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Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.
CONTINUA
Por que as belas e dóceis mulheres de Stepford eram tão alheias às conquistas feministas e obsessivamente dedicadas ao lar e aos maridos? Joanna Eberhart se fazia essa pergunta desde que mudara com a família para aquele subúrbio tranquilo. Com o tempo, ela percebeu que suas amigas, recém-chegadas ao lugar, também passavam a agir de maneira estranha, como se andassem entorpecidas... Tentando descobrir o que havia por trás da súbita transformação das companheiras, Joanna acabaria vivendo um pesadelo, perseguida pela suspeita de que algo sinistro estava prestes a lhe acontecer...
X
PRIMEIRA PARTE
A mulher do Comitê de Boas-Vindas, com seus sessenta anos, pelo menos, mas toda juventude e vivacidade (cabelos ruivos, lábios vermelhos e um vestido amarelo-vivo), fez brilhar seus olhos e dentes para Joanna e disse:
— A senhora vai gostar mesmo daqui! Esta é uma cidade boa, de gente simpática! A senhora não poderia ter feito uma escolha melhor! — Sua bolsa de couro marrom era enorme, velha e gasta; dela saíam para Joanna pacotes de beberagens para o café da manhã, sopas em pó, uma caixinha de detergente biodegradável, um carnê de descontos válido em vinte e duas lojas locais, dois pedaços de sabão, um jogo de desodorantes em bastão.
— Chega, chega — disse Joanna, que estava em pé na entrada, com as mãos cheias. — Basta. Pare! Obrigada.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas colocou um frasco de água-de-colônia em cima das outras coisas e então procurou algo em sua bolsa.
— Não, sinceramente — disse Joanna.
A outra apareceu com um par de óculos de armação cor-de-rosa e um pequeno bloco de notas trabalhado.
— Eu faço os comentários sobre os recém-chegados — disse ela, sorrindo e colocando os óculos. — É para o Chronicle. — Remexeu o fundo da bolsa, de onde tirou uma caneta, apertando sua ponta com o polegar, cuja unha estava pintada de vermelho.
Joanna contou-lhe de onde ela e Walter se haviam mudado; o que Walter fazia e em que firma; nomes e idades de Pete e Kim; o que ela havia feito antes de eles terem nascido e quais as faculdades que ela e Walter haviam frequentado. Trocava de posição impacientemente enquanto falava, de pé, ali na porta da frente, com ambas as mãos cheias, e com Pete e Kim fora de seu alcance.
— Tem algum passatempo ou interesses especiais?
Ela quase disse um não que lhe pouparia tempo, mas hesitou: uma resposta completa, impressa no periódico local, poderia servir de anúncio para mulheres como ela, amigas em potencial. As mulheres que conhecera havia poucos dias, das casas da redondeza, eram bem agradáveis e prestativas; entretanto, pareciam estar completamente envolvidas em suas obrigações domésticas. Provavelmente, quando viesse a conhecê-las melhor, descobriria que possuíam horizontes mais largos e outros interesses, mas, mesmo assim, seria sensato colocar aquele anúncio logo.
— Sim, vários — disse. — Jogo tênis, sempre que tenho oportunidade, e sou fotógrafa semiprofissional.
— Ah! — murmurou a mulher do Comitê de Boas-Vindas, enquanto escrevia.
Joanna sorriu.
— Isso quer dizer que uma agência está usando três das minhas fotografias — continuou ela. — E interesso-me por política e pelo Movimento de Liberação da Mulher. Muito mesmo, assim como meu marido.
— Ele também? — A mulher do Comitê de Boas-Vindas olhou para ela.
— Sim — disse Joanna —, muitos homens se interessam. — Não entrou em detalhes quanto aos benefícios para ambos os sexos; em vez disso, virou a cabeça em direção ao hall e ficou à escuta: na sala de visitas, um auditório de televisão gargalhava. Pete e Kim discutiam, mas sem que ela precisasse chamar a atenção deles. Ela sorriu para a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Ele também se interessa por iatismo e futebol — prosseguiu —, e coleciona documentos americanos antigos. — Essa era a parte de Walter no anúncio.
A mulher do Comitê de Boas-Vindas tomou nota, fechou seu caderno e guardou a caneta.
— Está muito bem, sra. Eberhart — disse, sorrindo e tirando os óculos. — Sei que vai adorar isto aqui, e quero desejar-lhe cordiais e sinceras boas-vindas a Stepford. Se houver alguma informação que eu possa dar-lhe a respeito das lojas e serviços locais, por favor, sinta-se à vontade para telefonar-me; o número está ali, bem na frente do carnê de descontos.
— Obrigada, eu telefonarei. E obrigada também por tudo.
— São bons produtos; use-os! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Até logo, então!
