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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMANTE VINGADO
AMANTE VINGADO

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo 20


Lash estacionou a Mercedes 550 debaixo de uma das pontes de Caldwell, o sedã negro era indistinguível entre as sombras projetadas pelas gigantescas bases de concreto. O relógio digital que havia no painel indicou que a hora do espetáculo se aproximava.
Assumindo que não tivesse tido cagadas.
Enquanto esperava, pensou na reunião com o líder dos symphaths. Em retrospectiva, não gostava realmente do modo em que o macho o fazia sentir-se. Ele fodia garotas. Ponto. Nada de machos. Jamais.
Essa classe de merda era para cavaleiros de pênis como John e seu bando de fracos do rabo.
Mudando de direção mentalmente, Lash sorriu na escuridão, pensando que quase não podia esperar para voltar a ser apresentado a esses estúpidos. Ao princípio, logo depois de que tivesse retornado por seu pai verdadeiro, tinha querido apressar as coisas. Depois de tudo, John e seus meninos sem dúvida seguiam freqüentando o ZeroSum, assim encontrá-los não seria um problema. Mas, encontrar o momento adequado era fundamental. Lash ainda estava resolvendo a merda de sua nova vida e queria estar inteiro quando esmagasse o John e matasse o Blay diante do Qhuinn, logo mataria ao idiota que o tinha assassinado.
Procurar o momento oportuno era importante.
Como se tivessem obedecido a um sinal, dois carros se detiveram entre alguns dos pilares. O Ford Escort era da Sociedade Lessening, e o Lexus prateado era o carro do atacadista de Grady.
Preciosos aros os que levava o LS 600h. Muito bonitos.
Grady foi o primeiro a sair do Escort, e quando o senhor D e os outros dois lessers o seguiram, foi como olhar a evacuação de um carro de palhaços, dada a quantidade de carne que tinha estado apinhada dentro.
Quando se aproximaram do Lexus, do 600h, saíram dois homens levando elegantes casacos de inverno. Sincronizadamente, os dois machos humanos puseram a mão direita em suas jaquetas e tudo no que Lash pôde pensar foi: melhor que saiam armas e não insígnias desses bolsos superiores. Se Grady havia fodido e esses eram policiais disfarçados brincando de ser Crockett e Tubbs[41] da era moderna, as coisas iram se complicar.
Mas não… Nenhuma insígnia do DPC, só um pouco de conversa por parte dos casacos, sem dúvida na linha de: Quem são estes três lambe rabos que trouxe para esta transação particular de negócios?
Grady olhou ao senhor D com um pânico de “estou totalmente fora desta aliança”, e o pequeno texano tomou as rédeas, dando um passo adiante com uma pasta de alumínio. Depois de pô-la sobre o porta-malas do Lexus, abriu para revelar o que pareciam ser maços de notas de cem dólares. Na realidade, eram só montões de notas de um dólar com só um Benjamin[42] em cima de cada maço. Os casacos olharam para baixo…
Plop. Plop.
Grady saltou para trás enquanto os traficantes caíam ao chão como faxineiras, sua boca aberta tão amplamente como a tigela de lavabo. Antes que pudesse se pôr a dizer um montão do “OH meu Deus o que fez”, o senhor D deu um passo para ficar cara a cara e desferiu uma bofetada que o fez calar.
Os dois assassinos voltaram a guardar as armas em suas jaquetas de couro enquanto o senhor D fechava a mala, dava a volta e ficava atrás do volante do Lexus. Enquanto partia, Grady levantou a vista para os rostos dos homens pálidos como se esperasse que também lhe dessem um tiro.
Em vez disso, dirigiram-se de retorno ao Escort.
Depois de um momento de confusão, Grady os seguiu com uma corridinha torpe como se todas as suas articulações estivessem muito engraxadas, mas quando foi abrir a porta traseira, os assassinos se negaram a permitir entrar no carro. Quando Grady se deu conta de que ia ser deixado para trás, começou a assustar-se, começou a agitar os braços, e a gritar. O que era fodidamente tolo, tendo em conta que estava a quatro metros e meio de dois tipos com balas em seus cérebros.
Exatamente nesse momento um pouco de silêncio viria bem.
Evidentemente um dos assassinos pensou o mesmo. Com absoluta calma, sacou a mão com a arma e nivelou o canhão à altura da cabeça de Grady.
Silêncio. Quietude. Pelo menos por parte do idiota.
Fecharam duas portas e o motor do Escort ligou com um giro e um fôlego. Os assassinos se afastaram, fazendo chiar os pneus e salpicando as botas e a acne de Grady com terra congelada.
Lash acendeu as luzes do Mercedes, e Grady girou em redondo, protegendo os olhos com os braços.
Teve a tentação de atropelá-lo, mas no momento, a utilidade do homem justificava o batimento de seu coração.
Lash arrancou a Mercedes, deteve-se junto ao HDP, e baixou o guichê.
— Suba no carro.
Grady abaixou os braços.
— Que porra aconteceu…
— Fecha a fodida boca. Sobe no carro.
Lash fechou a janela e esperou enquanto Grady se deixava cair pesadamente no assento do passageiro. Enquanto o homem punha o cinto, notou que os dentes chacoalhavam e não pelo frio. O estúpido estava da cor do sal, e suava como um transexual no Estádio dos Giants[43].
— Bem, poderia tê-los matado a plena luz do dia. — balbuciou Grady enquanto se dirigiam à estrada que corria ao lado do rio — Há olhos por toda parte…
— Esse era o ponto. — o telefone de Lash soou e ele respondeu enquanto acelerava pela rampa para a auto-estrada — Muito bem, senhor D.
— Acredito que temos feito bem. — disse o texano — Exceto que não vejo as drogas. Devem estar no porta-malas.
— Estão nesse carro. Em algum lugar.
— Seguimos com o plano de nos encontrar no Hunterbred?
— Sim.
— Ouça, ah, escute, está planejando fazer algo com este carro?
Lash sorriu na escuridão, pensando que a avareza era uma grande debilidade para que um subordinado a tivesse.
— Vou pintar, comprar um número de documentos e placas.
Fez silêncio, como se o lesser esperasse mais.
— Oh, isso estará bem. Sim, senhor.
Lash desligou a seu discípulo e se girou para o Grady.
— Quero conhecer todos os outros varejistas importantes da cidade. Seus nomes, seus territórios, suas linhas de produtos, tudo.
— Não sei se terei toda essa…
— Então será melhor que o averigúe. — Lash atirou o telefone no colo do homem — Faz quantas chamadas necessitar. Escava. Quero a todos e cada um dos traficantes da cidade. Logo quero ao elefante que os alimenta. O atacadista de Caldwell
Grady deixou cair a cabeça contra o assento.
— Merda. Pensei que isto ia ser como… Meu negócio.
— Esse foi seu segundo engano. Começa a ligar e me consiga o que desejo.
— Olhe… Não acredito que isto seja… Provavelmente deveria voltar para casa…
Lash sorriu ao homem, revelando suas presas e fazendo seus olhos brilhar.
— Está em casa.
Grady se encolheu no assento, e logo começou a dar tapas ao trinco da porta, apesar de que viajavam pela auto-estrada a mais de cem quilômetros por hora.
Lash travou as fechaduras.
— Sinto muito, está de passeio agora e não paro no meio. Agora ligue com a porra do telefone e faz bem. Ou vou te desmembrar pedaço a pedaço e desfrutarei de cada segundo de seus chiados.

Wrath estava fora do Lugar Seguro sob um vento capaz de lhe adormecer até os testículos, sem que lhe importasse dois caralhos o tempo desagradável que fazia. Elevando-se ante ele como saída da fantasia de Rockwell do Leave it to Beaver[44], a casa, que era um refúgio para vítimas de violência doméstica, era grande, labiríntica e acolhedora, as janelas estavam cobertas com cortinas acolchoadas, havia uma grinalda na porta e uma esteira no primeiro degrau que dizia BEM-VINDOS em letras itálicas.
Como macho, não podia entrar, assim esperou como uma escultura de jardim na dura grama marrom, rezando para que sua amada leelan estivesse dentro… E disposta a vê-lo.
Depois de ter passado todo o dia no escritório esperando que Beth viesse a ele, finalmente tinha percorrido a mansão procurando-a. Quando não a encontrou, rezou para que estivesse como voluntária aqui, coisa que fazia freqüentemente.
Marissa apareceu na escadaria de atrás e fechou a porta atrás dela. A shellan de Butch e anterior prometida de sangue de Wrath mostrava-se como uma típica profissional com suas calças e jaqueta negras, levava o cabelo loiro retorcido e recolhido em um elegante coque e seu aroma era como o do oceano.
— Beth acaba de sair. — disse enquanto se aproximava dele.
— Retornou para casa?
— Foi à Avenida Redd.
Wrath se esticou.
— Que demo… Por que foi ali? — merda, sua shellan tinha saído sozinha em Caldwell? — Quer dizer em seu velho apartamento?
Marissa assentiu.
— Acredito que queria voltar aonde as coisas começaram.
— Está sozinha?
— Pelo que sei, sim.
— Jesus cristo, ela já foi seqüestrada uma vez. — disse com brutalidade. Como Marissa retrocedeu, amaldiçoou a si mesmo — Olhe, sinto muito. Não estou atuando muito racionalmente neste momento.
Depois de um momento, Marissa sorriu.
— Isto soará mal, mas me alegra que esteja frenético. Merece estar.
— Sim, fui uma merda. De primeira.
Marissa elevou a cabeça para o céu.
— Já que estamos nisso, darei um conselho para quando for procurá-la.
— Diga-me.
O rosto perfeito de Marissa se nivelou outra vez e quando voltou a enfocar nele, sua voz adquiriu um tom triste.
— Trate de não se zangar. Parece um ogro quando se enche o saco, e neste momento, Beth necessita que a recordem o motivo pelo qual deveria baixar a guarda quando está contigo e não o motivo pelo qual não deveria.
— Bom ponto.
— O que estiver bem, meu senhor.
A saudou com uma rápida inclinação de cabeça e se desmaterializou diretamente para o endereço da Avenida Redd, onde Beth estava acostumada a ter um apartamento quando se encontraram pela primeira vez. Enquanto se transladava, pôde saborear malditamente bem aquilo com o que seu shellan tinha que lutar cada noite que ele saía à cidade. Querida Virgem Escriba, como ela confrontava o medo? A idéia de que possivelmente nem tudo estivesse bem? O fato de que onde ele estava havia mais perigo que segurança?
Quando tomou forma diante do edifício de apartamentos, pensou na noite que tinha ido procurá-la depois da morte de seu pai. Tinha sido um salvador resistente e inapropriado, seu melhor amigo lhe tinha pedido em sua última vontade e testamento que a ajudasse a passar pela transição... Quando ela nem sequer sabia o que era.
Sua primeira aproximação não tinha ido bem, mas a segunda vez que tinha tratado de falar com ela? Essa tinha ido muito bem.
Deus! Queria voltar a estar com ela desse modo. Pele nua sobre pele nua, movendo-se juntos, ele metido profundamente em seu interior, marcando-a como dele.
Mas isso estava muito longe, assumindo que acontecesse alguma outra vez.
Wrath rodeou o edifício para o pátio traseiro, seus shitkickers não faziam ruído, sua grande sombra se projetava no chão gelado sob seus pés.
Beth estava encolhida em uma mesa desencaixada de lanche campestre onde alguma vez ele se sentou, e estava olhando fixamente ao apartamento que tinha diretamente em frente exatamente como ele tinha feito quando tinha vindo procurá-la. O vento frio fazia revoar seu cabelo escuro, dando a impressão de que estivesse sob a água e nadando entre fortes correntes.
Deve ter lhe chegado seu aroma, porque girou a cabeça bruscamente. Enquanto o olhava, sentou-se mais reta e manteve os braços ao redor da parca North Face que lhe tinha comprado.
— O que faz aqui? — perguntou.
— Marissa me disse onde estava. — jogou um olhar à porta corrediça de vidro do apartamento, e logo voltou a olhar a ela — Importa se me unir a você?
— Ah… Bem. Está bem. — removeu-se um pouco enquanto se aproximava — Não ia ficar aqui muito tempo.
— Não?
— Ia te ver. Não estava segura de quando saía para lutar e pensei que possivelmente teria tempo antes… Mas então, não sei, eu…
Enquanto deixava a frase no ar, ele subiu à mesa a seu lado, os suportes chiaram quando a coisa aceitou seu peso. Queria rodeá-la com o braço, mas se conteve e esperou que a parca estivesse fazendo bem seu trabalho de mantê-la abrigada o suficiente.
No silêncio, as palavras sussurravam na mente, todas elas pertenciam à variedade das desculpas, todas as sandices. Já havia dito que sentia, e ela sabia que dizia a sério, e que ia passar muito tempo antes que deixasse de desejar que houvesse algo mais que pudesse fazer para compensar.
Nesta noite fria, enquanto se sentavam suspensos entre seu passado e seu futuro, tudo o que podia fazer era ficar ali sentado com ela, olhando fixamente as janelas obscurecidas do apartamento no qual ela tinha vivido uma vez… Antes que o destino lhes tivesse unido.
— Não recordo ter sido especialmente feliz aí dentro. — disse ela brandamente.
— Não?
Ela passou a mão pelo rosto, afastando algumas mechas dos olhos.
— Não gostava de voltar para casa do trabalho e estar aí sozinha. Graças a Deus pelo Boo. Sem esse gato? Refiro-me a que, é limitado o que a televisão pode fazer por uma pessoa.
Ele odiava que tivesse estado sozinha.
— Então não desejaria ter a possibilidade de voltar atrás?
— Cristo, não.
Wrath exalou.
— Alegro-me.
— Trabalhava no jornal, para esse imbecil lascivo, do Dick, fazendo o trabalho de três pessoas, sem possibilidades de conseguir nada, porque era uma moça e os velhos e bons meninos não formavam um clube… Formavam uma camarilha de conspiradores. —sacudiu a cabeça — Mas sabe o que era o pior de tudo?
— O que?
— Vivia com essa sensação de que algo estava acontecendo, algo importante, mas não sabia do que se tratava. Era como saber que o segredo estava ali, e que era escuro, mas simplesmente não podia alcançá-lo. Quase me voltava louca.
— Assim averiguar que não era só humana foi…
— Estes últimos meses contigo foram pior. — olhou-o — Quando penso no outono… Sabia que algo estava mau. No fundo de minha mente, sabia, podia pressentir. Deixou de vir à cama regularmente, e se o fazia, não era para dormir. Não podia se acalmar. Não comia realmente. Nunca se alimentava. O reinado sempre o estressou, mas este último par de meses foi diferente. — voltou a olhar fixamente a seu velho apartamento — Sabia, mas não queria enfrentar a realidade de que possivelmente estivesse mentindo sobre algo tão significativo e aterrador quanto estar saindo para lutar sozinho.
— Merda, não tinha intenção de te fazer algo assim.
O perfil de Beth era formoso e implacável ao mesmo tempo, enquanto continuava.
— Penso que isso toma parte do enredo mental que há em minha cabeça neste momento. Todo o assunto me leva de retorno ao modo em que estava acostumada a viver cada dia de minha vida. Depois que atravessei a mudança e que nos mudamos para viver com os Irmãos, senti-me tão aliviada, porque finalmente soube com segurança o que sempre me tinha perguntado. Incrivelmente, a verdade me proporcionou uma base. Fez-me sentir a salvo. — voltou-se para ele — Este assunto contigo? O mentir? Faz com que sinta que não posso voltar a confiar em minha realidade. Simplesmente não me sinto a salvo, refiro-me a que, todo meu mundo gira em torno de você. Meu mundo inteiro. Tudo está apoiado em você, porque nosso emparelhamento é a base de minha vida. Assim, isto implica muito mais que o fato de que lute.
— Sim. — foda. Que demônios podia dizer?
— Sei que teve suas razões.
— Sim.
— E sei que não queria me ferir. — isto foi dito com uma entonação que se elevava ao final, as palavras eram mais uma pergunta, que uma declaração.
— Definitivamente não tinha essa intenção.
— Mas sabia que o faria, verdade?
Wrath apoiou os cotovelos nos joelhos e se reclinou sobre seus fortes braços.
— Sim, sabia. É por isso que não estive dormindo. Sentia que estava fazendo mal ao não lhe dizer isso.
— Tinha medo que me negasse a te permitir sair ou algo? Que te entregasse por violar a lei? Ou…?
— O assunto é assim… No final de cada noite voltava para casa e me dizia que não ia fazer outra vez. E em cada por do sol me encontrava atando as correntes de minhas adagas. Não queria que se preocupasse, e me dizia mesmo que não pensava que continuaria. Mas teve razão ao me chamar a atenção sobre isso. Não planejava me deter. — esfregou os olhos sob os óculos ao tempo que começava a lhe pulsar a cabeça — Estava tão equivocado, e não podia confrontar o que te estava fazendo. Estava me matando.
Pôs a mão na perna e ele se congelou, seu amável contato era mais do que merecia. Enquanto acariciava sua coxa um pouco, deixou cair os óculos de sol em seu lugar e com cuidado capturou sua mão.
Nenhum dos dois pronunciou palavra enquanto se seguravam um ao outro, palma contra palma.
Às vezes as palavras eram menos valiosas que o ar que as transportava quando se tratava de aproximar-se.
Enquanto o vento frio soprava através do pátio, causando que algumas folhas marrons passassem rangendo diante deles, acenderam-se as luzes no velho apartamento de Beth, a iluminação alagou o fogão da cozinha e a única habitação principal.
Beth riu um pouco.
— Puseram seus móveis exatamente como estavam os meus, o futón contra a única parede longa.
O que significava que tinham uma vista panorâmica do casal que entrou tropeçando no escritório e se encaminhou em linha reta à cama. Os humanos estavam entrelaçados lábios contra lábios, quadril contra quadril, e aterrissaram no futón em uma confusão, o homem montando à mulher.
Como envergonhada pelo espetáculo, Beth desceu da mesa e pigarreou.
— Suponho que será melhor que volte para Lugar Seguro.
— Esta noite é meu descanso. Estarei em casa sabe toda a noite.
— Isso é bom. Trate de descansar.
Deus, estar distanciados era horrível, mas ao menos se falavam.
— Quer que te acompanhe ali?
— Estarei bem. — Beth se aconchegou em sua parca, afundando o rosto no pescoço de plumas — Homem, faz frio.
— Sim. Faz. — quando chegou o momento de despedir-se, estava ansioso por saber no que tinham ficado, e o medo esclarecia muito sua visão. Deus, como odiava a expressão desolada de seu rosto — Não pode saber quão arrependido estou.
Beth estendeu a mão e tocou sua mandíbula.
— Ouço em sua voz.
Ele pegou sua mão e a colocou sobre o coração.
— Não sou nada sem você.
— Não é verdade. — disse, afastando-se — É o rei. Não importa quem seja sua shellan, você é tudo.
Beth se desmaterializou no ar fino, sua presença vital e cálida substituída somente com o glacial vento de dezembro.
Wrath esperou perto de dois minutos, logo se desmaterializou para Lugar Seguro. Depois de tanto tempo alimentando-se um do outro, havia tanto de seu sangue nela que podia sentir sua presença inclusive dentro das robustas paredes da instalação carregada de segurança, e soube que estava protegida.
Pesaroso, Wrath se desmaterializou outra vez e se dirigiu de volta à mansão: tinha pontos que deviam ser tirados e uma noite inteira para passá-la a sós em seu escritório.

Capítulo 21


Uma hora mais tarde Trez levou a bandeja de volta à cozinha. Rehv tinha o estômago completamente revolto. Porra! Se a aveia já não era uma comida viável para o “depois”, o que sobrava? Bananas? Arroz branco?
Um fodido mingau de bebê Gerber?
E não era só seu estomago que estava fodido. Se fosse capaz de sentir algo, estava bastante certo que teria uma enxaqueca junto com as náuseas que o sacudia. Cada vez que uma luz era acesa, a exemplo de quando Trez entrava para verificar como estava, os olhos de Rehv piscavam automaticamente, movendo-se acima e abaixo em uma descoordenada versão ocular de Safety Dance[45], em seguida começava a salivar e tragar compulsivamente. Assim por certo, tinha de estar enjoado.
Quando soou seu telefone, pôs a mão sobre ele e o levou ao ouvido sem girar a cabeça. Essa noite no ZeroSum estavam ocorrendo muitas coisas, e precisava manter-se informado.
— Sim.
— Olá... Ligou-me?
Os olhos de Rehv se dispararam para a porta do banheiro, onde brilhava uma suave luz ao redor do batente.
Oh, Deus! Não havia se banhado ainda.
Ainda estava coberto do sexo que teve.
Inclusive, embora Ehlena estivesse a três horas de carro de distância e ele não estivesse aparecendo em uma webcam sentia-se absolutamente canalha só por falar com ela.
— Hey. — respondeu com voz rouca.
— Está bem?
— Sim.
O que era uma fodida mentira. O tom rouco de sua voz mostrava o óbvio.
— Bem, eu, ah… Vi que tinha me ligado... — quando um som estrangulado saiu de sua boca, Ehlena se deteve — Está doente.
— Não...
— Pelo amor de Deus! Por favor, vêem a clínica...
— Não posso. Estou... — Deus, não podia suportar falar com ela — Não estou na cidade. Estou no Norte.
Houve uma longa pausa.
— Levarei os antibióticos.
— Não. — ela não podia vê-lo assim. Merda, ela não podia vê-lo nunca mais. Ele era asqueroso. Um asqueroso e sujo prostituto que deixava que alguém a quem odiasse o tocasse, o chupasse e usasse, e o obrigasse a fazer o mesmo a ela.
A princesa tinha razão. Era um fodido consolador.
— Rehv? Deixe-me ir onde está...
— Não.
— Maldito seja, não te faça isto!
— Não pode me salvar! — gritou.
Depois de sua explosão, pensou Jesus… De onde tinha saído isso?
— Sinto muito... Tive uma noite ruim.
Quando Ehlena falou por fim, sua voz foi um suave sussurro:
— Não me faça isto. Não me obrigue a te ver no depósito de cadáveres. Não me faça isto.
Rehv fechou os olhos com força.
— Não estou te fazendo nada.
— Uma merda que não o faz! — sua voz se rompeu em um soluço.
— Ehlena…
Seu pranto de desespero saiu do telefone com muita clareza.
— Oh… Cristo. Como queira. Se mate, genial!
E desligou.
— Caralho! — disse esfregando o rosto — Caralho!
Rehv se ergueu e lançou o celular contra a porta do quarto. E precisamente quando ricocheteava contra os painéis e saía voando, deu-se conta de que tinha destroçado a única coisa que tinha o número dela.
Com um rugido e um dificultoso balanço, lançou seu corpo fora da cama e os edredons aterrissaram por toda parte. Não foi uma boa jogada por sua parte. Quando seus intumescidos pés tocaram o tapete dobrado, converteu-se em um frisbee, voando brevemente antes de aterrissar sobre sua cara. Quando impactou, produziu um som como o estalo de uma bomba que retumbou através das pranchas do chão, e engatinhou em busca do telefone, seguindo a luz da tela que ainda brilhava.
Por favor, oh merda, por favor, se houver um Deus...
Estava quase ao seu alcance quando a porta se abriu de repente, errando por pouco sua cabeça e roçando o telefone... Que saiu disparado na direção contrária como um disco de hóquei. Enquanto Rehv rodava, equilibrava-se sobre a coisa e gritava ao Trez:
— Não atire!
Trez tinha adotado sua postura de combate, levantando a pistola e apontando-a para a janela, em seguida voltando-se para o banheiro e depois para a cama.
— Que porra foi isso?!
Rehv se esticou no chão para alcançar o telefone, que estava girando sobre si mesmo debaixo da cama. Quando o pegou, fechou os olhos e o aproximou do rosto.
— Rehv?
— Por favor...
— O que? Por favor, o que…?
Abriu os olhos. A tela estava piscando, e rapidamente pressionou os botões. Chamadas recebidas... Chamadas recebidas... Chamadas rece...
— Rehv que demônios está acontecendo?
Ali estava. O número. Olhou fixamente os sete dígitos que havia depois do código de área como se fossem a combinação de sua própria caixa de segurança, tentando reter todos.
A tela se obscureceu e deixou a cabeça cair sobre seu braço.
Trez se agachou a seu lado.
— Está bem?
Rehv se impulsionou para sair de debaixo da cama e se esticou, o quarto girou como um carrossel.
— Oh... Merda.
Trez embainhou sua arma.
— O que ocorreu?
— Deixei meu telefone cair.
— Claro. É obvio. Porque pesa o suficiente para fazer esse tipo de... Hey, devagar, tranqüilo. — Trez o agarrou enquanto tentava levantar-se — Agora aonde vai?
— Preciso de um banho. Preciso…
Mais imagens dele com a princesa martelaram seu cérebro. Viu suas costas arqueadas, e aquela rede vermelha rasgada à altura de seu traseiro, viu a si mesmo enterrado profundamente em seu sexo, bombeando até que sua lingüeta o travava dentro, de maneira que sua liberação encontrasse o caminho em seu interior até acima de tudo.
Rehv apertou os punhos contra os olhos.
— Preciso...
Oh Jesus... Ele tinha orgasmos quando estava com sua chantagista. E não só uma vez, normalmente eram três ou quatro. Ao menos as putas de seu clube, que odiavam o que faziam por dinheiro, podiam achar consolo no fato de que não o desfrutavam. Mas o gozo masculino dizia tudo, não?
As náuseas de Rehv se fizeram mais severas, e, em um ataque de pânico caminhou arrastando os pés e com o corpo todo curvado até o banheiro. A aveia e a torrada fizeram um eficaz intento por liberar-se, e Trez estava ali para segurá-lo sobre a privada. Rehv não podia sentir as ânsias de vômito, mas estava condenadamente seguro de que seu esôfago estava começando a rasgar porque depois de uns minutos de tossir, tentar respirar e ver as estrelas começou a aparecer sangue.
— Deite-se. — disse Trez
— Não, ducha…
— Não está em condições…
— Tenho que tirar isso de cima de mim! — o rugido de Rehv não só reverberou em seu quarto, mas sim, por toda a casa — Caralho... Não posso suportá-la.
Houve um momento que definitivamente teve um sabor da sagrada merda: Rehv não era o tipo de pessoa que pedisse um salva-vidas nem sequer se estivesse se afogando, e nunca se queixava do acerto que tinha com a princesa. Agüentava, fazia o que tinha que fazer e pagava as conseqüências, porque em sua opinião valia a pena o preço que pagava por manter seu segredo e o de Xhex.
E uma parte de você gosta, assinalou uma voz em seu interior. Quando está dentro dela pode ser você mesmo sem ter que se desculpar.
Vá à merda, disse a si mesmo
— Sinto ter gritado contigo. — disse a seu amigo com voz rouca.
— Errr... Está bem. Não se culpe. — Trez o levantou gentilmente dos azulejos e tentou apoiá-lo contra os lavabos — Já era hora.
Rehv cambaleou para a ducha.
— Não. — disse Trez, empurrando-o — Deixe que a água esquente.
— Não a sentirei.
— Sua temperatura interna já tem muitos problemas. Só espera aí.
Enquanto Trez se inclinava dentro da ducha de mármore e abria a água, Rehv ficou olhando fixamente seu pênis, o qual jazia frouxo e longo sobre sua coxa. Tinha a sensação de que era o pênis de qualquer outro, e isso era bom.
— Sabe que poderia matá-la por você. — disse Trez — Posso fazer com que pareça um acidente. Ninguém saberia.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Não quero que seja metido neste montão de merda. Já temos muitas pessoas envolvidas.
— A oferta seguirá de pé.
— Tomo a devida nota.
Trez estendeu a mão para o interior da ducha e a pôs sob o jato. Com a palma debaixo da água que corria, seus olhos de cor chocolate se deslocaram para trás e abruptamente se voltaram brancos de raiva.
— Só para que fique claro. Você morre? E esfolarei a essa puta viva segundo a tradição Hisbe’s e enviarei as tiras a seu tio. Logo assarei seu corpo e mastigarei a carne de seus ossos.
Rehv sorriu um pouco, pensando que não era canibalismo porque a nível genético as Sombras tinham tanto em comum com os symphaths como os humanos com os frangos.
— Fodido Hannibal Lecter. — murmurou.
— Sabe como fazemos. — Trez sacudiu a água da mão — Symphaths... É o que há para jantar.
— Vai danificar as vagens?
— Não, mas poderia acompanhá-la com um delicioso Chianti[46] e algumas batatas fritas. Devo comer algumas batatas com a carne. Vamos, me deixe te pôr debaixo da água para tirar o fedor dessa puta.
Trez se aproximou de Rehv e o levantou.
— Obrigado. — disse Rehv em voz baixa enquanto iam mancando para a ducha.
Trez se encolheu de ombros, sabendo condenadamente bem que não estavam falando da ida ao banho.
— Você faria o mesmo por mim.
— Faria.
Estando sob o jato, Rehv utilizou o Dial sobre seu corpo até que sua pele esteve vermelha como uma framboesa, e saiu da ducha só depois de ter realizado sua tripla lavagem. Quando deu um passo fora da água, Trez entregou uma toalha, e se secou o mais rápido que pôde sem perder o equilíbrio.
— Falando de favores… — disse — Preciso do seu telefone. Seu telefone e um pouco de privacidade.
— De acordo. — Trez o ajudou a voltar para a cama e o cobriu — Homem, que bom que este edredom não aterrissou sobre o fogo.
— Então, me empresta seu telefone?
— Vai jogar futebol com ele?
— Não, contanto que deixe minha porta fechada.
Trez entregou seu Nokia.
— Tome cuidado com ele. É novo.
Quando esteve sozinho, Rehv digitou cuidadosamente e apertou chamar com esperança e uma prece, sem ter a segurança de se era ou não o número correto.
Ring. Ring. Ring.
— Sim..?
— Ehlena, sinto tanto…
— Ehlena? — disse a voz feminina — O sinto, não há nenhuma Ehlena neste número.
 
Ehlena permaneceu sentada na ambulância contendo suas lágrimas pela força do hábito. Não se tratava de que alguém pudesse vê-la, mas o anonimato lhe era indiferente. Enquanto seu latte esfriava dentro da dupla taça com dupla asa, e a calefação fluía intermitentemente, ela conservava a integridade porque era o que sempre fazia.
Até que a emissora BC4 ligou com um chiado e a assustou arrancando-a de seu paralisante desalento.
—Base para Quatro. — disse Catya — Responda Quatro.
Enquanto Ehlena se esticava para o auricular, pensava: ”Vê, essa é precisamente a razão pela qual nunca poderei baixar a guarda. Se tivesse parecido um autêntico desastre e tivesse que responder? Não precisava disso.”
Apertou o botão de “falar” com o polegar.
— Aqui Quatro.
— Está bem?
— Ah, sim. Só precisava… Retorno agora mesmo.
— Não há pressa. Tome seu tempo. Só queria me assegurar de que estava bem.
Ehlena deu uma olhada ao relógio. Deus, eram quase duas da manhã. Esteve sentada aí fora, asfixiando a si mesma ao deixar ligado o motor e a calefação, durante quase duas horas.
— Sinto muito, perdi a noção da hora. Precisa da ambulância para um recolhimento?
— Não, só estávamos preocupados com você. Sei que ajudou o Havers com aquele corpo e…
— Estou bem. — baixou a janela para deixar entrar um pouco de ar e pôs a ambulância em marcha — Retornarei agora mesmo.
— Não se apresse e escute, por que não toma o resto da noite livre?
— Está bem...
— Não é uma escolha. E troquei os horários para que amanhã também tenha o dia livre. Necessita um descanso depois do que aconteceu esta noite.
Ehlena queria discutir, mas sabia que daria a impressão de que se punha na defensiva, e, além disso, se já tomou a decisão, não havia nada pelo que lutar.
— Está bem.
— Tome seu tempo para voltar.
— Farei. Câmbio e desligo.
Pendurou o auricular e se pôs rumo à ponte que a levaria através do rio. Exatamente quando estava acelerando na rampa, soou seu telefone.
De maneira que Rehv estava devolvendo a chamada, huh? Não a surpreendia.
Levantou o telefone só para confirmar que era ele e, não porque tivesse a intenção de responder a sua chamada.
Número desconhecido?
Apertou receber e levou o telefone ao ouvido
— Sim?
— É você?
A profunda voz de Rehv seguia conseguindo disparar através de seu corpo como um quente estremecimento, inclusive apesar de estar de saco cheio com ele. E com ela mesma. Basicamente com toda a situação.
— Sim. — disse — Entretanto, este não é seu número.
— Não, não é. Meu celular teve um acidente.
Ela se apressou a adiantar-se antes que começasse com algum “o sinto”.
— Olhe, não é meu assunto. O que for que esteja te acontecendo. Tem razão, não posso te salvar...
— Por que ia querer sequer tentar?
Ela franziu o cenho. Se a pergunta tivesse sido de auto-compaixão ou acusatória, simplesmente teria posto fim à chamada e trocado seu número. Mas não havia nada salvo sincera confusão no tom de sua voz. Isso e absoluto esgotamento.
— Simplesmente não entendo... O motivo. — murmurou ele.
A resposta dela foi simples e expressa do fundo de sua alma.
— Como não poderia?
— E se eu não merecer?
Pensou em Stephan jazendo sobre aquele aço inoxidável, em seu corpo frio e machucado.
— Qualquer um que tenha um coração pulsando merece ser salvo.
— É por isso que se formou enfermeira?
— Não. Formei-me enfermeira porque queria ser médica algum dia. O assunto de ser uma salvadora é só minha maneira de ver o mundo.
O silêncio entre eles durou muito.
— Está em um carro? — perguntou ele ao final.
— Em uma ambulância na realidade. Retorno à clínica.
— Está sozinha? — grunhiu ele.
— Sim, e pode cortar a merda de super macho. Tenho uma arma sob o assento e sei como usá-la.
Uma risada sutil saiu do telefone.
— Ok, isso me excita. Sinto, mas assim é.
Ela teve que sorrir um pouco
— Volta-me louca, sabe. Inclusive embora seja um completo desconhecido, volta-me louca.
— E de certa forma isso é um elogio a minha pessoa. — houve uma pausa — Sinto pelo que aconteceu antes. Tive uma noite ruim.
— Sim, bom, eu também. Em ambas, a parte do sinto e a da má noite.
— O que ocorreu?
— Muito para entrar em detalhes. E você?
— O mesmo.
Quando ele se moveu, escutou-se um sussurro de lençóis.
— Está na cama de novo?
— Sim. E sim, ainda segue sem querer saber.
Ela sorriu abertamente.
— Está me dizendo que não deveria voltar a perguntar o que está vestindo.
— Entendeu-me.
— Estamos caindo em uma rotina, sabe? — ficou séria — Soa como se estivesse realmente doente. Tem a voz rouca.
— Estarei bem.
— Olhe, posso te levar o que necessita. Se não puder ir à clínica, posso te levar os remédios. — o silêncio do outro extremo era tão denso, e se fez tão longo, que terminou dizendo — Alô? Está aí?
— Amanhã de noite… Pode se encontrar comigo?
Esticou as mãos sobre o volante.
— Sim.
— No último andar do Commodore. Conhece o edifício?
— Conheço.
— Pode estar ali à meia-noite? No lado leste.
— Sim.
Seu suspiro pareceu de resignação.
— Estarei te esperando. Dirija com cuidado, ok?
— Farei. E não volte a jogar seu telefone.
— Como soube?
— Porque se eu houvesse tido um espaço aberto na minha frente em lugar do pára-brisa de uma ambulância, teria feito o mesmo.
A risada dele a fez sorrir, mas perdeu a expressão ao apertar terminar e devolver o telefone a sua bolsa.
Apesar de estar dirigindo a uma velocidade constante de sessenta e cinco, e que a estrada fosse reta e livre de escombros, sentia como se estivesse totalmente fora de controle, oscilando entre uma pista e outra, deixando um rastro de faíscas enquanto destroçava partes do veículo da clínica.
Encontrar-se com ele amanhã de noite, estar a sós com ele em um lugar privado, era exatamente o que podia fazer de pior.
E ia fazer de qualquer forma.


Capítulo 22


Montrag, filho de Rehm, desligou o telefone e olhou fixamente através das portas francesas do escritório de seu pai. Os jardins, as árvores e a grama ondulada, assim como a grande mansão e todo o resto, eram seus agora, já não mais um legado que herdaria algum dia.
Enquanto abrangia as terras com a vista, desfrutou do sentido de propriedade que cantava em seu sangue, mas não estava de todo satisfeito com a visão. Tudo tinha crescido com o inverno, os canteiros estavam vazios, as florescentes árvores frutíferas estavam cobertas com ervas daninhas, e as sebes e os carvalhos tinham perdido as folhas. Por conseguinte, podia-se ver o muro de contenção, e isso não era precisamente atrativo. Era melhor que esse tipo de coisas de segurança, tão antiestéticas estivesse cobertas.
Montrag voltou às costas e se encontrou com uma visão mais agradável, embora esta estivesse pendurada na parede. Com um rubor de reverência, contemplou sua pintura favorita da maneira que sempre fazia, já que certamente Turner merecia veneração tanto por sua maestria como por sua escolha de temas. Especialmente neste trabalho: a representação do sol se pondo sobre o mar era uma obra de mestre em muitos aspectos. As sombras de ouro e pêssego e o vermelho profundo ardente era um festim para os olhos que se viam extasiado pela biologia do verdadeiro forno brilhante que sustentava aceso, inspirava e esquentava o mundo.
Pintura semelhante seria o orgulho de qualquer coleção.
E ele tinha três Turner só nesta casa.
Com uma mão que se fechou em antecipação, pegou no canto inferior direito da moldura dourada e retirou a marinha da parede. O cofre que havia detrás se ajustava com precisão às dimensões da pintura e estava inserido entre a fita de seda e o gesso. Depois de inserir a combinação e fazer girar o seletor, houve um sutil deslocamento que foi apenas audível e que não dava nenhum indício de que cada um dos seis passadores retráteis era da grossura de um antebraço.
O cofre se abriu sem emitir som e acendeu uma luz interior, iluminando um espaço de três metros cúbicos amontoado com estojos finos de couro de joalheria, maços de cédulas de cem dólares, e documentos em pastas.
Montrag aproximou um banquinho bordado em estopa que tinha degraus e subiu sobre o estofo floreado. Esticando-se para alcançar o fundo do cofre, colocou a mão atrás de todas as escrituras de bens imóveis e certificados de ações, e tirou uma caixa de diversos títulos, em seguida deixou o cofre e a pintura tal e como tinham estado. Com um sentimento de excitação e contingência, levou a caixa metálica para a escrivaninha e tirou a chave do compartimento secreto que havia na gaveta inferior esquerda.
Seu pai lhe tinha ensinado a combinação do cofre e lhe tinha mostrado a localização do esconderijo, e quando Montrag tivesse filhos, transmitiria esse conhecimento. Assim, era como se assegurava de que as coisas de valor não se perdessem. Transmitindo-as de pai para filho.
A tampa da caixa de títulos não se abriu da mesma maneira bem calibrada e bem lubrificada em que tinha feito o cofre. Esta soltou um chiado quando se abriu de tudo, as dobradiças protestaram pela perturbação de seu descanso e a contra gosto revelou o que estava dentro de seu ventre metálico.
Ainda estavam aí. Dava graças à Virgem Escriba de que ainda estivessem ali.
Enquanto Montrag colocava a mão em seu interior, pensava no quão relativo era o valor destas páginas que em si mesmas valiam uma fração de centavo. A tinta contida dentro de suas fibras tampouco valia mais de um centavo. E ainda assim, pelo que nelas se indicava, eram inestimáveis.
Sem elas ele corria um perigo mortal.
Tirou um dos dois documentos, sem lhe importar qual retirava, porque eram idênticos. Entre seus dedos e com extremo cuidado, sustentou o equivalente vampírico de uma declaração jurada, uma dissertação de três páginas, escrita à mão e assinada com sangue a respeito de um acontecimento que tinha ocorrido vinte e quatro anos antes. Assinatura autenticada por cartório que mostrava na terceira página era mentira, uns garranchos apenas legíveis em cor marrom.
Mas em definitivo, foram feitos por um homem agonizante.
Rempoon, “o pai” de Rehvenge.
O documento expunha toda a desagradável verdade na Antiga Língua: o rapto da mãe de Rehvenge por parte dos symphaths, sua concepção e nascimento, a fuga dela e seu posterior matrimônio com o aristocrata Rempoon. O último parágrafo era tão acusatório como todo o resto:
Sobre minha honra, e a honra de meus antepassados e descendentes de sangue, na verdade nesta noite meu enteado, Rehvenge, caiu sobre mim e por causa das feridas mortais que ocasionou a meu corpo pela aplicação de suas mãos nuas sobre minha carne, fui rendido. Atuou com malícia e premeditação, atraindo-me a meu escritório com o propósito de provocar uma discussão. Eu estava desarmado. Após me ferir, ocupou-se do escritório e preparou a sala de forma que parecesse que tinha sido invadida por intrusos do exterior. Na verdade, abandonou-me sobre o chão para que a fria mão da morte capturasse minha forma corpórea, e abandonou o imóvel. Fui despertado em pouco tempo por meu querido amigo Rehm, quem veio de visita para discutir questões de negócios.
Não se espera que eu viva. Meu enteado me matou. Esta é minha confissão final como espírito encarnado na terra. Rogo que a Virgem Escriba possa me levar ao Fade com sua graça e com toda presteza.
Como o pai de Montrag lhe explicou mais tarde, Rempoon o tinha compreendido corretamente em sua maior parte. Rehm foi a negócios e tinha encontrado não só uma casa vazia, mas também o corpo ensangüentado de seu sócio… E, tinha feito o que qualquer macho razoável faria: ele mesmo roubou o escritório. Operando sob a certeza de que Rempoon estava morto, tratou de encontrar os papéis relativos ao negócio para que o interesse fracionário que tinha Rempoon ficasse fora de sua herança e Rehm viesse a ser o único proprietário absoluto do próspero negócio.
Tendo êxito em sua busca, Rehm estava a caminho da porta quando Rempoon evidenciou sinais de vida e um nome brotou de seus lábios gretados.
Rehm se sentia cômodo no papel de oportunista, mas cair no papel de cúmplice de assassinato era chegar muito longe. Chamou o doutor, e no tempo que Havers levou para chegar, os murmúrios de um macho agonizante relataram uma história de estremecer, de um valor que era inclusive maior que o da companhia. Pensando rapidamente, Rehm documentou a história e a assombrosa confissão sobre a verdadeira natureza de Rehvenge e fez com que Rempoon assinasse as páginas… Convertendo-as dessa forma em um documento legal.
Em seguida o macho se afundou na inconsciência e quando Havers chegou já estava morto.
Quando partiu, Rehm levou com ele tanto os documentos comerciais como a declaração jurada e foi elogiado como um valente herói por tentar resgatar ao macho agonizante.
Ao final, a utilidade da confissão era óbvia, mas a prudência de pôr tal informação em jogo estava menos clara. Enredar-se com um symphath era perigoso, tal como o sangue derramado de Rempoon tinha testemunhado. O sempre intelectual, Rehm, tinha ocultado a informação e a tinha seguido ocultando… Até que foi muito tarde para fazer algo com ela.
Segundo a lei, tinha a obrigação de entregar a um symphath, e Rehm tinha o tipo de prova que cumpria o início para denunciar a alguém. Entretanto, ao ter considerado suas opções durante tanto tempo, encontrava-se na arriscada posição de que pudesse chegar a imputar a si ser aquele que tinha protegido a identidade de Rehvenge. Se tivesse dado a conhecer vinte e quatro ou quarenta e oito horas depois do fato? Bem. Mas uma semana? Duas semanas? Um mês…?
Muito tarde. Em lugar de gastar completamente o ativo, Rehm contou a Montrag a existência da declaração jurada, e o filho compreendeu o equívoco do pai. Não havia nada a fazer no curto prazo, e só um cenário onde ainda podia chegar a ter algum valor… E o mesmo se suscitou durante o verão. Rehm fora assassinado durante as incursões e o filho tinha herdado tudo, incluindo os documentos.
Não poderiam culpar Montrag por seu pai ter escolhido não revelar o que sabia. Tudo o que tinha que fazer era declarar que tropeçou com os papéis enquanto revisava as coisas de seu pai, e ao entregá-los e entregar a Rehv, estaria simplesmente cumprindo seu dever.
Nunca saberia que conhecia sua existência desde o começo.
E ninguém acreditaria jamais que a idéia de matar o Wrath não tinha sido de Rehv. Depois de tudo, era um symphath, e não se podia confiar em nada do que dissessem. E mais, a seu favor em qualquer caso tanto se sua mão era a que apertava o gatilho, como se só ordenava o assassinato do rei, por ser o leahdyre do conselho, estava na posição que mais se beneficiava de sua morte. Que era exatamente a razão pela qual Montrag tinha propiciado que o macho subisse a esse papel.
Rehvenge empreenderia a proeza com o rei, em seguida Montrag iria ao conselho e se prostraria ante seus colegas. Diria que não tinha encontrado os papéis até ao momento de ter se transferido devidamente à casa de Connecticut, um mês depois das incursões e de que Rehv tivesse sido renomado leahdyre. Juraria que assim que os encontrou, se comunicou com o rei e revelou a natureza do assunto por telefone… Mas, Wrath o forçara a manter silêncio devido à posição comprometedora em que isto punha o Irmão Zsadist: depois de tudo, o Irmão era o companheiro da irmã de Rehvenge, e isto significaria que estava aparentada com um symphath.
É obvio que Wrath não poderia desmentir, já que estaria morto, e além do mais, o rei já era mal visto pelo modo em que tinha ignorado a crítica construtiva da glymera. O conselho estava predisposto a aceitar outra falta dele, fosse verdadeira ou fabricada.
Tratava-se de uma manobra intrincada, mas ia funcionar, porque o rei tendo morrido, o primeiro lugar aonde a raça iria procurar ao assassino seria entre o que ficasse do conselho, e Rehv, um symphath, era o bode expiatório perfeito: é obvio que um symphath faria algo assim! E Montrag contribuiria ao desenvolvimento dessa hipótese ao declarar que Rehv tinha ido vê-lo antes do assassinato e que lhe tinha falado com estranha convicção a respeito de mudanças de uma natureza sem precedentes. Além disso, as cenas dos crimes nunca estavam completamente limpas. Indubitavelmente, ficaria alguma coisa que vinculasse Rehv com a morte, fosse porque estivera realmente ali ou porque todo mundo estaria procurando exatamente esse tipo de provas.
E quando Rehv apontasse a Montrag? Ninguém acreditaria, em primeiro lugar porque era um symphath, mas também porque, seguindo a tradição de seu pai, Montrag sempre tinha cultivado uma reputação de seriedade e honradez tanto em seus entendimentos comerciais como em sua conduta social. Pelo que concernia a seus colegas membros do conselho estava acima de toda recriminação, era incapaz de enganar a alguém, e um macho de valia de linhagem impecável. Nenhum deles tinha a mínima pista de que seu pai e ele tinham traído a muitos sócios e colegas assim como também a parentes de sangue… Posto que foram cuidadosos ao escolher a suas presas de modo que se mantivessem as aparências.
O resultado? Ao Rehv imputariam a acusação de traição, seria detido e morreria segundo a lei dos vampiros ou deportado à colônia symphath, onde seria assassinado por ser um mestiço.
Qualquer dos dois resultados era aceitável.
Tudo estava disposto, e por esse motivo Montrag acabava de ligar seu melhor amigo.
Pegando a declaração jurada, dobrou e a deslizou dentro de um envelope grosso e macio.
Pegando uma folha de seu papel de cartas personalizado de uma caixa de couro, escreveu uma rápida carta ao macho que designaria como seu subcomandante, e que cimentaria o cenário para a caída de Rehvenge. Enquanto colocava o Turner de volta a seu lugar, a paisagem lhe falou como sempre, e por um momento, permitiu-se sair do manicômio que estava criando de propósito, e penetrou nesse mar pacífico e encantador. Ocorreu-lhe que a brisa devia ser cálida.
Queridíssima Virgem Escriba, como sentia falta do verão durante esses meses frios, mas, por outro lado, era esse contraste o que animava o coração. Sem o frio do inverno, a gente não apreciaria em sua justa medida as abafadiças noites de julho e agosto.
Imaginou onde estaria dentro de seis meses quando a lua cheia do solstício se elevasse sobre a extensa cidade de Caldwell. Chegando junho, ele seria rei, um monarca eleito e respeitado. Se somente seu pai estivesse vivo para ver…
Montrag tossiu. Inalou emitindo um soluço. E sentiu algo molhado na mão.
Olhou para baixo. A frente de sua camisa branca estava toda coberta de sangue.
Abriu a boca tentando tomar ar suficiente para gritar pedindo ajuda, mas só saiu um som gorgolejante...
Rapidamente levou as mãos ao pescoço que se parecia com um gêiser que surgia de sua artéria carótida exposta. Girando em círculo, viu uma fêmea ante ele com um corte de cabelo masculino e calças de couro negro. A faca em sua mão tinha a folha vermelha, e seu rosto era uma tranqüila máscara de indiferença e desapego.
Montrag caiu de joelhos ante ela e logo se retorceu para a direita, suas mãos seguiam tentando manter o sangue vital dentro de seu corpo e que não se esparramasse sobre o tapete Aubusson de seu pai.
Ainda estava vivo quando ela o pôs de barriga para cima, tirou um instrumento arredondado feito de ébano, e se ajoelhou ante ele.

Como assassina, o desempenho de Xhex era medido em duas dimensões. A primeira: matara a seu objetivo? Essa se explicava por si mesma. A segunda: tinha sido um assassinato limpo? Que se referia a se existia algum dano colateral como ser necessárias outras mortes para proteger a si mesma, sua identidade e/ou a identidade do indivíduo que lhe tinha encarregado o trabalho.
Neste caso, a primeira ia ser um trabalho fácil, considerando o modo em que a artéria de Montrag se converteu em um tubo de deságüe. A segunda, ainda estava em veremos, assim tinha que trabalhar rápido. Tirou o lys de suas calças de couro, inclinou-se sobre o bastardo, e não esbanjou mais de um nano segundo em observar como giravam os olhos.
Agarrou-o pelo queixo e o obrigou a enfrentá-la.
— Olhe-me. Olhe-me!
O selvagem olhar dele se disparou para o seu, e quando o fez, ela apresentou o lys.
— Sabe por que estou aqui e quem me envia. E não é Wrath.
Fez-se evidente que ainda chegava suficiente oxigênio ao cérebro de Montrag, porque seus lábios vocalizaram Rehvenge, com expressão horrorizada, antes que aqueles globos oculares começassem de novo seus giros.
Soltou-lhe o queixo e o esbofeteou com força.
— Preste atenção, imbecil. Olhe-me.
Com seus olhares travados e agarrando sua mandíbula de novo, abriu-lhe ainda mais a pálpebra superior e inferior de seu olho esquerdo deixando-o inclusive mais aberto.
— Olhe-me.
Ao mesmo tempo em que tirava o lys e o aproximava da aba de seu nariz para exercer pressão dentro da concha de seu olho, metia-se em seu cérebro e desencadeava todo tipo de lembranças. Ah… Interessante. Verdadeiramente tinha sido um intrigante filho da puta, especializado em extorquir às pessoas por dinheiro.
Montrag apalpou o tapete com as mãos e cravou os dedos com força enquanto gorjeava tentando dar um grito. O globo ocular saiu do crânio como um melão doce tirado com colher de sua casca, tão perfeitamente redondo e limpo como poderia desejar. Com o olho direito foi exatamente igual. Pôs ambos em uma bolsa de veludo em linha enquanto os braços e pernas de Montrag se sacudiam e batiam sobre seu custoso tapete e seus lábios se retraíam para trás de tal maneira que deixavam ao descoberto todos seus dentes incluindo seus molares.
Xhex o abandonou a sua pouco prolixa morte, saiu pela porta francesa que ficava diretamente atrás do escritório e se desmaterializou próxima a sebe da qual tinha feito o reconhecimento do lugar pela primeira vez no dia anterior. Esperou ali durante aproximadamente vinte minutos e logo observou como uma doggen entrava no escritório, via o corpo, e deixava cair à bandeja de prata que levava.
Quando o bule e a porcelana ricochetearam, Xhex levantou a tampa de seu telefone, apertou chamar, e o levou a orelha. Quando a voz profunda de Rehv respondeu disse:
— Está feito e o encontraram. A execução foi limpa e te levo a lembrança. Hora estimada de chegada: dez minutos.
— Bem feito. — disse Rehv com voz enrouquecida — Filho da mãe.


Capítulo 23


Wrath franziu o cenho enquanto falava pelo celular.
— Agora? Quer que vá ao norte do Estado agora?
A voz de Rehv estava carregada de “não estou te ferrando”.
— Isto tem que ser feito em pessoa, e me encontro imobilizado.
Do outro lado do escritório, Vishous, que fora informar sobre o trabalho de rastreamento feito sobre as caixas de armas, vocalizou: Que lixo é esse?
Que era exatamente o que Wrath estava pensando. Um symphath te liga às duas horas antes da alvorada e te  pede que vá ao norte do Estado porque “tem algo que precisa te dar”. Sim, certo, o bastardo era irmão de Bella, mas sua natureza era o que era, e certamente esse “algo” não era uma cesta de fruta.
— Wrath, isto é importante. — disse o macho.
— Está certo, vou agora mesmo. — Wrath baixou a tampa de seu telefone e olhou o Vishous — Eu…
— Phury está fora caçando esta noite. Não pode ir ali sozinho.
— As Escolhidas estão na casa. — e estiveram entrando e saindo do Grande Rancho de Rehv desde que Phury tinha tomado as rédeas como Primale.
— Não é exatamente o tipo de proteção que tinha em mente.
— Posso me arrumar sozinho, que se dane bonitinho.
V cruzou os braços, seus olhos de diamante cintilaram.
— Vamos agora? Ou depois de que perca tempo tratando de me fazer mudar de opinião?
— Muito bem. Como quiser. Vemo-nos no vestíbulo dentro de cinco minutos.
Enquanto deixavam o escritório juntos, V disse:
— Sobre essas armas? Ainda estou tentando rastreá-las. Neste momento, não tenho nada, mas já me conhece. Isto não vai seguir assim, de verdade. Não me importa que os números de série tenham sido apagados, vou averiguar onde conseguiram esta merda.
— A confiança é alta, meu irmão. A confiança é muito alta.
Depois de estarem completamente armados, os dois viajaram ao norte como um baile de moléculas livres, concentrando-se no Grande Rancho de Rehv nas Adirondacks e materializando-se à beira de um tranqüilo lago. Frente a eles, a casa era um enorme rancho de estilo Vitoriano, com teto de tábuas, janelas em forma de losango, e alpendres com postes de cedro em ambos os andares.
Com montões de cantos. E montões de sombras. E muitas daquelas janelas que pareciam olhos.
A mansão era bastante horripilante por si só, mas ao estar rodeada por um campo de força do equivalente symphath ao mhis, um cara indubitavelmente poderia convencer-se que Freddy, Jason, Michael Myers, e uma turma de camponeses com todas as suas serras mecânicas viviam dentro: ao redor do lugar, o temor era uma cerca intangível feita de arame farpado mental, e até Wrath, que sabia o que ocorria, alegrou-se quando atravessou a barreira.
No momento em que forçou seus olhos para poder enfocar melhor, Trez, um dos guardas pessoais de Rehv, abriu as portas duplas do alpendre que estava de frente ao lago e levantou a mão lhes dando as boas-vindas.
Wrath e V andaram pela grama cristalizada e rangente, e embora mantivessem as armas embainhadas, V tirou a luva de sua mão direita incandescente. Trez era o tipo de macho que respeitava, e não só porque fosse um Sombra. O segurança tinha o corpo musculoso de um lutador e o olhar inteligente de um estrategista, e sua lealdade era para o Rehv e só Rehv. Para proteger ao macho? Trez arrasaria um quarteirão inteiro da cidade em um instante.
— Como está, grandalhão? — disse Wrath enquanto subia os degraus do alpendre.
Trez avançou e entrechocaram as Palmas.
— Estou de primeira. E você?
— Bem como sempre. — Wrath golpeou ao macho no ombro — Ouça, se alguma vez quiser um trabalho de verdade, vêem lutar conosco.
— Sou feliz onde estou, mas obrigado. — o segurança sorriu abertamente e se voltou para V, seus olhos escuros descenderam rapidamente para a mão exposta de V — Sem ofender, mas eu não aperto essa coisa.
— Muito sábio de sua parte. — disse Vishous enquanto lhe oferecia a esquerda — Entretanto, compreende-o.
— Absolutamente, faria o mesmo pelo Rehv. — Trez liderou o caminho para as portas — Está em seu dormitório, esperando-os.
— Está doente? — perguntou Wrath ao entrar na casa.
— Querem algo de beber? Comer? — ofereceu Trez enquanto se dirigiam para a direita.
Como a pergunta ficou sem responder, Wrath olhou o V.
— Estamos bem, obrigado.
A decoração do lugar parecia saída do bolso traseiro de Vitória e Albert, com o pesado mobiliário imperial e a abundância de vermelho e dourado que havia em qualquer parte. Fiel ao gosto pela recopilação que imperava no período Vitoriano, cada cômodo tinha um tema diferente. Havia uma sala de estar cheia de relógios antigos marcando o tempo, onde encontrava relógios de pé, relógios de metal a corda e relógios de bolso que estavam expostos em vitrines. Outra tinha conchas, coral e madeiras de naufrágios que tinham séculos de antigüidade. Na biblioteca, havia muito belos vasos e fontes Orientais, e a sala de jantar estava equipada com ícones medievais.
— Surpreende-me que não haja mais Escolhidas por aqui. — disse Wrath enquanto atravessavam um cômodo vazio atrás de outro.
— Rehv deve vir aqui à primeira terça-feira de cada mês. Ele põe às mulheres um pouco nervosas, assim que a maioria delas volta para Outro Lado. Entretanto, Selena e Cormia sempre ficam. — havia uma grande quantidade de orgulho em sua voz quando acrescentou — São muito fortes, essas duas.
Subiram por uma magnífica escada até o primeiro andar e continuaram por um comprido corredor até um par de portas lavradas que indubitavelmente diziam a gritos “senhor da casa”.
Trez fez uma parada.
— Ouça, ele está um pouco doente, ok? Nada contagioso. É só… Que quero que estejam preparados. Demos tudo o que necessita e vai ficar bem.
Quando Trez bateu e abriu ambas as portas, Wrath franziu o cenho e sua visão se aguçou por sua conta quando seus instintos se avivaram.
No meio de uma cama esculpida, Rehvenge jazia imóvel como um cadáver, com um edredom de veludo vermelho até o queixo e o casaco de zibelina envolvendo seu corpo. Tinha os olhos fechados, sua respiração era superficial, e sua pele estava pálida e de cor amarelada. Seu moicano raspado era o único que se via remotamente normal… Isso e o fato de que, a sua mão direita estava Xhex, a fêmea symphath mestiça que tinha o aspecto de realizar castrações por diversão e para tirar lucros.
Rehv abriu os olhos, e a cor ametista se via opaca aproximando-se mais a uma lúgubre púrpura arroxeado.
— É o rei.
— Tudo bem?
Trez fechou as portas e como sinal de respeito se postou ao lado delas e não no centro como se estivesse bloqueando o caminho.
— Já lhes ofereci bebidas e comida.
— Obrigado, Trez. — Rehv fez uma careta de dor e realizou um movimento com a intenção de erguer-se sobre os travesseiros. Quando só conseguiu voltar a cair, Xhex se inclinou para ajudar, e lançou um olhar ameaçador de “nem sequer o pense”. O qual ignorou.
Depois de estar acomodado em uma posição erguida, subiu o edredom até o pescoço, cobrindo as estrelas vermelhas que tinha tatuadas no peito.
— Então, tenho algo para você, Wrath.
— Ah, sim?
Rehv fez um gesto com a cabeça para Xhex, que colocou a mão na jaqueta de couro que levava posta. No instante em que se moveu, o canhão da arma de V voou para cima, rápido como uma piscada e apontou diretamente ao coração da fêmea.
— Quer tirar com calma? — ela soltou a V.
— Nem no mais mínimo. Sinto muito — V parecia tão arrependido como uma destrutiva bola no meio de um balanço.
— De acordo, vamos nos tranqüilizar. — disse Wrath, e inclinou a cabeça para Xhex — Por favor, continue.
A mulher tirou uma bolsa de veludo e a lançou em direção a Wrath. Enquanto esta ia para ele, ouviu o suave assobio de seu vôo e apanhou a coisa, não por tê-la visto, mas sim pelo som.
Dentro havia dois olhos cor azul clara.
— Pois, ontem à noite tive uma reunião interessante. — disse Rehv arrastando as palavras.
Wrath olhou ao symphath.
— De quem é o olhar vazio que tenho em minha palma?
— De Montrag, filho de Rehm. Veio até mim pedindo que te matasse. Tem grandes inimigos dentro da glymera, meu amigo, e Montrag era só um deles. Não sei quem mais estava metido nesta conspiração, mas não podia me arriscar a tratar de averiguá-lo antes de ter tomado cartas no assunto.
Wrath colocou os olhos na bolsa e fechou seu punho em torno deles.
— Quando o fariam?
— Na reunião do conselho, depois de amanhã à noite.
— Filho de uma cadela.
V guardou a arma e cruzou os braços sobre o peito.
— Sabe, desprezo a esses filhos da puta.
— Pois parece que estou pregando aos convertidos. — disse Rehv antes de voltar a enfocar-se no Wrath — Não fui a você antes de solucionar o problema porque a idéia de que o rei me deva algo me resulta atrativa.
Wrath não pôde evitar rir.
— Comedor de pecados.
— Já sabe.
Wrath fez a bolsinha ricochetear em sua mão.
— Quando aconteceu isto?
— Faz aproximadamente meia hora. — respondeu Xhex — E não apaguei o rastro.
— Bem, certamente captaram sua mensagem. E ainda penso ir a essa reunião.
— Está seguro de que é prudente? — perguntou Rehv — Quem é que esteja detrás disto não voltará a ir para mim, porque sabem onde parece estar minha lealdade. Mas isso não significa que não encontrarão a outra pessoa.
— Deixe que o façam. — disse Wrath — Aceito o combate mortal. — desviou o olhar para Xhex — Montrag implicou a alguém?
— Cortei-lhe sua garganta de orelha  a orelha. Falar seria difícil.
Wrath sorriu e olhou o V.
— Sabe? É um pouco surpreendente que vocês dois não se dêem melhor.
— Em realidade não. — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Posso adiar a reunião do conselho. — murmurou Rehv — Se quer fazer um reconhecimento por si mesmo para averiguar quem mais está comprometido.
— Não! Se tivessem culhões como é devido, teriam tratado de me matar eles mesmos, e não teriam ido a você para que o fizesse. Assim vai ocorrer uma de duas coisas: como não sabem se Montrag os delatou antes de ficar visualmente impedido, vão esconder-se, porque isso é o que os covardes fazem, ou vão endossar a culpa a outro. Assim que a reunião segue de pé.
Rehv sorriu enigmaticamente, o symphath nele se fez evidente.
— Como deseja.
— Entretanto, quero uma resposta honesta de tua parte. — disse Wrath.
— Qual é a pergunta?
— Sinceramente considerou me assassinar? Quando lhe pediu isso.
Rehv ficou em silêncio durante um momento. Logo, assentiu devagar com a cabeça.
— Sim, fiz. Mas como já disse, agora está em dívida comigo, e dadas meus… As circunstâncias de meu nascimento, por assim dizer… Isso é muito mais valioso que o que qualquer aristocrata puxa-saco e imbecil pode fazer por mim.
Wrath assentiu com a cabeça uma vez.
— Posso respeitar esse tipo de raciocínio.
— Além disso, confrontemos: — Rehv sorriu outra vez — minha irmã se casou com alguém de sua família.
— Sei que o fez, symphath. Sei que o fez.

Após colocar a ambulância na garagem, Ehlena cruzou o estacionamento e entrou na clínica. Precisava recolher suas coisas do vestiário, mas isso não era o que a motivava. Pelo geral a essa hora da noite, Havers estava em seu escritório trabalhando nos históricos, e para ali se dirigiu. Quando chegou a sua porta, tirou-se a presilha, alisou o cabelo para trás, e o atou bem preso na base de seu pescoço. Ainda levava o casaco posto, mas embora não fosse caro, estava confeccionado em lã negra e parecia feito sob medida, assim imaginou que tinha bom aspecto.
Bateu na porta, e quando uma voz educada respondeu, entrou. O antigo escritório de Havers tinha sido um esplêndido escritório do velho mundo, cheio de antiguidades e livros encadernados em couro. Agora que estavam nesta nova clínica, sua zona de trabalho privada não era diferente de qualquer outra: paredes brancas, chão de linóleo, escrivaninha de aço inoxidável e cadeira negra com rodas.
— Ehlena. — disse ele quando levantou a vista do histórico que estava revisando — Que tal foi?
— Stephan está onde pertence...
— Querida, não tinha nem idéia de que o conhecesse. Catya me contou isso.
— Eu… O conhecia. — mas talvez não devesse ter mencionado isso à fêmea.
— Queridíssima Virgem Escriba, por que não disse?
— Porque quis honrá-lo.
Havers tirou os óculos de tartaruga marinha e esfregou os olhos.
— Ai, que pena! É algo que posso entender. De todos os modos, desejaria ter sabido. Ocupar-se dos mortos nunca é fácil, mas é especialmente difícil se tratar de uma relação pessoal.
— Catya me deu o resto do turno livre…
— Sim, eu o disse. Teve uma noite muito longa.
— Bem, obrigada! Entretanto antes de partir, quero lhe perguntar sobre outro paciente.
Havers pôs os óculos novamente.
— É obvio. Qual?
— Rehvenge. Ingressou ontem de tarde.
— Recordo-o. Tem alguma dificuldade com seus medicamentos?
— Por acaso você viu seu braço?
— Braço?
— A infecção que tem nas veias do lado direito.
O médico da raça deslizou os óculos de tartaruga marinha para cima por seu nariz.
— Ele não me indicou que seu braço estivesse dando moléstias. Se quiser voltar para ver-me, estarei encantado de revisá-lo. Mas como sabe, não posso prescrever nada sem examiná-lo.
Ehlena abriu a boca para argumentar quando apareceu a cabeça de outra enfermeira.
— Doutor? — disse a fêmea — Seu paciente está preparado na sala de exame número quatro.
— Obrigado. — Havers olhou novamente a Ehlena — Agora vá para casa e tire um descanso.
— Sim, Doutor.
Ela se escapuliu do escritório e observou como o médico da raça se afastava rapidamente e desaparecia ao virar na esquina.
Rehvenge não voltaria para ver Havers. De maneira nenhuma. Um: parecia estar muito doente para fazê-lo, e dois: já havia demonstrado ser um idiota teimoso ao ocultar deliberadamente aquela infecção ao doutor.
Macho. Estúpido.
E ela também era estúpida, considerando o que estava dando voltas em sua mente.
Em termos gerais, a ética nunca tinha sido um problema para ela. Fazer as coisas corretamente não requeria reflexão, nenhuma negociação de princípios, nem um cálculo de custo e benefícios. Por exemplo, seria incorreto ir ao fornecimento de penicilina da clínica e surrupiar, ah, digamos, pílulas de oito mil e quinhentos miligramas.
Sobretudo se daria essas pílulas a um paciente que não tinha sido visto pelo doutor para que tratasse dessa doença.
Seria simplesmente incorreto. Por qualquer ângulo que olhasse.
O correto seria telefonar ao paciente e persuadi-lo para que comparecesse à clínica para que o doutor o visse, e se não conseguisse fazer que pusesse seu rabo em marcha? Então isso seria tudo.
Sim, sem muitas complicações.
Ehlena se dirigiu para a farmácia.
Decidiu deixar nas mãos do destino. E que te parece? Era o descanso para o cigarro. O pequeno relógio marcava três e quarenta e cinco.
Olhou seu relógio. Três e trinta e três.
Abrindo o ferrolho da porta balcão, entrou na farmácia, foi direito para a penicilina, e sacudiu os frascos de pílulas de oito mil e quinhentos miligramas enfiando-os no bolso de seu uniforme… Exatamente o que tinha sido prescrito, três noites antes, para um paciente com um problema similar.
Rehvenge não ia voltar para a clínica em breve. Assim levaria o que necessitava.
Disse a si mesma que estava ajudando a um paciente e que isso era o mais importante. Demônios! Possivelmente estivesse lhe salvando a vida. Deste modo assinalou a sua consciência que isto não era OxyContin, nem Valium, nem morfina. Até onde ela sabia nunca ninguém tinha moído umas pílulas de penicilina para aspirá-las procurando um “barato”.
Enquanto entrava no vestiário e recolhia o almoço que havia trazido, mas não comera não se sentiu culpada. E quando se desmaterializou para sua casa, não sentiu nenhuma vergonha ao ir à cozinha e pôr as pílulas em uma bolsa Ziploc e colocar esta em sua bolsa.
Este era o caminho que ela escolhia. Stephan já havia morrido quando chegou até ele, e o melhor que tinha sido capaz de fazer foi ajudar a envolver seus membros frios e rígidos no linho cerimonioso. Rehvenge estava vivo. Vivo e sofrendo. E, se ele era o causador disso ou não, ainda podia ajudá-lo.
O resultado era ético inclusive se o método não o fosse.
E, algumas vezes, isso era o melhor que podia fazer.


Capítulo 24


Quando Xhex retornou ao ZeroSum eram três e meia da manhã, bem a tempo de fechar o clube. Além do mais, tinha um trabalhinho para fazer, e até que esvaziasse as caixas registradoras e despachasse o pessoal e os seguranças, não poderia atender seu assunto pessoal.
Antes de deixar o grande rancho de Rehv, entrou no banheiro e tornou a pôr os cilícios, mas os fodidos não estavam funcionando. Estava excitada. Repleta de energia. Exatamente no limite. Para o que serviam, bem podia ter levado um par de cordões atados às coxas.
Deslizando pela porta lateral da seção VIP, examinou a multidão, muito consciente de estar procurando um homem em particular.
E ele estava ali.
John Matthew fodido! Um trabalho bem feito sempre a deixava faminta e o último que precisava era a proximidade de gente como ele.
Como se notasse seus olhos sobre ele, levantou a cabeça e seus olhos de um azul profundo se acenderam. Como se deduzissem o que ela desejava. E dada à forma em que discretamente se reacomodou nas calças, estava preparado para se pôr a seu serviço.
Xhex não pôde evitar torturar a ambos. Enviou-lhe uma imagem mental, incutindo-a diretamente dentro de sua cabeça: era deles dois em um banheiro privado, ele estava de pé, reclinando-se para trás sobre o lavabo, ela tinha um pé plantado no tampo da pia, seu sexo estava profundamente enterrado no dela e os dois estavam ofegando.
Enquanto a olhava fixamente através da boate lotada, a boca de John se abriu e o rubor que cobriu suas bochechas nada tinha a ver com o abafado, e tudo com o orgasmo que sem dúvida estava pulsando em seu pênis.
Deus! Desejava-o.
Seu amigo, o ruivo, arrancou-o de seu frenesi. Blaylock retornou à mesa com três cervejas agarradas pelo gargalo, e quando lhe deu uma olhada ao endurecido e excitado rosto do John, deteve-se em seco e a olhou surpreso.
Merda!
Xhex se despediu dos seguranças que estavam se aproximando com um gesto da mão e saiu da seção VIP tão rápido, que quase derrubou uma garçonete.
Seu escritório era o único lugar seguro, e se dirigiu para lá correndo. O assassinato era um motor que, uma vez que se punha em marcha, era difícil de desacelerar e as lembranças do assassinato, do doce momento em que olhou aos olhos de Montrag para logo lhe arrebatar a vista, estavam ativando seu lado symphath. Para consumir essa energia, e aplacar-se, necessitava uma de duas coisas.
Ter sexo com o John Matthew era sem dúvida uma delas. A outra era muito menos prazerosa, mas na falta de pão, as tortas são boas, e estava a ponto de tirar seu lys e ir aplicá-lo a quantos humanos encontrasse em seu caminho. O que não seria bom para os negócios.
Cem anos depois, fechou a porta ao ruído e às pessoas que se apertavam como gado, mas não encontrou descanso em seu desértico refúgio. Demônios, nem sequer podia acalmar-se o suficiente para apertar os cilícios. Caminhou ao redor do escritório, sentindo-se enjaulada, pronta para entrar em ebulição, tratando de apaziguar-se para poder…
Com um rugido, a mudança a fulminou, seu campo visual se transformou, convertendo-se em vários matizes de vermelhos como se alguém acabasse de lhe pôr uma viseira sobre os olhos. Ao mesmo tempo, quadriculou as emoções de cada coisa viva que havia no clube, e, estalaram em seu cérebro. As paredes e o chão desapareceram e foram substituídos pelos vícios e os desesperos, os aborrecimentos e os desejos luxuriosos, as crueldades e a dor que eram tão sólidos para ela como tinha sido anteriormente a estrutura do clube.
Seu lado symphath estava saturado do “vamos-nos-portar-bem” e estava preparado para esfolar a esse bando de parvos humanos sorridentes excessivamente drogados que havia ali fora.

Quando Xhex se foi como se o chão da pista estivesse em chamas e ela fosse à única com um extintor, John voltou a afundar no banco. Após o que tinha visto em sua mente se desvaneceu, o incômodo do formigamento que sentia em sua pele começou a esfumar-se, mas sua ereção não pensava aceitar o “Oh! Bom, possivelmente da próxima vez”.
Dentro de seu jeans, tinha o pênis duro, aprisionado detrás da braguilha de botões.
Merda! Pensou John. Merda. Só... Merda!
— Linda forma de bloquear-pênis, Blay. — resmungou Qhuinn.
— Sinto. — disse Blay enquanto deslizava no banco e distribuía as cervejas — Sinto muito… Merda.
Bem, acaso isso não resumia tudo perfeitamente?
— Sabe, realmente está interessada em você. — disse Blay com um toque de admiração — Refiro-me a que, pensava que vínhamos aqui só para que pudesse contemplá-la. Mas não sabia que ela também te via dessa forma.
John abaixou a cabeça para ocultar as bochechas que ultrapassavam de longe o vermelho do cabelo de Blay.
— Sabe onde é seu escritório, John. — os olhos díspares de Qhuinn se mantiveram no mesmo nível enquanto inclinava para trás a recém trazida cerveja e dava um comprido trago — Vá ali. Agora. Assim, ao menos um de nós consegue um pouco de alívio.
John reclinou para trás e esfregou as coxas, pensando exatamente o mesmo que Qhuinn. Mas tinha culhões para fazê-lo? E, se se aproximava dela e o rechaçava?
E se voltava a perder sua ereção?
Entretanto, ao recordar o que tinha visto em sua mente, já não se sentiu tão preocupado por esse aspecto. Estava preparado para chegar ao clímax ali mesmo onde estava sentado.
— Pode ir sozinho a seu escritório. — continuou Qhuinn em voz baixa — Posso esperar no começo do corredor e me assegurar que ninguém os interrompa. Estará a salvo, e será em particular.
John pensou no único momento em que ele e Xhex estiveram juntos e a sós em um espaço fechado. Tinha sido em agosto, no banheiro dos homens da sobreloja, ela o tinha encontrado saindo a tropicões de um cubículo, completamente bêbado. Inclusive apesar de ter estado muito intoxicado, bastou vê-la para estar disposto, desesperado por seu sexo… E graças a uma grande quantidade de confiança proporcionada pela Corona, teve os colossais culhões de aproximar-se dela e lhe escrever uma mensagem em uma toalha de papel. Fizera-o para cobrar a vingança pelo que lhe tinha pedido.
O justo era justo. Queria que dissesse seu nome quando chegasse ao orgasmo durante a masturbação.
Desde então se mantiveram afastados no clube, mas malditamente juntos quando estavam em suas camas… E sabia que esteve fazendo o que lhe tinha pedido, podia dizer pela forma em que o olhava. E o pequeno intercâmbio telepático desta noite a respeito do que ela pensava que deveriam estar fazendo em um dos banheiros, era a prova suficiente de que até ela seguia ordens de vez em quando.
Qhuinn pôs uma mão no braço de John, e quando este elevou a vista para olhá-lo, o macho gesticulou: Saber encontrar o momento oportuno é tudo, John.
Muito certo. Ela o desejava, e esta noite não tinha sido unicamente no sentido da fantasia, como quando estava sozinha em casa. John não sabia o que havia mudado para ela nem qual tinha sido o catalisador, mas ao seu pênis não importava uma merda esse tipo de detalhes.
O resultado era tudo o que importava.
Literalmente.
Além disso, porra, acaso permaneceria virgem o resto de sua vida só por algo que lhe tinham feito fazia uma vida? Saber encontrar o momento oportuno era tudo, e estava farto de permanecer impassível, negando a si mesmo o que verdadeiramente desejava.
John ficou de pé e fez um gesto com a cabeça ao Qhuinn.
— Filho da puta! — disse o macho enquanto deslizava fora do banco embutido — Blay voltaremos.
— Tome seu tempo. E, John, boa sorte, ok?
John aplaudiu o ombro de seu amigo e se acomodou nos jeans antes de encaminhar-se para a saída da seção VIP. Qhuinn e ele passaram e cumprimentaram os seguranças junto ao cordão de veludo, e logo também passaram pelos suarentos bailarinos que estavam perreando[47], aos que estavam se beijando e a uma multidão que estava amontoando-se ao redor do grande balcão para o último pedido. Xhex não estava em nenhuma parte, e se perguntou se não teria ido a sua casa.
Não, pensou. Tinha que estar ali para fechar, porque Rehv não apareceu pelos arredores.
— Possivelmente já está em seu escritório. — disse Qhuinn.
Enquanto subiam as escadas para a sobreloja, pensou na primeira vez que a tinha visto. Falando de começar com o pé errado. Ela o tinha arrastado por este mesmo corredor e o tinha interrogado depois de tê-lo pego escondendo uma arma para que Qhuinn e Blay pudessem ter sexo em paz. Assim, foi como ela se inteirou de seu nome e de sua vinculação com Wrath e a Irmandade, e a forma em que o tinha maltratado o tinha excitado… Logo depois de ter superado a convicção de que ia despedaçá-lo membro a membro.
— Estarei aqui. — disse Qhuinn detendo-se no começo do corredor — Vai bem.
John assentiu e logo pôs um pé frente ao outro, frente ao anterior, e o corredor começou a ficar mais e mais escuro à medida que avançava. Quando chegou a sua porta, não se deteve a pensar, muito atemorizado de mandar mal e sair correndo para seu amigo.
Sim, e quanta falta de culhões lhe faria ver?
Além disso, desejava-o. Necessitava-o.
John levantou os nódulos para golpear… E ficou congelado. Sangue. Cheirava… Sangue.
Dela.
Sem pensar, abriu a porta e...
Oh. Deus Meu! Vocalizou.
Xhex levantou a cabeça bruscamente deixando de lado o que estava fazendo, e essa visão dela lhe ficou gravada a fogo. Havia tirado as calças de couro e as tinha pendurado no respaldo da cadeira, suas pernas estavam sulcadas por seu próprio sangue… Sangue que fluía das tiras com puas de metal que abraçavam suas duas coxas. Tinha uma bota negra sobre o escritório e estava no processo das apertá-las?
— Merda! Sai daqui!
Por quê? gesticulou com a boca, indo para ela, estendendo a mão. Oh… Deus tem que parar.
Com um profundo grunhido de sua garganta, apontou-lhe com o dedo.
— Não se aproxime.
John começou a gesticular rápida e torpemente, apesar dela não entender LSA — por que está fazendo isto…
— Porra sai daqui! Agora!
Por quê? Gritou-lhe silenciosamente.
Em resposta, seus olhos flamejaram em uma cor vermelha rubi, como se tivesse flashes coloridos engastados em seu crânio, e John ficou absolutamente gelado.
Havia só uma coisa no mundo da Irmandade que fazia isso.
— Vai.
John girou sobre si mesmo e foi direta e velozmente para a porta. Quando estendia a mão para agarrar a maçaneta, viu que era possível fechá-la por dentro, e com um rápido giro da chave de aço inoxidável, fechou-a assim ninguém mais poderia vê-la.
Quando chegou onde estava Qhuinn, não se deteve. Simplesmente prosseguiu, sem lhe importar se seu amigo e guarda pessoal o seguia.
De todas as coisas que podia ter averiguado alguma vez sobre ela, esta era a única nunca poderia ter previsto.
Xhex era uma maldita symphath.


Capítulo 25


Do outro lado de Caldwell, em uma rua ladeada de árvores, Lash estava sentado em um sofá com capa de veludo escuro, dentro de um apartamento com fachada de areia cor parda avermelhada. Pendurados ao seu lado estavam os únicos outros vestígios dos elegantes e enriquecidos humanos que viveram no lugar anteriormente: metros de formosas cortinas de damasco que iam do chão ao teto e ressaltavam as janelas panorâmicas que sobressaíam sobre a calçada.
Lash adorava as malditas cortinas. Eram de cor vinho, dourado e negro, adornadas com franjas e pompons de cetim dourado do tamanho de bolas de gude. Em sua exuberante glória, recordavam-lhe as coisas que sempre teve quando vivia naquela grande mansão Tudor, localizada na colina.
Sentia falta da elegância dessa vida. O pessoal. As comidas. Os carros.
Estava passando muito tempo com as classes baixas.
Merda, as classes baixas dos humanos, em atenção ao fundo de onde eram extraídos os lessers.
Esticou-se e acariciou uma das cortinas, ignorando a nuvem de pó que flutuou no ar assim que a tocou. Encantadora. Tão pesada e substancial, não havia nada barato nela, nem a malha, nem as tinturas, nem as pregas e cós costurados à mão.
A sensação o fez precaver-se de que precisava de uma boa casa própria e pensou que talvez pudesse ser este apartamento de pedra avermelhada. Segundo o senhor D, a Sociedade Lessening era proprietária deste lugar fazia três anos, a propriedade tinha sido comprada por um Fore-lesser convencido de que havia vampiros na área. Tinha uma garagem para dois carros enfiados no beco traseiro, assim havia intimidade, e era o mais próximo à elegância que poderia conseguir ao menos durante um bom tempo.
Grady entrou com um celular na orelha, na volta final da pista que tinha fabricado com suas caminhadas das últimas duas horas. Enquanto falava, a voz do tipo ressoava no teto alto.
Agora, apropriadamente motivado pela glândula supra-renal, o tipo havia revelado os nomes de sete distribuidores e esteve chamando um após o outro, conversando até convencê-los que se reunissem com ele.
Lash deu uma olhada ao papel onde Grady havia rabiscado sua lista. Sim, todos os contatos estariam livres de falência? Só o tempo o diria, mas um deles era definitivamente sólido. A sétima pessoa, cujo nome ao final da nomenclatura estava rodeado por um círculo negro, era alguém a quem Lash conhecia: o Reverendo.
Aliás, Rehvenge, filho de Rempoon. Proprietário do ZeroSum.
Aliás, o sacana territorial que tinha jogado Lash a pontapés de seu clube porque havia vendido umas poucas gramas aqui e ali. Merda, Lash não podia acreditar que não tivesse pensado nisso antes. É obvio que Rehvenge estaria na lista. Inferno, ele era o rio onde desembocavam todas as correntes, o cara com quem os fabricantes sul-americanos e chineses tratavam diretamente.
E isto não fazia as coisas ainda mais interessantes?
— Bom, te verei então. — disse Grady ao telefone. Quando desligou, deu-lhe uma olhada — Não tenho o número de Reverendo.
— Mas sabe onde o encontrar, verdade? – óbvio. Todos no negócio da droga, desde camelos a usuários passando pela polícia sabiam onde o cara passava seu tempo, e por esta razão era um mistério que o lugar não tivesse sido fechado fazia muito tempo.
— Entretanto, isso será um problema. Minha entrada está proibida no ZeroSum.
Bem vindo ao clube.
— Trabalharemos para mudar isso.
Embora não seria enviando a um lesser para tentar fazer um trato. Precisariam de um humano para isso. A menos que pudessem tirar Rehvenge fora de sua guarida, o que era improvável.
— Meu trabalho terminou? — perguntou Grady, olhando desesperadamente à porta principal, como se fosse um cão que precisava sair para urinar.
— Disse que precisava passar despercebido. — Lash sorriu deixando que visse suas presas — Assim voltará com meus homens a sua casa.
Grady não discutiu, só assentiu e cruzou os braços sobre a ridícula jaqueta com a águia. Seu assentimento se formava em partes iguais de personalidade, temor e esgotamento. Obviamente, se deu conta de que estava metido em muito mais merda do que acreditara a princípio. Sem dúvida pensava que as presas eram implantes cosméticos, mas alguém que acreditasse ser um vampiro poderia ser quase tão mortal e perigoso como alguém que realmente o fosse.
A porta de serviço que comunicava com a cozinha se abriu, e o senhor D entrou com dois pacotes quadrados envoltos em celofane. Eram do tamanho de uma cabeça, e enquanto o lesser se aproximava, Lash viu um montão de símbolos de dólar.
— Encontrei-os nos painéis do escritório.
Lash tirou sua navalha de mola e fez um pequeno buraco em cada um. Uma rápida lambida ao pó branco e voltou a sorrir.
— Boa qualidade. Cortaremos esta merda. Sabe onde pô-la.
O senhor D assentiu e voltou para a cozinha. Quando retornou, os outros dois assassinos estavam com ele, e Grady não era o único que parecia liquidado. Os lessers precisavam recarregar-se a cada vinte e quatro horas, e segundo a última conta, tinham estado funcionando, por quarenta e oito consecutivas. Até Lash, que podia agüentar vários dias, sentia-se esgotado.
Hora de ir-se.
Levantando-se da cadeira, vestiu o casaco.
— Eu conduzo. Senhor D, você irá sentado na parte de atrás do Mercedes e vai se assegurar de que Grady desfrute de ter chofer. Vocês dois, levem o PDM.
Saíram todos, deixando o Lexus sem placas na garagem e com o número do pára-brisa apagado.
A viagem ao complexo de apartamentos Hunterbred não levou muito, mas Grady conseguiu tirar uma sesta. Através do espelho retrovisor, viu como o idiota se apagava como uma luz, com a cabeça recostada contra o assento e a boca aberta enquanto roncava.
O que, realmente, beirava a falta de respeito.
Lash se deteve no apartamento onde ficavam o senhor D e seus dois companheiros e esticou o pescoço para olhar Grady.
— Acorda, imbecil. – enquanto o homem piscava e bocejava, Lash desprezou sua debilidade, e ao senhor D não pareceu impressionar — As regras são simples. Se tentar fugir, meus homens atirarão aí mesmo ou chamarão à polícia e dirão exatamente onde está. Assente com essa cabeça de idiota se tiver entendido o que digo.
Grady assentiu, embora Lash tivesse a sensação de que o teria feito sem importar o que houvesse dito. Se houvesse dito “Come teus próprios pés”, a resposta igualmente teria sido “Bom, certo, perfeito”.
Lash destravou as fechaduras.
— Saia de meu fodido carro.
Mais assentimentos enquanto as portas se abriam e o implacável vento entrava. Dando um passo fora do Mercedes, Grady se encolheu em sua jaqueta, com essa estúpida e fodida águia que tinha as asas estendidas enquanto o humano se encurvava sobre si mesmo. Ao senhor D, por outro lado, o frio não incomodava… Um dos benefícios de já ter morrido.
Lash deu marcha a ré para sair do estacionamento e se dirigiu para onde ele parava quando estava na cidade. Seu lugar era simplesmente uma choça de má morte em uma área cheia de anciões, com janelas que só tinham cortinas, compradas em lugares como Target, para deixar fora a seus intoxicados e viciados e dependentes vizinhos. A única vantagem era que ninguém da Sociedade sabia o endereço. Embora dormisse com o Omega por razões de segurança, voltar para este lado o deixava aturdido durante uma meia hora ou algo assim, e não queria que ninguém o apanhasse despreparado.
O tema era que, dormir era na realidade um término equivocado para o que ele necessitava. Não era como se fechasse os olhos e dormisse; virtualmente desmaiava, o que, segundo o senhor D, era o que acontecia quando se é um lesser. Por alguma razão, quando tinham o sangue de seu pai dentro deles, eram como celulares que não podiam ser utilizados enquanto se carregavam.
Quando pensou em voltar para a choça, se deprimiu e em troca, se encontrou conduzindo para a parte mais rica de Caldwell. Conhecia essas ruas tão bem como as linhas da palma de sua própria mão, e encontrou os pilares de sua antiga casa facilmente.
As portas estavam firmemente fechadas, e não podia ver por cima do alto muro que rodeava a propriedade, mas sabia o que havia dentro: o terreno, as árvores, a piscina e o terraço… Tudo mantido perfeitamente.
Merda. Queria voltar a viver assim. Esta existência barata com a Sociedade Lessening se parecia a usar um traje ordinário de roupa. Não se sentia ele. Em nenhum nível.
Estacionou o Mercedes no parque e simplesmente permaneceu ali, olhando fixamente ao caminho. Depois de assassinar aos vampiros que o tinham criado e enterrá-los no pátio ao lado da casa, tinha despojado a casa Tudor de tudo o que não estivesse fixado ou cravado, as antiguidades estavam armazenadas em várias casas de lesser dos arredores e de fora da cidade. Não retornou desde que buscara esse carro, e, assumira que, através do testamento de seus pais, a propriedade teria passado a qualquer parente de sangue sobrevivente aos assaltos que ele tinha efetuado contra a aristocracia.
Duvidava que a propriedade estivesse ainda em nome da raça. Depois de tudo, os lessers se infiltraram e, portanto, tinha sido permanentemente comprometida.
Lash sentia falta da mansão, embora não a pudesse utilizar como Quartel General. Trazia-lhe muitas lembranças, e o que era mais importante ainda, estava muito perto do mundo dos vampiros. Seus planos, suas contas e os detalhes íntimos da Sociedade Lessening não eram o tipo de merda que quisesse arriscar a que caísse em mãos da Irmandade.
Logo chegaria o momento em que voltaria a se encontrar com esses guerreiros, mas seria sob seus próprios termos. Desde que foi assassinado por esse defeituoso mutante do Qhuinn, e, seu verdadeiro pai o restabelecera ninguém exceto esse idiota do John Matthew o tinha visto… E inclusive com esse idiota mudo foi somente de uma maneira confusa, o tipo de coisa que, considerando que tinham visto seu cadáver, alguém descartaria como uma interpretação errônea.
Lash gostava de fazer grandes entradas. Quando aparecesse no mundo dos vampiros, faria de uma posição de poder. E a primeira coisa que ia fazer era vingar sua própria morte.
Seus planos futuros o faziam sentir um pouco menos falta do passado, e, enquanto olhava às árvores nuas serem açoitadas pelo forte vento, pensou na força da natureza.
E desejou ser exatamente isso.
Quando soou seu celular, levantou-o e o pôs na orelha.
— O que?
A voz do senhor D era toda formalidade.
— Tivemos uma infiltração, senhor.
As mãos de Lash apertaram o volante com força.
— Onde?
— Aqui.
— Filhos da puta. O que conseguiram?
— Jarras. As três. Pelo que sabemos foram os Irmãos. As portas permanecem firmes assim como as janelas, não temos idéia de como entraram. Deve ter acontecido em algum momento nas últimas duas noites, porque não dormimos aqui desde domingo.
— Entraram no apartamento abaixo?
— Não, esse ainda é seguro.
Pelo menos havia uma coisa a seu favor. Embora, perder jarras fosse um problema.
— Por que não soou o alarme de segurança?
— Não estava conectado.
— Jesus Cristo. Melhor que esteja aí quando chegar, porra. — Lash encerrou a chamada e girou o volante. Quando pisou fundo no acelerador, o sedã saiu disparado para o portão, o pára-choque dianteiro raspou as barras de ferro.
Fodidamente maravilhoso.
Quando chegou ao apartamento, estacionou exatamente ao lado da entrada para as escadas e quase arrancou a porta do carro ao sair. Com as rajadas geladas fazendo seu cabelo voar, subiu a escada de dois em dois e entrou disparado no lugar, preparado para atirar em alguém.
Grady estava sentado em um tamborete frente à parte sobressalente do balcão da cozinha, estava sem jaqueta, com as mangas arregaçadas, e um montão de não penso me colocar nisto na cara.
O senhor D estava saindo de um dos dormitórios terminando uma frase.
—… não entendo como encontraram este…
— Quem fez a merda? — perguntou Lash, fechando a porta ao vento que uivava — Isso é tudo o que me preocupa. Quem foi o idiota que não conectou o alarme e comprometeu esta localização? E se ninguém se responsabilizar, você — apontou para o senhor D— será o responsável.
— Não fui eu. — o senhor D olhou duramente a seus homens — Faz dois dias que não venho aqui.
O lesser da esquerda levantou os braços, mas como era típico em sua raça, não foi para submeter-se, mas sim porque estava preparado para lutar.
— Tenho minha carteira e não falei com ninguém.
Todos os olhos foram para o terceiro assassino, que se zangou:
— Que porra? — com gestos exagerados procurou em seu bolso traseiro — Tenho mi…
Colocou a mão mais ao fundo como se pudesse mudar algo. Logo, fez uma atuação ao estilo dos Três Patetas, verificando cada bolso que tinha nas calças, a jaqueta e a camisa. O idiota não titubearia em abrir o próprio rabo para dar uma olhada se pensasse que houvesse a possibilidade de sua carteira ter aberto passagem por seu cólon.
— Onde está sua carteira? — perguntou Lash brandamente.
Cabeça de Mármore se deu conta.
— O senhor N… Esse idiota. Discutimos porque queria que lhe desse “algumas verdinhas”. Lutamos e deve ter surrupiado minha carteira.
O senhor D caminhou tranqüilamente até ficar atrás do assassino e o golpeou ao lado da cabeça com a culatra de sua Magnum. A força do impacto fez que o assassino começasse a girar como a tampa de uma cerveja até se estalar contra a parede, onde deixou um borrão negro que manchou a pintura branca quando deslizou para baixo, até cair no tapete barato de cor marrom.
Grady deixou escapar um grasnido de surpresa, como um terrier que golpeassem com um jornal.
E então soou o toque da campainha. Todos olharam para a origem do som e logo para Lash.
Ele apontou para Grady.
— Permanece exatamente onde está. — quando a campainha voltou a soar fez um gesto com a cabeça ao senhor D — Responde.
Enquanto o pequeno texano passava por cima do assassino derrubado e colocava a arma no cinto das calças na parte baixa das costas abriu só uma fresta da porta.
— Domino’s. — disse uma voz masculina quando uma lufada de vento entrou soprando — Ah… Merda, tome cuidado!
Era uma comédia de fodidos embrulhos, o tipo de coisa que se via em um filme cheio de palhaçadas e embrulhos. Quando o entregador retirava a caixa de pizza da bolsa térmica vermelha, o forte vento a pegou, e a calabresa e algo mais saíram voando em direção ao senhor D... Como um bom empregado, o menino voador com o boné se esticou para frente para agarrar a coisa… E terminou golpeando o senhor D com força e invadindo o apartamento.
E Lash apostaria que os empregados de Domino’s recebiam instruções específicas a respeito de que jamais deviam fazer tal coisa, e, por uma boa razão. Se, invadia a casa de alguém, embora estivesse fazendo o papel de herói, podia encontrar todo tipo de merda: pornografia pervertida na televisão. Uma dona-de-casa gorda vestida somente com as calcinhas da avó e nenhum sutiã. Um barracão asqueroso com mais baratas que pessoas.
Ou um exemplar dos não mortos sangrando sangue negro de uma ferida na cabeça.
Não havia modo que o Menininho Pizza deixasse de ver o que tinha à frente. E isso significava que teriam que encarregar-se dele.

Após ter passado o restante da noite andando sem rumo fixo pelo centro de Caldwell em busca de um lesser com quem lutar, John tomou forma no pátio da mansão da Irmandade junto a todos os carros que estavam estacionados em uma fila ordenada. O implacável vento empurrava seus ombros, como um valentão querendo derrubá-lo, mas se manteve firme contra o violento ataque.
Uma symphath. Xhex era uma symphath.
Enquanto sua mente se agitava ante a revelação, Qhuinn e Blay se materializaram ao seu lado. Tinha que dizer em honra dos dois, nenhum deles perguntou que porra tinha acontecido no ZeroSum. Não obstante, ambos continuavam olhando-o como se fosse uma proveta em um laboratório de ciência, como se esperassem que trocasse de cor ou jogasse espuma ou algo.
Preciso de um pouco de espaço, gesticulou sem enfrentar nenhuma de seus olhares.
— Não há problema. — respondeu Qhuinn.
Houve uma pausa enquanto John esperava que entrassem na casa. Qhuinn limpou a garganta uma vez. Duas vezes.
Então com voz estrangulada, disse:
— Sinto muito. Não queria voltar a te pressionar. Eu…
John sacudiu a cabeça e gesticulou. Não está relacionado com o sexo. Assim não se preocupe, ok?
Qhuinn franziu o cenho.
— Bom. Sim, genial. Ah… Se precisar estaremos por aqui. Vamos, Blay.
Blay o seguiu e os dois subiram os degraus baixos de pedra e entraram na mansão.
Quando finalmente esteve sozinho, John não tinha a menor idéia do que fazer ou aonde ir, mas o amanhecer se aproximava, por isso, além de um breve passeio pelos jardins, tinha poucas opções ao ar livre.
Embora, Deus, perguntava-se se ao menos poderia entrar. Sentia-se poluído pelo que tinha descoberto.
Xhex era uma symphath.
Rehvenge saberia? Alguém mais?
Ele era bem consciente do que a lei requeria que fizesse. Aprendera durante seu treinamento. Quando se tratava de symphaths, devia denunciá-los para que os deportassem ou seria considerado cúmplice. Malditamente claro.
Entretanto, o que acontecia depois?
Sim, não era necessário ser adivinho para saber. Xhex seria transportada como lixo a um esgoto, e as coisas não seriam boas para ela. Estava claro que era uma mestiça. Tinha visto fotografias de symphaths, e não se parecia em nada a esses altos, magros, arrepiantes e imbecis FDP. Havia boas probabilidades de que a matassem na colônia, porque pelo que sabia, quando se tratava da discriminação, os symphaths eram iguais a glymera.
Salvo pelo fato de gostarem de torturar ao objeto de suas brincadeiras. E não no sentido verbal.
Que porra tinha feito…
Quando o frio o fez tiritar sob a jaqueta de couro, entrou na casa e subiu diretamente a escada principal. As portas do escritório do rei estavam abertas e podia ouvir a voz de Wrath, mas não se deteve para ver o rei. Seguiu andando, girando na esquina para o corredor das estátuas.
Embora não se dirigia a seu quarto.
John se deteve diante da porta de Tohr, fazendo uma pausa para alisar o cabelo. Havia só uma pessoa com quem queria falar disso, e rezou pedindo que embora fosse por uma vez pudesse receber algum tipo de resposta.
Necessitava ajuda. Muita.
John bateu brandamente.
Não houve resposta. Voltou a bater.
Enquanto esperava e esperava, olhou fixamente os painéis da porta e considerou as últimas duas ocasiões em que invadira salas sem ser convidado. A primeira durante o verão quando se intrometeu no dormitório de Cormia e a tinha encontrado nua e curvada de lado com sangue nas coxas. O resultado? Tinha surrado Phury sem nenhuma razão, o sexo tinha sido de mútuo consentimento.
A segunda tinha sido na de Xhex, esta noite. E olhe em que situação o tinha posto.
John bateu mais forte, os nódulos golpearam forte o bastante para despertar aos mortos.
Não houve resposta. Pior ainda, não havia nenhum som. Nenhuma televisão, nenhuma ducha, nenhuma voz.
Retrocedeu para ver se saía alguma claridade por debaixo da porta. Não. Assim Lassiter não estava aí dentro.
O terror fez que engolisse com dificuldade, enquanto abria lentamente a porta. Os olhos foram primeiro à cama, e ao não encontrar o Tohr ali, John definitivamente entrou pânico. Atravessando o tapete oriental às pressas, dirigiu-se velozmente para o banheiro, esperando encontrar o Irmão escancarado na Jacuzzi com os pulsos cortados.
Não havia ninguém em nenhuma das duas habitações.
Uma estranha e vertiginosa esperança estalou em seu peito enquanto saía novamente ao corredor. Olhando a esquerda e direita, decidiu começar pelo dormitório de Lassiter.
Não houve resposta, e, ao olhar dentro, encontrou tudo muito asseado e ordenado junto com um débil aroma de ar fresco.
Isto era bom. O anjo tinha que estar com Tohr.
John foi velozmente para o estúdio de Wrath e depois de bater na soleira, apareceu à cabeça, inspecionando rapidamente o comprido e fino sofá, as poltronas e o suporte da chaminé onde os Irmãos gostavam de reclinar-se.
Wrath levantou o olhar da escrivaninha.
— Olá, filho. O que acontece?
Oh, nada. Já sabe. Só… Desculpe-me.
John desceu correndo a escada principal, sabendo que se Tohr estava fazendo sua primeira incursão de volta ao mundo, não ia querer fazer um grande espetáculo disso. Provavelmente começaria simplesmente, só indo à cozinha com o anjo a procura de um pouco de comida.
John chegou ao chão de mosaico do vestíbulo no andar de baixo, e quando ouviu vozes de macho à direita, olhou dentro da sala de bilhar. Butch estava agachado sobre a mesa de bilhar a ponto de fazer um disparo e Vishous estava detrás dele, vaiando. A tela plana da TV mostrava o canal de esportes e só havia dois copos baixos e gordinhos, um com um líquido cor âmbar, o outro contendo um produto cristalino que não era água.
Tohr não estava ali, mas nunca esteve muito interessado nos jogos. Além disso, com a maneira em que Butch e V atacavam um contra o outro, não eram o tipo de companhia que desejaria se estava a ponto de voltar a afundar os pés nas águas sociais.
Dando a volta, John cruzou apressadamente o refeitório, posto para a Última Comida, e entrou na cozinha, onde encontrou… Aos doggen preparando três tipos diferentes de molhos para massa, tirando pão italiano caseiro do forno, mexendo as saladas e abrindo garrafas de vinho tinto para que respirassem e… Nada de Tohr.
A esperança escapou do peito de John, deixando uma tensão amargurada.
Aproximou-se de Fritz, o extraordinário mordomo, que o saudou com um brilhante sorriso em seu rosto velho e enrugado.
— Olá, senhor, como vai você?
John fez os gestos diante de seu peito para que ninguém mais pudesse ver.
Escute, viu…
Merda, não queria aterrorizar a toda a casa sem outro motivo além de que estava se apressando a tirar conclusões. A mansão era enorme e Tohr podia estar em qualquer lugar.
…a alguém? Terminou.
As franzinas sobrancelhas brancas de Fritz se juntaram.
— Alguém, senhor? Refere-se às senhoras da casa ou…
Machos., gesticulou. Viu algum dos Irmãos?
— Bom, estive aqui preparando o jantar durante a última hora, mas sei que vários voltaram para casa do campo. Rhage pegou seus sanduíches tão logo retornou, Wrath está no escritório, e Zsadist está banhando à pequena. Deixe ver… Oh, e acredito que Butch e Vishous estão jogando bilhar, já que um de meu pessoal lhes serviu bebidas na sala de bilhar faz um momento nada mais.
Correto, pensou John. Se um Irmão que ninguém tinha visto sair durante digamos, quatro meses, aparecesse certamente seu nome teria sido o primeiro da lista.
Obrigado, Fritz.
— Estava procurando a algum em particular?
John sacudiu a cabeça e voltou a sair ao vestíbulo, esta vez movendo-se com pés de chumbo. Quando entrou na biblioteca, não esperava encontrar ninguém, e o que lhes parece? A sala estava cheia de livros e completamente desprovida de qualquer Tohr.
Onde poderia…?
Possivelmente não estivesse na casa absolutamente.
John fechou a biblioteca e patinou ao dar a volta ao redor da escada principal, as solas de seus shitkickers chiaram quando dobrou a esquina. Abrindo violentamente a porta oculta sob os degraus, entrou no túnel subterrâneo da mansão.
É obvio. Tohr iria ao centro de treinamento. Se ia despertar e começar a viver, isso significava que voltaria para o campo de batalha. E isso significava exercitar-se para conseguir que seu corpo voltasse a estar em forma.
Quando John saiu ao escritório das instalações, estava completamente de retorno na terra da esperança e quando não encontrou Tohr no escritório, não se surpreendeu.
Aí tinha sido onde o tinham informado da morte de Wellsie.
John arrastou o traseiro para o corredor, e o leve som dos pesos ressonando foi uma fodida sinfonia para seus ouvidos, o alívio floresceu em seu peito até que as mãos e os pés formigaram.
Mas tinha que controlar-se. Aproximando-se da sala de treinamento, sacudiu o sorriso, e abriu amplamente a porta…
Blaylock lhe jogou uma olhada do banco. A cabeça do Qhuinn se movimentava acima e abaixo na barra de exercícios.
Enquanto John jogava uma olhada a seu redor, ambos deixaram o que estavam fazendo, Blay voltando a deixar a barra de peso em seu lugar, Qhuinn baixando-se lentamente ao chão.
Viram o Tohr? Gesticulou John.
— Não. — disse Qhuinn enquanto enxugava o rosto com uma toalha — Por que ele estaria aqui?
John saiu correndo e se dirigiu ao ginásio, onde não encontrou nada exceto luzes embutidas, chãos de tábuas resplandecentes e colchonetes de um azul brilhante. A sala de equipamento só tinha equipamento. A sala de primeiros socorros e fisioterapia estava vazia. A clínica de Jane igual.
Partiu correndo, saindo disparado pelo túnel para a casa principal.
Uma vez ali, subiu diretamente para as portas abertas do escritório, e esta vez não bateu na soleira. Caminho diretamente até a escrivaninha de Wrath e gesticulou, Tohr se foi.

Enquanto o entregador do Domino’s gesticulava para agarrar a caixa de pizza, todos os outros ficaram imóveis.
— Passou perto. — disse o humano — Não queria que terminasse em…
O homem que estava agachado ficou congelado nessa posição quando seus olhos rastrearam a mancha negra da parede até o enfraquecido e queixoso lesser que a tinha ocasionado.
— … Em… Seu… Tapete.
— Cristo. — cuspiu Lash, tirando a navalha de mola do bolso no peito, acionando a folha e aproximando-se das costas do homem. Quando o moço do Domino’s ficou de pé, Lash passou o braço ao redor de seu pescoço e lhe cravou a faca diretamente no coração.
Enquanto o homem se murchava e ofegava, a caixa de pizza caía ao chão e se abria, a cor do molho de tomate e da calabresa pertencia à mesma gama de cores que o sangue que saía da ferida.
Grady saltou de seu tamborete e apontou ao assassino que ainda estava de pé.
— Ele me permitiu encomendar a pizza!
Lash apontou com a ponta da faca ao idiota.
— Fecha a puta boca.
Grady voltou a sentar no tamborete.
O senhor D estava de saco muito cheio quando foi até o assassino restante.
— Deixou-o encomendar uma pizza? Fez isso?
O lesser grunhiu.
— Pediu-me que entrasse e montasse guarda na janela do dormitório de atrás. Assim foi como descobrimos que tinham desaparecido as jarras, recorda? O imbecil que empapa o tapete foi o que o deixou chamar.
O senhor D não parecia ter interesse na lógica, e por divertido que pudesse ser lhe ver ficar em plano Jack Russel[48] com esse rato lesser, não havia muito tempo. Este humano que tinha aparecido com a pizza não voltaria a fazer mais entregas, e seus companheiros de uniforme se dariam conta disso bastante rápido.
— Telefona para que venham reforços. — disse Lash, fechando a folha e aproximando-se do lesser incapacitado — Que venham com um caminhão. Assim retira as caixas com armas. Evacuaremos este apartamento e o de baixo.
O senhor D pegou o telefone e começou a ladrar ordens enquanto o outro assassino entrava no dormitório do fundo.
Lash examinou o Grady, que olhava fixamente a pizza como se estivesse considerando seriamente levantá-la do tapete para comer.
— A próxima vez que você…
— As armas desapareceram.
Lash girou a cabeça para o lesser.
— Desculpe?
— As caixas com armas não estão no armário.
Por uma fração de segundo, em tudo o que Lash pôde pensar foi matar a alguém, e o único que salvou o Grady de ser esse alguém foi que mergulhou rapidamente na cozinha, fora de seu campo visual.
Não obstante a lógica preponderou sobre a emoção, e dirigiu sua vista para o senhor D.
— É responsável pela evacuação.
— Sim, senhor.
Lash apontou com o dedo ao assassino que estava no chão.
— Quero que o levem ao centro de persuasão.
— Sim, senhor.
— Grady? — quando não houve resposta, Lash amaldiçoou e entrou na cozinha para encontrar ao tipo inclinado dentro do frigorífico, sacudindo a cabeça ante as estantes vazias. O idiota era muito estreito de mente ou estava sinceramente ensimesmado, e Lash apostava que era o último — Vamos.
O humano fechou a porta do frigorífico e veio como o cão que era: rapidamente e sem discutir, movendo-se tão velozmente que deixou seu casaco atrás.
Lash e Grady tinham saído repentinamente ao frio, e o quente interior do Mercedes foi um alívio.
Enquanto Lash saía lentamente do complexo, porque apressar-se poderia ter atraído a atenção das pessoas, Grady o olhou.
— Esse cara… Não o da pizza… O que morreu… Não era normal.
— Não. Não era.
— Tampouco você.
— Não. Eu sou uma divindade.


