço e a cabeça de Nalla.
O sorriso de sua mãe era resplandecente.
— Olhem seu rosto... Certamente será uma grande beleza. — elevou uma mão esquelética para Z — E o orgulhoso papai, que cuida de suas fêmeas com tanta força e integridade.
Zsadist se aproximou e estreitou a mão que lhe estendia, inclinando-se para roçar os nódulos dela com a testa, como era costume entre mães e genros.
— Sempre as manterei a salvo.
— Certamente. Disso estou bem segura. — sua mãe sorriu ao feroz guerreiro que parecia totalmente desconcertado entre as cortinas de renda que rodeavam a cama... Mas então suas forças fraquejaram e permitiu que sua cabeça caísse a um lado.
— Minha maior alegria. — sussurrou enquanto olhava a sua neta.
Bella encostou o quadril sobre o colchão e roçou gentilmente o joelho de sua mãe. O silêncio no quarto se voltou suave como um pôr-do-sol, um casulo de tranqüilidade que pousou sobre todos eles e aliviou a tensão.
Havia uma única coisa boa em tudo isto: Uma morte natural que ocorria no momento adequado era uma bênção tão grande como uma vida longa e tranqüila.
Sua mãe não teve o último. Mas Rehv manteria sua promessa assegurando-se que a paz que havia neste quarto se mantivesse também depois que ela se fosse.
Bella se inclinou para sua filha e sussurrou:
— Dorminhoca, acorde para sua Grahmen.
Quando Madalina roçou brandamente a bochecha da pequena, Nalla despertou com um gorjeio. Quando esses olhos amarelos, brilhantes como diamantes enfocaram o velho e amado rosto que tinha ante ela, a pequena sorriu e estendeu suas mãos gordinhas. Quando a menina apertou o dedo de sua avó, Madalina elevou o olhar e espiou ao Rehv por cima da seguinte geração. Em seu olhar havia uma súplica.
E lhe deu exatamente o que necessitava. Pondo o punho sobre o coração, fez a mais ligeira das inclinações, pronunciando seu voto uma vez mais.
Sua mãe piscou, com lágrimas tremendo em suas pestanas, e uma onda de gratidão se derramou sobre ele. Embora não pudesse sentir a calidez da mesma, sabia pela forma em que permitiu que seu casaco de zibelina se abrisse que sua temperatura corporal acabava de subir.
Sabia também que seria capaz de tudo para manter sua promessa. Uma boa morte não era somente rápida e indolor. Uma boa morte implicava deixar seu mundo em ordem, que passava ao Fade com a satisfação de saber que os entes amados estariam bem cuidados e a salvo, e, embora tivessem que atravessar o processo do duelo, ficava a segurança de que não tinha deixado nada sem dizer ou fazer.
Ou que não havia dito nada, como era o caso aqui.
Era o maior presente que podia dar à mãe que o criara de um modo melhor do que merecia, a única forma em que podia compensá-la pelas circunstâncias de seu cruel nascimento.
Madalina sorriu e soltou um comprido e agradecido fôlego.
E tudo foi como tinha que ser.


Capítulo 35


John Matthew acordou com sua H&K  apontando à porta que se abria no inóspito quarto de Xhex. Seu ritmo cardíaco estava tão sereno quanto sua mão firme, e, mesmo quando as luzes acenderam, não piscou. Se não gostasse do aspecto de quem quer que fosse que abria a fechadura e virava o trinco, colocaria uma bala no meio de qualquer peito que surgisse.
— Tranqüilo. — disse Xhex enquanto entrava e os fechava juntos — Sou somente eu.
Ele voltou a pôr a trava e baixou a arma.
— Estou impressionada. — murmurou ela enquanto se recostava contra o batente da porta — Desperta como um guerreiro.
De pé do outro lado do quarto, com seu poderoso corpo relaxado, era a fêmea mais atrativa que já vira. O que queria dizer que a menos que ela quisesse o mesmo que ele, teria que ir. As fantasias eram boas, mas em carne e osso era melhor, e, não acreditava que pudesse manter-se afastado dela.
John esperou. E esperou. Nenhum dos dois se moveu.
Bem. Hora de ir antes de se comportar como um imbecil.
Começou a baixar as pernas da cama, mas ela sacudiu a cabeça.
— Não, fique onde está.
Ok. Mas isso queria dizer que necessitaria um pouco de camuflagem.
Estendeu a mão em busca de sua jaqueta e arrastou o couro até seu colo, porque sua arma não era unicamente o que estava preparada para ser usada. Como de costume, tinha uma ereção, o que era habitual na merda de “acorda-desperta-levanta-e-brilha”… Assim como um problema sempre que entrava no raio de ação dela.
— Sairei em seguida. — disse ela, deixando cair sua jaqueta negra e dirigindo-se ao banheiro.
A porta se fechou e ele ficou boquiaberto.
Poderia ser… Que acontecesse?
Alisou o cabelo, arrumou a camisa, e acomodou seu pênis. O qual não só estava duro, mas também pulsava. Baixou o olhar para a longitude que se apertava contra o zíper de seu jeans A&F e tratou de indicar à coisa que possivelmente ela ficaria, mas isso não queria dizer necessariamente que tivesse interesse em utilizar seus quadris para praticar como montar.
Xhex saiu um pouco depois e se deteve junto ao interruptor.
— Tem algo contra a escuridão?
Ele negou lentamente com a cabeça.
O quarto se afundou na escuridão e a ouviu dirigir-se para a cama.
Com o coração disparado no peito e o pênis ardendo, John apressou em mover-se lhe deixando muito espaço. Quando se deitou, sentiu cada nuance do movimento do colchão, escutou o suave roçar de seu cabelo quando pousou no travesseiro e distinguiu seu aroma nas profundezas de suas narinas.
Não podia respirar.
Nem sequer quando ela suspirou relaxando-se.
— Não me tem medo. — disse em voz baixa.
Ele negou com a cabeça apesar dela não poder vê-lo.
— É duro.
Oh, Deus, pensou ele. Sim, estava.
Um pânico instantâneo tomou forma, como um chacal saltando de um arbusto grunhindo. Porra! Era difícil imaginar o que seria pior: que Xhex o buscasse e ele perdesse sua ereção… Como ocorreu com a Escolhida Layla na noite de sua transição. Ou, que Xhex não o buscasse absolutamente.
Ela resolveu o cara ou coroa girando para ele e pondo uma mão em seu peito.
— Tranqüilo. — disse quando saltou.
Depois que se tranqüilizou, sua carícia prosseguiu para o estômago, e quando cavou a mão ao redor de seu pênis através dos jeans, ele se arqueou na cama, abrindo a boca para soltar um silencioso gemido.
Não houve preliminares, mas em todo caso não os desejava. Baixou o zíper, tirou sua ereção e logo houve uns movimentos e ouviu o som de suas calças de couro caindo ao chão.
Montou-o, plantando as palmas nos peitorais e o empurrando contra o colchão. Quando algo morno, suave e úmido se esfregou contra ele, já não o preocupou absolutamente ficar flácido. Seu corpo ansiava por entrar nela, nada do passado abriria caminho através de seu instinto de emparelhamento.
Xhex se levantou sobre os joelhos, tomou sua ereção na mão, e a levantou. Quando se sentou, sentiu uma deliciosa e tensa pressão ao longo de seu pênis, a compressão eletrizante detonou o orgasmo que provocou que seus quadris saltassem para cima. Sem pensar se era o correto, aferrou-se a suas coxas…
Ficou gelado quando sentiu o metal, mas então já estava muito longe. Tudo o que pôde fazer foi apertar as mãos enquanto estremecia uma e outra vez, em uma interminável perda de sua virgindade.
Era a coisa mais assombrosa que jamais sentiu. Sabia como era por suas masturbações. Tinha feito mil vezes desde sua transição. Mas, isto tirava do jogo algo que ele pudesse ter-se feito. Xhex era indescritível.
E isso foi antes que começasse a se mover.
Quando terminou com esse primeiro fantasma-orgasmo, ela lhe deu um minuto para recuperar o fôlego, e logo começou a menear os quadris para cima e para trás. Ele ofegou. Seus músculos internos apertavam e soltavam seu pênis, a pressão intermitente fez seus testículos se esticarem e estarem preparadas uma vez mais.
Agora entendia total e completamente as ânsias de Qhuinn por despir-se. Isto era incrível, especialmente quando John deixou que seu corpo seguisse ao dela e se moveram juntos. Inclusive quando o ritmo se tornou mais e mais rápido, convertendo-se algo urgente, sabia exatamente o que estava acontecendo e onde estava cada parte de ambos. Desde as palmas de suas mãos em seu peito, passando pelo peso dela sobre ele, e a fricção do sexo até a forma em que o fôlego se enroscava na garganta.
Quando gozou outra vez, seu corpo ficou rígido dos pés à cabeça, e seus lábios articularam o nome dela como em suas fantasias… Só que com mais urgência.
E então terminou.
Xhex se levantou para liberá-lo e seu pênis caiu sobre seu ventre. Comparado com o quente refúgio de seu corpo, o suave algodão da camiseta que usava era como lixa, e a temperatura ambiente estava gelada. A cama se moveu quando ela se estendeu a seu lado, e ele girou para encará-la na escuridão. Sua respiração era difícil, mas ansiava beijá-la no interlúdio antes que o fizessem outra vez.
John estendeu a mão e sentiu que ela se esticava quando a pousou sobre a lateral de seu pescoço, mas ela não se afastou. Deus, sua pele era suave… Oh, tão suave. Embora os músculos que percorriam seus ombros fossem como aço, a pele que os cobria era suave como a seda.
John se moveu devagar ao levantar a parte superior de seu corpo e se inclinar sobre ela, deslocando a carícia até sua bochecha, embalando o rosto brandamente, encontrando seus lábios com o polegar.
Não queria pressioná-la. Ela tinha feito a maior parte do trabalho e o tinha feito espetacularmente. Mais que isso, tinha lhe dado o dom do sexo e mostrou que apesar do que lhe tinham feito, ainda era um macho, ainda era capaz de desfrutar com aquilo que seu corpo nasceu para fazer. Se era ele quem iniciaria o primeiro beijo entre eles, estava decidido a fazê-lo bem.
Baixou a cabeça…
— Isto não se trata disso. — Xhex o empurrou, desceu da cama, e entrou no banheiro.
A porta se fechou, e o pênis de John murchou sobre sua camiseta quando ouviu  cair à água: ela estava limpando-se dele, desfazendo-se do que seu corpo lhe tinha dado. Com as mãos tremendo, meteu-se de novo em seu jeans, tratando de ignorar a umidade e o aroma erótico.
Quando Xhex saiu, recolheu sua jaqueta, e foi abrir a porta. Quando a luz do vestíbulo entrou, converteu-a em uma destacada sombra negra, alta e forte.
— Já amanheceu, no caso de não ter checado seu relógio. — fez uma pausa — E aprecio que tenha sido discreto a respeito de minha… Situação.
A porta fechou silenciosamente atrás dela.
Assim, esse era o porquê atrás de sua atuação. Tinha dado sexo a ele para agradecer por que manteve seu segredo.
Cristo, como podia ter pensado que fosse algo mais?
Completamente vestidos. Sem beijos. E estava bastante seguro que tinha sido o único que gozou: sua respiração não se alterou, não tinha gemido, não a alagou o alívio depois de fazê-lo. Não que ele soubesse muito sobre fêmeas e orgasmos, mas era o que aconteceu a ele quando gozou.
Não foi uma transa por pena. Foi uma por gratidão.
John esfregou seu rosto. Era tão estúpido. Por pensar que tinha significado algo.
Tão, mas tão estúpido.
 
Tohr acordou com o estômago como se tivesse sido pintado com um spray da cor da dor. A agonia era tão intensa que em seu sonho pós-alimentação de morto para o mundo, rodeou seu ventre com os braços e se encurvou sobre si mesmo.
Endireitando de sua posição encurvada e tremente, perguntou-se se teria havido algo mau no sangue…
Os rugidos que emitia eram o suficientemente altos para rivalizar com um triturador de lixo.
A dor… Era fome? Baixou os olhos para a fossa côncava que havia entre seus quadris. Esfregou a superfície dura e plana. Escutou outro rugido.
Seu corpo exigia comida, quantidades industriais de sustento.
Olhou o relógio. Dez da manhã. John não passara para vê-lo para a Última Comida.
Tohr se ergueu sem utilizar os braços e foi ao banheiro sobre pernas que sentia curiosamente firmes. Usou o vaso, mas não para vomitar, depois lavou o rosto, e se deu conta que não tinha roupa que vestir.
Vestindo um robe de felpa, saiu de seu dormitório pela primeira vez desde que tinha entrado nele.
As luzes do corredor das estátuas o fizeram piscar como se fossem focos de um cenário, e necessitou um minuto para adaptar-se a… Tudo.
Estendendo-se para cima e abaixo pelo corredor, os machos de mármore em suas várias posturas estavam tal e como os recordava: tão fortes, elegantes e estáticos, e sem motivo aparente, recordou o Darius comprando-os um a um, formando a coleção. Naquela época, quando D se pôs em ritmo de compra, enviara Fritz aos leilões da Sotheby’s e Christie’s em Nova Iorque, e, quando cada uma das obras de mestres era entregue em uma caixa com todo esse estofo e esses tecidos as envolvendo, o irmão fazia uma festa de inauguração.
D amara a arte.
Tohr franziu o cenho. Wellsie e seu filho não nascido seriam sempre sua primeira e mais importante perda. Mas tinha mais mortos que vingar, ou não? Os lessers levaram não só sua família, mas também seu melhor amigo.
A fúria se agitou nas profundezas de seu ventre… Desencadeando outro tipo de fome. De guerra.
Com uma concentração e uma determinação que eram de uma única vez estranhas e familiares, Tohr se dirigiu para a escada principal e se deteve quando chegou às portas quase fechadas do escritório. Percebeu Wrath atrás delas, mas, na realidade não queria interagir com ninguém.
Ao menos pensava isso.
Então, por que simplesmente não ligou à cozinha para pedir comida?
Tohr espiou através da fresta entre as portas.
Wrath estava dormindo em seu escritório, seu comprido e brilhante cabelo negro se abria em leque sobre a papelada e tinha um antebraço dobrado sob a cabeça como se fosse um travesseiro. Na mão livre, ainda sustentava a lupa que devia usar se queria tentar ler algo.
Tohr entrou na sala. Jogando um olhar a seu redor, viu o suporte da chaminé e pôde imaginar o Zsadist ajeitado contra ela, com uma expressão séria em seu rosto marcado e os olhos negros brilhantes. Phury sempre estava perto dele, geralmente sentado na chaise azul pálido que havia ao lado da janela. V e Butch tinham tendência a se apropriar do sofá alto e frágil. Rhage escolhia diferentes lugares dependendo de seu humor…
Tohr franziu o cenho quando notou o que estava junto a escrivaninha de Wrath.
A horrenda e andrajosa poltrona verde-abacate, com remendos puídos nas almofadas de couro… Era a cadeira de Tohr. A que Wellsie insistiu em jogar fora porque parecia um fiasco. A que ele tinha posto no escritório do centro de treinamento.
— Trouxemos aqui para que John voltasse para a mansão.
Tohr girou a cabeça bruscamente. Wrath estava levantando a cabeça do braço e sua voz era tão grogue como a aparência de seu rosto.
O rei falou lentamente, como se não quisesse assustar sua visita.
— Depois do que aconteceu, John não queria sair do escritório. Negava-se a dormir em outro lugar que não fosse essa cadeira. Que enredo… Comportava-se mal nos treinamentos. Metia-se em brigas. Ao final me pus firme, mudei esse traste inútil para cá, e as coisas melhoraram. — Wrath girou para a cadeira — Costumava lhe agradar sentar-se ali e me olhar trabalhar. Após sua transição e as incursões ocorridas no verão, esteve saindo para lutar de noite e dormindo durante o dia, assim não esteve aqui tanto tempo. De certa forma sinto sua falta.
Tohr tomou um susto. Tinha feito uma boa merda a esse pobre menino. Certo, fora incapaz de atuar diferente, mas John sofreu um montão.
Ainda sofria.
Tohr se envergonhou de si mesmo ao pensar em como despertava nessa cama cada manhã e cada tarde e John levava a bandeja e se sentava com ele enquanto comia… E permanecia ali, como se o menino soubesse que assim que ficasse sozinho, vomitaria a maior parte do que tivesse lhe servido.
John teve que enfrentar a morte de Wellsie por si só. Atravessar a transição por si só. Atravessar muitas primeiras vezes por si só.
Tohr se sentou no sofá de V e Butch. A coisa se sentia surpreendentemente firme, mais do que lembrava. Pondo as palmas de suas mãos sobre as almofadas, empurrou.
— Foi reforçado enquanto não estava. — disse Wrath tranqüilamente.
Houve um bom período de silêncio, a pergunta que Wrath queria fazer pairava no ar tão clamorosamente como o eco das badaladas dos sinos de uma capela privada.
Tohr clareou a garganta. A única pessoa com a qual poderia ter falado a respeito do que tinha em mente era Darius, mas o irmão estava morto e enterrado. Não obstante, Wrath era a próxima pessoa a que considerava mais próxima…
— Foi… — Tohr cruzou os braços sobre o peito — Estive bem. Ela ficou detrás de mim.
Wrath assentiu lentamente.
— Boa idéia.
— Foi idéia dela.
— Selena está bem. Bondosa.
— Não estou certo de quanto tempo me levará. — disse Tohr, não querendo sequer falar da fêmea — Já sabe, estar preparado para lutar. Terei que treinar um pouco. Ir ao campo de tiro. Fisicamente? Não tenho idéia de como se recuperará meu corpo.
— Não se preocupe pelo tempo. Só cure.
Tohr baixou o olhar para suas mãos e as apertou formando um par de punhos. Não tinha carne sobre os ossos, por isso os nódulos se sobressaíam na pele como se fosse um mapa em relevo das Adirondacks, nada mais que picos dentados e vales cavados.
Seria uma longa viagem de retorno, pensou. E, inclusive uma vez que estivesse fisicamente forte, em seu baralho de cartas mental ainda lhe faltariam todos os ases. Sem importar quanto pesasse nem quão bem lutasse nada trocaria isso.
Houve um golpe seco na porta e fechou os olhos, rezando para que não fosse um de seus irmãos. Não queria dar muita importância a sua volta à terra dos vivos.
Sim. Hurra. Uau. Bárbaro.
— O que ocorre, Qhuinn? — perguntou o rei.
— Encontramos o John. Mais ou menos.
As pálpebras de Tohr se abriram amplamente e deu a volta, franzindo o cenho ao menino que estava na porta. Antes que Wrath pudesse falar, Tohr exigiu:
— Estava perdido?
Qhuinn pareceu surpreso de vê-lo de novo em pé, mas o macho se recompôs rapidamente enquanto Wrath exigia:
— Por que não me informou que se foi?
— Não sabia que se foi. — Qhuinn entrou, e o ruivo das aulas de treinamento, Blay, estava com ele — Disse a ambos que estava fora do turno de rodízios e que iria dormir. Nós acreditamos, e antes que me arranque às bolas, durante todo esse tempo fiquei em meu quarto porque pensei que ele estava no seu. Assim que me dei conta de que não estava ali, fomos buscá-lo.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e depois interrompeu a desculpa de Qhuinn.
— Ah, está bem, filho. Não sabia. Não podia fazer nada. Onde caralho está?
Tohr não escutou a resposta devido ao rugido que havia em sua cabeça. John estava em Caldwell sozinho? Foi sem dizer a ninguém? E se aconteceu algo?
Interrompeu a conversa.
— Esperem, onde está?
Qhuinn levantou seu telefone.
— Não quis dizer. Só escreveu que está a salvo, em qualquer lugar que esteja, e que se encontrará conosco amanhã de noite.
— Quando voltará para casa? — exigiu Tohr.
— Acredito, — disse Qhuinn encolhendo de ombros — que não voltará.


Capítulo 36


A mãe de Rehvenge fez a passagem para o Fade às onze e onze da manhã.
Estava rodeada por seu filho, sua filha, sua neta adormecida, seu feroz genro e atendida por sua querida doggen.
Foi uma morte plácida. Uma morte muito plácida. Fechou os olhos, e uma hora mais tarde ofegou duas vezes e deixou escapar uma longa exalação, como se seu corpo suspirasse de alívio enquanto sua alma voava livre do aprisionamento corpóreo. E foi estranho… Nalla despertou nesse momento e a menina cravou o olhar não em sua granhmen, mas, um pouco mais acima da cama. As pequenas mãos gordinhas se estenderam ao alto, sorriu e gorjeou como se alguém acabasse de acariciar sua bochecha.
Rehv baixou os olhos para o corpo. Sua mãe sempre acreditou que renasceria no Fade, as raízes de sua fé foram plantadas no fértil terreno de sua educação como Escolhida. Esperava que isso fosse certo. Queria acreditar que vivia em algum lugar.
Foi a única coisa que aliviou, embora fosse um pouco, a dor que sentia no peito.
Quando a doggen começou a chorar baixinho, Bella abraçou sua filha e Zsadist. Rehv permaneceu afastado deles, sentado sozinho aos pés da cama, observando como o rosto de sua mãe ia perdendo a cor.
Quando um formigamento floresceu em suas mãos e pés, recordou que o legado de seu pai, assim como o de sua mãe, estaria sempre com ele.
Levantou-se, fez uma pequena reverência a todos, e se desculpou. No banheiro do quarto onde se hospedava, olhou sob o lavabo e deu graças à Virgem Escriba de ter sido bastante inteligente para colocar um par de ampolas de dopamina na parte de atrás. Acendendo a luz do teto, tirou o casaco de zibelina e a jaqueta Gucci dos ombros. Quando o resplendor avermelhado que vinha de acima o pôs muito nervoso, porque o fez pensar que o estresse pela morte fazia aflorar seu lado perverso, apagou a luz, abriu a ducha e antes de continuar, esperou que subisse o vapor.
Engoliu outras duas pílulas de penicilina enquanto tamborilava o chão com o mocassim.
Quando se considerou capaz de suportar, enrolou a manga da camisa e deliberadamente ignorou seu reflexo no espelho. Após encher uma seringa de injeção, utilizou o cinto LV[69] para formar um laço que pôs ao redor de seus bíceps, logo puxou o couro negro, dobrou-o e o aprisionou contra as costelas.
Introduziu a agulha de aço dentro de uma de suas veias infectadas e apertou o êmbolo…
— O que está fazendo?
A voz de sua irmã o fez levantar a cabeça. Através do espelho, ela estava olhando fixamente a agulha que tinha no braço e as veias judiadas e avermelhadas.
A primeira coisa que lhe ocorreu foi rosnar que saísse. Não queria que visse isto, e, não só porque significasse que teria que dizer mais mentiras. Era algo íntimo.
Em troca, tirou a seringa de injeção com calma, pôs a tampa, e a jogou. Enquanto a ducha chiava, baixou a manga, após vestiu a jaqueta e o casaco de zibelina.
Fechou a água.
— Sou diabético. — disse. Merda, dissera a Ehlena que tinha Parkinson. Maldita seja.
Bom, tampouco era como se fossem se encontrar um dia desses.
Bella levou a mão à boca.
— Desde quando? Está bem?
— Estou bem. — forçou um sorriso — Você está bem?
— Espere, desde quando isto está acontecendo?
— Estive me injetando há uns dois anos. — ao menos isto não era uma mentira — Vejo Havers com regularidade. — Ding! Ding! Outra verdade — Levo bem.
Bella olhou seu braço.
— É por isso que sempre tem frio?
— Isso é pela má circulação. Por isso necessito a bengala. Tenho um sentido ruim de equilíbrio.
— Pensei que havia dito que isso era por causa de uma ferida?
— A diabetes compromete a forma em que me curo.
— Oh, claro. — assentiu tristemente — Desejaria ter sabido.
Quando o contemplou com seus grandes olhos azuis, pensou que odiava lhe mentir, mas tudo o que tinha que fazer era pensar na plácida expressão de sua mãe.
Rehv rodeou sua irmã com o braço e a conduziu fora do banheiro.
— Não é importante. Eu cuido disso.
O ar era mais frio no quarto, mas notou só porque Bella se envolveu com seus braços e se aconchegou.
— Quando deveríamos fazer a cerimônia? — perguntou.
— Telefonarei à clínica, e farei que Havers venha aqui ao cair da noite para envolvê-la. Em seguida temos que decidir onde enterrá-la.
— No Complexo da Irmandade. Ali é onde a quero.
— Se Wrath permitir que a doggen e eu assistamos, está bem.
— É obvio. Z está agora ao telefone com o rei.
— Não acredito que fiquem muitos integrantes da glymera na cidade que queiram despedir-se.
— Pegarei sua agenda no andar de baixo e farei um anúncio.
Semelhante conversa objetiva e prática demonstrava que a morte formava, sem dúvida alguma, parte da vida.
Quando Bella deixou escapar um soluço afogado, Rehv a atraiu contra seu peito.
— Vêem aqui, minha irmã.
Enquanto permaneciam juntos com a cabeça dela apoiada em seu peito, pensou na quantidade de vezes que tinha tratado de salvá-la do mundo. Não obstante, a vida, tinha seguido seu curso de todos os modos.
Deus, quando era pequena, antes de sua transição esteve absolutamente convencido de que podia protegê-la e cuidar dela. Quando tinha fome se assegurava de que tivesse comida. Quando necessitava roupas, comprava para ela. Quando não podia dormir, ficava com ela até que fechava os olhos. Entretanto, agora que crescera, sentia como se seu repertório estivesse limitado a lhe servir simplesmente de consolo. Embora possivelmente fosse assim como funcionava. Quando é menino, um bom arrulho era tudo o que necessitava para acalmar o estresse do dia e te fazer sentir seguro.
Agora a abraçando, desejou que houvesse tais remédios rápidos para adultos.
— Sentirei sua falta. — disse Bella — Não éramos muito parecidas, mas sempre a amei.
— Você foi sua maior alegria. Sempre foi.
Bella se afastou.
— E você também.
Colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás de sua orelha.
— Você e sua família querem descansar aqui?
Bella assentiu.
— Onde ficaremos?
— Pergunte a doggen de mahmen.
— Farei isso. — Bella deu um apertão em sua mão, que ele não pôde sentir e abandonou o quarto.
Quando esteve sozinho, aproximou-se da cama e tirou o telefone celular. Ehlena não enviou uma mensagem à noite anterior, e enquanto procurava o número da clínica na agenda, tentou não se preocupar. Talvez houvesse feito o turno diurno. Deus! Esperava que sim.
Havia poucas probabilidades que tivesse ocorrido algo mau. Muito poucas.
Mas ligaria para ela depois.
— Olá, clínica. — disse a voz na Antiga Língua.
— É Rehvenge, filho de Rempoon. Minha mãe acaba de morrer, e preciso fazer os trâmites para que seu corpo seja conservado.
A fêmea ofegou ao outro extremo. Não caía bem a nenhuma das enfermeiras, mas todas elas tinham adorado sua mãe. Todo mundo a adorava…
Todo mundo a tinha adorado, melhor dizendo.
Esfregou o moicano.
— Há alguma possibilidade de que Havers possa vir à casa ao cair da noite?
— Sim, claro que sim, e posso dizer em nome de todos, que estamos profundamente afligidos por sua morte e lhe desejamos uma passagem segura ao Fade.
— Obrigado.
— Espere um momento. — quando a fêmea retornou, disse — O doutor chegará imediatamente após o pôr-do-sol. Com sua permissão, levará alguém para que o ajude…
— A quem? — não estava seguro como se sentiria se fosse Ehlena. Não queria que tivesse que tratar com outro corpo tão cedo, e o fato que fosse o de sua mãe poderia ser inclusive mais duro para ela — Ehlena?
A enfermeira vacilou.
— Ah, não, Ehlena não.
Franziu o cenho, seus instintos symphath se ativaram pelo tom da fêmea.
— Ehlena trabalhou ontem à noite? — houve outra pausa — Trabalhou?
— Sinto muito, não posso falar sobre...
Sua voz baixou convertendo-se em um grunhido.
— Trabalhou ou não. É uma pergunta simples. Fez-o. Ou não o fez.
A enfermeira ficou nervosa.
— Sim, sim, ela veio…
— E?
— Nada. Ela...
— Qual é o problema?
— Não há nenhum problema. — a exasperação que ouviu nessa voz indicou que alegres interações como essa eram parte do motivo para que o detestassem tanto.
Tratou de nivelar mais a voz.
— É evidente que há um problema, e vai me contar o que está acontecendo ou vou continuar telefonando até que alguém me diga. E, se ninguém o fizer, aparecerei frente ao balcão da recepção e vou voltar louco a cada um de vocês até que um membro da equipe ceda e me diga isso.
Houve uma pausa que vibrou com “é-tão-imbecil”.
— Bom. Ela já não trabalha aqui.
Rehv inalou emitindo um chiado e sua mão disparou para a Baggie[70] de plástico, cheia de penicilina que esteve guardando no bolso superior de seu terno.
— Por quê?
— Não revelarei isso sem importar o que faça.
 Houve um clique quando desligou.

Ehlena estava no andar de baixo, sentada à desmantelada mesa da cozinha, com o manuscrito de seu pai frente a ela. Lera duas vezes no escritório dele, em seguida o tinha deitado e subiu ali, onde o examinou uma vez mais.
O título era Na Selva Pluvial da Mente do Macaco.
Queridíssima Virgem Escriba, se antes tinha acreditado que sentia compaixão pelo macho, agora se sentia identificada com ele. As trezentas páginas manuscritas eram um tour guiado através de sua doença mental, um vívido estudo de “caminhe-um-quilometro-em-meus-sapatos” a respeito de quando tinha começado a doença e onde o tinha conduzido.
Jogou uma olhada ao papel de alumínio que cobria as janelas. As vozes que torturavam sua mente provinham de diversas fontes, e uma delas, era através das ondas de rádio que os satélites que orbitavam a terra emitiam.
Ela já sabia tudo isto.
Mas no livro, seu pai descrevia o Reynolds Wrap[71] como uma interpretação tangível da psicose: ambos, o papel alumínio e a esquizofrenia mantinham afastado o mundo real, ambos o isolavam… E com ambos em seu lugar ele estava mais seguro do que se não estivessem ao seu redor. A verdade era que ele amava sua doença tanto quanto a temia.
Fazia muitos, muitos anos, depois que a família o traíra nos negócios e o arruinara frente aos olhos da glymera, deixou de confiar em sua capacidade para ler as intenções e motivações de outros. Tinha posto sua fé nas pessoas erradas e… Isso havia lhe custado sua shellan.
O certo era que Ehlena teve uma idéia equivocada a respeito da morte de sua mãe. Logo após a grande queda, sua mãe havia se amparado no láudano para ajudá-la a agüentar, e o alívio transitório floresceu convertendo-se em uma muleta, quando a vida como ela a conheceu desmoronou… O dinheiro, a posição, as casas, as posses, abandonaram-na como formosas pombas debandando sobre um campo, indo a um lugar mais seguro.
E, a seguir veio o fracasso do compromisso de Ehlena, o macho se distanciou antes de declarar publicamente que terminava a relação… Porque Ehlena o tinha seduzido levando-o a sua cama e aproveitando-se dele.
Isto para sua mãe tinha sido a gota que transbordou o copo.
O que fora uma decisão conjunta entre Ehlena e o macho se voltou contra Ehlena convertendo-a em uma fêmea sem valor, em uma meretriz do inferno que corrompeu um macho que unicamente tivera as mais honoráveis das intenções. Tendo forjado essa reputação na glymera, Ehlena nunca poderia ter se casado, embora sua família mantivesse o status perdido.
À noite em que estalou o escândalo, a mãe de Ehlena foi para seu quarto e horas mais tarde foi encontrada morta. Ehlena sempre supôs que foi por uma overdose de láudano, mas não. De acordo com o manuscrito, cortou as veias e sangrou sobre os lençóis.
Seu pai começou ouvir vozes no momento em que viu sua fêmea morta na cama matrimonial, com o pálido corpo emoldurado pela auréola vermelho intenso do derramamento de sua vida.
Na medida em que a doença mental avançava, se refugiara cada vez mais na paranóia, mas de maneira estranha se sentia mais seguro ali. Em sua mente, a vida real estava repleta de gente que podia ou não traí-lo. Sem dúvida, todas as vozes de sua cabeça o perseguiam. Como esses macacos loucos que se lançavam ao ar e saltavam entre os ramos do bosque da doença, fazendo chover ramos e duros caroços de fruta sobre ele em forma de pensamentos, podia dizer que conhecia seus inimigos. Podia vê-los, senti-los e conhecê-los pelo que eram, e as armas que tinha para combatê-los, era uma geladeira bem organizada, estanho sobre as janelas, rituais verbais e seus escritos.
Fora, no mundo real? Estava desprotegido e perdido, a mercê de outros, sem defesas para julgar o que era perigoso e o que não. Por outro lado na doença, era onde queria estar, porque como dizia ele, conhecia os limites da selva e os caminhos que rodeavam os troncos e as tribulações dos macacos.
Ali sua bússola mantinha um verdadeiro norte.
Para surpresa de Ehlena? Não, tudo era sofrimento para ele. Antes de cair doente, foi um advogado litigante em assuntos da Antiga Lei, um macho reconhecido por sua afeição ao debate e sua avidez de encontrar oponentes difíceis. Na doença, tinha encontrado exatamente a mesma classe de conflitos com que desfrutara quando estava são. As vozes em sua mente como escreveu ele com a ironia de sua auto-realização, eram igualmente inteligentes e direitas como ele para debater. Para ele, seus violentos episódios eram nada mais que o equivalente mental de um bom combate de boxe, e como no fim sempre saia dele, sempre se sentia vencedor.
Também era consciente que nunca sairia da selva. Era como disse na última linha do livro, sua ultima direção antes de ir para o Fade. E seu único pesar era que ali só havia espaço para um único habitante, que sua estada entre os macacos significava que não podia estar com ela, sua filha.
Entristecia-o a separação e a carga que representava para ela.
Sabia que ele era muito difícil de tratar. Era consciente dos sacrifícios que fazia. Afligia-se pela solidão em que ela se encontrava.
Era tudo o que ela queria escutá-lo dizer, e, enquanto sustentava as páginas, não importava que fosse por escrito e não verbalmente. Em todo caso, era melhor desta maneira porque podia lê-las uma e outra vez.
Seu pai sabia muito mais do que ela pensava.
E, estava muito mais contente do que jamais poderia imaginar.
Passou a palma da mão sobre a primeira página. A escrita à mão, que estava em azul, porque um advogado adequadamente instruído nunca escrevia em negro, era tão limpa e nítida como a narração do passado, e, tão elegante e de bom gosto como as consideráveis conclusões às que tinha chegado e as apreciações em profundidade que oferecia.
Deus... Vivera com ele durante tanto tempo, e somente agora sabia o que ele vivia.
E todo mundo era assim, não? Cada um em sua selva pluvial particular, sozinhos sem importar quantos parentes andasse ao seu lado.
A saúde mental era simplesmente um assunto de ter menos macacos? Talvez a mesma quantidade, com a condição de que fossem agradáveis?
O amortecido som de um telefone celular a fez levantar a cabeça. Esticando a mão até o outro lado da mesa, tirou-o do bolso do casaco e atendeu.
— Alô? — no silêncio que seguiu soube quem era — Rehvenge?
— Despediram-na.
Ehlena apoiou o cotovelo sobre a mesa e cobriu a testa com a mão.
— Estou bem. A ponto de ir dormir. E você?
— Foi devido às pílulas que me trouxe, verdade?
— O jantar foi realmente bom. Requeijão e palitos de cenoura…
— Deixe disso já. — ladrou.
Deixou cair o braço e franziu o cenho.
— Como?
— Por que fez isso, Ehlena? Por que demônios…
— Ok, vai reconsiderar seu tom de voz ou esta conversa receberá a tecla de fim.
— Ehlena, você precisa desse trabalho.
— Não me diga o que necessito.
Ele soltou uma maldição. Soltou mais algumas.
— Sabe, — murmurou ela — se acrescentar uma trilha sonora e algumas metralhadoras, teremos um filme Duro de Matar[72]. Falando disso, como ficou sabendo?
— Minha mãe morreu.
Ehlena ofegou.
— Que...? Oh, meu Deus, quando? Quero dizer, sinto muito…
— Fará meia hora.
Lentamente negou com a cabeça.
— Sinto muito, Rehvenge.
— Telefonei à clínica para... Fazer os acertos. — Exalou com o mesmo tipo de esgotamento que ela sentia. Enfim… Sim. — Nunca me enviou a mensagem dizendo que tinha chegado à clínica a salvo. Assim perguntei, e foi assim.
— Maldita seja, tinha a intenção de fazê-lo, mas... — bom, estava ocupada sendo despedida.
— Mas essa não foi a única razão pela qual quis te ligar.
— Não?
— Eu só... Precisava ouvir sua voz.
Ehlena respirou profundamente, e fixou os olhos nos artigos do manuscrito de seu pai. Pensou em tudo, tanto o bom e o mau, o que descobriu, nessas páginas.
—É engraçado, — respondeu — esta noite sinto o mesmo.
— Sério? Como… De verdade?
— Absoluta e definitivamente… Sim.


Capítulo 37


Wrath estava de mau humor, e sabia por que o ruído que o doggen fazia ao encerar a balaustrada de madeira na parte superior da escada principal lhe dava vontade de atear fogo em toda a fodida mansão.
Pensava em Beth. O que explicava por que enquanto se sentava atrás de seu escritório a dor no peito o estava matando.
Não que não compreendesse por que estava aborrecida com ele. E, não era que acreditasse que não merecia algum tipo de castigo. Simplesmente odiava o fato de Beth não estar dormindo na casa e que ter de mandar uma mensagem de texto à sua shellan para lhe pedir permissão para ligar para ela.
O fato de não ter dormido durante dias também devia contribuir para ficar de saco cheio.
E era provável que precisasse se alimentar. Mas, assim como com o sexo, passou tanto tempo da última vez que o fez, que mal podia lembrar como era.
Passeou o olhar pelo escritório e desejou poder automedicar o impulso de gritar receitando uma saída para lutar contra algo: suas únicas outras opções eram ir ao ginásio ou embebedar-se, e acabava de voltar do primeiro e não estava absolutamente interessado no último.
Verificou o telefone outra vez. Beth não devolveu a mensagem, e fazia três horas que a mandara. E estava bem. Provavelmente estivesse ocupada ou dormindo.
E uma merda que estava tudo bem.
Ficou de pé, deslizando seu RAZR no bolso de trás de sua calça de couro, e se dirigiu para as portas duplas. O doggen no corredor estava pondo a alma e a vida na rotina de passar cera e abrilhantar, e graças a seus esforços se elevava um denso e fresco aroma de limão.
— Meu senhor. — disse o doggen, fazendo uma profunda reverência.
— Está fazendo um grande trabalho.
— É um prazer. — sorriu o macho — É minha alegria servir a você e a sua família.
Wrath colocou uma palma no ombro do criado e se foi trotando escada abaixo. Quando chegou ao chão de mosaicos do vestíbulo, virou à esquerda, para a cozinha, e se alegrou de que não houvesse ninguém dentro. Abrindo o refrigerador, confrontou todo tipo de sobras e tirou um peru pela metade sem nenhum entusiasmo.
Girando para os armários…
— Olá.
Voltou a cabeça bruscamente sobre o ombro.
— Beth? O que está…? Pensei que estava em Lugar Seguro.
— Estava. Mas acabo de retornar.
Franziu o cenho. Por ser mestiça, Beth podia tolerar a luz do sol, mas punha os fodidos cabelos dele em pé cada vez que ela se aventurava durante o dia. Não discutiria isso agora. Ela sabia o que ele pensava, e, além disso, estava em casa e isso era tudo o que importava.
— Estava fazendo algo para comer. — disse, embora certamente, o peru que estava sobre a tábua de açougueiro evidenciava — Quer se unir a mim?
Deus! Adorava o modo que cheirava. Rosas florescendo na noite. Para ele era mais acolhedor que qualquer cera com aroma de limão, mais magnífico que qualquer perfume.
— Que tal se fizer algo para ambos? — disse ela — Parece que está a ponto de cair.
Esteve a ponto de dizer: não, estou bem, e então se deteve. Inclusive a menor das meias verdades acentuaria os problemas entre eles… E o fato de que ele estivesse absolutamente esgotado sequer era uma mentira pequena.
— Isso seria genial. Obrigado.
— Sente-se. — disse, aproximando-se dele.
Ele queria abraçá-la.
E o fez.
Os braços de Wrath se separaram repentinamente, fechando-se sobre ela, e a atraíram para seu peito. Dando-se conta do que tinha feito, ia soltá-la, mas ela permaneceu com ele, mantendo seus corpos juntos. Estremecido, deixou cair a cabeça sobre seu perfumado e sedoso cabelo e a apertou, moldando sua suavidade contra os contornos de seus duros músculos.
— Senti tanto sua falta. — lhe disse.
— Também senti sua falta.
Quando ela relaxou contra ele, não foi tão parvo para acreditar que este momento era uma panacéia instantânea, mas tomaria o que lhe oferecia.
Afastando-se, subiu os óculos escuros acima de sua cabeça para que pudesse ver seus olhos inúteis. Para ele, o rosto de Beth era impreciso e formoso, embora o aroma de chuva fresca que era a essência das lágrimas não o agradou.
Acariciou ambas as bochechas com os polegares.
— Permitirá que te beije? — perguntou.
Quando assentiu, sustentou seu rosto entre as palmas de suas mãos e baixou a boca par a dela. O agradável contato foi absoluta e esmagadoramente familiar e ao mesmo tempo algo do passado. Parecia ter passado uma eternidade desde que fizessem algo mais que dar-se beijinhos… E a separação não era só devido ao que ele tinha feito. Era por tudo. A guerra. Os Irmãos. A glymera. John e Tohr. A família.
Sacudindo a cabeça, disse:
— A vida se converteu em um obstáculo para nossa vida.
—Tem muita razão. — acariciou seu rosto com a palma da mão — Também afetou sua saúde. Assim, quero que se sente ali e me permita te dar de comer.
— Supõe-se que é o inverso. O macho dá de comer a sua fêmea.
— É o rei. — sorriu — Você faz as regras. E sua shellan gostaria de te servir.
— Amo você. — atraiu-a novamente e a apertou e simplesmente ficou agarrado a sua companheira — Não tem que me responder com o mesmo…
— Também te amo.
Agora chegou a vez dele se afrouxar contra ela.
— Hora de que coma. — disse ela, arrastando-o para a mesa de carvalho de estilo rústico e afastando uma cadeira para que se sentasse.
Ao sentar-se deu um pulo, elevou os quadris e tirou o celular do bolso. A coisa começou a dar saltos sobre a mesa, chocando-se contra o saleiro e o pimentero.
— Sanduíche? — perguntou Beth.
— Isso seria genial.
— Para você serão dois.
Wrath voltou a pôr os óculos de sol em seu lugar, porque a luz do teto fazia com que sua cabeça pulsasse. Quando isso não foi suficiente, fechou os olhos, e embora não pudesse ver Beth mover-se pelo lugar, os sons que fazia na cozinha o acalmaram como uma canção de ninar. A ouviu abrir as gavetas, e o repicar dos utensílios dentro das mesmas. Em seguida ouviu o refrigerador abrir com um ofego e houve ruído de fricção, seguido de vidro golpeando vidro. A gaveta do pão foi deslizada para fora e o pacote de plástico que cobria o centeio que gostava, rangeu. Sentiu o rasgar de uma faca ao atravessar uma alface…
— Wrath?
O suave som de seu nome o fez abrir as pálpebras e levantar a cabeça.
— Qu…?
— Cochilou. — a mão de sua shellan alisou seu cabelo — Come. Em seguida vou te levar para a cama.
Os sanduíches estavam exatamente como gostava: sobrecarregados de carne, pouco alface e tomates e com muita maionese. Comeu ambos, e embora deveria tê-lo animado, o esgotamento que lhe aferrava o corpo com seu punho mortal pegou com mais força.
— Anda, vamos. — Beth o puxou pela mão.
— Não, espere. — disse, despertando — Preciso te dizer o que vai acontecer ao anoitecer desta noite.
— Ok. — em seu tom de voz havia certa insinuação de tensão, como se estivesse preparando a si mesma.
— Sente-se. Por favor.
Puxou a cadeira de debaixo da mesa com um ranger e acomodou lentamente seu peso.
— Alegra-me que esteja sendo completamente sincero comigo. — murmurou — Com respeito ao que for.
Wrath acariciou seus dedos com os seus, tentando acalmá-la, pois sabia que o que tinha que dizer somente a preocuparia mais.
— Alguém… Bem, provavelmente mais de um, mas pelo menos um que saibamos, quer me matar. — a mão de Beth se esticou na sua, e ele seguiu acariciando-a, tentando relaxá-la — Vou me reunir com o conselho da glymera esta noite, e espero… Problemas. Todos os Irmãos vêm comigo e não atuaremos como estúpidos, mas não vou mentir te dizendo que é uma situação comum.
— Este… Alguém… É obviamente parte do conselho, verdade? Assim vale a pena que vá em pessoa?
— O que começou tudo não representará um problema.
— Como é isso?
— Rehvenge fez com que o assassinassem.
Voltou a apertar suas mãos.
— Jesus… — tomou um profundo fôlego. E outro — Oh… Deus querido.
— A pergunta que todos nos fazemos agora é, quem mais está nisso? Isso é parte do motivo pela qual minha presença nessa reunião é tão importante. É também uma demonstração de força, e isso é de importância. Não fujo. Nem tampouco os Irmãos.
Wrath se preparou para que lhe dissesse: “Não, não vá”, e se perguntou o que faria então.
Mas a voz de Beth foi tranqüila.
— Compreendo. Mas tenho um pedido.
As sobrancelhas se arquearam, aparecendo por cima dos óculos de sol.
— E é?
— Quero que use um colete à prova de balas. Não é que duvide dos Irmãos… É só que me daria um pouco mais de consolo.
Wrath piscou. Após levou suas mãos aos lábios e as beijou.
— Posso fazer isso. Por você, certamente que posso fazê-lo.
Ela assentiu uma vez e se levantou da cadeira.
— Ok. Ok… Bem. Agora, anda, vamos nos deitar. Estou tão esgotada como você se vê.
Wrath ficou de pé, atraiu-a para ele, e juntos saíram ao vestíbulo, e seus pés cruzaram o mosaico de uma macieira em flor.
— Amo você. — disse ele — Estou tão apaixonado por você.
Beth apertou o braço que tinha ao redor de sua cintura e pôs o rosto contra seu peito. O aroma acre e defumado do medo emanava dela, contaminando seu aroma natural a rosas. E, ainda apesar de tudo, fez um gesto afirmativo com a cabeça e disse:
— Sua rainha tampouco foge, sabe?
— Sei. Eu… Sei totalmente.

Em seu dormitório no refúgio de sua mãe, Rehv impulsionou seu corpo para trás até que esteve apoiado contra os travesseiros. Enquanto acomodava o casaco de marta sobre seus joelhos, disse ao seu celular:
— Tenho uma idéia. Que tal se começarmos de novo esta chamada telefônica?
A suave risada de Ehlena se fez sentir estranhamente otimista.
— Bom. Ligará outra vez ou…
— Diga-me, onde está?
— Em cima, na cozinha.
O que explicava o leve eco.
— Pode ir ao seu quarto? Relaxar?
— Vai ser uma conversa longa?
— Bom, reconsiderarei meu tom e preste atenção. — baixou a voz um tom, convertendo-se em um completo Lotário — Por favor, Ehlena. Vai para cama e me leve contigo.
Ela ficou sem fôlego e riu outra vez.
— Que melhora.
— Eu sei, certo… Para que não pense que não recebo bem as ordens. Agora, que tal se me devolver o favor. Vai para seu dormitório e se ponha cômoda. Não quero estar sozinho, e tenho a sensação de que você tampouco.
Em vez de um “É verdade”, ouviu o gratificante som de uma cadeira sendo afastada. Quando começou a andar, o som amortecido de seus passos lhe pareceu encantador, o rangido da escada não… Porque o som o fazia perguntar-se onde exatamente vivia com seu pai. Esperava que fosse uma casa antiga com pranchas velhas e antiquadas, e não uma que estivesse deteriorada.
Ouviu o chiado de uma porta ao abrir-se e houve uma pausa, e estava disposto a apostar a que estava verificando como estava seu pai.
— Está dormindo profundamente? — perguntou Rehv.
As dobradiças chiaram outra vez.
— Como soube?
— Porque é boa assim.
Houve outro ruído de porta e logo o clique de uma fechadura ao encaixar em seu lugar.
— Dará-me um minuto?
Um minuto? Merda daria o mundo se pudesse.
— Tome seu tempo.
Houve um som surdo, como se tivesse deixado o telefone sobre um edredom ou uma colcha. Mais protestos de porta. Silêncio. Outro chiado e o débil gorgojeio da descarga de um vaso sanitário. Pisadas. Saltos na cama. Um ranger próximo e logo…
— Alô?
— Cômoda? — disse ele, consciente de que estava sorrindo como um idiota… Fora que, Deus, a idéia de tê-la onde ele desejava que estivesse era fantástica.
— Sim, e você?
— Mais do que possa acreditar. — por outro lado, com sua voz no ouvido, poderia estar no processo de lhe arrancarem as unhas e ainda estaria igualmente alegre.
O silêncio que seguiu foi tão suave como a zibelina de seu casaco e igualmente quente.
— Quer falar de sua mãe? — perguntou ela gentilmente.
— Sim. Embora não sei o que dizer, além de que se foi serenamente e rodeada de sua família, e isso é tudo o que qualquer um poderia pedir. Chegou seu tempo.
— Embora sentirá sua falta.
— Sim. Farei.
— Há algo que possa fazer?
— Sim.
— Diga-me.
— Permita-me cuidar de você.
Ela riu baixinho.
— Certo. Que tal se te ponho a par de algo. Neste tipo de situação, se supõe que é você quem terá que ser cuidado.
— Mas ambos sabemos que fui o que tirou seu trabalho…
— Pare. — houve outro rangido, como se houvesse se incorporando sobre os travesseiros — Tomei a decisão de te levar essas pílulas, sou uma adulta suscetível de cometer um erro de julgamento. Não está em dívida comigo, porque fui eu quem colocou os pés pelas mãos.
— Discordo completamente. Mas, deixando isso de lado, falarei com Havers quando vier aqui para…
— Não, não o fará. Querido Senhor, Rehvenge, sua mãe acaba de morrer. Não deve preocupar-se por…
— O que podia fazer por ela, está feito. Permita-me te ajudar. Posso falar com Havers…
— Não mudará as coisas. Já não confiará em mim, e não posso culpá-lo.
— Mas as pessoas cometem enganos.
— E alguns não podem ser remediados.
— Não acredito nisso. — embora como symphath, não era exatamente perito na merda da moral de alguém. Nem com muito — Especialmente quando se trata de você.
— Não sou diferente dos demais.
— Olhe. Não me faça arruinar meu tom outra vez. — advertiu — Fez algo por mim. Quero fazer algo por você. É uma simples troca e intercâmbio.
— Mas conseguirei outro trabalho e estive fazendo as coisas funcionarem por mim mesma, durante muito tempo. Acontece que é uma de minhas aptidões essenciais.
—Não duvido. — deteve-se para causar efeito e jogou a melhor carta que tinha — Embora este seja o assunto, não pode me deixar com esta carga sobre minha consciência. Vai me comer por dentro. Sua má escolha foi resultado da minha.
Ela riu brandamente.
— Por que não me surpreende que conheça minhas debilidades? E realmente o aprecio, mas se Havers perverter as regras por mim, que tipo de mensagem transmitiria? Ele e Catya, minha supervisora, já anunciaram ao resto do pessoal. Agora não podem voltar atrás, nem eu ia querer que o fizesse somente porque você está disposto a utilizar uma mão dura com ele.
Bem, merda, pensou Rehv. Tinha planejado manipular a mente de Havers, mas isso não se ocuparia de todas as demais pessoas que trabalhavam na clínica, verdade?
— Bom, então me permita te ajudar até que possa se recuperar.
— Obrigada, mas…
Ele quis amaldiçoar.
— Tenho uma idéia. Se reúna comigo em minha casa para discutir a respeito disso?
— Rehv…
— Excelente. Tenho que me ocupar de minha mãe mais cedo pela tarde e tenho uma reunião à meia-noite. O que te parece às três da manhã? Maravilhoso… Verei-a então.
Durante um instante se fez silêncio e logo ela riu entre dentes.
— Sempre consegue o que deseja. Verdade?
— Bastante freqüentemente.
— Bem. Três em ponto desta noite.
— Estou tão feliz de ter trocado de tom, você não?
Ambos riram, e a tensão se escorreu da conexão como se fosse drenada.
Quando se ouviu outro rangido, ele supôs que significava que estava voltando a deitar-se e ficando cômoda outra vez.
— Então posso te contar algo que meu pai fez? — disse ela abruptamente.
— Pode me contar isso e logo me explicar porque não comeu mais no jantar. E, depois vamos falar sobre o último filme que viu, os livros que tem lido e a respeito do que pensa sobre o aquecimento global.
— De verdade, tudo isso?
Deus! Amava sua risada.
— Sim. Estamos em rede, assim é grátis. Oh, e quero saber qual é sua cor favorita.
— Rehvenge… Realmente não quer estar sozinho, verdade? — as palavras foram ditas suavemente e quase distraidamente, como se o pensamento escapulisse por sua boca.
— Neste momento… Unicamente o que quero é estar contigo. Isso é tudo o que sei.
— Tampouco estaria preparada. Se meu pai morresse esta noite, não estaria pronta para deixá-lo ir.
Ele fechou os olhos.
— Isso é… — teve que esclarecer a garganta — Assim é exatamente como me sinto. Não estou preparado para isto.
— Seu pai também morreu. Assim sei que é muito mais difícil.
— Bom, sim ele está morto, embora não sinto sua falta absolutamente. Ela sempre foi a única para mim. E tendo ido ela… Sinto como se acabasse de dirigir até meu lar para encontrar que alguém o queimou. Quero dizer, não a via todas as noites nem sequer todas as semanas, mas sempre tinha a possibilidade de ir vê-la, me sentar com ela e cheirar seu Chanel Nº 5. De ouvir sua voz e vê-la ao outro lado de uma mesa. Essa possibilidade… Era onde residiam meus alicerces, e não tinha me dado conta até que a perdi. Merda… Estou falando sem sentido.
— Não, tem muito sentido. A mim ocorre o mesmo. Minha mãe se foi e meu pai… Está aqui, mas não está. Assim, também sinto que não tenho um lar. Que estou à deriva.
Esta era a razão para as pessoas se casarem, pensou Rehv subitamente. Esquece o sexo e a posição social. Se fossem preparadas, fariam-no para construir uma casa sem paredes, um teto invisível e um chão que ninguém pudesse pisar… E que não obstante a estrutura fosse um refúgio que nenhuma tormenta pudesse derrubar, e nenhum fósforo pudesse incendiar, nem o passar dos anos pudesse degradar.
Nesse momento se deu conta. Um vínculo de emparelhamento como esse te ajudava a superar noites de merda como esta.
Bella tinha encontrado esse refúgio com seu Zsadist. E possivelmente seu irmão mais velho precisasse seguir o exemplo de sua irmã.
— Bom, — disse Ehlena com estupidez — se quiser posso responder a pergunta a respeito de minha cor favorita. Possivelmente evite que as coisas fiquem muito profundas.
Rehv sacudiu a si mesmo e retornou ao assunto.
— E qual seria?
Ehlena pigarreou um pouco.
— Minha cor favorita é o… Ametista.
Rehv sorriu até que doeram suas bochechas.
— Acredito que é uma cor genial para que você goste. A cor perfeita.


Capítulo 38


No funeral de Chrissy havia quinze pessoas que a conheceram e uma que não… E, Xhex escrutinou o cemitério açoitado pelo vento à procura de uma décima sétima pessoa que se escondesse entre as árvores, as tumbas ou as lápides maiores.
Não estranhava que o fodido cemitério se chamasse Arvoredo de Pinheiros. Havia ramos espalhados por todo o lugar, proporcionando um amplo refúgio para alguém que não quisesse ser visto. Maldito seja o inferno.
Tinha encontrado o cemitério nas Páginas Amarelas. Os dois primeiros para os quais telefonou não tinham espaço disponível. O terceiro só tinha espaço no Muro da Eternidade, como tinha chamado o homem, para corpos incinerados. Ao final, encontrou este lugar, o Arvoredo de Pinheiros e comprou o retângulo de terra que agora todos rodeavam.
O ataúde rosado custou quase cinco das grandes. A parte de terra outras três. O sacerdote, padre como é que o chamassem os humanos, indicou que o apropriado seria uma doação e sugeriu que cem dólares estariam bem.
Nenhum problema. Chrissy merecia.
Xhex voltou a examinar os fodidos pinheiros, esperando encontrar o idiota que a assassinou. Bobby Grady tinha que vir. A maioria dos abusadores que matavam aos objetos de suas obsessões continuava conectada emocionalmente. E, embora a polícia o estivesse procurando, e ele devia saber, o impulso de ver como a punham para descansar venceria à lógica.
Xhex se concentrou no culto. O macho humano vestia um casaco negro, expondo o pescoço branco na parte da garganta. Em suas palmas, sobre o bonito ataúde de Chrissy, segurava uma Bíblia que lia em voz baixa e respeitosa. Os extremos da fita de cetim que estava entre as páginas douradas, para assinalar as seções mais utilizadas, sobressaíam da parte inferior do livro, e  ondeavam suas cores em vermelho, amarelo e branco no ar frio. Xhex se perguntou como seria sua lista de “favoritos”. Bodas. Batismos (se tinha entendido bem essa palavra). Funerais.
Rezaria pelos pecadores? Perguntou-se. Caso recordava-se corretamente dessa coisa do Cristianismo, acreditava que era seu dever fazê-lo… Assim, embora não soubesse que Chrissy foi uma prostituta, se soubesse de todos os modos teria que adotar esse tom e expressão de respeito.
Isto consolou Xhex, embora não saberia dizer por que.
Do norte soprou uma brisa gelada, e ela reatou a vigilância do terreno. Chrissy não ia permanecer aqui quando terminassem. Como tantos rituais, isto era somente uma exibição. Ao estar sob a terra gelada, ia ter que esperar até a primavera, alojada em um fichário de carne do necrotério. Mas, ao menos tinha a lápide de granito rosado, é obvio colocada onde seria enterrada. Xhex optou por fazer uma inscrição singela, só o nome de Chrissy e as datas, mas, ao longo das bordas havia um lindo trabalho de ornamentação como se fosse um pergaminho.
Esta era a primeira cerimônia mortuária humana a que Xhex comparecia, e lhe pareceu muito estranha, todas essas sepulturas, primeiro na caixa, logo sob a terra. A noção de estar sob a terra era suficiente para fazê-la puxar o pescoço de sua jaqueta de couro. Não. Isto não era para ela. Nesse aspecto, era inteiramente symphath.
As piras funerárias eram a única forma de partir.
Ante a tumba, o oficiante se inclinou com uma pá de prata e escavou o chão, em seguida, tomou um punhado da terra solta e pronunciou sobre o ataúde:
— Cinzas as cinzas, pó ao pó.
O homem deixou voar os grãos de terra, e quando o forte vento se apoderou deles Xhex suspirou, a esta parte sim encontrava sentido. Na tradição symphath, o morto era elevado sobre uma série de plataformas de madeira, em que ateavam fogo de baixo, a fumaça flutuava para cima e se dispersava da mesma forma em que fez o pó, a mercê dos elementos. E o que ficava? A cinza que era deixada onde repousava.
É obvio que os symphaths eram queimados porque ninguém confiava que realmente estivessem mortos quando “morriam”. Às vezes sim. Outras vezes só fingiam. E valia a pena assegurar-se.
Mas, a elegante mentira era a mesma em ambas as tradições, não? Sendo reduzido a cinzas liberava do corpo, e, entretanto, continuava sendo parte de tudo.
O sacerdote fechou a Bíblia e inclinou a cabeça, e, enquanto todo mundo seguia seu exemplo, Xhex voltou a passear a vista pelos arredores, rezando para que esse fodido Grady estivesse em algum lugar.
Mas pelo que podia ver e sentir, ainda não tinha aparecido.
Merda! Olhe todas essas lápides... Implantadas nas sinuosas colinas que agora apresentavam uma cor marrom invernal. Embora as lápides fossem todas distintas (longas e finas, ou baixas e perto do chão, brancas, cinzas, negras, rosadas, douradas) havia um esquema central comum a todas elas, as fileiras de mortos estavam dispostas como casas em uma cidade, com caminhos asfaltados e extensões de árvores serpenteando entre elas.
Uma lápide atraiu sua atenção. Era uma estátua de uma mulher vestida com uma túnica que olhava fixamente aos céus, seu rosto e sua postura era tão plácido e sereno como o céu nublado em que estava enfocada. O granito em que estava esculpida era de um cinza pálido, a mesma cor que sobressaía por cima dela, e por um momento foi difícil distinguir onde terminava a escultura e onde começava o horizonte.
Sacudindo-se, Xhex olhou a Trez e, quando seus olhos se encontraram, ele fez um gesto negativo quase imperceptível com a cabeça. O mesmo ocorreu com iAm. Nenhum deles tinha captado a presença de Bobby, tampouco.
Enquanto isso o detetive Da Cruz a contemplava, e ela sabia, não porque lhe devolvesse o favor, mas sim porque cada vez que seus olhos se pousavam nela podia sentir suas emoções mudar. Ele compreendia o que ela sentia. Realmente o fazia. E havia uma parte dele que a respeitava por sua ânsia de vingança. Mas estava decidido.
Quando o sacerdote deu um passo atrás e a conversa fluiu, Xhex se deu conta que o serviço tinha terminado, e observou como Marie Terese era a primeira em romper as filas, dirigindo-se para o sacerdote para apertar sua mão. Estava espetacular com o traje do funeral, a renda negra que cobria sua cabeça realmente parecia a de uma noiva, as miçangas e a cruz que tinha nas mãos a faziam parecer piedosa quase até o ponto do monástico.
Obviamente, o sacerdote aprovava seu traje, seu rosto sério e formoso e o que fosse que estava dizendo, porque se inclinou e segurou sua mão. Quando entraram em contato, a mentira emocional dele trocou para o amor, a um puro, concentrado e casto amor.
Xhex se deu conta que era devido a isso que a estátua tinha chamado sua atenção. Marie Terese era exatamente igual à mulher da túnica. Que estranho.
— Bonito serviço, huh.
Deu a volta e olhou ao detetive Da Cruz.
— Pareceu-me adequado. Na realidade não saberia dizer.
— Então, não é católica.
— Não. — Xhex saudou Trez e iAm enquanto a multidão se dispersava. Os meninos levariam todo mundo para comer fora antes de ir ao trabalho, como uma forma mais de honrar a Chrissy.
— Grady não veio. — disse o detetive.
— Não.
Da Cruz sorriu.
— Sabe, fala da mesma forma como decora.
— Gosto de manter as coisas simples.
— Simplesmente os fatos, senhora? Pensei que essa era minha linha. — jogou uma olhada às costas das pessoas que se afastavam em direção aos três carros estacionados juntos no caminho. Um por um, o Bentley de Rehv, um esportivo Honda e o Camry de cinco anos de Marie Terese arrancaram.
— Assim, onde está seu chefe? — murmurou Da Cruz — Esperava vê-lo aqui.
— É uma ave noturna.
— Ah.
— Olhe detetive, irei.
— Sério? — fez um amplo gesto abrangendo os arredores com o braço — No que? Ou é das que gostam de caminhar com este tempo?
— Estacionei em outro lugar.
— Sim? Não está pensando em ficar pelos arredores? Já sabe, para ver se há alguma chegada tardia.
— Agora, por que faria isso?
— Certamente, por quê?
Houve uma longa, longa, longa pausa, durante a qual Xhex permaneceu olhando fixamente a estátua que lhe recordava a Marie Terese.
— Quer me levar até meu carro, detetive?
— Sim, é obvio que sim.
O sedam sem marca era tão prático como o vestuário do detetive, mas, como o grosso casaco do homem, era quente, e assim como o que havia dentro das roupas do detetive, era poderoso, o motor grunhiu como algo que se encontraria sob a capota de um Corvette.
Da Cruz jogou uma olhada para trás e acelerou.
— Aonde vou?
— Ao clube, se não se importar.
— Foi onde deixou o carro?
— Trouxeram-me até aqui.
— Ah.
Enquanto Da Cruz conduzia ao longo do sinuoso caminho, ela olhou fixamente para fora, às lápides e por um breve momento pensou na quantidade de corpos que tinha abandonado.
Incluído ao de John Matthew.
Fazia o possível para não pensar no que tinham feito e na forma em que deixara esse corpo grande e duro dele totalmente esparramado sobre sua cama. A expressão de seus olhos ao vê-la atravessar a porta estava repleta de uma angústia que não podia permitir-se interiorizar. Não se tratava de que não lhe importasse uma merda, o problema era que lhe importava muito.
Esse era o motivo pelo qual teve que ir, e pelo qual não podia correr o risco de voltar a ficar a sós com ele outra vez. Já tinha passado por isso antes, e os resultados foram pior que trágicos.
— Está bem? — perguntou Da Cruz.
— Sim, estou bem, detetive. E você?
— Bem. Simplesmente bem. Obrigado por perguntar.
Frente a eles surgiram às portas do cemitério, as intricadas grades de ferro estavam totalmente abertas, uma a cada lado do caminho.
— Voltarei aqui. — disse Da Cruz enquanto freava e em seguida avançava pela rua além das portas — Porque penso que Grady aparecerá em algum momento. Tem que fazê-lo.
— Pois bem, a mim não verá.
— Não?
— Não. Pode contar com isso. — é que era muito boa escondendo-se.

Quando o telefone de Ehlena fez um bip em seu ouvido, teve que afastá-lo de sua cabeça.
— Que demôn… Oh. A bateria está acabando. Espera.
A profunda risada de Rehvenge provocou uma pausa em sua busca pelo cabo, só para poder ouvir até o último retumbar desse som.
— Ok! Já estou conectada. — voltou-se a acomodar contra os travesseiros — Agora, onde estávamos… Oh, sim. Sou eu quem tenho curiosidade, exatamente que tipo de homem de negócios é?
— Um com êxito.
— O que explica o guarda-roupa.
Ele riu de novo.
— Não, meu bom gosto explica o guarda-roupa.
— Bom então a parte do êxito é a que o paga.
— Bem, minha família é afortunada. Deixemos assim.
Deliberadamente se concentrou em seu edredom para não lembrar-se da puída habitação de teto baixo em que estava. Melhor ainda… Ehlena estendeu a mão e apagou a luz sobre as caixas de leite que tinha empilhado ao lado de sua cama.
— O que foi isso? — perguntou ele.
— A luz. Ah, acabo de apagá-la.
— Oh, muito mal, te mantive acordada muito tempo.
— Não, só... Queria estar às escuras, é tudo.
A voz de Rehv foi tão baixa que mal pôde ouvi-la.
— Por quê?
Sim, como se fosse lhe dizer que era porque não queria pensar onde vivia.
— Eu… Queria me pôr ainda mais cômoda.
— Ehlena. — o desejo tingiu seu tom, trocando o tenor da conversa de um flerte a… Um pouco muito sexual. E num instante, estava de volta em sua cama nesse apartamento de cobertura, nua, com a boca dele sobre sua pele.
— Ehlena...
— O que? — respondeu com voz rouca.
— Ainda está com o uniforme? O que te tirei?
— Sim. — a palavra foi mais suspiro que outra coisa, e foi muito mais que uma resposta à pergunta que fez. Sabia o que desejava, e ela também desejava.
— Os botões da frente... — murmurou — Abre um para mim?
— Sim.
Quando soltou o primeiro deles, ele disse:
— E outro.
— Sim.
Prosseguiram até que o uniforme esteve totalmente aberto na frente, e ela a sério se alegrou que as luzes estivessem apagadas… Não porque se sentisse envergonhada, mas porque assim lhe parecia que ele estava ali ao seu lado.
Rehvenge gemeu, e o ouviu lamber os lábios.
— Se estivesse aí, sabe o que estaria fazendo? Estaria percorrendo seus peitos com as pontas dos dedos. Encontraria um mamilo e faria círculos ao seu redor para que estivesse preparado.
Ela fez o que ele descrevia e ofegou quando tocou a si mesma. Logo se deu conta…
— Preparado para que?
Riu comprido e baixo.
— Quer me ouvir dizer isso, não?
— Sim.
— Preparado para minha boca, Ehlena. Recorda como se sente? Porque recordo exatamente como é seu sabor. Deixe o sutiã posto e se belisque para mim… Como se estivesse te chupando através de uma dessas suas preciosas taças de renda branca.
Ehlena apertou o polegar e o indicador, apanhando o mamilo entre os dois. O efeito foi menor que a sucção cálida e úmida dele, mas foi bom o bastante, especialmente com ele lhe dizendo que o fizesse. Repetiu o beliscão e se arqueou na cama, gemendo seu nome.
— Oh, Jesus... Ehlena.
— Agora... O que...? — enquanto soltava o ar pela boca, sentia pulsações entre as coxas, estava úmida, desesperada por fosse o que quer que fossem fazer.
— Queria estar aí contigo. — gemeu ele.
— Está comigo. Está.
— Outra vez. Aperta por mim. — enquanto se estremecia e gritava seu nome, foi rápido com a seguinte ordem — Suba a saia para mim. De forma que fique ao redor de sua cintura. Deixa o telefone e faça rápido. Estou impaciente.
Deixou cair o telefone sobre a cama e arrastou a saia sobre suas coxas até passar os quadris. Teve que apalpar ao redor de si para encontrar o telefone e rapidamente o pôs no ouvido.
— Alô?
— Deus, isso soou bem... Podia ouvir a roupa subindo por seu corpo. Quero que comece pelas coxas. Vá primeiro ali. Deixe postas as meias e se acaricie para cima.
As meias atuavam como um condutor de seu contato, amplificando a sensação assim como fazia a voz dele.
— Recorde-me fazendo isso. — lhe disse com uma voz velada — Recorde.
— Sim, Oh, sim...
Estava ofegando tão forte pela antecipação, que quase perdeu seu grunhido:
— Desejaria poder te cheirar.
— Mais acima? — perguntou.
— Não. — quando seu nome abandonou seus lábios em protesto, riu da forma em que fazia um amante, suave e quieto, uma risada que era tanto de satisfação como de promessa — Sobe pela parte exterior da coxa para o quadril e em seguida para as costas e volta a baixar.
Fez o que lhe pediu e enquanto se acariciava ele lhe falava:
— Adoraria estar contigo. Não posso esperar para ir ali outra vez. Sabe o que estou fazendo?
— O que?
— Lambendo meus lábios. Porque estou pensando em mim abrindo caminho a beijos por suas coxas para em seguida passar minha língua, para cima e para baixo pelo lugar onde morro por estar. — ela gemeu seu nome outra vez e foi recompensada — Vai ali abaixo, Ehlena. Por cima das meias. Vai onde eu gostaria de estar.
Quando o fez, sentiu através do fino náilon toda a paixão que tinham gerado, e seu sexo respondeu umedecendo-se ainda mais.
— Tire-as. — disse — As meias. Tire isso e mantenha contigo.
Ehlena deixou o telefone outra vez e, em sua pressa por tirar as meias, nem se preocupou que pudesse escorregar. Procurou tateando ao telefone, e apenas o teve ao alcance já estava perguntando o que seria o próximo.
— Desliza a mão sob as calcinhas. E me diga o que encontra.
Houve uma pausa.
— Oh, Deus... Estou úmida.
Esta vez quando Rehvenge gemeu, perguntou-se se teria uma ereção, tinha visto que era capaz de ter uma, mas em definitivo, a impotência não significava que não pudesse se pôr duro. Só significava que por alguma razão não podia gozar.
Jesus! Desejava poder lhe dar algumas ordens, umas que concordassem com qualquer nível sexual no qual podia funcionar. Só que não sabia até onde chegar.
— Se acaricie e pense que sou eu. — grunhiu — Que é minha mão.
Fez o que ele pediu e teve um forte orgasmo, esparramando-se por toda a cama, pronunciando seu nome em uma explosão tão silenciosa como possível.
— Tire as calcinhas.
Entendido! Pensou enquanto as puxava para baixar pelas coxas e atirar Deus sabia onde.
Voltou a deitar de costas, ansiando voltar a fazê-lo, quando ele disse:
— Pode segurar o telefone entre a orelha e o ombro?
— Sim. — ao caralho, se queria que se transformasse em um pretzel  de vampiro ela estaria de acordo com o plano.
— Pegue as meias com as duas mãos, as estenda bem tensas, em seguida as passe entre suas pernas da frente para trás.
Riu com um indício erótico, em seguida disse docemente:
— Quer que me esfregue contra elas, não?
A respiração dele foi como um disparo em seu ouvido.
— Porra, sim.
— Macho sujo.
— Um banho de sua língua poderia me limpar. O que te parece?
— Sim.
— Adoro essa palavra em seus lábios. — enquanto ria, disse — Então o que está esperando, Ehlena? Precisa dar um bom uso a essas meias.
Embalou o telefone celular no pescoço, encontrou uma boa posição para fazê-lo, e em seguida, sentindo-se como uma rameira e desfrutando, pegou as meias brancas, rodou até ficar de lado, e deslizou a parte de náilon entre as pernas.
— Devagar e com firmeza. — disse ele, ofegante.
Ela boqueou ante o contato, a dura e tensa corda se afundou em seu sexo, tocando todos os lugares corretos.
— Mova-se contra ela. — disse Rehvenge com satisfação — Deixe-me escutar o bem que se sente.
Ela fez exatamente isso, as meias se empaparam e se esquentaram igualando-se a seu núcleo. Continuou fazendo-o, cavalgando sobre as sensações e o fluir de suas palavras até que gozou uma e outra vez. Na escuridão, com os olhos fechados e a voz dele em seu ouvido, era quase tão bom como estar com ele.
Quando ficou frouxa, jogada de qualquer forma sobre a cama, com a respiração entrecortada e sentindo-se fenomenal, se aconchegou ao redor do telefone.
— É tão formosa. — disse baixinho.
— Só porque você me faz assim.
— Oh, está muito enganada sobre isso. — baixou a voz — Esta noite virá para ver-me mais cedo? Não posso esperar até as quatro.
— Sim.
— Bom.
— Quando?
— Estarei aqui com minha mãe e minha família até ao redor das dez. Vem depois dessa hora?
— Sim.
— Tenho essa reunião, mas teremos ao redor de uma hora de intimidade.
— Perfeito.
Houve uma longa pausa, uma que ela teve a perturbadora sensação que bem podia ter sido preenchida com um te quero de ambas as partes se tivessem tido coragem.
— Que durma bem. — suspirou ele.
— Você também, se puder. E, escute se não puder dormir, me ligue. Estou aqui.
— Farei. Prometo.
Houve outro tenso silêncio, como se cada um estivesse esperando que o outro desligasse primeiro.
Ehlena riu, apesar de que a idéia de lhe deixar doesse seu coração.
— Ok, ao três. Um. Dois…
— Espera.
— O que?
Não respondeu durante muito tempo.
— Não quero deixar o telefone.
Ela fechou os olhos.
— Sinto-me igual.
Rehvenge soltou um suspiro, lento e baixo.
— Obrigado. Por permanecer comigo.
A palavra que lhe veio à mente não tinha nenhum sentido, e não estava segura de por que a disse, mas o fez:
— Sempre.
— Se quiser, pode fechar os olhos e imaginar que estou a seu lado. Abraçando-te.
— Farei exatamente isso.
— Bem. Que durma bem. — foi ele quem cortou a comunicação.
Quando Ehlena afastou o telefone da orelha e apertou o botão de fim, o teclado se iluminou, emitindo uma luz azul brilhante. O aparelho estava quente pelo lugar onde o tinha segurado durante tanto tempo, e acariciou a tela plana com o polegar.
Sempre. Ela queria estar ali para ele sempre.
O teclado se obscureceu, a luz se extinguiu de um modo tão terminante que a aterrorizou. Mas ainda podia ligar para ele, não? Poderia parecer patética e necessitada, mas ele continuava no planeta embora não estivesse ao telefone.
A possibilidade de ligar para ele estava ali.
Deus, hoje sua mãe morreu. E de todas as pessoas em sua vida com a que podia ter passado as horas, tinha escolhido a ela.
Subindo os lençóis e a colcha por cima de suas pernas, Ehlena encolheu-se em posição fetal ao redor do telefone, embalou-o, e dormiu.


Capítulo 39


Matando tempo no puto rancho que decidiu usar como narco-casa, Lash sentava-se muito direito em uma cadeira na qual, em sua antiga vida, sequer teria permitido que seu rottweiller cagasse. A coisa era um Barcalounger[73], um pedaço de merda barato e com muito enchimento que infelizmente era tão cômodo como a merda.
Não era exatamente o trono ao que aspirava, mas sim um maldito bom lugar para estacionar seu traseiro.
A sala que se estendia atrás de seu notebook aberto, era de quatro por quatro e com uma decoração de acordo com os baixos ganhos que-não-podiam-permitir-se-situar, os braços dos sofás puídos, havia uma imagem de um descolorido Jesus Cristo que pendia inclinada e o tapete desbotado tinha manchas pequenas e arredondadas… Que pareciam sugerir xixi de gato.
O senhor D dormia com as costas apoiadas contra a porta principal, a pistola na mão e o chapéu de vaqueiro jogado sobre seus olhos. Outros dois lessers estavam sentados sob uma arcada que havia na sala, estavam apoiados um em cada pilastra e tinham as pernas estendidas.
Grady estava no sofá, com uma caixa aberta do Domino’s Pizza ao seu lado e unicamente o que se via sobre a cartolina branca eram manchas gordurentas e tiras de queijo que formavam um padrão parecido aos raios de uma roda. Comeu uma Migthy Meaty[74] extragrande sozinho e nesse momento lia um exemplar atrasado do Caldwell Courier Journal.
O fato de que o homem estivesse tão estranhamente relaxado fazia com que Lash tivesse vontade de fazer uma autópsia enquanto o FDP ainda respirava. Que demônios? O filho de Omega merecia um pouco mais de ansiedade de suas vítimas seqüestradas, o fodia muitíssimo.
Lash olhou seu relógio e decidiu dar a seus homens só meia hora mais de recarga. Hoje, tinham programadas outras duas reuniões com distribuidores de narcóticos, e essa noite seria a primeira vez que seus homens sairiam às ruas com o produto.
O que significava que teria que deixar esfriar até amanhã o assunto com o rei symphath… Lash ia fechar o trato, mas os interesses financeiros da Sociedade tinham preponderância.
Lash olhou por cima de um de seus lessers adormecido para a cozinha, onde uma longa mesa dobradiça estava estendida. Espalhadas ao longo de sua superfície laminada havia pequenas bolsinhas de plástico, do tipo que se dava quando comprava um par de brincos baratos no centro comercial. Umas tinham pó branco dentro, outras pequenas pedras marrons, outras continham pílulas. Os agentes diluentes que utilizaram como levedura em pó e talco, formava suaves pilhas, e os envoltórios de celofane em que vieram os quilogramas estavam atirados no chão.
Vá, merda. Grady pensava que valia aproximadamente duzentos e cinqüenta mil dólares e que, com quatro homens na rua, trocaria de mãos em aproximadamente dois dias.
A Lash agradava esses cálculos, e passou as últimas horas examinando seu plano de negócios. O acesso a mais mercadoria representaria um problema de abastecimento, não podia continuar com a rotina de aponta-e-dispara para sempre, porque ficaria sem pessoas a quem apontar. A questão era onde penetrar na cadeia do negócio: tinham os importadores estrangeiros como os sul-americanos, os japoneses ou os europeus; também havia atacadistas, como Rehvenge; e, em seguida havia uma maior quantidade de distribuidores em pequenas quantidades, que eram os tipos que Lash esteve eliminando. Considerando a dificuldade que seria chegar aos atacadistas e quanto tempo tomaria desenvolver uma relação com os importadores, o mais lógico seria se converter em produtor.
A geografia limitava suas opções, porque Caldwell tinha uma temporada de cultivos que duravam uns dez minutos, mas as drogas como o X e a meta-anfetamina não requeriam bom clima. E, como era de conhecimento público, na Internet podia-se conseguir instruções de como construir e fazer funcionar laboratórios de meta-anfetamina e fábricas de X. É obvio que o problema se apresentaria na hora de obter os ingredientes, porque nos estabelecimentos havia leis e mecanismos de seguimento para fiscalizar a venda de vários dos componentes químicos. Mas ele tinha o controle mental do seu lado. Ao ser os humanos tão facilmente manipuláveis, teria forma de tratar com esse tipo de problemas.
Enquanto contemplava a brilhante tela, decidiu que o seguinte grande trabalho do senhor D consistiria em estabelecer um par destas instalações de produção. A Sociedade Lessening possuía muitos bens imóveis; demônios, uma das chácaras seria perfeita. Prover o pessoal ia ser um problema, mas de todo modo já era hora de efetuar um recrutamento.
Enquanto o senhor D estivesse trabalhando para instaurar as fábricas, Lash abriria o caminho no mercado. Rehvenge tinha que desaparecer. Inclusive se a Sociedade distribuía unicamente X e meta-anfetamina, quanto menos distribuidores desses produtos houvesse, melhor, e isso significava tirar o atacadista que havia no topo… Embora como chegar a ele era um fodido quebra-cabeças. No ZeroSum estavam esses dois brutamontes e essa puta fêmea transexual, além disso suficiente câmaras de segurança e sistemas de alarme para equiparar-se ao Museu Metropolitano de Arte. Por outro lado, Rehv devia ser um filho da puta inteligente ou não teria durado tanto como o fazia. O clube estava aberto durante quanto? Cinco anos?
Um forte barulho de papel fez com que Lash voltasse a enfocar os olhos por cima de seu Dell[75]. Grady levantou abandonando a pouco elegante postura escancarada de quando esteve no sofá e empunhava o CCJ[76] dentro dos punhos fechados com tanta força que pareciam nós marinheiros e essa espécie de anel sem pedra que levava lhe incrustava na pele do dedo.
— O que acontece? — disse Lash arrastando as palavras — Leu que a pizza provoca que te suba o colesterol ou alguma merda assim?
Não era como se o mal-nascido fosse viver tempo suficiente para preocupar-se com suas artérias coronárias.
— Não é nada… Nada, não é nada.
Grady atirou o jornal a um lado e se jogou sobre as almofadas do sofá. Quando seu pouco interessante rosto empalideceu, levou uma mão ao coração, como se a coisa estivesse fazendo aeróbica dentro de seu tórax, e com a outra retirou o cabelo, que não necessitava nenhuma ajuda para afastar-se de sua frente.
— Que bobagem acontece com você?
Grady sacudiu a cabeça, fechou os olhos e moveu os lábios como se estivesse falando consigo mesmo.
Lash voltou a baixar o olhar para a tela de seu computador.
Ao menos o idiota estava aborrecido. Isso era bastante satisfatório.