Joanna despediu-se e ficou a observá-la, enquanto ela descia pelo caminho curvo, em direção ao seu Volkswagen vermelho, amassado. Vários cachorros ocuparam subitamente as janelas, uma confusão de spaniels pretos e marrons, pulando e latindo, pressionando os vidros. Algo branco que se movia além do Volkswagen chamou a atenção de Joanna; do outro lado da rua, ladeada de arbustos, numa das janelas superiores dos Claybrooks, a mancha branca moveu-se novamente, deixando um vidro e preenchendo o outro; a janela estava sendo lavada. Joanna sorriu para o caso de Donna Claybrook estar olhando para ela. A mancha branca moveu-se para um vidro inferior e, em seguida, para o vidro do lado.
Com um ronco surpreendente, o Volkswagen projetou-se da calçada, e Joanna recuou para dentro, fechando a porta com os quadris.
Pete e Kim discutiam mais alto:
— Seu cocô! Diarreia!
— Ai! Pare!
— Parem com isso! — gritou Joanna, atirando sua braçada de amostras sobre a mesa da cozinha.
— Ela está me chutando! — gritou Pete.
— Não estou não! Seu diarreia! — berrou Kim.
— Agora chega — disse Joanna, indo até a janela redonda e olhando através dela. Pete estava no chão, perto demais da TV, e Kim, de pé a seu lado, com o rosto vermelho, continha-se para não chutá-lo. Ambos ainda estavam de pijama.
— Ela me chutou duas vezes — disse Pete.
— Você mudou de canal! Ele mudou de canal! — gritou Kim.
— Não mudei!
— Eu estava vendo o gato Félix!
— Silêncio! — ordenou Joanna. — Silêncio absoluto! Quero silêncio completo e total!
Eles a fitavam, Kim com os grandes olhos azuis de Walter, e Pete com os seus olhos escuros e graves.
"Enxote-os para um final fulminante!", gritava a televisão. "Não há eletricidade!"
— A: vocês estão muito perto da televisão — disse Joanna. — B: desliguem-na, e C: vão se vestir os dois. Aquela coisa verde lá fora é grama, e a coisa amarela ali em cima é o sol.
Pete levantou-se e, com um tapa no botão de controle, reduziu a imagem na tela a um ponto luminoso. Kim começou a chorar.
Joanna resmungou e foi até a sala de visitas.
Agachando-se, abraçou Kim pelo ombro, afagou-lhe as costas e beijou seus cachos sedosos.
— Ora, vamos, vamos — disse. — Você não quer ir brincar de novo com Allison? Ela é tão boazinha! Talvez veja outro esquilo.
Pete aproximou-se e afastou um pouco de seu cabelo. Ela olhou para ele e disse:
— Não mude os canais dela.
— Está bem — resmungou ele, enrolando um dedo no cabelo escuro.
— E não dê pontapés — disse ela para Kim, afagando-lhe as costas. Tentou beijar-lhe a face, mas Kim se esquivou.
Era a vez de Walter lavar os pratos. Pete e Kim brincavam tranquilamente no quarto de Pete. Assim, ela tomou um rápido chuveiro frio, vestiu um short, uma blusa, calçou tênis e escovou os cabelos. Deu uma espiada em Pete e Kim, enquanto prendia os cabelos: eles estavam sentados no chão, brincando com a estação espacial de Pete.
Ela se afastou silenciosamente e desceu a escada recém-atapetada. A noite estava agradável. Tudo finalmente já fora desempacotado, e ela se sentia limpa e animada, com alguns minutos livres — dez ou quinze, se tivesse sorte — para talvez se sentar com Walter lá fora e admirar suas árvores e seus dois acres de terreno.
Deu a volta ao longo do corredor. A cozinha estava impecável e a máquina de lavar pratos, funcionando. Walter, junto à pia, debruçava-se na janela, olhando na direção da casa dos Van Sant. Havia em sua camisa uma mancha Rorschach[1] de suor: um coelho com as orelhas dobradas para fora. Ele se virou, surpreso, e sorriu.
— Há quanto tempo você estava aí? — perguntou, enxugando a mão na toalha.
— Acabo de chegar — disse ela.
— Você parece ter renascido.
— É assim que estou me sentindo. Eles estão brincando como anjos. Quer dar uma volta?
— OK — disse ele dobrando a toalha. — Mas só por alguns minutos. Vou conversar com Ted. — Pendurou a toalha no gancho. — Era por isso que eu estava olhando. Eles acabaram de comer agora mesmo.
— Sobre o que você vai conversar com ele?
— Eu ia lhe dizer — disse ele, enquanto andavam. — Mudei de ideia; vou entrar para a Associação Masculina.
Ela parou e o olhou.
— Existem muitas coisas importantes centralizadas na associação, para que eu simplesmente deixe de participar — continuou ele. — Política local, campanhas beneficentes, etc.
— Como é que você pode juntar-se a uma organização tão atrasada, tão antiquada? — perguntou ela.