Capítulo 26

Quando caiu a noite, Ehlena vestiu o uniforme embora não fosse à clínica. Por duas razões, uma, ajudava com seu pai, que não tolerava bem as mudanças de rotina. E dois, sentia como se lhe desse uma pequena distância quando se encontrasse com Rehv.
Não dormiu nada durante o dia. Enquanto jazia na escuridão, as imagens do depósito de cadáveres e a lembrança da forma em que havia soado fatigada a voz de Rehvenge eram uma diabólica equipe que corria desenfreada martelando em seu cérebro, fazendo rodar e mudar seus sentimentos até que lhe doeu o peito.
Estava realmente a caminho de encontrar-se com Rehvenge? Em sua casa? Como tinha acontecido isto?
Essas perguntas ajudaram-na a recordar que só ia lhe entregar remédios. Isto se tratava de prestar cuidados de nível clínico, de enfermeira a paciente. Pelo amor de Deus, ele esteve de acordo com ela que não deveria encontrar-se com ninguém, e, não era como se a tivesse convidado para jantar. Estava lhe levando as pílulas e tentaria persuadi-lo a ir ver Havers. Isso era tudo.
Após verificar como estava seu pai e lhe dar seu medicamento, se desmaterializou para a calçada defronte ao edifício Commodore situado no meio do centro. De pé entre as sombras, levantou o olhar para o lado liso e brilhante da alta torre, e a surpreendeu o contraste entre este e o sórdido lugar ao rés do chão que ela alugava.
Caramba… Viver entre todo esse cromado e vidro custava dinheiro. Muito dinheiro. E Rehvenge tinha um apartamento de cobertura. Além disso, esta devia ser só uma das propriedades que possuía, porque nenhum vampiro em seu juízo perfeito dormiria rodeado por todas essas janelas durante as horas diurnas.
A linha divisória entre a gente normal e a gente rica parecia tão longa como a distância entre onde ela estava parada e onde se supunha que Rehvenge a esperava, e por um breve momento se entreteve com a fantasia de que sua família ainda tinha dinheiro. Possivelmente dessa forma, estaria levando algo diferente de seu casaco barato de inverno e sua uniforme.
Enquanto permanecia na rua, muito abaixo de Rehvenge, parecia-lhe impossível que tivesse conectado com ele como tinha feito, mas em definitivo, o telefone era uma relação virtual, só um degrau mais acima de estar online. Cada pessoa estava em seu próprio ambiente, invisíveis um ao outro e só suas vozes se mesclavam. Era uma falsa intimidade.
Realmente tinha roubado pílulas para este macho?
Verifique seus bolsos, imbecil, pensou.
Com uma maldição, Ehlena se materializou no terraço do apartamento de cobertura, aliviada de que a noite estivesse relativamente tranqüila. De outro modo, com o frio que fazia qualquer vento ali em cima…
Que… Demônios?
Através dos inumeráveis painéis de vidro, o resplendor de centenas de velas convertia a noite escura em uma névoa dourada. Dentro, as paredes do apartamento de cobertura eram negras, e havia… Coisas penduradas delas. Coisas como um gato de nove caudas[49] feito de metal, chicotes de couro e máscaras… E havia uma mesa grande, de aparência antiga que estava… Não, espera, isso era uma mesa de tortura, verdade? Com correias de couro pendurando dos quatro cantos.
OH… Demônios, não. Rehvenge gostava desta merda?
Bom. Mudança de planos. Deixaria os antibióticos, certo, mas seria enfrente a uma dessas portas corrediças, porque não havia maneira de que entrasse aí dentro. De. Nenhuma. Fodida. Maneira…
Um tremendo macho com cavanhaque saiu do banheiro, secando as mãos e endireitando as calças de couro enquanto ia para a mesa de tortura. Com um salto ágil, subiu à coisa e logo começou a prender um dos grilhões ao tornozelo.
Isto estava se tornando mais doentio. Um trio?
— Ehlena?
Ehlena girou tão rapidamente que golpeou o quadril contra a parede que rodeava todo o trecho. Quando viu quem era, franziu o cenho.
— Doutora Jane? — disse, pensando que essa noite estava passando rapidamente dos “Oh, demônios, não” diretamente ao território de QCP[50] — O que está…?
— Acredito que está no lado errado do edifício.
— Lado errado… Oh, espere, este não é o apartamento de Rehvenge?
— Não, de Vishous e meu. Rehv está do lado leste.
— Oh… — tinha as bochechas vermelhas. Muito vermelhas, e não por causa do vento — Lamento muito, me haver equivocado…
A doutora fantasmal riu.
— Está bem.
Ehlena voltou a olhar o vidro, mas logo afastou a vista rapidamente. Sem dúvida, esse era o Irmão Vishous. Que tinha olhos diamantinos e tatuagens no rosto.
— O lado leste é o que quer.
O que Rehv havia dito, verdade?
— Irei ali agora mesmo.
— Convidaria a cortar caminho, mas…
— Sim. Será melhor que vá por mim mesma.
A doutora Jane sorriu com uma boa dose de malícia.
— Penso que será melhor.
Ehlena se acalmou e se desmaterializou para a parte correta do prédio, pensando, a Doutora Jane era uma dominatrix?
Bem, coisas mais estranhas tinham acontecido.
Quando recuperou sua forma, quase teve medo de olhar através do vidro, tendo em conta o que acabara de ver. Se Rehvenge tinha mais do mesmo — ou pior ainda, coisas como roupa de senhora do tamanho de um macho, ou plumas de aves movendo-se por toda parte — não sabia se seria capaz de relaxar-se o bastante para desmaterializar seu traseiro fora dali.
Mas não. Nenhum Ru-Paul[51]. Nada que necessitasse um coche ou uma cerca. Só um encantador e moderno interior feito com esse tipo de móveis suaves e singelos que deviam ter vindo da Europa.
Rehvenge apareceu através de uma arcada e se deteve ao vê-la. Quando levantou a mão, a porta corrediça de vidro diante dela se abriu porque ele dispôs com sua mente, e pôde captar um aroma maravilhoso proveniente do apartamento de cobertura.
Era… Rosbife?
Rehvenge se aproximou, movendo-se com andar suave, embora dependesse de sua bengala. Esta noite, levava um suéter negro de gola alta que evidentemente era de caxemira e um impactante terno negro, e com sua roupa fina, parecia saído da capa de uma revista, sofisticado e sedutor, um absoluto impossível.
Ehlena se sentia uma parva. Vendo-o ali em seu belo apartamento, não que pensasse estar abaixo dele. Era somente que estava claro que não tinham nada em comum. Que tipo de delírio a tinha golpeado quando falaram ou se viram na clínica?
— Bem vinda. — Rehvenge se deteve na porta e estendeu a mão para ela — Teria te esperado fora, mas faz muito frio para mim.
Dois mundos totalmente diferentes, pensou ela.
— Ehlena?
— Sinto muito. — devido a que seria grosseiro não fazê-lo, pôs a mão na dele e entrou no apartamento de cobertura. Mas, em sua mente, já o tinha abandonado.

Quando as palmas se encontraram, Rehv se sentiu atracado, assaltado, roubado, quebrado e registrado: não sentiu nada quando suas mãos se fundiram, e desejava desesperadamente poder sentir o calor de Ehlena. De todos os modos, apesar de estar intumescido, o simples fato de olhar como suas peles entravam em contato foi suficiente para fazer seu peito chispar como se fosse aparas de aço brilhante.
— Olá. — disse ela com um tom rouco enquanto ele a atraía dentro.
Fechou a porta e continuou agarrando sua mão até que ela rompeu o contato, aparentemente para dar uma volta e dar uma olhada ao lugar. Entretanto, pressentia que ela necessitava espaço físico.
— A vista aqui é extraordinária. — disse detendo-se para olhar fixamente a vista da cidade cintilante que se estendia ante ela — Gracioso, mas aqui de cima se parece com uma maquete.
— Estamos alto, isso é certo. — olhava-a com olhos obsessivos, absorvendo-a através de sua vista — Adoro a vista. — murmurou.
— Posso ver por que.
— E é tranqüilo. — privado. Só eles e ninguém mais no mundo. E, estando a sós com ela aqui e agora, quase podia acreditar que todas as coisas sujas que tinha feito foram crimes cometidos por um estranho.
Ela sorriu um pouco.
— Sem dúvida que é tranqüilo. No apartamento ao lado estão utilizando mordaças de bola… Né…
Rehv riu.
— Equivocou-se de lado do edifício?
— Eu que o diga.
Esse rubor indicou que tinha visto algo mais que meros objetos inanimados da coleção Bondage-R-us[52] de brinquedos de V e de repente Rehv ficou mortalmente sério.
— É necessário que fale com meu vizinho?
Ehlena sacudiu a cabeça.
— Não foi sua culpa, e felizmente ele e Jane não haviam… Er, começado. Graças a Deus.
— Pelo que vejo você não gosta muito desse tipo de coisas.
Ehlena voltou a cravar o olhar no panorama.
— Ouça, eles são pessoas adultas, assim está tudo bem. Mas, eu pessoalmente? Nunca na vida.
Falando de romper o clima. Se o BDSM[53] era muito para ela, supunha que isso queria dizer que não compreenderia o fato de que ele fodia a uma fêmea a que odiava como forma de pagamento à chantagem que lhe fazia. Que, casualmente era sua meio-irmã. Oh, e que era uma symphath.
Igual a ele.
Seu silêncio a fez voltar à cabeça sobre o ombro.
— Sinto muito. Ofendi a você?
— Tampouco o pratico. — oh, absolutamente. Ele era uma puta com padrões… A merda da perversão era adequada unicamente se fosse forçado a isso. Ao caralho com a sexualidade extrema de mútuo acordo que praticavam V e sua companheira. Sim, porque isso estava simplesmente mal.
Cristo, ele estava muito abaixo dela.
Ehlena perambulou pelo lugar, seus sapatos de suave revestimento não faziam nenhum som no chão de mármore negro. Enquanto a olhava, deu-se conta de que sob o casaco de lã negro tinha o uniforme. O que era lógico, observou a si mesmo, se depois tinha que ir trabalhar.
Vamos, disse-se. Pensou realmente que ficaria toda a noite?
— Posso pegar seu casaco? — disse, sabendo que devia ter calor — Tenho que manter este lugar mais quente do que a maioria das pessoas acha cômodo.
— Na verdade… Deveria partir. — colocou a mão no bolso — Só vim trazer a penicilina.
— Esperava que ficasse para jantar.
— Sinto muito. — estendeu-lhe uma bolsa de plástico — Não posso.
Uma imagem relâmpago da princesa se ativou no cérebro de Rehv, e se recordou quão bem se sentia ao fazer o correto com Ehlena… Apagando seu número de telefone. Não tinha nada que fazer cortejando-a. Nada absolutamente.
— Compreendo. — pegou as pílulas — E, obrigado por estas.
— Tome duas e quatro vezes ao dia. Dez dias. Promete-me isso?
Ele assentiu uma vez.
— Prometo-o.
— Bom. E trata de ir ver o Havers, fará?
Houve um momento de embaraçoso silêncio, até que ela levantou a mão.
— Bom… Então, adeus.
Ehlena girou, e ele abriu o painel de vidro com a mente, já que não confiava em si mesmo para aproximar-se muito dela.
Oh, por favor, não vá. Por favor, não, pensou.
Só queria sentir-se… Limpo durante um tempinho.
Após sair, ela se deteve e o coração de Rehv palpitou com força.
Ehlena olhou para trás, e o vento despenteou as mechas de cabelo pálido jogando-o para seu encantador rosto.
— Com comida. Deve tomar com a comida.
Correto. Informação médica.
— Tenho muita aqui.
— Bom.
Depois de fechar a porta, Rehv a olhou desaparecer nas sombras e teve que obrigar-se a dar a volta.
Andando lentamente e utilizando a bengala, caminhou ao longo da parede de vidro e girando em uma esquina foi para o resplendor da sala de jantar.
Havia duas velas acesas. Dois lugares dispostos com talheres de prata. Dois copos para vinho. Dois copos para água. Dois guardanapos dobrados precisamente e colocadas em cima de dois pratos.
Sentou-se na cadeira que teria oferecido a ela, a que estava a sua direita, a posição de honra. Apoiou a bengala contra sua coxa e deixou a bolsa de plástico na mesa de ébano, alisando-a com a mão para que os antibióticos descansassem um ao lado do outro em uma fila pulcra e ordenada.
Perguntou-se por que não vinham em uma garrafa laranja com uma etiqueta branca, mas de qualquer forma, ela os havia trazido. Isso era o principal.
Sentado ali no silêncio, rodeado pela luz das velas e o aroma do rosbife que acabava de tirar do forno, Rehv acariciou a bolsa de plástico com o indicador intumescido. Certo como a merda que estava sentindo algo. No ponto morto de seu peito, tinha uma dor atrás do coração.
Tinha realizado muitos atos malvados no curso de sua vida. Grandes e pequenos.
Tinha armado armadilhas a pessoas só para jogar com elas, fossem traficantes vagabundos transgredindo seu território, ou Johns que não tratavam bem a suas putas, ou idiotas que andavam fodendo em seu clube.
Havia provido a outros de seus vícios, para tirar benefícios. Vendia drogas. Vendia sexo. Vendia morte em forma das habilidades especiais de Xhex.
Havia fodido por todas as razões equivocadas.
Tinha mutilado.
Tinha assassinado.
E ainda assim, nada disso o tinha incomodado em seu momento. Não houvera dúvidas, nem arrependimentos, nada de empatia. Só mais esquemas, mais planos, mais ângulos para ser descobertos e explorados.
Não obstante, aqui ante essa mesa vazia, nesse apartamento de cobertura vazio, sentia dor no peito e sabia o que era: saudade.
Teria sido extraordinário merecer a Ehlena.
Mas, isso era só mais uma coisa que não ia sentir jamais.

Capítulo 27


Quando a Irmandade se reuniu no escritório, Wrath manteve o olhar sobre John de seu vantajoso posto atrás da supérflua mesa de escritório. Ao outro lado, o menino parecia um animal que fora atropelado na estrada. Seu rosto estava pálido, seu grande corpo imóvel e não participava da discussão. O aroma de suas emoções era a pior parte disso, pensou: não havia nenhum. Nem a dentada picante e vigorosa da ira. Nem o ácido e defumado sopro da tristeza. Nem sequer um pingo do aroma azedo do medo.
Nada. Enquanto se encontrava entre os Irmãos e seus dois melhores amigos, permanecia isolado por sua falta de reação e ensimesmado indiferente… Estava com eles, mas não realmente.
Não de forma proveitosa.
A dor de cabeça de Wrath que como seus olhos, seus ouvidos e sua boca parecia estar permanentemente presa a seu crânio, realizou um renovado assalto a suas têmporas, e ele se sentou bem erguido na cadeira para mariquinhas com a esperança de que um ajuste na posição de sua coluna pudesse aliviar a pressão.
Não teve sorte.
Possivelmente uma amputação de crânio serviria. Deus sabia que Doutora Jane era boa com a serra.
Em frente, na feia poltrona verde, Rhage mordeu com força um Tootsie Pop, rompendo um dos muitos silêncios incômodos que tinham marcado a reunião.
— Tohr não pode ter ido longe. — murmurou Hollywood — Não está suficientemente forte.
— Verifiquei no Outro Lado. — disse Phury do alto-falante do telefone — Não está com as Escolhidas.
— Que tal se dermos uma volta por sua antiga casa? — sugeriu Butch.
Wrath balançou a cabeça.
— Não posso imaginar que queira ir ali. Muitas lembranças.
Merda, nem sequer a menção do lar em que John passara algum tempo despertou algo no menino. Mas ao menos, finalmente, escurecera assim podiam sair a procurar o Tohr.
— Eu fico se por acaso voltar. — disse Wrath no momento em que se abriam as portas duplas e V entrava dando pernadas — Quero que o resto de vocês saia para buscá-lo na cidade, mas antes de ir, deixemos que nossa própria Katie Couric  nos ponha em dia. — fez um gesto com a cabeça para Vishous — Katie?
O olhar furioso de V foi a versão ocular de um dedo médio completamente estendido, mas procedeu com o relatório.
— Ontem à noite, no registro policial, houve uma denúncia registrada por um detetive de homicídios. Um cadáver foi achado no lugar onde se encontraram as caixas de armas. Humano. Entregador de pizzas. Com uma única ferida de faca no peito. Não há dúvida de que o pobre bastardo se topou com algo que não devia. Acabo de piratear os detalhes do caso e o que acreditam? Descobri uma anotação a respeito de uma mancha negra e oleosa que encontraram na parede próxima à porta. — ouviram-se várias maldições resmungadas, muitas das quais incluíam a palavra com F — Sim, bem, agora vem a parte interessante. A polícia assentou que uma Mercedes foi vista no estacionamento aproximadamente duas horas antes que o gerente do Domino’s chamasse para denunciar que um de seus empregados não havia retornado depois de levar o pedido a esse endereço. E, uma das vizinhas viu um homem loiro, obviamente, entrar nele com outro cara de cabelo escuro. Disse que era estranho ver esse tipo de sedã ostentoso na área.
— Uma Mercedes? —perguntou Phury do telefone.
Rhage, tendo triturado outro pirulito, para regozijo de sua alteza, lançou um palito branco dentro do lixo de papel.
— Sim, desde quando a Sociedade Lessening investe essa quantidade de efetivo em suas rodas?
— Exato. — disse V — Não faz sentido. Mas aqui vem a merda. Também há testemunhas que reportaram ter visto um Escalade negro de aspecto suspeito à noite anterior… E a um homem de negro tirando… Oh, caramba! Não me diga que eram… Caixas? Sim, quatro malditas caixas da parte traseira desse grupo de quatro apartamentos.
Quando seu companheiro de quarto olhou fixa e intencionadamente ao Butch, o polícia sacudiu a cabeça.
— Mas não fazem menção a que tenham as placas da Escalade. E nem bem cheguei troquei o jogo de placas que tinha posto. Quanto a Mercedes? As testemunhas confundem as coisas todo o tempo. É possível que o loiro e o outro homem não tenham tido nada a ver com o assassinato.
— Bom, vou manter um olho atento sobre o assunto. — disse V — Não acredito que exista a  possibilidade que a polícia vá relacioná-lo com algo que envolva ao nosso mundo. Demônios, muitas coisas deixam manchas negras, mas é melhor estar preparados.
— Se o detetive deste caso é o que estou pensando, é um dos bons. — disse Butch tranqüilamente — Um muito bom.
Wrath ficou em pé.
— OK, o sol se pôs. Saiam daqui. John, quero falar um momento contigo em particular.
Wrath esperou que as portas se fechassem depois do último de seus irmãos antes de falar.
— Vamos encontrá-lo, filho. Não se preocupe. — não houve resposta — John? O que te passa?
O menino só cruzou os braços sobre seu peito e ficou olhando fixamente para frente.
— John…
John desdobrou as mãos e gesticulou algo que ante os piorados olhos de Wrath pareceu ser: Vou sair com os outros.
 — É um demônio! — isso fez que John girasse a cabeça abruptamente — Sim, isso não ocorrerá, dado que é um zumbi. E vai se foder a outro lado com seus “estou bem”. Se pensar durante sequer meio segundo que vou deixar que saia para brigar, está malditamente muito enganado.
John caminhou ao redor do escritório como se estivesse tratando de controlar a si mesmo. Finalmente se deteve e gesticulou: Não posso estar aqui neste momento. Nesta casa.
Wrath franziu o cenho e tratou de interpretar o que lhe havia dito, mas todo esse franzir de sobrancelhas só provocou que sua dor de cabeça cantasse como uma soprano.
— Sinto muito, o que foi o que disse?
John abriu a porta de um puxão, e um segundo depois entrou Qhuinn. Houve muitos movimentos de mãos e logo Qhuinn limpou a garganta.
— Diz que esta noite não pode estar nesta casa. Simplesmente não pode.
— Ok, então vá a algum clube, consiga uma garota e usa a boca nela até que desmaie. Mas nada de lutar. — Wrath elevou uma prece silenciosa de agradecimento porque Qhuinn estivesse grudado ao lado do menino — E, John… Vou encontrá-lo.
Mais sinais, e logo John se voltou para a porta.
— O que disse, Qhuinn? — perguntou Wrath.
— Ah… Disse que não lhe importa se o faz.
— John, não diz a sério.
O menino deu a volta, gesticulou e Qhuinn traduziu.
— Diz que, sim, que realmente diz a sério. Diz… Que já não pode seguir vivendo assim… Esperando, cada noite e cada dia, perguntando-se quando entra no quarto, se Tohr se… John vai um pouco mais devagar… Ah… Se o macho se pendurou ou se foi-se novamente. Embora volte… John diz que para ele terminou. Que foi abandonado muitas vezes.
Difícil argumentar contra isso. Ultimamente Tohr não tinha sido um pai muito bom, tendo sido seu único lucro nesse campo a criação da próxima geração de mortos viventes.
Wrath fez uma careta de dor e esfregou as têmporas.
— Olhe filho, não sou um eminente cientista, mas pode falar comigo.
Houve um comprido, extenso silêncio marcado por um estranho aroma… Um aroma seco, quase rançoso… Saudade? Sim, isso era saudade.
John fez uma pequena reverência como em sinal de agradecimento e logo se escapuliu pela porta.
Qhuinn vacilou.
— Não o deixarei brigar.
— Então lhe salvará a vida. Porque se pegar as armas no estado em que está agora, voltará para casa em uma caixa de tábuas.
— Roger.
Quando a porta fechou, a dor rugiu nas têmporas de Wrath, obrigando-o a sentar-se.
Deus, tudo o que queria fazer era ir ao quarto que ele e Beth compartilhavam meter-se em sua enorme cama e deixar a cabeça cair sobre os travesseiros que cheiravam a ela. Queria chamá-la e lhe rogar que se unisse a ele só para poder abraçá-la. Queria ser perdoado.
Queria dormir.
Em lugar disso, o rei voltou a levantar-se, pegou as armas que estavam no chão ao lado da mesa de escritório, e as fixou sobre seu corpo. Deixando o escritório com sua jaqueta de couro na mão, desceu a escada principal e saiu do vestíbulo para a noite amarga. Pelo que via, a dor de cabeça o acompanharia onde quer que fosse assim bem podia fazer algo útil e sair em busca de Thor.
Quando vestiu o casaco, invadiu-o a lembrança de sua shellan e o lugar aonde tinha ido à noite anterior.
Santa merda. Sabia exatamente onde Thor estava.

Ehlena tinha a intenção de deixar o terraço de Rehvenge imediatamente, mas, enquanto entrava nas sombras, teve que olhar para o apartamento de cobertura. Através da fileira de vidros, viu o Rehvenge voltar-se e caminhar devagar ao longo do ático do apartamento...
Bateu fortemente a tíbia contra algo.
— Demônios!
Saltando em um pé, esfregou a perna e lançou um tempestuoso olhar à caixa de mármore contra a qual bateu.
Quando se endireitou, esqueceu de toda a dor.
Rehvenge tinha entrado em outra sala e se deteve frente a uma mesa posta para dois. Havia velas resplandecendo no meio do brilho dos cristais e a prataria, a longa parede de vidro deixava ver todo o incômodo que teve por ela.
— Demônios… — sussurrou.
Rehvenge se sentou tão lenta e deliberadamente como tinha caminhado, olhando para trás primeiro, para assegurar-se de que a cadeira estava onde deveria estar para logo agarrá-la com ambas as mãos e sentar-se. Deixou a bolsinha que lhe deu sobre a mesa, e enquanto parecia acariciá-la, a gentileza de seus dedos contradizia esses fortes ombros e ao escuro poder que era inerente ao seu duro rosto.
Ao olhá-lo fixamente, Ehlena já não sentiu o frio, nem o vento nem a dor na tíbia. Banhado pela luz da vela, com a cabeça inclinada para baixo tinha um perfil poderoso e alinhado, Rehvenge era incalculavelmente belo.
Abruptamente, sua cabeça se elevou e a olhou diretamente, apesar dela estar na escuridão.
Ehlena retrocedeu e sentiu a parede do terraço contra o quadril, mas não se desmaterializou. Nem sequer quando ele pôs a bengala no chão e se levantou em toda sua estatura.
Nem sequer quando abriu a porta a sua frente com sua vontade.
Necessitava ser uma melhor mentirosa que ela para pretender que somente estava admirando a noite. E não era uma covarde para sair fugindo.
Ehlena se aproximou.
— Não tomou nenhuma pílula.
— É isso o que está esperando?
Ehlena cruzou os braços sobre o peito.
— Sim.
Rehvenge olhou para a mesa e aos pratos vazios.
— Disse que devem ser tomadas com a comida.
— Sim, disse.
— Bom, então, parece que me vai olhar comer. — o elegante movimento de seu braço convidando-a a entrar era uma provocação que ela não queria aceitar — Se sentará comigo? Ou quer ficar aqui fora no frio? Oh, espere, possivelmente isto ajude. — inclinando-se sobre sua bengala, foi e soprou as velas.
As sinuosas ondas de fumaça que se formaram sobre as mechas pareceram um lamento por todas as possibilidades extintas de coisas que podiam ter sido: tinha preparado um agradável jantar para ambos. Fizera o esforço. Vestiu-se belamente.
Entrou porque já lhe tinha arruinado bastante o encontro amigável.
— Sente-se. — disse — Voltarei com meu prato. A menos que…
— Já comi.
 Inclinou-se ligeiramente quando ela afastou uma cadeira.
— É obvio que o fez.
Rehvenge deixou a bengala contra a mesa e saiu, apoiando-se nos encosto das cadeiras, no aparador e no batente da porta de serviço que levava a cozinha. Quando voltou uns minutos depois, repetiu a seqüência com a mão livre e logo se sentou na cadeira à cabeceira da mesa com cuidadosa concentração. Levantando um lustroso garfo de prata esterlina, e sem dizer uma palavra cortou cuidadosamente a carne e comeu com circunspeção e educação.
Cristo! Sentia-se como a cadela da semana, sentada frente a um prato vazio enquanto seu casaco seguia completamente abotoado.
O som do roçar da prata contra a porcelana fazia que o silêncio entre eles parecesse gritar.
Acariciando o guardanapo que tinha em frente, sentiu-se horrível por muitas coisas, e, embora não era muito faladora se encontrou falando porque simplesmente já não podia guardar tudo por mais tempo.
— A noite de anteontem…
— Mmmmm? — Rehvenge não a olhou, seguiu enfocado em seu prato.
— Não me deixaram plantada. Já sabe, naquele encontro.
— Bem, bom para você.
— Ele foi assassinado.
Rehvenge levantou bruscamente a cabeça.
— O que?
— Stephan, o macho com o que devia encontrar… Foi assassinado pelos lessers. O rei trouxe o corpo, mas não soube que se tratava dele até que o seu primo chegou buscando por ele. Eu… Ah, ontem à noite passei meu turno preparando o corpo e devolvendo-o à família. — sacudiu a cabeça — O tinham golpeado… Não era possível adivinhar de quem se tratava.
Sua voz se rompeu a impedindo de continuar, por isso simplesmente ficou ali sentada acariciando o guardanapo, com a esperança de poder apaziguar a si mesma
Dois sutis tinidos evidenciaram o fato de que o garfo e a faca de Rehv  tinham pousado sobre o prato, e logo estendeu a mão para ela, colocando-a solidamente sobre seu antebraço.
— Maldição! Sinto-o muitíssimo. — disse — Com razão não está de humor para tudo isto. Se o tivesse sabido...
— Não, está bem. De verdade. Deveria tê-lo encarado melhor ao chegar. É só que esta noite estou algo ausente. Não sou eu mesma para nada.
Deu-lhe um apertão no braço e se acomodou de novo na cadeira como se não quisesse invadir seu espaço. Coisa que normalmente ela teria gostado, mas essa noite lhe pareceu uma lástima… Para usar uma palavra que ele desfrutava. O peso de seu contato através do casaco tinha sido muito agradável.
E falando disso, estava sentindo muito calor.
Ehlena desabotoou e tirou o saco de lã dos ombros.
— Faz calor aqui.
— Como disse antes, posso esfriar as coisas para você.
— Não. — franziu o cenho, e o olhou — Por que sempre tem frio? Efeitos secundários da Dopamina?
Ele assentiu.
— É também a razão pela qual necessito a bengala. Não posso sentir meus braços nem minhas pernas.
Não tinha ouvido de muitos vampiros que tivessem essa reação ante a droga, mas em definitivo, as reações individuais eram uma legião. E, além disso, a versão vampírica do Parkinson era uma enfermidade muito desagradável.
Rehvenge afastou seu prato e ambos permaneceram em silêncio durante um longo momento. À luz das velas, parecia de certa forma embaçado, sua energia habitual minguada, seu humor muito sombrio.
— Você tampouco parece o de sempre. — disse — Não é que o conheça tanto, mas parece…
— Como?
— Como eu me sinto. Como em um estado comatoso e ambulatorial.
Teve um rápido e breve acesso de riso.
— Isso é tão apropriado.
— Quer falar disso…
— Quer comer algo…
Ambos riram e deixaram de falar.
Rehvenge moveu a cabeça.
— Olhe, deixa que traga um pouco de sobremesa. É o menos que posso fazer. E não é um encontro para jantar. As velas estão apagadas.
— De fato, sabe algo?
— Mentiu a respeito de ter comido antes de vir e agora está faminta?
Ela riu novamente.
— Descobriu.
Quando seus olhos cor ametista se cravaram aos dela, o ambiente entre eles mudou e teve a sensação de que via muitas coisas, muitas. Especialmente quando disse com um enigmático tom de voz:
— Deixará que te alimente?
Hipnotizada, cativada, sussurrou:
— Sim. Por favor.
Seu sorriso revelou compridas e brancas presas.
— Essa é exatamente a resposta que procurava.
Qual o sabor do sangue dele em sua boca? Perguntou-se em um arrebatamento.
Rehvenge emitiu um grunhido no fundo da garganta, como se soubesse exatamente o que estava pensando. Mas não disse nada a respeito e erguendo-se em toda sua grande estatura foi à cozinha.
Quando retornou com seu prato, tinha arrumado para compor-se um pouco mais, embora quando colocou a comida frente a ela, o odorzinho de especiarias que flutuava a seu redor era muito delicioso… E não tinha nada que ver com o que tinha cozinhado para ela.
Decidida a manter-se centrada, Ehlena colocou o guardanapo no colo e provou a carne assada.
— Deus meu, isto está fabuloso.
— Obrigado. — disse Rehv enquanto se sentava — É a forma que a faz sempre a doggen de nossa mansão. Coloca o forno a duzentos e quarenta graus e coloca a carne, por meia hora, em seguida o apaga e o deixa repousar. Não se pode abrir a porta para ver como está. Essa é a regra, e tem que confiar na receita. Duas horas depois?
— O paraíso.
— O paraíso.
Ehlena riu quando a mesma palavra saiu da boca de ambos ao mesmo tempo.
— Bem, está realmente boa. Derrete na boca.
— Em altares da verdade, para que não pense que sou um chef, isto é o único que sei cozinhar.
— Bom, faz uma coisa à perfeição, e é mais do que algumas pessoas podem dizer.
Ele sorriu e baixou a vista para as pílulas.
— Se tomo uma agora, vai embora em seguida ao jantar?
— Se disser que não, dirá por que está tão calado?
— É uma tenaz negociadora.
— Só estou convertendo em uma via de duplo sentido. Já te contei o que me preocupava.
A tristeza escureceu seu rosto, provocando que sua boca esticasse e que as sobrancelhas se unissem formando um cenho.
— Não posso falar disso.
— Certamente que pode.
Seus olhos, agora endurecidos, caíram sobre ela.
— Da mesma forma em que você pode falar de seu pai?
Ehlena baixou o olhar a seu prato e tomou especial cuidado cortando uma parte de carne.
— Sinto. — disse Rehv — Eu… Merda.
— Não, está bem. — embora não estava — Às vezes pressiono muito. É algo muito bom quando está trabalhando no cuidado da saúde. Mas não tão bom quando se trata do plano pessoal.
Enquanto o silêncio se instalava novamente entre eles, apressou-se a comer, pensando em ir assim que terminasse.
— Estou fazendo algo do que não me sinto orgulhoso. — disse ele abruptamente.
Ela levantou o olhar. A expressão dele era definitivamente perversa, o asco e o ódio convertendo-o em alguém que, se não soubesse que era de outra forma, lhe teria medo. Não obstante, nenhum dos malignos olhares era dirigido para ela. Era uma manifestação do que sentia por si mesmo. Ou para outro.
Sabia que não seria inteligente pressioná-lo. Especialmente dado seu humor.
Por isso se surpreendeu quando ele disse:
— É algo que segue vigente.
Perguntou-se se seria pessoal ou um assunto de negócios.
Levantou os olhos para olhá-la.
— Está relacionado com certa fêmea.
Certo. Uma fêmea.
Ok, não tinha direito a sentir essa fria pressão ao redor do peito. Não era assunto dela que ele já estivesse envolvido com alguém. Nem que fosse um jogador que interpretava este jantar com carne assada, luz de velas, e sedução especial para só Deus sabia quantas fêmeas diferentes.
Ehlena clareou a garganta e baixou a faca e o garfo. Enquanto limpava a boca com o guardanapo, disse:
 — Uau. Sabe nunca me ocorreu perguntar se estava emparelhado. Não tem um nome nas costas...
— Não é minha shellan. E não a amo no mais mínimo. É complicado.
— Têm um filho em comum?
— Não, graças a Deus.
Ehlena franziu o cenho.
— Entretanto, se trata de uma relação?
— Suponho que pode chamar assim.
Sentindo-se como uma absoluta e delirante idiota perdida por ter se enrolado com ele, Ehlena pôs o guardanapo sobre a mesa ao lado do prato e lhe ofereceu um sorriso muito profissional enquanto ficava de pé e tomava seu casaco.
— Deveria ir agora. Obrigado pelo jantar.
Rehv amaldiçoou.
— Não devia ter dito nada…
— Se seu objetivo era me colocar na cama, tem razão. Foi um mau movimento. Ainda assim agradeço que foi honesto…
— Não estava tratando de te levar a cama.
— Oh, claro que não, porque estaria enganando-a. — Cristo, por que estava se incomodando tanto por isso?
— Não, — estalou em resposta — é porque sou impotente. Acredite-me, se pudesse ter uma ereção, a cama seria o primeiro lugar aonde queria ir contigo.


Capítulo 28


— Passar o tempo contigo é como observar a pintura secar. — a voz de Lassiter reverberou para cima, às estalactites que pendiam do alto teto da Tumba — Porém, sem a reforma da casa… O que é uma tragédia, visto como está este lugar. Meninos sempre primam por pessimismo e tristeza? Nunca ouviram falar do Pottery Barn[54]?
Tohr esfregou o rosto e percorreu a cova com o olhar, que durante séculos servira como lugar sagrado de reunião para a Irmandade. Atrás do volumoso altar de pedra ao lado do qual estava sentado, corria a parede de mármore negro que continha todos os nomes dos Irmãos, estendendo-se ao longo da parte de trás da cova. Velas negras em pesados suportes projetavam uma luz flutuante sobre todas as gravuras feitas na Antiga Língua.
— Somos vampiros. — disse — Não fadas.
— Às vezes não estou tão seguro disso. Viu esse escritório em que seu Rei costuma estar?
— É quase cego.
— O que explica por que não pendurou a si mesmo dentro desse terrível destroço de cor creme.
— Acreditei que estivesse se queixando da decoração de estilo pessimismo e tristeza?
— Estou associando livremente[55].
— Evidentemente. — Tohr não olhou ao anjo, já que imaginou que o contato visual só animaria ao cara. Oh, espera. Lassiter não necessitava ajuda nisso.
— Espera que essa caveira que há no altar fale contigo ou alguma merda assim?
— Na realidade nós dois esperamos que por fim tome um fôlego. — Tohr olhou furioso ao cara — Quando estiver preparado. Quando quiser.
— Diz as coisas mais doces. — o anjo sentou seu radiante traseiro em um dos degraus de pedra ao lado de Tohr — Posso te perguntar algo?
— A sério o “não” é uma opção?
— Não. — Lassiter mudou de posição e olhou fixamente à caveira — Essa coisa parece mais velha que eu. O que é dizer muito.
— Foi o primeiro Irmão, o primeiro guerreiro que combateu ao inimigo com valentia e poderio, é o símbolo mais sagrado de força e propósito que a Irmandade tem.
Lassiter deixou de chatear por uma vez.
— Deve ter sido um grande guerreiro.
— Pensei que iria perguntar-me algo.
O anjo ficou de pé com uma maldição e sacudiu as pernas.
— Sim, quero dizer… Como culhões pode permanecer sentado aí durante tanto tempo? O traseiro me está matando.
— Sim, as cãibras cerebrais são uma merda.
Embora o anjo tivesse razão quanto ao tempo transcorrido, Tohr esteve sentado ali, olhando fixamente a caveira e a parede de nomes mais à frente do altar, durante tanto tempo que, não que seu traseiro estivesse intumescido, mas, já não podia distingui-lo de maneira separada aos degraus.
Chegou à noite anterior, atraído por uma mão invisível, forçado a procurar a inspiração, a clareza e a re-conexão à vida. Em troca, encontrou só pedra. Pedra fria. E um montão de nomes que uma vez significara algo para ele e agora não eram nada mais que uma lista repleta de mortos.
— É porque está olhando no lugar errado. — disse Lassiter.
— Já pode ir.
— Cada vez que diz isso, faz aflorar uma lágrima em meus olhos.
— Que gracioso, aos meus também.
O anjo se inclinou e a essência de ar fresco o precedia.
— Nem essa parede nem essa caveira lhe darão o que está procurando.
Tohr entrecerrou os olhos e desejou ser o suficientemente forte para lutar contra o anjo.
— Não o farão? Bem, então o estão convertendo em um mentiroso. “Chegou o momento”. “Esta noite tudo muda”. Por tua culpa os presságios estão ficando maus, sabe? Só é um mentiroso filho da puta.
Lassiter sorriu e ociosamente acomodou o aro de ouro que perfurava sua sobrancelha.
— Se pensa que sendo grosseiro obterá minha atenção, estará verdadeiramente aborrecido antes que me importe.
— Porra, por que está aqui? — o esgotamento de Tohr se estendeu até sua voz, debilitando-a e lhe enchendo o saco — Por que demônio não me abandonou onde me encontrou?
O anjo subiu os degraus negros de mármore e passeou de cima abaixo diante da lustrosa parede com os nomes gravados, detendo-se de vez em quando para inspecionar um ou dois.
— O tempo é um luxo, acredite ou não. — disse.
— Percebo-o mais como uma maldição.
— Sem tempo, sabe o que obtém?
— O Fade. Que era aonde me dirigia até que chegou.
Lassiter percorreu com o dedo uma linha gravada de caracteres e Tohr afastou o olhar rapidamente quando se deu conta do que soletravam. Era seu nome.
— Sem tempo, — disse o anjo — fica só o abismal e nebuloso pântano da eternidade.
— PTI[56], a filosofia me aborrece.
— Não é filosofia. É realidade. O tempo é o que dá significado à vida.
— Que se dane. Sério... Que se dane.
Lassiter inclinou a cabeça, como se ouvisse algo.
— Por fim. — murmurou — O bastardo estava me voltando louco.
— Perdão?
O anjo voltou a aproximar-se, inclinou-se diretamente frente à cara de Tohr, e disse com clara dicção:
— Escute raiozinho de sol. Sua shellan, Wellsie, me enviou. Esse é o motivo pelo qual não te deixei morrer.
O coração de Tohr se deteve no peito justo quando o anjo elevava o olhar e dizia:
— Por que demorou tanto?
Os shitkickers de Wrath retumbaram ao descer para o altar e respondeu com um tom de voz vexado.
— Bem, a próxima vez diga a alguém onde merda estará…
— O que disse? — resfolegou Tohr.
Quando voltou a se focar nele, Lassiter não parecia minimamente arrependido.
— Não é essa parede que deveria estar olhando. Tenta um calendário. Faz um ano que o inimigo disparou na cara de sua Wellsie. Porra, desperta de uma vez e faz algo a respeito.
Wrath amaldiçoou.
— Vamos, se acalme Lassi…
Tohrment se equilibrou do chão da cova com algo parecido à antiga força que uma vez teve, como se fosse um quarterback e golpeou Lassiter e apesar da diferença de peso, derrubou o anjo com força sobre o chão de pedra. Envolvendo as mãos ao redor da garganta do anjo, olhou fixamente dentro dos olhos brancos e descobrindo suas presas, apertou.
Lassiter se limitou a olhá-lo diretamente e verter sua voz diretamente no lóbulo temporal de Tohr: O que vai fazer, idiota? Vai vingá-la, ou desonrá-la te deixando esgotar assim?
A enorme mão de Wrath agarrou o ombro de Tohr como a garra de um leão, cravando-se, puxando para trás.
— Solte-o.
— Não... — o fôlego de Tohr saía a baforadas — Nunca… Volte…
— Já basta. — exclamou Wrath.
Tohr foi afastado para trás até que caiu de bunda, e, enquanto ricocheteava como um pau deixado cair ao chão saiu de seu transe assassino. Também recuperou o julgamento.
Não sabia de que outra maneira descrevê-lo. Foi como se algum interruptor fosse acionado e sua fileira de luzes, que esteve apagada, tivesse voltado para a vida repentinamente, plena de eletricidade outra vez.
O rosto de Wrath entrou em seu raio de visão, e Tohr o viu com uma clareza que não teve desde… Nunca.
— Está bem? — perguntou seu irmão — Aterrissou com força.
Tohr estendeu as mãos e percorreu os fortes braços de Wrath tratando de conseguir uma percepção da realidade. Jogou um olhar a Lassiter e logo olhou fixamente ao rei.
— Lamento... Isso.
— Está me tirando o sarro? Todos querem estrangulá-lo.
— Sabe, vou terminar com um complexo. — disse Lassiter entre tosses enquanto tentava recuperar o fôlego.
Tohr agarrou os ombros do rei.
— Ninguém diz nada a respeito dela. — gemeu — Ninguém diz seu nome, ninguém fala sobre… O que aconteceu.
Wrath segurou a nuca de Tohr e o sustentou.
— Por respeito a você.
Os olhos de Tohr foram para a caveira que havia sobre o altar e em seguida para a parede cinzelada. O anjo estava certo. Só havia um nome que podia lhe devolver a prudência, e não estava inscrito ali.
Wellsie.
— Como soube onde estávamos? — perguntou a seu rei, ainda concentrado na parede.
— Às vezes, as pessoas precisam retornar à origem. Onde tudo começou.
— É hora. — disse o anjo cansado em voz baixa.
Tohr contemplou a si mesmo, ao debilitado corpo por baixo das folgadas roupas. Era uma quarta parte do macho que tinha sido, possivelmente, inclusive menos. E isso não se devia só a todo o peso que perdera.
— Oh, Jesus… Olhe o que sou.
A resposta de Wrath foi clara e concisa.
— Se você está preparado, nós estamos preparados para que retorne.
Tohr olhou o anjo, precavendo-se pela primeira vez da aura dourada que o envolvia. O enviado do céu. O enviado de Wellsie.
 — Estou preparado. — disse, a ninguém em particular e a todo mundo em geral.

Enquanto Rehv olhava fixamente a Ehlena através da mesa, pensou: bem, ao menos depois que deixei cair a bomba não foi diretamente à saída.
Impotente não era uma palavra que quisesse usar frente a uma fêmea em que está interessado. A menos que fosse usar ao estilo tenor de: Porra, não, NÃO sou impotente.
Ehlena voltou a sentar-se.
— É… É por causa da medicação?
— Sim.
Os olhos dela o evitaram, como se estivesse fazendo cálculos mentais, e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi: Minha língua ainda funciona e também meus dedos.
Guardou esse pensamento para si.
— A dopamina tem um efeito estranho em mim. Em vez de estimular a testosterona, drena essa merda de meu corpo.
Os cantos da boca dela se estenderam para cima.
— O que vou dizer é absolutamente impróprio, mas considerando quão viril é sem ela…
— Seria capaz de te fazer amor. — disse quedamente — Assim é como seria.
Fulminou-o com um olhar cheio de: Santa merda acaba de dizer isso?
Rehv acariciou o moicano com uma mão.
— Não vou desculpar-me pelo fato de gostar de você, mas tampouco te faltarei o respeito tratando de fazer algo a respeito. Quer café? Já está preparado.
— Ah... Pois sim. — como se esperasse que pudesse lhe clarear a cabeça — Escute…
Deteve-se pela metade de levantar.
— Sim?
— Eu... Ah...
Quando ela não continuou, ele se encolheu de ombros.
— Só me permita trazer o café. Quero te servir. Faz-me feliz.
Dizer feliz era fodidamente pouco. Enquanto retornava à cozinha, uma flagrante satisfação atravessou seu torpor. O fato de estar alimentando-a com a comida que preparou para ela, lhe dando bebida para aliviar sua sede, lhe proporcionando um refúgio para o frio…
As narinas de Rehv captaram um aroma estranho, ao princípio pensou tratar-se da carne assada que deixara fora, devido a tê-la esfregado a parte exterior da carne com especiarias. Mas não… Não era isso.
Considerando que tinha outras coisas que se preocupar além de seu nariz, foi até os gabinetes e tirou uma xícara e um pires. Após servir o café, endireitou as lapelas da jaqueta…
E ficou gelado.
Elevou a mão para seu nariz, inalou profundamente e não pôde acreditar o que estava cheirando. Não podia ser possível…
Salvo que esse aroma só podia significar uma coisa, e não tinha nada a ver com seu lado symphath: a misteriosa fragrância que desprendia era o aroma da vinculação, a marca que os vampiros machos deixavam na pele e sexo de suas fêmeas a fim de que outros machos soubessem à ira de quem se exporiam se atreviam-se a aproximar-se.
Rehv baixou o braço e olhou para a porta de serviço, aturdido.
Quando chegava a certa idade, não esperava mais surpresas de seu corpo. Ao menos, não das positivas. Articulações trementes. Pulmões com falta de ar. Visão ruim. Certo, quando chegasse o momento. Mas realmente, durante os novecentos anos ou assim seguiam após a transição, tinha o que tinha.
Embora positivo pudesse não ser o termo exato que utilizaria para esta mudança.
Sem razão aparente, pensou na primeira vez que praticou sexo. Fora justamente após sua transição, e, quando o ato acabou estivera convencido de que a fêmea e ele se emparelhariam e viveriam juntos e felizes o resto de suas vidas. Era perfeitamente formosa, uma fêmea que o irmão de sua mãe trouxera para casa para que Rehv usasse quando entrasse na mudança.
Era morena.
Jesus, agora não podia recordar seu nome.
Ao recordar, com o que aprendera depois sobre machos, fêmeas e atração, sabia que a surpreendera com o fato de quão grande se tornara seu corpo após a mudança. Ela não esperava gostar do que viu. Não esperava desejá-lo. Mas o fez e se tornaram um casal, o sexo foi uma revelação, a sensação de toda essa carne, o ímpeto viciador, o poder que teve ao tomar o controle depois das primeiras duas vezes.
Descobriu ter uma lingüeta, e… Como ela estava tão ávida dele, não esteve certo de que notara que teve de esperar um pouco antes que pudesse retirar-se de seu interior.
O resultado foi que, sentiu-se em paz, muito contente. Mas não houvera desenlace de viveram-felizes-para-sempre. Com o suor ainda secando sobre o corpo, vestiu as roupas e se dirigiu à porta. Justamente quando se ia, sorriu docemente e disse que não cobraria de sua família pelo sexo.
Seu tio a tinha comprado para que o alimentasse.
Ao considerá-lo agora, parecia-lhe gracioso, era realmente uma surpresa onde tinha acabado? O sexo por conveniência tinha sido brocado em seu interior muito condenadamente cedo… Apesar de que esse primeiro ato sexual ou os seis primeiros foram por conta da casa, por assim dizer.
Por isso, se esse misterioso aroma significava que sua natureza vampira se vinculou com a Ehlena, não se tratava de boas notícias.
Rehv agarrou o café, e, cuidadosamente atravessou a porta de serviço com ele, saindo à sala de jantar. Quando o colocou frente a ela desejou tocar seu cabelo, mas em troca se sentou.
Ela levou a xícara aos lábios.
— Faz um bom café.
— Ainda não o provou.
— Posso cheirá-lo. E adoro como cheira.
Não é o café, pensou. Ao menos não de todo, em qualquer caso.
— Bom, adoro seu perfume. — disse ele, como tonto que era.
Ela franziu o cenho.
— Não levo nenhum. Quero dizer, além do sabonete e xampu que uso.
— Caramba, então gosto do aroma desses. E estou muito contente que tenha ficado.
— É isto o que tinha planejado?
Seus olhos se encontraram. Merda, ela era perfeita. Radiante como eram as velas.
— Que ficasse até chegar ao café do final? Sim, suponho que um encontro era o que perseguia.
— Pensei que estava de acordo comigo.
Porra, esse tom de voz ofegante o fazia desejar tê-la apertada contra seu peito nu.
— De acordo contigo? — perguntou — Demônios, se te fizesse feliz diria que sim a tudo. Mas a que se refere especificamente?
— Disse... Que não deveria me encontrar com ninguém.
Ah, claro.
— Não deveria.
— Não entendo.
Que se dane, por isso. Rehv pôs seu intumescido cotovelo na mesa e se inclinou para ela. Enquanto cortava a distância, os olhos dela aumentaram, mas não retrocedeu.
Deteve-se, para lhe dar a oportunidade de dizer que cortasse essa merda. Por quê? Não tinha nem idéia. Seu lado symphath só fazia pausa somente para analisar ou tirar melhor proveito de uma debilidade. Mas, ela fazia que quisesse ser decente.
Não obstante, Ehlena não disse que se afastasse.
— Não… Entendo. — sussurrou ela.
— É simples. Não acredito que deva se encontrar com ninguém. — Rehv se aproximou ainda mais, até que pôde ver os pontinhos dourados em seus olhos — Porém, não sou precisamente ninguém.

Capítulo 29


Porém, não sou precisamente ninguém.
Enquanto olhava fixamente os olhos de ametista de Rehvenge, Ehlena pensou que era precisamente certo. Nesse momento de silêncio, com uma explosiva vibração sexual entrelaçando-os e o aroma de uma misteriosa colônia no ar, Rehvenge era tudo, abrangendo tanto seres como objetos.
— Deixará que te beije. — disse.
Não era uma pergunta, mas de toda forma ela assentiu, e ele estreitou a distância entre suas bocas.
Seus lábios eram suaves e seu beijo ainda mais suave. E, na opinião dela, afastou-se muito rápido. Verdadeiramente muito rápido.
— Se quiser mais. — disse em voz baixa e rouca — Quero te dar.
Ehlena olhou sua boca fixamente e pensou em Stephan… E em todas as alternativas que já não tinha. Estar com Rehvenge era algo que desejava. Não fazia sentido, mas nesse momento não lhe importava.
— Sim. Quero mais. — porém, logo lhe fez evidente. Ele não podia sentir nada, verdade? Então o que passaria se levavam isto mais longe?
Sim, e como abordava esse tema sem fazê-lo sentir-se um aleijado? E o que se passava com essa outra fêmea dele? Evidentemente, não estava deitando-se com ela, mas havia algo sério entre eles.
Os olhos cor ametista baixaram a seus lábios.
— Quer saber o que obtenho disto?
Homem, essa voz era puro sexo.
— Sim. — suspirou.
— Poderei vê-la como está agora.
— Como... Estou?
Deslizou um dedo por sua bochecha.
— Está ruborizada. — seu roçar deslocou para seus lábios — Sua boca está aberta porque está pensando em mim te beijando outra vez. — desceu com essa tenra carícia, indo para a garganta — Seu coração está bombeando. Posso vê-lo nesta veia aqui. — deteve-se entre os seios, abriu a boca e suas presas se distenderam — Se continuo, acredito que descobriria que seus mamilos endureceram e sem dúvida há outros sinais de que está preparada para mim. — inclinou-se sobre seu ouvido e sussurrou — Está preparada para mim, Ehlena?
Santa. Merda.
Seu tórax se estendeu com força ao redor dos pulmões, e uma doce e atordoante sensação de sufocamento fez que a corrente que repentinamente sentiu entre as coxas fosse ainda mais contundente.
— Ehlena, responda. — Rehvenge acariciou seu pescoço com o nariz, percorrendo sua veia com uma afiada presa.
Enquanto jogava a cabeça para trás, agarrou-se à manga do elegante terno, apertando o tecido. Tinha passado tanto tempo… Uma eternidade… Desde a última vez que alguém a abraçou. Desde que foi algo mais além de ser uma cuidadora de um doente. Desde que sentisse seus peitos, quadris e coxas como sendo algo mais que partes que deviam ser cobertas antes de sair em público. E agora este formoso macho que não era precisamente-ninguém desejava estar com ela com o único propósito de agradá-la.
Ehlena teve que piscar rapidamente, sentindo como se acabassem de lhe dar um presente, e se perguntava quão longe poderia chegar o que estavam a ponto de iniciar. Tempos atrás, antes que sua família caísse em desgraça com a glymera e fossem desarraigados, esteve prometida a um macho e ele a ela. A cerimônia de casamento foi acertada, mas depois da mudança de fortuna de sua família não chegou a realizar-se.
Todavia, quando estavam juntos, deitou-se com o macho, embora como fêmea de valia da glymera não deveria tê-lo feito porque ainda faltava unirem-se formalmente. A vida parecia muito curta para esperar.
Agora, sabia que era inclusive mais curta do que pensara.
— Tem uma cama neste lugar? — perguntou.
— E mataria por te levar ali.
Foi ela a que se levantou e estendeu a mão para ele.
— Vamos.

O que o convertia em algo correto era que tudo era para a Ehlena. A falta de sensações de Rehv o deixava completamente fora da equação, liberando ambos das desagradáveis implicações que teria se ele estivesse envolvido.
Homem, que divertido que era isto. Devia entregar seu corpo à princesa. Mas escolhia dá-lo a Ehlena…
Bom, merda, não sabia exatamente o que, mas era muitíssimo mais que só seu pênis. Também tinha muito mais valor.
Agarrando a bengala, porque não queria ter que depender dela para estabilizar-se, levou-a ao quarto, com a cama do tamanho de uma piscina, a colcha de cetim negro e a vista panorâmica.
Fechou a porta com a mente, embora não houvesse ninguém mais no apartamento de cobertura, e o primeiro que fez foi dar a volta a Ehlena para tê-la frente a ele e soltar seu cabelo do retorcido nó. As ondas de uma intensa cor loira avermelhada caíram, chegando abaixo dos ombros, e, apesar de não poder sentir as sedosas mechas, pôde cheirar a ligeira e natural fragrância de seu xampu.
Era limpa e fresca, como um riacho no qual poderia banhar-se.
Deteve-se, um desconhecido aguilhão de consciência o paralisou. Se soubesse o que ele era, se soubesse o que fazia para viver, se soubesse o que fazia com seu corpo, não o escolheria. Estava seguro disso.
— Não se detenha. — disse, elevando o rosto para cima — Por favor…
À força de vontade, segmentou, tirando do quarto as coisas más, a depravada vida que levava e as perigosas realidades que confrontava, as isolando, as enclausurando.
A fim de que fossem somente eles.
— Não me deterei a menos que você queira que o faça. — disse. E se queria ele o faria, sem fazer perguntas. O último que jamais quereria fazer era que ela se sentisse da mesma maneira que ele a respeito do sexo.
Rehv se inclinou para frente, pôs os lábios sobre os dela, e a beijou cuidadosamente. Como não podia estimar a sensibilidade, não queria esmagá-la, e tinha a impressão que ela se apertaria contra ele se quisesse mais…
Ehlena fez justamente isso, envolveu os braços ao seu redor e os fundiu quadril com quadril.
E... Merda, sentiu algo. Parecia um nada, uma chama de emoção abriu caminho através de seu intumescimento, a onda que irradiava era débil, mas definitivamente era uma calidez que podia sentir. Durante uma fração de segundo se retraiu, alcançado pelo arpão do medo… Mas sua visão permaneceu em três dimensões, e o único vermelho que via provinha do resplendor do relógio digital que havia sobre a mesinha de noite.
— Está tudo bem? — perguntou ela.
Ele esperou um par de segundos mais.
— Sim… Sim, absolutamente. — riscou seu rosto com o olhar — Deixará-me te despir?
Oh, Deus, acabava de dizer isso?
— Sim.
— Oh... Obrigado...
Rehv desabotoou lentamente a parte dianteira do uniforme, cada centímetro de pele era toda uma revelação, o ato não era tanto para despi-la senão para revelá-la. E, foi com mãos atentas que deslizou a metade superior do que vestia por seus ombros, para baixo, passando sobre os quadris até cair ao chão. Quando a teve frente a ele com o sutiã branco, as meias brancas e o indício das calcinhas brancas aparecendo sob as meias, sentiu-se estranhamente honrado.
Mas isso não era tudo. O aroma de seu sexo acendeu um zumbido em seus ouvidos que o fez sentir como se estivesse consumindo carreiras de coca durante uma semana e meia sem parar. Ela o desejava. Quase tanto como ele desejava atender seus desejos.
Rehv a levantou rodeando sua cintura com os braços e estreitando-a contra si. Não pesava nada absolutamente, e o soube pelo fato que sua respiração não mudou em nada enquanto a carregava e a punha sobre a cama.
Quando retrocedeu para contemplá-la, Ehlena não era como as fêmeas com as que esteve. Não estendeu e abriu as pernas, não brincou consigo mesma, não se arqueou nem realizou uma variante da representação das putas de “vêem-e-toma-me-grandalhão”.
Além, tampouco queria lhe causar dor e não tinha nenhum interesse em envergonhá-lo… Em seus olhos não havia rastro de ardente e erótica crueldade.
Ela somente o olhava fixamente com admiração e honesta antecipação, uma fêmea sem ardis nem maquinações… Que era um trilhão de vezes mais sexy que alguém com quem esteve alguma vez ou tenha visto por aí.
— Quer-me vestido? — perguntou.
— Não.
Rehv desfez-se da jaqueta como se não fosse feita para uma propaganda de lojas, jogou a obra de arte da Gucci ao chão sem nenhum cuidado. Tirou os sapatos de um chute, desabotoou o cinto e deixou as calças caírem, deixando-as onde tinham caído. Tirou a camisa rapidamente. Assim como as meias três-quartos.
Vacilou com os bóxers, colocou os polegares na cintura, preparado para dar o puxão, mas sem terminar o movimento.
A falta de uma ereção o envergonhava.
Rehv não pensou que tivesse importância. Demônios, embora fosse certamente discutível, seu flácido pênis era o que fazia isto possível. Mas, de toda forma, sentia-se menos macho.
Para falar a verdade, não se sentia macho absolutamente.
Tirou as mãos e as pôs sobre o sexo flácido.
— Vou deixar estes postos.
Ehlena estendeu uma mão, com uma expressão de desejo nos olhos.
— Quero estar contigo da maneira que venha.
Ou que não venha, como era o caso.
— Sinto-o. — disse baixinho.
Houve um momento incômodo, mas o que ela podia responder? E, entretanto, de uma ou outra maneira ele esperava, desejava… Algo dela.
Reafirmação?
Jesus, que merda andava mal com ele. Todos estes estranhos pensamentos e reações estavam riscando encruzilhadas na paisagem de seu lóbulo temporal, ardentes caminhos para os destinos dos que ele só ouviu falar com outras pessoas, para lugares como a vergonha, a tristeza e a preocupação. Também para a insegurança.
Possivelmente os hormônios sexuais que ela estava agitando nele eram como a dopamina, lhe provocando o efeito contrário. Convertendo-o em uma garota.
— Fica tão bonito sob esta luz. — disse em tom rouco — Seus ombros e peito são tão grandes, não posso imaginar como é ser tão forte. E seu estômago… Desejaria que o meu fosse tão plano e firme. Suas pernas são muito poderosas também, todo músculo, sem um grama de gordura.
Enquanto subia a mão desde seu abdômen até um dos peitorais, percorreu com o olhar o ventre brandamente arredondado dela.
— Penso que é perfeita tal como é.
A voz dela adotou um tom grave.
— E acredito o mesmo de você.
Rehv tomou fôlego com dificuldade.
— Sim?
— A mim parece muito sexy. Somente te olhar… Faz-me te desejar.
Bem... Aí o tem. E, ainda assim requereu uma estranha espécie de valor voltar a deslizar os polegares sob a cintura dos bóxers e fazê-los baixar lentamente pelas coxas.
Quando se deitou ao seu lado, seu corpo tremia, e o soube por que podia ver o tremor de seus músculos.
Importava-lhe o que ela pensasse dele. De seu corpo. Pelo que ia acontecer nessa cama. Com a princesa? Importava-lhe um traseiro de rato se gozava com o que ele fazia. E nessas poucas ocasiões em que esteve com suas garotas, não quis machucá-las, é obvio, mas fora uma troca de sexo por dinheiro.
O que teve com Xhex foi simplesmente um engano. Nem bom nem mau. Somente era algo que tinha acontecido e nunca voltaria a acontecer.
Ehlena passou as mãos por seus braços e sobre os ombros.
— Beije-me.
Rehv a olhou aos olhos e fez exatamente isso, aproximando os lábios aos dela, acariciou-os, logo estendeu a língua e lambeu sua boca. Continuou beijando-a até que ela se agitou na cama e o apertou com as mãos tão firmemente que o estranho eco de emoção estalou outra vez. O sentimento fez que se detivesse e abrisse os olhos para checar sua visão, mas tudo era normal, sem manchas de vermelho.
Retornou ao que estava desfrutando, sendo cuidadoso porque não podia medir a pressão do contato, deixando que ela fosse para ele para esmagá-la com a boca.
Ele desejava ir tão mais longe... E leu sua mente.
Ehlena tomou a iniciativa e tirou o sutiã, soltando o fecho frontal e despindo-se. Oh… Caramba, sim. Seus peitos estavam perfeitamente proporcionados e coroados com escuros mamilos rosados… Que rapidamente sugou ao interior de sua boca primeiro um e logo o outro.
O som de seus gemidos acendeu seu corpo, substituindo o frio por vida e energia, calidez e necessidade.
— Quero descer por seu corpo. — grunhiu.
Seu “Por favor” foi mais um gemido que uma palavra, e seu corpo, de fato, ofereceu uma resposta ainda mais clara. Nesse momento separou as coxas, e abriu as pernas, oferecendo todo o convite que alguma vez poderia ter pedido.
Essas suas meias teriam que sair antes que terminasse mastigando-as.
Rehv era tão lento e consciencioso como podia suportar ser, despindo de sua carne as finas roupas, acariciando-a com o nariz ao longo de todo o caminho até os tornozelos, inalando profundamente enquanto o fazia.
Deixou-lhe as calcinhas postas.

A ternura de Rehvenge foi o que mais surpreendeu Ehlena.
Apesar de seu grande tamanho, foi tão cuidadoso com ela como pôde, movendo-se meigamente sobre seu corpo, lhe dando toda oportunidade de dizer não ou de desviá-lo ou de deter as coisas por completo.
Não tinha intenção de fazer nada disso.
Especialmente quando a grande mão perambulou para cima pelo interior de sua perna nua e sutilmente, inexoravelmente abriu suas coxas ainda mais. Quando os dedos roçaram as calcinhas, um disparo de eletricidade chispou em seu sexo, o mini-orgasmo a deixou ofegando.
Rehvenge se impulsionou para cima e falou em seu ouvido com um grunhido.
— Eu gosto desse som.
Apoderou-se de sua boca e lhe acariciou o sexo por cima do modesto algodão que a cobria. Os profundos arremessos da língua contrastavam com as carícias de mariposa, e ela jogou a cabeça para trás, perdendo-se completamente nele. Arqueou os quadris, queria que fosse sob as calcinhas, e rezou para que captasse a indireta, porque estava sem ar e desesperada para falar.
— O que quer? — disse em seu ouvido — Quer que não haja nada entre nós?
Quando assentiu, o dedo do meio deslizou sob o elástico, e logo foi pele contra pele e…
— Oh... Deus. — gemeu quando um gozo palpitou através de seu corpo.
Rehvenge sorriu como um tigre ao acariciá-la enquanto tinha o orgasmo ajudando-a a agüentar as pulsações. Quando finalmente se aquietou, sentiu-se envergonhada. Não esteve com ninguém em muito tempo, e nunca com alguém como ele.
— É incrivelmente formosa. — sussurrou antes que ela pudesse dizer algo.
Ehlena virou o rosto para seus bíceps e beijou a suave pele que cobria o tenso músculo.
— Fazia muito tempo que não o fazia.
Um sereno resplendor acendeu o rosto dele.
— Gosto disso. Muitíssimo. — deixou a cabeça cair sobre seu peito e beijou seu mamilo — Gosto que respeite seu corpo. Nem todo mundo o faz. Oh, e por certo, ainda não terminei.
Ehlena cravou suas unhas em sua nuca quando puxou sua calcinha fazendo-a descer por suas coxas. A visão da língua rosada provocando seu peito a paralisou, especialmente quando os olhos cor ametista se encontraram com os seus enquanto rodeava o mamilo e começava a movê-lo de um lado a outro com rápidas passadas da língua… Como se lhe oferecesse um adiantamento da atenção que a seguir poderia esperar mais abaixo.
Ela gozou de novo. Intensamente.
Esta vez Ehlena se deixou ir completamente, e foi um alívio estar em sua pele e com ele. Enquanto se recuperava do prazer, nem sequer se sobressaltou quando começou a abrir caminho para baixo beijando o estômago e mais à frente para sua…
Gemeu tão alto que ecoou.
Como tinha ocorrido com os dedos, a sensação da boca sobre seu sexo era muito mais vívida porque apenas a tocava. As suaves carícias pareciam suspensas sobre esse vulnerável e ardente lugar de seu corpo, fazendo que se esforçasse para sentir, transformando cada passada de seus lábios e sua língua em uma fonte tanto de prazer como de frustração.
— Mais. — exigiu, levantando os quadris.
Ele elevou os olhos ametistas.
— Não quero ser muito rude.
— Não será. Por favor... Está me matando...
Com um grunhido, inundou-se nela e cobriu seu sexo com a boca, chupando-a, sugando-a dentro de sua boca. Gozou novamente, esta vez com fortes e devastadores estalos, mas ele o fez bem. Continuou sugando, agüentando suas sacudidas e encurvações, o som de lábios contra lábios se elevou junto com os gritos guturais dela enquanto a acariciava e a fazia chegar ao clímax uma e outra vez.
Quando só Deus sabia quantas vezes chegou ao clímax, ficou quieta e ele também. Ambos estavam ofegando, ele tinha a reluzente boca sobre a parte interior de sua coxa e três de seus dedos enterrados firmemente dentro dela, seus aromas misturando-se no tórrido ar de…
Ela franziu o cenho. Parte da embriagadora fragrância que havia na habitação era… De especiarias escuras. E quando inalou profundamente, ele levantou os olhos para os dela.
Sua expressão emocionada deve ter mostrado exatamente à conclusão a que tinha chegado.
— Sim, também estou captando o aroma. — disse com rudeza.
Salvo que, não podia haver-se vinculado com ela, verdade? A sério podia acontecer tão rápido?
— Para alguns machos ocorre assim. — disse ele — Evidentemente.
De repente se deu conta que lhe estava lendo a mente, mas não se importou. Considerando onde esteve, pinçar em seu cérebro não parecia nem a metade de íntimo.
— Não o esperava. — disse.
— Tampouco estava em minha lista. — Rehvenge retirou os dedos e os lambeu com deliberadas carícias de sua língua, até deixá-los limpos.
O que naturalmente voltou a excitá-la.
Manteve o olhar fixo nele enquanto voltava a acomodar-se sobre os travesseiros entre os que ela se derrubou.
— Se não tem nem idéia do que dizer se una ao clube.
— Não há nada que dizer. — murmurou — É simplesmente um fato.
— Sim.
Rehvenge rodou até ficar sobre suas costas, e enquanto deitavam na escuridão com uns quinze centímetros de distância entre eles, sentiu saudades como se tivesse abandonado o país.
Ficando de lado, apoiou a cabeça na parte interior do braço e o contemplou enquanto ele olhava fixamente o teto.
— Desejaria poder te dar algo. — disse, deixando todo o tema da vinculação para depois. Muito falar ia arruinar o que acabavam de compartilhar, e ela queria conservá-lo um pouco mais.
Ele a olhou.
— Está louca? Preciso te recordar o que acabamos de fazer?
— Quero te dar algo parecido. — encolheu-se — Não quis fazer soar como se tivesse faltado algo… Quero dizer… Merda.
Sorriu e roçou sua bochecha.
— É doce de sua parte, não se sinta incômoda por isso. E não subestime o muito que tudo isso me agradou.
— Quero que saiba algo. Ninguém poderia me haver feito sentir melhor ou mais formosa do que você acaba de fazer.
Girou para ela e imitou sua posição, com a cabeça apoiada em seu grosso bíceps.
— Vê porque foi bom para mim?
Tomou a mão entre as suas e beijou a palma, só para franzir o cenho.
— Está se esfriando. Posso notar.
Incorporou-se e puxou o edredom para cobrir seu corpo, envolvendo-o primeiro, logo o abraçou, enquanto se estendia por cima das mantas.
Permaneceram assim durante um século.
— Rehvenge?
— Sim.
— Toma minha veia.
Deu-se conta de que lhe deu um susto do demônio pela forma em que deixou de respirar.
— Perdão… O-o que?
Teve que sorrir, pensando que não era o tipo de macho que tendia a balbuciar muito.
— Toma minha veia. Deixe-me te dar algo.
Através dos lábios abertos viu como se alargavam suas presas, e não o fizeram pouco a pouco, mas antes foi como se tivessem aflorado de repente do crânio.
— Não estou certo... Se isso seria… — enquanto sua respiração se fazia mais irregular sua voz se fazia mais grave ainda.
Ela pôs a mão no pescoço e massageou a jugular lentamente.
— Acredito que é uma grande idéia.
Quando seus olhos brilharam com uma cor púrpura, ela se deitou de costas e inclinou a cabeça a um lado, expondo a garganta.
— Ehlena... — os olhos percorreram seu corpo e retornaram a seu pescoço.
Agora estava ofegante e ruborizado, e uma fina película de suor cobria a porção dos ombros que aparecia fora das mantas. E isso não era nem a metade. O aroma de escuras especiarias estalou até saturar o ar, sua química interna reagiu ante a necessidade que tinha dela e o que ela queria fazer por ele.
— Oh... Merda, Ehlena...
Abruptamente, Rehvenge franziu o cenho e baixou o olhar para si mesmo. Sua mão, a que tinha acariciado meigamente sua bochecha, desapareceu sob as mantas e sua expressão mudou: a paixão e o propósito se dissiparam imediatamente, deixando só uma espécie de turvada indignação.
— Sinto-o. — disse com voz rouca — O sinto… Não posso…
Rehvenge se arrastou para fora da cama e levou o edredom com ele, liberando-o de um puxão de debaixo do corpo dela. Moveu-se rápido… Mas não o suficiente para que ela deixasse de notar o fato de que tinha uma ereção.
Estava excitado. Grande, comprido e duro como um fêmur.
E não obstante desapareceu no banheiro e fechou a porta com firmeza.
E logo a trancou.

CONTINUA

Capítulo 20


Lash estacionou a Mercedes 550 debaixo de uma das pontes de Caldwell, o sedã negro era indistinguível entre as sombras projetadas pelas gigantescas bases de concreto. O relógio digital que havia no painel indicou que a hora do espetáculo se aproximava.
Assumindo que não tivesse tido cagadas.
Enquanto esperava, pensou na reunião com o líder dos symphaths. Em retrospectiva, não gostava realmente do modo em que o macho o fazia sentir-se. Ele fodia garotas. Ponto. Nada de machos. Jamais.
Essa classe de merda era para cavaleiros de pênis como John e seu bando de fracos do rabo.
Mudando de direção mentalmente, Lash sorriu na escuridão, pensando que quase não podia esperar para voltar a ser apresentado a esses estúpidos. Ao princípio, logo depois de que tivesse retornado por seu pai verdadeiro, tinha querido apressar as coisas. Depois de tudo, John e seus meninos sem dúvida seguiam freqüentando o ZeroSum, assim encontrá-los não seria um problema. Mas, encontrar o momento adequado era fundamental. Lash ainda estava resolvendo a merda de sua nova vida e queria estar inteiro quando esmagasse o John e matasse o Blay diante do Qhuinn, logo mataria ao idiota que o tinha assassinado.
Procurar o momento oportuno era importante.
Como se tivessem obedecido a um sinal, dois carros se detiveram entre alguns dos pilares. O Ford Escort era da Sociedade Lessening, e o Lexus prateado era o carro do atacadista de Grady.
Preciosos aros os que levava o LS 600h. Muito bonitos.
Grady foi o primeiro a sair do Escort, e quando o senhor D e os outros dois lessers o seguiram, foi como olhar a evacuação de um carro de palhaços, dada a quantidade de carne que tinha estado apinhada dentro.
Quando se aproximaram do Lexus, do 600h, saíram dois homens levando elegantes casacos de inverno. Sincronizadamente, os dois machos humanos puseram a mão direita em suas jaquetas e tudo no que Lash pôde pensar foi: melhor que saiam armas e não insígnias desses bolsos superiores. Se Grady havia fodido e esses eram policiais disfarçados brincando de ser Crockett e Tubbs[41] da era moderna, as coisas iram se complicar.
Mas não… Nenhuma insígnia do DPC, só um pouco de conversa por parte dos casacos, sem dúvida na linha de: Quem são estes três lambe rabos que trouxe para esta transação particular de negócios?
Grady olhou ao senhor D com um pânico de “estou totalmente fora desta aliança”, e o pequeno texano tomou as rédeas, dando um passo adiante com uma pasta de alumínio. Depois de pô-la sobre o porta-malas do Lexus, abriu para revelar o que pareciam ser maços de notas de cem dólares. Na realidade, eram só montões de notas de um dólar com só um Benjamin[42] em cima de cada maço. Os casacos olharam para baixo…
Plop. Plop.
Grady saltou para trás enquanto os traficantes caíam ao chão como faxineiras, sua boca aberta tão amplamente como a tigela de lavabo. Antes que pudesse se pôr a dizer um montão do “OH meu Deus o que fez”, o senhor D deu um passo para ficar cara a cara e desferiu uma bofetada que o fez calar.
Os dois assassinos voltaram a guardar as armas em suas jaquetas de couro enquanto o senhor D fechava a mala, dava a volta e ficava atrás do volante do Lexus. Enquanto partia, Grady levantou a vista para os rostos dos homens pálidos como se esperasse que também lhe dessem um tiro.
Em vez disso, dirigiram-se de retorno ao Escort.
Depois de um momento de confusão, Grady os seguiu com uma corridinha torpe como se todas as suas articulações estivessem muito engraxadas, mas quando foi abrir a porta traseira, os assassinos se negaram a permitir entrar no carro. Quando Grady se deu conta de que ia ser deixado para trás, começou a assustar-se, começou a agitar os braços, e a gritar. O que era fodidamente tolo, tendo em conta que estava a quatro metros e meio de dois tipos com balas em seus cérebros.
Exatamente nesse momento um pouco de silêncio viria bem.
Evidentemente um dos assassinos pensou o mesmo. Com absoluta calma, sacou a mão com a arma e nivelou o canhão à altura da cabeça de Grady.
Silêncio. Quietude. Pelo menos por parte do idiota.
Fecharam duas portas e o motor do Escort ligou com um giro e um fôlego. Os assassinos se afastaram, fazendo chiar os pneus e salpicando as botas e a acne de Grady com terra congelada.
Lash acendeu as luzes do Mercedes, e Grady girou em redondo, protegendo os olhos com os braços.
Teve a tentação de atropelá-lo, mas no momento, a utilidade do homem justificava o batimento de seu coração.
Lash arrancou a Mercedes, deteve-se junto ao HDP, e baixou o guichê.
— Suba no carro.
Grady abaixou os braços.
— Que porra aconteceu…
— Fecha a fodida boca. Sobe no carro.
Lash fechou a janela e esperou enquanto Grady se deixava cair pesadamente no assento do passageiro. Enquanto o homem punha o cinto, notou que os dentes chacoalhavam e não pelo frio. O estúpido estava da cor do sal, e suava como um transexual no Estádio dos Giants[43].
— Bem, poderia tê-los matado a plena luz do dia. — balbuciou Grady enquanto se dirigiam à estrada que corria ao lado do rio — Há olhos por toda parte…
— Esse era o ponto. — o telefone de Lash soou e ele respondeu enquanto acelerava pela rampa para a auto-estrada — Muito bem, senhor D.
— Acredito que temos feito bem. — disse o texano — Exceto que não vejo as drogas. Devem estar no porta-malas.
— Estão nesse carro. Em algum lugar.
— Seguimos com o plano de nos encontrar no Hunterbred?
— Sim.
— Ouça, ah, escute, está planejando fazer algo com este carro?
Lash sorriu na escuridão, pensando que a avareza era uma grande debilidade para que um subordinado a tivesse.
— Vou pintar, comprar um número de documentos e placas.
Fez silêncio, como se o lesser esperasse mais.
— Oh, isso estará bem. Sim, senhor.
Lash desligou a seu discípulo e se girou para o Grady.
— Quero conhecer todos os outros varejistas importantes da cidade. Seus nomes, seus territórios, suas linhas de produtos, tudo.
— Não sei se terei toda essa…
— Então será melhor que o averigúe. — Lash atirou o telefone no colo do homem — Faz quantas chamadas necessitar. Escava. Quero a todos e cada um dos traficantes da cidade. Logo quero ao elefante que os alimenta. O atacadista de Caldwell
Grady deixou cair a cabeça contra o assento.
— Merda. Pensei que isto ia ser como… Meu negócio.
— Esse foi seu segundo engano. Começa a ligar e me consiga o que desejo.
— Olhe… Não acredito que isto seja… Provavelmente deveria voltar para casa…
Lash sorriu ao homem, revelando suas presas e fazendo seus olhos brilhar.
— Está em casa.
Grady se encolheu no assento, e logo começou a dar tapas ao trinco da porta, apesar de que viajavam pela auto-estrada a mais de cem quilômetros por hora.
Lash travou as fechaduras.
— Sinto muito, está de passeio agora e não paro no meio. Agora ligue com a porra do telefone e faz bem. Ou vou te desmembrar pedaço a pedaço e desfrutarei de cada segundo de seus chiados.

Wrath estava fora do Lugar Seguro sob um vento capaz de lhe adormecer até os testículos, sem que lhe importasse dois caralhos o tempo desagradável que fazia. Elevando-se ante ele como saída da fantasia de Rockwell do Leave it to Beaver[44], a casa, que era um refúgio para vítimas de violência doméstica, era grande, labiríntica e acolhedora, as janelas estavam cobertas com cortinas acolchoadas, havia uma grinalda na porta e uma esteira no primeiro degrau que dizia BEM-VINDOS em letras itálicas.
Como macho, não podia entrar, assim esperou como uma escultura de jardim na dura grama marrom, rezando para que sua amada leelan estivesse dentro… E disposta a vê-lo.
Depois de ter passado todo o dia no escritório esperando que Beth viesse a ele, finalmente tinha percorrido a mansão procurando-a. Quando não a encontrou, rezou para que estivesse como voluntária aqui, coisa que fazia freqüentemente.
Marissa apareceu na escadaria de atrás e fechou a porta atrás dela. A shellan de Butch e anterior prometida de sangue de Wrath mostrava-se como uma típica profissional com suas calças e jaqueta negras, levava o cabelo loiro retorcido e recolhido em um elegante coque e seu aroma era como o do oceano.
— Beth acaba de sair. — disse enquanto se aproximava dele.
— Retornou para casa?
— Foi à Avenida Redd.
Wrath se esticou.
— Que demo… Por que foi ali? — merda, sua shellan tinha saído sozinha em Caldwell? — Quer dizer em seu velho apartamento?
Marissa assentiu.
— Acredito que queria voltar aonde as coisas começaram.
— Está sozinha?
— Pelo que sei, sim.
— Jesus cristo, ela já foi seqüestrada uma vez. — disse com brutalidade. Como Marissa retrocedeu, amaldiçoou a si mesmo — Olhe, sinto muito. Não estou atuando muito racionalmente neste momento.
Depois de um momento, Marissa sorriu.
— Isto soará mal, mas me alegra que esteja frenético. Merece estar.
— Sim, fui uma merda. De primeira.
Marissa elevou a cabeça para o céu.
— Já que estamos nisso, darei um conselho para quando for procurá-la.
— Diga-me.
O rosto perfeito de Marissa se nivelou outra vez e quando voltou a enfocar nele, sua voz adquiriu um tom triste.
— Trate de não se zangar. Parece um ogro quando se enche o saco, e neste momento, Beth necessita que a recordem o motivo pelo qual deveria baixar a guarda quando está contigo e não o motivo pelo qual não deveria.
— Bom ponto.
— O que estiver bem, meu senhor.
A saudou com uma rápida inclinação de cabeça e se desmaterializou diretamente para o endereço da Avenida Redd, onde Beth estava acostumada a ter um apartamento quando se encontraram pela primeira vez. Enquanto se transladava, pôde saborear malditamente bem aquilo com o que seu shellan tinha que lutar cada noite que ele saía à cidade. Querida Virgem Escriba, como ela confrontava o medo? A idéia de que possivelmente nem tudo estivesse bem? O fato de que onde ele estava havia mais perigo que segurança?
Quando tomou forma diante do edifício de apartamentos, pensou na noite que tinha ido procurá-la depois da morte de seu pai. Tinha sido um salvador resistente e inapropriado, seu melhor amigo lhe tinha pedido em sua última vontade e testamento que a ajudasse a passar pela transição... Quando ela nem sequer sabia o que era.
Sua primeira aproximação não tinha ido bem, mas a segunda vez que tinha tratado de falar com ela? Essa tinha ido muito bem.
Deus! Queria voltar a estar com ela desse modo. Pele nua sobre pele nua, movendo-se juntos, ele metido profundamente em seu interior, marcando-a como dele.
Mas isso estava muito longe, assumindo que acontecesse alguma outra vez.
Wrath rodeou o edifício para o pátio traseiro, seus shitkickers não faziam ruído, sua grande sombra se projetava no chão gelado sob seus pés.
Beth estava encolhida em uma mesa desencaixada de lanche campestre onde alguma vez ele se sentou, e estava olhando fixamente ao apartamento que tinha diretamente em frente exatamente como ele tinha feito quando tinha vindo procurá-la. O vento frio fazia revoar seu cabelo escuro, dando a impressão de que estivesse sob a água e nadando entre fortes correntes.
Deve ter lhe chegado seu aroma, porque girou a cabeça bruscamente. Enquanto o olhava, sentou-se mais reta e manteve os braços ao redor da parca North Face que lhe tinha comprado.
— O que faz aqui? — perguntou.
— Marissa me disse onde estava. — jogou um olhar à porta corrediça de vidro do apartamento, e logo voltou a olhar a ela — Importa se me unir a você?
— Ah… Bem. Está bem. — removeu-se um pouco enquanto se aproximava — Não ia ficar aqui muito tempo.
— Não?
— Ia te ver. Não estava segura de quando saía para lutar e pensei que possivelmente teria tempo antes… Mas então, não sei, eu…
Enquanto deixava a frase no ar, ele subiu à mesa a seu lado, os suportes chiaram quando a coisa aceitou seu peso. Queria rodeá-la com o braço, mas se conteve e esperou que a parca estivesse fazendo bem seu trabalho de mantê-la abrigada o suficiente.
No silêncio, as palavras sussurravam na mente, todas elas pertenciam à variedade das desculpas, todas as sandices. Já havia dito que sentia, e ela sabia que dizia a sério, e que ia passar muito tempo antes que deixasse de desejar que houvesse algo mais que pudesse fazer para compensar.
Nesta noite fria, enquanto se sentavam suspensos entre seu passado e seu futuro, tudo o que podia fazer era ficar ali sentado com ela, olhando fixamente as janelas obscurecidas do apartamento no qual ela tinha vivido uma vez… Antes que o destino lhes tivesse unido.
— Não recordo ter sido especialmente feliz aí dentro. — disse ela brandamente.
— Não?
Ela passou a mão pelo rosto, afastando algumas mechas dos olhos.
— Não gostava de voltar para casa do trabalho e estar aí sozinha. Graças a Deus pelo Boo. Sem esse gato? Refiro-me a que, é limitado o que a televisão pode fazer por uma pessoa.
Ele odiava que tivesse estado sozinha.
— Então não desejaria ter a possibilidade de voltar atrás?
— Cristo, não.
Wrath exalou.
— Alegro-me.
— Trabalhava no jornal, para esse imbecil lascivo, do Dick, fazendo o trabalho de três pessoas, sem possibilidades de conseguir nada, porque era uma moça e os velhos e bons meninos não formavam um clube… Formavam uma camarilha de conspiradores. —sacudiu a cabeça — Mas sabe o que era o pior de tudo?
— O que?
— Vivia com essa sensação de que algo estava acontecendo, algo importante, mas não sabia do que se tratava. Era como saber que o segredo estava ali, e que era escuro, mas simplesmente não podia alcançá-lo. Quase me voltava louca.
— Assim averiguar que não era só humana foi…
— Estes últimos meses contigo foram pior. — olhou-o — Quando penso no outono… Sabia que algo estava mau. No fundo de minha mente, sabia, podia pressentir. Deixou de vir à cama regularmente, e se o fazia, não era para dormir. Não podia se acalmar. Não comia realmente. Nunca se alimentava. O reinado sempre o estressou, mas este último par de meses foi diferente. — voltou a olhar fixamente a seu velho apartamento — Sabia, mas não queria enfrentar a realidade de que possivelmente estivesse mentindo sobre algo tão significativo e aterrador quanto estar saindo para lutar sozinho.
— Merda, não tinha intenção de te fazer algo assim.
O perfil de Beth era formoso e implacável ao mesmo tempo, enquanto continuava.
— Penso que isso toma parte do enredo mental que há em minha cabeça neste momento. Todo o assunto me leva de retorno ao modo em que estava acostumada a viver cada dia de minha vida. Depois que atravessei a mudança e que nos mudamos para viver com os Irmãos, senti-me tão aliviada, porque finalmente soube com segurança o que sempre me tinha perguntado. Incrivelmente, a verdade me proporcionou uma base. Fez-me sentir a salvo. — voltou-se para ele — Este assunto contigo? O mentir? Faz com que sinta que não posso voltar a confiar em minha realidade. Simplesmente não me sinto a salvo, refiro-me a que, todo meu mundo gira em torno de você. Meu mundo inteiro. Tudo está apoiado em você, porque nosso emparelhamento é a base de minha vida. Assim, isto implica muito mais que o fato de que lute.
— Sim. — foda. Que demônios podia dizer?
— Sei que teve suas razões.
— Sim.
— E sei que não queria me ferir. — isto foi dito com uma entonação que se elevava ao final, as palavras eram mais uma pergunta, que uma declaração.
— Definitivamente não tinha essa intenção.
— Mas sabia que o faria, verdade?
Wrath apoiou os cotovelos nos joelhos e se reclinou sobre seus fortes braços.
— Sim, sabia. É por isso que não estive dormindo. Sentia que estava fazendo mal ao não lhe dizer isso.
— Tinha medo que me negasse a te permitir sair ou algo? Que te entregasse por violar a lei? Ou…?
— O assunto é assim… No final de cada noite voltava para casa e me dizia que não ia fazer outra vez. E em cada por do sol me encontrava atando as correntes de minhas adagas. Não queria que se preocupasse, e me dizia mesmo que não pensava que continuaria. Mas teve razão ao me chamar a atenção sobre isso. Não planejava me deter. — esfregou os olhos sob os óculos ao tempo que começava a lhe pulsar a cabeça — Estava tão equivocado, e não podia confrontar o que te estava fazendo. Estava me matando.
Pôs a mão na perna e ele se congelou, seu amável contato era mais do que merecia. Enquanto acariciava sua coxa um pouco, deixou cair os óculos de sol em seu lugar e com cuidado capturou sua mão.
Nenhum dos dois pronunciou palavra enquanto se seguravam um ao outro, palma contra palma.
Às vezes as palavras eram menos valiosas que o ar que as transportava quando se tratava de aproximar-se.
Enquanto o vento frio soprava através do pátio, causando que algumas folhas marrons passassem rangendo diante deles, acenderam-se as luzes no velho apartamento de Beth, a iluminação alagou o fogão da cozinha e a única habitação principal.
Beth riu um pouco.
— Puseram seus móveis exatamente como estavam os meus, o futón contra a única parede longa.
O que significava que tinham uma vista panorâmica do casal que entrou tropeçando no escritório e se encaminhou em linha reta à cama. Os humanos estavam entrelaçados lábios contra lábios, quadril contra quadril, e aterrissaram no futón em uma confusão, o homem montando à mulher.
Como envergonhada pelo espetáculo, Beth desceu da mesa e pigarreou.
— Suponho que será melhor que volte para Lugar Seguro.
— Esta noite é meu descanso. Estarei em casa sabe toda a noite.
— Isso é bom. Trate de descansar.
Deus, estar distanciados era horrível, mas ao menos se falavam.
— Quer que te acompanhe ali?
— Estarei bem. — Beth se aconchegou em sua parca, afundando o rosto no pescoço de plumas — Homem, faz frio.
— Sim. Faz. — quando chegou o momento de despedir-se, estava ansioso por saber no que tinham ficado, e o medo esclarecia muito sua visão. Deus, como odiava a expressão desolada de seu rosto — Não pode saber quão arrependido estou.
Beth estendeu a mão e tocou sua mandíbula.
— Ouço em sua voz.
Ele pegou sua mão e a colocou sobre o coração.
— Não sou nada sem você.
— Não é verdade. — disse, afastando-se — É o rei. Não importa quem seja sua shellan, você é tudo.
Beth se desmaterializou no ar fino, sua presença vital e cálida substituída somente com o glacial vento de dezembro.
Wrath esperou perto de dois minutos, logo se desmaterializou para Lugar Seguro. Depois de tanto tempo alimentando-se um do outro, havia tanto de seu sangue nela que podia sentir sua presença inclusive dentro das robustas paredes da instalação carregada de segurança, e soube que estava protegida.
Pesaroso, Wrath se desmaterializou outra vez e se dirigiu de volta à mansão: tinha pontos que deviam ser tirados e uma noite inteira para passá-la a sós em seu escritório.

Capítulo 21


Uma hora mais tarde Trez levou a bandeja de volta à cozinha. Rehv tinha o estômago completamente revolto. Porra! Se a aveia já não era uma comida viável para o “depois”, o que sobrava? Bananas? Arroz branco?
Um fodido mingau de bebê Gerber?
E não era só seu estomago que estava fodido. Se fosse capaz de sentir algo, estava bastante certo que teria uma enxaqueca junto com as náuseas que o sacudia. Cada vez que uma luz era acesa, a exemplo de quando Trez entrava para verificar como estava, os olhos de Rehv piscavam automaticamente, movendo-se acima e abaixo em uma descoordenada versão ocular de Safety Dance[45], em seguida começava a salivar e tragar compulsivamente. Assim por certo, tinha de estar enjoado.
Quando soou seu telefone, pôs a mão sobre ele e o levou ao ouvido sem girar a cabeça. Essa noite no ZeroSum estavam ocorrendo muitas coisas, e precisava manter-se informado.
— Sim.
— Olá... Ligou-me?
Os olhos de Rehv se dispararam para a porta do banheiro, onde brilhava uma suave luz ao redor do batente.
Oh, Deus! Não havia se banhado ainda.
Ainda estava coberto do sexo que teve.
Inclusive, embora Ehlena estivesse a três horas de carro de distância e ele não estivesse aparecendo em uma webcam sentia-se absolutamente canalha só por falar com ela.
— Hey. — respondeu com voz rouca.
— Está bem?
— Sim.
O que era uma fodida mentira. O tom rouco de sua voz mostrava o óbvio.
— Bem, eu, ah… Vi que tinha me ligado... — quando um som estrangulado saiu de sua boca, Ehlena se deteve — Está doente.
— Não...
— Pelo amor de Deus! Por favor, vêem a clínica...
— Não posso. Estou... — Deus, não podia suportar falar com ela — Não estou na cidade. Estou no Norte.
Houve uma longa pausa.
— Levarei os antibióticos.
— Não. — ela não podia vê-lo assim. Merda, ela não podia vê-lo nunca mais. Ele era asqueroso. Um asqueroso e sujo prostituto que deixava que alguém a quem odiasse o tocasse, o chupasse e usasse, e o obrigasse a fazer o mesmo a ela.
A princesa tinha razão. Era um fodido consolador.
— Rehv? Deixe-me ir onde está...
— Não.
— Maldito seja, não te faça isto!
— Não pode me salvar! — gritou.
Depois de sua explosão, pensou Jesus… De onde tinha saído isso?
— Sinto muito... Tive uma noite ruim.
Quando Ehlena falou por fim, sua voz foi um suave sussurro:
— Não me faça isto. Não me obrigue a te ver no depósito de cadáveres. Não me faça isto.
Rehv fechou os olhos com força.
— Não estou te fazendo nada.
— Uma merda que não o faz! — sua voz se rompeu em um soluço.
— Ehlena…
Seu pranto de desespero saiu do telefone com muita clareza.
— Oh… Cristo. Como queira. Se mate, genial!
E desligou.
— Caralho! — disse esfregando o rosto — Caralho!
Rehv se ergueu e lançou o celular contra a porta do quarto. E precisamente quando ricocheteava contra os painéis e saía voando, deu-se conta de que tinha destroçado a única coisa que tinha o número dela.
Com um rugido e um dificultoso balanço, lançou seu corpo fora da cama e os edredons aterrissaram por toda parte. Não foi uma boa jogada por sua parte. Quando seus intumescidos pés tocaram o tapete dobrado, converteu-se em um frisbee, voando brevemente antes de aterrissar sobre sua cara. Quando impactou, produziu um som como o estalo de uma bomba que retumbou através das pranchas do chão, e engatinhou em busca do telefone, seguindo a luz da tela que ainda brilhava.
Por favor, oh merda, por favor, se houver um Deus...
Estava quase ao seu alcance quando a porta se abriu de repente, errando por pouco sua cabeça e roçando o telefone... Que saiu disparado na direção contrária como um disco de hóquei. Enquanto Rehv rodava, equilibrava-se sobre a coisa e gritava ao Trez:
— Não atire!
Trez tinha adotado sua postura de combate, levantando a pistola e apontando-a para a janela, em seguida voltando-se para o banheiro e depois para a cama.
— Que porra foi isso?!
Rehv se esticou no chão para alcançar o telefone, que estava girando sobre si mesmo debaixo da cama. Quando o pegou, fechou os olhos e o aproximou do rosto.
— Rehv?
— Por favor...
— O que? Por favor, o que…?
Abriu os olhos. A tela estava piscando, e rapidamente pressionou os botões. Chamadas recebidas... Chamadas recebidas... Chamadas rece...
— Rehv que demônios está acontecendo?
Ali estava. O número. Olhou fixamente os sete dígitos que havia depois do código de área como se fossem a combinação de sua própria caixa de segurança, tentando reter todos.
A tela se obscureceu e deixou a cabeça cair sobre seu braço.
Trez se agachou a seu lado.
— Está bem?
Rehv se impulsionou para sair de debaixo da cama e se esticou, o quarto girou como um carrossel.
— Oh... Merda.
Trez embainhou sua arma.
— O que ocorreu?
— Deixei meu telefone cair.
— Claro. É obvio. Porque pesa o suficiente para fazer esse tipo de... Hey, devagar, tranqüilo. — Trez o agarrou enquanto tentava levantar-se — Agora aonde vai?
— Preciso de um banho. Preciso…
Mais imagens dele com a princesa martelaram seu cérebro. Viu suas costas arqueadas, e aquela rede vermelha rasgada à altura de seu traseiro, viu a si mesmo enterrado profundamente em seu sexo, bombeando até que sua lingüeta o travava dentro, de maneira que sua liberação encontrasse o caminho em seu interior até acima de tudo.
Rehv apertou os punhos contra os olhos.
— Preciso...
Oh Jesus... Ele tinha orgasmos quando estava com sua chantagista. E não só uma vez, normalmente eram três ou quatro. Ao menos as putas de seu clube, que odiavam o que faziam por dinheiro, podiam achar consolo no fato de que não o desfrutavam. Mas o gozo masculino dizia tudo, não?
As náuseas de Rehv se fizeram mais severas, e, em um ataque de pânico caminhou arrastando os pés e com o corpo todo curvado até o banheiro. A aveia e a torrada fizeram um eficaz intento por liberar-se, e Trez estava ali para segurá-lo sobre a privada. Rehv não podia sentir as ânsias de vômito, mas estava condenadamente seguro de que seu esôfago estava começando a rasgar porque depois de uns minutos de tossir, tentar respirar e ver as estrelas começou a aparecer sangue.
— Deite-se. — disse Trez
— Não, ducha…
— Não está em condições…
— Tenho que tirar isso de cima de mim! — o rugido de Rehv não só reverberou em seu quarto, mas sim, por toda a casa — Caralho... Não posso suportá-la.
Houve um momento que definitivamente teve um sabor da sagrada merda: Rehv não era o tipo de pessoa que pedisse um salva-vidas nem sequer se estivesse se afogando, e nunca se queixava do acerto que tinha com a princesa. Agüentava, fazia o que tinha que fazer e pagava as conseqüências, porque em sua opinião valia a pena o preço que pagava por manter seu segredo e o de Xhex.
E uma parte de você gosta, assinalou uma voz em seu interior. Quando está dentro dela pode ser você mesmo sem ter que se desculpar.
Vá à merda, disse a si mesmo
— Sinto ter gritado contigo. — disse a seu amigo com voz rouca.
— Errr... Está bem. Não se culpe. — Trez o levantou gentilmente dos azulejos e tentou apoiá-lo contra os lavabos — Já era hora.
Rehv cambaleou para a ducha.
— Não. — disse Trez, empurrando-o — Deixe que a água esquente.
— Não a sentirei.
— Sua temperatura interna já tem muitos problemas. Só espera aí.
Enquanto Trez se inclinava dentro da ducha de mármore e abria a água, Rehv ficou olhando fixamente seu pênis, o qual jazia frouxo e longo sobre sua coxa. Tinha a sensação de que era o pênis de qualquer outro, e isso era bom.
— Sabe que poderia matá-la por você. — disse Trez — Posso fazer com que pareça um acidente. Ninguém saberia.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Não quero que seja metido neste montão de merda. Já temos muitas pessoas envolvidas.
— A oferta seguirá de pé.
— Tomo a devida nota.
Trez estendeu a mão para o interior da ducha e a pôs sob o jato. Com a palma debaixo da água que corria, seus olhos de cor chocolate se deslocaram para trás e abruptamente se voltaram brancos de raiva.
— Só para que fique claro. Você morre? E esfolarei a essa puta viva segundo a tradição Hisbe’s e enviarei as tiras a seu tio. Logo assarei seu corpo e mastigarei a carne de seus ossos.
Rehv sorriu um pouco, pensando que não era canibalismo porque a nível genético as Sombras tinham tanto em comum com os symphaths como os humanos com os frangos.
— Fodido Hannibal Lecter. — murmurou.
— Sabe como fazemos. — Trez sacudiu a água da mão — Symphaths... É o que há para jantar.
— Vai danificar as vagens?
— Não, mas poderia acompanhá-la com um delicioso Chianti[46] e algumas batatas fritas. Devo comer algumas batatas com a carne. Vamos, me deixe te pôr debaixo da água para tirar o fedor dessa puta.
Trez se aproximou de Rehv e o levantou.
— Obrigado. — disse Rehv em voz baixa enquanto iam mancando para a ducha.
Trez se encolheu de ombros, sabendo condenadamente bem que não estavam falando da ida ao banho.
— Você faria o mesmo por mim.
— Faria.
Estando sob o jato, Rehv utilizou o Dial sobre seu corpo até que sua pele esteve vermelha como uma framboesa, e saiu da ducha só depois de ter realizado sua tripla lavagem. Quando deu um passo fora da água, Trez entregou uma toalha, e se secou o mais rápido que pôde sem perder o equilíbrio.
— Falando de favores… — disse — Preciso do seu telefone. Seu telefone e um pouco de privacidade.
— De acordo. — Trez o ajudou a voltar para a cama e o cobriu — Homem, que bom que este edredom não aterrissou sobre o fogo.
— Então, me empresta seu telefone?
— Vai jogar futebol com ele?
— Não, contanto que deixe minha porta fechada.
Trez entregou seu Nokia.
— Tome cuidado com ele. É novo.
Quando esteve sozinho, Rehv digitou cuidadosamente e apertou chamar com esperança e uma prece, sem ter a segurança de se era ou não o número correto.
Ring. Ring. Ring.
— Sim..?
— Ehlena, sinto tanto…
— Ehlena? — disse a voz feminina — O sinto, não há nenhuma Ehlena neste número.
 
Ehlena permaneceu sentada na ambulância contendo suas lágrimas pela força do hábito. Não se tratava de que alguém pudesse vê-la, mas o anonimato lhe era indiferente. Enquanto seu latte esfriava dentro da dupla taça com dupla asa, e a calefação fluía intermitentemente, ela conservava a integridade porque era o que sempre fazia.
Até que a emissora BC4 ligou com um chiado e a assustou arrancando-a de seu paralisante desalento.
—Base para Quatro. — disse Catya — Responda Quatro.
Enquanto Ehlena se esticava para o auricular, pensava: ”Vê, essa é precisamente a razão pela qual nunca poderei baixar a guarda. Se tivesse parecido um autêntico desastre e tivesse que responder? Não precisava disso.”
Apertou o botão de “falar” com o polegar.
— Aqui Quatro.
— Está bem?
— Ah, sim. Só precisava… Retorno agora mesmo.
— Não há pressa. Tome seu tempo. Só queria me assegurar de que estava bem.
Ehlena deu uma olhada ao relógio. Deus, eram quase duas da manhã. Esteve sentada aí fora, asfixiando a si mesma ao deixar ligado o motor e a calefação, durante quase duas horas.
— Sinto muito, perdi a noção da hora. Precisa da ambulância para um recolhimento?
— Não, só estávamos preocupados com você. Sei que ajudou o Havers com aquele corpo e…
— Estou bem. — baixou a janela para deixar entrar um pouco de ar e pôs a ambulância em marcha — Retornarei agora mesmo.
— Não se apresse e escute, por que não toma o resto da noite livre?
— Está bem...
— Não é uma escolha. E troquei os horários para que amanhã também tenha o dia livre. Necessita um descanso depois do que aconteceu esta noite.
Ehlena queria discutir, mas sabia que daria a impressão de que se punha na defensiva, e, além disso, se já tomou a decisão, não havia nada pelo que lutar.
— Está bem.
— Tome seu tempo para voltar.
— Farei. Câmbio e desligo.
Pendurou o auricular e se pôs rumo à ponte que a levaria através do rio. Exatamente quando estava acelerando na rampa, soou seu telefone.
De maneira que Rehv estava devolvendo a chamada, huh? Não a surpreendia.
Levantou o telefone só para confirmar que era ele e, não porque tivesse a intenção de responder a sua chamada.
Número desconhecido?
Apertou receber e levou o telefone ao ouvido
— Sim?
— É você?
A profunda voz de Rehv seguia conseguindo disparar através de seu corpo como um quente estremecimento, inclusive apesar de estar de saco cheio com ele. E com ela mesma. Basicamente com toda a situação.
— Sim. — disse — Entretanto, este não é seu número.
— Não, não é. Meu celular teve um acidente.
Ela se apressou a adiantar-se antes que começasse com algum “o sinto”.
— Olhe, não é meu assunto. O que for que esteja te acontecendo. Tem razão, não posso te salvar...
— Por que ia querer sequer tentar?
Ela franziu o cenho. Se a pergunta tivesse sido de auto-compaixão ou acusatória, simplesmente teria posto fim à chamada e trocado seu número. Mas não havia nada salvo sincera confusão no tom de sua voz. Isso e absoluto esgotamento.
— Simplesmente não entendo... O motivo. — murmurou ele.
A resposta dela foi simples e expressa do fundo de sua alma.
— Como não poderia?
— E se eu não merecer?
Pensou em Stephan jazendo sobre aquele aço inoxidável, em seu corpo frio e machucado.
— Qualquer um que tenha um coração pulsando merece ser salvo.
— É por isso que se formou enfermeira?
— Não. Formei-me enfermeira porque queria ser médica algum dia. O assunto de ser uma salvadora é só minha maneira de ver o mundo.
O silêncio entre eles durou muito.
— Está em um carro? — perguntou ele ao final.
— Em uma ambulância na realidade. Retorno à clínica.
— Está sozinha? — grunhiu ele.
— Sim, e pode cortar a merda de super macho. Tenho uma arma sob o assento e sei como usá-la.
Uma risada sutil saiu do telefone.
— Ok, isso me excita. Sinto, mas assim é.
Ela teve que sorrir um pouco
— Volta-me louca, sabe. Inclusive embora seja um completo desconhecido, volta-me louca.
— E de certa forma isso é um elogio a minha pessoa. — houve uma pausa — Sinto pelo que aconteceu antes. Tive uma noite ruim.
— Sim, bom, eu também. Em ambas, a parte do sinto e a da má noite.
— O que ocorreu?
— Muito para entrar em detalhes. E você?
— O mesmo.
Quando ele se moveu, escutou-se um sussurro de lençóis.
— Está na cama de novo?
— Sim. E sim, ainda segue sem querer saber.
Ela sorriu abertamente.
— Está me dizendo que não deveria voltar a perguntar o que está vestindo.
— Entendeu-me.
— Estamos caindo em uma rotina, sabe? — ficou séria — Soa como se estivesse realmente doente. Tem a voz rouca.
— Estarei bem.
— Olhe, posso te levar o que necessita. Se não puder ir à clínica, posso te levar os remédios. — o silêncio do outro extremo era tão denso, e se fez tão longo, que terminou dizendo — Alô? Está aí?
— Amanhã de noite… Pode se encontrar comigo?
Esticou as mãos sobre o volante.
— Sim.
— No último andar do Commodore. Conhece o edifício?
— Conheço.
— Pode estar ali à meia-noite? No lado leste.
— Sim.
Seu suspiro pareceu de resignação.
— Estarei te esperando. Dirija com cuidado, ok?
— Farei. E não volte a jogar seu telefone.
— Como soube?
— Porque se eu houvesse tido um espaço aberto na minha frente em lugar do pára-brisa de uma ambulância, teria feito o mesmo.
A risada dele a fez sorrir, mas perdeu a expressão ao apertar terminar e devolver o telefone a sua bolsa.
Apesar de estar dirigindo a uma velocidade constante de sessenta e cinco, e que a estrada fosse reta e livre de escombros, sentia como se estivesse totalmente fora de controle, oscilando entre uma pista e outra, deixando um rastro de faíscas enquanto destroçava partes do veículo da clínica.
Encontrar-se com ele amanhã de noite, estar a sós com ele em um lugar privado, era exatamente o que podia fazer de pior.
E ia fazer de qualquer forma.


Capítulo 22


Montrag, filho de Rehm, desligou o telefone e olhou fixamente através das portas francesas do escritório de seu pai. Os jardins, as árvores e a grama ondulada, assim como a grande mansão e todo o resto, eram seus agora, já não mais um legado que herdaria algum dia.
Enquanto abrangia as terras com a vista, desfrutou do sentido de propriedade que cantava em seu sangue, mas não estava de todo satisfeito com a visão. Tudo tinha crescido com o inverno, os canteiros estavam vazios, as florescentes árvores frutíferas estavam cobertas com ervas daninhas, e as sebes e os carvalhos tinham perdido as folhas. Por conseguinte, podia-se ver o muro de contenção, e isso não era precisamente atrativo. Era melhor que esse tipo de coisas de segurança, tão antiestéticas estivesse cobertas.
Montrag voltou às costas e se encontrou com uma visão mais agradável, embora esta estivesse pendurada na parede. Com um rubor de reverência, contemplou sua pintura favorita da maneira que sempre fazia, já que certamente Turner merecia veneração tanto por sua maestria como por sua escolha de temas. Especialmente neste trabalho: a representação do sol se pondo sobre o mar era uma obra de mestre em muitos aspectos. As sombras de ouro e pêssego e o vermelho profundo ardente era um festim para os olhos que se viam extasiado pela biologia do verdadeiro forno brilhante que sustentava aceso, inspirava e esquentava o mundo.
Pintura semelhante seria o orgulho de qualquer coleção.
E ele tinha três Turner só nesta casa.
Com uma mão que se fechou em antecipação, pegou no canto inferior direito da moldura dourada e retirou a marinha da parede. O cofre que havia detrás se ajustava com precisão às dimensões da pintura e estava inserido entre a fita de seda e o gesso. Depois de inserir a combinação e fazer girar o seletor, houve um sutil deslocamento que foi apenas audível e que não dava nenhum indício de que cada um dos seis passadores retráteis era da grossura de um antebraço.
O cofre se abriu sem emitir som e acendeu uma luz interior, iluminando um espaço de três metros cúbicos amontoado com estojos finos de couro de joalheria, maços de cédulas de cem dólares, e documentos em pastas.
Montrag aproximou um banquinho bordado em estopa que tinha degraus e subiu sobre o estofo floreado. Esticando-se para alcançar o fundo do cofre, colocou a mão atrás de todas as escrituras de bens imóveis e certificados de ações, e tirou uma caixa de diversos títulos, em seguida deixou o cofre e a pintura tal e como tinham estado. Com um sentimento de excitação e contingência, levou a caixa metálica para a escrivaninha e tirou a chave do compartimento secreto que havia na gaveta inferior esquerda.
Seu pai lhe tinha ensinado a combinação do cofre e lhe tinha mostrado a localização do esconderijo, e quando Montrag tivesse filhos, transmitiria esse conhecimento. Assim, era como se assegurava de que as coisas de valor não se perdessem. Transmitindo-as de pai para filho.
A tampa da caixa de títulos não se abriu da mesma maneira bem calibrada e bem lubrificada em que tinha feito o cofre. Esta soltou um chiado quando se abriu de tudo, as dobradiças protestaram pela perturbação de seu descanso e a contra gosto revelou o que estava dentro de seu ventre metálico.
Ainda estavam aí. Dava graças à Virgem Escriba de que ainda estivessem ali.
Enquanto Montrag colocava a mão em seu interior, pensava no quão relativo era o valor destas páginas que em si mesmas valiam uma fração de centavo. A tinta contida dentro de suas fibras tampouco valia mais de um centavo. E ainda assim, pelo que nelas se indicava, eram inestimáveis.
Sem elas ele corria um perigo mortal.
Tirou um dos dois documentos, sem lhe importar qual retirava, porque eram idênticos. Entre seus dedos e com extremo cuidado, sustentou o equivalente vampírico de uma declaração jurada, uma dissertação de três páginas, escrita à mão e assinada com sangue a respeito de um acontecimento que tinha ocorrido vinte e quatro anos antes. Assinatura autenticada por cartório que mostrava na terceira página era mentira, uns garranchos apenas legíveis em cor marrom.
Mas em definitivo, foram feitos por um homem agonizante.
Rempoon, “o pai” de Rehvenge.
O documento expunha toda a desagradável verdade na Antiga Língua: o rapto da mãe de Rehvenge por parte dos symphaths, sua concepção e nascimento, a fuga dela e seu posterior matrimônio com o aristocrata Rempoon. O último parágrafo era tão acusatório como todo o resto:
Sobre minha honra, e a honra de meus antepassados e descendentes de sangue, na verdade nesta noite meu enteado, Rehvenge, caiu sobre mim e por causa das feridas mortais que ocasionou a meu corpo pela aplicação de suas mãos nuas sobre minha carne, fui rendido. Atuou com malícia e premeditação, atraindo-me a meu escritório com o propósito de provocar uma discussão. Eu estava desarmado. Após me ferir, ocupou-se do escritório e preparou a sala de forma que parecesse que tinha sido invadida por intrusos do exterior. Na verdade, abandonou-me sobre o chão para que a fria mão da morte capturasse minha forma corpórea, e abandonou o imóvel. Fui despertado em pouco tempo por meu querido amigo Rehm, quem veio de visita para discutir questões de negócios.
Não se espera que eu viva. Meu enteado me matou. Esta é minha confissão final como espírito encarnado na terra. Rogo que a Virgem Escriba possa me levar ao Fade com sua graça e com toda presteza.
Como o pai de Montrag lhe explicou mais tarde, Rempoon o tinha compreendido corretamente em sua maior parte. Rehm foi a negócios e tinha encontrado não só uma casa vazia, mas também o corpo ensangüentado de seu sócio… E, tinha feito o que qualquer macho razoável faria: ele mesmo roubou o escritório. Operando sob a certeza de que Rempoon estava morto, tratou de encontrar os papéis relativos ao negócio para que o interesse fracionário que tinha Rempoon ficasse fora de sua herança e Rehm viesse a ser o único proprietário absoluto do próspero negócio.
Tendo êxito em sua busca, Rehm estava a caminho da porta quando Rempoon evidenciou sinais de vida e um nome brotou de seus lábios gretados.
Rehm se sentia cômodo no papel de oportunista, mas cair no papel de cúmplice de assassinato era chegar muito longe. Chamou o doutor, e no tempo que Havers levou para chegar, os murmúrios de um macho agonizante relataram uma história de estremecer, de um valor que era inclusive maior que o da companhia. Pensando rapidamente, Rehm documentou a história e a assombrosa confissão sobre a verdadeira natureza de Rehvenge e fez com que Rempoon assinasse as páginas… Convertendo-as dessa forma em um documento legal.
Em seguida o macho se afundou na inconsciência e quando Havers chegou já estava morto.
Quando partiu, Rehm levou com ele tanto os documentos comerciais como a declaração jurada e foi elogiado como um valente herói por tentar resgatar ao macho agonizante.
Ao final, a utilidade da confissão era óbvia, mas a prudência de pôr tal informação em jogo estava menos clara. Enredar-se com um symphath era perigoso, tal como o sangue derramado de Rempoon tinha testemunhado. O sempre intelectual, Rehm, tinha ocultado a informação e a tinha seguido ocultando… Até que foi muito tarde para fazer algo com ela.
Segundo a lei, tinha a obrigação de entregar a um symphath, e Rehm tinha o tipo de prova que cumpria o início para denunciar a alguém. Entretanto, ao ter considerado suas opções durante tanto tempo, encontrava-se na arriscada posição de que pudesse chegar a imputar a si ser aquele que tinha protegido a identidade de Rehvenge. Se tivesse dado a conhecer vinte e quatro ou quarenta e oito horas depois do fato? Bem. Mas uma semana? Duas semanas? Um mês…?
Muito tarde. Em lugar de gastar completamente o ativo, Rehm contou a Montrag a existência da declaração jurada, e o filho compreendeu o equívoco do pai. Não havia nada a fazer no curto prazo, e só um cenário onde ainda podia chegar a ter algum valor… E o mesmo se suscitou durante o verão. Rehm fora assassinado durante as incursões e o filho tinha herdado tudo, incluindo os documentos.
Não poderiam culpar Montrag por seu pai ter escolhido não revelar o que sabia. Tudo o que tinha que fazer era declarar que tropeçou com os papéis enquanto revisava as coisas de seu pai, e ao entregá-los e entregar a Rehv, estaria simplesmente cumprindo seu dever.
Nunca saberia que conhecia sua existência desde o começo.
E ninguém acreditaria jamais que a idéia de matar o Wrath não tinha sido de Rehv. Depois de tudo, era um symphath, e não se podia confiar em nada do que dissessem. E mais, a seu favor em qualquer caso tanto se sua mão era a que apertava o gatilho, como se só ordenava o assassinato do rei, por ser o leahdyre do conselho, estava na posição que mais se beneficiava de sua morte. Que era exatamente a razão pela qual Montrag tinha propiciado que o macho subisse a esse papel.
Rehvenge empreenderia a proeza com o rei, em seguida Montrag iria ao conselho e se prostraria ante seus colegas. Diria que não tinha encontrado os papéis até ao momento de ter se transferido devidamente à casa de Connecticut, um mês depois das incursões e de que Rehv tivesse sido renomado leahdyre. Juraria que assim que os encontrou, se comunicou com o rei e revelou a natureza do assunto por telefone… Mas, Wrath o forçara a manter silêncio devido à posição comprometedora em que isto punha o Irmão Zsadist: depois de tudo, o Irmão era o companheiro da irmã de Rehvenge, e isto significaria que estava aparentada com um symphath.
É obvio que Wrath não poderia desmentir, já que estaria morto, e além do mais, o rei já era mal visto pelo modo em que tinha ignorado a crítica construtiva da glymera. O conselho estava predisposto a aceitar outra falta dele, fosse verdadeira ou fabricada.
Tratava-se de uma manobra intrincada, mas ia funcionar, porque o rei tendo morrido, o primeiro lugar aonde a raça iria procurar ao assassino seria entre o que ficasse do conselho, e Rehv, um symphath, era o bode expiatório perfeito: é obvio que um symphath faria algo assim! E Montrag contribuiria ao desenvolvimento dessa hipótese ao declarar que Rehv tinha ido vê-lo antes do assassinato e que lhe tinha falado com estranha convicção a respeito de mudanças de uma natureza sem precedentes. Além disso, as cenas dos crimes nunca estavam completamente limpas. Indubitavelmente, ficaria alguma coisa que vinculasse Rehv com a morte, fosse porque estivera realmente ali ou porque todo mundo estaria procurando exatamente esse tipo de provas.
E quando Rehv apontasse a Montrag? Ninguém acreditaria, em primeiro lugar porque era um symphath, mas também porque, seguindo a tradição de seu pai, Montrag sempre tinha cultivado uma reputação de seriedade e honradez tanto em seus entendimentos comerciais como em sua conduta social. Pelo que concernia a seus colegas membros do conselho estava acima de toda recriminação, era incapaz de enganar a alguém, e um macho de valia de linhagem impecável. Nenhum deles tinha a mínima pista de que seu pai e ele tinham traído a muitos sócios e colegas assim como também a parentes de sangue… Posto que foram cuidadosos ao escolher a suas presas de modo que se mantivessem as aparências.
O resultado? Ao Rehv imputariam a acusação de traição, seria detido e morreria segundo a lei dos vampiros ou deportado à colônia symphath, onde seria assassinado por ser um mestiço.
Qualquer dos dois resultados era aceitável.
Tudo estava disposto, e por esse motivo Montrag acabava de ligar seu melhor amigo.
Pegando a declaração jurada, dobrou e a deslizou dentro de um envelope grosso e macio.
Pegando uma folha de seu papel de cartas personalizado de uma caixa de couro, escreveu uma rápida carta ao macho que designaria como seu subcomandante, e que cimentaria o cenário para a caída de Rehvenge. Enquanto colocava o Turner de volta a seu lugar, a paisagem lhe falou como sempre, e por um momento, permitiu-se sair do manicômio que estava criando de propósito, e penetrou nesse mar pacífico e encantador. Ocorreu-lhe que a brisa devia ser cálida.
Queridíssima Virgem Escriba, como sentia falta do verão durante esses meses frios, mas, por outro lado, era esse contraste o que animava o coração. Sem o frio do inverno, a gente não apreciaria em sua justa medida as abafadiças noites de julho e agosto.
Imaginou onde estaria dentro de seis meses quando a lua cheia do solstício se elevasse sobre a extensa cidade de Caldwell. Chegando junho, ele seria rei, um monarca eleito e respeitado. Se somente seu pai estivesse vivo para ver…
Montrag tossiu. Inalou emitindo um soluço. E sentiu algo molhado na mão.
Olhou para baixo. A frente de sua camisa branca estava toda coberta de sangue.
Abriu a boca tentando tomar ar suficiente para gritar pedindo ajuda, mas só saiu um som gorgolejante...
Rapidamente levou as mãos ao pescoço que se parecia com um gêiser que surgia de sua artéria carótida exposta. Girando em círculo, viu uma fêmea ante ele com um corte de cabelo masculino e calças de couro negro. A faca em sua mão tinha a folha vermelha, e seu rosto era uma tranqüila máscara de indiferença e desapego.
Montrag caiu de joelhos ante ela e logo se retorceu para a direita, suas mãos seguiam tentando manter o sangue vital dentro de seu corpo e que não se esparramasse sobre o tapete Aubusson de seu pai.
Ainda estava vivo quando ela o pôs de barriga para cima, tirou um instrumento arredondado feito de ébano, e se ajoelhou ante ele.