Capitulo 40


À tarde seguinte, Rehv desceu com cuidado a escada curva do refúgio da família, guiando Havers de volta à porta principal que o médico da raça atravessou apenas quarenta minutos antes. Bella e a enfermeira que o assistiu também o seguiam. Ninguém falava, só se ouvia o som inusitadamente alto das pegadas sobre o amaciado tapete.
Enquanto caminhava, tudo o que podia cheirar era morte. O aroma das ervas rituais se mantinha no fundo de suas fossas nasais, como se a merda encontrasse refúgio do frio em seus seios, e se perguntava quanto tempo passaria antes que deixasse de captar seu odorzinho cada vez que inalasse.
Fazia com que um macho quisesse pegar um aplicador de jorro de areia, dirigi-lo ali acima e fazer uma boa limpeza abrasiva.
Para falar a verdade, sentia uma terrível necessidade de ar fresco, mas não se atrevia a mover-se mais rápido. Entre sua bengala e o corrimão esculpido, se dirigia bem, mas depois de ver sua mãe envolta em linho, não tinha somente o corpo intumescido, sua mente também estava. O último que precisava era terminar aterrissando sobre o traseiro no vestíbulo de mármore.
Rehv desceu o último degrau, trocou a bengala à mão direita, e virtualmente se equilibrou para abrir a porta. O vento frio que entrava era uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Sua temperatura interna desceu em ladeira, mas foi capaz de tomar um profundo e gelado fôlego que substituiu algo do que o atormentava com a aguda promessa de que cairia uma nevasca.
Clareando a garganta, estendeu a mão para o médico da raça.
— Tratou a minha mãe com incrível respeito. Agradeço, obrigado.
Atrás de seus óculos de tartaruga marinha, os olhos de Havers não demonstravam somente compaixão profissional, mas sim uma compaixão honesta, e estendeu a palma como um companheiro enfermo.
— Ela era muito especial. A raça perdeu uma de suas luzes espirituais.
Bella deu um passo adiante para abraçar o médico, e Rehv fez uma reverência ante a enfermeira que o assistiu sabendo que ela sem dúvida preferiria não ter que tocá-lo.
Enquanto o par saía pela porta principal para desmaterializar de volta à clínica, Rehv tomou um momento para contemplar a noite. Definitivamente ia nevar de novo, e esta vez não seria somente essa espécie de pozinho da noite anterior.
Perguntou-se se sua mãe teria visto as nevascas na tarde anterior. Ou, se teria perdido o que provou ser sua última oportunidade de ver os delicados cristais milagrosos que caíam à deriva do céu?
Deus, ninguém tinha uma infinita quantidade de noites. Nenhuma inumerável multidão de rajadas de neve para ver.
Sua mãe adorava as nevascas. Cada vez que se apresentavam, ia à sala, acendia as luzes do exterior, apagava as de dentro, e se sentava ali olhando para fora, de noite. Enquanto seguisse caindo, ficava ali. Podia passar horas.
O que ela veria, perguntou-se. Na neve que caía, o que teria visto? Nunca perguntou.
Cristo, por que as coisas tinham que acabar.
Rehv fechou a porta, deixando o espetáculo invernal fora e se reclinou contra seus sólidos painéis de madeira. Ante ele, debaixo do lustre que havia no alto, estava sua irmã, chorosa e apática, embalando sua filha nos braços.
Desde o falecimento, não soltara Nalla, mas à pequena não importava. A filha estava adormecida nos braços de sua mãe, sua fronte estava franzida pela concentração, como se estivesse crescendo tão rápido, que sequer quando estava em repouso se permitia um descanso.
— Costumava te apertar dessa maneira. — disse Rehv — E você estava acostumada a dormir assim. Tão profundamente.
— Fazia-o? — Bella sorriu e esfregou as costas de Nalla
O body daquela noite era branco e negro com um logotipo da excursão do AC/DC AO VIVO e Rehv não pôde evitar sorrir. Não o surpreendia absolutamente que sua irmã tivesse descartado toda a merda brega de patinhos-e-coelhinhos favorecendo um vestuário de recém-nascida que era definitivamente impressionante. E bendita fosse. Se alguma vez chegasse a ter um filho...
Rehv franziu o cenho e pôs freio a esses pensamentos.
— O que aconteceu? — perguntou sua irmã
— Nada. — além de que pela primeira vez em sua vida tinha pensado em ter descendência.
Possivelmente fosse pela morte de sua mãe.
Possivelmente fosse pela Ehlena, apontou outra parte dele.
— Quer comer algo? — disse — Antes que Z e você empreendam a volta?
Bella levantou a vista para as escadas, de onde baixava flutuando o som de uma ducha.
— Gostaria.
Rehv pôs uma mão sobre seu ombro e caminharam juntos por um vestíbulo adornado com paisagens emolduradas, e através de um refeitório com paredes da cor do Merlot. A cozinha contrastava com o resto da casa, pois era muito singela centrando-se na funcionalidade, mas havia uma mesa muito agradável a qual sentar-se, e ali em uma das cadeiras com respaldo alto e braço acomodou sua irmã e à pequena.
— O que gostaria? —perguntou, indo para a geladeira.
— Têm cereais?
Ele se dirigiu ao armário onde se armazenavam as bolachas e as conservas, esperando que... Sim, Frosted Flakes[77]. Havia uma grande caixa de Frosted Flakes lado a lado com um pacote de biscoitinhos salgados Kleeber Clube e uns crótons do Pepperidge Farm.
Ao tirar os cereais, girou a caixa para que visse a frente e olhou o Tony, o Tigre.
Repassando as linhas do desenho com a ponta do dedo, disse brandamente:
— Você ainda gosta dos Frosted Flakes?
— Oh, absolutamente. São meus favoritos.
— Bem. Isso me faz feliz.
Bella riu um pouco.
— Por quê?
— Não se… Lembra? — deteve a si mesmo — Entretanto, por que o faria?
— Recordar o que?
— Foi faz muito tempo. Observei você quando os comia e… Simplesmente era agradável, isso é tudo. A forma em que os desfrutava. Eu gostava da forma em que os desfrutava.
Pegou uma terrina, uma colher e o leite desnatado, foi com o lote até onde estava sua irmã e fazendo um pequeno lugar dispôs tudo frente a ela.
Enquanto ela trocava de lugar à pequena para ter a mão direita livre para usar a colher, ele abriu a caixa e o fino saco de plástico e começou a servi-los.
— Diga-me quando estiver bom. — disse.
O som dos cereais golpeando a terrina, esse pequeno som de chapinhar, falava de uma vida cotidiana normal e era muito forte. Como aqueles passos descendo a escada. Era como se ao silenciar o batimento do coração de sua mãe tivesse subido o volume do resto do mundo até que sentiu que necessitava abafadores para os ouvidos.
— Pare. — disse Bella.
Ele trocou a caixa de cereais pela caixa de leite Hood e derrubou um rio branco sobre os cereais.
— Uma vez mais, com sentimento.
— Pare.
Rehv se sentou enquanto fechava a tampa e soube que não devia lhe perguntar se queria que ele carregasse Nalla. Embora incômodo para comer, ela não soltaria essa menina durante um bom momento e estava bem. Mais que bem. Ver como se consolava com a próxima geração contribuiu um pouco para dar consolo a ele
— Mmm. — murmurou Bella com o primeiro bocado.
No silêncio que surgiu entre eles, Rehv se permitiu relembrar outra cozinha, em outro tempo, muito anterior, quando sua irmã era muito mais jovem e ele muitíssimo menos corrupto. Recordou uma terrina de Tony em particular que era melhor ela não recordar, aquela que após ter terminado, ainda seguia tendo vontade de comer mais, e teve de lutar contra tudo o que aquele bastardo de seu pai lhe tinha ensinado a respeito das fêmeas que deviam ser magras e que nunca repetiam. Quando cruzou a cozinha da antiga casa e logo retornou a sua cadeira levando a caixa de cereais, Rehv aclamou silenciosamente e quando começou a servir-se outra porção… Começou a chorar lágrimas de sangue pelo que teve que desculpar-se dizendo que ia ao quarto de banho.
Tinha assassinado ao pai dela por duas razões: sua mãe e Bella.
Uma de suas recompensas foi à tentativa de liberdade de Bella ao comer mais quando sentia fome. A outra foi saber que não haveria mais contusões no rosto de sua mãe.
Perguntava-se o que teria Bella pensado se soubesse o que ele tinha feito. O odiaria? Possivelmente. Não estava seguro de quanto recordava a respeito de todos os maus tratos, especialmente os que foram feito a sua mahmen.
— Está bem? — perguntou ela repentinamente.
Ele passou a mão por seu topete.
— Sim.
— Pode ser difícil de interpretar. — dedicou-lhe um pequeno sorriso, como se quisesse estar segura de que não havia ironia em suas palavras — Nunca sei se está bem.
— Estou.
Ela passeou a vista pela cozinha.
— Que fará com esta casa?
— Vou conservá-la, ao menos durante outros seis meses. Comprei de um humano, faz um ano e meio e preciso agüentá-la um pouco mais ou vão me ferrar nos lucros de capital.
— Sempre foi bom com o dinheiro. — inclinou-se para levar outra colherada à boca — Posso te perguntar algo?
— Claro.
— Tem alguém?
— Alguém como?
— Já sabe… Uma fêmea. Ou um macho.
— Acredita que sou gay? — enquanto ria, ela ficou de um vermelho escarlate, e ele desejou abraçá-la com todas as suas forças.
— Bom Rehvenge, se for não há problema. — disse, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça que o fez sentir como se lhe tivesse estendido a mão para consolá-lo — Quero dizer, você nunca apresentou nenhuma fêmea, jamais. E, não quero pressupor... Que você... Ah... Bem, em certo momento do dia fui ao seu quarto para ver como estava e te escutei falando com alguém. Não é que estivesse escutando às escondidas... Não estava... Oh, merda.
— Está bem. — sorriu abertamente e então se deu conta que não havia uma resposta simples para sua pergunta. Ao menos, no que referia a se tinha a alguém.
Ehlena era... O que era?
Franziu o cenho. A resposta que vinha a sua mente afundava profundamente nele. Muito profundamente. E dada à superestrutura de mentiras sobre a qual estava construída sua vida, não estava seguro que esse tipo de prospecção fosse uma idéia acertada: porra, sua montanha de carvão já estava suficientemente instável para permitir que houvesse ocos que impregnassem tão fundo sob a superfície.
Bella baixou a colher lentamente.
— Meu Deus... Tem alguém, verdade?
Ele se obrigou a responder de forma que a quantidade de complicações diminuíram. Embora isso fosse como tirar só uma parte de lixo da pilha.
— Não, não tenho. — jogou uma olhada a sua terrina — Quer mais?
Ela sorriu.
— Sim. — enquanto a servia, disse — Sabe, a segunda terrina sempre é a melhor.
— Não poderia estar mais de acordo.
Bella empurrou os cereais para baixo com o dorso de sua colher.
— Amo você, irmão meu.
— E eu a você, irmã minha. Sempre.
— Acredito que mahmen está no Fade nos cuidando. Não sei se acredita nesse tipo de coisas, mas ela o fazia, e depois do nascimento de Nalla também cheguei a acreditar.
Era consciente de que quase perderam Bella na mesa de parto, e se perguntava o que ela teria visto nesses momentos, quando sua alma não estava nem aqui nem ali. Nunca tinha pensado muito sobre onde se terminava, mas estava disposto a apostar que ela tinha razão. Se alguém podia velar por seus descendentes do Fade, essa seria sua encantadora e piedosa mãe.
Isso lhe proporcionava consolo e um propósito.
Ali acima, sua mãe nunca teria que preocupar-se com o que a tinha preocupado. Não pelo que a ele concernia.
— Oh, olhe, está nevando. — disse Bella
Olhou através da janela. Iluminados pela luz das luzes de gás que havia ao longo da entrada para carros, os pequenos pontos brancos caíam à deriva.
— Ela teria amado isto. — murmurou ele.
— Mahmen?
— Lembra como costumava sentar-se em uma cadeira para contemplar os flocos caírem?
— Não os observava cair.
Rehv franziu o cenho e a olhou do outro lado da mesa.
— Com certeza que sim. Durante horas, ela…
Bella negou com a cabeça
— Gostava do aspecto que tinham depois de cair.
— Como sabe?
— Perguntei uma vez. Já sabe, por que se sentava e ficava olhando para fora durante tanto tempo. — Bella reacomodou Nalla em seus braços e com uma mão alisou as mechinhas de cabelo de sua menina — Disse que era porque quando a neve cobria a terra, os ramos e os telhados, lembrava-se de quando estava no Outro Lado com as Escolhidas, onde tudo estava bem. Disse... Que depois que a neve caía, ela se via restituída a sua vida antes da queda. Nunca entendi o que queria dizer com isso, e ela nunca me explicou isso.
Rehv voltou a olhar através da janela. À velocidade que estavam caindo os flocos, passaria um tempo antes que a paisagem ficasse branca.
Não era de estranhar que sua mãe permanecesse horas olhando para fora.

Wrath despertou na escuridão, mas de uma forma deliciosa, familiar e feliz. Sua cabeça estava sobre seu próprio travesseiro, suas costas contra seu próprio colchão, as mantas até seu queixo, e o aroma de sua shellan profundamente em seu nariz.
Dormiu felizmente durante um comprido tempo, podia afirmar pelo muito que precisava esticar-se. E sua dor de cabeça se foi. Ido... Deus, esteve vivendo com a dor durante tanto tempo, que era somente em sua ausência quando se dava conta de quão ruim se tornou.
Esticando todo o corpo, esticou os músculos das pernas e braços até fazer ranger os ombros e endireitar sua coluna, seu corpo se sentiu glorioso.
Dando a volta, encontrou Beth com o braço, e deslizando-o ao redor de sua cintura a capturou por atrás e se curvou ao redor dela de maneira a poder enterrar o rosto no suave cabelo de sua nuca. Ela sempre dormia sobre o lado direito, e o tema de adotar a posição de colheres paralelas era assunto dele... Gostava de rodear o corpo menor dela com o seu que era muito mais comprido porque o fazia sentir que era o suficientemente forte para protegê-la.
Entretanto, manteve os quadris separados dela. Seu pênis estava rígido e cheio de eu-desejo, mas se sentia agradecido somente por poder se deitar com ela... E não tinha intenção de arruinar o momento fazendo-a sentir incomoda.
— Mmm. — disse ela, acariciando seu braço — Está acordado.
— Estou. — e mais que isso.
Armou-se uma confusão enquanto ela dava a volta, movendo-se dentro de seu abraço até que esteve de frente.
— Dormiu bem?
— Oh, sim.
Quando sentiu um ligeiro puxão de cabelo, soube que estava brincando com as pontas frisadas, e se alegrou de mantê-lo tão longo como o tinha. Inclusive embora tivesse que prender a pesada massa negra na parte de atrás da cabeça quando saía para lutar, e que a merda demorava eternidades para secar-se — tanto, de fato, que tinha que usar um secador, o que era muito fodidamente efeminado para acreditar — Beth amava a coisa. Podia lembrar as muitas vezes que ela o tinha desdobrado em leque sobre seus seios nus...
Bom, desacelerar esse trem seria uma muito boa idéia. Se continuasse com esse tipo de coisas teria que montá-la ou perder sua condenada mente.
— Adoro seu cabelo, Wrath. — na escuridão, sua voz baixa era como o toque de seus dedos, delicada e devastadora.
— Eu adoro quando coloca suas mãos sobre ele. — replicou, com a voz rouca — Entre o meio dele, de qualquer forma que você goste de tocá-lo.
Estiveram só Deus sabia quanto tempo ali deitados lado a lado, encarando um ao outro, os dedos dela retorcendo e enroscando as densas ondas.
— Obrigada, — disse ela baixinho — por me contar sobre esta noite.
— Teria preferido ter boas notícias para te contar.
— Mesmo assim me alegra que me conte. Prefiro saber.
Encontrou seu rosto para comprovar, e enquanto deslizava os dedos sobre as bochechas, o nariz até os lábios, via-a com as mãos e a conhecia com o coração.
— Wrath... — ela colocou a mão sobre sua ereção.
— Oh, caralho... — esticando a parte baixa das costas impulsionou os quadris para frente.
Ela riu baixinho.
— Sua linguagem amorosa faria com que um caminhoneiro se sentisse orgulhoso.
— Sinto muito, eu… — a respiração se prendeu na garganta quando ela o acariciou por cima dos boxer que pôs em atenção a seu pudor — Caralh... Quero dizer...
— Não, eu gosto. É muito você.
A fez rodar e montou sobre seus quadris... Sagrada merda. Sabia que veio para cama com uma camisola de flanela, mas onde quer que estivesse, não estava cobrindo as pernas, porque seu doce e quente centro se esfregou contra seu pênis.
Wrath grunhiu, e perdeu o controle. Com um súbito impulso, atirou-a de costas, baixou os Calvin Klein que raramente usava, por suas coxas, e se introduziu nela. Quando ela gritou e arranhou suas costas com as unhas, lhe alargaram as presas completamente e começaram a palpitar.
— Preciso de você. — disse — Necessito isso.
— Eu também.
Não economizou nada de seu poder, mas em definitivo, gostava assim algumas vezes, cru, selvagem, que o corpo dele marcasse o seu com dureza.
O rugido que lançou quando se introduziu nela sacudiu o óleo que pendia sobre a cama e fez repicar os frascos de perfume que estavam na penteadeira e continuou movendo-se em seu interior, mais besta que amante civilizado. Mas, quando seu aroma começou a encher seu nariz, soube que o desejava exatamente como era... Cada vez que chegava ao orgasmo, ela fazia com ele, seu sexo apertava e puxava o dele, o mantendo profundamente em seu interior.
Com uma ordem ofegante, disse-lhe:
— Toma minha veia…
Ele vaiou como um predador, foi em busca de seu pescoço e a mordeu com força.
O corpo de Beth se sacudiu abaixo do dele, e entre seus quadris sentiu que brotava uma calidez que não tinha nada a ver com o que tinha deixado em seu interior. Em sua boca, o sangue dela era o presente da vida, sentia-o espesso na língua e descendo por sua garganta, enchendo o ventre com um forno quente que iluminava sua carne de dentro para fora.
Enquanto bebia, seus quadris tomaram o comando, agradando a ela, sentindo prazer em si mesmo, quando esteve satisfeito, lambeu as marcas da dentada, e voltou a ocupar-se dela, esticando-se para baixo levantou uma de suas pernas para poder entrar ainda mais profundamente enquanto golpeava com força. Quando em uma das investidas voltou a gozar, segurou-lhe a nuca com a palma da mão e aproximou seus lábios a sua garganta.
Mas não teve oportunidade de expressar uma ordem. Ela o mordeu, e no momento em que suas agudas pontas ferroaram sua pele sentiu a doce chicotada da dor e teve um novo orgasmo, um que foi mais brutal que todos os outros. Saber que possuía o que ela necessitava e desejava, que ela vivia do que pulsava ao longo de suas veias, era fodidamente erótico.
Quando sua shellan acabou e fechou as feridas as lambendo, ele rodou sobre suas costas mantendo-os unidos, com a esperança de que...
Oh, sim, fizeram um bom uso dela montando-o. Enquanto ela tomava o comando, ele levantou as palmas de suas mãos para seus peitos e se deu conta que ainda tinha a camisola posta, de maneira que a tirou pela cabeça e atirou a quem-demônios-lhe-importava-onde. Encontrando seus peitos novamente, sopesou-os e estavam tão pesados e abundantes em suas palmas que não pôde evitar arquear para cima e tomar um de seus mamilos na boca. Sugou enquanto ela bombeava por ambos até que se fez muito difícil manter a conexão e teve que deixar cair seu torso sobre a cama.
Beth gritou, e em seguida ele o fez, e então ambos chegaram juntos ao clímax. Depois ela se derrubou junto a ele e permaneceram um ao lado do outro, ofegando.
— Isso foi incrível. — ofegou ela.
— Fodidamente incrível.
Ele tateou ao seu redor na escuridão, até que encontrou sua mão, e ficaram assim unidos durante um momento.
— Tenho fome. — disse ela.
— Eu também.
— Bem, deixa que vá procurar algo para os dois.
— Não quero que vá. — disse puxando sua mão, atraindo-a para ele, e beijando-a — É a melhor fêmea que um macho poderia chegar a ter jamais.
— Também te amo.
Como se estivessem sincronizados, seus estômagos rugiram ao mesmo tempo.
— De acordo, possivelmente sim seja hora de comer. — enquanto riam juntos, Wrath soltou sua shellan — Espera, me deixe acender a luz para que possa encontrar a camisola.
Imediatamente soube que algo andava mal. Beth deixou de rir e ficou absolutamente paralisada.
— Leelan? Está bem? Fiz-te mal? — oh, Deus... Tinha sido tão bruto — Eu sinto...
Interrompeu-o com voz estrangulada.
— Minha luz já está acesa, Wrath. Antes que despertasse, eu estava lendo.

 

CONTINUA

Capítulo 30


John disse ao Qhuinn e ao Blay que ficaria em seu quarto o resto da noite, e quando esteve seguro de que engoliram a mentira, escapuliu para o exterior através dos quartos do pessoal da casa, e se dirigiu diretamente ao ZeroSum.
Tinha que se mover rápido, porque certo como a merda que um dos dois iria vê-lo e então formariam uma condenada busca.
Evitando a entrada principal do clube, rodeou-o e foi ao beco onde uma vez viu como Xhex rompia a cabeça de um imbecil que tinha uma boca grande e um punhado de coca. Encontrando a câmera de segurança que havia em cima da saída lateral, John levantou a cabeça e olhou para a lente.
Quando a porta se abriu, não teve nem que olhar para saber que era ela.
— Quer entrar? — disse.
Ele sacudiu a cabeça, e dessa vez não o preocupou a barreira da comunicação. Merda, não sabia o que dizer. Não sabia por que estava ali. Só sabia que tinha que ir.
Xhex saiu do clube e apoiou as costas contra a porta, cruzando uma bota com ponta de aço sobre a outra.
— Contou a alguém?
Ele a olhou nos olhos serenamente e sacudiu a cabeça.
— Vai fazê-lo?
Voltou a sacudir a cabeça.
Com um tom suave, um que nunca escutou dela nem esperou, sussurrou-lhe:
— Por quê?
Ele simplesmente se encolheu de ombros. Francamente, surpreendia-o que não tivesse tratado de tirar suas lembranças. Era mais certo. Mais limpo...
— Deveria ter tirado suas lembranças. — disse, fazendo com que se perguntasse se estava lendo sua mente — A noite passada estava fodida da cabeça, e foi tão rápido que não o fiz. Naturalmente, agora seria um longo passo, assim...
Deu-se conta que era por isso que tinha vindo. Queria assegurar que se manteria calado.
A partida de Thor fortalecera a decisão. Quando John foi falar com o Irmão e confrontou que o macho tinha desaparecido de novo, sem dizer nenhuma palavra outra vez, algo mudou em seu interior, como uma rocha sendo transladada de um lado a outro dentro de seu jardim, uma mudança permanente na paisagem.
John estava sozinho. E, portanto, suas decisões eram dele. Respeitava Wrath e à Irmandade, mas não era um irmão e talvez nunca fosse. Claro, era um vampiro, mas tinha passado a maior parte de sua vida separado da raça, por isso a repulsão pelos symphath era algo que nunca compreendeu de todo. Sociopatas? Demônios, quanto ao que lhe concernia, essa merda começava em casa, com o comportamento que tiveram Zsadist e V antes de emparelhar-se.
John não ia entregar Xhex ao rei para que fosse deportada à colônia. De maneira nenhuma.
Agora a voz dela se voltou áspera:
— Então, o que quer?
Dado o tipo de gente de baixa índole, oportunista e desesperada com que ela tratava noite após noite, não estava nada surpreso pela pergunta.
Sustentando seu olhar, sacudiu a cabeça e realizou um movimento de corte sobre sua garganta.
Nada, vocalizou.
Xhex o olhou com seus frios olhos cinza, e a sentiu meter-se em sua cabeça, percebendo o impulso contra seus pensamentos. Deixou-a explorar para que visse qual era sua posição, porque isso, mais que qualquer palavra que pudesse pronunciar, daria-lhe a maior tranqüilidade.
— John Matthew, é um em um milhão. — disse em voz baixa — A maioria das pessoas se aproveitaria disto como a merda. Especialmente dado o tipo de vícios que posso te prover aqui no clube.
Ele se encolheu de ombros.
— Então, para onde se dirigia esta noite? E onde estão seus companheiros?
Ele sacudiu a cabeça.
— Quer falar sobre o Thor? — quando os olhos dele dispararam para os dela, disse-lhe — Sinto, mas está em sua mente.
Quando John sacudiu a cabeça outra vez, algo lhe tocou a bochecha e olhou para cima. Estava começando a nevar, flocos pequenos e diminutos formando redemoinhos no vento.
— A primeira nevada do ano. — disse Xhex, afastando-se da porta — E você sem casaco.
Ele olhou para baixo e se deu conta que tudo o que tinha vestido era um jeans e uma camiseta Nerdz. Ao menos se lembrou de calçar sapatos.
Xhex meteu a mão no bolso e a estendeu com algo dentro. Uma chave. Uma pequena chave de metal.
— Sei que não quer ir para casa, e tenho um lugar perto daqui. É seguro e subterrâneo. Se quiser vai ali, fica todo o tempo que necessite. Obtém a privacidade que busca até que ordene toda essa merda.
Estava a ponto de sacudir a cabeça para se negar quando lhe disse na Antiga Língua:
— Deixe-me te compensar desta maneira.
Ele pegou a chave sem roçar sua mão e vocalizou: Obrigado.
Depois que lhe deu o endereço, deixou-a nesse beco com a neve flutuando para baixo do céu noturno. Quando chegou à Rua Trade, olhou sobre seu ombro. Ainda estava ao lado da porta lateral, observando-o com os braços cruzados e as botas plantadas firmemente no chão.
Os delicados flocos que aterrissavam em seu cabelo curto e escuro, e em seus ombros nus e fortes, não a suavizavam nem um pouco. Não era um anjo lhe fazendo um favor por uma simples razão. Era enigmática, perigosa e imprevisível.
E ele a amava.
John a saudou com a mão e dobrou a esquina, unindo-se a um desfile de humanos agasalhados que caminhavam rapidamente de bar em bar.

Xhex permaneceu onde estava inclusive depois que o corpo grande de John desapareceu de vista.
Um em um milhão, pensou uma vez mais. Esse menino era um em um milhão.
Enquanto voltava a entrar no clube, soube que era questão de tempo antes que seus dois amigos, ou talvez os membros da Irmandade, aparecessem tratando de encontrá-lo. Sua resposta ia ser que não o tinha visto e não tinha idéia de onde estava.
Ponto.
Ele a protegia, ela o protegia.
Isso era tudo.
Estava saindo da seção VIP quando seu auricular soou. Depois que seu segurança deixou de falar, amaldiçoou e levantou seu relógio para falar pelo rádio.
— Levem-no a meu escritório.
Após assegurar-se de que o andar estava livre de garotas trabalhadoras, entrou na parte do clube para o público em geral, e observou enquanto o Detetive da Cruz era guiado através da multidão de usuários.
— Sim, Qhuinn? — disse sem voltar-se.
— Cristo, deve ter olhos nas costas.
Olhou-o por cima de seu ombro.
— E você mantém isso em mente.
O ahstrux nohstrum de John era o tipo de macho com que a maioria das fêmeas queria transar. E muitos machos, também. Fazia que o negro-sobre-negro se visse espetacular, como sua camisa Affliction[57] sob a jaqueta de motoqueiro, mas seu estilo passava por todos os lados. O cinto era Grommet[58] e as barras do jeans desgastado que levava, ganhava-os do The Cure[59]. O cabelo negro aparado, o piercing no lábio e os sete brincos negros que subiam ao longo de sua orelha esquerda eram emo. As New Rocks[60] com plataformas de dez centímetros eram Góticas. As tatuagens na nuca eram Hart & Huntington[61].
E quanto às armas ocultas que sabia malditamente bem que tinha guardadas sob os braços? Eram autenticamente ao estilo Rambo, e esses punhos que penduravam em seus lados? Eram absolutamente do AMC[62].
O pacote inteiro, sem importar a procedência dos componentes, era sensual, e pelo que tinha visto no clube até pouco tempo ele dava capital importância a seu atrativo. Até o ponto em que os banheiros privados do fundo foram como o escritório de sua casa.
Entretanto, depois de ter sido promovido a guarda pessoal do John, havia diminuído o ritmo.
— O que ocorre? — disse ela.
— John esteve aqui?
— Não.
Qhuinn entrecerrou seus olhos desiguais.
— Não o viu para nada?
— Não.
Enquanto o tipo a olhava fixamente, sabia que não estava captando nada. A mentira vinha em segundo lugar depois do assassinato em sua lista de habilidades.
— Maldito seja. — murmurou, passeando o olhar pelo clube.
— Se o vir, direi que o está procurando.
— Obrigado. — voltou a se enfocar nela — Escuta, não sei que merda aconteceu entre vocês dois, e não é assunto meu...
Xhex revirou os olhos.
— O que explica claramente por que o está mencionando agora.
— É um bom macho. Só mantém isso em mente, está bem? — o olhar verde e azul de Qhuinn estava cheio de um tipo de clareza que só uma vida verdadeiramente dura daria a um macho — A muitas pessoas não cairia bem que o derrubassem sobre o traseiro. Especialmente a mim.
No silêncio que seguiu, teve que dar crédito ao Qhuinn: a maioria das pessoas não tinha os ovos para enfrentá-la e a ameaça subjacente nessas desapaixonadas palavras era óbvia.
— Qhuinn, é boa gente, sabe. É um bom amigo.
Bateu-lhe no ombro, e logo se dirigiu para seu escritório pensando que o rei tinha feito uma escolha inteligente com o ahstrux nohstrum de John. Qhuinn era um pervertido filho da puta, mas um autêntico assassino, e a alegrava que fosse o que vigiava ao seu macho.
Que vigiasse o John Matthew, quis dizer.
Porque não era seu macho. No mais mínimo.
Quando chegou a sua porta, abriu-a sem excitação.
— Boa noite, Detetive.
José da Cruz ostentava outro terno de duas peças barato, e ele, seu terno e o casaco que levava em cima se viam igualmente cansados.
— Boa noite. — respondeu.
— O que posso fazer por você? — sentou-se atrás da escrivaninha e lhe fez um sinal para que se sentasse na cadeira que utilizara a última vez.
Ele foi direto ao assunto:
— Pode me dizer onde esteve ontem tarde da noite?
Não completamente, pensou. Porque a uma em ponto estava matando a um vampiro, e isso não era de sua incumbência.
— Estive aqui no clube por quê?
— Tem algum empregado que possa confirmá-lo?
— Sim. Pode falar com iAm ou com qualquer um de meu pessoal. Sempre que me diga que diabos está acontecendo.
— Ontem à noite encontramos um objeto de vestir pertencente a Grady na cena de um crime.
Oh, caramba, se alguém mais tinha assassinado a esse filho da puta, ela estaria de saco cheio.
— Mas não seu corpo?
— Não. Era uma jaqueta com uma águia nas costas, a qual era a marca dele. Era como sua assinatura, ao que parece.
— Interessante. Então por que está me perguntando onde estava?
— A jaqueta tinha salpicaduras de sangue. Não estamos certos se eram dele ou não, mas saberemos amanhã.
— Volto a repetir, por que queria saber onde estive?
Da Cruz plantou suas palmas na escrivaninha e se inclinou para frente, seus olhos marrom chocolate estavam malditamente sérios.
— Porque tenho o pressentimento de que gostaria de vê-lo morto.
— É certo que não gosto dos homens abusivos. Mas tudo o que tem é sua jaqueta, não há corpo, e se por acaso fosse pouco, estive aqui ontem à noite. Por isso se alguém o liquidou, não fui eu.
Ele se endireitou.
— Vão fazer um funeral para Chrissy?
— Sim, amanhã. O aviso saiu no jornal de hoje. Ela podia não ter muitos familiares, mas era muito apreciada na Rua Trade. Aqui somos uma grande família feliz. — sorriu Xhex — Detetive, vai usar um bracelete negro por ela?
— Estou convidado?
— É um país livre. E iria de toda forma, verdade?
Da Cruz sorriu genuinamente, e seus olhos perderam a maior parte de sua agressividade.
— Sim, o faria. Incomoda-se se verifico os seus álibis? E tomo declarações?
— Não, nem um pouco. Chamarei-os agora mesmo.
Enquanto Xhex falava por seu relógio, o detetive passeou a vista pelo escritório, e quando ela deixou cair o braço, disse-lhe:
— A decoração não a atrai muito.
— Gosto que as coisas se limitem ao que necessito e nada mais.
— Mmm. Minha esposa gosta de decoração. Tem o dom de fazer que os lugares pareçam acolhedores. É agradável.
— Soa como uma boa mulher.
— Oh, e é. Além disso, faz o melhor queso[63] que alguma vez provei. — disse enquanto lhe dava uma olhada — Sabe, escutei muitas coisas a respeito deste clube.
— Sim?
— Sim. Particularmente sobre Vícios.
— Ah.
— E fiz os deveres quanto ao Grady. Foi detido no verão por um delito agravado de posse de drogas. O caso ainda está pendente.
— Bem, sei que ele será levado ante a justiça.
— Foi despedido deste clube um pouco antes dessa detenção, verdade?
— Por desviar recursos do bar.
— E, entretanto, não apresentaram queixa?
— Se chamasse à polícia cada vez que um de meus empregados levanta uns verdes, teria a vocês meninos, na discagem rápida.
— Mas escutei que essa não era a única razão pela que o tinham despedido.
— Sério?
— A Rua Trade, como você disse, é sua própria família… Mas isso não significa que não haja falatórios. E as pessoas me disseram que foi despedido porque estava traficando aqui no clube.
— Bem, isso é compreensível, verdade? Nunca permitiríamos que alguém traficasse em nossa propriedade.
— Porque é o território de seu chefe e ele não aprecia a concorrência.
Ela sorriu.
— Detetive, aqui não há concorrência.
E isso era verdade. Rehvenge era o macho alfa. Ponto. Qualquer limpa cú barato que tratasse de passar pequenas quantidades sob o teto do clube, era quebrado. Duramente.
— Se for honesto, não estou seguro de como o fazem. — murmurou da Cruz — Durante anos houve especulações a respeito deste lugar, e, entretanto, ninguém foi capaz de obter uma causa provável para pedir uma ordem de averiguação.
E isso acontecia porque as mentes humanas, inclusive as conectadas nos ombros dos policiais, eram facilmente manipuláveis. Algo visto ou falado podia ser apagado em um instante.
— Nada sombrio ocorre aqui. — disse ela — Assim é como o fazemos.
— Seu chefe está por aqui?
— Não, esta noite não.
— Então confia em você para dirigir seu negócio enquanto não está.
— Como eu, ele nunca vai por muito tempo.
Da Cruz assentiu.
— Boa política. Falando do tema, não sei se terá escutado, mas parece haver uma guerra de territórios em marcha.
— Guerra de território? Pensei que as duas partes de Caldwell estavam em paz uma com a outra. O rio já não é uma divisão.
— Guerra de território por drogas.
— Não sei nada sobre isso.
— É meu outro caso. Encontramos dois traficantes mortos junto ao rio.
Xhex franziu o cenho, pensando que a surpreendia não ter se informado disso ainda.
— Bom, as drogas são um negócio duro.
— Dispararam a ambos na cabeça.
— Isso o obteria.
— Ricky Martínez e Isaac Rush. Conhece-os?
— Escutei sobre eles, mas ambos apareceram nos jornais. — disse enquanto punha uma mão na cópia do CCJ que estava cuidadosamente empilhado em sua escrivaninha — E sou uma grande leitora.
— Então viu o artigo sobre eles que saiu hoje.
— Ainda não, mas estava a ponto de tomar um descanso. Tenho que ter minha dose diária de Dilbert[64].
— É esse sobre a escrivaninha? Durante anos fui fã de Calvin e Hobbes[65]. Odiei que acabasse e na realidade não me entretive com nenhuma das novas. Suponho que fiquei no tempo.
— Gosta do que gosta. Não há nada mau nisso.
— É o que minha esposa diz. — os olhos de Da Cruz vagaram novamente pelos arredores — Então, um par de pessoas disseram que ambos vieram ao clube ontem à noite.
— Calvin e Hobbes? Um era um menino e o outro um tigre. Nenhum teria conseguido passar por meus seguranças.
Da Cruz sorriu brevemente.
— Não, Martínez e Rush.
— Ah, bom, você andou pelo clube. Todas as noites têm uma enorme quantidade de gente aqui.
— Certo. Este é um dos clubes mais bem-sucedidos da cidade. — Da Cruz colocou as mãos nos bolsos laterais de sua calça, seu casaco caiu para trás e a jaqueta de seu terno se esticou ao redor de seu peito — Um dos yonquis que vive sob a ponte viu um modelo antigo da Ford junto com uma Mercedes negra e um Lexus todo cromado deixando a área pouco depois que esses dois fossem baleados.
— Os traficantes de droga podem permitir-se bons carros. Não estou segura do que faziam com o Ford.
— O que seu chefe dirige? Um Bentley, verdade? Ou conseguiu um novo veículo?
— Não, ainda tem o Bentley.
— Um carro caro.
— Muito.
— Conhece alguém com uma Mercedes negra? Porque as testemunhas também viram uma rondando ao redor do apartamento onde foi achada a jaqueta com a águia do Grady.
— Não posso dizer que conheça algum dono de um Merc.
Houve um golpe na porta, e Trez e iAm entraram, os dois seguranças faziam que o detetive parecesse um Funda estacionado entre um par de Hummers.
— Bem, os deixo para que falem. — disse Xhex com absoluta fé nos melhores amigos de Rehv — Detetive, vejo-o no funeral.
— Se não antes. Hey, alguma vez pensou em adquirir uma planta para pôr aqui dentro? Poderia fazer a diferença.
— Não, sou muito boa matando coisas. — sorriu com humor — Sabe onde me encontrar. Até mais tarde.
Enquanto fechava a porta detrás dela, deixou de fingir e franziu o cenho. A guerra de territórios não era boa para o negócio, e se Martínez e Rush tinham sido mortos, era um sinal seguro de que apesar do clima de dezembro, a escória de Caldwell estava desenvolvendo outro broto de calor.
Merda, isso era o último que necessitavam.
As vibrações que sentia em seu bolso indicaram que alguém tratava de localizá-la, e respondeu a chamada no instante em que viu de quem se tratava.
— Encontrou o Grady? — perguntou brandamente.
A voz profunda de Big Rob estava cheia de frustração:
— O maldito deve estar escondido. Silent Tom e eu estivemos em todos os clubes. Também em sua casa e com alguns de seus amigões.
— Segue procurando, mas tome cuidado. Sua jaqueta foi encontrada na cena de outro crime. Os policiais o estão buscando implacavelmente.
— Não nos renderemos até que tenhamos algo positivo sobre ele para você.
— Bom menino. Agora desliga o telefone e continua com o rastreamento.
— Não há problema, chefe.


Capítulo 31

 
Dentro de seu banheiro escuro como uma boca de lobo, Rehvenge chocou-se contra uma das paredes de mármore, andou aos tropicões sobre o chão de mármore e ricocheteou contra o balcão de mármore. Seu corpo estava vivo, as sensações vibravam através dele, registrando a dor por ter batido o quadril, o ardor que supunha de sua respiração entrecortada nos pulmões, e o tamborilar de seu coração contra o esterno.
Deixou o edredom de cetim cair, acendeu as luzes com sua vontade e olhou para baixo.
Tinha o pênis rígido e grosso, a ponta estava brilhante e pronta para penetrar.
Santa... Merda.
Olhou ao redor. Sua visão era normal, via as cores negra, brilhante e branco do banheiro e a borda da jacuzzi se elevava do chão, com uma óbvia profundidade. E, ainda assim, embora não visse nada plano nem de cor vermelha rubi, seus sentidos estavam completamente vivos, seu sangue estava quente e trovejava em suas veias, sua pele estava pronta para ser tocada e o orgasmo que havia na haste de sua ereção gritava para ser liberado.
Estava absolutamente vinculado com Ehlena.
E isso significava que, ao menos nesse momento, quando estava tão desesperado por ter sexo com ela, seu lado vampiro estava se impondo sobre a parte symphath que havia nele.
Sua necessidade dela tinha triunfado sobre a escuridão que havia nele.
Ocorreu-lhe que devia tratar-se dos hormônios da vinculação. Hormônios da vinculação que tinham alterado sua química interna.
No reconhecimento de sua nova realidade, não havia motivos para sentir uma alegria elevada, nenhuma sensação de triunfo, nem o impulso de atirar-se sobre ela e bombear em seu interior com toda a sua força. Tudo o que podia fazer era ficar olhando fixamente para baixo, a seu pênis e pensar onde havia estado antes. No que tinha feito com ele... E, com o resto de seu corpo.
Rehvenge desejava arrancar de si a estúpida coisa.
Porra, de nenhuma forma compartilharia isso com Ehlena. Salvo que... Não podia retornar ali fora nesse estado.
Rehv agarrou a ereção com sua ampla mão e acariciou a si mesmo. Oh... Porra... Sentia-se bem...
Pensou nele descendo pelo corpo de Ehlena, em que tinha sua calidez na boca e a fazia descer pelo fundo de sua garganta. Viu suas coxas estendidas e sua brilhante suavidade e seus próprios dedos deslizando-se dentro e fora enquanto ela gemia e balançava seu...
Seus testículos se comprimiram até ficarem duros como punhos, a parte baixa de suas costas ondeou como uma onda, e, essa repugnante lingüeta sua acionou apesar de não ter nada contra o qual acoplar-se. Um rugido ameaçou subir por sua garganta, mas o conteve mordendo o lábio até que saboreou seu sangue.
Rehv gozou sujando toda a mão, mas, entretanto, se apoiou contra o balcão e seguiu acariciando seu sexo. Gozou uma e outra vez, sujando o espelho e os lavabos, e ainda assim seguia necessitando mais... Como se seu corpo não se liberasse há, digamos, quinhentos anos?
Quando finalmente passou a tormenta, deu-se conta de que estava... Merda, atirado contra a parede, com a cara esmagada contra o mármore, tremiam-lhe os ombros, e suas coxas se sacudiam convulsivamente como se tivesse cabos de arranque de bateria conectados aos dedos dos pés.
Com mãos trêmulas, se pôs a limpar usando uma das toalhas dobradas minuciosamente em uma prateleira, e esfregou o balcão, o espelho e o lavabo. Em seguida, desdobrou outra e lavou as mãos, o pênis, o estômago e as pernas porque se sujou tanto como o fodido banheiro.
Quando finalmente estendeu a mão para o trinco, depois que passara quase uma hora, meio que esperava que Ehlena tivesse se ido, e não podia culpá-la: uma fêmea a quem essencialmente lhe faz o amor lhe oferece a veia e ele sai correndo para o banheiro e se fecha como um maricas.
Porque tinha uma ereção.
Jesus Cristo. Essa noite, que sequer começou muito bem, converteu-se em um choque em cadeia de uma coluna de dezesseis carros na auto-estrada para Vila-Relação.
Rehv preparou a si mesmo e abriu a porta.
Quando a luz se derramou de dentro do banheiro, Ehlena se ergueu nos lençóis, em seu rosto se via uma expressão preocupada... E absolutamente imparcial. Não havia condenação, nem especulação, não havia rastro de que estivesse pensando em algo para fazê-lo sentir ainda pior. Simplesmente havia uma genuína preocupação.
— Está bem?
Bom, olhe se não era essa a pergunta da noite.
Rehvenge deixou a cabeça cair e pela primeira vez desejou descarregar tudo com outra pessoa. Nem sequer com Xhex, que tinha sofrido inclusive mais que ele, sentia a inclinação a praticar essa merda de intercâmbio. Mas, ao ver os olhos cor de caramelo de Ehlena tão abertos e quentes nesse rosto formoso e perfeito, sentiu vontade de confessar cada uma das coisas sujas, fodidas, matreiras, malvadas e repugnantes que tinha feito em sua vida.
Só para ser honesto.
Sim, mas se jogava sua vida sobre a mesa, em que posição ela ficaria? Na situação de ter que reportá-lo por ser um symphath e muito provavelmente temendo por sua própria vida. Grande desenlace. Perfeito.
— Gostaria de ser diferente. — disse. Que era o mais perto que podia estar de dizer a verdade que os separaria para sempre — Desejaria ser um macho diferente.
— Eu não.
Isso era porque não o conhecia. Não verdadeiramente. E, entretanto, não podia confrontar a idéia de não voltar a vê-la nunca mais depois da noite que tiveram juntos.
Nem de que pudesse chegar a temê-lo.
— Se pedisse que voltasse aqui outra vez, — disse — e que me deixasse estar contigo, aceitaria?
Não houve vacilação:
— Sim.
— Embora as coisas não pudessem ser... Normais... Entre nós? Quanto à parte sexual.
— Sim.
Franziu o cenho.
— Isto vai soar mal...
— O que está bem, porque já meti os pés pelas mãos contigo quando estávamos na clínica. Assim ficaríamos quites.
Rehv não pôde evitar sorrir, mas sua expressão não durou.
— Devo saber... Por que. Por que voltaria?
Ehlena se recostou contra os travesseiros e moveu a mão para cima deslocando-a lentamente por cima do lençol de cetim que lhe cobria o estômago.
— Tenho uma só resposta a isso, mas não acredito que seja a que quer ouvir.
O frio intumescimento, estava retornando devido aos remanescentes desses orgasmos que tivera estarem dissipando, acelerou a reclamação que estava fazendo sobre seu corpo.
Por favor, que não seja por lástima, pensou.
— Diga-me. — ficou calada durante um longo tempo, percorrendo com o olhar a vista panorâmica das duas metades de Caldwell que piscavam e resplandeciam.
— Pergunta-me por que voltaria? — disse brandamente — E a única resposta que tenho é... Como poderia não fazê-lo? — desviou os olhos para ele — Em certo nível, não faz sentido para mim, mas em definitivo, os sentimentos alguma vez têm muito sentido, ou sim? E não têm por que ter. Esta noite... Deu-me coisas que não só fazia muito tempo que não tinha, mas sim acredito que nunca tinha experimentado. — sacudiu a cabeça — Ontem envolvi um corpo... Um corpo de alguém de minha idade, um corpo de alguém que provavelmente saiu de sua casa a noite e foi assassinado sem ter a mínima noção de que essa era sua última noite. Não sei aonde vai chegar este — fez um gesto com a mão para trás e para frente entre os dois — assunto entre nós. Talvez dure somente uma noite ou duas. Talvez dure um mês. Talvez dure mais de uma década. Tudo o que sei é que a vida é muito curta para não voltar aqui, para estar contigo desta forma outra vez. A vida é definitivamente muito curta, e gosto muito de estar contigo para que me importe uma merda outra coisa além de ter outro momento como este.
Enquanto olhava Ehlena, o peito de Rehvenge se inflamou.
— Ehlena?
— Sim?
— Não me entenda mal.
Ela respirou profundamente e ele viu que seus ombros nus se esticavam.
— Ok. Tentarei não fazê-lo.
— Se segue vindo aqui? Sendo da forma que é? — houve uma pausa — Vou me apaixonar por você.
   
John encontrou a propriedade de Xhex sem problemas, já que só estava a dez blocos de distância do ZeroSum. Ainda assim, o bairro bem poderia ter estado em um CEP completamente diferente. A fachada cor café avermelhado das edificações da rua era elegante e de estilo clássico, com a merda de madeira esculpida ao redor das janelas-balcão que davam a impressão de ser Vitorianas... Embora como soubesse isso com semelhante certeza não tinha idéia.
Ela não possuía uma casa inteira, a não ser um apartamento no porão de um edifício sem elevador, particularmente atrativo. Debaixo das escadas de pedra que subiam do meio-fio, havia um oco, dentro do qual deslizou para usar a chave em um estranho ferrolho cor bronze. Quando entrou acendeu uma luz, e não viu nada interessante. Chão avermelhado fabricado com lajes de pedra. Paredes construídas com blocos de concreto e branqueadas. No extremo mais afastado havia outra porta com outro estranho ferrolho.
Tinha esperado que Xhex vivesse em algum lugar exótico e cheio de armas.
E que tivesse abundância de meias francesas e saltos agulha.
Mas, essa era sua fantasia.
Foi para o outro extremo da sala, abriu a outra porta e se acenderam mais luzes. O quarto que havia depois da porta não tinha janelas e estava vazio à exceção de uma cama, a falta de decoração não o surpreendeu, levando em consideração o aspecto da sala do porão. Havia um banheiro, mas não havia cozinha, nem telefone nem TV. A única cor que havia na habitação provinha do chão de pranchas de pinheiro antigas que brilhavam com um brilho da cor do mel fresco. As paredes estavam branqueadas, como as da sala, mas estas eram de tijolo.
O ar lhe pareceu surpreendentemente fresco, mas então viu os respiradores. Havia três.
John tirou sua jaqueta de couro e a deixou no chão. Em seguida tirou as botas, conservando postas as meias grossas.
No banheiro, usou o vaso, e salpicou o rosto com água.
Não havia toalhas. Usou as abas de sua camiseta negra.
Estirando-se sobre a cama, permaneceu com as armas em cima, embora não era devido a que tivesse medo de Xhex.
Deus, talvez isso o convertesse em um estúpido. O primeiro que lhe tinham ensinado no programa de treinamento da Irmandade era que nunca podia confiar nos symphaths, e aqui estava ele, arriscando sua vida ao ficar na casa de um... Muito provavelmente passaria o dia, sem dizer a ninguém onde estava.
Não obstante era exatamente o que necessitava.
Quando voltasse ao cair da noite, decidiria o que fazer. Não queria ficar fora da guerra... Gostava muito de lutar. Sentia-se... Bem, e não só pelo fato de defender à raça. Sentia que era o que se supunha que devia estar fazendo, tinha nascido e tinha sido educado para isso.
Mas não estava seguro se poderia voltar para a mansão e viver ali.
Depois que passou um tempo sem se mover, as luzes se apagaram, e simplesmente ficou olhando a escuridão. Enquanto estava ali estendido na cama com a cabeça sobre um dos dois travesseiros relativamente duros, deu-se conta que era a primeira vez que estava verdadeiramente só desde que Tohr tinha ido procurá-lo, com seu enorme Range Rover negro, naquele apartamento de merda.
Recordava com absoluta clareza, como tinha sido viver naquele estúdio parecido a um buraco do inferno que não só estava na parte errada da cidade, mas também diretamente estava na seção perigosa de Caldie. A cada noite vivia aterrorizado porque era fracote e débil, além disso, estava indefeso e o único com que podia alimentar-se era com o Ensure[66] por causa de sua má digestão, por isso pesava menos que um aspirador. A porta que o separava dos consumidores de droga, das prostitutas e dos ratos do tamanho de burros, tinha-lhe parecido fina como um papel.
Desejara fazer bem ao mundo. Ainda o desejava.
Desejara apaixonar-se e estar com uma mulher. Ainda o desejava.
Desejara encontrar uma família, ter uma mãe e um pai, ser parte de um clã.
Já não.
John estava começando a entender que os sentimentos no coração, eram como os tendões no corpo. Podia distender, distender e distender e sentir a dor da distorção e o estiramento... Até certo ponto a articulação seguiria funcionando e o membro se dobraria e suportaria o peso, e continuaria sendo útil depois que a pressão desaparecesse. Mas, não era algo infinito.
Ele se quebrara. E estava endemoniadamente seguro que não havia um equivalente emocional à cirurgia artroscópica[67].
Para ajudar a tranqüilizar sua mente e induzí-la ao descanso que evitaria que se voltasse louco, concentrou-se no que ocorria a seu redor. O quarto estava em silêncio, salvo pela calefação que de todo modo não fazia muito ruído. E o edifício que tinha em cima estava vazio, não havia sons de ninguém se movendo.
Fechando os olhos, se sentiu mais a salvo do que provavelmente fosse conveniente.
Mas, em definitivo, estava acostumado a se valer por si mesmo. O tempo que tinha passado com Tohr e Wellsie e em seguida com a Irmandade tinha sido uma anomalia. Nascera sozinho nessa parada de ônibus, e esteve sozinho no orfanato embora estivesse rodeado de um sempre mutante grupo de meninos. E logo tinha saído sozinho ao mundo.
Fora tratado brutalmente e o superara sem ajuda. Esteve doente e se curou sozinho. Abriu-se caminho o melhor que pode e o tinha feito bem.
Era hora de voltar para suas origens.
À essência de seu ser.
O tempo com Wellsie e Tohr... E com os Irmãos... Tinha sido como um experimento fracassado... Algo que parecera ter potencial, mas que, ao final tinha sido um fracasso.


Capítulo 32
 
 
Que fosse noite ou dia, isso não incomodava Lash.
Enquanto entrava com o senhor D no estacionamento de um moinho abandonado e os faróis do Mercedes oscilavam riscando um grande arco, não o preocupava se encontrava com o rei dos symphaths ao meio-dia ou a meia-noite, porque de algum modo já não se sentia intimidado pelo idiota.
Fechou o 550 e caminhou com o senhor D atravessando uma extensão de asfalto deteriorado para uma porta que estava muito firme, se tomasse em consideração o estado em que estava o moinho. Graças à ligeira neve que caía, a situação se parecia com algo tirado de um anúncio para férias pitorescas em Vermont, sempre que não se olhasse muito de perto ao teto nem o revestimento rachado.
O symphath já estava dentro. Lash estava tão certo disso como de poder sentir as rajadas de vento nas bochechas e ouvir as pedras frouxas rangendo sob suas botas de combate.
O senhor D abriu a porta e Lash entrou primeiro para demonstrar que não necessitava que um subordinado lhe abrisse caminho. No interior do moinho não havia nada exceto muito ar frio, fazia muito que o edifício retangular fora despojado de todo o útil.
O symphath lhe esperava no extremo mais afastado da sala, perto da maciça roda que ainda se assentava no rio como uma velha mulher gorda em um banheiro refrescante.
— Amigo, que agradável vê-lo novamente. — disse o rei, a voz de serpente frisando-se entre as vigas.
Lash se aproximou do macho com passo elegante e lento, tomando seu tempo, verificando e voltando a verificar novamente as sombras projetadas pelas janelas de vidro. Nada exceto o rei. Isso estava bom.
— Considerou minha proposta? — perguntou o rei.
Lash não estava de humor para andar pelos ramos. Depois da cagada da noite anterior com o entregador do Domino’s, e, que em aproximadamente uma hora deviam eliminar a outro narcotraficante, esse não era o momento para jogos.
— Sim. E sabe o que? Não estou seguro de que precise te fazer nenhum favor. Estou pensando que ou me dá o que quero. Ou... Possivelmente me limite a enviar meus homens ao norte para te matar e a todos os anormais dali.
Esse rosto insosso e pálido forçou um sorriso sereno.
— Porém o que ganharia com isso? Seria destruir aos mesmos instrumentos que desejas utilizar para derrotar os seus inimigos. Não é um passo lógico para que tome nenhum governante.
Lash sentiu um formigamento na ponta do pênis, o respeito o excitava, embora se negasse a reconhecer o fato.
— Sabe, nunca teria pensado que um rei poderia necessitar ajuda. Por que não pode perpetrar o crime você mesmo?
— Fazer parecer que o falecimento ocorreu fora do âmbito de minha influência me reportaria circunstâncias atenuantes e certos benefícios. Com o correr do tempo, aprenderá, que as maquinações na calada são às vezes muito mais efetivas do que aquelas que realiza a plena vista de sua gente.
Ponto conseguido, embora novamente, Lash não o elogiaria.
— Não sou tão jovem como crê. — disse em seu lugar. Porra, envelhecera perto de um trilhão de anos nos últimos quatro meses.
— E tampouco é tão velho como crê você. Mas isso é outra conversa para outro momento.
— Não estou procurando um terapeuta.
— O que é uma vergonha. Sou bastante bom me colocando na cabeça de outros.
Sim, Lash podia vê-lo.
— Este teu objetivo. É um macho ou uma fêmea?
— Importaria?
— Nem o mais mínimo.
O symphath definitivamente ficou radiante.
— É um macho. E como falei, existem circunstâncias excepcionais.
— Como quais?
— Será difícil chegar a ele. Seu guarda-costas é bastante temível. — o rei flutuou até uma janela e olhou para fora. Depois de um momento, girou a cabeça como se fosse um mocho, rodando a espinha dorsal até que quase esteve olhando para trás, e logo, por um momento, em seus olhos brancos houve um brilho vermelho — Acredita que pode dirigir tal penetração?
— É homo? — soltou Lash.
O rei riu.
— Quer dizer, se prefiro amantes de meu sexo?
— Sim.
— Isso te faria sentir incômodo?
— Não. – sim, porque significaria que mais ou menos e de certa forma se excitava com um tipo que rebatia para a outra equipe.
— Não mente muito bem. — murmurou o rei — Mas isso melhorará com a idade.
Porra.
— E não acredito que seja tão poderoso como pensa que é.
Quando a especulação sexual desapareceu Lash soube que tinha metido o dedo na ferida.
— Tome cuidado com as águas de enfrentamento...
— Poupe-me da merda de três no quarto e os biscoitos da sorte, sua Alteza. Se enchesse essa toga com um bom par de culhões, se desfaria desse tipo você mesmo.
A serenidade voltou ao semblante do rei, como se com esse arrebatamento Lash acabasse de provar sua inferioridade.
— E, ainda assim, em vez de fazê-lo, faço que outra pessoa se encarregue disso por mim. É muito mais sofisticado, embora não espero que você o compreenda.
Lash se desmaterializou, apareceu justamente frente ao macho e fechou as palmas ao redor dessa garganta esbelta. Com um só impulso brutal, impulsionou ao rei para cima pondo-o contra a parede.
Seus olhos se encontraram e quando Lash sentiu um intento de sondagem em sua mente, fechou instintivamente a entrada a seu lóbulo frontal.
— Não vai abrir meu baú aí acima, imbecil. Sinto muito.
O olhar fixo do rei se voltou tão vermelho como o sangue.
— Não.
— Não o que?
— Não prefiro amantes de meu próprio sexo.
Obviamente foi a espetada perfeita: implicando que, Lash se aproximava porque deles dois era ele quem gostava de pênis. Soltou-o e começou a passear dando pernadas.
Agora a voz do rei era menos serpentina e mais séria.
— Você e eu nos enfrentamos em igualdade de condições. Acredito que esta aliança será benéfica para ambos.
Lash girou e encarou ao macho.
— Esse macho, que você deseja morto, onde o encontro?
— O momento deve ser o adequado. A escolha do momento... É tudo.
 
Rehvenge observou como Ehlena punha a roupa, e apesar de que vê-la voltar a meter-se nesse uniforme não era exatamente o que desejava, o espetáculo dela inclinada subindo lentamente as meias pela perna não estava nada mal.
Para. Nada. Mal.
Ela riu enquanto levantava o sutiã e o fazia girar ao redor do dedo.
— Posso pôr isso agora?
— Absolutamente.
— Vai fazer que tome meu tempo outra vez?
— É somente que supus que não havia pressa com as meias. — sorriu como o lobo que estava se sentindo — Quero dizer, essas coisas desfiam, verdade...  Oh, caramba...
Ehlena não esperou que terminasse de falar, mas arqueou as costas e pendeu o sutiã ao redor do torso. As pequenas oscilações que realizou enquanto o grampeava na parte dianteira fizeram o Rehvenge ofegar... E isso foi antes que subisse os suspensórios sobre os ombros, deixando que as taças encaixassem sob os seios.
Ela se voltou para ele.
— Esqueci como funciona. Pode me ajudar?
Rehv grunhiu e a atraiu para si, sugando um mamilo dentro da boca e acariciando o outro com o polegar. Enquanto ela ofegava, ele colocou as taças em seu lugar.
— Gosto de ser seu engenheiro em lingerie, mas, sabe, fica melhor quando não o tem posto. — quando fez dançar as sobrancelhas de forma maliciosa, a risada dela foi tão espontânea e natural que lhe deteve o coração — Gosto desse som.
— E eu gosto de fazê-lo.
Ela colocou as pernas dentro de seu uniforme e puxou para cima, logo abotoou os botões.
— Lástima. — disse ele.
— Quer saber algo bobo? Pus isto apesar de não ter que ir trabalhar esta noite.
— De verdade? Por quê?
— Queria manter as coisas no plano profissional, e, entretanto aqui estou encantada de que não tenha funcionado desse modo.
Ele ficou de pé e a tomou em seus braços, já sem se preocupar com o fato de estar totalmente nu.
— Somo-me à parte de estar encantado.
Beijou-a brandamente, e ao se separarem ela disse:
— Obrigada por uma tarde encantadora.
Rehv colocou seu cabelo detrás das orelhas.
— O que faz amanhã?
— Trabalhar.
— A que hora sai?
— Às quatro.
— Virá aqui.
Ela não vacilou.
— Sim.
— Agora vou ver minha mãe. — disse ele, enquanto saíam do dormitório e atravessavam a biblioteca.
— Seriamente?
— Sim, ligou-me e pediu para ver-me. Nunca faz isso. — sentia-se bem ao compartilhar detalhes de sua vida. Bom, alguns deles, em todo caso — Esteve tratando de me converter em uma pessoa mais espiritual, e espero que isto não se trate de um convite a me colocar em algum tipo de retiro.
— A propósito, o que faz? No que trabalha? — Ehlena riu — Sei tão pouco de você.
Rehv se concentrou na vista panorâmica da cidade que ficava sobre o ombro dela.
— Oh, em muitas coisas diferentes. Em sua maior parte no mundo humano. Agora que minha irmã está emparelhada, só tenho a minha mãe para cuidar.
— Onde está seu pai?
Na tumba fria, aonde o idiota pertencia.
— Morreu.
— Sinto muito.
Os quentes olhos de Ehlena dispararam algo através de seu peito, que certo como a merda sentia como culpa. Não lamentava ter matado seu pai, lamentava ter que ocultar tanto a ela.
— Obrigado. — disse rigidamente.
— Não queria me intrometer em sua vida ou sua família. Sou só curiosa, mas se preferir...
— Não, é somente que... Não falo muito de mim mesmo. — e isso era verdade — É que... Esse é o toque de um telefone celular?
Ehlena franziu o cenho e se afastou.
— O meu. Em meu casaco.
Ela correu à sala de jantar, e a tensão em sua voz ao responder foi evidente.
— Sim? Ah, olá! Sim, não, eu... Agora? É obvio. E o engraçado é que não precisarei ir trocar-me o uniforme por que... Oh. Sim. Claro. Bom.
Quando chegou à arcada da sala de jantar ouviu a tampa do telefone se fechando.
— Tudo bem?
— Ah, sim. Só trabalho. — Ehlena se aproximou enquanto vestia o casaco — Não é nada. Provavelmente seja somente falta de pessoal.
— Quer que te leve? — Deus, adoraria levá-la ao trabalho, e não simplesmente porque poderiam estar juntos um pouco mais. Um macho gostava de fazer coisas por sua fêmea. Protegê-la. Ocupar-se dela...
Bom, que porra? Não que não gostasse dos pensamentos que estava tendo a respeito dela, mas era como se alguém lhe tivesse trocado o CD. E não, não era o fodido Barry Manilow.
Embora definitivamente agora houvesse algo do Maroon 5 no idiota.
Afh...
— Oh, não, irei sozinha, mas obrigada. — Ehlena se deteve diante de uma das portas corrediças — Esta noite foi tão... Uma revelação.
Rehv se aproximou a pernadas, tomou seu rosto entre as mãos, e a beijou com força. Quando se afastou para trás, disse-lhe sombriamente:
— Somente devido a você.
Então ela sorriu, resplandecendo do interior, e repentinamente ele a desejou nua outra vez para poder entrar nela: o instinto de marcá-la estava vociferando dentro dele, e o único modo em que podia sossegá-lo era dizendo-se que tinha deixado bastante de seu aroma na pele dela.
— Mande-me uma mensagem quando chegar à clínica, assim saberei que está a salvo. — disse.
— Farei.
Deu um último beijo, atravessou a porta e se perdeu na noite.
 
Quando deixou Rehvenge, Ehlena estava voando, e não simplesmente porque estivesse desmaterializando através do rio até a clínica. Para ela, a noite não era fria, era fresca. Seu uniforme não estava enrugado por ficar atirado em uma cama e ter se derrubado sobre ele, estava astutamente desalinhado. Seu cabelo não era uma confusão, era casual.
A chamada para ir à clínica não era uma intrusão, era uma oportunidade.
Nada poderia fazê-la descer desta elevação incandescente. Ela era uma das estrelas que havia no céu aveludado da noite, inalcançável, intocável, por cima dos conflitos terrestres.
Embora ao tomar forma diante das garagens da clínica, algo do brilho cor de rosa se perdeu. Parecia injusto que pudesse sentir-se como o fazia, tendo em conta o que tinha acontecido a noite anterior: apostaria sua vida que nesse momento a família de Stephan não estaria refletindo nada similar à alegria. Mal teriam terminado com o ritual da morte, pelo amor de Deus... Passariam anos antes que pudessem sentir algo remotamente parecido ao que cantava em seu peito quando pensava em Rehv.
Caso pudessem sentir-se assim alguma vez. Tinha a sensação de que para seus pais nunca seria o mesmo.
Amaldiçoando, atravessou rapidamente o estacionamento, e seus sapatos deixaram pequenos rastros negros no pó de neve que tinha caído antes. Por ser uma funcionária, o trajeto através dos postos de checagem para a sala de espera não demorou, e, quando entrou na área de recepção, tirou o casaco e se dirigiu diretamente ao balcão da recepção.
O enfermeiro que estava atrás do computador elevou o olhar e sorriu. Rhodes era um dos poucos machos do pessoal, e definitivamente um favorito na clínica, a classe de tipo que se dava bem com todo mundo e era rápido com os sorrisos, os abraços e os cinco em alto.
— Ouça neném, como... — quando ela se aproximou, franziu o cenho e rápido empurrou a cadeira para trás, pondo distância entre eles — Errr... Olá.
Franzindo o cenho, olhou para trás, esperando ver um monstro, dada a maneira em que ele se encolhia ante ela.
— Está bem?
— OH, sim. Totalmente. — olhou-a com intensidade — Como você está?
— Estou bem. Contente por poder ajudar. Onde está Catya?
— Acredito que disse que estaria te esperando no escritório de Havers.
— Irei ali então.
— Sim. Bom.
Ela reparou que sua caneca estava vazia.
— Quer que traga um café quando acabar?
— Não, não. — disse rapidamente, levantando ambas as mãos — Estou bem. Obrigado. Realmente.
— Tem certeza que está bem?
— Sim. Absolutamente bem. Obrigado.
Ehlena se afastou, sentindo-se absolutamente como uma leprosa. Geralmente ela e Rhodes se davam muito bem, mas, não esta noite...
Oh, meu Deus, pensou. Rehvenge tinha deixado seu aroma sobre ela. Tinha que ser isso.
Deu a volta... Mas, o que poderia lhe dizer, realmente?
Esperando que Rhodes fosse o único em captá-lo, entrou no vestiário para desfazer do casaco e se pôs a caminho, ziguezagueando entre os membros do pessoal e pacientes que encontrava no caminho. Quando chegou ao escritório de Havers, a porta estava aberta, o médico estava sentado atrás de sua mesa e Catya em uma cadeira, de costas ao vestíbulo.
Ehlena bateu brandamente no batente.
— Olá.
Havers levantou o olhar e Catya jogou uma olhada sobre o ombro. Os dois pareciam positivamente doentes.
— Entre. — disse o médico bruscamente — E feche a porta.
Enquanto fazia o que lhe pedia, o coração de Ehlena começou a pulsar rapidamente. Havia uma cadeira vazia junto à Catya, e se sentou porque de repente sentiu que seus joelhos afrouxavam.
Estivera neste escritório várias vezes, e geralmente tinha sido para recordar ao médico que comesse, porque uma vez que começava com os históricos dos pacientes perdia a noção do tempo. Mas, isto não se tratava dele, verdade?
Houve um longo silêncio, durante o qual os pálidos olhos de Havers evitaram encontrar aos dela, dedicando-se a brincar com as pernas de seus óculos de tartaruga marinha.
Catya foi quem falou, e o fez com voz tensa.
— Ontem à noite, antes de sair, um dos guardas de segurança que esteve monitorando todas as câmeras chamou minha atenção sobre o fato de que esteve na farmácia. Sozinha. Disse que a viu pegar algumas pílulas e sair com elas. Olhei a fita, comprovei a estante pertinente e era penicilina.
— Por que não o trouxe? — perguntou Havers — Tornaria a ver Rehvenge imediatamente.
O momento que seguiu foi como algo saído de uma série de televisão, onde a câmera fazia um zoom sobre o rosto de um personagem: Ehlena sentiu como se tudo estivesse afastando-se dela, o escritório se retirava, afastando-se na distância enquanto ela era repentinamente iluminada por projetores e posta sob o escrutínio do microscópio.
As perguntas giraram em seu cérebro. Realmente tinha pensado que poderia sair ilesa com o que fizera? Sabia que havia câmeras de segurança... E, entretanto a noite anterior, quando se meteu atrás do balcão do farmacêutico, não tinha pensado nisso.
Como resultado disso, tudo mudaria. Sua vida, que sempre tinha sido uma luta, ia se converter em insuportável.
Destino? Não... Estupidez.
Como demônios podia ter feito algo assim?
— Demitirei-me. — disse bruscamente — Com vigência a partir desta noite. Nunca deveria tê-lo feito... Estava preocupada com ele, super excitada pelo Stephan, e cometi um terrível engano de julgamento. Estou profundamente arrependida.
Nem Havers nem Catya disseram nada, nem tinham que fazê-lo. Era um assunto de confiança, e ela tinha traído a deles. Assim como um montão de normas de segurança referente ao trato de pacientes.
— Esvaziarei meu armário. E irei imediatamente.


Capítulo 33


Rehvenge não via sua mãe o suficiente.
Esse foi o pensamento que lhe ocorreu enquanto estacionava diante do refúgio ao que a tinha mudado fazia quase um ano. Depois que a mansão familiar em Caldwell foi atacada pelos lessers, tirou todo mundo dessa casa e os instalou nesta mansão Tudor, bem ao sul da cidade.
Era o único bem que saíra do seqüestro de sua irmã… Bom, isso e o fato de que Bella encontrasse um macho de valor no Irmão que a tinha resgatado. A coisa era que, com o Rehv tendo tirado sua mãe da cidade quando o fez, ela e sua amada doggen tinham escapado do que a Sociedade Lessening tinha feito à aristocracia durante o verão.
Rehv estacionou o Bentley diante da mansão, e antes que saísse do carro, a porta da casa se abriu e a doggen de sua mãe saiu e ficou sob a luz, abrigada contra o frio.
Os sapatos ingleses de Rehv tinham solas escorregadias, assim foi muito cuidadoso ao atravessar a neve pulverizada.
— Ela está bem?
A doggen elevou o olhar, e tinha os olhos empanados com lágrimas.
— Aproxima-se sua hora.
Rehv entrou, fechou a porta, e se negou a ouvir isso.
— Não é possível.
— Sinto muito, senhor. — a doggen tirou um lenço branco do bolso de seu uniforme cinza — Sinto… Muito.
— Não é o bastante velha.
— Sua vida foi muito mais longa que seus anos.
A doggen sabia bem o que acontecia na casa quando o pai de Bella ainda estava com eles. Limpara vidros quebrados e porcelana destroçada. Tinha enfaixado ferimentos e prestado cuidados.
— Realmente, não posso suportar que se vá. — disse a criada — Estarei perdida sem minha ama.
Rehv pôs uma mão intumescida sobre seu ombro e apertou brandamente.
— Não sabe com segurança. Não foi ver o Havers. Deixe-me vê-la, ok?
Quando a doggen assentiu, Rehv subiu lentamente a escada até o primeiro andar, passando diante de retratos familiares a óleo que ele tinha transferido da antiga casa.
No patamar, foi para a esquerda e bateu em um jogo de portas.
— Mahmen?
— Estou aqui, meu filho.
A resposta na Antiga Língua veio detrás de outra porta, ele retrocedeu e entrou no closet, o familiar aroma de Chanel Nº 5 o acalmou.
— Onde está? — disse aos metros e metros de roupa pendurada.
— Estou no fundo, meu amado filho.
Enquanto Rehv passava entre as fileiras de blusas, saias, vestidos e trajes de baile, inspirou profundamente. O perfume, selo indiscutível de sua mãe, achava-se em todos os objetos de vestir, penduradas por cor e tipo, e o frasco de que provinha estava sobre a carregada penteadeira, entre maquiagem, loções e pós.
Encontrou-a diante do espelho de três corpos. Engomando.
O que era além do estranho e o fez avaliá-la.
Sua mãe era majestosa inclusive com sua camisola rosa, levava o cabelo branco recolhido em cima de sua cabeça perfeitamente proporcionada, e, sentada nesse tamborete alto tinha uma postura deliciosa, com seus grandes diamantes em forma de pêra brilhando na mão. A tábua de engomar, atrás da qual se sentava, tinha uma cesta e um spray de amido em um extremo e uma pilha de lenços engomados no outro. Quando a viu, estava na metade de um lenço, com o ferro marcando ao meio do quadrado amarelo pálido, o ferro que esgrimia chiava enquanto o deslizava acima e abaixo.
— Mahmen, o que está fazendo? — bem, em certo nível era óbvio, mas sua mãe era a castelã[68]. Não podia recordar tê-la visto jamais fazendo tarefas domésticas, lavando a roupa ou algo desse tipo. As pessoas tinham doggens para essas coisas.
Madalina elevou o olhar, seus opacos olhos azuis pareciam cansados, seu sorriso era mais um esforço que honesta alegria.
— Estes eram de meu pai. Encontramos quando estávamos revisando as caixas que vieram do sótão da antiga casa.
A “antiga casa” era a de Caldwell onde viveram durante quase um século.
— Poderia dizer a sua criada que fizesse por você. — inclinou-se e beijou a suave bochecha — Adoraria te ajudar.
— Sim, ela disse o mesmo. — depois de pôr a mão em seu rosto, sua mãe voltou para o que estava fazendo, dobrando o quadrado de linho outra vez, tomando o spray de amido e vaporizando-o sobre o lenço — Mas isto é algo que eu devo fazer.
— Posso me sentar? — perguntou, assinalando com a cabeça uma cadeira que havia ao lado do espelho.
— Oh, é obvio, onde estão minhas maneiras? — deixou o ferro e começou a descer do tamborete — E devemos te conseguir algo…
Ele levantou a mão.
— Não, Mahmen, acabei de comer.
Fez uma reverência e voltou a encarapitar-se ao banco.
— Agradeço que me concedesse esta audiência, já que conheço sua natureza ativa…
— Sou seu filho. Como pode pensar que não viria?
O lenço engomado foi colocado em cima de seus ordenados irmãos, e o último foi tirado da cesta.
O ferro exalou vapor enquanto ela passava com cuidado sua base quente sobre o quadrado branco. Enquanto o movia lentamente, ele olhou ao espelho. As omoplatas se destacavam sob a camisola de seda e na nuca se via claramente sua espinha dorsal.
Quando voltou a fixar-se em seu rosto, viu uma lágrima cair do olho ao lenço.
Oh… Querida Virgem Escriba, pensou. Não estou preparado.
Rehv cravou a bengala no chão e se ajoelhou ante ela. Girando o tamborete para ele, tirou o ferro de sua mão e o deixou a um lado, preparado para levá-la a Havers, preparado para pagar qualquer medicina que lhe pudesse comprar mais tempo.
— Mahmen, o que a aflige? — tomou um dos lenços engomados de seu pai e tocou ligeiramente a parte inferior dos olhos — Fala com seu filho legítimo do peso que há em seu coração.
Derramou intermináveis lágrimas, e ele as apanhou uma a uma. Apesar de sua idade e seu pranto, era encantadora, uma Escolhida caída que tinha vivido uma vida dura e, entretanto, permanecia cheia de graça.
Quando finalmente falou, sua voz foi tênue.
— Estou morrendo. — negou com a cabeça antes que ele pudesse falar — Não, sejamos sinceros um com o outro. Meu fim chegou.
Veremos, pensou Rehv para si mesmo.
— Meu pai. — tocou o lenço com o qual Rehv secou suas lágrimas — Meu pai… É estranho que agora pense nele dia e noite, mas o faço. Ele foi o Primale faz muito tempo, e amava aos seus filhos. Sua maior alegria era sua linhagem, e embora fossemos muitos, relacionou-se com todos nós. Estes lenços? Foram feitos com suas túnicas. A mim agradavam verdadeiramente os trabalhos de costura, e ele sabia por isso me deu algumas de suas túnicas.
Esticou uma mão ossuda e acariciou o montão que tinha engomado.
— Quando deixei o Outro Lado, ele me fez tomar alguns deles. Estava apaixonada por um Irmão e convencida de que minha vida só estaria completa se estivesse com ele. É óbvio, então…
Sim, foi essa então a parte de sua vida que lhe causara tal dor: então foi violada por um symphath, ficou grávida de Rehvenge e foi forçada a dar à luz uma monstruosidade de híbrido que de algum modo ela tinha aconchegado a seu seio e amado como qualquer filho teria querido ser amado. E, todo o tempo que o rei symphath a manteve encarcerada, o Irmão ao que amava a buscava… Só para morrer no processo de seu resgate.
E essas tragédias não tinham sido o final.
— Depois que fui… Resgatada, meu pai chamou-me ao seu leito de morte. — continuou — De todas as Escolhidas, de todos seus companheiros e filhos, ele quis ver a mim. Mas, eu não queria ir. Não podia suportar… Não era a filha que ele conhecia. — os olhos se encontraram com os de Rehv, e havia uma súplica profunda neles — Não queria que soubesse nada de mim. Estava suja.
Caramba, ele conhecia essa sensação, mas sua mahmen não necessitava essa carga. Não tinha nem idéia da classe de merda com a que ele tratava e nunca saberia, porque era evidente que a principal razão pela qual se prostituía era para que ela não tivesse de suportar a tortura de ver seu filho deportado.
— Quando me neguei ao chamado, a Directrix veio a mim e me disse que estava sofrendo. Que não iria ao Fade até que fosse vê-lo. Que permaneceria no doloroso bordo da morte durante a eternidade a menos que o aliviasse. À tarde seguinte fui, desconsolada. — nesse momento o olhar de sua mãe se voltou violento — Ao chegar ao templo do Primale, quis me abraçar, mas não pude… Permitir. Era uma estranha com o rosto de um ser amado, isso era tudo, e tentei manter um bate-papo amável e intrascendente. Foi então que disse algo que até agora não pudera compreender por completo. Disse: “A alma oprimida não passará embora o corpo falhe”. Ele estava prisioneiro pelo que ficara sem resolver a meu respeito. Sentia que falhara em seu papel. Que se me tivesse mantido no Outro Lado, teria tido melhor destino do que se revelou depois de que me fora.
Isso fechou a garganta de Rehv, quando na parte frontal de seu cérebro se instalou uma terrível suspeita.
A voz de sua mãe era fraca, mas franca.
— Aproximei-me da cama, e ele estendeu sua mão para mim, e sustentei sua palma dentro da minha. Nesse momento lhe disse que amava ao meu filho, que ia emparelhar-me com um macho da glymera e que nem tudo estava perdido. Meu pai examinou meu rosto em busca da verdade nas palavras que falei, e quando esteve satisfeito com o que viu, fechou os olhos… E se deixou levar. Soube que se não tivesse ido… — respirou fundo — Verdadeiramente, não posso deixar esta terra com as coisas como estão.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Todos estão bem, Mahmen. Bella e sua filha estão bem e a salvo. Eu…
— Pare. — sua mãe levantou a mão e o agarrou pelo queixo, do modo em que fazia quando era pequeno e dado a causar problemas — Sei o que fez. Sei que matou meu hellren, Rempoon.
Rehv sopesou a possibilidade de seguir mantendo a mentira, mas, dada a expressão de sua mãe, a verdade tinha sido revelada, e nada do que pudesse dizer a dissuadiria.
— Como? — perguntou — Como o averiguou?
— Quem mais o faria? Quem mais poderia? — quando o soltou e acariciou sua bochecha, ele se enterneceu ao sentir o quente contato — Não esqueça que via este seu rosto cada vez que meu hellren perdia a paciência. Meu filho, meu forte e poderoso filho. Olhe-se.
O sincero e afetuoso orgulho que sentia por ele era algo que nunca tinha entendido, dadas as circunstâncias de sua concepção.
— Também sei, — sussurrou — que matou ao seu pai biológico. Faz vinte e cinco anos.
Agora, isso sim captou sua atenção.
— Não supunha que soubesse. Nada disto. Quem lhe disse isso?
Ela afastou a mão de seu rosto e apontou a mesa de maquiagem, à tigela de cristal que ele sempre tinha assumido que era para fazê-la manicura.
— Os velhos hábitos de uma Escolhida escriba, são difíceis de matar. Vi-o na água. Justamente depois que acontecesse.
— E manteve em segredo. — disse ele maravilhado.
— E não posso mais. E por isso te trouxe aqui.
A horrível sensação ressurgiu, era resultado de estar preso entre o que sua mãe pediria que fizesse e a forte convicção de que sua irmã não sairia beneficiada ao inteirar-se de todos os segredos sujos e malignos da família. Bella tinha permanecido protegida desta maldade toda sua vida, e não havia razão para fazer uma completa revelação agora, especialmente se sua mãe estava morrendo.
O que Madalina não ia fazer, recordou-se.
— Mahmen…
— Sua irmã nunca deve saber.
Rehv se esticou, rezando para ter ouvido bem.
— Desculpe?
— Jure que fará tudo o que esteja em seu poder para assegurar que ela nunca saiba. — enquanto sua mãe se inclinava para frente e agarrava seus braços, ele podia afirmar que realmente estava lhe cravando os dedos pelo modo em que os ossos das mãos e punhos se sobressaíam descarnadamente — Não quero que ela leve este tipo de peso. Viu-se forçado a fazê-lo, e o teria poupado disso se pudesse, mas não pude. E, se ela não sabe então a próxima geração não terá que sofrer. Nalla tampouco terá que suportar este peso. Pode morrer contigo e comigo. Jura-me isso.
Rehv olhou fixamente aos olhos de sua mãe e nunca a amou mais.
Assentiu uma vez.
— Olhe-me no rosto e esteja segura, juro-o. Bella e sua descendência nunca saberão. O passado morrerá contigo e comigo.
Os ombros de sua mãe afrouxaram sob a camisola, e o tremente suspiro que exalou expressou claramente seu alívio.
— É o filho que outras mães só podem desejar.
— Como isso pode ser certo? — disse brandamente.
— Como pode não ser?
Madalina se compôs e tomou o lenço da mão de Rehv.
— Tenho que engomar este outra vez, e após, possivelmente, me ajudará a ir a minha cama?
— É obvio. E quero chamar o Havers.
— Não.
— Mahmen…
— Gostaria que minha passagem fosse sem intervenção médica. De todo modo ninguém poderia me salvar agora.
— Não pode saber isso…
Ela levantou sua encantadora mão com o pesado anel de diamantes.
— Estarei morta antes do anoitecer de amanhã. Vi na tigela.
Rehv ficou sem fôlego, seu pulmão se negava a funcionar. Não estou preparado para isto. Não estou preparado. Não estou preparado…
Madalina foi muito precisa com o último lenço, alinhando as pontas cuidadosamente, passou o ferro lentamente daqui para lá. Quando terminou, colocou o perfeito quadrado sobre outros, assegurando-se de que todos estivessem alinhados.
— Está feito. — disse.
Rehv se inclinou sobre sua bengala para levantar-se e lhe oferecer o braço, e juntos partiram arrastando os pés para o dormitório, ambos instáveis.
— Tem fome? — perguntou enquanto retirava as mantas e a ajudava a deitar-se.
— Não, estou bem como estou.
As mãos de ambos trabalharam juntas para arrumar os lençóis, a manta e o edredom de forma que tudo estivesse dobrado com precisão e posicionado diretamente sobre seu peito. Quando se endireitou, soube que ela não voltaria a sair da cama outra vez e não pôde suportar.
— Bella deve vir aqui. — disse com rudeza — Precisa despedir-se.
Sua mãe assentiu e fechou os olhos.
— Deve vir agora, e, por favor, que traga a menina.

Em Caldwell, na mansão da Irmandade, Tohr caminhava por seu dormitório. O que era uma piada realmente, tendo em conta quão fraco estava. Cambalear era tudo o que podia obter.
Cada minuto e meio comprovava o relógio, o tempo passava a uma velocidade alarmante, até que sentiu como se o relógio de areia do mundo tivesse se quebrado e os segundos, como a areia, estivessem se pulverizando por toda parte.
Necessitava mais tempo. Mais… Merda, entretanto, serviria isso de alguma ajuda?
Simplesmente não podia imaginar como se arrumaria para superar o que estava a ponto de acontecer e sabia que por mais que desse voltas ao assunto, não ia mudar. Por exemplo, não podia decidir se era melhor ter uma testemunha. A vantagem era que dessa forma seria ainda menos pessoal. A desvantagem era que se quebrava-se haveria outra pessoa no quarto presenciando.
— Ficarei.
Tohr deu uma olhada a Lassiter, que estava ajeitado na chaise junto às janelas. As pernas do anjo estavam cruzadas à altura dos tornozelos, e uma das botas de combate marcava o compasso de um lado ao outro, como outra forma odiosa de medir o tempo.
— Vamos, — disse Lassiter — vi seu lamentável traseiro nu. O que poderia ser pior que isso?
As palavras eram a típica fanfarronice e o tom de voz foi surpreendentemente aprazível…
A batida na porta foi suave. O que significava que não era um Irmão. E dado que não havia aroma de comida abrindo caminho por debaixo da porta, não era Fritz com uma bandeja de comida destinada a terminar em trono de porcelana.
Evidentemente a chamada ao Phury tinha funcionado.
Tohr começou a tremer da cabeça aos pés.
— Bom, tranqüilo aí. — Lassiter levantou e se aproximou rapidamente — Quero que se sente aqui. Não quererá fazer isto perto de uma cama. Vamos… Não, não lute contra mim. Sabe que é o que terá que fazer. É biologia, não uma escolha, assim, deve deixar a culpa de fora.
Tohr se sentiu empurrado para uma cadeira de encosto rígido que estava perto do escritório e, porra, foi bem a tempo, seus joelhos perderam interesse em seu trabalho e o par se afrouxou de forma que golpeou o assento tecido com tanta força que ricocheteou.
— Não sei como fazer isto.
A magnífica face de Lassiter apareceu diante da sua.
— Seu corpo fará por você. Afaste a sua mente e o seu coração e deixe que seu instinto faça o que deve ser feito. Isto não é tua culpa. Assim é como sobrevive.
— Não quero sobreviver.
— Não me diga? E eu que pensava que toda esta merda de autodestruição era só um passatempo.
Tohr não tinha forças para arremeter contra o anjo. Não tinha forças para deixar a habitação. Nem sequer tinha a reserva suficiente para chorar.
Lassiter foi até a porta e a abriu.
— Hey, obrigado por vir.
Tohr não podia suportar olhar a qual escolhida entrou, mas não havia forma de ignorar sua presença: seu aroma delicado e floral flutuou para ele.
O perfume natural de Wellsie tinha sido mais forte que esse, feito não só de rosa e jasmim, mas também da fragrância que refletia seu temperamento.
— Meu senhor. — disse uma voz feminina — Sou a Escolhida Selena, vim para serví-lo.
Houve uma longa pausa.
— Vá a ele. — disse Lassiter brandamente — Precisamos terminar com isto.
Tohr pôs o rosto entre as mãos, e deixou a cabeça cair frouxamente sobre o pescoço. Era o único que podia fazer para seguir respirando, dentro e fora, enquanto a fêmea se posicionava no chão a seus pés.
Através dos compridos e magros dedos viu o branco da túnica que se derramava a seu redor. Wellsie não esteve muito interessada nos vestidos. O único que verdadeiramente gostava era o vermelho e negro com o que se emparelhou a ele.
Uma imagem dessa cerimônia sagrada apareceu em sua mente, e viu com trágica clareza o momento em que a Virgem Escriba agarrara sua mão e a de Wellsie e declarou que era um bom emparelhamento, verdadeiramente um muito bom emparelhamento. Havia sentido uma grande calidez ao estar ligado a sua fêmea através da mãe da raça, e essa sensação de amor, propósito e otimismo se incrementou um milhão de vezes ao olhar a seu amor aos olhos.
Parecera que tinham toda uma vida de felicidade e alegria ante eles… E, entretanto, agora aqui estava ele, ao outro lado de uma perda inconcebível, sozinho.
Não, pior que sozinho. Só e a ponto de tomar o sangue de outra fêmea em seu corpo.
— Isto está acontecendo muito rápido. — disse entre dentes detrás das palmas de suas mãos — Não posso… Necessito mais tempo…
Que Deus o ajudasse, mas, se esse anjo dizia uma só palavra a respeito de ser esse o momento oportuno, faria que esse bastardo desejasse que seus dentes fossem de vidro blindado.
— Meu senhor. — disse a Escolhida brandamente — Retornarei se esse é seu desejo. E voltarei prontamente se então não for o momento adequado. E retornarei e voltarei a retornar uma vez mais até que você esteja preparado. Por favor… Meu senhor, na verdade, só desejo ajudar, não o ferir.
Ele franziu o cenho. Soava muito amável, e não havia nenhuma só nota sedutora em nenhuma das sílabas que deixaram seus lábios.
— Diga-me a cor de seu cabelo. — disse através das mãos.
— É negro como a noite e está preso tão firmemente como minhas irmãs e eu pudemos. Também tomei a liberdade de envolvê-lo em um turbante, embora você não pedisse. Pensei… Que possivelmente seria de mais ajuda.
— Diga-me cor de seus olhos.
— Azuis, meu senhor. Um pálido azul céu.
Os de Wellsie tinham sido de cor xerez.
— Meu senhor, — sussurrou a Escolhida — nem sequer precisa me olhar. Deixe que permaneça atrás de você, e tome o pulso dessa forma.
Ouviu o sussurro do suave tecido e o aroma da fêmea agitar-se a seu redor até que proveio de detrás dele. Deixando cair às mãos, Tohr viu as longas pernas de Lassiter embainhadas em jeans. Os tornozelos do anjo estavam cruzados outra vez, agora enquanto se achava recostado contra a parede.
Um braço esbelto coberto de tecido branco apareceu ante ele.
Com lentos puxões, a manga da túnica foi gradualmente elevando-se mais e mais acima.
O pulso que ficou exposto era frágil, a pele era branca e fina.
As veias sob a superfície eram de uma cor azul clara.
As presas de Tohr saíram bruscamente do paladar e um grunhido saiu de seus lábios. O bastardo do anjo tinha razão. De repente, sua mente ficou vazia, tudo se centrava em seu corpo e no que lhe fora privado durante tanto tempo.
Tohr fechou firmemente sua forte mão sobre o ombro dela, chiou como uma cobra e mordeu o pulso da Escolhida até o osso, fixando as presas no lugar. Houve um grito de alarme e uma resistência, mas ele estava longe enquanto bebia. Os goles eram como punhos em uma corda, puxando esse sangue para baixo, a suas vísceras, tão rapidamente que não tinha tempo de saboreá-la.
Quase matou à Escolhida.
E se inteirou disso mais tarde, depois que finalmente Lassiter o desprendesse e o deixasse fora de combate com um murro à cabeça… Porque no instante em que foi separado da fonte desses nutrientes, tratou de agarrar à fêmea outra vez.
O anjo caído teve razão.
A horrível biologia era o máximo condutor, ganhando inclusive ao mais robusto de coração.
E ao mais reverente dos viúvos.


Capítulo 34


Quando Ehlena chegou a casa, compôs uma expressão falsa, despediu-se de Lusie, e foi ver seu pai, que “fazia incríveis avanços” em seu trabalho. Não obstante, assim que pôde, foi ao seu quarto para conectar-se online. Tinha que verificar quanto dinheiro possuía, contando até o último tostão, e não acreditava que gostaria do que verificasse. Depois de identificar-se em sua conta bancária, repassou os cheques que teria de cobrir e assinalou o que venceria na primeira semana do mês. A boa notícia era que ainda receberia seu pagamento de novembro.
Sua conta poupança não chegava a onze dos grandes.
Não sobrava nada para vender. E, não sobrava nada do orçamento mensal.
Lusie teria que deixar de vir. O que seria um saco, porque aceitaria outro cliente para preencher o vazio, assim, quando Ehlena encontrasse um novo trabalho haveria um buraco em cuidados médicos que preencher.
Assumindo que conseguisse outro posto. Seguro como a merda que não seria de enfermeira. Que fosse despedida por justa causa não era o que algum empregador quisesse ver em um currículo.
Por que roubara essas porcarias de pílulas?
Ehlena ficou sentada olhando à tela somando e voltando a somar todos os numerozinhos até que se juntaram formando um só borrão, e nem sequer pôde registrar a soma.
— Minha filha?
Fechou rapidamente o portátil, porque ao seu pai não caía bem a eletrônica, e compôs o semblante.
— Sim? Quero dizer, sim?
— Pergunto-me se você gostaria de ler uma passagem ou duas de meu trabalho? Parece ansiosa, e descobri que tais atividades acalmam a mente. — aproximou-se de seu lado arrastando os pés e estendeu galantemente o braço.
Ehlena se levantou porque às vezes tudo o que uma pessoa podia fazer era aceitar as instruções de outra. Não queria ler nenhuma das incoerências que tinha rabiscado nessas páginas. Não suportava fingir que estava tudo bem. Desejava, embora fosse só por uma hora, poder ter de volta ao seu pai para poder falar da posição ruim que ela colocou a ambos.
— Isso seria encantador. — disse com um tom de voz apagado e elegante.
Seguindo-o a seu escritório, ajudou-o a acomodar-se em sua cadeira e olhou ao redor, às descuidadas pilhas de papéis. Que desastre. Havia pastas de couro negro cheias até o ponto de se romper. Pastas repletas até os batentes. Cadernos de apontamentos de espirais com páginas escapando de seus limites como línguas de cão. Folhas brancas soltas esparramadas aqui e ali, como se as páginas tivessem tentado empreender o vôo e não tivessem conseguido chegar muito longe.
Tudo isto era seu diário, ou isso dizia ele. Em realidade, era somente uma pilha atrás de outra de sem-sentidos, a manifestação física de seu caos mental.
— Aqui. Sente-se, sente-se. — seu pai limpou o assento próximo a sua escrivaninha, movendo uns blocos de papéis mantidos com elástico de borracha de cor café claro.
Depois de sentar-se, Ehlena pôs as mãos sobre os joelhos e apertou com força, tentando não perder o controle. Era como se o lixo da sala fosse uma espiral magnética que fazia com que seus próprios pensamentos e maquinações rodassem inclusive mais rápidos, e, essa não era em absoluto a ajuda que necessitava.
Seu pai passeou a vista pelo escritório e sorriu como se desculpando.
— Semelhante trabalho para um rendimento comparativamente pequeno. Algo assim como colher pérolas. As horas que passei aqui, a quantidade de horas para cumprir cabalmente com meu propósito...
Ehlena apenas ouvia. Se não pudesse quitar o aluguel, aonde iriam? Haveria algo inclusive mais barato que não tivesse ratos e baratas sibilantes? Como seu pai enfrentaria um ambiente estranho? Queridíssima Virgem Escriba assumiu que tinham chegado ao fundo à noite em que ele queimara a conveniente casa que alugavam. O que havia mais ao fundo que isto?
Soube que tinha problemas quando tudo se borrou.
A voz de seu pai continuava, percorrendo através de seu silencioso pânico.
— Empenhei-me em registrar com fidelidade tudo o que vi...
Ehlena não ouviu muito mais.
Quebrou-se pela metade. Sentada na pequena cadeira sem braços, inundada pelo inútil balbuciar sem sentido de seu pai e examinando suas ações e aonde uma decisão ruim levara a ambos, chorou.
E não só por ter perdido o trabalho. Era pelo Stephan. Pelo que ocorrera com Rehvenge. Pelo fato de seu pai ser um adulto que não podia compreender a realidade de sua situação.
Era por estar tão sozinha.
Ehlena abraçou a si mesma e chorou, exalando roucos fôlegos por entre seus lábios até que esteve muito exausta para fazer outra coisa mais que permanecer dobrada sobre seu próprio colo.
Finalmente, soltou um grande suspiro e limpou os olhos com a manga do uniforme que já não necessitaria.
Quando levantou o olhar, seu pai estava sentado completamente imóvel em sua cadeira, com uma expressão de absoluta surpresa.
— Verdadeiramente... Minha filha.
Veja, esta era a questão. Podia ter perdido toda a pompa financeira de sua condição anterior, mas os velhos hábitos demoravam a morrer. A reserva da glymera ainda definia a forma de conversar de ambos... Em razão disso, uma grande sessão de choro equivalia a atirar-se de costas sobre a mesa do café da manhã e que lhe saísse um “alien” do estômago.
— Perdoe-me, Pai. — disse, sentindo-se mais que parva — Acredito que deveria me desculpar.
— Não... Espere. Ia ler.
Fechou os olhos, sua pele esticando-se ao longo de todo seu corpo. Em certo nível, toda sua vida estava definida pela patologia mental de seu pai, e, embora em sua maior parte visse seu sacrifício como algo que lhe devia, esta noite estava muito alterada para fingir que algo tão inútil como seu “trabalho” era de importância crucial.
— Pai, eu...
Uma das gavetas da escrivaninha se abriu e fechou.
— Aqui o tem filha. Tem em suas mãos algo mais que só uma passagem.
Abriu as pálpebras à força…
E teve que inclinar para frente para assegurar-se de que realmente estava vendo bem. Entre as palmas de seu pai havia uma pilha próxima a um centímetro de grossura de páginas brancas perfeitamente alinhadas.
— Este é o meu trabalho. — disse simplesmente — Um livro para você, minha filha.

No andar inferior do refúgio Tudor, Rehv esperava junto às janelas da sala, com o olhar fixo na grama ondulada. As nuvens se afastaram e uma lua crescente pendia no brilhante céu invernal. Em sua mão intumescida, sustentava seu novo telefone celular, que acabava de fechar com uma maldição.
Não podia acreditar que no andar de acima, sua mãe estivesse em seu leito de morte, que nesse mesmo momento sua irmã e seu hellren corressem às pressas contra a saída do sol para poder chegar ali antes... E, ainda assim o trabalho elevava sua feia e chifruda cabeça.
Outro camelo morto. O que somava três nas últimas vinte e quatro horas.
Xhex foi breve e concisa, muito ao seu estilo. Ao contrário de Ricky Martínez e Isaac Rush, cujos corpos foram encontrados no rio, este cara aparecera em seu carro no estacionamento vazio de um centro comercial com uma bala atravessando a parte de trás de seu crânio. O que significava que o carro foi conduzido até ali com o corpo dentro: ninguém seria tão estúpido para disparar ao idiota em um lugar que, indubitavelmente, tinha cobertura de câmeras de segurança. Entretanto, como o relato da polícia não informava nada mais, teriam que esperar os periódicos e as notícias matutinas da TV para inteirar-se de mais detalhes.
Mas aí estava o problema, e a razão de ter amaldiçoado.
Esses três tinham feito compras no correr das últimas duas noites.
Razão pela qual Xhex o interrompera na casa de sua mãe. O negócio das drogas não estava simplesmente desregulamentado, a não ser totalmente irregular, e o ponto de equilíbrio que se alcançou em Caldwell e que permitia que ele e seus colegas de alto nível pudessem fazer dinheiro era algo muito delicado.
Ao ser um grande jogador, seus fornecedores eram uma combinação de traficantes de Miami, importadores do porto de Nova Iorque, destiladores de Connecticut, e fabricantes de X de Rhode Island. Todos eles eram homens de negócios, como ele, e a maioria eram independentes, exemplos, não filiados à máfia dos Estados Unidos. A relação era sólida e os homens que no outro extremo eram tão cuidadosos e escrupulosos como ele era: o que faziam era simplesmente uma questão que implicava uma transação financeira e uma mudança de mãos de produtos, como em qualquer outro segmento legítimo da economia. Os carregamentos chegavam à Caldwell através de várias residências e eram transportados ao ZeroSum, onde Rally estava a cargo de provar, cortar e empacotar.
Era uma máquina bem azeitada que tinha levado dez anos pôr em marcha, e requeria uma combinação de empregados bem pagos, ameaças de dor física, a realização dessas surras, e o constante relacionamento para assegurar a manutenção.
Três cadáveres eram suficientes para fazer pedaços de todo o acerto, provocando não só um déficit econômico, a não ser uma luta de poder nos níveis inferiores que ninguém necessitava: alguém estava encarregando-se das pessoas em seu território, e seus colegas se perguntariam se estava distribuindo algum tipo de castigo ou, pior, se estava ele mesmo sendo castigado. Os preços flutuariam, as relações ficariam tensas e a informação passaria a ser não confiável.
Este assunto devia ser atendido.
Tinha que fazer algumas chamadas para assegurar a seus importadores e produtores que mantinha o controle de Caldwell e que nada impediria a venda de suas mercadorias. Mas Cristo, por que agora?
Rehv dirigiu os olhos ao teto.
Durante um momento, fantasiou deixando tudo, salvo que isso era pura merda. Enquanto a princesa fizesse parte de sua vida, permaneceria no negócio, porque não havia uma maldita forma de que permitisse que essa cadela ficasse com a fortuna de sua família. Deus sabia que o pai de Bella fizera o bastante nesse sentido ao tomar decisões financeiras ruins.
Enquanto a princesa estivesse no mundo, Rehv seguiria sendo o senhor da droga de Caldwell e faria suas chamadas... Embora, não da casa de sua mãe, não durante o tempo que dedicava a sua família. Os negócios podiam esperar até que tivesse cumprido com sua família.
Embora uma coisa estivesse clara. De agora em diante, Xhex, Trez e iAm teriam que vigiar as coisas ainda mais de perto, porque certo como a merda que se alguém era ambicioso o bastante para tentar acabar com esses intermediários, era mais que provável que tentaria com um peixe graúdo como Rehv. O problema era que seria de vital importância que Rehv se deixasse ver pelo clube. Fazer ato de presença era crítico em tempos revoltos, quando seus contatos de negócios estariam observando-o para ver se fugia e se escondia. Era melhor que o percebessem como a pessoa que podia estar levando a cabo as matanças do que como a um maricas que se escondia rapidamente quando as coisas ficavam difíceis.
Sem razão aparente, abriu seu telefone e se certificou se tinha chamadas perdidas. Outra vez. Nada de Ehlena. Ainda.
Era provável que simplesmente estivesse ocupada na clínica, presa na agitação. É óbvio que sim. E, não era como se a instalação corresse perigo de ser assaltada. Estava localizada em um lugar remoto, tinha bastante segurança, e, se algo mal tivesse ocorrido teria se informado.
Verdade?
Demônios.
Franzindo o cenho, verificou seu relógio. Hora de tomar mais duas pílulas.
Dirigiu-se à cozinha e estava bebendo um copo de leite e tomando mais penicilina quando um par de faróis iluminou a fachada da casa. Enquanto o Escalade estacionava à frente e abriam as portas, deixou o copo, apoiou a bengala no chão, e foi saudar sua irmã, seu marido e a filha de ambos.
Bella já tinha os olhos vermelhos quando entrou, porque deixara claro o que estava acontecendo. Seu hellren vinha logo atrás dela, levando a sua sonolenta filha nos enormes braços, e com uma expressão turva em seu rosto com cicatrizes.
— Minha irmã. — disse Rehv enquanto tomava Bella entre seus braços. Enquanto a abraçava ligeiramente, chocou as palmas com Zsadist — Alegra-me que esteja aqui, amigo.
Z assentiu com seu crânio raspado.
— A mim também.
Bella se afastou e limpou os olhos rapidamente.
— Está acima na cama?
— Sim, sua doggen está com ela.
Bella tomou sua filha nos braços e, após, Rehv abriu caminho subindo as escadas. Frente às portas do dormitório, chamou primeiro na soleira e esperou enquanto sua mãe e a fiel criada se preparavam.
— Quão mal está? — sussurrou Bella.
Rehv baixou o olhar para sua irmã, pensando que esta era uma das poucas situações que podia ver-se não sendo tão forte para ela como queria ser.
Sua voz foi rouca.
— Chegou a hora.
Os olhos de Bella se fecharam exatamente quando sua mahmen disse com um tom de voz instável:
— Entrem.
Quando Rehv abriu uma das duas portas, ouviu Bella inalar intensamente, mas, mais que isso percebeu sua mentira emocional: a tristeza e o pânico se entrelaçavam, dobrando-se e redobrando-se até formar uma caixa sólida. Era uma estampagem de sentimentos que só tinha visto em funerais. E, por acaso não tinha isso um perfeito e trágico sentido.
— Mahmen. — disse Bella enquanto ia à cama.
Quando Madalina estendeu os braços, seu rosto estava impregnado de felicidade.
— Meus amores, meus queridíssimos amores.
Bella se inclinou e beijou a bochecha de sua mãe, depois transferiu cuidadosamente o peso de Nalla. Como sua mãe não tinha forças para segurar à pequena, colocou um dos travesseiros restantes de forma que servisse de apoio para o pescoço e a cabeça de Nalla.
O sorriso de sua mãe era resplandecente.
— Olhem seu rosto... Certamente será uma grande beleza. — elevou uma mão esquelética para Z — E o orgulhoso papai, que cuida de suas fêmeas com tanta força e integridade.
Zsadist se aproximou e estreitou a mão que lhe estendia, inclinando-se para roçar os nódulos dela com a testa, como era costume entre mães e genros.
— Sempre as manterei a salvo.
— Certamente. Disso estou bem segura. — sua mãe sorriu ao feroz guerreiro que parecia totalmente desconcertado entre as cortinas de renda que rodeavam a cama... Mas então suas forças fraquejaram e permitiu que sua cabeça caísse a um lado.
— Minha maior alegria. — sussurrou enquanto olhava a sua neta.
Bella encostou o quadril sobre o colchão e roçou gentilmente o joelho de sua mãe. O silêncio no quarto se voltou suave como um pôr-do-sol, um casulo de tranqüilidade que pousou sobre todos eles e aliviou a tensão.
Havia uma única coisa boa em tudo isto: Uma morte natural que ocorria no momento adequado era uma bênção tão grande como uma vida longa e tranqüila.
Sua mãe não teve o último. Mas Rehv manteria sua promessa assegurando-se que a paz que havia neste quarto se mantivesse também depois que ela se fosse.
Bella se inclinou para sua filha e sussurrou:
— Dorminhoca, acorde para sua Grahmen.
Quando Madalina roçou brandamente a bochecha da pequena, Nalla despertou com um gorjeio. Quando esses olhos amarelos, brilhantes como diamantes enfocaram o velho e amado rosto que tinha ante ela, a pequena sorriu e estendeu suas mãos gordinhas. Quando a menina apertou o dedo de sua avó, Madalina elevou o olhar e espiou ao Rehv por cima da seguinte geração. Em seu olhar havia uma súplica.
E lhe deu exatamente o que necessitava. Pondo o punho sobre o coração, fez a mais ligeira das inclinações, pronunciando seu voto uma vez mais.
Sua mãe piscou, com lágrimas tremendo em suas pestanas, e uma onda de gratidão se derramou sobre ele. Embora não pudesse sentir a calidez da mesma, sabia pela forma em que permitiu que seu casaco de zibelina se abrisse que sua temperatura corporal acabava de subir.
Sabia também que seria capaz de tudo para manter sua promessa. Uma boa morte não era somente rápida e indolor. Uma boa morte implicava deixar seu mundo em ordem, que passava ao Fade com a satisfação de saber que os entes amados estariam bem cuidados e a salvo, e, embora tivessem que atravessar o processo do duelo, ficava a segurança de que não tinha deixado nada sem dizer ou fazer.
Ou que não havia dito nada, como era o caso aqui.
Era o maior presente que podia dar à mãe que o criara de um modo melhor do que merecia, a única forma em que podia compensá-la pelas circunstâncias de seu cruel nascimento.
Madalina sorriu e soltou um comprido e agradecido fôlego.
E tudo foi como tinha que ser.


Capítulo 35


John Matthew acordou com sua H&K  apontando à porta que se abria no inóspito quarto de Xhex. Seu ritmo cardíaco estava tão sereno quanto sua mão firme, e, mesmo quando as luzes acenderam, não piscou. Se não gostasse do aspecto de quem quer que fosse que abria a fechadura e virava o trinco, colocaria uma bala no meio de qualquer peito que surgisse.
— Tranqüilo. — disse Xhex enquanto entrava e os fechava juntos — Sou somente eu.
Ele voltou a pôr a trava e baixou a arma.
— Estou impressionada. — murmurou ela enquanto se recostava contra o batente da porta — Desperta como um guerreiro.
De pé do outro lado do quarto, com seu poderoso corpo relaxado, era a fêmea mais atrativa que já vira. O que queria dizer que a menos que ela quisesse o mesmo que ele, teria que ir. As fantasias eram boas, mas em carne e osso era melhor, e, não acreditava que pudesse manter-se afastado dela.
John esperou. E esperou. Nenhum dos dois se moveu.
Bem. Hora de ir antes de se comportar como um imbecil.
Começou a baixar as pernas da cama, mas ela sacudiu a cabeça.
— Não, fique onde está.
Ok. Mas isso queria dizer que necessitaria um pouco de camuflagem.
Estendeu a mão em busca de sua jaqueta e arrastou o couro até seu colo, porque sua arma não era unicamente o que estava preparada para ser usada. Como de costume, tinha uma ereção, o que era habitual na merda de “acorda-desperta-levanta-e-brilha”… Assim como um problema sempre que entrava no raio de ação dela.
— Sairei em seguida. — disse ela, deixando cair sua jaqueta negra e dirigindo-se ao banheiro.
A porta se fechou e ele ficou boquiaberto.
Poderia ser… Que acontecesse?
Alisou o cabelo, arrumou a camisa, e acomodou seu pênis. O qual não só estava duro, mas também pulsava. Baixou o olhar para a longitude que se apertava contra o zíper de seu jeans A&F e tratou de indicar à coisa que possivelmente ela ficaria, mas isso não queria dizer necessariamente que tivesse interesse em utilizar seus quadris para praticar como montar.
Xhex saiu um pouco depois e se deteve junto ao interruptor.
— Tem algo contra a escuridão?
Ele negou lentamente com a cabeça.
O quarto se afundou na escuridão e a ouviu dirigir-se para a cama.
Com o coração disparado no peito e o pênis ardendo, John apressou em mover-se lhe deixando muito espaço. Quando se deitou, sentiu cada nuance do movimento do colchão, escutou o suave roçar de seu cabelo quando pousou no travesseiro e distinguiu seu aroma nas profundezas de suas narinas.
Não podia respirar.
Nem sequer quando ela suspirou relaxando-se.
— Não me tem medo. — disse em voz baixa.
Ele negou com a cabeça apesar dela não poder vê-lo.
— É duro.
Oh, Deus, pensou ele. Sim, estava.
Um pânico instantâneo tomou forma, como um chacal saltando de um arbusto grunhindo. Porra! Era difícil imaginar o que seria pior: que Xhex o buscasse e ele perdesse sua ereção… Como ocorreu com a Escolhida Layla na noite de sua transição. Ou, que Xhex não o buscasse absolutamente.
Ela resolveu o cara ou coroa girando para ele e pondo uma mão em seu peito.
— Tranqüilo. — disse quando saltou.
Depois que se tranqüilizou, sua carícia prosseguiu para o estômago, e quando cavou a mão ao redor de seu pênis através dos jeans, ele se arqueou na cama, abrindo a boca para soltar um silencioso gemido.
Não houve preliminares, mas em todo caso não os desejava. Baixou o zíper, tirou sua ereção e logo houve uns movimentos e ouviu o som de suas calças de couro caindo ao chão.
Montou-o, plantando as palmas nos peitorais e o empurrando contra o colchão. Quando algo morno, suave e úmido se esfregou contra ele, já não o preocupou absolutamente ficar flácido. Seu corpo ansiava por entrar nela, nada do passado abriria caminho através de seu instinto de emparelhamento.
Xhex se levantou sobre os joelhos, tomou sua ereção na mão, e a levantou. Quando se sentou, sentiu uma deliciosa e tensa pressão ao longo de seu pênis, a compressão eletrizante detonou o orgasmo que provocou que seus quadris saltassem para cima. Sem pensar se era o correto, aferrou-se a suas coxas…
Ficou gelado quando sentiu o metal, mas então já estava muito longe. Tudo o que pôde fazer foi apertar as mãos enquanto estremecia uma e outra vez, em uma interminável perda de sua virgindade.
Era a coisa mais assombrosa que jamais sentiu. Sabia como era por suas masturbações. Tinha feito mil vezes desde sua transição. Mas, isto tirava do jogo algo que ele pudesse ter-se feito. Xhex era indescritível.
E isso foi antes que começasse a se mover.
Quando terminou com esse primeiro fantasma-orgasmo, ela lhe deu um minuto para recuperar o fôlego, e logo começou a menear os quadris para cima e para trás. Ele ofegou. Seus músculos internos apertavam e soltavam seu pênis, a pressão intermitente fez seus testículos se esticarem e estarem preparadas uma vez mais.
Agora entendia total e completamente as ânsias de Qhuinn por despir-se. Isto era incrível, especialmente quando John deixou que seu corpo seguisse ao dela e se moveram juntos. Inclusive quando o ritmo se tornou mais e mais rápido, convertendo-se algo urgente, sabia exatamente o que estava acontecendo e onde estava cada parte de ambos. Desde as palmas de suas mãos em seu peito, passando pelo peso dela sobre ele, e a fricção do sexo até a forma em que o fôlego se enroscava na garganta.
Quando gozou outra vez, seu corpo ficou rígido dos pés à cabeça, e seus lábios articularam o nome dela como em suas fantasias… Só que com mais urgência.
E então terminou.
Xhex se levantou para liberá-lo e seu pênis caiu sobre seu ventre. Comparado com o quente refúgio de seu corpo, o suave algodão da camiseta que usava era como lixa, e a temperatura ambiente estava gelada. A cama se moveu quando ela se estendeu a seu lado, e ele girou para encará-la na escuridão. Sua respiração era difícil, mas ansiava beijá-la no interlúdio antes que o fizessem outra vez.
John estendeu a mão e sentiu que ela se esticava quando a pousou sobre a lateral de seu pescoço, mas ela não se afastou. Deus, sua pele era suave… Oh, tão suave. Embora os músculos que percorriam seus ombros fossem como aço, a pele que os cobria era suave como a seda.
John se moveu devagar ao levantar a parte superior de seu corpo e se inclinar sobre ela, deslocando a carícia até sua bochecha, embalando o rosto brandamente, encontrando seus lábios com o polegar.
Não queria pressioná-la. Ela tinha feito a maior parte do trabalho e o tinha feito espetacularmente. Mais que isso, tinha lhe dado o dom do sexo e mostrou que apesar do que lhe tinham feito, ainda era um macho, ainda era capaz de desfrutar com aquilo que seu corpo nasceu para fazer. Se era ele quem iniciaria o primeiro beijo entre eles, estava decidido a fazê-lo bem.
Baixou a cabeça…
— Isto não se trata disso. — Xhex o empurrou, desceu da cama, e entrou no banheiro.
A porta se fechou, e o pênis de John murchou sobre sua camiseta quando ouviu  cair à água: ela estava limpando-se dele, desfazendo-se do que seu corpo lhe tinha dado. Com as mãos tremendo, meteu-se de novo em seu jeans, tratando de ignorar a umidade e o aroma erótico.
Quando Xhex saiu, recolheu sua jaqueta, e foi abrir a porta. Quando a luz do vestíbulo entrou, converteu-a em uma destacada sombra negra, alta e forte.
— Já amanheceu, no caso de não ter checado seu relógio. — fez uma pausa — E aprecio que tenha sido discreto a respeito de minha… Situação.
A porta fechou silenciosamente atrás dela.
Assim, esse era o porquê atrás de sua atuação. Tinha dado sexo a ele para agradecer por que manteve seu segredo.
Cristo, como podia ter pensado que fosse algo mais?
Completamente vestidos. Sem beijos. E estava bastante seguro que tinha sido o único que gozou: sua respiração não se alterou, não tinha gemido, não a alagou o alívio depois de fazê-lo. Não que ele soubesse muito sobre fêmeas e orgasmos, mas era o que aconteceu a ele quando gozou.
Não foi uma transa por pena. Foi uma por gratidão.
John esfregou seu rosto. Era tão estúpido. Por pensar que tinha significado algo.
Tão, mas tão estúpido.
 
Tohr acordou com o estômago como se tivesse sido pintado com um spray da cor da dor. A agonia era tão intensa que em seu sonho pós-alimentação de morto para o mundo, rodeou seu ventre com os braços e se encurvou sobre si mesmo.
Endireitando de sua posição encurvada e tremente, perguntou-se se teria havido algo mau no sangue…
Os rugidos que emitia eram o suficientemente altos para rivalizar com um triturador de lixo.
A dor… Era fome? Baixou os olhos para a fossa côncava que havia entre seus quadris. Esfregou a superfície dura e plana. Escutou outro rugido.
Seu corpo exigia comida, quantidades industriais de sustento.
Olhou o relógio. Dez da manhã. John não passara para vê-lo para a Última Comida.
Tohr se ergueu sem utilizar os braços e foi ao banheiro sobre pernas que sentia curiosamente firmes. Usou o vaso, mas não para vomitar, depois lavou o rosto, e se deu conta que não tinha roupa que vestir.
Vestindo um robe de felpa, saiu de seu dormitório pela primeira vez desde que tinha entrado nele.
As luzes do corredor das estátuas o fizeram piscar como se fossem focos de um cenário, e necessitou um minuto para adaptar-se a… Tudo.
Estendendo-se para cima e abaixo pelo corredor, os machos de mármore em suas várias posturas estavam tal e como os recordava: tão fortes, elegantes e estáticos, e sem motivo aparente, recordou o Darius comprando-os um a um, formando a coleção. Naquela época, quando D se pôs em ritmo de compra, enviara Fritz aos leilões da Sotheby’s e Christie’s em Nova Iorque, e, quando cada uma das obras de mestres era entregue em uma caixa com todo esse estofo e esses tecidos as envolvendo, o irmão fazia uma festa de inauguração.
D amara a arte.
Tohr franziu o cenho. Wellsie e seu filho não nascido seriam sempre sua primeira e mais importante perda. Mas tinha mais mortos que vingar, ou não? Os lessers levaram não só sua família, mas também seu melhor amigo.
A fúria se agitou nas profundezas de seu ventre… Desencadeando outro tipo de fome. De guerra.
Com uma concentração e uma determinação que eram de uma única vez estranhas e familiares, Tohr se dirigiu para a escada principal e se deteve quando chegou às portas quase fechadas do escritório. Percebeu Wrath atrás delas, mas, na realidade não queria interagir com ninguém.
Ao menos pensava isso.
Então, por que simplesmente não ligou à cozinha para pedir comida?
Tohr espiou através da fresta entre as portas.
Wrath estava dormindo em seu escritório, seu comprido e brilhante cabelo negro se abria em leque sobre a papelada e tinha um antebraço dobrado sob a cabeça como se fosse um travesseiro. Na mão livre, ainda sustentava a lupa que devia usar se queria tentar ler algo.
Tohr entrou na sala. Jogando um olhar a seu redor, viu o suporte da chaminé e pôde imaginar o Zsadist ajeitado contra ela, com uma expressão séria em seu rosto marcado e os olhos negros brilhantes. Phury sempre estava perto dele, geralmente sentado na chaise azul pálido que havia ao lado da janela. V e Butch tinham tendência a se apropriar do sofá alto e frágil. Rhage escolhia diferentes lugares dependendo de seu humor…
Tohr franziu o cenho quando notou o que estava junto a escrivaninha de Wrath.
A horrenda e andrajosa poltrona verde-abacate, com remendos puídos nas almofadas de couro… Era a cadeira de Tohr. A que Wellsie insistiu em jogar fora porque parecia um fiasco. A que ele tinha posto no escritório do centro de treinamento.
— Trouxemos aqui para que John voltasse para a mansão.
Tohr girou a cabeça bruscamente. Wrath estava levantando a cabeça do braço e sua voz era tão grogue como a aparência de seu rosto.
O rei falou lentamente, como se não quisesse assustar sua visita.
— Depois do que aconteceu, John não queria sair do escritório. Negava-se a dormir em outro lugar que não fosse essa cadeira. Que enredo… Comportava-se mal nos treinamentos. Metia-se em brigas. Ao final me pus firme, mudei esse traste inútil para cá, e as coisas melhoraram. — Wrath girou para a cadeira — Costumava lhe agradar sentar-se ali e me olhar trabalhar. Após sua transição e as incursões ocorridas no verão, esteve saindo para lutar de noite e dormindo durante o dia, assim não esteve aqui tanto tempo. De certa forma sinto sua falta.
Tohr tomou um susto. Tinha feito uma boa merda a esse pobre menino. Certo, fora incapaz de atuar diferente, mas John sofreu um montão.
Ainda sofria.
Tohr se envergonhou de si mesmo ao pensar em como despertava nessa cama cada manhã e cada tarde e John levava a bandeja e se sentava com ele enquanto comia… E permanecia ali, como se o menino soubesse que assim que ficasse sozinho, vomitaria a maior parte do que tivesse lhe servido.
John teve que enfrentar a morte de Wellsie por si só. Atravessar a transição por si só. Atravessar muitas primeiras vezes por si só.
Tohr se sentou no sofá de V e Butch. A coisa se sentia surpreendentemente firme, mais do que lembrava. Pondo as palmas de suas mãos sobre as almofadas, empurrou.
— Foi reforçado enquanto não estava. — disse Wrath tranqüilamente.
Houve um bom período de silêncio, a pergunta que Wrath queria fazer pairava no ar tão clamorosamente como o eco das badaladas dos sinos de uma capela privada.
Tohr clareou a garganta. A única pessoa com a qual poderia ter falado a respeito do que tinha em mente era Darius, mas o irmão estava morto e enterrado. Não obstante, Wrath era a próxima pessoa a que considerava mais próxima…
— Foi… — Tohr cruzou os braços sobre o peito — Estive bem. Ela ficou detrás de mim.
Wrath assentiu lentamente.
— Boa idéia.
— Foi idéia dela.
— Selena está bem. Bondosa.
— Não estou certo de quanto tempo me levará. — disse Tohr, não querendo sequer falar da fêmea — Já sabe, estar preparado para lutar. Terei que treinar um pouco. Ir ao campo de tiro. Fisicamente? Não tenho idéia de como se recuperará meu corpo.
— Não se preocupe pelo tempo. Só cure.
Tohr baixou o olhar para suas mãos e as apertou formando um par de punhos. Não tinha carne sobre os ossos, por isso os nódulos se sobressaíam na pele como se fosse um mapa em relevo das Adirondacks, nada mais que picos dentados e vales cavados.
Seria uma longa viagem de retorno, pensou. E, inclusive uma vez que estivesse fisicamente forte, em seu baralho de cartas mental ainda lhe faltariam todos os ases. Sem importar quanto pesasse nem quão bem lutasse nada trocaria isso.
Houve um golpe seco na porta e fechou os olhos, rezando para que não fosse um de seus irmãos. Não queria dar muita importância a sua volta à terra dos vivos.
Sim. Hurra. Uau. Bárbaro.
— O que ocorre, Qhuinn? — perguntou o rei.
— Encontramos o John. Mais ou menos.
As pálpebras de Tohr se abriram amplamente e deu a volta, franzindo o cenho ao menino que estava na porta. Antes que Wrath pudesse falar, Tohr exigiu:
— Estava perdido?
Qhuinn pareceu surpreso de vê-lo de novo em pé, mas o macho se recompôs rapidamente enquanto Wrath exigia:
— Por que não me informou que se foi?
— Não sabia que se foi. — Qhuinn entrou, e o ruivo das aulas de treinamento, Blay, estava com ele — Disse a ambos que estava fora do turno de rodízios e que iria dormir. Nós acreditamos, e antes que me arranque às bolas, durante todo esse tempo fiquei em meu quarto porque pensei que ele estava no seu. Assim que me dei conta de que não estava ali, fomos buscá-lo.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e depois interrompeu a desculpa de Qhuinn.
— Ah, está bem, filho. Não sabia. Não podia fazer nada. Onde caralho está?
Tohr não escutou a resposta devido ao rugido que havia em sua cabeça. John estava em Caldwell sozinho? Foi sem dizer a ninguém? E se aconteceu algo?
Interrompeu a conversa.
— Esperem, onde está?
Qhuinn levantou seu telefone.
— Não quis dizer. Só escreveu que está a salvo, em qualquer lugar que esteja, e que se encontrará conosco amanhã de noite.
— Quando voltará para casa? — exigiu Tohr.
— Acredito, — disse Qhuinn encolhendo de ombros — que não voltará.


Capítulo 36


A mãe de Rehvenge fez a passagem para o Fade às onze e onze da manhã.
Estava rodeada por seu filho, sua filha, sua neta adormecida, seu feroz genro e atendida por sua querida doggen.
Foi uma morte plácida. Uma morte muito plácida. Fechou os olhos, e uma hora mais tarde ofegou duas vezes e deixou escapar uma longa exalação, como se seu corpo suspirasse de alívio enquanto sua alma voava livre do aprisionamento corpóreo. E foi estranho… Nalla despertou nesse momento e a menina cravou o olhar não em sua granhmen, mas, um pouco mais acima da cama. As pequenas mãos gordinhas se estenderam ao alto, sorriu e gorjeou como se alguém acabasse de acariciar sua bochecha.
Rehv baixou os olhos para o corpo. Sua mãe sempre acreditou que renasceria no Fade, as raízes de sua fé foram plantadas no fértil terreno de sua educação como Escolhida. Esperava que isso fosse certo. Queria acreditar que vivia em algum lugar.
Foi a única coisa que aliviou, embora fosse um pouco, a dor que sentia no peito.
Quando a doggen começou a chorar baixinho, Bella abraçou sua filha e Zsadist. Rehv permaneceu afastado deles, sentado sozinho aos pés da cama, observando como o rosto de sua mãe ia perdendo a cor.
Quando um formigamento floresceu em suas mãos e pés, recordou que o legado de seu pai, assim como o de sua mãe, estaria sempre com ele.
Levantou-se, fez uma pequena reverência a todos, e se desculpou. No banheiro do quarto onde se hospedava, olhou sob o lavabo e deu graças à Virgem Escriba de ter sido bastante inteligente para colocar um par de ampolas de dopamina na parte de atrás. Acendendo a luz do teto, tirou o casaco de zibelina e a jaqueta Gucci dos ombros. Quando o resplendor avermelhado que vinha de acima o pôs muito nervoso, porque o fez pensar que o estresse pela morte fazia aflorar seu lado perverso, apagou a luz, abriu a ducha e antes de continuar, esperou que subisse o vapor.
Engoliu outras duas pílulas de penicilina enquanto tamborilava o chão com o mocassim.
Quando se considerou capaz de suportar, enrolou a manga da camisa e deliberadamente ignorou seu reflexo no espelho. Após encher uma seringa de injeção, utilizou o cinto LV[69] para formar um laço que pôs ao redor de seus bíceps, logo puxou o couro negro, dobrou-o e o aprisionou contra as costelas.
Introduziu a agulha de aço dentro de uma de suas veias infectadas e apertou o êmbolo…
— O que está fazendo?
A voz de sua irmã o fez levantar a cabeça. Através do espelho, ela estava olhando fixamente a agulha que tinha no braço e as veias judiadas e avermelhadas.
A primeira coisa que lhe ocorreu foi rosnar que saísse. Não queria que visse isto, e, não só porque significasse que teria que dizer mais mentiras. Era algo íntimo.
Em troca, tirou a seringa de injeção com calma, pôs a tampa, e a jogou. Enquanto a ducha chiava, baixou a manga, após vestiu a jaqueta e o casaco de zibelina.
Fechou a água.
— Sou diabético. — disse. Merda, dissera a Ehlena que tinha Parkinson. Maldita seja.
Bom, tampouco era como se fossem se encontrar um dia desses.
Bella levou a mão à boca.
— Desde quando? Está bem?
— Estou bem. — forçou um sorriso — Você está bem?
— Espere, desde quando isto está acontecendo?
— Estive me injetando há uns dois anos. — ao menos isto não era uma mentira — Vejo Havers com regularidade. — Ding! Ding! Outra verdade — Levo bem.
Bella olhou seu braço.
— É por isso que sempre tem frio?
— Isso é pela má circulação. Por isso necessito a bengala. Tenho um sentido ruim de equilíbrio.
— Pensei que havia dito que isso era por causa de uma ferida?
— A diabetes compromete a forma em que me curo.
— Oh, claro. — assentiu tristemente — Desejaria ter sabido.
Quando o contemplou com seus grandes olhos azuis, pensou que odiava lhe mentir, mas tudo o que tinha que fazer era pensar na plácida expressão de sua mãe.
Rehv rodeou sua irmã com o braço e a conduziu fora do banheiro.
— Não é importante. Eu cuido disso.
O ar era mais frio no quarto, mas notou só porque Bella se envolveu com seus braços e se aconchegou.
— Quando deveríamos fazer a cerimônia? — perguntou.
— Telefonarei à clínica, e farei que Havers venha aqui ao cair da noite para envolvê-la. Em seguida temos que decidir onde enterrá-la.
— No Complexo da Irmandade. Ali é onde a quero.
— Se Wrath permitir que a doggen e eu assistamos, está bem.
— É obvio. Z está agora ao telefone com o rei.
— Não acredito que fiquem muitos integrantes da glymera na cidade que queiram despedir-se.
— Pegarei sua agenda no andar de baixo e farei um anúncio.
Semelhante conversa objetiva e prática demonstrava que a morte formava, sem dúvida alguma, parte da vida.
Quando Bella deixou escapar um soluço afogado, Rehv a atraiu contra seu peito.
— Vêem aqui, minha irmã.
Enquanto permaneciam juntos com a cabeça dela apoiada em seu peito, pensou na quantidade de vezes que tinha tratado de salvá-la do mundo. Não obstante, a vida, tinha seguido seu curso de todos os modos.
Deus, quando era pequena, antes de sua transição esteve absolutamente convencido de que podia protegê-la e cuidar dela. Quando tinha fome se assegurava de que tivesse comida. Quando necessitava roupas, comprava para ela. Quando não podia dormir, ficava com ela até que fechava os olhos. Entretanto, agora que crescera, sentia como se seu repertório estivesse limitado a lhe servir simplesmente de consolo. Embora possivelmente fosse assim como funcionava. Quando é menino, um bom arrulho era tudo o que necessitava para acalmar o estresse do dia e te fazer sentir seguro.
Agora a abraçando, desejou que houvesse tais remédios rápidos para adultos.
— Sentirei sua falta. — disse Bella — Não éramos muito parecidas, mas sempre a amei.
— Você foi sua maior alegria. Sempre foi.
Bella se afastou.
— E você também.
Colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás de sua orelha.
— Você e sua família querem descansar aqui?
Bella assentiu.
— Onde ficaremos?
— Pergunte a doggen de mahmen.
— Farei isso. — Bella deu um apertão em sua mão, que ele não pôde sentir e abandonou o quarto.
Quando esteve sozinho, aproximou-se da cama e tirou o telefone celular. Ehlena não enviou uma mensagem à noite anterior, e enquanto procurava o número da clínica na agenda, tentou não se preocupar. Talvez houvesse feito o turno diurno. Deus! Esperava que sim.
Havia poucas probabilidades que tivesse ocorrido algo mau. Muito poucas.
Mas ligaria para ela depois.
— Olá, clínica. — disse a voz na Antiga Língua.
— É Rehvenge, filho de Rempoon. Minha mãe acaba de morrer, e preciso fazer os trâmites para que seu corpo seja conservado.
A fêmea ofegou ao outro extremo. Não caía bem a nenhuma das enfermeiras, mas todas elas tinham adorado sua mãe. Todo mundo a adorava…
Todo mundo a tinha adorado, melhor dizendo.
Esfregou o moicano.
— Há alguma possibilidade de que Havers possa vir à casa ao cair da noite?
— Sim, claro que sim, e posso dizer em nome de todos, que estamos profundamente afligidos por sua morte e lhe desejamos uma passagem segura ao Fade.
— Obrigado.
— Espere um momento. — quando a fêmea retornou, disse — O doutor chegará imediatamente após o pôr-do-sol. Com sua permissão, levará alguém para que o ajude…
— A quem? — não estava seguro como se sentiria se fosse Ehlena. Não queria que tivesse que tratar com outro corpo tão cedo, e o fato que fosse o de sua mãe poderia ser inclusive mais duro para ela — Ehlena?
A enfermeira vacilou.
— Ah, não, Ehlena não.
Franziu o cenho, seus instintos symphath se ativaram pelo tom da fêmea.
— Ehlena trabalhou ontem à noite? — houve outra pausa — Trabalhou?
— Sinto muito, não posso falar sobre...
Sua voz baixou convertendo-se em um grunhido.
— Trabalhou ou não. É uma pergunta simples. Fez-o. Ou não o fez.
A enfermeira ficou nervosa.
— Sim, sim, ela veio…
— E?
— Nada. Ela...
— Qual é o problema?
— Não há nenhum problema. — a exasperação que ouviu nessa voz indicou que alegres interações como essa eram parte do motivo para que o detestassem tanto.
Tratou de nivelar mais a voz.
— É evidente que há um problema, e vai me contar o que está acontecendo ou vou continuar telefonando até que alguém me diga. E, se ninguém o fizer, aparecerei frente ao balcão da recepção e vou voltar louco a cada um de vocês até que um membro da equipe ceda e me diga isso.
Houve uma pausa que vibrou com “é-tão-imbecil”.
— Bom. Ela já não trabalha aqui.
Rehv inalou emitindo um chiado e sua mão disparou para a Baggie[70] de plástico, cheia de penicilina que esteve guardando no bolso superior de seu terno.
— Por quê?
— Não revelarei isso sem importar o que faça.
 Houve um clique quando desligou.

Ehlena estava no andar de baixo, sentada à desmantelada mesa da cozinha, com o manuscrito de seu pai frente a ela. Lera duas vezes no escritório dele, em seguida o tinha deitado e subiu ali, onde o examinou uma vez mais.
O título era Na Selva Pluvial da Mente do Macaco.
Queridíssima Virgem Escriba, se antes tinha acreditado que sentia compaixão pelo macho, agora se sentia identificada com ele. As trezentas páginas manuscritas eram um tour guiado através de sua doença mental, um vívido estudo de “caminhe-um-quilometro-em-meus-sapatos” a respeito de quando tinha começado a doença e onde o tinha conduzido.
Jogou uma olhada ao papel de alumínio que cobria as janelas. As vozes que torturavam sua mente provinham de diversas fontes, e uma delas, era através das ondas de rádio que os satélites que orbitavam a terra emitiam.
Ela já sabia tudo isto.
Mas no livro, seu pai descrevia o Reynolds Wrap[71] como uma interpretação tangível da psicose: ambos, o papel alumínio e a esquizofrenia mantinham afastado o mundo real, ambos o isolavam… E com ambos em seu lugar ele estava mais seguro do que se não estivessem ao seu redor. A verdade era que ele amava sua doença tanto quanto a temia.
Fazia muitos, muitos anos, depois que a família o traíra nos negócios e o arruinara frente aos olhos da glymera, deixou de confiar em sua capacidade para ler as intenções e motivações de outros. Tinha posto sua fé nas pessoas erradas e… Isso havia lhe custado sua shellan.
O certo era que Ehlena teve uma idéia equivocada a respeito da morte de sua mãe. Logo após a grande queda, sua mãe havia se amparado no láudano para ajudá-la a agüentar, e o alívio transitório floresceu convertendo-se em uma muleta, quando a vida como ela a conheceu desmoronou… O dinheiro, a posição, as casas, as posses, abandonaram-na como formosas pombas debandando sobre um campo, indo a um lugar mais seguro.
E, a seguir veio o fracasso do compromisso de Ehlena, o macho se distanciou antes de declarar publicamente que terminava a relação… Porque Ehlena o tinha seduzido levando-o a sua cama e aproveitando-se dele.
Isto para sua mãe tinha sido a gota que transbordou o copo.
O que fora uma decisão conjunta entre Ehlena e o macho se voltou contra Ehlena convertendo-a em uma fêmea sem valor, em uma meretriz do inferno que corrompeu um macho que unicamente tivera as mais honoráveis das intenções. Tendo forjado essa reputação na glymera, Ehlena nunca poderia ter se casado, embora sua família mantivesse o status perdido.
À noite em que estalou o escândalo, a mãe de Ehlena foi para seu quarto e horas mais tarde foi encontrada morta. Ehlena sempre supôs que foi por uma overdose de láudano, mas não. De acordo com o manuscrito, cortou as veias e sangrou sobre os lençóis.
Seu pai começou ouvir vozes no momento em que viu sua fêmea morta na cama matrimonial, com o pálido corpo emoldurado pela auréola vermelho intenso do derramamento de sua vida.
Na medida em que a doença mental avançava, se refugiara cada vez mais na paranóia, mas de maneira estranha se sentia mais seguro ali. Em sua mente, a vida real estava repleta de gente que podia ou não traí-lo. Sem dúvida, todas as vozes de sua cabeça o perseguiam. Como esses macacos loucos que se lançavam ao ar e saltavam entre os ramos do bosque da doença, fazendo chover ramos e duros caroços de fruta sobre ele em forma de pensamentos, podia dizer que conhecia seus inimigos. Podia vê-los, senti-los e conhecê-los pelo que eram, e as armas que tinha para combatê-los, era uma geladeira bem organizada, estanho sobre as janelas, rituais verbais e seus escritos.
Fora, no mundo real? Estava desprotegido e perdido, a mercê de outros, sem defesas para julgar o que era perigoso e o que não. Por outro lado na doença, era onde queria estar, porque como dizia ele, conhecia os limites da selva e os caminhos que rodeavam os troncos e as tribulações dos macacos.
Ali sua bússola mantinha um verdadeiro norte.
Para surpresa de Ehlena? Não, tudo era sofrimento para ele. Antes de cair doente, foi um advogado litigante em assuntos da Antiga Lei, um macho reconhecido por sua afeição ao debate e sua avidez de encontrar oponentes difíceis. Na doença, tinha encontrado exatamente a mesma classe de conflitos com que desfrutara quando estava são. As vozes em sua mente como escreveu ele com a ironia de sua auto-realização, eram igualmente inteligentes e direitas como ele para debater. Para ele, seus violentos episódios eram nada mais que o equivalente mental de um bom combate de boxe, e como no fim sempre saia dele, sempre se sentia vencedor.
Também era consciente que nunca sairia da selva. Era como disse na última linha do livro, sua ultima direção antes de ir para o Fade. E seu único pesar era que ali só havia espaço para um único habitante, que sua estada entre os macacos significava que não podia estar com ela, sua filha.
Entristecia-o a separação e a carga que representava para ela.
Sabia que ele era muito difícil de tratar. Era consciente dos sacrifícios que fazia. Afligia-se pela solidão em que ela se encontrava.
Era tudo o que ela queria escutá-lo dizer, e, enquanto sustentava as páginas, não importava que fosse por escrito e não verbalmente. Em todo caso, era melhor desta maneira porque podia lê-las uma e outra vez.
Seu pai sabia muito mais do que ela pensava.
E, estava muito mais contente do que jamais poderia imaginar.
Passou a palma da mão sobre a primeira página. A escrita à mão, que estava em azul, porque um advogado adequadamente instruído nunca escrevia em negro, era tão limpa e nítida como a narração do passado, e, tão elegante e de bom gosto como as consideráveis conclusões às que tinha chegado e as apreciações em profundidade que oferecia.
Deus... Vivera com ele durante tanto tempo, e somente agora sabia o que ele vivia.
E todo mundo era assim, não? Cada um em sua selva pluvial particular, sozinhos sem importar quantos parentes andasse ao seu lado.
A saúde mental era simplesmente um assunto de ter menos macacos? Talvez a mesma quantidade, com a condição de que fossem agradáveis?
O amortecido som de um telefone celular a fez levantar a cabeça. Esticando a mão até o outro lado da mesa, tirou-o do bolso do casaco e atendeu.
— Alô? — no silêncio que seguiu soube quem era — Rehvenge?
— Despediram-na.
Ehlena apoiou o cotovelo sobre a mesa e cobriu a testa com a mão.
— Estou bem. A ponto de ir dormir. E você?
— Foi devido às pílulas que me trouxe, verdade?
— O jantar foi realmente bom. Requeijão e palitos de cenoura…
— Deixe disso já. — ladrou.
Deixou cair o braço e franziu o cenho.
— Como?
— Por que fez isso, Ehlena? Por que demônios…
— Ok, vai reconsiderar seu tom de voz ou esta conversa receberá a tecla de fim.
— Ehlena, você precisa desse trabalho.
— Não me diga o que necessito.
Ele soltou uma maldição. Soltou mais algumas.
— Sabe, — murmurou ela — se acrescentar uma trilha sonora e algumas metralhadoras, teremos um filme Duro de Matar[72]. Falando disso, como ficou sabendo?
— Minha mãe morreu.
Ehlena ofegou.
— Que...? Oh, meu Deus, quando? Quero dizer, sinto muito…
— Fará meia hora.
Lentamente negou com a cabeça.
— Sinto muito, Rehvenge.
— Telefonei à clínica para... Fazer os acertos. — Exalou com o mesmo tipo de esgotamento que ela sentia. Enfim… Sim. — Nunca me enviou a mensagem dizendo que tinha chegado à clínica a salvo. Assim perguntei, e foi assim.
— Maldita seja, tinha a intenção de fazê-lo, mas... — bom, estava ocupada sendo despedida.
— Mas essa não foi a única razão pela qual quis te ligar.
— Não?
— Eu só... Precisava ouvir sua voz.
Ehlena respirou profundamente, e fixou os olhos nos artigos do manuscrito de seu pai. Pensou em tudo, tanto o bom e o mau, o que descobriu, nessas páginas.
—É engraçado, — respondeu — esta noite sinto o mesmo.
— Sério? Como… De verdade?
— Absoluta e definitivamente… Sim.


Capítulo 37


Wrath estava de mau humor, e sabia por que o ruído que o doggen fazia ao encerar a balaustrada de madeira na parte superior da escada principal lhe dava vontade de atear fogo em toda a fodida mansão.
Pensava em Beth. O que explicava por que enquanto se sentava atrás de seu escritório a dor no peito o estava matando.
Não que não compreendesse por que estava aborrecida com ele. E, não era que acreditasse que não merecia algum tipo de castigo. Simplesmente odiava o fato de Beth não estar dormindo na casa e que ter de mandar uma mensagem de texto à sua shellan para lhe pedir permissão para ligar para ela.
O fato de não ter dormido durante dias também devia contribuir para ficar de saco cheio.
E era provável que precisasse se alimentar. Mas, assim como com o sexo, passou tanto tempo da última vez que o fez, que mal podia lembrar como era.
Passeou o olhar pelo escritório e desejou poder automedicar o impulso de gritar receitando uma saída para lutar contra algo: suas únicas outras opções eram ir ao ginásio ou embebedar-se, e acabava de voltar do primeiro e não estava absolutamente interessado no último.
Verificou o telefone outra vez. Beth não devolveu a mensagem, e fazia três horas que a mandara. E estava bem. Provavelmente estivesse ocupada ou dormindo.
E uma merda que estava tudo bem.
Ficou de pé, deslizando seu RAZR no bolso de trás de sua calça de couro, e se dirigiu para as portas duplas. O doggen no corredor estava pondo a alma e a vida na rotina de passar cera e abrilhantar, e graças a seus esforços se elevava um denso e fresco aroma de limão.
— Meu senhor. — disse o doggen, fazendo uma profunda reverência.
— Está fazendo um grande trabalho.
— É um prazer. — sorriu o macho — É minha alegria servir a você e a sua família.
Wrath colocou uma palma no ombro do criado e se foi trotando escada abaixo. Quando chegou ao chão de mosaicos do vestíbulo, virou à esquerda, para a cozinha, e se alegrou de que não houvesse ninguém dentro. Abrindo o refrigerador, confrontou todo tipo de sobras e tirou um peru pela metade sem nenhum entusiasmo.
Girando para os armários…
— Olá.
Voltou a cabeça bruscamente sobre o ombro.
— Beth? O que está…? Pensei que estava em Lugar Seguro.
— Estava. Mas acabo de retornar.
Franziu o cenho. Por ser mestiça, Beth podia tolerar a luz do sol, mas punha os fodidos cabelos dele em pé cada vez que ela se aventurava durante o dia. Não discutiria isso agora. Ela sabia o que ele pensava, e, além disso, estava em casa e isso era tudo o que importava.
— Estava fazendo algo para comer. — disse, embora certamente, o peru que estava sobre a tábua de açougueiro evidenciava — Quer se unir a mim?
Deus! Adorava o modo que cheirava. Rosas florescendo na noite. Para ele era mais acolhedor que qualquer cera com aroma de limão, mais magnífico que qualquer perfume.
— Que tal se fizer algo para ambos? — disse ela — Parece que está a ponto de cair.
Esteve a ponto de dizer: não, estou bem, e então se deteve. Inclusive a menor das meias verdades acentuaria os problemas entre eles… E o fato de que ele estivesse absolutamente esgotado sequer era uma mentira pequena.
— Isso seria genial. Obrigado.
— Sente-se. — disse, aproximando-se dele.
Ele queria abraçá-la.
E o fez.
Os braços de Wrath se separaram repentinamente, fechando-se sobre ela, e a atraíram para seu peito. Dando-se conta do que tinha feito, ia soltá-la, mas ela permaneceu com ele, mantendo seus corpos juntos. Estremecido, deixou cair a cabeça sobre seu perfumado e sedoso cabelo e a apertou, moldando sua suavidade contra os contornos de seus duros músculos.
— Senti tanto sua falta. — lhe disse.
— Também senti sua falta.
Quando ela relaxou contra ele, não foi tão parvo para acreditar que este momento era uma panacéia instantânea, mas tomaria o que lhe oferecia.
Afastando-se, subiu os óculos escuros acima de sua cabeça para que pudesse ver seus olhos inúteis. Para ele, o rosto de Beth era impreciso e formoso, embora o aroma de chuva fresca que era a essência das lágrimas não o agradou.
Acariciou ambas as bochechas com os polegares.
— Permitirá que te beije? — perguntou.
Quando assentiu, sustentou seu rosto entre as palmas de suas mãos e baixou a boca par a dela. O agradável contato foi absoluta e esmagadoramente familiar e ao mesmo tempo algo do passado. Parecia ter passado uma eternidade desde que fizessem algo mais que dar-se beijinhos… E a separação não era só devido ao que ele tinha feito. Era por tudo. A guerra. Os Irmãos. A glymera. John e Tohr. A família.
Sacudindo a cabeça, disse:
— A vida se converteu em um obstáculo para nossa vida.
—Tem muita razão. — acariciou seu rosto com a palma da mão — Também afetou sua saúde. Assim, quero que se sente ali e me permita te dar de comer.
— Supõe-se que é o inverso. O macho dá de comer a sua fêmea.
— É o rei. — sorriu — Você faz as regras. E sua shellan gostaria de te servir.
— Amo você. — atraiu-a novamente e a apertou e simplesmente ficou agarrado a sua companheira — Não tem que me responder com o mesmo…
— Também te amo.
Agora chegou a vez dele se afrouxar contra ela.
— Hora de que coma. — disse ela, arrastando-o para a mesa de carvalho de estilo rústico e afastando uma cadeira para que se sentasse.
Ao sentar-se deu um pulo, elevou os quadris e tirou o celular do bolso. A coisa começou a dar saltos sobre a mesa, chocando-se contra o saleiro e o pimentero.
— Sanduíche? — perguntou Beth.
— Isso seria genial.
— Para você serão dois.
Wrath voltou a pôr os óculos de sol em seu lugar, porque a luz do teto fazia com que sua cabeça pulsasse. Quando isso não foi suficiente, fechou os olhos, e embora não pudesse ver Beth mover-se pelo lugar, os sons que fazia na cozinha o acalmaram como uma canção de ninar. A ouviu abrir as gavetas, e o repicar dos utensílios dentro das mesmas. Em seguida ouviu o refrigerador abrir com um ofego e houve ruído de fricção, seguido de vidro golpeando vidro. A gaveta do pão foi deslizada para fora e o pacote de plástico que cobria o centeio que gostava, rangeu. Sentiu o rasgar de uma faca ao atravessar uma alface…
— Wrath?
O suave som de seu nome o fez abrir as pálpebras e levantar a cabeça.
— Qu…?
— Cochilou. — a mão de sua shellan alisou seu cabelo — Come. Em seguida vou te levar para a cama.
Os sanduíches estavam exatamente como gostava: sobrecarregados de carne, pouco alface e tomates e com muita maionese. Comeu ambos, e embora deveria tê-lo animado, o esgotamento que lhe aferrava o corpo com seu punho mortal pegou com mais força.
— Anda, vamos. — Beth o puxou pela mão.
— Não, espere. — disse, despertando — Preciso te dizer o que vai acontecer ao anoitecer desta noite.
— Ok. — em seu tom de voz havia certa insinuação de tensão, como se estivesse preparando a si mesma.
— Sente-se. Por favor.
Puxou a cadeira de debaixo da mesa com um ranger e acomodou lentamente seu peso.
— Alegra-me que esteja sendo completamente sincero comigo. — murmurou — Com respeito ao que for.
Wrath acariciou seus dedos com os seus, tentando acalmá-la, pois sabia que o que tinha que dizer somente a preocuparia mais.
— Alguém… Bem, provavelmente mais de um, mas pelo menos um que saibamos, quer me matar. — a mão de Beth se esticou na sua, e ele seguiu acariciando-a, tentando relaxá-la — Vou me reunir com o conselho da glymera esta noite, e espero… Problemas. Todos os Irmãos vêm comigo e não atuaremos como estúpidos, mas não vou mentir te dizendo que é uma situação comum.
— Este… Alguém… É obviamente parte do conselho, verdade? Assim vale a pena que vá em pessoa?
— O que começou tudo não representará um problema.
— Como é isso?
— Rehvenge fez com que o assassinassem.
Voltou a apertar suas mãos.
— Jesus… — tomou um profundo fôlego. E outro — Oh… Deus querido.
— A pergunta que todos nos fazemos agora é, quem mais está nisso? Isso é parte do motivo pela qual minha presença nessa reunião é tão importante. É também uma demonstração de força, e isso é de importância. Não fujo. Nem tampouco os Irmãos.
Wrath se preparou para que lhe dissesse: “Não, não vá”, e se perguntou o que faria então.
Mas a voz de Beth foi tranqüila.
— Compreendo. Mas tenho um pedido.
As sobrancelhas se arquearam, aparecendo por cima dos óculos de sol.
— E é?
— Quero que use um colete à prova de balas. Não é que duvide dos Irmãos… É só que me daria um pouco mais de consolo.
Wrath piscou. Após levou suas mãos aos lábios e as beijou.
— Posso fazer isso. Por você, certamente que posso fazê-lo.
Ela assentiu uma vez e se levantou da cadeira.
— Ok. Ok… Bem. Agora, anda, vamos nos deitar. Estou tão esgotada como você se vê.
Wrath ficou de pé, atraiu-a para ele, e juntos saíram ao vestíbulo, e seus pés cruzaram o mosaico de uma macieira em flor.
— Amo você. — disse ele — Estou tão apaixonado por você.
Beth apertou o braço que tinha ao redor de sua cintura e pôs o rosto contra seu peito. O aroma acre e defumado do medo emanava dela, contaminando seu aroma natural a rosas. E, ainda apesar de tudo, fez um gesto afirmativo com a cabeça e disse:
— Sua rainha tampouco foge, sabe?
— Sei. Eu… Sei totalmente.

Em seu dormitório no refúgio de sua mãe, Rehv impulsionou seu corpo para trás até que esteve apoiado contra os travesseiros. Enquanto acomodava o casaco de marta sobre seus joelhos, disse ao seu celular:
— Tenho uma idéia. Que tal se começarmos de novo esta chamada telefônica?
A suave risada de Ehlena se fez sentir estranhamente otimista.
— Bom. Ligará outra vez ou…
— Diga-me, onde está?
— Em cima, na cozinha.
O que explicava o leve eco.
— Pode ir ao seu quarto? Relaxar?
— Vai ser uma conversa longa?
— Bom, reconsiderarei meu tom e preste atenção. — baixou a voz um tom, convertendo-se em um completo Lotário — Por favor, Ehlena. Vai para cama e me leve contigo.
Ela ficou sem fôlego e riu outra vez.
— Que melhora.
— Eu sei, certo… Para que não pense que não recebo bem as ordens. Agora, que tal se me devolver o favor. Vai para seu dormitório e se ponha cômoda. Não quero estar sozinho, e tenho a sensação de que você tampouco.
Em vez de um “É verdade”, ouviu o gratificante som de uma cadeira sendo afastada. Quando começou a andar, o som amortecido de seus passos lhe pareceu encantador, o rangido da escada não… Porque o som o fazia perguntar-se onde exatamente vivia com seu pai. Esperava que fosse uma casa antiga com pranchas velhas e antiquadas, e não uma que estivesse deteriorada.
Ouviu o chiado de uma porta ao abrir-se e houve uma pausa, e estava disposto a apostar a que estava verificando como estava seu pai.
— Está dormindo profundamente? — perguntou Rehv.
As dobradiças chiaram outra vez.
— Como soube?
— Porque é boa assim.
Houve outro ruído de porta e logo o clique de uma fechadura ao encaixar em seu lugar.
— Dará-me um minuto?
Um minuto? Merda daria o mundo se pudesse.
— Tome seu tempo.
Houve um som surdo, como se tivesse deixado o telefone sobre um edredom ou uma colcha. Mais protestos de porta. Silêncio. Outro chiado e o débil gorgojeio da descarga de um vaso sanitário. Pisadas. Saltos na cama. Um ranger próximo e logo…
— Alô?
— Cômoda? — disse ele, consciente de que estava sorrindo como um idiota… Fora que, Deus, a idéia de tê-la onde ele desejava que estivesse era fantástica.
— Sim, e você?
— Mais do que possa acreditar. — por outro lado, com sua voz no ouvido, poderia estar no processo de lhe arrancarem as unhas e ainda estaria igualmente alegre.
O silêncio que seguiu foi tão suave como a zibelina de seu casaco e igualmente quente.
— Quer falar de sua mãe? — perguntou ela gentilmente.
— Sim. Embora não sei o que dizer, além de que se foi serenamente e rodeada de sua família, e isso é tudo o que qualquer um poderia pedir. Chegou seu tempo.
— Embora sentirá sua falta.
— Sim. Farei.
— Há algo que possa fazer?
— Sim.
— Diga-me.
— Permita-me cuidar de você.
Ela riu baixinho.
— Certo. Que tal se te ponho a par de algo. Neste tipo de situação, se supõe que é você quem terá que ser cuidado.
— Mas ambos sabemos que fui o que tirou seu trabalho…
— Pare. — houve outro rangido, como se houvesse se incorporando sobre os travesseiros — Tomei a decisão de te levar essas pílulas, sou uma adulta suscetível de cometer um erro de julgamento. Não está em dívida comigo, porque fui eu quem colocou os pés pelas mãos.
— Discordo completamente. Mas, deixando isso de lado, falarei com Havers quando vier aqui para…
— Não, não o fará. Querido Senhor, Rehvenge, sua mãe acaba de morrer. Não deve preocupar-se por…
— O que podia fazer por ela, está feito. Permita-me te ajudar. Posso falar com Havers…
— Não mudará as coisas. Já não confiará em mim, e não posso culpá-lo.
— Mas as pessoas cometem enganos.
— E alguns não podem ser remediados.
— Não acredito nisso. — embora como symphath, não era exatamente perito na merda da moral de alguém. Nem com muito — Especialmente quando se trata de você.
— Não sou diferente dos demais.
— Olhe. Não me faça arruinar meu tom outra vez. — advertiu — Fez algo por mim. Quero fazer algo por você. É uma simples troca e intercâmbio.
— Mas conseguirei outro trabalho e estive fazendo as coisas funcionarem por mim mesma, durante muito tempo. Acontece que é uma de minhas aptidões essenciais.
—Não duvido. — deteve-se para causar efeito e jogou a melhor carta que tinha — Embora este seja o assunto, não pode me deixar com esta carga sobre minha consciência. Vai me comer por dentro. Sua má escolha foi resultado da minha.
Ela riu brandamente.
— Por que não me surpreende que conheça minhas debilidades? E realmente o aprecio, mas se Havers perverter as regras por mim, que tipo de mensagem transmitiria? Ele e Catya, minha supervisora, já anunciaram ao resto do pessoal. Agora não podem voltar atrás, nem eu ia querer que o fizesse somente porque você está disposto a utilizar uma mão dura com ele.
Bem, merda, pensou Rehv. Tinha planejado manipular a mente de Havers, mas isso não se ocuparia de todas as demais pessoas que trabalhavam na clínica, verdade?
— Bom, então me permita te ajudar até que possa se recuperar.
— Obrigada, mas…
Ele quis amaldiçoar.
— Tenho uma idéia. Se reúna comigo em minha casa para discutir a respeito disso?
— Rehv…
— Excelente. Tenho que me ocupar de minha mãe mais cedo pela tarde e tenho uma reunião à meia-noite. O que te parece às três da manhã? Maravilhoso… Verei-a então.
Durante um instante se fez silêncio e logo ela riu entre dentes.
— Sempre consegue o que deseja. Verdade?
— Bastante freqüentemente.
— Bem. Três em ponto desta noite.
— Estou tão feliz de ter trocado de tom, você não?
Ambos riram, e a tensão se escorreu da conexão como se fosse drenada.
Quando se ouviu outro rangido, ele supôs que significava que estava voltando a deitar-se e ficando cômoda outra vez.
— Então posso te contar algo que meu pai fez? — disse ela abruptamente.
— Pode me contar isso e logo me explicar porque não comeu mais no jantar. E, depois vamos falar sobre o último filme que viu, os livros que tem lido e a respeito do que pensa sobre o aquecimento global.
— De verdade, tudo isso?
Deus! Amava sua risada.
— Sim. Estamos em rede, assim é grátis. Oh, e quero saber qual é sua cor favorita.
— Rehvenge… Realmente não quer estar sozinho, verdade? — as palavras foram ditas suavemente e quase distraidamente, como se o pensamento escapulisse por sua boca.
— Neste momento… Unicamente o que quero é estar contigo. Isso é tudo o que sei.
— Tampouco estaria preparada. Se meu pai morresse esta noite, não estaria pronta para deixá-lo ir.
Ele fechou os olhos.
— Isso é… — teve que esclarecer a garganta — Assim é exatamente como me sinto. Não estou preparado para isto.
— Seu pai também morreu. Assim sei que é muito mais difícil.
— Bom, sim ele está morto, embora não sinto sua falta absolutamente. Ela sempre foi a única para mim. E tendo ido ela… Sinto como se acabasse de dirigir até meu lar para encontrar que alguém o queimou. Quero dizer, não a via todas as noites nem sequer todas as semanas, mas sempre tinha a possibilidade de ir vê-la, me sentar com ela e cheirar seu Chanel Nº 5. De ouvir sua voz e vê-la ao outro lado de uma mesa. Essa possibilidade… Era onde residiam meus alicerces, e não tinha me dado conta até que a perdi. Merda… Estou falando sem sentido.
— Não, tem muito sentido. A mim ocorre o mesmo. Minha mãe se foi e meu pai… Está aqui, mas não está. Assim, também sinto que não tenho um lar. Que estou à deriva.
Esta era a razão para as pessoas se casarem, pensou Rehv subitamente. Esquece o sexo e a posição social. Se fossem preparadas, fariam-no para construir uma casa sem paredes, um teto invisível e um chão que ninguém pudesse pisar… E que não obstante a estrutura fosse um refúgio que nenhuma tormenta pudesse derrubar, e nenhum fósforo pudesse incendiar, nem o passar dos anos pudesse degradar.
Nesse momento se deu conta. Um vínculo de emparelhamento como esse te ajudava a superar noites de merda como esta.
Bella tinha encontrado esse refúgio com seu Zsadist. E possivelmente seu irmão mais velho precisasse seguir o exemplo de sua irmã.
— Bom, — disse Ehlena com estupidez — se quiser posso responder a pergunta a respeito de minha cor favorita. Possivelmente evite que as coisas fiquem muito profundas.
Rehv sacudiu a si mesmo e retornou ao assunto.
— E qual seria?
Ehlena pigarreou um pouco.
— Minha cor favorita é o… Ametista.
Rehv sorriu até que doeram suas bochechas.
— Acredito que é uma cor genial para que você goste. A cor perfeita.


Capítulo 38


No funeral de Chrissy havia quinze pessoas que a conheceram e uma que não… E, Xhex escrutinou o cemitério açoitado pelo vento à procura de uma décima sétima pessoa que se escondesse entre as árvores, as tumbas ou as lápides maiores.
Não estranhava que o fodido cemitério se chamasse Arvoredo de Pinheiros. Havia ramos espalhados por todo o lugar, proporcionando um amplo refúgio para alguém que não quisesse ser visto. Maldito seja o inferno.
Tinha encontrado o cemitério nas Páginas Amarelas. Os dois primeiros para os quais telefonou não tinham espaço disponível. O terceiro só tinha espaço no Muro da Eternidade, como tinha chamado o homem, para corpos incinerados. Ao final, encontrou este lugar, o Arvoredo de Pinheiros e comprou o retângulo de terra que agora todos rodeavam.
O ataúde rosado custou quase cinco das grandes. A parte de terra outras três. O sacerdote, padre como é que o chamassem os humanos, indicou que o apropriado seria uma doação e sugeriu que cem dólares estariam bem.
Nenhum problema. Chrissy merecia.
Xhex voltou a examinar os fodidos pinheiros, esperando encontrar o idiota que a assassinou. Bobby Grady tinha que vir. A maioria dos abusadores que matavam aos objetos de suas obsessões continuava conectada emocionalmente. E, embora a polícia o estivesse procurando, e ele devia saber, o impulso de ver como a punham para descansar venceria à lógica.
Xhex se concentrou no culto. O macho humano vestia um casaco negro, expondo o pescoço branco na parte da garganta. Em suas palmas, sobre o bonito ataúde de Chrissy, segurava uma Bíblia que lia em voz baixa e respeitosa. Os extremos da fita de cetim que estava entre as páginas douradas, para assinalar as seções mais utilizadas, sobressaíam da parte inferior do livro, e  ondeavam suas cores em vermelho, amarelo e branco no ar frio. Xhex se perguntou como seria sua lista de “favoritos”. Bodas. Batismos (se tinha entendido bem essa palavra). Funerais.
Rezaria pelos pecadores? Perguntou-se. Caso recordava-se corretamente dessa coisa do Cristianismo, acreditava que era seu dever fazê-lo… Assim, embora não soubesse que Chrissy foi uma prostituta, se soubesse de todos os modos teria que adotar esse tom e expressão de respeito.
Isto consolou Xhex, embora não saberia dizer por que.
Do norte soprou uma brisa gelada, e ela reatou a vigilância do terreno. Chrissy não ia permanecer aqui quando terminassem. Como tantos rituais, isto era somente uma exibição. Ao estar sob a terra gelada, ia ter que esperar até a primavera, alojada em um fichário de carne do necrotério. Mas, ao menos tinha a lápide de granito rosado, é obvio colocada onde seria enterrada. Xhex optou por fazer uma inscrição singela, só o nome de Chrissy e as datas, mas, ao longo das bordas havia um lindo trabalho de ornamentação como se fosse um pergaminho.
Esta era a primeira cerimônia mortuária humana a que Xhex comparecia, e lhe pareceu muito estranha, todas essas sepulturas, primeiro na caixa, logo sob a terra. A noção de estar sob a terra era suficiente para fazê-la puxar o pescoço de sua jaqueta de couro. Não. Isto não era para ela. Nesse aspecto, era inteiramente symphath.
As piras funerárias eram a única forma de partir.
Ante a tumba, o oficiante se inclinou com uma pá de prata e escavou o chão, em seguida, tomou um punhado da terra solta e pronunciou sobre o ataúde:
— Cinzas as cinzas, pó ao pó.
O homem deixou voar os grãos de terra, e quando o forte vento se apoderou deles Xhex suspirou, a esta parte sim encontrava sentido. Na tradição symphath, o morto era elevado sobre uma série de plataformas de madeira, em que ateavam fogo de baixo, a fumaça flutuava para cima e se dispersava da mesma forma em que fez o pó, a mercê dos elementos. E o que ficava? A cinza que era deixada onde repousava.
É obvio que os symphaths eram queimados porque ninguém confiava que realmente estivessem mortos quando “morriam”. Às vezes sim. Outras vezes só fingiam. E valia a pena assegurar-se.
Mas, a elegante mentira era a mesma em ambas as tradições, não? Sendo reduzido a cinzas liberava do corpo, e, entretanto, continuava sendo parte de tudo.
O sacerdote fechou a Bíblia e inclinou a cabeça, e, enquanto todo mundo seguia seu exemplo, Xhex voltou a passear a vista pelos arredores, rezando para que esse fodido Grady estivesse em algum lugar.
Mas pelo que podia ver e sentir, ainda não tinha aparecido.
Merda! Olhe todas essas lápides... Implantadas nas sinuosas colinas que agora apresentavam uma cor marrom invernal. Embora as lápides fossem todas distintas (longas e finas, ou baixas e perto do chão, brancas, cinzas, negras, rosadas, douradas) havia um esquema central comum a todas elas, as fileiras de mortos estavam dispostas como casas em uma cidade, com caminhos asfaltados e extensões de árvores serpenteando entre elas.
Uma lápide atraiu sua atenção. Era uma estátua de uma mulher vestida com uma túnica que olhava fixamente aos céus, seu rosto e sua postura era tão plácido e sereno como o céu nublado em que estava enfocada. O granito em que estava esculpida era de um cinza pálido, a mesma cor que sobressaía por cima dela, e por um momento foi difícil distinguir onde terminava a escultura e onde começava o horizonte.
Sacudindo-se, Xhex olhou a Trez e, quando seus olhos se encontraram, ele fez um gesto negativo quase imperceptível com a cabeça. O mesmo ocorreu com iAm. Nenhum deles tinha captado a presença de Bobby, tampouco.
Enquanto isso o detetive Da Cruz a contemplava, e ela sabia, não porque lhe devolvesse o favor, mas sim porque cada vez que seus olhos se pousavam nela podia sentir suas emoções mudar. Ele compreendia o que ela sentia. Realmente o fazia. E havia uma parte dele que a respeitava por sua ânsia de vingança. Mas estava decidido.
Quando o sacerdote deu um passo atrás e a conversa fluiu, Xhex se deu conta que o serviço tinha terminado, e observou como Marie Terese era a primeira em romper as filas, dirigindo-se para o sacerdote para apertar sua mão. Estava espetacular com o traje do funeral, a renda negra que cobria sua cabeça realmente parecia a de uma noiva, as miçangas e a cruz que tinha nas mãos a faziam parecer piedosa quase até o ponto do monástico.
Obviamente, o sacerdote aprovava seu traje, seu rosto sério e formoso e o que fosse que estava dizendo, porque se inclinou e segurou sua mão. Quando entraram em contato, a mentira emocional dele trocou para o amor, a um puro, concentrado e casto amor.
Xhex se deu conta que era devido a isso que a estátua tinha chamado sua atenção. Marie Terese era exatamente igual à mulher da túnica. Que estranho.
— Bonito serviço, huh.
Deu a volta e olhou ao detetive Da Cruz.
— Pareceu-me adequado. Na realidade não saberia dizer.
— Então, não é católica.
— Não. — Xhex saudou Trez e iAm enquanto a multidão se dispersava. Os meninos levariam todo mundo para comer fora antes de ir ao trabalho, como uma forma mais de honrar a Chrissy.
— Grady não veio. — disse o detetive.
— Não.
Da Cruz sorriu.
— Sabe, fala da mesma forma como decora.
— Gosto de manter as coisas simples.
— Simplesmente os fatos, senhora? Pensei que essa era minha linha. — jogou uma olhada às costas das pessoas que se afastavam em direção aos três carros estacionados juntos no caminho. Um por um, o Bentley de Rehv, um esportivo Honda e o Camry de cinco anos de Marie Terese arrancaram.
— Assim, onde está seu chefe? — murmurou Da Cruz — Esperava vê-lo aqui.
— É uma ave noturna.
— Ah.
— Olhe detetive, irei.
— Sério? — fez um amplo gesto abrangendo os arredores com o braço — No que? Ou é das que gostam de caminhar com este tempo?
— Estacionei em outro lugar.
— Sim? Não está pensando em ficar pelos arredores? Já sabe, para ver se há alguma chegada tardia.
— Agora, por que faria isso?
— Certamente, por quê?
Houve uma longa, longa, longa pausa, durante a qual Xhex permaneceu olhando fixamente a estátua que lhe recordava a Marie Terese.
— Quer me levar até meu carro, detetive?
— Sim, é obvio que sim.
O sedam sem marca era tão prático como o vestuário do detetive, mas, como o grosso casaco do homem, era quente, e assim como o que havia dentro das roupas do detetive, era poderoso, o motor grunhiu como algo que se encontraria sob a capota de um Corvette.
Da Cruz jogou uma olhada para trás e acelerou.
— Aonde vou?
— Ao clube, se não se importar.
— Foi onde deixou o carro?
— Trouxeram-me até aqui.
— Ah.
Enquanto Da Cruz conduzia ao longo do sinuoso caminho, ela olhou fixamente para fora, às lápides e por um breve momento pensou na quantidade de corpos que tinha abandonado.
Incluído ao de John Matthew.
Fazia o possível para não pensar no que tinham feito e na forma em que deixara esse corpo grande e duro dele totalmente esparramado sobre sua cama. A expressão de seus olhos ao vê-la atravessar a porta estava repleta de uma angústia que não podia permitir-se interiorizar. Não se tratava de que não lhe importasse uma merda, o problema era que lhe importava muito.
Esse era o motivo pelo qual teve que ir, e pelo qual não podia correr o risco de voltar a ficar a sós com ele outra vez. Já tinha passado por isso antes, e os resultados foram pior que trágicos.
— Está bem? — perguntou Da Cruz.
— Sim, estou bem, detetive. E você?
— Bem. Simplesmente bem. Obrigado por perguntar.
Frente a eles surgiram às portas do cemitério, as intricadas grades de ferro estavam totalmente abertas, uma a cada lado do caminho.
— Voltarei aqui. — disse Da Cruz enquanto freava e em seguida avançava pela rua além das portas — Porque penso que Grady aparecerá em algum momento. Tem que fazê-lo.
— Pois bem, a mim não verá.
— Não?
— Não. Pode contar com isso. — é que era muito boa escondendo-se.