Como assassina, o desempenho de Xhex era medido em duas dimensões. A primeira: matara a seu objetivo? Essa se explicava por si mesma. A segunda: tinha sido um assassinato limpo? Que se referia a se existia algum dano colateral como ser necessárias outras mortes para proteger a si mesma, sua identidade e/ou a identidade do indivíduo que lhe tinha encarregado o trabalho.
Neste caso, a primeira ia ser um trabalho fácil, considerando o modo em que a artéria de Montrag se converteu em um tubo de deságüe. A segunda, ainda estava em veremos, assim tinha que trabalhar rápido. Tirou o lys de suas calças de couro, inclinou-se sobre o bastardo, e não esbanjou mais de um nano segundo em observar como giravam os olhos.
Agarrou-o pelo queixo e o obrigou a enfrentá-la.
— Olhe-me. Olhe-me!
O selvagem olhar dele se disparou para o seu, e quando o fez, ela apresentou o lys.
— Sabe por que estou aqui e quem me envia. E não é Wrath.
Fez-se evidente que ainda chegava suficiente oxigênio ao cérebro de Montrag, porque seus lábios vocalizaram Rehvenge, com expressão horrorizada, antes que aqueles globos oculares começassem de novo seus giros.
Soltou-lhe o queixo e o esbofeteou com força.
— Preste atenção, imbecil. Olhe-me.
Com seus olhares travados e agarrando sua mandíbula de novo, abriu-lhe ainda mais a pálpebra superior e inferior de seu olho esquerdo deixando-o inclusive mais aberto.
— Olhe-me.
Ao mesmo tempo em que tirava o lys e o aproximava da aba de seu nariz para exercer pressão dentro da concha de seu olho, metia-se em seu cérebro e desencadeava todo tipo de lembranças. Ah… Interessante. Verdadeiramente tinha sido um intrigante filho da puta, especializado em extorquir às pessoas por dinheiro.
Montrag apalpou o tapete com as mãos e cravou os dedos com força enquanto gorjeava tentando dar um grito. O globo ocular saiu do crânio como um melão doce tirado com colher de sua casca, tão perfeitamente redondo e limpo como poderia desejar. Com o olho direito foi exatamente igual. Pôs ambos em uma bolsa de veludo em linha enquanto os braços e pernas de Montrag se sacudiam e batiam sobre seu custoso tapete e seus lábios se retraíam para trás de tal maneira que deixavam ao descoberto todos seus dentes incluindo seus molares.
Xhex o abandonou a sua pouco prolixa morte, saiu pela porta francesa que ficava diretamente atrás do escritório e se desmaterializou próxima a sebe da qual tinha feito o reconhecimento do lugar pela primeira vez no dia anterior. Esperou ali durante aproximadamente vinte minutos e logo observou como uma doggen entrava no escritório, via o corpo, e deixava cair à bandeja de prata que levava.
Quando o bule e a porcelana ricochetearam, Xhex levantou a tampa de seu telefone, apertou chamar, e o levou a orelha. Quando a voz profunda de Rehv respondeu disse:
— Está feito e o encontraram. A execução foi limpa e te levo a lembrança. Hora estimada de chegada: dez minutos.
— Bem feito. — disse Rehv com voz enrouquecida — Filho da mãe.


Capítulo 23


Wrath franziu o cenho enquanto falava pelo celular.
— Agora? Quer que vá ao norte do Estado agora?
A voz de Rehv estava carregada de “não estou te ferrando”.
— Isto tem que ser feito em pessoa, e me encontro imobilizado.
Do outro lado do escritório, Vishous, que fora informar sobre o trabalho de rastreamento feito sobre as caixas de armas, vocalizou: Que lixo é esse?
Que era exatamente o que Wrath estava pensando. Um symphath te liga às duas horas antes da alvorada e te  pede que vá ao norte do Estado porque “tem algo que precisa te dar”. Sim, certo, o bastardo era irmão de Bella, mas sua natureza era o que era, e certamente esse “algo” não era uma cesta de fruta.
— Wrath, isto é importante. — disse o macho.
— Está certo, vou agora mesmo. — Wrath baixou a tampa de seu telefone e olhou o Vishous — Eu…
— Phury está fora caçando esta noite. Não pode ir ali sozinho.
— As Escolhidas estão na casa. — e estiveram entrando e saindo do Grande Rancho de Rehv desde que Phury tinha tomado as rédeas como Primale.
— Não é exatamente o tipo de proteção que tinha em mente.
— Posso me arrumar sozinho, que se dane bonitinho.
V cruzou os braços, seus olhos de diamante cintilaram.
— Vamos agora? Ou depois de que perca tempo tratando de me fazer mudar de opinião?
— Muito bem. Como quiser. Vemo-nos no vestíbulo dentro de cinco minutos.
Enquanto deixavam o escritório juntos, V disse:
— Sobre essas armas? Ainda estou tentando rastreá-las. Neste momento, não tenho nada, mas já me conhece. Isto não vai seguir assim, de verdade. Não me importa que os números de série tenham sido apagados, vou averiguar onde conseguiram esta merda.
— A confiança é alta, meu irmão. A confiança é muito alta.
Depois de estarem completamente armados, os dois viajaram ao norte como um baile de moléculas livres, concentrando-se no Grande Rancho de Rehv nas Adirondacks e materializando-se à beira de um tranqüilo lago. Frente a eles, a casa era um enorme rancho de estilo Vitoriano, com teto de tábuas, janelas em forma de losango, e alpendres com postes de cedro em ambos os andares.
Com montões de cantos. E montões de sombras. E muitas daquelas janelas que pareciam olhos.
A mansão era bastante horripilante por si só, mas ao estar rodeada por um campo de força do equivalente symphath ao mhis, um cara indubitavelmente poderia convencer-se que Freddy, Jason, Michael Myers, e uma turma de camponeses com todas as suas serras mecânicas viviam dentro: ao redor do lugar, o temor era uma cerca intangível feita de arame farpado mental, e até Wrath, que sabia o que ocorria, alegrou-se quando atravessou a barreira.
No momento em que forçou seus olhos para poder enfocar melhor, Trez, um dos guardas pessoais de Rehv, abriu as portas duplas do alpendre que estava de frente ao lago e levantou a mão lhes dando as boas-vindas.
Wrath e V andaram pela grama cristalizada e rangente, e embora mantivessem as armas embainhadas, V tirou a luva de sua mão direita incandescente. Trez era o tipo de macho que respeitava, e não só porque fosse um Sombra. O segurança tinha o corpo musculoso de um lutador e o olhar inteligente de um estrategista, e sua lealdade era para o Rehv e só Rehv. Para proteger ao macho? Trez arrasaria um quarteirão inteiro da cidade em um instante.
— Como está, grandalhão? — disse Wrath enquanto subia os degraus do alpendre.
Trez avançou e entrechocaram as Palmas.
— Estou de primeira. E você?
— Bem como sempre. — Wrath golpeou ao macho no ombro — Ouça, se alguma vez quiser um trabalho de verdade, vêem lutar conosco.
— Sou feliz onde estou, mas obrigado. — o segurança sorriu abertamente e se voltou para V, seus olhos escuros descenderam rapidamente para a mão exposta de V — Sem ofender, mas eu não aperto essa coisa.
— Muito sábio de sua parte. — disse Vishous enquanto lhe oferecia a esquerda — Entretanto, compreende-o.
— Absolutamente, faria o mesmo pelo Rehv. — Trez liderou o caminho para as portas — Está em seu dormitório, esperando-os.
— Está doente? — perguntou Wrath ao entrar na casa.
— Querem algo de beber? Comer? — ofereceu Trez enquanto se dirigiam para a direita.
Como a pergunta ficou sem responder, Wrath olhou o V.
— Estamos bem, obrigado.
A decoração do lugar parecia saída do bolso traseiro de Vitória e Albert, com o pesado mobiliário imperial e a abundância de vermelho e dourado que havia em qualquer parte. Fiel ao gosto pela recopilação que imperava no período Vitoriano, cada cômodo tinha um tema diferente. Havia uma sala de estar cheia de relógios antigos marcando o tempo, onde encontrava relógios de pé, relógios de metal a corda e relógios de bolso que estavam expostos em vitrines. Outra tinha conchas, coral e madeiras de naufrágios que tinham séculos de antigüidade. Na biblioteca, havia muito belos vasos e fontes Orientais, e a sala de jantar estava equipada com ícones medievais.
— Surpreende-me que não haja mais Escolhidas por aqui. — disse Wrath enquanto atravessavam um cômodo vazio atrás de outro.
— Rehv deve vir aqui à primeira terça-feira de cada mês. Ele põe às mulheres um pouco nervosas, assim que a maioria delas volta para Outro Lado. Entretanto, Selena e Cormia sempre ficam. — havia uma grande quantidade de orgulho em sua voz quando acrescentou — São muito fortes, essas duas.
Subiram por uma magnífica escada até o primeiro andar e continuaram por um comprido corredor até um par de portas lavradas que indubitavelmente diziam a gritos “senhor da casa”.
Trez fez uma parada.
— Ouça, ele está um pouco doente, ok? Nada contagioso. É só… Que quero que estejam preparados. Demos tudo o que necessita e vai ficar bem.
Quando Trez bateu e abriu ambas as portas, Wrath franziu o cenho e sua visão se aguçou por sua conta quando seus instintos se avivaram.
No meio de uma cama esculpida, Rehvenge jazia imóvel como um cadáver, com um edredom de veludo vermelho até o queixo e o casaco de zibelina envolvendo seu corpo. Tinha os olhos fechados, sua respiração era superficial, e sua pele estava pálida e de cor amarelada. Seu moicano raspado era o único que se via remotamente normal… Isso e o fato de que, a sua mão direita estava Xhex, a fêmea symphath mestiça que tinha o aspecto de realizar castrações por diversão e para tirar lucros.
Rehv abriu os olhos, e a cor ametista se via opaca aproximando-se mais a uma lúgubre púrpura arroxeado.
— É o rei.
— Tudo bem?
Trez fechou as portas e como sinal de respeito se postou ao lado delas e não no centro como se estivesse bloqueando o caminho.
— Já lhes ofereci bebidas e comida.
— Obrigado, Trez. — Rehv fez uma careta de dor e realizou um movimento com a intenção de erguer-se sobre os travesseiros. Quando só conseguiu voltar a cair, Xhex se inclinou para ajudar, e lançou um olhar ameaçador de “nem sequer o pense”. O qual ignorou.
Depois de estar acomodado em uma posição erguida, subiu o edredom até o pescoço, cobrindo as estrelas vermelhas que tinha tatuadas no peito.
— Então, tenho algo para você, Wrath.
— Ah, sim?
Rehv fez um gesto com a cabeça para Xhex, que colocou a mão na jaqueta de couro que levava posta. No instante em que se moveu, o canhão da arma de V voou para cima, rápido como uma piscada e apontou diretamente ao coração da fêmea.
— Quer tirar com calma? — ela soltou a V.
— Nem no mais mínimo. Sinto muito — V parecia tão arrependido como uma destrutiva bola no meio de um balanço.
— De acordo, vamos nos tranqüilizar. — disse Wrath, e inclinou a cabeça para Xhex — Por favor, continue.
A mulher tirou uma bolsa de veludo e a lançou em direção a Wrath. Enquanto esta ia para ele, ouviu o suave assobio de seu vôo e apanhou a coisa, não por tê-la visto, mas sim pelo som.
Dentro havia dois olhos cor azul clara.
— Pois, ontem à noite tive uma reunião interessante. — disse Rehv arrastando as palavras.
Wrath olhou ao symphath.
— De quem é o olhar vazio que tenho em minha palma?
— De Montrag, filho de Rehm. Veio até mim pedindo que te matasse. Tem grandes inimigos dentro da glymera, meu amigo, e Montrag era só um deles. Não sei quem mais estava metido nesta conspiração, mas não podia me arriscar a tratar de averiguá-lo antes de ter tomado cartas no assunto.
Wrath colocou os olhos na bolsa e fechou seu punho em torno deles.
— Quando o fariam?
— Na reunião do conselho, depois de amanhã à noite.
— Filho de uma cadela.
V guardou a arma e cruzou os braços sobre o peito.
— Sabe, desprezo a esses filhos da puta.
— Pois parece que estou pregando aos convertidos. — disse Rehv antes de voltar a enfocar-se no Wrath — Não fui a você antes de solucionar o problema porque a idéia de que o rei me deva algo me resulta atrativa.
Wrath não pôde evitar rir.
— Comedor de pecados.
— Já sabe.
Wrath fez a bolsinha ricochetear em sua mão.
— Quando aconteceu isto?
— Faz aproximadamente meia hora. — respondeu Xhex — E não apaguei o rastro.
— Bem, certamente captaram sua mensagem. E ainda penso ir a essa reunião.
— Está seguro de que é prudente? — perguntou Rehv — Quem é que esteja detrás disto não voltará a ir para mim, porque sabem onde parece estar minha lealdade. Mas isso não significa que não encontrarão a outra pessoa.
— Deixe que o façam. — disse Wrath — Aceito o combate mortal. — desviou o olhar para Xhex — Montrag implicou a alguém?
— Cortei-lhe sua garganta de orelha  a orelha. Falar seria difícil.
Wrath sorriu e olhou o V.
— Sabe? É um pouco surpreendente que vocês dois não se dêem melhor.
— Em realidade não. — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Posso adiar a reunião do conselho. — murmurou Rehv — Se quer fazer um reconhecimento por si mesmo para averiguar quem mais está comprometido.
— Não! Se tivessem culhões como é devido, teriam tratado de me matar eles mesmos, e não teriam ido a você para que o fizesse. Assim vai ocorrer uma de duas coisas: como não sabem se Montrag os delatou antes de ficar visualmente impedido, vão esconder-se, porque isso é o que os covardes fazem, ou vão endossar a culpa a outro. Assim que a reunião segue de pé.
Rehv sorriu enigmaticamente, o symphath nele se fez evidente.
— Como deseja.
— Entretanto, quero uma resposta honesta de tua parte. — disse Wrath.
— Qual é a pergunta?
— Sinceramente considerou me assassinar? Quando lhe pediu isso.
Rehv ficou em silêncio durante um momento. Logo, assentiu devagar com a cabeça.
— Sim, fiz. Mas como já disse, agora está em dívida comigo, e dadas meus… As circunstâncias de meu nascimento, por assim dizer… Isso é muito mais valioso que o que qualquer aristocrata puxa-saco e imbecil pode fazer por mim.
Wrath assentiu com a cabeça uma vez.
— Posso respeitar esse tipo de raciocínio.
— Além disso, confrontemos: — Rehv sorriu outra vez — minha irmã se casou com alguém de sua família.
— Sei que o fez, symphath. Sei que o fez.

Após colocar a ambulância na garagem, Ehlena cruzou o estacionamento e entrou na clínica. Precisava recolher suas coisas do vestiário, mas isso não era o que a motivava. Pelo geral a essa hora da noite, Havers estava em seu escritório trabalhando nos históricos, e para ali se dirigiu. Quando chegou a sua porta, tirou-se a presilha, alisou o cabelo para trás, e o atou bem preso na base de seu pescoço. Ainda levava o casaco posto, mas embora não fosse caro, estava confeccionado em lã negra e parecia feito sob medida, assim imaginou que tinha bom aspecto.
Bateu na porta, e quando uma voz educada respondeu, entrou. O antigo escritório de Havers tinha sido um esplêndido escritório do velho mundo, cheio de antiguidades e livros encadernados em couro. Agora que estavam nesta nova clínica, sua zona de trabalho privada não era diferente de qualquer outra: paredes brancas, chão de linóleo, escrivaninha de aço inoxidável e cadeira negra com rodas.
— Ehlena. — disse ele quando levantou a vista do histórico que estava revisando — Que tal foi?
— Stephan está onde pertence...
— Querida, não tinha nem idéia de que o conhecesse. Catya me contou isso.
— Eu… O conhecia. — mas talvez não devesse ter mencionado isso à fêmea.
— Queridíssima Virgem Escriba, por que não disse?
— Porque quis honrá-lo.
Havers tirou os óculos de tartaruga marinha e esfregou os olhos.
— Ai, que pena! É algo que posso entender. De todos os modos, desejaria ter sabido. Ocupar-se dos mortos nunca é fácil, mas é especialmente difícil se tratar de uma relação pessoal.
— Catya me deu o resto do turno livre…
— Sim, eu o disse. Teve uma noite muito longa.
— Bem, obrigada! Entretanto antes de partir, quero lhe perguntar sobre outro paciente.
Havers pôs os óculos novamente.
— É obvio. Qual?
— Rehvenge. Ingressou ontem de tarde.
— Recordo-o. Tem alguma dificuldade com seus medicamentos?
— Por acaso você viu seu braço?
— Braço?
— A infecção que tem nas veias do lado direito.
O médico da raça deslizou os óculos de tartaruga marinha para cima por seu nariz.
— Ele não me indicou que seu braço estivesse dando moléstias. Se quiser voltar para ver-me, estarei encantado de revisá-lo. Mas como sabe, não posso prescrever nada sem examiná-lo.
Ehlena abriu a boca para argumentar quando apareceu a cabeça de outra enfermeira.
— Doutor? — disse a fêmea — Seu paciente está preparado na sala de exame número quatro.
— Obrigado. — Havers olhou novamente a Ehlena — Agora vá para casa e tire um descanso.
— Sim, Doutor.
Ela se escapuliu do escritório e observou como o médico da raça se afastava rapidamente e desaparecia ao virar na esquina.
Rehvenge não voltaria para ver Havers. De maneira nenhuma. Um: parecia estar muito doente para fazê-lo, e dois: já havia demonstrado ser um idiota teimoso ao ocultar deliberadamente aquela infecção ao doutor.
Macho. Estúpido.
E ela também era estúpida, considerando o que estava dando voltas em sua mente.
Em termos gerais, a ética nunca tinha sido um problema para ela. Fazer as coisas corretamente não requeria reflexão, nenhuma negociação de princípios, nem um cálculo de custo e benefícios. Por exemplo, seria incorreto ir ao fornecimento de penicilina da clínica e surrupiar, ah, digamos, pílulas de oito mil e quinhentos miligramas.
Sobretudo se daria essas pílulas a um paciente que não tinha sido visto pelo doutor para que tratasse dessa doença.
Seria simplesmente incorreto. Por qualquer ângulo que olhasse.
O correto seria telefonar ao paciente e persuadi-lo para que comparecesse à clínica para que o doutor o visse, e se não conseguisse fazer que pusesse seu rabo em marcha? Então isso seria tudo.
Sim, sem muitas complicações.
Ehlena se dirigiu para a farmácia.
Decidiu deixar nas mãos do destino. E que te parece? Era o descanso para o cigarro. O pequeno relógio marcava três e quarenta e cinco.
Olhou seu relógio. Três e trinta e três.
Abrindo o ferrolho da porta balcão, entrou na farmácia, foi direito para a penicilina, e sacudiu os frascos de pílulas de oito mil e quinhentos miligramas enfiando-os no bolso de seu uniforme… Exatamente o que tinha sido prescrito, três noites antes, para um paciente com um problema similar.
Rehvenge não ia voltar para a clínica em breve. Assim levaria o que necessitava.
Disse a si mesma que estava ajudando a um paciente e que isso era o mais importante. Demônios! Possivelmente estivesse lhe salvando a vida. Deste modo assinalou a sua consciência que isto não era OxyContin, nem Valium, nem morfina. Até onde ela sabia nunca ninguém tinha moído umas pílulas de penicilina para aspirá-las procurando um “barato”.
Enquanto entrava no vestiário e recolhia o almoço que havia trazido, mas não comera não se sentiu culpada. E quando se desmaterializou para sua casa, não sentiu nenhuma vergonha ao ir à cozinha e pôr as pílulas em uma bolsa Ziploc e colocar esta em sua bolsa.
Este era o caminho que ela escolhia. Stephan já havia morrido quando chegou até ele, e o melhor que tinha sido capaz de fazer foi ajudar a envolver seus membros frios e rígidos no linho cerimonioso. Rehvenge estava vivo. Vivo e sofrendo. E, se ele era o causador disso ou não, ainda podia ajudá-lo.
O resultado era ético inclusive se o método não o fosse.
E, algumas vezes, isso era o melhor que podia fazer.


Capítulo 24


Quando Xhex retornou ao ZeroSum eram três e meia da manhã, bem a tempo de fechar o clube. Além do mais, tinha um trabalhinho para fazer, e até que esvaziasse as caixas registradoras e despachasse o pessoal e os seguranças, não poderia atender seu assunto pessoal.
Antes de deixar o grande rancho de Rehv, entrou no banheiro e tornou a pôr os cilícios, mas os fodidos não estavam funcionando. Estava excitada. Repleta de energia. Exatamente no limite. Para o que serviam, bem podia ter levado um par de cordões atados às coxas.
Deslizando pela porta lateral da seção VIP, examinou a multidão, muito consciente de estar procurando um homem em particular.
E ele estava ali.
John Matthew fodido! Um trabalho bem feito sempre a deixava faminta e o último que precisava era a proximidade de gente como ele.
Como se notasse seus olhos sobre ele, levantou a cabeça e seus olhos de um azul profundo se acenderam. Como se deduzissem o que ela desejava. E dada à forma em que discretamente se reacomodou nas calças, estava preparado para se pôr a seu serviço.
Xhex não pôde evitar torturar a ambos. Enviou-lhe uma imagem mental, incutindo-a diretamente dentro de sua cabeça: era deles dois em um banheiro privado, ele estava de pé, reclinando-se para trás sobre o lavabo, ela tinha um pé plantado no tampo da pia, seu sexo estava profundamente enterrado no dela e os dois estavam ofegando.
Enquanto a olhava fixamente através da boate lotada, a boca de John se abriu e o rubor que cobriu suas bochechas nada tinha a ver com o abafado, e tudo com o orgasmo que sem dúvida estava pulsando em seu pênis.
Deus! Desejava-o.
Seu amigo, o ruivo, arrancou-o de seu frenesi. Blaylock retornou à mesa com três cervejas agarradas pelo gargalo, e quando lhe deu uma olhada ao endurecido e excitado rosto do John, deteve-se em seco e a olhou surpreso.
Merda!
Xhex se despediu dos seguranças que estavam se aproximando com um gesto da mão e saiu da seção VIP tão rápido, que quase derrubou uma garçonete.
Seu escritório era o único lugar seguro, e se dirigiu para lá correndo. O assassinato era um motor que, uma vez que se punha em marcha, era difícil de desacelerar e as lembranças do assassinato, do doce momento em que olhou aos olhos de Montrag para logo lhe arrebatar a vista, estavam ativando seu lado symphath. Para consumir essa energia, e aplacar-se, necessitava uma de duas coisas.
Ter sexo com o John Matthew era sem dúvida uma delas. A outra era muito menos prazerosa, mas na falta de pão, as tortas são boas, e estava a ponto de tirar seu lys e ir aplicá-lo a quantos humanos encontrasse em seu caminho. O que não seria bom para os negócios.
Cem anos depois, fechou a porta ao ruído e às pessoas que se apertavam como gado, mas não encontrou descanso em seu desértico refúgio. Demônios, nem sequer podia acalmar-se o suficiente para apertar os cilícios. Caminhou ao redor do escritório, sentindo-se enjaulada, pronta para entrar em ebulição, tratando de apaziguar-se para poder…
Com um rugido, a mudança a fulminou, seu campo visual se transformou, convertendo-se em vários matizes de vermelhos como se alguém acabasse de lhe pôr uma viseira sobre os olhos. Ao mesmo tempo, quadriculou as emoções de cada coisa viva que havia no clube, e, estalaram em seu cérebro. As paredes e o chão desapareceram e foram substituídos pelos vícios e os desesperos, os aborrecimentos e os desejos luxuriosos, as crueldades e a dor que eram tão sólidos para ela como tinha sido anteriormente a estrutura do clube.
Seu lado symphath estava saturado do “vamos-nos-portar-bem” e estava preparado para esfolar a esse bando de parvos humanos sorridentes excessivamente drogados que havia ali fora.

Quando Xhex se foi como se o chão da pista estivesse em chamas e ela fosse à única com um extintor, John voltou a afundar no banco. Após o que tinha visto em sua mente se desvaneceu, o incômodo do formigamento que sentia em sua pele começou a esfumar-se, mas sua ereção não pensava aceitar o “Oh! Bom, possivelmente da próxima vez”.
Dentro de seu jeans, tinha o pênis duro, aprisionado detrás da braguilha de botões.
Merda! Pensou John. Merda. Só... Merda!
— Linda forma de bloquear-pênis, Blay. — resmungou Qhuinn.
— Sinto. — disse Blay enquanto deslizava no banco e distribuía as cervejas — Sinto muito… Merda.
Bem, acaso isso não resumia tudo perfeitamente?
— Sabe, realmente está interessada em você. — disse Blay com um toque de admiração — Refiro-me a que, pensava que vínhamos aqui só para que pudesse contemplá-la. Mas não sabia que ela também te via dessa forma.
John abaixou a cabeça para ocultar as bochechas que ultrapassavam de longe o vermelho do cabelo de Blay.
— Sabe onde é seu escritório, John. — os olhos díspares de Qhuinn se mantiveram no mesmo nível enquanto inclinava para trás a recém trazida cerveja e dava um comprido trago — Vá ali. Agora. Assim, ao menos um de nós consegue um pouco de alívio.
John reclinou para trás e esfregou as coxas, pensando exatamente o mesmo que Qhuinn. Mas tinha culhões para fazê-lo? E, se se aproximava dela e o rechaçava?
E se voltava a perder sua ereção?
Entretanto, ao recordar o que tinha visto em sua mente, já não se sentiu tão preocupado por esse aspecto. Estava preparado para chegar ao clímax ali mesmo onde estava sentado.
— Pode ir sozinho a seu escritório. — continuou Qhuinn em voz baixa — Posso esperar no começo do corredor e me assegurar que ninguém os interrompa. Estará a salvo, e será em particular.
John pensou no único momento em que ele e Xhex estiveram juntos e a sós em um espaço fechado. Tinha sido em agosto, no banheiro dos homens da sobreloja, ela o tinha encontrado saindo a tropicões de um cubículo, completamente bêbado. Inclusive apesar de ter estado muito intoxicado, bastou vê-la para estar disposto, desesperado por seu sexo… E graças a uma grande quantidade de confiança proporcionada pela Corona, teve os colossais culhões de aproximar-se dela e lhe escrever uma mensagem em uma toalha de papel. Fizera-o para cobrar a vingança pelo que lhe tinha pedido.
O justo era justo. Queria que dissesse seu nome quando chegasse ao orgasmo durante a masturbação.
Desde então se mantiveram afastados no clube, mas malditamente juntos quando estavam em suas camas… E sabia que esteve fazendo o que lhe tinha pedido, podia dizer pela forma em que o olhava. E o pequeno intercâmbio telepático desta noite a respeito do que ela pensava que deveriam estar fazendo em um dos banheiros, era a prova suficiente de que até ela seguia ordens de vez em quando.
Qhuinn pôs uma mão no braço de John, e quando este elevou a vista para olhá-lo, o macho gesticulou: Saber encontrar o momento oportuno é tudo, John.
Muito certo. Ela o desejava, e esta noite não tinha sido unicamente no sentido da fantasia, como quando estava sozinha em casa. John não sabia o que havia mudado para ela nem qual tinha sido o catalisador, mas ao seu pênis não importava uma merda esse tipo de detalhes.
O resultado era tudo o que importava.
Literalmente.
Além disso, porra, acaso permaneceria virgem o resto de sua vida só por algo que lhe tinham feito fazia uma vida? Saber encontrar o momento oportuno era tudo, e estava farto de permanecer impassível, negando a si mesmo o que verdadeiramente desejava.
John ficou de pé e fez um gesto com a cabeça ao Qhuinn.
— Filho da puta! — disse o macho enquanto deslizava fora do banco embutido — Blay voltaremos.
— Tome seu tempo. E, John, boa sorte, ok?
John aplaudiu o ombro de seu amigo e se acomodou nos jeans antes de encaminhar-se para a saída da seção VIP. Qhuinn e ele passaram e cumprimentaram os seguranças junto ao cordão de veludo, e logo também passaram pelos suarentos bailarinos que estavam perreando[47], aos que estavam se beijando e a uma multidão que estava amontoando-se ao redor do grande balcão para o último pedido. Xhex não estava em nenhuma parte, e se perguntou se não teria ido a sua casa.
Não, pensou. Tinha que estar ali para fechar, porque Rehv não apareceu pelos arredores.
— Possivelmente já está em seu escritório. — disse Qhuinn.
Enquanto subiam as escadas para a sobreloja, pensou na primeira vez que a tinha visto. Falando de começar com o pé errado. Ela o tinha arrastado por este mesmo corredor e o tinha interrogado depois de tê-lo pego escondendo uma arma para que Qhuinn e Blay pudessem ter sexo em paz. Assim, foi como ela se inteirou de seu nome e de sua vinculação com Wrath e a Irmandade, e a forma em que o tinha maltratado o tinha excitado… Logo depois de ter superado a convicção de que ia despedaçá-lo membro a membro.
— Estarei aqui. — disse Qhuinn detendo-se no começo do corredor — Vai bem.
John assentiu e logo pôs um pé frente ao outro, frente ao anterior, e o corredor começou a ficar mais e mais escuro à medida que avançava. Quando chegou a sua porta, não se deteve a pensar, muito atemorizado de mandar mal e sair correndo para seu amigo.
Sim, e quanta falta de culhões lhe faria ver?
Além disso, desejava-o. Necessitava-o.
John levantou os nódulos para golpear… E ficou congelado. Sangue. Cheirava… Sangue.
Dela.
Sem pensar, abriu a porta e...
Oh. Deus Meu! Vocalizou.
Xhex levantou a cabeça bruscamente deixando de lado o que estava fazendo, e essa visão dela lhe ficou gravada a fogo. Havia tirado as calças de couro e as tinha pendurado no respaldo da cadeira, suas pernas estavam sulcadas por seu próprio sangue… Sangue que fluía das tiras com puas de metal que abraçavam suas duas coxas. Tinha uma bota negra sobre o escritório e estava no processo das apertá-las?
— Merda! Sai daqui!
Por quê? gesticulou com a boca, indo para ela, estendendo a mão. Oh… Deus tem que parar.
Com um profundo grunhido de sua garganta, apontou-lhe com o dedo.
— Não se aproxime.
John começou a gesticular rápida e torpemente, apesar dela não entender LSA — por que está fazendo isto…
— Porra sai daqui! Agora!
Por quê? Gritou-lhe silenciosamente.
Em resposta, seus olhos flamejaram em uma cor vermelha rubi, como se tivesse flashes coloridos engastados em seu crânio, e John ficou absolutamente gelado.
Havia só uma coisa no mundo da Irmandade que fazia isso.
— Vai.
John girou sobre si mesmo e foi direta e velozmente para a porta. Quando estendia a mão para agarrar a maçaneta, viu que era possível fechá-la por dentro, e com um rápido giro da chave de aço inoxidável, fechou-a assim ninguém mais poderia vê-la.
Quando chegou onde estava Qhuinn, não se deteve. Simplesmente prosseguiu, sem lhe importar se seu amigo e guarda pessoal o seguia.
De todas as coisas que podia ter averiguado alguma vez sobre ela, esta era a única nunca poderia ter previsto.
Xhex era uma maldita symphath.


Capítulo 25


Do outro lado de Caldwell, em uma rua ladeada de árvores, Lash estava sentado em um sofá com capa de veludo escuro, dentro de um apartamento com fachada de areia cor parda avermelhada. Pendurados ao seu lado estavam os únicos outros vestígios dos elegantes e enriquecidos humanos que viveram no lugar anteriormente: metros de formosas cortinas de damasco que iam do chão ao teto e ressaltavam as janelas panorâmicas que sobressaíam sobre a calçada.
Lash adorava as malditas cortinas. Eram de cor vinho, dourado e negro, adornadas com franjas e pompons de cetim dourado do tamanho de bolas de gude. Em sua exuberante glória, recordavam-lhe as coisas que sempre teve quando vivia naquela grande mansão Tudor, localizada na colina.
Sentia falta da elegância dessa vida. O pessoal. As comidas. Os carros.
Estava passando muito tempo com as classes baixas.
Merda, as classes baixas dos humanos, em atenção ao fundo de onde eram extraídos os lessers.
Esticou-se e acariciou uma das cortinas, ignorando a nuvem de pó que flutuou no ar assim que a tocou. Encantadora. Tão pesada e substancial, não havia nada barato nela, nem a malha, nem as tinturas, nem as pregas e cós costurados à mão.
A sensação o fez precaver-se de que precisava de uma boa casa própria e pensou que talvez pudesse ser este apartamento de pedra avermelhada. Segundo o senhor D, a Sociedade Lessening era proprietária deste lugar fazia três anos, a propriedade tinha sido comprada por um Fore-lesser convencido de que havia vampiros na área. Tinha uma garagem para dois carros enfiados no beco traseiro, assim havia intimidade, e era o mais próximo à elegância que poderia conseguir ao menos durante um bom tempo.
Grady entrou com um celular na orelha, na volta final da pista que tinha fabricado com suas caminhadas das últimas duas horas. Enquanto falava, a voz do tipo ressoava no teto alto.
Agora, apropriadamente motivado pela glândula supra-renal, o tipo havia revelado os nomes de sete distribuidores e esteve chamando um após o outro, conversando até convencê-los que se reunissem com ele.
Lash deu uma olhada ao papel onde Grady havia rabiscado sua lista. Sim, todos os contatos estariam livres de falência? Só o tempo o diria, mas um deles era definitivamente sólido. A sétima pessoa, cujo nome ao final da nomenclatura estava rodeado por um círculo negro, era alguém a quem Lash conhecia: o Reverendo.
Aliás, Rehvenge, filho de Rempoon. Proprietário do ZeroSum.
Aliás, o sacana territorial que tinha jogado Lash a pontapés de seu clube porque havia vendido umas poucas gramas aqui e ali. Merda, Lash não podia acreditar que não tivesse pensado nisso antes. É obvio que Rehvenge estaria na lista. Inferno, ele era o rio onde desembocavam todas as correntes, o cara com quem os fabricantes sul-americanos e chineses tratavam diretamente.
E isto não fazia as coisas ainda mais interessantes?
— Bom, te verei então. — disse Grady ao telefone. Quando desligou, deu-lhe uma olhada — Não tenho o número de Reverendo.
— Mas sabe onde o encontrar, verdade? – óbvio. Todos no negócio da droga, desde camelos a usuários passando pela polícia sabiam onde o cara passava seu tempo, e por esta razão era um mistério que o lugar não tivesse sido fechado fazia muito tempo.
— Entretanto, isso será um problema. Minha entrada está proibida no ZeroSum.
Bem vindo ao clube.
— Trabalharemos para mudar isso.
Embora não seria enviando a um lesser para tentar fazer um trato. Precisariam de um humano para isso. A menos que pudessem tirar Rehvenge fora de sua guarida, o que era improvável.
— Meu trabalho terminou? — perguntou Grady, olhando desesperadamente à porta principal, como se fosse um cão que precisava sair para urinar.
— Disse que precisava passar despercebido. — Lash sorriu deixando que visse suas presas — Assim voltará com meus homens a sua casa.
Grady não discutiu, só assentiu e cruzou os braços sobre a ridícula jaqueta com a águia. Seu assentimento se formava em partes iguais de personalidade, temor e esgotamento. Obviamente, se deu conta de que estava metido em muito mais merda do que acreditara a princípio. Sem dúvida pensava que as presas eram implantes cosméticos, mas alguém que acreditasse ser um vampiro poderia ser quase tão mortal e perigoso como alguém que realmente o fosse.
A porta de serviço que comunicava com a cozinha se abriu, e o senhor D entrou com dois pacotes quadrados envoltos em celofane. Eram do tamanho de uma cabeça, e enquanto o lesser se aproximava, Lash viu um montão de símbolos de dólar.
— Encontrei-os nos painéis do escritório.
Lash tirou sua navalha de mola e fez um pequeno buraco em cada um. Uma rápida lambida ao pó branco e voltou a sorrir.
— Boa qualidade. Cortaremos esta merda. Sabe onde pô-la.
O senhor D assentiu e voltou para a cozinha. Quando retornou, os outros dois assassinos estavam com ele, e Grady não era o único que parecia liquidado. Os lessers precisavam recarregar-se a cada vinte e quatro horas, e segundo a última conta, tinham estado funcionando, por quarenta e oito consecutivas. Até Lash, que podia agüentar vários dias, sentia-se esgotado.
Hora de ir-se.
Levantando-se da cadeira, vestiu o casaco.
— Eu conduzo. Senhor D, você irá sentado na parte de atrás do Mercedes e vai se assegurar de que Grady desfrute de ter chofer. Vocês dois, levem o PDM.
Saíram todos, deixando o Lexus sem placas na garagem e com o número do pára-brisa apagado.
A viagem ao complexo de apartamentos Hunterbred não levou muito, mas Grady conseguiu tirar uma sesta. Através do espelho retrovisor, viu como o idiota se apagava como uma luz, com a cabeça recostada contra o assento e a boca aberta enquanto roncava.
O que, realmente, beirava a falta de respeito.
Lash se deteve no apartamento onde ficavam o senhor D e seus dois companheiros e esticou o pescoço para olhar Grady.
— Acorda, imbecil. – enquanto o homem piscava e bocejava, Lash desprezou sua debilidade, e ao senhor D não pareceu impressionar — As regras são simples. Se tentar fugir, meus homens atirarão aí mesmo ou chamarão à polícia e dirão exatamente onde está. Assente com essa cabeça de idiota se tiver entendido o que digo.
Grady assentiu, embora Lash tivesse a sensação de que o teria feito sem importar o que houvesse dito. Se houvesse dito “Come teus próprios pés”, a resposta igualmente teria sido “Bom, certo, perfeito”.
Lash destravou as fechaduras.
— Saia de meu fodido carro.
Mais assentimentos enquanto as portas se abriam e o implacável vento entrava. Dando um passo fora do Mercedes, Grady se encolheu em sua jaqueta, com essa estúpida e fodida águia que tinha as asas estendidas enquanto o humano se encurvava sobre si mesmo. Ao senhor D, por outro lado, o frio não incomodava… Um dos benefícios de já ter morrido.
Lash deu marcha a ré para sair do estacionamento e se dirigiu para onde ele parava quando estava na cidade. Seu lugar era simplesmente uma choça de má morte em uma área cheia de anciões, com janelas que só tinham cortinas, compradas em lugares como Target, para deixar fora a seus intoxicados e viciados e dependentes vizinhos. A única vantagem era que ninguém da Sociedade sabia o endereço. Embora dormisse com o Omega por razões de segurança, voltar para este lado o deixava aturdido durante uma meia hora ou algo assim, e não queria que ninguém o apanhasse despreparado.
O tema era que, dormir era na realidade um término equivocado para o que ele necessitava. Não era como se fechasse os olhos e dormisse; virtualmente desmaiava, o que, segundo o senhor D, era o que acontecia quando se é um lesser. Por alguma razão, quando tinham o sangue de seu pai dentro deles, eram como celulares que não podiam ser utilizados enquanto se carregavam.
Quando pensou em voltar para a choça, se deprimiu e em troca, se encontrou conduzindo para a parte mais rica de Caldwell. Conhecia essas ruas tão bem como as linhas da palma de sua própria mão, e encontrou os pilares de sua antiga casa facilmente.
As portas estavam firmemente fechadas, e não podia ver por cima do alto muro que rodeava a propriedade, mas sabia o que havia dentro: o terreno, as árvores, a piscina e o terraço… Tudo mantido perfeitamente.
Merda. Queria voltar a viver assim. Esta existência barata com a Sociedade Lessening se parecia a usar um traje ordinário de roupa. Não se sentia ele. Em nenhum nível.
Estacionou o Mercedes no parque e simplesmente permaneceu ali, olhando fixamente ao caminho. Depois de assassinar aos vampiros que o tinham criado e enterrá-los no pátio ao lado da casa, tinha despojado a casa Tudor de tudo o que não estivesse fixado ou cravado, as antiguidades estavam armazenadas em várias casas de lesser dos arredores e de fora da cidade. Não retornou desde que buscara esse carro, e, assumira que, através do testamento de seus pais, a propriedade teria passado a qualquer parente de sangue sobrevivente aos assaltos que ele tinha efetuado contra a aristocracia.
Duvidava que a propriedade estivesse ainda em nome da raça. Depois de tudo, os lessers se infiltraram e, portanto, tinha sido permanentemente comprometida.
Lash sentia falta da mansão, embora não a pudesse utilizar como Quartel General. Trazia-lhe muitas lembranças, e o que era mais importante ainda, estava muito perto do mundo dos vampiros. Seus planos, suas contas e os detalhes íntimos da Sociedade Lessening não eram o tipo de merda que quisesse arriscar a que caísse em mãos da Irmandade.
Logo chegaria o momento em que voltaria a se encontrar com esses guerreiros, mas seria sob seus próprios termos. Desde que foi assassinado por esse defeituoso mutante do Qhuinn, e, seu verdadeiro pai o restabelecera ninguém exceto esse idiota do John Matthew o tinha visto… E inclusive com esse idiota mudo foi somente de uma maneira confusa, o tipo de coisa que, considerando que tinham visto seu cadáver, alguém descartaria como uma interpretação errônea.
Lash gostava de fazer grandes entradas. Quando aparecesse no mundo dos vampiros, faria de uma posição de poder. E a primeira coisa que ia fazer era vingar sua própria morte.
Seus planos futuros o faziam sentir um pouco menos falta do passado, e, enquanto olhava às árvores nuas serem açoitadas pelo forte vento, pensou na força da natureza.
E desejou ser exatamente isso.
Quando soou seu celular, levantou-o e o pôs na orelha.
— O que?
A voz do senhor D era toda formalidade.
— Tivemos uma infiltração, senhor.
As mãos de Lash apertaram o volante com força.
— Onde?
— Aqui.
— Filhos da puta. O que conseguiram?
— Jarras. As três. Pelo que sabemos foram os Irmãos. As portas permanecem firmes assim como as janelas, não temos idéia de como entraram. Deve ter acontecido em algum momento nas últimas duas noites, porque não dormimos aqui desde domingo.
— Entraram no apartamento abaixo?
— Não, esse ainda é seguro.
Pelo menos havia uma coisa a seu favor. Embora, perder jarras fosse um problema.
— Por que não soou o alarme de segurança?
— Não estava conectado.
— Jesus Cristo. Melhor que esteja aí quando chegar, porra. — Lash encerrou a chamada e girou o volante. Quando pisou fundo no acelerador, o sedã saiu disparado para o portão, o pára-choque dianteiro raspou as barras de ferro.
Fodidamente maravilhoso.
Quando chegou ao apartamento, estacionou exatamente ao lado da entrada para as escadas e quase arrancou a porta do carro ao sair. Com as rajadas geladas fazendo seu cabelo voar, subiu a escada de dois em dois e entrou disparado no lugar, preparado para atirar em alguém.
Grady estava sentado em um tamborete frente à parte sobressalente do balcão da cozinha, estava sem jaqueta, com as mangas arregaçadas, e um montão de não penso me colocar nisto na cara.
O senhor D estava saindo de um dos dormitórios terminando uma frase.
—… não entendo como encontraram este…
— Quem fez a merda? — perguntou Lash, fechando a porta ao vento que uivava — Isso é tudo o que me preocupa. Quem foi o idiota que não conectou o alarme e comprometeu esta localização? E se ninguém se responsabilizar, você — apontou para o senhor D— será o responsável.
— Não fui eu. — o senhor D olhou duramente a seus homens — Faz dois dias que não venho aqui.
O lesser da esquerda levantou os braços, mas como era típico em sua raça, não foi para submeter-se, mas sim porque estava preparado para lutar.
— Tenho minha carteira e não falei com ninguém.
Todos os olhos foram para o terceiro assassino, que se zangou:
— Que porra? — com gestos exagerados procurou em seu bolso traseiro — Tenho mi…
Colocou a mão mais ao fundo como se pudesse mudar algo. Logo, fez uma atuação ao estilo dos Três Patetas, verificando cada bolso que tinha nas calças, a jaqueta e a camisa. O idiota não titubearia em abrir o próprio rabo para dar uma olhada se pensasse que houvesse a possibilidade de sua carteira ter aberto passagem por seu cólon.
— Onde está sua carteira? — perguntou Lash brandamente.
Cabeça de Mármore se deu conta.
— O senhor N… Esse idiota. Discutimos porque queria que lhe desse “algumas verdinhas”. Lutamos e deve ter surrupiado minha carteira.
O senhor D caminhou tranqüilamente até ficar atrás do assassino e o golpeou ao lado da cabeça com a culatra de sua Magnum. A força do impacto fez que o assassino começasse a girar como a tampa de uma cerveja até se estalar contra a parede, onde deixou um borrão negro que manchou a pintura branca quando deslizou para baixo, até cair no tapete barato de cor marrom.
Grady deixou escapar um grasnido de surpresa, como um terrier que golpeassem com um jornal.
E então soou o toque da campainha. Todos olharam para a origem do som e logo para Lash.
Ele apontou para Grady.
— Permanece exatamente onde está. — quando a campainha voltou a soar fez um gesto com a cabeça ao senhor D — Responde.
Enquanto o pequeno texano passava por cima do assassino derrubado e colocava a arma no cinto das calças na parte baixa das costas abriu só uma fresta da porta.
— Domino’s. — disse uma voz masculina quando uma lufada de vento entrou soprando — Ah… Merda, tome cuidado!
Era uma comédia de fodidos embrulhos, o tipo de coisa que se via em um filme cheio de palhaçadas e embrulhos. Quando o entregador retirava a caixa de pizza da bolsa térmica vermelha, o forte vento a pegou, e a calabresa e algo mais saíram voando em direção ao senhor D... Como um bom empregado, o menino voador com o boné se esticou para frente para agarrar a coisa… E terminou golpeando o senhor D com força e invadindo o apartamento.
E Lash apostaria que os empregados de Domino’s recebiam instruções específicas a respeito de que jamais deviam fazer tal coisa, e, por uma boa razão. Se, invadia a casa de alguém, embora estivesse fazendo o papel de herói, podia encontrar todo tipo de merda: pornografia pervertida na televisão. Uma dona-de-casa gorda vestida somente com as calcinhas da avó e nenhum sutiã. Um barracão asqueroso com mais baratas que pessoas.
Ou um exemplar dos não mortos sangrando sangue negro de uma ferida na cabeça.
Não havia modo que o Menininho Pizza deixasse de ver o que tinha à frente. E isso significava que teriam que encarregar-se dele.

Após ter passado o restante da noite andando sem rumo fixo pelo centro de Caldwell em busca de um lesser com quem lutar, John tomou forma no pátio da mansão da Irmandade junto a todos os carros que estavam estacionados em uma fila ordenada. O implacável vento empurrava seus ombros, como um valentão querendo derrubá-lo, mas se manteve firme contra o violento ataque.
Uma symphath. Xhex era uma symphath.
Enquanto sua mente se agitava ante a revelação, Qhuinn e Blay se materializaram ao seu lado. Tinha que dizer em honra dos dois, nenhum deles perguntou que porra tinha acontecido no ZeroSum. Não obstante, ambos continuavam olhando-o como se fosse uma proveta em um laboratório de ciência, como se esperassem que trocasse de cor ou jogasse espuma ou algo.
Preciso de um pouco de espaço, gesticulou sem enfrentar nenhuma de seus olhares.
— Não há problema. — respondeu Qhuinn.
Houve uma pausa enquanto John esperava que entrassem na casa. Qhuinn limpou a garganta uma vez. Duas vezes.
Então com voz estrangulada, disse:
— Sinto muito. Não queria voltar a te pressionar. Eu…
John sacudiu a cabeça e gesticulou. Não está relacionado com o sexo. Assim não se preocupe, ok?
Qhuinn franziu o cenho.
— Bom. Sim, genial. Ah… Se precisar estaremos por aqui. Vamos, Blay.
Blay o seguiu e os dois subiram os degraus baixos de pedra e entraram na mansão.
Quando finalmente esteve sozinho, John não tinha a menor idéia do que fazer ou aonde ir, mas o amanhecer se aproximava, por isso, além de um breve passeio pelos jardins, tinha poucas opções ao ar livre.
Embora, Deus, perguntava-se se ao menos poderia entrar. Sentia-se poluído pelo que tinha descoberto.
Xhex era uma symphath.
Rehvenge saberia? Alguém mais?
Ele era bem consciente do que a lei requeria que fizesse. Aprendera durante seu treinamento. Quando se tratava de symphaths, devia denunciá-los para que os deportassem ou seria considerado cúmplice. Malditamente claro.
Entretanto, o que acontecia depois?
Sim, não era necessário ser adivinho para saber. Xhex seria transportada como lixo a um esgoto, e as coisas não seriam boas para ela. Estava claro que era uma mestiça. Tinha visto fotografias de symphaths, e não se parecia em nada a esses altos, magros, arrepiantes e imbecis FDP. Havia boas probabilidades de que a matassem na colônia, porque pelo que sabia, quando se tratava da discriminação, os symphaths eram iguais a glymera.
Salvo pelo fato de gostarem de torturar ao objeto de suas brincadeiras. E não no sentido verbal.
Que porra tinha feito…
Quando o frio o fez tiritar sob a jaqueta de couro, entrou na casa e subiu diretamente a escada principal. As portas do escritório do rei estavam abertas e podia ouvir a voz de Wrath, mas não se deteve para ver o rei. Seguiu andando, girando na esquina para o corredor das estátuas.
Embora não se dirigia a seu quarto.
John se deteve diante da porta de Tohr, fazendo uma pausa para alisar o cabelo. Havia só uma pessoa com quem queria falar disso, e rezou pedindo que embora fosse por uma vez pudesse receber algum tipo de resposta.
Necessitava ajuda. Muita.
John bateu brandamente.
Não houve resposta. Voltou a bater.
Enquanto esperava e esperava, olhou fixamente os painéis da porta e considerou as últimas duas ocasiões em que invadira salas sem ser convidado. A primeira durante o verão quando se intrometeu no dormitório de Cormia e a tinha encontrado nua e curvada de lado com sangue nas coxas. O resultado? Tinha surrado Phury sem nenhuma razão, o sexo tinha sido de mútuo consentimento.
A segunda tinha sido na de Xhex, esta noite. E olhe em que situação o tinha posto.
John bateu mais forte, os nódulos golpearam forte o bastante para despertar aos mortos.
Não houve resposta. Pior ainda, não havia nenhum som. Nenhuma televisão, nenhuma ducha, nenhuma voz.
Retrocedeu para ver se saía alguma claridade por debaixo da porta. Não. Assim Lassiter não estava aí dentro.
O terror fez que engolisse com dificuldade, enquanto abria lentamente a porta. Os olhos foram primeiro à cama, e ao não encontrar o Tohr ali, John definitivamente entrou pânico. Atravessando o tapete oriental às pressas, dirigiu-se velozmente para o banheiro, esperando encontrar o Irmão escancarado na Jacuzzi com os pulsos cortados.
Não havia ninguém em nenhuma das duas habitações.
Uma estranha e vertiginosa esperança estalou em seu peito enquanto saía novamente ao corredor. Olhando a esquerda e direita, decidiu começar pelo dormitório de Lassiter.
Não houve resposta, e, ao olhar dentro, encontrou tudo muito asseado e ordenado junto com um débil aroma de ar fresco.
Isto era bom. O anjo tinha que estar com Tohr.
John foi velozmente para o estúdio de Wrath e depois de bater na soleira, apareceu à cabeça, inspecionando rapidamente o comprido e fino sofá, as poltronas e o suporte da chaminé onde os Irmãos gostavam de reclinar-se.
Wrath levantou o olhar da escrivaninha.
— Olá, filho. O que acontece?
Oh, nada. Já sabe. Só… Desculpe-me.
John desceu correndo a escada principal, sabendo que se Tohr estava fazendo sua primeira incursão de volta ao mundo, não ia querer fazer um grande espetáculo disso. Provavelmente começaria simplesmente, só indo à cozinha com o anjo a procura de um pouco de comida.
John chegou ao chão de mosaico do vestíbulo no andar de baixo, e quando ouviu vozes de macho à direita, olhou dentro da sala de bilhar. Butch estava agachado sobre a mesa de bilhar a ponto de fazer um disparo e Vishous estava detrás dele, vaiando. A tela plana da TV mostrava o canal de esportes e só havia dois copos baixos e gordinhos, um com um líquido cor âmbar, o outro contendo um produto cristalino que não era água.
Tohr não estava ali, mas nunca esteve muito interessado nos jogos. Além disso, com a maneira em que Butch e V atacavam um contra o outro, não eram o tipo de companhia que desejaria se estava a ponto de voltar a afundar os pés nas águas sociais.
Dando a volta, John cruzou apressadamente o refeitório, posto para a Última Comida, e entrou na cozinha, onde encontrou… Aos doggen preparando três tipos diferentes de molhos para massa, tirando pão italiano caseiro do forno, mexendo as saladas e abrindo garrafas de vinho tinto para que respirassem e… Nada de Tohr.
A esperança escapou do peito de John, deixando uma tensão amargurada.
Aproximou-se de Fritz, o extraordinário mordomo, que o saudou com um brilhante sorriso em seu rosto velho e enrugado.
— Olá, senhor, como vai você?
John fez os gestos diante de seu peito para que ninguém mais pudesse ver.
Escute, viu…
Merda, não queria aterrorizar a toda a casa sem outro motivo além de que estava se apressando a tirar conclusões. A mansão era enorme e Tohr podia estar em qualquer lugar.
…a alguém? Terminou.
As franzinas sobrancelhas brancas de Fritz se juntaram.
— Alguém, senhor? Refere-se às senhoras da casa ou…
Machos., gesticulou. Viu algum dos Irmãos?
— Bom, estive aqui preparando o jantar durante a última hora, mas sei que vários voltaram para casa do campo. Rhage pegou seus sanduíches tão logo retornou, Wrath está no escritório, e Zsadist está banhando à pequena. Deixe ver… Oh, e acredito que Butch e Vishous estão jogando bilhar, já que um de meu pessoal lhes serviu bebidas na sala de bilhar faz um momento nada mais.
Correto, pensou John. Se um Irmão que ninguém tinha visto sair durante digamos, quatro meses, aparecesse certamente seu nome teria sido o primeiro da lista.
Obrigado, Fritz.
— Estava procurando a algum em particular?
John sacudiu a cabeça e voltou a sair ao vestíbulo, esta vez movendo-se com pés de chumbo. Quando entrou na biblioteca, não esperava encontrar ninguém, e o que lhes parece? A sala estava cheia de livros e completamente desprovida de qualquer Tohr.
Onde poderia…?
Possivelmente não estivesse na casa absolutamente.
John fechou a biblioteca e patinou ao dar a volta ao redor da escada principal, as solas de seus shitkickers chiaram quando dobrou a esquina. Abrindo violentamente a porta oculta sob os degraus, entrou no túnel subterrâneo da mansão.
É obvio. Tohr iria ao centro de treinamento. Se ia despertar e começar a viver, isso significava que voltaria para o campo de batalha. E isso significava exercitar-se para conseguir que seu corpo voltasse a estar em forma.
Quando John saiu ao escritório das instalações, estava completamente de retorno na terra da esperança e quando não encontrou Tohr no escritório, não se surpreendeu.
Aí tinha sido onde o tinham informado da morte de Wellsie.
John arrastou o traseiro para o corredor, e o leve som dos pesos ressonando foi uma fodida sinfonia para seus ouvidos, o alívio floresceu em seu peito até que as mãos e os pés formigaram.
Mas tinha que controlar-se. Aproximando-se da sala de treinamento, sacudiu o sorriso, e abriu amplamente a porta…
Blaylock lhe jogou uma olhada do banco. A cabeça do Qhuinn se movimentava acima e abaixo na barra de exercícios.
Enquanto John jogava uma olhada a seu redor, ambos deixaram o que estavam fazendo, Blay voltando a deixar a barra de peso em seu lugar, Qhuinn baixando-se lentamente ao chão.
Viram o Tohr? Gesticulou John.
— Não. — disse Qhuinn enquanto enxugava o rosto com uma toalha — Por que ele estaria aqui?
John saiu correndo e se dirigiu ao ginásio, onde não encontrou nada exceto luzes embutidas, chãos de tábuas resplandecentes e colchonetes de um azul brilhante. A sala de equipamento só tinha equipamento. A sala de primeiros socorros e fisioterapia estava vazia. A clínica de Jane igual.
Partiu correndo, saindo disparado pelo túnel para a casa principal.
Uma vez ali, subiu diretamente para as portas abertas do escritório, e esta vez não bateu na soleira. Caminho diretamente até a escrivaninha de Wrath e gesticulou, Tohr se foi.

Enquanto o entregador do Domino’s gesticulava para agarrar a caixa de pizza, todos os outros ficaram imóveis.
— Passou perto. — disse o humano — Não queria que terminasse em…
O homem que estava agachado ficou congelado nessa posição quando seus olhos rastrearam a mancha negra da parede até o enfraquecido e queixoso lesser que a tinha ocasionado.
— … Em… Seu… Tapete.
— Cristo. — cuspiu Lash, tirando a navalha de mola do bolso no peito, acionando a folha e aproximando-se das costas do homem. Quando o moço do Domino’s ficou de pé, Lash passou o braço ao redor de seu pescoço e lhe cravou a faca diretamente no coração.
Enquanto o homem se murchava e ofegava, a caixa de pizza caía ao chão e se abria, a cor do molho de tomate e da calabresa pertencia à mesma gama de cores que o sangue que saía da ferida.
Grady saltou de seu tamborete e apontou ao assassino que ainda estava de pé.
— Ele me permitiu encomendar a pizza!
Lash apontou com a ponta da faca ao idiota.
— Fecha a puta boca.
Grady voltou a sentar no tamborete.
O senhor D estava de saco muito cheio quando foi até o assassino restante.
— Deixou-o encomendar uma pizza? Fez isso?
O lesser grunhiu.
— Pediu-me que entrasse e montasse guarda na janela do dormitório de atrás. Assim foi como descobrimos que tinham desaparecido as jarras, recorda? O imbecil que empapa o tapete foi o que o deixou chamar.
O senhor D não parecia ter interesse na lógica, e por divertido que pudesse ser lhe ver ficar em plano Jack Russel[48] com esse rato lesser, não havia muito tempo. Este humano que tinha aparecido com a pizza não voltaria a fazer mais entregas, e seus companheiros de uniforme se dariam conta disso bastante rápido.
— Telefona para que venham reforços. — disse Lash, fechando a folha e aproximando-se do lesser incapacitado — Que venham com um caminhão. Assim retira as caixas com armas. Evacuaremos este apartamento e o de baixo.
O senhor D pegou o telefone e começou a ladrar ordens enquanto o outro assassino entrava no dormitório do fundo.
Lash examinou o Grady, que olhava fixamente a pizza como se estivesse considerando seriamente levantá-la do tapete para comer.
— A próxima vez que você…
— As armas desapareceram.
Lash girou a cabeça para o lesser.
— Desculpe?
— As caixas com armas não estão no armário.
Por uma fração de segundo, em tudo o que Lash pôde pensar foi matar a alguém, e o único que salvou o Grady de ser esse alguém foi que mergulhou rapidamente na cozinha, fora de seu campo visual.
Não obstante a lógica preponderou sobre a emoção, e dirigiu sua vista para o senhor D.
— É responsável pela evacuação.
— Sim, senhor.
Lash apontou com o dedo ao assassino que estava no chão.
— Quero que o levem ao centro de persuasão.
— Sim, senhor.
— Grady? — quando não houve resposta, Lash amaldiçoou e entrou na cozinha para encontrar ao tipo inclinado dentro do frigorífico, sacudindo a cabeça ante as estantes vazias. O idiota era muito estreito de mente ou estava sinceramente ensimesmado, e Lash apostava que era o último — Vamos.
O humano fechou a porta do frigorífico e veio como o cão que era: rapidamente e sem discutir, movendo-se tão velozmente que deixou seu casaco atrás.
Lash e Grady tinham saído repentinamente ao frio, e o quente interior do Mercedes foi um alívio.
Enquanto Lash saía lentamente do complexo, porque apressar-se poderia ter atraído a atenção das pessoas, Grady o olhou.
— Esse cara… Não o da pizza… O que morreu… Não era normal.
— Não. Não era.
— Tampouco você.
— Não. Eu sou uma divindade.


Capítulo 26

Quando caiu a noite, Ehlena vestiu o uniforme embora não fosse à clínica. Por duas razões, uma, ajudava com seu pai, que não tolerava bem as mudanças de rotina. E dois, sentia como se lhe desse uma pequena distância quando se encontrasse com Rehv.
Não dormiu nada durante o dia. Enquanto jazia na escuridão, as imagens do depósito de cadáveres e a lembrança da forma em que havia soado fatigada a voz de Rehvenge eram uma diabólica equipe que corria desenfreada martelando em seu cérebro, fazendo rodar e mudar seus sentimentos até que lhe doeu o peito.
Estava realmente a caminho de encontrar-se com Rehvenge? Em sua casa? Como tinha acontecido isto?
Essas perguntas ajudaram-na a recordar que só ia lhe entregar remédios. Isto se tratava de prestar cuidados de nível clínico, de enfermeira a paciente. Pelo amor de Deus, ele esteve de acordo com ela que não deveria encontrar-se com ninguém, e, não era como se a tivesse convidado para jantar. Estava lhe levando as pílulas e tentaria persuadi-lo a ir ver Havers. Isso era tudo.
Após verificar como estava seu pai e lhe dar seu medicamento, se desmaterializou para a calçada defronte ao edifício Commodore situado no meio do centro. De pé entre as sombras, levantou o olhar para o lado liso e brilhante da alta torre, e a surpreendeu o contraste entre este e o sórdido lugar ao rés do chão que ela alugava.
Caramba… Viver entre todo esse cromado e vidro custava dinheiro. Muito dinheiro. E Rehvenge tinha um apartamento de cobertura. Além disso, esta devia ser só uma das propriedades que possuía, porque nenhum vampiro em seu juízo perfeito dormiria rodeado por todas essas janelas durante as horas diurnas.
A linha divisória entre a gente normal e a gente rica parecia tão longa como a distância entre onde ela estava parada e onde se supunha que Rehvenge a esperava, e por um breve momento se entreteve com a fantasia de que sua família ainda tinha dinheiro. Possivelmente dessa forma, estaria levando algo diferente de seu casaco barato de inverno e sua uniforme.
Enquanto permanecia na rua, muito abaixo de Rehvenge, parecia-lhe impossível que tivesse conectado com ele como tinha feito, mas em definitivo, o telefone era uma relação virtual, só um degrau mais acima de estar online. Cada pessoa estava em seu próprio ambiente, invisíveis um ao outro e só suas vozes se mesclavam. Era uma falsa intimidade.
Realmente tinha roubado pílulas para este macho?
Verifique seus bolsos, imbecil, pensou.
Com uma maldição, Ehlena se materializou no terraço do apartamento de cobertura, aliviada de que a noite estivesse relativamente tranqüila. De outro modo, com o frio que fazia qualquer vento ali em cima…
Que… Demônios?
Através dos inumeráveis painéis de vidro, o resplendor de centenas de velas convertia a noite escura em uma névoa dourada. Dentro, as paredes do apartamento de cobertura eram negras, e havia… Coisas penduradas delas. Coisas como um gato de nove caudas[49] feito de metal, chicotes de couro e máscaras… E havia uma mesa grande, de aparência antiga que estava… Não, espera, isso era uma mesa de tortura, verdade? Com correias de couro pendurando dos quatro cantos.
OH… Demônios, não. Rehvenge gostava desta merda?
Bom. Mudança de planos. Deixaria os antibióticos, certo, mas seria enfrente a uma dessas portas corrediças, porque não havia maneira de que entrasse aí dentro. De. Nenhuma. Fodida. Maneira…
Um tremendo macho com cavanhaque saiu do banheiro, secando as mãos e endireitando as calças de couro enquanto ia para a mesa de tortura. Com um salto ágil, subiu à coisa e logo começou a prender um dos grilhões ao tornozelo.
Isto estava se tornando mais doentio. Um trio?
— Ehlena?
Ehlena girou tão rapidamente que golpeou o quadril contra a parede que rodeava todo o trecho. Quando viu quem era, franziu o cenho.
— Doutora Jane? — disse, pensando que essa noite estava passando rapidamente dos “Oh, demônios, não” diretamente ao território de QCP[50] — O que está…?
— Acredito que está no lado errado do edifício.
— Lado errado… Oh, espere, este não é o apartamento de Rehvenge?
— Não, de Vishous e meu. Rehv está do lado leste.
— Oh… — tinha as bochechas vermelhas. Muito vermelhas, e não por causa do vento — Lamento muito, me haver equivocado…
A doutora fantasmal riu.
— Está bem.
Ehlena voltou a olhar o vidro, mas logo afastou a vista rapidamente. Sem dúvida, esse era o Irmão Vishous. Que tinha olhos diamantinos e tatuagens no rosto.
— O lado leste é o que quer.
O que Rehv havia dito, verdade?
— Irei ali agora mesmo.
— Convidaria a cortar caminho, mas…
— Sim. Será melhor que vá por mim mesma.
A doutora Jane sorriu com uma boa dose de malícia.
— Penso que será melhor.
Ehlena se acalmou e se desmaterializou para a parte correta do prédio, pensando, a Doutora Jane era uma dominatrix?
Bem, coisas mais estranhas tinham acontecido.
Quando recuperou sua forma, quase teve medo de olhar através do vidro, tendo em conta o que acabara de ver. Se Rehvenge tinha mais do mesmo — ou pior ainda, coisas como roupa de senhora do tamanho de um macho, ou plumas de aves movendo-se por toda parte — não sabia se seria capaz de relaxar-se o bastante para desmaterializar seu traseiro fora dali.
Mas não. Nenhum Ru-Paul[51]. Nada que necessitasse um coche ou uma cerca. Só um encantador e moderno interior feito com esse tipo de móveis suaves e singelos que deviam ter vindo da Europa.
Rehvenge apareceu através de uma arcada e se deteve ao vê-la. Quando levantou a mão, a porta corrediça de vidro diante dela se abriu porque ele dispôs com sua mente, e pôde captar um aroma maravilhoso proveniente do apartamento de cobertura.
Era… Rosbife?
Rehvenge se aproximou, movendo-se com andar suave, embora dependesse de sua bengala. Esta noite, levava um suéter negro de gola alta que evidentemente era de caxemira e um impactante terno negro, e com sua roupa fina, parecia saído da capa de uma revista, sofisticado e sedutor, um absoluto impossível.
Ehlena se sentia uma parva. Vendo-o ali em seu belo apartamento, não que pensasse estar abaixo dele. Era somente que estava claro que não tinham nada em comum. Que tipo de delírio a tinha golpeado quando falaram ou se viram na clínica?
— Bem vinda. — Rehvenge se deteve na porta e estendeu a mão para ela — Teria te esperado fora, mas faz muito frio para mim.
Dois mundos totalmente diferentes, pensou ela.
— Ehlena?
— Sinto muito. — devido a que seria grosseiro não fazê-lo, pôs a mão na dele e entrou no apartamento de cobertura. Mas, em sua mente, já o tinha abandonado.

Quando as palmas se encontraram, Rehv se sentiu atracado, assaltado, roubado, quebrado e registrado: não sentiu nada quando suas mãos se fundiram, e desejava desesperadamente poder sentir o calor de Ehlena. De todos os modos, apesar de estar intumescido, o simples fato de olhar como suas peles entravam em contato foi suficiente para fazer seu peito chispar como se fosse aparas de aço brilhante.
— Olá. — disse ela com um tom rouco enquanto ele a atraía dentro.
Fechou a porta e continuou agarrando sua mão até que ela rompeu o contato, aparentemente para dar uma volta e dar uma olhada ao lugar. Entretanto, pressentia que ela necessitava espaço físico.
— A vista aqui é extraordinária. — disse detendo-se para olhar fixamente a vista da cidade cintilante que se estendia ante ela — Gracioso, mas aqui de cima se parece com uma maquete.
— Estamos alto, isso é certo. — olhava-a com olhos obsessivos, absorvendo-a através de sua vista — Adoro a vista. — murmurou.
— Posso ver por que.
— E é tranqüilo. — privado. Só eles e ninguém mais no mundo. E, estando a sós com ela aqui e agora, quase podia acreditar que todas as coisas sujas que tinha feito foram crimes cometidos por um estranho.
Ela sorriu um pouco.
— Sem dúvida que é tranqüilo. No apartamento ao lado estão utilizando mordaças de bola… Né…
Rehv riu.
— Equivocou-se de lado do edifício?
— Eu que o diga.
Esse rubor indicou que tinha visto algo mais que meros objetos inanimados da coleção Bondage-R-us[52] de brinquedos de V e de repente Rehv ficou mortalmente sério.
— É necessário que fale com meu vizinho?
Ehlena sacudiu a cabeça.
— Não foi sua culpa, e felizmente ele e Jane não haviam… Er, começado. Graças a Deus.
— Pelo que vejo você não gosta muito desse tipo de coisas.
Ehlena voltou a cravar o olhar no panorama.
— Ouça, eles são pessoas adultas, assim está tudo bem. Mas, eu pessoalmente? Nunca na vida.
Falando de romper o clima. Se o BDSM[53] era muito para ela, supunha que isso queria dizer que não compreenderia o fato de que ele fodia a uma fêmea a que odiava como forma de pagamento à chantagem que lhe fazia. Que, casualmente era sua meio-irmã. Oh, e que era uma symphath.
Igual a ele.
Seu silêncio a fez voltar à cabeça sobre o ombro.
— Sinto muito. Ofendi a você?
— Tampouco o pratico. — oh, absolutamente. Ele era uma puta com padrões… A merda da perversão era adequada unicamente se fosse forçado a isso. Ao caralho com a sexualidade extrema de mútuo acordo que praticavam V e sua companheira. Sim, porque isso estava simplesmente mal.
Cristo, ele estava muito abaixo dela.
Ehlena perambulou pelo lugar, seus sapatos de suave revestimento não faziam nenhum som no chão de mármore negro. Enquanto a olhava, deu-se conta de que sob o casaco de lã negro tinha o uniforme. O que era lógico, observou a si mesmo, se depois tinha que ir trabalhar.
Vamos, disse-se. Pensou realmente que ficaria toda a noite?
— Posso pegar seu casaco? — disse, sabendo que devia ter calor — Tenho que manter este lugar mais quente do que a maioria das pessoas acha cômodo.
— Na verdade… Deveria partir. — colocou a mão no bolso — Só vim trazer a penicilina.
— Esperava que ficasse para jantar.
— Sinto muito. — estendeu-lhe uma bolsa de plástico — Não posso.
Uma imagem relâmpago da princesa se ativou no cérebro de Rehv, e se recordou quão bem se sentia ao fazer o correto com Ehlena… Apagando seu número de telefone. Não tinha nada que fazer cortejando-a. Nada absolutamente.
— Compreendo. — pegou as pílulas — E, obrigado por estas.
— Tome duas e quatro vezes ao dia. Dez dias. Promete-me isso?
Ele assentiu uma vez.
— Prometo-o.
— Bom. E trata de ir ver o Havers, fará?
Houve um momento de embaraçoso silêncio, até que ela levantou a mão.
— Bom… Então, adeus.
Ehlena girou, e ele abriu o painel de vidro com a mente, já que não confiava em si mesmo para aproximar-se muito dela.
Oh, por favor, não vá. Por favor, não, pensou.
Só queria sentir-se… Limpo durante um tempinho.
Após sair, ela se deteve e o coração de Rehv palpitou com força.
Ehlena olhou para trás, e o vento despenteou as mechas de cabelo pálido jogando-o para seu encantador rosto.
— Com comida. Deve tomar com a comida.
Correto. Informação médica.
— Tenho muita aqui.
— Bom.
Depois de fechar a porta, Rehv a olhou desaparecer nas sombras e teve que obrigar-se a dar a volta.
Andando lentamente e utilizando a bengala, caminhou ao longo da parede de vidro e girando em uma esquina foi para o resplendor da sala de jantar.
Havia duas velas acesas. Dois lugares dispostos com talheres de prata. Dois copos para vinho. Dois copos para água. Dois guardanapos dobrados precisamente e colocadas em cima de dois pratos.
Sentou-se na cadeira que teria oferecido a ela, a que estava a sua direita, a posição de honra. Apoiou a bengala contra sua coxa e deixou a bolsa de plástico na mesa de ébano, alisando-a com a mão para que os antibióticos descansassem um ao lado do outro em uma fila pulcra e ordenada.
Perguntou-se por que não vinham em uma garrafa laranja com uma etiqueta branca, mas de qualquer forma, ela os havia trazido. Isso era o principal.
Sentado ali no silêncio, rodeado pela luz das velas e o aroma do rosbife que acabava de tirar do forno, Rehv acariciou a bolsa de plástico com o indicador intumescido. Certo como a merda que estava sentindo algo. No ponto morto de seu peito, tinha uma dor atrás do coração.
Tinha realizado muitos atos malvados no curso de sua vida. Grandes e pequenos.
Tinha armado armadilhas a pessoas só para jogar com elas, fossem traficantes vagabundos transgredindo seu território, ou Johns que não tratavam bem a suas putas, ou idiotas que andavam fodendo em seu clube.
Havia provido a outros de seus vícios, para tirar benefícios. Vendia drogas. Vendia sexo. Vendia morte em forma das habilidades especiais de Xhex.
Havia fodido por todas as razões equivocadas.
Tinha mutilado.
Tinha assassinado.
E ainda assim, nada disso o tinha incomodado em seu momento. Não houvera dúvidas, nem arrependimentos, nada de empatia. Só mais esquemas, mais planos, mais ângulos para ser descobertos e explorados.
Não obstante, aqui ante essa mesa vazia, nesse apartamento de cobertura vazio, sentia dor no peito e sabia o que era: saudade.
Teria sido extraordinário merecer a Ehlena.
Mas, isso era só mais uma coisa que não ia sentir jamais.

Capítulo 27


Quando a Irmandade se reuniu no escritório, Wrath manteve o olhar sobre John de seu vantajoso posto atrás da supérflua mesa de escritório. Ao outro lado, o menino parecia um animal que fora atropelado na estrada. Seu rosto estava pálido, seu grande corpo imóvel e não participava da discussão. O aroma de suas emoções era a pior parte disso, pensou: não havia nenhum. Nem a dentada picante e vigorosa da ira. Nem o ácido e defumado sopro da tristeza. Nem sequer um pingo do aroma azedo do medo.
Nada. Enquanto se encontrava entre os Irmãos e seus dois melhores amigos, permanecia isolado por sua falta de reação e ensimesmado indiferente… Estava com eles, mas não realmente.
Não de forma proveitosa.
A dor de cabeça de Wrath que como seus olhos, seus ouvidos e sua boca parecia estar permanentemente presa a seu crânio, realizou um renovado assalto a suas têmporas, e ele se sentou bem erguido na cadeira para mariquinhas com a esperança de que um ajuste na posição de sua coluna pudesse aliviar a pressão.
Não teve sorte.
Possivelmente uma amputação de crânio serviria. Deus sabia que Doutora Jane era boa com a serra.
Em frente, na feia poltrona verde, Rhage mordeu com força um Tootsie Pop, rompendo um dos muitos silêncios incômodos que tinham marcado a reunião.
— Tohr não pode ter ido longe. — murmurou Hollywood — Não está suficientemente forte.
— Verifiquei no Outro Lado. — disse Phury do alto-falante do telefone — Não está com as Escolhidas.
— Que tal se dermos uma volta por sua antiga casa? — sugeriu Butch.
Wrath balançou a cabeça.
— Não posso imaginar que queira ir ali. Muitas lembranças.
Merda, nem sequer a menção do lar em que John passara algum tempo despertou algo no menino. Mas ao menos, finalmente, escurecera assim podiam sair a procurar o Tohr.
— Eu fico se por acaso voltar. — disse Wrath no momento em que se abriam as portas duplas e V entrava dando pernadas — Quero que o resto de vocês saia para buscá-lo na cidade, mas antes de ir, deixemos que nossa própria Katie Couric  nos ponha em dia. — fez um gesto com a cabeça para Vishous — Katie?
O olhar furioso de V foi a versão ocular de um dedo médio completamente estendido, mas procedeu com o relatório.
— Ontem à noite, no registro policial, houve uma denúncia registrada por um detetive de homicídios. Um cadáver foi achado no lugar onde se encontraram as caixas de armas. Humano. Entregador de pizzas. Com uma única ferida de faca no peito. Não há dúvida de que o pobre bastardo se topou com algo que não devia. Acabo de piratear os detalhes do caso e o que acreditam? Descobri uma anotação a respeito de uma mancha negra e oleosa que encontraram na parede próxima à porta. — ouviram-se várias maldições resmungadas, muitas das quais incluíam a palavra com F — Sim, bem, agora vem a parte interessante. A polícia assentou que uma Mercedes foi vista no estacionamento aproximadamente duas horas antes que o gerente do Domino’s chamasse para denunciar que um de seus empregados não havia retornado depois de levar o pedido a esse endereço. E, uma das vizinhas viu um homem loiro, obviamente, entrar nele com outro cara de cabelo escuro. Disse que era estranho ver esse tipo de sedã ostentoso na área.
— Uma Mercedes? —perguntou Phury do telefone.
Rhage, tendo triturado outro pirulito, para regozijo de sua alteza, lançou um palito branco dentro do lixo de papel.
— Sim, desde quando a Sociedade Lessening investe essa quantidade de efetivo em suas rodas?
— Exato. — disse V — Não faz sentido. Mas aqui vem a merda. Também há testemunhas que reportaram ter visto um Escalade negro de aspecto suspeito à noite anterior… E a um homem de negro tirando… Oh, caramba! Não me diga que eram… Caixas? Sim, quatro malditas caixas da parte traseira desse grupo de quatro apartamentos.
Quando seu companheiro de quarto olhou fixa e intencionadamente ao Butch, o polícia sacudiu a cabeça.
— Mas não fazem menção a que tenham as placas da Escalade. E nem bem cheguei troquei o jogo de placas que tinha posto. Quanto a Mercedes? As testemunhas confundem as coisas todo o tempo. É possível que o loiro e o outro homem não tenham tido nada a ver com o assassinato.
— Bom, vou manter um olho atento sobre o assunto. — disse V — Não acredito que exista a  possibilidade que a polícia vá relacioná-lo com algo que envolva ao nosso mundo. Demônios, muitas coisas deixam manchas negras, mas é melhor estar preparados.
— Se o detetive deste caso é o que estou pensando, é um dos bons. — disse Butch tranqüilamente — Um muito bom.
Wrath ficou em pé.
— OK, o sol se pôs. Saiam daqui. John, quero falar um momento contigo em particular.
Wrath esperou que as portas se fechassem depois do último de seus irmãos antes de falar.
— Vamos encontrá-lo, filho. Não se preocupe. — não houve resposta — John? O que te passa?
O menino só cruzou os braços sobre seu peito e ficou olhando fixamente para frente.
— John…
John desdobrou as mãos e gesticulou algo que ante os piorados olhos de Wrath pareceu ser: Vou sair com os outros.
 — É um demônio! — isso fez que John girasse a cabeça abruptamente — Sim, isso não ocorrerá, dado que é um zumbi. E vai se foder a outro lado com seus “estou bem”. Se pensar durante sequer meio segundo que vou deixar que saia para brigar, está malditamente muito enganado.
John caminhou ao redor do escritório como se estivesse tratando de controlar a si mesmo. Finalmente se deteve e gesticulou: Não posso estar aqui neste momento. Nesta casa.
Wrath franziu o cenho e tratou de interpretar o que lhe havia dito, mas todo esse franzir de sobrancelhas só provocou que sua dor de cabeça cantasse como uma soprano.
— Sinto muito, o que foi o que disse?
John abriu a porta de um puxão, e um segundo depois entrou Qhuinn. Houve muitos movimentos de mãos e logo Qhuinn limpou a garganta.
— Diz que esta noite não pode estar nesta casa. Simplesmente não pode.
— Ok, então vá a algum clube, consiga uma garota e usa a boca nela até que desmaie. Mas nada de lutar. — Wrath elevou uma prece silenciosa de agradecimento porque Qhuinn estivesse grudado ao lado do menino — E, John… Vou encontrá-lo.
Mais sinais, e logo John se voltou para a porta.
— O que disse, Qhuinn? — perguntou Wrath.
— Ah… Disse que não lhe importa se o faz.
— John, não diz a sério.
O menino deu a volta, gesticulou e Qhuinn traduziu.
— Diz que, sim, que realmente diz a sério. Diz… Que já não pode seguir vivendo assim… Esperando, cada noite e cada dia, perguntando-se quando entra no quarto, se Tohr se… John vai um pouco mais devagar… Ah… Se o macho se pendurou ou se foi-se novamente. Embora volte… John diz que para ele terminou. Que foi abandonado muitas vezes.
Difícil argumentar contra isso. Ultimamente Tohr não tinha sido um pai muito bom, tendo sido seu único lucro nesse campo a criação da próxima geração de mortos viventes.
Wrath fez uma careta de dor e esfregou as têmporas.
— Olhe filho, não sou um eminente cientista, mas pode falar comigo.
Houve um comprido, extenso silêncio marcado por um estranho aroma… Um aroma seco, quase rançoso… Saudade? Sim, isso era saudade.
John fez uma pequena reverência como em sinal de agradecimento e logo se escapuliu pela porta.
Qhuinn vacilou.
— Não o deixarei brigar.
— Então lhe salvará a vida. Porque se pegar as armas no estado em que está agora, voltará para casa em uma caixa de tábuas.
— Roger.
Quando a porta fechou, a dor rugiu nas têmporas de Wrath, obrigando-o a sentar-se.
Deus, tudo o que queria fazer era ir ao quarto que ele e Beth compartilhavam meter-se em sua enorme cama e deixar a cabeça cair sobre os travesseiros que cheiravam a ela. Queria chamá-la e lhe rogar que se unisse a ele só para poder abraçá-la. Queria ser perdoado.
Queria dormir.
Em lugar disso, o rei voltou a levantar-se, pegou as armas que estavam no chão ao lado da mesa de escritório, e as fixou sobre seu corpo. Deixando o escritório com sua jaqueta de couro na mão, desceu a escada principal e saiu do vestíbulo para a noite amarga. Pelo que via, a dor de cabeça o acompanharia onde quer que fosse assim bem podia fazer algo útil e sair em busca de Thor.
Quando vestiu o casaco, invadiu-o a lembrança de sua shellan e o lugar aonde tinha ido à noite anterior.
Santa merda. Sabia exatamente onde Thor estava.

Ehlena tinha a intenção de deixar o terraço de Rehvenge imediatamente, mas, enquanto entrava nas sombras, teve que olhar para o apartamento de cobertura. Através da fileira de vidros, viu o Rehvenge voltar-se e caminhar devagar ao longo do ático do apartamento...
Bateu fortemente a tíbia contra algo.
— Demônios!
Saltando em um pé, esfregou a perna e lançou um tempestuoso olhar à caixa de mármore contra a qual bateu.
Quando se endireitou, esqueceu de toda a dor.
Rehvenge tinha entrado em outra sala e se deteve frente a uma mesa posta para dois. Havia velas resplandecendo no meio do brilho dos cristais e a prataria, a longa parede de vidro deixava ver todo o incômodo que teve por ela.
— Demônios… — sussurrou.
Rehvenge se sentou tão lenta e deliberadamente como tinha caminhado, olhando para trás primeiro, para assegurar-se de que a cadeira estava onde deveria estar para logo agarrá-la com ambas as mãos e sentar-se. Deixou a bolsinha que lhe deu sobre a mesa, e enquanto parecia acariciá-la, a gentileza de seus dedos contradizia esses fortes ombros e ao escuro poder que era inerente ao seu duro rosto.
Ao olhá-lo fixamente, Ehlena já não sentiu o frio, nem o vento nem a dor na tíbia. Banhado pela luz da vela, com a cabeça inclinada para baixo tinha um perfil poderoso e alinhado, Rehvenge era incalculavelmente belo.
Abruptamente, sua cabeça se elevou e a olhou diretamente, apesar dela estar na escuridão.
Ehlena retrocedeu e sentiu a parede do terraço contra o quadril, mas não se desmaterializou. Nem sequer quando ele pôs a bengala no chão e se levantou em toda sua estatura.
Nem sequer quando abriu a porta a sua frente com sua vontade.
Necessitava ser uma melhor mentirosa que ela para pretender que somente estava admirando a noite. E não era uma covarde para sair fugindo.
Ehlena se aproximou.
— Não tomou nenhuma pílula.
— É isso o que está esperando?
Ehlena cruzou os braços sobre o peito.
— Sim.
Rehvenge olhou para a mesa e aos pratos vazios.
— Disse que devem ser tomadas com a comida.
— Sim, disse.
— Bom, então, parece que me vai olhar comer. — o elegante movimento de seu braço convidando-a a entrar era uma provocação que ela não queria aceitar — Se sentará comigo? Ou quer ficar aqui fora no frio? Oh, espere, possivelmente isto ajude. — inclinando-se sobre sua bengala, foi e soprou as velas.
As sinuosas ondas de fumaça que se formaram sobre as mechas pareceram um lamento por todas as possibilidades extintas de coisas que podiam ter sido: tinha preparado um agradável jantar para ambos. Fizera o esforço. Vestiu-se belamente.
Entrou porque já lhe tinha arruinado bastante o encontro amigável.
— Sente-se. — disse — Voltarei com meu prato. A menos que…
— Já comi.
 Inclinou-se ligeiramente quando ela afastou uma cadeira.
— É obvio que o fez.
Rehvenge deixou a bengala contra a mesa e saiu, apoiando-se nos encosto das cadeiras, no aparador e no batente da porta de serviço que levava a cozinha. Quando voltou uns minutos depois, repetiu a seqüência com a mão livre e logo se sentou na cadeira à cabeceira da mesa com cuidadosa concentração. Levantando um lustroso garfo de prata esterlina, e sem dizer uma palavra cortou cuidadosamente a carne e comeu com circunspeção e educação.
Cristo! Sentia-se como a cadela da semana, sentada frente a um prato vazio enquanto seu casaco seguia completamente abotoado.
O som do roçar da prata contra a porcelana fazia que o silêncio entre eles parecesse gritar.
Acariciando o guardanapo que tinha em frente, sentiu-se horrível por muitas coisas, e, embora não era muito faladora se encontrou falando porque simplesmente já não podia guardar tudo por mais tempo.
— A noite de anteontem…
— Mmmmm? — Rehvenge não a olhou, seguiu enfocado em seu prato.
— Não me deixaram plantada. Já sabe, naquele encontro.
— Bem, bom para você.
— Ele foi assassinado.
Rehvenge levantou bruscamente a cabeça.
— O que?
— Stephan, o macho com o que devia encontrar… Foi assassinado pelos lessers. O rei trouxe o corpo, mas não soube que se tratava dele até que o seu primo chegou buscando por ele. Eu… Ah, ontem à noite passei meu turno preparando o corpo e devolvendo-o à família. — sacudiu a cabeça — O tinham golpeado… Não era possível adivinhar de quem se tratava.
Sua voz se rompeu a impedindo de continuar, por isso simplesmente ficou ali sentada acariciando o guardanapo, com a esperança de poder apaziguar a si mesma
Dois sutis tinidos evidenciaram o fato de que o garfo e a faca de Rehv  tinham pousado sobre o prato, e logo estendeu a mão para ela, colocando-a solidamente sobre seu antebraço.
— Maldição! Sinto-o muitíssimo. — disse — Com razão não está de humor para tudo isto. Se o tivesse sabido...
— Não, está bem. De verdade. Deveria tê-lo encarado melhor ao chegar. É só que esta noite estou algo ausente. Não sou eu mesma para nada.
Deu-lhe um apertão no braço e se acomodou de novo na cadeira como se não quisesse invadir seu espaço. Coisa que normalmente ela teria gostado, mas essa noite lhe pareceu uma lástima… Para usar uma palavra que ele desfrutava. O peso de seu contato através do casaco tinha sido muito agradável.
E falando disso, estava sentindo muito calor.
Ehlena desabotoou e tirou o saco de lã dos ombros.
— Faz calor aqui.
— Como disse antes, posso esfriar as coisas para você.
— Não. — franziu o cenho, e o olhou — Por que sempre tem frio? Efeitos secundários da Dopamina?
Ele assentiu.
— É também a razão pela qual necessito a bengala. Não posso sentir meus braços nem minhas pernas.
Não tinha ouvido de muitos vampiros que tivessem essa reação ante a droga, mas em definitivo, as reações individuais eram uma legião. E, além disso, a versão vampírica do Parkinson era uma enfermidade muito desagradável.
Rehvenge afastou seu prato e ambos permaneceram em silêncio durante um longo momento. À luz das velas, parecia de certa forma embaçado, sua energia habitual minguada, seu humor muito sombrio.
— Você tampouco parece o de sempre. — disse — Não é que o conheça tanto, mas parece…
— Como?
— Como eu me sinto. Como em um estado comatoso e ambulatorial.
Teve um rápido e breve acesso de riso.
— Isso é tão apropriado.
— Quer falar disso…
— Quer comer algo…
Ambos riram e deixaram de falar.
Rehvenge moveu a cabeça.
— Olhe, deixa que traga um pouco de sobremesa. É o menos que posso fazer. E não é um encontro para jantar. As velas estão apagadas.
— De fato, sabe algo?
— Mentiu a respeito de ter comido antes de vir e agora está faminta?
Ela riu novamente.
— Descobriu.
Quando seus olhos cor ametista se cravaram aos dela, o ambiente entre eles mudou e teve a sensação de que via muitas coisas, muitas. Especialmente quando disse com um enigmático tom de voz:
— Deixará que te alimente?
Hipnotizada, cativada, sussurrou:
— Sim. Por favor.
Seu sorriso revelou compridas e brancas presas.
— Essa é exatamente a resposta que procurava.
Qual o sabor do sangue dele em sua boca? Perguntou-se em um arrebatamento.
Rehvenge emitiu um grunhido no fundo da garganta, como se soubesse exatamente o que estava pensando. Mas não disse nada a respeito e erguendo-se em toda sua grande estatura foi à cozinha.
Quando retornou com seu prato, tinha arrumado para compor-se um pouco mais, embora quando colocou a comida frente a ela, o odorzinho de especiarias que flutuava a seu redor era muito delicioso… E não tinha nada que ver com o que tinha cozinhado para ela.
Decidida a manter-se centrada, Ehlena colocou o guardanapo no colo e provou a carne assada.
— Deus meu, isto está fabuloso.
— Obrigado. — disse Rehv enquanto se sentava — É a forma que a faz sempre a doggen de nossa mansão. Coloca o forno a duzentos e quarenta graus e coloca a carne, por meia hora, em seguida o apaga e o deixa repousar. Não se pode abrir a porta para ver como está. Essa é a regra, e tem que confiar na receita. Duas horas depois?
— O paraíso.
— O paraíso.
Ehlena riu quando a mesma palavra saiu da boca de ambos ao mesmo tempo.
— Bem, está realmente boa. Derrete na boca.
— Em altares da verdade, para que não pense que sou um chef, isto é o único que sei cozinhar.
— Bom, faz uma coisa à perfeição, e é mais do que algumas pessoas podem dizer.
Ele sorriu e baixou a vista para as pílulas.
— Se tomo uma agora, vai embora em seguida ao jantar?
— Se disser que não, dirá por que está tão calado?
— É uma tenaz negociadora.
— Só estou convertendo em uma via de duplo sentido. Já te contei o que me preocupava.
A tristeza escureceu seu rosto, provocando que sua boca esticasse e que as sobrancelhas se unissem formando um cenho.
— Não posso falar disso.
— Certamente que pode.
Seus olhos, agora endurecidos, caíram sobre ela.
— Da mesma forma em que você pode falar de seu pai?
Ehlena baixou o olhar a seu prato e tomou especial cuidado cortando uma parte de carne.
— Sinto. — disse Rehv — Eu… Merda.
— Não, está bem. — embora não estava — Às vezes pressiono muito. É algo muito bom quando está trabalhando no cuidado da saúde. Mas não tão bom quando se trata do plano pessoal.
Enquanto o silêncio se instalava novamente entre eles, apressou-se a comer, pensando em ir assim que terminasse.
— Estou fazendo algo do que não me sinto orgulhoso. — disse ele abruptamente.
Ela levantou o olhar. A expressão dele era definitivamente perversa, o asco e o ódio convertendo-o em alguém que, se não soubesse que era de outra forma, lhe teria medo. Não obstante, nenhum dos malignos olhares era dirigido para ela. Era uma manifestação do que sentia por si mesmo. Ou para outro.
Sabia que não seria inteligente pressioná-lo. Especialmente dado seu humor.
Por isso se surpreendeu quando ele disse:
— É algo que segue vigente.
Perguntou-se se seria pessoal ou um assunto de negócios.
Levantou os olhos para olhá-la.
— Está relacionado com certa fêmea.
Certo. Uma fêmea.
Ok, não tinha direito a sentir essa fria pressão ao redor do peito. Não era assunto dela que ele já estivesse envolvido com alguém. Nem que fosse um jogador que interpretava este jantar com carne assada, luz de velas, e sedução especial para só Deus sabia quantas fêmeas diferentes.
Ehlena clareou a garganta e baixou a faca e o garfo. Enquanto limpava a boca com o guardanapo, disse:
 — Uau. Sabe nunca me ocorreu perguntar se estava emparelhado. Não tem um nome nas costas...
— Não é minha shellan. E não a amo no mais mínimo. É complicado.
— Têm um filho em comum?
— Não, graças a Deus.
Ehlena franziu o cenho.
— Entretanto, se trata de uma relação?
— Suponho que pode chamar assim.
Sentindo-se como uma absoluta e delirante idiota perdida por ter se enrolado com ele, Ehlena pôs o guardanapo sobre a mesa ao lado do prato e lhe ofereceu um sorriso muito profissional enquanto ficava de pé e tomava seu casaco.
— Deveria ir agora. Obrigado pelo jantar.
Rehv amaldiçoou.
— Não devia ter dito nada…
— Se seu objetivo era me colocar na cama, tem razão. Foi um mau movimento. Ainda assim agradeço que foi honesto…
— Não estava tratando de te levar a cama.
— Oh, claro que não, porque estaria enganando-a. — Cristo, por que estava se incomodando tanto por isso?
— Não, — estalou em resposta — é porque sou impotente. Acredite-me, se pudesse ter uma ereção, a cama seria o primeiro lugar aonde queria ir contigo.


Capítulo 28


— Passar o tempo contigo é como observar a pintura secar. — a voz de Lassiter reverberou para cima, às estalactites que pendiam do alto teto da Tumba — Porém, sem a reforma da casa… O que é uma tragédia, visto como está este lugar. Meninos sempre primam por pessimismo e tristeza? Nunca ouviram falar do Pottery Barn[54]?
Tohr esfregou o rosto e percorreu a cova com o olhar, que durante séculos servira como lugar sagrado de reunião para a Irmandade. Atrás do volumoso altar de pedra ao lado do qual estava sentado, corria a parede de mármore negro que continha todos os nomes dos Irmãos, estendendo-se ao longo da parte de trás da cova. Velas negras em pesados suportes projetavam uma luz flutuante sobre todas as gravuras feitas na Antiga Língua.
— Somos vampiros. — disse — Não fadas.
— Às vezes não estou tão seguro disso. Viu esse escritório em que seu Rei costuma estar?
— É quase cego.
— O que explica por que não pendurou a si mesmo dentro desse terrível destroço de cor creme.
— Acreditei que estivesse se queixando da decoração de estilo pessimismo e tristeza?
— Estou associando livremente[55].
— Evidentemente. — Tohr não olhou ao anjo, já que imaginou que o contato visual só animaria ao cara. Oh, espera. Lassiter não necessitava ajuda nisso.
— Espera que essa caveira que há no altar fale contigo ou alguma merda assim?
— Na realidade nós dois esperamos que por fim tome um fôlego. — Tohr olhou furioso ao cara — Quando estiver preparado. Quando quiser.
— Diz as coisas mais doces. — o anjo sentou seu radiante traseiro em um dos degraus de pedra ao lado de Tohr — Posso te perguntar algo?
— A sério o “não” é uma opção?
— Não. — Lassiter mudou de posição e olhou fixamente à caveira — Essa coisa parece mais velha que eu. O que é dizer muito.
— Foi o primeiro Irmão, o primeiro guerreiro que combateu ao inimigo com valentia e poderio, é o símbolo mais sagrado de força e propósito que a Irmandade tem.
Lassiter deixou de chatear por uma vez.
— Deve ter sido um grande guerreiro.
— Pensei que iria perguntar-me algo.
O anjo ficou de pé com uma maldição e sacudiu as pernas.
— Sim, quero dizer… Como culhões pode permanecer sentado aí durante tanto tempo? O traseiro me está matando.
— Sim, as cãibras cerebrais são uma merda.
Embora o anjo tivesse razão quanto ao tempo transcorrido, Tohr esteve sentado ali, olhando fixamente a caveira e a parede de nomes mais à frente do altar, durante tanto tempo que, não que seu traseiro estivesse intumescido, mas, já não podia distingui-lo de maneira separada aos degraus.
Chegou à noite anterior, atraído por uma mão invisível, forçado a procurar a inspiração, a clareza e a re-conexão à vida. Em troca, encontrou só pedra. Pedra fria. E um montão de nomes que uma vez significara algo para ele e agora não eram nada mais que uma lista repleta de mortos.
— É porque está olhando no lugar errado. — disse Lassiter.
— Já pode ir.
— Cada vez que diz isso, faz aflorar uma lágrima em meus olhos.
— Que gracioso, aos meus também.
O anjo se inclinou e a essência de ar fresco o precedia.
— Nem essa parede nem essa caveira lhe darão o que está procurando.
Tohr entrecerrou os olhos e desejou ser o suficientemente forte para lutar contra o anjo.
— Não o farão? Bem, então o estão convertendo em um mentiroso. “Chegou o momento”. “Esta noite tudo muda”. Por tua culpa os presságios estão ficando maus, sabe? Só é um mentiroso filho da puta.
Lassiter sorriu e ociosamente acomodou o aro de ouro que perfurava sua sobrancelha.
— Se pensa que sendo grosseiro obterá minha atenção, estará verdadeiramente aborrecido antes que me importe.
— Porra, por que está aqui? — o esgotamento de Tohr se estendeu até sua voz, debilitando-a e lhe enchendo o saco — Por que demônio não me abandonou onde me encontrou?
O anjo subiu os degraus negros de mármore e passeou de cima abaixo diante da lustrosa parede com os nomes gravados, detendo-se de vez em quando para inspecionar um ou dois.
— O tempo é um luxo, acredite ou não. — disse.
— Percebo-o mais como uma maldição.
— Sem tempo, sabe o que obtém?
— O Fade. Que era aonde me dirigia até que chegou.
Lassiter percorreu com o dedo uma linha gravada de caracteres e Tohr afastou o olhar rapidamente quando se deu conta do que soletravam. Era seu nome.
— Sem tempo, — disse o anjo — fica só o abismal e nebuloso pântano da eternidade.
— PTI[56], a filosofia me aborrece.
— Não é filosofia. É realidade. O tempo é o que dá significado à vida.
— Que se dane. Sério... Que se dane.
Lassiter inclinou a cabeça, como se ouvisse algo.
— Por fim. — murmurou — O bastardo estava me voltando louco.
— Perdão?
O anjo voltou a aproximar-se, inclinou-se diretamente frente à cara de Tohr, e disse com clara dicção:
— Escute raiozinho de sol. Sua shellan, Wellsie, me enviou. Esse é o motivo pelo qual não te deixei morrer.
O coração de Tohr se deteve no peito justo quando o anjo elevava o olhar e dizia:
— Por que demorou tanto?
Os shitkickers de Wrath retumbaram ao descer para o altar e respondeu com um tom de voz vexado.
— Bem, a próxima vez diga a alguém onde merda estará…
— O que disse? — resfolegou Tohr.
Quando voltou a se focar nele, Lassiter não parecia minimamente arrependido.
— Não é essa parede que deveria estar olhando. Tenta um calendário. Faz um ano que o inimigo disparou na cara de sua Wellsie. Porra, desperta de uma vez e faz algo a respeito.
Wrath amaldiçoou.
— Vamos, se acalme Lassi…
Tohrment se equilibrou do chão da cova com algo parecido à antiga força que uma vez teve, como se fosse um quarterback e golpeou Lassiter e apesar da diferença de peso, derrubou o anjo com força sobre o chão de pedra. Envolvendo as mãos ao redor da garganta do anjo, olhou fixamente dentro dos olhos brancos e descobrindo suas presas, apertou.
Lassiter se limitou a olhá-lo diretamente e verter sua voz diretamente no lóbulo temporal de Tohr: O que vai fazer, idiota? Vai vingá-la, ou desonrá-la te deixando esgotar assim?
A enorme mão de Wrath agarrou o ombro de Tohr como a garra de um leão, cravando-se, puxando para trás.
— Solte-o.
— Não... — o fôlego de Tohr saía a baforadas — Nunca… Volte…
— Já basta. — exclamou Wrath.
Tohr foi afastado para trás até que caiu de bunda, e, enquanto ricocheteava como um pau deixado cair ao chão saiu de seu transe assassino. Também recuperou o julgamento.
Não sabia de que outra maneira descrevê-lo. Foi como se algum interruptor fosse acionado e sua fileira de luzes, que esteve apagada, tivesse voltado para a vida repentinamente, plena de eletricidade outra vez.
O rosto de Wrath entrou em seu raio de visão, e Tohr o viu com uma clareza que não teve desde… Nunca.
— Está bem? — perguntou seu irmão — Aterrissou com força.
Tohr estendeu as mãos e percorreu os fortes braços de Wrath tratando de conseguir uma percepção da realidade. Jogou um olhar a Lassiter e logo olhou fixamente ao rei.
— Lamento... Isso.
— Está me tirando o sarro? Todos querem estrangulá-lo.
— Sabe, vou terminar com um complexo. — disse Lassiter entre tosses enquanto tentava recuperar o fôlego.
Tohr agarrou os ombros do rei.
— Ninguém diz nada a respeito dela. — gemeu — Ninguém diz seu nome, ninguém fala sobre… O que aconteceu.
Wrath segurou a nuca de Tohr e o sustentou.
— Por respeito a você.
Os olhos de Tohr foram para a caveira que havia sobre o altar e em seguida para a parede cinzelada. O anjo estava certo. Só havia um nome que podia lhe devolver a prudência, e não estava inscrito ali.
Wellsie.
— Como soube onde estávamos? — perguntou a seu rei, ainda concentrado na parede.
— Às vezes, as pessoas precisam retornar à origem. Onde tudo começou.
— É hora. — disse o anjo cansado em voz baixa.
Tohr contemplou a si mesmo, ao debilitado corpo por baixo das folgadas roupas. Era uma quarta parte do macho que tinha sido, possivelmente, inclusive menos. E isso não se devia só a todo o peso que perdera.
— Oh, Jesus… Olhe o que sou.
A resposta de Wrath foi clara e concisa.
— Se você está preparado, nós estamos preparados para que retorne.
Tohr olhou o anjo, precavendo-se pela primeira vez da aura dourada que o envolvia. O enviado do céu. O enviado de Wellsie.
 — Estou preparado. — disse, a ninguém em particular e a todo mundo em geral.

Enquanto Rehv olhava fixamente a Ehlena através da mesa, pensou: bem, ao menos depois que deixei cair a bomba não foi diretamente à saída.
Impotente não era uma palavra que quisesse usar frente a uma fêmea em que está interessado. A menos que fosse usar ao estilo tenor de: Porra, não, NÃO sou impotente.
Ehlena voltou a sentar-se.
— É… É por causa da medicação?
— Sim.
Os olhos dela o evitaram, como se estivesse fazendo cálculos mentais, e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi: Minha língua ainda funciona e também meus dedos.
Guardou esse pensamento para si.
— A dopamina tem um efeito estranho em mim. Em vez de estimular a testosterona, drena essa merda de meu corpo.
Os cantos da boca dela se estenderam para cima.
— O que vou dizer é absolutamente impróprio, mas considerando quão viril é sem ela…
— Seria capaz de te fazer amor. — disse quedamente — Assim é como seria.
Fulminou-o com um olhar cheio de: Santa merda acaba de dizer isso?
Rehv acariciou o moicano com uma mão.
— Não vou desculpar-me pelo fato de gostar de você, mas tampouco te faltarei o respeito tratando de fazer algo a respeito. Quer café? Já está preparado.
— Ah... Pois sim. — como se esperasse que pudesse lhe clarear a cabeça — Escute…
Deteve-se pela metade de levantar.
— Sim?
— Eu... Ah...
Quando ela não continuou, ele se encolheu de ombros.
— Só me permita trazer o café. Quero te servir. Faz-me feliz.
Dizer feliz era fodidamente pouco. Enquanto retornava à cozinha, uma flagrante satisfação atravessou seu torpor. O fato de estar alimentando-a com a comida que preparou para ela, lhe dando bebida para aliviar sua sede, lhe proporcionando um refúgio para o frio…
As narinas de Rehv captaram um aroma estranho, ao princípio pensou tratar-se da carne assada que deixara fora, devido a tê-la esfregado a parte exterior da carne com especiarias. Mas não… Não era isso.
Considerando que tinha outras coisas que se preocupar além de seu nariz, foi até os gabinetes e tirou uma xícara e um pires. Após servir o café, endireitou as lapelas da jaqueta…
E ficou gelado.
Elevou a mão para seu nariz, inalou profundamente e não pôde acreditar o que estava cheirando. Não podia ser possível…
Salvo que esse aroma só podia significar uma coisa, e não tinha nada a ver com seu lado symphath: a misteriosa fragrância que desprendia era o aroma da vinculação, a marca que os vampiros machos deixavam na pele e sexo de suas fêmeas a fim de que outros machos soubessem à ira de quem se exporiam se atreviam-se a aproximar-se.
Rehv baixou o braço e olhou para a porta de serviço, aturdido.
Quando chegava a certa idade, não esperava mais surpresas de seu corpo. Ao menos, não das positivas. Articulações trementes. Pulmões com falta de ar. Visão ruim. Certo, quando chegasse o momento. Mas realmente, durante os novecentos anos ou assim seguiam após a transição, tinha o que tinha.
Embora positivo pudesse não ser o termo exato que utilizaria para esta mudança.
Sem razão aparente, pensou na primeira vez que praticou sexo. Fora justamente após sua transição, e, quando o ato acabou estivera convencido de que a fêmea e ele se emparelhariam e viveriam juntos e felizes o resto de suas vidas. Era perfeitamente formosa, uma fêmea que o irmão de sua mãe trouxera para casa para que Rehv usasse quando entrasse na mudança.
Era morena.
Jesus, agora não podia recordar seu nome.
Ao recordar, com o que aprendera depois sobre machos, fêmeas e atração, sabia que a surpreendera com o fato de quão grande se tornara seu corpo após a mudança. Ela não esperava gostar do que viu. Não esperava desejá-lo. Mas o fez e se tornaram um casal, o sexo foi uma revelação, a sensação de toda essa carne, o ímpeto viciador, o poder que teve ao tomar o controle depois das primeiras duas vezes.
Descobriu ter uma lingüeta, e… Como ela estava tão ávida dele, não esteve certo de que notara que teve de esperar um pouco antes que pudesse retirar-se de seu interior.
O resultado foi que, sentiu-se em paz, muito contente. Mas não houvera desenlace de viveram-felizes-para-sempre. Com o suor ainda secando sobre o corpo, vestiu as roupas e se dirigiu à porta. Justamente quando se ia, sorriu docemente e disse que não cobraria de sua família pelo sexo.
Seu tio a tinha comprado para que o alimentasse.
Ao considerá-lo agora, parecia-lhe gracioso, era realmente uma surpresa onde tinha acabado? O sexo por conveniência tinha sido brocado em seu interior muito condenadamente cedo… Apesar de que esse primeiro ato sexual ou os seis primeiros foram por conta da casa, por assim dizer.
Por isso, se esse misterioso aroma significava que sua natureza vampira se vinculou com a Ehlena, não se tratava de boas notícias.
Rehv agarrou o café, e, cuidadosamente atravessou a porta de serviço com ele, saindo à sala de jantar. Quando o colocou frente a ela desejou tocar seu cabelo, mas em troca se sentou.
Ela levou a xícara aos lábios.
— Faz um bom café.
— Ainda não o provou.
— Posso cheirá-lo. E adoro como cheira.
Não é o café, pensou. Ao menos não de todo, em qualquer caso.
— Bom, adoro seu perfume. — disse ele, como tonto que era.
Ela franziu o cenho.
— Não levo nenhum. Quero dizer, além do sabonete e xampu que uso.
— Caramba, então gosto do aroma desses. E estou muito contente que tenha ficado.
— É isto o que tinha planejado?
Seus olhos se encontraram. Merda, ela era perfeita. Radiante como eram as velas.
— Que ficasse até chegar ao café do final? Sim, suponho que um encontro era o que perseguia.
— Pensei que estava de acordo comigo.
Porra, esse tom de voz ofegante o fazia desejar tê-la apertada contra seu peito nu.
— De acordo contigo? — perguntou — Demônios, se te fizesse feliz diria que sim a tudo. Mas a que se refere especificamente?
— Disse... Que não deveria me encontrar com ninguém.
Ah, claro.
— Não deveria.
— Não entendo.
Que se dane, por isso. Rehv pôs seu intumescido cotovelo na mesa e se inclinou para ela. Enquanto cortava a distância, os olhos dela aumentaram, mas não retrocedeu.
Deteve-se, para lhe dar a oportunidade de dizer que cortasse essa merda. Por quê? Não tinha nem idéia. Seu lado symphath só fazia pausa somente para analisar ou tirar melhor proveito de uma debilidade. Mas, ela fazia que quisesse ser decente.
Não obstante, Ehlena não disse que se afastasse.
— Não… Entendo. — sussurrou ela.
— É simples. Não acredito que deva se encontrar com ninguém. — Rehv se aproximou ainda mais, até que pôde ver os pontinhos dourados em seus olhos — Porém, não sou precisamente ninguém.