Quando o telefone de Ehlena fez um bip em seu ouvido, teve que afastá-lo de sua cabeça.
— Que demôn… Oh. A bateria está acabando. Espera.
A profunda risada de Rehvenge provocou uma pausa em sua busca pelo cabo, só para poder ouvir até o último retumbar desse som.
— Ok! Já estou conectada. — voltou-se a acomodar contra os travesseiros — Agora, onde estávamos… Oh, sim. Sou eu quem tenho curiosidade, exatamente que tipo de homem de negócios é?
— Um com êxito.
— O que explica o guarda-roupa.
Ele riu de novo.
— Não, meu bom gosto explica o guarda-roupa.
— Bom então a parte do êxito é a que o paga.
— Bem, minha família é afortunada. Deixemos assim.
Deliberadamente se concentrou em seu edredom para não lembrar-se da puída habitação de teto baixo em que estava. Melhor ainda… Ehlena estendeu a mão e apagou a luz sobre as caixas de leite que tinha empilhado ao lado de sua cama.
— O que foi isso? — perguntou ele.
— A luz. Ah, acabo de apagá-la.
— Oh, muito mal, te mantive acordada muito tempo.
— Não, só... Queria estar às escuras, é tudo.
A voz de Rehv foi tão baixa que mal pôde ouvi-la.
— Por quê?
Sim, como se fosse lhe dizer que era porque não queria pensar onde vivia.
— Eu… Queria me pôr ainda mais cômoda.
— Ehlena. — o desejo tingiu seu tom, trocando o tenor da conversa de um flerte a… Um pouco muito sexual. E num instante, estava de volta em sua cama nesse apartamento de cobertura, nua, com a boca dele sobre sua pele.
— Ehlena...
— O que? — respondeu com voz rouca.
— Ainda está com o uniforme? O que te tirei?
— Sim. — a palavra foi mais suspiro que outra coisa, e foi muito mais que uma resposta à pergunta que fez. Sabia o que desejava, e ela também desejava.
— Os botões da frente... — murmurou — Abre um para mim?
— Sim.
Quando soltou o primeiro deles, ele disse:
— E outro.
— Sim.
Prosseguiram até que o uniforme esteve totalmente aberto na frente, e ela a sério se alegrou que as luzes estivessem apagadas… Não porque se sentisse envergonhada, mas porque assim lhe parecia que ele estava ali ao seu lado.
Rehvenge gemeu, e o ouviu lamber os lábios.
— Se estivesse aí, sabe o que estaria fazendo? Estaria percorrendo seus peitos com as pontas dos dedos. Encontraria um mamilo e faria círculos ao seu redor para que estivesse preparado.
Ela fez o que ele descrevia e ofegou quando tocou a si mesma. Logo se deu conta…
— Preparado para que?
Riu comprido e baixo.
— Quer me ouvir dizer isso, não?
— Sim.
— Preparado para minha boca, Ehlena. Recorda como se sente? Porque recordo exatamente como é seu sabor. Deixe o sutiã posto e se belisque para mim… Como se estivesse te chupando através de uma dessas suas preciosas taças de renda branca.
Ehlena apertou o polegar e o indicador, apanhando o mamilo entre os dois. O efeito foi menor que a sucção cálida e úmida dele, mas foi bom o bastante, especialmente com ele lhe dizendo que o fizesse. Repetiu o beliscão e se arqueou na cama, gemendo seu nome.
— Oh, Jesus... Ehlena.
— Agora... O que...? — enquanto soltava o ar pela boca, sentia pulsações entre as coxas, estava úmida, desesperada por fosse o que quer que fossem fazer.
— Queria estar aí contigo. — gemeu ele.
— Está comigo. Está.
— Outra vez. Aperta por mim. — enquanto se estremecia e gritava seu nome, foi rápido com a seguinte ordem — Suba a saia para mim. De forma que fique ao redor de sua cintura. Deixa o telefone e faça rápido. Estou impaciente.
Deixou cair o telefone sobre a cama e arrastou a saia sobre suas coxas até passar os quadris. Teve que apalpar ao redor de si para encontrar o telefone e rapidamente o pôs no ouvido.
— Alô?
— Deus, isso soou bem... Podia ouvir a roupa subindo por seu corpo. Quero que comece pelas coxas. Vá primeiro ali. Deixe postas as meias e se acaricie para cima.
As meias atuavam como um condutor de seu contato, amplificando a sensação assim como fazia a voz dele.
— Recorde-me fazendo isso. — lhe disse com uma voz velada — Recorde.
— Sim, Oh, sim...
Estava ofegando tão forte pela antecipação, que quase perdeu seu grunhido:
— Desejaria poder te cheirar.
— Mais acima? — perguntou.
— Não. — quando seu nome abandonou seus lábios em protesto, riu da forma em que fazia um amante, suave e quieto, uma risada que era tanto de satisfação como de promessa — Sobe pela parte exterior da coxa para o quadril e em seguida para as costas e volta a baixar.
Fez o que lhe pediu e enquanto se acariciava ele lhe falava:
— Adoraria estar contigo. Não posso esperar para ir ali outra vez. Sabe o que estou fazendo?
— O que?
— Lambendo meus lábios. Porque estou pensando em mim abrindo caminho a beijos por suas coxas para em seguida passar minha língua, para cima e para baixo pelo lugar onde morro por estar. — ela gemeu seu nome outra vez e foi recompensada — Vai ali abaixo, Ehlena. Por cima das meias. Vai onde eu gostaria de estar.
Quando o fez, sentiu através do fino náilon toda a paixão que tinham gerado, e seu sexo respondeu umedecendo-se ainda mais.
— Tire-as. — disse — As meias. Tire isso e mantenha contigo.
Ehlena deixou o telefone outra vez e, em sua pressa por tirar as meias, nem se preocupou que pudesse escorregar. Procurou tateando ao telefone, e apenas o teve ao alcance já estava perguntando o que seria o próximo.
— Desliza a mão sob as calcinhas. E me diga o que encontra.
Houve uma pausa.
— Oh, Deus... Estou úmida.
Esta vez quando Rehvenge gemeu, perguntou-se se teria uma ereção, tinha visto que era capaz de ter uma, mas em definitivo, a impotência não significava que não pudesse se pôr duro. Só significava que por alguma razão não podia gozar.
Jesus! Desejava poder lhe dar algumas ordens, umas que concordassem com qualquer nível sexual no qual podia funcionar. Só que não sabia até onde chegar.
— Se acaricie e pense que sou eu. — grunhiu — Que é minha mão.
Fez o que ele pediu e teve um forte orgasmo, esparramando-se por toda a cama, pronunciando seu nome em uma explosão tão silenciosa como possível.
— Tire as calcinhas.
Entendido! Pensou enquanto as puxava para baixar pelas coxas e atirar Deus sabia onde.
Voltou a deitar de costas, ansiando voltar a fazê-lo, quando ele disse:
— Pode segurar o telefone entre a orelha e o ombro?
— Sim. — ao caralho, se queria que se transformasse em um pretzel  de vampiro ela estaria de acordo com o plano.
— Pegue as meias com as duas mãos, as estenda bem tensas, em seguida as passe entre suas pernas da frente para trás.
Riu com um indício erótico, em seguida disse docemente:
— Quer que me esfregue contra elas, não?
A respiração dele foi como um disparo em seu ouvido.
— Porra, sim.
— Macho sujo.
— Um banho de sua língua poderia me limpar. O que te parece?
— Sim.
— Adoro essa palavra em seus lábios. — enquanto ria, disse — Então o que está esperando, Ehlena? Precisa dar um bom uso a essas meias.
Embalou o telefone celular no pescoço, encontrou uma boa posição para fazê-lo, e em seguida, sentindo-se como uma rameira e desfrutando, pegou as meias brancas, rodou até ficar de lado, e deslizou a parte de náilon entre as pernas.
— Devagar e com firmeza. — disse ele, ofegante.
Ela boqueou ante o contato, a dura e tensa corda se afundou em seu sexo, tocando todos os lugares corretos.
— Mova-se contra ela. — disse Rehvenge com satisfação — Deixe-me escutar o bem que se sente.
Ela fez exatamente isso, as meias se empaparam e se esquentaram igualando-se a seu núcleo. Continuou fazendo-o, cavalgando sobre as sensações e o fluir de suas palavras até que gozou uma e outra vez. Na escuridão, com os olhos fechados e a voz dele em seu ouvido, era quase tão bom como estar com ele.
Quando ficou frouxa, jogada de qualquer forma sobre a cama, com a respiração entrecortada e sentindo-se fenomenal, se aconchegou ao redor do telefone.
— É tão formosa. — disse baixinho.
— Só porque você me faz assim.
— Oh, está muito enganada sobre isso. — baixou a voz — Esta noite virá para ver-me mais cedo? Não posso esperar até as quatro.
— Sim.
— Bom.
— Quando?
— Estarei aqui com minha mãe e minha família até ao redor das dez. Vem depois dessa hora?
— Sim.
— Tenho essa reunião, mas teremos ao redor de uma hora de intimidade.
— Perfeito.
Houve uma longa pausa, uma que ela teve a perturbadora sensação que bem podia ter sido preenchida com um te quero de ambas as partes se tivessem tido coragem.
— Que durma bem. — suspirou ele.
— Você também, se puder. E, escute se não puder dormir, me ligue. Estou aqui.
— Farei. Prometo.
Houve outro tenso silêncio, como se cada um estivesse esperando que o outro desligasse primeiro.
Ehlena riu, apesar de que a idéia de lhe deixar doesse seu coração.
— Ok, ao três. Um. Dois…
— Espera.
— O que?
Não respondeu durante muito tempo.
— Não quero deixar o telefone.
Ela fechou os olhos.
— Sinto-me igual.
Rehvenge soltou um suspiro, lento e baixo.
— Obrigado. Por permanecer comigo.
A palavra que lhe veio à mente não tinha nenhum sentido, e não estava segura de por que a disse, mas o fez:
— Sempre.
— Se quiser, pode fechar os olhos e imaginar que estou a seu lado. Abraçando-te.
— Farei exatamente isso.
— Bem. Que durma bem. — foi ele quem cortou a comunicação.
Quando Ehlena afastou o telefone da orelha e apertou o botão de fim, o teclado se iluminou, emitindo uma luz azul brilhante. O aparelho estava quente pelo lugar onde o tinha segurado durante tanto tempo, e acariciou a tela plana com o polegar.
Sempre. Ela queria estar ali para ele sempre.
O teclado se obscureceu, a luz se extinguiu de um modo tão terminante que a aterrorizou. Mas ainda podia ligar para ele, não? Poderia parecer patética e necessitada, mas ele continuava no planeta embora não estivesse ao telefone.
A possibilidade de ligar para ele estava ali.
Deus, hoje sua mãe morreu. E de todas as pessoas em sua vida com a que podia ter passado as horas, tinha escolhido a ela.
Subindo os lençóis e a colcha por cima de suas pernas, Ehlena encolheu-se em posição fetal ao redor do telefone, embalou-o, e dormiu.


Capítulo 39


Matando tempo no puto rancho que decidiu usar como narco-casa, Lash sentava-se muito direito em uma cadeira na qual, em sua antiga vida, sequer teria permitido que seu rottweiller cagasse. A coisa era um Barcalounger[73], um pedaço de merda barato e com muito enchimento que infelizmente era tão cômodo como a merda.
Não era exatamente o trono ao que aspirava, mas sim um maldito bom lugar para estacionar seu traseiro.
A sala que se estendia atrás de seu notebook aberto, era de quatro por quatro e com uma decoração de acordo com os baixos ganhos que-não-podiam-permitir-se-situar, os braços dos sofás puídos, havia uma imagem de um descolorido Jesus Cristo que pendia inclinada e o tapete desbotado tinha manchas pequenas e arredondadas… Que pareciam sugerir xixi de gato.
O senhor D dormia com as costas apoiadas contra a porta principal, a pistola na mão e o chapéu de vaqueiro jogado sobre seus olhos. Outros dois lessers estavam sentados sob uma arcada que havia na sala, estavam apoiados um em cada pilastra e tinham as pernas estendidas.
Grady estava no sofá, com uma caixa aberta do Domino’s Pizza ao seu lado e unicamente o que se via sobre a cartolina branca eram manchas gordurentas e tiras de queijo que formavam um padrão parecido aos raios de uma roda. Comeu uma Migthy Meaty[74] extragrande sozinho e nesse momento lia um exemplar atrasado do Caldwell Courier Journal.
O fato de que o homem estivesse tão estranhamente relaxado fazia com que Lash tivesse vontade de fazer uma autópsia enquanto o FDP ainda respirava. Que demônios? O filho de Omega merecia um pouco mais de ansiedade de suas vítimas seqüestradas, o fodia muitíssimo.
Lash olhou seu relógio e decidiu dar a seus homens só meia hora mais de recarga. Hoje, tinham programadas outras duas reuniões com distribuidores de narcóticos, e essa noite seria a primeira vez que seus homens sairiam às ruas com o produto.
O que significava que teria que deixar esfriar até amanhã o assunto com o rei symphath… Lash ia fechar o trato, mas os interesses financeiros da Sociedade tinham preponderância.
Lash olhou por cima de um de seus lessers adormecido para a cozinha, onde uma longa mesa dobradiça estava estendida. Espalhadas ao longo de sua superfície laminada havia pequenas bolsinhas de plástico, do tipo que se dava quando comprava um par de brincos baratos no centro comercial. Umas tinham pó branco dentro, outras pequenas pedras marrons, outras continham pílulas. Os agentes diluentes que utilizaram como levedura em pó e talco, formava suaves pilhas, e os envoltórios de celofane em que vieram os quilogramas estavam atirados no chão.
Vá, merda. Grady pensava que valia aproximadamente duzentos e cinqüenta mil dólares e que, com quatro homens na rua, trocaria de mãos em aproximadamente dois dias.
A Lash agradava esses cálculos, e passou as últimas horas examinando seu plano de negócios. O acesso a mais mercadoria representaria um problema de abastecimento, não podia continuar com a rotina de aponta-e-dispara para sempre, porque ficaria sem pessoas a quem apontar. A questão era onde penetrar na cadeia do negócio: tinham os importadores estrangeiros como os sul-americanos, os japoneses ou os europeus; também havia atacadistas, como Rehvenge; e, em seguida havia uma maior quantidade de distribuidores em pequenas quantidades, que eram os tipos que Lash esteve eliminando. Considerando a dificuldade que seria chegar aos atacadistas e quanto tempo tomaria desenvolver uma relação com os importadores, o mais lógico seria se converter em produtor.
A geografia limitava suas opções, porque Caldwell tinha uma temporada de cultivos que duravam uns dez minutos, mas as drogas como o X e a meta-anfetamina não requeriam bom clima. E, como era de conhecimento público, na Internet podia-se conseguir instruções de como construir e fazer funcionar laboratórios de meta-anfetamina e fábricas de X. É obvio que o problema se apresentaria na hora de obter os ingredientes, porque nos estabelecimentos havia leis e mecanismos de seguimento para fiscalizar a venda de vários dos componentes químicos. Mas ele tinha o controle mental do seu lado. Ao ser os humanos tão facilmente manipuláveis, teria forma de tratar com esse tipo de problemas.
Enquanto contemplava a brilhante tela, decidiu que o seguinte grande trabalho do senhor D consistiria em estabelecer um par destas instalações de produção. A Sociedade Lessening possuía muitos bens imóveis; demônios, uma das chácaras seria perfeita. Prover o pessoal ia ser um problema, mas de todo modo já era hora de efetuar um recrutamento.
Enquanto o senhor D estivesse trabalhando para instaurar as fábricas, Lash abriria o caminho no mercado. Rehvenge tinha que desaparecer. Inclusive se a Sociedade distribuía unicamente X e meta-anfetamina, quanto menos distribuidores desses produtos houvesse, melhor, e isso significava tirar o atacadista que havia no topo… Embora como chegar a ele era um fodido quebra-cabeças. No ZeroSum estavam esses dois brutamontes e essa puta fêmea transexual, além disso suficiente câmaras de segurança e sistemas de alarme para equiparar-se ao Museu Metropolitano de Arte. Por outro lado, Rehv devia ser um filho da puta inteligente ou não teria durado tanto como o fazia. O clube estava aberto durante quanto? Cinco anos?
Um forte barulho de papel fez com que Lash voltasse a enfocar os olhos por cima de seu Dell[75]. Grady levantou abandonando a pouco elegante postura escancarada de quando esteve no sofá e empunhava o CCJ[76] dentro dos punhos fechados com tanta força que pareciam nós marinheiros e essa espécie de anel sem pedra que levava lhe incrustava na pele do dedo.
— O que acontece? — disse Lash arrastando as palavras — Leu que a pizza provoca que te suba o colesterol ou alguma merda assim?
Não era como se o mal-nascido fosse viver tempo suficiente para preocupar-se com suas artérias coronárias.
— Não é nada… Nada, não é nada.
Grady atirou o jornal a um lado e se jogou sobre as almofadas do sofá. Quando seu pouco interessante rosto empalideceu, levou uma mão ao coração, como se a coisa estivesse fazendo aeróbica dentro de seu tórax, e com a outra retirou o cabelo, que não necessitava nenhuma ajuda para afastar-se de sua frente.
— Que bobagem acontece com você?
Grady sacudiu a cabeça, fechou os olhos e moveu os lábios como se estivesse falando consigo mesmo.
Lash voltou a baixar o olhar para a tela de seu computador.
Ao menos o idiota estava aborrecido. Isso era bastante satisfatório.

Capitulo 40


À tarde seguinte, Rehv desceu com cuidado a escada curva do refúgio da família, guiando Havers de volta à porta principal que o médico da raça atravessou apenas quarenta minutos antes. Bella e a enfermeira que o assistiu também o seguiam. Ninguém falava, só se ouvia o som inusitadamente alto das pegadas sobre o amaciado tapete.
Enquanto caminhava, tudo o que podia cheirar era morte. O aroma das ervas rituais se mantinha no fundo de suas fossas nasais, como se a merda encontrasse refúgio do frio em seus seios, e se perguntava quanto tempo passaria antes que deixasse de captar seu odorzinho cada vez que inalasse.
Fazia com que um macho quisesse pegar um aplicador de jorro de areia, dirigi-lo ali acima e fazer uma boa limpeza abrasiva.
Para falar a verdade, sentia uma terrível necessidade de ar fresco, mas não se atrevia a mover-se mais rápido. Entre sua bengala e o corrimão esculpido, se dirigia bem, mas depois de ver sua mãe envolta em linho, não tinha somente o corpo intumescido, sua mente também estava. O último que precisava era terminar aterrissando sobre o traseiro no vestíbulo de mármore.
Rehv desceu o último degrau, trocou a bengala à mão direita, e virtualmente se equilibrou para abrir a porta. O vento frio que entrava era uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Sua temperatura interna desceu em ladeira, mas foi capaz de tomar um profundo e gelado fôlego que substituiu algo do que o atormentava com a aguda promessa de que cairia uma nevasca.
Clareando a garganta, estendeu a mão para o médico da raça.
— Tratou a minha mãe com incrível respeito. Agradeço, obrigado.
Atrás de seus óculos de tartaruga marinha, os olhos de Havers não demonstravam somente compaixão profissional, mas sim uma compaixão honesta, e estendeu a palma como um companheiro enfermo.
— Ela era muito especial. A raça perdeu uma de suas luzes espirituais.
Bella deu um passo adiante para abraçar o médico, e Rehv fez uma reverência ante a enfermeira que o assistiu sabendo que ela sem dúvida preferiria não ter que tocá-lo.
Enquanto o par saía pela porta principal para desmaterializar de volta à clínica, Rehv tomou um momento para contemplar a noite. Definitivamente ia nevar de novo, e esta vez não seria somente essa espécie de pozinho da noite anterior.
Perguntou-se se sua mãe teria visto as nevascas na tarde anterior. Ou, se teria perdido o que provou ser sua última oportunidade de ver os delicados cristais milagrosos que caíam à deriva do céu?
Deus, ninguém tinha uma infinita quantidade de noites. Nenhuma inumerável multidão de rajadas de neve para ver.
Sua mãe adorava as nevascas. Cada vez que se apresentavam, ia à sala, acendia as luzes do exterior, apagava as de dentro, e se sentava ali olhando para fora, de noite. Enquanto seguisse caindo, ficava ali. Podia passar horas.
O que ela veria, perguntou-se. Na neve que caía, o que teria visto? Nunca perguntou.
Cristo, por que as coisas tinham que acabar.
Rehv fechou a porta, deixando o espetáculo invernal fora e se reclinou contra seus sólidos painéis de madeira. Ante ele, debaixo do lustre que havia no alto, estava sua irmã, chorosa e apática, embalando sua filha nos braços.
Desde o falecimento, não soltara Nalla, mas à pequena não importava. A filha estava adormecida nos braços de sua mãe, sua fronte estava franzida pela concentração, como se estivesse crescendo tão rápido, que sequer quando estava em repouso se permitia um descanso.
— Costumava te apertar dessa maneira. — disse Rehv — E você estava acostumada a dormir assim. Tão profundamente.
— Fazia-o? — Bella sorriu e esfregou as costas de Nalla
O body daquela noite era branco e negro com um logotipo da excursão do AC/DC AO VIVO e Rehv não pôde evitar sorrir. Não o surpreendia absolutamente que sua irmã tivesse descartado toda a merda brega de patinhos-e-coelhinhos favorecendo um vestuário de recém-nascida que era definitivamente impressionante. E bendita fosse. Se alguma vez chegasse a ter um filho...
Rehv franziu o cenho e pôs freio a esses pensamentos.
— O que aconteceu? — perguntou sua irmã
— Nada. — além de que pela primeira vez em sua vida tinha pensado em ter descendência.
Possivelmente fosse pela morte de sua mãe.
Possivelmente fosse pela Ehlena, apontou outra parte dele.
— Quer comer algo? — disse — Antes que Z e você empreendam a volta?
Bella levantou a vista para as escadas, de onde baixava flutuando o som de uma ducha.
— Gostaria.
Rehv pôs uma mão sobre seu ombro e caminharam juntos por um vestíbulo adornado com paisagens emolduradas, e através de um refeitório com paredes da cor do Merlot. A cozinha contrastava com o resto da casa, pois era muito singela centrando-se na funcionalidade, mas havia uma mesa muito agradável a qual sentar-se, e ali em uma das cadeiras com respaldo alto e braço acomodou sua irmã e à pequena.
— O que gostaria? —perguntou, indo para a geladeira.
— Têm cereais?
Ele se dirigiu ao armário onde se armazenavam as bolachas e as conservas, esperando que... Sim, Frosted Flakes[77]. Havia uma grande caixa de Frosted Flakes lado a lado com um pacote de biscoitinhos salgados Kleeber Clube e uns crótons do Pepperidge Farm.
Ao tirar os cereais, girou a caixa para que visse a frente e olhou o Tony, o Tigre.
Repassando as linhas do desenho com a ponta do dedo, disse brandamente:
— Você ainda gosta dos Frosted Flakes?
— Oh, absolutamente. São meus favoritos.
— Bem. Isso me faz feliz.
Bella riu um pouco.
— Por quê?
— Não se… Lembra? — deteve a si mesmo — Entretanto, por que o faria?
— Recordar o que?
— Foi faz muito tempo. Observei você quando os comia e… Simplesmente era agradável, isso é tudo. A forma em que os desfrutava. Eu gostava da forma em que os desfrutava.
Pegou uma terrina, uma colher e o leite desnatado, foi com o lote até onde estava sua irmã e fazendo um pequeno lugar dispôs tudo frente a ela.
Enquanto ela trocava de lugar à pequena para ter a mão direita livre para usar a colher, ele abriu a caixa e o fino saco de plástico e começou a servi-los.
— Diga-me quando estiver bom. — disse.
O som dos cereais golpeando a terrina, esse pequeno som de chapinhar, falava de uma vida cotidiana normal e era muito forte. Como aqueles passos descendo a escada. Era como se ao silenciar o batimento do coração de sua mãe tivesse subido o volume do resto do mundo até que sentiu que necessitava abafadores para os ouvidos.
— Pare. — disse Bella.
Ele trocou a caixa de cereais pela caixa de leite Hood e derrubou um rio branco sobre os cereais.
— Uma vez mais, com sentimento.
— Pare.
Rehv se sentou enquanto fechava a tampa e soube que não devia lhe perguntar se queria que ele carregasse Nalla. Embora incômodo para comer, ela não soltaria essa menina durante um bom momento e estava bem. Mais que bem. Ver como se consolava com a próxima geração contribuiu um pouco para dar consolo a ele
— Mmm. — murmurou Bella com o primeiro bocado.
No silêncio que surgiu entre eles, Rehv se permitiu relembrar outra cozinha, em outro tempo, muito anterior, quando sua irmã era muito mais jovem e ele muitíssimo menos corrupto. Recordou uma terrina de Tony em particular que era melhor ela não recordar, aquela que após ter terminado, ainda seguia tendo vontade de comer mais, e teve de lutar contra tudo o que aquele bastardo de seu pai lhe tinha ensinado a respeito das fêmeas que deviam ser magras e que nunca repetiam. Quando cruzou a cozinha da antiga casa e logo retornou a sua cadeira levando a caixa de cereais, Rehv aclamou silenciosamente e quando começou a servir-se outra porção… Começou a chorar lágrimas de sangue pelo que teve que desculpar-se dizendo que ia ao quarto de banho.
Tinha assassinado ao pai dela por duas razões: sua mãe e Bella.
Uma de suas recompensas foi à tentativa de liberdade de Bella ao comer mais quando sentia fome. A outra foi saber que não haveria mais contusões no rosto de sua mãe.
Perguntava-se o que teria Bella pensado se soubesse o que ele tinha feito. O odiaria? Possivelmente. Não estava seguro de quanto recordava a respeito de todos os maus tratos, especialmente os que foram feito a sua mahmen.
— Está bem? — perguntou ela repentinamente.
Ele passou a mão por seu topete.
— Sim.
— Pode ser difícil de interpretar. — dedicou-lhe um pequeno sorriso, como se quisesse estar segura de que não havia ironia em suas palavras — Nunca sei se está bem.
— Estou.
Ela passeou a vista pela cozinha.
— Que fará com esta casa?
— Vou conservá-la, ao menos durante outros seis meses. Comprei de um humano, faz um ano e meio e preciso agüentá-la um pouco mais ou vão me ferrar nos lucros de capital.
— Sempre foi bom com o dinheiro. — inclinou-se para levar outra colherada à boca — Posso te perguntar algo?
— Claro.
— Tem alguém?
— Alguém como?
— Já sabe… Uma fêmea. Ou um macho.
— Acredita que sou gay? — enquanto ria, ela ficou de um vermelho escarlate, e ele desejou abraçá-la com todas as suas forças.
— Bom Rehvenge, se for não há problema. — disse, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça que o fez sentir como se lhe tivesse estendido a mão para consolá-lo — Quero dizer, você nunca apresentou nenhuma fêmea, jamais. E, não quero pressupor... Que você... Ah... Bem, em certo momento do dia fui ao seu quarto para ver como estava e te escutei falando com alguém. Não é que estivesse escutando às escondidas... Não estava... Oh, merda.
— Está bem. — sorriu abertamente e então se deu conta que não havia uma resposta simples para sua pergunta. Ao menos, no que referia a se tinha a alguém.
Ehlena era... O que era?
Franziu o cenho. A resposta que vinha a sua mente afundava profundamente nele. Muito profundamente. E dada à superestrutura de mentiras sobre a qual estava construída sua vida, não estava seguro que esse tipo de prospecção fosse uma idéia acertada: porra, sua montanha de carvão já estava suficientemente instável para permitir que houvesse ocos que impregnassem tão fundo sob a superfície.
Bella baixou a colher lentamente.
— Meu Deus... Tem alguém, verdade?
Ele se obrigou a responder de forma que a quantidade de complicações diminuíram. Embora isso fosse como tirar só uma parte de lixo da pilha.
— Não, não tenho. — jogou uma olhada a sua terrina — Quer mais?
Ela sorriu.
— Sim. — enquanto a servia, disse — Sabe, a segunda terrina sempre é a melhor.
— Não poderia estar mais de acordo.
Bella empurrou os cereais para baixo com o dorso de sua colher.
— Amo você, irmão meu.
— E eu a você, irmã minha. Sempre.
— Acredito que mahmen está no Fade nos cuidando. Não sei se acredita nesse tipo de coisas, mas ela o fazia, e depois do nascimento de Nalla também cheguei a acreditar.
Era consciente de que quase perderam Bella na mesa de parto, e se perguntava o que ela teria visto nesses momentos, quando sua alma não estava nem aqui nem ali. Nunca tinha pensado muito sobre onde se terminava, mas estava disposto a apostar que ela tinha razão. Se alguém podia velar por seus descendentes do Fade, essa seria sua encantadora e piedosa mãe.
Isso lhe proporcionava consolo e um propósito.
Ali acima, sua mãe nunca teria que preocupar-se com o que a tinha preocupado. Não pelo que a ele concernia.
— Oh, olhe, está nevando. — disse Bella
Olhou através da janela. Iluminados pela luz das luzes de gás que havia ao longo da entrada para carros, os pequenos pontos brancos caíam à deriva.
— Ela teria amado isto. — murmurou ele.
— Mahmen?
— Lembra como costumava sentar-se em uma cadeira para contemplar os flocos caírem?
— Não os observava cair.
Rehv franziu o cenho e a olhou do outro lado da mesa.
— Com certeza que sim. Durante horas, ela…
Bella negou com a cabeça
— Gostava do aspecto que tinham depois de cair.
— Como sabe?
— Perguntei uma vez. Já sabe, por que se sentava e ficava olhando para fora durante tanto tempo. — Bella reacomodou Nalla em seus braços e com uma mão alisou as mechinhas de cabelo de sua menina — Disse que era porque quando a neve cobria a terra, os ramos e os telhados, lembrava-se de quando estava no Outro Lado com as Escolhidas, onde tudo estava bem. Disse... Que depois que a neve caía, ela se via restituída a sua vida antes da queda. Nunca entendi o que queria dizer com isso, e ela nunca me explicou isso.
Rehv voltou a olhar através da janela. À velocidade que estavam caindo os flocos, passaria um tempo antes que a paisagem ficasse branca.
Não era de estranhar que sua mãe permanecesse horas olhando para fora.

Wrath despertou na escuridão, mas de uma forma deliciosa, familiar e feliz. Sua cabeça estava sobre seu próprio travesseiro, suas costas contra seu próprio colchão, as mantas até seu queixo, e o aroma de sua shellan profundamente em seu nariz.
Dormiu felizmente durante um comprido tempo, podia afirmar pelo muito que precisava esticar-se. E sua dor de cabeça se foi. Ido... Deus, esteve vivendo com a dor durante tanto tempo, que era somente em sua ausência quando se dava conta de quão ruim se tornou.
Esticando todo o corpo, esticou os músculos das pernas e braços até fazer ranger os ombros e endireitar sua coluna, seu corpo se sentiu glorioso.
Dando a volta, encontrou Beth com o braço, e deslizando-o ao redor de sua cintura a capturou por atrás e se curvou ao redor dela de maneira a poder enterrar o rosto no suave cabelo de sua nuca. Ela sempre dormia sobre o lado direito, e o tema de adotar a posição de colheres paralelas era assunto dele... Gostava de rodear o corpo menor dela com o seu que era muito mais comprido porque o fazia sentir que era o suficientemente forte para protegê-la.
Entretanto, manteve os quadris separados dela. Seu pênis estava rígido e cheio de eu-desejo, mas se sentia agradecido somente por poder se deitar com ela... E não tinha intenção de arruinar o momento fazendo-a sentir incomoda.
— Mmm. — disse ela, acariciando seu braço — Está acordado.
— Estou. — e mais que isso.
Armou-se uma confusão enquanto ela dava a volta, movendo-se dentro de seu abraço até que esteve de frente.
— Dormiu bem?
— Oh, sim.
Quando sentiu um ligeiro puxão de cabelo, soube que estava brincando com as pontas frisadas, e se alegrou de mantê-lo tão longo como o tinha. Inclusive embora tivesse que prender a pesada massa negra na parte de atrás da cabeça quando saía para lutar, e que a merda demorava eternidades para secar-se — tanto, de fato, que tinha que usar um secador, o que era muito fodidamente efeminado para acreditar — Beth amava a coisa. Podia lembrar as muitas vezes que ela o tinha desdobrado em leque sobre seus seios nus...
Bom, desacelerar esse trem seria uma muito boa idéia. Se continuasse com esse tipo de coisas teria que montá-la ou perder sua condenada mente.
— Adoro seu cabelo, Wrath. — na escuridão, sua voz baixa era como o toque de seus dedos, delicada e devastadora.
— Eu adoro quando coloca suas mãos sobre ele. — replicou, com a voz rouca — Entre o meio dele, de qualquer forma que você goste de tocá-lo.
Estiveram só Deus sabia quanto tempo ali deitados lado a lado, encarando um ao outro, os dedos dela retorcendo e enroscando as densas ondas.
— Obrigada, — disse ela baixinho — por me contar sobre esta noite.
— Teria preferido ter boas notícias para te contar.
— Mesmo assim me alegra que me conte. Prefiro saber.
Encontrou seu rosto para comprovar, e enquanto deslizava os dedos sobre as bochechas, o nariz até os lábios, via-a com as mãos e a conhecia com o coração.
— Wrath... — ela colocou a mão sobre sua ereção.
— Oh, caralho... — esticando a parte baixa das costas impulsionou os quadris para frente.
Ela riu baixinho.
— Sua linguagem amorosa faria com que um caminhoneiro se sentisse orgulhoso.
— Sinto muito, eu… — a respiração se prendeu na garganta quando ela o acariciou por cima dos boxer que pôs em atenção a seu pudor — Caralh... Quero dizer...
— Não, eu gosto. É muito você.
A fez rodar e montou sobre seus quadris... Sagrada merda. Sabia que veio para cama com uma camisola de flanela, mas onde quer que estivesse, não estava cobrindo as pernas, porque seu doce e quente centro se esfregou contra seu pênis.
Wrath grunhiu, e perdeu o controle. Com um súbito impulso, atirou-a de costas, baixou os Calvin Klein que raramente usava, por suas coxas, e se introduziu nela. Quando ela gritou e arranhou suas costas com as unhas, lhe alargaram as presas completamente e começaram a palpitar.
— Preciso de você. — disse — Necessito isso.
— Eu também.
Não economizou nada de seu poder, mas em definitivo, gostava assim algumas vezes, cru, selvagem, que o corpo dele marcasse o seu com dureza.
O rugido que lançou quando se introduziu nela sacudiu o óleo que pendia sobre a cama e fez repicar os frascos de perfume que estavam na penteadeira e continuou movendo-se em seu interior, mais besta que amante civilizado. Mas, quando seu aroma começou a encher seu nariz, soube que o desejava exatamente como era... Cada vez que chegava ao orgasmo, ela fazia com ele, seu sexo apertava e puxava o dele, o mantendo profundamente em seu interior.
Com uma ordem ofegante, disse-lhe:
— Toma minha veia…
Ele vaiou como um predador, foi em busca de seu pescoço e a mordeu com força.
O corpo de Beth se sacudiu abaixo do dele, e entre seus quadris sentiu que brotava uma calidez que não tinha nada a ver com o que tinha deixado em seu interior. Em sua boca, o sangue dela era o presente da vida, sentia-o espesso na língua e descendo por sua garganta, enchendo o ventre com um forno quente que iluminava sua carne de dentro para fora.
Enquanto bebia, seus quadris tomaram o comando, agradando a ela, sentindo prazer em si mesmo, quando esteve satisfeito, lambeu as marcas da dentada, e voltou a ocupar-se dela, esticando-se para baixo levantou uma de suas pernas para poder entrar ainda mais profundamente enquanto golpeava com força. Quando em uma das investidas voltou a gozar, segurou-lhe a nuca com a palma da mão e aproximou seus lábios a sua garganta.
Mas não teve oportunidade de expressar uma ordem. Ela o mordeu, e no momento em que suas agudas pontas ferroaram sua pele sentiu a doce chicotada da dor e teve um novo orgasmo, um que foi mais brutal que todos os outros. Saber que possuía o que ela necessitava e desejava, que ela vivia do que pulsava ao longo de suas veias, era fodidamente erótico.
Quando sua shellan acabou e fechou as feridas as lambendo, ele rodou sobre suas costas mantendo-os unidos, com a esperança de que...
Oh, sim, fizeram um bom uso dela montando-o. Enquanto ela tomava o comando, ele levantou as palmas de suas mãos para seus peitos e se deu conta que ainda tinha a camisola posta, de maneira que a tirou pela cabeça e atirou a quem-demônios-lhe-importava-onde. Encontrando seus peitos novamente, sopesou-os e estavam tão pesados e abundantes em suas palmas que não pôde evitar arquear para cima e tomar um de seus mamilos na boca. Sugou enquanto ela bombeava por ambos até que se fez muito difícil manter a conexão e teve que deixar cair seu torso sobre a cama.
Beth gritou, e em seguida ele o fez, e então ambos chegaram juntos ao clímax. Depois ela se derrubou junto a ele e permaneceram um ao lado do outro, ofegando.
— Isso foi incrível. — ofegou ela.
— Fodidamente incrível.
Ele tateou ao seu redor na escuridão, até que encontrou sua mão, e ficaram assim unidos durante um momento.
— Tenho fome. — disse ela.
— Eu também.
— Bem, deixa que vá procurar algo para os dois.
— Não quero que vá. — disse puxando sua mão, atraindo-a para ele, e beijando-a — É a melhor fêmea que um macho poderia chegar a ter jamais.
— Também te amo.
Como se estivessem sincronizados, seus estômagos rugiram ao mesmo tempo.
— De acordo, possivelmente sim seja hora de comer. — enquanto riam juntos, Wrath soltou sua shellan — Espera, me deixe acender a luz para que possa encontrar a camisola.
Imediatamente soube que algo andava mal. Beth deixou de rir e ficou absolutamente paralisada.
— Leelan? Está bem? Fiz-te mal? — oh, Deus... Tinha sido tão bruto — Eu sinto...
Interrompeu-o com voz estrangulada.
— Minha luz já está acesa, Wrath. Antes que despertasse, eu estava lendo.

 

CONTINUA

Capítulo 30


John disse ao Qhuinn e ao Blay que ficaria em seu quarto o resto da noite, e quando esteve seguro de que engoliram a mentira, escapuliu para o exterior através dos quartos do pessoal da casa, e se dirigiu diretamente ao ZeroSum.
Tinha que se mover rápido, porque certo como a merda que um dos dois iria vê-lo e então formariam uma condenada busca.
Evitando a entrada principal do clube, rodeou-o e foi ao beco onde uma vez viu como Xhex rompia a cabeça de um imbecil que tinha uma boca grande e um punhado de coca. Encontrando a câmera de segurança que havia em cima da saída lateral, John levantou a cabeça e olhou para a lente.
Quando a porta se abriu, não teve nem que olhar para saber que era ela.
— Quer entrar? — disse.
Ele sacudiu a cabeça, e dessa vez não o preocupou a barreira da comunicação. Merda, não sabia o que dizer. Não sabia por que estava ali. Só sabia que tinha que ir.
Xhex saiu do clube e apoiou as costas contra a porta, cruzando uma bota com ponta de aço sobre a outra.
— Contou a alguém?
Ele a olhou nos olhos serenamente e sacudiu a cabeça.
— Vai fazê-lo?
Voltou a sacudir a cabeça.
Com um tom suave, um que nunca escutou dela nem esperou, sussurrou-lhe:
— Por quê?
Ele simplesmente se encolheu de ombros. Francamente, surpreendia-o que não tivesse tratado de tirar suas lembranças. Era mais certo. Mais limpo...
— Deveria ter tirado suas lembranças. — disse, fazendo com que se perguntasse se estava lendo sua mente — A noite passada estava fodida da cabeça, e foi tão rápido que não o fiz. Naturalmente, agora seria um longo passo, assim...
Deu-se conta que era por isso que tinha vindo. Queria assegurar que se manteria calado.
A partida de Thor fortalecera a decisão. Quando John foi falar com o Irmão e confrontou que o macho tinha desaparecido de novo, sem dizer nenhuma palavra outra vez, algo mudou em seu interior, como uma rocha sendo transladada de um lado a outro dentro de seu jardim, uma mudança permanente na paisagem.
John estava sozinho. E, portanto, suas decisões eram dele. Respeitava Wrath e à Irmandade, mas não era um irmão e talvez nunca fosse. Claro, era um vampiro, mas tinha passado a maior parte de sua vida separado da raça, por isso a repulsão pelos symphath era algo que nunca compreendeu de todo. Sociopatas? Demônios, quanto ao que lhe concernia, essa merda começava em casa, com o comportamento que tiveram Zsadist e V antes de emparelhar-se.
John não ia entregar Xhex ao rei para que fosse deportada à colônia. De maneira nenhuma.
Agora a voz dela se voltou áspera:
— Então, o que quer?
Dado o tipo de gente de baixa índole, oportunista e desesperada com que ela tratava noite após noite, não estava nada surpreso pela pergunta.
Sustentando seu olhar, sacudiu a cabeça e realizou um movimento de corte sobre sua garganta.
Nada, vocalizou.
Xhex o olhou com seus frios olhos cinza, e a sentiu meter-se em sua cabeça, percebendo o impulso contra seus pensamentos. Deixou-a explorar para que visse qual era sua posição, porque isso, mais que qualquer palavra que pudesse pronunciar, daria-lhe a maior tranqüilidade.
— John Matthew, é um em um milhão. — disse em voz baixa — A maioria das pessoas se aproveitaria disto como a merda. Especialmente dado o tipo de vícios que posso te prover aqui no clube.
Ele se encolheu de ombros.
— Então, para onde se dirigia esta noite? E onde estão seus companheiros?
Ele sacudiu a cabeça.
— Quer falar sobre o Thor? — quando os olhos dele dispararam para os dela, disse-lhe — Sinto, mas está em sua mente.
Quando John sacudiu a cabeça outra vez, algo lhe tocou a bochecha e olhou para cima. Estava começando a nevar, flocos pequenos e diminutos formando redemoinhos no vento.
— A primeira nevada do ano. — disse Xhex, afastando-se da porta — E você sem casaco.
Ele olhou para baixo e se deu conta que tudo o que tinha vestido era um jeans e uma camiseta Nerdz. Ao menos se lembrou de calçar sapatos.
Xhex meteu a mão no bolso e a estendeu com algo dentro. Uma chave. Uma pequena chave de metal.
— Sei que não quer ir para casa, e tenho um lugar perto daqui. É seguro e subterrâneo. Se quiser vai ali, fica todo o tempo que necessite. Obtém a privacidade que busca até que ordene toda essa merda.
Estava a ponto de sacudir a cabeça para se negar quando lhe disse na Antiga Língua:
— Deixe-me te compensar desta maneira.
Ele pegou a chave sem roçar sua mão e vocalizou: Obrigado.
Depois que lhe deu o endereço, deixou-a nesse beco com a neve flutuando para baixo do céu noturno. Quando chegou à Rua Trade, olhou sobre seu ombro. Ainda estava ao lado da porta lateral, observando-o com os braços cruzados e as botas plantadas firmemente no chão.
Os delicados flocos que aterrissavam em seu cabelo curto e escuro, e em seus ombros nus e fortes, não a suavizavam nem um pouco. Não era um anjo lhe fazendo um favor por uma simples razão. Era enigmática, perigosa e imprevisível.
E ele a amava.
John a saudou com a mão e dobrou a esquina, unindo-se a um desfile de humanos agasalhados que caminhavam rapidamente de bar em bar.

Xhex permaneceu onde estava inclusive depois que o corpo grande de John desapareceu de vista.
Um em um milhão, pensou uma vez mais. Esse menino era um em um milhão.
Enquanto voltava a entrar no clube, soube que era questão de tempo antes que seus dois amigos, ou talvez os membros da Irmandade, aparecessem tratando de encontrá-lo. Sua resposta ia ser que não o tinha visto e não tinha idéia de onde estava.
Ponto.
Ele a protegia, ela o protegia.
Isso era tudo.
Estava saindo da seção VIP quando seu auricular soou. Depois que seu segurança deixou de falar, amaldiçoou e levantou seu relógio para falar pelo rádio.
— Levem-no a meu escritório.
Após assegurar-se de que o andar estava livre de garotas trabalhadoras, entrou na parte do clube para o público em geral, e observou enquanto o Detetive da Cruz era guiado através da multidão de usuários.
— Sim, Qhuinn? — disse sem voltar-se.
— Cristo, deve ter olhos nas costas.
Olhou-o por cima de seu ombro.
— E você mantém isso em mente.
O ahstrux nohstrum de John era o tipo de macho com que a maioria das fêmeas queria transar. E muitos machos, também. Fazia que o negro-sobre-negro se visse espetacular, como sua camisa Affliction[57] sob a jaqueta de motoqueiro, mas seu estilo passava por todos os lados. O cinto era Grommet[58] e as barras do jeans desgastado que levava, ganhava-os do The Cure[59]. O cabelo negro aparado, o piercing no lábio e os sete brincos negros que subiam ao longo de sua orelha esquerda eram emo. As New Rocks[60] com plataformas de dez centímetros eram Góticas. As tatuagens na nuca eram Hart & Huntington[61].
E quanto às armas ocultas que sabia malditamente bem que tinha guardadas sob os braços? Eram autenticamente ao estilo Rambo, e esses punhos que penduravam em seus lados? Eram absolutamente do AMC[62].
O pacote inteiro, sem importar a procedência dos componentes, era sensual, e pelo que tinha visto no clube até pouco tempo ele dava capital importância a seu atrativo. Até o ponto em que os banheiros privados do fundo foram como o escritório de sua casa.
Entretanto, depois de ter sido promovido a guarda pessoal do John, havia diminuído o ritmo.
— O que ocorre? — disse ela.
— John esteve aqui?
— Não.
Qhuinn entrecerrou seus olhos desiguais.
— Não o viu para nada?
— Não.
Enquanto o tipo a olhava fixamente, sabia que não estava captando nada. A mentira vinha em segundo lugar depois do assassinato em sua lista de habilidades.
— Maldito seja. — murmurou, passeando o olhar pelo clube.
— Se o vir, direi que o está procurando.
— Obrigado. — voltou a se enfocar nela — Escuta, não sei que merda aconteceu entre vocês dois, e não é assunto meu...
Xhex revirou os olhos.
— O que explica claramente por que o está mencionando agora.
— É um bom macho. Só mantém isso em mente, está bem? — o olhar verde e azul de Qhuinn estava cheio de um tipo de clareza que só uma vida verdadeiramente dura daria a um macho — A muitas pessoas não cairia bem que o derrubassem sobre o traseiro. Especialmente a mim.
No silêncio que seguiu, teve que dar crédito ao Qhuinn: a maioria das pessoas não tinha os ovos para enfrentá-la e a ameaça subjacente nessas desapaixonadas palavras era óbvia.
— Qhuinn, é boa gente, sabe. É um bom amigo.
Bateu-lhe no ombro, e logo se dirigiu para seu escritório pensando que o rei tinha feito uma escolha inteligente com o ahstrux nohstrum de John. Qhuinn era um pervertido filho da puta, mas um autêntico assassino, e a alegrava que fosse o que vigiava ao seu macho.
Que vigiasse o John Matthew, quis dizer.
Porque não era seu macho. No mais mínimo.
Quando chegou a sua porta, abriu-a sem excitação.
— Boa noite, Detetive.
José da Cruz ostentava outro terno de duas peças barato, e ele, seu terno e o casaco que levava em cima se viam igualmente cansados.
— Boa noite. — respondeu.
— O que posso fazer por você? — sentou-se atrás da escrivaninha e lhe fez um sinal para que se sentasse na cadeira que utilizara a última vez.
Ele foi direto ao assunto:
— Pode me dizer onde esteve ontem tarde da noite?
Não completamente, pensou. Porque a uma em ponto estava matando a um vampiro, e isso não era de sua incumbência.
— Estive aqui no clube por quê?
— Tem algum empregado que possa confirmá-lo?
— Sim. Pode falar com iAm ou com qualquer um de meu pessoal. Sempre que me diga que diabos está acontecendo.
— Ontem à noite encontramos um objeto de vestir pertencente a Grady na cena de um crime.
Oh, caramba, se alguém mais tinha assassinado a esse filho da puta, ela estaria de saco cheio.
— Mas não seu corpo?
— Não. Era uma jaqueta com uma águia nas costas, a qual era a marca dele. Era como sua assinatura, ao que parece.
— Interessante. Então por que está me perguntando onde estava?
— A jaqueta tinha salpicaduras de sangue. Não estamos certos se eram dele ou não, mas saberemos amanhã.
— Volto a repetir, por que queria saber onde estive?
Da Cruz plantou suas palmas na escrivaninha e se inclinou para frente, seus olhos marrom chocolate estavam malditamente sérios.
— Porque tenho o pressentimento de que gostaria de vê-lo morto.
— É certo que não gosto dos homens abusivos. Mas tudo o que tem é sua jaqueta, não há corpo, e se por acaso fosse pouco, estive aqui ontem à noite. Por isso se alguém o liquidou, não fui eu.
Ele se endireitou.
— Vão fazer um funeral para Chrissy?
— Sim, amanhã. O aviso saiu no jornal de hoje. Ela podia não ter muitos familiares, mas era muito apreciada na Rua Trade. Aqui somos uma grande família feliz. — sorriu Xhex — Detetive, vai usar um bracelete negro por ela?
— Estou convidado?
— É um país livre. E iria de toda forma, verdade?
Da Cruz sorriu genuinamente, e seus olhos perderam a maior parte de sua agressividade.
— Sim, o faria. Incomoda-se se verifico os seus álibis? E tomo declarações?
— Não, nem um pouco. Chamarei-os agora mesmo.
Enquanto Xhex falava por seu relógio, o detetive passeou a vista pelo escritório, e quando ela deixou cair o braço, disse-lhe:
— A decoração não a atrai muito.
— Gosto que as coisas se limitem ao que necessito e nada mais.
— Mmm. Minha esposa gosta de decoração. Tem o dom de fazer que os lugares pareçam acolhedores. É agradável.
— Soa como uma boa mulher.
— Oh, e é. Além disso, faz o melhor queso[63] que alguma vez provei. — disse enquanto lhe dava uma olhada — Sabe, escutei muitas coisas a respeito deste clube.
— Sim?
— Sim. Particularmente sobre Vícios.
— Ah.
— E fiz os deveres quanto ao Grady. Foi detido no verão por um delito agravado de posse de drogas. O caso ainda está pendente.
— Bem, sei que ele será levado ante a justiça.
— Foi despedido deste clube um pouco antes dessa detenção, verdade?
— Por desviar recursos do bar.
— E, entretanto, não apresentaram queixa?
— Se chamasse à polícia cada vez que um de meus empregados levanta uns verdes, teria a vocês meninos, na discagem rápida.
— Mas escutei que essa não era a única razão pela que o tinham despedido.
— Sério?
— A Rua Trade, como você disse, é sua própria família… Mas isso não significa que não haja falatórios. E as pessoas me disseram que foi despedido porque estava traficando aqui no clube.
— Bem, isso é compreensível, verdade? Nunca permitiríamos que alguém traficasse em nossa propriedade.
— Porque é o território de seu chefe e ele não aprecia a concorrência.
Ela sorriu.
— Detetive, aqui não há concorrência.
E isso era verdade. Rehvenge era o macho alfa. Ponto. Qualquer limpa cú barato que tratasse de passar pequenas quantidades sob o teto do clube, era quebrado. Duramente.
— Se for honesto, não estou seguro de como o fazem. — murmurou da Cruz — Durante anos houve especulações a respeito deste lugar, e, entretanto, ninguém foi capaz de obter uma causa provável para pedir uma ordem de averiguação.
E isso acontecia porque as mentes humanas, inclusive as conectadas nos ombros dos policiais, eram facilmente manipuláveis. Algo visto ou falado podia ser apagado em um instante.
— Nada sombrio ocorre aqui. — disse ela — Assim é como o fazemos.
— Seu chefe está por aqui?
— Não, esta noite não.
— Então confia em você para dirigir seu negócio enquanto não está.
— Como eu, ele nunca vai por muito tempo.
Da Cruz assentiu.
— Boa política. Falando do tema, não sei se terá escutado, mas parece haver uma guerra de territórios em marcha.
— Guerra de território? Pensei que as duas partes de Caldwell estavam em paz uma com a outra. O rio já não é uma divisão.
— Guerra de território por drogas.
— Não sei nada sobre isso.
— É meu outro caso. Encontramos dois traficantes mortos junto ao rio.
Xhex franziu o cenho, pensando que a surpreendia não ter se informado disso ainda.
— Bom, as drogas são um negócio duro.
— Dispararam a ambos na cabeça.
— Isso o obteria.
— Ricky Martínez e Isaac Rush. Conhece-os?
— Escutei sobre eles, mas ambos apareceram nos jornais. — disse enquanto punha uma mão na cópia do CCJ que estava cuidadosamente empilhado em sua escrivaninha — E sou uma grande leitora.
— Então viu o artigo sobre eles que saiu hoje.
— Ainda não, mas estava a ponto de tomar um descanso. Tenho que ter minha dose diária de Dilbert[64].
— É esse sobre a escrivaninha? Durante anos fui fã de Calvin e Hobbes[65]. Odiei que acabasse e na realidade não me entretive com nenhuma das novas. Suponho que fiquei no tempo.
— Gosta do que gosta. Não há nada mau nisso.
— É o que minha esposa diz. — os olhos de Da Cruz vagaram novamente pelos arredores — Então, um par de pessoas disseram que ambos vieram ao clube ontem à noite.
— Calvin e Hobbes? Um era um menino e o outro um tigre. Nenhum teria conseguido passar por meus seguranças.
Da Cruz sorriu brevemente.
— Não, Martínez e Rush.
— Ah, bom, você andou pelo clube. Todas as noites têm uma enorme quantidade de gente aqui.
— Certo. Este é um dos clubes mais bem-sucedidos da cidade. — Da Cruz colocou as mãos nos bolsos laterais de sua calça, seu casaco caiu para trás e a jaqueta de seu terno se esticou ao redor de seu peito — Um dos yonquis que vive sob a ponte viu um modelo antigo da Ford junto com uma Mercedes negra e um Lexus todo cromado deixando a área pouco depois que esses dois fossem baleados.
— Os traficantes de droga podem permitir-se bons carros. Não estou segura do que faziam com o Ford.
— O que seu chefe dirige? Um Bentley, verdade? Ou conseguiu um novo veículo?
— Não, ainda tem o Bentley.
— Um carro caro.
— Muito.
— Conhece alguém com uma Mercedes negra? Porque as testemunhas também viram uma rondando ao redor do apartamento onde foi achada a jaqueta com a águia do Grady.
— Não posso dizer que conheça algum dono de um Merc.
Houve um golpe na porta, e Trez e iAm entraram, os dois seguranças faziam que o detetive parecesse um Funda estacionado entre um par de Hummers.
— Bem, os deixo para que falem. — disse Xhex com absoluta fé nos melhores amigos de Rehv — Detetive, vejo-o no funeral.
— Se não antes. Hey, alguma vez pensou em adquirir uma planta para pôr aqui dentro? Poderia fazer a diferença.
— Não, sou muito boa matando coisas. — sorriu com humor — Sabe onde me encontrar. Até mais tarde.
Enquanto fechava a porta detrás dela, deixou de fingir e franziu o cenho. A guerra de territórios não era boa para o negócio, e se Martínez e Rush tinham sido mortos, era um sinal seguro de que apesar do clima de dezembro, a escória de Caldwell estava desenvolvendo outro broto de calor.
Merda, isso era o último que necessitavam.
As vibrações que sentia em seu bolso indicaram que alguém tratava de localizá-la, e respondeu a chamada no instante em que viu de quem se tratava.
— Encontrou o Grady? — perguntou brandamente.
A voz profunda de Big Rob estava cheia de frustração:
— O maldito deve estar escondido. Silent Tom e eu estivemos em todos os clubes. Também em sua casa e com alguns de seus amigões.
— Segue procurando, mas tome cuidado. Sua jaqueta foi encontrada na cena de outro crime. Os policiais o estão buscando implacavelmente.
— Não nos renderemos até que tenhamos algo positivo sobre ele para você.
— Bom menino. Agora desliga o telefone e continua com o rastreamento.
— Não há problema, chefe.


Capítulo 31

 
Dentro de seu banheiro escuro como uma boca de lobo, Rehvenge chocou-se contra uma das paredes de mármore, andou aos tropicões sobre o chão de mármore e ricocheteou contra o balcão de mármore. Seu corpo estava vivo, as sensações vibravam através dele, registrando a dor por ter batido o quadril, o ardor que supunha de sua respiração entrecortada nos pulmões, e o tamborilar de seu coração contra o esterno.
Deixou o edredom de cetim cair, acendeu as luzes com sua vontade e olhou para baixo.
Tinha o pênis rígido e grosso, a ponta estava brilhante e pronta para penetrar.
Santa... Merda.
Olhou ao redor. Sua visão era normal, via as cores negra, brilhante e branco do banheiro e a borda da jacuzzi se elevava do chão, com uma óbvia profundidade. E, ainda assim, embora não visse nada plano nem de cor vermelha rubi, seus sentidos estavam completamente vivos, seu sangue estava quente e trovejava em suas veias, sua pele estava pronta para ser tocada e o orgasmo que havia na haste de sua ereção gritava para ser liberado.
Estava absolutamente vinculado com Ehlena.
E isso significava que, ao menos nesse momento, quando estava tão desesperado por ter sexo com ela, seu lado vampiro estava se impondo sobre a parte symphath que havia nele.
Sua necessidade dela tinha triunfado sobre a escuridão que havia nele.
Ocorreu-lhe que devia tratar-se dos hormônios da vinculação. Hormônios da vinculação que tinham alterado sua química interna.
No reconhecimento de sua nova realidade, não havia motivos para sentir uma alegria elevada, nenhuma sensação de triunfo, nem o impulso de atirar-se sobre ela e bombear em seu interior com toda a sua força. Tudo o que podia fazer era ficar olhando fixamente para baixo, a seu pênis e pensar onde havia estado antes. No que tinha feito com ele... E, com o resto de seu corpo.
Rehvenge desejava arrancar de si a estúpida coisa.
Porra, de nenhuma forma compartilharia isso com Ehlena. Salvo que... Não podia retornar ali fora nesse estado.
Rehv agarrou a ereção com sua ampla mão e acariciou a si mesmo. Oh... Porra... Sentia-se bem...
Pensou nele descendo pelo corpo de Ehlena, em que tinha sua calidez na boca e a fazia descer pelo fundo de sua garganta. Viu suas coxas estendidas e sua brilhante suavidade e seus próprios dedos deslizando-se dentro e fora enquanto ela gemia e balançava seu...
Seus testículos se comprimiram até ficarem duros como punhos, a parte baixa de suas costas ondeou como uma onda, e, essa repugnante lingüeta sua acionou apesar de não ter nada contra o qual acoplar-se. Um rugido ameaçou subir por sua garganta, mas o conteve mordendo o lábio até que saboreou seu sangue.
Rehv gozou sujando toda a mão, mas, entretanto, se apoiou contra o balcão e seguiu acariciando seu sexo. Gozou uma e outra vez, sujando o espelho e os lavabos, e ainda assim seguia necessitando mais... Como se seu corpo não se liberasse há, digamos, quinhentos anos?
Quando finalmente passou a tormenta, deu-se conta de que estava... Merda, atirado contra a parede, com a cara esmagada contra o mármore, tremiam-lhe os ombros, e suas coxas se sacudiam convulsivamente como se tivesse cabos de arranque de bateria conectados aos dedos dos pés.
Com mãos trêmulas, se pôs a limpar usando uma das toalhas dobradas minuciosamente em uma prateleira, e esfregou o balcão, o espelho e o lavabo. Em seguida, desdobrou outra e lavou as mãos, o pênis, o estômago e as pernas porque se sujou tanto como o fodido banheiro.
Quando finalmente estendeu a mão para o trinco, depois que passara quase uma hora, meio que esperava que Ehlena tivesse se ido, e não podia culpá-la: uma fêmea a quem essencialmente lhe faz o amor lhe oferece a veia e ele sai correndo para o banheiro e se fecha como um maricas.
Porque tinha uma ereção.
Jesus Cristo. Essa noite, que sequer começou muito bem, converteu-se em um choque em cadeia de uma coluna de dezesseis carros na auto-estrada para Vila-Relação.
Rehv preparou a si mesmo e abriu a porta.
Quando a luz se derramou de dentro do banheiro, Ehlena se ergueu nos lençóis, em seu rosto se via uma expressão preocupada... E absolutamente imparcial. Não havia condenação, nem especulação, não havia rastro de que estivesse pensando em algo para fazê-lo sentir ainda pior. Simplesmente havia uma genuína preocupação.
— Está bem?
Bom, olhe se não era essa a pergunta da noite.
Rehvenge deixou a cabeça cair e pela primeira vez desejou descarregar tudo com outra pessoa. Nem sequer com Xhex, que tinha sofrido inclusive mais que ele, sentia a inclinação a praticar essa merda de intercâmbio. Mas, ao ver os olhos cor de caramelo de Ehlena tão abertos e quentes nesse rosto formoso e perfeito, sentiu vontade de confessar cada uma das coisas sujas, fodidas, matreiras, malvadas e repugnantes que tinha feito em sua vida.
Só para ser honesto.
Sim, mas se jogava sua vida sobre a mesa, em que posição ela ficaria? Na situação de ter que reportá-lo por ser um symphath e muito provavelmente temendo por sua própria vida. Grande desenlace. Perfeito.
— Gostaria de ser diferente. — disse. Que era o mais perto que podia estar de dizer a verdade que os separaria para sempre — Desejaria ser um macho diferente.
— Eu não.
Isso era porque não o conhecia. Não verdadeiramente. E, entretanto, não podia confrontar a idéia de não voltar a vê-la nunca mais depois da noite que tiveram juntos.
Nem de que pudesse chegar a temê-lo.
— Se pedisse que voltasse aqui outra vez, — disse — e que me deixasse estar contigo, aceitaria?
Não houve vacilação:
— Sim.
— Embora as coisas não pudessem ser... Normais... Entre nós? Quanto à parte sexual.
— Sim.
Franziu o cenho.
— Isto vai soar mal...
— O que está bem, porque já meti os pés pelas mãos contigo quando estávamos na clínica. Assim ficaríamos quites.
Rehv não pôde evitar sorrir, mas sua expressão não durou.
— Devo saber... Por que. Por que voltaria?
Ehlena se recostou contra os travesseiros e moveu a mão para cima deslocando-a lentamente por cima do lençol de cetim que lhe cobria o estômago.
— Tenho uma só resposta a isso, mas não acredito que seja a que quer ouvir.
O frio intumescimento, estava retornando devido aos remanescentes desses orgasmos que tivera estarem dissipando, acelerou a reclamação que estava fazendo sobre seu corpo.
Por favor, que não seja por lástima, pensou.
— Diga-me. — ficou calada durante um longo tempo, percorrendo com o olhar a vista panorâmica das duas metades de Caldwell que piscavam e resplandeciam.
— Pergunta-me por que voltaria? — disse brandamente — E a única resposta que tenho é... Como poderia não fazê-lo? — desviou os olhos para ele — Em certo nível, não faz sentido para mim, mas em definitivo, os sentimentos alguma vez têm muito sentido, ou sim? E não têm por que ter. Esta noite... Deu-me coisas que não só fazia muito tempo que não tinha, mas sim acredito que nunca tinha experimentado. — sacudiu a cabeça — Ontem envolvi um corpo... Um corpo de alguém de minha idade, um corpo de alguém que provavelmente saiu de sua casa a noite e foi assassinado sem ter a mínima noção de que essa era sua última noite. Não sei aonde vai chegar este — fez um gesto com a mão para trás e para frente entre os dois — assunto entre nós. Talvez dure somente uma noite ou duas. Talvez dure um mês. Talvez dure mais de uma década. Tudo o que sei é que a vida é muito curta para não voltar aqui, para estar contigo desta forma outra vez. A vida é definitivamente muito curta, e gosto muito de estar contigo para que me importe uma merda outra coisa além de ter outro momento como este.
Enquanto olhava Ehlena, o peito de Rehvenge se inflamou.
— Ehlena?
— Sim?
— Não me entenda mal.
Ela respirou profundamente e ele viu que seus ombros nus se esticavam.
— Ok. Tentarei não fazê-lo.
— Se segue vindo aqui? Sendo da forma que é? — houve uma pausa — Vou me apaixonar por você.
   
John encontrou a propriedade de Xhex sem problemas, já que só estava a dez blocos de distância do ZeroSum. Ainda assim, o bairro bem poderia ter estado em um CEP completamente diferente. A fachada cor café avermelhado das edificações da rua era elegante e de estilo clássico, com a merda de madeira esculpida ao redor das janelas-balcão que davam a impressão de ser Vitorianas... Embora como soubesse isso com semelhante certeza não tinha idéia.
Ela não possuía uma casa inteira, a não ser um apartamento no porão de um edifício sem elevador, particularmente atrativo. Debaixo das escadas de pedra que subiam do meio-fio, havia um oco, dentro do qual deslizou para usar a chave em um estranho ferrolho cor bronze. Quando entrou acendeu uma luz, e não viu nada interessante. Chão avermelhado fabricado com lajes de pedra. Paredes construídas com blocos de concreto e branqueadas. No extremo mais afastado havia outra porta com outro estranho ferrolho.
Tinha esperado que Xhex vivesse em algum lugar exótico e cheio de armas.
E que tivesse abundância de meias francesas e saltos agulha.
Mas, essa era sua fantasia.
Foi para o outro extremo da sala, abriu a outra porta e se acenderam mais luzes. O quarto que havia depois da porta não tinha janelas e estava vazio à exceção de uma cama, a falta de decoração não o surpreendeu, levando em consideração o aspecto da sala do porão. Havia um banheiro, mas não havia cozinha, nem telefone nem TV. A única cor que havia na habitação provinha do chão de pranchas de pinheiro antigas que brilhavam com um brilho da cor do mel fresco. As paredes estavam branqueadas, como as da sala, mas estas eram de tijolo.
O ar lhe pareceu surpreendentemente fresco, mas então viu os respiradores. Havia três.
John tirou sua jaqueta de couro e a deixou no chão. Em seguida tirou as botas, conservando postas as meias grossas.
No banheiro, usou o vaso, e salpicou o rosto com água.
Não havia toalhas. Usou as abas de sua camiseta negra.
Estirando-se sobre a cama, permaneceu com as armas em cima, embora não era devido a que tivesse medo de Xhex.
Deus, talvez isso o convertesse em um estúpido. O primeiro que lhe tinham ensinado no programa de treinamento da Irmandade era que nunca podia confiar nos symphaths, e aqui estava ele, arriscando sua vida ao ficar na casa de um... Muito provavelmente passaria o dia, sem dizer a ninguém onde estava.
Não obstante era exatamente o que necessitava.
Quando voltasse ao cair da noite, decidiria o que fazer. Não queria ficar fora da guerra... Gostava muito de lutar. Sentia-se... Bem, e não só pelo fato de defender à raça. Sentia que era o que se supunha que devia estar fazendo, tinha nascido e tinha sido educado para isso.
Mas não estava seguro se poderia voltar para a mansão e viver ali.
Depois que passou um tempo sem se mover, as luzes se apagaram, e simplesmente ficou olhando a escuridão. Enquanto estava ali estendido na cama com a cabeça sobre um dos dois travesseiros relativamente duros, deu-se conta que era a primeira vez que estava verdadeiramente só desde que Tohr tinha ido procurá-lo, com seu enorme Range Rover negro, naquele apartamento de merda.
Recordava com absoluta clareza, como tinha sido viver naquele estúdio parecido a um buraco do inferno que não só estava na parte errada da cidade, mas também diretamente estava na seção perigosa de Caldie. A cada noite vivia aterrorizado porque era fracote e débil, além disso, estava indefeso e o único com que podia alimentar-se era com o Ensure[66] por causa de sua má digestão, por isso pesava menos que um aspirador. A porta que o separava dos consumidores de droga, das prostitutas e dos ratos do tamanho de burros, tinha-lhe parecido fina como um papel.
Desejara fazer bem ao mundo. Ainda o desejava.
Desejara apaixonar-se e estar com uma mulher. Ainda o desejava.
Desejara encontrar uma família, ter uma mãe e um pai, ser parte de um clã.
Já não.
John estava começando a entender que os sentimentos no coração, eram como os tendões no corpo. Podia distender, distender e distender e sentir a dor da distorção e o estiramento... Até certo ponto a articulação seguiria funcionando e o membro se dobraria e suportaria o peso, e continuaria sendo útil depois que a pressão desaparecesse. Mas, não era algo infinito.
Ele se quebrara. E estava endemoniadamente seguro que não havia um equivalente emocional à cirurgia artroscópica[67].
Para ajudar a tranqüilizar sua mente e induzí-la ao descanso que evitaria que se voltasse louco, concentrou-se no que ocorria a seu redor. O quarto estava em silêncio, salvo pela calefação que de todo modo não fazia muito ruído. E o edifício que tinha em cima estava vazio, não havia sons de ninguém se movendo.
Fechando os olhos, se sentiu mais a salvo do que provavelmente fosse conveniente.
Mas, em definitivo, estava acostumado a se valer por si mesmo. O tempo que tinha passado com Tohr e Wellsie e em seguida com a Irmandade tinha sido uma anomalia. Nascera sozinho nessa parada de ônibus, e esteve sozinho no orfanato embora estivesse rodeado de um sempre mutante grupo de meninos. E logo tinha saído sozinho ao mundo.
Fora tratado brutalmente e o superara sem ajuda. Esteve doente e se curou sozinho. Abriu-se caminho o melhor que pode e o tinha feito bem.
Era hora de voltar para suas origens.
À essência de seu ser.
O tempo com Wellsie e Tohr... E com os Irmãos... Tinha sido como um experimento fracassado... Algo que parecera ter potencial, mas que, ao final tinha sido um fracasso.


Capítulo 32
 
 
Que fosse noite ou dia, isso não incomodava Lash.
Enquanto entrava com o senhor D no estacionamento de um moinho abandonado e os faróis do Mercedes oscilavam riscando um grande arco, não o preocupava se encontrava com o rei dos symphaths ao meio-dia ou a meia-noite, porque de algum modo já não se sentia intimidado pelo idiota.
Fechou o 550 e caminhou com o senhor D atravessando uma extensão de asfalto deteriorado para uma porta que estava muito firme, se tomasse em consideração o estado em que estava o moinho. Graças à ligeira neve que caía, a situação se parecia com algo tirado de um anúncio para férias pitorescas em Vermont, sempre que não se olhasse muito de perto ao teto nem o revestimento rachado.
O symphath já estava dentro. Lash estava tão certo disso como de poder sentir as rajadas de vento nas bochechas e ouvir as pedras frouxas rangendo sob suas botas de combate.
O senhor D abriu a porta e Lash entrou primeiro para demonstrar que não necessitava que um subordinado lhe abrisse caminho. No interior do moinho não havia nada exceto muito ar frio, fazia muito que o edifício retangular fora despojado de todo o útil.
O symphath lhe esperava no extremo mais afastado da sala, perto da maciça roda que ainda se assentava no rio como uma velha mulher gorda em um banheiro refrescante.
— Amigo, que agradável vê-lo novamente. — disse o rei, a voz de serpente frisando-se entre as vigas.
Lash se aproximou do macho com passo elegante e lento, tomando seu tempo, verificando e voltando a verificar novamente as sombras projetadas pelas janelas de vidro. Nada exceto o rei. Isso estava bom.
— Considerou minha proposta? — perguntou o rei.
Lash não estava de humor para andar pelos ramos. Depois da cagada da noite anterior com o entregador do Domino’s, e, que em aproximadamente uma hora deviam eliminar a outro narcotraficante, esse não era o momento para jogos.
— Sim. E sabe o que? Não estou seguro de que precise te fazer nenhum favor. Estou pensando que ou me dá o que quero. Ou... Possivelmente me limite a enviar meus homens ao norte para te matar e a todos os anormais dali.
Esse rosto insosso e pálido forçou um sorriso sereno.
— Porém o que ganharia com isso? Seria destruir aos mesmos instrumentos que desejas utilizar para derrotar os seus inimigos. Não é um passo lógico para que tome nenhum governante.
Lash sentiu um formigamento na ponta do pênis, o respeito o excitava, embora se negasse a reconhecer o fato.
— Sabe, nunca teria pensado que um rei poderia necessitar ajuda. Por que não pode perpetrar o crime você mesmo?
— Fazer parecer que o falecimento ocorreu fora do âmbito de minha influência me reportaria circunstâncias atenuantes e certos benefícios. Com o correr do tempo, aprenderá, que as maquinações na calada são às vezes muito mais efetivas do que aquelas que realiza a plena vista de sua gente.
Ponto conseguido, embora novamente, Lash não o elogiaria.
— Não sou tão jovem como crê. — disse em seu lugar. Porra, envelhecera perto de um trilhão de anos nos últimos quatro meses.
— E tampouco é tão velho como crê você. Mas isso é outra conversa para outro momento.
— Não estou procurando um terapeuta.
— O que é uma vergonha. Sou bastante bom me colocando na cabeça de outros.
Sim, Lash podia vê-lo.
— Este teu objetivo. É um macho ou uma fêmea?
— Importaria?
— Nem o mais mínimo.
O symphath definitivamente ficou radiante.
— É um macho. E como falei, existem circunstâncias excepcionais.
— Como quais?
— Será difícil chegar a ele. Seu guarda-costas é bastante temível. — o rei flutuou até uma janela e olhou para fora. Depois de um momento, girou a cabeça como se fosse um mocho, rodando a espinha dorsal até que quase esteve olhando para trás, e logo, por um momento, em seus olhos brancos houve um brilho vermelho — Acredita que pode dirigir tal penetração?
— É homo? — soltou Lash.
O rei riu.
— Quer dizer, se prefiro amantes de meu sexo?
— Sim.
— Isso te faria sentir incômodo?
— Não. – sim, porque significaria que mais ou menos e de certa forma se excitava com um tipo que rebatia para a outra equipe.
— Não mente muito bem. — murmurou o rei — Mas isso melhorará com a idade.
Porra.
— E não acredito que seja tão poderoso como pensa que é.
Quando a especulação sexual desapareceu Lash soube que tinha metido o dedo na ferida.
— Tome cuidado com as águas de enfrentamento...
— Poupe-me da merda de três no quarto e os biscoitos da sorte, sua Alteza. Se enchesse essa toga com um bom par de culhões, se desfaria desse tipo você mesmo.
A serenidade voltou ao semblante do rei, como se com esse arrebatamento Lash acabasse de provar sua inferioridade.
— E, ainda assim, em vez de fazê-lo, faço que outra pessoa se encarregue disso por mim. É muito mais sofisticado, embora não espero que você o compreenda.
Lash se desmaterializou, apareceu justamente frente ao macho e fechou as palmas ao redor dessa garganta esbelta. Com um só impulso brutal, impulsionou ao rei para cima pondo-o contra a parede.
Seus olhos se encontraram e quando Lash sentiu um intento de sondagem em sua mente, fechou instintivamente a entrada a seu lóbulo frontal.
— Não vai abrir meu baú aí acima, imbecil. Sinto muito.
O olhar fixo do rei se voltou tão vermelho como o sangue.
— Não.
— Não o que?
— Não prefiro amantes de meu próprio sexo.
Obviamente foi a espetada perfeita: implicando que, Lash se aproximava porque deles dois era ele quem gostava de pênis. Soltou-o e começou a passear dando pernadas.
Agora a voz do rei era menos serpentina e mais séria.
— Você e eu nos enfrentamos em igualdade de condições. Acredito que esta aliança será benéfica para ambos.
Lash girou e encarou ao macho.
— Esse macho, que você deseja morto, onde o encontro?
— O momento deve ser o adequado. A escolha do momento... É tudo.
 
Rehvenge observou como Ehlena punha a roupa, e apesar de que vê-la voltar a meter-se nesse uniforme não era exatamente o que desejava, o espetáculo dela inclinada subindo lentamente as meias pela perna não estava nada mal.
Para. Nada. Mal.
Ela riu enquanto levantava o sutiã e o fazia girar ao redor do dedo.
— Posso pôr isso agora?
— Absolutamente.
— Vai fazer que tome meu tempo outra vez?
— É somente que supus que não havia pressa com as meias. — sorriu como o lobo que estava se sentindo — Quero dizer, essas coisas desfiam, verdade...  Oh, caramba...
Ehlena não esperou que terminasse de falar, mas arqueou as costas e pendeu o sutiã ao redor do torso. As pequenas oscilações que realizou enquanto o grampeava na parte dianteira fizeram o Rehvenge ofegar... E isso foi antes que subisse os suspensórios sobre os ombros, deixando que as taças encaixassem sob os seios.
Ela se voltou para ele.
— Esqueci como funciona. Pode me ajudar?
Rehv grunhiu e a atraiu para si, sugando um mamilo dentro da boca e acariciando o outro com o polegar. Enquanto ela ofegava, ele colocou as taças em seu lugar.
— Gosto de ser seu engenheiro em lingerie, mas, sabe, fica melhor quando não o tem posto. — quando fez dançar as sobrancelhas de forma maliciosa, a risada dela foi tão espontânea e natural que lhe deteve o coração — Gosto desse som.
— E eu gosto de fazê-lo.
Ela colocou as pernas dentro de seu uniforme e puxou para cima, logo abotoou os botões.
— Lástima. — disse ele.
— Quer saber algo bobo? Pus isto apesar de não ter que ir trabalhar esta noite.
— De verdade? Por quê?
— Queria manter as coisas no plano profissional, e, entretanto aqui estou encantada de que não tenha funcionado desse modo.
Ele ficou de pé e a tomou em seus braços, já sem se preocupar com o fato de estar totalmente nu.
— Somo-me à parte de estar encantado.
Beijou-a brandamente, e ao se separarem ela disse:
— Obrigada por uma tarde encantadora.
Rehv colocou seu cabelo detrás das orelhas.
— O que faz amanhã?
— Trabalhar.
— A que hora sai?
— Às quatro.
— Virá aqui.
Ela não vacilou.
— Sim.
— Agora vou ver minha mãe. — disse ele, enquanto saíam do dormitório e atravessavam a biblioteca.
— Seriamente?
— Sim, ligou-me e pediu para ver-me. Nunca faz isso. — sentia-se bem ao compartilhar detalhes de sua vida. Bom, alguns deles, em todo caso — Esteve tratando de me converter em uma pessoa mais espiritual, e espero que isto não se trate de um convite a me colocar em algum tipo de retiro.
— A propósito, o que faz? No que trabalha? — Ehlena riu — Sei tão pouco de você.
Rehv se concentrou na vista panorâmica da cidade que ficava sobre o ombro dela.
— Oh, em muitas coisas diferentes. Em sua maior parte no mundo humano. Agora que minha irmã está emparelhada, só tenho a minha mãe para cuidar.
— Onde está seu pai?
Na tumba fria, aonde o idiota pertencia.
— Morreu.
— Sinto muito.
Os quentes olhos de Ehlena dispararam algo através de seu peito, que certo como a merda sentia como culpa. Não lamentava ter matado seu pai, lamentava ter que ocultar tanto a ela.
— Obrigado. — disse rigidamente.
— Não queria me intrometer em sua vida ou sua família. Sou só curiosa, mas se preferir...
— Não, é somente que... Não falo muito de mim mesmo. — e isso era verdade — É que... Esse é o toque de um telefone celular?
Ehlena franziu o cenho e se afastou.
— O meu. Em meu casaco.
Ela correu à sala de jantar, e a tensão em sua voz ao responder foi evidente.
— Sim? Ah, olá! Sim, não, eu... Agora? É obvio. E o engraçado é que não precisarei ir trocar-me o uniforme por que... Oh. Sim. Claro. Bom.
Quando chegou à arcada da sala de jantar ouviu a tampa do telefone se fechando.
— Tudo bem?
— Ah, sim. Só trabalho. — Ehlena se aproximou enquanto vestia o casaco — Não é nada. Provavelmente seja somente falta de pessoal.
— Quer que te leve? — Deus, adoraria levá-la ao trabalho, e não simplesmente porque poderiam estar juntos um pouco mais. Um macho gostava de fazer coisas por sua fêmea. Protegê-la. Ocupar-se dela...
Bom, que porra? Não que não gostasse dos pensamentos que estava tendo a respeito dela, mas era como se alguém lhe tivesse trocado o CD. E não, não era o fodido Barry Manilow.
Embora definitivamente agora houvesse algo do Maroon 5 no idiota.
Afh...
— Oh, não, irei sozinha, mas obrigada. — Ehlena se deteve diante de uma das portas corrediças — Esta noite foi tão... Uma revelação.
Rehv se aproximou a pernadas, tomou seu rosto entre as mãos, e a beijou com força. Quando se afastou para trás, disse-lhe sombriamente:
— Somente devido a você.
Então ela sorriu, resplandecendo do interior, e repentinamente ele a desejou nua outra vez para poder entrar nela: o instinto de marcá-la estava vociferando dentro dele, e o único modo em que podia sossegá-lo era dizendo-se que tinha deixado bastante de seu aroma na pele dela.
— Mande-me uma mensagem quando chegar à clínica, assim saberei que está a salvo. — disse.
— Farei.
Deu um último beijo, atravessou a porta e se perdeu na noite.
 
Quando deixou Rehvenge, Ehlena estava voando, e não simplesmente porque estivesse desmaterializando através do rio até a clínica. Para ela, a noite não era fria, era fresca. Seu uniforme não estava enrugado por ficar atirado em uma cama e ter se derrubado sobre ele, estava astutamente desalinhado. Seu cabelo não era uma confusão, era casual.
A chamada para ir à clínica não era uma intrusão, era uma oportunidade.
Nada poderia fazê-la descer desta elevação incandescente. Ela era uma das estrelas que havia no céu aveludado da noite, inalcançável, intocável, por cima dos conflitos terrestres.
Embora ao tomar forma diante das garagens da clínica, algo do brilho cor de rosa se perdeu. Parecia injusto que pudesse sentir-se como o fazia, tendo em conta o que tinha acontecido a noite anterior: apostaria sua vida que nesse momento a família de Stephan não estaria refletindo nada similar à alegria. Mal teriam terminado com o ritual da morte, pelo amor de Deus... Passariam anos antes que pudessem sentir algo remotamente parecido ao que cantava em seu peito quando pensava em Rehv.
Caso pudessem sentir-se assim alguma vez. Tinha a sensação de que para seus pais nunca seria o mesmo.
Amaldiçoando, atravessou rapidamente o estacionamento, e seus sapatos deixaram pequenos rastros negros no pó de neve que tinha caído antes. Por ser uma funcionária, o trajeto através dos postos de checagem para a sala de espera não demorou, e, quando entrou na área de recepção, tirou o casaco e se dirigiu diretamente ao balcão da recepção.
O enfermeiro que estava atrás do computador elevou o olhar e sorriu. Rhodes era um dos poucos machos do pessoal, e definitivamente um favorito na clínica, a classe de tipo que se dava bem com todo mundo e era rápido com os sorrisos, os abraços e os cinco em alto.
— Ouça neném, como... — quando ela se aproximou, franziu o cenho e rápido empurrou a cadeira para trás, pondo distância entre eles — Errr... Olá.
Franzindo o cenho, olhou para trás, esperando ver um monstro, dada a maneira em que ele se encolhia ante ela.
— Está bem?
— OH, sim. Totalmente. — olhou-a com intensidade — Como você está?
— Estou bem. Contente por poder ajudar. Onde está Catya?
— Acredito que disse que estaria te esperando no escritório de Havers.
— Irei ali então.
— Sim. Bom.
Ela reparou que sua caneca estava vazia.
— Quer que traga um café quando acabar?
— Não, não. — disse rapidamente, levantando ambas as mãos — Estou bem. Obrigado. Realmente.
— Tem certeza que está bem?
— Sim. Absolutamente bem. Obrigado.
Ehlena se afastou, sentindo-se absolutamente como uma leprosa. Geralmente ela e Rhodes se davam muito bem, mas, não esta noite...
Oh, meu Deus, pensou. Rehvenge tinha deixado seu aroma sobre ela. Tinha que ser isso.
Deu a volta... Mas, o que poderia lhe dizer, realmente?
Esperando que Rhodes fosse o único em captá-lo, entrou no vestiário para desfazer do casaco e se pôs a caminho, ziguezagueando entre os membros do pessoal e pacientes que encontrava no caminho. Quando chegou ao escritório de Havers, a porta estava aberta, o médico estava sentado atrás de sua mesa e Catya em uma cadeira, de costas ao vestíbulo.
Ehlena bateu brandamente no batente.
— Olá.
Havers levantou o olhar e Catya jogou uma olhada sobre o ombro. Os dois pareciam positivamente doentes.
— Entre. — disse o médico bruscamente — E feche a porta.
Enquanto fazia o que lhe pedia, o coração de Ehlena começou a pulsar rapidamente. Havia uma cadeira vazia junto à Catya, e se sentou porque de repente sentiu que seus joelhos afrouxavam.
Estivera neste escritório várias vezes, e geralmente tinha sido para recordar ao médico que comesse, porque uma vez que começava com os históricos dos pacientes perdia a noção do tempo. Mas, isto não se tratava dele, verdade?
Houve um longo silêncio, durante o qual os pálidos olhos de Havers evitaram encontrar aos dela, dedicando-se a brincar com as pernas de seus óculos de tartaruga marinha.
Catya foi quem falou, e o fez com voz tensa.
— Ontem à noite, antes de sair, um dos guardas de segurança que esteve monitorando todas as câmeras chamou minha atenção sobre o fato de que esteve na farmácia. Sozinha. Disse que a viu pegar algumas pílulas e sair com elas. Olhei a fita, comprovei a estante pertinente e era penicilina.
— Por que não o trouxe? — perguntou Havers — Tornaria a ver Rehvenge imediatamente.
O momento que seguiu foi como algo saído de uma série de televisão, onde a câmera fazia um zoom sobre o rosto de um personagem: Ehlena sentiu como se tudo estivesse afastando-se dela, o escritório se retirava, afastando-se na distância enquanto ela era repentinamente iluminada por projetores e posta sob o escrutínio do microscópio.
As perguntas giraram em seu cérebro. Realmente tinha pensado que poderia sair ilesa com o que fizera? Sabia que havia câmeras de segurança... E, entretanto a noite anterior, quando se meteu atrás do balcão do farmacêutico, não tinha pensado nisso.
Como resultado disso, tudo mudaria. Sua vida, que sempre tinha sido uma luta, ia se converter em insuportável.
Destino? Não... Estupidez.
Como demônios podia ter feito algo assim?
— Demitirei-me. — disse bruscamente — Com vigência a partir desta noite. Nunca deveria tê-lo feito... Estava preocupada com ele, super excitada pelo Stephan, e cometi um terrível engano de julgamento. Estou profundamente arrependida.
Nem Havers nem Catya disseram nada, nem tinham que fazê-lo. Era um assunto de confiança, e ela tinha traído a deles. Assim como um montão de normas de segurança referente ao trato de pacientes.
— Esvaziarei meu armário. E irei imediatamente.


Capítulo 33


Rehvenge não via sua mãe o suficiente.
Esse foi o pensamento que lhe ocorreu enquanto estacionava diante do refúgio ao que a tinha mudado fazia quase um ano. Depois que a mansão familiar em Caldwell foi atacada pelos lessers, tirou todo mundo dessa casa e os instalou nesta mansão Tudor, bem ao sul da cidade.
Era o único bem que saíra do seqüestro de sua irmã… Bom, isso e o fato de que Bella encontrasse um macho de valor no Irmão que a tinha resgatado. A coisa era que, com o Rehv tendo tirado sua mãe da cidade quando o fez, ela e sua amada doggen tinham escapado do que a Sociedade Lessening tinha feito à aristocracia durante o verão.
Rehv estacionou o Bentley diante da mansão, e antes que saísse do carro, a porta da casa se abriu e a doggen de sua mãe saiu e ficou sob a luz, abrigada contra o frio.
Os sapatos ingleses de Rehv tinham solas escorregadias, assim foi muito cuidadoso ao atravessar a neve pulverizada.
— Ela está bem?
A doggen elevou o olhar, e tinha os olhos empanados com lágrimas.
— Aproxima-se sua hora.
Rehv entrou, fechou a porta, e se negou a ouvir isso.
— Não é possível.
— Sinto muito, senhor. — a doggen tirou um lenço branco do bolso de seu uniforme cinza — Sinto… Muito.
— Não é o bastante velha.
— Sua vida foi muito mais longa que seus anos.
A doggen sabia bem o que acontecia na casa quando o pai de Bella ainda estava com eles. Limpara vidros quebrados e porcelana destroçada. Tinha enfaixado ferimentos e prestado cuidados.
— Realmente, não posso suportar que se vá. — disse a criada — Estarei perdida sem minha ama.
Rehv pôs uma mão intumescida sobre seu ombro e apertou brandamente.
— Não sabe com segurança. Não foi ver o Havers. Deixe-me vê-la, ok?
Quando a doggen assentiu, Rehv subiu lentamente a escada até o primeiro andar, passando diante de retratos familiares a óleo que ele tinha transferido da antiga casa.
No patamar, foi para a esquerda e bateu em um jogo de portas.
— Mahmen?
— Estou aqui, meu filho.
A resposta na Antiga Língua veio detrás de outra porta, ele retrocedeu e entrou no closet, o familiar aroma de Chanel Nº 5 o acalmou.
— Onde está? — disse aos metros e metros de roupa pendurada.
— Estou no fundo, meu amado filho.
Enquanto Rehv passava entre as fileiras de blusas, saias, vestidos e trajes de baile, inspirou profundamente. O perfume, selo indiscutível de sua mãe, achava-se em todos os objetos de vestir, penduradas por cor e tipo, e o frasco de que provinha estava sobre a carregada penteadeira, entre maquiagem, loções e pós.
Encontrou-a diante do espelho de três corpos. Engomando.
O que era além do estranho e o fez avaliá-la.
Sua mãe era majestosa inclusive com sua camisola rosa, levava o cabelo branco recolhido em cima de sua cabeça perfeitamente proporcionada, e, sentada nesse tamborete alto tinha uma postura deliciosa, com seus grandes diamantes em forma de pêra brilhando na mão. A tábua de engomar, atrás da qual se sentava, tinha uma cesta e um spray de amido em um extremo e uma pilha de lenços engomados no outro. Quando a viu, estava na metade de um lenço, com o ferro marcando ao meio do quadrado amarelo pálido, o ferro que esgrimia chiava enquanto o deslizava acima e abaixo.
— Mahmen, o que está fazendo? — bem, em certo nível era óbvio, mas sua mãe era a castelã[68]. Não podia recordar tê-la visto jamais fazendo tarefas domésticas, lavando a roupa ou algo desse tipo. As pessoas tinham doggens para essas coisas.
Madalina elevou o olhar, seus opacos olhos azuis pareciam cansados, seu sorriso era mais um esforço que honesta alegria.
— Estes eram de meu pai. Encontramos quando estávamos revisando as caixas que vieram do sótão da antiga casa.
A “antiga casa” era a de Caldwell onde viveram durante quase um século.
— Poderia dizer a sua criada que fizesse por você. — inclinou-se e beijou a suave bochecha — Adoraria te ajudar.
— Sim, ela disse o mesmo. — depois de pôr a mão em seu rosto, sua mãe voltou para o que estava fazendo, dobrando o quadrado de linho outra vez, tomando o spray de amido e vaporizando-o sobre o lenço — Mas isto é algo que eu devo fazer.
— Posso me sentar? — perguntou, assinalando com a cabeça uma cadeira que havia ao lado do espelho.
— Oh, é obvio, onde estão minhas maneiras? — deixou o ferro e começou a descer do tamborete — E devemos te conseguir algo…
Ele levantou a mão.
— Não, Mahmen, acabei de comer.
Fez uma reverência e voltou a encarapitar-se ao banco.
— Agradeço que me concedesse esta audiência, já que conheço sua natureza ativa…
— Sou seu filho. Como pode pensar que não viria?
O lenço engomado foi colocado em cima de seus ordenados irmãos, e o último foi tirado da cesta.
O ferro exalou vapor enquanto ela passava com cuidado sua base quente sobre o quadrado branco. Enquanto o movia lentamente, ele olhou ao espelho. As omoplatas se destacavam sob a camisola de seda e na nuca se via claramente sua espinha dorsal.
Quando voltou a fixar-se em seu rosto, viu uma lágrima cair do olho ao lenço.
Oh… Querida Virgem Escriba, pensou. Não estou preparado.
Rehv cravou a bengala no chão e se ajoelhou ante ela. Girando o tamborete para ele, tirou o ferro de sua mão e o deixou a um lado, preparado para levá-la a Havers, preparado para pagar qualquer medicina que lhe pudesse comprar mais tempo.
— Mahmen, o que a aflige? — tomou um dos lenços engomados de seu pai e tocou ligeiramente a parte inferior dos olhos — Fala com seu filho legítimo do peso que há em seu coração.
Derramou intermináveis lágrimas, e ele as apanhou uma a uma. Apesar de sua idade e seu pranto, era encantadora, uma Escolhida caída que tinha vivido uma vida dura e, entretanto, permanecia cheia de graça.
Quando finalmente falou, sua voz foi tênue.
— Estou morrendo. — negou com a cabeça antes que ele pudesse falar — Não, sejamos sinceros um com o outro. Meu fim chegou.
Veremos, pensou Rehv para si mesmo.
— Meu pai. — tocou o lenço com o qual Rehv secou suas lágrimas — Meu pai… É estranho que agora pense nele dia e noite, mas o faço. Ele foi o Primale faz muito tempo, e amava aos seus filhos. Sua maior alegria era sua linhagem, e embora fossemos muitos, relacionou-se com todos nós. Estes lenços? Foram feitos com suas túnicas. A mim agradavam verdadeiramente os trabalhos de costura, e ele sabia por isso me deu algumas de suas túnicas.
Esticou uma mão ossuda e acariciou o montão que tinha engomado.
— Quando deixei o Outro Lado, ele me fez tomar alguns deles. Estava apaixonada por um Irmão e convencida de que minha vida só estaria completa se estivesse com ele. É óbvio, então…
Sim, foi essa então a parte de sua vida que lhe causara tal dor: então foi violada por um symphath, ficou grávida de Rehvenge e foi forçada a dar à luz uma monstruosidade de híbrido que de algum modo ela tinha aconchegado a seu seio e amado como qualquer filho teria querido ser amado. E, todo o tempo que o rei symphath a manteve encarcerada, o Irmão ao que amava a buscava… Só para morrer no processo de seu resgate.
E essas tragédias não tinham sido o final.
— Depois que fui… Resgatada, meu pai chamou-me ao seu leito de morte. — continuou — De todas as Escolhidas, de todos seus companheiros e filhos, ele quis ver a mim. Mas, eu não queria ir. Não podia suportar… Não era a filha que ele conhecia. — os olhos se encontraram com os de Rehv, e havia uma súplica profunda neles — Não queria que soubesse nada de mim. Estava suja.
Caramba, ele conhecia essa sensação, mas sua mahmen não necessitava essa carga. Não tinha nem idéia da classe de merda com a que ele tratava e nunca saberia, porque era evidente que a principal razão pela qual se prostituía era para que ela não tivesse de suportar a tortura de ver seu filho deportado.
— Quando me neguei ao chamado, a Directrix veio a mim e me disse que estava sofrendo. Que não iria ao Fade até que fosse vê-lo. Que permaneceria no doloroso bordo da morte durante a eternidade a menos que o aliviasse. À tarde seguinte fui, desconsolada. — nesse momento o olhar de sua mãe se voltou violento — Ao chegar ao templo do Primale, quis me abraçar, mas não pude… Permitir. Era uma estranha com o rosto de um ser amado, isso era tudo, e tentei manter um bate-papo amável e intrascendente. Foi então que disse algo que até agora não pudera compreender por completo. Disse: “A alma oprimida não passará embora o corpo falhe”. Ele estava prisioneiro pelo que ficara sem resolver a meu respeito. Sentia que falhara em seu papel. Que se me tivesse mantido no Outro Lado, teria tido melhor destino do que se revelou depois de que me fora.
Isso fechou a garganta de Rehv, quando na parte frontal de seu cérebro se instalou uma terrível suspeita.
A voz de sua mãe era fraca, mas franca.
— Aproximei-me da cama, e ele estendeu sua mão para mim, e sustentei sua palma dentro da minha. Nesse momento lhe disse que amava ao meu filho, que ia emparelhar-me com um macho da glymera e que nem tudo estava perdido. Meu pai examinou meu rosto em busca da verdade nas palavras que falei, e quando esteve satisfeito com o que viu, fechou os olhos… E se deixou levar. Soube que se não tivesse ido… — respirou fundo — Verdadeiramente, não posso deixar esta terra com as coisas como estão.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Todos estão bem, Mahmen. Bella e sua filha estão bem e a salvo. Eu…
— Pare. — sua mãe levantou a mão e o agarrou pelo queixo, do modo em que fazia quando era pequeno e dado a causar problemas — Sei o que fez. Sei que matou meu hellren, Rempoon.
Rehv sopesou a possibilidade de seguir mantendo a mentira, mas, dada a expressão de sua mãe, a verdade tinha sido revelada, e nada do que pudesse dizer a dissuadiria.
— Como? — perguntou — Como o averiguou?
— Quem mais o faria? Quem mais poderia? — quando o soltou e acariciou sua bochecha, ele se enterneceu ao sentir o quente contato — Não esqueça que via este seu rosto cada vez que meu hellren perdia a paciência. Meu filho, meu forte e poderoso filho. Olhe-se.
O sincero e afetuoso orgulho que sentia por ele era algo que nunca tinha entendido, dadas as circunstâncias de sua concepção.
— Também sei, — sussurrou — que matou ao seu pai biológico. Faz vinte e cinco anos.
Agora, isso sim captou sua atenção.
— Não supunha que soubesse. Nada disto. Quem lhe disse isso?
Ela afastou a mão de seu rosto e apontou a mesa de maquiagem, à tigela de cristal que ele sempre tinha assumido que era para fazê-la manicura.
— Os velhos hábitos de uma Escolhida escriba, são difíceis de matar. Vi-o na água. Justamente depois que acontecesse.
— E manteve em segredo. — disse ele maravilhado.
— E não posso mais. E por isso te trouxe aqui.
A horrível sensação ressurgiu, era resultado de estar preso entre o que sua mãe pediria que fizesse e a forte convicção de que sua irmã não sairia beneficiada ao inteirar-se de todos os segredos sujos e malignos da família. Bella tinha permanecido protegida desta maldade toda sua vida, e não havia razão para fazer uma completa revelação agora, especialmente se sua mãe estava morrendo.
O que Madalina não ia fazer, recordou-se.
— Mahmen…
— Sua irmã nunca deve saber.
Rehv se esticou, rezando para ter ouvido bem.
— Desculpe?
— Jure que fará tudo o que esteja em seu poder para assegurar que ela nunca saiba. — enquanto sua mãe se inclinava para frente e agarrava seus braços, ele podia afirmar que realmente estava lhe cravando os dedos pelo modo em que os ossos das mãos e punhos se sobressaíam descarnadamente — Não quero que ela leve este tipo de peso. Viu-se forçado a fazê-lo, e o teria poupado disso se pudesse, mas não pude. E, se ela não sabe então a próxima geração não terá que sofrer. Nalla tampouco terá que suportar este peso. Pode morrer contigo e comigo. Jura-me isso.
Rehv olhou fixamente aos olhos de sua mãe e nunca a amou mais.
Assentiu uma vez.
— Olhe-me no rosto e esteja segura, juro-o. Bella e sua descendência nunca saberão. O passado morrerá contigo e comigo.
Os ombros de sua mãe afrouxaram sob a camisola, e o tremente suspiro que exalou expressou claramente seu alívio.
— É o filho que outras mães só podem desejar.
— Como isso pode ser certo? — disse brandamente.
— Como pode não ser?
Madalina se compôs e tomou o lenço da mão de Rehv.
— Tenho que engomar este outra vez, e após, possivelmente, me ajudará a ir a minha cama?
— É obvio. E quero chamar o Havers.
— Não.
— Mahmen…
— Gostaria que minha passagem fosse sem intervenção médica. De todo modo ninguém poderia me salvar agora.
— Não pode saber isso…
Ela levantou sua encantadora mão com o pesado anel de diamantes.
— Estarei morta antes do anoitecer de amanhã. Vi na tigela.
Rehv ficou sem fôlego, seu pulmão se negava a funcionar. Não estou preparado para isto. Não estou preparado. Não estou preparado…
Madalina foi muito precisa com o último lenço, alinhando as pontas cuidadosamente, passou o ferro lentamente daqui para lá. Quando terminou, colocou o perfeito quadrado sobre outros, assegurando-se de que todos estivessem alinhados.
— Está feito. — disse.
Rehv se inclinou sobre sua bengala para levantar-se e lhe oferecer o braço, e juntos partiram arrastando os pés para o dormitório, ambos instáveis.
— Tem fome? — perguntou enquanto retirava as mantas e a ajudava a deitar-se.
— Não, estou bem como estou.
As mãos de ambos trabalharam juntas para arrumar os lençóis, a manta e o edredom de forma que tudo estivesse dobrado com precisão e posicionado diretamente sobre seu peito. Quando se endireitou, soube que ela não voltaria a sair da cama outra vez e não pôde suportar.
— Bella deve vir aqui. — disse com rudeza — Precisa despedir-se.
Sua mãe assentiu e fechou os olhos.
— Deve vir agora, e, por favor, que traga a menina.

Em Caldwell, na mansão da Irmandade, Tohr caminhava por seu dormitório. O que era uma piada realmente, tendo em conta quão fraco estava. Cambalear era tudo o que podia obter.
Cada minuto e meio comprovava o relógio, o tempo passava a uma velocidade alarmante, até que sentiu como se o relógio de areia do mundo tivesse se quebrado e os segundos, como a areia, estivessem se pulverizando por toda parte.
Necessitava mais tempo. Mais… Merda, entretanto, serviria isso de alguma ajuda?
Simplesmente não podia imaginar como se arrumaria para superar o que estava a ponto de acontecer e sabia que por mais que desse voltas ao assunto, não ia mudar. Por exemplo, não podia decidir se era melhor ter uma testemunha. A vantagem era que dessa forma seria ainda menos pessoal. A desvantagem era que se quebrava-se haveria outra pessoa no quarto presenciando.
— Ficarei.
Tohr deu uma olhada a Lassiter, que estava ajeitado na chaise junto às janelas. As pernas do anjo estavam cruzadas à altura dos tornozelos, e uma das botas de combate marcava o compasso de um lado ao outro, como outra forma odiosa de medir o tempo.
— Vamos, — disse Lassiter — vi seu lamentável traseiro nu. O que poderia ser pior que isso?
As palavras eram a típica fanfarronice e o tom de voz foi surpreendentemente aprazível…
A batida na porta foi suave. O que significava que não era um Irmão. E dado que não havia aroma de comida abrindo caminho por debaixo da porta, não era Fritz com uma bandeja de comida destinada a terminar em trono de porcelana.
Evidentemente a chamada ao Phury tinha funcionado.
Tohr começou a tremer da cabeça aos pés.
— Bom, tranqüilo aí. — Lassiter levantou e se aproximou rapidamente — Quero que se sente aqui. Não quererá fazer isto perto de uma cama. Vamos… Não, não lute contra mim. Sabe que é o que terá que fazer. É biologia, não uma escolha, assim, deve deixar a culpa de fora.
Tohr se sentiu empurrado para uma cadeira de encosto rígido que estava perto do escritório e, porra, foi bem a tempo, seus joelhos perderam interesse em seu trabalho e o par se afrouxou de forma que golpeou o assento tecido com tanta força que ricocheteou.
— Não sei como fazer isto.
A magnífica face de Lassiter apareceu diante da sua.
— Seu corpo fará por você. Afaste a sua mente e o seu coração e deixe que seu instinto faça o que deve ser feito. Isto não é tua culpa. Assim é como sobrevive.
— Não quero sobreviver.
— Não me diga? E eu que pensava que toda esta merda de autodestruição era só um passatempo.
Tohr não tinha forças para arremeter contra o anjo. Não tinha forças para deixar a habitação. Nem sequer tinha a reserva suficiente para chorar.
Lassiter foi até a porta e a abriu.
— Hey, obrigado por vir.
Tohr não podia suportar olhar a qual escolhida entrou, mas não havia forma de ignorar sua presença: seu aroma delicado e floral flutuou para ele.
O perfume natural de Wellsie tinha sido mais forte que esse, feito não só de rosa e jasmim, mas também da fragrância que refletia seu temperamento.
— Meu senhor. — disse uma voz feminina — Sou a Escolhida Selena, vim para serví-lo.
Houve uma longa pausa.
— Vá a ele. — disse Lassiter brandamente — Precisamos terminar com isto.
Tohr pôs o rosto entre as mãos, e deixou a cabeça cair frouxamente sobre o pescoço. Era o único que podia fazer para seguir respirando, dentro e fora, enquanto a fêmea se posicionava no chão a seus pés.
Através dos compridos e magros dedos viu o branco da túnica que se derramava a seu redor. Wellsie não esteve muito interessada nos vestidos. O único que verdadeiramente gostava era o vermelho e negro com o que se emparelhou a ele.
Uma imagem dessa cerimônia sagrada apareceu em sua mente, e viu com trágica clareza o momento em que a Virgem Escriba agarrara sua mão e a de Wellsie e declarou que era um bom emparelhamento, verdadeiramente um muito bom emparelhamento. Havia sentido uma grande calidez ao estar ligado a sua fêmea através da mãe da raça, e essa sensação de amor, propósito e otimismo se incrementou um milhão de vezes ao olhar a seu amor aos olhos.
Parecera que tinham toda uma vida de felicidade e alegria ante eles… E, entretanto, agora aqui estava ele, ao outro lado de uma perda inconcebível, sozinho.
Não, pior que sozinho. Só e a ponto de tomar o sangue de outra fêmea em seu corpo.
— Isto está acontecendo muito rápido. — disse entre dentes detrás das palmas de suas mãos — Não posso… Necessito mais tempo…
Que Deus o ajudasse, mas, se esse anjo dizia uma só palavra a respeito de ser esse o momento oportuno, faria que esse bastardo desejasse que seus dentes fossem de vidro blindado.
— Meu senhor. — disse a Escolhida brandamente — Retornarei se esse é seu desejo. E voltarei prontamente se então não for o momento adequado. E retornarei e voltarei a retornar uma vez mais até que você esteja preparado. Por favor… Meu senhor, na verdade, só desejo ajudar, não o ferir.
Ele franziu o cenho. Soava muito amável, e não havia nenhuma só nota sedutora em nenhuma das sílabas que deixaram seus lábios.
— Diga-me a cor de seu cabelo. — disse através das mãos.
— É negro como a noite e está preso tão firmemente como minhas irmãs e eu pudemos. Também tomei a liberdade de envolvê-lo em um turbante, embora você não pedisse. Pensei… Que possivelmente seria de mais ajuda.
— Diga-me cor de seus olhos.
— Azuis, meu senhor. Um pálido azul céu.
Os de Wellsie tinham sido de cor xerez.
— Meu senhor, — sussurrou a Escolhida — nem sequer precisa me olhar. Deixe que permaneça atrás de você, e tome o pulso dessa forma.
Ouviu o sussurro do suave tecido e o aroma da fêmea agitar-se a seu redor até que proveio de detrás dele. Deixando cair às mãos, Tohr viu as longas pernas de Lassiter embainhadas em jeans. Os tornozelos do anjo estavam cruzados outra vez, agora enquanto se achava recostado contra a parede.
Um braço esbelto coberto de tecido branco apareceu ante ele.
Com lentos puxões, a manga da túnica foi gradualmente elevando-se mais e mais acima.
O pulso que ficou exposto era frágil, a pele era branca e fina.
As veias sob a superfície eram de uma cor azul clara.
As presas de Tohr saíram bruscamente do paladar e um grunhido saiu de seus lábios. O bastardo do anjo tinha razão. De repente, sua mente ficou vazia, tudo se centrava em seu corpo e no que lhe fora privado durante tanto tempo.
Tohr fechou firmemente sua forte mão sobre o ombro dela, chiou como uma cobra e mordeu o pulso da Escolhida até o osso, fixando as presas no lugar. Houve um grito de alarme e uma resistência, mas ele estava longe enquanto bebia. Os goles eram como punhos em uma corda, puxando esse sangue para baixo, a suas vísceras, tão rapidamente que não tinha tempo de saboreá-la.
Quase matou à Escolhida.
E se inteirou disso mais tarde, depois que finalmente Lassiter o desprendesse e o deixasse fora de combate com um murro à cabeça… Porque no instante em que foi separado da fonte desses nutrientes, tratou de agarrar à fêmea outra vez.
O anjo caído teve razão.
A horrível biologia era o máximo condutor, ganhando inclusive ao mais robusto de coração.
E ao mais reverente dos viúvos.


Capítulo 34


Quando Ehlena chegou a casa, compôs uma expressão falsa, despediu-se de Lusie, e foi ver seu pai, que “fazia incríveis avanços” em seu trabalho. Não obstante, assim que pôde, foi ao seu quarto para conectar-se online. Tinha que verificar quanto dinheiro possuía, contando até o último tostão, e não acreditava que gostaria do que verificasse. Depois de identificar-se em sua conta bancária, repassou os cheques que teria de cobrir e assinalou o que venceria na primeira semana do mês. A boa notícia era que ainda receberia seu pagamento de novembro.
Sua conta poupança não chegava a onze dos grandes.
Não sobrava nada para vender. E, não sobrava nada do orçamento mensal.
Lusie teria que deixar de vir. O que seria um saco, porque aceitaria outro cliente para preencher o vazio, assim, quando Ehlena encontrasse um novo trabalho haveria um buraco em cuidados médicos que preencher.
Assumindo que conseguisse outro posto. Seguro como a merda que não seria de enfermeira. Que fosse despedida por justa causa não era o que algum empregador quisesse ver em um currículo.
Por que roubara essas porcarias de pílulas?
Ehlena ficou sentada olhando à tela somando e voltando a somar todos os numerozinhos até que se juntaram formando um só borrão, e nem sequer pôde registrar a soma.
— Minha filha?
Fechou rapidamente o portátil, porque ao seu pai não caía bem a eletrônica, e compôs o semblante.
— Sim? Quero dizer, sim?
— Pergunto-me se você gostaria de ler uma passagem ou duas de meu trabalho? Parece ansiosa, e descobri que tais atividades acalmam a mente. — aproximou-se de seu lado arrastando os pés e estendeu galantemente o braço.
Ehlena se levantou porque às vezes tudo o que uma pessoa podia fazer era aceitar as instruções de outra. Não queria ler nenhuma das incoerências que tinha rabiscado nessas páginas. Não suportava fingir que estava tudo bem. Desejava, embora fosse só por uma hora, poder ter de volta ao seu pai para poder falar da posição ruim que ela colocou a ambos.
— Isso seria encantador. — disse com um tom de voz apagado e elegante.
Seguindo-o a seu escritório, ajudou-o a acomodar-se em sua cadeira e olhou ao redor, às descuidadas pilhas de papéis. Que desastre. Havia pastas de couro negro cheias até o ponto de se romper. Pastas repletas até os batentes. Cadernos de apontamentos de espirais com páginas escapando de seus limites como línguas de cão. Folhas brancas soltas esparramadas aqui e ali, como se as páginas tivessem tentado empreender o vôo e não tivessem conseguido chegar muito longe.
Tudo isto era seu diário, ou isso dizia ele. Em realidade, era somente uma pilha atrás de outra de sem-sentidos, a manifestação física de seu caos mental.
— Aqui. Sente-se, sente-se. — seu pai limpou o assento próximo a sua escrivaninha, movendo uns blocos de papéis mantidos com elástico de borracha de cor café claro.
Depois de sentar-se, Ehlena pôs as mãos sobre os joelhos e apertou com força, tentando não perder o controle. Era como se o lixo da sala fosse uma espiral magnética que fazia com que seus próprios pensamentos e maquinações rodassem inclusive mais rápidos, e, essa não era em absoluto a ajuda que necessitava.
Seu pai passeou a vista pelo escritório e sorriu como se desculpando.
— Semelhante trabalho para um rendimento comparativamente pequeno. Algo assim como colher pérolas. As horas que passei aqui, a quantidade de horas para cumprir cabalmente com meu propósito...
Ehlena apenas ouvia. Se não pudesse quitar o aluguel, aonde iriam? Haveria algo inclusive mais barato que não tivesse ratos e baratas sibilantes? Como seu pai enfrentaria um ambiente estranho? Queridíssima Virgem Escriba assumiu que tinham chegado ao fundo à noite em que ele queimara a conveniente casa que alugavam. O que havia mais ao fundo que isto?
Soube que tinha problemas quando tudo se borrou.
A voz de seu pai continuava, percorrendo através de seu silencioso pânico.
— Empenhei-me em registrar com fidelidade tudo o que vi...
Ehlena não ouviu muito mais.
Quebrou-se pela metade. Sentada na pequena cadeira sem braços, inundada pelo inútil balbuciar sem sentido de seu pai e examinando suas ações e aonde uma decisão ruim levara a ambos, chorou.
E não só por ter perdido o trabalho. Era pelo Stephan. Pelo que ocorrera com Rehvenge. Pelo fato de seu pai ser um adulto que não podia compreender a realidade de sua situação.
Era por estar tão sozinha.
Ehlena abraçou a si mesma e chorou, exalando roucos fôlegos por entre seus lábios até que esteve muito exausta para fazer outra coisa mais que permanecer dobrada sobre seu próprio colo.
Finalmente, soltou um grande suspiro e limpou os olhos com a manga do uniforme que já não necessitaria.
Quando levantou o olhar, seu pai estava sentado completamente imóvel em sua cadeira, com uma expressão de absoluta surpresa.
— Verdadeiramente... Minha filha.
Veja, esta era a questão. Podia ter perdido toda a pompa financeira de sua condição anterior, mas os velhos hábitos demoravam a morrer. A reserva da glymera ainda definia a forma de conversar de ambos... Em razão disso, uma grande sessão de choro equivalia a atirar-se de costas sobre a mesa do café da manhã e que lhe saísse um “alien” do estômago.
— Perdoe-me, Pai. — disse, sentindo-se mais que parva — Acredito que deveria me desculpar.
— Não... Espere. Ia ler.
Fechou os olhos, sua pele esticando-se ao longo de todo seu corpo. Em certo nível, toda sua vida estava definida pela patologia mental de seu pai, e, embora em sua maior parte visse seu sacrifício como algo que lhe devia, esta noite estava muito alterada para fingir que algo tão inútil como seu “trabalho” era de importância crucial.
— Pai, eu...
Uma das gavetas da escrivaninha se abriu e fechou.
— Aqui o tem filha. Tem em suas mãos algo mais que só uma passagem.
Abriu as pálpebras à força…
E teve que inclinar para frente para assegurar-se de que realmente estava vendo bem. Entre as palmas de seu pai havia uma pilha próxima a um centímetro de grossura de páginas brancas perfeitamente alinhadas.
— Este é o meu trabalho. — disse simplesmente — Um livro para você, minha filha.

No andar inferior do refúgio Tudor, Rehv esperava junto às janelas da sala, com o olhar fixo na grama ondulada. As nuvens se afastaram e uma lua crescente pendia no brilhante céu invernal. Em sua mão intumescida, sustentava seu novo telefone celular, que acabava de fechar com uma maldição.
Não podia acreditar que no andar de acima, sua mãe estivesse em seu leito de morte, que nesse mesmo momento sua irmã e seu hellren corressem às pressas contra a saída do sol para poder chegar ali antes... E, ainda assim o trabalho elevava sua feia e chifruda cabeça.
Outro camelo morto. O que somava três nas últimas vinte e quatro horas.
Xhex foi breve e concisa, muito ao seu estilo. Ao contrário de Ricky Martínez e Isaac Rush, cujos corpos foram encontrados no rio, este cara aparecera em seu carro no estacionamento vazio de um centro comercial com uma bala atravessando a parte de trás de seu crânio. O que significava que o carro foi conduzido até ali com o corpo dentro: ninguém seria tão estúpido para disparar ao idiota em um lugar que, indubitavelmente, tinha cobertura de câmeras de segurança. Entretanto, como o relato da polícia não informava nada mais, teriam que esperar os periódicos e as notícias matutinas da TV para inteirar-se de mais detalhes.
Mas aí estava o problema, e a razão de ter amaldiçoado.
Esses três tinham feito compras no correr das últimas duas noites.
Razão pela qual Xhex o interrompera na casa de sua mãe. O negócio das drogas não estava simplesmente desregulamentado, a não ser totalmente irregular, e o ponto de equilíbrio que se alcançou em Caldwell e que permitia que ele e seus colegas de alto nível pudessem fazer dinheiro era algo muito delicado.
Ao ser um grande jogador, seus fornecedores eram uma combinação de traficantes de Miami, importadores do porto de Nova Iorque, destiladores de Connecticut, e fabricantes de X de Rhode Island. Todos eles eram homens de negócios, como ele, e a maioria eram independentes, exemplos, não filiados à máfia dos Estados Unidos. A relação era sólida e os homens que no outro extremo eram tão cuidadosos e escrupulosos como ele era: o que faziam era simplesmente uma questão que implicava uma transação financeira e uma mudança de mãos de produtos, como em qualquer outro segmento legítimo da economia. Os carregamentos chegavam à Caldwell através de várias residências e eram transportados ao ZeroSum, onde Rally estava a cargo de provar, cortar e empacotar.
Era uma máquina bem azeitada que tinha levado dez anos pôr em marcha, e requeria uma combinação de empregados bem pagos, ameaças de dor física, a realização dessas surras, e o constante relacionamento para assegurar a manutenção.
Três cadáveres eram suficientes para fazer pedaços de todo o acerto, provocando não só um déficit econômico, a não ser uma luta de poder nos níveis inferiores que ninguém necessitava: alguém estava encarregando-se das pessoas em seu território, e seus colegas se perguntariam se estava distribuindo algum tipo de castigo ou, pior, se estava ele mesmo sendo castigado. Os preços flutuariam, as relações ficariam tensas e a informação passaria a ser não confiável.
Este assunto devia ser atendido.
Tinha que fazer algumas chamadas para assegurar a seus importadores e produtores que mantinha o controle de Caldwell e que nada impediria a venda de suas mercadorias. Mas Cristo, por que agora?
Rehv dirigiu os olhos ao teto.
Durante um momento, fantasiou deixando tudo, salvo que isso era pura merda. Enquanto a princesa fizesse parte de sua vida, permaneceria no negócio, porque não havia uma maldita forma de que permitisse que essa cadela ficasse com a fortuna de sua família. Deus sabia que o pai de Bella fizera o bastante nesse sentido ao tomar decisões financeiras ruins.
Enquanto a princesa estivesse no mundo, Rehv seguiria sendo o senhor da droga de Caldwell e faria suas chamadas... Embora, não da casa de sua mãe, não durante o tempo que dedicava a sua família. Os negócios podiam esperar até que tivesse cumprido com sua família.
Embora uma coisa estivesse clara. De agora em diante, Xhex, Trez e iAm teriam que vigiar as coisas ainda mais de perto, porque certo como a merda que se alguém era ambicioso o bastante para tentar acabar com esses intermediários, era mais que provável que tentaria com um peixe graúdo como Rehv. O problema era que seria de vital importância que Rehv se deixasse ver pelo clube. Fazer ato de presença era crítico em tempos revoltos, quando seus contatos de negócios estariam observando-o para ver se fugia e se escondia. Era melhor que o percebessem como a pessoa que podia estar levando a cabo as matanças do que como a um maricas que se escondia rapidamente quando as coisas ficavam difíceis.
Sem razão aparente, abriu seu telefone e se certificou se tinha chamadas perdidas. Outra vez. Nada de Ehlena. Ainda.
Era provável que simplesmente estivesse ocupada na clínica, presa na agitação. É óbvio que sim. E, não era como se a instalação corresse perigo de ser assaltada. Estava localizada em um lugar remoto, tinha bastante segurança, e, se algo mal tivesse ocorrido teria se informado.
Verdade?
Demônios.
Franzindo o cenho, verificou seu relógio. Hora de tomar mais duas pílulas.
Dirigiu-se à cozinha e estava bebendo um copo de leite e tomando mais penicilina quando um par de faróis iluminou a fachada da casa. Enquanto o Escalade estacionava à frente e abriam as portas, deixou o copo, apoiou a bengala no chão, e foi saudar sua irmã, seu marido e a filha de ambos.
Bella já tinha os olhos vermelhos quando entrou, porque deixara claro o que estava acontecendo. Seu hellren vinha logo atrás dela, levando a sua sonolenta filha nos enormes braços, e com uma expressão turva em seu rosto com cicatrizes.
— Minha irmã. — disse Rehv enquanto tomava Bella entre seus braços. Enquanto a abraçava ligeiramente, chocou as palmas com Zsadist — Alegra-me que esteja aqui, amigo.
Z assentiu com seu crânio raspado.
— A mim também.
Bella se afastou e limpou os olhos rapidamente.
— Está acima na cama?
— Sim, sua doggen está com ela.
Bella tomou sua filha nos braços e, após, Rehv abriu caminho subindo as escadas. Frente às portas do dormitório, chamou primeiro na soleira e esperou enquanto sua mãe e a fiel criada se preparavam.
— Quão mal está? — sussurrou Bella.
Rehv baixou o olhar para sua irmã, pensando que esta era uma das poucas situações que podia ver-se não sendo tão forte para ela como queria ser.
Sua voz foi rouca.
— Chegou a hora.
Os olhos de Bella se fecharam exatamente quando sua mahmen disse com um tom de voz instável:
— Entrem.
Quando Rehv abriu uma das duas portas, ouviu Bella inalar intensamente, mas, mais que isso percebeu sua mentira emocional: a tristeza e o pânico se entrelaçavam, dobrando-se e redobrando-se até formar uma caixa sólida. Era uma estampagem de sentimentos que só tinha visto em funerais. E, por acaso não tinha isso um perfeito e trágico sentido.
— Mahmen. — disse Bella enquanto ia à cama.
Quando Madalina estendeu os braços, seu rosto estava impregnado de felicidade.
— Meus amores, meus queridíssimos amores.
Bella se inclinou e beijou a bochecha de sua mãe, depois transferiu cuidadosamente o peso de Nalla. Como sua mãe não tinha forças para segurar à pequena, colocou um dos travesseiros restantes de forma que servisse de apoio para o pescoço e a cabeça de Nalla.
O sorriso de sua mãe era resplandecente.
— Olhem seu rosto... Certamente será uma grande beleza. — elevou uma mão esquelética para Z — E o orgulhoso papai, que cuida de suas fêmeas com tanta força e integridade.
Zsadist se aproximou e estreitou a mão que lhe estendia, inclinando-se para roçar os nódulos dela com a testa, como era costume entre mães e genros.
— Sempre as manterei a salvo.
— Certamente. Disso estou bem segura. — sua mãe sorriu ao feroz guerreiro que parecia totalmente desconcertado entre as cortinas de renda que rodeavam a cama... Mas então suas forças fraquejaram e permitiu que sua cabeça caísse a um lado.
— Minha maior alegria. — sussurrou enquanto olhava a sua neta.
Bella encostou o quadril sobre o colchão e roçou gentilmente o joelho de sua mãe. O silêncio no quarto se voltou suave como um pôr-do-sol, um casulo de tranqüilidade que pousou sobre todos eles e aliviou a tensão.
Havia uma única coisa boa em tudo isto: Uma morte natural que ocorria no momento adequado era uma bênção tão grande como uma vida longa e tranqüila.
Sua mãe não teve o último. Mas Rehv manteria sua promessa assegurando-se que a paz que havia neste quarto se mantivesse também depois que ela se fosse.
Bella se inclinou para sua filha e sussurrou:
— Dorminhoca, acorde para sua Grahmen.
Quando Madalina roçou brandamente a bochecha da pequena, Nalla despertou com um gorjeio. Quando esses olhos amarelos, brilhantes como diamantes enfocaram o velho e amado rosto que tinha ante ela, a pequena sorriu e estendeu suas mãos gordinhas. Quando a menina apertou o dedo de sua avó, Madalina elevou o olhar e espiou ao Rehv por cima da seguinte geração. Em seu olhar havia uma súplica.
E lhe deu exatamente o que necessitava. Pondo o punho sobre o coração, fez a mais ligeira das inclinações, pronunciando seu voto uma vez mais.
Sua mãe piscou, com lágrimas tremendo em suas pestanas, e uma onda de gratidão se derramou sobre ele. Embora não pudesse sentir a calidez da mesma, sabia pela forma em que permitiu que seu casaco de zibelina se abrisse que sua temperatura corporal acabava de subir.
Sabia também que seria capaz de tudo para manter sua promessa. Uma boa morte não era somente rápida e indolor. Uma boa morte implicava deixar seu mundo em ordem, que passava ao Fade com a satisfação de saber que os entes amados estariam bem cuidados e a salvo, e, embora tivessem que atravessar o processo do duelo, ficava a segurança de que não tinha deixado nada sem dizer ou fazer.
Ou que não havia dito nada, como era o caso aqui.
Era o maior presente que podia dar à mãe que o criara de um modo melhor do que merecia, a única forma em que podia compensá-la pelas circunstâncias de seu cruel nascimento.
Madalina sorriu e soltou um comprido e agradecido fôlego.
E tudo foi como tinha que ser.


Capítulo 35


John Matthew acordou com sua H&K  apontando à porta que se abria no inóspito quarto de Xhex. Seu ritmo cardíaco estava tão sereno quanto sua mão firme, e, mesmo quando as luzes acenderam, não piscou. Se não gostasse do aspecto de quem quer que fosse que abria a fechadura e virava o trinco, colocaria uma bala no meio de qualquer peito que surgisse.
— Tranqüilo. — disse Xhex enquanto entrava e os fechava juntos — Sou somente eu.
Ele voltou a pôr a trava e baixou a arma.
— Estou impressionada. — murmurou ela enquanto se recostava contra o batente da porta — Desperta como um guerreiro.
De pé do outro lado do quarto, com seu poderoso corpo relaxado, era a fêmea mais atrativa que já vira. O que queria dizer que a menos que ela quisesse o mesmo que ele, teria que ir. As fantasias eram boas, mas em carne e osso era melhor, e, não acreditava que pudesse manter-se afastado dela.
John esperou. E esperou. Nenhum dos dois se moveu.
Bem. Hora de ir antes de se comportar como um imbecil.
Começou a baixar as pernas da cama, mas ela sacudiu a cabeça.
— Não, fique onde está.
Ok. Mas isso queria dizer que necessitaria um pouco de camuflagem.
Estendeu a mão em busca de sua jaqueta e arrastou o couro até seu colo, porque sua arma não era unicamente o que estava preparada para ser usada. Como de costume, tinha uma ereção, o que era habitual na merda de “acorda-desperta-levanta-e-brilha”… Assim como um problema sempre que entrava no raio de ação dela.
— Sairei em seguida. — disse ela, deixando cair sua jaqueta negra e dirigindo-se ao banheiro.
A porta se fechou e ele ficou boquiaberto.
Poderia ser… Que acontecesse?
Alisou o cabelo, arrumou a camisa, e acomodou seu pênis. O qual não só estava duro, mas também pulsava. Baixou o olhar para a longitude que se apertava contra o zíper de seu jeans A&F e tratou de indicar à coisa que possivelmente ela ficaria, mas isso não queria dizer necessariamente que tivesse interesse em utilizar seus quadris para praticar como montar.
Xhex saiu um pouco depois e se deteve junto ao interruptor.
— Tem algo contra a escuridão?
Ele negou lentamente com a cabeça.
O quarto se afundou na escuridão e a ouviu dirigir-se para a cama.
Com o coração disparado no peito e o pênis ardendo, John apressou em mover-se lhe deixando muito espaço. Quando se deitou, sentiu cada nuance do movimento do colchão, escutou o suave roçar de seu cabelo quando pousou no travesseiro e distinguiu seu aroma nas profundezas de suas narinas.
Não podia respirar.
Nem sequer quando ela suspirou relaxando-se.
— Não me tem medo. — disse em voz baixa.
Ele negou com a cabeça apesar dela não poder vê-lo.
— É duro.
Oh, Deus, pensou ele. Sim, estava.
Um pânico instantâneo tomou forma, como um chacal saltando de um arbusto grunhindo. Porra! Era difícil imaginar o que seria pior: que Xhex o buscasse e ele perdesse sua ereção… Como ocorreu com a Escolhida Layla na noite de sua transição. Ou, que Xhex não o buscasse absolutamente.
Ela resolveu o cara ou coroa girando para ele e pondo uma mão em seu peito.
— Tranqüilo. — disse quando saltou.
Depois que se tranqüilizou, sua carícia prosseguiu para o estômago, e quando cavou a mão ao redor de seu pênis através dos jeans, ele se arqueou na cama, abrindo a boca para soltar um silencioso gemido.
Não houve preliminares, mas em todo caso não os desejava. Baixou o zíper, tirou sua ereção e logo houve uns movimentos e ouviu o som de suas calças de couro caindo ao chão.
Montou-o, plantando as palmas nos peitorais e o empurrando contra o colchão. Quando algo morno, suave e úmido se esfregou contra ele, já não o preocupou absolutamente ficar flácido. Seu corpo ansiava por entrar nela, nada do passado abriria caminho através de seu instinto de emparelhamento.
Xhex se levantou sobre os joelhos, tomou sua ereção na mão, e a levantou. Quando se sentou, sentiu uma deliciosa e tensa pressão ao longo de seu pênis, a compressão eletrizante detonou o orgasmo que provocou que seus quadris saltassem para cima. Sem pensar se era o correto, aferrou-se a suas coxas…
Ficou gelado quando sentiu o metal, mas então já estava muito longe. Tudo o que pôde fazer foi apertar as mãos enquanto estremecia uma e outra vez, em uma interminável perda de sua virgindade.
Era a coisa mais assombrosa que jamais sentiu. Sabia como era por suas masturbações. Tinha feito mil vezes desde sua transição. Mas, isto tirava do jogo algo que ele pudesse ter-se feito. Xhex era indescritível.
E isso foi antes que começasse a se mover.
Quando terminou com esse primeiro fantasma-orgasmo, ela lhe deu um minuto para recuperar o fôlego, e logo começou a menear os quadris para cima e para trás. Ele ofegou. Seus músculos internos apertavam e soltavam seu pênis, a pressão intermitente fez seus testículos se esticarem e estarem preparadas uma vez mais.
Agora entendia total e completamente as ânsias de Qhuinn por despir-se. Isto era incrível, especialmente quando John deixou que seu corpo seguisse ao dela e se moveram juntos. Inclusive quando o ritmo se tornou mais e mais rápido, convertendo-se algo urgente, sabia exatamente o que estava acontecendo e onde estava cada parte de ambos. Desde as palmas de suas mãos em seu peito, passando pelo peso dela sobre ele, e a fricção do sexo até a forma em que o fôlego se enroscava na garganta.
Quando gozou outra vez, seu corpo ficou rígido dos pés à cabeça, e seus lábios articularam o nome dela como em suas fantasias… Só que com mais urgência.
E então terminou.
Xhex se levantou para liberá-lo e seu pênis caiu sobre seu ventre. Comparado com o quente refúgio de seu corpo, o suave algodão da camiseta que usava era como lixa, e a temperatura ambiente estava gelada. A cama se moveu quando ela se estendeu a seu lado, e ele girou para encará-la na escuridão. Sua respiração era difícil, mas ansiava beijá-la no interlúdio antes que o fizessem outra vez.
John estendeu a mão e sentiu que ela se esticava quando a pousou sobre a lateral de seu pescoço, mas ela não se afastou. Deus, sua pele era suave… Oh, tão suave. Embora os músculos que percorriam seus ombros fossem como aço, a pele que os cobria era suave como a seda.
John se moveu devagar ao levantar a parte superior de seu corpo e se inclinar sobre ela, deslocando a carícia até sua bochecha, embalando o rosto brandamente, encontrando seus lábios com o polegar.
Não queria pressioná-la. Ela tinha feito a maior parte do trabalho e o tinha feito espetacularmente. Mais que isso, tinha lhe dado o dom do sexo e mostrou que apesar do que lhe tinham feito, ainda era um macho, ainda era capaz de desfrutar com aquilo que seu corpo nasceu para fazer. Se era ele quem iniciaria o primeiro beijo entre eles, estava decidido a fazê-lo bem.
Baixou a cabeça…
— Isto não se trata disso. — Xhex o empurrou, desceu da cama, e entrou no banheiro.
A porta se fechou, e o pênis de John murchou sobre sua camiseta quando ouviu  cair à água: ela estava limpando-se dele, desfazendo-se do que seu corpo lhe tinha dado. Com as mãos tremendo, meteu-se de novo em seu jeans, tratando de ignorar a umidade e o aroma erótico.
Quando Xhex saiu, recolheu sua jaqueta, e foi abrir a porta. Quando a luz do vestíbulo entrou, converteu-a em uma destacada sombra negra, alta e forte.
— Já amanheceu, no caso de não ter checado seu relógio. — fez uma pausa — E aprecio que tenha sido discreto a respeito de minha… Situação.
A porta fechou silenciosamente atrás dela.
Assim, esse era o porquê atrás de sua atuação. Tinha dado sexo a ele para agradecer por que manteve seu segredo.
Cristo, como podia ter pensado que fosse algo mais?
Completamente vestidos. Sem beijos. E estava bastante seguro que tinha sido o único que gozou: sua respiração não se alterou, não tinha gemido, não a alagou o alívio depois de fazê-lo. Não que ele soubesse muito sobre fêmeas e orgasmos, mas era o que aconteceu a ele quando gozou.
Não foi uma transa por pena. Foi uma por gratidão.
John esfregou seu rosto. Era tão estúpido. Por pensar que tinha significado algo.
Tão, mas tão estúpido.
 
Tohr acordou com o estômago como se tivesse sido pintado com um spray da cor da dor. A agonia era tão intensa que em seu sonho pós-alimentação de morto para o mundo, rodeou seu ventre com os braços e se encurvou sobre si mesmo.
Endireitando de sua posição encurvada e tremente, perguntou-se se teria havido algo mau no sangue…
Os rugidos que emitia eram o suficientemente altos para rivalizar com um triturador de lixo.
A dor… Era fome? Baixou os olhos para a fossa côncava que havia entre seus quadris. Esfregou a superfície dura e plana. Escutou outro rugido.
Seu corpo exigia comida, quantidades industriais de sustento.
Olhou o relógio. Dez da manhã. John não passara para vê-lo para a Última Comida.
Tohr se ergueu sem utilizar os braços e foi ao banheiro sobre pernas que sentia curiosamente firmes. Usou o vaso, mas não para vomitar, depois lavou o rosto, e se deu conta que não tinha roupa que vestir.
Vestindo um robe de felpa, saiu de seu dormitório pela primeira vez desde que tinha entrado nele.
As luzes do corredor das estátuas o fizeram piscar como se fossem focos de um cenário, e necessitou um minuto para adaptar-se a… Tudo.
Estendendo-se para cima e abaixo pelo corredor, os machos de mármore em suas várias posturas estavam tal e como os recordava: tão fortes, elegantes e estáticos, e sem motivo aparente, recordou o Darius comprando-os um a um, formando a coleção. Naquela época, quando D se pôs em ritmo de compra, enviara Fritz aos leilões da Sotheby’s e Christie’s em Nova Iorque, e, quando cada uma das obras de mestres era entregue em uma caixa com todo esse estofo e esses tecidos as envolvendo, o irmão fazia uma festa de inauguração.
D amara a arte.
Tohr franziu o cenho. Wellsie e seu filho não nascido seriam sempre sua primeira e mais importante perda. Mas tinha mais mortos que vingar, ou não? Os lessers levaram não só sua família, mas também seu melhor amigo.
A fúria se agitou nas profundezas de seu ventre… Desencadeando outro tipo de fome. De guerra.
Com uma concentração e uma determinação que eram de uma única vez estranhas e familiares, Tohr se dirigiu para a escada principal e se deteve quando chegou às portas quase fechadas do escritório. Percebeu Wrath atrás delas, mas, na realidade não queria interagir com ninguém.
Ao menos pensava isso.
Então, por que simplesmente não ligou à cozinha para pedir comida?
Tohr espiou através da fresta entre as portas.
Wrath estava dormindo em seu escritório, seu comprido e brilhante cabelo negro se abria em leque sobre a papelada e tinha um antebraço dobrado sob a cabeça como se fosse um travesseiro. Na mão livre, ainda sustentava a lupa que devia usar se queria tentar ler algo.
Tohr entrou na sala. Jogando um olhar a seu redor, viu o suporte da chaminé e pôde imaginar o Zsadist ajeitado contra ela, com uma expressão séria em seu rosto marcado e os olhos negros brilhantes. Phury sempre estava perto dele, geralmente sentado na chaise azul pálido que havia ao lado da janela. V e Butch tinham tendência a se apropriar do sofá alto e frágil. Rhage escolhia diferentes lugares dependendo de seu humor…
Tohr franziu o cenho quando notou o que estava junto a escrivaninha de Wrath.
A horrenda e andrajosa poltrona verde-abacate, com remendos puídos nas almofadas de couro… Era a cadeira de Tohr. A que Wellsie insistiu em jogar fora porque parecia um fiasco. A que ele tinha posto no escritório do centro de treinamento.
— Trouxemos aqui para que John voltasse para a mansão.
Tohr girou a cabeça bruscamente. Wrath estava levantando a cabeça do braço e sua voz era tão grogue como a aparência de seu rosto.
O rei falou lentamente, como se não quisesse assustar sua visita.
— Depois do que aconteceu, John não queria sair do escritório. Negava-se a dormir em outro lugar que não fosse essa cadeira. Que enredo… Comportava-se mal nos treinamentos. Metia-se em brigas. Ao final me pus firme, mudei esse traste inútil para cá, e as coisas melhoraram. — Wrath girou para a cadeira — Costumava lhe agradar sentar-se ali e me olhar trabalhar. Após sua transição e as incursões ocorridas no verão, esteve saindo para lutar de noite e dormindo durante o dia, assim não esteve aqui tanto tempo. De certa forma sinto sua falta.
Tohr tomou um susto. Tinha feito uma boa merda a esse pobre menino. Certo, fora incapaz de atuar diferente, mas John sofreu um montão.
Ainda sofria.
Tohr se envergonhou de si mesmo ao pensar em como despertava nessa cama cada manhã e cada tarde e John levava a bandeja e se sentava com ele enquanto comia… E permanecia ali, como se o menino soubesse que assim que ficasse sozinho, vomitaria a maior parte do que tivesse lhe servido.
John teve que enfrentar a morte de Wellsie por si só. Atravessar a transição por si só. Atravessar muitas primeiras vezes por si só.
Tohr se sentou no sofá de V e Butch. A coisa se sentia surpreendentemente firme, mais do que lembrava. Pondo as palmas de suas mãos sobre as almofadas, empurrou.
— Foi reforçado enquanto não estava. — disse Wrath tranqüilamente.
Houve um bom período de silêncio, a pergunta que Wrath queria fazer pairava no ar tão clamorosamente como o eco das badaladas dos sinos de uma capela privada.
Tohr clareou a garganta. A única pessoa com a qual poderia ter falado a respeito do que tinha em mente era Darius, mas o irmão estava morto e enterrado. Não obstante, Wrath era a próxima pessoa a que considerava mais próxima…
— Foi… — Tohr cruzou os braços sobre o peito — Estive bem. Ela ficou detrás de mim.
Wrath assentiu lentamente.
— Boa idéia.
— Foi idéia dela.
— Selena está bem. Bondosa.
— Não estou certo de quanto tempo me levará. — disse Tohr, não querendo sequer falar da fêmea — Já sabe, estar preparado para lutar. Terei que treinar um pouco. Ir ao campo de tiro. Fisicamente? Não tenho idéia de como se recuperará meu corpo.
— Não se preocupe pelo tempo. Só cure.
Tohr baixou o olhar para suas mãos e as apertou formando um par de punhos. Não tinha carne sobre os ossos, por isso os nódulos se sobressaíam na pele como se fosse um mapa em relevo das Adirondacks, nada mais que picos dentados e vales cavados.
Seria uma longa viagem de retorno, pensou. E, inclusive uma vez que estivesse fisicamente forte, em seu baralho de cartas mental ainda lhe faltariam todos os ases. Sem importar quanto pesasse nem quão bem lutasse nada trocaria isso.
Houve um golpe seco na porta e fechou os olhos, rezando para que não fosse um de seus irmãos. Não queria dar muita importância a sua volta à terra dos vivos.
Sim. Hurra. Uau. Bárbaro.
— O que ocorre, Qhuinn? — perguntou o rei.
— Encontramos o John. Mais ou menos.
As pálpebras de Tohr se abriram amplamente e deu a volta, franzindo o cenho ao menino que estava na porta. Antes que Wrath pudesse falar, Tohr exigiu:
— Estava perdido?
Qhuinn pareceu surpreso de vê-lo de novo em pé, mas o macho se recompôs rapidamente enquanto Wrath exigia:
— Por que não me informou que se foi?
— Não sabia que se foi. — Qhuinn entrou, e o ruivo das aulas de treinamento, Blay, estava com ele — Disse a ambos que estava fora do turno de rodízios e que iria dormir. Nós acreditamos, e antes que me arranque às bolas, durante todo esse tempo fiquei em meu quarto porque pensei que ele estava no seu. Assim que me dei conta de que não estava ali, fomos buscá-lo.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e depois interrompeu a desculpa de Qhuinn.
— Ah, está bem, filho. Não sabia. Não podia fazer nada. Onde caralho está?
Tohr não escutou a resposta devido ao rugido que havia em sua cabeça. John estava em Caldwell sozinho? Foi sem dizer a ninguém? E se aconteceu algo?
Interrompeu a conversa.
— Esperem, onde está?
Qhuinn levantou seu telefone.
— Não quis dizer. Só escreveu que está a salvo, em qualquer lugar que esteja, e que se encontrará conosco amanhã de noite.
— Quando voltará para casa? — exigiu Tohr.
— Acredito, — disse Qhuinn encolhendo de ombros — que não voltará.


Capítulo 36


A mãe de Rehvenge fez a passagem para o Fade às onze e onze da manhã.
Estava rodeada por seu filho, sua filha, sua neta adormecida, seu feroz genro e atendida por sua querida doggen.
Foi uma morte plácida. Uma morte muito plácida. Fechou os olhos, e uma hora mais tarde ofegou duas vezes e deixou escapar uma longa exalação, como se seu corpo suspirasse de alívio enquanto sua alma voava livre do aprisionamento corpóreo. E foi estranho… Nalla despertou nesse momento e a menina cravou o olhar não em sua granhmen, mas, um pouco mais acima da cama. As pequenas mãos gordinhas se estenderam ao alto, sorriu e gorjeou como se alguém acabasse de acariciar sua bochecha.
Rehv baixou os olhos para o corpo. Sua mãe sempre acreditou que renasceria no Fade, as raízes de sua fé foram plantadas no fértil terreno de sua educação como Escolhida. Esperava que isso fosse certo. Queria acreditar que vivia em algum lugar.
Foi a única coisa que aliviou, embora fosse um pouco, a dor que sentia no peito.
Quando a doggen começou a chorar baixinho, Bella abraçou sua filha e Zsadist. Rehv permaneceu afastado deles, sentado sozinho aos pés da cama, observando como o rosto de sua mãe ia perdendo a cor.
Quando um formigamento floresceu em suas mãos e pés, recordou que o legado de seu pai, assim como o de sua mãe, estaria sempre com ele.
Levantou-se, fez uma pequena reverência a todos, e se desculpou. No banheiro do quarto onde se hospedava, olhou sob o lavabo e deu graças à Virgem Escriba de ter sido bastante inteligente para colocar um par de ampolas de dopamina na parte de atrás. Acendendo a luz do teto, tirou o casaco de zibelina e a jaqueta Gucci dos ombros. Quando o resplendor avermelhado que vinha de acima o pôs muito nervoso, porque o fez pensar que o estresse pela morte fazia aflorar seu lado perverso, apagou a luz, abriu a ducha e antes de continuar, esperou que subisse o vapor.
Engoliu outras duas pílulas de penicilina enquanto tamborilava o chão com o mocassim.
Quando se considerou capaz de suportar, enrolou a manga da camisa e deliberadamente ignorou seu reflexo no espelho. Após encher uma seringa de injeção, utilizou o cinto LV[69] para formar um laço que pôs ao redor de seus bíceps, logo puxou o couro negro, dobrou-o e o aprisionou contra as costelas.
Introduziu a agulha de aço dentro de uma de suas veias infectadas e apertou o êmbolo…
— O que está fazendo?
A voz de sua irmã o fez levantar a cabeça. Através do espelho, ela estava olhando fixamente a agulha que tinha no braço e as veias judiadas e avermelhadas.
A primeira coisa que lhe ocorreu foi rosnar que saísse. Não queria que visse isto, e, não só porque significasse que teria que dizer mais mentiras. Era algo íntimo.
Em troca, tirou a seringa de injeção com calma, pôs a tampa, e a jogou. Enquanto a ducha chiava, baixou a manga, após vestiu a jaqueta e o casaco de zibelina.
Fechou a água.
— Sou diabético. — disse. Merda, dissera a Ehlena que tinha Parkinson. Maldita seja.
Bom, tampouco era como se fossem se encontrar um dia desses.
Bella levou a mão à boca.
— Desde quando? Está bem?
— Estou bem. — forçou um sorriso — Você está bem?
— Espere, desde quando isto está acontecendo?
— Estive me injetando há uns dois anos. — ao menos isto não era uma mentira — Vejo Havers com regularidade. — Ding! Ding! Outra verdade — Levo bem.
Bella olhou seu braço.
— É por isso que sempre tem frio?
— Isso é pela má circulação. Por isso necessito a bengala. Tenho um sentido ruim de equilíbrio.
— Pensei que havia dito que isso era por causa de uma ferida?
— A diabetes compromete a forma em que me curo.
— Oh, claro. — assentiu tristemente — Desejaria ter sabido.
Quando o contemplou com seus grandes olhos azuis, pensou que odiava lhe mentir, mas tudo o que tinha que fazer era pensar na plácida expressão de sua mãe.
Rehv rodeou sua irmã com o braço e a conduziu fora do banheiro.
— Não é importante. Eu cuido disso.
O ar era mais frio no quarto, mas notou só porque Bella se envolveu com seus braços e se aconchegou.
— Quando deveríamos fazer a cerimônia? — perguntou.
— Telefonarei à clínica, e farei que Havers venha aqui ao cair da noite para envolvê-la. Em seguida temos que decidir onde enterrá-la.
— No Complexo da Irmandade. Ali é onde a quero.
— Se Wrath permitir que a doggen e eu assistamos, está bem.
— É obvio. Z está agora ao telefone com o rei.
— Não acredito que fiquem muitos integrantes da glymera na cidade que queiram despedir-se.
— Pegarei sua agenda no andar de baixo e farei um anúncio.
Semelhante conversa objetiva e prática demonstrava que a morte formava, sem dúvida alguma, parte da vida.
Quando Bella deixou escapar um soluço afogado, Rehv a atraiu contra seu peito.
— Vêem aqui, minha irmã.
Enquanto permaneciam juntos com a cabeça dela apoiada em seu peito, pensou na quantidade de vezes que tinha tratado de salvá-la do mundo. Não obstante, a vida, tinha seguido seu curso de todos os modos.
Deus, quando era pequena, antes de sua transição esteve absolutamente convencido de que podia protegê-la e cuidar dela. Quando tinha fome se assegurava de que tivesse comida. Quando necessitava roupas, comprava para ela. Quando não podia dormir, ficava com ela até que fechava os olhos. Entretanto, agora que crescera, sentia como se seu repertório estivesse limitado a lhe servir simplesmente de consolo. Embora possivelmente fosse assim como funcionava. Quando é menino, um bom arrulho era tudo o que necessitava para acalmar o estresse do dia e te fazer sentir seguro.
Agora a abraçando, desejou que houvesse tais remédios rápidos para adultos.
— Sentirei sua falta. — disse Bella — Não éramos muito parecidas, mas sempre a amei.
— Você foi sua maior alegria. Sempre foi.
Bella se afastou.
— E você também.
Colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás de sua orelha.
— Você e sua família querem descansar aqui?
Bella assentiu.
— Onde ficaremos?
— Pergunte a doggen de mahmen.
— Farei isso. — Bella deu um apertão em sua mão, que ele não pôde sentir e abandonou o quarto.
Quando esteve sozinho, aproximou-se da cama e tirou o telefone celular. Ehlena não enviou uma mensagem à noite anterior, e enquanto procurava o número da clínica na agenda, tentou não se preocupar. Talvez houvesse feito o turno diurno. Deus! Esperava que sim.
Havia poucas probabilidades que tivesse ocorrido algo mau. Muito poucas.
Mas ligaria para ela depois.
— Olá, clínica. — disse a voz na Antiga Língua.
— É Rehvenge, filho de Rempoon. Minha mãe acaba de morrer, e preciso fazer os trâmites para que seu corpo seja conservado.
A fêmea ofegou ao outro extremo. Não caía bem a nenhuma das enfermeiras, mas todas elas tinham adorado sua mãe. Todo mundo a adorava…
Todo mundo a tinha adorado, melhor dizendo.
Esfregou o moicano.
— Há alguma possibilidade de que Havers possa vir à casa ao cair da noite?
— Sim, claro que sim, e posso dizer em nome de todos, que estamos profundamente afligidos por sua morte e lhe desejamos uma passagem segura ao Fade.
— Obrigado.
— Espere um momento. — quando a fêmea retornou, disse — O doutor chegará imediatamente após o pôr-do-sol. Com sua permissão, levará alguém para que o ajude…
— A quem? — não estava seguro como se sentiria se fosse Ehlena. Não queria que tivesse que tratar com outro corpo tão cedo, e o fato que fosse o de sua mãe poderia ser inclusive mais duro para ela — Ehlena?
A enfermeira vacilou.
— Ah, não, Ehlena não.
Franziu o cenho, seus instintos symphath se ativaram pelo tom da fêmea.
— Ehlena trabalhou ontem à noite? — houve outra pausa — Trabalhou?
— Sinto muito, não posso falar sobre...
Sua voz baixou convertendo-se em um grunhido.
— Trabalhou ou não. É uma pergunta simples. Fez-o. Ou não o fez.
A enfermeira ficou nervosa.
— Sim, sim, ela veio…
— E?
— Nada. Ela...
— Qual é o problema?
— Não há nenhum problema. — a exasperação que ouviu nessa voz indicou que alegres interações como essa eram parte do motivo para que o detestassem tanto.
Tratou de nivelar mais a voz.
— É evidente que há um problema, e vai me contar o que está acontecendo ou vou continuar telefonando até que alguém me diga. E, se ninguém o fizer, aparecerei frente ao balcão da recepção e vou voltar louco a cada um de vocês até que um membro da equipe ceda e me diga isso.
Houve uma pausa que vibrou com “é-tão-imbecil”.
— Bom. Ela já não trabalha aqui.
Rehv inalou emitindo um chiado e sua mão disparou para a Baggie[70] de plástico, cheia de penicilina que esteve guardando no bolso superior de seu terno.
— Por quê?
— Não revelarei isso sem importar o que faça.
 Houve um clique quando desligou.

Ehlena estava no andar de baixo, sentada à desmantelada mesa da cozinha, com o manuscrito de seu pai frente a ela. Lera duas vezes no escritório dele, em seguida o tinha deitado e subiu ali, onde o examinou uma vez mais.
O título era Na Selva Pluvial da Mente do Macaco.
Queridíssima Virgem Escriba, se antes tinha acreditado que sentia compaixão pelo macho, agora se sentia identificada com ele. As trezentas páginas manuscritas eram um tour guiado através de sua doença mental, um vívido estudo de “caminhe-um-quilometro-em-meus-sapatos” a respeito de quando tinha começado a doença e onde o tinha conduzido.
Jogou uma olhada ao papel de alumínio que cobria as janelas. As vozes que torturavam sua mente provinham de diversas fontes, e uma delas, era através das ondas de rádio que os satélites que orbitavam a terra emitiam.
Ela já sabia tudo isto.
Mas no livro, seu pai descrevia o Reynolds Wrap[71] como uma interpretação tangível da psicose: ambos, o papel alumínio e a esquizofrenia mantinham afastado o mundo real, ambos o isolavam… E com ambos em seu lugar ele estava mais seguro do que se não estivessem ao seu redor. A verdade era que ele amava sua doença tanto quanto a temia.
Fazia muitos, muitos anos, depois que a família o traíra nos negócios e o arruinara frente aos olhos da glymera, deixou de confiar em sua capacidade para ler as intenções e motivações de outros. Tinha posto sua fé nas pessoas erradas e… Isso havia lhe custado sua shellan.
O certo era que Ehlena teve uma idéia equivocada a respeito da morte de sua mãe. Logo após a grande queda, sua mãe havia se amparado no láudano para ajudá-la a agüentar, e o alívio transitório floresceu convertendo-se em uma muleta, quando a vida como ela a conheceu desmoronou… O dinheiro, a posição, as casas, as posses, abandonaram-na como formosas pombas debandando sobre um campo, indo a um lugar mais seguro.
E, a seguir veio o fracasso do compromisso de Ehlena, o macho se distanciou antes de declarar publicamente que terminava a relação… Porque Ehlena o tinha seduzido levando-o a sua cama e aproveitando-se dele.
Isto para sua mãe tinha sido a gota que transbordou o copo.
O que fora uma decisão conjunta entre Ehlena e o macho se voltou contra Ehlena convertendo-a em uma fêmea sem valor, em uma meretriz do inferno que corrompeu um macho que unicamente tivera as mais honoráveis das intenções. Tendo forjado essa reputação na glymera, Ehlena nunca poderia ter se casado, embora sua família mantivesse o status perdido.
À noite em que estalou o escândalo, a mãe de Ehlena foi para seu quarto e horas mais tarde foi encontrada morta. Ehlena sempre supôs que foi por uma overdose de láudano, mas não. De acordo com o manuscrito, cortou as veias e sangrou sobre os lençóis.
Seu pai começou ouvir vozes no momento em que viu sua fêmea morta na cama matrimonial, com o pálido corpo emoldurado pela auréola vermelho intenso do derramamento de sua vida.
Na medida em que a doença mental avançava, se refugiara cada vez mais na paranóia, mas de maneira estranha se sentia mais seguro ali. Em sua mente, a vida real estava repleta de gente que podia ou não traí-lo. Sem dúvida, todas as vozes de sua cabeça o perseguiam. Como esses macacos loucos que se lançavam ao ar e saltavam entre os ramos do bosque da doença, fazendo chover ramos e duros caroços de fruta sobre ele em forma de pensamentos, podia dizer que conhecia seus inimigos. Podia vê-los, senti-los e conhecê-los pelo que eram, e as armas que tinha para combatê-los, era uma geladeira bem organizada, estanho sobre as janelas, rituais verbais e seus escritos.
Fora, no mundo real? Estava desprotegido e perdido, a mercê de outros, sem defesas para julgar o que era perigoso e o que não. Por outro lado na doença, era onde queria estar, porque como dizia ele, conhecia os limites da selva e os caminhos que rodeavam os troncos e as tribulações dos macacos.
Ali sua bússola mantinha um verdadeiro norte.
Para surpresa de Ehlena? Não, tudo era sofrimento para ele. Antes de cair doente, foi um advogado litigante em assuntos da Antiga Lei, um macho reconhecido por sua afeição ao debate e sua avidez de encontrar oponentes difíceis. Na doença, tinha encontrado exatamente a mesma classe de conflitos com que desfrutara quando estava são. As vozes em sua mente como escreveu ele com a ironia de sua auto-realização, eram igualmente inteligentes e direitas como ele para debater. Para ele, seus violentos episódios eram nada mais que o equivalente mental de um bom combate de boxe, e como no fim sempre saia dele, sempre se sentia vencedor.
Também era consciente que nunca sairia da selva. Era como disse na última linha do livro, sua ultima direção antes de ir para o Fade. E seu único pesar era que ali só havia espaço para um único habitante, que sua estada entre os macacos significava que não podia estar com ela, sua filha.
Entristecia-o a separação e a carga que representava para ela.
Sabia que ele era muito difícil de tratar. Era consciente dos sacrifícios que fazia. Afligia-se pela solidão em que ela se encontrava.
Era tudo o que ela queria escutá-lo dizer, e, enquanto sustentava as páginas, não importava que fosse por escrito e não verbalmente. Em todo caso, era melhor desta maneira porque podia lê-las uma e outra vez.
Seu pai sabia muito mais do que ela pensava.
E, estava muito mais contente do que jamais poderia imaginar.
Passou a palma da mão sobre a primeira página. A escrita à mão, que estava em azul, porque um advogado adequadamente instruído nunca escrevia em negro, era tão limpa e nítida como a narração do passado, e, tão elegante e de bom gosto como as consideráveis conclusões às que tinha chegado e as apreciações em profundidade que oferecia.
Deus... Vivera com ele durante tanto tempo, e somente agora sabia o que ele vivia.
E todo mundo era assim, não? Cada um em sua selva pluvial particular, sozinhos sem importar quantos parentes andasse ao seu lado.
A saúde mental era simplesmente um assunto de ter menos macacos? Talvez a mesma quantidade, com a condição de que fossem agradáveis?
O amortecido som de um telefone celular a fez levantar a cabeça. Esticando a mão até o outro lado da mesa, tirou-o do bolso do casaco e atendeu.
— Alô? — no silêncio que seguiu soube quem era — Rehvenge?
— Despediram-na.
Ehlena apoiou o cotovelo sobre a mesa e cobriu a testa com a mão.
— Estou bem. A ponto de ir dormir. E você?
— Foi devido às pílulas que me trouxe, verdade?
— O jantar foi realmente bom. Requeijão e palitos de cenoura…
— Deixe disso já. — ladrou.
Deixou cair o braço e franziu o cenho.
— Como?
— Por que fez isso, Ehlena? Por que demônios…
— Ok, vai reconsiderar seu tom de voz ou esta conversa receberá a tecla de fim.
— Ehlena, você precisa desse trabalho.
— Não me diga o que necessito.
Ele soltou uma maldição. Soltou mais algumas.
— Sabe, — murmurou ela — se acrescentar uma trilha sonora e algumas metralhadoras, teremos um filme Duro de Matar[72]. Falando disso, como ficou sabendo?
— Minha mãe morreu.
Ehlena ofegou.
— Que...? Oh, meu Deus, quando? Quero dizer, sinto muito…
— Fará meia hora.
Lentamente negou com a cabeça.
— Sinto muito, Rehvenge.
— Telefonei à clínica para... Fazer os acertos. — Exalou com o mesmo tipo de esgotamento que ela sentia. Enfim… Sim. — Nunca me enviou a mensagem dizendo que tinha chegado à clínica a salvo. Assim perguntei, e foi assim.
— Maldita seja, tinha a intenção de fazê-lo, mas... — bom, estava ocupada sendo despedida.
— Mas essa não foi a única razão pela qual quis te ligar.
— Não?
— Eu só... Precisava ouvir sua voz.
Ehlena respirou profundamente, e fixou os olhos nos artigos do manuscrito de seu pai. Pensou em tudo, tanto o bom e o mau, o que descobriu, nessas páginas.
—É engraçado, — respondeu — esta noite sinto o mesmo.
— Sério? Como… De verdade?
— Absoluta e definitivamente… Sim.