Capítulo 29


Porém, não sou precisamente ninguém.
Enquanto olhava fixamente os olhos de ametista de Rehvenge, Ehlena pensou que era precisamente certo. Nesse momento de silêncio, com uma explosiva vibração sexual entrelaçando-os e o aroma de uma misteriosa colônia no ar, Rehvenge era tudo, abrangendo tanto seres como objetos.
— Deixará que te beije. — disse.
Não era uma pergunta, mas de toda forma ela assentiu, e ele estreitou a distância entre suas bocas.
Seus lábios eram suaves e seu beijo ainda mais suave. E, na opinião dela, afastou-se muito rápido. Verdadeiramente muito rápido.
— Se quiser mais. — disse em voz baixa e rouca — Quero te dar.
Ehlena olhou sua boca fixamente e pensou em Stephan… E em todas as alternativas que já não tinha. Estar com Rehvenge era algo que desejava. Não fazia sentido, mas nesse momento não lhe importava.
— Sim. Quero mais. — porém, logo lhe fez evidente. Ele não podia sentir nada, verdade? Então o que passaria se levavam isto mais longe?
Sim, e como abordava esse tema sem fazê-lo sentir-se um aleijado? E o que se passava com essa outra fêmea dele? Evidentemente, não estava deitando-se com ela, mas havia algo sério entre eles.
Os olhos cor ametista baixaram a seus lábios.
— Quer saber o que obtenho disto?
Homem, essa voz era puro sexo.
— Sim. — suspirou.
— Poderei vê-la como está agora.
— Como... Estou?
Deslizou um dedo por sua bochecha.
— Está ruborizada. — seu roçar deslocou para seus lábios — Sua boca está aberta porque está pensando em mim te beijando outra vez. — desceu com essa tenra carícia, indo para a garganta — Seu coração está bombeando. Posso vê-lo nesta veia aqui. — deteve-se entre os seios, abriu a boca e suas presas se distenderam — Se continuo, acredito que descobriria que seus mamilos endureceram e sem dúvida há outros sinais de que está preparada para mim. — inclinou-se sobre seu ouvido e sussurrou — Está preparada para mim, Ehlena?
Santa. Merda.
Seu tórax se estendeu com força ao redor dos pulmões, e uma doce e atordoante sensação de sufocamento fez que a corrente que repentinamente sentiu entre as coxas fosse ainda mais contundente.
— Ehlena, responda. — Rehvenge acariciou seu pescoço com o nariz, percorrendo sua veia com uma afiada presa.
Enquanto jogava a cabeça para trás, agarrou-se à manga do elegante terno, apertando o tecido. Tinha passado tanto tempo… Uma eternidade… Desde a última vez que alguém a abraçou. Desde que foi algo mais além de ser uma cuidadora de um doente. Desde que sentisse seus peitos, quadris e coxas como sendo algo mais que partes que deviam ser cobertas antes de sair em público. E agora este formoso macho que não era precisamente-ninguém desejava estar com ela com o único propósito de agradá-la.
Ehlena teve que piscar rapidamente, sentindo como se acabassem de lhe dar um presente, e se perguntava quão longe poderia chegar o que estavam a ponto de iniciar. Tempos atrás, antes que sua família caísse em desgraça com a glymera e fossem desarraigados, esteve prometida a um macho e ele a ela. A cerimônia de casamento foi acertada, mas depois da mudança de fortuna de sua família não chegou a realizar-se.
Todavia, quando estavam juntos, deitou-se com o macho, embora como fêmea de valia da glymera não deveria tê-lo feito porque ainda faltava unirem-se formalmente. A vida parecia muito curta para esperar.
Agora, sabia que era inclusive mais curta do que pensara.
— Tem uma cama neste lugar? — perguntou.
— E mataria por te levar ali.
Foi ela a que se levantou e estendeu a mão para ele.
— Vamos.

O que o convertia em algo correto era que tudo era para a Ehlena. A falta de sensações de Rehv o deixava completamente fora da equação, liberando ambos das desagradáveis implicações que teria se ele estivesse envolvido.
Homem, que divertido que era isto. Devia entregar seu corpo à princesa. Mas escolhia dá-lo a Ehlena…
Bom, merda, não sabia exatamente o que, mas era muitíssimo mais que só seu pênis. Também tinha muito mais valor.
Agarrando a bengala, porque não queria ter que depender dela para estabilizar-se, levou-a ao quarto, com a cama do tamanho de uma piscina, a colcha de cetim negro e a vista panorâmica.
Fechou a porta com a mente, embora não houvesse ninguém mais no apartamento de cobertura, e o primeiro que fez foi dar a volta a Ehlena para tê-la frente a ele e soltar seu cabelo do retorcido nó. As ondas de uma intensa cor loira avermelhada caíram, chegando abaixo dos ombros, e, apesar de não poder sentir as sedosas mechas, pôde cheirar a ligeira e natural fragrância de seu xampu.
Era limpa e fresca, como um riacho no qual poderia banhar-se.
Deteve-se, um desconhecido aguilhão de consciência o paralisou. Se soubesse o que ele era, se soubesse o que fazia para viver, se soubesse o que fazia com seu corpo, não o escolheria. Estava seguro disso.
— Não se detenha. — disse, elevando o rosto para cima — Por favor…
À força de vontade, segmentou, tirando do quarto as coisas más, a depravada vida que levava e as perigosas realidades que confrontava, as isolando, as enclausurando.
A fim de que fossem somente eles.
— Não me deterei a menos que você queira que o faça. — disse. E se queria ele o faria, sem fazer perguntas. O último que jamais quereria fazer era que ela se sentisse da mesma maneira que ele a respeito do sexo.
Rehv se inclinou para frente, pôs os lábios sobre os dela, e a beijou cuidadosamente. Como não podia estimar a sensibilidade, não queria esmagá-la, e tinha a impressão que ela se apertaria contra ele se quisesse mais…
Ehlena fez justamente isso, envolveu os braços ao seu redor e os fundiu quadril com quadril.
E... Merda, sentiu algo. Parecia um nada, uma chama de emoção abriu caminho através de seu intumescimento, a onda que irradiava era débil, mas definitivamente era uma calidez que podia sentir. Durante uma fração de segundo se retraiu, alcançado pelo arpão do medo… Mas sua visão permaneceu em três dimensões, e o único vermelho que via provinha do resplendor do relógio digital que havia sobre a mesinha de noite.
— Está tudo bem? — perguntou ela.
Ele esperou um par de segundos mais.
— Sim… Sim, absolutamente. — riscou seu rosto com o olhar — Deixará-me te despir?
Oh, Deus, acabava de dizer isso?
— Sim.
— Oh... Obrigado...
Rehv desabotoou lentamente a parte dianteira do uniforme, cada centímetro de pele era toda uma revelação, o ato não era tanto para despi-la senão para revelá-la. E, foi com mãos atentas que deslizou a metade superior do que vestia por seus ombros, para baixo, passando sobre os quadris até cair ao chão. Quando a teve frente a ele com o sutiã branco, as meias brancas e o indício das calcinhas brancas aparecendo sob as meias, sentiu-se estranhamente honrado.
Mas isso não era tudo. O aroma de seu sexo acendeu um zumbido em seus ouvidos que o fez sentir como se estivesse consumindo carreiras de coca durante uma semana e meia sem parar. Ela o desejava. Quase tanto como ele desejava atender seus desejos.
Rehv a levantou rodeando sua cintura com os braços e estreitando-a contra si. Não pesava nada absolutamente, e o soube pelo fato que sua respiração não mudou em nada enquanto a carregava e a punha sobre a cama.
Quando retrocedeu para contemplá-la, Ehlena não era como as fêmeas com as que esteve. Não estendeu e abriu as pernas, não brincou consigo mesma, não se arqueou nem realizou uma variante da representação das putas de “vêem-e-toma-me-grandalhão”.
Além, tampouco queria lhe causar dor e não tinha nenhum interesse em envergonhá-lo… Em seus olhos não havia rastro de ardente e erótica crueldade.
Ela somente o olhava fixamente com admiração e honesta antecipação, uma fêmea sem ardis nem maquinações… Que era um trilhão de vezes mais sexy que alguém com quem esteve alguma vez ou tenha visto por aí.
— Quer-me vestido? — perguntou.
— Não.
Rehv desfez-se da jaqueta como se não fosse feita para uma propaganda de lojas, jogou a obra de arte da Gucci ao chão sem nenhum cuidado. Tirou os sapatos de um chute, desabotoou o cinto e deixou as calças caírem, deixando-as onde tinham caído. Tirou a camisa rapidamente. Assim como as meias três-quartos.
Vacilou com os bóxers, colocou os polegares na cintura, preparado para dar o puxão, mas sem terminar o movimento.
A falta de uma ereção o envergonhava.
Rehv não pensou que tivesse importância. Demônios, embora fosse certamente discutível, seu flácido pênis era o que fazia isto possível. Mas, de toda forma, sentia-se menos macho.
Para falar a verdade, não se sentia macho absolutamente.
Tirou as mãos e as pôs sobre o sexo flácido.
— Vou deixar estes postos.
Ehlena estendeu uma mão, com uma expressão de desejo nos olhos.
— Quero estar contigo da maneira que venha.
Ou que não venha, como era o caso.
— Sinto-o. — disse baixinho.
Houve um momento incômodo, mas o que ela podia responder? E, entretanto, de uma ou outra maneira ele esperava, desejava… Algo dela.
Reafirmação?
Jesus, que merda andava mal com ele. Todos estes estranhos pensamentos e reações estavam riscando encruzilhadas na paisagem de seu lóbulo temporal, ardentes caminhos para os destinos dos que ele só ouviu falar com outras pessoas, para lugares como a vergonha, a tristeza e a preocupação. Também para a insegurança.
Possivelmente os hormônios sexuais que ela estava agitando nele eram como a dopamina, lhe provocando o efeito contrário. Convertendo-o em uma garota.
— Fica tão bonito sob esta luz. — disse em tom rouco — Seus ombros e peito são tão grandes, não posso imaginar como é ser tão forte. E seu estômago… Desejaria que o meu fosse tão plano e firme. Suas pernas são muito poderosas também, todo músculo, sem um grama de gordura.
Enquanto subia a mão desde seu abdômen até um dos peitorais, percorreu com o olhar o ventre brandamente arredondado dela.
— Penso que é perfeita tal como é.
A voz dela adotou um tom grave.
— E acredito o mesmo de você.
Rehv tomou fôlego com dificuldade.
— Sim?
— A mim parece muito sexy. Somente te olhar… Faz-me te desejar.
Bem... Aí o tem. E, ainda assim requereu uma estranha espécie de valor voltar a deslizar os polegares sob a cintura dos bóxers e fazê-los baixar lentamente pelas coxas.
Quando se deitou ao seu lado, seu corpo tremia, e o soube por que podia ver o tremor de seus músculos.
Importava-lhe o que ela pensasse dele. De seu corpo. Pelo que ia acontecer nessa cama. Com a princesa? Importava-lhe um traseiro de rato se gozava com o que ele fazia. E nessas poucas ocasiões em que esteve com suas garotas, não quis machucá-las, é obvio, mas fora uma troca de sexo por dinheiro.
O que teve com Xhex foi simplesmente um engano. Nem bom nem mau. Somente era algo que tinha acontecido e nunca voltaria a acontecer.
Ehlena passou as mãos por seus braços e sobre os ombros.
— Beije-me.
Rehv a olhou aos olhos e fez exatamente isso, aproximando os lábios aos dela, acariciou-os, logo estendeu a língua e lambeu sua boca. Continuou beijando-a até que ela se agitou na cama e o apertou com as mãos tão firmemente que o estranho eco de emoção estalou outra vez. O sentimento fez que se detivesse e abrisse os olhos para checar sua visão, mas tudo era normal, sem manchas de vermelho.
Retornou ao que estava desfrutando, sendo cuidadoso porque não podia medir a pressão do contato, deixando que ela fosse para ele para esmagá-la com a boca.
Ele desejava ir tão mais longe... E leu sua mente.
Ehlena tomou a iniciativa e tirou o sutiã, soltando o fecho frontal e despindo-se. Oh… Caramba, sim. Seus peitos estavam perfeitamente proporcionados e coroados com escuros mamilos rosados… Que rapidamente sugou ao interior de sua boca primeiro um e logo o outro.
O som de seus gemidos acendeu seu corpo, substituindo o frio por vida e energia, calidez e necessidade.
— Quero descer por seu corpo. — grunhiu.
Seu “Por favor” foi mais um gemido que uma palavra, e seu corpo, de fato, ofereceu uma resposta ainda mais clara. Nesse momento separou as coxas, e abriu as pernas, oferecendo todo o convite que alguma vez poderia ter pedido.
Essas suas meias teriam que sair antes que terminasse mastigando-as.
Rehv era tão lento e consciencioso como podia suportar ser, despindo de sua carne as finas roupas, acariciando-a com o nariz ao longo de todo o caminho até os tornozelos, inalando profundamente enquanto o fazia.
Deixou-lhe as calcinhas postas.

A ternura de Rehvenge foi o que mais surpreendeu Ehlena.
Apesar de seu grande tamanho, foi tão cuidadoso com ela como pôde, movendo-se meigamente sobre seu corpo, lhe dando toda oportunidade de dizer não ou de desviá-lo ou de deter as coisas por completo.
Não tinha intenção de fazer nada disso.
Especialmente quando a grande mão perambulou para cima pelo interior de sua perna nua e sutilmente, inexoravelmente abriu suas coxas ainda mais. Quando os dedos roçaram as calcinhas, um disparo de eletricidade chispou em seu sexo, o mini-orgasmo a deixou ofegando.
Rehvenge se impulsionou para cima e falou em seu ouvido com um grunhido.
— Eu gosto desse som.
Apoderou-se de sua boca e lhe acariciou o sexo por cima do modesto algodão que a cobria. Os profundos arremessos da língua contrastavam com as carícias de mariposa, e ela jogou a cabeça para trás, perdendo-se completamente nele. Arqueou os quadris, queria que fosse sob as calcinhas, e rezou para que captasse a indireta, porque estava sem ar e desesperada para falar.
— O que quer? — disse em seu ouvido — Quer que não haja nada entre nós?
Quando assentiu, o dedo do meio deslizou sob o elástico, e logo foi pele contra pele e…
— Oh... Deus. — gemeu quando um gozo palpitou através de seu corpo.
Rehvenge sorriu como um tigre ao acariciá-la enquanto tinha o orgasmo ajudando-a a agüentar as pulsações. Quando finalmente se aquietou, sentiu-se envergonhada. Não esteve com ninguém em muito tempo, e nunca com alguém como ele.
— É incrivelmente formosa. — sussurrou antes que ela pudesse dizer algo.
Ehlena virou o rosto para seus bíceps e beijou a suave pele que cobria o tenso músculo.
— Fazia muito tempo que não o fazia.
Um sereno resplendor acendeu o rosto dele.
— Gosto disso. Muitíssimo. — deixou a cabeça cair sobre seu peito e beijou seu mamilo — Gosto que respeite seu corpo. Nem todo mundo o faz. Oh, e por certo, ainda não terminei.
Ehlena cravou suas unhas em sua nuca quando puxou sua calcinha fazendo-a descer por suas coxas. A visão da língua rosada provocando seu peito a paralisou, especialmente quando os olhos cor ametista se encontraram com os seus enquanto rodeava o mamilo e começava a movê-lo de um lado a outro com rápidas passadas da língua… Como se lhe oferecesse um adiantamento da atenção que a seguir poderia esperar mais abaixo.
Ela gozou de novo. Intensamente.
Esta vez Ehlena se deixou ir completamente, e foi um alívio estar em sua pele e com ele. Enquanto se recuperava do prazer, nem sequer se sobressaltou quando começou a abrir caminho para baixo beijando o estômago e mais à frente para sua…
Gemeu tão alto que ecoou.
Como tinha ocorrido com os dedos, a sensação da boca sobre seu sexo era muito mais vívida porque apenas a tocava. As suaves carícias pareciam suspensas sobre esse vulnerável e ardente lugar de seu corpo, fazendo que se esforçasse para sentir, transformando cada passada de seus lábios e sua língua em uma fonte tanto de prazer como de frustração.
— Mais. — exigiu, levantando os quadris.
Ele elevou os olhos ametistas.
— Não quero ser muito rude.
— Não será. Por favor... Está me matando...
Com um grunhido, inundou-se nela e cobriu seu sexo com a boca, chupando-a, sugando-a dentro de sua boca. Gozou novamente, esta vez com fortes e devastadores estalos, mas ele o fez bem. Continuou sugando, agüentando suas sacudidas e encurvações, o som de lábios contra lábios se elevou junto com os gritos guturais dela enquanto a acariciava e a fazia chegar ao clímax uma e outra vez.
Quando só Deus sabia quantas vezes chegou ao clímax, ficou quieta e ele também. Ambos estavam ofegando, ele tinha a reluzente boca sobre a parte interior de sua coxa e três de seus dedos enterrados firmemente dentro dela, seus aromas misturando-se no tórrido ar de…
Ela franziu o cenho. Parte da embriagadora fragrância que havia na habitação era… De especiarias escuras. E quando inalou profundamente, ele levantou os olhos para os dela.
Sua expressão emocionada deve ter mostrado exatamente à conclusão a que tinha chegado.
— Sim, também estou captando o aroma. — disse com rudeza.
Salvo que, não podia haver-se vinculado com ela, verdade? A sério podia acontecer tão rápido?
— Para alguns machos ocorre assim. — disse ele — Evidentemente.
De repente se deu conta que lhe estava lendo a mente, mas não se importou. Considerando onde esteve, pinçar em seu cérebro não parecia nem a metade de íntimo.
— Não o esperava. — disse.
— Tampouco estava em minha lista. — Rehvenge retirou os dedos e os lambeu com deliberadas carícias de sua língua, até deixá-los limpos.
O que naturalmente voltou a excitá-la.
Manteve o olhar fixo nele enquanto voltava a acomodar-se sobre os travesseiros entre os que ela se derrubou.
— Se não tem nem idéia do que dizer se una ao clube.
— Não há nada que dizer. — murmurou — É simplesmente um fato.
— Sim.
Rehvenge rodou até ficar sobre suas costas, e enquanto deitavam na escuridão com uns quinze centímetros de distância entre eles, sentiu saudades como se tivesse abandonado o país.
Ficando de lado, apoiou a cabeça na parte interior do braço e o contemplou enquanto ele olhava fixamente o teto.
— Desejaria poder te dar algo. — disse, deixando todo o tema da vinculação para depois. Muito falar ia arruinar o que acabavam de compartilhar, e ela queria conservá-lo um pouco mais.
Ele a olhou.
— Está louca? Preciso te recordar o que acabamos de fazer?
— Quero te dar algo parecido. — encolheu-se — Não quis fazer soar como se tivesse faltado algo… Quero dizer… Merda.
Sorriu e roçou sua bochecha.
— É doce de sua parte, não se sinta incômoda por isso. E não subestime o muito que tudo isso me agradou.
— Quero que saiba algo. Ninguém poderia me haver feito sentir melhor ou mais formosa do que você acaba de fazer.
Girou para ela e imitou sua posição, com a cabeça apoiada em seu grosso bíceps.
— Vê porque foi bom para mim?
Tomou a mão entre as suas e beijou a palma, só para franzir o cenho.
— Está se esfriando. Posso notar.
Incorporou-se e puxou o edredom para cobrir seu corpo, envolvendo-o primeiro, logo o abraçou, enquanto se estendia por cima das mantas.
Permaneceram assim durante um século.
— Rehvenge?
— Sim.
— Toma minha veia.
Deu-se conta de que lhe deu um susto do demônio pela forma em que deixou de respirar.
— Perdão… O-o que?
Teve que sorrir, pensando que não era o tipo de macho que tendia a balbuciar muito.
— Toma minha veia. Deixe-me te dar algo.
Através dos lábios abertos viu como se alargavam suas presas, e não o fizeram pouco a pouco, mas antes foi como se tivessem aflorado de repente do crânio.
— Não estou certo... Se isso seria… — enquanto sua respiração se fazia mais irregular sua voz se fazia mais grave ainda.
Ela pôs a mão no pescoço e massageou a jugular lentamente.
— Acredito que é uma grande idéia.
Quando seus olhos brilharam com uma cor púrpura, ela se deitou de costas e inclinou a cabeça a um lado, expondo a garganta.
— Ehlena... — os olhos percorreram seu corpo e retornaram a seu pescoço.
Agora estava ofegante e ruborizado, e uma fina película de suor cobria a porção dos ombros que aparecia fora das mantas. E isso não era nem a metade. O aroma de escuras especiarias estalou até saturar o ar, sua química interna reagiu ante a necessidade que tinha dela e o que ela queria fazer por ele.
— Oh... Merda, Ehlena...
Abruptamente, Rehvenge franziu o cenho e baixou o olhar para si mesmo. Sua mão, a que tinha acariciado meigamente sua bochecha, desapareceu sob as mantas e sua expressão mudou: a paixão e o propósito se dissiparam imediatamente, deixando só uma espécie de turvada indignação.
— Sinto-o. — disse com voz rouca — O sinto… Não posso…
Rehvenge se arrastou para fora da cama e levou o edredom com ele, liberando-o de um puxão de debaixo do corpo dela. Moveu-se rápido… Mas não o suficiente para que ela deixasse de notar o fato de que tinha uma ereção.
Estava excitado. Grande, comprido e duro como um fêmur.
E não obstante desapareceu no banheiro e fechou a porta com firmeza.
E logo a trancou.

CONTINUA

Capítulo 20


Lash estacionou a Mercedes 550 debaixo de uma das pontes de Caldwell, o sedã negro era indistinguível entre as sombras projetadas pelas gigantescas bases de concreto. O relógio digital que havia no painel indicou que a hora do espetáculo se aproximava.
Assumindo que não tivesse tido cagadas.
Enquanto esperava, pensou na reunião com o líder dos symphaths. Em retrospectiva, não gostava realmente do modo em que o macho o fazia sentir-se. Ele fodia garotas. Ponto. Nada de machos. Jamais.
Essa classe de merda era para cavaleiros de pênis como John e seu bando de fracos do rabo.
Mudando de direção mentalmente, Lash sorriu na escuridão, pensando que quase não podia esperar para voltar a ser apresentado a esses estúpidos. Ao princípio, logo depois de que tivesse retornado por seu pai verdadeiro, tinha querido apressar as coisas. Depois de tudo, John e seus meninos sem dúvida seguiam freqüentando o ZeroSum, assim encontrá-los não seria um problema. Mas, encontrar o momento adequado era fundamental. Lash ainda estava resolvendo a merda de sua nova vida e queria estar inteiro quando esmagasse o John e matasse o Blay diante do Qhuinn, logo mataria ao idiota que o tinha assassinado.
Procurar o momento oportuno era importante.
Como se tivessem obedecido a um sinal, dois carros se detiveram entre alguns dos pilares. O Ford Escort era da Sociedade Lessening, e o Lexus prateado era o carro do atacadista de Grady.
Preciosos aros os que levava o LS 600h. Muito bonitos.
Grady foi o primeiro a sair do Escort, e quando o senhor D e os outros dois lessers o seguiram, foi como olhar a evacuação de um carro de palhaços, dada a quantidade de carne que tinha estado apinhada dentro.
Quando se aproximaram do Lexus, do 600h, saíram dois homens levando elegantes casacos de inverno. Sincronizadamente, os dois machos humanos puseram a mão direita em suas jaquetas e tudo no que Lash pôde pensar foi: melhor que saiam armas e não insígnias desses bolsos superiores. Se Grady havia fodido e esses eram policiais disfarçados brincando de ser Crockett e Tubbs[41] da era moderna, as coisas iram se complicar.
Mas não… Nenhuma insígnia do DPC, só um pouco de conversa por parte dos casacos, sem dúvida na linha de: Quem são estes três lambe rabos que trouxe para esta transação particular de negócios?
Grady olhou ao senhor D com um pânico de “estou totalmente fora desta aliança”, e o pequeno texano tomou as rédeas, dando um passo adiante com uma pasta de alumínio. Depois de pô-la sobre o porta-malas do Lexus, abriu para revelar o que pareciam ser maços de notas de cem dólares. Na realidade, eram só montões de notas de um dólar com só um Benjamin[42] em cima de cada maço. Os casacos olharam para baixo…
Plop. Plop.
Grady saltou para trás enquanto os traficantes caíam ao chão como faxineiras, sua boca aberta tão amplamente como a tigela de lavabo. Antes que pudesse se pôr a dizer um montão do “OH meu Deus o que fez”, o senhor D deu um passo para ficar cara a cara e desferiu uma bofetada que o fez calar.
Os dois assassinos voltaram a guardar as armas em suas jaquetas de couro enquanto o senhor D fechava a mala, dava a volta e ficava atrás do volante do Lexus. Enquanto partia, Grady levantou a vista para os rostos dos homens pálidos como se esperasse que também lhe dessem um tiro.
Em vez disso, dirigiram-se de retorno ao Escort.
Depois de um momento de confusão, Grady os seguiu com uma corridinha torpe como se todas as suas articulações estivessem muito engraxadas, mas quando foi abrir a porta traseira, os assassinos se negaram a permitir entrar no carro. Quando Grady se deu conta de que ia ser deixado para trás, começou a assustar-se, começou a agitar os braços, e a gritar. O que era fodidamente tolo, tendo em conta que estava a quatro metros e meio de dois tipos com balas em seus cérebros.
Exatamente nesse momento um pouco de silêncio viria bem.
Evidentemente um dos assassinos pensou o mesmo. Com absoluta calma, sacou a mão com a arma e nivelou o canhão à altura da cabeça de Grady.
Silêncio. Quietude. Pelo menos por parte do idiota.
Fecharam duas portas e o motor do Escort ligou com um giro e um fôlego. Os assassinos se afastaram, fazendo chiar os pneus e salpicando as botas e a acne de Grady com terra congelada.
Lash acendeu as luzes do Mercedes, e Grady girou em redondo, protegendo os olhos com os braços.
Teve a tentação de atropelá-lo, mas no momento, a utilidade do homem justificava o batimento de seu coração.
Lash arrancou a Mercedes, deteve-se junto ao HDP, e baixou o guichê.
— Suba no carro.
Grady abaixou os braços.
— Que porra aconteceu…
— Fecha a fodida boca. Sobe no carro.
Lash fechou a janela e esperou enquanto Grady se deixava cair pesadamente no assento do passageiro. Enquanto o homem punha o cinto, notou que os dentes chacoalhavam e não pelo frio. O estúpido estava da cor do sal, e suava como um transexual no Estádio dos Giants[43].
— Bem, poderia tê-los matado a plena luz do dia. — balbuciou Grady enquanto se dirigiam à estrada que corria ao lado do rio — Há olhos por toda parte…
— Esse era o ponto. — o telefone de Lash soou e ele respondeu enquanto acelerava pela rampa para a auto-estrada — Muito bem, senhor D.
— Acredito que temos feito bem. — disse o texano — Exceto que não vejo as drogas. Devem estar no porta-malas.
— Estão nesse carro. Em algum lugar.
— Seguimos com o plano de nos encontrar no Hunterbred?
— Sim.
— Ouça, ah, escute, está planejando fazer algo com este carro?
Lash sorriu na escuridão, pensando que a avareza era uma grande debilidade para que um subordinado a tivesse.
— Vou pintar, comprar um número de documentos e placas.
Fez silêncio, como se o lesser esperasse mais.
— Oh, isso estará bem. Sim, senhor.
Lash desligou a seu discípulo e se girou para o Grady.
— Quero conhecer todos os outros varejistas importantes da cidade. Seus nomes, seus territórios, suas linhas de produtos, tudo.
— Não sei se terei toda essa…
— Então será melhor que o averigúe. — Lash atirou o telefone no colo do homem — Faz quantas chamadas necessitar. Escava. Quero a todos e cada um dos traficantes da cidade. Logo quero ao elefante que os alimenta. O atacadista de Caldwell
Grady deixou cair a cabeça contra o assento.
— Merda. Pensei que isto ia ser como… Meu negócio.
— Esse foi seu segundo engano. Começa a ligar e me consiga o que desejo.
— Olhe… Não acredito que isto seja… Provavelmente deveria voltar para casa…
Lash sorriu ao homem, revelando suas presas e fazendo seus olhos brilhar.
— Está em casa.
Grady se encolheu no assento, e logo começou a dar tapas ao trinco da porta, apesar de que viajavam pela auto-estrada a mais de cem quilômetros por hora.
Lash travou as fechaduras.
— Sinto muito, está de passeio agora e não paro no meio. Agora ligue com a porra do telefone e faz bem. Ou vou te desmembrar pedaço a pedaço e desfrutarei de cada segundo de seus chiados.

Wrath estava fora do Lugar Seguro sob um vento capaz de lhe adormecer até os testículos, sem que lhe importasse dois caralhos o tempo desagradável que fazia. Elevando-se ante ele como saída da fantasia de Rockwell do Leave it to Beaver[44], a casa, que era um refúgio para vítimas de violência doméstica, era grande, labiríntica e acolhedora, as janelas estavam cobertas com cortinas acolchoadas, havia uma grinalda na porta e uma esteira no primeiro degrau que dizia BEM-VINDOS em letras itálicas.
Como macho, não podia entrar, assim esperou como uma escultura de jardim na dura grama marrom, rezando para que sua amada leelan estivesse dentro… E disposta a vê-lo.
Depois de ter passado todo o dia no escritório esperando que Beth viesse a ele, finalmente tinha percorrido a mansão procurando-a. Quando não a encontrou, rezou para que estivesse como voluntária aqui, coisa que fazia freqüentemente.
Marissa apareceu na escadaria de atrás e fechou a porta atrás dela. A shellan de Butch e anterior prometida de sangue de Wrath mostrava-se como uma típica profissional com suas calças e jaqueta negras, levava o cabelo loiro retorcido e recolhido em um elegante coque e seu aroma era como o do oceano.
— Beth acaba de sair. — disse enquanto se aproximava dele.
— Retornou para casa?
— Foi à Avenida Redd.
Wrath se esticou.
— Que demo… Por que foi ali? — merda, sua shellan tinha saído sozinha em Caldwell? — Quer dizer em seu velho apartamento?
Marissa assentiu.
— Acredito que queria voltar aonde as coisas começaram.
— Está sozinha?
— Pelo que sei, sim.
— Jesus cristo, ela já foi seqüestrada uma vez. — disse com brutalidade. Como Marissa retrocedeu, amaldiçoou a si mesmo — Olhe, sinto muito. Não estou atuando muito racionalmente neste momento.
Depois de um momento, Marissa sorriu.
— Isto soará mal, mas me alegra que esteja frenético. Merece estar.
— Sim, fui uma merda. De primeira.
Marissa elevou a cabeça para o céu.
— Já que estamos nisso, darei um conselho para quando for procurá-la.
— Diga-me.
O rosto perfeito de Marissa se nivelou outra vez e quando voltou a enfocar nele, sua voz adquiriu um tom triste.
— Trate de não se zangar. Parece um ogro quando se enche o saco, e neste momento, Beth necessita que a recordem o motivo pelo qual deveria baixar a guarda quando está contigo e não o motivo pelo qual não deveria.
— Bom ponto.
— O que estiver bem, meu senhor.
A saudou com uma rápida inclinação de cabeça e se desmaterializou diretamente para o endereço da Avenida Redd, onde Beth estava acostumada a ter um apartamento quando se encontraram pela primeira vez. Enquanto se transladava, pôde saborear malditamente bem aquilo com o que seu shellan tinha que lutar cada noite que ele saía à cidade. Querida Virgem Escriba, como ela confrontava o medo? A idéia de que possivelmente nem tudo estivesse bem? O fato de que onde ele estava havia mais perigo que segurança?
Quando tomou forma diante do edifício de apartamentos, pensou na noite que tinha ido procurá-la depois da morte de seu pai. Tinha sido um salvador resistente e inapropriado, seu melhor amigo lhe tinha pedido em sua última vontade e testamento que a ajudasse a passar pela transição... Quando ela nem sequer sabia o que era.
Sua primeira aproximação não tinha ido bem, mas a segunda vez que tinha tratado de falar com ela? Essa tinha ido muito bem.
Deus! Queria voltar a estar com ela desse modo. Pele nua sobre pele nua, movendo-se juntos, ele metido profundamente em seu interior, marcando-a como dele.
Mas isso estava muito longe, assumindo que acontecesse alguma outra vez.
Wrath rodeou o edifício para o pátio traseiro, seus shitkickers não faziam ruído, sua grande sombra se projetava no chão gelado sob seus pés.
Beth estava encolhida em uma mesa desencaixada de lanche campestre onde alguma vez ele se sentou, e estava olhando fixamente ao apartamento que tinha diretamente em frente exatamente como ele tinha feito quando tinha vindo procurá-la. O vento frio fazia revoar seu cabelo escuro, dando a impressão de que estivesse sob a água e nadando entre fortes correntes.
Deve ter lhe chegado seu aroma, porque girou a cabeça bruscamente. Enquanto o olhava, sentou-se mais reta e manteve os braços ao redor da parca North Face que lhe tinha comprado.
— O que faz aqui? — perguntou.
— Marissa me disse onde estava. — jogou um olhar à porta corrediça de vidro do apartamento, e logo voltou a olhar a ela — Importa se me unir a você?
— Ah… Bem. Está bem. — removeu-se um pouco enquanto se aproximava — Não ia ficar aqui muito tempo.
— Não?
— Ia te ver. Não estava segura de quando saía para lutar e pensei que possivelmente teria tempo antes… Mas então, não sei, eu…
Enquanto deixava a frase no ar, ele subiu à mesa a seu lado, os suportes chiaram quando a coisa aceitou seu peso. Queria rodeá-la com o braço, mas se conteve e esperou que a parca estivesse fazendo bem seu trabalho de mantê-la abrigada o suficiente.
No silêncio, as palavras sussurravam na mente, todas elas pertenciam à variedade das desculpas, todas as sandices. Já havia dito que sentia, e ela sabia que dizia a sério, e que ia passar muito tempo antes que deixasse de desejar que houvesse algo mais que pudesse fazer para compensar.
Nesta noite fria, enquanto se sentavam suspensos entre seu passado e seu futuro, tudo o que podia fazer era ficar ali sentado com ela, olhando fixamente as janelas obscurecidas do apartamento no qual ela tinha vivido uma vez… Antes que o destino lhes tivesse unido.
— Não recordo ter sido especialmente feliz aí dentro. — disse ela brandamente.
— Não?
Ela passou a mão pelo rosto, afastando algumas mechas dos olhos.
— Não gostava de voltar para casa do trabalho e estar aí sozinha. Graças a Deus pelo Boo. Sem esse gato? Refiro-me a que, é limitado o que a televisão pode fazer por uma pessoa.
Ele odiava que tivesse estado sozinha.
— Então não desejaria ter a possibilidade de voltar atrás?
— Cristo, não.
Wrath exalou.
— Alegro-me.
— Trabalhava no jornal, para esse imbecil lascivo, do Dick, fazendo o trabalho de três pessoas, sem possibilidades de conseguir nada, porque era uma moça e os velhos e bons meninos não formavam um clube… Formavam uma camarilha de conspiradores. —sacudiu a cabeça — Mas sabe o que era o pior de tudo?
— O que?
— Vivia com essa sensação de que algo estava acontecendo, algo importante, mas não sabia do que se tratava. Era como saber que o segredo estava ali, e que era escuro, mas simplesmente não podia alcançá-lo. Quase me voltava louca.
— Assim averiguar que não era só humana foi…
— Estes últimos meses contigo foram pior. — olhou-o — Quando penso no outono… Sabia que algo estava mau. No fundo de minha mente, sabia, podia pressentir. Deixou de vir à cama regularmente, e se o fazia, não era para dormir. Não podia se acalmar. Não comia realmente. Nunca se alimentava. O reinado sempre o estressou, mas este último par de meses foi diferente. — voltou a olhar fixamente a seu velho apartamento — Sabia, mas não queria enfrentar a realidade de que possivelmente estivesse mentindo sobre algo tão significativo e aterrador quanto estar saindo para lutar sozinho.
— Merda, não tinha intenção de te fazer algo assim.
O perfil de Beth era formoso e implacável ao mesmo tempo, enquanto continuava.
— Penso que isso toma parte do enredo mental que há em minha cabeça neste momento. Todo o assunto me leva de retorno ao modo em que estava acostumada a viver cada dia de minha vida. Depois que atravessei a mudança e que nos mudamos para viver com os Irmãos, senti-me tão aliviada, porque finalmente soube com segurança o que sempre me tinha perguntado. Incrivelmente, a verdade me proporcionou uma base. Fez-me sentir a salvo. — voltou-se para ele — Este assunto contigo? O mentir? Faz com que sinta que não posso voltar a confiar em minha realidade. Simplesmente não me sinto a salvo, refiro-me a que, todo meu mundo gira em torno de você. Meu mundo inteiro. Tudo está apoiado em você, porque nosso emparelhamento é a base de minha vida. Assim, isto implica muito mais que o fato de que lute.
— Sim. — foda. Que demônios podia dizer?
— Sei que teve suas razões.
— Sim.
— E sei que não queria me ferir. — isto foi dito com uma entonação que se elevava ao final, as palavras eram mais uma pergunta, que uma declaração.
— Definitivamente não tinha essa intenção.
— Mas sabia que o faria, verdade?
Wrath apoiou os cotovelos nos joelhos e se reclinou sobre seus fortes braços.
— Sim, sabia. É por isso que não estive dormindo. Sentia que estava fazendo mal ao não lhe dizer isso.
— Tinha medo que me negasse a te permitir sair ou algo? Que te entregasse por violar a lei? Ou…?
— O assunto é assim… No final de cada noite voltava para casa e me dizia que não ia fazer outra vez. E em cada por do sol me encontrava atando as correntes de minhas adagas. Não queria que se preocupasse, e me dizia mesmo que não pensava que continuaria. Mas teve razão ao me chamar a atenção sobre isso. Não planejava me deter. — esfregou os olhos sob os óculos ao tempo que começava a lhe pulsar a cabeça — Estava tão equivocado, e não podia confrontar o que te estava fazendo. Estava me matando.
Pôs a mão na perna e ele se congelou, seu amável contato era mais do que merecia. Enquanto acariciava sua coxa um pouco, deixou cair os óculos de sol em seu lugar e com cuidado capturou sua mão.
Nenhum dos dois pronunciou palavra enquanto se seguravam um ao outro, palma contra palma.
Às vezes as palavras eram menos valiosas que o ar que as transportava quando se tratava de aproximar-se.
Enquanto o vento frio soprava através do pátio, causando que algumas folhas marrons passassem rangendo diante deles, acenderam-se as luzes no velho apartamento de Beth, a iluminação alagou o fogão da cozinha e a única habitação principal.
Beth riu um pouco.
— Puseram seus móveis exatamente como estavam os meus, o futón contra a única parede longa.
O que significava que tinham uma vista panorâmica do casal que entrou tropeçando no escritório e se encaminhou em linha reta à cama. Os humanos estavam entrelaçados lábios contra lábios, quadril contra quadril, e aterrissaram no futón em uma confusão, o homem montando à mulher.
Como envergonhada pelo espetáculo, Beth desceu da mesa e pigarreou.
— Suponho que será melhor que volte para Lugar Seguro.
— Esta noite é meu descanso. Estarei em casa sabe toda a noite.
— Isso é bom. Trate de descansar.
Deus, estar distanciados era horrível, mas ao menos se falavam.
— Quer que te acompanhe ali?
— Estarei bem. — Beth se aconchegou em sua parca, afundando o rosto no pescoço de plumas — Homem, faz frio.
— Sim. Faz. — quando chegou o momento de despedir-se, estava ansioso por saber no que tinham ficado, e o medo esclarecia muito sua visão. Deus, como odiava a expressão desolada de seu rosto — Não pode saber quão arrependido estou.
Beth estendeu a mão e tocou sua mandíbula.
— Ouço em sua voz.
Ele pegou sua mão e a colocou sobre o coração.
— Não sou nada sem você.
— Não é verdade. — disse, afastando-se — É o rei. Não importa quem seja sua shellan, você é tudo.
Beth se desmaterializou no ar fino, sua presença vital e cálida substituída somente com o glacial vento de dezembro.
Wrath esperou perto de dois minutos, logo se desmaterializou para Lugar Seguro. Depois de tanto tempo alimentando-se um do outro, havia tanto de seu sangue nela que podia sentir sua presença inclusive dentro das robustas paredes da instalação carregada de segurança, e soube que estava protegida.
Pesaroso, Wrath se desmaterializou outra vez e se dirigiu de volta à mansão: tinha pontos que deviam ser tirados e uma noite inteira para passá-la a sós em seu escritório.

Capítulo 21


Uma hora mais tarde Trez levou a bandeja de volta à cozinha. Rehv tinha o estômago completamente revolto. Porra! Se a aveia já não era uma comida viável para o “depois”, o que sobrava? Bananas? Arroz branco?
Um fodido mingau de bebê Gerber?
E não era só seu estomago que estava fodido. Se fosse capaz de sentir algo, estava bastante certo que teria uma enxaqueca junto com as náuseas que o sacudia. Cada vez que uma luz era acesa, a exemplo de quando Trez entrava para verificar como estava, os olhos de Rehv piscavam automaticamente, movendo-se acima e abaixo em uma descoordenada versão ocular de Safety Dance[45], em seguida começava a salivar e tragar compulsivamente. Assim por certo, tinha de estar enjoado.
Quando soou seu telefone, pôs a mão sobre ele e o levou ao ouvido sem girar a cabeça. Essa noite no ZeroSum estavam ocorrendo muitas coisas, e precisava manter-se informado.
— Sim.
— Olá... Ligou-me?
Os olhos de Rehv se dispararam para a porta do banheiro, onde brilhava uma suave luz ao redor do batente.
Oh, Deus! Não havia se banhado ainda.
Ainda estava coberto do sexo que teve.
Inclusive, embora Ehlena estivesse a três horas de carro de distância e ele não estivesse aparecendo em uma webcam sentia-se absolutamente canalha só por falar com ela.
— Hey. — respondeu com voz rouca.
— Está bem?
— Sim.
O que era uma fodida mentira. O tom rouco de sua voz mostrava o óbvio.
— Bem, eu, ah… Vi que tinha me ligado... — quando um som estrangulado saiu de sua boca, Ehlena se deteve — Está doente.
— Não...
— Pelo amor de Deus! Por favor, vêem a clínica...
— Não posso. Estou... — Deus, não podia suportar falar com ela — Não estou na cidade. Estou no Norte.
Houve uma longa pausa.
— Levarei os antibióticos.
— Não. — ela não podia vê-lo assim. Merda, ela não podia vê-lo nunca mais. Ele era asqueroso. Um asqueroso e sujo prostituto que deixava que alguém a quem odiasse o tocasse, o chupasse e usasse, e o obrigasse a fazer o mesmo a ela.
A princesa tinha razão. Era um fodido consolador.
— Rehv? Deixe-me ir onde está...
— Não.
— Maldito seja, não te faça isto!
— Não pode me salvar! — gritou.
Depois de sua explosão, pensou Jesus… De onde tinha saído isso?
— Sinto muito... Tive uma noite ruim.
Quando Ehlena falou por fim, sua voz foi um suave sussurro:
— Não me faça isto. Não me obrigue a te ver no depósito de cadáveres. Não me faça isto.
Rehv fechou os olhos com força.
— Não estou te fazendo nada.
— Uma merda que não o faz! — sua voz se rompeu em um soluço.
— Ehlena…
Seu pranto de desespero saiu do telefone com muita clareza.
— Oh… Cristo. Como queira. Se mate, genial!
E desligou.
— Caralho! — disse esfregando o rosto — Caralho!
Rehv se ergueu e lançou o celular contra a porta do quarto. E precisamente quando ricocheteava contra os painéis e saía voando, deu-se conta de que tinha destroçado a única coisa que tinha o número dela.
Com um rugido e um dificultoso balanço, lançou seu corpo fora da cama e os edredons aterrissaram por toda parte. Não foi uma boa jogada por sua parte. Quando seus intumescidos pés tocaram o tapete dobrado, converteu-se em um frisbee, voando brevemente antes de aterrissar sobre sua cara. Quando impactou, produziu um som como o estalo de uma bomba que retumbou através das pranchas do chão, e engatinhou em busca do telefone, seguindo a luz da tela que ainda brilhava.
Por favor, oh merda, por favor, se houver um Deus...
Estava quase ao seu alcance quando a porta se abriu de repente, errando por pouco sua cabeça e roçando o telefone... Que saiu disparado na direção contrária como um disco de hóquei. Enquanto Rehv rodava, equilibrava-se sobre a coisa e gritava ao Trez:
— Não atire!
Trez tinha adotado sua postura de combate, levantando a pistola e apontando-a para a janela, em seguida voltando-se para o banheiro e depois para a cama.
— Que porra foi isso?!
Rehv se esticou no chão para alcançar o telefone, que estava girando sobre si mesmo debaixo da cama. Quando o pegou, fechou os olhos e o aproximou do rosto.
— Rehv?
— Por favor...
— O que? Por favor, o que…?
Abriu os olhos. A tela estava piscando, e rapidamente pressionou os botões. Chamadas recebidas... Chamadas recebidas... Chamadas rece...
— Rehv que demônios está acontecendo?
Ali estava. O número. Olhou fixamente os sete dígitos que havia depois do código de área como se fossem a combinação de sua própria caixa de segurança, tentando reter todos.
A tela se obscureceu e deixou a cabeça cair sobre seu braço.
Trez se agachou a seu lado.
— Está bem?
Rehv se impulsionou para sair de debaixo da cama e se esticou, o quarto girou como um carrossel.
— Oh... Merda.
Trez embainhou sua arma.
— O que ocorreu?
— Deixei meu telefone cair.
— Claro. É obvio. Porque pesa o suficiente para fazer esse tipo de... Hey, devagar, tranqüilo. — Trez o agarrou enquanto tentava levantar-se — Agora aonde vai?
— Preciso de um banho. Preciso…
Mais imagens dele com a princesa martelaram seu cérebro. Viu suas costas arqueadas, e aquela rede vermelha rasgada à altura de seu traseiro, viu a si mesmo enterrado profundamente em seu sexo, bombeando até que sua lingüeta o travava dentro, de maneira que sua liberação encontrasse o caminho em seu interior até acima de tudo.
Rehv apertou os punhos contra os olhos.
— Preciso...
Oh Jesus... Ele tinha orgasmos quando estava com sua chantagista. E não só uma vez, normalmente eram três ou quatro. Ao menos as putas de seu clube, que odiavam o que faziam por dinheiro, podiam achar consolo no fato de que não o desfrutavam. Mas o gozo masculino dizia tudo, não?
As náuseas de Rehv se fizeram mais severas, e, em um ataque de pânico caminhou arrastando os pés e com o corpo todo curvado até o banheiro. A aveia e a torrada fizeram um eficaz intento por liberar-se, e Trez estava ali para segurá-lo sobre a privada. Rehv não podia sentir as ânsias de vômito, mas estava condenadamente seguro de que seu esôfago estava começando a rasgar porque depois de uns minutos de tossir, tentar respirar e ver as estrelas começou a aparecer sangue.
— Deite-se. — disse Trez
— Não, ducha…
— Não está em condições…
— Tenho que tirar isso de cima de mim! — o rugido de Rehv não só reverberou em seu quarto, mas sim, por toda a casa — Caralho... Não posso suportá-la.
Houve um momento que definitivamente teve um sabor da sagrada merda: Rehv não era o tipo de pessoa que pedisse um salva-vidas nem sequer se estivesse se afogando, e nunca se queixava do acerto que tinha com a princesa. Agüentava, fazia o que tinha que fazer e pagava as conseqüências, porque em sua opinião valia a pena o preço que pagava por manter seu segredo e o de Xhex.
E uma parte de você gosta, assinalou uma voz em seu interior. Quando está dentro dela pode ser você mesmo sem ter que se desculpar.
Vá à merda, disse a si mesmo
— Sinto ter gritado contigo. — disse a seu amigo com voz rouca.
— Errr... Está bem. Não se culpe. — Trez o levantou gentilmente dos azulejos e tentou apoiá-lo contra os lavabos — Já era hora.
Rehv cambaleou para a ducha.
— Não. — disse Trez, empurrando-o — Deixe que a água esquente.
— Não a sentirei.
— Sua temperatura interna já tem muitos problemas. Só espera aí.
Enquanto Trez se inclinava dentro da ducha de mármore e abria a água, Rehv ficou olhando fixamente seu pênis, o qual jazia frouxo e longo sobre sua coxa. Tinha a sensação de que era o pênis de qualquer outro, e isso era bom.
— Sabe que poderia matá-la por você. — disse Trez — Posso fazer com que pareça um acidente. Ninguém saberia.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Não quero que seja metido neste montão de merda. Já temos muitas pessoas envolvidas.
— A oferta seguirá de pé.
— Tomo a devida nota.
Trez estendeu a mão para o interior da ducha e a pôs sob o jato. Com a palma debaixo da água que corria, seus olhos de cor chocolate se deslocaram para trás e abruptamente se voltaram brancos de raiva.
— Só para que fique claro. Você morre? E esfolarei a essa puta viva segundo a tradição Hisbe’s e enviarei as tiras a seu tio. Logo assarei seu corpo e mastigarei a carne de seus ossos.
Rehv sorriu um pouco, pensando que não era canibalismo porque a nível genético as Sombras tinham tanto em comum com os symphaths como os humanos com os frangos.
— Fodido Hannibal Lecter. — murmurou.
— Sabe como fazemos. — Trez sacudiu a água da mão — Symphaths... É o que há para jantar.
— Vai danificar as vagens?
— Não, mas poderia acompanhá-la com um delicioso Chianti[46] e algumas batatas fritas. Devo comer algumas batatas com a carne. Vamos, me deixe te pôr debaixo da água para tirar o fedor dessa puta.
Trez se aproximou de Rehv e o levantou.
— Obrigado. — disse Rehv em voz baixa enquanto iam mancando para a ducha.
Trez se encolheu de ombros, sabendo condenadamente bem que não estavam falando da ida ao banho.
— Você faria o mesmo por mim.
— Faria.
Estando sob o jato, Rehv utilizou o Dial sobre seu corpo até que sua pele esteve vermelha como uma framboesa, e saiu da ducha só depois de ter realizado sua tripla lavagem. Quando deu um passo fora da água, Trez entregou uma toalha, e se secou o mais rápido que pôde sem perder o equilíbrio.
— Falando de favores… — disse — Preciso do seu telefone. Seu telefone e um pouco de privacidade.
— De acordo. — Trez o ajudou a voltar para a cama e o cobriu — Homem, que bom que este edredom não aterrissou sobre o fogo.
— Então, me empresta seu telefone?
— Vai jogar futebol com ele?
— Não, contanto que deixe minha porta fechada.
Trez entregou seu Nokia.
— Tome cuidado com ele. É novo.
Quando esteve sozinho, Rehv digitou cuidadosamente e apertou chamar com esperança e uma prece, sem ter a segurança de se era ou não o número correto.
Ring. Ring. Ring.
— Sim..?
— Ehlena, sinto tanto…
— Ehlena? — disse a voz feminina — O sinto, não há nenhuma Ehlena neste número.
 
Ehlena permaneceu sentada na ambulância contendo suas lágrimas pela força do hábito. Não se tratava de que alguém pudesse vê-la, mas o anonimato lhe era indiferente. Enquanto seu latte esfriava dentro da dupla taça com dupla asa, e a calefação fluía intermitentemente, ela conservava a integridade porque era o que sempre fazia.
Até que a emissora BC4 ligou com um chiado e a assustou arrancando-a de seu paralisante desalento.
—Base para Quatro. — disse Catya — Responda Quatro.
Enquanto Ehlena se esticava para o auricular, pensava: ”Vê, essa é precisamente a razão pela qual nunca poderei baixar a guarda. Se tivesse parecido um autêntico desastre e tivesse que responder? Não precisava disso.”
Apertou o botão de “falar” com o polegar.
— Aqui Quatro.
— Está bem?
— Ah, sim. Só precisava… Retorno agora mesmo.
— Não há pressa. Tome seu tempo. Só queria me assegurar de que estava bem.
Ehlena deu uma olhada ao relógio. Deus, eram quase duas da manhã. Esteve sentada aí fora, asfixiando a si mesma ao deixar ligado o motor e a calefação, durante quase duas horas.
— Sinto muito, perdi a noção da hora. Precisa da ambulância para um recolhimento?
— Não, só estávamos preocupados com você. Sei que ajudou o Havers com aquele corpo e…
— Estou bem. — baixou a janela para deixar entrar um pouco de ar e pôs a ambulância em marcha — Retornarei agora mesmo.
— Não se apresse e escute, por que não toma o resto da noite livre?
— Está bem...
— Não é uma escolha. E troquei os horários para que amanhã também tenha o dia livre. Necessita um descanso depois do que aconteceu esta noite.
Ehlena queria discutir, mas sabia que daria a impressão de que se punha na defensiva, e, além disso, se já tomou a decisão, não havia nada pelo que lutar.
— Está bem.
— Tome seu tempo para voltar.
— Farei. Câmbio e desligo.
Pendurou o auricular e se pôs rumo à ponte que a levaria através do rio. Exatamente quando estava acelerando na rampa, soou seu telefone.
De maneira que Rehv estava devolvendo a chamada, huh? Não a surpreendia.
Levantou o telefone só para confirmar que era ele e, não porque tivesse a intenção de responder a sua chamada.
Número desconhecido?
Apertou receber e levou o telefone ao ouvido
— Sim?
— É você?
A profunda voz de Rehv seguia conseguindo disparar através de seu corpo como um quente estremecimento, inclusive apesar de estar de saco cheio com ele. E com ela mesma. Basicamente com toda a situação.
— Sim. — disse — Entretanto, este não é seu número.
— Não, não é. Meu celular teve um acidente.
Ela se apressou a adiantar-se antes que começasse com algum “o sinto”.
— Olhe, não é meu assunto. O que for que esteja te acontecendo. Tem razão, não posso te salvar...
— Por que ia querer sequer tentar?
Ela franziu o cenho. Se a pergunta tivesse sido de auto-compaixão ou acusatória, simplesmente teria posto fim à chamada e trocado seu número. Mas não havia nada salvo sincera confusão no tom de sua voz. Isso e absoluto esgotamento.
— Simplesmente não entendo... O motivo. — murmurou ele.
A resposta dela foi simples e expressa do fundo de sua alma.
— Como não poderia?
— E se eu não merecer?
Pensou em Stephan jazendo sobre aquele aço inoxidável, em seu corpo frio e machucado.
— Qualquer um que tenha um coração pulsando merece ser salvo.
— É por isso que se formou enfermeira?
— Não. Formei-me enfermeira porque queria ser médica algum dia. O assunto de ser uma salvadora é só minha maneira de ver o mundo.
O silêncio entre eles durou muito.
— Está em um carro? — perguntou ele ao final.
— Em uma ambulância na realidade. Retorno à clínica.
— Está sozinha? — grunhiu ele.
— Sim, e pode cortar a merda de super macho. Tenho uma arma sob o assento e sei como usá-la.
Uma risada sutil saiu do telefone.
— Ok, isso me excita. Sinto, mas assim é.
Ela teve que sorrir um pouco
— Volta-me louca, sabe. Inclusive embora seja um completo desconhecido, volta-me louca.
— E de certa forma isso é um elogio a minha pessoa. — houve uma pausa — Sinto pelo que aconteceu antes. Tive uma noite ruim.
— Sim, bom, eu também. Em ambas, a parte do sinto e a da má noite.
— O que ocorreu?
— Muito para entrar em detalhes. E você?
— O mesmo.
Quando ele se moveu, escutou-se um sussurro de lençóis.
— Está na cama de novo?
— Sim. E sim, ainda segue sem querer saber.
Ela sorriu abertamente.
— Está me dizendo que não deveria voltar a perguntar o que está vestindo.
— Entendeu-me.
— Estamos caindo em uma rotina, sabe? — ficou séria — Soa como se estivesse realmente doente. Tem a voz rouca.
— Estarei bem.
— Olhe, posso te levar o que necessita. Se não puder ir à clínica, posso te levar os remédios. — o silêncio do outro extremo era tão denso, e se fez tão longo, que terminou dizendo — Alô? Está aí?
— Amanhã de noite… Pode se encontrar comigo?
Esticou as mãos sobre o volante.
— Sim.
— No último andar do Commodore. Conhece o edifício?
— Conheço.
— Pode estar ali à meia-noite? No lado leste.
— Sim.
Seu suspiro pareceu de resignação.
— Estarei te esperando. Dirija com cuidado, ok?
— Farei. E não volte a jogar seu telefone.
— Como soube?
— Porque se eu houvesse tido um espaço aberto na minha frente em lugar do pára-brisa de uma ambulância, teria feito o mesmo.
A risada dele a fez sorrir, mas perdeu a expressão ao apertar terminar e devolver o telefone a sua bolsa.
Apesar de estar dirigindo a uma velocidade constante de sessenta e cinco, e que a estrada fosse reta e livre de escombros, sentia como se estivesse totalmente fora de controle, oscilando entre uma pista e outra, deixando um rastro de faíscas enquanto destroçava partes do veículo da clínica.
Encontrar-se com ele amanhã de noite, estar a sós com ele em um lugar privado, era exatamente o que podia fazer de pior.
E ia fazer de qualquer forma.


Capítulo 22


Montrag, filho de Rehm, desligou o telefone e olhou fixamente através das portas francesas do escritório de seu pai. Os jardins, as árvores e a grama ondulada, assim como a grande mansão e todo o resto, eram seus agora, já não mais um legado que herdaria algum dia.
Enquanto abrangia as terras com a vista, desfrutou do sentido de propriedade que cantava em seu sangue, mas não estava de todo satisfeito com a visão. Tudo tinha crescido com o inverno, os canteiros estavam vazios, as florescentes árvores frutíferas estavam cobertas com ervas daninhas, e as sebes e os carvalhos tinham perdido as folhas. Por conseguinte, podia-se ver o muro de contenção, e isso não era precisamente atrativo. Era melhor que esse tipo de coisas de segurança, tão antiestéticas estivesse cobertas.
Montrag voltou às costas e se encontrou com uma visão mais agradável, embora esta estivesse pendurada na parede. Com um rubor de reverência, contemplou sua pintura favorita da maneira que sempre fazia, já que certamente Turner merecia veneração tanto por sua maestria como por sua escolha de temas. Especialmente neste trabalho: a representação do sol se pondo sobre o mar era uma obra de mestre em muitos aspectos. As sombras de ouro e pêssego e o vermelho profundo ardente era um festim para os olhos que se viam extasiado pela biologia do verdadeiro forno brilhante que sustentava aceso, inspirava e esquentava o mundo.
Pintura semelhante seria o orgulho de qualquer coleção.
E ele tinha três Turner só nesta casa.
Com uma mão que se fechou em antecipação, pegou no canto inferior direito da moldura dourada e retirou a marinha da parede. O cofre que havia detrás se ajustava com precisão às dimensões da pintura e estava inserido entre a fita de seda e o gesso. Depois de inserir a combinação e fazer girar o seletor, houve um sutil deslocamento que foi apenas audível e que não dava nenhum indício de que cada um dos seis passadores retráteis era da grossura de um antebraço.
O cofre se abriu sem emitir som e acendeu uma luz interior, iluminando um espaço de três metros cúbicos amontoado com estojos finos de couro de joalheria, maços de cédulas de cem dólares, e documentos em pastas.
Montrag aproximou um banquinho bordado em estopa que tinha degraus e subiu sobre o estofo floreado. Esticando-se para alcançar o fundo do cofre, colocou a mão atrás de todas as escrituras de bens imóveis e certificados de ações, e tirou uma caixa de diversos títulos, em seguida deixou o cofre e a pintura tal e como tinham estado. Com um sentimento de excitação e contingência, levou a caixa metálica para a escrivaninha e tirou a chave do compartimento secreto que havia na gaveta inferior esquerda.
Seu pai lhe tinha ensinado a combinação do cofre e lhe tinha mostrado a localização do esconderijo, e quando Montrag tivesse filhos, transmitiria esse conhecimento. Assim, era como se assegurava de que as coisas de valor não se perdessem. Transmitindo-as de pai para filho.
A tampa da caixa de títulos não se abriu da mesma maneira bem calibrada e bem lubrificada em que tinha feito o cofre. Esta soltou um chiado quando se abriu de tudo, as dobradiças protestaram pela perturbação de seu descanso e a contra gosto revelou o que estava dentro de seu ventre metálico.
Ainda estavam aí. Dava graças à Virgem Escriba de que ainda estivessem ali.
Enquanto Montrag colocava a mão em seu interior, pensava no quão relativo era o valor destas páginas que em si mesmas valiam uma fração de centavo. A tinta contida dentro de suas fibras tampouco valia mais de um centavo. E ainda assim, pelo que nelas se indicava, eram inestimáveis.
Sem elas ele corria um perigo mortal.
Tirou um dos dois documentos, sem lhe importar qual retirava, porque eram idênticos. Entre seus dedos e com extremo cuidado, sustentou o equivalente vampírico de uma declaração jurada, uma dissertação de três páginas, escrita à mão e assinada com sangue a respeito de um acontecimento que tinha ocorrido vinte e quatro anos antes. Assinatura autenticada por cartório que mostrava na terceira página era mentira, uns garranchos apenas legíveis em cor marrom.
Mas em definitivo, foram feitos por um homem agonizante.
Rempoon, “o pai” de Rehvenge.
O documento expunha toda a desagradável verdade na Antiga Língua: o rapto da mãe de Rehvenge por parte dos symphaths, sua concepção e nascimento, a fuga dela e seu posterior matrimônio com o aristocrata Rempoon. O último parágrafo era tão acusatório como todo o resto:
Sobre minha honra, e a honra de meus antepassados e descendentes de sangue, na verdade nesta noite meu enteado, Rehvenge, caiu sobre mim e por causa das feridas mortais que ocasionou a meu corpo pela aplicação de suas mãos nuas sobre minha carne, fui rendido. Atuou com malícia e premeditação, atraindo-me a meu escritório com o propósito de provocar uma discussão. Eu estava desarmado. Após me ferir, ocupou-se do escritório e preparou a sala de forma que parecesse que tinha sido invadida por intrusos do exterior. Na verdade, abandonou-me sobre o chão para que a fria mão da morte capturasse minha forma corpórea, e abandonou o imóvel. Fui despertado em pouco tempo por meu querido amigo Rehm, quem veio de visita para discutir questões de negócios.
Não se espera que eu viva. Meu enteado me matou. Esta é minha confissão final como espírito encarnado na terra. Rogo que a Virgem Escriba possa me levar ao Fade com sua graça e com toda presteza.
Como o pai de Montrag lhe explicou mais tarde, Rempoon o tinha compreendido corretamente em sua maior parte. Rehm foi a negócios e tinha encontrado não só uma casa vazia, mas também o corpo ensangüentado de seu sócio… E, tinha feito o que qualquer macho razoável faria: ele mesmo roubou o escritório. Operando sob a certeza de que Rempoon estava morto, tratou de encontrar os papéis relativos ao negócio para que o interesse fracionário que tinha Rempoon ficasse fora de sua herança e Rehm viesse a ser o único proprietário absoluto do próspero negócio.
Tendo êxito em sua busca, Rehm estava a caminho da porta quando Rempoon evidenciou sinais de vida e um nome brotou de seus lábios gretados.
Rehm se sentia cômodo no papel de oportunista, mas cair no papel de cúmplice de assassinato era chegar muito longe. Chamou o doutor, e no tempo que Havers levou para chegar, os murmúrios de um macho agonizante relataram uma história de estremecer, de um valor que era inclusive maior que o da companhia. Pensando rapidamente, Rehm documentou a história e a assombrosa confissão sobre a verdadeira natureza de Rehvenge e fez com que Rempoon assinasse as páginas… Convertendo-as dessa forma em um documento legal.
Em seguida o macho se afundou na inconsciência e quando Havers chegou já estava morto.
Quando partiu, Rehm levou com ele tanto os documentos comerciais como a declaração jurada e foi elogiado como um valente herói por tentar resgatar ao macho agonizante.
Ao final, a utilidade da confissão era óbvia, mas a prudência de pôr tal informação em jogo estava menos clara. Enredar-se com um symphath era perigoso, tal como o sangue derramado de Rempoon tinha testemunhado. O sempre intelectual, Rehm, tinha ocultado a informação e a tinha seguido ocultando… Até que foi muito tarde para fazer algo com ela.
Segundo a lei, tinha a obrigação de entregar a um symphath, e Rehm tinha o tipo de prova que cumpria o início para denunciar a alguém. Entretanto, ao ter considerado suas opções durante tanto tempo, encontrava-se na arriscada posição de que pudesse chegar a imputar a si ser aquele que tinha protegido a identidade de Rehvenge. Se tivesse dado a conhecer vinte e quatro ou quarenta e oito horas depois do fato? Bem. Mas uma semana? Duas semanas? Um mês…?
Muito tarde. Em lugar de gastar completamente o ativo, Rehm contou a Montrag a existência da declaração jurada, e o filho compreendeu o equívoco do pai. Não havia nada a fazer no curto prazo, e só um cenário onde ainda podia chegar a ter algum valor… E o mesmo se suscitou durante o verão. Rehm fora assassinado durante as incursões e o filho tinha herdado tudo, incluindo os documentos.
Não poderiam culpar Montrag por seu pai ter escolhido não revelar o que sabia. Tudo o que tinha que fazer era declarar que tropeçou com os papéis enquanto revisava as coisas de seu pai, e ao entregá-los e entregar a Rehv, estaria simplesmente cumprindo seu dever.
Nunca saberia que conhecia sua existência desde o começo.
E ninguém acreditaria jamais que a idéia de matar o Wrath não tinha sido de Rehv. Depois de tudo, era um symphath, e não se podia confiar em nada do que dissessem. E mais, a seu favor em qualquer caso tanto se sua mão era a que apertava o gatilho, como se só ordenava o assassinato do rei, por ser o leahdyre do conselho, estava na posição que mais se beneficiava de sua morte. Que era exatamente a razão pela qual Montrag tinha propiciado que o macho subisse a esse papel.
Rehvenge empreenderia a proeza com o rei, em seguida Montrag iria ao conselho e se prostraria ante seus colegas. Diria que não tinha encontrado os papéis até ao momento de ter se transferido devidamente à casa de Connecticut, um mês depois das incursões e de que Rehv tivesse sido renomado leahdyre. Juraria que assim que os encontrou, se comunicou com o rei e revelou a natureza do assunto por telefone… Mas, Wrath o forçara a manter silêncio devido à posição comprometedora em que isto punha o Irmão Zsadist: depois de tudo, o Irmão era o companheiro da irmã de Rehvenge, e isto significaria que estava aparentada com um symphath.
É obvio que Wrath não poderia desmentir, já que estaria morto, e além do mais, o rei já era mal visto pelo modo em que tinha ignorado a crítica construtiva da glymera. O conselho estava predisposto a aceitar outra falta dele, fosse verdadeira ou fabricada.
Tratava-se de uma manobra intrincada, mas ia funcionar, porque o rei tendo morrido, o primeiro lugar aonde a raça iria procurar ao assassino seria entre o que ficasse do conselho, e Rehv, um symphath, era o bode expiatório perfeito: é obvio que um symphath faria algo assim! E Montrag contribuiria ao desenvolvimento dessa hipótese ao declarar que Rehv tinha ido vê-lo antes do assassinato e que lhe tinha falado com estranha convicção a respeito de mudanças de uma natureza sem precedentes. Além disso, as cenas dos crimes nunca estavam completamente limpas. Indubitavelmente, ficaria alguma coisa que vinculasse Rehv com a morte, fosse porque estivera realmente ali ou porque todo mundo estaria procurando exatamente esse tipo de provas.
E quando Rehv apontasse a Montrag? Ninguém acreditaria, em primeiro lugar porque era um symphath, mas também porque, seguindo a tradição de seu pai, Montrag sempre tinha cultivado uma reputação de seriedade e honradez tanto em seus entendimentos comerciais como em sua conduta social. Pelo que concernia a seus colegas membros do conselho estava acima de toda recriminação, era incapaz de enganar a alguém, e um macho de valia de linhagem impecável. Nenhum deles tinha a mínima pista de que seu pai e ele tinham traído a muitos sócios e colegas assim como também a parentes de sangue… Posto que foram cuidadosos ao escolher a suas presas de modo que se mantivessem as aparências.
O resultado? Ao Rehv imputariam a acusação de traição, seria detido e morreria segundo a lei dos vampiros ou deportado à colônia symphath, onde seria assassinado por ser um mestiço.
Qualquer dos dois resultados era aceitável.
Tudo estava disposto, e por esse motivo Montrag acabava de ligar seu melhor amigo.
Pegando a declaração jurada, dobrou e a deslizou dentro de um envelope grosso e macio.
Pegando uma folha de seu papel de cartas personalizado de uma caixa de couro, escreveu uma rápida carta ao macho que designaria como seu subcomandante, e que cimentaria o cenário para a caída de Rehvenge. Enquanto colocava o Turner de volta a seu lugar, a paisagem lhe falou como sempre, e por um momento, permitiu-se sair do manicômio que estava criando de propósito, e penetrou nesse mar pacífico e encantador. Ocorreu-lhe que a brisa devia ser cálida.
Queridíssima Virgem Escriba, como sentia falta do verão durante esses meses frios, mas, por outro lado, era esse contraste o que animava o coração. Sem o frio do inverno, a gente não apreciaria em sua justa medida as abafadiças noites de julho e agosto.
Imaginou onde estaria dentro de seis meses quando a lua cheia do solstício se elevasse sobre a extensa cidade de Caldwell. Chegando junho, ele seria rei, um monarca eleito e respeitado. Se somente seu pai estivesse vivo para ver…
Montrag tossiu. Inalou emitindo um soluço. E sentiu algo molhado na mão.
Olhou para baixo. A frente de sua camisa branca estava toda coberta de sangue.
Abriu a boca tentando tomar ar suficiente para gritar pedindo ajuda, mas só saiu um som gorgolejante...
Rapidamente levou as mãos ao pescoço que se parecia com um gêiser que surgia de sua artéria carótida exposta. Girando em círculo, viu uma fêmea ante ele com um corte de cabelo masculino e calças de couro negro. A faca em sua mão tinha a folha vermelha, e seu rosto era uma tranqüila máscara de indiferença e desapego.
Montrag caiu de joelhos ante ela e logo se retorceu para a direita, suas mãos seguiam tentando manter o sangue vital dentro de seu corpo e que não se esparramasse sobre o tapete Aubusson de seu pai.
Ainda estava vivo quando ela o pôs de barriga para cima, tirou um instrumento arredondado feito de ébano, e se ajoelhou ante ele.

Como assassina, o desempenho de Xhex era medido em duas dimensões. A primeira: matara a seu objetivo? Essa se explicava por si mesma. A segunda: tinha sido um assassinato limpo? Que se referia a se existia algum dano colateral como ser necessárias outras mortes para proteger a si mesma, sua identidade e/ou a identidade do indivíduo que lhe tinha encarregado o trabalho.
Neste caso, a primeira ia ser um trabalho fácil, considerando o modo em que a artéria de Montrag se converteu em um tubo de deságüe. A segunda, ainda estava em veremos, assim tinha que trabalhar rápido. Tirou o lys de suas calças de couro, inclinou-se sobre o bastardo, e não esbanjou mais de um nano segundo em observar como giravam os olhos.
Agarrou-o pelo queixo e o obrigou a enfrentá-la.
— Olhe-me. Olhe-me!
O selvagem olhar dele se disparou para o seu, e quando o fez, ela apresentou o lys.
— Sabe por que estou aqui e quem me envia. E não é Wrath.
Fez-se evidente que ainda chegava suficiente oxigênio ao cérebro de Montrag, porque seus lábios vocalizaram Rehvenge, com expressão horrorizada, antes que aqueles globos oculares começassem de novo seus giros.
Soltou-lhe o queixo e o esbofeteou com força.
— Preste atenção, imbecil. Olhe-me.
Com seus olhares travados e agarrando sua mandíbula de novo, abriu-lhe ainda mais a pálpebra superior e inferior de seu olho esquerdo deixando-o inclusive mais aberto.
— Olhe-me.
Ao mesmo tempo em que tirava o lys e o aproximava da aba de seu nariz para exercer pressão dentro da concha de seu olho, metia-se em seu cérebro e desencadeava todo tipo de lembranças. Ah… Interessante. Verdadeiramente tinha sido um intrigante filho da puta, especializado em extorquir às pessoas por dinheiro.
Montrag apalpou o tapete com as mãos e cravou os dedos com força enquanto gorjeava tentando dar um grito. O globo ocular saiu do crânio como um melão doce tirado com colher de sua casca, tão perfeitamente redondo e limpo como poderia desejar. Com o olho direito foi exatamente igual. Pôs ambos em uma bolsa de veludo em linha enquanto os braços e pernas de Montrag se sacudiam e batiam sobre seu custoso tapete e seus lábios se retraíam para trás de tal maneira que deixavam ao descoberto todos seus dentes incluindo seus molares.
Xhex o abandonou a sua pouco prolixa morte, saiu pela porta francesa que ficava diretamente atrás do escritório e se desmaterializou próxima a sebe da qual tinha feito o reconhecimento do lugar pela primeira vez no dia anterior. Esperou ali durante aproximadamente vinte minutos e logo observou como uma doggen entrava no escritório, via o corpo, e deixava cair à bandeja de prata que levava.
Quando o bule e a porcelana ricochetearam, Xhex levantou a tampa de seu telefone, apertou chamar, e o levou a orelha. Quando a voz profunda de Rehv respondeu disse:
— Está feito e o encontraram. A execução foi limpa e te levo a lembrança. Hora estimada de chegada: dez minutos.
— Bem feito. — disse Rehv com voz enrouquecida — Filho da mãe.


Capítulo 23


Wrath franziu o cenho enquanto falava pelo celular.
— Agora? Quer que vá ao norte do Estado agora?
A voz de Rehv estava carregada de “não estou te ferrando”.
— Isto tem que ser feito em pessoa, e me encontro imobilizado.
Do outro lado do escritório, Vishous, que fora informar sobre o trabalho de rastreamento feito sobre as caixas de armas, vocalizou: Que lixo é esse?
Que era exatamente o que Wrath estava pensando. Um symphath te liga às duas horas antes da alvorada e te  pede que vá ao norte do Estado porque “tem algo que precisa te dar”. Sim, certo, o bastardo era irmão de Bella, mas sua natureza era o que era, e certamente esse “algo” não era uma cesta de fruta.
— Wrath, isto é importante. — disse o macho.
— Está certo, vou agora mesmo. — Wrath baixou a tampa de seu telefone e olhou o Vishous — Eu…
— Phury está fora caçando esta noite. Não pode ir ali sozinho.
— As Escolhidas estão na casa. — e estiveram entrando e saindo do Grande Rancho de Rehv desde que Phury tinha tomado as rédeas como Primale.
— Não é exatamente o tipo de proteção que tinha em mente.
— Posso me arrumar sozinho, que se dane bonitinho.
V cruzou os braços, seus olhos de diamante cintilaram.
— Vamos agora? Ou depois de que perca tempo tratando de me fazer mudar de opinião?
— Muito bem. Como quiser. Vemo-nos no vestíbulo dentro de cinco minutos.
Enquanto deixavam o escritório juntos, V disse:
— Sobre essas armas? Ainda estou tentando rastreá-las. Neste momento, não tenho nada, mas já me conhece. Isto não vai seguir assim, de verdade. Não me importa que os números de série tenham sido apagados, vou averiguar onde conseguiram esta merda.
— A confiança é alta, meu irmão. A confiança é muito alta.
Depois de estarem completamente armados, os dois viajaram ao norte como um baile de moléculas livres, concentrando-se no Grande Rancho de Rehv nas Adirondacks e materializando-se à beira de um tranqüilo lago. Frente a eles, a casa era um enorme rancho de estilo Vitoriano, com teto de tábuas, janelas em forma de losango, e alpendres com postes de cedro em ambos os andares.
Com montões de cantos. E montões de sombras. E muitas daquelas janelas que pareciam olhos.
A mansão era bastante horripilante por si só, mas ao estar rodeada por um campo de força do equivalente symphath ao mhis, um cara indubitavelmente poderia convencer-se que Freddy, Jason, Michael Myers, e uma turma de camponeses com todas as suas serras mecânicas viviam dentro: ao redor do lugar, o temor era uma cerca intangível feita de arame farpado mental, e até Wrath, que sabia o que ocorria, alegrou-se quando atravessou a barreira.
No momento em que forçou seus olhos para poder enfocar melhor, Trez, um dos guardas pessoais de Rehv, abriu as portas duplas do alpendre que estava de frente ao lago e levantou a mão lhes dando as boas-vindas.
Wrath e V andaram pela grama cristalizada e rangente, e embora mantivessem as armas embainhadas, V tirou a luva de sua mão direita incandescente. Trez era o tipo de macho que respeitava, e não só porque fosse um Sombra. O segurança tinha o corpo musculoso de um lutador e o olhar inteligente de um estrategista, e sua lealdade era para o Rehv e só Rehv. Para proteger ao macho? Trez arrasaria um quarteirão inteiro da cidade em um instante.
— Como está, grandalhão? — disse Wrath enquanto subia os degraus do alpendre.
Trez avançou e entrechocaram as Palmas.
— Estou de primeira. E você?
— Bem como sempre. — Wrath golpeou ao macho no ombro — Ouça, se alguma vez quiser um trabalho de verdade, vêem lutar conosco.
— Sou feliz onde estou, mas obrigado. — o segurança sorriu abertamente e se voltou para V, seus olhos escuros descenderam rapidamente para a mão exposta de V — Sem ofender, mas eu não aperto essa coisa.
— Muito sábio de sua parte. — disse Vishous enquanto lhe oferecia a esquerda — Entretanto, compreende-o.
— Absolutamente, faria o mesmo pelo Rehv. — Trez liderou o caminho para as portas — Está em seu dormitório, esperando-os.
— Está doente? — perguntou Wrath ao entrar na casa.
— Querem algo de beber? Comer? — ofereceu Trez enquanto se dirigiam para a direita.
Como a pergunta ficou sem responder, Wrath olhou o V.
— Estamos bem, obrigado.
A decoração do lugar parecia saída do bolso traseiro de Vitória e Albert, com o pesado mobiliário imperial e a abundância de vermelho e dourado que havia em qualquer parte. Fiel ao gosto pela recopilação que imperava no período Vitoriano, cada cômodo tinha um tema diferente. Havia uma sala de estar cheia de relógios antigos marcando o tempo, onde encontrava relógios de pé, relógios de metal a corda e relógios de bolso que estavam expostos em vitrines. Outra tinha conchas, coral e madeiras de naufrágios que tinham séculos de antigüidade. Na biblioteca, havia muito belos vasos e fontes Orientais, e a sala de jantar estava equipada com ícones medievais.
— Surpreende-me que não haja mais Escolhidas por aqui. — disse Wrath enquanto atravessavam um cômodo vazio atrás de outro.
— Rehv deve vir aqui à primeira terça-feira de cada mês. Ele põe às mulheres um pouco nervosas, assim que a maioria delas volta para Outro Lado. Entretanto, Selena e Cormia sempre ficam. — havia uma grande quantidade de orgulho em sua voz quando acrescentou — São muito fortes, essas duas.
Subiram por uma magnífica escada até o primeiro andar e continuaram por um comprido corredor até um par de portas lavradas que indubitavelmente diziam a gritos “senhor da casa”.
Trez fez uma parada.
— Ouça, ele está um pouco doente, ok? Nada contagioso. É só… Que quero que estejam preparados. Demos tudo o que necessita e vai ficar bem.
Quando Trez bateu e abriu ambas as portas, Wrath franziu o cenho e sua visão se aguçou por sua conta quando seus instintos se avivaram.
No meio de uma cama esculpida, Rehvenge jazia imóvel como um cadáver, com um edredom de veludo vermelho até o queixo e o casaco de zibelina envolvendo seu corpo. Tinha os olhos fechados, sua respiração era superficial, e sua pele estava pálida e de cor amarelada. Seu moicano raspado era o único que se via remotamente normal… Isso e o fato de que, a sua mão direita estava Xhex, a fêmea symphath mestiça que tinha o aspecto de realizar castrações por diversão e para tirar lucros.
Rehv abriu os olhos, e a cor ametista se via opaca aproximando-se mais a uma lúgubre púrpura arroxeado.
— É o rei.
— Tudo bem?
Trez fechou as portas e como sinal de respeito se postou ao lado delas e não no centro como se estivesse bloqueando o caminho.
— Já lhes ofereci bebidas e comida.
— Obrigado, Trez. — Rehv fez uma careta de dor e realizou um movimento com a intenção de erguer-se sobre os travesseiros. Quando só conseguiu voltar a cair, Xhex se inclinou para ajudar, e lançou um olhar ameaçador de “nem sequer o pense”. O qual ignorou.
Depois de estar acomodado em uma posição erguida, subiu o edredom até o pescoço, cobrindo as estrelas vermelhas que tinha tatuadas no peito.
— Então, tenho algo para você, Wrath.
— Ah, sim?
Rehv fez um gesto com a cabeça para Xhex, que colocou a mão na jaqueta de couro que levava posta. No instante em que se moveu, o canhão da arma de V voou para cima, rápido como uma piscada e apontou diretamente ao coração da fêmea.
— Quer tirar com calma? — ela soltou a V.
— Nem no mais mínimo. Sinto muito — V parecia tão arrependido como uma destrutiva bola no meio de um balanço.
— De acordo, vamos nos tranqüilizar. — disse Wrath, e inclinou a cabeça para Xhex — Por favor, continue.
A mulher tirou uma bolsa de veludo e a lançou em direção a Wrath. Enquanto esta ia para ele, ouviu o suave assobio de seu vôo e apanhou a coisa, não por tê-la visto, mas sim pelo som.
Dentro havia dois olhos cor azul clara.
— Pois, ontem à noite tive uma reunião interessante. — disse Rehv arrastando as palavras.
Wrath olhou ao symphath.
— De quem é o olhar vazio que tenho em minha palma?
— De Montrag, filho de Rehm. Veio até mim pedindo que te matasse. Tem grandes inimigos dentro da glymera, meu amigo, e Montrag era só um deles. Não sei quem mais estava metido nesta conspiração, mas não podia me arriscar a tratar de averiguá-lo antes de ter tomado cartas no assunto.
Wrath colocou os olhos na bolsa e fechou seu punho em torno deles.
— Quando o fariam?
— Na reunião do conselho, depois de amanhã à noite.
— Filho de uma cadela.
V guardou a arma e cruzou os braços sobre o peito.
— Sabe, desprezo a esses filhos da puta.
— Pois parece que estou pregando aos convertidos. — disse Rehv antes de voltar a enfocar-se no Wrath — Não fui a você antes de solucionar o problema porque a idéia de que o rei me deva algo me resulta atrativa.
Wrath não pôde evitar rir.
— Comedor de pecados.
— Já sabe.
Wrath fez a bolsinha ricochetear em sua mão.
— Quando aconteceu isto?
— Faz aproximadamente meia hora. — respondeu Xhex — E não apaguei o rastro.
— Bem, certamente captaram sua mensagem. E ainda penso ir a essa reunião.
— Está seguro de que é prudente? — perguntou Rehv — Quem é que esteja detrás disto não voltará a ir para mim, porque sabem onde parece estar minha lealdade. Mas isso não significa que não encontrarão a outra pessoa.
— Deixe que o façam. — disse Wrath — Aceito o combate mortal. — desviou o olhar para Xhex — Montrag implicou a alguém?
— Cortei-lhe sua garganta de orelha  a orelha. Falar seria difícil.
Wrath sorriu e olhou o V.
— Sabe? É um pouco surpreendente que vocês dois não se dêem melhor.
— Em realidade não. — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Posso adiar a reunião do conselho. — murmurou Rehv — Se quer fazer um reconhecimento por si mesmo para averiguar quem mais está comprometido.
— Não! Se tivessem culhões como é devido, teriam tratado de me matar eles mesmos, e não teriam ido a você para que o fizesse. Assim vai ocorrer uma de duas coisas: como não sabem se Montrag os delatou antes de ficar visualmente impedido, vão esconder-se, porque isso é o que os covardes fazem, ou vão endossar a culpa a outro. Assim que a reunião segue de pé.
Rehv sorriu enigmaticamente, o symphath nele se fez evidente.
— Como deseja.
— Entretanto, quero uma resposta honesta de tua parte. — disse Wrath.
— Qual é a pergunta?
— Sinceramente considerou me assassinar? Quando lhe pediu isso.
Rehv ficou em silêncio durante um momento. Logo, assentiu devagar com a cabeça.
— Sim, fiz. Mas como já disse, agora está em dívida comigo, e dadas meus… As circunstâncias de meu nascimento, por assim dizer… Isso é muito mais valioso que o que qualquer aristocrata puxa-saco e imbecil pode fazer por mim.
Wrath assentiu com a cabeça uma vez.
— Posso respeitar esse tipo de raciocínio.
— Além disso, confrontemos: — Rehv sorriu outra vez — minha irmã se casou com alguém de sua família.
— Sei que o fez, symphath. Sei que o fez.

Após colocar a ambulância na garagem, Ehlena cruzou o estacionamento e entrou na clínica. Precisava recolher suas coisas do vestiário, mas isso não era o que a motivava. Pelo geral a essa hora da noite, Havers estava em seu escritório trabalhando nos históricos, e para ali se dirigiu. Quando chegou a sua porta, tirou-se a presilha, alisou o cabelo para trás, e o atou bem preso na base de seu pescoço. Ainda levava o casaco posto, mas embora não fosse caro, estava confeccionado em lã negra e parecia feito sob medida, assim imaginou que tinha bom aspecto.
Bateu na porta, e quando uma voz educada respondeu, entrou. O antigo escritório de Havers tinha sido um esplêndido escritório do velho mundo, cheio de antiguidades e livros encadernados em couro. Agora que estavam nesta nova clínica, sua zona de trabalho privada não era diferente de qualquer outra: paredes brancas, chão de linóleo, escrivaninha de aço inoxidável e cadeira negra com rodas.
— Ehlena. — disse ele quando levantou a vista do histórico que estava revisando — Que tal foi?
— Stephan está onde pertence...
— Querida, não tinha nem idéia de que o conhecesse. Catya me contou isso.
— Eu… O conhecia. — mas talvez não devesse ter mencionado isso à fêmea.
— Queridíssima Virgem Escriba, por que não disse?
— Porque quis honrá-lo.
Havers tirou os óculos de tartaruga marinha e esfregou os olhos.
— Ai, que pena! É algo que posso entender. De todos os modos, desejaria ter sabido. Ocupar-se dos mortos nunca é fácil, mas é especialmente difícil se tratar de uma relação pessoal.
— Catya me deu o resto do turno livre…
— Sim, eu o disse. Teve uma noite muito longa.
— Bem, obrigada! Entretanto antes de partir, quero lhe perguntar sobre outro paciente.
Havers pôs os óculos novamente.
— É obvio. Qual?
— Rehvenge. Ingressou ontem de tarde.
— Recordo-o. Tem alguma dificuldade com seus medicamentos?
— Por acaso você viu seu braço?
— Braço?
— A infecção que tem nas veias do lado direito.
O médico da raça deslizou os óculos de tartaruga marinha para cima por seu nariz.
— Ele não me indicou que seu braço estivesse dando moléstias. Se quiser voltar para ver-me, estarei encantado de revisá-lo. Mas como sabe, não posso prescrever nada sem examiná-lo.
Ehlena abriu a boca para argumentar quando apareceu a cabeça de outra enfermeira.
— Doutor? — disse a fêmea — Seu paciente está preparado na sala de exame número quatro.
— Obrigado. — Havers olhou novamente a Ehlena — Agora vá para casa e tire um descanso.
— Sim, Doutor.
Ela se escapuliu do escritório e observou como o médico da raça se afastava rapidamente e desaparecia ao virar na esquina.
Rehvenge não voltaria para ver Havers. De maneira nenhuma. Um: parecia estar muito doente para fazê-lo, e dois: já havia demonstrado ser um idiota teimoso ao ocultar deliberadamente aquela infecção ao doutor.
Macho. Estúpido.
E ela também era estúpida, considerando o que estava dando voltas em sua mente.
Em termos gerais, a ética nunca tinha sido um problema para ela. Fazer as coisas corretamente não requeria reflexão, nenhuma negociação de princípios, nem um cálculo de custo e benefícios. Por exemplo, seria incorreto ir ao fornecimento de penicilina da clínica e surrupiar, ah, digamos, pílulas de oito mil e quinhentos miligramas.
Sobretudo se daria essas pílulas a um paciente que não tinha sido visto pelo doutor para que tratasse dessa doença.
Seria simplesmente incorreto. Por qualquer ângulo que olhasse.
O correto seria telefonar ao paciente e persuadi-lo para que comparecesse à clínica para que o doutor o visse, e se não conseguisse fazer que pusesse seu rabo em marcha? Então isso seria tudo.
Sim, sem muitas complicações.
Ehlena se dirigiu para a farmácia.
Decidiu deixar nas mãos do destino. E que te parece? Era o descanso para o cigarro. O pequeno relógio marcava três e quarenta e cinco.
Olhou seu relógio. Três e trinta e três.
Abrindo o ferrolho da porta balcão, entrou na farmácia, foi direito para a penicilina, e sacudiu os frascos de pílulas de oito mil e quinhentos miligramas enfiando-os no bolso de seu uniforme… Exatamente o que tinha sido prescrito, três noites antes, para um paciente com um problema similar.
Rehvenge não ia voltar para a clínica em breve. Assim levaria o que necessitava.
Disse a si mesma que estava ajudando a um paciente e que isso era o mais importante. Demônios! Possivelmente estivesse lhe salvando a vida. Deste modo assinalou a sua consciência que isto não era OxyContin, nem Valium, nem morfina. Até onde ela sabia nunca ninguém tinha moído umas pílulas de penicilina para aspirá-las procurando um “barato”.
Enquanto entrava no vestiário e recolhia o almoço que havia trazido, mas não comera não se sentiu culpada. E quando se desmaterializou para sua casa, não sentiu nenhuma vergonha ao ir à cozinha e pôr as pílulas em uma bolsa Ziploc e colocar esta em sua bolsa.
Este era o caminho que ela escolhia. Stephan já havia morrido quando chegou até ele, e o melhor que tinha sido capaz de fazer foi ajudar a envolver seus membros frios e rígidos no linho cerimonioso. Rehvenge estava vivo. Vivo e sofrendo. E, se ele era o causador disso ou não, ainda podia ajudá-lo.
O resultado era ético inclusive se o método não o fosse.
E, algumas vezes, isso era o melhor que podia fazer.


Capítulo 24


Quando Xhex retornou ao ZeroSum eram três e meia da manhã, bem a tempo de fechar o clube. Além do mais, tinha um trabalhinho para fazer, e até que esvaziasse as caixas registradoras e despachasse o pessoal e os seguranças, não poderia atender seu assunto pessoal.
Antes de deixar o grande rancho de Rehv, entrou no banheiro e tornou a pôr os cilícios, mas os fodidos não estavam funcionando. Estava excitada. Repleta de energia. Exatamente no limite. Para o que serviam, bem podia ter levado um par de cordões atados às coxas.
Deslizando pela porta lateral da seção VIP, examinou a multidão, muito consciente de estar procurando um homem em particular.
E ele estava ali.
John Matthew fodido! Um trabalho bem feito sempre a deixava faminta e o último que precisava era a proximidade de gente como ele.
Como se notasse seus olhos sobre ele, levantou a cabeça e seus olhos de um azul profundo se acenderam. Como se deduzissem o que ela desejava. E dada à forma em que discretamente se reacomodou nas calças, estava preparado para se pôr a seu serviço.
Xhex não pôde evitar torturar a ambos. Enviou-lhe uma imagem mental, incutindo-a diretamente dentro de sua cabeça: era deles dois em um banheiro privado, ele estava de pé, reclinando-se para trás sobre o lavabo, ela tinha um pé plantado no tampo da pia, seu sexo estava profundamente enterrado no dela e os dois estavam ofegando.
Enquanto a olhava fixamente através da boate lotada, a boca de John se abriu e o rubor que cobriu suas bochechas nada tinha a ver com o abafado, e tudo com o orgasmo que sem dúvida estava pulsando em seu pênis.
Deus! Desejava-o.
Seu amigo, o ruivo, arrancou-o de seu frenesi. Blaylock retornou à mesa com três cervejas agarradas pelo gargalo, e quando lhe deu uma olhada ao endurecido e excitado rosto do John, deteve-se em seco e a olhou surpreso.
Merda!
Xhex se despediu dos seguranças que estavam se aproximando com um gesto da mão e saiu da seção VIP tão rápido, que quase derrubou uma garçonete.
Seu escritório era o único lugar seguro, e se dirigiu para lá correndo. O assassinato era um motor que, uma vez que se punha em marcha, era difícil de desacelerar e as lembranças do assassinato, do doce momento em que olhou aos olhos de Montrag para logo lhe arrebatar a vista, estavam ativando seu lado symphath. Para consumir essa energia, e aplacar-se, necessitava uma de duas coisas.
Ter sexo com o John Matthew era sem dúvida uma delas. A outra era muito menos prazerosa, mas na falta de pão, as tortas são boas, e estava a ponto de tirar seu lys e ir aplicá-lo a quantos humanos encontrasse em seu caminho. O que não seria bom para os negócios.
Cem anos depois, fechou a porta ao ruído e às pessoas que se apertavam como gado, mas não encontrou descanso em seu desértico refúgio. Demônios, nem sequer podia acalmar-se o suficiente para apertar os cilícios. Caminhou ao redor do escritório, sentindo-se enjaulada, pronta para entrar em ebulição, tratando de apaziguar-se para poder…
Com um rugido, a mudança a fulminou, seu campo visual se transformou, convertendo-se em vários matizes de vermelhos como se alguém acabasse de lhe pôr uma viseira sobre os olhos. Ao mesmo tempo, quadriculou as emoções de cada coisa viva que havia no clube, e, estalaram em seu cérebro. As paredes e o chão desapareceram e foram substituídos pelos vícios e os desesperos, os aborrecimentos e os desejos luxuriosos, as crueldades e a dor que eram tão sólidos para ela como tinha sido anteriormente a estrutura do clube.
Seu lado symphath estava saturado do “vamos-nos-portar-bem” e estava preparado para esfolar a esse bando de parvos humanos sorridentes excessivamente drogados que havia ali fora.

Quando Xhex se foi como se o chão da pista estivesse em chamas e ela fosse à única com um extintor, John voltou a afundar no banco. Após o que tinha visto em sua mente se desvaneceu, o incômodo do formigamento que sentia em sua pele começou a esfumar-se, mas sua ereção não pensava aceitar o “Oh! Bom, possivelmente da próxima vez”.
Dentro de seu jeans, tinha o pênis duro, aprisionado detrás da braguilha de botões.
Merda! Pensou John. Merda. Só... Merda!
— Linda forma de bloquear-pênis, Blay. — resmungou Qhuinn.
— Sinto. — disse Blay enquanto deslizava no banco e distribuía as cervejas — Sinto muito… Merda.
Bem, acaso isso não resumia tudo perfeitamente?
— Sabe, realmente está interessada em você. — disse Blay com um toque de admiração — Refiro-me a que, pensava que vínhamos aqui só para que pudesse contemplá-la. Mas não sabia que ela também te via dessa forma.
John abaixou a cabeça para ocultar as bochechas que ultrapassavam de longe o vermelho do cabelo de Blay.
— Sabe onde é seu escritório, John. — os olhos díspares de Qhuinn se mantiveram no mesmo nível enquanto inclinava para trás a recém trazida cerveja e dava um comprido trago — Vá ali. Agora. Assim, ao menos um de nós consegue um pouco de alívio.
John reclinou para trás e esfregou as coxas, pensando exatamente o mesmo que Qhuinn. Mas tinha culhões para fazê-lo? E, se se aproximava dela e o rechaçava?
E se voltava a perder sua ereção?
Entretanto, ao recordar o que tinha visto em sua mente, já não se sentiu tão preocupado por esse aspecto. Estava preparado para chegar ao clímax ali mesmo onde estava sentado.
— Pode ir sozinho a seu escritório. — continuou Qhuinn em voz baixa — Posso esperar no começo do corredor e me assegurar que ninguém os interrompa. Estará a salvo, e será em particular.
John pensou no único momento em que ele e Xhex estiveram juntos e a sós em um espaço fechado. Tinha sido em agosto, no banheiro dos homens da sobreloja, ela o tinha encontrado saindo a tropicões de um cubículo, completamente bêbado. Inclusive apesar de ter estado muito intoxicado, bastou vê-la para estar disposto, desesperado por seu sexo… E graças a uma grande quantidade de confiança proporcionada pela Corona, teve os colossais culhões de aproximar-se dela e lhe escrever uma mensagem em uma toalha de papel. Fizera-o para cobrar a vingança pelo que lhe tinha pedido.
O justo era justo. Queria que dissesse seu nome quando chegasse ao orgasmo durante a masturbação.
Desde então se mantiveram afastados no clube, mas malditamente juntos quando estavam em suas camas… E sabia que esteve fazendo o que lhe tinha pedido, podia dizer pela forma em que o olhava. E o pequeno intercâmbio telepático desta noite a respeito do que ela pensava que deveriam estar fazendo em um dos banheiros, era a prova suficiente de que até ela seguia ordens de vez em quando.
Qhuinn pôs uma mão no braço de John, e quando este elevou a vista para olhá-lo, o macho gesticulou: Saber encontrar o momento oportuno é tudo, John.
Muito certo. Ela o desejava, e esta noite não tinha sido unicamente no sentido da fantasia, como quando estava sozinha em casa. John não sabia o que havia mudado para ela nem qual tinha sido o catalisador, mas ao seu pênis não importava uma merda esse tipo de detalhes.
O resultado era tudo o que importava.
Literalmente.
Além disso, porra, acaso permaneceria virgem o resto de sua vida só por algo que lhe tinham feito fazia uma vida? Saber encontrar o momento oportuno era tudo, e estava farto de permanecer impassível, negando a si mesmo o que verdadeiramente desejava.
John ficou de pé e fez um gesto com a cabeça ao Qhuinn.
— Filho da puta! — disse o macho enquanto deslizava fora do banco embutido — Blay voltaremos.
— Tome seu tempo. E, John, boa sorte, ok?
John aplaudiu o ombro de seu amigo e se acomodou nos jeans antes de encaminhar-se para a saída da seção VIP. Qhuinn e ele passaram e cumprimentaram os seguranças junto ao cordão de veludo, e logo também passaram pelos suarentos bailarinos que estavam perreando[47], aos que estavam se beijando e a uma multidão que estava amontoando-se ao redor do grande balcão para o último pedido. Xhex não estava em nenhuma parte, e se perguntou se não teria ido a sua casa.
Não, pensou. Tinha que estar ali para fechar, porque Rehv não apareceu pelos arredores.
— Possivelmente já está em seu escritório. — disse Qhuinn.
Enquanto subiam as escadas para a sobreloja, pensou na primeira vez que a tinha visto. Falando de começar com o pé errado. Ela o tinha arrastado por este mesmo corredor e o tinha interrogado depois de tê-lo pego escondendo uma arma para que Qhuinn e Blay pudessem ter sexo em paz. Assim, foi como ela se inteirou de seu nome e de sua vinculação com Wrath e a Irmandade, e a forma em que o tinha maltratado o tinha excitado… Logo depois de ter superado a convicção de que ia despedaçá-lo membro a membro.
— Estarei aqui. — disse Qhuinn detendo-se no começo do corredor — Vai bem.
John assentiu e logo pôs um pé frente ao outro, frente ao anterior, e o corredor começou a ficar mais e mais escuro à medida que avançava. Quando chegou a sua porta, não se deteve a pensar, muito atemorizado de mandar mal e sair correndo para seu amigo.
Sim, e quanta falta de culhões lhe faria ver?
Além disso, desejava-o. Necessitava-o.
John levantou os nódulos para golpear… E ficou congelado. Sangue. Cheirava… Sangue.
Dela.
Sem pensar, abriu a porta e...
Oh. Deus Meu! Vocalizou.
Xhex levantou a cabeça bruscamente deixando de lado o que estava fazendo, e essa visão dela lhe ficou gravada a fogo. Havia tirado as calças de couro e as tinha pendurado no respaldo da cadeira, suas pernas estavam sulcadas por seu próprio sangue… Sangue que fluía das tiras com puas de metal que abraçavam suas duas coxas. Tinha uma bota negra sobre o escritório e estava no processo das apertá-las?
— Merda! Sai daqui!
Por quê? gesticulou com a boca, indo para ela, estendendo a mão. Oh… Deus tem que parar.
Com um profundo grunhido de sua garganta, apontou-lhe com o dedo.
— Não se aproxime.
John começou a gesticular rápida e torpemente, apesar dela não entender LSA — por que está fazendo isto…
— Porra sai daqui! Agora!
Por quê? Gritou-lhe silenciosamente.
Em resposta, seus olhos flamejaram em uma cor vermelha rubi, como se tivesse flashes coloridos engastados em seu crânio, e John ficou absolutamente gelado.
Havia só uma coisa no mundo da Irmandade que fazia isso.
— Vai.
John girou sobre si mesmo e foi direta e velozmente para a porta. Quando estendia a mão para agarrar a maçaneta, viu que era possível fechá-la por dentro, e com um rápido giro da chave de aço inoxidável, fechou-a assim ninguém mais poderia vê-la.
Quando chegou onde estava Qhuinn, não se deteve. Simplesmente prosseguiu, sem lhe importar se seu amigo e guarda pessoal o seguia.
De todas as coisas que podia ter averiguado alguma vez sobre ela, esta era a única nunca poderia ter previsto.
Xhex era uma maldita symphath.


Capítulo 25


Do outro lado de Caldwell, em uma rua ladeada de árvores, Lash estava sentado em um sofá com capa de veludo escuro, dentro de um apartamento com fachada de areia cor parda avermelhada. Pendurados ao seu lado estavam os únicos outros vestígios dos elegantes e enriquecidos humanos que viveram no lugar anteriormente: metros de formosas cortinas de damasco que iam do chão ao teto e ressaltavam as janelas panorâmicas que sobressaíam sobre a calçada.
Lash adorava as malditas cortinas. Eram de cor vinho, dourado e negro, adornadas com franjas e pompons de cetim dourado do tamanho de bolas de gude. Em sua exuberante glória, recordavam-lhe as coisas que sempre teve quando vivia naquela grande mansão Tudor, localizada na colina.
Sentia falta da elegância dessa vida. O pessoal. As comidas. Os carros.
Estava passando muito tempo com as classes baixas.
Merda, as classes baixas dos humanos, em atenção ao fundo de onde eram extraídos os lessers.
Esticou-se e acariciou uma das cortinas, ignorando a nuvem de pó que flutuou no ar assim que a tocou. Encantadora. Tão pesada e substancial, não havia nada barato nela, nem a malha, nem as tinturas, nem as pregas e cós costurados à mão.
A sensação o fez precaver-se de que precisava de uma boa casa própria e pensou que talvez pudesse ser este apartamento de pedra avermelhada. Segundo o senhor D, a Sociedade Lessening era proprietária deste lugar fazia três anos, a propriedade tinha sido comprada por um Fore-lesser convencido de que havia vampiros na área. Tinha uma garagem para dois carros enfiados no beco traseiro, assim havia intimidade, e era o mais próximo à elegância que poderia conseguir ao menos durante um bom tempo.
Grady entrou com um celular na orelha, na volta final da pista que tinha fabricado com suas caminhadas das últimas duas horas. Enquanto falava, a voz do tipo ressoava no teto alto.
Agora, apropriadamente motivado pela glândula supra-renal, o tipo havia revelado os nomes de sete distribuidores e esteve chamando um após o outro, conversando até convencê-los que se reunissem com ele.
Lash deu uma olhada ao papel onde Grady havia rabiscado sua lista. Sim, todos os contatos estariam livres de falência? Só o tempo o diria, mas um deles era definitivamente sólido. A sétima pessoa, cujo nome ao final da nomenclatura estava rodeado por um círculo negro, era alguém a quem Lash conhecia: o Reverendo.
Aliás, Rehvenge, filho de Rempoon. Proprietário do ZeroSum.
Aliás, o sacana territorial que tinha jogado Lash a pontapés de seu clube porque havia vendido umas poucas gramas aqui e ali. Merda, Lash não podia acreditar que não tivesse pensado nisso antes. É obvio que Rehvenge estaria na lista. Inferno, ele era o rio onde desembocavam todas as correntes, o cara com quem os fabricantes sul-americanos e chineses tratavam diretamente.
E isto não fazia as coisas ainda mais interessantes?
— Bom, te verei então. — disse Grady ao telefone. Quando desligou, deu-lhe uma olhada — Não tenho o número de Reverendo.
— Mas sabe onde o encontrar, verdade? – óbvio. Todos no negócio da droga, desde camelos a usuários passando pela polícia sabiam onde o cara passava seu tempo, e por esta razão era um mistério que o lugar não tivesse sido fechado fazia muito tempo.
— Entretanto, isso será um problema. Minha entrada está proibida no ZeroSum.
Bem vindo ao clube.
— Trabalharemos para mudar isso.
Embora não seria enviando a um lesser para tentar fazer um trato. Precisariam de um humano para isso. A menos que pudessem tirar Rehvenge fora de sua guarida, o que era improvável.
— Meu trabalho terminou? — perguntou Grady, olhando desesperadamente à porta principal, como se fosse um cão que precisava sair para urinar.
— Disse que precisava passar despercebido. — Lash sorriu deixando que visse suas presas — Assim voltará com meus homens a sua casa.
Grady não discutiu, só assentiu e cruzou os braços sobre a ridícula jaqueta com a águia. Seu assentimento se formava em partes iguais de personalidade, temor e esgotamento. Obviamente, se deu conta de que estava metido em muito mais merda do que acreditara a princípio. Sem dúvida pensava que as presas eram implantes cosméticos, mas alguém que acreditasse ser um vampiro poderia ser quase tão mortal e perigoso como alguém que realmente o fosse.
A porta de serviço que comunicava com a cozinha se abriu, e o senhor D entrou com dois pacotes quadrados envoltos em celofane. Eram do tamanho de uma cabeça, e enquanto o lesser se aproximava, Lash viu um montão de símbolos de dólar.
— Encontrei-os nos painéis do escritório.
Lash tirou sua navalha de mola e fez um pequeno buraco em cada um. Uma rápida lambida ao pó branco e voltou a sorrir.
— Boa qualidade. Cortaremos esta merda. Sabe onde pô-la.
O senhor D assentiu e voltou para a cozinha. Quando retornou, os outros dois assassinos estavam com ele, e Grady não era o único que parecia liquidado. Os lessers precisavam recarregar-se a cada vinte e quatro horas, e segundo a última conta, tinham estado funcionando, por quarenta e oito consecutivas. Até Lash, que podia agüentar vários dias, sentia-se esgotado.
Hora de ir-se.
Levantando-se da cadeira, vestiu o casaco.
— Eu conduzo. Senhor D, você irá sentado na parte de atrás do Mercedes e vai se assegurar de que Grady desfrute de ter chofer. Vocês dois, levem o PDM.
Saíram todos, deixando o Lexus sem placas na garagem e com o número do pára-brisa apagado.
A viagem ao complexo de apartamentos Hunterbred não levou muito, mas Grady conseguiu tirar uma sesta. Através do espelho retrovisor, viu como o idiota se apagava como uma luz, com a cabeça recostada contra o assento e a boca aberta enquanto roncava.
O que, realmente, beirava a falta de respeito.
Lash se deteve no apartamento onde ficavam o senhor D e seus dois companheiros e esticou o pescoço para olhar Grady.
— Acorda, imbecil. – enquanto o homem piscava e bocejava, Lash desprezou sua debilidade, e ao senhor D não pareceu impressionar — As regras são simples. Se tentar fugir, meus homens atirarão aí mesmo ou chamarão à polícia e dirão exatamente onde está. Assente com essa cabeça de idiota se tiver entendido o que digo.
Grady assentiu, embora Lash tivesse a sensação de que o teria feito sem importar o que houvesse dito. Se houvesse dito “Come teus próprios pés”, a resposta igualmente teria sido “Bom, certo, perfeito”.
Lash destravou as fechaduras.
— Saia de meu fodido carro.
Mais assentimentos enquanto as portas se abriam e o implacável vento entrava. Dando um passo fora do Mercedes, Grady se encolheu em sua jaqueta, com essa estúpida e fodida águia que tinha as asas estendidas enquanto o humano se encurvava sobre si mesmo. Ao senhor D, por outro lado, o frio não incomodava… Um dos benefícios de já ter morrido.
Lash deu marcha a ré para sair do estacionamento e se dirigiu para onde ele parava quando estava na cidade. Seu lugar era simplesmente uma choça de má morte em uma área cheia de anciões, com janelas que só tinham cortinas, compradas em lugares como Target, para deixar fora a seus intoxicados e viciados e dependentes vizinhos. A única vantagem era que ninguém da Sociedade sabia o endereço. Embora dormisse com o Omega por razões de segurança, voltar para este lado o deixava aturdido durante uma meia hora ou algo assim, e não queria que ninguém o apanhasse despreparado.
O tema era que, dormir era na realidade um término equivocado para o que ele necessitava. Não era como se fechasse os olhos e dormisse; virtualmente desmaiava, o que, segundo o senhor D, era o que acontecia quando se é um lesser. Por alguma razão, quando tinham o sangue de seu pai dentro deles, eram como celulares que não podiam ser utilizados enquanto se carregavam.
Quando pensou em voltar para a choça, se deprimiu e em troca, se encontrou conduzindo para a parte mais rica de Caldwell. Conhecia essas ruas tão bem como as linhas da palma de sua própria mão, e encontrou os pilares de sua antiga casa facilmente.
As portas estavam firmemente fechadas, e não podia ver por cima do alto muro que rodeava a propriedade, mas sabia o que havia dentro: o terreno, as árvores, a piscina e o terraço… Tudo mantido perfeitamente.
Merda. Queria voltar a viver assim. Esta existência barata com a Sociedade Lessening se parecia a usar um traje ordinário de roupa. Não se sentia ele. Em nenhum nível.
Estacionou o Mercedes no parque e simplesmente permaneceu ali, olhando fixamente ao caminho. Depois de assassinar aos vampiros que o tinham criado e enterrá-los no pátio ao lado da casa, tinha despojado a casa Tudor de tudo o que não estivesse fixado ou cravado, as antiguidades estavam armazenadas em várias casas de lesser dos arredores e de fora da cidade. Não retornou desde que buscara esse carro, e, assumira que, através do testamento de seus pais, a propriedade teria passado a qualquer parente de sangue sobrevivente aos assaltos que ele tinha efetuado contra a aristocracia.
Duvidava que a propriedade estivesse ainda em nome da raça. Depois de tudo, os lessers se infiltraram e, portanto, tinha sido permanentemente comprometida.
Lash sentia falta da mansão, embora não a pudesse utilizar como Quartel General. Trazia-lhe muitas lembranças, e o que era mais importante ainda, estava muito perto do mundo dos vampiros. Seus planos, suas contas e os detalhes íntimos da Sociedade Lessening não eram o tipo de merda que quisesse arriscar a que caísse em mãos da Irmandade.
Logo chegaria o momento em que voltaria a se encontrar com esses guerreiros, mas seria sob seus próprios termos. Desde que foi assassinado por esse defeituoso mutante do Qhuinn, e, seu verdadeiro pai o restabelecera ninguém exceto esse idiota do John Matthew o tinha visto… E inclusive com esse idiota mudo foi somente de uma maneira confusa, o tipo de coisa que, considerando que tinham visto seu cadáver, alguém descartaria como uma interpretação errônea.
Lash gostava de fazer grandes entradas. Quando aparecesse no mundo dos vampiros, faria de uma posição de poder. E a primeira coisa que ia fazer era vingar sua própria morte.
Seus planos futuros o faziam sentir um pouco menos falta do passado, e, enquanto olhava às árvores nuas serem açoitadas pelo forte vento, pensou na força da natureza.
E desejou ser exatamente isso.
Quando soou seu celular, levantou-o e o pôs na orelha.
— O que?
A voz do senhor D era toda formalidade.
— Tivemos uma infiltração, senhor.
As mãos de Lash apertaram o volante com força.
— Onde?
— Aqui.
— Filhos da puta. O que conseguiram?
— Jarras. As três. Pelo que sabemos foram os Irmãos. As portas permanecem firmes assim como as janelas, não temos idéia de como entraram. Deve ter acontecido em algum momento nas últimas duas noites, porque não dormimos aqui desde domingo.
— Entraram no apartamento abaixo?
— Não, esse ainda é seguro.
Pelo menos havia uma coisa a seu favor. Embora, perder jarras fosse um problema.
— Por que não soou o alarme de segurança?
— Não estava conectado.
— Jesus Cristo. Melhor que esteja aí quando chegar, porra. — Lash encerrou a chamada e girou o volante. Quando pisou fundo no acelerador, o sedã saiu disparado para o portão, o pára-choque dianteiro raspou as barras de ferro.
Fodidamente maravilhoso.
Quando chegou ao apartamento, estacionou exatamente ao lado da entrada para as escadas e quase arrancou a porta do carro ao sair. Com as rajadas geladas fazendo seu cabelo voar, subiu a escada de dois em dois e entrou disparado no lugar, preparado para atirar em alguém.
Grady estava sentado em um tamborete frente à parte sobressalente do balcão da cozinha, estava sem jaqueta, com as mangas arregaçadas, e um montão de não penso me colocar nisto na cara.
O senhor D estava saindo de um dos dormitórios terminando uma frase.
—… não entendo como encontraram este…
— Quem fez a merda? — perguntou Lash, fechando a porta ao vento que uivava — Isso é tudo o que me preocupa. Quem foi o idiota que não conectou o alarme e comprometeu esta localização? E se ninguém se responsabilizar, você — apontou para o senhor D— será o responsável.
— Não fui eu. — o senhor D olhou duramente a seus homens — Faz dois dias que não venho aqui.
O lesser da esquerda levantou os braços, mas como era típico em sua raça, não foi para submeter-se, mas sim porque estava preparado para lutar.
— Tenho minha carteira e não falei com ninguém.
Todos os olhos foram para o terceiro assassino, que se zangou:
— Que porra? — com gestos exagerados procurou em seu bolso traseiro — Tenho mi…
Colocou a mão mais ao fundo como se pudesse mudar algo. Logo, fez uma atuação ao estilo dos Três Patetas, verificando cada bolso que tinha nas calças, a jaqueta e a camisa. O idiota não titubearia em abrir o próprio rabo para dar uma olhada se pensasse que houvesse a possibilidade de sua carteira ter aberto passagem por seu cólon.
— Onde está sua carteira? — perguntou Lash brandamente.
Cabeça de Mármore se deu conta.
— O senhor N… Esse idiota. Discutimos porque queria que lhe desse “algumas verdinhas”. Lutamos e deve ter surrupiado minha carteira.
O senhor D caminhou tranqüilamente até ficar atrás do assassino e o golpeou ao lado da cabeça com a culatra de sua Magnum. A força do impacto fez que o assassino começasse a girar como a tampa de uma cerveja até se estalar contra a parede, onde deixou um borrão negro que manchou a pintura branca quando deslizou para baixo, até cair no tapete barato de cor marrom.
Grady deixou escapar um grasnido de surpresa, como um terrier que golpeassem com um jornal.
E então soou o toque da campainha. Todos olharam para a origem do som e logo para Lash.
Ele apontou para Grady.
— Permanece exatamente onde está. — quando a campainha voltou a soar fez um gesto com a cabeça ao senhor D — Responde.
Enquanto o pequeno texano passava por cima do assassino derrubado e colocava a arma no cinto das calças na parte baixa das costas abriu só uma fresta da porta.
— Domino’s. — disse uma voz masculina quando uma lufada de vento entrou soprando — Ah… Merda, tome cuidado!
Era uma comédia de fodidos embrulhos, o tipo de coisa que se via em um filme cheio de palhaçadas e embrulhos. Quando o entregador retirava a caixa de pizza da bolsa térmica vermelha, o forte vento a pegou, e a calabresa e algo mais saíram voando em direção ao senhor D... Como um bom empregado, o menino voador com o boné se esticou para frente para agarrar a coisa… E terminou golpeando o senhor D com força e invadindo o apartamento.
E Lash apostaria que os empregados de Domino’s recebiam instruções específicas a respeito de que jamais deviam fazer tal coisa, e, por uma boa razão. Se, invadia a casa de alguém, embora estivesse fazendo o papel de herói, podia encontrar todo tipo de merda: pornografia pervertida na televisão. Uma dona-de-casa gorda vestida somente com as calcinhas da avó e nenhum sutiã. Um barracão asqueroso com mais baratas que pessoas.
Ou um exemplar dos não mortos sangrando sangue negro de uma ferida na cabeça.
Não havia modo que o Menininho Pizza deixasse de ver o que tinha à frente. E isso significava que teriam que encarregar-se dele.