Capítulo 37


Wrath estava de mau humor, e sabia por que o ruído que o doggen fazia ao encerar a balaustrada de madeira na parte superior da escada principal lhe dava vontade de atear fogo em toda a fodida mansão.
Pensava em Beth. O que explicava por que enquanto se sentava atrás de seu escritório a dor no peito o estava matando.
Não que não compreendesse por que estava aborrecida com ele. E, não era que acreditasse que não merecia algum tipo de castigo. Simplesmente odiava o fato de Beth não estar dormindo na casa e que ter de mandar uma mensagem de texto à sua shellan para lhe pedir permissão para ligar para ela.
O fato de não ter dormido durante dias também devia contribuir para ficar de saco cheio.
E era provável que precisasse se alimentar. Mas, assim como com o sexo, passou tanto tempo da última vez que o fez, que mal podia lembrar como era.
Passeou o olhar pelo escritório e desejou poder automedicar o impulso de gritar receitando uma saída para lutar contra algo: suas únicas outras opções eram ir ao ginásio ou embebedar-se, e acabava de voltar do primeiro e não estava absolutamente interessado no último.
Verificou o telefone outra vez. Beth não devolveu a mensagem, e fazia três horas que a mandara. E estava bem. Provavelmente estivesse ocupada ou dormindo.
E uma merda que estava tudo bem.
Ficou de pé, deslizando seu RAZR no bolso de trás de sua calça de couro, e se dirigiu para as portas duplas. O doggen no corredor estava pondo a alma e a vida na rotina de passar cera e abrilhantar, e graças a seus esforços se elevava um denso e fresco aroma de limão.
— Meu senhor. — disse o doggen, fazendo uma profunda reverência.
— Está fazendo um grande trabalho.
— É um prazer. — sorriu o macho — É minha alegria servir a você e a sua família.
Wrath colocou uma palma no ombro do criado e se foi trotando escada abaixo. Quando chegou ao chão de mosaicos do vestíbulo, virou à esquerda, para a cozinha, e se alegrou de que não houvesse ninguém dentro. Abrindo o refrigerador, confrontou todo tipo de sobras e tirou um peru pela metade sem nenhum entusiasmo.
Girando para os armários…
— Olá.
Voltou a cabeça bruscamente sobre o ombro.
— Beth? O que está…? Pensei que estava em Lugar Seguro.
— Estava. Mas acabo de retornar.
Franziu o cenho. Por ser mestiça, Beth podia tolerar a luz do sol, mas punha os fodidos cabelos dele em pé cada vez que ela se aventurava durante o dia. Não discutiria isso agora. Ela sabia o que ele pensava, e, além disso, estava em casa e isso era tudo o que importava.
— Estava fazendo algo para comer. — disse, embora certamente, o peru que estava sobre a tábua de açougueiro evidenciava — Quer se unir a mim?
Deus! Adorava o modo que cheirava. Rosas florescendo na noite. Para ele era mais acolhedor que qualquer cera com aroma de limão, mais magnífico que qualquer perfume.
— Que tal se fizer algo para ambos? — disse ela — Parece que está a ponto de cair.
Esteve a ponto de dizer: não, estou bem, e então se deteve. Inclusive a menor das meias verdades acentuaria os problemas entre eles… E o fato de que ele estivesse absolutamente esgotado sequer era uma mentira pequena.
— Isso seria genial. Obrigado.
— Sente-se. — disse, aproximando-se dele.
Ele queria abraçá-la.
E o fez.
Os braços de Wrath se separaram repentinamente, fechando-se sobre ela, e a atraíram para seu peito. Dando-se conta do que tinha feito, ia soltá-la, mas ela permaneceu com ele, mantendo seus corpos juntos. Estremecido, deixou cair a cabeça sobre seu perfumado e sedoso cabelo e a apertou, moldando sua suavidade contra os contornos de seus duros músculos.
— Senti tanto sua falta. — lhe disse.
— Também senti sua falta.
Quando ela relaxou contra ele, não foi tão parvo para acreditar que este momento era uma panacéia instantânea, mas tomaria o que lhe oferecia.
Afastando-se, subiu os óculos escuros acima de sua cabeça para que pudesse ver seus olhos inúteis. Para ele, o rosto de Beth era impreciso e formoso, embora o aroma de chuva fresca que era a essência das lágrimas não o agradou.
Acariciou ambas as bochechas com os polegares.
— Permitirá que te beije? — perguntou.
Quando assentiu, sustentou seu rosto entre as palmas de suas mãos e baixou a boca par a dela. O agradável contato foi absoluta e esmagadoramente familiar e ao mesmo tempo algo do passado. Parecia ter passado uma eternidade desde que fizessem algo mais que dar-se beijinhos… E a separação não era só devido ao que ele tinha feito. Era por tudo. A guerra. Os Irmãos. A glymera. John e Tohr. A família.
Sacudindo a cabeça, disse:
— A vida se converteu em um obstáculo para nossa vida.
—Tem muita razão. — acariciou seu rosto com a palma da mão — Também afetou sua saúde. Assim, quero que se sente ali e me permita te dar de comer.
— Supõe-se que é o inverso. O macho dá de comer a sua fêmea.
— É o rei. — sorriu — Você faz as regras. E sua shellan gostaria de te servir.
— Amo você. — atraiu-a novamente e a apertou e simplesmente ficou agarrado a sua companheira — Não tem que me responder com o mesmo…
— Também te amo.
Agora chegou a vez dele se afrouxar contra ela.
— Hora de que coma. — disse ela, arrastando-o para a mesa de carvalho de estilo rústico e afastando uma cadeira para que se sentasse.
Ao sentar-se deu um pulo, elevou os quadris e tirou o celular do bolso. A coisa começou a dar saltos sobre a mesa, chocando-se contra o saleiro e o pimentero.
— Sanduíche? — perguntou Beth.
— Isso seria genial.
— Para você serão dois.
Wrath voltou a pôr os óculos de sol em seu lugar, porque a luz do teto fazia com que sua cabeça pulsasse. Quando isso não foi suficiente, fechou os olhos, e embora não pudesse ver Beth mover-se pelo lugar, os sons que fazia na cozinha o acalmaram como uma canção de ninar. A ouviu abrir as gavetas, e o repicar dos utensílios dentro das mesmas. Em seguida ouviu o refrigerador abrir com um ofego e houve ruído de fricção, seguido de vidro golpeando vidro. A gaveta do pão foi deslizada para fora e o pacote de plástico que cobria o centeio que gostava, rangeu. Sentiu o rasgar de uma faca ao atravessar uma alface…
— Wrath?
O suave som de seu nome o fez abrir as pálpebras e levantar a cabeça.
— Qu…?
— Cochilou. — a mão de sua shellan alisou seu cabelo — Come. Em seguida vou te levar para a cama.
Os sanduíches estavam exatamente como gostava: sobrecarregados de carne, pouco alface e tomates e com muita maionese. Comeu ambos, e embora deveria tê-lo animado, o esgotamento que lhe aferrava o corpo com seu punho mortal pegou com mais força.
— Anda, vamos. — Beth o puxou pela mão.
— Não, espere. — disse, despertando — Preciso te dizer o que vai acontecer ao anoitecer desta noite.
— Ok. — em seu tom de voz havia certa insinuação de tensão, como se estivesse preparando a si mesma.
— Sente-se. Por favor.
Puxou a cadeira de debaixo da mesa com um ranger e acomodou lentamente seu peso.
— Alegra-me que esteja sendo completamente sincero comigo. — murmurou — Com respeito ao que for.
Wrath acariciou seus dedos com os seus, tentando acalmá-la, pois sabia que o que tinha que dizer somente a preocuparia mais.
— Alguém… Bem, provavelmente mais de um, mas pelo menos um que saibamos, quer me matar. — a mão de Beth se esticou na sua, e ele seguiu acariciando-a, tentando relaxá-la — Vou me reunir com o conselho da glymera esta noite, e espero… Problemas. Todos os Irmãos vêm comigo e não atuaremos como estúpidos, mas não vou mentir te dizendo que é uma situação comum.
— Este… Alguém… É obviamente parte do conselho, verdade? Assim vale a pena que vá em pessoa?
— O que começou tudo não representará um problema.
— Como é isso?
— Rehvenge fez com que o assassinassem.
Voltou a apertar suas mãos.
— Jesus… — tomou um profundo fôlego. E outro — Oh… Deus querido.
— A pergunta que todos nos fazemos agora é, quem mais está nisso? Isso é parte do motivo pela qual minha presença nessa reunião é tão importante. É também uma demonstração de força, e isso é de importância. Não fujo. Nem tampouco os Irmãos.
Wrath se preparou para que lhe dissesse: “Não, não vá”, e se perguntou o que faria então.
Mas a voz de Beth foi tranqüila.
— Compreendo. Mas tenho um pedido.
As sobrancelhas se arquearam, aparecendo por cima dos óculos de sol.
— E é?
— Quero que use um colete à prova de balas. Não é que duvide dos Irmãos… É só que me daria um pouco mais de consolo.
Wrath piscou. Após levou suas mãos aos lábios e as beijou.
— Posso fazer isso. Por você, certamente que posso fazê-lo.
Ela assentiu uma vez e se levantou da cadeira.
— Ok. Ok… Bem. Agora, anda, vamos nos deitar. Estou tão esgotada como você se vê.
Wrath ficou de pé, atraiu-a para ele, e juntos saíram ao vestíbulo, e seus pés cruzaram o mosaico de uma macieira em flor.
— Amo você. — disse ele — Estou tão apaixonado por você.
Beth apertou o braço que tinha ao redor de sua cintura e pôs o rosto contra seu peito. O aroma acre e defumado do medo emanava dela, contaminando seu aroma natural a rosas. E, ainda apesar de tudo, fez um gesto afirmativo com a cabeça e disse:
— Sua rainha tampouco foge, sabe?
— Sei. Eu… Sei totalmente.

Em seu dormitório no refúgio de sua mãe, Rehv impulsionou seu corpo para trás até que esteve apoiado contra os travesseiros. Enquanto acomodava o casaco de marta sobre seus joelhos, disse ao seu celular:
— Tenho uma idéia. Que tal se começarmos de novo esta chamada telefônica?
A suave risada de Ehlena se fez sentir estranhamente otimista.
— Bom. Ligará outra vez ou…
— Diga-me, onde está?
— Em cima, na cozinha.
O que explicava o leve eco.
— Pode ir ao seu quarto? Relaxar?
— Vai ser uma conversa longa?
— Bom, reconsiderarei meu tom e preste atenção. — baixou a voz um tom, convertendo-se em um completo Lotário — Por favor, Ehlena. Vai para cama e me leve contigo.
Ela ficou sem fôlego e riu outra vez.
— Que melhora.
— Eu sei, certo… Para que não pense que não recebo bem as ordens. Agora, que tal se me devolver o favor. Vai para seu dormitório e se ponha cômoda. Não quero estar sozinho, e tenho a sensação de que você tampouco.
Em vez de um “É verdade”, ouviu o gratificante som de uma cadeira sendo afastada. Quando começou a andar, o som amortecido de seus passos lhe pareceu encantador, o rangido da escada não… Porque o som o fazia perguntar-se onde exatamente vivia com seu pai. Esperava que fosse uma casa antiga com pranchas velhas e antiquadas, e não uma que estivesse deteriorada.
Ouviu o chiado de uma porta ao abrir-se e houve uma pausa, e estava disposto a apostar a que estava verificando como estava seu pai.
— Está dormindo profundamente? — perguntou Rehv.
As dobradiças chiaram outra vez.
— Como soube?
— Porque é boa assim.
Houve outro ruído de porta e logo o clique de uma fechadura ao encaixar em seu lugar.
— Dará-me um minuto?
Um minuto? Merda daria o mundo se pudesse.
— Tome seu tempo.
Houve um som surdo, como se tivesse deixado o telefone sobre um edredom ou uma colcha. Mais protestos de porta. Silêncio. Outro chiado e o débil gorgojeio da descarga de um vaso sanitário. Pisadas. Saltos na cama. Um ranger próximo e logo…
— Alô?
— Cômoda? — disse ele, consciente de que estava sorrindo como um idiota… Fora que, Deus, a idéia de tê-la onde ele desejava que estivesse era fantástica.
— Sim, e você?
— Mais do que possa acreditar. — por outro lado, com sua voz no ouvido, poderia estar no processo de lhe arrancarem as unhas e ainda estaria igualmente alegre.
O silêncio que seguiu foi tão suave como a zibelina de seu casaco e igualmente quente.
— Quer falar de sua mãe? — perguntou ela gentilmente.
— Sim. Embora não sei o que dizer, além de que se foi serenamente e rodeada de sua família, e isso é tudo o que qualquer um poderia pedir. Chegou seu tempo.
— Embora sentirá sua falta.
— Sim. Farei.
— Há algo que possa fazer?
— Sim.
— Diga-me.
— Permita-me cuidar de você.
Ela riu baixinho.
— Certo. Que tal se te ponho a par de algo. Neste tipo de situação, se supõe que é você quem terá que ser cuidado.
— Mas ambos sabemos que fui o que tirou seu trabalho…
— Pare. — houve outro rangido, como se houvesse se incorporando sobre os travesseiros — Tomei a decisão de te levar essas pílulas, sou uma adulta suscetível de cometer um erro de julgamento. Não está em dívida comigo, porque fui eu quem colocou os pés pelas mãos.
— Discordo completamente. Mas, deixando isso de lado, falarei com Havers quando vier aqui para…
— Não, não o fará. Querido Senhor, Rehvenge, sua mãe acaba de morrer. Não deve preocupar-se por…
— O que podia fazer por ela, está feito. Permita-me te ajudar. Posso falar com Havers…
— Não mudará as coisas. Já não confiará em mim, e não posso culpá-lo.
— Mas as pessoas cometem enganos.
— E alguns não podem ser remediados.
— Não acredito nisso. — embora como symphath, não era exatamente perito na merda da moral de alguém. Nem com muito — Especialmente quando se trata de você.
— Não sou diferente dos demais.
— Olhe. Não me faça arruinar meu tom outra vez. — advertiu — Fez algo por mim. Quero fazer algo por você. É uma simples troca e intercâmbio.
— Mas conseguirei outro trabalho e estive fazendo as coisas funcionarem por mim mesma, durante muito tempo. Acontece que é uma de minhas aptidões essenciais.
—Não duvido. — deteve-se para causar efeito e jogou a melhor carta que tinha — Embora este seja o assunto, não pode me deixar com esta carga sobre minha consciência. Vai me comer por dentro. Sua má escolha foi resultado da minha.
Ela riu brandamente.
— Por que não me surpreende que conheça minhas debilidades? E realmente o aprecio, mas se Havers perverter as regras por mim, que tipo de mensagem transmitiria? Ele e Catya, minha supervisora, já anunciaram ao resto do pessoal. Agora não podem voltar atrás, nem eu ia querer que o fizesse somente porque você está disposto a utilizar uma mão dura com ele.
Bem, merda, pensou Rehv. Tinha planejado manipular a mente de Havers, mas isso não se ocuparia de todas as demais pessoas que trabalhavam na clínica, verdade?
— Bom, então me permita te ajudar até que possa se recuperar.
— Obrigada, mas…
Ele quis amaldiçoar.
— Tenho uma idéia. Se reúna comigo em minha casa para discutir a respeito disso?
— Rehv…
— Excelente. Tenho que me ocupar de minha mãe mais cedo pela tarde e tenho uma reunião à meia-noite. O que te parece às três da manhã? Maravilhoso… Verei-a então.
Durante um instante se fez silêncio e logo ela riu entre dentes.
— Sempre consegue o que deseja. Verdade?
— Bastante freqüentemente.
— Bem. Três em ponto desta noite.
— Estou tão feliz de ter trocado de tom, você não?
Ambos riram, e a tensão se escorreu da conexão como se fosse drenada.
Quando se ouviu outro rangido, ele supôs que significava que estava voltando a deitar-se e ficando cômoda outra vez.
— Então posso te contar algo que meu pai fez? — disse ela abruptamente.
— Pode me contar isso e logo me explicar porque não comeu mais no jantar. E, depois vamos falar sobre o último filme que viu, os livros que tem lido e a respeito do que pensa sobre o aquecimento global.
— De verdade, tudo isso?
Deus! Amava sua risada.
— Sim. Estamos em rede, assim é grátis. Oh, e quero saber qual é sua cor favorita.
— Rehvenge… Realmente não quer estar sozinho, verdade? — as palavras foram ditas suavemente e quase distraidamente, como se o pensamento escapulisse por sua boca.
— Neste momento… Unicamente o que quero é estar contigo. Isso é tudo o que sei.
— Tampouco estaria preparada. Se meu pai morresse esta noite, não estaria pronta para deixá-lo ir.
Ele fechou os olhos.
— Isso é… — teve que esclarecer a garganta — Assim é exatamente como me sinto. Não estou preparado para isto.
— Seu pai também morreu. Assim sei que é muito mais difícil.
— Bom, sim ele está morto, embora não sinto sua falta absolutamente. Ela sempre foi a única para mim. E tendo ido ela… Sinto como se acabasse de dirigir até meu lar para encontrar que alguém o queimou. Quero dizer, não a via todas as noites nem sequer todas as semanas, mas sempre tinha a possibilidade de ir vê-la, me sentar com ela e cheirar seu Chanel Nº 5. De ouvir sua voz e vê-la ao outro lado de uma mesa. Essa possibilidade… Era onde residiam meus alicerces, e não tinha me dado conta até que a perdi. Merda… Estou falando sem sentido.
— Não, tem muito sentido. A mim ocorre o mesmo. Minha mãe se foi e meu pai… Está aqui, mas não está. Assim, também sinto que não tenho um lar. Que estou à deriva.
Esta era a razão para as pessoas se casarem, pensou Rehv subitamente. Esquece o sexo e a posição social. Se fossem preparadas, fariam-no para construir uma casa sem paredes, um teto invisível e um chão que ninguém pudesse pisar… E que não obstante a estrutura fosse um refúgio que nenhuma tormenta pudesse derrubar, e nenhum fósforo pudesse incendiar, nem o passar dos anos pudesse degradar.
Nesse momento se deu conta. Um vínculo de emparelhamento como esse te ajudava a superar noites de merda como esta.
Bella tinha encontrado esse refúgio com seu Zsadist. E possivelmente seu irmão mais velho precisasse seguir o exemplo de sua irmã.
— Bom, — disse Ehlena com estupidez — se quiser posso responder a pergunta a respeito de minha cor favorita. Possivelmente evite que as coisas fiquem muito profundas.
Rehv sacudiu a si mesmo e retornou ao assunto.
— E qual seria?
Ehlena pigarreou um pouco.
— Minha cor favorita é o… Ametista.
Rehv sorriu até que doeram suas bochechas.
— Acredito que é uma cor genial para que você goste. A cor perfeita.


Capítulo 38


No funeral de Chrissy havia quinze pessoas que a conheceram e uma que não… E, Xhex escrutinou o cemitério açoitado pelo vento à procura de uma décima sétima pessoa que se escondesse entre as árvores, as tumbas ou as lápides maiores.
Não estranhava que o fodido cemitério se chamasse Arvoredo de Pinheiros. Havia ramos espalhados por todo o lugar, proporcionando um amplo refúgio para alguém que não quisesse ser visto. Maldito seja o inferno.
Tinha encontrado o cemitério nas Páginas Amarelas. Os dois primeiros para os quais telefonou não tinham espaço disponível. O terceiro só tinha espaço no Muro da Eternidade, como tinha chamado o homem, para corpos incinerados. Ao final, encontrou este lugar, o Arvoredo de Pinheiros e comprou o retângulo de terra que agora todos rodeavam.
O ataúde rosado custou quase cinco das grandes. A parte de terra outras três. O sacerdote, padre como é que o chamassem os humanos, indicou que o apropriado seria uma doação e sugeriu que cem dólares estariam bem.
Nenhum problema. Chrissy merecia.
Xhex voltou a examinar os fodidos pinheiros, esperando encontrar o idiota que a assassinou. Bobby Grady tinha que vir. A maioria dos abusadores que matavam aos objetos de suas obsessões continuava conectada emocionalmente. E, embora a polícia o estivesse procurando, e ele devia saber, o impulso de ver como a punham para descansar venceria à lógica.
Xhex se concentrou no culto. O macho humano vestia um casaco negro, expondo o pescoço branco na parte da garganta. Em suas palmas, sobre o bonito ataúde de Chrissy, segurava uma Bíblia que lia em voz baixa e respeitosa. Os extremos da fita de cetim que estava entre as páginas douradas, para assinalar as seções mais utilizadas, sobressaíam da parte inferior do livro, e  ondeavam suas cores em vermelho, amarelo e branco no ar frio. Xhex se perguntou como seria sua lista de “favoritos”. Bodas. Batismos (se tinha entendido bem essa palavra). Funerais.
Rezaria pelos pecadores? Perguntou-se. Caso recordava-se corretamente dessa coisa do Cristianismo, acreditava que era seu dever fazê-lo… Assim, embora não soubesse que Chrissy foi uma prostituta, se soubesse de todos os modos teria que adotar esse tom e expressão de respeito.
Isto consolou Xhex, embora não saberia dizer por que.
Do norte soprou uma brisa gelada, e ela reatou a vigilância do terreno. Chrissy não ia permanecer aqui quando terminassem. Como tantos rituais, isto era somente uma exibição. Ao estar sob a terra gelada, ia ter que esperar até a primavera, alojada em um fichário de carne do necrotério. Mas, ao menos tinha a lápide de granito rosado, é obvio colocada onde seria enterrada. Xhex optou por fazer uma inscrição singela, só o nome de Chrissy e as datas, mas, ao longo das bordas havia um lindo trabalho de ornamentação como se fosse um pergaminho.
Esta era a primeira cerimônia mortuária humana a que Xhex comparecia, e lhe pareceu muito estranha, todas essas sepulturas, primeiro na caixa, logo sob a terra. A noção de estar sob a terra era suficiente para fazê-la puxar o pescoço de sua jaqueta de couro. Não. Isto não era para ela. Nesse aspecto, era inteiramente symphath.
As piras funerárias eram a única forma de partir.
Ante a tumba, o oficiante se inclinou com uma pá de prata e escavou o chão, em seguida, tomou um punhado da terra solta e pronunciou sobre o ataúde:
— Cinzas as cinzas, pó ao pó.
O homem deixou voar os grãos de terra, e quando o forte vento se apoderou deles Xhex suspirou, a esta parte sim encontrava sentido. Na tradição symphath, o morto era elevado sobre uma série de plataformas de madeira, em que ateavam fogo de baixo, a fumaça flutuava para cima e se dispersava da mesma forma em que fez o pó, a mercê dos elementos. E o que ficava? A cinza que era deixada onde repousava.
É obvio que os symphaths eram queimados porque ninguém confiava que realmente estivessem mortos quando “morriam”. Às vezes sim. Outras vezes só fingiam. E valia a pena assegurar-se.
Mas, a elegante mentira era a mesma em ambas as tradições, não? Sendo reduzido a cinzas liberava do corpo, e, entretanto, continuava sendo parte de tudo.
O sacerdote fechou a Bíblia e inclinou a cabeça, e, enquanto todo mundo seguia seu exemplo, Xhex voltou a passear a vista pelos arredores, rezando para que esse fodido Grady estivesse em algum lugar.
Mas pelo que podia ver e sentir, ainda não tinha aparecido.
Merda! Olhe todas essas lápides... Implantadas nas sinuosas colinas que agora apresentavam uma cor marrom invernal. Embora as lápides fossem todas distintas (longas e finas, ou baixas e perto do chão, brancas, cinzas, negras, rosadas, douradas) havia um esquema central comum a todas elas, as fileiras de mortos estavam dispostas como casas em uma cidade, com caminhos asfaltados e extensões de árvores serpenteando entre elas.
Uma lápide atraiu sua atenção. Era uma estátua de uma mulher vestida com uma túnica que olhava fixamente aos céus, seu rosto e sua postura era tão plácido e sereno como o céu nublado em que estava enfocada. O granito em que estava esculpida era de um cinza pálido, a mesma cor que sobressaía por cima dela, e por um momento foi difícil distinguir onde terminava a escultura e onde começava o horizonte.
Sacudindo-se, Xhex olhou a Trez e, quando seus olhos se encontraram, ele fez um gesto negativo quase imperceptível com a cabeça. O mesmo ocorreu com iAm. Nenhum deles tinha captado a presença de Bobby, tampouco.
Enquanto isso o detetive Da Cruz a contemplava, e ela sabia, não porque lhe devolvesse o favor, mas sim porque cada vez que seus olhos se pousavam nela podia sentir suas emoções mudar. Ele compreendia o que ela sentia. Realmente o fazia. E havia uma parte dele que a respeitava por sua ânsia de vingança. Mas estava decidido.
Quando o sacerdote deu um passo atrás e a conversa fluiu, Xhex se deu conta que o serviço tinha terminado, e observou como Marie Terese era a primeira em romper as filas, dirigindo-se para o sacerdote para apertar sua mão. Estava espetacular com o traje do funeral, a renda negra que cobria sua cabeça realmente parecia a de uma noiva, as miçangas e a cruz que tinha nas mãos a faziam parecer piedosa quase até o ponto do monástico.
Obviamente, o sacerdote aprovava seu traje, seu rosto sério e formoso e o que fosse que estava dizendo, porque se inclinou e segurou sua mão. Quando entraram em contato, a mentira emocional dele trocou para o amor, a um puro, concentrado e casto amor.
Xhex se deu conta que era devido a isso que a estátua tinha chamado sua atenção. Marie Terese era exatamente igual à mulher da túnica. Que estranho.
— Bonito serviço, huh.
Deu a volta e olhou ao detetive Da Cruz.
— Pareceu-me adequado. Na realidade não saberia dizer.
— Então, não é católica.
— Não. — Xhex saudou Trez e iAm enquanto a multidão se dispersava. Os meninos levariam todo mundo para comer fora antes de ir ao trabalho, como uma forma mais de honrar a Chrissy.
— Grady não veio. — disse o detetive.
— Não.
Da Cruz sorriu.
— Sabe, fala da mesma forma como decora.
— Gosto de manter as coisas simples.
— Simplesmente os fatos, senhora? Pensei que essa era minha linha. — jogou uma olhada às costas das pessoas que se afastavam em direção aos três carros estacionados juntos no caminho. Um por um, o Bentley de Rehv, um esportivo Honda e o Camry de cinco anos de Marie Terese arrancaram.
— Assim, onde está seu chefe? — murmurou Da Cruz — Esperava vê-lo aqui.
— É uma ave noturna.
— Ah.
— Olhe detetive, irei.
— Sério? — fez um amplo gesto abrangendo os arredores com o braço — No que? Ou é das que gostam de caminhar com este tempo?
— Estacionei em outro lugar.
— Sim? Não está pensando em ficar pelos arredores? Já sabe, para ver se há alguma chegada tardia.
— Agora, por que faria isso?
— Certamente, por quê?
Houve uma longa, longa, longa pausa, durante a qual Xhex permaneceu olhando fixamente a estátua que lhe recordava a Marie Terese.
— Quer me levar até meu carro, detetive?
— Sim, é obvio que sim.
O sedam sem marca era tão prático como o vestuário do detetive, mas, como o grosso casaco do homem, era quente, e assim como o que havia dentro das roupas do detetive, era poderoso, o motor grunhiu como algo que se encontraria sob a capota de um Corvette.
Da Cruz jogou uma olhada para trás e acelerou.
— Aonde vou?
— Ao clube, se não se importar.
— Foi onde deixou o carro?
— Trouxeram-me até aqui.
— Ah.
Enquanto Da Cruz conduzia ao longo do sinuoso caminho, ela olhou fixamente para fora, às lápides e por um breve momento pensou na quantidade de corpos que tinha abandonado.
Incluído ao de John Matthew.
Fazia o possível para não pensar no que tinham feito e na forma em que deixara esse corpo grande e duro dele totalmente esparramado sobre sua cama. A expressão de seus olhos ao vê-la atravessar a porta estava repleta de uma angústia que não podia permitir-se interiorizar. Não se tratava de que não lhe importasse uma merda, o problema era que lhe importava muito.
Esse era o motivo pelo qual teve que ir, e pelo qual não podia correr o risco de voltar a ficar a sós com ele outra vez. Já tinha passado por isso antes, e os resultados foram pior que trágicos.
— Está bem? — perguntou Da Cruz.
— Sim, estou bem, detetive. E você?
— Bem. Simplesmente bem. Obrigado por perguntar.
Frente a eles surgiram às portas do cemitério, as intricadas grades de ferro estavam totalmente abertas, uma a cada lado do caminho.
— Voltarei aqui. — disse Da Cruz enquanto freava e em seguida avançava pela rua além das portas — Porque penso que Grady aparecerá em algum momento. Tem que fazê-lo.
— Pois bem, a mim não verá.
— Não?
— Não. Pode contar com isso. — é que era muito boa escondendo-se.

Quando o telefone de Ehlena fez um bip em seu ouvido, teve que afastá-lo de sua cabeça.
— Que demôn… Oh. A bateria está acabando. Espera.
A profunda risada de Rehvenge provocou uma pausa em sua busca pelo cabo, só para poder ouvir até o último retumbar desse som.
— Ok! Já estou conectada. — voltou-se a acomodar contra os travesseiros — Agora, onde estávamos… Oh, sim. Sou eu quem tenho curiosidade, exatamente que tipo de homem de negócios é?
— Um com êxito.
— O que explica o guarda-roupa.
Ele riu de novo.
— Não, meu bom gosto explica o guarda-roupa.
— Bom então a parte do êxito é a que o paga.
— Bem, minha família é afortunada. Deixemos assim.
Deliberadamente se concentrou em seu edredom para não lembrar-se da puída habitação de teto baixo em que estava. Melhor ainda… Ehlena estendeu a mão e apagou a luz sobre as caixas de leite que tinha empilhado ao lado de sua cama.
— O que foi isso? — perguntou ele.
— A luz. Ah, acabo de apagá-la.
— Oh, muito mal, te mantive acordada muito tempo.
— Não, só... Queria estar às escuras, é tudo.
A voz de Rehv foi tão baixa que mal pôde ouvi-la.
— Por quê?
Sim, como se fosse lhe dizer que era porque não queria pensar onde vivia.
— Eu… Queria me pôr ainda mais cômoda.
— Ehlena. — o desejo tingiu seu tom, trocando o tenor da conversa de um flerte a… Um pouco muito sexual. E num instante, estava de volta em sua cama nesse apartamento de cobertura, nua, com a boca dele sobre sua pele.
— Ehlena...
— O que? — respondeu com voz rouca.
— Ainda está com o uniforme? O que te tirei?
— Sim. — a palavra foi mais suspiro que outra coisa, e foi muito mais que uma resposta à pergunta que fez. Sabia o que desejava, e ela também desejava.
— Os botões da frente... — murmurou — Abre um para mim?
— Sim.
Quando soltou o primeiro deles, ele disse:
— E outro.
— Sim.
Prosseguiram até que o uniforme esteve totalmente aberto na frente, e ela a sério se alegrou que as luzes estivessem apagadas… Não porque se sentisse envergonhada, mas porque assim lhe parecia que ele estava ali ao seu lado.
Rehvenge gemeu, e o ouviu lamber os lábios.
— Se estivesse aí, sabe o que estaria fazendo? Estaria percorrendo seus peitos com as pontas dos dedos. Encontraria um mamilo e faria círculos ao seu redor para que estivesse preparado.
Ela fez o que ele descrevia e ofegou quando tocou a si mesma. Logo se deu conta…
— Preparado para que?
Riu comprido e baixo.
— Quer me ouvir dizer isso, não?
— Sim.
— Preparado para minha boca, Ehlena. Recorda como se sente? Porque recordo exatamente como é seu sabor. Deixe o sutiã posto e se belisque para mim… Como se estivesse te chupando através de uma dessas suas preciosas taças de renda branca.
Ehlena apertou o polegar e o indicador, apanhando o mamilo entre os dois. O efeito foi menor que a sucção cálida e úmida dele, mas foi bom o bastante, especialmente com ele lhe dizendo que o fizesse. Repetiu o beliscão e se arqueou na cama, gemendo seu nome.
— Oh, Jesus... Ehlena.
— Agora... O que...? — enquanto soltava o ar pela boca, sentia pulsações entre as coxas, estava úmida, desesperada por fosse o que quer que fossem fazer.
— Queria estar aí contigo. — gemeu ele.
— Está comigo. Está.
— Outra vez. Aperta por mim. — enquanto se estremecia e gritava seu nome, foi rápido com a seguinte ordem — Suba a saia para mim. De forma que fique ao redor de sua cintura. Deixa o telefone e faça rápido. Estou impaciente.
Deixou cair o telefone sobre a cama e arrastou a saia sobre suas coxas até passar os quadris. Teve que apalpar ao redor de si para encontrar o telefone e rapidamente o pôs no ouvido.
— Alô?
— Deus, isso soou bem... Podia ouvir a roupa subindo por seu corpo. Quero que comece pelas coxas. Vá primeiro ali. Deixe postas as meias e se acaricie para cima.
As meias atuavam como um condutor de seu contato, amplificando a sensação assim como fazia a voz dele.
— Recorde-me fazendo isso. — lhe disse com uma voz velada — Recorde.
— Sim, Oh, sim...
Estava ofegando tão forte pela antecipação, que quase perdeu seu grunhido:
— Desejaria poder te cheirar.
— Mais acima? — perguntou.
— Não. — quando seu nome abandonou seus lábios em protesto, riu da forma em que fazia um amante, suave e quieto, uma risada que era tanto de satisfação como de promessa — Sobe pela parte exterior da coxa para o quadril e em seguida para as costas e volta a baixar.
Fez o que lhe pediu e enquanto se acariciava ele lhe falava:
— Adoraria estar contigo. Não posso esperar para ir ali outra vez. Sabe o que estou fazendo?
— O que?
— Lambendo meus lábios. Porque estou pensando em mim abrindo caminho a beijos por suas coxas para em seguida passar minha língua, para cima e para baixo pelo lugar onde morro por estar. — ela gemeu seu nome outra vez e foi recompensada — Vai ali abaixo, Ehlena. Por cima das meias. Vai onde eu gostaria de estar.
Quando o fez, sentiu através do fino náilon toda a paixão que tinham gerado, e seu sexo respondeu umedecendo-se ainda mais.
— Tire-as. — disse — As meias. Tire isso e mantenha contigo.
Ehlena deixou o telefone outra vez e, em sua pressa por tirar as meias, nem se preocupou que pudesse escorregar. Procurou tateando ao telefone, e apenas o teve ao alcance já estava perguntando o que seria o próximo.
— Desliza a mão sob as calcinhas. E me diga o que encontra.
Houve uma pausa.
— Oh, Deus... Estou úmida.
Esta vez quando Rehvenge gemeu, perguntou-se se teria uma ereção, tinha visto que era capaz de ter uma, mas em definitivo, a impotência não significava que não pudesse se pôr duro. Só significava que por alguma razão não podia gozar.
Jesus! Desejava poder lhe dar algumas ordens, umas que concordassem com qualquer nível sexual no qual podia funcionar. Só que não sabia até onde chegar.
— Se acaricie e pense que sou eu. — grunhiu — Que é minha mão.
Fez o que ele pediu e teve um forte orgasmo, esparramando-se por toda a cama, pronunciando seu nome em uma explosão tão silenciosa como possível.
— Tire as calcinhas.
Entendido! Pensou enquanto as puxava para baixar pelas coxas e atirar Deus sabia onde.
Voltou a deitar de costas, ansiando voltar a fazê-lo, quando ele disse:
— Pode segurar o telefone entre a orelha e o ombro?
— Sim. — ao caralho, se queria que se transformasse em um pretzel  de vampiro ela estaria de acordo com o plano.
— Pegue as meias com as duas mãos, as estenda bem tensas, em seguida as passe entre suas pernas da frente para trás.
Riu com um indício erótico, em seguida disse docemente:
— Quer que me esfregue contra elas, não?
A respiração dele foi como um disparo em seu ouvido.
— Porra, sim.
— Macho sujo.
— Um banho de sua língua poderia me limpar. O que te parece?
— Sim.
— Adoro essa palavra em seus lábios. — enquanto ria, disse — Então o que está esperando, Ehlena? Precisa dar um bom uso a essas meias.
Embalou o telefone celular no pescoço, encontrou uma boa posição para fazê-lo, e em seguida, sentindo-se como uma rameira e desfrutando, pegou as meias brancas, rodou até ficar de lado, e deslizou a parte de náilon entre as pernas.
— Devagar e com firmeza. — disse ele, ofegante.
Ela boqueou ante o contato, a dura e tensa corda se afundou em seu sexo, tocando todos os lugares corretos.
— Mova-se contra ela. — disse Rehvenge com satisfação — Deixe-me escutar o bem que se sente.
Ela fez exatamente isso, as meias se empaparam e se esquentaram igualando-se a seu núcleo. Continuou fazendo-o, cavalgando sobre as sensações e o fluir de suas palavras até que gozou uma e outra vez. Na escuridão, com os olhos fechados e a voz dele em seu ouvido, era quase tão bom como estar com ele.
Quando ficou frouxa, jogada de qualquer forma sobre a cama, com a respiração entrecortada e sentindo-se fenomenal, se aconchegou ao redor do telefone.
— É tão formosa. — disse baixinho.
— Só porque você me faz assim.
— Oh, está muito enganada sobre isso. — baixou a voz — Esta noite virá para ver-me mais cedo? Não posso esperar até as quatro.
— Sim.
— Bom.
— Quando?
— Estarei aqui com minha mãe e minha família até ao redor das dez. Vem depois dessa hora?
— Sim.
— Tenho essa reunião, mas teremos ao redor de uma hora de intimidade.
— Perfeito.
Houve uma longa pausa, uma que ela teve a perturbadora sensação que bem podia ter sido preenchida com um te quero de ambas as partes se tivessem tido coragem.
— Que durma bem. — suspirou ele.
— Você também, se puder. E, escute se não puder dormir, me ligue. Estou aqui.
— Farei. Prometo.
Houve outro tenso silêncio, como se cada um estivesse esperando que o outro desligasse primeiro.
Ehlena riu, apesar de que a idéia de lhe deixar doesse seu coração.
— Ok, ao três. Um. Dois…
— Espera.
— O que?
Não respondeu durante muito tempo.
— Não quero deixar o telefone.
Ela fechou os olhos.
— Sinto-me igual.
Rehvenge soltou um suspiro, lento e baixo.
— Obrigado. Por permanecer comigo.
A palavra que lhe veio à mente não tinha nenhum sentido, e não estava segura de por que a disse, mas o fez:
— Sempre.
— Se quiser, pode fechar os olhos e imaginar que estou a seu lado. Abraçando-te.
— Farei exatamente isso.
— Bem. Que durma bem. — foi ele quem cortou a comunicação.
Quando Ehlena afastou o telefone da orelha e apertou o botão de fim, o teclado se iluminou, emitindo uma luz azul brilhante. O aparelho estava quente pelo lugar onde o tinha segurado durante tanto tempo, e acariciou a tela plana com o polegar.
Sempre. Ela queria estar ali para ele sempre.
O teclado se obscureceu, a luz se extinguiu de um modo tão terminante que a aterrorizou. Mas ainda podia ligar para ele, não? Poderia parecer patética e necessitada, mas ele continuava no planeta embora não estivesse ao telefone.
A possibilidade de ligar para ele estava ali.
Deus, hoje sua mãe morreu. E de todas as pessoas em sua vida com a que podia ter passado as horas, tinha escolhido a ela.
Subindo os lençóis e a colcha por cima de suas pernas, Ehlena encolheu-se em posição fetal ao redor do telefone, embalou-o, e dormiu.


Capítulo 39


Matando tempo no puto rancho que decidiu usar como narco-casa, Lash sentava-se muito direito em uma cadeira na qual, em sua antiga vida, sequer teria permitido que seu rottweiller cagasse. A coisa era um Barcalounger[73], um pedaço de merda barato e com muito enchimento que infelizmente era tão cômodo como a merda.
Não era exatamente o trono ao que aspirava, mas sim um maldito bom lugar para estacionar seu traseiro.
A sala que se estendia atrás de seu notebook aberto, era de quatro por quatro e com uma decoração de acordo com os baixos ganhos que-não-podiam-permitir-se-situar, os braços dos sofás puídos, havia uma imagem de um descolorido Jesus Cristo que pendia inclinada e o tapete desbotado tinha manchas pequenas e arredondadas… Que pareciam sugerir xixi de gato.
O senhor D dormia com as costas apoiadas contra a porta principal, a pistola na mão e o chapéu de vaqueiro jogado sobre seus olhos. Outros dois lessers estavam sentados sob uma arcada que havia na sala, estavam apoiados um em cada pilastra e tinham as pernas estendidas.
Grady estava no sofá, com uma caixa aberta do Domino’s Pizza ao seu lado e unicamente o que se via sobre a cartolina branca eram manchas gordurentas e tiras de queijo que formavam um padrão parecido aos raios de uma roda. Comeu uma Migthy Meaty[74] extragrande sozinho e nesse momento lia um exemplar atrasado do Caldwell Courier Journal.
O fato de que o homem estivesse tão estranhamente relaxado fazia com que Lash tivesse vontade de fazer uma autópsia enquanto o FDP ainda respirava. Que demônios? O filho de Omega merecia um pouco mais de ansiedade de suas vítimas seqüestradas, o fodia muitíssimo.
Lash olhou seu relógio e decidiu dar a seus homens só meia hora mais de recarga. Hoje, tinham programadas outras duas reuniões com distribuidores de narcóticos, e essa noite seria a primeira vez que seus homens sairiam às ruas com o produto.
O que significava que teria que deixar esfriar até amanhã o assunto com o rei symphath… Lash ia fechar o trato, mas os interesses financeiros da Sociedade tinham preponderância.
Lash olhou por cima de um de seus lessers adormecido para a cozinha, onde uma longa mesa dobradiça estava estendida. Espalhadas ao longo de sua superfície laminada havia pequenas bolsinhas de plástico, do tipo que se dava quando comprava um par de brincos baratos no centro comercial. Umas tinham pó branco dentro, outras pequenas pedras marrons, outras continham pílulas. Os agentes diluentes que utilizaram como levedura em pó e talco, formava suaves pilhas, e os envoltórios de celofane em que vieram os quilogramas estavam atirados no chão.
Vá, merda. Grady pensava que valia aproximadamente duzentos e cinqüenta mil dólares e que, com quatro homens na rua, trocaria de mãos em aproximadamente dois dias.
A Lash agradava esses cálculos, e passou as últimas horas examinando seu plano de negócios. O acesso a mais mercadoria representaria um problema de abastecimento, não podia continuar com a rotina de aponta-e-dispara para sempre, porque ficaria sem pessoas a quem apontar. A questão era onde penetrar na cadeia do negócio: tinham os importadores estrangeiros como os sul-americanos, os japoneses ou os europeus; também havia atacadistas, como Rehvenge; e, em seguida havia uma maior quantidade de distribuidores em pequenas quantidades, que eram os tipos que Lash esteve eliminando. Considerando a dificuldade que seria chegar aos atacadistas e quanto tempo tomaria desenvolver uma relação com os importadores, o mais lógico seria se converter em produtor.
A geografia limitava suas opções, porque Caldwell tinha uma temporada de cultivos que duravam uns dez minutos, mas as drogas como o X e a meta-anfetamina não requeriam bom clima. E, como era de conhecimento público, na Internet podia-se conseguir instruções de como construir e fazer funcionar laboratórios de meta-anfetamina e fábricas de X. É obvio que o problema se apresentaria na hora de obter os ingredientes, porque nos estabelecimentos havia leis e mecanismos de seguimento para fiscalizar a venda de vários dos componentes químicos. Mas ele tinha o controle mental do seu lado. Ao ser os humanos tão facilmente manipuláveis, teria forma de tratar com esse tipo de problemas.
Enquanto contemplava a brilhante tela, decidiu que o seguinte grande trabalho do senhor D consistiria em estabelecer um par destas instalações de produção. A Sociedade Lessening possuía muitos bens imóveis; demônios, uma das chácaras seria perfeita. Prover o pessoal ia ser um problema, mas de todo modo já era hora de efetuar um recrutamento.
Enquanto o senhor D estivesse trabalhando para instaurar as fábricas, Lash abriria o caminho no mercado. Rehvenge tinha que desaparecer. Inclusive se a Sociedade distribuía unicamente X e meta-anfetamina, quanto menos distribuidores desses produtos houvesse, melhor, e isso significava tirar o atacadista que havia no topo… Embora como chegar a ele era um fodido quebra-cabeças. No ZeroSum estavam esses dois brutamontes e essa puta fêmea transexual, além disso suficiente câmaras de segurança e sistemas de alarme para equiparar-se ao Museu Metropolitano de Arte. Por outro lado, Rehv devia ser um filho da puta inteligente ou não teria durado tanto como o fazia. O clube estava aberto durante quanto? Cinco anos?
Um forte barulho de papel fez com que Lash voltasse a enfocar os olhos por cima de seu Dell[75]. Grady levantou abandonando a pouco elegante postura escancarada de quando esteve no sofá e empunhava o CCJ[76] dentro dos punhos fechados com tanta força que pareciam nós marinheiros e essa espécie de anel sem pedra que levava lhe incrustava na pele do dedo.
— O que acontece? — disse Lash arrastando as palavras — Leu que a pizza provoca que te suba o colesterol ou alguma merda assim?
Não era como se o mal-nascido fosse viver tempo suficiente para preocupar-se com suas artérias coronárias.
— Não é nada… Nada, não é nada.
Grady atirou o jornal a um lado e se jogou sobre as almofadas do sofá. Quando seu pouco interessante rosto empalideceu, levou uma mão ao coração, como se a coisa estivesse fazendo aeróbica dentro de seu tórax, e com a outra retirou o cabelo, que não necessitava nenhuma ajuda para afastar-se de sua frente.
— Que bobagem acontece com você?
Grady sacudiu a cabeça, fechou os olhos e moveu os lábios como se estivesse falando consigo mesmo.
Lash voltou a baixar o olhar para a tela de seu computador.
Ao menos o idiota estava aborrecido. Isso era bastante satisfatório.

Capitulo 40


À tarde seguinte, Rehv desceu com cuidado a escada curva do refúgio da família, guiando Havers de volta à porta principal que o médico da raça atravessou apenas quarenta minutos antes. Bella e a enfermeira que o assistiu também o seguiam. Ninguém falava, só se ouvia o som inusitadamente alto das pegadas sobre o amaciado tapete.
Enquanto caminhava, tudo o que podia cheirar era morte. O aroma das ervas rituais se mantinha no fundo de suas fossas nasais, como se a merda encontrasse refúgio do frio em seus seios, e se perguntava quanto tempo passaria antes que deixasse de captar seu odorzinho cada vez que inalasse.
Fazia com que um macho quisesse pegar um aplicador de jorro de areia, dirigi-lo ali acima e fazer uma boa limpeza abrasiva.
Para falar a verdade, sentia uma terrível necessidade de ar fresco, mas não se atrevia a mover-se mais rápido. Entre sua bengala e o corrimão esculpido, se dirigia bem, mas depois de ver sua mãe envolta em linho, não tinha somente o corpo intumescido, sua mente também estava. O último que precisava era terminar aterrissando sobre o traseiro no vestíbulo de mármore.
Rehv desceu o último degrau, trocou a bengala à mão direita, e virtualmente se equilibrou para abrir a porta. O vento frio que entrava era uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Sua temperatura interna desceu em ladeira, mas foi capaz de tomar um profundo e gelado fôlego que substituiu algo do que o atormentava com a aguda promessa de que cairia uma nevasca.
Clareando a garganta, estendeu a mão para o médico da raça.
— Tratou a minha mãe com incrível respeito. Agradeço, obrigado.
Atrás de seus óculos de tartaruga marinha, os olhos de Havers não demonstravam somente compaixão profissional, mas sim uma compaixão honesta, e estendeu a palma como um companheiro enfermo.
— Ela era muito especial. A raça perdeu uma de suas luzes espirituais.
Bella deu um passo adiante para abraçar o médico, e Rehv fez uma reverência ante a enfermeira que o assistiu sabendo que ela sem dúvida preferiria não ter que tocá-lo.
Enquanto o par saía pela porta principal para desmaterializar de volta à clínica, Rehv tomou um momento para contemplar a noite. Definitivamente ia nevar de novo, e esta vez não seria somente essa espécie de pozinho da noite anterior.
Perguntou-se se sua mãe teria visto as nevascas na tarde anterior. Ou, se teria perdido o que provou ser sua última oportunidade de ver os delicados cristais milagrosos que caíam à deriva do céu?
Deus, ninguém tinha uma infinita quantidade de noites. Nenhuma inumerável multidão de rajadas de neve para ver.
Sua mãe adorava as nevascas. Cada vez que se apresentavam, ia à sala, acendia as luzes do exterior, apagava as de dentro, e se sentava ali olhando para fora, de noite. Enquanto seguisse caindo, ficava ali. Podia passar horas.
O que ela veria, perguntou-se. Na neve que caía, o que teria visto? Nunca perguntou.
Cristo, por que as coisas tinham que acabar.
Rehv fechou a porta, deixando o espetáculo invernal fora e se reclinou contra seus sólidos painéis de madeira. Ante ele, debaixo do lustre que havia no alto, estava sua irmã, chorosa e apática, embalando sua filha nos braços.
Desde o falecimento, não soltara Nalla, mas à pequena não importava. A filha estava adormecida nos braços de sua mãe, sua fronte estava franzida pela concentração, como se estivesse crescendo tão rápido, que sequer quando estava em repouso se permitia um descanso.
— Costumava te apertar dessa maneira. — disse Rehv — E você estava acostumada a dormir assim. Tão profundamente.
— Fazia-o? — Bella sorriu e esfregou as costas de Nalla
O body daquela noite era branco e negro com um logotipo da excursão do AC/DC AO VIVO e Rehv não pôde evitar sorrir. Não o surpreendia absolutamente que sua irmã tivesse descartado toda a merda brega de patinhos-e-coelhinhos favorecendo um vestuário de recém-nascida que era definitivamente impressionante. E bendita fosse. Se alguma vez chegasse a ter um filho...
Rehv franziu o cenho e pôs freio a esses pensamentos.
— O que aconteceu? — perguntou sua irmã
— Nada. — além de que pela primeira vez em sua vida tinha pensado em ter descendência.
Possivelmente fosse pela morte de sua mãe.
Possivelmente fosse pela Ehlena, apontou outra parte dele.
— Quer comer algo? — disse — Antes que Z e você empreendam a volta?
Bella levantou a vista para as escadas, de onde baixava flutuando o som de uma ducha.
— Gostaria.
Rehv pôs uma mão sobre seu ombro e caminharam juntos por um vestíbulo adornado com paisagens emolduradas, e através de um refeitório com paredes da cor do Merlot. A cozinha contrastava com o resto da casa, pois era muito singela centrando-se na funcionalidade, mas havia uma mesa muito agradável a qual sentar-se, e ali em uma das cadeiras com respaldo alto e braço acomodou sua irmã e à pequena.
— O que gostaria? —perguntou, indo para a geladeira.
— Têm cereais?
Ele se dirigiu ao armário onde se armazenavam as bolachas e as conservas, esperando que... Sim, Frosted Flakes[77]. Havia uma grande caixa de Frosted Flakes lado a lado com um pacote de biscoitinhos salgados Kleeber Clube e uns crótons do Pepperidge Farm.
Ao tirar os cereais, girou a caixa para que visse a frente e olhou o Tony, o Tigre.
Repassando as linhas do desenho com a ponta do dedo, disse brandamente:
— Você ainda gosta dos Frosted Flakes?
— Oh, absolutamente. São meus favoritos.
— Bem. Isso me faz feliz.
Bella riu um pouco.
— Por quê?
— Não se… Lembra? — deteve a si mesmo — Entretanto, por que o faria?
— Recordar o que?
— Foi faz muito tempo. Observei você quando os comia e… Simplesmente era agradável, isso é tudo. A forma em que os desfrutava. Eu gostava da forma em que os desfrutava.
Pegou uma terrina, uma colher e o leite desnatado, foi com o lote até onde estava sua irmã e fazendo um pequeno lugar dispôs tudo frente a ela.
Enquanto ela trocava de lugar à pequena para ter a mão direita livre para usar a colher, ele abriu a caixa e o fino saco de plástico e começou a servi-los.
— Diga-me quando estiver bom. — disse.
O som dos cereais golpeando a terrina, esse pequeno som de chapinhar, falava de uma vida cotidiana normal e era muito forte. Como aqueles passos descendo a escada. Era como se ao silenciar o batimento do coração de sua mãe tivesse subido o volume do resto do mundo até que sentiu que necessitava abafadores para os ouvidos.
— Pare. — disse Bella.
Ele trocou a caixa de cereais pela caixa de leite Hood e derrubou um rio branco sobre os cereais.
— Uma vez mais, com sentimento.
— Pare.
Rehv se sentou enquanto fechava a tampa e soube que não devia lhe perguntar se queria que ele carregasse Nalla. Embora incômodo para comer, ela não soltaria essa menina durante um bom momento e estava bem. Mais que bem. Ver como se consolava com a próxima geração contribuiu um pouco para dar consolo a ele
— Mmm. — murmurou Bella com o primeiro bocado.
No silêncio que surgiu entre eles, Rehv se permitiu relembrar outra cozinha, em outro tempo, muito anterior, quando sua irmã era muito mais jovem e ele muitíssimo menos corrupto. Recordou uma terrina de Tony em particular que era melhor ela não recordar, aquela que após ter terminado, ainda seguia tendo vontade de comer mais, e teve de lutar contra tudo o que aquele bastardo de seu pai lhe tinha ensinado a respeito das fêmeas que deviam ser magras e que nunca repetiam. Quando cruzou a cozinha da antiga casa e logo retornou a sua cadeira levando a caixa de cereais, Rehv aclamou silenciosamente e quando começou a servir-se outra porção… Começou a chorar lágrimas de sangue pelo que teve que desculpar-se dizendo que ia ao quarto de banho.
Tinha assassinado ao pai dela por duas razões: sua mãe e Bella.
Uma de suas recompensas foi à tentativa de liberdade de Bella ao comer mais quando sentia fome. A outra foi saber que não haveria mais contusões no rosto de sua mãe.
Perguntava-se o que teria Bella pensado se soubesse o que ele tinha feito. O odiaria? Possivelmente. Não estava seguro de quanto recordava a respeito de todos os maus tratos, especialmente os que foram feito a sua mahmen.
— Está bem? — perguntou ela repentinamente.
Ele passou a mão por seu topete.
— Sim.
— Pode ser difícil de interpretar. — dedicou-lhe um pequeno sorriso, como se quisesse estar segura de que não havia ironia em suas palavras — Nunca sei se está bem.
— Estou.
Ela passeou a vista pela cozinha.
— Que fará com esta casa?
— Vou conservá-la, ao menos durante outros seis meses. Comprei de um humano, faz um ano e meio e preciso agüentá-la um pouco mais ou vão me ferrar nos lucros de capital.
— Sempre foi bom com o dinheiro. — inclinou-se para levar outra colherada à boca — Posso te perguntar algo?
— Claro.
— Tem alguém?
— Alguém como?
— Já sabe… Uma fêmea. Ou um macho.
— Acredita que sou gay? — enquanto ria, ela ficou de um vermelho escarlate, e ele desejou abraçá-la com todas as suas forças.
— Bom Rehvenge, se for não há problema. — disse, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça que o fez sentir como se lhe tivesse estendido a mão para consolá-lo — Quero dizer, você nunca apresentou nenhuma fêmea, jamais. E, não quero pressupor... Que você... Ah... Bem, em certo momento do dia fui ao seu quarto para ver como estava e te escutei falando com alguém. Não é que estivesse escutando às escondidas... Não estava... Oh, merda.
— Está bem. — sorriu abertamente e então se deu conta que não havia uma resposta simples para sua pergunta. Ao menos, no que referia a se tinha a alguém.
Ehlena era... O que era?
Franziu o cenho. A resposta que vinha a sua mente afundava profundamente nele. Muito profundamente. E dada à superestrutura de mentiras sobre a qual estava construída sua vida, não estava seguro que esse tipo de prospecção fosse uma idéia acertada: porra, sua montanha de carvão já estava suficientemente instável para permitir que houvesse ocos que impregnassem tão fundo sob a superfície.
Bella baixou a colher lentamente.
— Meu Deus... Tem alguém, verdade?
Ele se obrigou a responder de forma que a quantidade de complicações diminuíram. Embora isso fosse como tirar só uma parte de lixo da pilha.
— Não, não tenho. — jogou uma olhada a sua terrina — Quer mais?
Ela sorriu.
— Sim. — enquanto a servia, disse — Sabe, a segunda terrina sempre é a melhor.
— Não poderia estar mais de acordo.
Bella empurrou os cereais para baixo com o dorso de sua colher.
— Amo você, irmão meu.
— E eu a você, irmã minha. Sempre.
— Acredito que mahmen está no Fade nos cuidando. Não sei se acredita nesse tipo de coisas, mas ela o fazia, e depois do nascimento de Nalla também cheguei a acreditar.
Era consciente de que quase perderam Bella na mesa de parto, e se perguntava o que ela teria visto nesses momentos, quando sua alma não estava nem aqui nem ali. Nunca tinha pensado muito sobre onde se terminava, mas estava disposto a apostar que ela tinha razão. Se alguém podia velar por seus descendentes do Fade, essa seria sua encantadora e piedosa mãe.
Isso lhe proporcionava consolo e um propósito.
Ali acima, sua mãe nunca teria que preocupar-se com o que a tinha preocupado. Não pelo que a ele concernia.
— Oh, olhe, está nevando. — disse Bella
Olhou através da janela. Iluminados pela luz das luzes de gás que havia ao longo da entrada para carros, os pequenos pontos brancos caíam à deriva.
— Ela teria amado isto. — murmurou ele.
— Mahmen?
— Lembra como costumava sentar-se em uma cadeira para contemplar os flocos caírem?
— Não os observava cair.
Rehv franziu o cenho e a olhou do outro lado da mesa.
— Com certeza que sim. Durante horas, ela…
Bella negou com a cabeça
— Gostava do aspecto que tinham depois de cair.
— Como sabe?
— Perguntei uma vez. Já sabe, por que se sentava e ficava olhando para fora durante tanto tempo. — Bella reacomodou Nalla em seus braços e com uma mão alisou as mechinhas de cabelo de sua menina — Disse que era porque quando a neve cobria a terra, os ramos e os telhados, lembrava-se de quando estava no Outro Lado com as Escolhidas, onde tudo estava bem. Disse... Que depois que a neve caía, ela se via restituída a sua vida antes da queda. Nunca entendi o que queria dizer com isso, e ela nunca me explicou isso.
Rehv voltou a olhar através da janela. À velocidade que estavam caindo os flocos, passaria um tempo antes que a paisagem ficasse branca.
Não era de estranhar que sua mãe permanecesse horas olhando para fora.

Wrath despertou na escuridão, mas de uma forma deliciosa, familiar e feliz. Sua cabeça estava sobre seu próprio travesseiro, suas costas contra seu próprio colchão, as mantas até seu queixo, e o aroma de sua shellan profundamente em seu nariz.
Dormiu felizmente durante um comprido tempo, podia afirmar pelo muito que precisava esticar-se. E sua dor de cabeça se foi. Ido... Deus, esteve vivendo com a dor durante tanto tempo, que era somente em sua ausência quando se dava conta de quão ruim se tornou.
Esticando todo o corpo, esticou os músculos das pernas e braços até fazer ranger os ombros e endireitar sua coluna, seu corpo se sentiu glorioso.
Dando a volta, encontrou Beth com o braço, e deslizando-o ao redor de sua cintura a capturou por atrás e se curvou ao redor dela de maneira a poder enterrar o rosto no suave cabelo de sua nuca. Ela sempre dormia sobre o lado direito, e o tema de adotar a posição de colheres paralelas era assunto dele... Gostava de rodear o corpo menor dela com o seu que era muito mais comprido porque o fazia sentir que era o suficientemente forte para protegê-la.
Entretanto, manteve os quadris separados dela. Seu pênis estava rígido e cheio de eu-desejo, mas se sentia agradecido somente por poder se deitar com ela... E não tinha intenção de arruinar o momento fazendo-a sentir incomoda.
— Mmm. — disse ela, acariciando seu braço — Está acordado.
— Estou. — e mais que isso.
Armou-se uma confusão enquanto ela dava a volta, movendo-se dentro de seu abraço até que esteve de frente.
— Dormiu bem?
— Oh, sim.
Quando sentiu um ligeiro puxão de cabelo, soube que estava brincando com as pontas frisadas, e se alegrou de mantê-lo tão longo como o tinha. Inclusive embora tivesse que prender a pesada massa negra na parte de atrás da cabeça quando saía para lutar, e que a merda demorava eternidades para secar-se — tanto, de fato, que tinha que usar um secador, o que era muito fodidamente efeminado para acreditar — Beth amava a coisa. Podia lembrar as muitas vezes que ela o tinha desdobrado em leque sobre seus seios nus...
Bom, desacelerar esse trem seria uma muito boa idéia. Se continuasse com esse tipo de coisas teria que montá-la ou perder sua condenada mente.
— Adoro seu cabelo, Wrath. — na escuridão, sua voz baixa era como o toque de seus dedos, delicada e devastadora.
— Eu adoro quando coloca suas mãos sobre ele. — replicou, com a voz rouca — Entre o meio dele, de qualquer forma que você goste de tocá-lo.
Estiveram só Deus sabia quanto tempo ali deitados lado a lado, encarando um ao outro, os dedos dela retorcendo e enroscando as densas ondas.
— Obrigada, — disse ela baixinho — por me contar sobre esta noite.
— Teria preferido ter boas notícias para te contar.
— Mesmo assim me alegra que me conte. Prefiro saber.
Encontrou seu rosto para comprovar, e enquanto deslizava os dedos sobre as bochechas, o nariz até os lábios, via-a com as mãos e a conhecia com o coração.
— Wrath... — ela colocou a mão sobre sua ereção.
— Oh, caralho... — esticando a parte baixa das costas impulsionou os quadris para frente.
Ela riu baixinho.
— Sua linguagem amorosa faria com que um caminhoneiro se sentisse orgulhoso.
— Sinto muito, eu… — a respiração se prendeu na garganta quando ela o acariciou por cima dos boxer que pôs em atenção a seu pudor — Caralh... Quero dizer...
— Não, eu gosto. É muito você.
A fez rodar e montou sobre seus quadris... Sagrada merda. Sabia que veio para cama com uma camisola de flanela, mas onde quer que estivesse, não estava cobrindo as pernas, porque seu doce e quente centro se esfregou contra seu pênis.
Wrath grunhiu, e perdeu o controle. Com um súbito impulso, atirou-a de costas, baixou os Calvin Klein que raramente usava, por suas coxas, e se introduziu nela. Quando ela gritou e arranhou suas costas com as unhas, lhe alargaram as presas completamente e começaram a palpitar.
— Preciso de você. — disse — Necessito isso.
— Eu também.
Não economizou nada de seu poder, mas em definitivo, gostava assim algumas vezes, cru, selvagem, que o corpo dele marcasse o seu com dureza.
O rugido que lançou quando se introduziu nela sacudiu o óleo que pendia sobre a cama e fez repicar os frascos de perfume que estavam na penteadeira e continuou movendo-se em seu interior, mais besta que amante civilizado. Mas, quando seu aroma começou a encher seu nariz, soube que o desejava exatamente como era... Cada vez que chegava ao orgasmo, ela fazia com ele, seu sexo apertava e puxava o dele, o mantendo profundamente em seu interior.
Com uma ordem ofegante, disse-lhe:
— Toma minha veia…
Ele vaiou como um predador, foi em busca de seu pescoço e a mordeu com força.
O corpo de Beth se sacudiu abaixo do dele, e entre seus quadris sentiu que brotava uma calidez que não tinha nada a ver com o que tinha deixado em seu interior. Em sua boca, o sangue dela era o presente da vida, sentia-o espesso na língua e descendo por sua garganta, enchendo o ventre com um forno quente que iluminava sua carne de dentro para fora.
Enquanto bebia, seus quadris tomaram o comando, agradando a ela, sentindo prazer em si mesmo, quando esteve satisfeito, lambeu as marcas da dentada, e voltou a ocupar-se dela, esticando-se para baixo levantou uma de suas pernas para poder entrar ainda mais profundamente enquanto golpeava com força. Quando em uma das investidas voltou a gozar, segurou-lhe a nuca com a palma da mão e aproximou seus lábios a sua garganta.
Mas não teve oportunidade de expressar uma ordem. Ela o mordeu, e no momento em que suas agudas pontas ferroaram sua pele sentiu a doce chicotada da dor e teve um novo orgasmo, um que foi mais brutal que todos os outros. Saber que possuía o que ela necessitava e desejava, que ela vivia do que pulsava ao longo de suas veias, era fodidamente erótico.
Quando sua shellan acabou e fechou as feridas as lambendo, ele rodou sobre suas costas mantendo-os unidos, com a esperança de que...
Oh, sim, fizeram um bom uso dela montando-o. Enquanto ela tomava o comando, ele levantou as palmas de suas mãos para seus peitos e se deu conta que ainda tinha a camisola posta, de maneira que a tirou pela cabeça e atirou a quem-demônios-lhe-importava-onde. Encontrando seus peitos novamente, sopesou-os e estavam tão pesados e abundantes em suas palmas que não pôde evitar arquear para cima e tomar um de seus mamilos na boca. Sugou enquanto ela bombeava por ambos até que se fez muito difícil manter a conexão e teve que deixar cair seu torso sobre a cama.
Beth gritou, e em seguida ele o fez, e então ambos chegaram juntos ao clímax. Depois ela se derrubou junto a ele e permaneceram um ao lado do outro, ofegando.
— Isso foi incrível. — ofegou ela.
— Fodidamente incrível.
Ele tateou ao seu redor na escuridão, até que encontrou sua mão, e ficaram assim unidos durante um momento.
— Tenho fome. — disse ela.
— Eu também.
— Bem, deixa que vá procurar algo para os dois.
— Não quero que vá. — disse puxando sua mão, atraindo-a para ele, e beijando-a — É a melhor fêmea que um macho poderia chegar a ter jamais.
— Também te amo.
Como se estivessem sincronizados, seus estômagos rugiram ao mesmo tempo.
— De acordo, possivelmente sim seja hora de comer. — enquanto riam juntos, Wrath soltou sua shellan — Espera, me deixe acender a luz para que possa encontrar a camisola.
Imediatamente soube que algo andava mal. Beth deixou de rir e ficou absolutamente paralisada.
— Leelan? Está bem? Fiz-te mal? — oh, Deus... Tinha sido tão bruto — Eu sinto...
Interrompeu-o com voz estrangulada.
— Minha luz já está acesa, Wrath. Antes que despertasse, eu estava lendo.

 

CONTINUA

Capítulo 30


John disse ao Qhuinn e ao Blay que ficaria em seu quarto o resto da noite, e quando esteve seguro de que engoliram a mentira, escapuliu para o exterior através dos quartos do pessoal da casa, e se dirigiu diretamente ao ZeroSum.
Tinha que se mover rápido, porque certo como a merda que um dos dois iria vê-lo e então formariam uma condenada busca.
Evitando a entrada principal do clube, rodeou-o e foi ao beco onde uma vez viu como Xhex rompia a cabeça de um imbecil que tinha uma boca grande e um punhado de coca. Encontrando a câmera de segurança que havia em cima da saída lateral, John levantou a cabeça e olhou para a lente.
Quando a porta se abriu, não teve nem que olhar para saber que era ela.
— Quer entrar? — disse.
Ele sacudiu a cabeça, e dessa vez não o preocupou a barreira da comunicação. Merda, não sabia o que dizer. Não sabia por que estava ali. Só sabia que tinha que ir.
Xhex saiu do clube e apoiou as costas contra a porta, cruzando uma bota com ponta de aço sobre a outra.
— Contou a alguém?
Ele a olhou nos olhos serenamente e sacudiu a cabeça.
— Vai fazê-lo?
Voltou a sacudir a cabeça.
Com um tom suave, um que nunca escutou dela nem esperou, sussurrou-lhe:
— Por quê?
Ele simplesmente se encolheu de ombros. Francamente, surpreendia-o que não tivesse tratado de tirar suas lembranças. Era mais certo. Mais limpo...
— Deveria ter tirado suas lembranças. — disse, fazendo com que se perguntasse se estava lendo sua mente — A noite passada estava fodida da cabeça, e foi tão rápido que não o fiz. Naturalmente, agora seria um longo passo, assim...
Deu-se conta que era por isso que tinha vindo. Queria assegurar que se manteria calado.
A partida de Thor fortalecera a decisão. Quando John foi falar com o Irmão e confrontou que o macho tinha desaparecido de novo, sem dizer nenhuma palavra outra vez, algo mudou em seu interior, como uma rocha sendo transladada de um lado a outro dentro de seu jardim, uma mudança permanente na paisagem.
John estava sozinho. E, portanto, suas decisões eram dele. Respeitava Wrath e à Irmandade, mas não era um irmão e talvez nunca fosse. Claro, era um vampiro, mas tinha passado a maior parte de sua vida separado da raça, por isso a repulsão pelos symphath era algo que nunca compreendeu de todo. Sociopatas? Demônios, quanto ao que lhe concernia, essa merda começava em casa, com o comportamento que tiveram Zsadist e V antes de emparelhar-se.
John não ia entregar Xhex ao rei para que fosse deportada à colônia. De maneira nenhuma.
Agora a voz dela se voltou áspera:
— Então, o que quer?
Dado o tipo de gente de baixa índole, oportunista e desesperada com que ela tratava noite após noite, não estava nada surpreso pela pergunta.
Sustentando seu olhar, sacudiu a cabeça e realizou um movimento de corte sobre sua garganta.
Nada, vocalizou.
Xhex o olhou com seus frios olhos cinza, e a sentiu meter-se em sua cabeça, percebendo o impulso contra seus pensamentos. Deixou-a explorar para que visse qual era sua posição, porque isso, mais que qualquer palavra que pudesse pronunciar, daria-lhe a maior tranqüilidade.
— John Matthew, é um em um milhão. — disse em voz baixa — A maioria das pessoas se aproveitaria disto como a merda. Especialmente dado o tipo de vícios que posso te prover aqui no clube.
Ele se encolheu de ombros.
— Então, para onde se dirigia esta noite? E onde estão seus companheiros?
Ele sacudiu a cabeça.
— Quer falar sobre o Thor? — quando os olhos dele dispararam para os dela, disse-lhe — Sinto, mas está em sua mente.
Quando John sacudiu a cabeça outra vez, algo lhe tocou a bochecha e olhou para cima. Estava começando a nevar, flocos pequenos e diminutos formando redemoinhos no vento.
— A primeira nevada do ano. — disse Xhex, afastando-se da porta — E você sem casaco.
Ele olhou para baixo e se deu conta que tudo o que tinha vestido era um jeans e uma camiseta Nerdz. Ao menos se lembrou de calçar sapatos.
Xhex meteu a mão no bolso e a estendeu com algo dentro. Uma chave. Uma pequena chave de metal.
— Sei que não quer ir para casa, e tenho um lugar perto daqui. É seguro e subterrâneo. Se quiser vai ali, fica todo o tempo que necessite. Obtém a privacidade que busca até que ordene toda essa merda.
Estava a ponto de sacudir a cabeça para se negar quando lhe disse na Antiga Língua:
— Deixe-me te compensar desta maneira.
Ele pegou a chave sem roçar sua mão e vocalizou: Obrigado.
Depois que lhe deu o endereço, deixou-a nesse beco com a neve flutuando para baixo do céu noturno. Quando chegou à Rua Trade, olhou sobre seu ombro. Ainda estava ao lado da porta lateral, observando-o com os braços cruzados e as botas plantadas firmemente no chão.
Os delicados flocos que aterrissavam em seu cabelo curto e escuro, e em seus ombros nus e fortes, não a suavizavam nem um pouco. Não era um anjo lhe fazendo um favor por uma simples razão. Era enigmática, perigosa e imprevisível.
E ele a amava.
John a saudou com a mão e dobrou a esquina, unindo-se a um desfile de humanos agasalhados que caminhavam rapidamente de bar em bar.

Xhex permaneceu onde estava inclusive depois que o corpo grande de John desapareceu de vista.
Um em um milhão, pensou uma vez mais. Esse menino era um em um milhão.
Enquanto voltava a entrar no clube, soube que era questão de tempo antes que seus dois amigos, ou talvez os membros da Irmandade, aparecessem tratando de encontrá-lo. Sua resposta ia ser que não o tinha visto e não tinha idéia de onde estava.
Ponto.
Ele a protegia, ela o protegia.
Isso era tudo.
Estava saindo da seção VIP quando seu auricular soou. Depois que seu segurança deixou de falar, amaldiçoou e levantou seu relógio para falar pelo rádio.
— Levem-no a meu escritório.
Após assegurar-se de que o andar estava livre de garotas trabalhadoras, entrou na parte do clube para o público em geral, e observou enquanto o Detetive da Cruz era guiado através da multidão de usuários.
— Sim, Qhuinn? — disse sem voltar-se.
— Cristo, deve ter olhos nas costas.
Olhou-o por cima de seu ombro.
— E você mantém isso em mente.
O ahstrux nohstrum de John era o tipo de macho com que a maioria das fêmeas queria transar. E muitos machos, também. Fazia que o negro-sobre-negro se visse espetacular, como sua camisa Affliction[57] sob a jaqueta de motoqueiro, mas seu estilo passava por todos os lados. O cinto era Grommet[58] e as barras do jeans desgastado que levava, ganhava-os do The Cure[59]. O cabelo negro aparado, o piercing no lábio e os sete brincos negros que subiam ao longo de sua orelha esquerda eram emo. As New Rocks[60] com plataformas de dez centímetros eram Góticas. As tatuagens na nuca eram Hart & Huntington[61].
E quanto às armas ocultas que sabia malditamente bem que tinha guardadas sob os braços? Eram autenticamente ao estilo Rambo, e esses punhos que penduravam em seus lados? Eram absolutamente do AMC[62].
O pacote inteiro, sem importar a procedência dos componentes, era sensual, e pelo que tinha visto no clube até pouco tempo ele dava capital importância a seu atrativo. Até o ponto em que os banheiros privados do fundo foram como o escritório de sua casa.
Entretanto, depois de ter sido promovido a guarda pessoal do John, havia diminuído o ritmo.
— O que ocorre? — disse ela.
— John esteve aqui?
— Não.
Qhuinn entrecerrou seus olhos desiguais.
— Não o viu para nada?
— Não.
Enquanto o tipo a olhava fixamente, sabia que não estava captando nada. A mentira vinha em segundo lugar depois do assassinato em sua lista de habilidades.
— Maldito seja. — murmurou, passeando o olhar pelo clube.
— Se o vir, direi que o está procurando.
— Obrigado. — voltou a se enfocar nela — Escuta, não sei que merda aconteceu entre vocês dois, e não é assunto meu...
Xhex revirou os olhos.
— O que explica claramente por que o está mencionando agora.
— É um bom macho. Só mantém isso em mente, está bem? — o olhar verde e azul de Qhuinn estava cheio de um tipo de clareza que só uma vida verdadeiramente dura daria a um macho — A muitas pessoas não cairia bem que o derrubassem sobre o traseiro. Especialmente a mim.
No silêncio que seguiu, teve que dar crédito ao Qhuinn: a maioria das pessoas não tinha os ovos para enfrentá-la e a ameaça subjacente nessas desapaixonadas palavras era óbvia.
— Qhuinn, é boa gente, sabe. É um bom amigo.
Bateu-lhe no ombro, e logo se dirigiu para seu escritório pensando que o rei tinha feito uma escolha inteligente com o ahstrux nohstrum de John. Qhuinn era um pervertido filho da puta, mas um autêntico assassino, e a alegrava que fosse o que vigiava ao seu macho.
Que vigiasse o John Matthew, quis dizer.
Porque não era seu macho. No mais mínimo.
Quando chegou a sua porta, abriu-a sem excitação.
— Boa noite, Detetive.
José da Cruz ostentava outro terno de duas peças barato, e ele, seu terno e o casaco que levava em cima se viam igualmente cansados.
— Boa noite. — respondeu.
— O que posso fazer por você? — sentou-se atrás da escrivaninha e lhe fez um sinal para que se sentasse na cadeira que utilizara a última vez.
Ele foi direto ao assunto:
— Pode me dizer onde esteve ontem tarde da noite?
Não completamente, pensou. Porque a uma em ponto estava matando a um vampiro, e isso não era de sua incumbência.
— Estive aqui no clube por quê?
— Tem algum empregado que possa confirmá-lo?
— Sim. Pode falar com iAm ou com qualquer um de meu pessoal. Sempre que me diga que diabos está acontecendo.
— Ontem à noite encontramos um objeto de vestir pertencente a Grady na cena de um crime.
Oh, caramba, se alguém mais tinha assassinado a esse filho da puta, ela estaria de saco cheio.
— Mas não seu corpo?
— Não. Era uma jaqueta com uma águia nas costas, a qual era a marca dele. Era como sua assinatura, ao que parece.
— Interessante. Então por que está me perguntando onde estava?
— A jaqueta tinha salpicaduras de sangue. Não estamos certos se eram dele ou não, mas saberemos amanhã.
— Volto a repetir, por que queria saber onde estive?
Da Cruz plantou suas palmas na escrivaninha e se inclinou para frente, seus olhos marrom chocolate estavam malditamente sérios.
— Porque tenho o pressentimento de que gostaria de vê-lo morto.
— É certo que não gosto dos homens abusivos. Mas tudo o que tem é sua jaqueta, não há corpo, e se por acaso fosse pouco, estive aqui ontem à noite. Por isso se alguém o liquidou, não fui eu.
Ele se endireitou.
— Vão fazer um funeral para Chrissy?
— Sim, amanhã. O aviso saiu no jornal de hoje. Ela podia não ter muitos familiares, mas era muito apreciada na Rua Trade. Aqui somos uma grande família feliz. — sorriu Xhex — Detetive, vai usar um bracelete negro por ela?
— Estou convidado?
— É um país livre. E iria de toda forma, verdade?
Da Cruz sorriu genuinamente, e seus olhos perderam a maior parte de sua agressividade.
— Sim, o faria. Incomoda-se se verifico os seus álibis? E tomo declarações?
— Não, nem um pouco. Chamarei-os agora mesmo.
Enquanto Xhex falava por seu relógio, o detetive passeou a vista pelo escritório, e quando ela deixou cair o braço, disse-lhe:
— A decoração não a atrai muito.
— Gosto que as coisas se limitem ao que necessito e nada mais.
— Mmm. Minha esposa gosta de decoração. Tem o dom de fazer que os lugares pareçam acolhedores. É agradável.
— Soa como uma boa mulher.
— Oh, e é. Além disso, faz o melhor queso[63] que alguma vez provei. — disse enquanto lhe dava uma olhada — Sabe, escutei muitas coisas a respeito deste clube.
— Sim?
— Sim. Particularmente sobre Vícios.
— Ah.
— E fiz os deveres quanto ao Grady. Foi detido no verão por um delito agravado de posse de drogas. O caso ainda está pendente.
— Bem, sei que ele será levado ante a justiça.
— Foi despedido deste clube um pouco antes dessa detenção, verdade?
— Por desviar recursos do bar.
— E, entretanto, não apresentaram queixa?
— Se chamasse à polícia cada vez que um de meus empregados levanta uns verdes, teria a vocês meninos, na discagem rápida.
— Mas escutei que essa não era a única razão pela que o tinham despedido.
— Sério?
— A Rua Trade, como você disse, é sua própria família… Mas isso não significa que não haja falatórios. E as pessoas me disseram que foi despedido porque estava traficando aqui no clube.
— Bem, isso é compreensível, verdade? Nunca permitiríamos que alguém traficasse em nossa propriedade.
— Porque é o território de seu chefe e ele não aprecia a concorrência.
Ela sorriu.
— Detetive, aqui não há concorrência.
E isso era verdade. Rehvenge era o macho alfa. Ponto. Qualquer limpa cú barato que tratasse de passar pequenas quantidades sob o teto do clube, era quebrado. Duramente.
— Se for honesto, não estou seguro de como o fazem. — murmurou da Cruz — Durante anos houve especulações a respeito deste lugar, e, entretanto, ninguém foi capaz de obter uma causa provável para pedir uma ordem de averiguação.
E isso acontecia porque as mentes humanas, inclusive as conectadas nos ombros dos policiais, eram facilmente manipuláveis. Algo visto ou falado podia ser apagado em um instante.
— Nada sombrio ocorre aqui. — disse ela — Assim é como o fazemos.
— Seu chefe está por aqui?
— Não, esta noite não.
— Então confia em você para dirigir seu negócio enquanto não está.
— Como eu, ele nunca vai por muito tempo.
Da Cruz assentiu.
— Boa política. Falando do tema, não sei se terá escutado, mas parece haver uma guerra de territórios em marcha.
— Guerra de território? Pensei que as duas partes de Caldwell estavam em paz uma com a outra. O rio já não é uma divisão.
— Guerra de território por drogas.
— Não sei nada sobre isso.
— É meu outro caso. Encontramos dois traficantes mortos junto ao rio.
Xhex franziu o cenho, pensando que a surpreendia não ter se informado disso ainda.
— Bom, as drogas são um negócio duro.
— Dispararam a ambos na cabeça.
— Isso o obteria.
— Ricky Martínez e Isaac Rush. Conhece-os?
— Escutei sobre eles, mas ambos apareceram nos jornais. — disse enquanto punha uma mão na cópia do CCJ que estava cuidadosamente empilhado em sua escrivaninha — E sou uma grande leitora.
— Então viu o artigo sobre eles que saiu hoje.
— Ainda não, mas estava a ponto de tomar um descanso. Tenho que ter minha dose diária de Dilbert[64].
— É esse sobre a escrivaninha? Durante anos fui fã de Calvin e Hobbes[65]. Odiei que acabasse e na realidade não me entretive com nenhuma das novas. Suponho que fiquei no tempo.
— Gosta do que gosta. Não há nada mau nisso.
— É o que minha esposa diz. — os olhos de Da Cruz vagaram novamente pelos arredores — Então, um par de pessoas disseram que ambos vieram ao clube ontem à noite.
— Calvin e Hobbes? Um era um menino e o outro um tigre. Nenhum teria conseguido passar por meus seguranças.
Da Cruz sorriu brevemente.
— Não, Martínez e Rush.
— Ah, bom, você andou pelo clube. Todas as noites têm uma enorme quantidade de gente aqui.
— Certo. Este é um dos clubes mais bem-sucedidos da cidade. — Da Cruz colocou as mãos nos bolsos laterais de sua calça, seu casaco caiu para trás e a jaqueta de seu terno se esticou ao redor de seu peito — Um dos yonquis que vive sob a ponte viu um modelo antigo da Ford junto com uma Mercedes negra e um Lexus todo cromado deixando a área pouco depois que esses dois fossem baleados.
— Os traficantes de droga podem permitir-se bons carros. Não estou segura do que faziam com o Ford.
— O que seu chefe dirige? Um Bentley, verdade? Ou conseguiu um novo veículo?
— Não, ainda tem o Bentley.
— Um carro caro.
— Muito.
— Conhece alguém com uma Mercedes negra? Porque as testemunhas também viram uma rondando ao redor do apartamento onde foi achada a jaqueta com a águia do Grady.
— Não posso dizer que conheça algum dono de um Merc.
Houve um golpe na porta, e Trez e iAm entraram, os dois seguranças faziam que o detetive parecesse um Funda estacionado entre um par de Hummers.
— Bem, os deixo para que falem. — disse Xhex com absoluta fé nos melhores amigos de Rehv — Detetive, vejo-o no funeral.
— Se não antes. Hey, alguma vez pensou em adquirir uma planta para pôr aqui dentro? Poderia fazer a diferença.
— Não, sou muito boa matando coisas. — sorriu com humor — Sabe onde me encontrar. Até mais tarde.
Enquanto fechava a porta detrás dela, deixou de fingir e franziu o cenho. A guerra de territórios não era boa para o negócio, e se Martínez e Rush tinham sido mortos, era um sinal seguro de que apesar do clima de dezembro, a escória de Caldwell estava desenvolvendo outro broto de calor.
Merda, isso era o último que necessitavam.
As vibrações que sentia em seu bolso indicaram que alguém tratava de localizá-la, e respondeu a chamada no instante em que viu de quem se tratava.
— Encontrou o Grady? — perguntou brandamente.
A voz profunda de Big Rob estava cheia de frustração:
— O maldito deve estar escondido. Silent Tom e eu estivemos em todos os clubes. Também em sua casa e com alguns de seus amigões.
— Segue procurando, mas tome cuidado. Sua jaqueta foi encontrada na cena de outro crime. Os policiais o estão buscando implacavelmente.
— Não nos renderemos até que tenhamos algo positivo sobre ele para você.
— Bom menino. Agora desliga o telefone e continua com o rastreamento.
— Não há problema, chefe.