Após ter passado o restante da noite andando sem rumo fixo pelo centro de Caldwell em busca de um lesser com quem lutar, John tomou forma no pátio da mansão da Irmandade junto a todos os carros que estavam estacionados em uma fila ordenada. O implacável vento empurrava seus ombros, como um valentão querendo derrubá-lo, mas se manteve firme contra o violento ataque.
Uma symphath. Xhex era uma symphath.
Enquanto sua mente se agitava ante a revelação, Qhuinn e Blay se materializaram ao seu lado. Tinha que dizer em honra dos dois, nenhum deles perguntou que porra tinha acontecido no ZeroSum. Não obstante, ambos continuavam olhando-o como se fosse uma proveta em um laboratório de ciência, como se esperassem que trocasse de cor ou jogasse espuma ou algo.
Preciso de um pouco de espaço, gesticulou sem enfrentar nenhuma de seus olhares.
— Não há problema. — respondeu Qhuinn.
Houve uma pausa enquanto John esperava que entrassem na casa. Qhuinn limpou a garganta uma vez. Duas vezes.
Então com voz estrangulada, disse:
— Sinto muito. Não queria voltar a te pressionar. Eu…
John sacudiu a cabeça e gesticulou. Não está relacionado com o sexo. Assim não se preocupe, ok?
Qhuinn franziu o cenho.
— Bom. Sim, genial. Ah… Se precisar estaremos por aqui. Vamos, Blay.
Blay o seguiu e os dois subiram os degraus baixos de pedra e entraram na mansão.
Quando finalmente esteve sozinho, John não tinha a menor idéia do que fazer ou aonde ir, mas o amanhecer se aproximava, por isso, além de um breve passeio pelos jardins, tinha poucas opções ao ar livre.
Embora, Deus, perguntava-se se ao menos poderia entrar. Sentia-se poluído pelo que tinha descoberto.
Xhex era uma symphath.
Rehvenge saberia? Alguém mais?
Ele era bem consciente do que a lei requeria que fizesse. Aprendera durante seu treinamento. Quando se tratava de symphaths, devia denunciá-los para que os deportassem ou seria considerado cúmplice. Malditamente claro.
Entretanto, o que acontecia depois?
Sim, não era necessário ser adivinho para saber. Xhex seria transportada como lixo a um esgoto, e as coisas não seriam boas para ela. Estava claro que era uma mestiça. Tinha visto fotografias de symphaths, e não se parecia em nada a esses altos, magros, arrepiantes e imbecis FDP. Havia boas probabilidades de que a matassem na colônia, porque pelo que sabia, quando se tratava da discriminação, os symphaths eram iguais a glymera.
Salvo pelo fato de gostarem de torturar ao objeto de suas brincadeiras. E não no sentido verbal.
Que porra tinha feito…
Quando o frio o fez tiritar sob a jaqueta de couro, entrou na casa e subiu diretamente a escada principal. As portas do escritório do rei estavam abertas e podia ouvir a voz de Wrath, mas não se deteve para ver o rei. Seguiu andando, girando na esquina para o corredor das estátuas.
Embora não se dirigia a seu quarto.
John se deteve diante da porta de Tohr, fazendo uma pausa para alisar o cabelo. Havia só uma pessoa com quem queria falar disso, e rezou pedindo que embora fosse por uma vez pudesse receber algum tipo de resposta.
Necessitava ajuda. Muita.
John bateu brandamente.
Não houve resposta. Voltou a bater.
Enquanto esperava e esperava, olhou fixamente os painéis da porta e considerou as últimas duas ocasiões em que invadira salas sem ser convidado. A primeira durante o verão quando se intrometeu no dormitório de Cormia e a tinha encontrado nua e curvada de lado com sangue nas coxas. O resultado? Tinha surrado Phury sem nenhuma razão, o sexo tinha sido de mútuo consentimento.
A segunda tinha sido na de Xhex, esta noite. E olhe em que situação o tinha posto.
John bateu mais forte, os nódulos golpearam forte o bastante para despertar aos mortos.
Não houve resposta. Pior ainda, não havia nenhum som. Nenhuma televisão, nenhuma ducha, nenhuma voz.
Retrocedeu para ver se saía alguma claridade por debaixo da porta. Não. Assim Lassiter não estava aí dentro.
O terror fez que engolisse com dificuldade, enquanto abria lentamente a porta. Os olhos foram primeiro à cama, e ao não encontrar o Tohr ali, John definitivamente entrou pânico. Atravessando o tapete oriental às pressas, dirigiu-se velozmente para o banheiro, esperando encontrar o Irmão escancarado na Jacuzzi com os pulsos cortados.
Não havia ninguém em nenhuma das duas habitações.
Uma estranha e vertiginosa esperança estalou em seu peito enquanto saía novamente ao corredor. Olhando a esquerda e direita, decidiu começar pelo dormitório de Lassiter.
Não houve resposta, e, ao olhar dentro, encontrou tudo muito asseado e ordenado junto com um débil aroma de ar fresco.
Isto era bom. O anjo tinha que estar com Tohr.
John foi velozmente para o estúdio de Wrath e depois de bater na soleira, apareceu à cabeça, inspecionando rapidamente o comprido e fino sofá, as poltronas e o suporte da chaminé onde os Irmãos gostavam de reclinar-se.
Wrath levantou o olhar da escrivaninha.
— Olá, filho. O que acontece?
Oh, nada. Já sabe. Só… Desculpe-me.
John desceu correndo a escada principal, sabendo que se Tohr estava fazendo sua primeira incursão de volta ao mundo, não ia querer fazer um grande espetáculo disso. Provavelmente começaria simplesmente, só indo à cozinha com o anjo a procura de um pouco de comida.
John chegou ao chão de mosaico do vestíbulo no andar de baixo, e quando ouviu vozes de macho à direita, olhou dentro da sala de bilhar. Butch estava agachado sobre a mesa de bilhar a ponto de fazer um disparo e Vishous estava detrás dele, vaiando. A tela plana da TV mostrava o canal de esportes e só havia dois copos baixos e gordinhos, um com um líquido cor âmbar, o outro contendo um produto cristalino que não era água.
Tohr não estava ali, mas nunca esteve muito interessado nos jogos. Além disso, com a maneira em que Butch e V atacavam um contra o outro, não eram o tipo de companhia que desejaria se estava a ponto de voltar a afundar os pés nas águas sociais.
Dando a volta, John cruzou apressadamente o refeitório, posto para a Última Comida, e entrou na cozinha, onde encontrou… Aos doggen preparando três tipos diferentes de molhos para massa, tirando pão italiano caseiro do forno, mexendo as saladas e abrindo garrafas de vinho tinto para que respirassem e… Nada de Tohr.
A esperança escapou do peito de John, deixando uma tensão amargurada.
Aproximou-se de Fritz, o extraordinário mordomo, que o saudou com um brilhante sorriso em seu rosto velho e enrugado.
— Olá, senhor, como vai você?
John fez os gestos diante de seu peito para que ninguém mais pudesse ver.
Escute, viu…
Merda, não queria aterrorizar a toda a casa sem outro motivo além de que estava se apressando a tirar conclusões. A mansão era enorme e Tohr podia estar em qualquer lugar.
…a alguém? Terminou.
As franzinas sobrancelhas brancas de Fritz se juntaram.
— Alguém, senhor? Refere-se às senhoras da casa ou…
Machos., gesticulou. Viu algum dos Irmãos?
— Bom, estive aqui preparando o jantar durante a última hora, mas sei que vários voltaram para casa do campo. Rhage pegou seus sanduíches tão logo retornou, Wrath está no escritório, e Zsadist está banhando à pequena. Deixe ver… Oh, e acredito que Butch e Vishous estão jogando bilhar, já que um de meu pessoal lhes serviu bebidas na sala de bilhar faz um momento nada mais.
Correto, pensou John. Se um Irmão que ninguém tinha visto sair durante digamos, quatro meses, aparecesse certamente seu nome teria sido o primeiro da lista.
Obrigado, Fritz.
— Estava procurando a algum em particular?
John sacudiu a cabeça e voltou a sair ao vestíbulo, esta vez movendo-se com pés de chumbo. Quando entrou na biblioteca, não esperava encontrar ninguém, e o que lhes parece? A sala estava cheia de livros e completamente desprovida de qualquer Tohr.
Onde poderia…?
Possivelmente não estivesse na casa absolutamente.
John fechou a biblioteca e patinou ao dar a volta ao redor da escada principal, as solas de seus shitkickers chiaram quando dobrou a esquina. Abrindo violentamente a porta oculta sob os degraus, entrou no túnel subterrâneo da mansão.
É obvio. Tohr iria ao centro de treinamento. Se ia despertar e começar a viver, isso significava que voltaria para o campo de batalha. E isso significava exercitar-se para conseguir que seu corpo voltasse a estar em forma.
Quando John saiu ao escritório das instalações, estava completamente de retorno na terra da esperança e quando não encontrou Tohr no escritório, não se surpreendeu.
Aí tinha sido onde o tinham informado da morte de Wellsie.
John arrastou o traseiro para o corredor, e o leve som dos pesos ressonando foi uma fodida sinfonia para seus ouvidos, o alívio floresceu em seu peito até que as mãos e os pés formigaram.
Mas tinha que controlar-se. Aproximando-se da sala de treinamento, sacudiu o sorriso, e abriu amplamente a porta…
Blaylock lhe jogou uma olhada do banco. A cabeça do Qhuinn se movimentava acima e abaixo na barra de exercícios.
Enquanto John jogava uma olhada a seu redor, ambos deixaram o que estavam fazendo, Blay voltando a deixar a barra de peso em seu lugar, Qhuinn baixando-se lentamente ao chão.
Viram o Tohr? Gesticulou John.
— Não. — disse Qhuinn enquanto enxugava o rosto com uma toalha — Por que ele estaria aqui?
John saiu correndo e se dirigiu ao ginásio, onde não encontrou nada exceto luzes embutidas, chãos de tábuas resplandecentes e colchonetes de um azul brilhante. A sala de equipamento só tinha equipamento. A sala de primeiros socorros e fisioterapia estava vazia. A clínica de Jane igual.
Partiu correndo, saindo disparado pelo túnel para a casa principal.
Uma vez ali, subiu diretamente para as portas abertas do escritório, e esta vez não bateu na soleira. Caminho diretamente até a escrivaninha de Wrath e gesticulou, Tohr se foi.

Enquanto o entregador do Domino’s gesticulava para agarrar a caixa de pizza, todos os outros ficaram imóveis.
— Passou perto. — disse o humano — Não queria que terminasse em…
O homem que estava agachado ficou congelado nessa posição quando seus olhos rastrearam a mancha negra da parede até o enfraquecido e queixoso lesser que a tinha ocasionado.
— … Em… Seu… Tapete.
— Cristo. — cuspiu Lash, tirando a navalha de mola do bolso no peito, acionando a folha e aproximando-se das costas do homem. Quando o moço do Domino’s ficou de pé, Lash passou o braço ao redor de seu pescoço e lhe cravou a faca diretamente no coração.
Enquanto o homem se murchava e ofegava, a caixa de pizza caía ao chão e se abria, a cor do molho de tomate e da calabresa pertencia à mesma gama de cores que o sangue que saía da ferida.
Grady saltou de seu tamborete e apontou ao assassino que ainda estava de pé.
— Ele me permitiu encomendar a pizza!
Lash apontou com a ponta da faca ao idiota.
— Fecha a puta boca.
Grady voltou a sentar no tamborete.
O senhor D estava de saco muito cheio quando foi até o assassino restante.
— Deixou-o encomendar uma pizza? Fez isso?
O lesser grunhiu.
— Pediu-me que entrasse e montasse guarda na janela do dormitório de atrás. Assim foi como descobrimos que tinham desaparecido as jarras, recorda? O imbecil que empapa o tapete foi o que o deixou chamar.
O senhor D não parecia ter interesse na lógica, e por divertido que pudesse ser lhe ver ficar em plano Jack Russel[48] com esse rato lesser, não havia muito tempo. Este humano que tinha aparecido com a pizza não voltaria a fazer mais entregas, e seus companheiros de uniforme se dariam conta disso bastante rápido.
— Telefona para que venham reforços. — disse Lash, fechando a folha e aproximando-se do lesser incapacitado — Que venham com um caminhão. Assim retira as caixas com armas. Evacuaremos este apartamento e o de baixo.
O senhor D pegou o telefone e começou a ladrar ordens enquanto o outro assassino entrava no dormitório do fundo.
Lash examinou o Grady, que olhava fixamente a pizza como se estivesse considerando seriamente levantá-la do tapete para comer.
— A próxima vez que você…
— As armas desapareceram.
Lash girou a cabeça para o lesser.
— Desculpe?
— As caixas com armas não estão no armário.
Por uma fração de segundo, em tudo o que Lash pôde pensar foi matar a alguém, e o único que salvou o Grady de ser esse alguém foi que mergulhou rapidamente na cozinha, fora de seu campo visual.
Não obstante a lógica preponderou sobre a emoção, e dirigiu sua vista para o senhor D.
— É responsável pela evacuação.
— Sim, senhor.
Lash apontou com o dedo ao assassino que estava no chão.
— Quero que o levem ao centro de persuasão.
— Sim, senhor.
— Grady? — quando não houve resposta, Lash amaldiçoou e entrou na cozinha para encontrar ao tipo inclinado dentro do frigorífico, sacudindo a cabeça ante as estantes vazias. O idiota era muito estreito de mente ou estava sinceramente ensimesmado, e Lash apostava que era o último — Vamos.
O humano fechou a porta do frigorífico e veio como o cão que era: rapidamente e sem discutir, movendo-se tão velozmente que deixou seu casaco atrás.
Lash e Grady tinham saído repentinamente ao frio, e o quente interior do Mercedes foi um alívio.
Enquanto Lash saía lentamente do complexo, porque apressar-se poderia ter atraído a atenção das pessoas, Grady o olhou.
— Esse cara… Não o da pizza… O que morreu… Não era normal.
— Não. Não era.
— Tampouco você.
— Não. Eu sou uma divindade.


Capítulo 26

Quando caiu a noite, Ehlena vestiu o uniforme embora não fosse à clínica. Por duas razões, uma, ajudava com seu pai, que não tolerava bem as mudanças de rotina. E dois, sentia como se lhe desse uma pequena distância quando se encontrasse com Rehv.
Não dormiu nada durante o dia. Enquanto jazia na escuridão, as imagens do depósito de cadáveres e a lembrança da forma em que havia soado fatigada a voz de Rehvenge eram uma diabólica equipe que corria desenfreada martelando em seu cérebro, fazendo rodar e mudar seus sentimentos até que lhe doeu o peito.
Estava realmente a caminho de encontrar-se com Rehvenge? Em sua casa? Como tinha acontecido isto?
Essas perguntas ajudaram-na a recordar que só ia lhe entregar remédios. Isto se tratava de prestar cuidados de nível clínico, de enfermeira a paciente. Pelo amor de Deus, ele esteve de acordo com ela que não deveria encontrar-se com ninguém, e, não era como se a tivesse convidado para jantar. Estava lhe levando as pílulas e tentaria persuadi-lo a ir ver Havers. Isso era tudo.
Após verificar como estava seu pai e lhe dar seu medicamento, se desmaterializou para a calçada defronte ao edifício Commodore situado no meio do centro. De pé entre as sombras, levantou o olhar para o lado liso e brilhante da alta torre, e a surpreendeu o contraste entre este e o sórdido lugar ao rés do chão que ela alugava.
Caramba… Viver entre todo esse cromado e vidro custava dinheiro. Muito dinheiro. E Rehvenge tinha um apartamento de cobertura. Além disso, esta devia ser só uma das propriedades que possuía, porque nenhum vampiro em seu juízo perfeito dormiria rodeado por todas essas janelas durante as horas diurnas.
A linha divisória entre a gente normal e a gente rica parecia tão longa como a distância entre onde ela estava parada e onde se supunha que Rehvenge a esperava, e por um breve momento se entreteve com a fantasia de que sua família ainda tinha dinheiro. Possivelmente dessa forma, estaria levando algo diferente de seu casaco barato de inverno e sua uniforme.
Enquanto permanecia na rua, muito abaixo de Rehvenge, parecia-lhe impossível que tivesse conectado com ele como tinha feito, mas em definitivo, o telefone era uma relação virtual, só um degrau mais acima de estar online. Cada pessoa estava em seu próprio ambiente, invisíveis um ao outro e só suas vozes se mesclavam. Era uma falsa intimidade.
Realmente tinha roubado pílulas para este macho?
Verifique seus bolsos, imbecil, pensou.
Com uma maldição, Ehlena se materializou no terraço do apartamento de cobertura, aliviada de que a noite estivesse relativamente tranqüila. De outro modo, com o frio que fazia qualquer vento ali em cima…
Que… Demônios?
Através dos inumeráveis painéis de vidro, o resplendor de centenas de velas convertia a noite escura em uma névoa dourada. Dentro, as paredes do apartamento de cobertura eram negras, e havia… Coisas penduradas delas. Coisas como um gato de nove caudas[49] feito de metal, chicotes de couro e máscaras… E havia uma mesa grande, de aparência antiga que estava… Não, espera, isso era uma mesa de tortura, verdade? Com correias de couro pendurando dos quatro cantos.
OH… Demônios, não. Rehvenge gostava desta merda?
Bom. Mudança de planos. Deixaria os antibióticos, certo, mas seria enfrente a uma dessas portas corrediças, porque não havia maneira de que entrasse aí dentro. De. Nenhuma. Fodida. Maneira…
Um tremendo macho com cavanhaque saiu do banheiro, secando as mãos e endireitando as calças de couro enquanto ia para a mesa de tortura. Com um salto ágil, subiu à coisa e logo começou a prender um dos grilhões ao tornozelo.
Isto estava se tornando mais doentio. Um trio?
— Ehlena?
Ehlena girou tão rapidamente que golpeou o quadril contra a parede que rodeava todo o trecho. Quando viu quem era, franziu o cenho.
— Doutora Jane? — disse, pensando que essa noite estava passando rapidamente dos “Oh, demônios, não” diretamente ao território de QCP[50] — O que está…?
— Acredito que está no lado errado do edifício.
— Lado errado… Oh, espere, este não é o apartamento de Rehvenge?
— Não, de Vishous e meu. Rehv está do lado leste.
— Oh… — tinha as bochechas vermelhas. Muito vermelhas, e não por causa do vento — Lamento muito, me haver equivocado…
A doutora fantasmal riu.
— Está bem.
Ehlena voltou a olhar o vidro, mas logo afastou a vista rapidamente. Sem dúvida, esse era o Irmão Vishous. Que tinha olhos diamantinos e tatuagens no rosto.
— O lado leste é o que quer.
O que Rehv havia dito, verdade?
— Irei ali agora mesmo.
— Convidaria a cortar caminho, mas…
— Sim. Será melhor que vá por mim mesma.
A doutora Jane sorriu com uma boa dose de malícia.
— Penso que será melhor.
Ehlena se acalmou e se desmaterializou para a parte correta do prédio, pensando, a Doutora Jane era uma dominatrix?
Bem, coisas mais estranhas tinham acontecido.
Quando recuperou sua forma, quase teve medo de olhar através do vidro, tendo em conta o que acabara de ver. Se Rehvenge tinha mais do mesmo — ou pior ainda, coisas como roupa de senhora do tamanho de um macho, ou plumas de aves movendo-se por toda parte — não sabia se seria capaz de relaxar-se o bastante para desmaterializar seu traseiro fora dali.
Mas não. Nenhum Ru-Paul[51]. Nada que necessitasse um coche ou uma cerca. Só um encantador e moderno interior feito com esse tipo de móveis suaves e singelos que deviam ter vindo da Europa.
Rehvenge apareceu através de uma arcada e se deteve ao vê-la. Quando levantou a mão, a porta corrediça de vidro diante dela se abriu porque ele dispôs com sua mente, e pôde captar um aroma maravilhoso proveniente do apartamento de cobertura.
Era… Rosbife?
Rehvenge se aproximou, movendo-se com andar suave, embora dependesse de sua bengala. Esta noite, levava um suéter negro de gola alta que evidentemente era de caxemira e um impactante terno negro, e com sua roupa fina, parecia saído da capa de uma revista, sofisticado e sedutor, um absoluto impossível.
Ehlena se sentia uma parva. Vendo-o ali em seu belo apartamento, não que pensasse estar abaixo dele. Era somente que estava claro que não tinham nada em comum. Que tipo de delírio a tinha golpeado quando falaram ou se viram na clínica?
— Bem vinda. — Rehvenge se deteve na porta e estendeu a mão para ela — Teria te esperado fora, mas faz muito frio para mim.
Dois mundos totalmente diferentes, pensou ela.
— Ehlena?
— Sinto muito. — devido a que seria grosseiro não fazê-lo, pôs a mão na dele e entrou no apartamento de cobertura. Mas, em sua mente, já o tinha abandonado.

Quando as palmas se encontraram, Rehv se sentiu atracado, assaltado, roubado, quebrado e registrado: não sentiu nada quando suas mãos se fundiram, e desejava desesperadamente poder sentir o calor de Ehlena. De todos os modos, apesar de estar intumescido, o simples fato de olhar como suas peles entravam em contato foi suficiente para fazer seu peito chispar como se fosse aparas de aço brilhante.
— Olá. — disse ela com um tom rouco enquanto ele a atraía dentro.
Fechou a porta e continuou agarrando sua mão até que ela rompeu o contato, aparentemente para dar uma volta e dar uma olhada ao lugar. Entretanto, pressentia que ela necessitava espaço físico.
— A vista aqui é extraordinária. — disse detendo-se para olhar fixamente a vista da cidade cintilante que se estendia ante ela — Gracioso, mas aqui de cima se parece com uma maquete.
— Estamos alto, isso é certo. — olhava-a com olhos obsessivos, absorvendo-a através de sua vista — Adoro a vista. — murmurou.
— Posso ver por que.
— E é tranqüilo. — privado. Só eles e ninguém mais no mundo. E, estando a sós com ela aqui e agora, quase podia acreditar que todas as coisas sujas que tinha feito foram crimes cometidos por um estranho.
Ela sorriu um pouco.
— Sem dúvida que é tranqüilo. No apartamento ao lado estão utilizando mordaças de bola… Né…
Rehv riu.
— Equivocou-se de lado do edifício?
— Eu que o diga.
Esse rubor indicou que tinha visto algo mais que meros objetos inanimados da coleção Bondage-R-us[52] de brinquedos de V e de repente Rehv ficou mortalmente sério.
— É necessário que fale com meu vizinho?
Ehlena sacudiu a cabeça.
— Não foi sua culpa, e felizmente ele e Jane não haviam… Er, começado. Graças a Deus.
— Pelo que vejo você não gosta muito desse tipo de coisas.
Ehlena voltou a cravar o olhar no panorama.
— Ouça, eles são pessoas adultas, assim está tudo bem. Mas, eu pessoalmente? Nunca na vida.
Falando de romper o clima. Se o BDSM[53] era muito para ela, supunha que isso queria dizer que não compreenderia o fato de que ele fodia a uma fêmea a que odiava como forma de pagamento à chantagem que lhe fazia. Que, casualmente era sua meio-irmã. Oh, e que era uma symphath.
Igual a ele.
Seu silêncio a fez voltar à cabeça sobre o ombro.
— Sinto muito. Ofendi a você?
— Tampouco o pratico. — oh, absolutamente. Ele era uma puta com padrões… A merda da perversão era adequada unicamente se fosse forçado a isso. Ao caralho com a sexualidade extrema de mútuo acordo que praticavam V e sua companheira. Sim, porque isso estava simplesmente mal.
Cristo, ele estava muito abaixo dela.
Ehlena perambulou pelo lugar, seus sapatos de suave revestimento não faziam nenhum som no chão de mármore negro. Enquanto a olhava, deu-se conta de que sob o casaco de lã negro tinha o uniforme. O que era lógico, observou a si mesmo, se depois tinha que ir trabalhar.
Vamos, disse-se. Pensou realmente que ficaria toda a noite?
— Posso pegar seu casaco? — disse, sabendo que devia ter calor — Tenho que manter este lugar mais quente do que a maioria das pessoas acha cômodo.
— Na verdade… Deveria partir. — colocou a mão no bolso — Só vim trazer a penicilina.
— Esperava que ficasse para jantar.
— Sinto muito. — estendeu-lhe uma bolsa de plástico — Não posso.
Uma imagem relâmpago da princesa se ativou no cérebro de Rehv, e se recordou quão bem se sentia ao fazer o correto com Ehlena… Apagando seu número de telefone. Não tinha nada que fazer cortejando-a. Nada absolutamente.
— Compreendo. — pegou as pílulas — E, obrigado por estas.
— Tome duas e quatro vezes ao dia. Dez dias. Promete-me isso?
Ele assentiu uma vez.
— Prometo-o.
— Bom. E trata de ir ver o Havers, fará?
Houve um momento de embaraçoso silêncio, até que ela levantou a mão.
— Bom… Então, adeus.
Ehlena girou, e ele abriu o painel de vidro com a mente, já que não confiava em si mesmo para aproximar-se muito dela.
Oh, por favor, não vá. Por favor, não, pensou.
Só queria sentir-se… Limpo durante um tempinho.
Após sair, ela se deteve e o coração de Rehv palpitou com força.
Ehlena olhou para trás, e o vento despenteou as mechas de cabelo pálido jogando-o para seu encantador rosto.
— Com comida. Deve tomar com a comida.
Correto. Informação médica.
— Tenho muita aqui.
— Bom.
Depois de fechar a porta, Rehv a olhou desaparecer nas sombras e teve que obrigar-se a dar a volta.
Andando lentamente e utilizando a bengala, caminhou ao longo da parede de vidro e girando em uma esquina foi para o resplendor da sala de jantar.
Havia duas velas acesas. Dois lugares dispostos com talheres de prata. Dois copos para vinho. Dois copos para água. Dois guardanapos dobrados precisamente e colocadas em cima de dois pratos.
Sentou-se na cadeira que teria oferecido a ela, a que estava a sua direita, a posição de honra. Apoiou a bengala contra sua coxa e deixou a bolsa de plástico na mesa de ébano, alisando-a com a mão para que os antibióticos descansassem um ao lado do outro em uma fila pulcra e ordenada.
Perguntou-se por que não vinham em uma garrafa laranja com uma etiqueta branca, mas de qualquer forma, ela os havia trazido. Isso era o principal.
Sentado ali no silêncio, rodeado pela luz das velas e o aroma do rosbife que acabava de tirar do forno, Rehv acariciou a bolsa de plástico com o indicador intumescido. Certo como a merda que estava sentindo algo. No ponto morto de seu peito, tinha uma dor atrás do coração.
Tinha realizado muitos atos malvados no curso de sua vida. Grandes e pequenos.
Tinha armado armadilhas a pessoas só para jogar com elas, fossem traficantes vagabundos transgredindo seu território, ou Johns que não tratavam bem a suas putas, ou idiotas que andavam fodendo em seu clube.
Havia provido a outros de seus vícios, para tirar benefícios. Vendia drogas. Vendia sexo. Vendia morte em forma das habilidades especiais de Xhex.
Havia fodido por todas as razões equivocadas.
Tinha mutilado.
Tinha assassinado.
E ainda assim, nada disso o tinha incomodado em seu momento. Não houvera dúvidas, nem arrependimentos, nada de empatia. Só mais esquemas, mais planos, mais ângulos para ser descobertos e explorados.
Não obstante, aqui ante essa mesa vazia, nesse apartamento de cobertura vazio, sentia dor no peito e sabia o que era: saudade.
Teria sido extraordinário merecer a Ehlena.
Mas, isso era só mais uma coisa que não ia sentir jamais.

Capítulo 27


Quando a Irmandade se reuniu no escritório, Wrath manteve o olhar sobre John de seu vantajoso posto atrás da supérflua mesa de escritório. Ao outro lado, o menino parecia um animal que fora atropelado na estrada. Seu rosto estava pálido, seu grande corpo imóvel e não participava da discussão. O aroma de suas emoções era a pior parte disso, pensou: não havia nenhum. Nem a dentada picante e vigorosa da ira. Nem o ácido e defumado sopro da tristeza. Nem sequer um pingo do aroma azedo do medo.
Nada. Enquanto se encontrava entre os Irmãos e seus dois melhores amigos, permanecia isolado por sua falta de reação e ensimesmado indiferente… Estava com eles, mas não realmente.
Não de forma proveitosa.
A dor de cabeça de Wrath que como seus olhos, seus ouvidos e sua boca parecia estar permanentemente presa a seu crânio, realizou um renovado assalto a suas têmporas, e ele se sentou bem erguido na cadeira para mariquinhas com a esperança de que um ajuste na posição de sua coluna pudesse aliviar a pressão.
Não teve sorte.
Possivelmente uma amputação de crânio serviria. Deus sabia que Doutora Jane era boa com a serra.
Em frente, na feia poltrona verde, Rhage mordeu com força um Tootsie Pop, rompendo um dos muitos silêncios incômodos que tinham marcado a reunião.
— Tohr não pode ter ido longe. — murmurou Hollywood — Não está suficientemente forte.
— Verifiquei no Outro Lado. — disse Phury do alto-falante do telefone — Não está com as Escolhidas.
— Que tal se dermos uma volta por sua antiga casa? — sugeriu Butch.
Wrath balançou a cabeça.
— Não posso imaginar que queira ir ali. Muitas lembranças.
Merda, nem sequer a menção do lar em que John passara algum tempo despertou algo no menino. Mas ao menos, finalmente, escurecera assim podiam sair a procurar o Tohr.
— Eu fico se por acaso voltar. — disse Wrath no momento em que se abriam as portas duplas e V entrava dando pernadas — Quero que o resto de vocês saia para buscá-lo na cidade, mas antes de ir, deixemos que nossa própria Katie Couric  nos ponha em dia. — fez um gesto com a cabeça para Vishous — Katie?
O olhar furioso de V foi a versão ocular de um dedo médio completamente estendido, mas procedeu com o relatório.
— Ontem à noite, no registro policial, houve uma denúncia registrada por um detetive de homicídios. Um cadáver foi achado no lugar onde se encontraram as caixas de armas. Humano. Entregador de pizzas. Com uma única ferida de faca no peito. Não há dúvida de que o pobre bastardo se topou com algo que não devia. Acabo de piratear os detalhes do caso e o que acreditam? Descobri uma anotação a respeito de uma mancha negra e oleosa que encontraram na parede próxima à porta. — ouviram-se várias maldições resmungadas, muitas das quais incluíam a palavra com F — Sim, bem, agora vem a parte interessante. A polícia assentou que uma Mercedes foi vista no estacionamento aproximadamente duas horas antes que o gerente do Domino’s chamasse para denunciar que um de seus empregados não havia retornado depois de levar o pedido a esse endereço. E, uma das vizinhas viu um homem loiro, obviamente, entrar nele com outro cara de cabelo escuro. Disse que era estranho ver esse tipo de sedã ostentoso na área.
— Uma Mercedes? —perguntou Phury do telefone.
Rhage, tendo triturado outro pirulito, para regozijo de sua alteza, lançou um palito branco dentro do lixo de papel.
— Sim, desde quando a Sociedade Lessening investe essa quantidade de efetivo em suas rodas?
— Exato. — disse V — Não faz sentido. Mas aqui vem a merda. Também há testemunhas que reportaram ter visto um Escalade negro de aspecto suspeito à noite anterior… E a um homem de negro tirando… Oh, caramba! Não me diga que eram… Caixas? Sim, quatro malditas caixas da parte traseira desse grupo de quatro apartamentos.
Quando seu companheiro de quarto olhou fixa e intencionadamente ao Butch, o polícia sacudiu a cabeça.
— Mas não fazem menção a que tenham as placas da Escalade. E nem bem cheguei troquei o jogo de placas que tinha posto. Quanto a Mercedes? As testemunhas confundem as coisas todo o tempo. É possível que o loiro e o outro homem não tenham tido nada a ver com o assassinato.
— Bom, vou manter um olho atento sobre o assunto. — disse V — Não acredito que exista a  possibilidade que a polícia vá relacioná-lo com algo que envolva ao nosso mundo. Demônios, muitas coisas deixam manchas negras, mas é melhor estar preparados.
— Se o detetive deste caso é o que estou pensando, é um dos bons. — disse Butch tranqüilamente — Um muito bom.
Wrath ficou em pé.
— OK, o sol se pôs. Saiam daqui. John, quero falar um momento contigo em particular.
Wrath esperou que as portas se fechassem depois do último de seus irmãos antes de falar.
— Vamos encontrá-lo, filho. Não se preocupe. — não houve resposta — John? O que te passa?
O menino só cruzou os braços sobre seu peito e ficou olhando fixamente para frente.
— John…
John desdobrou as mãos e gesticulou algo que ante os piorados olhos de Wrath pareceu ser: Vou sair com os outros.
 — É um demônio! — isso fez que John girasse a cabeça abruptamente — Sim, isso não ocorrerá, dado que é um zumbi. E vai se foder a outro lado com seus “estou bem”. Se pensar durante sequer meio segundo que vou deixar que saia para brigar, está malditamente muito enganado.
John caminhou ao redor do escritório como se estivesse tratando de controlar a si mesmo. Finalmente se deteve e gesticulou: Não posso estar aqui neste momento. Nesta casa.
Wrath franziu o cenho e tratou de interpretar o que lhe havia dito, mas todo esse franzir de sobrancelhas só provocou que sua dor de cabeça cantasse como uma soprano.
— Sinto muito, o que foi o que disse?
John abriu a porta de um puxão, e um segundo depois entrou Qhuinn. Houve muitos movimentos de mãos e logo Qhuinn limpou a garganta.
— Diz que esta noite não pode estar nesta casa. Simplesmente não pode.
— Ok, então vá a algum clube, consiga uma garota e usa a boca nela até que desmaie. Mas nada de lutar. — Wrath elevou uma prece silenciosa de agradecimento porque Qhuinn estivesse grudado ao lado do menino — E, John… Vou encontrá-lo.
Mais sinais, e logo John se voltou para a porta.
— O que disse, Qhuinn? — perguntou Wrath.
— Ah… Disse que não lhe importa se o faz.
— John, não diz a sério.
O menino deu a volta, gesticulou e Qhuinn traduziu.
— Diz que, sim, que realmente diz a sério. Diz… Que já não pode seguir vivendo assim… Esperando, cada noite e cada dia, perguntando-se quando entra no quarto, se Tohr se… John vai um pouco mais devagar… Ah… Se o macho se pendurou ou se foi-se novamente. Embora volte… John diz que para ele terminou. Que foi abandonado muitas vezes.
Difícil argumentar contra isso. Ultimamente Tohr não tinha sido um pai muito bom, tendo sido seu único lucro nesse campo a criação da próxima geração de mortos viventes.
Wrath fez uma careta de dor e esfregou as têmporas.
— Olhe filho, não sou um eminente cientista, mas pode falar comigo.
Houve um comprido, extenso silêncio marcado por um estranho aroma… Um aroma seco, quase rançoso… Saudade? Sim, isso era saudade.
John fez uma pequena reverência como em sinal de agradecimento e logo se escapuliu pela porta.
Qhuinn vacilou.
— Não o deixarei brigar.
— Então lhe salvará a vida. Porque se pegar as armas no estado em que está agora, voltará para casa em uma caixa de tábuas.
— Roger.
Quando a porta fechou, a dor rugiu nas têmporas de Wrath, obrigando-o a sentar-se.
Deus, tudo o que queria fazer era ir ao quarto que ele e Beth compartilhavam meter-se em sua enorme cama e deixar a cabeça cair sobre os travesseiros que cheiravam a ela. Queria chamá-la e lhe rogar que se unisse a ele só para poder abraçá-la. Queria ser perdoado.
Queria dormir.
Em lugar disso, o rei voltou a levantar-se, pegou as armas que estavam no chão ao lado da mesa de escritório, e as fixou sobre seu corpo. Deixando o escritório com sua jaqueta de couro na mão, desceu a escada principal e saiu do vestíbulo para a noite amarga. Pelo que via, a dor de cabeça o acompanharia onde quer que fosse assim bem podia fazer algo útil e sair em busca de Thor.
Quando vestiu o casaco, invadiu-o a lembrança de sua shellan e o lugar aonde tinha ido à noite anterior.
Santa merda. Sabia exatamente onde Thor estava.

Ehlena tinha a intenção de deixar o terraço de Rehvenge imediatamente, mas, enquanto entrava nas sombras, teve que olhar para o apartamento de cobertura. Através da fileira de vidros, viu o Rehvenge voltar-se e caminhar devagar ao longo do ático do apartamento...
Bateu fortemente a tíbia contra algo.
— Demônios!
Saltando em um pé, esfregou a perna e lançou um tempestuoso olhar à caixa de mármore contra a qual bateu.
Quando se endireitou, esqueceu de toda a dor.
Rehvenge tinha entrado em outra sala e se deteve frente a uma mesa posta para dois. Havia velas resplandecendo no meio do brilho dos cristais e a prataria, a longa parede de vidro deixava ver todo o incômodo que teve por ela.
— Demônios… — sussurrou.
Rehvenge se sentou tão lenta e deliberadamente como tinha caminhado, olhando para trás primeiro, para assegurar-se de que a cadeira estava onde deveria estar para logo agarrá-la com ambas as mãos e sentar-se. Deixou a bolsinha que lhe deu sobre a mesa, e enquanto parecia acariciá-la, a gentileza de seus dedos contradizia esses fortes ombros e ao escuro poder que era inerente ao seu duro rosto.
Ao olhá-lo fixamente, Ehlena já não sentiu o frio, nem o vento nem a dor na tíbia. Banhado pela luz da vela, com a cabeça inclinada para baixo tinha um perfil poderoso e alinhado, Rehvenge era incalculavelmente belo.
Abruptamente, sua cabeça se elevou e a olhou diretamente, apesar dela estar na escuridão.
Ehlena retrocedeu e sentiu a parede do terraço contra o quadril, mas não se desmaterializou. Nem sequer quando ele pôs a bengala no chão e se levantou em toda sua estatura.
Nem sequer quando abriu a porta a sua frente com sua vontade.
Necessitava ser uma melhor mentirosa que ela para pretender que somente estava admirando a noite. E não era uma covarde para sair fugindo.
Ehlena se aproximou.
— Não tomou nenhuma pílula.
— É isso o que está esperando?
Ehlena cruzou os braços sobre o peito.
— Sim.
Rehvenge olhou para a mesa e aos pratos vazios.
— Disse que devem ser tomadas com a comida.
— Sim, disse.
— Bom, então, parece que me vai olhar comer. — o elegante movimento de seu braço convidando-a a entrar era uma provocação que ela não queria aceitar — Se sentará comigo? Ou quer ficar aqui fora no frio? Oh, espere, possivelmente isto ajude. — inclinando-se sobre sua bengala, foi e soprou as velas.
As sinuosas ondas de fumaça que se formaram sobre as mechas pareceram um lamento por todas as possibilidades extintas de coisas que podiam ter sido: tinha preparado um agradável jantar para ambos. Fizera o esforço. Vestiu-se belamente.
Entrou porque já lhe tinha arruinado bastante o encontro amigável.
— Sente-se. — disse — Voltarei com meu prato. A menos que…
— Já comi.
 Inclinou-se ligeiramente quando ela afastou uma cadeira.
— É obvio que o fez.
Rehvenge deixou a bengala contra a mesa e saiu, apoiando-se nos encosto das cadeiras, no aparador e no batente da porta de serviço que levava a cozinha. Quando voltou uns minutos depois, repetiu a seqüência com a mão livre e logo se sentou na cadeira à cabeceira da mesa com cuidadosa concentração. Levantando um lustroso garfo de prata esterlina, e sem dizer uma palavra cortou cuidadosamente a carne e comeu com circunspeção e educação.
Cristo! Sentia-se como a cadela da semana, sentada frente a um prato vazio enquanto seu casaco seguia completamente abotoado.
O som do roçar da prata contra a porcelana fazia que o silêncio entre eles parecesse gritar.
Acariciando o guardanapo que tinha em frente, sentiu-se horrível por muitas coisas, e, embora não era muito faladora se encontrou falando porque simplesmente já não podia guardar tudo por mais tempo.
— A noite de anteontem…
— Mmmmm? — Rehvenge não a olhou, seguiu enfocado em seu prato.
— Não me deixaram plantada. Já sabe, naquele encontro.
— Bem, bom para você.
— Ele foi assassinado.
Rehvenge levantou bruscamente a cabeça.
— O que?
— Stephan, o macho com o que devia encontrar… Foi assassinado pelos lessers. O rei trouxe o corpo, mas não soube que se tratava dele até que o seu primo chegou buscando por ele. Eu… Ah, ontem à noite passei meu turno preparando o corpo e devolvendo-o à família. — sacudiu a cabeça — O tinham golpeado… Não era possível adivinhar de quem se tratava.
Sua voz se rompeu a impedindo de continuar, por isso simplesmente ficou ali sentada acariciando o guardanapo, com a esperança de poder apaziguar a si mesma
Dois sutis tinidos evidenciaram o fato de que o garfo e a faca de Rehv  tinham pousado sobre o prato, e logo estendeu a mão para ela, colocando-a solidamente sobre seu antebraço.
— Maldição! Sinto-o muitíssimo. — disse — Com razão não está de humor para tudo isto. Se o tivesse sabido...
— Não, está bem. De verdade. Deveria tê-lo encarado melhor ao chegar. É só que esta noite estou algo ausente. Não sou eu mesma para nada.
Deu-lhe um apertão no braço e se acomodou de novo na cadeira como se não quisesse invadir seu espaço. Coisa que normalmente ela teria gostado, mas essa noite lhe pareceu uma lástima… Para usar uma palavra que ele desfrutava. O peso de seu contato através do casaco tinha sido muito agradável.
E falando disso, estava sentindo muito calor.
Ehlena desabotoou e tirou o saco de lã dos ombros.
— Faz calor aqui.
— Como disse antes, posso esfriar as coisas para você.
— Não. — franziu o cenho, e o olhou — Por que sempre tem frio? Efeitos secundários da Dopamina?
Ele assentiu.
— É também a razão pela qual necessito a bengala. Não posso sentir meus braços nem minhas pernas.
Não tinha ouvido de muitos vampiros que tivessem essa reação ante a droga, mas em definitivo, as reações individuais eram uma legião. E, além disso, a versão vampírica do Parkinson era uma enfermidade muito desagradável.
Rehvenge afastou seu prato e ambos permaneceram em silêncio durante um longo momento. À luz das velas, parecia de certa forma embaçado, sua energia habitual minguada, seu humor muito sombrio.
— Você tampouco parece o de sempre. — disse — Não é que o conheça tanto, mas parece…
— Como?
— Como eu me sinto. Como em um estado comatoso e ambulatorial.
Teve um rápido e breve acesso de riso.
— Isso é tão apropriado.
— Quer falar disso…
— Quer comer algo…
Ambos riram e deixaram de falar.
Rehvenge moveu a cabeça.
— Olhe, deixa que traga um pouco de sobremesa. É o menos que posso fazer. E não é um encontro para jantar. As velas estão apagadas.
— De fato, sabe algo?
— Mentiu a respeito de ter comido antes de vir e agora está faminta?
Ela riu novamente.
— Descobriu.
Quando seus olhos cor ametista se cravaram aos dela, o ambiente entre eles mudou e teve a sensação de que via muitas coisas, muitas. Especialmente quando disse com um enigmático tom de voz:
— Deixará que te alimente?
Hipnotizada, cativada, sussurrou:
— Sim. Por favor.
Seu sorriso revelou compridas e brancas presas.
— Essa é exatamente a resposta que procurava.
Qual o sabor do sangue dele em sua boca? Perguntou-se em um arrebatamento.
Rehvenge emitiu um grunhido no fundo da garganta, como se soubesse exatamente o que estava pensando. Mas não disse nada a respeito e erguendo-se em toda sua grande estatura foi à cozinha.
Quando retornou com seu prato, tinha arrumado para compor-se um pouco mais, embora quando colocou a comida frente a ela, o odorzinho de especiarias que flutuava a seu redor era muito delicioso… E não tinha nada que ver com o que tinha cozinhado para ela.
Decidida a manter-se centrada, Ehlena colocou o guardanapo no colo e provou a carne assada.
— Deus meu, isto está fabuloso.
— Obrigado. — disse Rehv enquanto se sentava — É a forma que a faz sempre a doggen de nossa mansão. Coloca o forno a duzentos e quarenta graus e coloca a carne, por meia hora, em seguida o apaga e o deixa repousar. Não se pode abrir a porta para ver como está. Essa é a regra, e tem que confiar na receita. Duas horas depois?
— O paraíso.
— O paraíso.
Ehlena riu quando a mesma palavra saiu da boca de ambos ao mesmo tempo.
— Bem, está realmente boa. Derrete na boca.
— Em altares da verdade, para que não pense que sou um chef, isto é o único que sei cozinhar.
— Bom, faz uma coisa à perfeição, e é mais do que algumas pessoas podem dizer.
Ele sorriu e baixou a vista para as pílulas.
— Se tomo uma agora, vai embora em seguida ao jantar?
— Se disser que não, dirá por que está tão calado?
— É uma tenaz negociadora.
— Só estou convertendo em uma via de duplo sentido. Já te contei o que me preocupava.
A tristeza escureceu seu rosto, provocando que sua boca esticasse e que as sobrancelhas se unissem formando um cenho.
— Não posso falar disso.
— Certamente que pode.
Seus olhos, agora endurecidos, caíram sobre ela.
— Da mesma forma em que você pode falar de seu pai?
Ehlena baixou o olhar a seu prato e tomou especial cuidado cortando uma parte de carne.
— Sinto. — disse Rehv — Eu… Merda.
— Não, está bem. — embora não estava — Às vezes pressiono muito. É algo muito bom quando está trabalhando no cuidado da saúde. Mas não tão bom quando se trata do plano pessoal.
Enquanto o silêncio se instalava novamente entre eles, apressou-se a comer, pensando em ir assim que terminasse.
— Estou fazendo algo do que não me sinto orgulhoso. — disse ele abruptamente.
Ela levantou o olhar. A expressão dele era definitivamente perversa, o asco e o ódio convertendo-o em alguém que, se não soubesse que era de outra forma, lhe teria medo. Não obstante, nenhum dos malignos olhares era dirigido para ela. Era uma manifestação do que sentia por si mesmo. Ou para outro.
Sabia que não seria inteligente pressioná-lo. Especialmente dado seu humor.
Por isso se surpreendeu quando ele disse:
— É algo que segue vigente.
Perguntou-se se seria pessoal ou um assunto de negócios.
Levantou os olhos para olhá-la.
— Está relacionado com certa fêmea.
Certo. Uma fêmea.
Ok, não tinha direito a sentir essa fria pressão ao redor do peito. Não era assunto dela que ele já estivesse envolvido com alguém. Nem que fosse um jogador que interpretava este jantar com carne assada, luz de velas, e sedução especial para só Deus sabia quantas fêmeas diferentes.
Ehlena clareou a garganta e baixou a faca e o garfo. Enquanto limpava a boca com o guardanapo, disse:
 — Uau. Sabe nunca me ocorreu perguntar se estava emparelhado. Não tem um nome nas costas...
— Não é minha shellan. E não a amo no mais mínimo. É complicado.
— Têm um filho em comum?
— Não, graças a Deus.
Ehlena franziu o cenho.
— Entretanto, se trata de uma relação?
— Suponho que pode chamar assim.
Sentindo-se como uma absoluta e delirante idiota perdida por ter se enrolado com ele, Ehlena pôs o guardanapo sobre a mesa ao lado do prato e lhe ofereceu um sorriso muito profissional enquanto ficava de pé e tomava seu casaco.
— Deveria ir agora. Obrigado pelo jantar.
Rehv amaldiçoou.
— Não devia ter dito nada…
— Se seu objetivo era me colocar na cama, tem razão. Foi um mau movimento. Ainda assim agradeço que foi honesto…
— Não estava tratando de te levar a cama.
— Oh, claro que não, porque estaria enganando-a. — Cristo, por que estava se incomodando tanto por isso?
— Não, — estalou em resposta — é porque sou impotente. Acredite-me, se pudesse ter uma ereção, a cama seria o primeiro lugar aonde queria ir contigo.


Capítulo 28


— Passar o tempo contigo é como observar a pintura secar. — a voz de Lassiter reverberou para cima, às estalactites que pendiam do alto teto da Tumba — Porém, sem a reforma da casa… O que é uma tragédia, visto como está este lugar. Meninos sempre primam por pessimismo e tristeza? Nunca ouviram falar do Pottery Barn[54]?
Tohr esfregou o rosto e percorreu a cova com o olhar, que durante séculos servira como lugar sagrado de reunião para a Irmandade. Atrás do volumoso altar de pedra ao lado do qual estava sentado, corria a parede de mármore negro que continha todos os nomes dos Irmãos, estendendo-se ao longo da parte de trás da cova. Velas negras em pesados suportes projetavam uma luz flutuante sobre todas as gravuras feitas na Antiga Língua.
— Somos vampiros. — disse — Não fadas.
— Às vezes não estou tão seguro disso. Viu esse escritório em que seu Rei costuma estar?
— É quase cego.
— O que explica por que não pendurou a si mesmo dentro desse terrível destroço de cor creme.
— Acreditei que estivesse se queixando da decoração de estilo pessimismo e tristeza?
— Estou associando livremente[55].
— Evidentemente. — Tohr não olhou ao anjo, já que imaginou que o contato visual só animaria ao cara. Oh, espera. Lassiter não necessitava ajuda nisso.
— Espera que essa caveira que há no altar fale contigo ou alguma merda assim?
— Na realidade nós dois esperamos que por fim tome um fôlego. — Tohr olhou furioso ao cara — Quando estiver preparado. Quando quiser.
— Diz as coisas mais doces. — o anjo sentou seu radiante traseiro em um dos degraus de pedra ao lado de Tohr — Posso te perguntar algo?
— A sério o “não” é uma opção?
— Não. — Lassiter mudou de posição e olhou fixamente à caveira — Essa coisa parece mais velha que eu. O que é dizer muito.
— Foi o primeiro Irmão, o primeiro guerreiro que combateu ao inimigo com valentia e poderio, é o símbolo mais sagrado de força e propósito que a Irmandade tem.
Lassiter deixou de chatear por uma vez.
— Deve ter sido um grande guerreiro.
— Pensei que iria perguntar-me algo.
O anjo ficou de pé com uma maldição e sacudiu as pernas.
— Sim, quero dizer… Como culhões pode permanecer sentado aí durante tanto tempo? O traseiro me está matando.
— Sim, as cãibras cerebrais são uma merda.
Embora o anjo tivesse razão quanto ao tempo transcorrido, Tohr esteve sentado ali, olhando fixamente a caveira e a parede de nomes mais à frente do altar, durante tanto tempo que, não que seu traseiro estivesse intumescido, mas, já não podia distingui-lo de maneira separada aos degraus.
Chegou à noite anterior, atraído por uma mão invisível, forçado a procurar a inspiração, a clareza e a re-conexão à vida. Em troca, encontrou só pedra. Pedra fria. E um montão de nomes que uma vez significara algo para ele e agora não eram nada mais que uma lista repleta de mortos.
— É porque está olhando no lugar errado. — disse Lassiter.
— Já pode ir.
— Cada vez que diz isso, faz aflorar uma lágrima em meus olhos.
— Que gracioso, aos meus também.
O anjo se inclinou e a essência de ar fresco o precedia.
— Nem essa parede nem essa caveira lhe darão o que está procurando.
Tohr entrecerrou os olhos e desejou ser o suficientemente forte para lutar contra o anjo.
— Não o farão? Bem, então o estão convertendo em um mentiroso. “Chegou o momento”. “Esta noite tudo muda”. Por tua culpa os presságios estão ficando maus, sabe? Só é um mentiroso filho da puta.
Lassiter sorriu e ociosamente acomodou o aro de ouro que perfurava sua sobrancelha.
— Se pensa que sendo grosseiro obterá minha atenção, estará verdadeiramente aborrecido antes que me importe.
— Porra, por que está aqui? — o esgotamento de Tohr se estendeu até sua voz, debilitando-a e lhe enchendo o saco — Por que demônio não me abandonou onde me encontrou?
O anjo subiu os degraus negros de mármore e passeou de cima abaixo diante da lustrosa parede com os nomes gravados, detendo-se de vez em quando para inspecionar um ou dois.
— O tempo é um luxo, acredite ou não. — disse.
— Percebo-o mais como uma maldição.
— Sem tempo, sabe o que obtém?
— O Fade. Que era aonde me dirigia até que chegou.
Lassiter percorreu com o dedo uma linha gravada de caracteres e Tohr afastou o olhar rapidamente quando se deu conta do que soletravam. Era seu nome.
— Sem tempo, — disse o anjo — fica só o abismal e nebuloso pântano da eternidade.
— PTI[56], a filosofia me aborrece.
— Não é filosofia. É realidade. O tempo é o que dá significado à vida.
— Que se dane. Sério... Que se dane.
Lassiter inclinou a cabeça, como se ouvisse algo.
— Por fim. — murmurou — O bastardo estava me voltando louco.
— Perdão?
O anjo voltou a aproximar-se, inclinou-se diretamente frente à cara de Tohr, e disse com clara dicção:
— Escute raiozinho de sol. Sua shellan, Wellsie, me enviou. Esse é o motivo pelo qual não te deixei morrer.
O coração de Tohr se deteve no peito justo quando o anjo elevava o olhar e dizia:
— Por que demorou tanto?
Os shitkickers de Wrath retumbaram ao descer para o altar e respondeu com um tom de voz vexado.
— Bem, a próxima vez diga a alguém onde merda estará…
— O que disse? — resfolegou Tohr.
Quando voltou a se focar nele, Lassiter não parecia minimamente arrependido.
— Não é essa parede que deveria estar olhando. Tenta um calendário. Faz um ano que o inimigo disparou na cara de sua Wellsie. Porra, desperta de uma vez e faz algo a respeito.
Wrath amaldiçoou.
— Vamos, se acalme Lassi…
Tohrment se equilibrou do chão da cova com algo parecido à antiga força que uma vez teve, como se fosse um quarterback e golpeou Lassiter e apesar da diferença de peso, derrubou o anjo com força sobre o chão de pedra. Envolvendo as mãos ao redor da garganta do anjo, olhou fixamente dentro dos olhos brancos e descobrindo suas presas, apertou.
Lassiter se limitou a olhá-lo diretamente e verter sua voz diretamente no lóbulo temporal de Tohr: O que vai fazer, idiota? Vai vingá-la, ou desonrá-la te deixando esgotar assim?
A enorme mão de Wrath agarrou o ombro de Tohr como a garra de um leão, cravando-se, puxando para trás.
— Solte-o.
— Não... — o fôlego de Tohr saía a baforadas — Nunca… Volte…
— Já basta. — exclamou Wrath.
Tohr foi afastado para trás até que caiu de bunda, e, enquanto ricocheteava como um pau deixado cair ao chão saiu de seu transe assassino. Também recuperou o julgamento.
Não sabia de que outra maneira descrevê-lo. Foi como se algum interruptor fosse acionado e sua fileira de luzes, que esteve apagada, tivesse voltado para a vida repentinamente, plena de eletricidade outra vez.
O rosto de Wrath entrou em seu raio de visão, e Tohr o viu com uma clareza que não teve desde… Nunca.
— Está bem? — perguntou seu irmão — Aterrissou com força.
Tohr estendeu as mãos e percorreu os fortes braços de Wrath tratando de conseguir uma percepção da realidade. Jogou um olhar a Lassiter e logo olhou fixamente ao rei.
— Lamento... Isso.
— Está me tirando o sarro? Todos querem estrangulá-lo.
— Sabe, vou terminar com um complexo. — disse Lassiter entre tosses enquanto tentava recuperar o fôlego.
Tohr agarrou os ombros do rei.
— Ninguém diz nada a respeito dela. — gemeu — Ninguém diz seu nome, ninguém fala sobre… O que aconteceu.
Wrath segurou a nuca de Tohr e o sustentou.
— Por respeito a você.
Os olhos de Tohr foram para a caveira que havia sobre o altar e em seguida para a parede cinzelada. O anjo estava certo. Só havia um nome que podia lhe devolver a prudência, e não estava inscrito ali.
Wellsie.
— Como soube onde estávamos? — perguntou a seu rei, ainda concentrado na parede.
— Às vezes, as pessoas precisam retornar à origem. Onde tudo começou.
— É hora. — disse o anjo cansado em voz baixa.
Tohr contemplou a si mesmo, ao debilitado corpo por baixo das folgadas roupas. Era uma quarta parte do macho que tinha sido, possivelmente, inclusive menos. E isso não se devia só a todo o peso que perdera.
— Oh, Jesus… Olhe o que sou.
A resposta de Wrath foi clara e concisa.
— Se você está preparado, nós estamos preparados para que retorne.
Tohr olhou o anjo, precavendo-se pela primeira vez da aura dourada que o envolvia. O enviado do céu. O enviado de Wellsie.
 — Estou preparado. — disse, a ninguém em particular e a todo mundo em geral.

Enquanto Rehv olhava fixamente a Ehlena através da mesa, pensou: bem, ao menos depois que deixei cair a bomba não foi diretamente à saída.
Impotente não era uma palavra que quisesse usar frente a uma fêmea em que está interessado. A menos que fosse usar ao estilo tenor de: Porra, não, NÃO sou impotente.
Ehlena voltou a sentar-se.
— É… É por causa da medicação?
— Sim.
Os olhos dela o evitaram, como se estivesse fazendo cálculos mentais, e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi: Minha língua ainda funciona e também meus dedos.
Guardou esse pensamento para si.
— A dopamina tem um efeito estranho em mim. Em vez de estimular a testosterona, drena essa merda de meu corpo.
Os cantos da boca dela se estenderam para cima.
— O que vou dizer é absolutamente impróprio, mas considerando quão viril é sem ela…
— Seria capaz de te fazer amor. — disse quedamente — Assim é como seria.
Fulminou-o com um olhar cheio de: Santa merda acaba de dizer isso?
Rehv acariciou o moicano com uma mão.
— Não vou desculpar-me pelo fato de gostar de você, mas tampouco te faltarei o respeito tratando de fazer algo a respeito. Quer café? Já está preparado.
— Ah... Pois sim. — como se esperasse que pudesse lhe clarear a cabeça — Escute…
Deteve-se pela metade de levantar.
— Sim?
— Eu... Ah...
Quando ela não continuou, ele se encolheu de ombros.
— Só me permita trazer o café. Quero te servir. Faz-me feliz.
Dizer feliz era fodidamente pouco. Enquanto retornava à cozinha, uma flagrante satisfação atravessou seu torpor. O fato de estar alimentando-a com a comida que preparou para ela, lhe dando bebida para aliviar sua sede, lhe proporcionando um refúgio para o frio…
As narinas de Rehv captaram um aroma estranho, ao princípio pensou tratar-se da carne assada que deixara fora, devido a tê-la esfregado a parte exterior da carne com especiarias. Mas não… Não era isso.
Considerando que tinha outras coisas que se preocupar além de seu nariz, foi até os gabinetes e tirou uma xícara e um pires. Após servir o café, endireitou as lapelas da jaqueta…
E ficou gelado.
Elevou a mão para seu nariz, inalou profundamente e não pôde acreditar o que estava cheirando. Não podia ser possível…
Salvo que esse aroma só podia significar uma coisa, e não tinha nada a ver com seu lado symphath: a misteriosa fragrância que desprendia era o aroma da vinculação, a marca que os vampiros machos deixavam na pele e sexo de suas fêmeas a fim de que outros machos soubessem à ira de quem se exporiam se atreviam-se a aproximar-se.
Rehv baixou o braço e olhou para a porta de serviço, aturdido.
Quando chegava a certa idade, não esperava mais surpresas de seu corpo. Ao menos, não das positivas. Articulações trementes. Pulmões com falta de ar. Visão ruim. Certo, quando chegasse o momento. Mas realmente, durante os novecentos anos ou assim seguiam após a transição, tinha o que tinha.
Embora positivo pudesse não ser o termo exato que utilizaria para esta mudança.
Sem razão aparente, pensou na primeira vez que praticou sexo. Fora justamente após sua transição, e, quando o ato acabou estivera convencido de que a fêmea e ele se emparelhariam e viveriam juntos e felizes o resto de suas vidas. Era perfeitamente formosa, uma fêmea que o irmão de sua mãe trouxera para casa para que Rehv usasse quando entrasse na mudança.
Era morena.
Jesus, agora não podia recordar seu nome.
Ao recordar, com o que aprendera depois sobre machos, fêmeas e atração, sabia que a surpreendera com o fato de quão grande se tornara seu corpo após a mudança. Ela não esperava gostar do que viu. Não esperava desejá-lo. Mas o fez e se tornaram um casal, o sexo foi uma revelação, a sensação de toda essa carne, o ímpeto viciador, o poder que teve ao tomar o controle depois das primeiras duas vezes.
Descobriu ter uma lingüeta, e… Como ela estava tão ávida dele, não esteve certo de que notara que teve de esperar um pouco antes que pudesse retirar-se de seu interior.
O resultado foi que, sentiu-se em paz, muito contente. Mas não houvera desenlace de viveram-felizes-para-sempre. Com o suor ainda secando sobre o corpo, vestiu as roupas e se dirigiu à porta. Justamente quando se ia, sorriu docemente e disse que não cobraria de sua família pelo sexo.
Seu tio a tinha comprado para que o alimentasse.
Ao considerá-lo agora, parecia-lhe gracioso, era realmente uma surpresa onde tinha acabado? O sexo por conveniência tinha sido brocado em seu interior muito condenadamente cedo… Apesar de que esse primeiro ato sexual ou os seis primeiros foram por conta da casa, por assim dizer.
Por isso, se esse misterioso aroma significava que sua natureza vampira se vinculou com a Ehlena, não se tratava de boas notícias.
Rehv agarrou o café, e, cuidadosamente atravessou a porta de serviço com ele, saindo à sala de jantar. Quando o colocou frente a ela desejou tocar seu cabelo, mas em troca se sentou.
Ela levou a xícara aos lábios.
— Faz um bom café.
— Ainda não o provou.
— Posso cheirá-lo. E adoro como cheira.
Não é o café, pensou. Ao menos não de todo, em qualquer caso.
— Bom, adoro seu perfume. — disse ele, como tonto que era.
Ela franziu o cenho.
— Não levo nenhum. Quero dizer, além do sabonete e xampu que uso.
— Caramba, então gosto do aroma desses. E estou muito contente que tenha ficado.
— É isto o que tinha planejado?
Seus olhos se encontraram. Merda, ela era perfeita. Radiante como eram as velas.
— Que ficasse até chegar ao café do final? Sim, suponho que um encontro era o que perseguia.
— Pensei que estava de acordo comigo.
Porra, esse tom de voz ofegante o fazia desejar tê-la apertada contra seu peito nu.
— De acordo contigo? — perguntou — Demônios, se te fizesse feliz diria que sim a tudo. Mas a que se refere especificamente?
— Disse... Que não deveria me encontrar com ninguém.
Ah, claro.
— Não deveria.
— Não entendo.
Que se dane, por isso. Rehv pôs seu intumescido cotovelo na mesa e se inclinou para ela. Enquanto cortava a distância, os olhos dela aumentaram, mas não retrocedeu.
Deteve-se, para lhe dar a oportunidade de dizer que cortasse essa merda. Por quê? Não tinha nem idéia. Seu lado symphath só fazia pausa somente para analisar ou tirar melhor proveito de uma debilidade. Mas, ela fazia que quisesse ser decente.
Não obstante, Ehlena não disse que se afastasse.
— Não… Entendo. — sussurrou ela.
— É simples. Não acredito que deva se encontrar com ninguém. — Rehv se aproximou ainda mais, até que pôde ver os pontinhos dourados em seus olhos — Porém, não sou precisamente ninguém.

Capítulo 29


Porém, não sou precisamente ninguém.
Enquanto olhava fixamente os olhos de ametista de Rehvenge, Ehlena pensou que era precisamente certo. Nesse momento de silêncio, com uma explosiva vibração sexual entrelaçando-os e o aroma de uma misteriosa colônia no ar, Rehvenge era tudo, abrangendo tanto seres como objetos.
— Deixará que te beije. — disse.
Não era uma pergunta, mas de toda forma ela assentiu, e ele estreitou a distância entre suas bocas.
Seus lábios eram suaves e seu beijo ainda mais suave. E, na opinião dela, afastou-se muito rápido. Verdadeiramente muito rápido.
— Se quiser mais. — disse em voz baixa e rouca — Quero te dar.
Ehlena olhou sua boca fixamente e pensou em Stephan… E em todas as alternativas que já não tinha. Estar com Rehvenge era algo que desejava. Não fazia sentido, mas nesse momento não lhe importava.
— Sim. Quero mais. — porém, logo lhe fez evidente. Ele não podia sentir nada, verdade? Então o que passaria se levavam isto mais longe?
Sim, e como abordava esse tema sem fazê-lo sentir-se um aleijado? E o que se passava com essa outra fêmea dele? Evidentemente, não estava deitando-se com ela, mas havia algo sério entre eles.
Os olhos cor ametista baixaram a seus lábios.
— Quer saber o que obtenho disto?
Homem, essa voz era puro sexo.
— Sim. — suspirou.
— Poderei vê-la como está agora.
— Como... Estou?
Deslizou um dedo por sua bochecha.
— Está ruborizada. — seu roçar deslocou para seus lábios — Sua boca está aberta porque está pensando em mim te beijando outra vez. — desceu com essa tenra carícia, indo para a garganta — Seu coração está bombeando. Posso vê-lo nesta veia aqui. — deteve-se entre os seios, abriu a boca e suas presas se distenderam — Se continuo, acredito que descobriria que seus mamilos endureceram e sem dúvida há outros sinais de que está preparada para mim. — inclinou-se sobre seu ouvido e sussurrou — Está preparada para mim, Ehlena?
Santa. Merda.
Seu tórax se estendeu com força ao redor dos pulmões, e uma doce e atordoante sensação de sufocamento fez que a corrente que repentinamente sentiu entre as coxas fosse ainda mais contundente.
— Ehlena, responda. — Rehvenge acariciou seu pescoço com o nariz, percorrendo sua veia com uma afiada presa.
Enquanto jogava a cabeça para trás, agarrou-se à manga do elegante terno, apertando o tecido. Tinha passado tanto tempo… Uma eternidade… Desde a última vez que alguém a abraçou. Desde que foi algo mais além de ser uma cuidadora de um doente. Desde que sentisse seus peitos, quadris e coxas como sendo algo mais que partes que deviam ser cobertas antes de sair em público. E agora este formoso macho que não era precisamente-ninguém desejava estar com ela com o único propósito de agradá-la.
Ehlena teve que piscar rapidamente, sentindo como se acabassem de lhe dar um presente, e se perguntava quão longe poderia chegar o que estavam a ponto de iniciar. Tempos atrás, antes que sua família caísse em desgraça com a glymera e fossem desarraigados, esteve prometida a um macho e ele a ela. A cerimônia de casamento foi acertada, mas depois da mudança de fortuna de sua família não chegou a realizar-se.
Todavia, quando estavam juntos, deitou-se com o macho, embora como fêmea de valia da glymera não deveria tê-lo feito porque ainda faltava unirem-se formalmente. A vida parecia muito curta para esperar.
Agora, sabia que era inclusive mais curta do que pensara.
— Tem uma cama neste lugar? — perguntou.
— E mataria por te levar ali.
Foi ela a que se levantou e estendeu a mão para ele.
— Vamos.

O que o convertia em algo correto era que tudo era para a Ehlena. A falta de sensações de Rehv o deixava completamente fora da equação, liberando ambos das desagradáveis implicações que teria se ele estivesse envolvido.
Homem, que divertido que era isto. Devia entregar seu corpo à princesa. Mas escolhia dá-lo a Ehlena…
Bom, merda, não sabia exatamente o que, mas era muitíssimo mais que só seu pênis. Também tinha muito mais valor.
Agarrando a bengala, porque não queria ter que depender dela para estabilizar-se, levou-a ao quarto, com a cama do tamanho de uma piscina, a colcha de cetim negro e a vista panorâmica.
Fechou a porta com a mente, embora não houvesse ninguém mais no apartamento de cobertura, e o primeiro que fez foi dar a volta a Ehlena para tê-la frente a ele e soltar seu cabelo do retorcido nó. As ondas de uma intensa cor loira avermelhada caíram, chegando abaixo dos ombros, e, apesar de não poder sentir as sedosas mechas, pôde cheirar a ligeira e natural fragrância de seu xampu.
Era limpa e fresca, como um riacho no qual poderia banhar-se.
Deteve-se, um desconhecido aguilhão de consciência o paralisou. Se soubesse o que ele era, se soubesse o que fazia para viver, se soubesse o que fazia com seu corpo, não o escolheria. Estava seguro disso.
— Não se detenha. — disse, elevando o rosto para cima — Por favor…
À força de vontade, segmentou, tirando do quarto as coisas más, a depravada vida que levava e as perigosas realidades que confrontava, as isolando, as enclausurando.
A fim de que fossem somente eles.
— Não me deterei a menos que você queira que o faça. — disse. E se queria ele o faria, sem fazer perguntas. O último que jamais quereria fazer era que ela se sentisse da mesma maneira que ele a respeito do sexo.
Rehv se inclinou para frente, pôs os lábios sobre os dela, e a beijou cuidadosamente. Como não podia estimar a sensibilidade, não queria esmagá-la, e tinha a impressão que ela se apertaria contra ele se quisesse mais…
Ehlena fez justamente isso, envolveu os braços ao seu redor e os fundiu quadril com quadril.
E... Merda, sentiu algo. Parecia um nada, uma chama de emoção abriu caminho através de seu intumescimento, a onda que irradiava era débil, mas definitivamente era uma calidez que podia sentir. Durante uma fração de segundo se retraiu, alcançado pelo arpão do medo… Mas sua visão permaneceu em três dimensões, e o único vermelho que via provinha do resplendor do relógio digital que havia sobre a mesinha de noite.
— Está tudo bem? — perguntou ela.
Ele esperou um par de segundos mais.
— Sim… Sim, absolutamente. — riscou seu rosto com o olhar — Deixará-me te despir?
Oh, Deus, acabava de dizer isso?
— Sim.
— Oh... Obrigado...
Rehv desabotoou lentamente a parte dianteira do uniforme, cada centímetro de pele era toda uma revelação, o ato não era tanto para despi-la senão para revelá-la. E, foi com mãos atentas que deslizou a metade superior do que vestia por seus ombros, para baixo, passando sobre os quadris até cair ao chão. Quando a teve frente a ele com o sutiã branco, as meias brancas e o indício das calcinhas brancas aparecendo sob as meias, sentiu-se estranhamente honrado.
Mas isso não era tudo. O aroma de seu sexo acendeu um zumbido em seus ouvidos que o fez sentir como se estivesse consumindo carreiras de coca durante uma semana e meia sem parar. Ela o desejava. Quase tanto como ele desejava atender seus desejos.
Rehv a levantou rodeando sua cintura com os braços e estreitando-a contra si. Não pesava nada absolutamente, e o soube pelo fato que sua respiração não mudou em nada enquanto a carregava e a punha sobre a cama.
Quando retrocedeu para contemplá-la, Ehlena não era como as fêmeas com as que esteve. Não estendeu e abriu as pernas, não brincou consigo mesma, não se arqueou nem realizou uma variante da representação das putas de “vêem-e-toma-me-grandalhão”.
Além, tampouco queria lhe causar dor e não tinha nenhum interesse em envergonhá-lo… Em seus olhos não havia rastro de ardente e erótica crueldade.
Ela somente o olhava fixamente com admiração e honesta antecipação, uma fêmea sem ardis nem maquinações… Que era um trilhão de vezes mais sexy que alguém com quem esteve alguma vez ou tenha visto por aí.
— Quer-me vestido? — perguntou.
— Não.
Rehv desfez-se da jaqueta como se não fosse feita para uma propaganda de lojas, jogou a obra de arte da Gucci ao chão sem nenhum cuidado. Tirou os sapatos de um chute, desabotoou o cinto e deixou as calças caírem, deixando-as onde tinham caído. Tirou a camisa rapidamente. Assim como as meias três-quartos.
Vacilou com os bóxers, colocou os polegares na cintura, preparado para dar o puxão, mas sem terminar o movimento.
A falta de uma ereção o envergonhava.
Rehv não pensou que tivesse importância. Demônios, embora fosse certamente discutível, seu flácido pênis era o que fazia isto possível. Mas, de toda forma, sentia-se menos macho.
Para falar a verdade, não se sentia macho absolutamente.
Tirou as mãos e as pôs sobre o sexo flácido.
— Vou deixar estes postos.
Ehlena estendeu uma mão, com uma expressão de desejo nos olhos.
— Quero estar contigo da maneira que venha.
Ou que não venha, como era o caso.
— Sinto-o. — disse baixinho.
Houve um momento incômodo, mas o que ela podia responder? E, entretanto, de uma ou outra maneira ele esperava, desejava… Algo dela.
Reafirmação?
Jesus, que merda andava mal com ele. Todos estes estranhos pensamentos e reações estavam riscando encruzilhadas na paisagem de seu lóbulo temporal, ardentes caminhos para os destinos dos que ele só ouviu falar com outras pessoas, para lugares como a vergonha, a tristeza e a preocupação. Também para a insegurança.
Possivelmente os hormônios sexuais que ela estava agitando nele eram como a dopamina, lhe provocando o efeito contrário. Convertendo-o em uma garota.
— Fica tão bonito sob esta luz. — disse em tom rouco — Seus ombros e peito são tão grandes, não posso imaginar como é ser tão forte. E seu estômago… Desejaria que o meu fosse tão plano e firme. Suas pernas são muito poderosas também, todo músculo, sem um grama de gordura.
Enquanto subia a mão desde seu abdômen até um dos peitorais, percorreu com o olhar o ventre brandamente arredondado dela.
— Penso que é perfeita tal como é.
A voz dela adotou um tom grave.
— E acredito o mesmo de você.
Rehv tomou fôlego com dificuldade.
— Sim?
— A mim parece muito sexy. Somente te olhar… Faz-me te desejar.
Bem... Aí o tem. E, ainda assim requereu uma estranha espécie de valor voltar a deslizar os polegares sob a cintura dos bóxers e fazê-los baixar lentamente pelas coxas.
Quando se deitou ao seu lado, seu corpo tremia, e o soube por que podia ver o tremor de seus músculos.
Importava-lhe o que ela pensasse dele. De seu corpo. Pelo que ia acontecer nessa cama. Com a princesa? Importava-lhe um traseiro de rato se gozava com o que ele fazia. E nessas poucas ocasiões em que esteve com suas garotas, não quis machucá-las, é obvio, mas fora uma troca de sexo por dinheiro.
O que teve com Xhex foi simplesmente um engano. Nem bom nem mau. Somente era algo que tinha acontecido e nunca voltaria a acontecer.
Ehlena passou as mãos por seus braços e sobre os ombros.
— Beije-me.
Rehv a olhou aos olhos e fez exatamente isso, aproximando os lábios aos dela, acariciou-os, logo estendeu a língua e lambeu sua boca. Continuou beijando-a até que ela se agitou na cama e o apertou com as mãos tão firmemente que o estranho eco de emoção estalou outra vez. O sentimento fez que se detivesse e abrisse os olhos para checar sua visão, mas tudo era normal, sem manchas de vermelho.
Retornou ao que estava desfrutando, sendo cuidadoso porque não podia medir a pressão do contato, deixando que ela fosse para ele para esmagá-la com a boca.
Ele desejava ir tão mais longe... E leu sua mente.
Ehlena tomou a iniciativa e tirou o sutiã, soltando o fecho frontal e despindo-se. Oh… Caramba, sim. Seus peitos estavam perfeitamente proporcionados e coroados com escuros mamilos rosados… Que rapidamente sugou ao interior de sua boca primeiro um e logo o outro.
O som de seus gemidos acendeu seu corpo, substituindo o frio por vida e energia, calidez e necessidade.
— Quero descer por seu corpo. — grunhiu.
Seu “Por favor” foi mais um gemido que uma palavra, e seu corpo, de fato, ofereceu uma resposta ainda mais clara. Nesse momento separou as coxas, e abriu as pernas, oferecendo todo o convite que alguma vez poderia ter pedido.
Essas suas meias teriam que sair antes que terminasse mastigando-as.
Rehv era tão lento e consciencioso como podia suportar ser, despindo de sua carne as finas roupas, acariciando-a com o nariz ao longo de todo o caminho até os tornozelos, inalando profundamente enquanto o fazia.
Deixou-lhe as calcinhas postas.

A ternura de Rehvenge foi o que mais surpreendeu Ehlena.
Apesar de seu grande tamanho, foi tão cuidadoso com ela como pôde, movendo-se meigamente sobre seu corpo, lhe dando toda oportunidade de dizer não ou de desviá-lo ou de deter as coisas por completo.
Não tinha intenção de fazer nada disso.
Especialmente quando a grande mão perambulou para cima pelo interior de sua perna nua e sutilmente, inexoravelmente abriu suas coxas ainda mais. Quando os dedos roçaram as calcinhas, um disparo de eletricidade chispou em seu sexo, o mini-orgasmo a deixou ofegando.
Rehvenge se impulsionou para cima e falou em seu ouvido com um grunhido.
— Eu gosto desse som.
Apoderou-se de sua boca e lhe acariciou o sexo por cima do modesto algodão que a cobria. Os profundos arremessos da língua contrastavam com as carícias de mariposa, e ela jogou a cabeça para trás, perdendo-se completamente nele. Arqueou os quadris, queria que fosse sob as calcinhas, e rezou para que captasse a indireta, porque estava sem ar e desesperada para falar.
— O que quer? — disse em seu ouvido — Quer que não haja nada entre nós?
Quando assentiu, o dedo do meio deslizou sob o elástico, e logo foi pele contra pele e…
— Oh... Deus. — gemeu quando um gozo palpitou através de seu corpo.
Rehvenge sorriu como um tigre ao acariciá-la enquanto tinha o orgasmo ajudando-a a agüentar as pulsações. Quando finalmente se aquietou, sentiu-se envergonhada. Não esteve com ninguém em muito tempo, e nunca com alguém como ele.
— É incrivelmente formosa. — sussurrou antes que ela pudesse dizer algo.
Ehlena virou o rosto para seus bíceps e beijou a suave pele que cobria o tenso músculo.
— Fazia muito tempo que não o fazia.
Um sereno resplendor acendeu o rosto dele.
— Gosto disso. Muitíssimo. — deixou a cabeça cair sobre seu peito e beijou seu mamilo — Gosto que respeite seu corpo. Nem todo mundo o faz. Oh, e por certo, ainda não terminei.
Ehlena cravou suas unhas em sua nuca quando puxou sua calcinha fazendo-a descer por suas coxas. A visão da língua rosada provocando seu peito a paralisou, especialmente quando os olhos cor ametista se encontraram com os seus enquanto rodeava o mamilo e começava a movê-lo de um lado a outro com rápidas passadas da língua… Como se lhe oferecesse um adiantamento da atenção que a seguir poderia esperar mais abaixo.
Ela gozou de novo. Intensamente.
Esta vez Ehlena se deixou ir completamente, e foi um alívio estar em sua pele e com ele. Enquanto se recuperava do prazer, nem sequer se sobressaltou quando começou a abrir caminho para baixo beijando o estômago e mais à frente para sua…
Gemeu tão alto que ecoou.
Como tinha ocorrido com os dedos, a sensação da boca sobre seu sexo era muito mais vívida porque apenas a tocava. As suaves carícias pareciam suspensas sobre esse vulnerável e ardente lugar de seu corpo, fazendo que se esforçasse para sentir, transformando cada passada de seus lábios e sua língua em uma fonte tanto de prazer como de frustração.
— Mais. — exigiu, levantando os quadris.
Ele elevou os olhos ametistas.
— Não quero ser muito rude.
— Não será. Por favor... Está me matando...
Com um grunhido, inundou-se nela e cobriu seu sexo com a boca, chupando-a, sugando-a dentro de sua boca. Gozou novamente, esta vez com fortes e devastadores estalos, mas ele o fez bem. Continuou sugando, agüentando suas sacudidas e encurvações, o som de lábios contra lábios se elevou junto com os gritos guturais dela enquanto a acariciava e a fazia chegar ao clímax uma e outra vez.
Quando só Deus sabia quantas vezes chegou ao clímax, ficou quieta e ele também. Ambos estavam ofegando, ele tinha a reluzente boca sobre a parte interior de sua coxa e três de seus dedos enterrados firmemente dentro dela, seus aromas misturando-se no tórrido ar de…
Ela franziu o cenho. Parte da embriagadora fragrância que havia na habitação era… De especiarias escuras. E quando inalou profundamente, ele levantou os olhos para os dela.
Sua expressão emocionada deve ter mostrado exatamente à conclusão a que tinha chegado.
— Sim, também estou captando o aroma. — disse com rudeza.
Salvo que, não podia haver-se vinculado com ela, verdade? A sério podia acontecer tão rápido?
— Para alguns machos ocorre assim. — disse ele — Evidentemente.
De repente se deu conta que lhe estava lendo a mente, mas não se importou. Considerando onde esteve, pinçar em seu cérebro não parecia nem a metade de íntimo.
— Não o esperava. — disse.
— Tampouco estava em minha lista. — Rehvenge retirou os dedos e os lambeu com deliberadas carícias de sua língua, até deixá-los limpos.
O que naturalmente voltou a excitá-la.
Manteve o olhar fixo nele enquanto voltava a acomodar-se sobre os travesseiros entre os que ela se derrubou.
— Se não tem nem idéia do que dizer se una ao clube.
— Não há nada que dizer. — murmurou — É simplesmente um fato.
— Sim.
Rehvenge rodou até ficar sobre suas costas, e enquanto deitavam na escuridão com uns quinze centímetros de distância entre eles, sentiu saudades como se tivesse abandonado o país.
Ficando de lado, apoiou a cabeça na parte interior do braço e o contemplou enquanto ele olhava fixamente o teto.
— Desejaria poder te dar algo. — disse, deixando todo o tema da vinculação para depois. Muito falar ia arruinar o que acabavam de compartilhar, e ela queria conservá-lo um pouco mais.
Ele a olhou.
— Está louca? Preciso te recordar o que acabamos de fazer?
— Quero te dar algo parecido. — encolheu-se — Não quis fazer soar como se tivesse faltado algo… Quero dizer… Merda.
Sorriu e roçou sua bochecha.
— É doce de sua parte, não se sinta incômoda por isso. E não subestime o muito que tudo isso me agradou.
— Quero que saiba algo. Ninguém poderia me haver feito sentir melhor ou mais formosa do que você acaba de fazer.
Girou para ela e imitou sua posição, com a cabeça apoiada em seu grosso bíceps.
— Vê porque foi bom para mim?
Tomou a mão entre as suas e beijou a palma, só para franzir o cenho.
— Está se esfriando. Posso notar.
Incorporou-se e puxou o edredom para cobrir seu corpo, envolvendo-o primeiro, logo o abraçou, enquanto se estendia por cima das mantas.
Permaneceram assim durante um século.
— Rehvenge?
— Sim.
— Toma minha veia.
Deu-se conta de que lhe deu um susto do demônio pela forma em que deixou de respirar.
— Perdão… O-o que?
Teve que sorrir, pensando que não era o tipo de macho que tendia a balbuciar muito.
— Toma minha veia. Deixe-me te dar algo.
Através dos lábios abertos viu como se alargavam suas presas, e não o fizeram pouco a pouco, mas antes foi como se tivessem aflorado de repente do crânio.
— Não estou certo... Se isso seria… — enquanto sua respiração se fazia mais irregular sua voz se fazia mais grave ainda.
Ela pôs a mão no pescoço e massageou a jugular lentamente.
— Acredito que é uma grande idéia.
Quando seus olhos brilharam com uma cor púrpura, ela se deitou de costas e inclinou a cabeça a um lado, expondo a garganta.
— Ehlena... — os olhos percorreram seu corpo e retornaram a seu pescoço.
Agora estava ofegante e ruborizado, e uma fina película de suor cobria a porção dos ombros que aparecia fora das mantas. E isso não era nem a metade. O aroma de escuras especiarias estalou até saturar o ar, sua química interna reagiu ante a necessidade que tinha dela e o que ela queria fazer por ele.
— Oh... Merda, Ehlena...
Abruptamente, Rehvenge franziu o cenho e baixou o olhar para si mesmo. Sua mão, a que tinha acariciado meigamente sua bochecha, desapareceu sob as mantas e sua expressão mudou: a paixão e o propósito se dissiparam imediatamente, deixando só uma espécie de turvada indignação.
— Sinto-o. — disse com voz rouca — O sinto… Não posso…
Rehvenge se arrastou para fora da cama e levou o edredom com ele, liberando-o de um puxão de debaixo do corpo dela. Moveu-se rápido… Mas não o suficiente para que ela deixasse de notar o fato de que tinha uma ereção.
Estava excitado. Grande, comprido e duro como um fêmur.
E não obstante desapareceu no banheiro e fechou a porta com firmeza.
E logo a trancou.

CONTINUA

Capítulo 20


Lash estacionou a Mercedes 550 debaixo de uma das pontes de Caldwell, o sedã negro era indistinguível entre as sombras projetadas pelas gigantescas bases de concreto. O relógio digital que havia no painel indicou que a hora do espetáculo se aproximava.
Assumindo que não tivesse tido cagadas.
Enquanto esperava, pensou na reunião com o líder dos symphaths. Em retrospectiva, não gostava realmente do modo em que o macho o fazia sentir-se. Ele fodia garotas. Ponto. Nada de machos. Jamais.
Essa classe de merda era para cavaleiros de pênis como John e seu bando de fracos do rabo.
Mudando de direção mentalmente, Lash sorriu na escuridão, pensando que quase não podia esperar para voltar a ser apresentado a esses estúpidos. Ao princípio, logo depois de que tivesse retornado por seu pai verdadeiro, tinha querido apressar as coisas. Depois de tudo, John e seus meninos sem dúvida seguiam freqüentando o ZeroSum, assim encontrá-los não seria um problema. Mas, encontrar o momento adequado era fundamental. Lash ainda estava resolvendo a merda de sua nova vida e queria estar inteiro quando esmagasse o John e matasse o Blay diante do Qhuinn, logo mataria ao idiota que o tinha assassinado.
Procurar o momento oportuno era importante.
Como se tivessem obedecido a um sinal, dois carros se detiveram entre alguns dos pilares. O Ford Escort era da Sociedade Lessening, e o Lexus prateado era o carro do atacadista de Grady.
Preciosos aros os que levava o LS 600h. Muito bonitos.
Grady foi o primeiro a sair do Escort, e quando o senhor D e os outros dois lessers o seguiram, foi como olhar a evacuação de um carro de palhaços, dada a quantidade de carne que tinha estado apinhada dentro.
Quando se aproximaram do Lexus, do 600h, saíram dois homens levando elegantes casacos de inverno. Sincronizadamente, os dois machos humanos puseram a mão direita em suas jaquetas e tudo no que Lash pôde pensar foi: melhor que saiam armas e não insígnias desses bolsos superiores. Se Grady havia fodido e esses eram policiais disfarçados brincando de ser Crockett e Tubbs[41] da era moderna, as coisas iram se complicar.
Mas não… Nenhuma insígnia do DPC, só um pouco de conversa por parte dos casacos, sem dúvida na linha de: Quem são estes três lambe rabos que trouxe para esta transação particular de negócios?
Grady olhou ao senhor D com um pânico de “estou totalmente fora desta aliança”, e o pequeno texano tomou as rédeas, dando um passo adiante com uma pasta de alumínio. Depois de pô-la sobre o porta-malas do Lexus, abriu para revelar o que pareciam ser maços de notas de cem dólares. Na realidade, eram só montões de notas de um dólar com só um Benjamin[42] em cima de cada maço. Os casacos olharam para baixo…
Plop. Plop.
Grady saltou para trás enquanto os traficantes caíam ao chão como faxineiras, sua boca aberta tão amplamente como a tigela de lavabo. Antes que pudesse se pôr a dizer um montão do “OH meu Deus o que fez”, o senhor D deu um passo para ficar cara a cara e desferiu uma bofetada que o fez calar.
Os dois assassinos voltaram a guardar as armas em suas jaquetas de couro enquanto o senhor D fechava a mala, dava a volta e ficava atrás do volante do Lexus. Enquanto partia, Grady levantou a vista para os rostos dos homens pálidos como se esperasse que também lhe dessem um tiro.
Em vez disso, dirigiram-se de retorno ao Escort.
Depois de um momento de confusão, Grady os seguiu com uma corridinha torpe como se todas as suas articulações estivessem muito engraxadas, mas quando foi abrir a porta traseira, os assassinos se negaram a permitir entrar no carro. Quando Grady se deu conta de que ia ser deixado para trás, começou a assustar-se, começou a agitar os braços, e a gritar. O que era fodidamente tolo, tendo em conta que estava a quatro metros e meio de dois tipos com balas em seus cérebros.
Exatamente nesse momento um pouco de silêncio viria bem.
Evidentemente um dos assassinos pensou o mesmo. Com absoluta calma, sacou a mão com a arma e nivelou o canhão à altura da cabeça de Grady.
Silêncio. Quietude. Pelo menos por parte do idiota.
Fecharam duas portas e o motor do Escort ligou com um giro e um fôlego. Os assassinos se afastaram, fazendo chiar os pneus e salpicando as botas e a acne de Grady com terra congelada.
Lash acendeu as luzes do Mercedes, e Grady girou em redondo, protegendo os olhos com os braços.
Teve a tentação de atropelá-lo, mas no momento, a utilidade do homem justificava o batimento de seu coração.
Lash arrancou a Mercedes, deteve-se junto ao HDP, e baixou o guichê.
— Suba no carro.
Grady abaixou os braços.
— Que porra aconteceu…
— Fecha a fodida boca. Sobe no carro.
Lash fechou a janela e esperou enquanto Grady se deixava cair pesadamente no assento do passageiro. Enquanto o homem punha o cinto, notou que os dentes chacoalhavam e não pelo frio. O estúpido estava da cor do sal, e suava como um transexual no Estádio dos Giants[43].
— Bem, poderia tê-los matado a plena luz do dia. — balbuciou Grady enquanto se dirigiam à estrada que corria ao lado do rio — Há olhos por toda parte…
— Esse era o ponto. — o telefone de Lash soou e ele respondeu enquanto acelerava pela rampa para a auto-estrada — Muito bem, senhor D.
— Acredito que temos feito bem. — disse o texano — Exceto que não vejo as drogas. Devem estar no porta-malas.
— Estão nesse carro. Em algum lugar.
— Seguimos com o plano de nos encontrar no Hunterbred?
— Sim.
— Ouça, ah, escute, está planejando fazer algo com este carro?
Lash sorriu na escuridão, pensando que a avareza era uma grande debilidade para que um subordinado a tivesse.
— Vou pintar, comprar um número de documentos e placas.
Fez silêncio, como se o lesser esperasse mais.
— Oh, isso estará bem. Sim, senhor.
Lash desligou a seu discípulo e se girou para o Grady.
— Quero conhecer todos os outros varejistas importantes da cidade. Seus nomes, seus territórios, suas linhas de produtos, tudo.
— Não sei se terei toda essa…
— Então será melhor que o averigúe. — Lash atirou o telefone no colo do homem — Faz quantas chamadas necessitar. Escava. Quero a todos e cada um dos traficantes da cidade. Logo quero ao elefante que os alimenta. O atacadista de Caldwell
Grady deixou cair a cabeça contra o assento.
— Merda. Pensei que isto ia ser como… Meu negócio.
— Esse foi seu segundo engano. Começa a ligar e me consiga o que desejo.
— Olhe… Não acredito que isto seja… Provavelmente deveria voltar para casa…
Lash sorriu ao homem, revelando suas presas e fazendo seus olhos brilhar.
— Está em casa.
Grady se encolheu no assento, e logo começou a dar tapas ao trinco da porta, apesar de que viajavam pela auto-estrada a mais de cem quilômetros por hora.
Lash travou as fechaduras.
— Sinto muito, está de passeio agora e não paro no meio. Agora ligue com a porra do telefone e faz bem. Ou vou te desmembrar pedaço a pedaço e desfrutarei de cada segundo de seus chiados.

Wrath estava fora do Lugar Seguro sob um vento capaz de lhe adormecer até os testículos, sem que lhe importasse dois caralhos o tempo desagradável que fazia. Elevando-se ante ele como saída da fantasia de Rockwell do Leave it to Beaver[44], a casa, que era um refúgio para vítimas de violência doméstica, era grande, labiríntica e acolhedora, as janelas estavam cobertas com cortinas acolchoadas, havia uma grinalda na porta e uma esteira no primeiro degrau que dizia BEM-VINDOS em letras itálicas.
Como macho, não podia entrar, assim esperou como uma escultura de jardim na dura grama marrom, rezando para que sua amada leelan estivesse dentro… E disposta a vê-lo.
Depois de ter passado todo o dia no escritório esperando que Beth viesse a ele, finalmente tinha percorrido a mansão procurando-a. Quando não a encontrou, rezou para que estivesse como voluntária aqui, coisa que fazia freqüentemente.
Marissa apareceu na escadaria de atrás e fechou a porta atrás dela. A shellan de Butch e anterior prometida de sangue de Wrath mostrava-se como uma típica profissional com suas calças e jaqueta negras, levava o cabelo loiro retorcido e recolhido em um elegante coque e seu aroma era como o do oceano.
— Beth acaba de sair. — disse enquanto se aproximava dele.
— Retornou para casa?
— Foi à Avenida Redd.
Wrath se esticou.
— Que demo… Por que foi ali? — merda, sua shellan tinha saído sozinha em Caldwell? — Quer dizer em seu velho apartamento?
Marissa assentiu.
— Acredito que queria voltar aonde as coisas começaram.
— Está sozinha?
— Pelo que sei, sim.
— Jesus cristo, ela já foi seqüestrada uma vez. — disse com brutalidade. Como Marissa retrocedeu, amaldiçoou a si mesmo — Olhe, sinto muito. Não estou atuando muito racionalmente neste momento.
Depois de um momento, Marissa sorriu.
— Isto soará mal, mas me alegra que esteja frenético. Merece estar.
— Sim, fui uma merda. De primeira.
Marissa elevou a cabeça para o céu.
— Já que estamos nisso, darei um conselho para quando for procurá-la.
— Diga-me.
O rosto perfeito de Marissa se nivelou outra vez e quando voltou a enfocar nele, sua voz adquiriu um tom triste.
— Trate de não se zangar. Parece um ogro quando se enche o saco, e neste momento, Beth necessita que a recordem o motivo pelo qual deveria baixar a guarda quando está contigo e não o motivo pelo qual não deveria.
— Bom ponto.
— O que estiver bem, meu senhor.
A saudou com uma rápida inclinação de cabeça e se desmaterializou diretamente para o endereço da Avenida Redd, onde Beth estava acostumada a ter um apartamento quando se encontraram pela primeira vez. Enquanto se transladava, pôde saborear malditamente bem aquilo com o que seu shellan tinha que lutar cada noite que ele saía à cidade. Querida Virgem Escriba, como ela confrontava o medo? A idéia de que possivelmente nem tudo estivesse bem? O fato de que onde ele estava havia mais perigo que segurança?
Quando tomou forma diante do edifício de apartamentos, pensou na noite que tinha ido procurá-la depois da morte de seu pai. Tinha sido um salvador resistente e inapropriado, seu melhor amigo lhe tinha pedido em sua última vontade e testamento que a ajudasse a passar pela transição... Quando ela nem sequer sabia o que era.
Sua primeira aproximação não tinha ido bem, mas a segunda vez que tinha tratado de falar com ela? Essa tinha ido muito bem.
Deus! Queria voltar a estar com ela desse modo. Pele nua sobre pele nua, movendo-se juntos, ele metido profundamente em seu interior, marcando-a como dele.
Mas isso estava muito longe, assumindo que acontecesse alguma outra vez.
Wrath rodeou o edifício para o pátio traseiro, seus shitkickers não faziam ruído, sua grande sombra se projetava no chão gelado sob seus pés.
Beth estava encolhida em uma mesa desencaixada de lanche campestre onde alguma vez ele se sentou, e estava olhando fixamente ao apartamento que tinha diretamente em frente exatamente como ele tinha feito quando tinha vindo procurá-la. O vento frio fazia revoar seu cabelo escuro, dando a impressão de que estivesse sob a água e nadando entre fortes correntes.
Deve ter lhe chegado seu aroma, porque girou a cabeça bruscamente. Enquanto o olhava, sentou-se mais reta e manteve os braços ao redor da parca North Face que lhe tinha comprado.
— O que faz aqui? — perguntou.
— Marissa me disse onde estava. — jogou um olhar à porta corrediça de vidro do apartamento, e logo voltou a olhar a ela — Importa se me unir a você?
— Ah… Bem. Está bem. — removeu-se um pouco enquanto se aproximava — Não ia ficar aqui muito tempo.
— Não?
— Ia te ver. Não estava segura de quando saía para lutar e pensei que possivelmente teria tempo antes… Mas então, não sei, eu…
Enquanto deixava a frase no ar, ele subiu à mesa a seu lado, os suportes chiaram quando a coisa aceitou seu peso. Queria rodeá-la com o braço, mas se conteve e esperou que a parca estivesse fazendo bem seu trabalho de mantê-la abrigada o suficiente.
No silêncio, as palavras sussurravam na mente, todas elas pertenciam à variedade das desculpas, todas as sandices. Já havia dito que sentia, e ela sabia que dizia a sério, e que ia passar muito tempo antes que deixasse de desejar que houvesse algo mais que pudesse fazer para compensar.
Nesta noite fria, enquanto se sentavam suspensos entre seu passado e seu futuro, tudo o que podia fazer era ficar ali sentado com ela, olhando fixamente as janelas obscurecidas do apartamento no qual ela tinha vivido uma vez… Antes que o destino lhes tivesse unido.
— Não recordo ter sido especialmente feliz aí dentro. — disse ela brandamente.
— Não?
Ela passou a mão pelo rosto, afastando algumas mechas dos olhos.
— Não gostava de voltar para casa do trabalho e estar aí sozinha. Graças a Deus pelo Boo. Sem esse gato? Refiro-me a que, é limitado o que a televisão pode fazer por uma pessoa.
Ele odiava que tivesse estado sozinha.
— Então não desejaria ter a possibilidade de voltar atrás?
— Cristo, não.
Wrath exalou.
— Alegro-me.
— Trabalhava no jornal, para esse imbecil lascivo, do Dick, fazendo o trabalho de três pessoas, sem possibilidades de conseguir nada, porque era uma moça e os velhos e bons meninos não formavam um clube… Formavam uma camarilha de conspiradores. —sacudiu a cabeça — Mas sabe o que era o pior de tudo?
— O que?
— Vivia com essa sensação de que algo estava acontecendo, algo importante, mas não sabia do que se tratava. Era como saber que o segredo estava ali, e que era escuro, mas simplesmente não podia alcançá-lo. Quase me voltava louca.
— Assim averiguar que não era só humana foi…
— Estes últimos meses contigo foram pior. — olhou-o — Quando penso no outono… Sabia que algo estava mau. No fundo de minha mente, sabia, podia pressentir. Deixou de vir à cama regularmente, e se o fazia, não era para dormir. Não podia se acalmar. Não comia realmente. Nunca se alimentava. O reinado sempre o estressou, mas este último par de meses foi diferente. — voltou a olhar fixamente a seu velho apartamento — Sabia, mas não queria enfrentar a realidade de que possivelmente estivesse mentindo sobre algo tão significativo e aterrador quanto estar saindo para lutar sozinho.
— Merda, não tinha intenção de te fazer algo assim.
O perfil de Beth era formoso e implacável ao mesmo tempo, enquanto continuava.
— Penso que isso toma parte do enredo mental que há em minha cabeça neste momento. Todo o assunto me leva de retorno ao modo em que estava acostumada a viver cada dia de minha vida. Depois que atravessei a mudança e que nos mudamos para viver com os Irmãos, senti-me tão aliviada, porque finalmente soube com segurança o que sempre me tinha perguntado. Incrivelmente, a verdade me proporcionou uma base. Fez-me sentir a salvo. — voltou-se para ele — Este assunto contigo? O mentir? Faz com que sinta que não posso voltar a confiar em minha realidade. Simplesmente não me sinto a salvo, refiro-me a que, todo meu mundo gira em torno de você. Meu mundo inteiro. Tudo está apoiado em você, porque nosso emparelhamento é a base de minha vida. Assim, isto implica muito mais que o fato de que lute.
— Sim. — foda. Que demônios podia dizer?
— Sei que teve suas razões.
— Sim.
— E sei que não queria me ferir. — isto foi dito com uma entonação que se elevava ao final, as palavras eram mais uma pergunta, que uma declaração.
— Definitivamente não tinha essa intenção.
— Mas sabia que o faria, verdade?
Wrath apoiou os cotovelos nos joelhos e se reclinou sobre seus fortes braços.
— Sim, sabia. É por isso que não estive dormindo. Sentia que estava fazendo mal ao não lhe dizer isso.
— Tinha medo que me negasse a te permitir sair ou algo? Que te entregasse por violar a lei? Ou…?
— O assunto é assim… No final de cada noite voltava para casa e me dizia que não ia fazer outra vez. E em cada por do sol me encontrava atando as correntes de minhas adagas. Não queria que se preocupasse, e me dizia mesmo que não pensava que continuaria. Mas teve razão ao me chamar a atenção sobre isso. Não planejava me deter. — esfregou os olhos sob os óculos ao tempo que começava a lhe pulsar a cabeça — Estava tão equivocado, e não podia confrontar o que te estava fazendo. Estava me matando.
Pôs a mão na perna e ele se congelou, seu amável contato era mais do que merecia. Enquanto acariciava sua coxa um pouco, deixou cair os óculos de sol em seu lugar e com cuidado capturou sua mão.
Nenhum dos dois pronunciou palavra enquanto se seguravam um ao outro, palma contra palma.
Às vezes as palavras eram menos valiosas que o ar que as transportava quando se tratava de aproximar-se.
Enquanto o vento frio soprava através do pátio, causando que algumas folhas marrons passassem rangendo diante deles, acenderam-se as luzes no velho apartamento de Beth, a iluminação alagou o fogão da cozinha e a única habitação principal.
Beth riu um pouco.
— Puseram seus móveis exatamente como estavam os meus, o futón contra a única parede longa.
O que significava que tinham uma vista panorâmica do casal que entrou tropeçando no escritório e se encaminhou em linha reta à cama. Os humanos estavam entrelaçados lábios contra lábios, quadril contra quadril, e aterrissaram no futón em uma confusão, o homem montando à mulher.
Como envergonhada pelo espetáculo, Beth desceu da mesa e pigarreou.
— Suponho que será melhor que volte para Lugar Seguro.
— Esta noite é meu descanso. Estarei em casa sabe toda a noite.
— Isso é bom. Trate de descansar.
Deus, estar distanciados era horrível, mas ao menos se falavam.
— Quer que te acompanhe ali?
— Estarei bem. — Beth se aconchegou em sua parca, afundando o rosto no pescoço de plumas — Homem, faz frio.
— Sim. Faz. — quando chegou o momento de despedir-se, estava ansioso por saber no que tinham ficado, e o medo esclarecia muito sua visão. Deus, como odiava a expressão desolada de seu rosto — Não pode saber quão arrependido estou.
Beth estendeu a mão e tocou sua mandíbula.
— Ouço em sua voz.
Ele pegou sua mão e a colocou sobre o coração.
— Não sou nada sem você.
— Não é verdade. — disse, afastando-se — É o rei. Não importa quem seja sua shellan, você é tudo.
Beth se desmaterializou no ar fino, sua presença vital e cálida substituída somente com o glacial vento de dezembro.
Wrath esperou perto de dois minutos, logo se desmaterializou para Lugar Seguro. Depois de tanto tempo alimentando-se um do outro, havia tanto de seu sangue nela que podia sentir sua presença inclusive dentro das robustas paredes da instalação carregada de segurança, e soube que estava protegida.
Pesaroso, Wrath se desmaterializou outra vez e se dirigiu de volta à mansão: tinha pontos que deviam ser tirados e uma noite inteira para passá-la a sós em seu escritório.