Capítulo 31

 
Dentro de seu banheiro escuro como uma boca de lobo, Rehvenge chocou-se contra uma das paredes de mármore, andou aos tropicões sobre o chão de mármore e ricocheteou contra o balcão de mármore. Seu corpo estava vivo, as sensações vibravam através dele, registrando a dor por ter batido o quadril, o ardor que supunha de sua respiração entrecortada nos pulmões, e o tamborilar de seu coração contra o esterno.
Deixou o edredom de cetim cair, acendeu as luzes com sua vontade e olhou para baixo.
Tinha o pênis rígido e grosso, a ponta estava brilhante e pronta para penetrar.
Santa... Merda.
Olhou ao redor. Sua visão era normal, via as cores negra, brilhante e branco do banheiro e a borda da jacuzzi se elevava do chão, com uma óbvia profundidade. E, ainda assim, embora não visse nada plano nem de cor vermelha rubi, seus sentidos estavam completamente vivos, seu sangue estava quente e trovejava em suas veias, sua pele estava pronta para ser tocada e o orgasmo que havia na haste de sua ereção gritava para ser liberado.
Estava absolutamente vinculado com Ehlena.
E isso significava que, ao menos nesse momento, quando estava tão desesperado por ter sexo com ela, seu lado vampiro estava se impondo sobre a parte symphath que havia nele.
Sua necessidade dela tinha triunfado sobre a escuridão que havia nele.
Ocorreu-lhe que devia tratar-se dos hormônios da vinculação. Hormônios da vinculação que tinham alterado sua química interna.
No reconhecimento de sua nova realidade, não havia motivos para sentir uma alegria elevada, nenhuma sensação de triunfo, nem o impulso de atirar-se sobre ela e bombear em seu interior com toda a sua força. Tudo o que podia fazer era ficar olhando fixamente para baixo, a seu pênis e pensar onde havia estado antes. No que tinha feito com ele... E, com o resto de seu corpo.
Rehvenge desejava arrancar de si a estúpida coisa.
Porra, de nenhuma forma compartilharia isso com Ehlena. Salvo que... Não podia retornar ali fora nesse estado.
Rehv agarrou a ereção com sua ampla mão e acariciou a si mesmo. Oh... Porra... Sentia-se bem...
Pensou nele descendo pelo corpo de Ehlena, em que tinha sua calidez na boca e a fazia descer pelo fundo de sua garganta. Viu suas coxas estendidas e sua brilhante suavidade e seus próprios dedos deslizando-se dentro e fora enquanto ela gemia e balançava seu...
Seus testículos se comprimiram até ficarem duros como punhos, a parte baixa de suas costas ondeou como uma onda, e, essa repugnante lingüeta sua acionou apesar de não ter nada contra o qual acoplar-se. Um rugido ameaçou subir por sua garganta, mas o conteve mordendo o lábio até que saboreou seu sangue.
Rehv gozou sujando toda a mão, mas, entretanto, se apoiou contra o balcão e seguiu acariciando seu sexo. Gozou uma e outra vez, sujando o espelho e os lavabos, e ainda assim seguia necessitando mais... Como se seu corpo não se liberasse há, digamos, quinhentos anos?
Quando finalmente passou a tormenta, deu-se conta de que estava... Merda, atirado contra a parede, com a cara esmagada contra o mármore, tremiam-lhe os ombros, e suas coxas se sacudiam convulsivamente como se tivesse cabos de arranque de bateria conectados aos dedos dos pés.
Com mãos trêmulas, se pôs a limpar usando uma das toalhas dobradas minuciosamente em uma prateleira, e esfregou o balcão, o espelho e o lavabo. Em seguida, desdobrou outra e lavou as mãos, o pênis, o estômago e as pernas porque se sujou tanto como o fodido banheiro.
Quando finalmente estendeu a mão para o trinco, depois que passara quase uma hora, meio que esperava que Ehlena tivesse se ido, e não podia culpá-la: uma fêmea a quem essencialmente lhe faz o amor lhe oferece a veia e ele sai correndo para o banheiro e se fecha como um maricas.
Porque tinha uma ereção.
Jesus Cristo. Essa noite, que sequer começou muito bem, converteu-se em um choque em cadeia de uma coluna de dezesseis carros na auto-estrada para Vila-Relação.
Rehv preparou a si mesmo e abriu a porta.
Quando a luz se derramou de dentro do banheiro, Ehlena se ergueu nos lençóis, em seu rosto se via uma expressão preocupada... E absolutamente imparcial. Não havia condenação, nem especulação, não havia rastro de que estivesse pensando em algo para fazê-lo sentir ainda pior. Simplesmente havia uma genuína preocupação.
— Está bem?
Bom, olhe se não era essa a pergunta da noite.
Rehvenge deixou a cabeça cair e pela primeira vez desejou descarregar tudo com outra pessoa. Nem sequer com Xhex, que tinha sofrido inclusive mais que ele, sentia a inclinação a praticar essa merda de intercâmbio. Mas, ao ver os olhos cor de caramelo de Ehlena tão abertos e quentes nesse rosto formoso e perfeito, sentiu vontade de confessar cada uma das coisas sujas, fodidas, matreiras, malvadas e repugnantes que tinha feito em sua vida.
Só para ser honesto.
Sim, mas se jogava sua vida sobre a mesa, em que posição ela ficaria? Na situação de ter que reportá-lo por ser um symphath e muito provavelmente temendo por sua própria vida. Grande desenlace. Perfeito.
— Gostaria de ser diferente. — disse. Que era o mais perto que podia estar de dizer a verdade que os separaria para sempre — Desejaria ser um macho diferente.
— Eu não.
Isso era porque não o conhecia. Não verdadeiramente. E, entretanto, não podia confrontar a idéia de não voltar a vê-la nunca mais depois da noite que tiveram juntos.
Nem de que pudesse chegar a temê-lo.
— Se pedisse que voltasse aqui outra vez, — disse — e que me deixasse estar contigo, aceitaria?
Não houve vacilação:
— Sim.
— Embora as coisas não pudessem ser... Normais... Entre nós? Quanto à parte sexual.
— Sim.
Franziu o cenho.
— Isto vai soar mal...
— O que está bem, porque já meti os pés pelas mãos contigo quando estávamos na clínica. Assim ficaríamos quites.
Rehv não pôde evitar sorrir, mas sua expressão não durou.
— Devo saber... Por que. Por que voltaria?
Ehlena se recostou contra os travesseiros e moveu a mão para cima deslocando-a lentamente por cima do lençol de cetim que lhe cobria o estômago.
— Tenho uma só resposta a isso, mas não acredito que seja a que quer ouvir.
O frio intumescimento, estava retornando devido aos remanescentes desses orgasmos que tivera estarem dissipando, acelerou a reclamação que estava fazendo sobre seu corpo.
Por favor, que não seja por lástima, pensou.
— Diga-me. — ficou calada durante um longo tempo, percorrendo com o olhar a vista panorâmica das duas metades de Caldwell que piscavam e resplandeciam.
— Pergunta-me por que voltaria? — disse brandamente — E a única resposta que tenho é... Como poderia não fazê-lo? — desviou os olhos para ele — Em certo nível, não faz sentido para mim, mas em definitivo, os sentimentos alguma vez têm muito sentido, ou sim? E não têm por que ter. Esta noite... Deu-me coisas que não só fazia muito tempo que não tinha, mas sim acredito que nunca tinha experimentado. — sacudiu a cabeça — Ontem envolvi um corpo... Um corpo de alguém de minha idade, um corpo de alguém que provavelmente saiu de sua casa a noite e foi assassinado sem ter a mínima noção de que essa era sua última noite. Não sei aonde vai chegar este — fez um gesto com a mão para trás e para frente entre os dois — assunto entre nós. Talvez dure somente uma noite ou duas. Talvez dure um mês. Talvez dure mais de uma década. Tudo o que sei é que a vida é muito curta para não voltar aqui, para estar contigo desta forma outra vez. A vida é definitivamente muito curta, e gosto muito de estar contigo para que me importe uma merda outra coisa além de ter outro momento como este.
Enquanto olhava Ehlena, o peito de Rehvenge se inflamou.
— Ehlena?
— Sim?
— Não me entenda mal.
Ela respirou profundamente e ele viu que seus ombros nus se esticavam.
— Ok. Tentarei não fazê-lo.
— Se segue vindo aqui? Sendo da forma que é? — houve uma pausa — Vou me apaixonar por você.
   
John encontrou a propriedade de Xhex sem problemas, já que só estava a dez blocos de distância do ZeroSum. Ainda assim, o bairro bem poderia ter estado em um CEP completamente diferente. A fachada cor café avermelhado das edificações da rua era elegante e de estilo clássico, com a merda de madeira esculpida ao redor das janelas-balcão que davam a impressão de ser Vitorianas... Embora como soubesse isso com semelhante certeza não tinha idéia.
Ela não possuía uma casa inteira, a não ser um apartamento no porão de um edifício sem elevador, particularmente atrativo. Debaixo das escadas de pedra que subiam do meio-fio, havia um oco, dentro do qual deslizou para usar a chave em um estranho ferrolho cor bronze. Quando entrou acendeu uma luz, e não viu nada interessante. Chão avermelhado fabricado com lajes de pedra. Paredes construídas com blocos de concreto e branqueadas. No extremo mais afastado havia outra porta com outro estranho ferrolho.
Tinha esperado que Xhex vivesse em algum lugar exótico e cheio de armas.
E que tivesse abundância de meias francesas e saltos agulha.
Mas, essa era sua fantasia.
Foi para o outro extremo da sala, abriu a outra porta e se acenderam mais luzes. O quarto que havia depois da porta não tinha janelas e estava vazio à exceção de uma cama, a falta de decoração não o surpreendeu, levando em consideração o aspecto da sala do porão. Havia um banheiro, mas não havia cozinha, nem telefone nem TV. A única cor que havia na habitação provinha do chão de pranchas de pinheiro antigas que brilhavam com um brilho da cor do mel fresco. As paredes estavam branqueadas, como as da sala, mas estas eram de tijolo.
O ar lhe pareceu surpreendentemente fresco, mas então viu os respiradores. Havia três.
John tirou sua jaqueta de couro e a deixou no chão. Em seguida tirou as botas, conservando postas as meias grossas.
No banheiro, usou o vaso, e salpicou o rosto com água.
Não havia toalhas. Usou as abas de sua camiseta negra.
Estirando-se sobre a cama, permaneceu com as armas em cima, embora não era devido a que tivesse medo de Xhex.
Deus, talvez isso o convertesse em um estúpido. O primeiro que lhe tinham ensinado no programa de treinamento da Irmandade era que nunca podia confiar nos symphaths, e aqui estava ele, arriscando sua vida ao ficar na casa de um... Muito provavelmente passaria o dia, sem dizer a ninguém onde estava.
Não obstante era exatamente o que necessitava.
Quando voltasse ao cair da noite, decidiria o que fazer. Não queria ficar fora da guerra... Gostava muito de lutar. Sentia-se... Bem, e não só pelo fato de defender à raça. Sentia que era o que se supunha que devia estar fazendo, tinha nascido e tinha sido educado para isso.
Mas não estava seguro se poderia voltar para a mansão e viver ali.
Depois que passou um tempo sem se mover, as luzes se apagaram, e simplesmente ficou olhando a escuridão. Enquanto estava ali estendido na cama com a cabeça sobre um dos dois travesseiros relativamente duros, deu-se conta que era a primeira vez que estava verdadeiramente só desde que Tohr tinha ido procurá-lo, com seu enorme Range Rover negro, naquele apartamento de merda.
Recordava com absoluta clareza, como tinha sido viver naquele estúdio parecido a um buraco do inferno que não só estava na parte errada da cidade, mas também diretamente estava na seção perigosa de Caldie. A cada noite vivia aterrorizado porque era fracote e débil, além disso, estava indefeso e o único com que podia alimentar-se era com o Ensure[66] por causa de sua má digestão, por isso pesava menos que um aspirador. A porta que o separava dos consumidores de droga, das prostitutas e dos ratos do tamanho de burros, tinha-lhe parecido fina como um papel.
Desejara fazer bem ao mundo. Ainda o desejava.
Desejara apaixonar-se e estar com uma mulher. Ainda o desejava.
Desejara encontrar uma família, ter uma mãe e um pai, ser parte de um clã.
Já não.
John estava começando a entender que os sentimentos no coração, eram como os tendões no corpo. Podia distender, distender e distender e sentir a dor da distorção e o estiramento... Até certo ponto a articulação seguiria funcionando e o membro se dobraria e suportaria o peso, e continuaria sendo útil depois que a pressão desaparecesse. Mas, não era algo infinito.
Ele se quebrara. E estava endemoniadamente seguro que não havia um equivalente emocional à cirurgia artroscópica[67].
Para ajudar a tranqüilizar sua mente e induzí-la ao descanso que evitaria que se voltasse louco, concentrou-se no que ocorria a seu redor. O quarto estava em silêncio, salvo pela calefação que de todo modo não fazia muito ruído. E o edifício que tinha em cima estava vazio, não havia sons de ninguém se movendo.
Fechando os olhos, se sentiu mais a salvo do que provavelmente fosse conveniente.
Mas, em definitivo, estava acostumado a se valer por si mesmo. O tempo que tinha passado com Tohr e Wellsie e em seguida com a Irmandade tinha sido uma anomalia. Nascera sozinho nessa parada de ônibus, e esteve sozinho no orfanato embora estivesse rodeado de um sempre mutante grupo de meninos. E logo tinha saído sozinho ao mundo.
Fora tratado brutalmente e o superara sem ajuda. Esteve doente e se curou sozinho. Abriu-se caminho o melhor que pode e o tinha feito bem.
Era hora de voltar para suas origens.
À essência de seu ser.
O tempo com Wellsie e Tohr... E com os Irmãos... Tinha sido como um experimento fracassado... Algo que parecera ter potencial, mas que, ao final tinha sido um fracasso.


Capítulo 32
 
 
Que fosse noite ou dia, isso não incomodava Lash.
Enquanto entrava com o senhor D no estacionamento de um moinho abandonado e os faróis do Mercedes oscilavam riscando um grande arco, não o preocupava se encontrava com o rei dos symphaths ao meio-dia ou a meia-noite, porque de algum modo já não se sentia intimidado pelo idiota.
Fechou o 550 e caminhou com o senhor D atravessando uma extensão de asfalto deteriorado para uma porta que estava muito firme, se tomasse em consideração o estado em que estava o moinho. Graças à ligeira neve que caía, a situação se parecia com algo tirado de um anúncio para férias pitorescas em Vermont, sempre que não se olhasse muito de perto ao teto nem o revestimento rachado.
O symphath já estava dentro. Lash estava tão certo disso como de poder sentir as rajadas de vento nas bochechas e ouvir as pedras frouxas rangendo sob suas botas de combate.
O senhor D abriu a porta e Lash entrou primeiro para demonstrar que não necessitava que um subordinado lhe abrisse caminho. No interior do moinho não havia nada exceto muito ar frio, fazia muito que o edifício retangular fora despojado de todo o útil.
O symphath lhe esperava no extremo mais afastado da sala, perto da maciça roda que ainda se assentava no rio como uma velha mulher gorda em um banheiro refrescante.
— Amigo, que agradável vê-lo novamente. — disse o rei, a voz de serpente frisando-se entre as vigas.
Lash se aproximou do macho com passo elegante e lento, tomando seu tempo, verificando e voltando a verificar novamente as sombras projetadas pelas janelas de vidro. Nada exceto o rei. Isso estava bom.
— Considerou minha proposta? — perguntou o rei.
Lash não estava de humor para andar pelos ramos. Depois da cagada da noite anterior com o entregador do Domino’s, e, que em aproximadamente uma hora deviam eliminar a outro narcotraficante, esse não era o momento para jogos.
— Sim. E sabe o que? Não estou seguro de que precise te fazer nenhum favor. Estou pensando que ou me dá o que quero. Ou... Possivelmente me limite a enviar meus homens ao norte para te matar e a todos os anormais dali.
Esse rosto insosso e pálido forçou um sorriso sereno.
— Porém o que ganharia com isso? Seria destruir aos mesmos instrumentos que desejas utilizar para derrotar os seus inimigos. Não é um passo lógico para que tome nenhum governante.
Lash sentiu um formigamento na ponta do pênis, o respeito o excitava, embora se negasse a reconhecer o fato.
— Sabe, nunca teria pensado que um rei poderia necessitar ajuda. Por que não pode perpetrar o crime você mesmo?
— Fazer parecer que o falecimento ocorreu fora do âmbito de minha influência me reportaria circunstâncias atenuantes e certos benefícios. Com o correr do tempo, aprenderá, que as maquinações na calada são às vezes muito mais efetivas do que aquelas que realiza a plena vista de sua gente.
Ponto conseguido, embora novamente, Lash não o elogiaria.
— Não sou tão jovem como crê. — disse em seu lugar. Porra, envelhecera perto de um trilhão de anos nos últimos quatro meses.
— E tampouco é tão velho como crê você. Mas isso é outra conversa para outro momento.
— Não estou procurando um terapeuta.
— O que é uma vergonha. Sou bastante bom me colocando na cabeça de outros.
Sim, Lash podia vê-lo.
— Este teu objetivo. É um macho ou uma fêmea?
— Importaria?
— Nem o mais mínimo.
O symphath definitivamente ficou radiante.
— É um macho. E como falei, existem circunstâncias excepcionais.
— Como quais?
— Será difícil chegar a ele. Seu guarda-costas é bastante temível. — o rei flutuou até uma janela e olhou para fora. Depois de um momento, girou a cabeça como se fosse um mocho, rodando a espinha dorsal até que quase esteve olhando para trás, e logo, por um momento, em seus olhos brancos houve um brilho vermelho — Acredita que pode dirigir tal penetração?
— É homo? — soltou Lash.
O rei riu.
— Quer dizer, se prefiro amantes de meu sexo?
— Sim.
— Isso te faria sentir incômodo?
— Não. – sim, porque significaria que mais ou menos e de certa forma se excitava com um tipo que rebatia para a outra equipe.
— Não mente muito bem. — murmurou o rei — Mas isso melhorará com a idade.
Porra.
— E não acredito que seja tão poderoso como pensa que é.
Quando a especulação sexual desapareceu Lash soube que tinha metido o dedo na ferida.
— Tome cuidado com as águas de enfrentamento...
— Poupe-me da merda de três no quarto e os biscoitos da sorte, sua Alteza. Se enchesse essa toga com um bom par de culhões, se desfaria desse tipo você mesmo.
A serenidade voltou ao semblante do rei, como se com esse arrebatamento Lash acabasse de provar sua inferioridade.
— E, ainda assim, em vez de fazê-lo, faço que outra pessoa se encarregue disso por mim. É muito mais sofisticado, embora não espero que você o compreenda.
Lash se desmaterializou, apareceu justamente frente ao macho e fechou as palmas ao redor dessa garganta esbelta. Com um só impulso brutal, impulsionou ao rei para cima pondo-o contra a parede.
Seus olhos se encontraram e quando Lash sentiu um intento de sondagem em sua mente, fechou instintivamente a entrada a seu lóbulo frontal.
— Não vai abrir meu baú aí acima, imbecil. Sinto muito.
O olhar fixo do rei se voltou tão vermelho como o sangue.
— Não.
— Não o que?
— Não prefiro amantes de meu próprio sexo.
Obviamente foi a espetada perfeita: implicando que, Lash se aproximava porque deles dois era ele quem gostava de pênis. Soltou-o e começou a passear dando pernadas.
Agora a voz do rei era menos serpentina e mais séria.
— Você e eu nos enfrentamos em igualdade de condições. Acredito que esta aliança será benéfica para ambos.
Lash girou e encarou ao macho.
— Esse macho, que você deseja morto, onde o encontro?
— O momento deve ser o adequado. A escolha do momento... É tudo.
 
Rehvenge observou como Ehlena punha a roupa, e apesar de que vê-la voltar a meter-se nesse uniforme não era exatamente o que desejava, o espetáculo dela inclinada subindo lentamente as meias pela perna não estava nada mal.
Para. Nada. Mal.
Ela riu enquanto levantava o sutiã e o fazia girar ao redor do dedo.
— Posso pôr isso agora?
— Absolutamente.
— Vai fazer que tome meu tempo outra vez?
— É somente que supus que não havia pressa com as meias. — sorriu como o lobo que estava se sentindo — Quero dizer, essas coisas desfiam, verdade...  Oh, caramba...
Ehlena não esperou que terminasse de falar, mas arqueou as costas e pendeu o sutiã ao redor do torso. As pequenas oscilações que realizou enquanto o grampeava na parte dianteira fizeram o Rehvenge ofegar... E isso foi antes que subisse os suspensórios sobre os ombros, deixando que as taças encaixassem sob os seios.
Ela se voltou para ele.
— Esqueci como funciona. Pode me ajudar?
Rehv grunhiu e a atraiu para si, sugando um mamilo dentro da boca e acariciando o outro com o polegar. Enquanto ela ofegava, ele colocou as taças em seu lugar.
— Gosto de ser seu engenheiro em lingerie, mas, sabe, fica melhor quando não o tem posto. — quando fez dançar as sobrancelhas de forma maliciosa, a risada dela foi tão espontânea e natural que lhe deteve o coração — Gosto desse som.
— E eu gosto de fazê-lo.
Ela colocou as pernas dentro de seu uniforme e puxou para cima, logo abotoou os botões.
— Lástima. — disse ele.
— Quer saber algo bobo? Pus isto apesar de não ter que ir trabalhar esta noite.
— De verdade? Por quê?
— Queria manter as coisas no plano profissional, e, entretanto aqui estou encantada de que não tenha funcionado desse modo.
Ele ficou de pé e a tomou em seus braços, já sem se preocupar com o fato de estar totalmente nu.
— Somo-me à parte de estar encantado.
Beijou-a brandamente, e ao se separarem ela disse:
— Obrigada por uma tarde encantadora.
Rehv colocou seu cabelo detrás das orelhas.
— O que faz amanhã?
— Trabalhar.
— A que hora sai?
— Às quatro.
— Virá aqui.
Ela não vacilou.
— Sim.
— Agora vou ver minha mãe. — disse ele, enquanto saíam do dormitório e atravessavam a biblioteca.
— Seriamente?
— Sim, ligou-me e pediu para ver-me. Nunca faz isso. — sentia-se bem ao compartilhar detalhes de sua vida. Bom, alguns deles, em todo caso — Esteve tratando de me converter em uma pessoa mais espiritual, e espero que isto não se trate de um convite a me colocar em algum tipo de retiro.
— A propósito, o que faz? No que trabalha? — Ehlena riu — Sei tão pouco de você.
Rehv se concentrou na vista panorâmica da cidade que ficava sobre o ombro dela.
— Oh, em muitas coisas diferentes. Em sua maior parte no mundo humano. Agora que minha irmã está emparelhada, só tenho a minha mãe para cuidar.
— Onde está seu pai?
Na tumba fria, aonde o idiota pertencia.
— Morreu.
— Sinto muito.
Os quentes olhos de Ehlena dispararam algo através de seu peito, que certo como a merda sentia como culpa. Não lamentava ter matado seu pai, lamentava ter que ocultar tanto a ela.
— Obrigado. — disse rigidamente.
— Não queria me intrometer em sua vida ou sua família. Sou só curiosa, mas se preferir...
— Não, é somente que... Não falo muito de mim mesmo. — e isso era verdade — É que... Esse é o toque de um telefone celular?
Ehlena franziu o cenho e se afastou.
— O meu. Em meu casaco.
Ela correu à sala de jantar, e a tensão em sua voz ao responder foi evidente.
— Sim? Ah, olá! Sim, não, eu... Agora? É obvio. E o engraçado é que não precisarei ir trocar-me o uniforme por que... Oh. Sim. Claro. Bom.
Quando chegou à arcada da sala de jantar ouviu a tampa do telefone se fechando.
— Tudo bem?
— Ah, sim. Só trabalho. — Ehlena se aproximou enquanto vestia o casaco — Não é nada. Provavelmente seja somente falta de pessoal.
— Quer que te leve? — Deus, adoraria levá-la ao trabalho, e não simplesmente porque poderiam estar juntos um pouco mais. Um macho gostava de fazer coisas por sua fêmea. Protegê-la. Ocupar-se dela...
Bom, que porra? Não que não gostasse dos pensamentos que estava tendo a respeito dela, mas era como se alguém lhe tivesse trocado o CD. E não, não era o fodido Barry Manilow.
Embora definitivamente agora houvesse algo do Maroon 5 no idiota.
Afh...
— Oh, não, irei sozinha, mas obrigada. — Ehlena se deteve diante de uma das portas corrediças — Esta noite foi tão... Uma revelação.
Rehv se aproximou a pernadas, tomou seu rosto entre as mãos, e a beijou com força. Quando se afastou para trás, disse-lhe sombriamente:
— Somente devido a você.
Então ela sorriu, resplandecendo do interior, e repentinamente ele a desejou nua outra vez para poder entrar nela: o instinto de marcá-la estava vociferando dentro dele, e o único modo em que podia sossegá-lo era dizendo-se que tinha deixado bastante de seu aroma na pele dela.
— Mande-me uma mensagem quando chegar à clínica, assim saberei que está a salvo. — disse.
— Farei.
Deu um último beijo, atravessou a porta e se perdeu na noite.
 
Quando deixou Rehvenge, Ehlena estava voando, e não simplesmente porque estivesse desmaterializando através do rio até a clínica. Para ela, a noite não era fria, era fresca. Seu uniforme não estava enrugado por ficar atirado em uma cama e ter se derrubado sobre ele, estava astutamente desalinhado. Seu cabelo não era uma confusão, era casual.
A chamada para ir à clínica não era uma intrusão, era uma oportunidade.
Nada poderia fazê-la descer desta elevação incandescente. Ela era uma das estrelas que havia no céu aveludado da noite, inalcançável, intocável, por cima dos conflitos terrestres.
Embora ao tomar forma diante das garagens da clínica, algo do brilho cor de rosa se perdeu. Parecia injusto que pudesse sentir-se como o fazia, tendo em conta o que tinha acontecido a noite anterior: apostaria sua vida que nesse momento a família de Stephan não estaria refletindo nada similar à alegria. Mal teriam terminado com o ritual da morte, pelo amor de Deus... Passariam anos antes que pudessem sentir algo remotamente parecido ao que cantava em seu peito quando pensava em Rehv.
Caso pudessem sentir-se assim alguma vez. Tinha a sensação de que para seus pais nunca seria o mesmo.
Amaldiçoando, atravessou rapidamente o estacionamento, e seus sapatos deixaram pequenos rastros negros no pó de neve que tinha caído antes. Por ser uma funcionária, o trajeto através dos postos de checagem para a sala de espera não demorou, e, quando entrou na área de recepção, tirou o casaco e se dirigiu diretamente ao balcão da recepção.
O enfermeiro que estava atrás do computador elevou o olhar e sorriu. Rhodes era um dos poucos machos do pessoal, e definitivamente um favorito na clínica, a classe de tipo que se dava bem com todo mundo e era rápido com os sorrisos, os abraços e os cinco em alto.
— Ouça neném, como... — quando ela se aproximou, franziu o cenho e rápido empurrou a cadeira para trás, pondo distância entre eles — Errr... Olá.
Franzindo o cenho, olhou para trás, esperando ver um monstro, dada a maneira em que ele se encolhia ante ela.
— Está bem?
— OH, sim. Totalmente. — olhou-a com intensidade — Como você está?
— Estou bem. Contente por poder ajudar. Onde está Catya?
— Acredito que disse que estaria te esperando no escritório de Havers.
— Irei ali então.
— Sim. Bom.
Ela reparou que sua caneca estava vazia.
— Quer que traga um café quando acabar?
— Não, não. — disse rapidamente, levantando ambas as mãos — Estou bem. Obrigado. Realmente.
— Tem certeza que está bem?
— Sim. Absolutamente bem. Obrigado.
Ehlena se afastou, sentindo-se absolutamente como uma leprosa. Geralmente ela e Rhodes se davam muito bem, mas, não esta noite...
Oh, meu Deus, pensou. Rehvenge tinha deixado seu aroma sobre ela. Tinha que ser isso.
Deu a volta... Mas, o que poderia lhe dizer, realmente?
Esperando que Rhodes fosse o único em captá-lo, entrou no vestiário para desfazer do casaco e se pôs a caminho, ziguezagueando entre os membros do pessoal e pacientes que encontrava no caminho. Quando chegou ao escritório de Havers, a porta estava aberta, o médico estava sentado atrás de sua mesa e Catya em uma cadeira, de costas ao vestíbulo.
Ehlena bateu brandamente no batente.
— Olá.
Havers levantou o olhar e Catya jogou uma olhada sobre o ombro. Os dois pareciam positivamente doentes.
— Entre. — disse o médico bruscamente — E feche a porta.
Enquanto fazia o que lhe pedia, o coração de Ehlena começou a pulsar rapidamente. Havia uma cadeira vazia junto à Catya, e se sentou porque de repente sentiu que seus joelhos afrouxavam.
Estivera neste escritório várias vezes, e geralmente tinha sido para recordar ao médico que comesse, porque uma vez que começava com os históricos dos pacientes perdia a noção do tempo. Mas, isto não se tratava dele, verdade?
Houve um longo silêncio, durante o qual os pálidos olhos de Havers evitaram encontrar aos dela, dedicando-se a brincar com as pernas de seus óculos de tartaruga marinha.
Catya foi quem falou, e o fez com voz tensa.
— Ontem à noite, antes de sair, um dos guardas de segurança que esteve monitorando todas as câmeras chamou minha atenção sobre o fato de que esteve na farmácia. Sozinha. Disse que a viu pegar algumas pílulas e sair com elas. Olhei a fita, comprovei a estante pertinente e era penicilina.
— Por que não o trouxe? — perguntou Havers — Tornaria a ver Rehvenge imediatamente.
O momento que seguiu foi como algo saído de uma série de televisão, onde a câmera fazia um zoom sobre o rosto de um personagem: Ehlena sentiu como se tudo estivesse afastando-se dela, o escritório se retirava, afastando-se na distância enquanto ela era repentinamente iluminada por projetores e posta sob o escrutínio do microscópio.
As perguntas giraram em seu cérebro. Realmente tinha pensado que poderia sair ilesa com o que fizera? Sabia que havia câmeras de segurança... E, entretanto a noite anterior, quando se meteu atrás do balcão do farmacêutico, não tinha pensado nisso.
Como resultado disso, tudo mudaria. Sua vida, que sempre tinha sido uma luta, ia se converter em insuportável.
Destino? Não... Estupidez.
Como demônios podia ter feito algo assim?
— Demitirei-me. — disse bruscamente — Com vigência a partir desta noite. Nunca deveria tê-lo feito... Estava preocupada com ele, super excitada pelo Stephan, e cometi um terrível engano de julgamento. Estou profundamente arrependida.
Nem Havers nem Catya disseram nada, nem tinham que fazê-lo. Era um assunto de confiança, e ela tinha traído a deles. Assim como um montão de normas de segurança referente ao trato de pacientes.
— Esvaziarei meu armário. E irei imediatamente.


Capítulo 33


Rehvenge não via sua mãe o suficiente.
Esse foi o pensamento que lhe ocorreu enquanto estacionava diante do refúgio ao que a tinha mudado fazia quase um ano. Depois que a mansão familiar em Caldwell foi atacada pelos lessers, tirou todo mundo dessa casa e os instalou nesta mansão Tudor, bem ao sul da cidade.
Era o único bem que saíra do seqüestro de sua irmã… Bom, isso e o fato de que Bella encontrasse um macho de valor no Irmão que a tinha resgatado. A coisa era que, com o Rehv tendo tirado sua mãe da cidade quando o fez, ela e sua amada doggen tinham escapado do que a Sociedade Lessening tinha feito à aristocracia durante o verão.
Rehv estacionou o Bentley diante da mansão, e antes que saísse do carro, a porta da casa se abriu e a doggen de sua mãe saiu e ficou sob a luz, abrigada contra o frio.
Os sapatos ingleses de Rehv tinham solas escorregadias, assim foi muito cuidadoso ao atravessar a neve pulverizada.
— Ela está bem?
A doggen elevou o olhar, e tinha os olhos empanados com lágrimas.
— Aproxima-se sua hora.
Rehv entrou, fechou a porta, e se negou a ouvir isso.
— Não é possível.
— Sinto muito, senhor. — a doggen tirou um lenço branco do bolso de seu uniforme cinza — Sinto… Muito.
— Não é o bastante velha.
— Sua vida foi muito mais longa que seus anos.
A doggen sabia bem o que acontecia na casa quando o pai de Bella ainda estava com eles. Limpara vidros quebrados e porcelana destroçada. Tinha enfaixado ferimentos e prestado cuidados.
— Realmente, não posso suportar que se vá. — disse a criada — Estarei perdida sem minha ama.
Rehv pôs uma mão intumescida sobre seu ombro e apertou brandamente.
— Não sabe com segurança. Não foi ver o Havers. Deixe-me vê-la, ok?
Quando a doggen assentiu, Rehv subiu lentamente a escada até o primeiro andar, passando diante de retratos familiares a óleo que ele tinha transferido da antiga casa.
No patamar, foi para a esquerda e bateu em um jogo de portas.
— Mahmen?
— Estou aqui, meu filho.
A resposta na Antiga Língua veio detrás de outra porta, ele retrocedeu e entrou no closet, o familiar aroma de Chanel Nº 5 o acalmou.
— Onde está? — disse aos metros e metros de roupa pendurada.
— Estou no fundo, meu amado filho.
Enquanto Rehv passava entre as fileiras de blusas, saias, vestidos e trajes de baile, inspirou profundamente. O perfume, selo indiscutível de sua mãe, achava-se em todos os objetos de vestir, penduradas por cor e tipo, e o frasco de que provinha estava sobre a carregada penteadeira, entre maquiagem, loções e pós.
Encontrou-a diante do espelho de três corpos. Engomando.
O que era além do estranho e o fez avaliá-la.
Sua mãe era majestosa inclusive com sua camisola rosa, levava o cabelo branco recolhido em cima de sua cabeça perfeitamente proporcionada, e, sentada nesse tamborete alto tinha uma postura deliciosa, com seus grandes diamantes em forma de pêra brilhando na mão. A tábua de engomar, atrás da qual se sentava, tinha uma cesta e um spray de amido em um extremo e uma pilha de lenços engomados no outro. Quando a viu, estava na metade de um lenço, com o ferro marcando ao meio do quadrado amarelo pálido, o ferro que esgrimia chiava enquanto o deslizava acima e abaixo.
— Mahmen, o que está fazendo? — bem, em certo nível era óbvio, mas sua mãe era a castelã[68]. Não podia recordar tê-la visto jamais fazendo tarefas domésticas, lavando a roupa ou algo desse tipo. As pessoas tinham doggens para essas coisas.
Madalina elevou o olhar, seus opacos olhos azuis pareciam cansados, seu sorriso era mais um esforço que honesta alegria.
— Estes eram de meu pai. Encontramos quando estávamos revisando as caixas que vieram do sótão da antiga casa.
A “antiga casa” era a de Caldwell onde viveram durante quase um século.
— Poderia dizer a sua criada que fizesse por você. — inclinou-se e beijou a suave bochecha — Adoraria te ajudar.
— Sim, ela disse o mesmo. — depois de pôr a mão em seu rosto, sua mãe voltou para o que estava fazendo, dobrando o quadrado de linho outra vez, tomando o spray de amido e vaporizando-o sobre o lenço — Mas isto é algo que eu devo fazer.
— Posso me sentar? — perguntou, assinalando com a cabeça uma cadeira que havia ao lado do espelho.
— Oh, é obvio, onde estão minhas maneiras? — deixou o ferro e começou a descer do tamborete — E devemos te conseguir algo…
Ele levantou a mão.
— Não, Mahmen, acabei de comer.
Fez uma reverência e voltou a encarapitar-se ao banco.
— Agradeço que me concedesse esta audiência, já que conheço sua natureza ativa…
— Sou seu filho. Como pode pensar que não viria?
O lenço engomado foi colocado em cima de seus ordenados irmãos, e o último foi tirado da cesta.
O ferro exalou vapor enquanto ela passava com cuidado sua base quente sobre o quadrado branco. Enquanto o movia lentamente, ele olhou ao espelho. As omoplatas se destacavam sob a camisola de seda e na nuca se via claramente sua espinha dorsal.
Quando voltou a fixar-se em seu rosto, viu uma lágrima cair do olho ao lenço.
Oh… Querida Virgem Escriba, pensou. Não estou preparado.
Rehv cravou a bengala no chão e se ajoelhou ante ela. Girando o tamborete para ele, tirou o ferro de sua mão e o deixou a um lado, preparado para levá-la a Havers, preparado para pagar qualquer medicina que lhe pudesse comprar mais tempo.
— Mahmen, o que a aflige? — tomou um dos lenços engomados de seu pai e tocou ligeiramente a parte inferior dos olhos — Fala com seu filho legítimo do peso que há em seu coração.
Derramou intermináveis lágrimas, e ele as apanhou uma a uma. Apesar de sua idade e seu pranto, era encantadora, uma Escolhida caída que tinha vivido uma vida dura e, entretanto, permanecia cheia de graça.
Quando finalmente falou, sua voz foi tênue.
— Estou morrendo. — negou com a cabeça antes que ele pudesse falar — Não, sejamos sinceros um com o outro. Meu fim chegou.
Veremos, pensou Rehv para si mesmo.
— Meu pai. — tocou o lenço com o qual Rehv secou suas lágrimas — Meu pai… É estranho que agora pense nele dia e noite, mas o faço. Ele foi o Primale faz muito tempo, e amava aos seus filhos. Sua maior alegria era sua linhagem, e embora fossemos muitos, relacionou-se com todos nós. Estes lenços? Foram feitos com suas túnicas. A mim agradavam verdadeiramente os trabalhos de costura, e ele sabia por isso me deu algumas de suas túnicas.
Esticou uma mão ossuda e acariciou o montão que tinha engomado.
— Quando deixei o Outro Lado, ele me fez tomar alguns deles. Estava apaixonada por um Irmão e convencida de que minha vida só estaria completa se estivesse com ele. É óbvio, então…
Sim, foi essa então a parte de sua vida que lhe causara tal dor: então foi violada por um symphath, ficou grávida de Rehvenge e foi forçada a dar à luz uma monstruosidade de híbrido que de algum modo ela tinha aconchegado a seu seio e amado como qualquer filho teria querido ser amado. E, todo o tempo que o rei symphath a manteve encarcerada, o Irmão ao que amava a buscava… Só para morrer no processo de seu resgate.
E essas tragédias não tinham sido o final.
— Depois que fui… Resgatada, meu pai chamou-me ao seu leito de morte. — continuou — De todas as Escolhidas, de todos seus companheiros e filhos, ele quis ver a mim. Mas, eu não queria ir. Não podia suportar… Não era a filha que ele conhecia. — os olhos se encontraram com os de Rehv, e havia uma súplica profunda neles — Não queria que soubesse nada de mim. Estava suja.
Caramba, ele conhecia essa sensação, mas sua mahmen não necessitava essa carga. Não tinha nem idéia da classe de merda com a que ele tratava e nunca saberia, porque era evidente que a principal razão pela qual se prostituía era para que ela não tivesse de suportar a tortura de ver seu filho deportado.
— Quando me neguei ao chamado, a Directrix veio a mim e me disse que estava sofrendo. Que não iria ao Fade até que fosse vê-lo. Que permaneceria no doloroso bordo da morte durante a eternidade a menos que o aliviasse. À tarde seguinte fui, desconsolada. — nesse momento o olhar de sua mãe se voltou violento — Ao chegar ao templo do Primale, quis me abraçar, mas não pude… Permitir. Era uma estranha com o rosto de um ser amado, isso era tudo, e tentei manter um bate-papo amável e intrascendente. Foi então que disse algo que até agora não pudera compreender por completo. Disse: “A alma oprimida não passará embora o corpo falhe”. Ele estava prisioneiro pelo que ficara sem resolver a meu respeito. Sentia que falhara em seu papel. Que se me tivesse mantido no Outro Lado, teria tido melhor destino do que se revelou depois de que me fora.
Isso fechou a garganta de Rehv, quando na parte frontal de seu cérebro se instalou uma terrível suspeita.
A voz de sua mãe era fraca, mas franca.
— Aproximei-me da cama, e ele estendeu sua mão para mim, e sustentei sua palma dentro da minha. Nesse momento lhe disse que amava ao meu filho, que ia emparelhar-me com um macho da glymera e que nem tudo estava perdido. Meu pai examinou meu rosto em busca da verdade nas palavras que falei, e quando esteve satisfeito com o que viu, fechou os olhos… E se deixou levar. Soube que se não tivesse ido… — respirou fundo — Verdadeiramente, não posso deixar esta terra com as coisas como estão.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Todos estão bem, Mahmen. Bella e sua filha estão bem e a salvo. Eu…
— Pare. — sua mãe levantou a mão e o agarrou pelo queixo, do modo em que fazia quando era pequeno e dado a causar problemas — Sei o que fez. Sei que matou meu hellren, Rempoon.
Rehv sopesou a possibilidade de seguir mantendo a mentira, mas, dada a expressão de sua mãe, a verdade tinha sido revelada, e nada do que pudesse dizer a dissuadiria.
— Como? — perguntou — Como o averiguou?
— Quem mais o faria? Quem mais poderia? — quando o soltou e acariciou sua bochecha, ele se enterneceu ao sentir o quente contato — Não esqueça que via este seu rosto cada vez que meu hellren perdia a paciência. Meu filho, meu forte e poderoso filho. Olhe-se.
O sincero e afetuoso orgulho que sentia por ele era algo que nunca tinha entendido, dadas as circunstâncias de sua concepção.
— Também sei, — sussurrou — que matou ao seu pai biológico. Faz vinte e cinco anos.
Agora, isso sim captou sua atenção.
— Não supunha que soubesse. Nada disto. Quem lhe disse isso?
Ela afastou a mão de seu rosto e apontou a mesa de maquiagem, à tigela de cristal que ele sempre tinha assumido que era para fazê-la manicura.
— Os velhos hábitos de uma Escolhida escriba, são difíceis de matar. Vi-o na água. Justamente depois que acontecesse.
— E manteve em segredo. — disse ele maravilhado.
— E não posso mais. E por isso te trouxe aqui.
A horrível sensação ressurgiu, era resultado de estar preso entre o que sua mãe pediria que fizesse e a forte convicção de que sua irmã não sairia beneficiada ao inteirar-se de todos os segredos sujos e malignos da família. Bella tinha permanecido protegida desta maldade toda sua vida, e não havia razão para fazer uma completa revelação agora, especialmente se sua mãe estava morrendo.
O que Madalina não ia fazer, recordou-se.
— Mahmen…
— Sua irmã nunca deve saber.
Rehv se esticou, rezando para ter ouvido bem.
— Desculpe?
— Jure que fará tudo o que esteja em seu poder para assegurar que ela nunca saiba. — enquanto sua mãe se inclinava para frente e agarrava seus braços, ele podia afirmar que realmente estava lhe cravando os dedos pelo modo em que os ossos das mãos e punhos se sobressaíam descarnadamente — Não quero que ela leve este tipo de peso. Viu-se forçado a fazê-lo, e o teria poupado disso se pudesse, mas não pude. E, se ela não sabe então a próxima geração não terá que sofrer. Nalla tampouco terá que suportar este peso. Pode morrer contigo e comigo. Jura-me isso.
Rehv olhou fixamente aos olhos de sua mãe e nunca a amou mais.
Assentiu uma vez.
— Olhe-me no rosto e esteja segura, juro-o. Bella e sua descendência nunca saberão. O passado morrerá contigo e comigo.
Os ombros de sua mãe afrouxaram sob a camisola, e o tremente suspiro que exalou expressou claramente seu alívio.
— É o filho que outras mães só podem desejar.
— Como isso pode ser certo? — disse brandamente.
— Como pode não ser?
Madalina se compôs e tomou o lenço da mão de Rehv.
— Tenho que engomar este outra vez, e após, possivelmente, me ajudará a ir a minha cama?
— É obvio. E quero chamar o Havers.
— Não.
— Mahmen…
— Gostaria que minha passagem fosse sem intervenção médica. De todo modo ninguém poderia me salvar agora.
— Não pode saber isso…
Ela levantou sua encantadora mão com o pesado anel de diamantes.
— Estarei morta antes do anoitecer de amanhã. Vi na tigela.
Rehv ficou sem fôlego, seu pulmão se negava a funcionar. Não estou preparado para isto. Não estou preparado. Não estou preparado…
Madalina foi muito precisa com o último lenço, alinhando as pontas cuidadosamente, passou o ferro lentamente daqui para lá. Quando terminou, colocou o perfeito quadrado sobre outros, assegurando-se de que todos estivessem alinhados.
— Está feito. — disse.
Rehv se inclinou sobre sua bengala para levantar-se e lhe oferecer o braço, e juntos partiram arrastando os pés para o dormitório, ambos instáveis.
— Tem fome? — perguntou enquanto retirava as mantas e a ajudava a deitar-se.
— Não, estou bem como estou.
As mãos de ambos trabalharam juntas para arrumar os lençóis, a manta e o edredom de forma que tudo estivesse dobrado com precisão e posicionado diretamente sobre seu peito. Quando se endireitou, soube que ela não voltaria a sair da cama outra vez e não pôde suportar.
— Bella deve vir aqui. — disse com rudeza — Precisa despedir-se.
Sua mãe assentiu e fechou os olhos.
— Deve vir agora, e, por favor, que traga a menina.

Em Caldwell, na mansão da Irmandade, Tohr caminhava por seu dormitório. O que era uma piada realmente, tendo em conta quão fraco estava. Cambalear era tudo o que podia obter.
Cada minuto e meio comprovava o relógio, o tempo passava a uma velocidade alarmante, até que sentiu como se o relógio de areia do mundo tivesse se quebrado e os segundos, como a areia, estivessem se pulverizando por toda parte.
Necessitava mais tempo. Mais… Merda, entretanto, serviria isso de alguma ajuda?
Simplesmente não podia imaginar como se arrumaria para superar o que estava a ponto de acontecer e sabia que por mais que desse voltas ao assunto, não ia mudar. Por exemplo, não podia decidir se era melhor ter uma testemunha. A vantagem era que dessa forma seria ainda menos pessoal. A desvantagem era que se quebrava-se haveria outra pessoa no quarto presenciando.
— Ficarei.
Tohr deu uma olhada a Lassiter, que estava ajeitado na chaise junto às janelas. As pernas do anjo estavam cruzadas à altura dos tornozelos, e uma das botas de combate marcava o compasso de um lado ao outro, como outra forma odiosa de medir o tempo.
— Vamos, — disse Lassiter — vi seu lamentável traseiro nu. O que poderia ser pior que isso?
As palavras eram a típica fanfarronice e o tom de voz foi surpreendentemente aprazível…
A batida na porta foi suave. O que significava que não era um Irmão. E dado que não havia aroma de comida abrindo caminho por debaixo da porta, não era Fritz com uma bandeja de comida destinada a terminar em trono de porcelana.
Evidentemente a chamada ao Phury tinha funcionado.
Tohr começou a tremer da cabeça aos pés.
— Bom, tranqüilo aí. — Lassiter levantou e se aproximou rapidamente — Quero que se sente aqui. Não quererá fazer isto perto de uma cama. Vamos… Não, não lute contra mim. Sabe que é o que terá que fazer. É biologia, não uma escolha, assim, deve deixar a culpa de fora.
Tohr se sentiu empurrado para uma cadeira de encosto rígido que estava perto do escritório e, porra, foi bem a tempo, seus joelhos perderam interesse em seu trabalho e o par se afrouxou de forma que golpeou o assento tecido com tanta força que ricocheteou.
— Não sei como fazer isto.
A magnífica face de Lassiter apareceu diante da sua.
— Seu corpo fará por você. Afaste a sua mente e o seu coração e deixe que seu instinto faça o que deve ser feito. Isto não é tua culpa. Assim é como sobrevive.
— Não quero sobreviver.
— Não me diga? E eu que pensava que toda esta merda de autodestruição era só um passatempo.
Tohr não tinha forças para arremeter contra o anjo. Não tinha forças para deixar a habitação. Nem sequer tinha a reserva suficiente para chorar.
Lassiter foi até a porta e a abriu.
— Hey, obrigado por vir.
Tohr não podia suportar olhar a qual escolhida entrou, mas não havia forma de ignorar sua presença: seu aroma delicado e floral flutuou para ele.
O perfume natural de Wellsie tinha sido mais forte que esse, feito não só de rosa e jasmim, mas também da fragrância que refletia seu temperamento.
— Meu senhor. — disse uma voz feminina — Sou a Escolhida Selena, vim para serví-lo.
Houve uma longa pausa.
— Vá a ele. — disse Lassiter brandamente — Precisamos terminar com isto.
Tohr pôs o rosto entre as mãos, e deixou a cabeça cair frouxamente sobre o pescoço. Era o único que podia fazer para seguir respirando, dentro e fora, enquanto a fêmea se posicionava no chão a seus pés.
Através dos compridos e magros dedos viu o branco da túnica que se derramava a seu redor. Wellsie não esteve muito interessada nos vestidos. O único que verdadeiramente gostava era o vermelho e negro com o que se emparelhou a ele.
Uma imagem dessa cerimônia sagrada apareceu em sua mente, e viu com trágica clareza o momento em que a Virgem Escriba agarrara sua mão e a de Wellsie e declarou que era um bom emparelhamento, verdadeiramente um muito bom emparelhamento. Havia sentido uma grande calidez ao estar ligado a sua fêmea através da mãe da raça, e essa sensação de amor, propósito e otimismo se incrementou um milhão de vezes ao olhar a seu amor aos olhos.
Parecera que tinham toda uma vida de felicidade e alegria ante eles… E, entretanto, agora aqui estava ele, ao outro lado de uma perda inconcebível, sozinho.
Não, pior que sozinho. Só e a ponto de tomar o sangue de outra fêmea em seu corpo.
— Isto está acontecendo muito rápido. — disse entre dentes detrás das palmas de suas mãos — Não posso… Necessito mais tempo…
Que Deus o ajudasse, mas, se esse anjo dizia uma só palavra a respeito de ser esse o momento oportuno, faria que esse bastardo desejasse que seus dentes fossem de vidro blindado.
— Meu senhor. — disse a Escolhida brandamente — Retornarei se esse é seu desejo. E voltarei prontamente se então não for o momento adequado. E retornarei e voltarei a retornar uma vez mais até que você esteja preparado. Por favor… Meu senhor, na verdade, só desejo ajudar, não o ferir.
Ele franziu o cenho. Soava muito amável, e não havia nenhuma só nota sedutora em nenhuma das sílabas que deixaram seus lábios.
— Diga-me a cor de seu cabelo. — disse através das mãos.
— É negro como a noite e está preso tão firmemente como minhas irmãs e eu pudemos. Também tomei a liberdade de envolvê-lo em um turbante, embora você não pedisse. Pensei… Que possivelmente seria de mais ajuda.
— Diga-me cor de seus olhos.
— Azuis, meu senhor. Um pálido azul céu.
Os de Wellsie tinham sido de cor xerez.
— Meu senhor, — sussurrou a Escolhida — nem sequer precisa me olhar. Deixe que permaneça atrás de você, e tome o pulso dessa forma.
Ouviu o sussurro do suave tecido e o aroma da fêmea agitar-se a seu redor até que proveio de detrás dele. Deixando cair às mãos, Tohr viu as longas pernas de Lassiter embainhadas em jeans. Os tornozelos do anjo estavam cruzados outra vez, agora enquanto se achava recostado contra a parede.
Um braço esbelto coberto de tecido branco apareceu ante ele.
Com lentos puxões, a manga da túnica foi gradualmente elevando-se mais e mais acima.
O pulso que ficou exposto era frágil, a pele era branca e fina.
As veias sob a superfície eram de uma cor azul clara.
As presas de Tohr saíram bruscamente do paladar e um grunhido saiu de seus lábios. O bastardo do anjo tinha razão. De repente, sua mente ficou vazia, tudo se centrava em seu corpo e no que lhe fora privado durante tanto tempo.
Tohr fechou firmemente sua forte mão sobre o ombro dela, chiou como uma cobra e mordeu o pulso da Escolhida até o osso, fixando as presas no lugar. Houve um grito de alarme e uma resistência, mas ele estava longe enquanto bebia. Os goles eram como punhos em uma corda, puxando esse sangue para baixo, a suas vísceras, tão rapidamente que não tinha tempo de saboreá-la.
Quase matou à Escolhida.
E se inteirou disso mais tarde, depois que finalmente Lassiter o desprendesse e o deixasse fora de combate com um murro à cabeça… Porque no instante em que foi separado da fonte desses nutrientes, tratou de agarrar à fêmea outra vez.
O anjo caído teve razão.
A horrível biologia era o máximo condutor, ganhando inclusive ao mais robusto de coração.
E ao mais reverente dos viúvos.


Capítulo 34


Quando Ehlena chegou a casa, compôs uma expressão falsa, despediu-se de Lusie, e foi ver seu pai, que “fazia incríveis avanços” em seu trabalho. Não obstante, assim que pôde, foi ao seu quarto para conectar-se online. Tinha que verificar quanto dinheiro possuía, contando até o último tostão, e não acreditava que gostaria do que verificasse. Depois de identificar-se em sua conta bancária, repassou os cheques que teria de cobrir e assinalou o que venceria na primeira semana do mês. A boa notícia era que ainda receberia seu pagamento de novembro.
Sua conta poupança não chegava a onze dos grandes.
Não sobrava nada para vender. E, não sobrava nada do orçamento mensal.
Lusie teria que deixar de vir. O que seria um saco, porque aceitaria outro cliente para preencher o vazio, assim, quando Ehlena encontrasse um novo trabalho haveria um buraco em cuidados médicos que preencher.
Assumindo que conseguisse outro posto. Seguro como a merda que não seria de enfermeira. Que fosse despedida por justa causa não era o que algum empregador quisesse ver em um currículo.
Por que roubara essas porcarias de pílulas?
Ehlena ficou sentada olhando à tela somando e voltando a somar todos os numerozinhos até que se juntaram formando um só borrão, e nem sequer pôde registrar a soma.
— Minha filha?
Fechou rapidamente o portátil, porque ao seu pai não caía bem a eletrônica, e compôs o semblante.
— Sim? Quero dizer, sim?
— Pergunto-me se você gostaria de ler uma passagem ou duas de meu trabalho? Parece ansiosa, e descobri que tais atividades acalmam a mente. — aproximou-se de seu lado arrastando os pés e estendeu galantemente o braço.
Ehlena se levantou porque às vezes tudo o que uma pessoa podia fazer era aceitar as instruções de outra. Não queria ler nenhuma das incoerências que tinha rabiscado nessas páginas. Não suportava fingir que estava tudo bem. Desejava, embora fosse só por uma hora, poder ter de volta ao seu pai para poder falar da posição ruim que ela colocou a ambos.
— Isso seria encantador. — disse com um tom de voz apagado e elegante.
Seguindo-o a seu escritório, ajudou-o a acomodar-se em sua cadeira e olhou ao redor, às descuidadas pilhas de papéis. Que desastre. Havia pastas de couro negro cheias até o ponto de se romper. Pastas repletas até os batentes. Cadernos de apontamentos de espirais com páginas escapando de seus limites como línguas de cão. Folhas brancas soltas esparramadas aqui e ali, como se as páginas tivessem tentado empreender o vôo e não tivessem conseguido chegar muito longe.
Tudo isto era seu diário, ou isso dizia ele. Em realidade, era somente uma pilha atrás de outra de sem-sentidos, a manifestação física de seu caos mental.
— Aqui. Sente-se, sente-se. — seu pai limpou o assento próximo a sua escrivaninha, movendo uns blocos de papéis mantidos com elástico de borracha de cor café claro.
Depois de sentar-se, Ehlena pôs as mãos sobre os joelhos e apertou com força, tentando não perder o controle. Era como se o lixo da sala fosse uma espiral magnética que fazia com que seus próprios pensamentos e maquinações rodassem inclusive mais rápidos, e, essa não era em absoluto a ajuda que necessitava.
Seu pai passeou a vista pelo escritório e sorriu como se desculpando.
— Semelhante trabalho para um rendimento comparativamente pequeno. Algo assim como colher pérolas. As horas que passei aqui, a quantidade de horas para cumprir cabalmente com meu propósito...
Ehlena apenas ouvia. Se não pudesse quitar o aluguel, aonde iriam? Haveria algo inclusive mais barato que não tivesse ratos e baratas sibilantes? Como seu pai enfrentaria um ambiente estranho? Queridíssima Virgem Escriba assumiu que tinham chegado ao fundo à noite em que ele queimara a conveniente casa que alugavam. O que havia mais ao fundo que isto?
Soube que tinha problemas quando tudo se borrou.
A voz de seu pai continuava, percorrendo através de seu silencioso pânico.
— Empenhei-me em registrar com fidelidade tudo o que vi...
Ehlena não ouviu muito mais.
Quebrou-se pela metade. Sentada na pequena cadeira sem braços, inundada pelo inútil balbuciar sem sentido de seu pai e examinando suas ações e aonde uma decisão ruim levara a ambos, chorou.
E não só por ter perdido o trabalho. Era pelo Stephan. Pelo que ocorrera com Rehvenge. Pelo fato de seu pai ser um adulto que não podia compreender a realidade de sua situação.
Era por estar tão sozinha.
Ehlena abraçou a si mesma e chorou, exalando roucos fôlegos por entre seus lábios até que esteve muito exausta para fazer outra coisa mais que permanecer dobrada sobre seu próprio colo.
Finalmente, soltou um grande suspiro e limpou os olhos com a manga do uniforme que já não necessitaria.
Quando levantou o olhar, seu pai estava sentado completamente imóvel em sua cadeira, com uma expressão de absoluta surpresa.
— Verdadeiramente... Minha filha.
Veja, esta era a questão. Podia ter perdido toda a pompa financeira de sua condição anterior, mas os velhos hábitos demoravam a morrer. A reserva da glymera ainda definia a forma de conversar de ambos... Em razão disso, uma grande sessão de choro equivalia a atirar-se de costas sobre a mesa do café da manhã e que lhe saísse um “alien” do estômago.
— Perdoe-me, Pai. — disse, sentindo-se mais que parva — Acredito que deveria me desculpar.
— Não... Espere. Ia ler.
Fechou os olhos, sua pele esticando-se ao longo de todo seu corpo. Em certo nível, toda sua vida estava definida pela patologia mental de seu pai, e, embora em sua maior parte visse seu sacrifício como algo que lhe devia, esta noite estava muito alterada para fingir que algo tão inútil como seu “trabalho” era de importância crucial.
— Pai, eu...
Uma das gavetas da escrivaninha se abriu e fechou.
— Aqui o tem filha. Tem em suas mãos algo mais que só uma passagem.
Abriu as pálpebras à força…
E teve que inclinar para frente para assegurar-se de que realmente estava vendo bem. Entre as palmas de seu pai havia uma pilha próxima a um centímetro de grossura de páginas brancas perfeitamente alinhadas.
— Este é o meu trabalho. — disse simplesmente — Um livro para você, minha filha.

No andar inferior do refúgio Tudor, Rehv esperava junto às janelas da sala, com o olhar fixo na grama ondulada. As nuvens se afastaram e uma lua crescente pendia no brilhante céu invernal. Em sua mão intumescida, sustentava seu novo telefone celular, que acabava de fechar com uma maldição.
Não podia acreditar que no andar de acima, sua mãe estivesse em seu leito de morte, que nesse mesmo momento sua irmã e seu hellren corressem às pressas contra a saída do sol para poder chegar ali antes... E, ainda assim o trabalho elevava sua feia e chifruda cabeça.
Outro camelo morto. O que somava três nas últimas vinte e quatro horas.
Xhex foi breve e concisa, muito ao seu estilo. Ao contrário de Ricky Martínez e Isaac Rush, cujos corpos foram encontrados no rio, este cara aparecera em seu carro no estacionamento vazio de um centro comercial com uma bala atravessando a parte de trás de seu crânio. O que significava que o carro foi conduzido até ali com o corpo dentro: ninguém seria tão estúpido para disparar ao idiota em um lugar que, indubitavelmente, tinha cobertura de câmeras de segurança. Entretanto, como o relato da polícia não informava nada mais, teriam que esperar os periódicos e as notícias matutinas da TV para inteirar-se de mais detalhes.
Mas aí estava o problema, e a razão de ter amaldiçoado.
Esses três tinham feito compras no correr das últimas duas noites.
Razão pela qual Xhex o interrompera na casa de sua mãe. O negócio das drogas não estava simplesmente desregulamentado, a não ser totalmente irregular, e o ponto de equilíbrio que se alcançou em Caldwell e que permitia que ele e seus colegas de alto nível pudessem fazer dinheiro era algo muito delicado.
Ao ser um grande jogador, seus fornecedores eram uma combinação de traficantes de Miami, importadores do porto de Nova Iorque, destiladores de Connecticut, e fabricantes de X de Rhode Island. Todos eles eram homens de negócios, como ele, e a maioria eram independentes, exemplos, não filiados à máfia dos Estados Unidos. A relação era sólida e os homens que no outro extremo eram tão cuidadosos e escrupulosos como ele era: o que faziam era simplesmente uma questão que implicava uma transação financeira e uma mudança de mãos de produtos, como em qualquer outro segmento legítimo da economia. Os carregamentos chegavam à Caldwell através de várias residências e eram transportados ao ZeroSum, onde Rally estava a cargo de provar, cortar e empacotar.
Era uma máquina bem azeitada que tinha levado dez anos pôr em marcha, e requeria uma combinação de empregados bem pagos, ameaças de dor física, a realização dessas surras, e o constante relacionamento para assegurar a manutenção.
Três cadáveres eram suficientes para fazer pedaços de todo o acerto, provocando não só um déficit econômico, a não ser uma luta de poder nos níveis inferiores que ninguém necessitava: alguém estava encarregando-se das pessoas em seu território, e seus colegas se perguntariam se estava distribuindo algum tipo de castigo ou, pior, se estava ele mesmo sendo castigado. Os preços flutuariam, as relações ficariam tensas e a informação passaria a ser não confiável.
Este assunto devia ser atendido.
Tinha que fazer algumas chamadas para assegurar a seus importadores e produtores que mantinha o controle de Caldwell e que nada impediria a venda de suas mercadorias. Mas Cristo, por que agora?
Rehv dirigiu os olhos ao teto.
Durante um momento, fantasiou deixando tudo, salvo que isso era pura merda. Enquanto a princesa fizesse parte de sua vida, permaneceria no negócio, porque não havia uma maldita forma de que permitisse que essa cadela ficasse com a fortuna de sua família. Deus sabia que o pai de Bella fizera o bastante nesse sentido ao tomar decisões financeiras ruins.
Enquanto a princesa estivesse no mundo, Rehv seguiria sendo o senhor da droga de Caldwell e faria suas chamadas... Embora, não da casa de sua mãe, não durante o tempo que dedicava a sua família. Os negócios podiam esperar até que tivesse cumprido com sua família.
Embora uma coisa estivesse clara. De agora em diante, Xhex, Trez e iAm teriam que vigiar as coisas ainda mais de perto, porque certo como a merda que se alguém era ambicioso o bastante para tentar acabar com esses intermediários, era mais que provável que tentaria com um peixe graúdo como Rehv. O problema era que seria de vital importância que Rehv se deixasse ver pelo clube. Fazer ato de presença era crítico em tempos revoltos, quando seus contatos de negócios estariam observando-o para ver se fugia e se escondia. Era melhor que o percebessem como a pessoa que podia estar levando a cabo as matanças do que como a um maricas que se escondia rapidamente quando as coisas ficavam difíceis.
Sem razão aparente, abriu seu telefone e se certificou se tinha chamadas perdidas. Outra vez. Nada de Ehlena. Ainda.
Era provável que simplesmente estivesse ocupada na clínica, presa na agitação. É óbvio que sim. E, não era como se a instalação corresse perigo de ser assaltada. Estava localizada em um lugar remoto, tinha bastante segurança, e, se algo mal tivesse ocorrido teria se informado.
Verdade?
Demônios.
Franzindo o cenho, verificou seu relógio. Hora de tomar mais duas pílulas.
Dirigiu-se à cozinha e estava bebendo um copo de leite e tomando mais penicilina quando um par de faróis iluminou a fachada da casa. Enquanto o Escalade estacionava à frente e abriam as portas, deixou o copo, apoiou a bengala no chão, e foi saudar sua irmã, seu marido e a filha de ambos.
Bella já tinha os olhos vermelhos quando entrou, porque deixara claro o que estava acontecendo. Seu hellren vinha logo atrás dela, levando a sua sonolenta filha nos enormes braços, e com uma expressão turva em seu rosto com cicatrizes.
— Minha irmã. — disse Rehv enquanto tomava Bella entre seus braços. Enquanto a abraçava ligeiramente, chocou as palmas com Zsadist — Alegra-me que esteja aqui, amigo.
Z assentiu com seu crânio raspado.
— A mim também.
Bella se afastou e limpou os olhos rapidamente.
— Está acima na cama?
— Sim, sua doggen está com ela.
Bella tomou sua filha nos braços e, após, Rehv abriu caminho subindo as escadas. Frente às portas do dormitório, chamou primeiro na soleira e esperou enquanto sua mãe e a fiel criada se preparavam.
— Quão mal está? — sussurrou Bella.
Rehv baixou o olhar para sua irmã, pensando que esta era uma das poucas situações que podia ver-se não sendo tão forte para ela como queria ser.
Sua voz foi rouca.
— Chegou a hora.
Os olhos de Bella se fecharam exatamente quando sua mahmen disse com um tom de voz instável:
— Entrem.
Quando Rehv abriu uma das duas portas, ouviu Bella inalar intensamente, mas, mais que isso percebeu sua mentira emocional: a tristeza e o pânico se entrelaçavam, dobrando-se e redobrando-se até formar uma caixa sólida. Era uma estampagem de sentimentos que só tinha visto em funerais. E, por acaso não tinha isso um perfeito e trágico sentido.
— Mahmen. — disse Bella enquanto ia à cama.
Quando Madalina estendeu os braços, seu rosto estava impregnado de felicidade.
— Meus amores, meus queridíssimos amores.
Bella se inclinou e beijou a bochecha de sua mãe, depois transferiu cuidadosamente o peso de Nalla. Como sua mãe não tinha forças para segurar à pequena, colocou um dos travesseiros restantes de forma que servisse de apoio para o pescoço e a cabeça de Nalla.
O sorriso de sua mãe era resplandecente.
— Olhem seu rosto... Certamente será uma grande beleza. — elevou uma mão esquelética para Z — E o orgulhoso papai, que cuida de suas fêmeas com tanta força e integridade.
Zsadist se aproximou e estreitou a mão que lhe estendia, inclinando-se para roçar os nódulos dela com a testa, como era costume entre mães e genros.
— Sempre as manterei a salvo.
— Certamente. Disso estou bem segura. — sua mãe sorriu ao feroz guerreiro que parecia totalmente desconcertado entre as cortinas de renda que rodeavam a cama... Mas então suas forças fraquejaram e permitiu que sua cabeça caísse a um lado.
— Minha maior alegria. — sussurrou enquanto olhava a sua neta.
Bella encostou o quadril sobre o colchão e roçou gentilmente o joelho de sua mãe. O silêncio no quarto se voltou suave como um pôr-do-sol, um casulo de tranqüilidade que pousou sobre todos eles e aliviou a tensão.
Havia uma única coisa boa em tudo isto: Uma morte natural que ocorria no momento adequado era uma bênção tão grande como uma vida longa e tranqüila.
Sua mãe não teve o último. Mas Rehv manteria sua promessa assegurando-se que a paz que havia neste quarto se mantivesse também depois que ela se fosse.
Bella se inclinou para sua filha e sussurrou:
— Dorminhoca, acorde para sua Grahmen.
Quando Madalina roçou brandamente a bochecha da pequena, Nalla despertou com um gorjeio. Quando esses olhos amarelos, brilhantes como diamantes enfocaram o velho e amado rosto que tinha ante ela, a pequena sorriu e estendeu suas mãos gordinhas. Quando a menina apertou o dedo de sua avó, Madalina elevou o olhar e espiou ao Rehv por cima da seguinte geração. Em seu olhar havia uma súplica.
E lhe deu exatamente o que necessitava. Pondo o punho sobre o coração, fez a mais ligeira das inclinações, pronunciando seu voto uma vez mais.
Sua mãe piscou, com lágrimas tremendo em suas pestanas, e uma onda de gratidão se derramou sobre ele. Embora não pudesse sentir a calidez da mesma, sabia pela forma em que permitiu que seu casaco de zibelina se abrisse que sua temperatura corporal acabava de subir.
Sabia também que seria capaz de tudo para manter sua promessa. Uma boa morte não era somente rápida e indolor. Uma boa morte implicava deixar seu mundo em ordem, que passava ao Fade com a satisfação de saber que os entes amados estariam bem cuidados e a salvo, e, embora tivessem que atravessar o processo do duelo, ficava a segurança de que não tinha deixado nada sem dizer ou fazer.
Ou que não havia dito nada, como era o caso aqui.
Era o maior presente que podia dar à mãe que o criara de um modo melhor do que merecia, a única forma em que podia compensá-la pelas circunstâncias de seu cruel nascimento.
Madalina sorriu e soltou um comprido e agradecido fôlego.
E tudo foi como tinha que ser.


Capítulo 35


John Matthew acordou com sua H&K  apontando à porta que se abria no inóspito quarto de Xhex. Seu ritmo cardíaco estava tão sereno quanto sua mão firme, e, mesmo quando as luzes acenderam, não piscou. Se não gostasse do aspecto de quem quer que fosse que abria a fechadura e virava o trinco, colocaria uma bala no meio de qualquer peito que surgisse.
— Tranqüilo. — disse Xhex enquanto entrava e os fechava juntos — Sou somente eu.
Ele voltou a pôr a trava e baixou a arma.
— Estou impressionada. — murmurou ela enquanto se recostava contra o batente da porta — Desperta como um guerreiro.
De pé do outro lado do quarto, com seu poderoso corpo relaxado, era a fêmea mais atrativa que já vira. O que queria dizer que a menos que ela quisesse o mesmo que ele, teria que ir. As fantasias eram boas, mas em carne e osso era melhor, e, não acreditava que pudesse manter-se afastado dela.
John esperou. E esperou. Nenhum dos dois se moveu.
Bem. Hora de ir antes de se comportar como um imbecil.
Começou a baixar as pernas da cama, mas ela sacudiu a cabeça.
— Não, fique onde está.
Ok. Mas isso queria dizer que necessitaria um pouco de camuflagem.
Estendeu a mão em busca de sua jaqueta e arrastou o couro até seu colo, porque sua arma não era unicamente o que estava preparada para ser usada. Como de costume, tinha uma ereção, o que era habitual na merda de “acorda-desperta-levanta-e-brilha”… Assim como um problema sempre que entrava no raio de ação dela.
— Sairei em seguida. — disse ela, deixando cair sua jaqueta negra e dirigindo-se ao banheiro.
A porta se fechou e ele ficou boquiaberto.
Poderia ser… Que acontecesse?
Alisou o cabelo, arrumou a camisa, e acomodou seu pênis. O qual não só estava duro, mas também pulsava. Baixou o olhar para a longitude que se apertava contra o zíper de seu jeans A&F e tratou de indicar à coisa que possivelmente ela ficaria, mas isso não queria dizer necessariamente que tivesse interesse em utilizar seus quadris para praticar como montar.
Xhex saiu um pouco depois e se deteve junto ao interruptor.
— Tem algo contra a escuridão?
Ele negou lentamente com a cabeça.
O quarto se afundou na escuridão e a ouviu dirigir-se para a cama.
Com o coração disparado no peito e o pênis ardendo, John apressou em mover-se lhe deixando muito espaço. Quando se deitou, sentiu cada nuance do movimento do colchão, escutou o suave roçar de seu cabelo quando pousou no travesseiro e distinguiu seu aroma nas profundezas de suas narinas.
Não podia respirar.
Nem sequer quando ela suspirou relaxando-se.
— Não me tem medo. — disse em voz baixa.
Ele negou com a cabeça apesar dela não poder vê-lo.
— É duro.
Oh, Deus, pensou ele. Sim, estava.
Um pânico instantâneo tomou forma, como um chacal saltando de um arbusto grunhindo. Porra! Era difícil imaginar o que seria pior: que Xhex o buscasse e ele perdesse sua ereção… Como ocorreu com a Escolhida Layla na noite de sua transição. Ou, que Xhex não o buscasse absolutamente.
Ela resolveu o cara ou coroa girando para ele e pondo uma mão em seu peito.
— Tranqüilo. — disse quando saltou.
Depois que se tranqüilizou, sua carícia prosseguiu para o estômago, e quando cavou a mão ao redor de seu pênis através dos jeans, ele se arqueou na cama, abrindo a boca para soltar um silencioso gemido.
Não houve preliminares, mas em todo caso não os desejava. Baixou o zíper, tirou sua ereção e logo houve uns movimentos e ouviu o som de suas calças de couro caindo ao chão.
Montou-o, plantando as palmas nos peitorais e o empurrando contra o colchão. Quando algo morno, suave e úmido se esfregou contra ele, já não o preocupou absolutamente ficar flácido. Seu corpo ansiava por entrar nela, nada do passado abriria caminho através de seu instinto de emparelhamento.
Xhex se levantou sobre os joelhos, tomou sua ereção na mão, e a levantou. Quando se sentou, sentiu uma deliciosa e tensa pressão ao longo de seu pênis, a compressão eletrizante detonou o orgasmo que provocou que seus quadris saltassem para cima. Sem pensar se era o correto, aferrou-se a suas coxas…
Ficou gelado quando sentiu o metal, mas então já estava muito longe. Tudo o que pôde fazer foi apertar as mãos enquanto estremecia uma e outra vez, em uma interminável perda de sua virgindade.
Era a coisa mais assombrosa que jamais sentiu. Sabia como era por suas masturbações. Tinha feito mil vezes desde sua transição. Mas, isto tirava do jogo algo que ele pudesse ter-se feito. Xhex era indescritível.
E isso foi antes que começasse a se mover.
Quando terminou com esse primeiro fantasma-orgasmo, ela lhe deu um minuto para recuperar o fôlego, e logo começou a menear os quadris para cima e para trás. Ele ofegou. Seus músculos internos apertavam e soltavam seu pênis, a pressão intermitente fez seus testículos se esticarem e estarem preparadas uma vez mais.
Agora entendia total e completamente as ânsias de Qhuinn por despir-se. Isto era incrível, especialmente quando John deixou que seu corpo seguisse ao dela e se moveram juntos. Inclusive quando o ritmo se tornou mais e mais rápido, convertendo-se algo urgente, sabia exatamente o que estava acontecendo e onde estava cada parte de ambos. Desde as palmas de suas mãos em seu peito, passando pelo peso dela sobre ele, e a fricção do sexo até a forma em que o fôlego se enroscava na garganta.
Quando gozou outra vez, seu corpo ficou rígido dos pés à cabeça, e seus lábios articularam o nome dela como em suas fantasias… Só que com mais urgência.
E então terminou.
Xhex se levantou para liberá-lo e seu pênis caiu sobre seu ventre. Comparado com o quente refúgio de seu corpo, o suave algodão da camiseta que usava era como lixa, e a temperatura ambiente estava gelada. A cama se moveu quando ela se estendeu a seu lado, e ele girou para encará-la na escuridão. Sua respiração era difícil, mas ansiava beijá-la no interlúdio antes que o fizessem outra vez.
John estendeu a mão e sentiu que ela se esticava quando a pousou sobre a lateral de seu pescoço, mas ela não se afastou. Deus, sua pele era suave… Oh, tão suave. Embora os músculos que percorriam seus ombros fossem como aço, a pele que os cobria era suave como a seda.
John se moveu devagar ao levantar a parte superior de seu corpo e se inclinar sobre ela, deslocando a carícia até sua bochecha, embalando o rosto brandamente, encontrando seus lábios com o polegar.
Não queria pressioná-la. Ela tinha feito a maior parte do trabalho e o tinha feito espetacularmente. Mais que isso, tinha lhe dado o dom do sexo e mostrou que apesar do que lhe tinham feito, ainda era um macho, ainda era capaz de desfrutar com aquilo que seu corpo nasceu para fazer. Se era ele quem iniciaria o primeiro beijo entre eles, estava decidido a fazê-lo bem.
Baixou a cabeça…
— Isto não se trata disso. — Xhex o empurrou, desceu da cama, e entrou no banheiro.
A porta se fechou, e o pênis de John murchou sobre sua camiseta quando ouviu  cair à água: ela estava limpando-se dele, desfazendo-se do que seu corpo lhe tinha dado. Com as mãos tremendo, meteu-se de novo em seu jeans, tratando de ignorar a umidade e o aroma erótico.
Quando Xhex saiu, recolheu sua jaqueta, e foi abrir a porta. Quando a luz do vestíbulo entrou, converteu-a em uma destacada sombra negra, alta e forte.
— Já amanheceu, no caso de não ter checado seu relógio. — fez uma pausa — E aprecio que tenha sido discreto a respeito de minha… Situação.
A porta fechou silenciosamente atrás dela.
Assim, esse era o porquê atrás de sua atuação. Tinha dado sexo a ele para agradecer por que manteve seu segredo.
Cristo, como podia ter pensado que fosse algo mais?
Completamente vestidos. Sem beijos. E estava bastante seguro que tinha sido o único que gozou: sua respiração não se alterou, não tinha gemido, não a alagou o alívio depois de fazê-lo. Não que ele soubesse muito sobre fêmeas e orgasmos, mas era o que aconteceu a ele quando gozou.
Não foi uma transa por pena. Foi uma por gratidão.
John esfregou seu rosto. Era tão estúpido. Por pensar que tinha significado algo.
Tão, mas tão estúpido.
 
Tohr acordou com o estômago como se tivesse sido pintado com um spray da cor da dor. A agonia era tão intensa que em seu sonho pós-alimentação de morto para o mundo, rodeou seu ventre com os braços e se encurvou sobre si mesmo.
Endireitando de sua posição encurvada e tremente, perguntou-se se teria havido algo mau no sangue…
Os rugidos que emitia eram o suficientemente altos para rivalizar com um triturador de lixo.
A dor… Era fome? Baixou os olhos para a fossa côncava que havia entre seus quadris. Esfregou a superfície dura e plana. Escutou outro rugido.
Seu corpo exigia comida, quantidades industriais de sustento.
Olhou o relógio. Dez da manhã. John não passara para vê-lo para a Última Comida.
Tohr se ergueu sem utilizar os braços e foi ao banheiro sobre pernas que sentia curiosamente firmes. Usou o vaso, mas não para vomitar, depois lavou o rosto, e se deu conta que não tinha roupa que vestir.
Vestindo um robe de felpa, saiu de seu dormitório pela primeira vez desde que tinha entrado nele.
As luzes do corredor das estátuas o fizeram piscar como se fossem focos de um cenário, e necessitou um minuto para adaptar-se a… Tudo.
Estendendo-se para cima e abaixo pelo corredor, os machos de mármore em suas várias posturas estavam tal e como os recordava: tão fortes, elegantes e estáticos, e sem motivo aparente, recordou o Darius comprando-os um a um, formando a coleção. Naquela época, quando D se pôs em ritmo de compra, enviara Fritz aos leilões da Sotheby’s e Christie’s em Nova Iorque, e, quando cada uma das obras de mestres era entregue em uma caixa com todo esse estofo e esses tecidos as envolvendo, o irmão fazia uma festa de inauguração.
D amara a arte.
Tohr franziu o cenho. Wellsie e seu filho não nascido seriam sempre sua primeira e mais importante perda. Mas tinha mais mortos que vingar, ou não? Os lessers levaram não só sua família, mas também seu melhor amigo.
A fúria se agitou nas profundezas de seu ventre… Desencadeando outro tipo de fome. De guerra.
Com uma concentração e uma determinação que eram de uma única vez estranhas e familiares, Tohr se dirigiu para a escada principal e se deteve quando chegou às portas quase fechadas do escritório. Percebeu Wrath atrás delas, mas, na realidade não queria interagir com ninguém.
Ao menos pensava isso.
Então, por que simplesmente não ligou à cozinha para pedir comida?
Tohr espiou através da fresta entre as portas.
Wrath estava dormindo em seu escritório, seu comprido e brilhante cabelo negro se abria em leque sobre a papelada e tinha um antebraço dobrado sob a cabeça como se fosse um travesseiro. Na mão livre, ainda sustentava a lupa que devia usar se queria tentar ler algo.
Tohr entrou na sala. Jogando um olhar a seu redor, viu o suporte da chaminé e pôde imaginar o Zsadist ajeitado contra ela, com uma expressão séria em seu rosto marcado e os olhos negros brilhantes. Phury sempre estava perto dele, geralmente sentado na chaise azul pálido que havia ao lado da janela. V e Butch tinham tendência a se apropriar do sofá alto e frágil. Rhage escolhia diferentes lugares dependendo de seu humor…
Tohr franziu o cenho quando notou o que estava junto a escrivaninha de Wrath.
A horrenda e andrajosa poltrona verde-abacate, com remendos puídos nas almofadas de couro… Era a cadeira de Tohr. A que Wellsie insistiu em jogar fora porque parecia um fiasco. A que ele tinha posto no escritório do centro de treinamento.
— Trouxemos aqui para que John voltasse para a mansão.
Tohr girou a cabeça bruscamente. Wrath estava levantando a cabeça do braço e sua voz era tão grogue como a aparência de seu rosto.
O rei falou lentamente, como se não quisesse assustar sua visita.
— Depois do que aconteceu, John não queria sair do escritório. Negava-se a dormir em outro lugar que não fosse essa cadeira. Que enredo… Comportava-se mal nos treinamentos. Metia-se em brigas. Ao final me pus firme, mudei esse traste inútil para cá, e as coisas melhoraram. — Wrath girou para a cadeira — Costumava lhe agradar sentar-se ali e me olhar trabalhar. Após sua transição e as incursões ocorridas no verão, esteve saindo para lutar de noite e dormindo durante o dia, assim não esteve aqui tanto tempo. De certa forma sinto sua falta.
Tohr tomou um susto. Tinha feito uma boa merda a esse pobre menino. Certo, fora incapaz de atuar diferente, mas John sofreu um montão.
Ainda sofria.
Tohr se envergonhou de si mesmo ao pensar em como despertava nessa cama cada manhã e cada tarde e John levava a bandeja e se sentava com ele enquanto comia… E permanecia ali, como se o menino soubesse que assim que ficasse sozinho, vomitaria a maior parte do que tivesse lhe servido.
John teve que enfrentar a morte de Wellsie por si só. Atravessar a transição por si só. Atravessar muitas primeiras vezes por si só.
Tohr se sentou no sofá de V e Butch. A coisa se sentia surpreendentemente firme, mais do que lembrava. Pondo as palmas de suas mãos sobre as almofadas, empurrou.
— Foi reforçado enquanto não estava. — disse Wrath tranqüilamente.
Houve um bom período de silêncio, a pergunta que Wrath queria fazer pairava no ar tão clamorosamente como o eco das badaladas dos sinos de uma capela privada.
Tohr clareou a garganta. A única pessoa com a qual poderia ter falado a respeito do que tinha em mente era Darius, mas o irmão estava morto e enterrado. Não obstante, Wrath era a próxima pessoa a que considerava mais próxima…
— Foi… — Tohr cruzou os braços sobre o peito — Estive bem. Ela ficou detrás de mim.
Wrath assentiu lentamente.
— Boa idéia.
— Foi idéia dela.
— Selena está bem. Bondosa.
— Não estou certo de quanto tempo me levará. — disse Tohr, não querendo sequer falar da fêmea — Já sabe, estar preparado para lutar. Terei que treinar um pouco. Ir ao campo de tiro. Fisicamente? Não tenho idéia de como se recuperará meu corpo.
— Não se preocupe pelo tempo. Só cure.
Tohr baixou o olhar para suas mãos e as apertou formando um par de punhos. Não tinha carne sobre os ossos, por isso os nódulos se sobressaíam na pele como se fosse um mapa em relevo das Adirondacks, nada mais que picos dentados e vales cavados.
Seria uma longa viagem de retorno, pensou. E, inclusive uma vez que estivesse fisicamente forte, em seu baralho de cartas mental ainda lhe faltariam todos os ases. Sem importar quanto pesasse nem quão bem lutasse nada trocaria isso.
Houve um golpe seco na porta e fechou os olhos, rezando para que não fosse um de seus irmãos. Não queria dar muita importância a sua volta à terra dos vivos.
Sim. Hurra. Uau. Bárbaro.
— O que ocorre, Qhuinn? — perguntou o rei.
— Encontramos o John. Mais ou menos.
As pálpebras de Tohr se abriram amplamente e deu a volta, franzindo o cenho ao menino que estava na porta. Antes que Wrath pudesse falar, Tohr exigiu:
— Estava perdido?
Qhuinn pareceu surpreso de vê-lo de novo em pé, mas o macho se recompôs rapidamente enquanto Wrath exigia:
— Por que não me informou que se foi?
— Não sabia que se foi. — Qhuinn entrou, e o ruivo das aulas de treinamento, Blay, estava com ele — Disse a ambos que estava fora do turno de rodízios e que iria dormir. Nós acreditamos, e antes que me arranque às bolas, durante todo esse tempo fiquei em meu quarto porque pensei que ele estava no seu. Assim que me dei conta de que não estava ali, fomos buscá-lo.
Wrath amaldiçoou em voz baixa e depois interrompeu a desculpa de Qhuinn.
— Ah, está bem, filho. Não sabia. Não podia fazer nada. Onde caralho está?
Tohr não escutou a resposta devido ao rugido que havia em sua cabeça. John estava em Caldwell sozinho? Foi sem dizer a ninguém? E se aconteceu algo?
Interrompeu a conversa.
— Esperem, onde está?
Qhuinn levantou seu telefone.
— Não quis dizer. Só escreveu que está a salvo, em qualquer lugar que esteja, e que se encontrará conosco amanhã de noite.
— Quando voltará para casa? — exigiu Tohr.
— Acredito, — disse Qhuinn encolhendo de ombros — que não voltará.