Capítulo 21


Uma hora mais tarde Trez levou a bandeja de volta à cozinha. Rehv tinha o estômago completamente revolto. Porra! Se a aveia já não era uma comida viável para o “depois”, o que sobrava? Bananas? Arroz branco?
Um fodido mingau de bebê Gerber?
E não era só seu estomago que estava fodido. Se fosse capaz de sentir algo, estava bastante certo que teria uma enxaqueca junto com as náuseas que o sacudia. Cada vez que uma luz era acesa, a exemplo de quando Trez entrava para verificar como estava, os olhos de Rehv piscavam automaticamente, movendo-se acima e abaixo em uma descoordenada versão ocular de Safety Dance[45], em seguida começava a salivar e tragar compulsivamente. Assim por certo, tinha de estar enjoado.
Quando soou seu telefone, pôs a mão sobre ele e o levou ao ouvido sem girar a cabeça. Essa noite no ZeroSum estavam ocorrendo muitas coisas, e precisava manter-se informado.
— Sim.
— Olá... Ligou-me?
Os olhos de Rehv se dispararam para a porta do banheiro, onde brilhava uma suave luz ao redor do batente.
Oh, Deus! Não havia se banhado ainda.
Ainda estava coberto do sexo que teve.
Inclusive, embora Ehlena estivesse a três horas de carro de distância e ele não estivesse aparecendo em uma webcam sentia-se absolutamente canalha só por falar com ela.
— Hey. — respondeu com voz rouca.
— Está bem?
— Sim.
O que era uma fodida mentira. O tom rouco de sua voz mostrava o óbvio.
— Bem, eu, ah… Vi que tinha me ligado... — quando um som estrangulado saiu de sua boca, Ehlena se deteve — Está doente.
— Não...
— Pelo amor de Deus! Por favor, vêem a clínica...
— Não posso. Estou... — Deus, não podia suportar falar com ela — Não estou na cidade. Estou no Norte.
Houve uma longa pausa.
— Levarei os antibióticos.
— Não. — ela não podia vê-lo assim. Merda, ela não podia vê-lo nunca mais. Ele era asqueroso. Um asqueroso e sujo prostituto que deixava que alguém a quem odiasse o tocasse, o chupasse e usasse, e o obrigasse a fazer o mesmo a ela.
A princesa tinha razão. Era um fodido consolador.
— Rehv? Deixe-me ir onde está...
— Não.
— Maldito seja, não te faça isto!
— Não pode me salvar! — gritou.
Depois de sua explosão, pensou Jesus… De onde tinha saído isso?
— Sinto muito... Tive uma noite ruim.
Quando Ehlena falou por fim, sua voz foi um suave sussurro:
— Não me faça isto. Não me obrigue a te ver no depósito de cadáveres. Não me faça isto.
Rehv fechou os olhos com força.
— Não estou te fazendo nada.
— Uma merda que não o faz! — sua voz se rompeu em um soluço.
— Ehlena…
Seu pranto de desespero saiu do telefone com muita clareza.
— Oh… Cristo. Como queira. Se mate, genial!
E desligou.
— Caralho! — disse esfregando o rosto — Caralho!
Rehv se ergueu e lançou o celular contra a porta do quarto. E precisamente quando ricocheteava contra os painéis e saía voando, deu-se conta de que tinha destroçado a única coisa que tinha o número dela.
Com um rugido e um dificultoso balanço, lançou seu corpo fora da cama e os edredons aterrissaram por toda parte. Não foi uma boa jogada por sua parte. Quando seus intumescidos pés tocaram o tapete dobrado, converteu-se em um frisbee, voando brevemente antes de aterrissar sobre sua cara. Quando impactou, produziu um som como o estalo de uma bomba que retumbou através das pranchas do chão, e engatinhou em busca do telefone, seguindo a luz da tela que ainda brilhava.
Por favor, oh merda, por favor, se houver um Deus...
Estava quase ao seu alcance quando a porta se abriu de repente, errando por pouco sua cabeça e roçando o telefone... Que saiu disparado na direção contrária como um disco de hóquei. Enquanto Rehv rodava, equilibrava-se sobre a coisa e gritava ao Trez:
— Não atire!
Trez tinha adotado sua postura de combate, levantando a pistola e apontando-a para a janela, em seguida voltando-se para o banheiro e depois para a cama.
— Que porra foi isso?!
Rehv se esticou no chão para alcançar o telefone, que estava girando sobre si mesmo debaixo da cama. Quando o pegou, fechou os olhos e o aproximou do rosto.
— Rehv?
— Por favor...
— O que? Por favor, o que…?
Abriu os olhos. A tela estava piscando, e rapidamente pressionou os botões. Chamadas recebidas... Chamadas recebidas... Chamadas rece...
— Rehv que demônios está acontecendo?
Ali estava. O número. Olhou fixamente os sete dígitos que havia depois do código de área como se fossem a combinação de sua própria caixa de segurança, tentando reter todos.
A tela se obscureceu e deixou a cabeça cair sobre seu braço.
Trez se agachou a seu lado.
— Está bem?
Rehv se impulsionou para sair de debaixo da cama e se esticou, o quarto girou como um carrossel.
— Oh... Merda.
Trez embainhou sua arma.
— O que ocorreu?
— Deixei meu telefone cair.
— Claro. É obvio. Porque pesa o suficiente para fazer esse tipo de... Hey, devagar, tranqüilo. — Trez o agarrou enquanto tentava levantar-se — Agora aonde vai?
— Preciso de um banho. Preciso…
Mais imagens dele com a princesa martelaram seu cérebro. Viu suas costas arqueadas, e aquela rede vermelha rasgada à altura de seu traseiro, viu a si mesmo enterrado profundamente em seu sexo, bombeando até que sua lingüeta o travava dentro, de maneira que sua liberação encontrasse o caminho em seu interior até acima de tudo.
Rehv apertou os punhos contra os olhos.
— Preciso...
Oh Jesus... Ele tinha orgasmos quando estava com sua chantagista. E não só uma vez, normalmente eram três ou quatro. Ao menos as putas de seu clube, que odiavam o que faziam por dinheiro, podiam achar consolo no fato de que não o desfrutavam. Mas o gozo masculino dizia tudo, não?
As náuseas de Rehv se fizeram mais severas, e, em um ataque de pânico caminhou arrastando os pés e com o corpo todo curvado até o banheiro. A aveia e a torrada fizeram um eficaz intento por liberar-se, e Trez estava ali para segurá-lo sobre a privada. Rehv não podia sentir as ânsias de vômito, mas estava condenadamente seguro de que seu esôfago estava começando a rasgar porque depois de uns minutos de tossir, tentar respirar e ver as estrelas começou a aparecer sangue.
— Deite-se. — disse Trez
— Não, ducha…
— Não está em condições…
— Tenho que tirar isso de cima de mim! — o rugido de Rehv não só reverberou em seu quarto, mas sim, por toda a casa — Caralho... Não posso suportá-la.
Houve um momento que definitivamente teve um sabor da sagrada merda: Rehv não era o tipo de pessoa que pedisse um salva-vidas nem sequer se estivesse se afogando, e nunca se queixava do acerto que tinha com a princesa. Agüentava, fazia o que tinha que fazer e pagava as conseqüências, porque em sua opinião valia a pena o preço que pagava por manter seu segredo e o de Xhex.
E uma parte de você gosta, assinalou uma voz em seu interior. Quando está dentro dela pode ser você mesmo sem ter que se desculpar.
Vá à merda, disse a si mesmo
— Sinto ter gritado contigo. — disse a seu amigo com voz rouca.
— Errr... Está bem. Não se culpe. — Trez o levantou gentilmente dos azulejos e tentou apoiá-lo contra os lavabos — Já era hora.
Rehv cambaleou para a ducha.
— Não. — disse Trez, empurrando-o — Deixe que a água esquente.
— Não a sentirei.
— Sua temperatura interna já tem muitos problemas. Só espera aí.
Enquanto Trez se inclinava dentro da ducha de mármore e abria a água, Rehv ficou olhando fixamente seu pênis, o qual jazia frouxo e longo sobre sua coxa. Tinha a sensação de que era o pênis de qualquer outro, e isso era bom.
— Sabe que poderia matá-la por você. — disse Trez — Posso fazer com que pareça um acidente. Ninguém saberia.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Não quero que seja metido neste montão de merda. Já temos muitas pessoas envolvidas.
— A oferta seguirá de pé.
— Tomo a devida nota.
Trez estendeu a mão para o interior da ducha e a pôs sob o jato. Com a palma debaixo da água que corria, seus olhos de cor chocolate se deslocaram para trás e abruptamente se voltaram brancos de raiva.
— Só para que fique claro. Você morre? E esfolarei a essa puta viva segundo a tradição Hisbe’s e enviarei as tiras a seu tio. Logo assarei seu corpo e mastigarei a carne de seus ossos.
Rehv sorriu um pouco, pensando que não era canibalismo porque a nível genético as Sombras tinham tanto em comum com os symphaths como os humanos com os frangos.
— Fodido Hannibal Lecter. — murmurou.
— Sabe como fazemos. — Trez sacudiu a água da mão — Symphaths... É o que há para jantar.
— Vai danificar as vagens?
— Não, mas poderia acompanhá-la com um delicioso Chianti[46] e algumas batatas fritas. Devo comer algumas batatas com a carne. Vamos, me deixe te pôr debaixo da água para tirar o fedor dessa puta.
Trez se aproximou de Rehv e o levantou.
— Obrigado. — disse Rehv em voz baixa enquanto iam mancando para a ducha.
Trez se encolheu de ombros, sabendo condenadamente bem que não estavam falando da ida ao banho.
— Você faria o mesmo por mim.
— Faria.
Estando sob o jato, Rehv utilizou o Dial sobre seu corpo até que sua pele esteve vermelha como uma framboesa, e saiu da ducha só depois de ter realizado sua tripla lavagem. Quando deu um passo fora da água, Trez entregou uma toalha, e se secou o mais rápido que pôde sem perder o equilíbrio.
— Falando de favores… — disse — Preciso do seu telefone. Seu telefone e um pouco de privacidade.
— De acordo. — Trez o ajudou a voltar para a cama e o cobriu — Homem, que bom que este edredom não aterrissou sobre o fogo.
— Então, me empresta seu telefone?
— Vai jogar futebol com ele?
— Não, contanto que deixe minha porta fechada.
Trez entregou seu Nokia.
— Tome cuidado com ele. É novo.
Quando esteve sozinho, Rehv digitou cuidadosamente e apertou chamar com esperança e uma prece, sem ter a segurança de se era ou não o número correto.
Ring. Ring. Ring.
— Sim..?
— Ehlena, sinto tanto…
— Ehlena? — disse a voz feminina — O sinto, não há nenhuma Ehlena neste número.
 
Ehlena permaneceu sentada na ambulância contendo suas lágrimas pela força do hábito. Não se tratava de que alguém pudesse vê-la, mas o anonimato lhe era indiferente. Enquanto seu latte esfriava dentro da dupla taça com dupla asa, e a calefação fluía intermitentemente, ela conservava a integridade porque era o que sempre fazia.
Até que a emissora BC4 ligou com um chiado e a assustou arrancando-a de seu paralisante desalento.
—Base para Quatro. — disse Catya — Responda Quatro.
Enquanto Ehlena se esticava para o auricular, pensava: ”Vê, essa é precisamente a razão pela qual nunca poderei baixar a guarda. Se tivesse parecido um autêntico desastre e tivesse que responder? Não precisava disso.”
Apertou o botão de “falar” com o polegar.
— Aqui Quatro.
— Está bem?
— Ah, sim. Só precisava… Retorno agora mesmo.
— Não há pressa. Tome seu tempo. Só queria me assegurar de que estava bem.
Ehlena deu uma olhada ao relógio. Deus, eram quase duas da manhã. Esteve sentada aí fora, asfixiando a si mesma ao deixar ligado o motor e a calefação, durante quase duas horas.
— Sinto muito, perdi a noção da hora. Precisa da ambulância para um recolhimento?
— Não, só estávamos preocupados com você. Sei que ajudou o Havers com aquele corpo e…
— Estou bem. — baixou a janela para deixar entrar um pouco de ar e pôs a ambulância em marcha — Retornarei agora mesmo.
— Não se apresse e escute, por que não toma o resto da noite livre?
— Está bem...
— Não é uma escolha. E troquei os horários para que amanhã também tenha o dia livre. Necessita um descanso depois do que aconteceu esta noite.
Ehlena queria discutir, mas sabia que daria a impressão de que se punha na defensiva, e, além disso, se já tomou a decisão, não havia nada pelo que lutar.
— Está bem.
— Tome seu tempo para voltar.
— Farei. Câmbio e desligo.
Pendurou o auricular e se pôs rumo à ponte que a levaria através do rio. Exatamente quando estava acelerando na rampa, soou seu telefone.
De maneira que Rehv estava devolvendo a chamada, huh? Não a surpreendia.
Levantou o telefone só para confirmar que era ele e, não porque tivesse a intenção de responder a sua chamada.
Número desconhecido?
Apertou receber e levou o telefone ao ouvido
— Sim?
— É você?
A profunda voz de Rehv seguia conseguindo disparar através de seu corpo como um quente estremecimento, inclusive apesar de estar de saco cheio com ele. E com ela mesma. Basicamente com toda a situação.
— Sim. — disse — Entretanto, este não é seu número.
— Não, não é. Meu celular teve um acidente.
Ela se apressou a adiantar-se antes que começasse com algum “o sinto”.
— Olhe, não é meu assunto. O que for que esteja te acontecendo. Tem razão, não posso te salvar...
— Por que ia querer sequer tentar?
Ela franziu o cenho. Se a pergunta tivesse sido de auto-compaixão ou acusatória, simplesmente teria posto fim à chamada e trocado seu número. Mas não havia nada salvo sincera confusão no tom de sua voz. Isso e absoluto esgotamento.
— Simplesmente não entendo... O motivo. — murmurou ele.
A resposta dela foi simples e expressa do fundo de sua alma.
— Como não poderia?
— E se eu não merecer?
Pensou em Stephan jazendo sobre aquele aço inoxidável, em seu corpo frio e machucado.
— Qualquer um que tenha um coração pulsando merece ser salvo.
— É por isso que se formou enfermeira?
— Não. Formei-me enfermeira porque queria ser médica algum dia. O assunto de ser uma salvadora é só minha maneira de ver o mundo.
O silêncio entre eles durou muito.
— Está em um carro? — perguntou ele ao final.
— Em uma ambulância na realidade. Retorno à clínica.
— Está sozinha? — grunhiu ele.
— Sim, e pode cortar a merda de super macho. Tenho uma arma sob o assento e sei como usá-la.
Uma risada sutil saiu do telefone.
— Ok, isso me excita. Sinto, mas assim é.
Ela teve que sorrir um pouco
— Volta-me louca, sabe. Inclusive embora seja um completo desconhecido, volta-me louca.
— E de certa forma isso é um elogio a minha pessoa. — houve uma pausa — Sinto pelo que aconteceu antes. Tive uma noite ruim.
— Sim, bom, eu também. Em ambas, a parte do sinto e a da má noite.
— O que ocorreu?
— Muito para entrar em detalhes. E você?
— O mesmo.
Quando ele se moveu, escutou-se um sussurro de lençóis.
— Está na cama de novo?
— Sim. E sim, ainda segue sem querer saber.
Ela sorriu abertamente.
— Está me dizendo que não deveria voltar a perguntar o que está vestindo.
— Entendeu-me.
— Estamos caindo em uma rotina, sabe? — ficou séria — Soa como se estivesse realmente doente. Tem a voz rouca.
— Estarei bem.
— Olhe, posso te levar o que necessita. Se não puder ir à clínica, posso te levar os remédios. — o silêncio do outro extremo era tão denso, e se fez tão longo, que terminou dizendo — Alô? Está aí?
— Amanhã de noite… Pode se encontrar comigo?
Esticou as mãos sobre o volante.
— Sim.
— No último andar do Commodore. Conhece o edifício?
— Conheço.
— Pode estar ali à meia-noite? No lado leste.
— Sim.
Seu suspiro pareceu de resignação.
— Estarei te esperando. Dirija com cuidado, ok?
— Farei. E não volte a jogar seu telefone.
— Como soube?
— Porque se eu houvesse tido um espaço aberto na minha frente em lugar do pára-brisa de uma ambulância, teria feito o mesmo.
A risada dele a fez sorrir, mas perdeu a expressão ao apertar terminar e devolver o telefone a sua bolsa.
Apesar de estar dirigindo a uma velocidade constante de sessenta e cinco, e que a estrada fosse reta e livre de escombros, sentia como se estivesse totalmente fora de controle, oscilando entre uma pista e outra, deixando um rastro de faíscas enquanto destroçava partes do veículo da clínica.
Encontrar-se com ele amanhã de noite, estar a sós com ele em um lugar privado, era exatamente o que podia fazer de pior.
E ia fazer de qualquer forma.


Capítulo 22


Montrag, filho de Rehm, desligou o telefone e olhou fixamente através das portas francesas do escritório de seu pai. Os jardins, as árvores e a grama ondulada, assim como a grande mansão e todo o resto, eram seus agora, já não mais um legado que herdaria algum dia.
Enquanto abrangia as terras com a vista, desfrutou do sentido de propriedade que cantava em seu sangue, mas não estava de todo satisfeito com a visão. Tudo tinha crescido com o inverno, os canteiros estavam vazios, as florescentes árvores frutíferas estavam cobertas com ervas daninhas, e as sebes e os carvalhos tinham perdido as folhas. Por conseguinte, podia-se ver o muro de contenção, e isso não era precisamente atrativo. Era melhor que esse tipo de coisas de segurança, tão antiestéticas estivesse cobertas.
Montrag voltou às costas e se encontrou com uma visão mais agradável, embora esta estivesse pendurada na parede. Com um rubor de reverência, contemplou sua pintura favorita da maneira que sempre fazia, já que certamente Turner merecia veneração tanto por sua maestria como por sua escolha de temas. Especialmente neste trabalho: a representação do sol se pondo sobre o mar era uma obra de mestre em muitos aspectos. As sombras de ouro e pêssego e o vermelho profundo ardente era um festim para os olhos que se viam extasiado pela biologia do verdadeiro forno brilhante que sustentava aceso, inspirava e esquentava o mundo.
Pintura semelhante seria o orgulho de qualquer coleção.
E ele tinha três Turner só nesta casa.
Com uma mão que se fechou em antecipação, pegou no canto inferior direito da moldura dourada e retirou a marinha da parede. O cofre que havia detrás se ajustava com precisão às dimensões da pintura e estava inserido entre a fita de seda e o gesso. Depois de inserir a combinação e fazer girar o seletor, houve um sutil deslocamento que foi apenas audível e que não dava nenhum indício de que cada um dos seis passadores retráteis era da grossura de um antebraço.
O cofre se abriu sem emitir som e acendeu uma luz interior, iluminando um espaço de três metros cúbicos amontoado com estojos finos de couro de joalheria, maços de cédulas de cem dólares, e documentos em pastas.
Montrag aproximou um banquinho bordado em estopa que tinha degraus e subiu sobre o estofo floreado. Esticando-se para alcançar o fundo do cofre, colocou a mão atrás de todas as escrituras de bens imóveis e certificados de ações, e tirou uma caixa de diversos títulos, em seguida deixou o cofre e a pintura tal e como tinham estado. Com um sentimento de excitação e contingência, levou a caixa metálica para a escrivaninha e tirou a chave do compartimento secreto que havia na gaveta inferior esquerda.
Seu pai lhe tinha ensinado a combinação do cofre e lhe tinha mostrado a localização do esconderijo, e quando Montrag tivesse filhos, transmitiria esse conhecimento. Assim, era como se assegurava de que as coisas de valor não se perdessem. Transmitindo-as de pai para filho.
A tampa da caixa de títulos não se abriu da mesma maneira bem calibrada e bem lubrificada em que tinha feito o cofre. Esta soltou um chiado quando se abriu de tudo, as dobradiças protestaram pela perturbação de seu descanso e a contra gosto revelou o que estava dentro de seu ventre metálico.
Ainda estavam aí. Dava graças à Virgem Escriba de que ainda estivessem ali.
Enquanto Montrag colocava a mão em seu interior, pensava no quão relativo era o valor destas páginas que em si mesmas valiam uma fração de centavo. A tinta contida dentro de suas fibras tampouco valia mais de um centavo. E ainda assim, pelo que nelas se indicava, eram inestimáveis.
Sem elas ele corria um perigo mortal.
Tirou um dos dois documentos, sem lhe importar qual retirava, porque eram idênticos. Entre seus dedos e com extremo cuidado, sustentou o equivalente vampírico de uma declaração jurada, uma dissertação de três páginas, escrita à mão e assinada com sangue a respeito de um acontecimento que tinha ocorrido vinte e quatro anos antes. Assinatura autenticada por cartório que mostrava na terceira página era mentira, uns garranchos apenas legíveis em cor marrom.
Mas em definitivo, foram feitos por um homem agonizante.
Rempoon, “o pai” de Rehvenge.
O documento expunha toda a desagradável verdade na Antiga Língua: o rapto da mãe de Rehvenge por parte dos symphaths, sua concepção e nascimento, a fuga dela e seu posterior matrimônio com o aristocrata Rempoon. O último parágrafo era tão acusatório como todo o resto:
Sobre minha honra, e a honra de meus antepassados e descendentes de sangue, na verdade nesta noite meu enteado, Rehvenge, caiu sobre mim e por causa das feridas mortais que ocasionou a meu corpo pela aplicação de suas mãos nuas sobre minha carne, fui rendido. Atuou com malícia e premeditação, atraindo-me a meu escritório com o propósito de provocar uma discussão. Eu estava desarmado. Após me ferir, ocupou-se do escritório e preparou a sala de forma que parecesse que tinha sido invadida por intrusos do exterior. Na verdade, abandonou-me sobre o chão para que a fria mão da morte capturasse minha forma corpórea, e abandonou o imóvel. Fui despertado em pouco tempo por meu querido amigo Rehm, quem veio de visita para discutir questões de negócios.
Não se espera que eu viva. Meu enteado me matou. Esta é minha confissão final como espírito encarnado na terra. Rogo que a Virgem Escriba possa me levar ao Fade com sua graça e com toda presteza.
Como o pai de Montrag lhe explicou mais tarde, Rempoon o tinha compreendido corretamente em sua maior parte. Rehm foi a negócios e tinha encontrado não só uma casa vazia, mas também o corpo ensangüentado de seu sócio… E, tinha feito o que qualquer macho razoável faria: ele mesmo roubou o escritório. Operando sob a certeza de que Rempoon estava morto, tratou de encontrar os papéis relativos ao negócio para que o interesse fracionário que tinha Rempoon ficasse fora de sua herança e Rehm viesse a ser o único proprietário absoluto do próspero negócio.
Tendo êxito em sua busca, Rehm estava a caminho da porta quando Rempoon evidenciou sinais de vida e um nome brotou de seus lábios gretados.
Rehm se sentia cômodo no papel de oportunista, mas cair no papel de cúmplice de assassinato era chegar muito longe. Chamou o doutor, e no tempo que Havers levou para chegar, os murmúrios de um macho agonizante relataram uma história de estremecer, de um valor que era inclusive maior que o da companhia. Pensando rapidamente, Rehm documentou a história e a assombrosa confissão sobre a verdadeira natureza de Rehvenge e fez com que Rempoon assinasse as páginas… Convertendo-as dessa forma em um documento legal.
Em seguida o macho se afundou na inconsciência e quando Havers chegou já estava morto.
Quando partiu, Rehm levou com ele tanto os documentos comerciais como a declaração jurada e foi elogiado como um valente herói por tentar resgatar ao macho agonizante.
Ao final, a utilidade da confissão era óbvia, mas a prudência de pôr tal informação em jogo estava menos clara. Enredar-se com um symphath era perigoso, tal como o sangue derramado de Rempoon tinha testemunhado. O sempre intelectual, Rehm, tinha ocultado a informação e a tinha seguido ocultando… Até que foi muito tarde para fazer algo com ela.
Segundo a lei, tinha a obrigação de entregar a um symphath, e Rehm tinha o tipo de prova que cumpria o início para denunciar a alguém. Entretanto, ao ter considerado suas opções durante tanto tempo, encontrava-se na arriscada posição de que pudesse chegar a imputar a si ser aquele que tinha protegido a identidade de Rehvenge. Se tivesse dado a conhecer vinte e quatro ou quarenta e oito horas depois do fato? Bem. Mas uma semana? Duas semanas? Um mês…?
Muito tarde. Em lugar de gastar completamente o ativo, Rehm contou a Montrag a existência da declaração jurada, e o filho compreendeu o equívoco do pai. Não havia nada a fazer no curto prazo, e só um cenário onde ainda podia chegar a ter algum valor… E o mesmo se suscitou durante o verão. Rehm fora assassinado durante as incursões e o filho tinha herdado tudo, incluindo os documentos.
Não poderiam culpar Montrag por seu pai ter escolhido não revelar o que sabia. Tudo o que tinha que fazer era declarar que tropeçou com os papéis enquanto revisava as coisas de seu pai, e ao entregá-los e entregar a Rehv, estaria simplesmente cumprindo seu dever.
Nunca saberia que conhecia sua existência desde o começo.
E ninguém acreditaria jamais que a idéia de matar o Wrath não tinha sido de Rehv. Depois de tudo, era um symphath, e não se podia confiar em nada do que dissessem. E mais, a seu favor em qualquer caso tanto se sua mão era a que apertava o gatilho, como se só ordenava o assassinato do rei, por ser o leahdyre do conselho, estava na posição que mais se beneficiava de sua morte. Que era exatamente a razão pela qual Montrag tinha propiciado que o macho subisse a esse papel.
Rehvenge empreenderia a proeza com o rei, em seguida Montrag iria ao conselho e se prostraria ante seus colegas. Diria que não tinha encontrado os papéis até ao momento de ter se transferido devidamente à casa de Connecticut, um mês depois das incursões e de que Rehv tivesse sido renomado leahdyre. Juraria que assim que os encontrou, se comunicou com o rei e revelou a natureza do assunto por telefone… Mas, Wrath o forçara a manter silêncio devido à posição comprometedora em que isto punha o Irmão Zsadist: depois de tudo, o Irmão era o companheiro da irmã de Rehvenge, e isto significaria que estava aparentada com um symphath.
É obvio que Wrath não poderia desmentir, já que estaria morto, e além do mais, o rei já era mal visto pelo modo em que tinha ignorado a crítica construtiva da glymera. O conselho estava predisposto a aceitar outra falta dele, fosse verdadeira ou fabricada.
Tratava-se de uma manobra intrincada, mas ia funcionar, porque o rei tendo morrido, o primeiro lugar aonde a raça iria procurar ao assassino seria entre o que ficasse do conselho, e Rehv, um symphath, era o bode expiatório perfeito: é obvio que um symphath faria algo assim! E Montrag contribuiria ao desenvolvimento dessa hipótese ao declarar que Rehv tinha ido vê-lo antes do assassinato e que lhe tinha falado com estranha convicção a respeito de mudanças de uma natureza sem precedentes. Além disso, as cenas dos crimes nunca estavam completamente limpas. Indubitavelmente, ficaria alguma coisa que vinculasse Rehv com a morte, fosse porque estivera realmente ali ou porque todo mundo estaria procurando exatamente esse tipo de provas.
E quando Rehv apontasse a Montrag? Ninguém acreditaria, em primeiro lugar porque era um symphath, mas também porque, seguindo a tradição de seu pai, Montrag sempre tinha cultivado uma reputação de seriedade e honradez tanto em seus entendimentos comerciais como em sua conduta social. Pelo que concernia a seus colegas membros do conselho estava acima de toda recriminação, era incapaz de enganar a alguém, e um macho de valia de linhagem impecável. Nenhum deles tinha a mínima pista de que seu pai e ele tinham traído a muitos sócios e colegas assim como também a parentes de sangue… Posto que foram cuidadosos ao escolher a suas presas de modo que se mantivessem as aparências.
O resultado? Ao Rehv imputariam a acusação de traição, seria detido e morreria segundo a lei dos vampiros ou deportado à colônia symphath, onde seria assassinado por ser um mestiço.
Qualquer dos dois resultados era aceitável.
Tudo estava disposto, e por esse motivo Montrag acabava de ligar seu melhor amigo.
Pegando a declaração jurada, dobrou e a deslizou dentro de um envelope grosso e macio.
Pegando uma folha de seu papel de cartas personalizado de uma caixa de couro, escreveu uma rápida carta ao macho que designaria como seu subcomandante, e que cimentaria o cenário para a caída de Rehvenge. Enquanto colocava o Turner de volta a seu lugar, a paisagem lhe falou como sempre, e por um momento, permitiu-se sair do manicômio que estava criando de propósito, e penetrou nesse mar pacífico e encantador. Ocorreu-lhe que a brisa devia ser cálida.
Queridíssima Virgem Escriba, como sentia falta do verão durante esses meses frios, mas, por outro lado, era esse contraste o que animava o coração. Sem o frio do inverno, a gente não apreciaria em sua justa medida as abafadiças noites de julho e agosto.
Imaginou onde estaria dentro de seis meses quando a lua cheia do solstício se elevasse sobre a extensa cidade de Caldwell. Chegando junho, ele seria rei, um monarca eleito e respeitado. Se somente seu pai estivesse vivo para ver…
Montrag tossiu. Inalou emitindo um soluço. E sentiu algo molhado na mão.
Olhou para baixo. A frente de sua camisa branca estava toda coberta de sangue.
Abriu a boca tentando tomar ar suficiente para gritar pedindo ajuda, mas só saiu um som gorgolejante...
Rapidamente levou as mãos ao pescoço que se parecia com um gêiser que surgia de sua artéria carótida exposta. Girando em círculo, viu uma fêmea ante ele com um corte de cabelo masculino e calças de couro negro. A faca em sua mão tinha a folha vermelha, e seu rosto era uma tranqüila máscara de indiferença e desapego.
Montrag caiu de joelhos ante ela e logo se retorceu para a direita, suas mãos seguiam tentando manter o sangue vital dentro de seu corpo e que não se esparramasse sobre o tapete Aubusson de seu pai.
Ainda estava vivo quando ela o pôs de barriga para cima, tirou um instrumento arredondado feito de ébano, e se ajoelhou ante ele.

Como assassina, o desempenho de Xhex era medido em duas dimensões. A primeira: matara a seu objetivo? Essa se explicava por si mesma. A segunda: tinha sido um assassinato limpo? Que se referia a se existia algum dano colateral como ser necessárias outras mortes para proteger a si mesma, sua identidade e/ou a identidade do indivíduo que lhe tinha encarregado o trabalho.
Neste caso, a primeira ia ser um trabalho fácil, considerando o modo em que a artéria de Montrag se converteu em um tubo de deságüe. A segunda, ainda estava em veremos, assim tinha que trabalhar rápido. Tirou o lys de suas calças de couro, inclinou-se sobre o bastardo, e não esbanjou mais de um nano segundo em observar como giravam os olhos.
Agarrou-o pelo queixo e o obrigou a enfrentá-la.
— Olhe-me. Olhe-me!
O selvagem olhar dele se disparou para o seu, e quando o fez, ela apresentou o lys.
— Sabe por que estou aqui e quem me envia. E não é Wrath.
Fez-se evidente que ainda chegava suficiente oxigênio ao cérebro de Montrag, porque seus lábios vocalizaram Rehvenge, com expressão horrorizada, antes que aqueles globos oculares começassem de novo seus giros.
Soltou-lhe o queixo e o esbofeteou com força.
— Preste atenção, imbecil. Olhe-me.
Com seus olhares travados e agarrando sua mandíbula de novo, abriu-lhe ainda mais a pálpebra superior e inferior de seu olho esquerdo deixando-o inclusive mais aberto.
— Olhe-me.
Ao mesmo tempo em que tirava o lys e o aproximava da aba de seu nariz para exercer pressão dentro da concha de seu olho, metia-se em seu cérebro e desencadeava todo tipo de lembranças. Ah… Interessante. Verdadeiramente tinha sido um intrigante filho da puta, especializado em extorquir às pessoas por dinheiro.
Montrag apalpou o tapete com as mãos e cravou os dedos com força enquanto gorjeava tentando dar um grito. O globo ocular saiu do crânio como um melão doce tirado com colher de sua casca, tão perfeitamente redondo e limpo como poderia desejar. Com o olho direito foi exatamente igual. Pôs ambos em uma bolsa de veludo em linha enquanto os braços e pernas de Montrag se sacudiam e batiam sobre seu custoso tapete e seus lábios se retraíam para trás de tal maneira que deixavam ao descoberto todos seus dentes incluindo seus molares.
Xhex o abandonou a sua pouco prolixa morte, saiu pela porta francesa que ficava diretamente atrás do escritório e se desmaterializou próxima a sebe da qual tinha feito o reconhecimento do lugar pela primeira vez no dia anterior. Esperou ali durante aproximadamente vinte minutos e logo observou como uma doggen entrava no escritório, via o corpo, e deixava cair à bandeja de prata que levava.
Quando o bule e a porcelana ricochetearam, Xhex levantou a tampa de seu telefone, apertou chamar, e o levou a orelha. Quando a voz profunda de Rehv respondeu disse:
— Está feito e o encontraram. A execução foi limpa e te levo a lembrança. Hora estimada de chegada: dez minutos.
— Bem feito. — disse Rehv com voz enrouquecida — Filho da mãe.


Capítulo 23


Wrath franziu o cenho enquanto falava pelo celular.
— Agora? Quer que vá ao norte do Estado agora?
A voz de Rehv estava carregada de “não estou te ferrando”.
— Isto tem que ser feito em pessoa, e me encontro imobilizado.
Do outro lado do escritório, Vishous, que fora informar sobre o trabalho de rastreamento feito sobre as caixas de armas, vocalizou: Que lixo é esse?
Que era exatamente o que Wrath estava pensando. Um symphath te liga às duas horas antes da alvorada e te  pede que vá ao norte do Estado porque “tem algo que precisa te dar”. Sim, certo, o bastardo era irmão de Bella, mas sua natureza era o que era, e certamente esse “algo” não era uma cesta de fruta.
— Wrath, isto é importante. — disse o macho.
— Está certo, vou agora mesmo. — Wrath baixou a tampa de seu telefone e olhou o Vishous — Eu…
— Phury está fora caçando esta noite. Não pode ir ali sozinho.
— As Escolhidas estão na casa. — e estiveram entrando e saindo do Grande Rancho de Rehv desde que Phury tinha tomado as rédeas como Primale.
— Não é exatamente o tipo de proteção que tinha em mente.
— Posso me arrumar sozinho, que se dane bonitinho.
V cruzou os braços, seus olhos de diamante cintilaram.
— Vamos agora? Ou depois de que perca tempo tratando de me fazer mudar de opinião?
— Muito bem. Como quiser. Vemo-nos no vestíbulo dentro de cinco minutos.
Enquanto deixavam o escritório juntos, V disse:
— Sobre essas armas? Ainda estou tentando rastreá-las. Neste momento, não tenho nada, mas já me conhece. Isto não vai seguir assim, de verdade. Não me importa que os números de série tenham sido apagados, vou averiguar onde conseguiram esta merda.
— A confiança é alta, meu irmão. A confiança é muito alta.
Depois de estarem completamente armados, os dois viajaram ao norte como um baile de moléculas livres, concentrando-se no Grande Rancho de Rehv nas Adirondacks e materializando-se à beira de um tranqüilo lago. Frente a eles, a casa era um enorme rancho de estilo Vitoriano, com teto de tábuas, janelas em forma de losango, e alpendres com postes de cedro em ambos os andares.
Com montões de cantos. E montões de sombras. E muitas daquelas janelas que pareciam olhos.
A mansão era bastante horripilante por si só, mas ao estar rodeada por um campo de força do equivalente symphath ao mhis, um cara indubitavelmente poderia convencer-se que Freddy, Jason, Michael Myers, e uma turma de camponeses com todas as suas serras mecânicas viviam dentro: ao redor do lugar, o temor era uma cerca intangível feita de arame farpado mental, e até Wrath, que sabia o que ocorria, alegrou-se quando atravessou a barreira.
No momento em que forçou seus olhos para poder enfocar melhor, Trez, um dos guardas pessoais de Rehv, abriu as portas duplas do alpendre que estava de frente ao lago e levantou a mão lhes dando as boas-vindas.
Wrath e V andaram pela grama cristalizada e rangente, e embora mantivessem as armas embainhadas, V tirou a luva de sua mão direita incandescente. Trez era o tipo de macho que respeitava, e não só porque fosse um Sombra. O segurança tinha o corpo musculoso de um lutador e o olhar inteligente de um estrategista, e sua lealdade era para o Rehv e só Rehv. Para proteger ao macho? Trez arrasaria um quarteirão inteiro da cidade em um instante.
— Como está, grandalhão? — disse Wrath enquanto subia os degraus do alpendre.
Trez avançou e entrechocaram as Palmas.
— Estou de primeira. E você?
— Bem como sempre. — Wrath golpeou ao macho no ombro — Ouça, se alguma vez quiser um trabalho de verdade, vêem lutar conosco.
— Sou feliz onde estou, mas obrigado. — o segurança sorriu abertamente e se voltou para V, seus olhos escuros descenderam rapidamente para a mão exposta de V — Sem ofender, mas eu não aperto essa coisa.
— Muito sábio de sua parte. — disse Vishous enquanto lhe oferecia a esquerda — Entretanto, compreende-o.
— Absolutamente, faria o mesmo pelo Rehv. — Trez liderou o caminho para as portas — Está em seu dormitório, esperando-os.
— Está doente? — perguntou Wrath ao entrar na casa.
— Querem algo de beber? Comer? — ofereceu Trez enquanto se dirigiam para a direita.
Como a pergunta ficou sem responder, Wrath olhou o V.
— Estamos bem, obrigado.
A decoração do lugar parecia saída do bolso traseiro de Vitória e Albert, com o pesado mobiliário imperial e a abundância de vermelho e dourado que havia em qualquer parte. Fiel ao gosto pela recopilação que imperava no período Vitoriano, cada cômodo tinha um tema diferente. Havia uma sala de estar cheia de relógios antigos marcando o tempo, onde encontrava relógios de pé, relógios de metal a corda e relógios de bolso que estavam expostos em vitrines. Outra tinha conchas, coral e madeiras de naufrágios que tinham séculos de antigüidade. Na biblioteca, havia muito belos vasos e fontes Orientais, e a sala de jantar estava equipada com ícones medievais.
— Surpreende-me que não haja mais Escolhidas por aqui. — disse Wrath enquanto atravessavam um cômodo vazio atrás de outro.
— Rehv deve vir aqui à primeira terça-feira de cada mês. Ele põe às mulheres um pouco nervosas, assim que a maioria delas volta para Outro Lado. Entretanto, Selena e Cormia sempre ficam. — havia uma grande quantidade de orgulho em sua voz quando acrescentou — São muito fortes, essas duas.
Subiram por uma magnífica escada até o primeiro andar e continuaram por um comprido corredor até um par de portas lavradas que indubitavelmente diziam a gritos “senhor da casa”.
Trez fez uma parada.
— Ouça, ele está um pouco doente, ok? Nada contagioso. É só… Que quero que estejam preparados. Demos tudo o que necessita e vai ficar bem.
Quando Trez bateu e abriu ambas as portas, Wrath franziu o cenho e sua visão se aguçou por sua conta quando seus instintos se avivaram.
No meio de uma cama esculpida, Rehvenge jazia imóvel como um cadáver, com um edredom de veludo vermelho até o queixo e o casaco de zibelina envolvendo seu corpo. Tinha os olhos fechados, sua respiração era superficial, e sua pele estava pálida e de cor amarelada. Seu moicano raspado era o único que se via remotamente normal… Isso e o fato de que, a sua mão direita estava Xhex, a fêmea symphath mestiça que tinha o aspecto de realizar castrações por diversão e para tirar lucros.
Rehv abriu os olhos, e a cor ametista se via opaca aproximando-se mais a uma lúgubre púrpura arroxeado.
— É o rei.
— Tudo bem?
Trez fechou as portas e como sinal de respeito se postou ao lado delas e não no centro como se estivesse bloqueando o caminho.
— Já lhes ofereci bebidas e comida.
— Obrigado, Trez. — Rehv fez uma careta de dor e realizou um movimento com a intenção de erguer-se sobre os travesseiros. Quando só conseguiu voltar a cair, Xhex se inclinou para ajudar, e lançou um olhar ameaçador de “nem sequer o pense”. O qual ignorou.
Depois de estar acomodado em uma posição erguida, subiu o edredom até o pescoço, cobrindo as estrelas vermelhas que tinha tatuadas no peito.
— Então, tenho algo para você, Wrath.
— Ah, sim?
Rehv fez um gesto com a cabeça para Xhex, que colocou a mão na jaqueta de couro que levava posta. No instante em que se moveu, o canhão da arma de V voou para cima, rápido como uma piscada e apontou diretamente ao coração da fêmea.
— Quer tirar com calma? — ela soltou a V.
— Nem no mais mínimo. Sinto muito — V parecia tão arrependido como uma destrutiva bola no meio de um balanço.
— De acordo, vamos nos tranqüilizar. — disse Wrath, e inclinou a cabeça para Xhex — Por favor, continue.
A mulher tirou uma bolsa de veludo e a lançou em direção a Wrath. Enquanto esta ia para ele, ouviu o suave assobio de seu vôo e apanhou a coisa, não por tê-la visto, mas sim pelo som.
Dentro havia dois olhos cor azul clara.
— Pois, ontem à noite tive uma reunião interessante. — disse Rehv arrastando as palavras.
Wrath olhou ao symphath.
— De quem é o olhar vazio que tenho em minha palma?
— De Montrag, filho de Rehm. Veio até mim pedindo que te matasse. Tem grandes inimigos dentro da glymera, meu amigo, e Montrag era só um deles. Não sei quem mais estava metido nesta conspiração, mas não podia me arriscar a tratar de averiguá-lo antes de ter tomado cartas no assunto.
Wrath colocou os olhos na bolsa e fechou seu punho em torno deles.
— Quando o fariam?
— Na reunião do conselho, depois de amanhã à noite.
— Filho de uma cadela.
V guardou a arma e cruzou os braços sobre o peito.
— Sabe, desprezo a esses filhos da puta.
— Pois parece que estou pregando aos convertidos. — disse Rehv antes de voltar a enfocar-se no Wrath — Não fui a você antes de solucionar o problema porque a idéia de que o rei me deva algo me resulta atrativa.
Wrath não pôde evitar rir.
— Comedor de pecados.
— Já sabe.
Wrath fez a bolsinha ricochetear em sua mão.
— Quando aconteceu isto?
— Faz aproximadamente meia hora. — respondeu Xhex — E não apaguei o rastro.
— Bem, certamente captaram sua mensagem. E ainda penso ir a essa reunião.
— Está seguro de que é prudente? — perguntou Rehv — Quem é que esteja detrás disto não voltará a ir para mim, porque sabem onde parece estar minha lealdade. Mas isso não significa que não encontrarão a outra pessoa.
— Deixe que o façam. — disse Wrath — Aceito o combate mortal. — desviou o olhar para Xhex — Montrag implicou a alguém?
— Cortei-lhe sua garganta de orelha  a orelha. Falar seria difícil.
Wrath sorriu e olhou o V.
— Sabe? É um pouco surpreendente que vocês dois não se dêem melhor.
— Em realidade não. — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Posso adiar a reunião do conselho. — murmurou Rehv — Se quer fazer um reconhecimento por si mesmo para averiguar quem mais está comprometido.
— Não! Se tivessem culhões como é devido, teriam tratado de me matar eles mesmos, e não teriam ido a você para que o fizesse. Assim vai ocorrer uma de duas coisas: como não sabem se Montrag os delatou antes de ficar visualmente impedido, vão esconder-se, porque isso é o que os covardes fazem, ou vão endossar a culpa a outro. Assim que a reunião segue de pé.
Rehv sorriu enigmaticamente, o symphath nele se fez evidente.
— Como deseja.
— Entretanto, quero uma resposta honesta de tua parte. — disse Wrath.
— Qual é a pergunta?
— Sinceramente considerou me assassinar? Quando lhe pediu isso.
Rehv ficou em silêncio durante um momento. Logo, assentiu devagar com a cabeça.
— Sim, fiz. Mas como já disse, agora está em dívida comigo, e dadas meus… As circunstâncias de meu nascimento, por assim dizer… Isso é muito mais valioso que o que qualquer aristocrata puxa-saco e imbecil pode fazer por mim.
Wrath assentiu com a cabeça uma vez.
— Posso respeitar esse tipo de raciocínio.
— Além disso, confrontemos: — Rehv sorriu outra vez — minha irmã se casou com alguém de sua família.
— Sei que o fez, symphath. Sei que o fez.

Após colocar a ambulância na garagem, Ehlena cruzou o estacionamento e entrou na clínica. Precisava recolher suas coisas do vestiário, mas isso não era o que a motivava. Pelo geral a essa hora da noite, Havers estava em seu escritório trabalhando nos históricos, e para ali se dirigiu. Quando chegou a sua porta, tirou-se a presilha, alisou o cabelo para trás, e o atou bem preso na base de seu pescoço. Ainda levava o casaco posto, mas embora não fosse caro, estava confeccionado em lã negra e parecia feito sob medida, assim imaginou que tinha bom aspecto.
Bateu na porta, e quando uma voz educada respondeu, entrou. O antigo escritório de Havers tinha sido um esplêndido escritório do velho mundo, cheio de antiguidades e livros encadernados em couro. Agora que estavam nesta nova clínica, sua zona de trabalho privada não era diferente de qualquer outra: paredes brancas, chão de linóleo, escrivaninha de aço inoxidável e cadeira negra com rodas.
— Ehlena. — disse ele quando levantou a vista do histórico que estava revisando — Que tal foi?
— Stephan está onde pertence...
— Querida, não tinha nem idéia de que o conhecesse. Catya me contou isso.
— Eu… O conhecia. — mas talvez não devesse ter mencionado isso à fêmea.
— Queridíssima Virgem Escriba, por que não disse?
— Porque quis honrá-lo.
Havers tirou os óculos de tartaruga marinha e esfregou os olhos.
— Ai, que pena! É algo que posso entender. De todos os modos, desejaria ter sabido. Ocupar-se dos mortos nunca é fácil, mas é especialmente difícil se tratar de uma relação pessoal.
— Catya me deu o resto do turno livre…
— Sim, eu o disse. Teve uma noite muito longa.
— Bem, obrigada! Entretanto antes de partir, quero lhe perguntar sobre outro paciente.
Havers pôs os óculos novamente.
— É obvio. Qual?
— Rehvenge. Ingressou ontem de tarde.
— Recordo-o. Tem alguma dificuldade com seus medicamentos?
— Por acaso você viu seu braço?
— Braço?
— A infecção que tem nas veias do lado direito.
O médico da raça deslizou os óculos de tartaruga marinha para cima por seu nariz.
— Ele não me indicou que seu braço estivesse dando moléstias. Se quiser voltar para ver-me, estarei encantado de revisá-lo. Mas como sabe, não posso prescrever nada sem examiná-lo.
Ehlena abriu a boca para argumentar quando apareceu a cabeça de outra enfermeira.
— Doutor? — disse a fêmea — Seu paciente está preparado na sala de exame número quatro.
— Obrigado. — Havers olhou novamente a Ehlena — Agora vá para casa e tire um descanso.
— Sim, Doutor.
Ela se escapuliu do escritório e observou como o médico da raça se afastava rapidamente e desaparecia ao virar na esquina.
Rehvenge não voltaria para ver Havers. De maneira nenhuma. Um: parecia estar muito doente para fazê-lo, e dois: já havia demonstrado ser um idiota teimoso ao ocultar deliberadamente aquela infecção ao doutor.
Macho. Estúpido.
E ela também era estúpida, considerando o que estava dando voltas em sua mente.
Em termos gerais, a ética nunca tinha sido um problema para ela. Fazer as coisas corretamente não requeria reflexão, nenhuma negociação de princípios, nem um cálculo de custo e benefícios. Por exemplo, seria incorreto ir ao fornecimento de penicilina da clínica e surrupiar, ah, digamos, pílulas de oito mil e quinhentos miligramas.
Sobretudo se daria essas pílulas a um paciente que não tinha sido visto pelo doutor para que tratasse dessa doença.
Seria simplesmente incorreto. Por qualquer ângulo que olhasse.
O correto seria telefonar ao paciente e persuadi-lo para que comparecesse à clínica para que o doutor o visse, e se não conseguisse fazer que pusesse seu rabo em marcha? Então isso seria tudo.
Sim, sem muitas complicações.
Ehlena se dirigiu para a farmácia.
Decidiu deixar nas mãos do destino. E que te parece? Era o descanso para o cigarro. O pequeno relógio marcava três e quarenta e cinco.
Olhou seu relógio. Três e trinta e três.
Abrindo o ferrolho da porta balcão, entrou na farmácia, foi direito para a penicilina, e sacudiu os frascos de pílulas de oito mil e quinhentos miligramas enfiando-os no bolso de seu uniforme… Exatamente o que tinha sido prescrito, três noites antes, para um paciente com um problema similar.
Rehvenge não ia voltar para a clínica em breve. Assim levaria o que necessitava.
Disse a si mesma que estava ajudando a um paciente e que isso era o mais importante. Demônios! Possivelmente estivesse lhe salvando a vida. Deste modo assinalou a sua consciência que isto não era OxyContin, nem Valium, nem morfina. Até onde ela sabia nunca ninguém tinha moído umas pílulas de penicilina para aspirá-las procurando um “barato”.
Enquanto entrava no vestiário e recolhia o almoço que havia trazido, mas não comera não se sentiu culpada. E quando se desmaterializou para sua casa, não sentiu nenhuma vergonha ao ir à cozinha e pôr as pílulas em uma bolsa Ziploc e colocar esta em sua bolsa.
Este era o caminho que ela escolhia. Stephan já havia morrido quando chegou até ele, e o melhor que tinha sido capaz de fazer foi ajudar a envolver seus membros frios e rígidos no linho cerimonioso. Rehvenge estava vivo. Vivo e sofrendo. E, se ele era o causador disso ou não, ainda podia ajudá-lo.
O resultado era ético inclusive se o método não o fosse.
E, algumas vezes, isso era o melhor que podia fazer.


Capítulo 24


Quando Xhex retornou ao ZeroSum eram três e meia da manhã, bem a tempo de fechar o clube. Além do mais, tinha um trabalhinho para fazer, e até que esvaziasse as caixas registradoras e despachasse o pessoal e os seguranças, não poderia atender seu assunto pessoal.
Antes de deixar o grande rancho de Rehv, entrou no banheiro e tornou a pôr os cilícios, mas os fodidos não estavam funcionando. Estava excitada. Repleta de energia. Exatamente no limite. Para o que serviam, bem podia ter levado um par de cordões atados às coxas.
Deslizando pela porta lateral da seção VIP, examinou a multidão, muito consciente de estar procurando um homem em particular.
E ele estava ali.
John Matthew fodido! Um trabalho bem feito sempre a deixava faminta e o último que precisava era a proximidade de gente como ele.
Como se notasse seus olhos sobre ele, levantou a cabeça e seus olhos de um azul profundo se acenderam. Como se deduzissem o que ela desejava. E dada à forma em que discretamente se reacomodou nas calças, estava preparado para se pôr a seu serviço.
Xhex não pôde evitar torturar a ambos. Enviou-lhe uma imagem mental, incutindo-a diretamente dentro de sua cabeça: era deles dois em um banheiro privado, ele estava de pé, reclinando-se para trás sobre o lavabo, ela tinha um pé plantado no tampo da pia, seu sexo estava profundamente enterrado no dela e os dois estavam ofegando.
Enquanto a olhava fixamente através da boate lotada, a boca de John se abriu e o rubor que cobriu suas bochechas nada tinha a ver com o abafado, e tudo com o orgasmo que sem dúvida estava pulsando em seu pênis.
Deus! Desejava-o.
Seu amigo, o ruivo, arrancou-o de seu frenesi. Blaylock retornou à mesa com três cervejas agarradas pelo gargalo, e quando lhe deu uma olhada ao endurecido e excitado rosto do John, deteve-se em seco e a olhou surpreso.
Merda!
Xhex se despediu dos seguranças que estavam se aproximando com um gesto da mão e saiu da seção VIP tão rápido, que quase derrubou uma garçonete.
Seu escritório era o único lugar seguro, e se dirigiu para lá correndo. O assassinato era um motor que, uma vez que se punha em marcha, era difícil de desacelerar e as lembranças do assassinato, do doce momento em que olhou aos olhos de Montrag para logo lhe arrebatar a vista, estavam ativando seu lado symphath. Para consumir essa energia, e aplacar-se, necessitava uma de duas coisas.
Ter sexo com o John Matthew era sem dúvida uma delas. A outra era muito menos prazerosa, mas na falta de pão, as tortas são boas, e estava a ponto de tirar seu lys e ir aplicá-lo a quantos humanos encontrasse em seu caminho. O que não seria bom para os negócios.
Cem anos depois, fechou a porta ao ruído e às pessoas que se apertavam como gado, mas não encontrou descanso em seu desértico refúgio. Demônios, nem sequer podia acalmar-se o suficiente para apertar os cilícios. Caminhou ao redor do escritório, sentindo-se enjaulada, pronta para entrar em ebulição, tratando de apaziguar-se para poder…
Com um rugido, a mudança a fulminou, seu campo visual se transformou, convertendo-se em vários matizes de vermelhos como se alguém acabasse de lhe pôr uma viseira sobre os olhos. Ao mesmo tempo, quadriculou as emoções de cada coisa viva que havia no clube, e, estalaram em seu cérebro. As paredes e o chão desapareceram e foram substituídos pelos vícios e os desesperos, os aborrecimentos e os desejos luxuriosos, as crueldades e a dor que eram tão sólidos para ela como tinha sido anteriormente a estrutura do clube.
Seu lado symphath estava saturado do “vamos-nos-portar-bem” e estava preparado para esfolar a esse bando de parvos humanos sorridentes excessivamente drogados que havia ali fora.

Quando Xhex se foi como se o chão da pista estivesse em chamas e ela fosse à única com um extintor, John voltou a afundar no banco. Após o que tinha visto em sua mente se desvaneceu, o incômodo do formigamento que sentia em sua pele começou a esfumar-se, mas sua ereção não pensava aceitar o “Oh! Bom, possivelmente da próxima vez”.
Dentro de seu jeans, tinha o pênis duro, aprisionado detrás da braguilha de botões.
Merda! Pensou John. Merda. Só... Merda!
— Linda forma de bloquear-pênis, Blay. — resmungou Qhuinn.
— Sinto. — disse Blay enquanto deslizava no banco e distribuía as cervejas — Sinto muito… Merda.
Bem, acaso isso não resumia tudo perfeitamente?
— Sabe, realmente está interessada em você. — disse Blay com um toque de admiração — Refiro-me a que, pensava que vínhamos aqui só para que pudesse contemplá-la. Mas não sabia que ela também te via dessa forma.
John abaixou a cabeça para ocultar as bochechas que ultrapassavam de longe o vermelho do cabelo de Blay.
— Sabe onde é seu escritório, John. — os olhos díspares de Qhuinn se mantiveram no mesmo nível enquanto inclinava para trás a recém trazida cerveja e dava um comprido trago — Vá ali. Agora. Assim, ao menos um de nós consegue um pouco de alívio.
John reclinou para trás e esfregou as coxas, pensando exatamente o mesmo que Qhuinn. Mas tinha culhões para fazê-lo? E, se se aproximava dela e o rechaçava?
E se voltava a perder sua ereção?
Entretanto, ao recordar o que tinha visto em sua mente, já não se sentiu tão preocupado por esse aspecto. Estava preparado para chegar ao clímax ali mesmo onde estava sentado.
— Pode ir sozinho a seu escritório. — continuou Qhuinn em voz baixa — Posso esperar no começo do corredor e me assegurar que ninguém os interrompa. Estará a salvo, e será em particular.
John pensou no único momento em que ele e Xhex estiveram juntos e a sós em um espaço fechado. Tinha sido em agosto, no banheiro dos homens da sobreloja, ela o tinha encontrado saindo a tropicões de um cubículo, completamente bêbado. Inclusive apesar de ter estado muito intoxicado, bastou vê-la para estar disposto, desesperado por seu sexo… E graças a uma grande quantidade de confiança proporcionada pela Corona, teve os colossais culhões de aproximar-se dela e lhe escrever uma mensagem em uma toalha de papel. Fizera-o para cobrar a vingança pelo que lhe tinha pedido.
O justo era justo. Queria que dissesse seu nome quando chegasse ao orgasmo durante a masturbação.
Desde então se mantiveram afastados no clube, mas malditamente juntos quando estavam em suas camas… E sabia que esteve fazendo o que lhe tinha pedido, podia dizer pela forma em que o olhava. E o pequeno intercâmbio telepático desta noite a respeito do que ela pensava que deveriam estar fazendo em um dos banheiros, era a prova suficiente de que até ela seguia ordens de vez em quando.
Qhuinn pôs uma mão no braço de John, e quando este elevou a vista para olhá-lo, o macho gesticulou: Saber encontrar o momento oportuno é tudo, John.
Muito certo. Ela o desejava, e esta noite não tinha sido unicamente no sentido da fantasia, como quando estava sozinha em casa. John não sabia o que havia mudado para ela nem qual tinha sido o catalisador, mas ao seu pênis não importava uma merda esse tipo de detalhes.
O resultado era tudo o que importava.
Literalmente.
Além disso, porra, acaso permaneceria virgem o resto de sua vida só por algo que lhe tinham feito fazia uma vida? Saber encontrar o momento oportuno era tudo, e estava farto de permanecer impassível, negando a si mesmo o que verdadeiramente desejava.
John ficou de pé e fez um gesto com a cabeça ao Qhuinn.
— Filho da puta! — disse o macho enquanto deslizava fora do banco embutido — Blay voltaremos.
— Tome seu tempo. E, John, boa sorte, ok?
John aplaudiu o ombro de seu amigo e se acomodou nos jeans antes de encaminhar-se para a saída da seção VIP. Qhuinn e ele passaram e cumprimentaram os seguranças junto ao cordão de veludo, e logo também passaram pelos suarentos bailarinos que estavam perreando[47], aos que estavam se beijando e a uma multidão que estava amontoando-se ao redor do grande balcão para o último pedido. Xhex não estava em nenhuma parte, e se perguntou se não teria ido a sua casa.
Não, pensou. Tinha que estar ali para fechar, porque Rehv não apareceu pelos arredores.
— Possivelmente já está em seu escritório. — disse Qhuinn.
Enquanto subiam as escadas para a sobreloja, pensou na primeira vez que a tinha visto. Falando de começar com o pé errado. Ela o tinha arrastado por este mesmo corredor e o tinha interrogado depois de tê-lo pego escondendo uma arma para que Qhuinn e Blay pudessem ter sexo em paz. Assim, foi como ela se inteirou de seu nome e de sua vinculação com Wrath e a Irmandade, e a forma em que o tinha maltratado o tinha excitado… Logo depois de ter superado a convicção de que ia despedaçá-lo membro a membro.
— Estarei aqui. — disse Qhuinn detendo-se no começo do corredor — Vai bem.
John assentiu e logo pôs um pé frente ao outro, frente ao anterior, e o corredor começou a ficar mais e mais escuro à medida que avançava. Quando chegou a sua porta, não se deteve a pensar, muito atemorizado de mandar mal e sair correndo para seu amigo.
Sim, e quanta falta de culhões lhe faria ver?
Além disso, desejava-o. Necessitava-o.
John levantou os nódulos para golpear… E ficou congelado. Sangue. Cheirava… Sangue.
Dela.
Sem pensar, abriu a porta e...
Oh. Deus Meu! Vocalizou.
Xhex levantou a cabeça bruscamente deixando de lado o que estava fazendo, e essa visão dela lhe ficou gravada a fogo. Havia tirado as calças de couro e as tinha pendurado no respaldo da cadeira, suas pernas estavam sulcadas por seu próprio sangue… Sangue que fluía das tiras com puas de metal que abraçavam suas duas coxas. Tinha uma bota negra sobre o escritório e estava no processo das apertá-las?
— Merda! Sai daqui!
Por quê? gesticulou com a boca, indo para ela, estendendo a mão. Oh… Deus tem que parar.
Com um profundo grunhido de sua garganta, apontou-lhe com o dedo.
— Não se aproxime.
John começou a gesticular rápida e torpemente, apesar dela não entender LSA — por que está fazendo isto…
— Porra sai daqui! Agora!
Por quê? Gritou-lhe silenciosamente.
Em resposta, seus olhos flamejaram em uma cor vermelha rubi, como se tivesse flashes coloridos engastados em seu crânio, e John ficou absolutamente gelado.
Havia só uma coisa no mundo da Irmandade que fazia isso.
— Vai.
John girou sobre si mesmo e foi direta e velozmente para a porta. Quando estendia a mão para agarrar a maçaneta, viu que era possível fechá-la por dentro, e com um rápido giro da chave de aço inoxidável, fechou-a assim ninguém mais poderia vê-la.
Quando chegou onde estava Qhuinn, não se deteve. Simplesmente prosseguiu, sem lhe importar se seu amigo e guarda pessoal o seguia.
De todas as coisas que podia ter averiguado alguma vez sobre ela, esta era a única nunca poderia ter previsto.
Xhex era uma maldita symphath.


Capítulo 25


Do outro lado de Caldwell, em uma rua ladeada de árvores, Lash estava sentado em um sofá com capa de veludo escuro, dentro de um apartamento com fachada de areia cor parda avermelhada. Pendurados ao seu lado estavam os únicos outros vestígios dos elegantes e enriquecidos humanos que viveram no lugar anteriormente: metros de formosas cortinas de damasco que iam do chão ao teto e ressaltavam as janelas panorâmicas que sobressaíam sobre a calçada.
Lash adorava as malditas cortinas. Eram de cor vinho, dourado e negro, adornadas com franjas e pompons de cetim dourado do tamanho de bolas de gude. Em sua exuberante glória, recordavam-lhe as coisas que sempre teve quando vivia naquela grande mansão Tudor, localizada na colina.
Sentia falta da elegância dessa vida. O pessoal. As comidas. Os carros.
Estava passando muito tempo com as classes baixas.
Merda, as classes baixas dos humanos, em atenção ao fundo de onde eram extraídos os lessers.
Esticou-se e acariciou uma das cortinas, ignorando a nuvem de pó que flutuou no ar assim que a tocou. Encantadora. Tão pesada e substancial, não havia nada barato nela, nem a malha, nem as tinturas, nem as pregas e cós costurados à mão.
A sensação o fez precaver-se de que precisava de uma boa casa própria e pensou que talvez pudesse ser este apartamento de pedra avermelhada. Segundo o senhor D, a Sociedade Lessening era proprietária deste lugar fazia três anos, a propriedade tinha sido comprada por um Fore-lesser convencido de que havia vampiros na área. Tinha uma garagem para dois carros enfiados no beco traseiro, assim havia intimidade, e era o mais próximo à elegância que poderia conseguir ao menos durante um bom tempo.
Grady entrou com um celular na orelha, na volta final da pista que tinha fabricado com suas caminhadas das últimas duas horas. Enquanto falava, a voz do tipo ressoava no teto alto.
Agora, apropriadamente motivado pela glândula supra-renal, o tipo havia revelado os nomes de sete distribuidores e esteve chamando um após o outro, conversando até convencê-los que se reunissem com ele.
Lash deu uma olhada ao papel onde Grady havia rabiscado sua lista. Sim, todos os contatos estariam livres de falência? Só o tempo o diria, mas um deles era definitivamente sólido. A sétima pessoa, cujo nome ao final da nomenclatura estava rodeado por um círculo negro, era alguém a quem Lash conhecia: o Reverendo.
Aliás, Rehvenge, filho de Rempoon. Proprietário do ZeroSum.
Aliás, o sacana territorial que tinha jogado Lash a pontapés de seu clube porque havia vendido umas poucas gramas aqui e ali. Merda, Lash não podia acreditar que não tivesse pensado nisso antes. É obvio que Rehvenge estaria na lista. Inferno, ele era o rio onde desembocavam todas as correntes, o cara com quem os fabricantes sul-americanos e chineses tratavam diretamente.
E isto não fazia as coisas ainda mais interessantes?
— Bom, te verei então. — disse Grady ao telefone. Quando desligou, deu-lhe uma olhada — Não tenho o número de Reverendo.
— Mas sabe onde o encontrar, verdade? – óbvio. Todos no negócio da droga, desde camelos a usuários passando pela polícia sabiam onde o cara passava seu tempo, e por esta razão era um mistério que o lugar não tivesse sido fechado fazia muito tempo.
— Entretanto, isso será um problema. Minha entrada está proibida no ZeroSum.
Bem vindo ao clube.
— Trabalharemos para mudar isso.
Embora não seria enviando a um lesser para tentar fazer um trato. Precisariam de um humano para isso. A menos que pudessem tirar Rehvenge fora de sua guarida, o que era improvável.
— Meu trabalho terminou? — perguntou Grady, olhando desesperadamente à porta principal, como se fosse um cão que precisava sair para urinar.
— Disse que precisava passar despercebido. — Lash sorriu deixando que visse suas presas — Assim voltará com meus homens a sua casa.
Grady não discutiu, só assentiu e cruzou os braços sobre a ridícula jaqueta com a águia. Seu assentimento se formava em partes iguais de personalidade, temor e esgotamento. Obviamente, se deu conta de que estava metido em muito mais merda do que acreditara a princípio. Sem dúvida pensava que as presas eram implantes cosméticos, mas alguém que acreditasse ser um vampiro poderia ser quase tão mortal e perigoso como alguém que realmente o fosse.
A porta de serviço que comunicava com a cozinha se abriu, e o senhor D entrou com dois pacotes quadrados envoltos em celofane. Eram do tamanho de uma cabeça, e enquanto o lesser se aproximava, Lash viu um montão de símbolos de dólar.
— Encontrei-os nos painéis do escritório.
Lash tirou sua navalha de mola e fez um pequeno buraco em cada um. Uma rápida lambida ao pó branco e voltou a sorrir.
— Boa qualidade. Cortaremos esta merda. Sabe onde pô-la.
O senhor D assentiu e voltou para a cozinha. Quando retornou, os outros dois assassinos estavam com ele, e Grady não era o único que parecia liquidado. Os lessers precisavam recarregar-se a cada vinte e quatro horas, e segundo a última conta, tinham estado funcionando, por quarenta e oito consecutivas. Até Lash, que podia agüentar vários dias, sentia-se esgotado.
Hora de ir-se.
Levantando-se da cadeira, vestiu o casaco.
— Eu conduzo. Senhor D, você irá sentado na parte de atrás do Mercedes e vai se assegurar de que Grady desfrute de ter chofer. Vocês dois, levem o PDM.
Saíram todos, deixando o Lexus sem placas na garagem e com o número do pára-brisa apagado.
A viagem ao complexo de apartamentos Hunterbred não levou muito, mas Grady conseguiu tirar uma sesta. Através do espelho retrovisor, viu como o idiota se apagava como uma luz, com a cabeça recostada contra o assento e a boca aberta enquanto roncava.
O que, realmente, beirava a falta de respeito.
Lash se deteve no apartamento onde ficavam o senhor D e seus dois companheiros e esticou o pescoço para olhar Grady.
— Acorda, imbecil. – enquanto o homem piscava e bocejava, Lash desprezou sua debilidade, e ao senhor D não pareceu impressionar — As regras são simples. Se tentar fugir, meus homens atirarão aí mesmo ou chamarão à polícia e dirão exatamente onde está. Assente com essa cabeça de idiota se tiver entendido o que digo.
Grady assentiu, embora Lash tivesse a sensação de que o teria feito sem importar o que houvesse dito. Se houvesse dito “Come teus próprios pés”, a resposta igualmente teria sido “Bom, certo, perfeito”.
Lash destravou as fechaduras.
— Saia de meu fodido carro.
Mais assentimentos enquanto as portas se abriam e o implacável vento entrava. Dando um passo fora do Mercedes, Grady se encolheu em sua jaqueta, com essa estúpida e fodida águia que tinha as asas estendidas enquanto o humano se encurvava sobre si mesmo. Ao senhor D, por outro lado, o frio não incomodava… Um dos benefícios de já ter morrido.
Lash deu marcha a ré para sair do estacionamento e se dirigiu para onde ele parava quando estava na cidade. Seu lugar era simplesmente uma choça de má morte em uma área cheia de anciões, com janelas que só tinham cortinas, compradas em lugares como Target, para deixar fora a seus intoxicados e viciados e dependentes vizinhos. A única vantagem era que ninguém da Sociedade sabia o endereço. Embora dormisse com o Omega por razões de segurança, voltar para este lado o deixava aturdido durante uma meia hora ou algo assim, e não queria que ninguém o apanhasse despreparado.
O tema era que, dormir era na realidade um término equivocado para o que ele necessitava. Não era como se fechasse os olhos e dormisse; virtualmente desmaiava, o que, segundo o senhor D, era o que acontecia quando se é um lesser. Por alguma razão, quando tinham o sangue de seu pai dentro deles, eram como celulares que não podiam ser utilizados enquanto se carregavam.
Quando pensou em voltar para a choça, se deprimiu e em troca, se encontrou conduzindo para a parte mais rica de Caldwell. Conhecia essas ruas tão bem como as linhas da palma de sua própria mão, e encontrou os pilares de sua antiga casa facilmente.
As portas estavam firmemente fechadas, e não podia ver por cima do alto muro que rodeava a propriedade, mas sabia o que havia dentro: o terreno, as árvores, a piscina e o terraço… Tudo mantido perfeitamente.
Merda. Queria voltar a viver assim. Esta existência barata com a Sociedade Lessening se parecia a usar um traje ordinário de roupa. Não se sentia ele. Em nenhum nível.
Estacionou o Mercedes no parque e simplesmente permaneceu ali, olhando fixamente ao caminho. Depois de assassinar aos vampiros que o tinham criado e enterrá-los no pátio ao lado da casa, tinha despojado a casa Tudor de tudo o que não estivesse fixado ou cravado, as antiguidades estavam armazenadas em várias casas de lesser dos arredores e de fora da cidade. Não retornou desde que buscara esse carro, e, assumira que, através do testamento de seus pais, a propriedade teria passado a qualquer parente de sangue sobrevivente aos assaltos que ele tinha efetuado contra a aristocracia.
Duvidava que a propriedade estivesse ainda em nome da raça. Depois de tudo, os lessers se infiltraram e, portanto, tinha sido permanentemente comprometida.
Lash sentia falta da mansão, embora não a pudesse utilizar como Quartel General. Trazia-lhe muitas lembranças, e o que era mais importante ainda, estava muito perto do mundo dos vampiros. Seus planos, suas contas e os detalhes íntimos da Sociedade Lessening não eram o tipo de merda que quisesse arriscar a que caísse em mãos da Irmandade.
Logo chegaria o momento em que voltaria a se encontrar com esses guerreiros, mas seria sob seus próprios termos. Desde que foi assassinado por esse defeituoso mutante do Qhuinn, e, seu verdadeiro pai o restabelecera ninguém exceto esse idiota do John Matthew o tinha visto… E inclusive com esse idiota mudo foi somente de uma maneira confusa, o tipo de coisa que, considerando que tinham visto seu cadáver, alguém descartaria como uma interpretação errônea.
Lash gostava de fazer grandes entradas. Quando aparecesse no mundo dos vampiros, faria de uma posição de poder. E a primeira coisa que ia fazer era vingar sua própria morte.
Seus planos futuros o faziam sentir um pouco menos falta do passado, e, enquanto olhava às árvores nuas serem açoitadas pelo forte vento, pensou na força da natureza.
E desejou ser exatamente isso.
Quando soou seu celular, levantou-o e o pôs na orelha.
— O que?
A voz do senhor D era toda formalidade.
— Tivemos uma infiltração, senhor.
As mãos de Lash apertaram o volante com força.
— Onde?
— Aqui.
— Filhos da puta. O que conseguiram?
— Jarras. As três. Pelo que sabemos foram os Irmãos. As portas permanecem firmes assim como as janelas, não temos idéia de como entraram. Deve ter acontecido em algum momento nas últimas duas noites, porque não dormimos aqui desde domingo.
— Entraram no apartamento abaixo?
— Não, esse ainda é seguro.
Pelo menos havia uma coisa a seu favor. Embora, perder jarras fosse um problema.
— Por que não soou o alarme de segurança?
— Não estava conectado.
— Jesus Cristo. Melhor que esteja aí quando chegar, porra. — Lash encerrou a chamada e girou o volante. Quando pisou fundo no acelerador, o sedã saiu disparado para o portão, o pára-choque dianteiro raspou as barras de ferro.
Fodidamente maravilhoso.
Quando chegou ao apartamento, estacionou exatamente ao lado da entrada para as escadas e quase arrancou a porta do carro ao sair. Com as rajadas geladas fazendo seu cabelo voar, subiu a escada de dois em dois e entrou disparado no lugar, preparado para atirar em alguém.
Grady estava sentado em um tamborete frente à parte sobressalente do balcão da cozinha, estava sem jaqueta, com as mangas arregaçadas, e um montão de não penso me colocar nisto na cara.
O senhor D estava saindo de um dos dormitórios terminando uma frase.
—… não entendo como encontraram este…
— Quem fez a merda? — perguntou Lash, fechando a porta ao vento que uivava — Isso é tudo o que me preocupa. Quem foi o idiota que não conectou o alarme e comprometeu esta localização? E se ninguém se responsabilizar, você — apontou para o senhor D— será o responsável.
— Não fui eu. — o senhor D olhou duramente a seus homens — Faz dois dias que não venho aqui.
O lesser da esquerda levantou os braços, mas como era típico em sua raça, não foi para submeter-se, mas sim porque estava preparado para lutar.
— Tenho minha carteira e não falei com ninguém.
Todos os olhos foram para o terceiro assassino, que se zangou:
— Que porra? — com gestos exagerados procurou em seu bolso traseiro — Tenho mi…
Colocou a mão mais ao fundo como se pudesse mudar algo. Logo, fez uma atuação ao estilo dos Três Patetas, verificando cada bolso que tinha nas calças, a jaqueta e a camisa. O idiota não titubearia em abrir o próprio rabo para dar uma olhada se pensasse que houvesse a possibilidade de sua carteira ter aberto passagem por seu cólon.
— Onde está sua carteira? — perguntou Lash brandamente.
Cabeça de Mármore se deu conta.
— O senhor N… Esse idiota. Discutimos porque queria que lhe desse “algumas verdinhas”. Lutamos e deve ter surrupiado minha carteira.
O senhor D caminhou tranqüilamente até ficar atrás do assassino e o golpeou ao lado da cabeça com a culatra de sua Magnum. A força do impacto fez que o assassino começasse a girar como a tampa de uma cerveja até se estalar contra a parede, onde deixou um borrão negro que manchou a pintura branca quando deslizou para baixo, até cair no tapete barato de cor marrom.
Grady deixou escapar um grasnido de surpresa, como um terrier que golpeassem com um jornal.
E então soou o toque da campainha. Todos olharam para a origem do som e logo para Lash.
Ele apontou para Grady.
— Permanece exatamente onde está. — quando a campainha voltou a soar fez um gesto com a cabeça ao senhor D — Responde.
Enquanto o pequeno texano passava por cima do assassino derrubado e colocava a arma no cinto das calças na parte baixa das costas abriu só uma fresta da porta.
— Domino’s. — disse uma voz masculina quando uma lufada de vento entrou soprando — Ah… Merda, tome cuidado!
Era uma comédia de fodidos embrulhos, o tipo de coisa que se via em um filme cheio de palhaçadas e embrulhos. Quando o entregador retirava a caixa de pizza da bolsa térmica vermelha, o forte vento a pegou, e a calabresa e algo mais saíram voando em direção ao senhor D... Como um bom empregado, o menino voador com o boné se esticou para frente para agarrar a coisa… E terminou golpeando o senhor D com força e invadindo o apartamento.
E Lash apostaria que os empregados de Domino’s recebiam instruções específicas a respeito de que jamais deviam fazer tal coisa, e, por uma boa razão. Se, invadia a casa de alguém, embora estivesse fazendo o papel de herói, podia encontrar todo tipo de merda: pornografia pervertida na televisão. Uma dona-de-casa gorda vestida somente com as calcinhas da avó e nenhum sutiã. Um barracão asqueroso com mais baratas que pessoas.
Ou um exemplar dos não mortos sangrando sangue negro de uma ferida na cabeça.
Não havia modo que o Menininho Pizza deixasse de ver o que tinha à frente. E isso significava que teriam que encarregar-se dele.

Após ter passado o restante da noite andando sem rumo fixo pelo centro de Caldwell em busca de um lesser com quem lutar, John tomou forma no pátio da mansão da Irmandade junto a todos os carros que estavam estacionados em uma fila ordenada. O implacável vento empurrava seus ombros, como um valentão querendo derrubá-lo, mas se manteve firme contra o violento ataque.
Uma symphath. Xhex era uma symphath.
Enquanto sua mente se agitava ante a revelação, Qhuinn e Blay se materializaram ao seu lado. Tinha que dizer em honra dos dois, nenhum deles perguntou que porra tinha acontecido no ZeroSum. Não obstante, ambos continuavam olhando-o como se fosse uma proveta em um laboratório de ciência, como se esperassem que trocasse de cor ou jogasse espuma ou algo.
Preciso de um pouco de espaço, gesticulou sem enfrentar nenhuma de seus olhares.
— Não há problema. — respondeu Qhuinn.
Houve uma pausa enquanto John esperava que entrassem na casa. Qhuinn limpou a garganta uma vez. Duas vezes.
Então com voz estrangulada, disse:
— Sinto muito. Não queria voltar a te pressionar. Eu…
John sacudiu a cabeça e gesticulou. Não está relacionado com o sexo. Assim não se preocupe, ok?
Qhuinn franziu o cenho.
— Bom. Sim, genial. Ah… Se precisar estaremos por aqui. Vamos, Blay.
Blay o seguiu e os dois subiram os degraus baixos de pedra e entraram na mansão.
Quando finalmente esteve sozinho, John não tinha a menor idéia do que fazer ou aonde ir, mas o amanhecer se aproximava, por isso, além de um breve passeio pelos jardins, tinha poucas opções ao ar livre.
Embora, Deus, perguntava-se se ao menos poderia entrar. Sentia-se poluído pelo que tinha descoberto.
Xhex era uma symphath.
Rehvenge saberia? Alguém mais?
Ele era bem consciente do que a lei requeria que fizesse. Aprendera durante seu treinamento. Quando se tratava de symphaths, devia denunciá-los para que os deportassem ou seria considerado cúmplice. Malditamente claro.
Entretanto, o que acontecia depois?
Sim, não era necessário ser adivinho para saber. Xhex seria transportada como lixo a um esgoto, e as coisas não seriam boas para ela. Estava claro que era uma mestiça. Tinha visto fotografias de symphaths, e não se parecia em nada a esses altos, magros, arrepiantes e imbecis FDP. Havia boas probabilidades de que a matassem na colônia, porque pelo que sabia, quando se tratava da discriminação, os symphaths eram iguais a glymera.
Salvo pelo fato de gostarem de torturar ao objeto de suas brincadeiras. E não no sentido verbal.
Que porra tinha feito…
Quando o frio o fez tiritar sob a jaqueta de couro, entrou na casa e subiu diretamente a escada principal. As portas do escritório do rei estavam abertas e podia ouvir a voz de Wrath, mas não se deteve para ver o rei. Seguiu andando, girando na esquina para o corredor das estátuas.
Embora não se dirigia a seu quarto.
John se deteve diante da porta de Tohr, fazendo uma pausa para alisar o cabelo. Havia só uma pessoa com quem queria falar disso, e rezou pedindo que embora fosse por uma vez pudesse receber algum tipo de resposta.
Necessitava ajuda. Muita.
John bateu brandamente.
Não houve resposta. Voltou a bater.
Enquanto esperava e esperava, olhou fixamente os painéis da porta e considerou as últimas duas ocasiões em que invadira salas sem ser convidado. A primeira durante o verão quando se intrometeu no dormitório de Cormia e a tinha encontrado nua e curvada de lado com sangue nas coxas. O resultado? Tinha surrado Phury sem nenhuma razão, o sexo tinha sido de mútuo consentimento.
A segunda tinha sido na de Xhex, esta noite. E olhe em que situação o tinha posto.
John bateu mais forte, os nódulos golpearam forte o bastante para despertar aos mortos.
Não houve resposta. Pior ainda, não havia nenhum som. Nenhuma televisão, nenhuma ducha, nenhuma voz.
Retrocedeu para ver se saía alguma claridade por debaixo da porta. Não. Assim Lassiter não estava aí dentro.
O terror fez que engolisse com dificuldade, enquanto abria lentamente a porta. Os olhos foram primeiro à cama, e ao não encontrar o Tohr ali, John definitivamente entrou pânico. Atravessando o tapete oriental às pressas, dirigiu-se velozmente para o banheiro, esperando encontrar o Irmão escancarado na Jacuzzi com os pulsos cortados.
Não havia ninguém em nenhuma das duas habitações.
Uma estranha e vertiginosa esperança estalou em seu peito enquanto saía novamente ao corredor. Olhando a esquerda e direita, decidiu começar pelo dormitório de Lassiter.
Não houve resposta, e, ao olhar dentro, encontrou tudo muito asseado e ordenado junto com um débil aroma de ar fresco.
Isto era bom. O anjo tinha que estar com Tohr.
John foi velozmente para o estúdio de Wrath e depois de bater na soleira, apareceu à cabeça, inspecionando rapidamente o comprido e fino sofá, as poltronas e o suporte da chaminé onde os Irmãos gostavam de reclinar-se.
Wrath levantou o olhar da escrivaninha.
— Olá, filho. O que acontece?
Oh, nada. Já sabe. Só… Desculpe-me.
John desceu correndo a escada principal, sabendo que se Tohr estava fazendo sua primeira incursão de volta ao mundo, não ia querer fazer um grande espetáculo disso. Provavelmente começaria simplesmente, só indo à cozinha com o anjo a procura de um pouco de comida.
John chegou ao chão de mosaico do vestíbulo no andar de baixo, e quando ouviu vozes de macho à direita, olhou dentro da sala de bilhar. Butch estava agachado sobre a mesa de bilhar a ponto de fazer um disparo e Vishous estava detrás dele, vaiando. A tela plana da TV mostrava o canal de esportes e só havia dois copos baixos e gordinhos, um com um líquido cor âmbar, o outro contendo um produto cristalino que não era água.
Tohr não estava ali, mas nunca esteve muito interessado nos jogos. Além disso, com a maneira em que Butch e V atacavam um contra o outro, não eram o tipo de companhia que desejaria se estava a ponto de voltar a afundar os pés nas águas sociais.
Dando a volta, John cruzou apressadamente o refeitório, posto para a Última Comida, e entrou na cozinha, onde encontrou… Aos doggen preparando três tipos diferentes de molhos para massa, tirando pão italiano caseiro do forno, mexendo as saladas e abrindo garrafas de vinho tinto para que respirassem e… Nada de Tohr.
A esperança escapou do peito de John, deixando uma tensão amargurada.
Aproximou-se de Fritz, o extraordinário mordomo, que o saudou com um brilhante sorriso em seu rosto velho e enrugado.
— Olá, senhor, como vai você?
John fez os gestos diante de seu peito para que ninguém mais pudesse ver.
Escute, viu…
Merda, não queria aterrorizar a toda a casa sem outro motivo além de que estava se apressando a tirar conclusões. A mansão era enorme e Tohr podia estar em qualquer lugar.
…a alguém? Terminou.
As franzinas sobrancelhas brancas de Fritz se juntaram.
— Alguém, senhor? Refere-se às senhoras da casa ou…
Machos., gesticulou. Viu algum dos Irmãos?
— Bom, estive aqui preparando o jantar durante a última hora, mas sei que vários voltaram para casa do campo. Rhage pegou seus sanduíches tão logo retornou, Wrath está no escritório, e Zsadist está banhando à pequena. Deixe ver… Oh, e acredito que Butch e Vishous estão jogando bilhar, já que um de meu pessoal lhes serviu bebidas na sala de bilhar faz um momento nada mais.
Correto, pensou John. Se um Irmão que ninguém tinha visto sair durante digamos, quatro meses, aparecesse certamente seu nome teria sido o primeiro da lista.
Obrigado, Fritz.
— Estava procurando a algum em particular?
John sacudiu a cabeça e voltou a sair ao vestíbulo, esta vez movendo-se com pés de chumbo. Quando entrou na biblioteca, não esperava encontrar ninguém, e o que lhes parece? A sala estava cheia de livros e completamente desprovida de qualquer Tohr.
Onde poderia…?
Possivelmente não estivesse na casa absolutamente.
John fechou a biblioteca e patinou ao dar a volta ao redor da escada principal, as solas de seus shitkickers chiaram quando dobrou a esquina. Abrindo violentamente a porta oculta sob os degraus, entrou no túnel subterrâneo da mansão.
É obvio. Tohr iria ao centro de treinamento. Se ia despertar e começar a viver, isso significava que voltaria para o campo de batalha. E isso significava exercitar-se para conseguir que seu corpo voltasse a estar em forma.
Quando John saiu ao escritório das instalações, estava completamente de retorno na terra da esperança e quando não encontrou Tohr no escritório, não se surpreendeu.
Aí tinha sido onde o tinham informado da morte de Wellsie.
John arrastou o traseiro para o corredor, e o leve som dos pesos ressonando foi uma fodida sinfonia para seus ouvidos, o alívio floresceu em seu peito até que as mãos e os pés formigaram.
Mas tinha que controlar-se. Aproximando-se da sala de treinamento, sacudiu o sorriso, e abriu amplamente a porta…
Blaylock lhe jogou uma olhada do banco. A cabeça do Qhuinn se movimentava acima e abaixo na barra de exercícios.
Enquanto John jogava uma olhada a seu redor, ambos deixaram o que estavam fazendo, Blay voltando a deixar a barra de peso em seu lugar, Qhuinn baixando-se lentamente ao chão.
Viram o Tohr? Gesticulou John.
— Não. — disse Qhuinn enquanto enxugava o rosto com uma toalha — Por que ele estaria aqui?
John saiu correndo e se dirigiu ao ginásio, onde não encontrou nada exceto luzes embutidas, chãos de tábuas resplandecentes e colchonetes de um azul brilhante. A sala de equipamento só tinha equipamento. A sala de primeiros socorros e fisioterapia estava vazia. A clínica de Jane igual.
Partiu correndo, saindo disparado pelo túnel para a casa principal.
Uma vez ali, subiu diretamente para as portas abertas do escritório, e esta vez não bateu na soleira. Caminho diretamente até a escrivaninha de Wrath e gesticulou, Tohr se foi.

Enquanto o entregador do Domino’s gesticulava para agarrar a caixa de pizza, todos os outros ficaram imóveis.
— Passou perto. — disse o humano — Não queria que terminasse em…
O homem que estava agachado ficou congelado nessa posição quando seus olhos rastrearam a mancha negra da parede até o enfraquecido e queixoso lesser que a tinha ocasionado.
— … Em… Seu… Tapete.
— Cristo. — cuspiu Lash, tirando a navalha de mola do bolso no peito, acionando a folha e aproximando-se das costas do homem. Quando o moço do Domino’s ficou de pé, Lash passou o braço ao redor de seu pescoço e lhe cravou a faca diretamente no coração.
Enquanto o homem se murchava e ofegava, a caixa de pizza caía ao chão e se abria, a cor do molho de tomate e da calabresa pertencia à mesma gama de cores que o sangue que saía da ferida.
Grady saltou de seu tamborete e apontou ao assassino que ainda estava de pé.
— Ele me permitiu encomendar a pizza!
Lash apontou com a ponta da faca ao idiota.
— Fecha a puta boca.
Grady voltou a sentar no tamborete.
O senhor D estava de saco muito cheio quando foi até o assassino restante.
— Deixou-o encomendar uma pizza? Fez isso?
O lesser grunhiu.
— Pediu-me que entrasse e montasse guarda na janela do dormitório de atrás. Assim foi como descobrimos que tinham desaparecido as jarras, recorda? O imbecil que empapa o tapete foi o que o deixou chamar.
O senhor D não parecia ter interesse na lógica, e por divertido que pudesse ser lhe ver ficar em plano Jack Russel[48] com esse rato lesser, não havia muito tempo. Este humano que tinha aparecido com a pizza não voltaria a fazer mais entregas, e seus companheiros de uniforme se dariam conta disso bastante rápido.
— Telefona para que venham reforços. — disse Lash, fechando a folha e aproximando-se do lesser incapacitado — Que venham com um caminhão. Assim retira as caixas com armas. Evacuaremos este apartamento e o de baixo.
O senhor D pegou o telefone e começou a ladrar ordens enquanto o outro assassino entrava no dormitório do fundo.
Lash examinou o Grady, que olhava fixamente a pizza como se estivesse considerando seriamente levantá-la do tapete para comer.
— A próxima vez que você…
— As armas desapareceram.
Lash girou a cabeça para o lesser.
— Desculpe?
— As caixas com armas não estão no armário.
Por uma fração de segundo, em tudo o que Lash pôde pensar foi matar a alguém, e o único que salvou o Grady de ser esse alguém foi que mergulhou rapidamente na cozinha, fora de seu campo visual.
Não obstante a lógica preponderou sobre a emoção, e dirigiu sua vista para o senhor D.
— É responsável pela evacuação.
— Sim, senhor.
Lash apontou com o dedo ao assassino que estava no chão.
— Quero que o levem ao centro de persuasão.
— Sim, senhor.
— Grady? — quando não houve resposta, Lash amaldiçoou e entrou na cozinha para encontrar ao tipo inclinado dentro do frigorífico, sacudindo a cabeça ante as estantes vazias. O idiota era muito estreito de mente ou estava sinceramente ensimesmado, e Lash apostava que era o último — Vamos.
O humano fechou a porta do frigorífico e veio como o cão que era: rapidamente e sem discutir, movendo-se tão velozmente que deixou seu casaco atrás.
Lash e Grady tinham saído repentinamente ao frio, e o quente interior do Mercedes foi um alívio.
Enquanto Lash saía lentamente do complexo, porque apressar-se poderia ter atraído a atenção das pessoas, Grady o olhou.
— Esse cara… Não o da pizza… O que morreu… Não era normal.
— Não. Não era.
— Tampouco você.
— Não. Eu sou uma divindade.


Capítulo 26

Quando caiu a noite, Ehlena vestiu o uniforme embora não fosse à clínica. Por duas razões, uma, ajudava com seu pai, que não tolerava bem as mudanças de rotina. E dois, sentia como se lhe desse uma pequena distância quando se encontrasse com Rehv.
Não dormiu nada durante o dia. Enquanto jazia na escuridão, as imagens do depósito de cadáveres e a lembrança da forma em que havia soado fatigada a voz de Rehvenge eram uma diabólica equipe que corria desenfreada martelando em seu cérebro, fazendo rodar e mudar seus sentimentos até que lhe doeu o peito.
Estava realmente a caminho de encontrar-se com Rehvenge? Em sua casa? Como tinha acontecido isto?
Essas perguntas ajudaram-na a recordar que só ia lhe entregar remédios. Isto se tratava de prestar cuidados de nível clínico, de enfermeira a paciente. Pelo amor de Deus, ele esteve de acordo com ela que não deveria encontrar-se com ninguém, e, não era como se a tivesse convidado para jantar. Estava lhe levando as pílulas e tentaria persuadi-lo a ir ver Havers. Isso era tudo.
Após verificar como estava seu pai e lhe dar seu medicamento, se desmaterializou para a calçada defronte ao edifício Commodore situado no meio do centro. De pé entre as sombras, levantou o olhar para o lado liso e brilhante da alta torre, e a surpreendeu o contraste entre este e o sórdido lugar ao rés do chão que ela alugava.
Caramba… Viver entre todo esse cromado e vidro custava dinheiro. Muito dinheiro. E Rehvenge tinha um apartamento de cobertura. Além disso, esta devia ser só uma das propriedades que possuía, porque nenhum vampiro em seu juízo perfeito dormiria rodeado por todas essas janelas durante as horas diurnas.
A linha divisória entre a gente normal e a gente rica parecia tão longa como a distância entre onde ela estava parada e onde se supunha que Rehvenge a esperava, e por um breve momento se entreteve com a fantasia de que sua família ainda tinha dinheiro. Possivelmente dessa forma, estaria levando algo diferente de seu casaco barato de inverno e sua uniforme.
Enquanto permanecia na rua, muito abaixo de Rehvenge, parecia-lhe impossível que tivesse conectado com ele como tinha feito, mas em definitivo, o telefone era uma relação virtual, só um degrau mais acima de estar online. Cada pessoa estava em seu próprio ambiente, invisíveis um ao outro e só suas vozes se mesclavam. Era uma falsa intimidade.
Realmente tinha roubado pílulas para este macho?
Verifique seus bolsos, imbecil, pensou.
Com uma maldição, Ehlena se materializou no terraço do apartamento de cobertura, aliviada de que a noite estivesse relativamente tranqüila. De outro modo, com o frio que fazia qualquer vento ali em cima…
Que… Demônios?
Através dos inumeráveis painéis de vidro, o resplendor de centenas de velas convertia a noite escura em uma névoa dourada. Dentro, as paredes do apartamento de cobertura eram negras, e havia… Coisas penduradas delas. Coisas como um gato de nove caudas[49] feito de metal, chicotes de couro e máscaras… E havia uma mesa grande, de aparência antiga que estava… Não, espera, isso era uma mesa de tortura, verdade? Com correias de couro pendurando dos quatro cantos.
OH… Demônios, não. Rehvenge gostava desta merda?
Bom. Mudança de planos. Deixaria os antibióticos, certo, mas seria enfrente a uma dessas portas corrediças, porque não havia maneira de que entrasse aí dentro. De. Nenhuma. Fodida. Maneira…
Um tremendo macho com cavanhaque saiu do banheiro, secando as mãos e endireitando as calças de couro enquanto ia para a mesa de tortura. Com um salto ágil, subiu à coisa e logo começou a prender um dos grilhões ao tornozelo.
Isto estava se tornando mais doentio. Um trio?
— Ehlena?
Ehlena girou tão rapidamente que golpeou o quadril contra a parede que rodeava todo o trecho. Quando viu quem era, franziu o cenho.
— Doutora Jane? — disse, pensando que essa noite estava passando rapidamente dos “Oh, demônios, não” diretamente ao território de QCP[50] — O que está…?
— Acredito que está no lado errado do edifício.
— Lado errado… Oh, espere, este não é o apartamento de Rehvenge?
— Não, de Vishous e meu. Rehv está do lado leste.
— Oh… — tinha as bochechas vermelhas. Muito vermelhas, e não por causa do vento — Lamento muito, me haver equivocado…
A doutora fantasmal riu.
— Está bem.
Ehlena voltou a olhar o vidro, mas logo afastou a vista rapidamente. Sem dúvida, esse era o Irmão Vishous. Que tinha olhos diamantinos e tatuagens no rosto.
— O lado leste é o que quer.
O que Rehv havia dito, verdade?
— Irei ali agora mesmo.
— Convidaria a cortar caminho, mas…
— Sim. Será melhor que vá por mim mesma.
A doutora Jane sorriu com uma boa dose de malícia.
— Penso que será melhor.
Ehlena se acalmou e se desmaterializou para a parte correta do prédio, pensando, a Doutora Jane era uma dominatrix?
Bem, coisas mais estranhas tinham acontecido.
Quando recuperou sua forma, quase teve medo de olhar através do vidro, tendo em conta o que acabara de ver. Se Rehvenge tinha mais do mesmo — ou pior ainda, coisas como roupa de senhora do tamanho de um macho, ou plumas de aves movendo-se por toda parte — não sabia se seria capaz de relaxar-se o bastante para desmaterializar seu traseiro fora dali.
Mas não. Nenhum Ru-Paul[51]. Nada que necessitasse um coche ou uma cerca. Só um encantador e moderno interior feito com esse tipo de móveis suaves e singelos que deviam ter vindo da Europa.
Rehvenge apareceu através de uma arcada e se deteve ao vê-la. Quando levantou a mão, a porta corrediça de vidro diante dela se abriu porque ele dispôs com sua mente, e pôde captar um aroma maravilhoso proveniente do apartamento de cobertura.
Era… Rosbife?
Rehvenge se aproximou, movendo-se com andar suave, embora dependesse de sua bengala. Esta noite, levava um suéter negro de gola alta que evidentemente era de caxemira e um impactante terno negro, e com sua roupa fina, parecia saído da capa de uma revista, sofisticado e sedutor, um absoluto impossível.
Ehlena se sentia uma parva. Vendo-o ali em seu belo apartamento, não que pensasse estar abaixo dele. Era somente que estava claro que não tinham nada em comum. Que tipo de delírio a tinha golpeado quando falaram ou se viram na clínica?
— Bem vinda. — Rehvenge se deteve na porta e estendeu a mão para ela — Teria te esperado fora, mas faz muito frio para mim.
Dois mundos totalmente diferentes, pensou ela.
— Ehlena?
— Sinto muito. — devido a que seria grosseiro não fazê-lo, pôs a mão na dele e entrou no apartamento de cobertura. Mas, em sua mente, já o tinha abandonado.

Quando as palmas se encontraram, Rehv se sentiu atracado, assaltado, roubado, quebrado e registrado: não sentiu nada quando suas mãos se fundiram, e desejava desesperadamente poder sentir o calor de Ehlena. De todos os modos, apesar de estar intumescido, o simples fato de olhar como suas peles entravam em contato foi suficiente para fazer seu peito chispar como se fosse aparas de aço brilhante.
— Olá. — disse ela com um tom rouco enquanto ele a atraía dentro.
Fechou a porta e continuou agarrando sua mão até que ela rompeu o contato, aparentemente para dar uma volta e dar uma olhada ao lugar. Entretanto, pressentia que ela necessitava espaço físico.
— A vista aqui é extraordinária. — disse detendo-se para olhar fixamente a vista da cidade cintilante que se estendia ante ela — Gracioso, mas aqui de cima se parece com uma maquete.
— Estamos alto, isso é certo. — olhava-a com olhos obsessivos, absorvendo-a através de sua vista — Adoro a vista. — murmurou.
— Posso ver por que.
— E é tranqüilo. — privado. Só eles e ninguém mais no mundo. E, estando a sós com ela aqui e agora, quase podia acreditar que todas as coisas sujas que tinha feito foram crimes cometidos por um estranho.
Ela sorriu um pouco.
— Sem dúvida que é tranqüilo. No apartamento ao lado estão utilizando mordaças de bola… Né…
Rehv riu.
— Equivocou-se de lado do edifício?
— Eu que o diga.
Esse rubor indicou que tinha visto algo mais que meros objetos inanimados da coleção Bondage-R-us[52] de brinquedos de V e de repente Rehv ficou mortalmente sério.
— É necessário que fale com meu vizinho?
Ehlena sacudiu a cabeça.
— Não foi sua culpa, e felizmente ele e Jane não haviam… Er, começado. Graças a Deus.
— Pelo que vejo você não gosta muito desse tipo de coisas.
Ehlena voltou a cravar o olhar no panorama.
— Ouça, eles são pessoas adultas, assim está tudo bem. Mas, eu pessoalmente? Nunca na vida.
Falando de romper o clima. Se o BDSM[53] era muito para ela, supunha que isso queria dizer que não compreenderia o fato de que ele fodia a uma fêmea a que odiava como forma de pagamento à chantagem que lhe fazia. Que, casualmente era sua meio-irmã. Oh, e que era uma symphath.
Igual a ele.
Seu silêncio a fez voltar à cabeça sobre o ombro.
— Sinto muito. Ofendi a você?
— Tampouco o pratico. — oh, absolutamente. Ele era uma puta com padrões… A merda da perversão era adequada unicamente se fosse forçado a isso. Ao caralho com a sexualidade extrema de mútuo acordo que praticavam V e sua companheira. Sim, porque isso estava simplesmente mal.
Cristo, ele estava muito abaixo dela.
Ehlena perambulou pelo lugar, seus sapatos de suave revestimento não faziam nenhum som no chão de mármore negro. Enquanto a olhava, deu-se conta de que sob o casaco de lã negro tinha o uniforme. O que era lógico, observou a si mesmo, se depois tinha que ir trabalhar.
Vamos, disse-se. Pensou realmente que ficaria toda a noite?
— Posso pegar seu casaco? — disse, sabendo que devia ter calor — Tenho que manter este lugar mais quente do que a maioria das pessoas acha cômodo.
— Na verdade… Deveria partir. — colocou a mão no bolso — Só vim trazer a penicilina.
— Esperava que ficasse para jantar.
— Sinto muito. — estendeu-lhe uma bolsa de plástico — Não posso.
Uma imagem relâmpago da princesa se ativou no cérebro de Rehv, e se recordou quão bem se sentia ao fazer o correto com Ehlena… Apagando seu número de telefone. Não tinha nada que fazer cortejando-a. Nada absolutamente.
— Compreendo. — pegou as pílulas — E, obrigado por estas.
— Tome duas e quatro vezes ao dia. Dez dias. Promete-me isso?
Ele assentiu uma vez.
— Prometo-o.
— Bom. E trata de ir ver o Havers, fará?
Houve um momento de embaraçoso silêncio, até que ela levantou a mão.
— Bom… Então, adeus.
Ehlena girou, e ele abriu o painel de vidro com a mente, já que não confiava em si mesmo para aproximar-se muito dela.
Oh, por favor, não vá. Por favor, não, pensou.
Só queria sentir-se… Limpo durante um tempinho.
Após sair, ela se deteve e o coração de Rehv palpitou com força.
Ehlena olhou para trás, e o vento despenteou as mechas de cabelo pálido jogando-o para seu encantador rosto.
— Com comida. Deve tomar com a comida.
Correto. Informação médica.
— Tenho muita aqui.
— Bom.
Depois de fechar a porta, Rehv a olhou desaparecer nas sombras e teve que obrigar-se a dar a volta.
Andando lentamente e utilizando a bengala, caminhou ao longo da parede de vidro e girando em uma esquina foi para o resplendor da sala de jantar.
Havia duas velas acesas. Dois lugares dispostos com talheres de prata. Dois copos para vinho. Dois copos para água. Dois guardanapos dobrados precisamente e colocadas em cima de dois pratos.
Sentou-se na cadeira que teria oferecido a ela, a que estava a sua direita, a posição de honra. Apoiou a bengala contra sua coxa e deixou a bolsa de plástico na mesa de ébano, alisando-a com a mão para que os antibióticos descansassem um ao lado do outro em uma fila pulcra e ordenada.
Perguntou-se por que não vinham em uma garrafa laranja com uma etiqueta branca, mas de qualquer forma, ela os havia trazido. Isso era o principal.
Sentado ali no silêncio, rodeado pela luz das velas e o aroma do rosbife que acabava de tirar do forno, Rehv acariciou a bolsa de plástico com o indicador intumescido. Certo como a merda que estava sentindo algo. No ponto morto de seu peito, tinha uma dor atrás do coração.
Tinha realizado muitos atos malvados no curso de sua vida. Grandes e pequenos.
Tinha armado armadilhas a pessoas só para jogar com elas, fossem traficantes vagabundos transgredindo seu território, ou Johns que não tratavam bem a suas putas, ou idiotas que andavam fodendo em seu clube.
Havia provido a outros de seus vícios, para tirar benefícios. Vendia drogas. Vendia sexo. Vendia morte em forma das habilidades especiais de Xhex.
Havia fodido por todas as razões equivocadas.
Tinha mutilado.
Tinha assassinado.
E ainda assim, nada disso o tinha incomodado em seu momento. Não houvera dúvidas, nem arrependimentos, nada de empatia. Só mais esquemas, mais planos, mais ângulos para ser descobertos e explorados.
Não obstante, aqui ante essa mesa vazia, nesse apartamento de cobertura vazio, sentia dor no peito e sabia o que era: saudade.
Teria sido extraordinário merecer a Ehlena.
Mas, isso era só mais uma coisa que não ia sentir jamais.

Capítulo 27


Quando a Irmandade se reuniu no escritório, Wrath manteve o olhar sobre John de seu vantajoso posto atrás da supérflua mesa de escritório. Ao outro lado, o menino parecia um animal que fora atropelado na estrada. Seu rosto estava pálido, seu grande corpo imóvel e não participava da discussão. O aroma de suas emoções era a pior parte disso, pensou: não havia nenhum. Nem a dentada picante e vigorosa da ira. Nem o ácido e defumado sopro da tristeza. Nem sequer um pingo do aroma azedo do medo.
Nada. Enquanto se encontrava entre os Irmãos e seus dois melhores amigos, permanecia isolado por sua falta de reação e ensimesmado indiferente… Estava com eles, mas não realmente.
Não de forma proveitosa.
A dor de cabeça de Wrath que como seus olhos, seus ouvidos e sua boca parecia estar permanentemente presa a seu crânio, realizou um renovado assalto a suas têmporas, e ele se sentou bem erguido na cadeira para mariquinhas com a esperança de que um ajuste na posição de sua coluna pudesse aliviar a pressão.
Não teve sorte.
Possivelmente uma amputação de crânio serviria. Deus sabia que Doutora Jane era boa com a serra.
Em frente, na feia poltrona verde, Rhage mordeu com força um Tootsie Pop, rompendo um dos muitos silêncios incômodos que tinham marcado a reunião.
— Tohr não pode ter ido longe. — murmurou Hollywood — Não está suficientemente forte.
— Verifiquei no Outro Lado. — disse Phury do alto-falante do telefone — Não está com as Escolhidas.
— Que tal se dermos uma volta por sua antiga casa? — sugeriu Butch.
Wrath balançou a cabeça.
— Não posso imaginar que queira ir ali. Muitas lembranças.
Merda, nem sequer a menção do lar em que John passara algum tempo despertou algo no menino. Mas ao menos, finalmente, escurecera assim podiam sair a procurar o Tohr.
— Eu fico se por acaso voltar. — disse Wrath no momento em que se abriam as portas duplas e V entrava dando pernadas — Quero que o resto de vocês saia para buscá-lo na cidade, mas antes de ir, deixemos que nossa própria Katie Couric  nos ponha em dia. — fez um gesto com a cabeça para Vishous — Katie?
O olhar furioso de V foi a versão ocular de um dedo médio completamente estendido, mas procedeu com o relatório.
— Ontem à noite, no registro policial, houve uma denúncia registrada por um detetive de homicídios. Um cadáver foi achado no lugar onde se encontraram as caixas de armas. Humano. Entregador de pizzas. Com uma única ferida de faca no peito. Não há dúvida de que o pobre bastardo se topou com algo que não devia. Acabo de piratear os detalhes do caso e o que acreditam? Descobri uma anotação a respeito de uma mancha negra e oleosa que encontraram na parede próxima à porta. — ouviram-se várias maldições resmungadas, muitas das quais incluíam a palavra com F — Sim, bem, agora vem a parte interessante. A polícia assentou que uma Mercedes foi vista no estacionamento aproximadamente duas horas antes que o gerente do Domino’s chamasse para denunciar que um de seus empregados não havia retornado depois de levar o pedido a esse endereço. E, uma das vizinhas viu um homem loiro, obviamente, entrar nele com outro cara de cabelo escuro. Disse que era estranho ver esse tipo de sedã ostentoso na área.
— Uma Mercedes? —perguntou Phury do telefone.
Rhage, tendo triturado outro pirulito, para regozijo de sua alteza, lançou um palito branco dentro do lixo de papel.
— Sim, desde quando a Sociedade Lessening investe essa quantidade de efetivo em suas rodas?
— Exato. — disse V — Não faz sentido. Mas aqui vem a merda. Também há testemunhas que reportaram ter visto um Escalade negro de aspecto suspeito à noite anterior… E a um homem de negro tirando… Oh, caramba! Não me diga que eram… Caixas? Sim, quatro malditas caixas da parte traseira desse grupo de quatro apartamentos.
Quando seu companheiro de quarto olhou fixa e intencionadamente ao Butch, o polícia sacudiu a cabeça.
— Mas não fazem menção a que tenham as placas da Escalade. E nem bem cheguei troquei o jogo de placas que tinha posto. Quanto a Mercedes? As testemunhas confundem as coisas todo o tempo. É possível que o loiro e o outro homem não tenham tido nada a ver com o assassinato.
— Bom, vou manter um olho atento sobre o assunto. — disse V — Não acredito que exista a  possibilidade que a polícia vá relacioná-lo com algo que envolva ao nosso mundo. Demônios, muitas coisas deixam manchas negras, mas é melhor estar preparados.
— Se o detetive deste caso é o que estou pensando, é um dos bons. — disse Butch tranqüilamente — Um muito bom.
Wrath ficou em pé.
— OK, o sol se pôs. Saiam daqui. John, quero falar um momento contigo em particular.
Wrath esperou que as portas se fechassem depois do último de seus irmãos antes de falar.
— Vamos encontrá-lo, filho. Não se preocupe. — não houve resposta — John? O que te passa?
O menino só cruzou os braços sobre seu peito e ficou olhando fixamente para frente.
— John…
John desdobrou as mãos e gesticulou algo que ante os piorados olhos de Wrath pareceu ser: Vou sair com os outros.
 — É um demônio! — isso fez que John girasse a cabeça abruptamente — Sim, isso não ocorrerá, dado que é um zumbi. E vai se foder a outro lado com seus “estou bem”. Se pensar durante sequer meio segundo que vou deixar que saia para brigar, está malditamente muito enganado.
John caminhou ao redor do escritório como se estivesse tratando de controlar a si mesmo. Finalmente se deteve e gesticulou: Não posso estar aqui neste momento. Nesta casa.
Wrath franziu o cenho e tratou de interpretar o que lhe havia dito, mas todo esse franzir de sobrancelhas só provocou que sua dor de cabeça cantasse como uma soprano.
— Sinto muito, o que foi o que disse?
John abriu a porta de um puxão, e um segundo depois entrou Qhuinn. Houve muitos movimentos de mãos e logo Qhuinn limpou a garganta.
— Diz que esta noite não pode estar nesta casa. Simplesmente não pode.
— Ok, então vá a algum clube, consiga uma garota e usa a boca nela até que desmaie. Mas nada de lutar. — Wrath elevou uma prece silenciosa de agradecimento porque Qhuinn estivesse grudado ao lado do menino — E, John… Vou encontrá-lo.
Mais sinais, e logo John se voltou para a porta.
— O que disse, Qhuinn? — perguntou Wrath.
— Ah… Disse que não lhe importa se o faz.
— John, não diz a sério.
O menino deu a volta, gesticulou e Qhuinn traduziu.
— Diz que, sim, que realmente diz a sério. Diz… Que já não pode seguir vivendo assim… Esperando, cada noite e cada dia, perguntando-se quando entra no quarto, se Tohr se… John vai um pouco mais devagar… Ah… Se o macho se pendurou ou se foi-se novamente. Embora volte… John diz que para ele terminou. Que foi abandonado muitas vezes.
Difícil argumentar contra isso. Ultimamente Tohr não tinha sido um pai muito bom, tendo sido seu único lucro nesse campo a criação da próxima geração de mortos viventes.
Wrath fez uma careta de dor e esfregou as têmporas.
— Olhe filho, não sou um eminente cientista, mas pode falar comigo.
Houve um comprido, extenso silêncio marcado por um estranho aroma… Um aroma seco, quase rançoso… Saudade? Sim, isso era saudade.
John fez uma pequena reverência como em sinal de agradecimento e logo se escapuliu pela porta.
Qhuinn vacilou.
— Não o deixarei brigar.
— Então lhe salvará a vida. Porque se pegar as armas no estado em que está agora, voltará para casa em uma caixa de tábuas.
— Roger.
Quando a porta fechou, a dor rugiu nas têmporas de Wrath, obrigando-o a sentar-se.
Deus, tudo o que queria fazer era ir ao quarto que ele e Beth compartilhavam meter-se em sua enorme cama e deixar a cabeça cair sobre os travesseiros que cheiravam a ela. Queria chamá-la e lhe rogar que se unisse a ele só para poder abraçá-la. Queria ser perdoado.
Queria dormir.
Em lugar disso, o rei voltou a levantar-se, pegou as armas que estavam no chão ao lado da mesa de escritório, e as fixou sobre seu corpo. Deixando o escritório com sua jaqueta de couro na mão, desceu a escada principal e saiu do vestíbulo para a noite amarga. Pelo que via, a dor de cabeça o acompanharia onde quer que fosse assim bem podia fazer algo útil e sair em busca de Thor.
Quando vestiu o casaco, invadiu-o a lembrança de sua shellan e o lugar aonde tinha ido à noite anterior.
Santa merda. Sabia exatamente onde Thor estava.

Ehlena tinha a intenção de deixar o terraço de Rehvenge imediatamente, mas, enquanto entrava nas sombras, teve que olhar para o apartamento de cobertura. Através da fileira de vidros, viu o Rehvenge voltar-se e caminhar devagar ao longo do ático do apartamento...
Bateu fortemente a tíbia contra algo.
— Demônios!
Saltando em um pé, esfregou a perna e lançou um tempestuoso olhar à caixa de mármore contra a qual bateu.
Quando se endireitou, esqueceu de toda a dor.
Rehvenge tinha entrado em outra sala e se deteve frente a uma mesa posta para dois. Havia velas resplandecendo no meio do brilho dos cristais e a prataria, a longa parede de vidro deixava ver todo o incômodo que teve por ela.
— Demônios… — sussurrou.
Rehvenge se sentou tão lenta e deliberadamente como tinha caminhado, olhando para trás primeiro, para assegurar-se de que a cadeira estava onde deveria estar para logo agarrá-la com ambas as mãos e sentar-se. Deixou a bolsinha que lhe deu sobre a mesa, e enquanto parecia acariciá-la, a gentileza de seus dedos contradizia esses fortes ombros e ao escuro poder que era inerente ao seu duro rosto.
Ao olhá-lo fixamente, Ehlena já não sentiu o frio, nem o vento nem a dor na tíbia. Banhado pela luz da vela, com a cabeça inclinada para baixo tinha um perfil poderoso e alinhado, Rehvenge era incalculavelmente belo.
Abruptamente, sua cabeça se elevou e a olhou diretamente, apesar dela estar na escuridão.
Ehlena retrocedeu e sentiu a parede do terraço contra o quadril, mas não se desmaterializou. Nem sequer quando ele pôs a bengala no chão e se levantou em toda sua estatura.
Nem sequer quando abriu a porta a sua frente com sua vontade.
Necessitava ser uma melhor mentirosa que ela para pretender que somente estava admirando a noite. E não era uma covarde para sair fugindo.
Ehlena se aproximou.
— Não tomou nenhuma pílula.
— É isso o que está esperando?
Ehlena cruzou os braços sobre o peito.
— Sim.
Rehvenge olhou para a mesa e aos pratos vazios.
— Disse que devem ser tomadas com a comida.
— Sim, disse.
— Bom, então, parece que me vai olhar comer. — o elegante movimento de seu braço convidando-a a entrar era uma provocação que ela não queria aceitar — Se sentará comigo? Ou quer ficar aqui fora no frio? Oh, espere, possivelmente isto ajude. — inclinando-se sobre sua bengala, foi e soprou as velas.
As sinuosas ondas de fumaça que se formaram sobre as mechas pareceram um lamento por todas as possibilidades extintas de coisas que podiam ter sido: tinha preparado um agradável jantar para ambos. Fizera o esforço. Vestiu-se belamente.
Entrou porque já lhe tinha arruinado bastante o encontro amigável.
— Sente-se. — disse — Voltarei com meu prato. A menos que…
— Já comi.
 Inclinou-se ligeiramente quando ela afastou uma cadeira.
— É obvio que o fez.
Rehvenge deixou a bengala contra a mesa e saiu, apoiando-se nos encosto das cadeiras, no aparador e no batente da porta de serviço que levava a cozinha. Quando voltou uns minutos depois, repetiu a seqüência com a mão livre e logo se sentou na cadeira à cabeceira da mesa com cuidadosa concentração. Levantando um lustroso garfo de prata esterlina, e sem dizer uma palavra cortou cuidadosamente a carne e comeu com circunspeção e educação.
Cristo! Sentia-se como a cadela da semana, sentada frente a um prato vazio enquanto seu casaco seguia completamente abotoado.
O som do roçar da prata contra a porcelana fazia que o silêncio entre eles parecesse gritar.
Acariciando o guardanapo que tinha em frente, sentiu-se horrível por muitas coisas, e, embora não era muito faladora se encontrou falando porque simplesmente já não podia guardar tudo por mais tempo.
— A noite de anteontem…
— Mmmmm? — Rehvenge não a olhou, seguiu enfocado em seu prato.
— Não me deixaram plantada. Já sabe, naquele encontro.
— Bem, bom para você.
— Ele foi assassinado.
Rehvenge levantou bruscamente a cabeça.
— O que?
— Stephan, o macho com o que devia encontrar… Foi assassinado pelos lessers. O rei trouxe o corpo, mas não soube que se tratava dele até que o seu primo chegou buscando por ele. Eu… Ah, ontem à noite passei meu turno preparando o corpo e devolvendo-o à família. — sacudiu a cabeça — O tinham golpeado… Não era possível adivinhar de quem se tratava.
Sua voz se rompeu a impedindo de continuar, por isso simplesmente ficou ali sentada acariciando o guardanapo, com a esperança de poder apaziguar a si mesma
Dois sutis tinidos evidenciaram o fato de que o garfo e a faca de Rehv  tinham pousado sobre o prato, e logo estendeu a mão para ela, colocando-a solidamente sobre seu antebraço.
— Maldição! Sinto-o muitíssimo. — disse — Com razão não está de humor para tudo isto. Se o tivesse sabido...
— Não, está bem. De verdade. Deveria tê-lo encarado melhor ao chegar. É só que esta noite estou algo ausente. Não sou eu mesma para nada.
Deu-lhe um apertão no braço e se acomodou de novo na cadeira como se não quisesse invadir seu espaço. Coisa que normalmente ela teria gostado, mas essa noite lhe pareceu uma lástima… Para usar uma palavra que ele desfrutava. O peso de seu contato através do casaco tinha sido muito agradável.
E falando disso, estava sentindo muito calor.
Ehlena desabotoou e tirou o saco de lã dos ombros.
— Faz calor aqui.
— Como disse antes, posso esfriar as coisas para você.
— Não. — franziu o cenho, e o olhou — Por que sempre tem frio? Efeitos secundários da Dopamina?
Ele assentiu.
— É também a razão pela qual necessito a bengala. Não posso sentir meus braços nem minhas pernas.
Não tinha ouvido de muitos vampiros que tivessem essa reação ante a droga, mas em definitivo, as reações individuais eram uma legião. E, além disso, a versão vampírica do Parkinson era uma enfermidade muito desagradável.
Rehvenge afastou seu prato e ambos permaneceram em silêncio durante um longo momento. À luz das velas, parecia de certa forma embaçado, sua energia habitual minguada, seu humor muito sombrio.
— Você tampouco parece o de sempre. — disse — Não é que o conheça tanto, mas parece…
— Como?
— Como eu me sinto. Como em um estado comatoso e ambulatorial.
Teve um rápido e breve acesso de riso.
— Isso é tão apropriado.
— Quer falar disso…
— Quer comer algo…
Ambos riram e deixaram de falar.
Rehvenge moveu a cabeça.
— Olhe, deixa que traga um pouco de sobremesa. É o menos que posso fazer. E não é um encontro para jantar. As velas estão apagadas.
— De fato, sabe algo?
— Mentiu a respeito de ter comido antes de vir e agora está faminta?
Ela riu novamente.
— Descobriu.
Quando seus olhos cor ametista se cravaram aos dela, o ambiente entre eles mudou e teve a sensação de que via muitas coisas, muitas. Especialmente quando disse com um enigmático tom de voz:
— Deixará que te alimente?
Hipnotizada, cativada, sussurrou:
— Sim. Por favor.
Seu sorriso revelou compridas e brancas presas.
— Essa é exatamente a resposta que procurava.
Qual o sabor do sangue dele em sua boca? Perguntou-se em um arrebatamento.
Rehvenge emitiu um grunhido no fundo da garganta, como se soubesse exatamente o que estava pensando. Mas não disse nada a respeito e erguendo-se em toda sua grande estatura foi à cozinha.
Quando retornou com seu prato, tinha arrumado para compor-se um pouco mais, embora quando colocou a comida frente a ela, o odorzinho de especiarias que flutuava a seu redor era muito delicioso… E não tinha nada que ver com o que tinha cozinhado para ela.
Decidida a manter-se centrada, Ehlena colocou o guardanapo no colo e provou a carne assada.
— Deus meu, isto está fabuloso.
— Obrigado. — disse Rehv enquanto se sentava — É a forma que a faz sempre a doggen de nossa mansão. Coloca o forno a duzentos e quarenta graus e coloca a carne, por meia hora, em seguida o apaga e o deixa repousar. Não se pode abrir a porta para ver como está. Essa é a regra, e tem que confiar na receita. Duas horas depois?
— O paraíso.
— O paraíso.
Ehlena riu quando a mesma palavra saiu da boca de ambos ao mesmo tempo.
— Bem, está realmente boa. Derrete na boca.
— Em altares da verdade, para que não pense que sou um chef, isto é o único que sei cozinhar.
— Bom, faz uma coisa à perfeição, e é mais do que algumas pessoas podem dizer.
Ele sorriu e baixou a vista para as pílulas.
— Se tomo uma agora, vai embora em seguida ao jantar?
— Se disser que não, dirá por que está tão calado?
— É uma tenaz negociadora.
— Só estou convertendo em uma via de duplo sentido. Já te contei o que me preocupava.
A tristeza escureceu seu rosto, provocando que sua boca esticasse e que as sobrancelhas se unissem formando um cenho.
— Não posso falar disso.
— Certamente que pode.
Seus olhos, agora endurecidos, caíram sobre ela.
— Da mesma forma em que você pode falar de seu pai?
Ehlena baixou o olhar a seu prato e tomou especial cuidado cortando uma parte de carne.
— Sinto. — disse Rehv — Eu… Merda.
— Não, está bem. — embora não estava — Às vezes pressiono muito. É algo muito bom quando está trabalhando no cuidado da saúde. Mas não tão bom quando se trata do plano pessoal.
Enquanto o silêncio se instalava novamente entre eles, apressou-se a comer, pensando em ir assim que terminasse.
— Estou fazendo algo do que não me sinto orgulhoso. — disse ele abruptamente.
Ela levantou o olhar. A expressão dele era definitivamente perversa, o asco e o ódio convertendo-o em alguém que, se não soubesse que era de outra forma, lhe teria medo. Não obstante, nenhum dos malignos olhares era dirigido para ela. Era uma manifestação do que sentia por si mesmo. Ou para outro.
Sabia que não seria inteligente pressioná-lo. Especialmente dado seu humor.
Por isso se surpreendeu quando ele disse:
— É algo que segue vigente.
Perguntou-se se seria pessoal ou um assunto de negócios.
Levantou os olhos para olhá-la.
— Está relacionado com certa fêmea.
Certo. Uma fêmea.
Ok, não tinha direito a sentir essa fria pressão ao redor do peito. Não era assunto dela que ele já estivesse envolvido com alguém. Nem que fosse um jogador que interpretava este jantar com carne assada, luz de velas, e sedução especial para só Deus sabia quantas fêmeas diferentes.
Ehlena clareou a garganta e baixou a faca e o garfo. Enquanto limpava a boca com o guardanapo, disse:
 — Uau. Sabe nunca me ocorreu perguntar se estava emparelhado. Não tem um nome nas costas...
— Não é minha shellan. E não a amo no mais mínimo. É complicado.
— Têm um filho em comum?
— Não, graças a Deus.
Ehlena franziu o cenho.
— Entretanto, se trata de uma relação?
— Suponho que pode chamar assim.
Sentindo-se como uma absoluta e delirante idiota perdida por ter se enrolado com ele, Ehlena pôs o guardanapo sobre a mesa ao lado do prato e lhe ofereceu um sorriso muito profissional enquanto ficava de pé e tomava seu casaco.
— Deveria ir agora. Obrigado pelo jantar.
Rehv amaldiçoou.
— Não devia ter dito nada…
— Se seu objetivo era me colocar na cama, tem razão. Foi um mau movimento. Ainda assim agradeço que foi honesto…
— Não estava tratando de te levar a cama.
— Oh, claro que não, porque estaria enganando-a. — Cristo, por que estava se incomodando tanto por isso?
— Não, — estalou em resposta — é porque sou impotente. Acredite-me, se pudesse ter uma ereção, a cama seria o primeiro lugar aonde queria ir contigo.


Capítulo 28


— Passar o tempo contigo é como observar a pintura secar. — a voz de Lassiter reverberou para cima, às estalactites que pendiam do alto teto da Tumba — Porém, sem a reforma da casa… O que é uma tragédia, visto como está este lugar. Meninos sempre primam por pessimismo e tristeza? Nunca ouviram falar do Pottery Barn[54]?
Tohr esfregou o rosto e percorreu a cova com o olhar, que durante séculos servira como lugar sagrado de reunião para a Irmandade. Atrás do volumoso altar de pedra ao lado do qual estava sentado, corria a parede de mármore negro que continha todos os nomes dos Irmãos, estendendo-se ao longo da parte de trás da cova. Velas negras em pesados suportes projetavam uma luz flutuante sobre todas as gravuras feitas na Antiga Língua.
— Somos vampiros. — disse — Não fadas.
— Às vezes não estou tão seguro disso. Viu esse escritório em que seu Rei costuma estar?
— É quase cego.
— O que explica por que não pendurou a si mesmo dentro desse terrível destroço de cor creme.
— Acreditei que estivesse se queixando da decoração de estilo pessimismo e tristeza?
— Estou associando livremente[55].
— Evidentemente. — Tohr não olhou ao anjo, já que imaginou que o contato visual só animaria ao cara. Oh, espera. Lassiter não necessitava ajuda nisso.
— Espera que essa caveira que há no altar fale contigo ou alguma merda assim?
— Na realidade nós dois esperamos que por fim tome um fôlego. — Tohr olhou furioso ao cara — Quando estiver preparado. Quando quiser.
— Diz as coisas mais doces. — o anjo sentou seu radiante traseiro em um dos degraus de pedra ao lado de Tohr — Posso te perguntar algo?
— A sério o “não” é uma opção?
— Não. — Lassiter mudou de posição e olhou fixamente à caveira — Essa coisa parece mais velha que eu. O que é dizer muito.
— Foi o primeiro Irmão, o primeiro guerreiro que combateu ao inimigo com valentia e poderio, é o símbolo mais sagrado de força e propósito que a Irmandade tem.
Lassiter deixou de chatear por uma vez.
— Deve ter sido um grande guerreiro.
— Pensei que iria perguntar-me algo.
O anjo ficou de pé com uma maldição e sacudiu as pernas.
— Sim, quero dizer… Como culhões pode permanecer sentado aí durante tanto tempo? O traseiro me está matando.
— Sim, as cãibras cerebrais são uma merda.
Embora o anjo tivesse razão quanto ao tempo transcorrido, Tohr esteve sentado ali, olhando fixamente a caveira e a parede de nomes mais à frente do altar, durante tanto tempo que, não que seu traseiro estivesse intumescido, mas, já não podia distingui-lo de maneira separada aos degraus.
Chegou à noite anterior, atraído por uma mão invisível, forçado a procurar a inspiração, a clareza e a re-conexão à vida. Em troca, encontrou só pedra. Pedra fria. E um montão de nomes que uma vez significara algo para ele e agora não eram nada mais que uma lista repleta de mortos.
— É porque está olhando no lugar errado. — disse Lassiter.
— Já pode ir.
— Cada vez que diz isso, faz aflorar uma lágrima em meus olhos.
— Que gracioso, aos meus também.
O anjo se inclinou e a essência de ar fresco o precedia.
— Nem essa parede nem essa caveira lhe darão o que está procurando.
Tohr entrecerrou os olhos e desejou ser o suficientemente forte para lutar contra o anjo.
— Não o farão? Bem, então o estão convertendo em um mentiroso. “Chegou o momento”. “Esta noite tudo muda”. Por tua culpa os presságios estão ficando maus, sabe? Só é um mentiroso filho da puta.
Lassiter sorriu e ociosamente acomodou o aro de ouro que perfurava sua sobrancelha.
— Se pensa que sendo grosseiro obterá minha atenção, estará verdadeiramente aborrecido antes que me importe.
— Porra, por que está aqui? — o esgotamento de Tohr se estendeu até sua voz, debilitando-a e lhe enchendo o saco — Por que demônio não me abandonou onde me encontrou?
O anjo subiu os degraus negros de mármore e passeou de cima abaixo diante da lustrosa parede com os nomes gravados, detendo-se de vez em quando para inspecionar um ou dois.
— O tempo é um luxo, acredite ou não. — disse.
— Percebo-o mais como uma maldição.
— Sem tempo, sabe o que obtém?
— O Fade. Que era aonde me dirigia até que chegou.
Lassiter percorreu com o dedo uma linha gravada de caracteres e Tohr afastou o olhar rapidamente quando se deu conta do que soletravam. Era seu nome.
— Sem tempo, — disse o anjo — fica só o abismal e nebuloso pântano da eternidade.
— PTI[56], a filosofia me aborrece.
— Não é filosofia. É realidade. O tempo é o que dá significado à vida.
— Que se dane. Sério... Que se dane.
Lassiter inclinou a cabeça, como se ouvisse algo.
— Por fim. — murmurou — O bastardo estava me voltando louco.
— Perdão?
O anjo voltou a aproximar-se, inclinou-se diretamente frente à cara de Tohr, e disse com clara dicção:
— Escute raiozinho de sol. Sua shellan, Wellsie, me enviou. Esse é o motivo pelo qual não te deixei morrer.
O coração de Tohr se deteve no peito justo quando o anjo elevava o olhar e dizia:
— Por que demorou tanto?
Os shitkickers de Wrath retumbaram ao descer para o altar e respondeu com um tom de voz vexado.
— Bem, a próxima vez diga a alguém onde merda estará…
— O que disse? — resfolegou Tohr.
Quando voltou a se focar nele, Lassiter não parecia minimamente arrependido.
— Não é essa parede que deveria estar olhando. Tenta um calendário. Faz um ano que o inimigo disparou na cara de sua Wellsie. Porra, desperta de uma vez e faz algo a respeito.
Wrath amaldiçoou.
— Vamos, se acalme Lassi…
Tohrment se equilibrou do chão da cova com algo parecido à antiga força que uma vez teve, como se fosse um quarterback e golpeou Lassiter e apesar da diferença de peso, derrubou o anjo com força sobre o chão de pedra. Envolvendo as mãos ao redor da garganta do anjo, olhou fixamente dentro dos olhos brancos e descobrindo suas presas, apertou.
Lassiter se limitou a olhá-lo diretamente e verter sua voz diretamente no lóbulo temporal de Tohr: O que vai fazer, idiota? Vai vingá-la, ou desonrá-la te deixando esgotar assim?
A enorme mão de Wrath agarrou o ombro de Tohr como a garra de um leão, cravando-se, puxando para trás.
— Solte-o.
— Não... — o fôlego de Tohr saía a baforadas — Nunca… Volte…
— Já basta. — exclamou Wrath.
Tohr foi afastado para trás até que caiu de bunda, e, enquanto ricocheteava como um pau deixado cair ao chão saiu de seu transe assassino. Também recuperou o julgamento.
Não sabia de que outra maneira descrevê-lo. Foi como se algum interruptor fosse acionado e sua fileira de luzes, que esteve apagada, tivesse voltado para a vida repentinamente, plena de eletricidade outra vez.
O rosto de Wrath entrou em seu raio de visão, e Tohr o viu com uma clareza que não teve desde… Nunca.
— Está bem? — perguntou seu irmão — Aterrissou com força.
Tohr estendeu as mãos e percorreu os fortes braços de Wrath tratando de conseguir uma percepção da realidade. Jogou um olhar a Lassiter e logo olhou fixamente ao rei.
— Lamento... Isso.
— Está me tirando o sarro? Todos querem estrangulá-lo.
— Sabe, vou terminar com um complexo. — disse Lassiter entre tosses enquanto tentava recuperar o fôlego.
Tohr agarrou os ombros do rei.
— Ninguém diz nada a respeito dela. — gemeu — Ninguém diz seu nome, ninguém fala sobre… O que aconteceu.
Wrath segurou a nuca de Tohr e o sustentou.
— Por respeito a você.
Os olhos de Tohr foram para a caveira que havia sobre o altar e em seguida para a parede cinzelada. O anjo estava certo. Só havia um nome que podia lhe devolver a prudência, e não estava inscrito ali.
Wellsie.
— Como soube onde estávamos? — perguntou a seu rei, ainda concentrado na parede.
— Às vezes, as pessoas precisam retornar à origem. Onde tudo começou.
— É hora. — disse o anjo cansado em voz baixa.
Tohr contemplou a si mesmo, ao debilitado corpo por baixo das folgadas roupas. Era uma quarta parte do macho que tinha sido, possivelmente, inclusive menos. E isso não se devia só a todo o peso que perdera.
— Oh, Jesus… Olhe o que sou.
A resposta de Wrath foi clara e concisa.
— Se você está preparado, nós estamos preparados para que retorne.
Tohr olhou o anjo, precavendo-se pela primeira vez da aura dourada que o envolvia. O enviado do céu. O enviado de Wellsie.
 — Estou preparado. — disse, a ninguém em particular e a todo mundo em geral.

Enquanto Rehv olhava fixamente a Ehlena através da mesa, pensou: bem, ao menos depois que deixei cair a bomba não foi diretamente à saída.
Impotente não era uma palavra que quisesse usar frente a uma fêmea em que está interessado. A menos que fosse usar ao estilo tenor de: Porra, não, NÃO sou impotente.
Ehlena voltou a sentar-se.
— É… É por causa da medicação?
— Sim.
Os olhos dela o evitaram, como se estivesse fazendo cálculos mentais, e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi: Minha língua ainda funciona e também meus dedos.
Guardou esse pensamento para si.
— A dopamina tem um efeito estranho em mim. Em vez de estimular a testosterona, drena essa merda de meu corpo.
Os cantos da boca dela se estenderam para cima.
— O que vou dizer é absolutamente impróprio, mas considerando quão viril é sem ela…
— Seria capaz de te fazer amor. — disse quedamente — Assim é como seria.
Fulminou-o com um olhar cheio de: Santa merda acaba de dizer isso?
Rehv acariciou o moicano com uma mão.
— Não vou desculpar-me pelo fato de gostar de você, mas tampouco te faltarei o respeito tratando de fazer algo a respeito. Quer café? Já está preparado.
— Ah... Pois sim. — como se esperasse que pudesse lhe clarear a cabeça — Escute…
Deteve-se pela metade de levantar.
— Sim?
— Eu... Ah...
Quando ela não continuou, ele se encolheu de ombros.
— Só me permita trazer o café. Quero te servir. Faz-me feliz.
Dizer feliz era fodidamente pouco. Enquanto retornava à cozinha, uma flagrante satisfação atravessou seu torpor. O fato de estar alimentando-a com a comida que preparou para ela, lhe dando bebida para aliviar sua sede, lhe proporcionando um refúgio para o frio…
As narinas de Rehv captaram um aroma estranho, ao princípio pensou tratar-se da carne assada que deixara fora, devido a tê-la esfregado a parte exterior da carne com especiarias. Mas não… Não era isso.
Considerando que tinha outras coisas que se preocupar além de seu nariz, foi até os gabinetes e tirou uma xícara e um pires. Após servir o café, endireitou as lapelas da jaqueta…
E ficou gelado.
Elevou a mão para seu nariz, inalou profundamente e não pôde acreditar o que estava cheirando. Não podia ser possível…
Salvo que esse aroma só podia significar uma coisa, e não tinha nada a ver com seu lado symphath: a misteriosa fragrância que desprendia era o aroma da vinculação, a marca que os vampiros machos deixavam na pele e sexo de suas fêmeas a fim de que outros machos soubessem à ira de quem se exporiam se atreviam-se a aproximar-se.
Rehv baixou o braço e olhou para a porta de serviço, aturdido.
Quando chegava a certa idade, não esperava mais surpresas de seu corpo. Ao menos, não das positivas. Articulações trementes. Pulmões com falta de ar. Visão ruim. Certo, quando chegasse o momento. Mas realmente, durante os novecentos anos ou assim seguiam após a transição, tinha o que tinha.
Embora positivo pudesse não ser o termo exato que utilizaria para esta mudança.
Sem razão aparente, pensou na primeira vez que praticou sexo. Fora justamente após sua transição, e, quando o ato acabou estivera convencido de que a fêmea e ele se emparelhariam e viveriam juntos e felizes o resto de suas vidas. Era perfeitamente formosa, uma fêmea que o irmão de sua mãe trouxera para casa para que Rehv usasse quando entrasse na mudança.
Era morena.
Jesus, agora não podia recordar seu nome.
Ao recordar, com o que aprendera depois sobre machos, fêmeas e atração, sabia que a surpreendera com o fato de quão grande se tornara seu corpo após a mudança. Ela não esperava gostar do que viu. Não esperava desejá-lo. Mas o fez e se tornaram um casal, o sexo foi uma revelação, a sensação de toda essa carne, o ímpeto viciador, o poder que teve ao tomar o controle depois das primeiras duas vezes.
Descobriu ter uma lingüeta, e… Como ela estava tão ávida dele, não esteve certo de que notara que teve de esperar um pouco antes que pudesse retirar-se de seu interior.
O resultado foi que, sentiu-se em paz, muito contente. Mas não houvera desenlace de viveram-felizes-para-sempre. Com o suor ainda secando sobre o corpo, vestiu as roupas e se dirigiu à porta. Justamente quando se ia, sorriu docemente e disse que não cobraria de sua família pelo sexo.
Seu tio a tinha comprado para que o alimentasse.
Ao considerá-lo agora, parecia-lhe gracioso, era realmente uma surpresa onde tinha acabado? O sexo por conveniência tinha sido brocado em seu interior muito condenadamente cedo… Apesar de que esse primeiro ato sexual ou os seis primeiros foram por conta da casa, por assim dizer.
Por isso, se esse misterioso aroma significava que sua natureza vampira se vinculou com a Ehlena, não se tratava de boas notícias.
Rehv agarrou o café, e, cuidadosamente atravessou a porta de serviço com ele, saindo à sala de jantar. Quando o colocou frente a ela desejou tocar seu cabelo, mas em troca se sentou.
Ela levou a xícara aos lábios.
— Faz um bom café.
— Ainda não o provou.
— Posso cheirá-lo. E adoro como cheira.
Não é o café, pensou. Ao menos não de todo, em qualquer caso.
— Bom, adoro seu perfume. — disse ele, como tonto que era.
Ela franziu o cenho.
— Não levo nenhum. Quero dizer, além do sabonete e xampu que uso.
— Caramba, então gosto do aroma desses. E estou muito contente que tenha ficado.
— É isto o que tinha planejado?
Seus olhos se encontraram. Merda, ela era perfeita. Radiante como eram as velas.
— Que ficasse até chegar ao café do final? Sim, suponho que um encontro era o que perseguia.
— Pensei que estava de acordo comigo.
Porra, esse tom de voz ofegante o fazia desejar tê-la apertada contra seu peito nu.
— De acordo contigo? — perguntou — Demônios, se te fizesse feliz diria que sim a tudo. Mas a que se refere especificamente?
— Disse... Que não deveria me encontrar com ninguém.
Ah, claro.
— Não deveria.
— Não entendo.
Que se dane, por isso. Rehv pôs seu intumescido cotovelo na mesa e se inclinou para ela. Enquanto cortava a distância, os olhos dela aumentaram, mas não retrocedeu.
Deteve-se, para lhe dar a oportunidade de dizer que cortasse essa merda. Por quê? Não tinha nem idéia. Seu lado symphath só fazia pausa somente para analisar ou tirar melhor proveito de uma debilidade. Mas, ela fazia que quisesse ser decente.
Não obstante, Ehlena não disse que se afastasse.
— Não… Entendo. — sussurrou ela.
— É simples. Não acredito que deva se encontrar com ninguém. — Rehv se aproximou ainda mais, até que pôde ver os pontinhos dourados em seus olhos — Porém, não sou precisamente ninguém.

Capítulo 29


Porém, não sou precisamente ninguém.
Enquanto olhava fixamente os olhos de ametista de Rehvenge, Ehlena pensou que era precisamente certo. Nesse momento de silêncio, com uma explosiva vibração sexual entrelaçando-os e o aroma de uma misteriosa colônia no ar, Rehvenge era tudo, abrangendo tanto seres como objetos.
— Deixará que te beije. — disse.
Não era uma pergunta, mas de toda forma ela assentiu, e ele estreitou a distância entre suas bocas.
Seus lábios eram suaves e seu beijo ainda mais suave. E, na opinião dela, afastou-se muito rápido. Verdadeiramente muito rápido.
— Se quiser mais. — disse em voz baixa e rouca — Quero te dar.
Ehlena olhou sua boca fixamente e pensou em Stephan… E em todas as alternativas que já não tinha. Estar com Rehvenge era algo que desejava. Não fazia sentido, mas nesse momento não lhe importava.
— Sim. Quero mais. — porém, logo lhe fez evidente. Ele não podia sentir nada, verdade? Então o que passaria se levavam isto mais longe?
Sim, e como abordava esse tema sem fazê-lo sentir-se um aleijado? E o que se passava com essa outra fêmea dele? Evidentemente, não estava deitando-se com ela, mas havia algo sério entre eles.
Os olhos cor ametista baixaram a seus lábios.
— Quer saber o que obtenho disto?
Homem, essa voz era puro sexo.
— Sim. — suspirou.
— Poderei vê-la como está agora.
— Como... Estou?
Deslizou um dedo por sua bochecha.
— Está ruborizada. — seu roçar deslocou para seus lábios — Sua boca está aberta porque está pensando em mim te beijando outra vez. — desceu com essa tenra carícia, indo para a garganta — Seu coração está bombeando. Posso vê-lo nesta veia aqui. — deteve-se entre os seios, abriu a boca e suas presas se distenderam — Se continuo, acredito que descobriria que seus mamilos endureceram e sem dúvida há outros sinais de que está preparada para mim. — inclinou-se sobre seu ouvido e sussurrou — Está preparada para mim, Ehlena?
Santa. Merda.
Seu tórax se estendeu com força ao redor dos pulmões, e uma doce e atordoante sensação de sufocamento fez que a corrente que repentinamente sentiu entre as coxas fosse ainda mais contundente.
— Ehlena, responda. — Rehvenge acariciou seu pescoço com o nariz, percorrendo sua veia com uma afiada presa.
Enquanto jogava a cabeça para trás, agarrou-se à manga do elegante terno, apertando o tecido. Tinha passado tanto tempo… Uma eternidade… Desde a última vez que alguém a abraçou. Desde que foi algo mais além de ser uma cuidadora de um doente. Desde que sentisse seus peitos, quadris e coxas como sendo algo mais que partes que deviam ser cobertas antes de sair em público. E agora este formoso macho que não era precisamente-ninguém desejava estar com ela com o único propósito de agradá-la.
Ehlena teve que piscar rapidamente, sentindo como se acabassem de lhe dar um presente, e se perguntava quão longe poderia chegar o que estavam a ponto de iniciar. Tempos atrás, antes que sua família caísse em desgraça com a glymera e fossem desarraigados, esteve prometida a um macho e ele a ela. A cerimônia de casamento foi acertada, mas depois da mudança de fortuna de sua família não chegou a realizar-se.
Todavia, quando estavam juntos, deitou-se com o macho, embora como fêmea de valia da glymera não deveria tê-lo feito porque ainda faltava unirem-se formalmente. A vida parecia muito curta para esperar.
Agora, sabia que era inclusive mais curta do que pensara.
— Tem uma cama neste lugar? — perguntou.
— E mataria por te levar ali.
Foi ela a que se levantou e estendeu a mão para ele.
— Vamos.

O que o convertia em algo correto era que tudo era para a Ehlena. A falta de sensações de Rehv o deixava completamente fora da equação, liberando ambos das desagradáveis implicações que teria se ele estivesse envolvido.
Homem, que divertido que era isto. Devia entregar seu corpo à princesa. Mas escolhia dá-lo a Ehlena…
Bom, merda, não sabia exatamente o que, mas era muitíssimo mais que só seu pênis. Também tinha muito mais valor.
Agarrando a bengala, porque não queria ter que depender dela para estabilizar-se, levou-a ao quarto, com a cama do tamanho de uma piscina, a colcha de cetim negro e a vista panorâmica.
Fechou a porta com a mente, embora não houvesse ninguém mais no apartamento de cobertura, e o primeiro que fez foi dar a volta a Ehlena para tê-la frente a ele e soltar seu cabelo do retorcido nó. As ondas de uma intensa cor loira avermelhada caíram, chegando abaixo dos ombros, e, apesar de não poder sentir as sedosas mechas, pôde cheirar a ligeira e natural fragrância de seu xampu.
Era limpa e fresca, como um riacho no qual poderia banhar-se.
Deteve-se, um desconhecido aguilhão de consciência o paralisou. Se soubesse o que ele era, se soubesse o que fazia para viver, se soubesse o que fazia com seu corpo, não o escolheria. Estava seguro disso.
— Não se detenha. — disse, elevando o rosto para cima — Por favor…
À força de vontade, segmentou, tirando do quarto as coisas más, a depravada vida que levava e as perigosas realidades que confrontava, as isolando, as enclausurando.
A fim de que fossem somente eles.
— Não me deterei a menos que você queira que o faça. — disse. E se queria ele o faria, sem fazer perguntas. O último que jamais quereria fazer era que ela se sentisse da mesma maneira que ele a respeito do sexo.
Rehv se inclinou para frente, pôs os lábios sobre os dela, e a beijou cuidadosamente. Como não podia estimar a sensibilidade, não queria esmagá-la, e tinha a impressão que ela se apertaria contra ele se quisesse mais…
Ehlena fez justamente isso, envolveu os braços ao seu redor e os fundiu quadril com quadril.
E... Merda, sentiu algo. Parecia um nada, uma chama de emoção abriu caminho através de seu intumescimento, a onda que irradiava era débil, mas definitivamente era uma calidez que podia sentir. Durante uma fração de segundo se retraiu, alcançado pelo arpão do medo… Mas sua visão permaneceu em três dimensões, e o único vermelho que via provinha do resplendor do relógio digital que havia sobre a mesinha de noite.
— Está tudo bem? — perguntou ela.
Ele esperou um par de segundos mais.
— Sim… Sim, absolutamente. — riscou seu rosto com o olhar — Deixará-me te despir?
Oh, Deus, acabava de dizer isso?
— Sim.
— Oh... Obrigado...
Rehv desabotoou lentamente a parte dianteira do uniforme, cada centímetro de pele era toda uma revelação, o ato não era tanto para despi-la senão para revelá-la. E, foi com mãos atentas que deslizou a metade superior do que vestia por seus ombros, para baixo, passando sobre os quadris até cair ao chão. Quando a teve frente a ele com o sutiã branco, as meias brancas e o indício das calcinhas brancas aparecendo sob as meias, sentiu-se estranhamente honrado.
Mas isso não era tudo. O aroma de seu sexo acendeu um zumbido em seus ouvidos que o fez sentir como se estivesse consumindo carreiras de coca durante uma semana e meia sem parar. Ela o desejava. Quase tanto como ele desejava atender seus desejos.
Rehv a levantou rodeando sua cintura com os braços e estreitando-a contra si. Não pesava nada absolutamente, e o soube pelo fato que sua respiração não mudou em nada enquanto a carregava e a punha sobre a cama.
Quando retrocedeu para contemplá-la, Ehlena não era como as fêmeas com as que esteve. Não estendeu e abriu as pernas, não brincou consigo mesma, não se arqueou nem realizou uma variante da representação das putas de “vêem-e-toma-me-grandalhão”.
Além, tampouco queria lhe causar dor e não tinha nenhum interesse em envergonhá-lo… Em seus olhos não havia rastro de ardente e erótica crueldade.
Ela somente o olhava fixamente com admiração e honesta antecipação, uma fêmea sem ardis nem maquinações… Que era um trilhão de vezes mais sexy que alguém com quem esteve alguma vez ou tenha visto por aí.
— Quer-me vestido? — perguntou.
— Não.
Rehv desfez-se da jaqueta como se não fosse feita para uma propaganda de lojas, jogou a obra de arte da Gucci ao chão sem nenhum cuidado. Tirou os sapatos de um chute, desabotoou o cinto e deixou as calças caírem, deixando-as onde tinham caído. Tirou a camisa rapidamente. Assim como as meias três-quartos.
Vacilou com os bóxers, colocou os polegares na cintura, preparado para dar o puxão, mas sem terminar o movimento.
A falta de uma ereção o envergonhava.
Rehv não pensou que tivesse importância. Demônios, embora fosse certamente discutível, seu flácido pênis era o que fazia isto possível. Mas, de toda forma, sentia-se menos macho.
Para falar a verdade, não se sentia macho absolutamente.
Tirou as mãos e as pôs sobre o sexo flácido.
— Vou deixar estes postos.
Ehlena estendeu uma mão, com uma expressão de desejo nos olhos.
— Quero estar contigo da maneira que venha.
Ou que não venha, como era o caso.
— Sinto-o. — disse baixinho.
Houve um momento incômodo, mas o que ela podia responder? E, entretanto, de uma ou outra maneira ele esperava, desejava… Algo dela.
Reafirmação?
Jesus, que merda andava mal com ele. Todos estes estranhos pensamentos e reações estavam riscando encruzilhadas na paisagem de seu lóbulo temporal, ardentes caminhos para os destinos dos que ele só ouviu falar com outras pessoas, para lugares como a vergonha, a tristeza e a preocupação. Também para a insegurança.
Possivelmente os hormônios sexuais que ela estava agitando nele eram como a dopamina, lhe provocando o efeito contrário. Convertendo-o em uma garota.
— Fica tão bonito sob esta luz. — disse em tom rouco — Seus ombros e peito são tão grandes, não posso imaginar como é ser tão forte. E seu estômago… Desejaria que o meu fosse tão plano e firme. Suas pernas são muito poderosas também, todo músculo, sem um grama de gordura.
Enquanto subia a mão desde seu abdômen até um dos peitorais, percorreu com o olhar o ventre brandamente arredondado dela.
— Penso que é perfeita tal como é.
A voz dela adotou um tom grave.
— E acredito o mesmo de você.
Rehv tomou fôlego com dificuldade.
— Sim?
— A mim parece muito sexy. Somente te olhar… Faz-me te desejar.
Bem... Aí o tem. E, ainda assim requereu uma estranha espécie de valor voltar a deslizar os polegares sob a cintura dos bóxers e fazê-los baixar lentamente pelas coxas.
Quando se deitou ao seu lado, seu corpo tremia, e o soube por que podia ver o tremor de seus músculos.
Importava-lhe o que ela pensasse dele. De seu corpo. Pelo que ia acontecer nessa cama. Com a princesa? Importava-lhe um traseiro de rato se gozava com o que ele fazia. E nessas poucas ocasiões em que esteve com suas garotas, não quis machucá-las, é obvio, mas fora uma troca de sexo por dinheiro.
O que teve com Xhex foi simplesmente um engano. Nem bom nem mau. Somente era algo que tinha acontecido e nunca voltaria a acontecer.
Ehlena passou as mãos por seus braços e sobre os ombros.
— Beije-me.
Rehv a olhou aos olhos e fez exatamente isso, aproximando os lábios aos dela, acariciou-os, logo estendeu a língua e lambeu sua boca. Continuou beijando-a até que ela se agitou na cama e o apertou com as mãos tão firmemente que o estranho eco de emoção estalou outra vez. O sentimento fez que se detivesse e abrisse os olhos para checar sua visão, mas tudo era normal, sem manchas de vermelho.
Retornou ao que estava desfrutando, sendo cuidadoso porque não podia medir a pressão do contato, deixando que ela fosse para ele para esmagá-la com a boca.
Ele desejava ir tão mais longe... E leu sua mente.
Ehlena tomou a iniciativa e tirou o sutiã, soltando o fecho frontal e despindo-se. Oh… Caramba, sim. Seus peitos estavam perfeitamente proporcionados e coroados com escuros mamilos rosados… Que rapidamente sugou ao interior de sua boca primeiro um e logo o outro.
O som de seus gemidos acendeu seu corpo, substituindo o frio por vida e energia, calidez e necessidade.
— Quero descer por seu corpo. — grunhiu.
Seu “Por favor” foi mais um gemido que uma palavra, e seu corpo, de fato, ofereceu uma resposta ainda mais clara. Nesse momento separou as coxas, e abriu as pernas, oferecendo todo o convite que alguma vez poderia ter pedido.
Essas suas meias teriam que sair antes que terminasse mastigando-as.
Rehv era tão lento e consciencioso como podia suportar ser, despindo de sua carne as finas roupas, acariciando-a com o nariz ao longo de todo o caminho até os tornozelos, inalando profundamente enquanto o fazia.
Deixou-lhe as calcinhas postas.

A ternura de Rehvenge foi o que mais surpreendeu Ehlena.
Apesar de seu grande tamanho, foi tão cuidadoso com ela como pôde, movendo-se meigamente sobre seu corpo, lhe dando toda oportunidade de dizer não ou de desviá-lo ou de deter as coisas por completo.
Não tinha intenção de fazer nada disso.
Especialmente quando a grande mão perambulou para cima pelo interior de sua perna nua e sutilmente, inexoravelmente abriu suas coxas ainda mais. Quando os dedos roçaram as calcinhas, um disparo de eletricidade chispou em seu sexo, o mini-orgasmo a deixou ofegando.
Rehvenge se impulsionou para cima e falou em seu ouvido com um grunhido.
— Eu gosto desse som.
Apoderou-se de sua boca e lhe acariciou o sexo por cima do modesto algodão que a cobria. Os profundos arremessos da língua contrastavam com as carícias de mariposa, e ela jogou a cabeça para trás, perdendo-se completamente nele. Arqueou os quadris, queria que fosse sob as calcinhas, e rezou para que captasse a indireta, porque estava sem ar e desesperada para falar.
— O que quer? — disse em seu ouvido — Quer que não haja nada entre nós?
Quando assentiu, o dedo do meio deslizou sob o elástico, e logo foi pele contra pele e…
— Oh... Deus. — gemeu quando um gozo palpitou através de seu corpo.
Rehvenge sorriu como um tigre ao acariciá-la enquanto tinha o orgasmo ajudando-a a agüentar as pulsações. Quando finalmente se aquietou, sentiu-se envergonhada. Não esteve com ninguém em muito tempo, e nunca com alguém como ele.
— É incrivelmente formosa. — sussurrou antes que ela pudesse dizer algo.
Ehlena virou o rosto para seus bíceps e beijou a suave pele que cobria o tenso músculo.
— Fazia muito tempo que não o fazia.
Um sereno resplendor acendeu o rosto dele.
— Gosto disso. Muitíssimo. — deixou a cabeça cair sobre seu peito e beijou seu mamilo — Gosto que respeite seu corpo. Nem todo mundo o faz. Oh, e por certo, ainda não terminei.
Ehlena cravou suas unhas em sua nuca quando puxou sua calcinha fazendo-a descer por suas coxas. A visão da língua rosada provocando seu peito a paralisou, especialmente quando os olhos cor ametista se encontraram com os seus enquanto rodeava o mamilo e começava a movê-lo de um lado a outro com rápidas passadas da língua… Como se lhe oferecesse um adiantamento da atenção que a seguir poderia esperar mais abaixo.
Ela gozou de novo. Intensamente.
Esta vez Ehlena se deixou ir completamente, e foi um alívio estar em sua pele e com ele. Enquanto se recuperava do prazer, nem sequer se sobressaltou quando começou a abrir caminho para baixo beijando o estômago e mais à frente para sua…
Gemeu tão alto que ecoou.
Como tinha ocorrido com os dedos, a sensação da boca sobre seu sexo era muito mais vívida porque apenas a tocava. As suaves carícias pareciam suspensas sobre esse vulnerável e ardente lugar de seu corpo, fazendo que se esforçasse para sentir, transformando cada passada de seus lábios e sua língua em uma fonte tanto de prazer como de frustração.
— Mais. — exigiu, levantando os quadris.
Ele elevou os olhos ametistas.
— Não quero ser muito rude.
— Não será. Por favor... Está me matando...
Com um grunhido, inundou-se nela e cobriu seu sexo com a boca, chupando-a, sugando-a dentro de sua boca. Gozou novamente, esta vez com fortes e devastadores estalos, mas ele o fez bem. Continuou sugando, agüentando suas sacudidas e encurvações, o som de lábios contra lábios se elevou junto com os gritos guturais dela enquanto a acariciava e a fazia chegar ao clímax uma e outra vez.
Quando só Deus sabia quantas vezes chegou ao clímax, ficou quieta e ele também. Ambos estavam ofegando, ele tinha a reluzente boca sobre a parte interior de sua coxa e três de seus dedos enterrados firmemente dentro dela, seus aromas misturando-se no tórrido ar de…
Ela franziu o cenho. Parte da embriagadora fragrância que havia na habitação era… De especiarias escuras. E quando inalou profundamente, ele levantou os olhos para os dela.
Sua expressão emocionada deve ter mostrado exatamente à conclusão a que tinha chegado.
— Sim, também estou captando o aroma. — disse com rudeza.
Salvo que, não podia haver-se vinculado com ela, verdade? A sério podia acontecer tão rápido?
— Para alguns machos ocorre assim. — disse ele — Evidentemente.
De repente se deu conta que lhe estava lendo a mente, mas não se importou. Considerando onde esteve, pinçar em seu cérebro não parecia nem a metade de íntimo.
— Não o esperava. — disse.
— Tampouco estava em minha lista. — Rehvenge retirou os dedos e os lambeu com deliberadas carícias de sua língua, até deixá-los limpos.
O que naturalmente voltou a excitá-la.
Manteve o olhar fixo nele enquanto voltava a acomodar-se sobre os travesseiros entre os que ela se derrubou.
— Se não tem nem idéia do que dizer se una ao clube.
— Não há nada que dizer. — murmurou — É simplesmente um fato.
— Sim.
Rehvenge rodou até ficar sobre suas costas, e enquanto deitavam na escuridão com uns quinze centímetros de distância entre eles, sentiu saudades como se tivesse abandonado o país.
Ficando de lado, apoiou a cabeça na parte interior do braço e o contemplou enquanto ele olhava fixamente o teto.
— Desejaria poder te dar algo. — disse, deixando todo o tema da vinculação para depois. Muito falar ia arruinar o que acabavam de compartilhar, e ela queria conservá-lo um pouco mais.
Ele a olhou.
— Está louca? Preciso te recordar o que acabamos de fazer?
— Quero te dar algo parecido. — encolheu-se — Não quis fazer soar como se tivesse faltado algo… Quero dizer… Merda.
Sorriu e roçou sua bochecha.
— É doce de sua parte, não se sinta incômoda por isso. E não subestime o muito que tudo isso me agradou.
— Quero que saiba algo. Ninguém poderia me haver feito sentir melhor ou mais formosa do que você acaba de fazer.
Girou para ela e imitou sua posição, com a cabeça apoiada em seu grosso bíceps.
— Vê porque foi bom para mim?
Tomou a mão entre as suas e beijou a palma, só para franzir o cenho.
— Está se esfriando. Posso notar.
Incorporou-se e puxou o edredom para cobrir seu corpo, envolvendo-o primeiro, logo o abraçou, enquanto se estendia por cima das mantas.
Permaneceram assim durante um século.
— Rehvenge?
— Sim.
— Toma minha veia.
Deu-se conta de que lhe deu um susto do demônio pela forma em que deixou de respirar.
— Perdão… O-o que?
Teve que sorrir, pensando que não era o tipo de macho que tendia a balbuciar muito.
— Toma minha veia. Deixe-me te dar algo.
Através dos lábios abertos viu como se alargavam suas presas, e não o fizeram pouco a pouco, mas antes foi como se tivessem aflorado de repente do crânio.
— Não estou certo... Se isso seria… — enquanto sua respiração se fazia mais irregular sua voz se fazia mais grave ainda.
Ela pôs a mão no pescoço e massageou a jugular lentamente.
— Acredito que é uma grande idéia.
Quando seus olhos brilharam com uma cor púrpura, ela se deitou de costas e inclinou a cabeça a um lado, expondo a garganta.
— Ehlena... — os olhos percorreram seu corpo e retornaram a seu pescoço.
Agora estava ofegante e ruborizado, e uma fina película de suor cobria a porção dos ombros que aparecia fora das mantas. E isso não era nem a metade. O aroma de escuras especiarias estalou até saturar o ar, sua química interna reagiu ante a necessidade que tinha dela e o que ela queria fazer por ele.
— Oh... Merda, Ehlena...
Abruptamente, Rehvenge franziu o cenho e baixou o olhar para si mesmo. Sua mão, a que tinha acariciado meigamente sua bochecha, desapareceu sob as mantas e sua expressão mudou: a paixão e o propósito se dissiparam imediatamente, deixando só uma espécie de turvada indignação.
— Sinto-o. — disse com voz rouca — O sinto… Não posso…
Rehvenge se arrastou para fora da cama e levou o edredom com ele, liberando-o de um puxão de debaixo do corpo dela. Moveu-se rápido… Mas não o suficiente para que ela deixasse de notar o fato de que tinha uma ereção.
Estava excitado. Grande, comprido e duro como um fêmur.
E não obstante desapareceu no banheiro e fechou a porta com firmeza.
E logo a trancou.

CONTINUA

Capítulo 20


Lash estacionou a Mercedes 550 debaixo de uma das pontes de Caldwell, o sedã negro era indistinguível entre as sombras projetadas pelas gigantescas bases de concreto. O relógio digital que havia no painel indicou que a hora do espetáculo se aproximava.
Assumindo que não tivesse tido cagadas.
Enquanto esperava, pensou na reunião com o líder dos symphaths. Em retrospectiva, não gostava realmente do modo em que o macho o fazia sentir-se. Ele fodia garotas. Ponto. Nada de machos. Jamais.
Essa classe de merda era para cavaleiros de pênis como John e seu bando de fracos do rabo.
Mudando de direção mentalmente, Lash sorriu na escuridão, pensando que quase não podia esperar para voltar a ser apresentado a esses estúpidos. Ao princípio, logo depois de que tivesse retornado por seu pai verdadeiro, tinha querido apressar as coisas. Depois de tudo, John e seus meninos sem dúvida seguiam freqüentando o ZeroSum, assim encontrá-los não seria um problema. Mas, encontrar o momento adequado era fundamental. Lash ainda estava resolvendo a merda de sua nova vida e queria estar inteiro quando esmagasse o John e matasse o Blay diante do Qhuinn, logo mataria ao idiota que o tinha assassinado.
Procurar o momento oportuno era importante.
Como se tivessem obedecido a um sinal, dois carros se detiveram entre alguns dos pilares. O Ford Escort era da Sociedade Lessening, e o Lexus prateado era o carro do atacadista de Grady.
Preciosos aros os que levava o LS 600h. Muito bonitos.
Grady foi o primeiro a sair do Escort, e quando o senhor D e os outros dois lessers o seguiram, foi como olhar a evacuação de um carro de palhaços, dada a quantidade de carne que tinha estado apinhada dentro.
Quando se aproximaram do Lexus, do 600h, saíram dois homens levando elegantes casacos de inverno. Sincronizadamente, os dois machos humanos puseram a mão direita em suas jaquetas e tudo no que Lash pôde pensar foi: melhor que saiam armas e não insígnias desses bolsos superiores. Se Grady havia fodido e esses eram policiais disfarçados brincando de ser Crockett e Tubbs[41] da era moderna, as coisas iram se complicar.
Mas não… Nenhuma insígnia do DPC, só um pouco de conversa por parte dos casacos, sem dúvida na linha de: Quem são estes três lambe rabos que trouxe para esta transação particular de negócios?
Grady olhou ao senhor D com um pânico de “estou totalmente fora desta aliança”, e o pequeno texano tomou as rédeas, dando um passo adiante com uma pasta de alumínio. Depois de pô-la sobre o porta-malas do Lexus, abriu para revelar o que pareciam ser maços de notas de cem dólares. Na realidade, eram só montões de notas de um dólar com só um Benjamin[42] em cima de cada maço. Os casacos olharam para baixo…
Plop. Plop.
Grady saltou para trás enquanto os traficantes caíam ao chão como faxineiras, sua boca aberta tão amplamente como a tigela de lavabo. Antes que pudesse se pôr a dizer um montão do “OH meu Deus o que fez”, o senhor D deu um passo para ficar cara a cara e desferiu uma bofetada que o fez calar.
Os dois assassinos voltaram a guardar as armas em suas jaquetas de couro enquanto o senhor D fechava a mala, dava a volta e ficava atrás do volante do Lexus. Enquanto partia, Grady levantou a vista para os rostos dos homens pálidos como se esperasse que também lhe dessem um tiro.
Em vez disso, dirigiram-se de retorno ao Escort.
Depois de um momento de confusão, Grady os seguiu com uma corridinha torpe como se todas as suas articulações estivessem muito engraxadas, mas quando foi abrir a porta traseira, os assassinos se negaram a permitir entrar no carro. Quando Grady se deu conta de que ia ser deixado para trás, começou a assustar-se, começou a agitar os braços, e a gritar. O que era fodidamente tolo, tendo em conta que estava a quatro metros e meio de dois tipos com balas em seus cérebros.
Exatamente nesse momento um pouco de silêncio viria bem.
Evidentemente um dos assassinos pensou o mesmo. Com absoluta calma, sacou a mão com a arma e nivelou o canhão à altura da cabeça de Grady.
Silêncio. Quietude. Pelo menos por parte do idiota.
Fecharam duas portas e o motor do Escort ligou com um giro e um fôlego. Os assassinos se afastaram, fazendo chiar os pneus e salpicando as botas e a acne de Grady com terra congelada.
Lash acendeu as luzes do Mercedes, e Grady girou em redondo, protegendo os olhos com os braços.
Teve a tentação de atropelá-lo, mas no momento, a utilidade do homem justificava o batimento de seu coração.
Lash arrancou a Mercedes, deteve-se junto ao HDP, e baixou o guichê.
— Suba no carro.
Grady abaixou os braços.
— Que porra aconteceu…
— Fecha a fodida boca. Sobe no carro.
Lash fechou a janela e esperou enquanto Grady se deixava cair pesadamente no assento do passageiro. Enquanto o homem punha o cinto, notou que os dentes chacoalhavam e não pelo frio. O estúpido estava da cor do sal, e suava como um transexual no Estádio dos Giants[43].
— Bem, poderia tê-los matado a plena luz do dia. — balbuciou Grady enquanto se dirigiam à estrada que corria ao lado do rio — Há olhos por toda parte…
— Esse era o ponto. — o telefone de Lash soou e ele respondeu enquanto acelerava pela rampa para a auto-estrada — Muito bem, senhor D.
— Acredito que temos feito bem. — disse o texano — Exceto que não vejo as drogas. Devem estar no porta-malas.
— Estão nesse carro. Em algum lugar.
— Seguimos com o plano de nos encontrar no Hunterbred?
— Sim.
— Ouça, ah, escute, está planejando fazer algo com este carro?
Lash sorriu na escuridão, pensando que a avareza era uma grande debilidade para que um subordinado a tivesse.
— Vou pintar, comprar um número de documentos e placas.
Fez silêncio, como se o lesser esperasse mais.
— Oh, isso estará bem. Sim, senhor.
Lash desligou a seu discípulo e se girou para o Grady.
— Quero conhecer todos os outros varejistas importantes da cidade. Seus nomes, seus territórios, suas linhas de produtos, tudo.
— Não sei se terei toda essa…
— Então será melhor que o averigúe. — Lash atirou o telefone no colo do homem — Faz quantas chamadas necessitar. Escava. Quero a todos e cada um dos traficantes da cidade. Logo quero ao elefante que os alimenta. O atacadista de Caldwell
Grady deixou cair a cabeça contra o assento.
— Merda. Pensei que isto ia ser como… Meu negócio.
— Esse foi seu segundo engano. Começa a ligar e me consiga o que desejo.
— Olhe… Não acredito que isto seja… Provavelmente deveria voltar para casa…
Lash sorriu ao homem, revelando suas presas e fazendo seus olhos brilhar.
— Está em casa.
Grady se encolheu no assento, e logo começou a dar tapas ao trinco da porta, apesar de que viajavam pela auto-estrada a mais de cem quilômetros por hora.
Lash travou as fechaduras.
— Sinto muito, está de passeio agora e não paro no meio. Agora ligue com a porra do telefone e faz bem. Ou vou te desmembrar pedaço a pedaço e desfrutarei de cada segundo de seus chiados.

Wrath estava fora do Lugar Seguro sob um vento capaz de lhe adormecer até os testículos, sem que lhe importasse dois caralhos o tempo desagradável que fazia. Elevando-se ante ele como saída da fantasia de Rockwell do Leave it to Beaver[44], a casa, que era um refúgio para vítimas de violência doméstica, era grande, labiríntica e acolhedora, as janelas estavam cobertas com cortinas acolchoadas, havia uma grinalda na porta e uma esteira no primeiro degrau que dizia BEM-VINDOS em letras itálicas.
Como macho, não podia entrar, assim esperou como uma escultura de jardim na dura grama marrom, rezando para que sua amada leelan estivesse dentro… E disposta a vê-lo.
Depois de ter passado todo o dia no escritório esperando que Beth viesse a ele, finalmente tinha percorrido a mansão procurando-a. Quando não a encontrou, rezou para que estivesse como voluntária aqui, coisa que fazia freqüentemente.
Marissa apareceu na escadaria de atrás e fechou a porta atrás dela. A shellan de Butch e anterior prometida de sangue de Wrath mostrava-se como uma típica profissional com suas calças e jaqueta negras, levava o cabelo loiro retorcido e recolhido em um elegante coque e seu aroma era como o do oceano.
— Beth acaba de sair. — disse enquanto se aproximava dele.
— Retornou para casa?
— Foi à Avenida Redd.
Wrath se esticou.
— Que demo… Por que foi ali? — merda, sua shellan tinha saído sozinha em Caldwell? — Quer dizer em seu velho apartamento?
Marissa assentiu.
— Acredito que queria voltar aonde as coisas começaram.
— Está sozinha?
— Pelo que sei, sim.
— Jesus cristo, ela já foi seqüestrada uma vez. — disse com brutalidade. Como Marissa retrocedeu, amaldiçoou a si mesmo — Olhe, sinto muito. Não estou atuando muito racionalmente neste momento.
Depois de um momento, Marissa sorriu.
— Isto soará mal, mas me alegra que esteja frenético. Merece estar.
— Sim, fui uma merda. De primeira.
Marissa elevou a cabeça para o céu.
— Já que estamos nisso, darei um conselho para quando for procurá-la.
— Diga-me.
O rosto perfeito de Marissa se nivelou outra vez e quando voltou a enfocar nele, sua voz adquiriu um tom triste.
— Trate de não se zangar. Parece um ogro quando se enche o saco, e neste momento, Beth necessita que a recordem o motivo pelo qual deveria baixar a guarda quando está contigo e não o motivo pelo qual não deveria.
— Bom ponto.
— O que estiver bem, meu senhor.
A saudou com uma rápida inclinação de cabeça e se desmaterializou diretamente para o endereço da Avenida Redd, onde Beth estava acostumada a ter um apartamento quando se encontraram pela primeira vez. Enquanto se transladava, pôde saborear malditamente bem aquilo com o que seu shellan tinha que lutar cada noite que ele saía à cidade. Querida Virgem Escriba, como ela confrontava o medo? A idéia de que possivelmente nem tudo estivesse bem? O fato de que onde ele estava havia mais perigo que segurança?
Quando tomou forma diante do edifício de apartamentos, pensou na noite que tinha ido procurá-la depois da morte de seu pai. Tinha sido um salvador resistente e inapropriado, seu melhor amigo lhe tinha pedido em sua última vontade e testamento que a ajudasse a passar pela transição... Quando ela nem sequer sabia o que era.
Sua primeira aproximação não tinha ido bem, mas a segunda vez que tinha tratado de falar com ela? Essa tinha ido muito bem.
Deus! Queria voltar a estar com ela desse modo. Pele nua sobre pele nua, movendo-se juntos, ele metido profundamente em seu interior, marcando-a como dele.
Mas isso estava muito longe, assumindo que acontecesse alguma outra vez.
Wrath rodeou o edifício para o pátio traseiro, seus shitkickers não faziam ruído, sua grande sombra se projetava no chão gelado sob seus pés.
Beth estava encolhida em uma mesa desencaixada de lanche campestre onde alguma vez ele se sentou, e estava olhando fixamente ao apartamento que tinha diretamente em frente exatamente como ele tinha feito quando tinha vindo procurá-la. O vento frio fazia revoar seu cabelo escuro, dando a impressão de que estivesse sob a água e nadando entre fortes correntes.
Deve ter lhe chegado seu aroma, porque girou a cabeça bruscamente. Enquanto o olhava, sentou-se mais reta e manteve os braços ao redor da parca North Face que lhe tinha comprado.
— O que faz aqui? — perguntou.
— Marissa me disse onde estava. — jogou um olhar à porta corrediça de vidro do apartamento, e logo voltou a olhar a ela — Importa se me unir a você?
— Ah… Bem. Está bem. — removeu-se um pouco enquanto se aproximava — Não ia ficar aqui muito tempo.
— Não?
— Ia te ver. Não estava segura de quando saía para lutar e pensei que possivelmente teria tempo antes… Mas então, não sei, eu…
Enquanto deixava a frase no ar, ele subiu à mesa a seu lado, os suportes chiaram quando a coisa aceitou seu peso. Queria rodeá-la com o braço, mas se conteve e esperou que a parca estivesse fazendo bem seu trabalho de mantê-la abrigada o suficiente.
No silêncio, as palavras sussurravam na mente, todas elas pertenciam à variedade das desculpas, todas as sandices. Já havia dito que sentia, e ela sabia que dizia a sério, e que ia passar muito tempo antes que deixasse de desejar que houvesse algo mais que pudesse fazer para compensar.
Nesta noite fria, enquanto se sentavam suspensos entre seu passado e seu futuro, tudo o que podia fazer era ficar ali sentado com ela, olhando fixamente as janelas obscurecidas do apartamento no qual ela tinha vivido uma vez… Antes que o destino lhes tivesse unido.
— Não recordo ter sido especialmente feliz aí dentro. — disse ela brandamente.
— Não?
Ela passou a mão pelo rosto, afastando algumas mechas dos olhos.
— Não gostava de voltar para casa do trabalho e estar aí sozinha. Graças a Deus pelo Boo. Sem esse gato? Refiro-me a que, é limitado o que a televisão pode fazer por uma pessoa.
Ele odiava que tivesse estado sozinha.
— Então não desejaria ter a possibilidade de voltar atrás?
— Cristo, não.
Wrath exalou.
— Alegro-me.
— Trabalhava no jornal, para esse imbecil lascivo, do Dick, fazendo o trabalho de três pessoas, sem possibilidades de conseguir nada, porque era uma moça e os velhos e bons meninos não formavam um clube… Formavam uma camarilha de conspiradores. —sacudiu a cabeça — Mas sabe o que era o pior de tudo?
— O que?
— Vivia com essa sensação de que algo estava acontecendo, algo importante, mas não sabia do que se tratava. Era como saber que o segredo estava ali, e que era escuro, mas simplesmente não podia alcançá-lo. Quase me voltava louca.
— Assim averiguar que não era só humana foi…
— Estes últimos meses contigo foram pior. — olhou-o — Quando penso no outono… Sabia que algo estava mau. No fundo de minha mente, sabia, podia pressentir. Deixou de vir à cama regularmente, e se o fazia, não era para dormir. Não podia se acalmar. Não comia realmente. Nunca se alimentava. O reinado sempre o estressou, mas este último par de meses foi diferente. — voltou a olhar fixamente a seu velho apartamento — Sabia, mas não queria enfrentar a realidade de que possivelmente estivesse mentindo sobre algo tão significativo e aterrador quanto estar saindo para lutar sozinho.
— Merda, não tinha intenção de te fazer algo assim.
O perfil de Beth era formoso e implacável ao mesmo tempo, enquanto continuava.
— Penso que isso toma parte do enredo mental que há em minha cabeça neste momento. Todo o assunto me leva de retorno ao modo em que estava acostumada a viver cada dia de minha vida. Depois que atravessei a mudança e que nos mudamos para viver com os Irmãos, senti-me tão aliviada, porque finalmente soube com segurança o que sempre me tinha perguntado. Incrivelmente, a verdade me proporcionou uma base. Fez-me sentir a salvo. — voltou-se para ele — Este assunto contigo? O mentir? Faz com que sinta que não posso voltar a confiar em minha realidade. Simplesmente não me sinto a salvo, refiro-me a que, todo meu mundo gira em torno de você. Meu mundo inteiro. Tudo está apoiado em você, porque nosso emparelhamento é a base de minha vida. Assim, isto implica muito mais que o fato de que lute.
— Sim. — foda. Que demônios podia dizer?
— Sei que teve suas razões.
— Sim.
— E sei que não queria me ferir. — isto foi dito com uma entonação que se elevava ao final, as palavras eram mais uma pergunta, que uma declaração.
— Definitivamente não tinha essa intenção.
— Mas sabia que o faria, verdade?
Wrath apoiou os cotovelos nos joelhos e se reclinou sobre seus fortes braços.
— Sim, sabia. É por isso que não estive dormindo. Sentia que estava fazendo mal ao não lhe dizer isso.
— Tinha medo que me negasse a te permitir sair ou algo? Que te entregasse por violar a lei? Ou…?
— O assunto é assim… No final de cada noite voltava para casa e me dizia que não ia fazer outra vez. E em cada por do sol me encontrava atando as correntes de minhas adagas. Não queria que se preocupasse, e me dizia mesmo que não pensava que continuaria. Mas teve razão ao me chamar a atenção sobre isso. Não planejava me deter. — esfregou os olhos sob os óculos ao tempo que começava a lhe pulsar a cabeça — Estava tão equivocado, e não podia confrontar o que te estava fazendo. Estava me matando.
Pôs a mão na perna e ele se congelou, seu amável contato era mais do que merecia. Enquanto acariciava sua coxa um pouco, deixou cair os óculos de sol em seu lugar e com cuidado capturou sua mão.
Nenhum dos dois pronunciou palavra enquanto se seguravam um ao outro, palma contra palma.
Às vezes as palavras eram menos valiosas que o ar que as transportava quando se tratava de aproximar-se.
Enquanto o vento frio soprava através do pátio, causando que algumas folhas marrons passassem rangendo diante deles, acenderam-se as luzes no velho apartamento de Beth, a iluminação alagou o fogão da cozinha e a única habitação principal.
Beth riu um pouco.
— Puseram seus móveis exatamente como estavam os meus, o futón contra a única parede longa.
O que significava que tinham uma vista panorâmica do casal que entrou tropeçando no escritório e se encaminhou em linha reta à cama. Os humanos estavam entrelaçados lábios contra lábios, quadril contra quadril, e aterrissaram no futón em uma confusão, o homem montando à mulher.
Como envergonhada pelo espetáculo, Beth desceu da mesa e pigarreou.
— Suponho que será melhor que volte para Lugar Seguro.
— Esta noite é meu descanso. Estarei em casa sabe toda a noite.
— Isso é bom. Trate de descansar.
Deus, estar distanciados era horrível, mas ao menos se falavam.
— Quer que te acompanhe ali?
— Estarei bem. — Beth se aconchegou em sua parca, afundando o rosto no pescoço de plumas — Homem, faz frio.
— Sim. Faz. — quando chegou o momento de despedir-se, estava ansioso por saber no que tinham ficado, e o medo esclarecia muito sua visão. Deus, como odiava a expressão desolada de seu rosto — Não pode saber quão arrependido estou.
Beth estendeu a mão e tocou sua mandíbula.
— Ouço em sua voz.
Ele pegou sua mão e a colocou sobre o coração.
— Não sou nada sem você.
— Não é verdade. — disse, afastando-se — É o rei. Não importa quem seja sua shellan, você é tudo.
Beth se desmaterializou no ar fino, sua presença vital e cálida substituída somente com o glacial vento de dezembro.
Wrath esperou perto de dois minutos, logo se desmaterializou para Lugar Seguro. Depois de tanto tempo alimentando-se um do outro, havia tanto de seu sangue nela que podia sentir sua presença inclusive dentro das robustas paredes da instalação carregada de segurança, e soube que estava protegida.
Pesaroso, Wrath se desmaterializou outra vez e se dirigiu de volta à mansão: tinha pontos que deviam ser tirados e uma noite inteira para passá-la a sós em seu escritório.

Capítulo 21


Uma hora mais tarde Trez levou a bandeja de volta à cozinha. Rehv tinha o estômago completamente revolto. Porra! Se a aveia já não era uma comida viável para o “depois”, o que sobrava? Bananas? Arroz branco?
Um fodido mingau de bebê Gerber?
E não era só seu estomago que estava fodido. Se fosse capaz de sentir algo, estava bastante certo que teria uma enxaqueca junto com as náuseas que o sacudia. Cada vez que uma luz era acesa, a exemplo de quando Trez entrava para verificar como estava, os olhos de Rehv piscavam automaticamente, movendo-se acima e abaixo em uma descoordenada versão ocular de Safety Dance[45], em seguida começava a salivar e tragar compulsivamente. Assim por certo, tinha de estar enjoado.
Quando soou seu telefone, pôs a mão sobre ele e o levou ao ouvido sem girar a cabeça. Essa noite no ZeroSum estavam ocorrendo muitas coisas, e precisava manter-se informado.
— Sim.
— Olá... Ligou-me?
Os olhos de Rehv se dispararam para a porta do banheiro, onde brilhava uma suave luz ao redor do batente.
Oh, Deus! Não havia se banhado ainda.
Ainda estava coberto do sexo que teve.
Inclusive, embora Ehlena estivesse a três horas de carro de distância e ele não estivesse aparecendo em uma webcam sentia-se absolutamente canalha só por falar com ela.
— Hey. — respondeu com voz rouca.
— Está bem?
— Sim.
O que era uma fodida mentira. O tom rouco de sua voz mostrava o óbvio.
— Bem, eu, ah… Vi que tinha me ligado... — quando um som estrangulado saiu de sua boca, Ehlena se deteve — Está doente.
— Não...
— Pelo amor de Deus! Por favor, vêem a clínica...
— Não posso. Estou... — Deus, não podia suportar falar com ela — Não estou na cidade. Estou no Norte.
Houve uma longa pausa.
— Levarei os antibióticos.
— Não. — ela não podia vê-lo assim. Merda, ela não podia vê-lo nunca mais. Ele era asqueroso. Um asqueroso e sujo prostituto que deixava que alguém a quem odiasse o tocasse, o chupasse e usasse, e o obrigasse a fazer o mesmo a ela.
A princesa tinha razão. Era um fodido consolador.
— Rehv? Deixe-me ir onde está...
— Não.
— Maldito seja, não te faça isto!
— Não pode me salvar! — gritou.
Depois de sua explosão, pensou Jesus… De onde tinha saído isso?
— Sinto muito... Tive uma noite ruim.
Quando Ehlena falou por fim, sua voz foi um suave sussurro:
— Não me faça isto. Não me obrigue a te ver no depósito de cadáveres. Não me faça isto.
Rehv fechou os olhos com força.
— Não estou te fazendo nada.
— Uma merda que não o faz! — sua voz se rompeu em um soluço.
— Ehlena…
Seu pranto de desespero saiu do telefone com muita clareza.
— Oh… Cristo. Como queira. Se mate, genial!
E desligou.
— Caralho! — disse esfregando o rosto — Caralho!
Rehv se ergueu e lançou o celular contra a porta do quarto. E precisamente quando ricocheteava contra os painéis e saía voando, deu-se conta de que tinha destroçado a única coisa que tinha o número dela.
Com um rugido e um dificultoso balanço, lançou seu corpo fora da cama e os edredons aterrissaram por toda parte. Não foi uma boa jogada por sua parte. Quando seus intumescidos pés tocaram o tapete dobrado, converteu-se em um frisbee, voando brevemente antes de aterrissar sobre sua cara. Quando impactou, produziu um som como o estalo de uma bomba que retumbou através das pranchas do chão, e engatinhou em busca do telefone, seguindo a luz da tela que ainda brilhava.
Por favor, oh merda, por favor, se houver um Deus...
Estava quase ao seu alcance quando a porta se abriu de repente, errando por pouco sua cabeça e roçando o telefone... Que saiu disparado na direção contrária como um disco de hóquei. Enquanto Rehv rodava, equilibrava-se sobre a coisa e gritava ao Trez:
— Não atire!
Trez tinha adotado sua postura de combate, levantando a pistola e apontando-a para a janela, em seguida voltando-se para o banheiro e depois para a cama.
— Que porra foi isso?!
Rehv se esticou no chão para alcançar o telefone, que estava girando sobre si mesmo debaixo da cama. Quando o pegou, fechou os olhos e o aproximou do rosto.
— Rehv?
— Por favor...
— O que? Por favor, o que…?
Abriu os olhos. A tela estava piscando, e rapidamente pressionou os botões. Chamadas recebidas... Chamadas recebidas... Chamadas rece...
— Rehv que demônios está acontecendo?
Ali estava. O número. Olhou fixamente os sete dígitos que havia depois do código de área como se fossem a combinação de sua própria caixa de segurança, tentando reter todos.
A tela se obscureceu e deixou a cabeça cair sobre seu braço.
Trez se agachou a seu lado.
— Está bem?
Rehv se impulsionou para sair de debaixo da cama e se esticou, o quarto girou como um carrossel.
— Oh... Merda.
Trez embainhou sua arma.
— O que ocorreu?
— Deixei meu telefone cair.
— Claro. É obvio. Porque pesa o suficiente para fazer esse tipo de... Hey, devagar, tranqüilo. — Trez o agarrou enquanto tentava levantar-se — Agora aonde vai?
— Preciso de um banho. Preciso…
Mais imagens dele com a princesa martelaram seu cérebro. Viu suas costas arqueadas, e aquela rede vermelha rasgada à altura de seu traseiro, viu a si mesmo enterrado profundamente em seu sexo, bombeando até que sua lingüeta o travava dentro, de maneira que sua liberação encontrasse o caminho em seu interior até acima de tudo.
Rehv apertou os punhos contra os olhos.
— Preciso...
Oh Jesus... Ele tinha orgasmos quando estava com sua chantagista. E não só uma vez, normalmente eram três ou quatro. Ao menos as putas de seu clube, que odiavam o que faziam por dinheiro, podiam achar consolo no fato de que não o desfrutavam. Mas o gozo masculino dizia tudo, não?
As náuseas de Rehv se fizeram mais severas, e, em um ataque de pânico caminhou arrastando os pés e com o corpo todo curvado até o banheiro. A aveia e a torrada fizeram um eficaz intento por liberar-se, e Trez estava ali para segurá-lo sobre a privada. Rehv não podia sentir as ânsias de vômito, mas estava condenadamente seguro de que seu esôfago estava começando a rasgar porque depois de uns minutos de tossir, tentar respirar e ver as estrelas começou a aparecer sangue.
— Deite-se. — disse Trez
— Não, ducha…
— Não está em condições…
— Tenho que tirar isso de cima de mim! — o rugido de Rehv não só reverberou em seu quarto, mas sim, por toda a casa — Caralho... Não posso suportá-la.
Houve um momento que definitivamente teve um sabor da sagrada merda: Rehv não era o tipo de pessoa que pedisse um salva-vidas nem sequer se estivesse se afogando, e nunca se queixava do acerto que tinha com a princesa. Agüentava, fazia o que tinha que fazer e pagava as conseqüências, porque em sua opinião valia a pena o preço que pagava por manter seu segredo e o de Xhex.
E uma parte de você gosta, assinalou uma voz em seu interior. Quando está dentro dela pode ser você mesmo sem ter que se desculpar.
Vá à merda, disse a si mesmo
— Sinto ter gritado contigo. — disse a seu amigo com voz rouca.
— Errr... Está bem. Não se culpe. — Trez o levantou gentilmente dos azulejos e tentou apoiá-lo contra os lavabos — Já era hora.
Rehv cambaleou para a ducha.
— Não. — disse Trez, empurrando-o — Deixe que a água esquente.
— Não a sentirei.
— Sua temperatura interna já tem muitos problemas. Só espera aí.
Enquanto Trez se inclinava dentro da ducha de mármore e abria a água, Rehv ficou olhando fixamente seu pênis, o qual jazia frouxo e longo sobre sua coxa. Tinha a sensação de que era o pênis de qualquer outro, e isso era bom.
— Sabe que poderia matá-la por você. — disse Trez — Posso fazer com que pareça um acidente. Ninguém saberia.
Rehv sacudiu a cabeça.
— Não quero que seja metido neste montão de merda. Já temos muitas pessoas envolvidas.
— A oferta seguirá de pé.
— Tomo a devida nota.
Trez estendeu a mão para o interior da ducha e a pôs sob o jato. Com a palma debaixo da água que corria, seus olhos de cor chocolate se deslocaram para trás e abruptamente se voltaram brancos de raiva.
— Só para que fique claro. Você morre? E esfolarei a essa puta viva segundo a tradição Hisbe’s e enviarei as tiras a seu tio. Logo assarei seu corpo e mastigarei a carne de seus ossos.
Rehv sorriu um pouco, pensando que não era canibalismo porque a nível genético as Sombras tinham tanto em comum com os symphaths como os humanos com os frangos.
— Fodido Hannibal Lecter. — murmurou.
— Sabe como fazemos. — Trez sacudiu a água da mão — Symphaths... É o que há para jantar.
— Vai danificar as vagens?
— Não, mas poderia acompanhá-la com um delicioso Chianti[46] e algumas batatas fritas. Devo comer algumas batatas com a carne. Vamos, me deixe te pôr debaixo da água para tirar o fedor dessa puta.
Trez se aproximou de Rehv e o levantou.
— Obrigado. — disse Rehv em voz baixa enquanto iam mancando para a ducha.
Trez se encolheu de ombros, sabendo condenadamente bem que não estavam falando da ida ao banho.
— Você faria o mesmo por mim.
— Faria.
Estando sob o jato, Rehv utilizou o Dial sobre seu corpo até que sua pele esteve vermelha como uma framboesa, e saiu da ducha só depois de ter realizado sua tripla lavagem. Quando deu um passo fora da água, Trez entregou uma toalha, e se secou o mais rápido que pôde sem perder o equilíbrio.
— Falando de favores… — disse — Preciso do seu telefone. Seu telefone e um pouco de privacidade.
— De acordo. — Trez o ajudou a voltar para a cama e o cobriu — Homem, que bom que este edredom não aterrissou sobre o fogo.
— Então, me empresta seu telefone?
— Vai jogar futebol com ele?
— Não, contanto que deixe minha porta fechada.
Trez entregou seu Nokia.
— Tome cuidado com ele. É novo.
Quando esteve sozinho, Rehv digitou cuidadosamente e apertou chamar com esperança e uma prece, sem ter a segurança de se era ou não o número correto.
Ring. Ring. Ring.
— Sim..?
— Ehlena, sinto tanto…
— Ehlena? — disse a voz feminina — O sinto, não há nenhuma Ehlena neste número.
 
Ehlena permaneceu sentada na ambulância contendo suas lágrimas pela força do hábito. Não se tratava de que alguém pudesse vê-la, mas o anonimato lhe era indiferente. Enquanto seu latte esfriava dentro da dupla taça com dupla asa, e a calefação fluía intermitentemente, ela conservava a integridade porque era o que sempre fazia.
Até que a emissora BC4 ligou com um chiado e a assustou arrancando-a de seu paralisante desalento.
—Base para Quatro. — disse Catya — Responda Quatro.
Enquanto Ehlena se esticava para o auricular, pensava: ”Vê, essa é precisamente a razão pela qual nunca poderei baixar a guarda. Se tivesse parecido um autêntico desastre e tivesse que responder? Não precisava disso.”
Apertou o botão de “falar” com o polegar.
— Aqui Quatro.
— Está bem?
— Ah, sim. Só precisava… Retorno agora mesmo.
— Não há pressa. Tome seu tempo. Só queria me assegurar de que estava bem.
Ehlena deu uma olhada ao relógio. Deus, eram quase duas da manhã. Esteve sentada aí fora, asfixiando a si mesma ao deixar ligado o motor e a calefação, durante quase duas horas.
— Sinto muito, perdi a noção da hora. Precisa da ambulância para um recolhimento?
— Não, só estávamos preocupados com você. Sei que ajudou o Havers com aquele corpo e…
— Estou bem. — baixou a janela para deixar entrar um pouco de ar e pôs a ambulância em marcha — Retornarei agora mesmo.
— Não se apresse e escute, por que não toma o resto da noite livre?
— Está bem...
— Não é uma escolha. E troquei os horários para que amanhã também tenha o dia livre. Necessita um descanso depois do que aconteceu esta noite.
Ehlena queria discutir, mas sabia que daria a impressão de que se punha na defensiva, e, além disso, se já tomou a decisão, não havia nada pelo que lutar.
— Está bem.
— Tome seu tempo para voltar.
— Farei. Câmbio e desligo.
Pendurou o auricular e se pôs rumo à ponte que a levaria através do rio. Exatamente quando estava acelerando na rampa, soou seu telefone.
De maneira que Rehv estava devolvendo a chamada, huh? Não a surpreendia.
Levantou o telefone só para confirmar que era ele e, não porque tivesse a intenção de responder a sua chamada.
Número desconhecido?
Apertou receber e levou o telefone ao ouvido
— Sim?
— É você?
A profunda voz de Rehv seguia conseguindo disparar através de seu corpo como um quente estremecimento, inclusive apesar de estar de saco cheio com ele. E com ela mesma. Basicamente com toda a situação.
— Sim. — disse — Entretanto, este não é seu número.
— Não, não é. Meu celular teve um acidente.
Ela se apressou a adiantar-se antes que começasse com algum “o sinto”.
— Olhe, não é meu assunto. O que for que esteja te acontecendo. Tem razão, não posso te salvar...
— Por que ia querer sequer tentar?
Ela franziu o cenho. Se a pergunta tivesse sido de auto-compaixão ou acusatória, simplesmente teria posto fim à chamada e trocado seu número. Mas não havia nada salvo sincera confusão no tom de sua voz. Isso e absoluto esgotamento.
— Simplesmente não entendo... O motivo. — murmurou ele.
A resposta dela foi simples e expressa do fundo de sua alma.
— Como não poderia?
— E se eu não merecer?
Pensou em Stephan jazendo sobre aquele aço inoxidável, em seu corpo frio e machucado.
— Qualquer um que tenha um coração pulsando merece ser salvo.
— É por isso que se formou enfermeira?
— Não. Formei-me enfermeira porque queria ser médica algum dia. O assunto de ser uma salvadora é só minha maneira de ver o mundo.
O silêncio entre eles durou muito.
— Está em um carro? — perguntou ele ao final.
— Em uma ambulância na realidade. Retorno à clínica.
— Está sozinha? — grunhiu ele.
— Sim, e pode cortar a merda de super macho. Tenho uma arma sob o assento e sei como usá-la.
Uma risada sutil saiu do telefone.
— Ok, isso me excita. Sinto, mas assim é.
Ela teve que sorrir um pouco
— Volta-me louca, sabe. Inclusive embora seja um completo desconhecido, volta-me louca.
— E de certa forma isso é um elogio a minha pessoa. — houve uma pausa — Sinto pelo que aconteceu antes. Tive uma noite ruim.
— Sim, bom, eu também. Em ambas, a parte do sinto e a da má noite.
— O que ocorreu?
— Muito para entrar em detalhes. E você?
— O mesmo.
Quando ele se moveu, escutou-se um sussurro de lençóis.
— Está na cama de novo?
— Sim. E sim, ainda segue sem querer saber.
Ela sorriu abertamente.
— Está me dizendo que não deveria voltar a perguntar o que está vestindo.
— Entendeu-me.
— Estamos caindo em uma rotina, sabe? — ficou séria — Soa como se estivesse realmente doente. Tem a voz rouca.
— Estarei bem.
— Olhe, posso te levar o que necessita. Se não puder ir à clínica, posso te levar os remédios. — o silêncio do outro extremo era tão denso, e se fez tão longo, que terminou dizendo — Alô? Está aí?
— Amanhã de noite… Pode se encontrar comigo?
Esticou as mãos sobre o volante.
— Sim.
— No último andar do Commodore. Conhece o edifício?
— Conheço.
— Pode estar ali à meia-noite? No lado leste.
— Sim.
Seu suspiro pareceu de resignação.
— Estarei te esperando. Dirija com cuidado, ok?
— Farei. E não volte a jogar seu telefone.
— Como soube?
— Porque se eu houvesse tido um espaço aberto na minha frente em lugar do pára-brisa de uma ambulância, teria feito o mesmo.
A risada dele a fez sorrir, mas perdeu a expressão ao apertar terminar e devolver o telefone a sua bolsa.
Apesar de estar dirigindo a uma velocidade constante de sessenta e cinco, e que a estrada fosse reta e livre de escombros, sentia como se estivesse totalmente fora de controle, oscilando entre uma pista e outra, deixando um rastro de faíscas enquanto destroçava partes do veículo da clínica.
Encontrar-se com ele amanhã de noite, estar a sós com ele em um lugar privado, era exatamente o que podia fazer de pior.
E ia fazer de qualquer forma.


Capítulo 22


Montrag, filho de Rehm, desligou o telefone e olhou fixamente através das portas francesas do escritório de seu pai. Os jardins, as árvores e a grama ondulada, assim como a grande mansão e todo o resto, eram seus agora, já não mais um legado que herdaria algum dia.
Enquanto abrangia as terras com a vista, desfrutou do sentido de propriedade que cantava em seu sangue, mas não estava de todo satisfeito com a visão. Tudo tinha crescido com o inverno, os canteiros estavam vazios, as florescentes árvores frutíferas estavam cobertas com ervas daninhas, e as sebes e os carvalhos tinham perdido as folhas. Por conseguinte, podia-se ver o muro de contenção, e isso não era precisamente atrativo. Era melhor que esse tipo de coisas de segurança, tão antiestéticas estivesse cobertas.
Montrag voltou às costas e se encontrou com uma visão mais agradável, embora esta estivesse pendurada na parede. Com um rubor de reverência, contemplou sua pintura favorita da maneira que sempre fazia, já que certamente Turner merecia veneração tanto por sua maestria como por sua escolha de temas. Especialmente neste trabalho: a representação do sol se pondo sobre o mar era uma obra de mestre em muitos aspectos. As sombras de ouro e pêssego e o vermelho profundo ardente era um festim para os olhos que se viam extasiado pela biologia do verdadeiro forno brilhante que sustentava aceso, inspirava e esquentava o mundo.
Pintura semelhante seria o orgulho de qualquer coleção.
E ele tinha três Turner só nesta casa.
Com uma mão que se fechou em antecipação, pegou no canto inferior direito da moldura dourada e retirou a marinha da parede. O cofre que havia detrás se ajustava com precisão às dimensões da pintura e estava inserido entre a fita de seda e o gesso. Depois de inserir a combinação e fazer girar o seletor, houve um sutil deslocamento que foi apenas audível e que não dava nenhum indício de que cada um dos seis passadores retráteis era da grossura de um antebraço.
O cofre se abriu sem emitir som e acendeu uma luz interior, iluminando um espaço de três metros cúbicos amontoado com estojos finos de couro de joalheria, maços de cédulas de cem dólares, e documentos em pastas.
Montrag aproximou um banquinho bordado em estopa que tinha degraus e subiu sobre o estofo floreado. Esticando-se para alcançar o fundo do cofre, colocou a mão atrás de todas as escrituras de bens imóveis e certificados de ações, e tirou uma caixa de diversos títulos, em seguida deixou o cofre e a pintura tal e como tinham estado. Com um sentimento de excitação e contingência, levou a caixa metálica para a escrivaninha e tirou a chave do compartimento secreto que havia na gaveta inferior esquerda.
Seu pai lhe tinha ensinado a combinação do cofre e lhe tinha mostrado a localização do esconderijo, e quando Montrag tivesse filhos, transmitiria esse conhecimento. Assim, era como se assegurava de que as coisas de valor não se perdessem. Transmitindo-as de pai para filho.
A tampa da caixa de títulos não se abriu da mesma maneira bem calibrada e bem lubrificada em que tinha feito o cofre. Esta soltou um chiado quando se abriu de tudo, as dobradiças protestaram pela perturbação de seu descanso e a contra gosto revelou o que estava dentro de seu ventre metálico.
Ainda estavam aí. Dava graças à Virgem Escriba de que ainda estivessem ali.
Enquanto Montrag colocava a mão em seu interior, pensava no quão relativo era o valor destas páginas que em si mesmas valiam uma fração de centavo. A tinta contida dentro de suas fibras tampouco valia mais de um centavo. E ainda assim, pelo que nelas se indicava, eram inestimáveis.
Sem elas ele corria um perigo mortal.
Tirou um dos dois documentos, sem lhe importar qual retirava, porque eram idênticos. Entre seus dedos e com extremo cuidado, sustentou o equivalente vampírico de uma declaração jurada, uma dissertação de três páginas, escrita à mão e assinada com sangue a respeito de um acontecimento que tinha ocorrido vinte e quatro anos antes. Assinatura autenticada por cartório que mostrava na terceira página era mentira, uns garranchos apenas legíveis em cor marrom.
Mas em definitivo, foram feitos por um homem agonizante.
Rempoon, “o pai” de Rehvenge.
O documento expunha toda a desagradável verdade na Antiga Língua: o rapto da mãe de Rehvenge por parte dos symphaths, sua concepção e nascimento, a fuga dela e seu posterior matrimônio com o aristocrata Rempoon. O último parágrafo era tão acusatório como todo o resto:
Sobre minha honra, e a honra de meus antepassados e descendentes de sangue, na verdade nesta noite meu enteado, Rehvenge, caiu sobre mim e por causa das feridas mortais que ocasionou a meu corpo pela aplicação de suas mãos nuas sobre minha carne, fui rendido. Atuou com malícia e premeditação, atraindo-me a meu escritório com o propósito de provocar uma discussão. Eu estava desarmado. Após me ferir, ocupou-se do escritório e preparou a sala de forma que parecesse que tinha sido invadida por intrusos do exterior. Na verdade, abandonou-me sobre o chão para que a fria mão da morte capturasse minha forma corpórea, e abandonou o imóvel. Fui despertado em pouco tempo por meu querido amigo Rehm, quem veio de visita para discutir questões de negócios.
Não se espera que eu viva. Meu enteado me matou. Esta é minha confissão final como espírito encarnado na terra. Rogo que a Virgem Escriba possa me levar ao Fade com sua graça e com toda presteza.
Como o pai de Montrag lhe explicou mais tarde, Rempoon o tinha compreendido corretamente em sua maior parte. Rehm foi a negócios e tinha encontrado não só uma casa vazia, mas também o corpo ensangüentado de seu sócio… E, tinha feito o que qualquer macho razoável faria: ele mesmo roubou o escritório. Operando sob a certeza de que Rempoon estava morto, tratou de encontrar os papéis relativos ao negócio para que o interesse fracionário que tinha Rempoon ficasse fora de sua herança e Rehm viesse a ser o único proprietário absoluto do próspero negócio.
Tendo êxito em sua busca, Rehm estava a caminho da porta quando Rempoon evidenciou sinais de vida e um nome brotou de seus lábios gretados.
Rehm se sentia cômodo no papel de oportunista, mas cair no papel de cúmplice de assassinato era chegar muito longe. Chamou o doutor, e no tempo que Havers levou para chegar, os murmúrios de um macho agonizante relataram uma história de estremecer, de um valor que era inclusive maior que o da companhia. Pensando rapidamente, Rehm documentou a história e a assombrosa confissão sobre a verdadeira natureza de Rehvenge e fez com que Rempoon assinasse as páginas… Convertendo-as dessa forma em um documento legal.
Em seguida o macho se afundou na inconsciência e quando Havers chegou já estava morto.
Quando partiu, Rehm levou com ele tanto os documentos comerciais como a declaração jurada e foi elogiado como um valente herói por tentar resgatar ao macho agonizante.
Ao final, a utilidade da confissão era óbvia, mas a prudência de pôr tal informação em jogo estava menos clara. Enredar-se com um symphath era perigoso, tal como o sangue derramado de Rempoon tinha testemunhado. O sempre intelectual, Rehm, tinha ocultado a informação e a tinha seguido ocultando… Até que foi muito tarde para fazer algo com ela.
Segundo a lei, tinha a obrigação de entregar a um symphath, e Rehm tinha o tipo de prova que cumpria o início para denunciar a alguém. Entretanto, ao ter considerado suas opções durante tanto tempo, encontrava-se na arriscada posição de que pudesse chegar a imputar a si ser aquele que tinha protegido a identidade de Rehvenge. Se tivesse dado a conhecer vinte e quatro ou quarenta e oito horas depois do fato? Bem. Mas uma semana? Duas semanas? Um mês…?
Muito tarde. Em lugar de gastar completamente o ativo, Rehm contou a Montrag a existência da declaração jurada, e o filho compreendeu o equívoco do pai. Não havia nada a fazer no curto prazo, e só um cenário onde ainda podia chegar a ter algum valor… E o mesmo se suscitou durante o verão. Rehm fora assassinado durante as incursões e o filho tinha herdado tudo, incluindo os documentos.
Não poderiam culpar Montrag por seu pai ter escolhido não revelar o que sabia. Tudo o que tinha que fazer era declarar que tropeçou com os papéis enquanto revisava as coisas de seu pai, e ao entregá-los e entregar a Rehv, estaria simplesmente cumprindo seu dever.
Nunca saberia que conhecia sua existência desde o começo.
E ninguém acreditaria jamais que a idéia de matar o Wrath não tinha sido de Rehv. Depois de tudo, era um symphath, e não se podia confiar em nada do que dissessem. E mais, a seu favor em qualquer caso tanto se sua mão era a que apertava o gatilho, como se só ordenava o assassinato do rei, por ser o leahdyre do conselho, estava na posição que mais se beneficiava de sua morte. Que era exatamente a razão pela qual Montrag tinha propiciado que o macho subisse a esse papel.
Rehvenge empreenderia a proeza com o rei, em seguida Montrag iria ao conselho e se prostraria ante seus colegas. Diria que não tinha encontrado os papéis até ao momento de ter se transferido devidamente à casa de Connecticut, um mês depois das incursões e de que Rehv tivesse sido renomado leahdyre. Juraria que assim que os encontrou, se comunicou com o rei e revelou a natureza do assunto por telefone… Mas, Wrath o forçara a manter silêncio devido à posição comprometedora em que isto punha o Irmão Zsadist: depois de tudo, o Irmão era o companheiro da irmã de Rehvenge, e isto significaria que estava aparentada com um symphath.
É obvio que Wrath não poderia desmentir, já que estaria morto, e além do mais, o rei já era mal visto pelo modo em que tinha ignorado a crítica construtiva da glymera. O conselho estava predisposto a aceitar outra falta dele, fosse verdadeira ou fabricada.
Tratava-se de uma manobra intrincada, mas ia funcionar, porque o rei tendo morrido, o primeiro lugar aonde a raça iria procurar ao assassino seria entre o que ficasse do conselho, e Rehv, um symphath, era o bode expiatório perfeito: é obvio que um symphath faria algo assim! E Montrag contribuiria ao desenvolvimento dessa hipótese ao declarar que Rehv tinha ido vê-lo antes do assassinato e que lhe tinha falado com estranha convicção a respeito de mudanças de uma natureza sem precedentes. Além disso, as cenas dos crimes nunca estavam completamente limpas. Indubitavelmente, ficaria alguma coisa que vinculasse Rehv com a morte, fosse porque estivera realmente ali ou porque todo mundo estaria procurando exatamente esse tipo de provas.
E quando Rehv apontasse a Montrag? Ninguém acreditaria, em primeiro lugar porque era um symphath, mas também porque, seguindo a tradição de seu pai, Montrag sempre tinha cultivado uma reputação de seriedade e honradez tanto em seus entendimentos comerciais como em sua conduta social. Pelo que concernia a seus colegas membros do conselho estava acima de toda recriminação, era incapaz de enganar a alguém, e um macho de valia de linhagem impecável. Nenhum deles tinha a mínima pista de que seu pai e ele tinham traído a muitos sócios e colegas assim como também a parentes de sangue… Posto que foram cuidadosos ao escolher a suas presas de modo que se mantivessem as aparências.
O resultado? Ao Rehv imputariam a acusação de traição, seria detido e morreria segundo a lei dos vampiros ou deportado à colônia symphath, onde seria assassinado por ser um mestiço.
Qualquer dos dois resultados era aceitável.
Tudo estava disposto, e por esse motivo Montrag acabava de ligar seu melhor amigo.
Pegando a declaração jurada, dobrou e a deslizou dentro de um envelope grosso e macio.
Pegando uma folha de seu papel de cartas personalizado de uma caixa de couro, escreveu uma rápida carta ao macho que designaria como seu subcomandante, e que cimentaria o cenário para a caída de Rehvenge. Enquanto colocava o Turner de volta a seu lugar, a paisagem lhe falou como sempre, e por um momento, permitiu-se sair do manicômio que estava criando de propósito, e penetrou nesse mar pacífico e encantador. Ocorreu-lhe que a brisa devia ser cálida.
Queridíssima Virgem Escriba, como sentia falta do verão durante esses meses frios, mas, por outro lado, era esse contraste o que animava o coração. Sem o frio do inverno, a gente não apreciaria em sua justa medida as abafadiças noites de julho e agosto.
Imaginou onde estaria dentro de seis meses quando a lua cheia do solstício se elevasse sobre a extensa cidade de Caldwell. Chegando junho, ele seria rei, um monarca eleito e respeitado. Se somente seu pai estivesse vivo para ver…
Montrag tossiu. Inalou emitindo um soluço. E sentiu algo molhado na mão.
Olhou para baixo. A frente de sua camisa branca estava toda coberta de sangue.
Abriu a boca tentando tomar ar suficiente para gritar pedindo ajuda, mas só saiu um som gorgolejante...
Rapidamente levou as mãos ao pescoço que se parecia com um gêiser que surgia de sua artéria carótida exposta. Girando em círculo, viu uma fêmea ante ele com um corte de cabelo masculino e calças de couro negro. A faca em sua mão tinha a folha vermelha, e seu rosto era uma tranqüila máscara de indiferença e desapego.
Montrag caiu de joelhos ante ela e logo se retorceu para a direita, suas mãos seguiam tentando manter o sangue vital dentro de seu corpo e que não se esparramasse sobre o tapete Aubusson de seu pai.
Ainda estava vivo quando ela o pôs de barriga para cima, tirou um instrumento arredondado feito de ébano, e se ajoelhou ante ele.

Como assassina, o desempenho de Xhex era medido em duas dimensões. A primeira: matara a seu objetivo? Essa se explicava por si mesma. A segunda: tinha sido um assassinato limpo? Que se referia a se existia algum dano colateral como ser necessárias outras mortes para proteger a si mesma, sua identidade e/ou a identidade do indivíduo que lhe tinha encarregado o trabalho.
Neste caso, a primeira ia ser um trabalho fácil, considerando o modo em que a artéria de Montrag se converteu em um tubo de deságüe. A segunda, ainda estava em veremos, assim tinha que trabalhar rápido. Tirou o lys de suas calças de couro, inclinou-se sobre o bastardo, e não esbanjou mais de um nano segundo em observar como giravam os olhos.
Agarrou-o pelo queixo e o obrigou a enfrentá-la.
— Olhe-me. Olhe-me!
O selvagem olhar dele se disparou para o seu, e quando o fez, ela apresentou o lys.
— Sabe por que estou aqui e quem me envia. E não é Wrath.
Fez-se evidente que ainda chegava suficiente oxigênio ao cérebro de Montrag, porque seus lábios vocalizaram Rehvenge, com expressão horrorizada, antes que aqueles globos oculares começassem de novo seus giros.
Soltou-lhe o queixo e o esbofeteou com força.
— Preste atenção, imbecil. Olhe-me.
Com seus olhares travados e agarrando sua mandíbula de novo, abriu-lhe ainda mais a pálpebra superior e inferior de seu olho esquerdo deixando-o inclusive mais aberto.
— Olhe-me.
Ao mesmo tempo em que tirava o lys e o aproximava da aba de seu nariz para exercer pressão dentro da concha de seu olho, metia-se em seu cérebro e desencadeava todo tipo de lembranças. Ah… Interessante. Verdadeiramente tinha sido um intrigante filho da puta, especializado em extorquir às pessoas por dinheiro.
Montrag apalpou o tapete com as mãos e cravou os dedos com força enquanto gorjeava tentando dar um grito. O globo ocular saiu do crânio como um melão doce tirado com colher de sua casca, tão perfeitamente redondo e limpo como poderia desejar. Com o olho direito foi exatamente igual. Pôs ambos em uma bolsa de veludo em linha enquanto os braços e pernas de Montrag se sacudiam e batiam sobre seu custoso tapete e seus lábios se retraíam para trás de tal maneira que deixavam ao descoberto todos seus dentes incluindo seus molares.
Xhex o abandonou a sua pouco prolixa morte, saiu pela porta francesa que ficava diretamente atrás do escritório e se desmaterializou próxima a sebe da qual tinha feito o reconhecimento do lugar pela primeira vez no dia anterior. Esperou ali durante aproximadamente vinte minutos e logo observou como uma doggen entrava no escritório, via o corpo, e deixava cair à bandeja de prata que levava.
Quando o bule e a porcelana ricochetearam, Xhex levantou a tampa de seu telefone, apertou chamar, e o levou a orelha. Quando a voz profunda de Rehv respondeu disse:
— Está feito e o encontraram. A execução foi limpa e te levo a lembrança. Hora estimada de chegada: dez minutos.
— Bem feito. — disse Rehv com voz enrouquecida — Filho da mãe.


Capítulo 23


Wrath franziu o cenho enquanto falava pelo celular.
— Agora? Quer que vá ao norte do Estado agora?
A voz de Rehv estava carregada de “não estou te ferrando”.
— Isto tem que ser feito em pessoa, e me encontro imobilizado.
Do outro lado do escritório, Vishous, que fora informar sobre o trabalho de rastreamento feito sobre as caixas de armas, vocalizou: Que lixo é esse?
Que era exatamente o que Wrath estava pensando. Um symphath te liga às duas horas antes da alvorada e te  pede que vá ao norte do Estado porque “tem algo que precisa te dar”. Sim, certo, o bastardo era irmão de Bella, mas sua natureza era o que era, e certamente esse “algo” não era uma cesta de fruta.
— Wrath, isto é importante. — disse o macho.
— Está certo, vou agora mesmo. — Wrath baixou a tampa de seu telefone e olhou o Vishous — Eu…
— Phury está fora caçando esta noite. Não pode ir ali sozinho.
— As Escolhidas estão na casa. — e estiveram entrando e saindo do Grande Rancho de Rehv desde que Phury tinha tomado as rédeas como Primale.
— Não é exatamente o tipo de proteção que tinha em mente.
— Posso me arrumar sozinho, que se dane bonitinho.
V cruzou os braços, seus olhos de diamante cintilaram.
— Vamos agora? Ou depois de que perca tempo tratando de me fazer mudar de opinião?
— Muito bem. Como quiser. Vemo-nos no vestíbulo dentro de cinco minutos.
Enquanto deixavam o escritório juntos, V disse:
— Sobre essas armas? Ainda estou tentando rastreá-las. Neste momento, não tenho nada, mas já me conhece. Isto não vai seguir assim, de verdade. Não me importa que os números de série tenham sido apagados, vou averiguar onde conseguiram esta merda.
— A confiança é alta, meu irmão. A confiança é muito alta.
Depois de estarem completamente armados, os dois viajaram ao norte como um baile de moléculas livres, concentrando-se no Grande Rancho de Rehv nas Adirondacks e materializando-se à beira de um tranqüilo lago. Frente a eles, a casa era um enorme rancho de estilo Vitoriano, com teto de tábuas, janelas em forma de losango, e alpendres com postes de cedro em ambos os andares.
Com montões de cantos. E montões de sombras. E muitas daquelas janelas que pareciam olhos.
A mansão era bastante horripilante por si só, mas ao estar rodeada por um campo de força do equivalente symphath ao mhis, um cara indubitavelmente poderia convencer-se que Freddy, Jason, Michael Myers, e uma turma de camponeses com todas as suas serras mecânicas viviam dentro: ao redor do lugar, o temor era uma cerca intangível feita de arame farpado mental, e até Wrath, que sabia o que ocorria, alegrou-se quando atravessou a barreira.
No momento em que forçou seus olhos para poder enfocar melhor, Trez, um dos guardas pessoais de Rehv, abriu as portas duplas do alpendre que estava de frente ao lago e levantou a mão lhes dando as boas-vindas.
Wrath e V andaram pela grama cristalizada e rangente, e embora mantivessem as armas embainhadas, V tirou a luva de sua mão direita incandescente. Trez era o tipo de macho que respeitava, e não só porque fosse um Sombra. O segurança tinha o corpo musculoso de um lutador e o olhar inteligente de um estrategista, e sua lealdade era para o Rehv e só Rehv. Para proteger ao macho? Trez arrasaria um quarteirão inteiro da cidade em um instante.
— Como está, grandalhão? — disse Wrath enquanto subia os degraus do alpendre.
Trez avançou e entrechocaram as Palmas.
— Estou de primeira. E você?
— Bem como sempre. — Wrath golpeou ao macho no ombro — Ouça, se alguma vez quiser um trabalho de verdade, vêem lutar conosco.
— Sou feliz onde estou, mas obrigado. — o segurança sorriu abertamente e se voltou para V, seus olhos escuros descenderam rapidamente para a mão exposta de V — Sem ofender, mas eu não aperto essa coisa.
— Muito sábio de sua parte. — disse Vishous enquanto lhe oferecia a esquerda — Entretanto, compreende-o.
— Absolutamente, faria o mesmo pelo Rehv. — Trez liderou o caminho para as portas — Está em seu dormitório, esperando-os.
— Está doente? — perguntou Wrath ao entrar na casa.
— Querem algo de beber? Comer? — ofereceu Trez enquanto se dirigiam para a direita.
Como a pergunta ficou sem responder, Wrath olhou o V.
— Estamos bem, obrigado.
A decoração do lugar parecia saída do bolso traseiro de Vitória e Albert, com o pesado mobiliário imperial e a abundância de vermelho e dourado que havia em qualquer parte. Fiel ao gosto pela recopilação que imperava no período Vitoriano, cada cômodo tinha um tema diferente. Havia uma sala de estar cheia de relógios antigos marcando o tempo, onde encontrava relógios de pé, relógios de metal a corda e relógios de bolso que estavam expostos em vitrines. Outra tinha conchas, coral e madeiras de naufrágios que tinham séculos de antigüidade. Na biblioteca, havia muito belos vasos e fontes Orientais, e a sala de jantar estava equipada com ícones medievais.
— Surpreende-me que não haja mais Escolhidas por aqui. — disse Wrath enquanto atravessavam um cômodo vazio atrás de outro.
— Rehv deve vir aqui à primeira terça-feira de cada mês. Ele põe às mulheres um pouco nervosas, assim que a maioria delas volta para Outro Lado. Entretanto, Selena e Cormia sempre ficam. — havia uma grande quantidade de orgulho em sua voz quando acrescentou — São muito fortes, essas duas.
Subiram por uma magnífica escada até o primeiro andar e continuaram por um comprido corredor até um par de portas lavradas que indubitavelmente diziam a gritos “senhor da casa”.
Trez fez uma parada.
— Ouça, ele está um pouco doente, ok? Nada contagioso. É só… Que quero que estejam preparados. Demos tudo o que necessita e vai ficar bem.
Quando Trez bateu e abriu ambas as portas, Wrath franziu o cenho e sua visão se aguçou por sua conta quando seus instintos se avivaram.
No meio de uma cama esculpida, Rehvenge jazia imóvel como um cadáver, com um edredom de veludo vermelho até o queixo e o casaco de zibelina envolvendo seu corpo. Tinha os olhos fechados, sua respiração era superficial, e sua pele estava pálida e de cor amarelada. Seu moicano raspado era o único que se via remotamente normal… Isso e o fato de que, a sua mão direita estava Xhex, a fêmea symphath mestiça que tinha o aspecto de realizar castrações por diversão e para tirar lucros.
Rehv abriu os olhos, e a cor ametista se via opaca aproximando-se mais a uma lúgubre púrpura arroxeado.
— É o rei.
— Tudo bem?
Trez fechou as portas e como sinal de respeito se postou ao lado delas e não no centro como se estivesse bloqueando o caminho.
— Já lhes ofereci bebidas e comida.
— Obrigado, Trez. — Rehv fez uma careta de dor e realizou um movimento com a intenção de erguer-se sobre os travesseiros. Quando só conseguiu voltar a cair, Xhex se inclinou para ajudar, e lançou um olhar ameaçador de “nem sequer o pense”. O qual ignorou.
Depois de estar acomodado em uma posição erguida, subiu o edredom até o pescoço, cobrindo as estrelas vermelhas que tinha tatuadas no peito.
— Então, tenho algo para você, Wrath.
— Ah, sim?
Rehv fez um gesto com a cabeça para Xhex, que colocou a mão na jaqueta de couro que levava posta. No instante em que se moveu, o canhão da arma de V voou para cima, rápido como uma piscada e apontou diretamente ao coração da fêmea.
— Quer tirar com calma? — ela soltou a V.
— Nem no mais mínimo. Sinto muito — V parecia tão arrependido como uma destrutiva bola no meio de um balanço.
— De acordo, vamos nos tranqüilizar. — disse Wrath, e inclinou a cabeça para Xhex — Por favor, continue.
A mulher tirou uma bolsa de veludo e a lançou em direção a Wrath. Enquanto esta ia para ele, ouviu o suave assobio de seu vôo e apanhou a coisa, não por tê-la visto, mas sim pelo som.
Dentro havia dois olhos cor azul clara.
— Pois, ontem à noite tive uma reunião interessante. — disse Rehv arrastando as palavras.
Wrath olhou ao symphath.
— De quem é o olhar vazio que tenho em minha palma?
— De Montrag, filho de Rehm. Veio até mim pedindo que te matasse. Tem grandes inimigos dentro da glymera, meu amigo, e Montrag era só um deles. Não sei quem mais estava metido nesta conspiração, mas não podia me arriscar a tratar de averiguá-lo antes de ter tomado cartas no assunto.
Wrath colocou os olhos na bolsa e fechou seu punho em torno deles.
— Quando o fariam?
— Na reunião do conselho, depois de amanhã à noite.
— Filho de uma cadela.
V guardou a arma e cruzou os braços sobre o peito.
— Sabe, desprezo a esses filhos da puta.
— Pois parece que estou pregando aos convertidos. — disse Rehv antes de voltar a enfocar-se no Wrath — Não fui a você antes de solucionar o problema porque a idéia de que o rei me deva algo me resulta atrativa.
Wrath não pôde evitar rir.
— Comedor de pecados.
— Já sabe.
Wrath fez a bolsinha ricochetear em sua mão.
— Quando aconteceu isto?
— Faz aproximadamente meia hora. — respondeu Xhex — E não apaguei o rastro.
— Bem, certamente captaram sua mensagem. E ainda penso ir a essa reunião.
— Está seguro de que é prudente? — perguntou Rehv — Quem é que esteja detrás disto não voltará a ir para mim, porque sabem onde parece estar minha lealdade. Mas isso não significa que não encontrarão a outra pessoa.
— Deixe que o façam. — disse Wrath — Aceito o combate mortal. — desviou o olhar para Xhex — Montrag implicou a alguém?
— Cortei-lhe sua garganta de orelha  a orelha. Falar seria difícil.
Wrath sorriu e olhou o V.
— Sabe? É um pouco surpreendente que vocês dois não se dêem melhor.
— Em realidade não. — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Posso adiar a reunião do conselho. — murmurou Rehv — Se quer fazer um reconhecimento por si mesmo para averiguar quem mais está comprometido.
— Não! Se tivessem culhões como é devido, teriam tratado de me matar eles mesmos, e não teriam ido a você para que o fizesse. Assim vai ocorrer uma de duas coisas: como não sabem se Montrag os delatou antes de ficar visualmente impedido, vão esconder-se, porque isso é o que os covardes fazem, ou vão endossar a culpa a outro. Assim que a reunião segue de pé.
Rehv sorriu enigmaticamente, o symphath nele se fez evidente.
— Como deseja.
— Entretanto, quero uma resposta honesta de tua parte. — disse Wrath.
— Qual é a pergunta?
— Sinceramente considerou me assassinar? Quando lhe pediu isso.
Rehv ficou em silêncio durante um momento. Logo, assentiu devagar com a cabeça.
— Sim, fiz. Mas como já disse, agora está em dívida comigo, e dadas meus… As circunstâncias de meu nascimento, por assim dizer… Isso é muito mais valioso que o que qualquer aristocrata puxa-saco e imbecil pode fazer por mim.
Wrath assentiu com a cabeça uma vez.
— Posso respeitar esse tipo de raciocínio.
— Além disso, confrontemos: — Rehv sorriu outra vez — minha irmã se casou com alguém de sua família.
— Sei que o fez, symphath. Sei que o fez.

Após colocar a ambulância na garagem, Ehlena cruzou o estacionamento e entrou na clínica. Precisava recolher suas coisas do vestiário, mas isso não era o que a motivava. Pelo geral a essa hora da noite, Havers estava em seu escritório trabalhando nos históricos, e para ali se dirigiu. Quando chegou a sua porta, tirou-se a presilha, alisou o cabelo para trás, e o atou bem preso na base de seu pescoço. Ainda levava o casaco posto, mas embora não fosse caro, estava confeccionado em lã negra e parecia feito sob medida, assim imaginou que tinha bom aspecto.
Bateu na porta, e quando uma voz educada respondeu, entrou. O antigo escritório de Havers tinha sido um esplêndido escritório do velho mundo, cheio de antiguidades e livros encadernados em couro. Agora que estavam nesta nova clínica, sua zona de trabalho privada não era diferente de qualquer outra: paredes brancas, chão de linóleo, escrivaninha de aço inoxidável e cadeira negra com rodas.
— Ehlena. — disse ele quando levantou a vista do histórico que estava revisando — Que tal foi?
— Stephan está onde pertence...
— Querida, não tinha nem idéia de que o conhecesse. Catya me contou isso.
— Eu… O conhecia. — mas talvez não devesse ter mencionado isso à fêmea.
— Queridíssima Virgem Escriba, por que não disse?
— Porque quis honrá-lo.
Havers tirou os óculos de tartaruga marinha e esfregou os olhos.
— Ai, que pena! É algo que posso entender. De todos os modos, desejaria ter sabido. Ocupar-se dos mortos nunca é fácil, mas é especialmente difícil se tratar de uma relação pessoal.
— Catya me deu o resto do turno livre…
— Sim, eu o disse. Teve uma noite muito longa.
— Bem, obrigada! Entretanto antes de partir, quero lhe perguntar sobre outro paciente.
Havers pôs os óculos novamente.
— É obvio. Qual?
— Rehvenge. Ingressou ontem de tarde.
— Recordo-o. Tem alguma dificuldade com seus medicamentos?
— Por acaso você viu seu braço?
— Braço?
— A infecção que tem nas veias do lado direito.
O médico da raça deslizou os óculos de tartaruga marinha para cima por seu nariz.
— Ele não me indicou que seu braço estivesse dando moléstias. Se quiser voltar para ver-me, estarei encantado de revisá-lo. Mas como sabe, não posso prescrever nada sem examiná-lo.
Ehlena abriu a boca para argumentar quando apareceu a cabeça de outra enfermeira.
— Doutor? — disse a fêmea — Seu paciente está preparado na sala de exame número quatro.
— Obrigado. — Havers olhou novamente a Ehlena — Agora vá para casa e tire um descanso.
— Sim, Doutor.
Ela se escapuliu do escritório e observou como o médico da raça se afastava rapidamente e desaparecia ao virar na esquina.
Rehvenge não voltaria para ver Havers. De maneira nenhuma. Um: parecia estar muito doente para fazê-lo, e dois: já havia demonstrado ser um idiota teimoso ao ocultar deliberadamente aquela infecção ao doutor.
Macho. Estúpido.
E ela também era estúpida, considerando o que estava dando voltas em sua mente.
Em termos gerais, a ética nunca tinha sido um problema para ela. Fazer as coisas corretamente não requeria reflexão, nenhuma negociação de princípios, nem um cálculo de custo e benefícios. Por exemplo, seria incorreto ir ao fornecimento de penicilina da clínica e surrupiar, ah, digamos, pílulas de oito mil e quinhentos miligramas.
Sobretudo se daria essas pílulas a um paciente que não tinha sido visto pelo doutor para que tratasse dessa doença.
Seria simplesmente incorreto. Por qualquer ângulo que olhasse.
O correto seria telefonar ao paciente e persuadi-lo para que comparecesse à clínica para que o doutor o visse, e se não conseguisse fazer que pusesse seu rabo em marcha? Então isso seria tudo.
Sim, sem muitas complicações.
Ehlena se dirigiu para a farmácia.
Decidiu deixar nas mãos do destino. E que te parece? Era o descanso para o cigarro. O pequeno relógio marcava três e quarenta e cinco.
Olhou seu relógio. Três e trinta e três.
Abrindo o ferrolho da porta balcão, entrou na farmácia, foi direito para a penicilina, e sacudiu os frascos de pílulas de oito mil e quinhentos miligramas enfiando-os no bolso de seu uniforme… Exatamente o que tinha sido prescrito, três noites antes, para um paciente com um problema similar.
Rehvenge não ia voltar para a clínica em breve. Assim levaria o que necessitava.
Disse a si mesma que estava ajudando a um paciente e que isso era o mais importante. Demônios! Possivelmente estivesse lhe salvando a vida. Deste modo assinalou a sua consciência que isto não era OxyContin, nem Valium, nem morfina. Até onde ela sabia nunca ninguém tinha moído umas pílulas de penicilina para aspirá-las procurando um “barato”.
Enquanto entrava no vestiário e recolhia o almoço que havia trazido, mas não comera não se sentiu culpada. E quando se desmaterializou para sua casa, não sentiu nenhuma vergonha ao ir à cozinha e pôr as pílulas em uma bolsa Ziploc e colocar esta em sua bolsa.
Este era o caminho que ela escolhia. Stephan já havia morrido quando chegou até ele, e o melhor que tinha sido capaz de fazer foi ajudar a envolver seus membros frios e rígidos no linho cerimonioso. Rehvenge estava vivo. Vivo e sofrendo. E, se ele era o causador disso ou não, ainda podia ajudá-lo.
O resultado era ético inclusive se o método não o fosse.
E, algumas vezes, isso era o melhor que podia fazer.