Capítulo 36


A mãe de Rehvenge fez a passagem para o Fade às onze e onze da manhã.
Estava rodeada por seu filho, sua filha, sua neta adormecida, seu feroz genro e atendida por sua querida doggen.
Foi uma morte plácida. Uma morte muito plácida. Fechou os olhos, e uma hora mais tarde ofegou duas vezes e deixou escapar uma longa exalação, como se seu corpo suspirasse de alívio enquanto sua alma voava livre do aprisionamento corpóreo. E foi estranho… Nalla despertou nesse momento e a menina cravou o olhar não em sua granhmen, mas, um pouco mais acima da cama. As pequenas mãos gordinhas se estenderam ao alto, sorriu e gorjeou como se alguém acabasse de acariciar sua bochecha.
Rehv baixou os olhos para o corpo. Sua mãe sempre acreditou que renasceria no Fade, as raízes de sua fé foram plantadas no fértil terreno de sua educação como Escolhida. Esperava que isso fosse certo. Queria acreditar que vivia em algum lugar.
Foi a única coisa que aliviou, embora fosse um pouco, a dor que sentia no peito.
Quando a doggen começou a chorar baixinho, Bella abraçou sua filha e Zsadist. Rehv permaneceu afastado deles, sentado sozinho aos pés da cama, observando como o rosto de sua mãe ia perdendo a cor.
Quando um formigamento floresceu em suas mãos e pés, recordou que o legado de seu pai, assim como o de sua mãe, estaria sempre com ele.
Levantou-se, fez uma pequena reverência a todos, e se desculpou. No banheiro do quarto onde se hospedava, olhou sob o lavabo e deu graças à Virgem Escriba de ter sido bastante inteligente para colocar um par de ampolas de dopamina na parte de atrás. Acendendo a luz do teto, tirou o casaco de zibelina e a jaqueta Gucci dos ombros. Quando o resplendor avermelhado que vinha de acima o pôs muito nervoso, porque o fez pensar que o estresse pela morte fazia aflorar seu lado perverso, apagou a luz, abriu a ducha e antes de continuar, esperou que subisse o vapor.
Engoliu outras duas pílulas de penicilina enquanto tamborilava o chão com o mocassim.
Quando se considerou capaz de suportar, enrolou a manga da camisa e deliberadamente ignorou seu reflexo no espelho. Após encher uma seringa de injeção, utilizou o cinto LV[69] para formar um laço que pôs ao redor de seus bíceps, logo puxou o couro negro, dobrou-o e o aprisionou contra as costelas.
Introduziu a agulha de aço dentro de uma de suas veias infectadas e apertou o êmbolo…
— O que está fazendo?
A voz de sua irmã o fez levantar a cabeça. Através do espelho, ela estava olhando fixamente a agulha que tinha no braço e as veias judiadas e avermelhadas.
A primeira coisa que lhe ocorreu foi rosnar que saísse. Não queria que visse isto, e, não só porque significasse que teria que dizer mais mentiras. Era algo íntimo.
Em troca, tirou a seringa de injeção com calma, pôs a tampa, e a jogou. Enquanto a ducha chiava, baixou a manga, após vestiu a jaqueta e o casaco de zibelina.
Fechou a água.
— Sou diabético. — disse. Merda, dissera a Ehlena que tinha Parkinson. Maldita seja.
Bom, tampouco era como se fossem se encontrar um dia desses.
Bella levou a mão à boca.
— Desde quando? Está bem?
— Estou bem. — forçou um sorriso — Você está bem?
— Espere, desde quando isto está acontecendo?
— Estive me injetando há uns dois anos. — ao menos isto não era uma mentira — Vejo Havers com regularidade. — Ding! Ding! Outra verdade — Levo bem.
Bella olhou seu braço.
— É por isso que sempre tem frio?
— Isso é pela má circulação. Por isso necessito a bengala. Tenho um sentido ruim de equilíbrio.
— Pensei que havia dito que isso era por causa de uma ferida?
— A diabetes compromete a forma em que me curo.
— Oh, claro. — assentiu tristemente — Desejaria ter sabido.
Quando o contemplou com seus grandes olhos azuis, pensou que odiava lhe mentir, mas tudo o que tinha que fazer era pensar na plácida expressão de sua mãe.
Rehv rodeou sua irmã com o braço e a conduziu fora do banheiro.
— Não é importante. Eu cuido disso.
O ar era mais frio no quarto, mas notou só porque Bella se envolveu com seus braços e se aconchegou.
— Quando deveríamos fazer a cerimônia? — perguntou.
— Telefonarei à clínica, e farei que Havers venha aqui ao cair da noite para envolvê-la. Em seguida temos que decidir onde enterrá-la.
— No Complexo da Irmandade. Ali é onde a quero.
— Se Wrath permitir que a doggen e eu assistamos, está bem.
— É obvio. Z está agora ao telefone com o rei.
— Não acredito que fiquem muitos integrantes da glymera na cidade que queiram despedir-se.
— Pegarei sua agenda no andar de baixo e farei um anúncio.
Semelhante conversa objetiva e prática demonstrava que a morte formava, sem dúvida alguma, parte da vida.
Quando Bella deixou escapar um soluço afogado, Rehv a atraiu contra seu peito.
— Vêem aqui, minha irmã.
Enquanto permaneciam juntos com a cabeça dela apoiada em seu peito, pensou na quantidade de vezes que tinha tratado de salvá-la do mundo. Não obstante, a vida, tinha seguido seu curso de todos os modos.
Deus, quando era pequena, antes de sua transição esteve absolutamente convencido de que podia protegê-la e cuidar dela. Quando tinha fome se assegurava de que tivesse comida. Quando necessitava roupas, comprava para ela. Quando não podia dormir, ficava com ela até que fechava os olhos. Entretanto, agora que crescera, sentia como se seu repertório estivesse limitado a lhe servir simplesmente de consolo. Embora possivelmente fosse assim como funcionava. Quando é menino, um bom arrulho era tudo o que necessitava para acalmar o estresse do dia e te fazer sentir seguro.
Agora a abraçando, desejou que houvesse tais remédios rápidos para adultos.
— Sentirei sua falta. — disse Bella — Não éramos muito parecidas, mas sempre a amei.
— Você foi sua maior alegria. Sempre foi.
Bella se afastou.
— E você também.
Colocou uma mecha de cabelo rebelde atrás de sua orelha.
— Você e sua família querem descansar aqui?
Bella assentiu.
— Onde ficaremos?
— Pergunte a doggen de mahmen.
— Farei isso. — Bella deu um apertão em sua mão, que ele não pôde sentir e abandonou o quarto.
Quando esteve sozinho, aproximou-se da cama e tirou o telefone celular. Ehlena não enviou uma mensagem à noite anterior, e enquanto procurava o número da clínica na agenda, tentou não se preocupar. Talvez houvesse feito o turno diurno. Deus! Esperava que sim.
Havia poucas probabilidades que tivesse ocorrido algo mau. Muito poucas.
Mas ligaria para ela depois.
— Olá, clínica. — disse a voz na Antiga Língua.
— É Rehvenge, filho de Rempoon. Minha mãe acaba de morrer, e preciso fazer os trâmites para que seu corpo seja conservado.
A fêmea ofegou ao outro extremo. Não caía bem a nenhuma das enfermeiras, mas todas elas tinham adorado sua mãe. Todo mundo a adorava…
Todo mundo a tinha adorado, melhor dizendo.
Esfregou o moicano.
— Há alguma possibilidade de que Havers possa vir à casa ao cair da noite?
— Sim, claro que sim, e posso dizer em nome de todos, que estamos profundamente afligidos por sua morte e lhe desejamos uma passagem segura ao Fade.
— Obrigado.
— Espere um momento. — quando a fêmea retornou, disse — O doutor chegará imediatamente após o pôr-do-sol. Com sua permissão, levará alguém para que o ajude…
— A quem? — não estava seguro como se sentiria se fosse Ehlena. Não queria que tivesse que tratar com outro corpo tão cedo, e o fato que fosse o de sua mãe poderia ser inclusive mais duro para ela — Ehlena?
A enfermeira vacilou.
— Ah, não, Ehlena não.
Franziu o cenho, seus instintos symphath se ativaram pelo tom da fêmea.
— Ehlena trabalhou ontem à noite? — houve outra pausa — Trabalhou?
— Sinto muito, não posso falar sobre...
Sua voz baixou convertendo-se em um grunhido.
— Trabalhou ou não. É uma pergunta simples. Fez-o. Ou não o fez.
A enfermeira ficou nervosa.
— Sim, sim, ela veio…
— E?
— Nada. Ela...
— Qual é o problema?
— Não há nenhum problema. — a exasperação que ouviu nessa voz indicou que alegres interações como essa eram parte do motivo para que o detestassem tanto.
Tratou de nivelar mais a voz.
— É evidente que há um problema, e vai me contar o que está acontecendo ou vou continuar telefonando até que alguém me diga. E, se ninguém o fizer, aparecerei frente ao balcão da recepção e vou voltar louco a cada um de vocês até que um membro da equipe ceda e me diga isso.
Houve uma pausa que vibrou com “é-tão-imbecil”.
— Bom. Ela já não trabalha aqui.
Rehv inalou emitindo um chiado e sua mão disparou para a Baggie[70] de plástico, cheia de penicilina que esteve guardando no bolso superior de seu terno.
— Por quê?
— Não revelarei isso sem importar o que faça.
 Houve um clique quando desligou.

Ehlena estava no andar de baixo, sentada à desmantelada mesa da cozinha, com o manuscrito de seu pai frente a ela. Lera duas vezes no escritório dele, em seguida o tinha deitado e subiu ali, onde o examinou uma vez mais.
O título era Na Selva Pluvial da Mente do Macaco.
Queridíssima Virgem Escriba, se antes tinha acreditado que sentia compaixão pelo macho, agora se sentia identificada com ele. As trezentas páginas manuscritas eram um tour guiado através de sua doença mental, um vívido estudo de “caminhe-um-quilometro-em-meus-sapatos” a respeito de quando tinha começado a doença e onde o tinha conduzido.
Jogou uma olhada ao papel de alumínio que cobria as janelas. As vozes que torturavam sua mente provinham de diversas fontes, e uma delas, era através das ondas de rádio que os satélites que orbitavam a terra emitiam.
Ela já sabia tudo isto.
Mas no livro, seu pai descrevia o Reynolds Wrap[71] como uma interpretação tangível da psicose: ambos, o papel alumínio e a esquizofrenia mantinham afastado o mundo real, ambos o isolavam… E com ambos em seu lugar ele estava mais seguro do que se não estivessem ao seu redor. A verdade era que ele amava sua doença tanto quanto a temia.
Fazia muitos, muitos anos, depois que a família o traíra nos negócios e o arruinara frente aos olhos da glymera, deixou de confiar em sua capacidade para ler as intenções e motivações de outros. Tinha posto sua fé nas pessoas erradas e… Isso havia lhe custado sua shellan.
O certo era que Ehlena teve uma idéia equivocada a respeito da morte de sua mãe. Logo após a grande queda, sua mãe havia se amparado no láudano para ajudá-la a agüentar, e o alívio transitório floresceu convertendo-se em uma muleta, quando a vida como ela a conheceu desmoronou… O dinheiro, a posição, as casas, as posses, abandonaram-na como formosas pombas debandando sobre um campo, indo a um lugar mais seguro.
E, a seguir veio o fracasso do compromisso de Ehlena, o macho se distanciou antes de declarar publicamente que terminava a relação… Porque Ehlena o tinha seduzido levando-o a sua cama e aproveitando-se dele.
Isto para sua mãe tinha sido a gota que transbordou o copo.
O que fora uma decisão conjunta entre Ehlena e o macho se voltou contra Ehlena convertendo-a em uma fêmea sem valor, em uma meretriz do inferno que corrompeu um macho que unicamente tivera as mais honoráveis das intenções. Tendo forjado essa reputação na glymera, Ehlena nunca poderia ter se casado, embora sua família mantivesse o status perdido.
À noite em que estalou o escândalo, a mãe de Ehlena foi para seu quarto e horas mais tarde foi encontrada morta. Ehlena sempre supôs que foi por uma overdose de láudano, mas não. De acordo com o manuscrito, cortou as veias e sangrou sobre os lençóis.
Seu pai começou ouvir vozes no momento em que viu sua fêmea morta na cama matrimonial, com o pálido corpo emoldurado pela auréola vermelho intenso do derramamento de sua vida.
Na medida em que a doença mental avançava, se refugiara cada vez mais na paranóia, mas de maneira estranha se sentia mais seguro ali. Em sua mente, a vida real estava repleta de gente que podia ou não traí-lo. Sem dúvida, todas as vozes de sua cabeça o perseguiam. Como esses macacos loucos que se lançavam ao ar e saltavam entre os ramos do bosque da doença, fazendo chover ramos e duros caroços de fruta sobre ele em forma de pensamentos, podia dizer que conhecia seus inimigos. Podia vê-los, senti-los e conhecê-los pelo que eram, e as armas que tinha para combatê-los, era uma geladeira bem organizada, estanho sobre as janelas, rituais verbais e seus escritos.
Fora, no mundo real? Estava desprotegido e perdido, a mercê de outros, sem defesas para julgar o que era perigoso e o que não. Por outro lado na doença, era onde queria estar, porque como dizia ele, conhecia os limites da selva e os caminhos que rodeavam os troncos e as tribulações dos macacos.
Ali sua bússola mantinha um verdadeiro norte.
Para surpresa de Ehlena? Não, tudo era sofrimento para ele. Antes de cair doente, foi um advogado litigante em assuntos da Antiga Lei, um macho reconhecido por sua afeição ao debate e sua avidez de encontrar oponentes difíceis. Na doença, tinha encontrado exatamente a mesma classe de conflitos com que desfrutara quando estava são. As vozes em sua mente como escreveu ele com a ironia de sua auto-realização, eram igualmente inteligentes e direitas como ele para debater. Para ele, seus violentos episódios eram nada mais que o equivalente mental de um bom combate de boxe, e como no fim sempre saia dele, sempre se sentia vencedor.
Também era consciente que nunca sairia da selva. Era como disse na última linha do livro, sua ultima direção antes de ir para o Fade. E seu único pesar era que ali só havia espaço para um único habitante, que sua estada entre os macacos significava que não podia estar com ela, sua filha.
Entristecia-o a separação e a carga que representava para ela.
Sabia que ele era muito difícil de tratar. Era consciente dos sacrifícios que fazia. Afligia-se pela solidão em que ela se encontrava.
Era tudo o que ela queria escutá-lo dizer, e, enquanto sustentava as páginas, não importava que fosse por escrito e não verbalmente. Em todo caso, era melhor desta maneira porque podia lê-las uma e outra vez.
Seu pai sabia muito mais do que ela pensava.
E, estava muito mais contente do que jamais poderia imaginar.
Passou a palma da mão sobre a primeira página. A escrita à mão, que estava em azul, porque um advogado adequadamente instruído nunca escrevia em negro, era tão limpa e nítida como a narração do passado, e, tão elegante e de bom gosto como as consideráveis conclusões às que tinha chegado e as apreciações em profundidade que oferecia.
Deus... Vivera com ele durante tanto tempo, e somente agora sabia o que ele vivia.
E todo mundo era assim, não? Cada um em sua selva pluvial particular, sozinhos sem importar quantos parentes andasse ao seu lado.
A saúde mental era simplesmente um assunto de ter menos macacos? Talvez a mesma quantidade, com a condição de que fossem agradáveis?
O amortecido som de um telefone celular a fez levantar a cabeça. Esticando a mão até o outro lado da mesa, tirou-o do bolso do casaco e atendeu.
— Alô? — no silêncio que seguiu soube quem era — Rehvenge?
— Despediram-na.
Ehlena apoiou o cotovelo sobre a mesa e cobriu a testa com a mão.
— Estou bem. A ponto de ir dormir. E você?
— Foi devido às pílulas que me trouxe, verdade?
— O jantar foi realmente bom. Requeijão e palitos de cenoura…
— Deixe disso já. — ladrou.
Deixou cair o braço e franziu o cenho.
— Como?
— Por que fez isso, Ehlena? Por que demônios…
— Ok, vai reconsiderar seu tom de voz ou esta conversa receberá a tecla de fim.
— Ehlena, você precisa desse trabalho.
— Não me diga o que necessito.
Ele soltou uma maldição. Soltou mais algumas.
— Sabe, — murmurou ela — se acrescentar uma trilha sonora e algumas metralhadoras, teremos um filme Duro de Matar[72]. Falando disso, como ficou sabendo?
— Minha mãe morreu.
Ehlena ofegou.
— Que...? Oh, meu Deus, quando? Quero dizer, sinto muito…
— Fará meia hora.
Lentamente negou com a cabeça.
— Sinto muito, Rehvenge.
— Telefonei à clínica para... Fazer os acertos. — Exalou com o mesmo tipo de esgotamento que ela sentia. Enfim… Sim. — Nunca me enviou a mensagem dizendo que tinha chegado à clínica a salvo. Assim perguntei, e foi assim.
— Maldita seja, tinha a intenção de fazê-lo, mas... — bom, estava ocupada sendo despedida.
— Mas essa não foi a única razão pela qual quis te ligar.
— Não?
— Eu só... Precisava ouvir sua voz.
Ehlena respirou profundamente, e fixou os olhos nos artigos do manuscrito de seu pai. Pensou em tudo, tanto o bom e o mau, o que descobriu, nessas páginas.
—É engraçado, — respondeu — esta noite sinto o mesmo.
— Sério? Como… De verdade?
— Absoluta e definitivamente… Sim.


Capítulo 37


Wrath estava de mau humor, e sabia por que o ruído que o doggen fazia ao encerar a balaustrada de madeira na parte superior da escada principal lhe dava vontade de atear fogo em toda a fodida mansão.
Pensava em Beth. O que explicava por que enquanto se sentava atrás de seu escritório a dor no peito o estava matando.
Não que não compreendesse por que estava aborrecida com ele. E, não era que acreditasse que não merecia algum tipo de castigo. Simplesmente odiava o fato de Beth não estar dormindo na casa e que ter de mandar uma mensagem de texto à sua shellan para lhe pedir permissão para ligar para ela.
O fato de não ter dormido durante dias também devia contribuir para ficar de saco cheio.
E era provável que precisasse se alimentar. Mas, assim como com o sexo, passou tanto tempo da última vez que o fez, que mal podia lembrar como era.
Passeou o olhar pelo escritório e desejou poder automedicar o impulso de gritar receitando uma saída para lutar contra algo: suas únicas outras opções eram ir ao ginásio ou embebedar-se, e acabava de voltar do primeiro e não estava absolutamente interessado no último.
Verificou o telefone outra vez. Beth não devolveu a mensagem, e fazia três horas que a mandara. E estava bem. Provavelmente estivesse ocupada ou dormindo.
E uma merda que estava tudo bem.
Ficou de pé, deslizando seu RAZR no bolso de trás de sua calça de couro, e se dirigiu para as portas duplas. O doggen no corredor estava pondo a alma e a vida na rotina de passar cera e abrilhantar, e graças a seus esforços se elevava um denso e fresco aroma de limão.
— Meu senhor. — disse o doggen, fazendo uma profunda reverência.
— Está fazendo um grande trabalho.
— É um prazer. — sorriu o macho — É minha alegria servir a você e a sua família.
Wrath colocou uma palma no ombro do criado e se foi trotando escada abaixo. Quando chegou ao chão de mosaicos do vestíbulo, virou à esquerda, para a cozinha, e se alegrou de que não houvesse ninguém dentro. Abrindo o refrigerador, confrontou todo tipo de sobras e tirou um peru pela metade sem nenhum entusiasmo.
Girando para os armários…
— Olá.
Voltou a cabeça bruscamente sobre o ombro.
— Beth? O que está…? Pensei que estava em Lugar Seguro.
— Estava. Mas acabo de retornar.
Franziu o cenho. Por ser mestiça, Beth podia tolerar a luz do sol, mas punha os fodidos cabelos dele em pé cada vez que ela se aventurava durante o dia. Não discutiria isso agora. Ela sabia o que ele pensava, e, além disso, estava em casa e isso era tudo o que importava.
— Estava fazendo algo para comer. — disse, embora certamente, o peru que estava sobre a tábua de açougueiro evidenciava — Quer se unir a mim?
Deus! Adorava o modo que cheirava. Rosas florescendo na noite. Para ele era mais acolhedor que qualquer cera com aroma de limão, mais magnífico que qualquer perfume.
— Que tal se fizer algo para ambos? — disse ela — Parece que está a ponto de cair.
Esteve a ponto de dizer: não, estou bem, e então se deteve. Inclusive a menor das meias verdades acentuaria os problemas entre eles… E o fato de que ele estivesse absolutamente esgotado sequer era uma mentira pequena.
— Isso seria genial. Obrigado.
— Sente-se. — disse, aproximando-se dele.
Ele queria abraçá-la.
E o fez.
Os braços de Wrath se separaram repentinamente, fechando-se sobre ela, e a atraíram para seu peito. Dando-se conta do que tinha feito, ia soltá-la, mas ela permaneceu com ele, mantendo seus corpos juntos. Estremecido, deixou cair a cabeça sobre seu perfumado e sedoso cabelo e a apertou, moldando sua suavidade contra os contornos de seus duros músculos.
— Senti tanto sua falta. — lhe disse.
— Também senti sua falta.
Quando ela relaxou contra ele, não foi tão parvo para acreditar que este momento era uma panacéia instantânea, mas tomaria o que lhe oferecia.
Afastando-se, subiu os óculos escuros acima de sua cabeça para que pudesse ver seus olhos inúteis. Para ele, o rosto de Beth era impreciso e formoso, embora o aroma de chuva fresca que era a essência das lágrimas não o agradou.
Acariciou ambas as bochechas com os polegares.
— Permitirá que te beije? — perguntou.
Quando assentiu, sustentou seu rosto entre as palmas de suas mãos e baixou a boca par a dela. O agradável contato foi absoluta e esmagadoramente familiar e ao mesmo tempo algo do passado. Parecia ter passado uma eternidade desde que fizessem algo mais que dar-se beijinhos… E a separação não era só devido ao que ele tinha feito. Era por tudo. A guerra. Os Irmãos. A glymera. John e Tohr. A família.
Sacudindo a cabeça, disse:
— A vida se converteu em um obstáculo para nossa vida.
—Tem muita razão. — acariciou seu rosto com a palma da mão — Também afetou sua saúde. Assim, quero que se sente ali e me permita te dar de comer.
— Supõe-se que é o inverso. O macho dá de comer a sua fêmea.
— É o rei. — sorriu — Você faz as regras. E sua shellan gostaria de te servir.
— Amo você. — atraiu-a novamente e a apertou e simplesmente ficou agarrado a sua companheira — Não tem que me responder com o mesmo…
— Também te amo.
Agora chegou a vez dele se afrouxar contra ela.
— Hora de que coma. — disse ela, arrastando-o para a mesa de carvalho de estilo rústico e afastando uma cadeira para que se sentasse.
Ao sentar-se deu um pulo, elevou os quadris e tirou o celular do bolso. A coisa começou a dar saltos sobre a mesa, chocando-se contra o saleiro e o pimentero.
— Sanduíche? — perguntou Beth.
— Isso seria genial.
— Para você serão dois.
Wrath voltou a pôr os óculos de sol em seu lugar, porque a luz do teto fazia com que sua cabeça pulsasse. Quando isso não foi suficiente, fechou os olhos, e embora não pudesse ver Beth mover-se pelo lugar, os sons que fazia na cozinha o acalmaram como uma canção de ninar. A ouviu abrir as gavetas, e o repicar dos utensílios dentro das mesmas. Em seguida ouviu o refrigerador abrir com um ofego e houve ruído de fricção, seguido de vidro golpeando vidro. A gaveta do pão foi deslizada para fora e o pacote de plástico que cobria o centeio que gostava, rangeu. Sentiu o rasgar de uma faca ao atravessar uma alface…
— Wrath?
O suave som de seu nome o fez abrir as pálpebras e levantar a cabeça.
— Qu…?
— Cochilou. — a mão de sua shellan alisou seu cabelo — Come. Em seguida vou te levar para a cama.
Os sanduíches estavam exatamente como gostava: sobrecarregados de carne, pouco alface e tomates e com muita maionese. Comeu ambos, e embora deveria tê-lo animado, o esgotamento que lhe aferrava o corpo com seu punho mortal pegou com mais força.
— Anda, vamos. — Beth o puxou pela mão.
— Não, espere. — disse, despertando — Preciso te dizer o que vai acontecer ao anoitecer desta noite.
— Ok. — em seu tom de voz havia certa insinuação de tensão, como se estivesse preparando a si mesma.
— Sente-se. Por favor.
Puxou a cadeira de debaixo da mesa com um ranger e acomodou lentamente seu peso.
— Alegra-me que esteja sendo completamente sincero comigo. — murmurou — Com respeito ao que for.
Wrath acariciou seus dedos com os seus, tentando acalmá-la, pois sabia que o que tinha que dizer somente a preocuparia mais.
— Alguém… Bem, provavelmente mais de um, mas pelo menos um que saibamos, quer me matar. — a mão de Beth se esticou na sua, e ele seguiu acariciando-a, tentando relaxá-la — Vou me reunir com o conselho da glymera esta noite, e espero… Problemas. Todos os Irmãos vêm comigo e não atuaremos como estúpidos, mas não vou mentir te dizendo que é uma situação comum.
— Este… Alguém… É obviamente parte do conselho, verdade? Assim vale a pena que vá em pessoa?
— O que começou tudo não representará um problema.
— Como é isso?
— Rehvenge fez com que o assassinassem.
Voltou a apertar suas mãos.
— Jesus… — tomou um profundo fôlego. E outro — Oh… Deus querido.
— A pergunta que todos nos fazemos agora é, quem mais está nisso? Isso é parte do motivo pela qual minha presença nessa reunião é tão importante. É também uma demonstração de força, e isso é de importância. Não fujo. Nem tampouco os Irmãos.
Wrath se preparou para que lhe dissesse: “Não, não vá”, e se perguntou o que faria então.
Mas a voz de Beth foi tranqüila.
— Compreendo. Mas tenho um pedido.
As sobrancelhas se arquearam, aparecendo por cima dos óculos de sol.
— E é?
— Quero que use um colete à prova de balas. Não é que duvide dos Irmãos… É só que me daria um pouco mais de consolo.
Wrath piscou. Após levou suas mãos aos lábios e as beijou.
— Posso fazer isso. Por você, certamente que posso fazê-lo.
Ela assentiu uma vez e se levantou da cadeira.
— Ok. Ok… Bem. Agora, anda, vamos nos deitar. Estou tão esgotada como você se vê.
Wrath ficou de pé, atraiu-a para ele, e juntos saíram ao vestíbulo, e seus pés cruzaram o mosaico de uma macieira em flor.
— Amo você. — disse ele — Estou tão apaixonado por você.
Beth apertou o braço que tinha ao redor de sua cintura e pôs o rosto contra seu peito. O aroma acre e defumado do medo emanava dela, contaminando seu aroma natural a rosas. E, ainda apesar de tudo, fez um gesto afirmativo com a cabeça e disse:
— Sua rainha tampouco foge, sabe?
— Sei. Eu… Sei totalmente.

Em seu dormitório no refúgio de sua mãe, Rehv impulsionou seu corpo para trás até que esteve apoiado contra os travesseiros. Enquanto acomodava o casaco de marta sobre seus joelhos, disse ao seu celular:
— Tenho uma idéia. Que tal se começarmos de novo esta chamada telefônica?
A suave risada de Ehlena se fez sentir estranhamente otimista.
— Bom. Ligará outra vez ou…
— Diga-me, onde está?
— Em cima, na cozinha.
O que explicava o leve eco.
— Pode ir ao seu quarto? Relaxar?
— Vai ser uma conversa longa?
— Bom, reconsiderarei meu tom e preste atenção. — baixou a voz um tom, convertendo-se em um completo Lotário — Por favor, Ehlena. Vai para cama e me leve contigo.
Ela ficou sem fôlego e riu outra vez.
— Que melhora.
— Eu sei, certo… Para que não pense que não recebo bem as ordens. Agora, que tal se me devolver o favor. Vai para seu dormitório e se ponha cômoda. Não quero estar sozinho, e tenho a sensação de que você tampouco.
Em vez de um “É verdade”, ouviu o gratificante som de uma cadeira sendo afastada. Quando começou a andar, o som amortecido de seus passos lhe pareceu encantador, o rangido da escada não… Porque o som o fazia perguntar-se onde exatamente vivia com seu pai. Esperava que fosse uma casa antiga com pranchas velhas e antiquadas, e não uma que estivesse deteriorada.
Ouviu o chiado de uma porta ao abrir-se e houve uma pausa, e estava disposto a apostar a que estava verificando como estava seu pai.
— Está dormindo profundamente? — perguntou Rehv.
As dobradiças chiaram outra vez.
— Como soube?
— Porque é boa assim.
Houve outro ruído de porta e logo o clique de uma fechadura ao encaixar em seu lugar.
— Dará-me um minuto?
Um minuto? Merda daria o mundo se pudesse.
— Tome seu tempo.
Houve um som surdo, como se tivesse deixado o telefone sobre um edredom ou uma colcha. Mais protestos de porta. Silêncio. Outro chiado e o débil gorgojeio da descarga de um vaso sanitário. Pisadas. Saltos na cama. Um ranger próximo e logo…
— Alô?
— Cômoda? — disse ele, consciente de que estava sorrindo como um idiota… Fora que, Deus, a idéia de tê-la onde ele desejava que estivesse era fantástica.
— Sim, e você?
— Mais do que possa acreditar. — por outro lado, com sua voz no ouvido, poderia estar no processo de lhe arrancarem as unhas e ainda estaria igualmente alegre.
O silêncio que seguiu foi tão suave como a zibelina de seu casaco e igualmente quente.
— Quer falar de sua mãe? — perguntou ela gentilmente.
— Sim. Embora não sei o que dizer, além de que se foi serenamente e rodeada de sua família, e isso é tudo o que qualquer um poderia pedir. Chegou seu tempo.
— Embora sentirá sua falta.
— Sim. Farei.
— Há algo que possa fazer?
— Sim.
— Diga-me.
— Permita-me cuidar de você.
Ela riu baixinho.
— Certo. Que tal se te ponho a par de algo. Neste tipo de situação, se supõe que é você quem terá que ser cuidado.
— Mas ambos sabemos que fui o que tirou seu trabalho…
— Pare. — houve outro rangido, como se houvesse se incorporando sobre os travesseiros — Tomei a decisão de te levar essas pílulas, sou uma adulta suscetível de cometer um erro de julgamento. Não está em dívida comigo, porque fui eu quem colocou os pés pelas mãos.
— Discordo completamente. Mas, deixando isso de lado, falarei com Havers quando vier aqui para…
— Não, não o fará. Querido Senhor, Rehvenge, sua mãe acaba de morrer. Não deve preocupar-se por…
— O que podia fazer por ela, está feito. Permita-me te ajudar. Posso falar com Havers…
— Não mudará as coisas. Já não confiará em mim, e não posso culpá-lo.
— Mas as pessoas cometem enganos.
— E alguns não podem ser remediados.
— Não acredito nisso. — embora como symphath, não era exatamente perito na merda da moral de alguém. Nem com muito — Especialmente quando se trata de você.
— Não sou diferente dos demais.
— Olhe. Não me faça arruinar meu tom outra vez. — advertiu — Fez algo por mim. Quero fazer algo por você. É uma simples troca e intercâmbio.
— Mas conseguirei outro trabalho e estive fazendo as coisas funcionarem por mim mesma, durante muito tempo. Acontece que é uma de minhas aptidões essenciais.
—Não duvido. — deteve-se para causar efeito e jogou a melhor carta que tinha — Embora este seja o assunto, não pode me deixar com esta carga sobre minha consciência. Vai me comer por dentro. Sua má escolha foi resultado da minha.
Ela riu brandamente.
— Por que não me surpreende que conheça minhas debilidades? E realmente o aprecio, mas se Havers perverter as regras por mim, que tipo de mensagem transmitiria? Ele e Catya, minha supervisora, já anunciaram ao resto do pessoal. Agora não podem voltar atrás, nem eu ia querer que o fizesse somente porque você está disposto a utilizar uma mão dura com ele.
Bem, merda, pensou Rehv. Tinha planejado manipular a mente de Havers, mas isso não se ocuparia de todas as demais pessoas que trabalhavam na clínica, verdade?
— Bom, então me permita te ajudar até que possa se recuperar.
— Obrigada, mas…
Ele quis amaldiçoar.
— Tenho uma idéia. Se reúna comigo em minha casa para discutir a respeito disso?
— Rehv…
— Excelente. Tenho que me ocupar de minha mãe mais cedo pela tarde e tenho uma reunião à meia-noite. O que te parece às três da manhã? Maravilhoso… Verei-a então.
Durante um instante se fez silêncio e logo ela riu entre dentes.
— Sempre consegue o que deseja. Verdade?
— Bastante freqüentemente.
— Bem. Três em ponto desta noite.
— Estou tão feliz de ter trocado de tom, você não?
Ambos riram, e a tensão se escorreu da conexão como se fosse drenada.
Quando se ouviu outro rangido, ele supôs que significava que estava voltando a deitar-se e ficando cômoda outra vez.
— Então posso te contar algo que meu pai fez? — disse ela abruptamente.
— Pode me contar isso e logo me explicar porque não comeu mais no jantar. E, depois vamos falar sobre o último filme que viu, os livros que tem lido e a respeito do que pensa sobre o aquecimento global.
— De verdade, tudo isso?
Deus! Amava sua risada.
— Sim. Estamos em rede, assim é grátis. Oh, e quero saber qual é sua cor favorita.
— Rehvenge… Realmente não quer estar sozinho, verdade? — as palavras foram ditas suavemente e quase distraidamente, como se o pensamento escapulisse por sua boca.
— Neste momento… Unicamente o que quero é estar contigo. Isso é tudo o que sei.
— Tampouco estaria preparada. Se meu pai morresse esta noite, não estaria pronta para deixá-lo ir.
Ele fechou os olhos.
— Isso é… — teve que esclarecer a garganta — Assim é exatamente como me sinto. Não estou preparado para isto.
— Seu pai também morreu. Assim sei que é muito mais difícil.
— Bom, sim ele está morto, embora não sinto sua falta absolutamente. Ela sempre foi a única para mim. E tendo ido ela… Sinto como se acabasse de dirigir até meu lar para encontrar que alguém o queimou. Quero dizer, não a via todas as noites nem sequer todas as semanas, mas sempre tinha a possibilidade de ir vê-la, me sentar com ela e cheirar seu Chanel Nº 5. De ouvir sua voz e vê-la ao outro lado de uma mesa. Essa possibilidade… Era onde residiam meus alicerces, e não tinha me dado conta até que a perdi. Merda… Estou falando sem sentido.
— Não, tem muito sentido. A mim ocorre o mesmo. Minha mãe se foi e meu pai… Está aqui, mas não está. Assim, também sinto que não tenho um lar. Que estou à deriva.
Esta era a razão para as pessoas se casarem, pensou Rehv subitamente. Esquece o sexo e a posição social. Se fossem preparadas, fariam-no para construir uma casa sem paredes, um teto invisível e um chão que ninguém pudesse pisar… E que não obstante a estrutura fosse um refúgio que nenhuma tormenta pudesse derrubar, e nenhum fósforo pudesse incendiar, nem o passar dos anos pudesse degradar.
Nesse momento se deu conta. Um vínculo de emparelhamento como esse te ajudava a superar noites de merda como esta.
Bella tinha encontrado esse refúgio com seu Zsadist. E possivelmente seu irmão mais velho precisasse seguir o exemplo de sua irmã.
— Bom, — disse Ehlena com estupidez — se quiser posso responder a pergunta a respeito de minha cor favorita. Possivelmente evite que as coisas fiquem muito profundas.
Rehv sacudiu a si mesmo e retornou ao assunto.
— E qual seria?
Ehlena pigarreou um pouco.
— Minha cor favorita é o… Ametista.
Rehv sorriu até que doeram suas bochechas.
— Acredito que é uma cor genial para que você goste. A cor perfeita.


Capítulo 38


No funeral de Chrissy havia quinze pessoas que a conheceram e uma que não… E, Xhex escrutinou o cemitério açoitado pelo vento à procura de uma décima sétima pessoa que se escondesse entre as árvores, as tumbas ou as lápides maiores.
Não estranhava que o fodido cemitério se chamasse Arvoredo de Pinheiros. Havia ramos espalhados por todo o lugar, proporcionando um amplo refúgio para alguém que não quisesse ser visto. Maldito seja o inferno.
Tinha encontrado o cemitério nas Páginas Amarelas. Os dois primeiros para os quais telefonou não tinham espaço disponível. O terceiro só tinha espaço no Muro da Eternidade, como tinha chamado o homem, para corpos incinerados. Ao final, encontrou este lugar, o Arvoredo de Pinheiros e comprou o retângulo de terra que agora todos rodeavam.
O ataúde rosado custou quase cinco das grandes. A parte de terra outras três. O sacerdote, padre como é que o chamassem os humanos, indicou que o apropriado seria uma doação e sugeriu que cem dólares estariam bem.
Nenhum problema. Chrissy merecia.
Xhex voltou a examinar os fodidos pinheiros, esperando encontrar o idiota que a assassinou. Bobby Grady tinha que vir. A maioria dos abusadores que matavam aos objetos de suas obsessões continuava conectada emocionalmente. E, embora a polícia o estivesse procurando, e ele devia saber, o impulso de ver como a punham para descansar venceria à lógica.
Xhex se concentrou no culto. O macho humano vestia um casaco negro, expondo o pescoço branco na parte da garganta. Em suas palmas, sobre o bonito ataúde de Chrissy, segurava uma Bíblia que lia em voz baixa e respeitosa. Os extremos da fita de cetim que estava entre as páginas douradas, para assinalar as seções mais utilizadas, sobressaíam da parte inferior do livro, e  ondeavam suas cores em vermelho, amarelo e branco no ar frio. Xhex se perguntou como seria sua lista de “favoritos”. Bodas. Batismos (se tinha entendido bem essa palavra). Funerais.
Rezaria pelos pecadores? Perguntou-se. Caso recordava-se corretamente dessa coisa do Cristianismo, acreditava que era seu dever fazê-lo… Assim, embora não soubesse que Chrissy foi uma prostituta, se soubesse de todos os modos teria que adotar esse tom e expressão de respeito.
Isto consolou Xhex, embora não saberia dizer por que.
Do norte soprou uma brisa gelada, e ela reatou a vigilância do terreno. Chrissy não ia permanecer aqui quando terminassem. Como tantos rituais, isto era somente uma exibição. Ao estar sob a terra gelada, ia ter que esperar até a primavera, alojada em um fichário de carne do necrotério. Mas, ao menos tinha a lápide de granito rosado, é obvio colocada onde seria enterrada. Xhex optou por fazer uma inscrição singela, só o nome de Chrissy e as datas, mas, ao longo das bordas havia um lindo trabalho de ornamentação como se fosse um pergaminho.
Esta era a primeira cerimônia mortuária humana a que Xhex comparecia, e lhe pareceu muito estranha, todas essas sepulturas, primeiro na caixa, logo sob a terra. A noção de estar sob a terra era suficiente para fazê-la puxar o pescoço de sua jaqueta de couro. Não. Isto não era para ela. Nesse aspecto, era inteiramente symphath.
As piras funerárias eram a única forma de partir.
Ante a tumba, o oficiante se inclinou com uma pá de prata e escavou o chão, em seguida, tomou um punhado da terra solta e pronunciou sobre o ataúde:
— Cinzas as cinzas, pó ao pó.
O homem deixou voar os grãos de terra, e quando o forte vento se apoderou deles Xhex suspirou, a esta parte sim encontrava sentido. Na tradição symphath, o morto era elevado sobre uma série de plataformas de madeira, em que ateavam fogo de baixo, a fumaça flutuava para cima e se dispersava da mesma forma em que fez o pó, a mercê dos elementos. E o que ficava? A cinza que era deixada onde repousava.
É obvio que os symphaths eram queimados porque ninguém confiava que realmente estivessem mortos quando “morriam”. Às vezes sim. Outras vezes só fingiam. E valia a pena assegurar-se.
Mas, a elegante mentira era a mesma em ambas as tradições, não? Sendo reduzido a cinzas liberava do corpo, e, entretanto, continuava sendo parte de tudo.
O sacerdote fechou a Bíblia e inclinou a cabeça, e, enquanto todo mundo seguia seu exemplo, Xhex voltou a passear a vista pelos arredores, rezando para que esse fodido Grady estivesse em algum lugar.
Mas pelo que podia ver e sentir, ainda não tinha aparecido.
Merda! Olhe todas essas lápides... Implantadas nas sinuosas colinas que agora apresentavam uma cor marrom invernal. Embora as lápides fossem todas distintas (longas e finas, ou baixas e perto do chão, brancas, cinzas, negras, rosadas, douradas) havia um esquema central comum a todas elas, as fileiras de mortos estavam dispostas como casas em uma cidade, com caminhos asfaltados e extensões de árvores serpenteando entre elas.
Uma lápide atraiu sua atenção. Era uma estátua de uma mulher vestida com uma túnica que olhava fixamente aos céus, seu rosto e sua postura era tão plácido e sereno como o céu nublado em que estava enfocada. O granito em que estava esculpida era de um cinza pálido, a mesma cor que sobressaía por cima dela, e por um momento foi difícil distinguir onde terminava a escultura e onde começava o horizonte.
Sacudindo-se, Xhex olhou a Trez e, quando seus olhos se encontraram, ele fez um gesto negativo quase imperceptível com a cabeça. O mesmo ocorreu com iAm. Nenhum deles tinha captado a presença de Bobby, tampouco.
Enquanto isso o detetive Da Cruz a contemplava, e ela sabia, não porque lhe devolvesse o favor, mas sim porque cada vez que seus olhos se pousavam nela podia sentir suas emoções mudar. Ele compreendia o que ela sentia. Realmente o fazia. E havia uma parte dele que a respeitava por sua ânsia de vingança. Mas estava decidido.
Quando o sacerdote deu um passo atrás e a conversa fluiu, Xhex se deu conta que o serviço tinha terminado, e observou como Marie Terese era a primeira em romper as filas, dirigindo-se para o sacerdote para apertar sua mão. Estava espetacular com o traje do funeral, a renda negra que cobria sua cabeça realmente parecia a de uma noiva, as miçangas e a cruz que tinha nas mãos a faziam parecer piedosa quase até o ponto do monástico.
Obviamente, o sacerdote aprovava seu traje, seu rosto sério e formoso e o que fosse que estava dizendo, porque se inclinou e segurou sua mão. Quando entraram em contato, a mentira emocional dele trocou para o amor, a um puro, concentrado e casto amor.
Xhex se deu conta que era devido a isso que a estátua tinha chamado sua atenção. Marie Terese era exatamente igual à mulher da túnica. Que estranho.
— Bonito serviço, huh.
Deu a volta e olhou ao detetive Da Cruz.
— Pareceu-me adequado. Na realidade não saberia dizer.
— Então, não é católica.
— Não. — Xhex saudou Trez e iAm enquanto a multidão se dispersava. Os meninos levariam todo mundo para comer fora antes de ir ao trabalho, como uma forma mais de honrar a Chrissy.
— Grady não veio. — disse o detetive.
— Não.
Da Cruz sorriu.
— Sabe, fala da mesma forma como decora.
— Gosto de manter as coisas simples.
— Simplesmente os fatos, senhora? Pensei que essa era minha linha. — jogou uma olhada às costas das pessoas que se afastavam em direção aos três carros estacionados juntos no caminho. Um por um, o Bentley de Rehv, um esportivo Honda e o Camry de cinco anos de Marie Terese arrancaram.
— Assim, onde está seu chefe? — murmurou Da Cruz — Esperava vê-lo aqui.
— É uma ave noturna.
— Ah.
— Olhe detetive, irei.
— Sério? — fez um amplo gesto abrangendo os arredores com o braço — No que? Ou é das que gostam de caminhar com este tempo?
— Estacionei em outro lugar.
— Sim? Não está pensando em ficar pelos arredores? Já sabe, para ver se há alguma chegada tardia.
— Agora, por que faria isso?
— Certamente, por quê?
Houve uma longa, longa, longa pausa, durante a qual Xhex permaneceu olhando fixamente a estátua que lhe recordava a Marie Terese.
— Quer me levar até meu carro, detetive?
— Sim, é obvio que sim.
O sedam sem marca era tão prático como o vestuário do detetive, mas, como o grosso casaco do homem, era quente, e assim como o que havia dentro das roupas do detetive, era poderoso, o motor grunhiu como algo que se encontraria sob a capota de um Corvette.
Da Cruz jogou uma olhada para trás e acelerou.
— Aonde vou?
— Ao clube, se não se importar.
— Foi onde deixou o carro?
— Trouxeram-me até aqui.
— Ah.
Enquanto Da Cruz conduzia ao longo do sinuoso caminho, ela olhou fixamente para fora, às lápides e por um breve momento pensou na quantidade de corpos que tinha abandonado.
Incluído ao de John Matthew.
Fazia o possível para não pensar no que tinham feito e na forma em que deixara esse corpo grande e duro dele totalmente esparramado sobre sua cama. A expressão de seus olhos ao vê-la atravessar a porta estava repleta de uma angústia que não podia permitir-se interiorizar. Não se tratava de que não lhe importasse uma merda, o problema era que lhe importava muito.
Esse era o motivo pelo qual teve que ir, e pelo qual não podia correr o risco de voltar a ficar a sós com ele outra vez. Já tinha passado por isso antes, e os resultados foram pior que trágicos.
— Está bem? — perguntou Da Cruz.
— Sim, estou bem, detetive. E você?
— Bem. Simplesmente bem. Obrigado por perguntar.
Frente a eles surgiram às portas do cemitério, as intricadas grades de ferro estavam totalmente abertas, uma a cada lado do caminho.
— Voltarei aqui. — disse Da Cruz enquanto freava e em seguida avançava pela rua além das portas — Porque penso que Grady aparecerá em algum momento. Tem que fazê-lo.
— Pois bem, a mim não verá.
— Não?
— Não. Pode contar com isso. — é que era muito boa escondendo-se.

Quando o telefone de Ehlena fez um bip em seu ouvido, teve que afastá-lo de sua cabeça.
— Que demôn… Oh. A bateria está acabando. Espera.
A profunda risada de Rehvenge provocou uma pausa em sua busca pelo cabo, só para poder ouvir até o último retumbar desse som.
— Ok! Já estou conectada. — voltou-se a acomodar contra os travesseiros — Agora, onde estávamos… Oh, sim. Sou eu quem tenho curiosidade, exatamente que tipo de homem de negócios é?
— Um com êxito.
— O que explica o guarda-roupa.
Ele riu de novo.
— Não, meu bom gosto explica o guarda-roupa.
— Bom então a parte do êxito é a que o paga.
— Bem, minha família é afortunada. Deixemos assim.
Deliberadamente se concentrou em seu edredom para não lembrar-se da puída habitação de teto baixo em que estava. Melhor ainda… Ehlena estendeu a mão e apagou a luz sobre as caixas de leite que tinha empilhado ao lado de sua cama.
— O que foi isso? — perguntou ele.
— A luz. Ah, acabo de apagá-la.
— Oh, muito mal, te mantive acordada muito tempo.
— Não, só... Queria estar às escuras, é tudo.
A voz de Rehv foi tão baixa que mal pôde ouvi-la.
— Por quê?
Sim, como se fosse lhe dizer que era porque não queria pensar onde vivia.
— Eu… Queria me pôr ainda mais cômoda.
— Ehlena. — o desejo tingiu seu tom, trocando o tenor da conversa de um flerte a… Um pouco muito sexual. E num instante, estava de volta em sua cama nesse apartamento de cobertura, nua, com a boca dele sobre sua pele.
— Ehlena...
— O que? — respondeu com voz rouca.
— Ainda está com o uniforme? O que te tirei?
— Sim. — a palavra foi mais suspiro que outra coisa, e foi muito mais que uma resposta à pergunta que fez. Sabia o que desejava, e ela também desejava.
— Os botões da frente... — murmurou — Abre um para mim?
— Sim.
Quando soltou o primeiro deles, ele disse:
— E outro.
— Sim.
Prosseguiram até que o uniforme esteve totalmente aberto na frente, e ela a sério se alegrou que as luzes estivessem apagadas… Não porque se sentisse envergonhada, mas porque assim lhe parecia que ele estava ali ao seu lado.
Rehvenge gemeu, e o ouviu lamber os lábios.
— Se estivesse aí, sabe o que estaria fazendo? Estaria percorrendo seus peitos com as pontas dos dedos. Encontraria um mamilo e faria círculos ao seu redor para que estivesse preparado.
Ela fez o que ele descrevia e ofegou quando tocou a si mesma. Logo se deu conta…
— Preparado para que?
Riu comprido e baixo.
— Quer me ouvir dizer isso, não?
— Sim.
— Preparado para minha boca, Ehlena. Recorda como se sente? Porque recordo exatamente como é seu sabor. Deixe o sutiã posto e se belisque para mim… Como se estivesse te chupando através de uma dessas suas preciosas taças de renda branca.
Ehlena apertou o polegar e o indicador, apanhando o mamilo entre os dois. O efeito foi menor que a sucção cálida e úmida dele, mas foi bom o bastante, especialmente com ele lhe dizendo que o fizesse. Repetiu o beliscão e se arqueou na cama, gemendo seu nome.
— Oh, Jesus... Ehlena.
— Agora... O que...? — enquanto soltava o ar pela boca, sentia pulsações entre as coxas, estava úmida, desesperada por fosse o que quer que fossem fazer.
— Queria estar aí contigo. — gemeu ele.
— Está comigo. Está.
— Outra vez. Aperta por mim. — enquanto se estremecia e gritava seu nome, foi rápido com a seguinte ordem — Suba a saia para mim. De forma que fique ao redor de sua cintura. Deixa o telefone e faça rápido. Estou impaciente.
Deixou cair o telefone sobre a cama e arrastou a saia sobre suas coxas até passar os quadris. Teve que apalpar ao redor de si para encontrar o telefone e rapidamente o pôs no ouvido.
— Alô?
— Deus, isso soou bem... Podia ouvir a roupa subindo por seu corpo. Quero que comece pelas coxas. Vá primeiro ali. Deixe postas as meias e se acaricie para cima.
As meias atuavam como um condutor de seu contato, amplificando a sensação assim como fazia a voz dele.
— Recorde-me fazendo isso. — lhe disse com uma voz velada — Recorde.
— Sim, Oh, sim...
Estava ofegando tão forte pela antecipação, que quase perdeu seu grunhido:
— Desejaria poder te cheirar.
— Mais acima? — perguntou.
— Não. — quando seu nome abandonou seus lábios em protesto, riu da forma em que fazia um amante, suave e quieto, uma risada que era tanto de satisfação como de promessa — Sobe pela parte exterior da coxa para o quadril e em seguida para as costas e volta a baixar.
Fez o que lhe pediu e enquanto se acariciava ele lhe falava:
— Adoraria estar contigo. Não posso esperar para ir ali outra vez. Sabe o que estou fazendo?
— O que?
— Lambendo meus lábios. Porque estou pensando em mim abrindo caminho a beijos por suas coxas para em seguida passar minha língua, para cima e para baixo pelo lugar onde morro por estar. — ela gemeu seu nome outra vez e foi recompensada — Vai ali abaixo, Ehlena. Por cima das meias. Vai onde eu gostaria de estar.
Quando o fez, sentiu através do fino náilon toda a paixão que tinham gerado, e seu sexo respondeu umedecendo-se ainda mais.
— Tire-as. — disse — As meias. Tire isso e mantenha contigo.
Ehlena deixou o telefone outra vez e, em sua pressa por tirar as meias, nem se preocupou que pudesse escorregar. Procurou tateando ao telefone, e apenas o teve ao alcance já estava perguntando o que seria o próximo.
— Desliza a mão sob as calcinhas. E me diga o que encontra.
Houve uma pausa.
— Oh, Deus... Estou úmida.
Esta vez quando Rehvenge gemeu, perguntou-se se teria uma ereção, tinha visto que era capaz de ter uma, mas em definitivo, a impotência não significava que não pudesse se pôr duro. Só significava que por alguma razão não podia gozar.
Jesus! Desejava poder lhe dar algumas ordens, umas que concordassem com qualquer nível sexual no qual podia funcionar. Só que não sabia até onde chegar.
— Se acaricie e pense que sou eu. — grunhiu — Que é minha mão.
Fez o que ele pediu e teve um forte orgasmo, esparramando-se por toda a cama, pronunciando seu nome em uma explosão tão silenciosa como possível.
— Tire as calcinhas.
Entendido! Pensou enquanto as puxava para baixar pelas coxas e atirar Deus sabia onde.
Voltou a deitar de costas, ansiando voltar a fazê-lo, quando ele disse:
— Pode segurar o telefone entre a orelha e o ombro?
— Sim. — ao caralho, se queria que se transformasse em um pretzel  de vampiro ela estaria de acordo com o plano.
— Pegue as meias com as duas mãos, as estenda bem tensas, em seguida as passe entre suas pernas da frente para trás.
Riu com um indício erótico, em seguida disse docemente:
— Quer que me esfregue contra elas, não?
A respiração dele foi como um disparo em seu ouvido.
— Porra, sim.
— Macho sujo.
— Um banho de sua língua poderia me limpar. O que te parece?
— Sim.
— Adoro essa palavra em seus lábios. — enquanto ria, disse — Então o que está esperando, Ehlena? Precisa dar um bom uso a essas meias.
Embalou o telefone celular no pescoço, encontrou uma boa posição para fazê-lo, e em seguida, sentindo-se como uma rameira e desfrutando, pegou as meias brancas, rodou até ficar de lado, e deslizou a parte de náilon entre as pernas.
— Devagar e com firmeza. — disse ele, ofegante.
Ela boqueou ante o contato, a dura e tensa corda se afundou em seu sexo, tocando todos os lugares corretos.
— Mova-se contra ela. — disse Rehvenge com satisfação — Deixe-me escutar o bem que se sente.
Ela fez exatamente isso, as meias se empaparam e se esquentaram igualando-se a seu núcleo. Continuou fazendo-o, cavalgando sobre as sensações e o fluir de suas palavras até que gozou uma e outra vez. Na escuridão, com os olhos fechados e a voz dele em seu ouvido, era quase tão bom como estar com ele.
Quando ficou frouxa, jogada de qualquer forma sobre a cama, com a respiração entrecortada e sentindo-se fenomenal, se aconchegou ao redor do telefone.
— É tão formosa. — disse baixinho.
— Só porque você me faz assim.
— Oh, está muito enganada sobre isso. — baixou a voz — Esta noite virá para ver-me mais cedo? Não posso esperar até as quatro.
— Sim.
— Bom.
— Quando?
— Estarei aqui com minha mãe e minha família até ao redor das dez. Vem depois dessa hora?
— Sim.
— Tenho essa reunião, mas teremos ao redor de uma hora de intimidade.
— Perfeito.
Houve uma longa pausa, uma que ela teve a perturbadora sensação que bem podia ter sido preenchida com um te quero de ambas as partes se tivessem tido coragem.
— Que durma bem. — suspirou ele.
— Você também, se puder. E, escute se não puder dormir, me ligue. Estou aqui.
— Farei. Prometo.
Houve outro tenso silêncio, como se cada um estivesse esperando que o outro desligasse primeiro.
Ehlena riu, apesar de que a idéia de lhe deixar doesse seu coração.
— Ok, ao três. Um. Dois…
— Espera.
— O que?
Não respondeu durante muito tempo.
— Não quero deixar o telefone.
Ela fechou os olhos.
— Sinto-me igual.
Rehvenge soltou um suspiro, lento e baixo.
— Obrigado. Por permanecer comigo.
A palavra que lhe veio à mente não tinha nenhum sentido, e não estava segura de por que a disse, mas o fez:
— Sempre.
— Se quiser, pode fechar os olhos e imaginar que estou a seu lado. Abraçando-te.
— Farei exatamente isso.
— Bem. Que durma bem. — foi ele quem cortou a comunicação.
Quando Ehlena afastou o telefone da orelha e apertou o botão de fim, o teclado se iluminou, emitindo uma luz azul brilhante. O aparelho estava quente pelo lugar onde o tinha segurado durante tanto tempo, e acariciou a tela plana com o polegar.
Sempre. Ela queria estar ali para ele sempre.
O teclado se obscureceu, a luz se extinguiu de um modo tão terminante que a aterrorizou. Mas ainda podia ligar para ele, não? Poderia parecer patética e necessitada, mas ele continuava no planeta embora não estivesse ao telefone.
A possibilidade de ligar para ele estava ali.
Deus, hoje sua mãe morreu. E de todas as pessoas em sua vida com a que podia ter passado as horas, tinha escolhido a ela.
Subindo os lençóis e a colcha por cima de suas pernas, Ehlena encolheu-se em posição fetal ao redor do telefone, embalou-o, e dormiu.


Capítulo 39


Matando tempo no puto rancho que decidiu usar como narco-casa, Lash sentava-se muito direito em uma cadeira na qual, em sua antiga vida, sequer teria permitido que seu rottweiller cagasse. A coisa era um Barcalounger[73], um pedaço de merda barato e com muito enchimento que infelizmente era tão cômodo como a merda.
Não era exatamente o trono ao que aspirava, mas sim um maldito bom lugar para estacionar seu traseiro.
A sala que se estendia atrás de seu notebook aberto, era de quatro por quatro e com uma decoração de acordo com os baixos ganhos que-não-podiam-permitir-se-situar, os braços dos sofás puídos, havia uma imagem de um descolorido Jesus Cristo que pendia inclinada e o tapete desbotado tinha manchas pequenas e arredondadas… Que pareciam sugerir xixi de gato.
O senhor D dormia com as costas apoiadas contra a porta principal, a pistola na mão e o chapéu de vaqueiro jogado sobre seus olhos. Outros dois lessers estavam sentados sob uma arcada que havia na sala, estavam apoiados um em cada pilastra e tinham as pernas estendidas.
Grady estava no sofá, com uma caixa aberta do Domino’s Pizza ao seu lado e unicamente o que se via sobre a cartolina branca eram manchas gordurentas e tiras de queijo que formavam um padrão parecido aos raios de uma roda. Comeu uma Migthy Meaty[74] extragrande sozinho e nesse momento lia um exemplar atrasado do Caldwell Courier Journal.
O fato de que o homem estivesse tão estranhamente relaxado fazia com que Lash tivesse vontade de fazer uma autópsia enquanto o FDP ainda respirava. Que demônios? O filho de Omega merecia um pouco mais de ansiedade de suas vítimas seqüestradas, o fodia muitíssimo.
Lash olhou seu relógio e decidiu dar a seus homens só meia hora mais de recarga. Hoje, tinham programadas outras duas reuniões com distribuidores de narcóticos, e essa noite seria a primeira vez que seus homens sairiam às ruas com o produto.
O que significava que teria que deixar esfriar até amanhã o assunto com o rei symphath… Lash ia fechar o trato, mas os interesses financeiros da Sociedade tinham preponderância.
Lash olhou por cima de um de seus lessers adormecido para a cozinha, onde uma longa mesa dobradiça estava estendida. Espalhadas ao longo de sua superfície laminada havia pequenas bolsinhas de plástico, do tipo que se dava quando comprava um par de brincos baratos no centro comercial. Umas tinham pó branco dentro, outras pequenas pedras marrons, outras continham pílulas. Os agentes diluentes que utilizaram como levedura em pó e talco, formava suaves pilhas, e os envoltórios de celofane em que vieram os quilogramas estavam atirados no chão.
Vá, merda. Grady pensava que valia aproximadamente duzentos e cinqüenta mil dólares e que, com quatro homens na rua, trocaria de mãos em aproximadamente dois dias.
A Lash agradava esses cálculos, e passou as últimas horas examinando seu plano de negócios. O acesso a mais mercadoria representaria um problema de abastecimento, não podia continuar com a rotina de aponta-e-dispara para sempre, porque ficaria sem pessoas a quem apontar. A questão era onde penetrar na cadeia do negócio: tinham os importadores estrangeiros como os sul-americanos, os japoneses ou os europeus; também havia atacadistas, como Rehvenge; e, em seguida havia uma maior quantidade de distribuidores em pequenas quantidades, que eram os tipos que Lash esteve eliminando. Considerando a dificuldade que seria chegar aos atacadistas e quanto tempo tomaria desenvolver uma relação com os importadores, o mais lógico seria se converter em produtor.
A geografia limitava suas opções, porque Caldwell tinha uma temporada de cultivos que duravam uns dez minutos, mas as drogas como o X e a meta-anfetamina não requeriam bom clima. E, como era de conhecimento público, na Internet podia-se conseguir instruções de como construir e fazer funcionar laboratórios de meta-anfetamina e fábricas de X. É obvio que o problema se apresentaria na hora de obter os ingredientes, porque nos estabelecimentos havia leis e mecanismos de seguimento para fiscalizar a venda de vários dos componentes químicos. Mas ele tinha o controle mental do seu lado. Ao ser os humanos tão facilmente manipuláveis, teria forma de tratar com esse tipo de problemas.
Enquanto contemplava a brilhante tela, decidiu que o seguinte grande trabalho do senhor D consistiria em estabelecer um par destas instalações de produção. A Sociedade Lessening possuía muitos bens imóveis; demônios, uma das chácaras seria perfeita. Prover o pessoal ia ser um problema, mas de todo modo já era hora de efetuar um recrutamento.
Enquanto o senhor D estivesse trabalhando para instaurar as fábricas, Lash abriria o caminho no mercado. Rehvenge tinha que desaparecer. Inclusive se a Sociedade distribuía unicamente X e meta-anfetamina, quanto menos distribuidores desses produtos houvesse, melhor, e isso significava tirar o atacadista que havia no topo… Embora como chegar a ele era um fodido quebra-cabeças. No ZeroSum estavam esses dois brutamontes e essa puta fêmea transexual, além disso suficiente câmaras de segurança e sistemas de alarme para equiparar-se ao Museu Metropolitano de Arte. Por outro lado, Rehv devia ser um filho da puta inteligente ou não teria durado tanto como o fazia. O clube estava aberto durante quanto? Cinco anos?
Um forte barulho de papel fez com que Lash voltasse a enfocar os olhos por cima de seu Dell[75]. Grady levantou abandonando a pouco elegante postura escancarada de quando esteve no sofá e empunhava o CCJ[76] dentro dos punhos fechados com tanta força que pareciam nós marinheiros e essa espécie de anel sem pedra que levava lhe incrustava na pele do dedo.
— O que acontece? — disse Lash arrastando as palavras — Leu que a pizza provoca que te suba o colesterol ou alguma merda assim?
Não era como se o mal-nascido fosse viver tempo suficiente para preocupar-se com suas artérias coronárias.
— Não é nada… Nada, não é nada.
Grady atirou o jornal a um lado e se jogou sobre as almofadas do sofá. Quando seu pouco interessante rosto empalideceu, levou uma mão ao coração, como se a coisa estivesse fazendo aeróbica dentro de seu tórax, e com a outra retirou o cabelo, que não necessitava nenhuma ajuda para afastar-se de sua frente.
— Que bobagem acontece com você?
Grady sacudiu a cabeça, fechou os olhos e moveu os lábios como se estivesse falando consigo mesmo.
Lash voltou a baixar o olhar para a tela de seu computador.
Ao menos o idiota estava aborrecido. Isso era bastante satisfatório.

Capitulo 40


À tarde seguinte, Rehv desceu com cuidado a escada curva do refúgio da família, guiando Havers de volta à porta principal que o médico da raça atravessou apenas quarenta minutos antes. Bella e a enfermeira que o assistiu também o seguiam. Ninguém falava, só se ouvia o som inusitadamente alto das pegadas sobre o amaciado tapete.
Enquanto caminhava, tudo o que podia cheirar era morte. O aroma das ervas rituais se mantinha no fundo de suas fossas nasais, como se a merda encontrasse refúgio do frio em seus seios, e se perguntava quanto tempo passaria antes que deixasse de captar seu odorzinho cada vez que inalasse.
Fazia com que um macho quisesse pegar um aplicador de jorro de areia, dirigi-lo ali acima e fazer uma boa limpeza abrasiva.
Para falar a verdade, sentia uma terrível necessidade de ar fresco, mas não se atrevia a mover-se mais rápido. Entre sua bengala e o corrimão esculpido, se dirigia bem, mas depois de ver sua mãe envolta em linho, não tinha somente o corpo intumescido, sua mente também estava. O último que precisava era terminar aterrissando sobre o traseiro no vestíbulo de mármore.
Rehv desceu o último degrau, trocou a bengala à mão direita, e virtualmente se equilibrou para abrir a porta. O vento frio que entrava era uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Sua temperatura interna desceu em ladeira, mas foi capaz de tomar um profundo e gelado fôlego que substituiu algo do que o atormentava com a aguda promessa de que cairia uma nevasca.
Clareando a garganta, estendeu a mão para o médico da raça.
— Tratou a minha mãe com incrível respeito. Agradeço, obrigado.
Atrás de seus óculos de tartaruga marinha, os olhos de Havers não demonstravam somente compaixão profissional, mas sim uma compaixão honesta, e estendeu a palma como um companheiro enfermo.
— Ela era muito especial. A raça perdeu uma de suas luzes espirituais.
Bella deu um passo adiante para abraçar o médico, e Rehv fez uma reverência ante a enfermeira que o assistiu sabendo que ela sem dúvida preferiria não ter que tocá-lo.
Enquanto o par saía pela porta principal para desmaterializar de volta à clínica, Rehv tomou um momento para contemplar a noite. Definitivamente ia nevar de novo, e esta vez não seria somente essa espécie de pozinho da noite anterior.
Perguntou-se se sua mãe teria visto as nevascas na tarde anterior. Ou, se teria perdido o que provou ser sua última oportunidade de ver os delicados cristais milagrosos que caíam à deriva do céu?
Deus, ninguém tinha uma infinita quantidade de noites. Nenhuma inumerável multidão de rajadas de neve para ver.
Sua mãe adorava as nevascas. Cada vez que se apresentavam, ia à sala, acendia as luzes do exterior, apagava as de dentro, e se sentava ali olhando para fora, de noite. Enquanto seguisse caindo, ficava ali. Podia passar horas.
O que ela veria, perguntou-se. Na neve que caía, o que teria visto? Nunca perguntou.
Cristo, por que as coisas tinham que acabar.
Rehv fechou a porta, deixando o espetáculo invernal fora e se reclinou contra seus sólidos painéis de madeira. Ante ele, debaixo do lustre que havia no alto, estava sua irmã, chorosa e apática, embalando sua filha nos braços.
Desde o falecimento, não soltara Nalla, mas à pequena não importava. A filha estava adormecida nos braços de sua mãe, sua fronte estava franzida pela concentração, como se estivesse crescendo tão rápido, que sequer quando estava em repouso se permitia um descanso.
— Costumava te apertar dessa maneira. — disse Rehv — E você estava acostumada a dormir assim. Tão profundamente.
— Fazia-o? — Bella sorriu e esfregou as costas de Nalla
O body daquela noite era branco e negro com um logotipo da excursão do AC/DC AO VIVO e Rehv não pôde evitar sorrir. Não o surpreendia absolutamente que sua irmã tivesse descartado toda a merda brega de patinhos-e-coelhinhos favorecendo um vestuário de recém-nascida que era definitivamente impressionante. E bendita fosse. Se alguma vez chegasse a ter um filho...
Rehv franziu o cenho e pôs freio a esses pensamentos.
— O que aconteceu? — perguntou sua irmã
— Nada. — além de que pela primeira vez em sua vida tinha pensado em ter descendência.
Possivelmente fosse pela morte de sua mãe.
Possivelmente fosse pela Ehlena, apontou outra parte dele.
— Quer comer algo? — disse — Antes que Z e você empreendam a volta?
Bella levantou a vista para as escadas, de onde baixava flutuando o som de uma ducha.
— Gostaria.
Rehv pôs uma mão sobre seu ombro e caminharam juntos por um vestíbulo adornado com paisagens emolduradas, e através de um refeitório com paredes da cor do Merlot. A cozinha contrastava com o resto da casa, pois era muito singela centrando-se na funcionalidade, mas havia uma mesa muito agradável a qual sentar-se, e ali em uma das cadeiras com respaldo alto e braço acomodou sua irmã e à pequena.
— O que gostaria? —perguntou, indo para a geladeira.
— Têm cereais?
Ele se dirigiu ao armário onde se armazenavam as bolachas e as conservas, esperando que... Sim, Frosted Flakes[77]. Havia uma grande caixa de Frosted Flakes lado a lado com um pacote de biscoitinhos salgados Kleeber Clube e uns crótons do Pepperidge Farm.
Ao tirar os cereais, girou a caixa para que visse a frente e olhou o Tony, o Tigre.
Repassando as linhas do desenho com a ponta do dedo, disse brandamente:
— Você ainda gosta dos Frosted Flakes?
— Oh, absolutamente. São meus favoritos.
— Bem. Isso me faz feliz.
Bella riu um pouco.
— Por quê?
— Não se… Lembra? — deteve a si mesmo — Entretanto, por que o faria?
— Recordar o que?
— Foi faz muito tempo. Observei você quando os comia e… Simplesmente era agradável, isso é tudo. A forma em que os desfrutava. Eu gostava da forma em que os desfrutava.
Pegou uma terrina, uma colher e o leite desnatado, foi com o lote até onde estava sua irmã e fazendo um pequeno lugar dispôs tudo frente a ela.
Enquanto ela trocava de lugar à pequena para ter a mão direita livre para usar a colher, ele abriu a caixa e o fino saco de plástico e começou a servi-los.
— Diga-me quando estiver bom. — disse.
O som dos cereais golpeando a terrina, esse pequeno som de chapinhar, falava de uma vida cotidiana normal e era muito forte. Como aqueles passos descendo a escada. Era como se ao silenciar o batimento do coração de sua mãe tivesse subido o volume do resto do mundo até que sentiu que necessitava abafadores para os ouvidos.
— Pare. — disse Bella.
Ele trocou a caixa de cereais pela caixa de leite Hood e derrubou um rio branco sobre os cereais.
— Uma vez mais, com sentimento.
— Pare.
Rehv se sentou enquanto fechava a tampa e soube que não devia lhe perguntar se queria que ele carregasse Nalla. Embora incômodo para comer, ela não soltaria essa menina durante um bom momento e estava bem. Mais que bem. Ver como se consolava com a próxima geração contribuiu um pouco para dar consolo a ele
— Mmm. — murmurou Bella com o primeiro bocado.
No silêncio que surgiu entre eles, Rehv se permitiu relembrar outra cozinha, em outro tempo, muito anterior, quando sua irmã era muito mais jovem e ele muitíssimo menos corrupto. Recordou uma terrina de Tony em particular que era melhor ela não recordar, aquela que após ter terminado, ainda seguia tendo vontade de comer mais, e teve de lutar contra tudo o que aquele bastardo de seu pai lhe tinha ensinado a respeito das fêmeas que deviam ser magras e que nunca repetiam. Quando cruzou a cozinha da antiga casa e logo retornou a sua cadeira levando a caixa de cereais, Rehv aclamou silenciosamente e quando começou a servir-se outra porção… Começou a chorar lágrimas de sangue pelo que teve que desculpar-se dizendo que ia ao quarto de banho.
Tinha assassinado ao pai dela por duas razões: sua mãe e Bella.
Uma de suas recompensas foi à tentativa de liberdade de Bella ao comer mais quando sentia fome. A outra foi saber que não haveria mais contusões no rosto de sua mãe.
Perguntava-se o que teria Bella pensado se soubesse o que ele tinha feito. O odiaria? Possivelmente. Não estava seguro de quanto recordava a respeito de todos os maus tratos, especialmente os que foram feito a sua mahmen.
— Está bem? — perguntou ela repentinamente.
Ele passou a mão por seu topete.
— Sim.
— Pode ser difícil de interpretar. — dedicou-lhe um pequeno sorriso, como se quisesse estar segura de que não havia ironia em suas palavras — Nunca sei se está bem.
— Estou.
Ela passeou a vista pela cozinha.
— Que fará com esta casa?
— Vou conservá-la, ao menos durante outros seis meses. Comprei de um humano, faz um ano e meio e preciso agüentá-la um pouco mais ou vão me ferrar nos lucros de capital.
— Sempre foi bom com o dinheiro. — inclinou-se para levar outra colherada à boca — Posso te perguntar algo?
— Claro.
— Tem alguém?
— Alguém como?
— Já sabe… Uma fêmea. Ou um macho.
— Acredita que sou gay? — enquanto ria, ela ficou de um vermelho escarlate, e ele desejou abraçá-la com todas as suas forças.
— Bom Rehvenge, se for não há problema. — disse, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça que o fez sentir como se lhe tivesse estendido a mão para consolá-lo — Quero dizer, você nunca apresentou nenhuma fêmea, jamais. E, não quero pressupor... Que você... Ah... Bem, em certo momento do dia fui ao seu quarto para ver como estava e te escutei falando com alguém. Não é que estivesse escutando às escondidas... Não estava... Oh, merda.
— Está bem. — sorriu abertamente e então se deu conta que não havia uma resposta simples para sua pergunta. Ao menos, no que referia a se tinha a alguém.
Ehlena era... O que era?
Franziu o cenho. A resposta que vinha a sua mente afundava profundamente nele. Muito profundamente. E dada à superestrutura de mentiras sobre a qual estava construída sua vida, não estava seguro que esse tipo de prospecção fosse uma idéia acertada: porra, sua montanha de carvão já estava suficientemente instável para permitir que houvesse ocos que impregnassem tão fundo sob a superfície.
Bella baixou a colher lentamente.
— Meu Deus... Tem alguém, verdade?
Ele se obrigou a responder de forma que a quantidade de complicações diminuíram. Embora isso fosse como tirar só uma parte de lixo da pilha.
— Não, não tenho. — jogou uma olhada a sua terrina — Quer mais?
Ela sorriu.
— Sim. — enquanto a servia, disse — Sabe, a segunda terrina sempre é a melhor.
— Não poderia estar mais de acordo.
Bella empurrou os cereais para baixo com o dorso de sua colher.
— Amo você, irmão meu.
— E eu a você, irmã minha. Sempre.
— Acredito que mahmen está no Fade nos cuidando. Não sei se acredita nesse tipo de coisas, mas ela o fazia, e depois do nascimento de Nalla também cheguei a acreditar.
Era consciente de que quase perderam Bella na mesa de parto, e se perguntava o que ela teria visto nesses momentos, quando sua alma não estava nem aqui nem ali. Nunca tinha pensado muito sobre onde se terminava, mas estava disposto a apostar que ela tinha razão. Se alguém podia velar por seus descendentes do Fade, essa seria sua encantadora e piedosa mãe.
Isso lhe proporcionava consolo e um propósito.
Ali acima, sua mãe nunca teria que preocupar-se com o que a tinha preocupado. Não pelo que a ele concernia.
— Oh, olhe, está nevando. — disse Bella
Olhou através da janela. Iluminados pela luz das luzes de gás que havia ao longo da entrada para carros, os pequenos pontos brancos caíam à deriva.
— Ela teria amado isto. — murmurou ele.
— Mahmen?
— Lembra como costumava sentar-se em uma cadeira para contemplar os flocos caírem?
— Não os observava cair.
Rehv franziu o cenho e a olhou do outro lado da mesa.
— Com certeza que sim. Durante horas, ela…
Bella negou com a cabeça
— Gostava do aspecto que tinham depois de cair.
— Como sabe?
— Perguntei uma vez. Já sabe, por que se sentava e ficava olhando para fora durante tanto tempo. — Bella reacomodou Nalla em seus braços e com uma mão alisou as mechinhas de cabelo de sua menina — Disse que era porque quando a neve cobria a terra, os ramos e os telhados, lembrava-se de quando estava no Outro Lado com as Escolhidas, onde tudo estava bem. Disse... Que depois que a neve caía, ela se via restituída a sua vida antes da queda. Nunca entendi o que queria dizer com isso, e ela nunca me explicou isso.
Rehv voltou a olhar através da janela. À velocidade que estavam caindo os flocos, passaria um tempo antes que a paisagem ficasse branca.
Não era de estranhar que sua mãe permanecesse horas olhando para fora.

Wrath despertou na escuridão, mas de uma forma deliciosa, familiar e feliz. Sua cabeça estava sobre seu próprio travesseiro, suas costas contra seu próprio colchão, as mantas até seu queixo, e o aroma de sua shellan profundamente em seu nariz.
Dormiu felizmente durante um comprido tempo, podia afirmar pelo muito que precisava esticar-se. E sua dor de cabeça se foi. Ido... Deus, esteve vivendo com a dor durante tanto tempo, que era somente em sua ausência quando se dava conta de quão ruim se tornou.
Esticando todo o corpo, esticou os músculos das pernas e braços até fazer ranger os ombros e endireitar sua coluna, seu corpo se sentiu glorioso.
Dando a volta, encontrou Beth com o braço, e deslizando-o ao redor de sua cintura a capturou por atrás e se curvou ao redor dela de maneira a poder enterrar o rosto no suave cabelo de sua nuca. Ela sempre dormia sobre o lado direito, e o tema de adotar a posição de colheres paralelas era assunto dele... Gostava de rodear o corpo menor dela com o seu que era muito mais comprido porque o fazia sentir que era o suficientemente forte para protegê-la.
Entretanto, manteve os quadris separados dela. Seu pênis estava rígido e cheio de eu-desejo, mas se sentia agradecido somente por poder se deitar com ela... E não tinha intenção de arruinar o momento fazendo-a sentir incomoda.
— Mmm. — disse ela, acariciando seu braço — Está acordado.
— Estou. — e mais que isso.
Armou-se uma confusão enquanto ela dava a volta, movendo-se dentro de seu abraço até que esteve de frente.
— Dormiu bem?
— Oh, sim.
Quando sentiu um ligeiro puxão de cabelo, soube que estava brincando com as pontas frisadas, e se alegrou de mantê-lo tão longo como o tinha. Inclusive embora tivesse que prender a pesada massa negra na parte de atrás da cabeça quando saía para lutar, e que a merda demorava eternidades para secar-se — tanto, de fato, que tinha que usar um secador, o que era muito fodidamente efeminado para acreditar — Beth amava a coisa. Podia lembrar as muitas vezes que ela o tinha desdobrado em leque sobre seus seios nus...
Bom, desacelerar esse trem seria uma muito boa idéia. Se continuasse com esse tipo de coisas teria que montá-la ou perder sua condenada mente.
— Adoro seu cabelo, Wrath. — na escuridão, sua voz baixa era como o toque de seus dedos, delicada e devastadora.
— Eu adoro quando coloca suas mãos sobre ele. — replicou, com a voz rouca — Entre o meio dele, de qualquer forma que você goste de tocá-lo.
Estiveram só Deus sabia quanto tempo ali deitados lado a lado, encarando um ao outro, os dedos dela retorcendo e enroscando as densas ondas.
— Obrigada, — disse ela baixinho — por me contar sobre esta noite.
— Teria preferido ter boas notícias para te contar.
— Mesmo assim me alegra que me conte. Prefiro saber.
Encontrou seu rosto para comprovar, e enquanto deslizava os dedos sobre as bochechas, o nariz até os lábios, via-a com as mãos e a conhecia com o coração.
— Wrath... — ela colocou a mão sobre sua ereção.
— Oh, caralho... — esticando a parte baixa das costas impulsionou os quadris para frente.
Ela riu baixinho.
— Sua linguagem amorosa faria com que um caminhoneiro se sentisse orgulhoso.
— Sinto muito, eu… — a respiração se prendeu na garganta quando ela o acariciou por cima dos boxer que pôs em atenção a seu pudor — Caralh... Quero dizer...
— Não, eu gosto. É muito você.
A fez rodar e montou sobre seus quadris... Sagrada merda. Sabia que veio para cama com uma camisola de flanela, mas onde quer que estivesse, não estava cobrindo as pernas, porque seu doce e quente centro se esfregou contra seu pênis.
Wrath grunhiu, e perdeu o controle. Com um súbito impulso, atirou-a de costas, baixou os Calvin Klein que raramente usava, por suas coxas, e se introduziu nela. Quando ela gritou e arranhou suas costas com as unhas, lhe alargaram as presas completamente e começaram a palpitar.
— Preciso de você. — disse — Necessito isso.
— Eu também.
Não economizou nada de seu poder, mas em definitivo, gostava assim algumas vezes, cru, selvagem, que o corpo dele marcasse o seu com dureza.
O rugido que lançou quando se introduziu nela sacudiu o óleo que pendia sobre a cama e fez repicar os frascos de perfume que estavam na penteadeira e continuou movendo-se em seu interior, mais besta que amante civilizado. Mas, quando seu aroma começou a encher seu nariz, soube que o desejava exatamente como era... Cada vez que chegava ao orgasmo, ela fazia com ele, seu sexo apertava e puxava o dele, o mantendo profundamente em seu interior.
Com uma ordem ofegante, disse-lhe:
— Toma minha veia…
Ele vaiou como um predador, foi em busca de seu pescoço e a mordeu com força.
O corpo de Beth se sacudiu abaixo do dele, e entre seus quadris sentiu que brotava uma calidez que não tinha nada a ver com o que tinha deixado em seu interior. Em sua boca, o sangue dela era o presente da vida, sentia-o espesso na língua e descendo por sua garganta, enchendo o ventre com um forno quente que iluminava sua carne de dentro para fora.
Enquanto bebia, seus quadris tomaram o comando, agradando a ela, sentindo prazer em si mesmo, quando esteve satisfeito, lambeu as marcas da dentada, e voltou a ocupar-se dela, esticando-se para baixo levantou uma de suas pernas para poder entrar ainda mais profundamente enquanto golpeava com força. Quando em uma das investidas voltou a gozar, segurou-lhe a nuca com a palma da mão e aproximou seus lábios a sua garganta.
Mas não teve oportunidade de expressar uma ordem. Ela o mordeu, e no momento em que suas agudas pontas ferroaram sua pele sentiu a doce chicotada da dor e teve um novo orgasmo, um que foi mais brutal que todos os outros. Saber que possuía o que ela necessitava e desejava, que ela vivia do que pulsava ao longo de suas veias, era fodidamente erótico.
Quando sua shellan acabou e fechou as feridas as lambendo, ele rodou sobre suas costas mantendo-os unidos, com a esperança de que...
Oh, sim, fizeram um bom uso dela montando-o. Enquanto ela tomava o comando, ele levantou as palmas de suas mãos para seus peitos e se deu conta que ainda tinha a camisola posta, de maneira que a tirou pela cabeça e atirou a quem-demônios-lhe-importava-onde. Encontrando seus peitos novamente, sopesou-os e estavam tão pesados e abundantes em suas palmas que não pôde evitar arquear para cima e tomar um de seus mamilos na boca. Sugou enquanto ela bombeava por ambos até que se fez muito difícil manter a conexão e teve que deixar cair seu torso sobre a cama.
Beth gritou, e em seguida ele o fez, e então ambos chegaram juntos ao clímax. Depois ela se derrubou junto a ele e permaneceram um ao lado do outro, ofegando.
— Isso foi incrível. — ofegou ela.
— Fodidamente incrível.
Ele tateou ao seu redor na escuridão, até que encontrou sua mão, e ficaram assim unidos durante um momento.
— Tenho fome. — disse ela.
— Eu também.
— Bem, deixa que vá procurar algo para os dois.
— Não quero que vá. — disse puxando sua mão, atraindo-a para ele, e beijando-a — É a melhor fêmea que um macho poderia chegar a ter jamais.
— Também te amo.
Como se estivessem sincronizados, seus estômagos rugiram ao mesmo tempo.
— De acordo, possivelmente sim seja hora de comer. — enquanto riam juntos, Wrath soltou sua shellan — Espera, me deixe acender a luz para que possa encontrar a camisola.
Imediatamente soube que algo andava mal. Beth deixou de rir e ficou absolutamente paralisada.
— Leelan? Está bem? Fiz-te mal? — oh, Deus... Tinha sido tão bruto — Eu sinto...
Interrompeu-o com voz estrangulada.
— Minha luz já está acesa, Wrath. Antes que despertasse, eu estava lendo.

 

 

                                CONTINUA