Capítulo 24


Quando Xhex retornou ao ZeroSum eram três e meia da manhã, bem a tempo de fechar o clube. Além do mais, tinha um trabalhinho para fazer, e até que esvaziasse as caixas registradoras e despachasse o pessoal e os seguranças, não poderia atender seu assunto pessoal.
Antes de deixar o grande rancho de Rehv, entrou no banheiro e tornou a pôr os cilícios, mas os fodidos não estavam funcionando. Estava excitada. Repleta de energia. Exatamente no limite. Para o que serviam, bem podia ter levado um par de cordões atados às coxas.
Deslizando pela porta lateral da seção VIP, examinou a multidão, muito consciente de estar procurando um homem em particular.
E ele estava ali.
John Matthew fodido! Um trabalho bem feito sempre a deixava faminta e o último que precisava era a proximidade de gente como ele.
Como se notasse seus olhos sobre ele, levantou a cabeça e seus olhos de um azul profundo se acenderam. Como se deduzissem o que ela desejava. E dada à forma em que discretamente se reacomodou nas calças, estava preparado para se pôr a seu serviço.
Xhex não pôde evitar torturar a ambos. Enviou-lhe uma imagem mental, incutindo-a diretamente dentro de sua cabeça: era deles dois em um banheiro privado, ele estava de pé, reclinando-se para trás sobre o lavabo, ela tinha um pé plantado no tampo da pia, seu sexo estava profundamente enterrado no dela e os dois estavam ofegando.
Enquanto a olhava fixamente através da boate lotada, a boca de John se abriu e o rubor que cobriu suas bochechas nada tinha a ver com o abafado, e tudo com o orgasmo que sem dúvida estava pulsando em seu pênis.
Deus! Desejava-o.
Seu amigo, o ruivo, arrancou-o de seu frenesi. Blaylock retornou à mesa com três cervejas agarradas pelo gargalo, e quando lhe deu uma olhada ao endurecido e excitado rosto do John, deteve-se em seco e a olhou surpreso.
Merda!
Xhex se despediu dos seguranças que estavam se aproximando com um gesto da mão e saiu da seção VIP tão rápido, que quase derrubou uma garçonete.
Seu escritório era o único lugar seguro, e se dirigiu para lá correndo. O assassinato era um motor que, uma vez que se punha em marcha, era difícil de desacelerar e as lembranças do assassinato, do doce momento em que olhou aos olhos de Montrag para logo lhe arrebatar a vista, estavam ativando seu lado symphath. Para consumir essa energia, e aplacar-se, necessitava uma de duas coisas.
Ter sexo com o John Matthew era sem dúvida uma delas. A outra era muito menos prazerosa, mas na falta de pão, as tortas são boas, e estava a ponto de tirar seu lys e ir aplicá-lo a quantos humanos encontrasse em seu caminho. O que não seria bom para os negócios.
Cem anos depois, fechou a porta ao ruído e às pessoas que se apertavam como gado, mas não encontrou descanso em seu desértico refúgio. Demônios, nem sequer podia acalmar-se o suficiente para apertar os cilícios. Caminhou ao redor do escritório, sentindo-se enjaulada, pronta para entrar em ebulição, tratando de apaziguar-se para poder…
Com um rugido, a mudança a fulminou, seu campo visual se transformou, convertendo-se em vários matizes de vermelhos como se alguém acabasse de lhe pôr uma viseira sobre os olhos. Ao mesmo tempo, quadriculou as emoções de cada coisa viva que havia no clube, e, estalaram em seu cérebro. As paredes e o chão desapareceram e foram substituídos pelos vícios e os desesperos, os aborrecimentos e os desejos luxuriosos, as crueldades e a dor que eram tão sólidos para ela como tinha sido anteriormente a estrutura do clube.
Seu lado symphath estava saturado do “vamos-nos-portar-bem” e estava preparado para esfolar a esse bando de parvos humanos sorridentes excessivamente drogados que havia ali fora.

Quando Xhex se foi como se o chão da pista estivesse em chamas e ela fosse à única com um extintor, John voltou a afundar no banco. Após o que tinha visto em sua mente se desvaneceu, o incômodo do formigamento que sentia em sua pele começou a esfumar-se, mas sua ereção não pensava aceitar o “Oh! Bom, possivelmente da próxima vez”.
Dentro de seu jeans, tinha o pênis duro, aprisionado detrás da braguilha de botões.
Merda! Pensou John. Merda. Só... Merda!
— Linda forma de bloquear-pênis, Blay. — resmungou Qhuinn.
— Sinto. — disse Blay enquanto deslizava no banco e distribuía as cervejas — Sinto muito… Merda.
Bem, acaso isso não resumia tudo perfeitamente?
— Sabe, realmente está interessada em você. — disse Blay com um toque de admiração — Refiro-me a que, pensava que vínhamos aqui só para que pudesse contemplá-la. Mas não sabia que ela também te via dessa forma.
John abaixou a cabeça para ocultar as bochechas que ultrapassavam de longe o vermelho do cabelo de Blay.
— Sabe onde é seu escritório, John. — os olhos díspares de Qhuinn se mantiveram no mesmo nível enquanto inclinava para trás a recém trazida cerveja e dava um comprido trago — Vá ali. Agora. Assim, ao menos um de nós consegue um pouco de alívio.
John reclinou para trás e esfregou as coxas, pensando exatamente o mesmo que Qhuinn. Mas tinha culhões para fazê-lo? E, se se aproximava dela e o rechaçava?
E se voltava a perder sua ereção?
Entretanto, ao recordar o que tinha visto em sua mente, já não se sentiu tão preocupado por esse aspecto. Estava preparado para chegar ao clímax ali mesmo onde estava sentado.
— Pode ir sozinho a seu escritório. — continuou Qhuinn em voz baixa — Posso esperar no começo do corredor e me assegurar que ninguém os interrompa. Estará a salvo, e será em particular.
John pensou no único momento em que ele e Xhex estiveram juntos e a sós em um espaço fechado. Tinha sido em agosto, no banheiro dos homens da sobreloja, ela o tinha encontrado saindo a tropicões de um cubículo, completamente bêbado. Inclusive apesar de ter estado muito intoxicado, bastou vê-la para estar disposto, desesperado por seu sexo… E graças a uma grande quantidade de confiança proporcionada pela Corona, teve os colossais culhões de aproximar-se dela e lhe escrever uma mensagem em uma toalha de papel. Fizera-o para cobrar a vingança pelo que lhe tinha pedido.
O justo era justo. Queria que dissesse seu nome quando chegasse ao orgasmo durante a masturbação.
Desde então se mantiveram afastados no clube, mas malditamente juntos quando estavam em suas camas… E sabia que esteve fazendo o que lhe tinha pedido, podia dizer pela forma em que o olhava. E o pequeno intercâmbio telepático desta noite a respeito do que ela pensava que deveriam estar fazendo em um dos banheiros, era a prova suficiente de que até ela seguia ordens de vez em quando.
Qhuinn pôs uma mão no braço de John, e quando este elevou a vista para olhá-lo, o macho gesticulou: Saber encontrar o momento oportuno é tudo, John.
Muito certo. Ela o desejava, e esta noite não tinha sido unicamente no sentido da fantasia, como quando estava sozinha em casa. John não sabia o que havia mudado para ela nem qual tinha sido o catalisador, mas ao seu pênis não importava uma merda esse tipo de detalhes.
O resultado era tudo o que importava.
Literalmente.
Além disso, porra, acaso permaneceria virgem o resto de sua vida só por algo que lhe tinham feito fazia uma vida? Saber encontrar o momento oportuno era tudo, e estava farto de permanecer impassível, negando a si mesmo o que verdadeiramente desejava.
John ficou de pé e fez um gesto com a cabeça ao Qhuinn.
— Filho da puta! — disse o macho enquanto deslizava fora do banco embutido — Blay voltaremos.
— Tome seu tempo. E, John, boa sorte, ok?
John aplaudiu o ombro de seu amigo e se acomodou nos jeans antes de encaminhar-se para a saída da seção VIP. Qhuinn e ele passaram e cumprimentaram os seguranças junto ao cordão de veludo, e logo também passaram pelos suarentos bailarinos que estavam perreando[47], aos que estavam se beijando e a uma multidão que estava amontoando-se ao redor do grande balcão para o último pedido. Xhex não estava em nenhuma parte, e se perguntou se não teria ido a sua casa.
Não, pensou. Tinha que estar ali para fechar, porque Rehv não apareceu pelos arredores.
— Possivelmente já está em seu escritório. — disse Qhuinn.
Enquanto subiam as escadas para a sobreloja, pensou na primeira vez que a tinha visto. Falando de começar com o pé errado. Ela o tinha arrastado por este mesmo corredor e o tinha interrogado depois de tê-lo pego escondendo uma arma para que Qhuinn e Blay pudessem ter sexo em paz. Assim, foi como ela se inteirou de seu nome e de sua vinculação com Wrath e a Irmandade, e a forma em que o tinha maltratado o tinha excitado… Logo depois de ter superado a convicção de que ia despedaçá-lo membro a membro.
— Estarei aqui. — disse Qhuinn detendo-se no começo do corredor — Vai bem.
John assentiu e logo pôs um pé frente ao outro, frente ao anterior, e o corredor começou a ficar mais e mais escuro à medida que avançava. Quando chegou a sua porta, não se deteve a pensar, muito atemorizado de mandar mal e sair correndo para seu amigo.
Sim, e quanta falta de culhões lhe faria ver?
Além disso, desejava-o. Necessitava-o.
John levantou os nódulos para golpear… E ficou congelado. Sangue. Cheirava… Sangue.
Dela.
Sem pensar, abriu a porta e...
Oh. Deus Meu! Vocalizou.
Xhex levantou a cabeça bruscamente deixando de lado o que estava fazendo, e essa visão dela lhe ficou gravada a fogo. Havia tirado as calças de couro e as tinha pendurado no respaldo da cadeira, suas pernas estavam sulcadas por seu próprio sangue… Sangue que fluía das tiras com puas de metal que abraçavam suas duas coxas. Tinha uma bota negra sobre o escritório e estava no processo das apertá-las?
— Merda! Sai daqui!
Por quê? gesticulou com a boca, indo para ela, estendendo a mão. Oh… Deus tem que parar.
Com um profundo grunhido de sua garganta, apontou-lhe com o dedo.
— Não se aproxime.
John começou a gesticular rápida e torpemente, apesar dela não entender LSA — por que está fazendo isto…
— Porra sai daqui! Agora!
Por quê? Gritou-lhe silenciosamente.
Em resposta, seus olhos flamejaram em uma cor vermelha rubi, como se tivesse flashes coloridos engastados em seu crânio, e John ficou absolutamente gelado.
Havia só uma coisa no mundo da Irmandade que fazia isso.
— Vai.
John girou sobre si mesmo e foi direta e velozmente para a porta. Quando estendia a mão para agarrar a maçaneta, viu que era possível fechá-la por dentro, e com um rápido giro da chave de aço inoxidável, fechou-a assim ninguém mais poderia vê-la.
Quando chegou onde estava Qhuinn, não se deteve. Simplesmente prosseguiu, sem lhe importar se seu amigo e guarda pessoal o seguia.
De todas as coisas que podia ter averiguado alguma vez sobre ela, esta era a única nunca poderia ter previsto.
Xhex era uma maldita symphath.


Capítulo 25


Do outro lado de Caldwell, em uma rua ladeada de árvores, Lash estava sentado em um sofá com capa de veludo escuro, dentro de um apartamento com fachada de areia cor parda avermelhada. Pendurados ao seu lado estavam os únicos outros vestígios dos elegantes e enriquecidos humanos que viveram no lugar anteriormente: metros de formosas cortinas de damasco que iam do chão ao teto e ressaltavam as janelas panorâmicas que sobressaíam sobre a calçada.
Lash adorava as malditas cortinas. Eram de cor vinho, dourado e negro, adornadas com franjas e pompons de cetim dourado do tamanho de bolas de gude. Em sua exuberante glória, recordavam-lhe as coisas que sempre teve quando vivia naquela grande mansão Tudor, localizada na colina.
Sentia falta da elegância dessa vida. O pessoal. As comidas. Os carros.
Estava passando muito tempo com as classes baixas.
Merda, as classes baixas dos humanos, em atenção ao fundo de onde eram extraídos os lessers.
Esticou-se e acariciou uma das cortinas, ignorando a nuvem de pó que flutuou no ar assim que a tocou. Encantadora. Tão pesada e substancial, não havia nada barato nela, nem a malha, nem as tinturas, nem as pregas e cós costurados à mão.
A sensação o fez precaver-se de que precisava de uma boa casa própria e pensou que talvez pudesse ser este apartamento de pedra avermelhada. Segundo o senhor D, a Sociedade Lessening era proprietária deste lugar fazia três anos, a propriedade tinha sido comprada por um Fore-lesser convencido de que havia vampiros na área. Tinha uma garagem para dois carros enfiados no beco traseiro, assim havia intimidade, e era o mais próximo à elegância que poderia conseguir ao menos durante um bom tempo.
Grady entrou com um celular na orelha, na volta final da pista que tinha fabricado com suas caminhadas das últimas duas horas. Enquanto falava, a voz do tipo ressoava no teto alto.
Agora, apropriadamente motivado pela glândula supra-renal, o tipo havia revelado os nomes de sete distribuidores e esteve chamando um após o outro, conversando até convencê-los que se reunissem com ele.
Lash deu uma olhada ao papel onde Grady havia rabiscado sua lista. Sim, todos os contatos estariam livres de falência? Só o tempo o diria, mas um deles era definitivamente sólido. A sétima pessoa, cujo nome ao final da nomenclatura estava rodeado por um círculo negro, era alguém a quem Lash conhecia: o Reverendo.
Aliás, Rehvenge, filho de Rempoon. Proprietário do ZeroSum.
Aliás, o sacana territorial que tinha jogado Lash a pontapés de seu clube porque havia vendido umas poucas gramas aqui e ali. Merda, Lash não podia acreditar que não tivesse pensado nisso antes. É obvio que Rehvenge estaria na lista. Inferno, ele era o rio onde desembocavam todas as correntes, o cara com quem os fabricantes sul-americanos e chineses tratavam diretamente.
E isto não fazia as coisas ainda mais interessantes?
— Bom, te verei então. — disse Grady ao telefone. Quando desligou, deu-lhe uma olhada — Não tenho o número de Reverendo.
— Mas sabe onde o encontrar, verdade? – óbvio. Todos no negócio da droga, desde camelos a usuários passando pela polícia sabiam onde o cara passava seu tempo, e por esta razão era um mistério que o lugar não tivesse sido fechado fazia muito tempo.
— Entretanto, isso será um problema. Minha entrada está proibida no ZeroSum.
Bem vindo ao clube.
— Trabalharemos para mudar isso.
Embora não seria enviando a um lesser para tentar fazer um trato. Precisariam de um humano para isso. A menos que pudessem tirar Rehvenge fora de sua guarida, o que era improvável.
— Meu trabalho terminou? — perguntou Grady, olhando desesperadamente à porta principal, como se fosse um cão que precisava sair para urinar.
— Disse que precisava passar despercebido. — Lash sorriu deixando que visse suas presas — Assim voltará com meus homens a sua casa.
Grady não discutiu, só assentiu e cruzou os braços sobre a ridícula jaqueta com a águia. Seu assentimento se formava em partes iguais de personalidade, temor e esgotamento. Obviamente, se deu conta de que estava metido em muito mais merda do que acreditara a princípio. Sem dúvida pensava que as presas eram implantes cosméticos, mas alguém que acreditasse ser um vampiro poderia ser quase tão mortal e perigoso como alguém que realmente o fosse.
A porta de serviço que comunicava com a cozinha se abriu, e o senhor D entrou com dois pacotes quadrados envoltos em celofane. Eram do tamanho de uma cabeça, e enquanto o lesser se aproximava, Lash viu um montão de símbolos de dólar.
— Encontrei-os nos painéis do escritório.
Lash tirou sua navalha de mola e fez um pequeno buraco em cada um. Uma rápida lambida ao pó branco e voltou a sorrir.
— Boa qualidade. Cortaremos esta merda. Sabe onde pô-la.
O senhor D assentiu e voltou para a cozinha. Quando retornou, os outros dois assassinos estavam com ele, e Grady não era o único que parecia liquidado. Os lessers precisavam recarregar-se a cada vinte e quatro horas, e segundo a última conta, tinham estado funcionando, por quarenta e oito consecutivas. Até Lash, que podia agüentar vários dias, sentia-se esgotado.
Hora de ir-se.
Levantando-se da cadeira, vestiu o casaco.
— Eu conduzo. Senhor D, você irá sentado na parte de atrás do Mercedes e vai se assegurar de que Grady desfrute de ter chofer. Vocês dois, levem o PDM.
Saíram todos, deixando o Lexus sem placas na garagem e com o número do pára-brisa apagado.
A viagem ao complexo de apartamentos Hunterbred não levou muito, mas Grady conseguiu tirar uma sesta. Através do espelho retrovisor, viu como o idiota se apagava como uma luz, com a cabeça recostada contra o assento e a boca aberta enquanto roncava.
O que, realmente, beirava a falta de respeito.
Lash se deteve no apartamento onde ficavam o senhor D e seus dois companheiros e esticou o pescoço para olhar Grady.
— Acorda, imbecil. – enquanto o homem piscava e bocejava, Lash desprezou sua debilidade, e ao senhor D não pareceu impressionar — As regras são simples. Se tentar fugir, meus homens atirarão aí mesmo ou chamarão à polícia e dirão exatamente onde está. Assente com essa cabeça de idiota se tiver entendido o que digo.
Grady assentiu, embora Lash tivesse a sensação de que o teria feito sem importar o que houvesse dito. Se houvesse dito “Come teus próprios pés”, a resposta igualmente teria sido “Bom, certo, perfeito”.
Lash destravou as fechaduras.
— Saia de meu fodido carro.
Mais assentimentos enquanto as portas se abriam e o implacável vento entrava. Dando um passo fora do Mercedes, Grady se encolheu em sua jaqueta, com essa estúpida e fodida águia que tinha as asas estendidas enquanto o humano se encurvava sobre si mesmo. Ao senhor D, por outro lado, o frio não incomodava… Um dos benefícios de já ter morrido.
Lash deu marcha a ré para sair do estacionamento e se dirigiu para onde ele parava quando estava na cidade. Seu lugar era simplesmente uma choça de má morte em uma área cheia de anciões, com janelas que só tinham cortinas, compradas em lugares como Target, para deixar fora a seus intoxicados e viciados e dependentes vizinhos. A única vantagem era que ninguém da Sociedade sabia o endereço. Embora dormisse com o Omega por razões de segurança, voltar para este lado o deixava aturdido durante uma meia hora ou algo assim, e não queria que ninguém o apanhasse despreparado.
O tema era que, dormir era na realidade um término equivocado para o que ele necessitava. Não era como se fechasse os olhos e dormisse; virtualmente desmaiava, o que, segundo o senhor D, era o que acontecia quando se é um lesser. Por alguma razão, quando tinham o sangue de seu pai dentro deles, eram como celulares que não podiam ser utilizados enquanto se carregavam.
Quando pensou em voltar para a choça, se deprimiu e em troca, se encontrou conduzindo para a parte mais rica de Caldwell. Conhecia essas ruas tão bem como as linhas da palma de sua própria mão, e encontrou os pilares de sua antiga casa facilmente.
As portas estavam firmemente fechadas, e não podia ver por cima do alto muro que rodeava a propriedade, mas sabia o que havia dentro: o terreno, as árvores, a piscina e o terraço… Tudo mantido perfeitamente.
Merda. Queria voltar a viver assim. Esta existência barata com a Sociedade Lessening se parecia a usar um traje ordinário de roupa. Não se sentia ele. Em nenhum nível.
Estacionou o Mercedes no parque e simplesmente permaneceu ali, olhando fixamente ao caminho. Depois de assassinar aos vampiros que o tinham criado e enterrá-los no pátio ao lado da casa, tinha despojado a casa Tudor de tudo o que não estivesse fixado ou cravado, as antiguidades estavam armazenadas em várias casas de lesser dos arredores e de fora da cidade. Não retornou desde que buscara esse carro, e, assumira que, através do testamento de seus pais, a propriedade teria passado a qualquer parente de sangue sobrevivente aos assaltos que ele tinha efetuado contra a aristocracia.
Duvidava que a propriedade estivesse ainda em nome da raça. Depois de tudo, os lessers se infiltraram e, portanto, tinha sido permanentemente comprometida.
Lash sentia falta da mansão, embora não a pudesse utilizar como Quartel General. Trazia-lhe muitas lembranças, e o que era mais importante ainda, estava muito perto do mundo dos vampiros. Seus planos, suas contas e os detalhes íntimos da Sociedade Lessening não eram o tipo de merda que quisesse arriscar a que caísse em mãos da Irmandade.
Logo chegaria o momento em que voltaria a se encontrar com esses guerreiros, mas seria sob seus próprios termos. Desde que foi assassinado por esse defeituoso mutante do Qhuinn, e, seu verdadeiro pai o restabelecera ninguém exceto esse idiota do John Matthew o tinha visto… E inclusive com esse idiota mudo foi somente de uma maneira confusa, o tipo de coisa que, considerando que tinham visto seu cadáver, alguém descartaria como uma interpretação errônea.
Lash gostava de fazer grandes entradas. Quando aparecesse no mundo dos vampiros, faria de uma posição de poder. E a primeira coisa que ia fazer era vingar sua própria morte.
Seus planos futuros o faziam sentir um pouco menos falta do passado, e, enquanto olhava às árvores nuas serem açoitadas pelo forte vento, pensou na força da natureza.
E desejou ser exatamente isso.
Quando soou seu celular, levantou-o e o pôs na orelha.
— O que?
A voz do senhor D era toda formalidade.
— Tivemos uma infiltração, senhor.
As mãos de Lash apertaram o volante com força.
— Onde?
— Aqui.
— Filhos da puta. O que conseguiram?
— Jarras. As três. Pelo que sabemos foram os Irmãos. As portas permanecem firmes assim como as janelas, não temos idéia de como entraram. Deve ter acontecido em algum momento nas últimas duas noites, porque não dormimos aqui desde domingo.
— Entraram no apartamento abaixo?
— Não, esse ainda é seguro.
Pelo menos havia uma coisa a seu favor. Embora, perder jarras fosse um problema.
— Por que não soou o alarme de segurança?
— Não estava conectado.
— Jesus Cristo. Melhor que esteja aí quando chegar, porra. — Lash encerrou a chamada e girou o volante. Quando pisou fundo no acelerador, o sedã saiu disparado para o portão, o pára-choque dianteiro raspou as barras de ferro.
Fodidamente maravilhoso.
Quando chegou ao apartamento, estacionou exatamente ao lado da entrada para as escadas e quase arrancou a porta do carro ao sair. Com as rajadas geladas fazendo seu cabelo voar, subiu a escada de dois em dois e entrou disparado no lugar, preparado para atirar em alguém.
Grady estava sentado em um tamborete frente à parte sobressalente do balcão da cozinha, estava sem jaqueta, com as mangas arregaçadas, e um montão de não penso me colocar nisto na cara.
O senhor D estava saindo de um dos dormitórios terminando uma frase.
—… não entendo como encontraram este…
— Quem fez a merda? — perguntou Lash, fechando a porta ao vento que uivava — Isso é tudo o que me preocupa. Quem foi o idiota que não conectou o alarme e comprometeu esta localização? E se ninguém se responsabilizar, você — apontou para o senhor D— será o responsável.
— Não fui eu. — o senhor D olhou duramente a seus homens — Faz dois dias que não venho aqui.
O lesser da esquerda levantou os braços, mas como era típico em sua raça, não foi para submeter-se, mas sim porque estava preparado para lutar.
— Tenho minha carteira e não falei com ninguém.
Todos os olhos foram para o terceiro assassino, que se zangou:
— Que porra? — com gestos exagerados procurou em seu bolso traseiro — Tenho mi…
Colocou a mão mais ao fundo como se pudesse mudar algo. Logo, fez uma atuação ao estilo dos Três Patetas, verificando cada bolso que tinha nas calças, a jaqueta e a camisa. O idiota não titubearia em abrir o próprio rabo para dar uma olhada se pensasse que houvesse a possibilidade de sua carteira ter aberto passagem por seu cólon.
— Onde está sua carteira? — perguntou Lash brandamente.
Cabeça de Mármore se deu conta.
— O senhor N… Esse idiota. Discutimos porque queria que lhe desse “algumas verdinhas”. Lutamos e deve ter surrupiado minha carteira.
O senhor D caminhou tranqüilamente até ficar atrás do assassino e o golpeou ao lado da cabeça com a culatra de sua Magnum. A força do impacto fez que o assassino começasse a girar como a tampa de uma cerveja até se estalar contra a parede, onde deixou um borrão negro que manchou a pintura branca quando deslizou para baixo, até cair no tapete barato de cor marrom.
Grady deixou escapar um grasnido de surpresa, como um terrier que golpeassem com um jornal.
E então soou o toque da campainha. Todos olharam para a origem do som e logo para Lash.
Ele apontou para Grady.
— Permanece exatamente onde está. — quando a campainha voltou a soar fez um gesto com a cabeça ao senhor D — Responde.
Enquanto o pequeno texano passava por cima do assassino derrubado e colocava a arma no cinto das calças na parte baixa das costas abriu só uma fresta da porta.
— Domino’s. — disse uma voz masculina quando uma lufada de vento entrou soprando — Ah… Merda, tome cuidado!
Era uma comédia de fodidos embrulhos, o tipo de coisa que se via em um filme cheio de palhaçadas e embrulhos. Quando o entregador retirava a caixa de pizza da bolsa térmica vermelha, o forte vento a pegou, e a calabresa e algo mais saíram voando em direção ao senhor D... Como um bom empregado, o menino voador com o boné se esticou para frente para agarrar a coisa… E terminou golpeando o senhor D com força e invadindo o apartamento.
E Lash apostaria que os empregados de Domino’s recebiam instruções específicas a respeito de que jamais deviam fazer tal coisa, e, por uma boa razão. Se, invadia a casa de alguém, embora estivesse fazendo o papel de herói, podia encontrar todo tipo de merda: pornografia pervertida na televisão. Uma dona-de-casa gorda vestida somente com as calcinhas da avó e nenhum sutiã. Um barracão asqueroso com mais baratas que pessoas.
Ou um exemplar dos não mortos sangrando sangue negro de uma ferida na cabeça.
Não havia modo que o Menininho Pizza deixasse de ver o que tinha à frente. E isso significava que teriam que encarregar-se dele.

Após ter passado o restante da noite andando sem rumo fixo pelo centro de Caldwell em busca de um lesser com quem lutar, John tomou forma no pátio da mansão da Irmandade junto a todos os carros que estavam estacionados em uma fila ordenada. O implacável vento empurrava seus ombros, como um valentão querendo derrubá-lo, mas se manteve firme contra o violento ataque.
Uma symphath. Xhex era uma symphath.
Enquanto sua mente se agitava ante a revelação, Qhuinn e Blay se materializaram ao seu lado. Tinha que dizer em honra dos dois, nenhum deles perguntou que porra tinha acontecido no ZeroSum. Não obstante, ambos continuavam olhando-o como se fosse uma proveta em um laboratório de ciência, como se esperassem que trocasse de cor ou jogasse espuma ou algo.
Preciso de um pouco de espaço, gesticulou sem enfrentar nenhuma de seus olhares.
— Não há problema. — respondeu Qhuinn.
Houve uma pausa enquanto John esperava que entrassem na casa. Qhuinn limpou a garganta uma vez. Duas vezes.
Então com voz estrangulada, disse:
— Sinto muito. Não queria voltar a te pressionar. Eu…
John sacudiu a cabeça e gesticulou. Não está relacionado com o sexo. Assim não se preocupe, ok?
Qhuinn franziu o cenho.
— Bom. Sim, genial. Ah… Se precisar estaremos por aqui. Vamos, Blay.
Blay o seguiu e os dois subiram os degraus baixos de pedra e entraram na mansão.
Quando finalmente esteve sozinho, John não tinha a menor idéia do que fazer ou aonde ir, mas o amanhecer se aproximava, por isso, além de um breve passeio pelos jardins, tinha poucas opções ao ar livre.
Embora, Deus, perguntava-se se ao menos poderia entrar. Sentia-se poluído pelo que tinha descoberto.
Xhex era uma symphath.
Rehvenge saberia? Alguém mais?
Ele era bem consciente do que a lei requeria que fizesse. Aprendera durante seu treinamento. Quando se tratava de symphaths, devia denunciá-los para que os deportassem ou seria considerado cúmplice. Malditamente claro.
Entretanto, o que acontecia depois?
Sim, não era necessário ser adivinho para saber. Xhex seria transportada como lixo a um esgoto, e as coisas não seriam boas para ela. Estava claro que era uma mestiça. Tinha visto fotografias de symphaths, e não se parecia em nada a esses altos, magros, arrepiantes e imbecis FDP. Havia boas probabilidades de que a matassem na colônia, porque pelo que sabia, quando se tratava da discriminação, os symphaths eram iguais a glymera.
Salvo pelo fato de gostarem de torturar ao objeto de suas brincadeiras. E não no sentido verbal.
Que porra tinha feito…
Quando o frio o fez tiritar sob a jaqueta de couro, entrou na casa e subiu diretamente a escada principal. As portas do escritório do rei estavam abertas e podia ouvir a voz de Wrath, mas não se deteve para ver o rei. Seguiu andando, girando na esquina para o corredor das estátuas.
Embora não se dirigia a seu quarto.
John se deteve diante da porta de Tohr, fazendo uma pausa para alisar o cabelo. Havia só uma pessoa com quem queria falar disso, e rezou pedindo que embora fosse por uma vez pudesse receber algum tipo de resposta.
Necessitava ajuda. Muita.
John bateu brandamente.
Não houve resposta. Voltou a bater.
Enquanto esperava e esperava, olhou fixamente os painéis da porta e considerou as últimas duas ocasiões em que invadira salas sem ser convidado. A primeira durante o verão quando se intrometeu no dormitório de Cormia e a tinha encontrado nua e curvada de lado com sangue nas coxas. O resultado? Tinha surrado Phury sem nenhuma razão, o sexo tinha sido de mútuo consentimento.
A segunda tinha sido na de Xhex, esta noite. E olhe em que situação o tinha posto.
John bateu mais forte, os nódulos golpearam forte o bastante para despertar aos mortos.
Não houve resposta. Pior ainda, não havia nenhum som. Nenhuma televisão, nenhuma ducha, nenhuma voz.
Retrocedeu para ver se saía alguma claridade por debaixo da porta. Não. Assim Lassiter não estava aí dentro.
O terror fez que engolisse com dificuldade, enquanto abria lentamente a porta. Os olhos foram primeiro à cama, e ao não encontrar o Tohr ali, John definitivamente entrou pânico. Atravessando o tapete oriental às pressas, dirigiu-se velozmente para o banheiro, esperando encontrar o Irmão escancarado na Jacuzzi com os pulsos cortados.
Não havia ninguém em nenhuma das duas habitações.
Uma estranha e vertiginosa esperança estalou em seu peito enquanto saía novamente ao corredor. Olhando a esquerda e direita, decidiu começar pelo dormitório de Lassiter.
Não houve resposta, e, ao olhar dentro, encontrou tudo muito asseado e ordenado junto com um débil aroma de ar fresco.
Isto era bom. O anjo tinha que estar com Tohr.
John foi velozmente para o estúdio de Wrath e depois de bater na soleira, apareceu à cabeça, inspecionando rapidamente o comprido e fino sofá, as poltronas e o suporte da chaminé onde os Irmãos gostavam de reclinar-se.
Wrath levantou o olhar da escrivaninha.
— Olá, filho. O que acontece?
Oh, nada. Já sabe. Só… Desculpe-me.
John desceu correndo a escada principal, sabendo que se Tohr estava fazendo sua primeira incursão de volta ao mundo, não ia querer fazer um grande espetáculo disso. Provavelmente começaria simplesmente, só indo à cozinha com o anjo a procura de um pouco de comida.
John chegou ao chão de mosaico do vestíbulo no andar de baixo, e quando ouviu vozes de macho à direita, olhou dentro da sala de bilhar. Butch estava agachado sobre a mesa de bilhar a ponto de fazer um disparo e Vishous estava detrás dele, vaiando. A tela plana da TV mostrava o canal de esportes e só havia dois copos baixos e gordinhos, um com um líquido cor âmbar, o outro contendo um produto cristalino que não era água.
Tohr não estava ali, mas nunca esteve muito interessado nos jogos. Além disso, com a maneira em que Butch e V atacavam um contra o outro, não eram o tipo de companhia que desejaria se estava a ponto de voltar a afundar os pés nas águas sociais.
Dando a volta, John cruzou apressadamente o refeitório, posto para a Última Comida, e entrou na cozinha, onde encontrou… Aos doggen preparando três tipos diferentes de molhos para massa, tirando pão italiano caseiro do forno, mexendo as saladas e abrindo garrafas de vinho tinto para que respirassem e… Nada de Tohr.
A esperança escapou do peito de John, deixando uma tensão amargurada.
Aproximou-se de Fritz, o extraordinário mordomo, que o saudou com um brilhante sorriso em seu rosto velho e enrugado.
— Olá, senhor, como vai você?
John fez os gestos diante de seu peito para que ninguém mais pudesse ver.
Escute, viu…
Merda, não queria aterrorizar a toda a casa sem outro motivo além de que estava se apressando a tirar conclusões. A mansão era enorme e Tohr podia estar em qualquer lugar.
…a alguém? Terminou.
As franzinas sobrancelhas brancas de Fritz se juntaram.
— Alguém, senhor? Refere-se às senhoras da casa ou…
Machos., gesticulou. Viu algum dos Irmãos?
— Bom, estive aqui preparando o jantar durante a última hora, mas sei que vários voltaram para casa do campo. Rhage pegou seus sanduíches tão logo retornou, Wrath está no escritório, e Zsadist está banhando à pequena. Deixe ver… Oh, e acredito que Butch e Vishous estão jogando bilhar, já que um de meu pessoal lhes serviu bebidas na sala de bilhar faz um momento nada mais.
Correto, pensou John. Se um Irmão que ninguém tinha visto sair durante digamos, quatro meses, aparecesse certamente seu nome teria sido o primeiro da lista.
Obrigado, Fritz.
— Estava procurando a algum em particular?
John sacudiu a cabeça e voltou a sair ao vestíbulo, esta vez movendo-se com pés de chumbo. Quando entrou na biblioteca, não esperava encontrar ninguém, e o que lhes parece? A sala estava cheia de livros e completamente desprovida de qualquer Tohr.
Onde poderia…?
Possivelmente não estivesse na casa absolutamente.
John fechou a biblioteca e patinou ao dar a volta ao redor da escada principal, as solas de seus shitkickers chiaram quando dobrou a esquina. Abrindo violentamente a porta oculta sob os degraus, entrou no túnel subterrâneo da mansão.
É obvio. Tohr iria ao centro de treinamento. Se ia despertar e começar a viver, isso significava que voltaria para o campo de batalha. E isso significava exercitar-se para conseguir que seu corpo voltasse a estar em forma.
Quando John saiu ao escritório das instalações, estava completamente de retorno na terra da esperança e quando não encontrou Tohr no escritório, não se surpreendeu.
Aí tinha sido onde o tinham informado da morte de Wellsie.
John arrastou o traseiro para o corredor, e o leve som dos pesos ressonando foi uma fodida sinfonia para seus ouvidos, o alívio floresceu em seu peito até que as mãos e os pés formigaram.
Mas tinha que controlar-se. Aproximando-se da sala de treinamento, sacudiu o sorriso, e abriu amplamente a porta…
Blaylock lhe jogou uma olhada do banco. A cabeça do Qhuinn se movimentava acima e abaixo na barra de exercícios.
Enquanto John jogava uma olhada a seu redor, ambos deixaram o que estavam fazendo, Blay voltando a deixar a barra de peso em seu lugar, Qhuinn baixando-se lentamente ao chão.
Viram o Tohr? Gesticulou John.
— Não. — disse Qhuinn enquanto enxugava o rosto com uma toalha — Por que ele estaria aqui?
John saiu correndo e se dirigiu ao ginásio, onde não encontrou nada exceto luzes embutidas, chãos de tábuas resplandecentes e colchonetes de um azul brilhante. A sala de equipamento só tinha equipamento. A sala de primeiros socorros e fisioterapia estava vazia. A clínica de Jane igual.
Partiu correndo, saindo disparado pelo túnel para a casa principal.
Uma vez ali, subiu diretamente para as portas abertas do escritório, e esta vez não bateu na soleira. Caminho diretamente até a escrivaninha de Wrath e gesticulou, Tohr se foi.

Enquanto o entregador do Domino’s gesticulava para agarrar a caixa de pizza, todos os outros ficaram imóveis.
— Passou perto. — disse o humano — Não queria que terminasse em…
O homem que estava agachado ficou congelado nessa posição quando seus olhos rastrearam a mancha negra da parede até o enfraquecido e queixoso lesser que a tinha ocasionado.
— … Em… Seu… Tapete.
— Cristo. — cuspiu Lash, tirando a navalha de mola do bolso no peito, acionando a folha e aproximando-se das costas do homem. Quando o moço do Domino’s ficou de pé, Lash passou o braço ao redor de seu pescoço e lhe cravou a faca diretamente no coração.
Enquanto o homem se murchava e ofegava, a caixa de pizza caía ao chão e se abria, a cor do molho de tomate e da calabresa pertencia à mesma gama de cores que o sangue que saía da ferida.
Grady saltou de seu tamborete e apontou ao assassino que ainda estava de pé.
— Ele me permitiu encomendar a pizza!
Lash apontou com a ponta da faca ao idiota.
— Fecha a puta boca.
Grady voltou a sentar no tamborete.
O senhor D estava de saco muito cheio quando foi até o assassino restante.
— Deixou-o encomendar uma pizza? Fez isso?
O lesser grunhiu.
— Pediu-me que entrasse e montasse guarda na janela do dormitório de atrás. Assim foi como descobrimos que tinham desaparecido as jarras, recorda? O imbecil que empapa o tapete foi o que o deixou chamar.
O senhor D não parecia ter interesse na lógica, e por divertido que pudesse ser lhe ver ficar em plano Jack Russel[48] com esse rato lesser, não havia muito tempo. Este humano que tinha aparecido com a pizza não voltaria a fazer mais entregas, e seus companheiros de uniforme se dariam conta disso bastante rápido.
— Telefona para que venham reforços. — disse Lash, fechando a folha e aproximando-se do lesser incapacitado — Que venham com um caminhão. Assim retira as caixas com armas. Evacuaremos este apartamento e o de baixo.
O senhor D pegou o telefone e começou a ladrar ordens enquanto o outro assassino entrava no dormitório do fundo.
Lash examinou o Grady, que olhava fixamente a pizza como se estivesse considerando seriamente levantá-la do tapete para comer.
— A próxima vez que você…
— As armas desapareceram.
Lash girou a cabeça para o lesser.
— Desculpe?
— As caixas com armas não estão no armário.
Por uma fração de segundo, em tudo o que Lash pôde pensar foi matar a alguém, e o único que salvou o Grady de ser esse alguém foi que mergulhou rapidamente na cozinha, fora de seu campo visual.
Não obstante a lógica preponderou sobre a emoção, e dirigiu sua vista para o senhor D.
— É responsável pela evacuação.
— Sim, senhor.
Lash apontou com o dedo ao assassino que estava no chão.
— Quero que o levem ao centro de persuasão.
— Sim, senhor.
— Grady? — quando não houve resposta, Lash amaldiçoou e entrou na cozinha para encontrar ao tipo inclinado dentro do frigorífico, sacudindo a cabeça ante as estantes vazias. O idiota era muito estreito de mente ou estava sinceramente ensimesmado, e Lash apostava que era o último — Vamos.
O humano fechou a porta do frigorífico e veio como o cão que era: rapidamente e sem discutir, movendo-se tão velozmente que deixou seu casaco atrás.
Lash e Grady tinham saído repentinamente ao frio, e o quente interior do Mercedes foi um alívio.
Enquanto Lash saía lentamente do complexo, porque apressar-se poderia ter atraído a atenção das pessoas, Grady o olhou.
— Esse cara… Não o da pizza… O que morreu… Não era normal.
— Não. Não era.
— Tampouco você.
— Não. Eu sou uma divindade.


Capítulo 26

Quando caiu a noite, Ehlena vestiu o uniforme embora não fosse à clínica. Por duas razões, uma, ajudava com seu pai, que não tolerava bem as mudanças de rotina. E dois, sentia como se lhe desse uma pequena distância quando se encontrasse com Rehv.
Não dormiu nada durante o dia. Enquanto jazia na escuridão, as imagens do depósito de cadáveres e a lembrança da forma em que havia soado fatigada a voz de Rehvenge eram uma diabólica equipe que corria desenfreada martelando em seu cérebro, fazendo rodar e mudar seus sentimentos até que lhe doeu o peito.
Estava realmente a caminho de encontrar-se com Rehvenge? Em sua casa? Como tinha acontecido isto?
Essas perguntas ajudaram-na a recordar que só ia lhe entregar remédios. Isto se tratava de prestar cuidados de nível clínico, de enfermeira a paciente. Pelo amor de Deus, ele esteve de acordo com ela que não deveria encontrar-se com ninguém, e, não era como se a tivesse convidado para jantar. Estava lhe levando as pílulas e tentaria persuadi-lo a ir ver Havers. Isso era tudo.
Após verificar como estava seu pai e lhe dar seu medicamento, se desmaterializou para a calçada defronte ao edifício Commodore situado no meio do centro. De pé entre as sombras, levantou o olhar para o lado liso e brilhante da alta torre, e a surpreendeu o contraste entre este e o sórdido lugar ao rés do chão que ela alugava.
Caramba… Viver entre todo esse cromado e vidro custava dinheiro. Muito dinheiro. E Rehvenge tinha um apartamento de cobertura. Além disso, esta devia ser só uma das propriedades que possuía, porque nenhum vampiro em seu juízo perfeito dormiria rodeado por todas essas janelas durante as horas diurnas.
A linha divisória entre a gente normal e a gente rica parecia tão longa como a distância entre onde ela estava parada e onde se supunha que Rehvenge a esperava, e por um breve momento se entreteve com a fantasia de que sua família ainda tinha dinheiro. Possivelmente dessa forma, estaria levando algo diferente de seu casaco barato de inverno e sua uniforme.
Enquanto permanecia na rua, muito abaixo de Rehvenge, parecia-lhe impossível que tivesse conectado com ele como tinha feito, mas em definitivo, o telefone era uma relação virtual, só um degrau mais acima de estar online. Cada pessoa estava em seu próprio ambiente, invisíveis um ao outro e só suas vozes se mesclavam. Era uma falsa intimidade.
Realmente tinha roubado pílulas para este macho?
Verifique seus bolsos, imbecil, pensou.
Com uma maldição, Ehlena se materializou no terraço do apartamento de cobertura, aliviada de que a noite estivesse relativamente tranqüila. De outro modo, com o frio que fazia qualquer vento ali em cima…
Que… Demônios?
Através dos inumeráveis painéis de vidro, o resplendor de centenas de velas convertia a noite escura em uma névoa dourada. Dentro, as paredes do apartamento de cobertura eram negras, e havia… Coisas penduradas delas. Coisas como um gato de nove caudas[49] feito de metal, chicotes de couro e máscaras… E havia uma mesa grande, de aparência antiga que estava… Não, espera, isso era uma mesa de tortura, verdade? Com correias de couro pendurando dos quatro cantos.
OH… Demônios, não. Rehvenge gostava desta merda?
Bom. Mudança de planos. Deixaria os antibióticos, certo, mas seria enfrente a uma dessas portas corrediças, porque não havia maneira de que entrasse aí dentro. De. Nenhuma. Fodida. Maneira…
Um tremendo macho com cavanhaque saiu do banheiro, secando as mãos e endireitando as calças de couro enquanto ia para a mesa de tortura. Com um salto ágil, subiu à coisa e logo começou a prender um dos grilhões ao tornozelo.
Isto estava se tornando mais doentio. Um trio?
— Ehlena?
Ehlena girou tão rapidamente que golpeou o quadril contra a parede que rodeava todo o trecho. Quando viu quem era, franziu o cenho.
— Doutora Jane? — disse, pensando que essa noite estava passando rapidamente dos “Oh, demônios, não” diretamente ao território de QCP[50] — O que está…?
— Acredito que está no lado errado do edifício.
— Lado errado… Oh, espere, este não é o apartamento de Rehvenge?
— Não, de Vishous e meu. Rehv está do lado leste.
— Oh… — tinha as bochechas vermelhas. Muito vermelhas, e não por causa do vento — Lamento muito, me haver equivocado…
A doutora fantasmal riu.
— Está bem.
Ehlena voltou a olhar o vidro, mas logo afastou a vista rapidamente. Sem dúvida, esse era o Irmão Vishous. Que tinha olhos diamantinos e tatuagens no rosto.
— O lado leste é o que quer.
O que Rehv havia dito, verdade?
— Irei ali agora mesmo.
— Convidaria a cortar caminho, mas…
— Sim. Será melhor que vá por mim mesma.
A doutora Jane sorriu com uma boa dose de malícia.
— Penso que será melhor.
Ehlena se acalmou e se desmaterializou para a parte correta do prédio, pensando, a Doutora Jane era uma dominatrix?
Bem, coisas mais estranhas tinham acontecido.
Quando recuperou sua forma, quase teve medo de olhar através do vidro, tendo em conta o que acabara de ver. Se Rehvenge tinha mais do mesmo — ou pior ainda, coisas como roupa de senhora do tamanho de um macho, ou plumas de aves movendo-se por toda parte — não sabia se seria capaz de relaxar-se o bastante para desmaterializar seu traseiro fora dali.
Mas não. Nenhum Ru-Paul[51]. Nada que necessitasse um coche ou uma cerca. Só um encantador e moderno interior feito com esse tipo de móveis suaves e singelos que deviam ter vindo da Europa.
Rehvenge apareceu através de uma arcada e se deteve ao vê-la. Quando levantou a mão, a porta corrediça de vidro diante dela se abriu porque ele dispôs com sua mente, e pôde captar um aroma maravilhoso proveniente do apartamento de cobertura.
Era… Rosbife?
Rehvenge se aproximou, movendo-se com andar suave, embora dependesse de sua bengala. Esta noite, levava um suéter negro de gola alta que evidentemente era de caxemira e um impactante terno negro, e com sua roupa fina, parecia saído da capa de uma revista, sofisticado e sedutor, um absoluto impossível.
Ehlena se sentia uma parva. Vendo-o ali em seu belo apartamento, não que pensasse estar abaixo dele. Era somente que estava claro que não tinham nada em comum. Que tipo de delírio a tinha golpeado quando falaram ou se viram na clínica?
— Bem vinda. — Rehvenge se deteve na porta e estendeu a mão para ela — Teria te esperado fora, mas faz muito frio para mim.
Dois mundos totalmente diferentes, pensou ela.
— Ehlena?
— Sinto muito. — devido a que seria grosseiro não fazê-lo, pôs a mão na dele e entrou no apartamento de cobertura. Mas, em sua mente, já o tinha abandonado.

Quando as palmas se encontraram, Rehv se sentiu atracado, assaltado, roubado, quebrado e registrado: não sentiu nada quando suas mãos se fundiram, e desejava desesperadamente poder sentir o calor de Ehlena. De todos os modos, apesar de estar intumescido, o simples fato de olhar como suas peles entravam em contato foi suficiente para fazer seu peito chispar como se fosse aparas de aço brilhante.
— Olá. — disse ela com um tom rouco enquanto ele a atraía dentro.
Fechou a porta e continuou agarrando sua mão até que ela rompeu o contato, aparentemente para dar uma volta e dar uma olhada ao lugar. Entretanto, pressentia que ela necessitava espaço físico.
— A vista aqui é extraordinária. — disse detendo-se para olhar fixamente a vista da cidade cintilante que se estendia ante ela — Gracioso, mas aqui de cima se parece com uma maquete.
— Estamos alto, isso é certo. — olhava-a com olhos obsessivos, absorvendo-a através de sua vista — Adoro a vista. — murmurou.
— Posso ver por que.
— E é tranqüilo. — privado. Só eles e ninguém mais no mundo. E, estando a sós com ela aqui e agora, quase podia acreditar que todas as coisas sujas que tinha feito foram crimes cometidos por um estranho.
Ela sorriu um pouco.
— Sem dúvida que é tranqüilo. No apartamento ao lado estão utilizando mordaças de bola… Né…
Rehv riu.
— Equivocou-se de lado do edifício?
— Eu que o diga.
Esse rubor indicou que tinha visto algo mais que meros objetos inanimados da coleção Bondage-R-us[52] de brinquedos de V e de repente Rehv ficou mortalmente sério.
— É necessário que fale com meu vizinho?
Ehlena sacudiu a cabeça.
— Não foi sua culpa, e felizmente ele e Jane não haviam… Er, começado. Graças a Deus.
— Pelo que vejo você não gosta muito desse tipo de coisas.
Ehlena voltou a cravar o olhar no panorama.
— Ouça, eles são pessoas adultas, assim está tudo bem. Mas, eu pessoalmente? Nunca na vida.
Falando de romper o clima. Se o BDSM[53] era muito para ela, supunha que isso queria dizer que não compreenderia o fato de que ele fodia a uma fêmea a que odiava como forma de pagamento à chantagem que lhe fazia. Que, casualmente era sua meio-irmã. Oh, e que era uma symphath.
Igual a ele.
Seu silêncio a fez voltar à cabeça sobre o ombro.
— Sinto muito. Ofendi a você?
— Tampouco o pratico. — oh, absolutamente. Ele era uma puta com padrões… A merda da perversão era adequada unicamente se fosse forçado a isso. Ao caralho com a sexualidade extrema de mútuo acordo que praticavam V e sua companheira. Sim, porque isso estava simplesmente mal.
Cristo, ele estava muito abaixo dela.
Ehlena perambulou pelo lugar, seus sapatos de suave revestimento não faziam nenhum som no chão de mármore negro. Enquanto a olhava, deu-se conta de que sob o casaco de lã negro tinha o uniforme. O que era lógico, observou a si mesmo, se depois tinha que ir trabalhar.
Vamos, disse-se. Pensou realmente que ficaria toda a noite?
— Posso pegar seu casaco? — disse, sabendo que devia ter calor — Tenho que manter este lugar mais quente do que a maioria das pessoas acha cômodo.
— Na verdade… Deveria partir. — colocou a mão no bolso — Só vim trazer a penicilina.
— Esperava que ficasse para jantar.
— Sinto muito. — estendeu-lhe uma bolsa de plástico — Não posso.
Uma imagem relâmpago da princesa se ativou no cérebro de Rehv, e se recordou quão bem se sentia ao fazer o correto com Ehlena… Apagando seu número de telefone. Não tinha nada que fazer cortejando-a. Nada absolutamente.
— Compreendo. — pegou as pílulas — E, obrigado por estas.
— Tome duas e quatro vezes ao dia. Dez dias. Promete-me isso?
Ele assentiu uma vez.
— Prometo-o.
— Bom. E trata de ir ver o Havers, fará?
Houve um momento de embaraçoso silêncio, até que ela levantou a mão.
— Bom… Então, adeus.
Ehlena girou, e ele abriu o painel de vidro com a mente, já que não confiava em si mesmo para aproximar-se muito dela.
Oh, por favor, não vá. Por favor, não, pensou.
Só queria sentir-se… Limpo durante um tempinho.
Após sair, ela se deteve e o coração de Rehv palpitou com força.
Ehlena olhou para trás, e o vento despenteou as mechas de cabelo pálido jogando-o para seu encantador rosto.
— Com comida. Deve tomar com a comida.
Correto. Informação médica.
— Tenho muita aqui.
— Bom.
Depois de fechar a porta, Rehv a olhou desaparecer nas sombras e teve que obrigar-se a dar a volta.
Andando lentamente e utilizando a bengala, caminhou ao longo da parede de vidro e girando em uma esquina foi para o resplendor da sala de jantar.
Havia duas velas acesas. Dois lugares dispostos com talheres de prata. Dois copos para vinho. Dois copos para água. Dois guardanapos dobrados precisamente e colocadas em cima de dois pratos.
Sentou-se na cadeira que teria oferecido a ela, a que estava a sua direita, a posição de honra. Apoiou a bengala contra sua coxa e deixou a bolsa de plástico na mesa de ébano, alisando-a com a mão para que os antibióticos descansassem um ao lado do outro em uma fila pulcra e ordenada.
Perguntou-se por que não vinham em uma garrafa laranja com uma etiqueta branca, mas de qualquer forma, ela os havia trazido. Isso era o principal.
Sentado ali no silêncio, rodeado pela luz das velas e o aroma do rosbife que acabava de tirar do forno, Rehv acariciou a bolsa de plástico com o indicador intumescido. Certo como a merda que estava sentindo algo. No ponto morto de seu peito, tinha uma dor atrás do coração.
Tinha realizado muitos atos malvados no curso de sua vida. Grandes e pequenos.
Tinha armado armadilhas a pessoas só para jogar com elas, fossem traficantes vagabundos transgredindo seu território, ou Johns que não tratavam bem a suas putas, ou idiotas que andavam fodendo em seu clube.
Havia provido a outros de seus vícios, para tirar benefícios. Vendia drogas. Vendia sexo. Vendia morte em forma das habilidades especiais de Xhex.
Havia fodido por todas as razões equivocadas.
Tinha mutilado.
Tinha assassinado.
E ainda assim, nada disso o tinha incomodado em seu momento. Não houvera dúvidas, nem arrependimentos, nada de empatia. Só mais esquemas, mais planos, mais ângulos para ser descobertos e explorados.
Não obstante, aqui ante essa mesa vazia, nesse apartamento de cobertura vazio, sentia dor no peito e sabia o que era: saudade.
Teria sido extraordinário merecer a Ehlena.
Mas, isso era só mais uma coisa que não ia sentir jamais.

Capítulo 27


Quando a Irmandade se reuniu no escritório, Wrath manteve o olhar sobre John de seu vantajoso posto atrás da supérflua mesa de escritório. Ao outro lado, o menino parecia um animal que fora atropelado na estrada. Seu rosto estava pálido, seu grande corpo imóvel e não participava da discussão. O aroma de suas emoções era a pior parte disso, pensou: não havia nenhum. Nem a dentada picante e vigorosa da ira. Nem o ácido e defumado sopro da tristeza. Nem sequer um pingo do aroma azedo do medo.
Nada. Enquanto se encontrava entre os Irmãos e seus dois melhores amigos, permanecia isolado por sua falta de reação e ensimesmado indiferente… Estava com eles, mas não realmente.
Não de forma proveitosa.
A dor de cabeça de Wrath que como seus olhos, seus ouvidos e sua boca parecia estar permanentemente presa a seu crânio, realizou um renovado assalto a suas têmporas, e ele se sentou bem erguido na cadeira para mariquinhas com a esperança de que um ajuste na posição de sua coluna pudesse aliviar a pressão.
Não teve sorte.
Possivelmente uma amputação de crânio serviria. Deus sabia que Doutora Jane era boa com a serra.
Em frente, na feia poltrona verde, Rhage mordeu com força um Tootsie Pop, rompendo um dos muitos silêncios incômodos que tinham marcado a reunião.
— Tohr não pode ter ido longe. — murmurou Hollywood — Não está suficientemente forte.
— Verifiquei no Outro Lado. — disse Phury do alto-falante do telefone — Não está com as Escolhidas.
— Que tal se dermos uma volta por sua antiga casa? — sugeriu Butch.
Wrath balançou a cabeça.
— Não posso imaginar que queira ir ali. Muitas lembranças.
Merda, nem sequer a menção do lar em que John passara algum tempo despertou algo no menino. Mas ao menos, finalmente, escurecera assim podiam sair a procurar o Tohr.
— Eu fico se por acaso voltar. — disse Wrath no momento em que se abriam as portas duplas e V entrava dando pernadas — Quero que o resto de vocês saia para buscá-lo na cidade, mas antes de ir, deixemos que nossa própria Katie Couric  nos ponha em dia. — fez um gesto com a cabeça para Vishous — Katie?
O olhar furioso de V foi a versão ocular de um dedo médio completamente estendido, mas procedeu com o relatório.
— Ontem à noite, no registro policial, houve uma denúncia registrada por um detetive de homicídios. Um cadáver foi achado no lugar onde se encontraram as caixas de armas. Humano. Entregador de pizzas. Com uma única ferida de faca no peito. Não há dúvida de que o pobre bastardo se topou com algo que não devia. Acabo de piratear os detalhes do caso e o que acreditam? Descobri uma anotação a respeito de uma mancha negra e oleosa que encontraram na parede próxima à porta. — ouviram-se várias maldições resmungadas, muitas das quais incluíam a palavra com F — Sim, bem, agora vem a parte interessante. A polícia assentou que uma Mercedes foi vista no estacionamento aproximadamente duas horas antes que o gerente do Domino’s chamasse para denunciar que um de seus empregados não havia retornado depois de levar o pedido a esse endereço. E, uma das vizinhas viu um homem loiro, obviamente, entrar nele com outro cara de cabelo escuro. Disse que era estranho ver esse tipo de sedã ostentoso na área.
— Uma Mercedes? —perguntou Phury do telefone.
Rhage, tendo triturado outro pirulito, para regozijo de sua alteza, lançou um palito branco dentro do lixo de papel.
— Sim, desde quando a Sociedade Lessening investe essa quantidade de efetivo em suas rodas?
— Exato. — disse V — Não faz sentido. Mas aqui vem a merda. Também há testemunhas que reportaram ter visto um Escalade negro de aspecto suspeito à noite anterior… E a um homem de negro tirando… Oh, caramba! Não me diga que eram… Caixas? Sim, quatro malditas caixas da parte traseira desse grupo de quatro apartamentos.
Quando seu companheiro de quarto olhou fixa e intencionadamente ao Butch, o polícia sacudiu a cabeça.
— Mas não fazem menção a que tenham as placas da Escalade. E nem bem cheguei troquei o jogo de placas que tinha posto. Quanto a Mercedes? As testemunhas confundem as coisas todo o tempo. É possível que o loiro e o outro homem não tenham tido nada a ver com o assassinato.
— Bom, vou manter um olho atento sobre o assunto. — disse V — Não acredito que exista a  possibilidade que a polícia vá relacioná-lo com algo que envolva ao nosso mundo. Demônios, muitas coisas deixam manchas negras, mas é melhor estar preparados.
— Se o detetive deste caso é o que estou pensando, é um dos bons. — disse Butch tranqüilamente — Um muito bom.
Wrath ficou em pé.
— OK, o sol se pôs. Saiam daqui. John, quero falar um momento contigo em particular.
Wrath esperou que as portas se fechassem depois do último de seus irmãos antes de falar.
— Vamos encontrá-lo, filho. Não se preocupe. — não houve resposta — John? O que te passa?
O menino só cruzou os braços sobre seu peito e ficou olhando fixamente para frente.
— John…
John desdobrou as mãos e gesticulou algo que ante os piorados olhos de Wrath pareceu ser: Vou sair com os outros.
 — É um demônio! — isso fez que John girasse a cabeça abruptamente — Sim, isso não ocorrerá, dado que é um zumbi. E vai se foder a outro lado com seus “estou bem”. Se pensar durante sequer meio segundo que vou deixar que saia para brigar, está malditamente muito enganado.
John caminhou ao redor do escritório como se estivesse tratando de controlar a si mesmo. Finalmente se deteve e gesticulou: Não posso estar aqui neste momento. Nesta casa.
Wrath franziu o cenho e tratou de interpretar o que lhe havia dito, mas todo esse franzir de sobrancelhas só provocou que sua dor de cabeça cantasse como uma soprano.
— Sinto muito, o que foi o que disse?
John abriu a porta de um puxão, e um segundo depois entrou Qhuinn. Houve muitos movimentos de mãos e logo Qhuinn limpou a garganta.
— Diz que esta noite não pode estar nesta casa. Simplesmente não pode.
— Ok, então vá a algum clube, consiga uma garota e usa a boca nela até que desmaie. Mas nada de lutar. — Wrath elevou uma prece silenciosa de agradecimento porque Qhuinn estivesse grudado ao lado do menino — E, John… Vou encontrá-lo.
Mais sinais, e logo John se voltou para a porta.
— O que disse, Qhuinn? — perguntou Wrath.
— Ah… Disse que não lhe importa se o faz.
— John, não diz a sério.
O menino deu a volta, gesticulou e Qhuinn traduziu.
— Diz que, sim, que realmente diz a sério. Diz… Que já não pode seguir vivendo assim… Esperando, cada noite e cada dia, perguntando-se quando entra no quarto, se Tohr se… John vai um pouco mais devagar… Ah… Se o macho se pendurou ou se foi-se novamente. Embora volte… John diz que para ele terminou. Que foi abandonado muitas vezes.
Difícil argumentar contra isso. Ultimamente Tohr não tinha sido um pai muito bom, tendo sido seu único lucro nesse campo a criação da próxima geração de mortos viventes.
Wrath fez uma careta de dor e esfregou as têmporas.
— Olhe filho, não sou um eminente cientista, mas pode falar comigo.
Houve um comprido, extenso silêncio marcado por um estranho aroma… Um aroma seco, quase rançoso… Saudade? Sim, isso era saudade.
John fez uma pequena reverência como em sinal de agradecimento e logo se escapuliu pela porta.
Qhuinn vacilou.
— Não o deixarei brigar.
— Então lhe salvará a vida. Porque se pegar as armas no estado em que está agora, voltará para casa em uma caixa de tábuas.
— Roger.
Quando a porta fechou, a dor rugiu nas têmporas de Wrath, obrigando-o a sentar-se.
Deus, tudo o que queria fazer era ir ao quarto que ele e Beth compartilhavam meter-se em sua enorme cama e deixar a cabeça cair sobre os travesseiros que cheiravam a ela. Queria chamá-la e lhe rogar que se unisse a ele só para poder abraçá-la. Queria ser perdoado.
Queria dormir.
Em lugar disso, o rei voltou a levantar-se, pegou as armas que estavam no chão ao lado da mesa de escritório, e as fixou sobre seu corpo. Deixando o escritório com sua jaqueta de couro na mão, desceu a escada principal e saiu do vestíbulo para a noite amarga. Pelo que via, a dor de cabeça o acompanharia onde quer que fosse assim bem podia fazer algo útil e sair em busca de Thor.
Quando vestiu o casaco, invadiu-o a lembrança de sua shellan e o lugar aonde tinha ido à noite anterior.
Santa merda. Sabia exatamente onde Thor estava.

Ehlena tinha a intenção de deixar o terraço de Rehvenge imediatamente, mas, enquanto entrava nas sombras, teve que olhar para o apartamento de cobertura. Através da fileira de vidros, viu o Rehvenge voltar-se e caminhar devagar ao longo do ático do apartamento...
Bateu fortemente a tíbia contra algo.
— Demônios!
Saltando em um pé, esfregou a perna e lançou um tempestuoso olhar à caixa de mármore contra a qual bateu.
Quando se endireitou, esqueceu de toda a dor.
Rehvenge tinha entrado em outra sala e se deteve frente a uma mesa posta para dois. Havia velas resplandecendo no meio do brilho dos cristais e a prataria, a longa parede de vidro deixava ver todo o incômodo que teve por ela.
— Demônios… — sussurrou.
Rehvenge se sentou tão lenta e deliberadamente como tinha caminhado, olhando para trás primeiro, para assegurar-se de que a cadeira estava onde deveria estar para logo agarrá-la com ambas as mãos e sentar-se. Deixou a bolsinha que lhe deu sobre a mesa, e enquanto parecia acariciá-la, a gentileza de seus dedos contradizia esses fortes ombros e ao escuro poder que era inerente ao seu duro rosto.
Ao olhá-lo fixamente, Ehlena já não sentiu o frio, nem o vento nem a dor na tíbia. Banhado pela luz da vela, com a cabeça inclinada para baixo tinha um perfil poderoso e alinhado, Rehvenge era incalculavelmente belo.
Abruptamente, sua cabeça se elevou e a olhou diretamente, apesar dela estar na escuridão.
Ehlena retrocedeu e sentiu a parede do terraço contra o quadril, mas não se desmaterializou. Nem sequer quando ele pôs a bengala no chão e se levantou em toda sua estatura.
Nem sequer quando abriu a porta a sua frente com sua vontade.
Necessitava ser uma melhor mentirosa que ela para pretender que somente estava admirando a noite. E não era uma covarde para sair fugindo.
Ehlena se aproximou.
— Não tomou nenhuma pílula.
— É isso o que está esperando?
Ehlena cruzou os braços sobre o peito.
— Sim.
Rehvenge olhou para a mesa e aos pratos vazios.
— Disse que devem ser tomadas com a comida.
— Sim, disse.
— Bom, então, parece que me vai olhar comer. — o elegante movimento de seu braço convidando-a a entrar era uma provocação que ela não queria aceitar — Se sentará comigo? Ou quer ficar aqui fora no frio? Oh, espere, possivelmente isto ajude. — inclinando-se sobre sua bengala, foi e soprou as velas.
As sinuosas ondas de fumaça que se formaram sobre as mechas pareceram um lamento por todas as possibilidades extintas de coisas que podiam ter sido: tinha preparado um agradável jantar para ambos. Fizera o esforço. Vestiu-se belamente.
Entrou porque já lhe tinha arruinado bastante o encontro amigável.
— Sente-se. — disse — Voltarei com meu prato. A menos que…
— Já comi.
 Inclinou-se ligeiramente quando ela afastou uma cadeira.
— É obvio que o fez.
Rehvenge deixou a bengala contra a mesa e saiu, apoiando-se nos encosto das cadeiras, no aparador e no batente da porta de serviço que levava a cozinha. Quando voltou uns minutos depois, repetiu a seqüência com a mão livre e logo se sentou na cadeira à cabeceira da mesa com cuidadosa concentração. Levantando um lustroso garfo de prata esterlina, e sem dizer uma palavra cortou cuidadosamente a carne e comeu com circunspeção e educação.
Cristo! Sentia-se como a cadela da semana, sentada frente a um prato vazio enquanto seu casaco seguia completamente abotoado.
O som do roçar da prata contra a porcelana fazia que o silêncio entre eles parecesse gritar.
Acariciando o guardanapo que tinha em frente, sentiu-se horrível por muitas coisas, e, embora não era muito faladora se encontrou falando porque simplesmente já não podia guardar tudo por mais tempo.
— A noite de anteontem…
— Mmmmm? — Rehvenge não a olhou, seguiu enfocado em seu prato.
— Não me deixaram plantada. Já sabe, naquele encontro.
— Bem, bom para você.
— Ele foi assassinado.
Rehvenge levantou bruscamente a cabeça.
— O que?
— Stephan, o macho com o que devia encontrar… Foi assassinado pelos lessers. O rei trouxe o corpo, mas não soube que se tratava dele até que o seu primo chegou buscando por ele. Eu… Ah, ontem à noite passei meu turno preparando o corpo e devolvendo-o à família. — sacudiu a cabeça — O tinham golpeado… Não era possível adivinhar de quem se tratava.
Sua voz se rompeu a impedindo de continuar, por isso simplesmente ficou ali sentada acariciando o guardanapo, com a esperança de poder apaziguar a si mesma
Dois sutis tinidos evidenciaram o fato de que o garfo e a faca de Rehv  tinham pousado sobre o prato, e logo estendeu a mão para ela, colocando-a solidamente sobre seu antebraço.
— Maldição! Sinto-o muitíssimo. — disse — Com razão não está de humor para tudo isto. Se o tivesse sabido...
— Não, está bem. De verdade. Deveria tê-lo encarado melhor ao chegar. É só que esta noite estou algo ausente. Não sou eu mesma para nada.
Deu-lhe um apertão no braço e se acomodou de novo na cadeira como se não quisesse invadir seu espaço. Coisa que normalmente ela teria gostado, mas essa noite lhe pareceu uma lástima… Para usar uma palavra que ele desfrutava. O peso de seu contato através do casaco tinha sido muito agradável.
E falando disso, estava sentindo muito calor.
Ehlena desabotoou e tirou o saco de lã dos ombros.
— Faz calor aqui.
— Como disse antes, posso esfriar as coisas para você.
— Não. — franziu o cenho, e o olhou — Por que sempre tem frio? Efeitos secundários da Dopamina?
Ele assentiu.
— É também a razão pela qual necessito a bengala. Não posso sentir meus braços nem minhas pernas.
Não tinha ouvido de muitos vampiros que tivessem essa reação ante a droga, mas em definitivo, as reações individuais eram uma legião. E, além disso, a versão vampírica do Parkinson era uma enfermidade muito desagradável.
Rehvenge afastou seu prato e ambos permaneceram em silêncio durante um longo momento. À luz das velas, parecia de certa forma embaçado, sua energia habitual minguada, seu humor muito sombrio.
— Você tampouco parece o de sempre. — disse — Não é que o conheça tanto, mas parece…
— Como?
— Como eu me sinto. Como em um estado comatoso e ambulatorial.
Teve um rápido e breve acesso de riso.
— Isso é tão apropriado.
— Quer falar disso…
— Quer comer algo…
Ambos riram e deixaram de falar.
Rehvenge moveu a cabeça.
— Olhe, deixa que traga um pouco de sobremesa. É o menos que posso fazer. E não é um encontro para jantar. As velas estão apagadas.
— De fato, sabe algo?
— Mentiu a respeito de ter comido antes de vir e agora está faminta?
Ela riu novamente.
— Descobriu.
Quando seus olhos cor ametista se cravaram aos dela, o ambiente entre eles mudou e teve a sensação de que via muitas coisas, muitas. Especialmente quando disse com um enigmático tom de voz:
— Deixará que te alimente?
Hipnotizada, cativada, sussurrou:
— Sim. Por favor.
Seu sorriso revelou compridas e brancas presas.
— Essa é exatamente a resposta que procurava.
Qual o sabor do sangue dele em sua boca? Perguntou-se em um arrebatamento.
Rehvenge emitiu um grunhido no fundo da garganta, como se soubesse exatamente o que estava pensando. Mas não disse nada a respeito e erguendo-se em toda sua grande estatura foi à cozinha.
Quando retornou com seu prato, tinha arrumado para compor-se um pouco mais, embora quando colocou a comida frente a ela, o odorzinho de especiarias que flutuava a seu redor era muito delicioso… E não tinha nada que ver com o que tinha cozinhado para ela.
Decidida a manter-se centrada, Ehlena colocou o guardanapo no colo e provou a carne assada.
— Deus meu, isto está fabuloso.
— Obrigado. — disse Rehv enquanto se sentava — É a forma que a faz sempre a doggen de nossa mansão. Coloca o forno a duzentos e quarenta graus e coloca a carne, por meia hora, em seguida o apaga e o deixa repousar. Não se pode abrir a porta para ver como está. Essa é a regra, e tem que confiar na receita. Duas horas depois?
— O paraíso.
— O paraíso.
Ehlena riu quando a mesma palavra saiu da boca de ambos ao mesmo tempo.
— Bem, está realmente boa. Derrete na boca.
— Em altares da verdade, para que não pense que sou um chef, isto é o único que sei cozinhar.
— Bom, faz uma coisa à perfeição, e é mais do que algumas pessoas podem dizer.
Ele sorriu e baixou a vista para as pílulas.
— Se tomo uma agora, vai embora em seguida ao jantar?
— Se disser que não, dirá por que está tão calado?
— É uma tenaz negociadora.
— Só estou convertendo em uma via de duplo sentido. Já te contei o que me preocupava.
A tristeza escureceu seu rosto, provocando que sua boca esticasse e que as sobrancelhas se unissem formando um cenho.
— Não posso falar disso.
— Certamente que pode.
Seus olhos, agora endurecidos, caíram sobre ela.
— Da mesma forma em que você pode falar de seu pai?
Ehlena baixou o olhar a seu prato e tomou especial cuidado cortando uma parte de carne.
— Sinto. — disse Rehv — Eu… Merda.
— Não, está bem. — embora não estava — Às vezes pressiono muito. É algo muito bom quando está trabalhando no cuidado da saúde. Mas não tão bom quando se trata do plano pessoal.
Enquanto o silêncio se instalava novamente entre eles, apressou-se a comer, pensando em ir assim que terminasse.
— Estou fazendo algo do que não me sinto orgulhoso. — disse ele abruptamente.
Ela levantou o olhar. A expressão dele era definitivamente perversa, o asco e o ódio convertendo-o em alguém que, se não soubesse que era de outra forma, lhe teria medo. Não obstante, nenhum dos malignos olhares era dirigido para ela. Era uma manifestação do que sentia por si mesmo. Ou para outro.
Sabia que não seria inteligente pressioná-lo. Especialmente dado seu humor.
Por isso se surpreendeu quando ele disse:
— É algo que segue vigente.
Perguntou-se se seria pessoal ou um assunto de negócios.
Levantou os olhos para olhá-la.
— Está relacionado com certa fêmea.
Certo. Uma fêmea.
Ok, não tinha direito a sentir essa fria pressão ao redor do peito. Não era assunto dela que ele já estivesse envolvido com alguém. Nem que fosse um jogador que interpretava este jantar com carne assada, luz de velas, e sedução especial para só Deus sabia quantas fêmeas diferentes.
Ehlena clareou a garganta e baixou a faca e o garfo. Enquanto limpava a boca com o guardanapo, disse:
 — Uau. Sabe nunca me ocorreu perguntar se estava emparelhado. Não tem um nome nas costas...
— Não é minha shellan. E não a amo no mais mínimo. É complicado.
— Têm um filho em comum?
— Não, graças a Deus.
Ehlena franziu o cenho.
— Entretanto, se trata de uma relação?
— Suponho que pode chamar assim.
Sentindo-se como uma absoluta e delirante idiota perdida por ter se enrolado com ele, Ehlena pôs o guardanapo sobre a mesa ao lado do prato e lhe ofereceu um sorriso muito profissional enquanto ficava de pé e tomava seu casaco.
— Deveria ir agora. Obrigado pelo jantar.
Rehv amaldiçoou.
— Não devia ter dito nada…
— Se seu objetivo era me colocar na cama, tem razão. Foi um mau movimento. Ainda assim agradeço que foi honesto…
— Não estava tratando de te levar a cama.
— Oh, claro que não, porque estaria enganando-a. — Cristo, por que estava se incomodando tanto por isso?
— Não, — estalou em resposta — é porque sou impotente. Acredite-me, se pudesse ter uma ereção, a cama seria o primeiro lugar aonde queria ir contigo.


Capítulo 28


— Passar o tempo contigo é como observar a pintura secar. — a voz de Lassiter reverberou para cima, às estalactites que pendiam do alto teto da Tumba — Porém, sem a reforma da casa… O que é uma tragédia, visto como está este lugar. Meninos sempre primam por pessimismo e tristeza? Nunca ouviram falar do Pottery Barn[54]?
Tohr esfregou o rosto e percorreu a cova com o olhar, que durante séculos servira como lugar sagrado de reunião para a Irmandade. Atrás do volumoso altar de pedra ao lado do qual estava sentado, corria a parede de mármore negro que continha todos os nomes dos Irmãos, estendendo-se ao longo da parte de trás da cova. Velas negras em pesados suportes projetavam uma luz flutuante sobre todas as gravuras feitas na Antiga Língua.
— Somos vampiros. — disse — Não fadas.
— Às vezes não estou tão seguro disso. Viu esse escritório em que seu Rei costuma estar?
— É quase cego.
— O que explica por que não pendurou a si mesmo dentro desse terrível destroço de cor creme.
— Acreditei que estivesse se queixando da decoração de estilo pessimismo e tristeza?
— Estou associando livremente[55].
— Evidentemente. — Tohr não olhou ao anjo, já que imaginou que o contato visual só animaria ao cara. Oh, espera. Lassiter não necessitava ajuda nisso.
— Espera que essa caveira que há no altar fale contigo ou alguma merda assim?
— Na realidade nós dois esperamos que por fim tome um fôlego. — Tohr olhou furioso ao cara — Quando estiver preparado. Quando quiser.
— Diz as coisas mais doces. — o anjo sentou seu radiante traseiro em um dos degraus de pedra ao lado de Tohr — Posso te perguntar algo?
— A sério o “não” é uma opção?
— Não. — Lassiter mudou de posição e olhou fixamente à caveira — Essa coisa parece mais velha que eu. O que é dizer muito.
— Foi o primeiro Irmão, o primeiro guerreiro que combateu ao inimigo com valentia e poderio, é o símbolo mais sagrado de força e propósito que a Irmandade tem.
Lassiter deixou de chatear por uma vez.
— Deve ter sido um grande guerreiro.
— Pensei que iria perguntar-me algo.
O anjo ficou de pé com uma maldição e sacudiu as pernas.
— Sim, quero dizer… Como culhões pode permanecer sentado aí durante tanto tempo? O traseiro me está matando.
— Sim, as cãibras cerebrais são uma merda.
Embora o anjo tivesse razão quanto ao tempo transcorrido, Tohr esteve sentado ali, olhando fixamente a caveira e a parede de nomes mais à frente do altar, durante tanto tempo que, não que seu traseiro estivesse intumescido, mas, já não podia distingui-lo de maneira separada aos degraus.
Chegou à noite anterior, atraído por uma mão invisível, forçado a procurar a inspiração, a clareza e a re-conexão à vida. Em troca, encontrou só pedra. Pedra fria. E um montão de nomes que uma vez significara algo para ele e agora não eram nada mais que uma lista repleta de mortos.
— É porque está olhando no lugar errado. — disse Lassiter.
— Já pode ir.
— Cada vez que diz isso, faz aflorar uma lágrima em meus olhos.
— Que gracioso, aos meus também.
O anjo se inclinou e a essência de ar fresco o precedia.
— Nem essa parede nem essa caveira lhe darão o que está procurando.
Tohr entrecerrou os olhos e desejou ser o suficientemente forte para lutar contra o anjo.
— Não o farão? Bem, então o estão convertendo em um mentiroso. “Chegou o momento”. “Esta noite tudo muda”. Por tua culpa os presságios estão ficando maus, sabe? Só é um mentiroso filho da puta.
Lassiter sorriu e ociosamente acomodou o aro de ouro que perfurava sua sobrancelha.
— Se pensa que sendo grosseiro obterá minha atenção, estará verdadeiramente aborrecido antes que me importe.
— Porra, por que está aqui? — o esgotamento de Tohr se estendeu até sua voz, debilitando-a e lhe enchendo o saco — Por que demônio não me abandonou onde me encontrou?
O anjo subiu os degraus negros de mármore e passeou de cima abaixo diante da lustrosa parede com os nomes gravados, detendo-se de vez em quando para inspecionar um ou dois.
— O tempo é um luxo, acredite ou não. — disse.
— Percebo-o mais como uma maldição.
— Sem tempo, sabe o que obtém?
— O Fade. Que era aonde me dirigia até que chegou.
Lassiter percorreu com o dedo uma linha gravada de caracteres e Tohr afastou o olhar rapidamente quando se deu conta do que soletravam. Era seu nome.
— Sem tempo, — disse o anjo — fica só o abismal e nebuloso pântano da eternidade.
— PTI[56], a filosofia me aborrece.
— Não é filosofia. É realidade. O tempo é o que dá significado à vida.
— Que se dane. Sério... Que se dane.
Lassiter inclinou a cabeça, como se ouvisse algo.
— Por fim. — murmurou — O bastardo estava me voltando louco.
— Perdão?
O anjo voltou a aproximar-se, inclinou-se diretamente frente à cara de Tohr, e disse com clara dicção:
— Escute raiozinho de sol. Sua shellan, Wellsie, me enviou. Esse é o motivo pelo qual não te deixei morrer.
O coração de Tohr se deteve no peito justo quando o anjo elevava o olhar e dizia:
— Por que demorou tanto?
Os shitkickers de Wrath retumbaram ao descer para o altar e respondeu com um tom de voz vexado.
— Bem, a próxima vez diga a alguém onde merda estará…
— O que disse? — resfolegou Tohr.
Quando voltou a se focar nele, Lassiter não parecia minimamente arrependido.
— Não é essa parede que deveria estar olhando. Tenta um calendário. Faz um ano que o inimigo disparou na cara de sua Wellsie. Porra, desperta de uma vez e faz algo a respeito.
Wrath amaldiçoou.
— Vamos, se acalme Lassi…
Tohrment se equilibrou do chão da cova com algo parecido à antiga força que uma vez teve, como se fosse um quarterback e golpeou Lassiter e apesar da diferença de peso, derrubou o anjo com força sobre o chão de pedra. Envolvendo as mãos ao redor da garganta do anjo, olhou fixamente dentro dos olhos brancos e descobrindo suas presas, apertou.
Lassiter se limitou a olhá-lo diretamente e verter sua voz diretamente no lóbulo temporal de Tohr: O que vai fazer, idiota? Vai vingá-la, ou desonrá-la te deixando esgotar assim?
A enorme mão de Wrath agarrou o ombro de Tohr como a garra de um leão, cravando-se, puxando para trás.
— Solte-o.
— Não... — o fôlego de Tohr saía a baforadas — Nunca… Volte…
— Já basta. — exclamou Wrath.
Tohr foi afastado para trás até que caiu de bunda, e, enquanto ricocheteava como um pau deixado cair ao chão saiu de seu transe assassino. Também recuperou o julgamento.
Não sabia de que outra maneira descrevê-lo. Foi como se algum interruptor fosse acionado e sua fileira de luzes, que esteve apagada, tivesse voltado para a vida repentinamente, plena de eletricidade outra vez.
O rosto de Wrath entrou em seu raio de visão, e Tohr o viu com uma clareza que não teve desde… Nunca.
— Está bem? — perguntou seu irmão — Aterrissou com força.
Tohr estendeu as mãos e percorreu os fortes braços de Wrath tratando de conseguir uma percepção da realidade. Jogou um olhar a Lassiter e logo olhou fixamente ao rei.
— Lamento... Isso.
— Está me tirando o sarro? Todos querem estrangulá-lo.
— Sabe, vou terminar com um complexo. — disse Lassiter entre tosses enquanto tentava recuperar o fôlego.
Tohr agarrou os ombros do rei.
— Ninguém diz nada a respeito dela. — gemeu — Ninguém diz seu nome, ninguém fala sobre… O que aconteceu.
Wrath segurou a nuca de Tohr e o sustentou.
— Por respeito a você.
Os olhos de Tohr foram para a caveira que havia sobre o altar e em seguida para a parede cinzelada. O anjo estava certo. Só havia um nome que podia lhe devolver a prudência, e não estava inscrito ali.
Wellsie.
— Como soube onde estávamos? — perguntou a seu rei, ainda concentrado na parede.
— Às vezes, as pessoas precisam retornar à origem. Onde tudo começou.
— É hora. — disse o anjo cansado em voz baixa.
Tohr contemplou a si mesmo, ao debilitado corpo por baixo das folgadas roupas. Era uma quarta parte do macho que tinha sido, possivelmente, inclusive menos. E isso não se devia só a todo o peso que perdera.
— Oh, Jesus… Olhe o que sou.
A resposta de Wrath foi clara e concisa.
— Se você está preparado, nós estamos preparados para que retorne.
Tohr olhou o anjo, precavendo-se pela primeira vez da aura dourada que o envolvia. O enviado do céu. O enviado de Wellsie.
 — Estou preparado. — disse, a ninguém em particular e a todo mundo em geral.

Enquanto Rehv olhava fixamente a Ehlena através da mesa, pensou: bem, ao menos depois que deixei cair a bomba não foi diretamente à saída.
Impotente não era uma palavra que quisesse usar frente a uma fêmea em que está interessado. A menos que fosse usar ao estilo tenor de: Porra, não, NÃO sou impotente.
Ehlena voltou a sentar-se.
— É… É por causa da medicação?
— Sim.
Os olhos dela o evitaram, como se estivesse fazendo cálculos mentais, e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi: Minha língua ainda funciona e também meus dedos.
Guardou esse pensamento para si.
— A dopamina tem um efeito estranho em mim. Em vez de estimular a testosterona, drena essa merda de meu corpo.
Os cantos da boca dela se estenderam para cima.
— O que vou dizer é absolutamente impróprio, mas considerando quão viril é sem ela…
— Seria capaz de te fazer amor. — disse quedamente — Assim é como seria.
Fulminou-o com um olhar cheio de: Santa merda acaba de dizer isso?
Rehv acariciou o moicano com uma mão.
— Não vou desculpar-me pelo fato de gostar de você, mas tampouco te faltarei o respeito tratando de fazer algo a respeito. Quer café? Já está preparado.
— Ah... Pois sim. — como se esperasse que pudesse lhe clarear a cabeça — Escute…
Deteve-se pela metade de levantar.
— Sim?
— Eu... Ah...
Quando ela não continuou, ele se encolheu de ombros.
— Só me permita trazer o café. Quero te servir. Faz-me feliz.
Dizer feliz era fodidamente pouco. Enquanto retornava à cozinha, uma flagrante satisfação atravessou seu torpor. O fato de estar alimentando-a com a comida que preparou para ela, lhe dando bebida para aliviar sua sede, lhe proporcionando um refúgio para o frio…
As narinas de Rehv captaram um aroma estranho, ao princípio pensou tratar-se da carne assada que deixara fora, devido a tê-la esfregado a parte exterior da carne com especiarias. Mas não… Não era isso.
Considerando que tinha outras coisas que se preocupar além de seu nariz, foi até os gabinetes e tirou uma xícara e um pires. Após servir o café, endireitou as lapelas da jaqueta…
E ficou gelado.
Elevou a mão para seu nariz, inalou profundamente e não pôde acreditar o que estava cheirando. Não podia ser possível…
Salvo que esse aroma só podia significar uma coisa, e não tinha nada a ver com seu lado symphath: a misteriosa fragrância que desprendia era o aroma da vinculação, a marca que os vampiros machos deixavam na pele e sexo de suas fêmeas a fim de que outros machos soubessem à ira de quem se exporiam se atreviam-se a aproximar-se.
Rehv baixou o braço e olhou para a porta de serviço, aturdido.
Quando chegava a certa idade, não esperava mais surpresas de seu corpo. Ao menos, não das positivas. Articulações trementes. Pulmões com falta de ar. Visão ruim. Certo, quando chegasse o momento. Mas realmente, durante os novecentos anos ou assim seguiam após a transição, tinha o que tinha.
Embora positivo pudesse não ser o termo exato que utilizaria para esta mudança.
Sem razão aparente, pensou na primeira vez que praticou sexo. Fora justamente após sua transição, e, quando o ato acabou estivera convencido de que a fêmea e ele se emparelhariam e viveriam juntos e felizes o resto de suas vidas. Era perfeitamente formosa, uma fêmea que o irmão de sua mãe trouxera para casa para que Rehv usasse quando entrasse na mudança.
Era morena.
Jesus, agora não podia recordar seu nome.
Ao recordar, com o que aprendera depois sobre machos, fêmeas e atração, sabia que a surpreendera com o fato de quão grande se tornara seu corpo após a mudança. Ela não esperava gostar do que viu. Não esperava desejá-lo. Mas o fez e se tornaram um casal, o sexo foi uma revelação, a sensação de toda essa carne, o ímpeto viciador, o poder que teve ao tomar o controle depois das primeiras duas vezes.
Descobriu ter uma lingüeta, e… Como ela estava tão ávida dele, não esteve certo de que notara que teve de esperar um pouco antes que pudesse retirar-se de seu interior.
O resultado foi que, sentiu-se em paz, muito contente. Mas não houvera desenlace de viveram-felizes-para-sempre. Com o suor ainda secando sobre o corpo, vestiu as roupas e se dirigiu à porta. Justamente quando se ia, sorriu docemente e disse que não cobraria de sua família pelo sexo.
Seu tio a tinha comprado para que o alimentasse.
Ao considerá-lo agora, parecia-lhe gracioso, era realmente uma surpresa onde tinha acabado? O sexo por conveniência tinha sido brocado em seu interior muito condenadamente cedo… Apesar de que esse primeiro ato sexual ou os seis primeiros foram por conta da casa, por assim dizer.
Por isso, se esse misterioso aroma significava que sua natureza vampira se vinculou com a Ehlena, não se tratava de boas notícias.
Rehv agarrou o café, e, cuidadosamente atravessou a porta de serviço com ele, saindo à sala de jantar. Quando o colocou frente a ela desejou tocar seu cabelo, mas em troca se sentou.
Ela levou a xícara aos lábios.
— Faz um bom café.
— Ainda não o provou.
— Posso cheirá-lo. E adoro como cheira.
Não é o café, pensou. Ao menos não de todo, em qualquer caso.
— Bom, adoro seu perfume. — disse ele, como tonto que era.
Ela franziu o cenho.
— Não levo nenhum. Quero dizer, além do sabonete e xampu que uso.
— Caramba, então gosto do aroma desses. E estou muito contente que tenha ficado.
— É isto o que tinha planejado?
Seus olhos se encontraram. Merda, ela era perfeita. Radiante como eram as velas.
— Que ficasse até chegar ao café do final? Sim, suponho que um encontro era o que perseguia.
— Pensei que estava de acordo comigo.
Porra, esse tom de voz ofegante o fazia desejar tê-la apertada contra seu peito nu.
— De acordo contigo? — perguntou — Demônios, se te fizesse feliz diria que sim a tudo. Mas a que se refere especificamente?
— Disse... Que não deveria me encontrar com ninguém.
Ah, claro.
— Não deveria.
— Não entendo.
Que se dane, por isso. Rehv pôs seu intumescido cotovelo na mesa e se inclinou para ela. Enquanto cortava a distância, os olhos dela aumentaram, mas não retrocedeu.
Deteve-se, para lhe dar a oportunidade de dizer que cortasse essa merda. Por quê? Não tinha nem idéia. Seu lado symphath só fazia pausa somente para analisar ou tirar melhor proveito de uma debilidade. Mas, ela fazia que quisesse ser decente.
Não obstante, Ehlena não disse que se afastasse.
— Não… Entendo. — sussurrou ela.
— É simples. Não acredito que deva se encontrar com ninguém. — Rehv se aproximou ainda mais, até que pôde ver os pontinhos dourados em seus olhos — Porém, não sou precisamente ninguém.

Capítulo 29


Porém, não sou precisamente ninguém.
Enquanto olhava fixamente os olhos de ametista de Rehvenge, Ehlena pensou que era precisamente certo. Nesse momento de silêncio, com uma explosiva vibração sexual entrelaçando-os e o aroma de uma misteriosa colônia no ar, Rehvenge era tudo, abrangendo tanto seres como objetos.
— Deixará que te beije. — disse.
Não era uma pergunta, mas de toda forma ela assentiu, e ele estreitou a distância entre suas bocas.
Seus lábios eram suaves e seu beijo ainda mais suave. E, na opinião dela, afastou-se muito rápido. Verdadeiramente muito rápido.
— Se quiser mais. — disse em voz baixa e rouca — Quero te dar.
Ehlena olhou sua boca fixamente e pensou em Stephan… E em todas as alternativas que já não tinha. Estar com Rehvenge era algo que desejava. Não fazia sentido, mas nesse momento não lhe importava.
— Sim. Quero mais. — porém, logo lhe fez evidente. Ele não podia sentir nada, verdade? Então o que passaria se levavam isto mais longe?
Sim, e como abordava esse tema sem fazê-lo sentir-se um aleijado? E o que se passava com essa outra fêmea dele? Evidentemente, não estava deitando-se com ela, mas havia algo sério entre eles.
Os olhos cor ametista baixaram a seus lábios.
— Quer saber o que obtenho disto?
Homem, essa voz era puro sexo.
— Sim. — suspirou.
— Poderei vê-la como está agora.
— Como... Estou?
Deslizou um dedo por sua bochecha.
— Está ruborizada. — seu roçar deslocou para seus lábios — Sua boca está aberta porque está pensando em mim te beijando outra vez. — desceu com essa tenra carícia, indo para a garganta — Seu coração está bombeando. Posso vê-lo nesta veia aqui. — deteve-se entre os seios, abriu a boca e suas presas se distenderam — Se continuo, acredito que descobriria que seus mamilos endureceram e sem dúvida há outros sinais de que está preparada para mim. — inclinou-se sobre seu ouvido e sussurrou — Está preparada para mim, Ehlena?
Santa. Merda.
Seu tórax se estendeu com força ao redor dos pulmões, e uma doce e atordoante sensação de sufocamento fez que a corrente que repentinamente sentiu entre as coxas fosse ainda mais contundente.
— Ehlena, responda. — Rehvenge acariciou seu pescoço com o nariz, percorrendo sua veia com uma afiada presa.
Enquanto jogava a cabeça para trás, agarrou-se à manga do elegante terno, apertando o tecido. Tinha passado tanto tempo… Uma eternidade… Desde a última vez que alguém a abraçou. Desde que foi algo mais além de ser uma cuidadora de um doente. Desde que sentisse seus peitos, quadris e coxas como sendo algo mais que partes que deviam ser cobertas antes de sair em público. E agora este formoso macho que não era precisamente-ninguém desejava estar com ela com o único propósito de agradá-la.
Ehlena teve que piscar rapidamente, sentindo como se acabassem de lhe dar um presente, e se perguntava quão longe poderia chegar o que estavam a ponto de iniciar. Tempos atrás, antes que sua família caísse em desgraça com a glymera e fossem desarraigados, esteve prometida a um macho e ele a ela. A cerimônia de casamento foi acertada, mas depois da mudança de fortuna de sua família não chegou a realizar-se.
Todavia, quando estavam juntos, deitou-se com o macho, embora como fêmea de valia da glymera não deveria tê-lo feito porque ainda faltava unirem-se formalmente. A vida parecia muito curta para esperar.
Agora, sabia que era inclusive mais curta do que pensara.
— Tem uma cama neste lugar? — perguntou.
— E mataria por te levar ali.
Foi ela a que se levantou e estendeu a mão para ele.
— Vamos.

O que o convertia em algo correto era que tudo era para a Ehlena. A falta de sensações de Rehv o deixava completamente fora da equação, liberando ambos das desagradáveis implicações que teria se ele estivesse envolvido.
Homem, que divertido que era isto. Devia entregar seu corpo à princesa. Mas escolhia dá-lo a Ehlena…
Bom, merda, não sabia exatamente o que, mas era muitíssimo mais que só seu pênis. Também tinha muito mais valor.
Agarrando a bengala, porque não queria ter que depender dela para estabilizar-se, levou-a ao quarto, com a cama do tamanho de uma piscina, a colcha de cetim negro e a vista panorâmica.
Fechou a porta com a mente, embora não houvesse ninguém mais no apartamento de cobertura, e o primeiro que fez foi dar a volta a Ehlena para tê-la frente a ele e soltar seu cabelo do retorcido nó. As ondas de uma intensa cor loira avermelhada caíram, chegando abaixo dos ombros, e, apesar de não poder sentir as sedosas mechas, pôde cheirar a ligeira e natural fragrância de seu xampu.
Era limpa e fresca, como um riacho no qual poderia banhar-se.
Deteve-se, um desconhecido aguilhão de consciência o paralisou. Se soubesse o que ele era, se soubesse o que fazia para viver, se soubesse o que fazia com seu corpo, não o escolheria. Estava seguro disso.
— Não se detenha. — disse, elevando o rosto para cima — Por favor…
À força de vontade, segmentou, tirando do quarto as coisas más, a depravada vida que levava e as perigosas realidades que confrontava, as isolando, as enclausurando.
A fim de que fossem somente eles.
— Não me deterei a menos que você queira que o faça. — disse. E se queria ele o faria, sem fazer perguntas. O último que jamais quereria fazer era que ela se sentisse da mesma maneira que ele a respeito do sexo.
Rehv se inclinou para frente, pôs os lábios sobre os dela, e a beijou cuidadosamente. Como não podia estimar a sensibilidade, não queria esmagá-la, e tinha a impressão que ela se apertaria contra ele se quisesse mais…
Ehlena fez justamente isso, envolveu os braços ao seu redor e os fundiu quadril com quadril.
E... Merda, sentiu algo. Parecia um nada, uma chama de emoção abriu caminho através de seu intumescimento, a onda que irradiava era débil, mas definitivamente era uma calidez que podia sentir. Durante uma fração de segundo se retraiu, alcançado pelo arpão do medo… Mas sua visão permaneceu em três dimensões, e o único vermelho que via provinha do resplendor do relógio digital que havia sobre a mesinha de noite.
— Está tudo bem? — perguntou ela.
Ele esperou um par de segundos mais.
— Sim… Sim, absolutamente. — riscou seu rosto com o olhar — Deixará-me te despir?
Oh, Deus, acabava de dizer isso?
— Sim.
— Oh... Obrigado...
Rehv desabotoou lentamente a parte dianteira do uniforme, cada centímetro de pele era toda uma revelação, o ato não era tanto para despi-la senão para revelá-la. E, foi com mãos atentas que deslizou a metade superior do que vestia por seus ombros, para baixo, passando sobre os quadris até cair ao chão. Quando a teve frente a ele com o sutiã branco, as meias brancas e o indício das calcinhas brancas aparecendo sob as meias, sentiu-se estranhamente honrado.
Mas isso não era tudo. O aroma de seu sexo acendeu um zumbido em seus ouvidos que o fez sentir como se estivesse consumindo carreiras de coca durante uma semana e meia sem parar. Ela o desejava. Quase tanto como ele desejava atender seus desejos.
Rehv a levantou rodeando sua cintura com os braços e estreitando-a contra si. Não pesava nada absolutamente, e o soube pelo fato que sua respiração não mudou em nada enquanto a carregava e a punha sobre a cama.
Quando retrocedeu para contemplá-la, Ehlena não era como as fêmeas com as que esteve. Não estendeu e abriu as pernas, não brincou consigo mesma, não se arqueou nem realizou uma variante da representação das putas de “vêem-e-toma-me-grandalhão”.
Além, tampouco queria lhe causar dor e não tinha nenhum interesse em envergonhá-lo… Em seus olhos não havia rastro de ardente e erótica crueldade.
Ela somente o olhava fixamente com admiração e honesta antecipação, uma fêmea sem ardis nem maquinações… Que era um trilhão de vezes mais sexy que alguém com quem esteve alguma vez ou tenha visto por aí.
— Quer-me vestido? — perguntou.
— Não.
Rehv desfez-se da jaqueta como se não fosse feita para uma propaganda de lojas, jogou a obra de arte da Gucci ao chão sem nenhum cuidado. Tirou os sapatos de um chute, desabotoou o cinto e deixou as calças caírem, deixando-as onde tinham caído. Tirou a camisa rapidamente. Assim como as meias três-quartos.
Vacilou com os bóxers, colocou os polegares na cintura, preparado para dar o puxão, mas sem terminar o movimento.
A falta de uma ereção o envergonhava.
Rehv não pensou que tivesse importância. Demônios, embora fosse certamente discutível, seu flácido pênis era o que fazia isto possível. Mas, de toda forma, sentia-se menos macho.
Para falar a verdade, não se sentia macho absolutamente.
Tirou as mãos e as pôs sobre o sexo flácido.
— Vou deixar estes postos.
Ehlena estendeu uma mão, com uma expressão de desejo nos olhos.
— Quero estar contigo da maneira que venha.
Ou que não venha, como era o caso.
— Sinto-o. — disse baixinho.
Houve um momento incômodo, mas o que ela podia responder? E, entretanto, de uma ou outra maneira ele esperava, desejava… Algo dela.
Reafirmação?
Jesus, que merda andava mal com ele. Todos estes estranhos pensamentos e reações estavam riscando encruzilhadas na paisagem de seu lóbulo temporal, ardentes caminhos para os destinos dos que ele só ouviu falar com outras pessoas, para lugares como a vergonha, a tristeza e a preocupação. Também para a insegurança.
Possivelmente os hormônios sexuais que ela estava agitando nele eram como a dopamina, lhe provocando o efeito contrário. Convertendo-o em uma garota.
— Fica tão bonito sob esta luz. — disse em tom rouco — Seus ombros e peito são tão grandes, não posso imaginar como é ser tão forte. E seu estômago… Desejaria que o meu fosse tão plano e firme. Suas pernas são muito poderosas também, todo músculo, sem um grama de gordura.
Enquanto subia a mão desde seu abdômen até um dos peitorais, percorreu com o olhar o ventre brandamente arredondado dela.
— Penso que é perfeita tal como é.
A voz dela adotou um tom grave.
— E acredito o mesmo de você.
Rehv tomou fôlego com dificuldade.
— Sim?
— A mim parece muito sexy. Somente te olhar… Faz-me te desejar.
Bem... Aí o tem. E, ainda assim requereu uma estranha espécie de valor voltar a deslizar os polegares sob a cintura dos bóxers e fazê-los baixar lentamente pelas coxas.
Quando se deitou ao seu lado, seu corpo tremia, e o soube por que podia ver o tremor de seus músculos.
Importava-lhe o que ela pensasse dele. De seu corpo. Pelo que ia acontecer nessa cama. Com a princesa? Importava-lhe um traseiro de rato se gozava com o que ele fazia. E nessas poucas ocasiões em que esteve com suas garotas, não quis machucá-las, é obvio, mas fora uma troca de sexo por dinheiro.
O que teve com Xhex foi simplesmente um engano. Nem bom nem mau. Somente era algo que tinha acontecido e nunca voltaria a acontecer.
Ehlena passou as mãos por seus braços e sobre os ombros.
— Beije-me.
Rehv a olhou aos olhos e fez exatamente isso, aproximando os lábios aos dela, acariciou-os, logo estendeu a língua e lambeu sua boca. Continuou beijando-a até que ela se agitou na cama e o apertou com as mãos tão firmemente que o estranho eco de emoção estalou outra vez. O sentimento fez que se detivesse e abrisse os olhos para checar sua visão, mas tudo era normal, sem manchas de vermelho.
Retornou ao que estava desfrutando, sendo cuidadoso porque não podia medir a pressão do contato, deixando que ela fosse para ele para esmagá-la com a boca.
Ele desejava ir tão mais longe... E leu sua mente.
Ehlena tomou a iniciativa e tirou o sutiã, soltando o fecho frontal e despindo-se. Oh… Caramba, sim. Seus peitos estavam perfeitamente proporcionados e coroados com escuros mamilos rosados… Que rapidamente sugou ao interior de sua boca primeiro um e logo o outro.
O som de seus gemidos acendeu seu corpo, substituindo o frio por vida e energia, calidez e necessidade.
— Quero descer por seu corpo. — grunhiu.
Seu “Por favor” foi mais um gemido que uma palavra, e seu corpo, de fato, ofereceu uma resposta ainda mais clara. Nesse momento separou as coxas, e abriu as pernas, oferecendo todo o convite que alguma vez poderia ter pedido.
Essas suas meias teriam que sair antes que terminasse mastigando-as.
Rehv era tão lento e consciencioso como podia suportar ser, despindo de sua carne as finas roupas, acariciando-a com o nariz ao longo de todo o caminho até os tornozelos, inalando profundamente enquanto o fazia.
Deixou-lhe as calcinhas postas.

A ternura de Rehvenge foi o que mais surpreendeu Ehlena.
Apesar de seu grande tamanho, foi tão cuidadoso com ela como pôde, movendo-se meigamente sobre seu corpo, lhe dando toda oportunidade de dizer não ou de desviá-lo ou de deter as coisas por completo.
Não tinha intenção de fazer nada disso.
Especialmente quando a grande mão perambulou para cima pelo interior de sua perna nua e sutilmente, inexoravelmente abriu suas coxas ainda mais. Quando os dedos roçaram as calcinhas, um disparo de eletricidade chispou em seu sexo, o mini-orgasmo a deixou ofegando.
Rehvenge se impulsionou para cima e falou em seu ouvido com um grunhido.
— Eu gosto desse som.
Apoderou-se de sua boca e lhe acariciou o sexo por cima do modesto algodão que a cobria. Os profundos arremessos da língua contrastavam com as carícias de mariposa, e ela jogou a cabeça para trás, perdendo-se completamente nele. Arqueou os quadris, queria que fosse sob as calcinhas, e rezou para que captasse a indireta, porque estava sem ar e desesperada para falar.
— O que quer? — disse em seu ouvido — Quer que não haja nada entre nós?
Quando assentiu, o dedo do meio deslizou sob o elástico, e logo foi pele contra pele e…
— Oh... Deus. — gemeu quando um gozo palpitou através de seu corpo.
Rehvenge sorriu como um tigre ao acariciá-la enquanto tinha o orgasmo ajudando-a a agüentar as pulsações. Quando finalmente se aquietou, sentiu-se envergonhada. Não esteve com ninguém em muito tempo, e nunca com alguém como ele.
— É incrivelmente formosa. — sussurrou antes que ela pudesse dizer algo.
Ehlena virou o rosto para seus bíceps e beijou a suave pele que cobria o tenso músculo.
— Fazia muito tempo que não o fazia.
Um sereno resplendor acendeu o rosto dele.
— Gosto disso. Muitíssimo. — deixou a cabeça cair sobre seu peito e beijou seu mamilo — Gosto que respeite seu corpo. Nem todo mundo o faz. Oh, e por certo, ainda não terminei.
Ehlena cravou suas unhas em sua nuca quando puxou sua calcinha fazendo-a descer por suas coxas. A visão da língua rosada provocando seu peito a paralisou, especialmente quando os olhos cor ametista se encontraram com os seus enquanto rodeava o mamilo e começava a movê-lo de um lado a outro com rápidas passadas da língua… Como se lhe oferecesse um adiantamento da atenção que a seguir poderia esperar mais abaixo.
Ela gozou de novo. Intensamente.
Esta vez Ehlena se deixou ir completamente, e foi um alívio estar em sua pele e com ele. Enquanto se recuperava do prazer, nem sequer se sobressaltou quando começou a abrir caminho para baixo beijando o estômago e mais à frente para sua…
Gemeu tão alto que ecoou.
Como tinha ocorrido com os dedos, a sensação da boca sobre seu sexo era muito mais vívida porque apenas a tocava. As suaves carícias pareciam suspensas sobre esse vulnerável e ardente lugar de seu corpo, fazendo que se esforçasse para sentir, transformando cada passada de seus lábios e sua língua em uma fonte tanto de prazer como de frustração.
— Mais. — exigiu, levantando os quadris.
Ele elevou os olhos ametistas.
— Não quero ser muito rude.
— Não será. Por favor... Está me matando...
Com um grunhido, inundou-se nela e cobriu seu sexo com a boca, chupando-a, sugando-a dentro de sua boca. Gozou novamente, esta vez com fortes e devastadores estalos, mas ele o fez bem. Continuou sugando, agüentando suas sacudidas e encurvações, o som de lábios contra lábios se elevou junto com os gritos guturais dela enquanto a acariciava e a fazia chegar ao clímax uma e outra vez.
Quando só Deus sabia quantas vezes chegou ao clímax, ficou quieta e ele também. Ambos estavam ofegando, ele tinha a reluzente boca sobre a parte interior de sua coxa e três de seus dedos enterrados firmemente dentro dela, seus aromas misturando-se no tórrido ar de…
Ela franziu o cenho. Parte da embriagadora fragrância que havia na habitação era… De especiarias escuras. E quando inalou profundamente, ele levantou os olhos para os dela.
Sua expressão emocionada deve ter mostrado exatamente à conclusão a que tinha chegado.
— Sim, também estou captando o aroma. — disse com rudeza.
Salvo que, não podia haver-se vinculado com ela, verdade? A sério podia acontecer tão rápido?
— Para alguns machos ocorre assim. — disse ele — Evidentemente.
De repente se deu conta que lhe estava lendo a mente, mas não se importou. Considerando onde esteve, pinçar em seu cérebro não parecia nem a metade de íntimo.
— Não o esperava. — disse.
— Tampouco estava em minha lista. — Rehvenge retirou os dedos e os lambeu com deliberadas carícias de sua língua, até deixá-los limpos.
O que naturalmente voltou a excitá-la.
Manteve o olhar fixo nele enquanto voltava a acomodar-se sobre os travesseiros entre os que ela se derrubou.
— Se não tem nem idéia do que dizer se una ao clube.
— Não há nada que dizer. — murmurou — É simplesmente um fato.
— Sim.
Rehvenge rodou até ficar sobre suas costas, e enquanto deitavam na escuridão com uns quinze centímetros de distância entre eles, sentiu saudades como se tivesse abandonado o país.
Ficando de lado, apoiou a cabeça na parte interior do braço e o contemplou enquanto ele olhava fixamente o teto.
— Desejaria poder te dar algo. — disse, deixando todo o tema da vinculação para depois. Muito falar ia arruinar o que acabavam de compartilhar, e ela queria conservá-lo um pouco mais.
Ele a olhou.
— Está louca? Preciso te recordar o que acabamos de fazer?
— Quero te dar algo parecido. — encolheu-se — Não quis fazer soar como se tivesse faltado algo… Quero dizer… Merda.
Sorriu e roçou sua bochecha.
— É doce de sua parte, não se sinta incômoda por isso. E não subestime o muito que tudo isso me agradou.
— Quero que saiba algo. Ninguém poderia me haver feito sentir melhor ou mais formosa do que você acaba de fazer.
Girou para ela e imitou sua posição, com a cabeça apoiada em seu grosso bíceps.
— Vê porque foi bom para mim?
Tomou a mão entre as suas e beijou a palma, só para franzir o cenho.
— Está se esfriando. Posso notar.
Incorporou-se e puxou o edredom para cobrir seu corpo, envolvendo-o primeiro, logo o abraçou, enquanto se estendia por cima das mantas.
Permaneceram assim durante um século.
— Rehvenge?
— Sim.
— Toma minha veia.
Deu-se conta de que lhe deu um susto do demônio pela forma em que deixou de respirar.
— Perdão… O-o que?
Teve que sorrir, pensando que não era o tipo de macho que tendia a balbuciar muito.
— Toma minha veia. Deixe-me te dar algo.
Através dos lábios abertos viu como se alargavam suas presas, e não o fizeram pouco a pouco, mas antes foi como se tivessem aflorado de repente do crânio.
— Não estou certo... Se isso seria… — enquanto sua respiração se fazia mais irregular sua voz se fazia mais grave ainda.
Ela pôs a mão no pescoço e massageou a jugular lentamente.
— Acredito que é uma grande idéia.
Quando seus olhos brilharam com uma cor púrpura, ela se deitou de costas e inclinou a cabeça a um lado, expondo a garganta.
— Ehlena... — os olhos percorreram seu corpo e retornaram a seu pescoço.
Agora estava ofegante e ruborizado, e uma fina película de suor cobria a porção dos ombros que aparecia fora das mantas. E isso não era nem a metade. O aroma de escuras especiarias estalou até saturar o ar, sua química interna reagiu ante a necessidade que tinha dela e o que ela queria fazer por ele.
— Oh... Merda, Ehlena...
Abruptamente, Rehvenge franziu o cenho e baixou o olhar para si mesmo. Sua mão, a que tinha acariciado meigamente sua bochecha, desapareceu sob as mantas e sua expressão mudou: a paixão e o propósito se dissiparam imediatamente, deixando só uma espécie de turvada indignação.
— Sinto-o. — disse com voz rouca — O sinto… Não posso…
Rehvenge se arrastou para fora da cama e levou o edredom com ele, liberando-o de um puxão de debaixo do corpo dela. Moveu-se rápido… Mas não o suficiente para que ela deixasse de notar o fato de que tinha uma ereção.
Estava excitado. Grande, comprido e duro como um fêmur.
E não obstante desapareceu no banheiro e fechou a porta com firmeza.
E logo a trancou.

 

 

                                     CONTINUA