— Conversei com alguns de seus membros no trem. Ted, Vic Stavros e mais uns outros a quem me apresentaram. Eles concordam em que esse negócio de mulher-não-entra é mesmo ultrapassado. — Tomou-lhe o braço e continuaram a caminhar. — Mas a única maneira de mudar as coisas é tomar parte ativa. Então, vou ajudar a fazer isso. Sábado à noite, fico sócio. Ted vai dizer-me quem está em cada comitê. — Ofereceu-lhe um cigarro. — Você está fumando ou não esta noite?
— Ah, fumando! — disse ela, aceitando.
Eles se achavam na parte mais distante do pátio, sob um crepúsculo azul e agradável, ao som dos grilos, e Walter estendeu seu isqueiro para o cigarro de Joanna e depois para o seu.
— Olhe só este céu — disse ele. — Vale cada centavo que nos custou.
Ela ergueu os olhos. O céu estava azul-malva mesclado de azul-escuro. Olhou depois para o próprio cigarro.
— As organizações podem ser transformadas mesmo que se esteja fora delas — disse em seguida. — Podem-se fazer abaixo-assinados, piquetes...
— Mas é mais fácil estando dentro — retrucou Walter. — Você vai ver; se esses sujeitos com quem falei forem exemplos típicos, muito em breve essa vai ser uma associação de todo mundo. Pôquer misto, sexo na mesa de sinuca.
— Se esses homens com quem você falou fossem exemplos típicos, já seria uma associação para lodos. Mas, está bem, vá adiante e junte-se a eles; eu imaginarei slogans para os cartazes. Terei bastante tempo, quando as aulas começarem.
Ele colocou o braço em torno dos seus ombros e disse:
— Espere um pouco, se eles não admitirem mulheres dentro de seis meses, eu me desligo, e nós marcharemos juntos. Ombro a ombro. Sexo, sim; discriminação sexual, não.
— Stepford está fora de ritmo[2] — disse ela, tentando alcançar o cinzeiro, na mesa de piquenique.
— Nada mal.
— Espere até eu começar de verdade.
Terminaram seus cigarros e permaneceram de braços dados, olhando para o gramado amplo e escuro e para as árvores altas, negras contra o céu malva. Luzes brilhavam por entre os troncos das árvores: as janelas das casas da rua próxima, Harvest Lane.
— Robert Ardrey tem razão — disse Joanna. — Sinto-me muito territorial.
Walter olhou em direção à casa dos Van Sant e em seguida para seu relógio.
— Vou entrar e lavar-me — disse, e beijou-a no rosto.
Ela se virou, segurando-lhe o queixo, e beijou seus lábios.
— Vou ficar aqui fora alguns minutos — disse ela. — É só gritar, se eles começarem.
— OK — respondeu ele, dirigindo-se à porta da sala de estar.
Ela cruzou os braços e esfregou-os; a noite estava esfriando. Fechando os olhos, atirou a cabeça para trás e inspirou o ar puro, cheirando a grama e a árvores, delicioso. Seus olhos abriram-se, e ela viu uma única estrela brilhante, a um trilhão de quilômetros de distância.
— Estrela luzente, estrela brilhante — murmurou. Não recitou o resto, porém completou-o mentalmente.
Desejou que eles fossem felizes em Stepford. Que Pete e Kim se dessem bem na escola, e que ela e Walter encontrassem seus amigos e se realizassem. Que ele não se importasse com as viagens para o trabalho — de qualquer modo, a ideia da mudança partira dele. Que a vida dos quatro fosse enriquecida e não empobrecida, como receara ao deixar a cidade — a cidade imunda, superpovoada, varrida pelo crime, embora tão palpitante.
Sons e movimentos fizeram com que ela se voltasse em direção à casa dos Van Sant.
Carol van Sant, uma silhueta escura contra o brilho da porta de sua cozinha, colocava a tampa na lata do lixo. Curvou-se até o chão, com o cabelo ruivo brilhando, e apanhou alguma coisa grande e redonda, uma pedra: colocou-a em cima da tampa.
— Alô! — exclamou Joanna.
Carol endireitou-se e a encarou; alta, de pernas longas, parecendo estar nua, emoldurada pelo roxo de seu vestido iluminado por trás.
— Quem está aí? — perguntou.
— Joanna Eberhart — respondeu Joanna. — Assustei-a? Sinto muito. — Caminhou em direção à cerca que separava sua propriedade da dos Van Sant.
— Alô, Joanna — disse Carol, com seu sotaque da Nova Inglaterra. — Não, você não me assustou. Está uma bela noite, não?
— Sim — concordou Joanna. — E acabei de desempacotar minhas coisas, o que a torna ainda mais bela. — Era obrigada a falar alta; Carol permanecera na porta, longe demais para uma conversa à vontade, apesar de ela própria já estar no canteiro de flores, perto da cerca. — Kim divertiu-se muito com Allison esta tarde — continuou ela. — Elas se dão muito bem.
— Kim é um amor de menina — disse Carol. — Estou contente por Allison ter uma amiga tão boa, bem na vizinhança. Boa noite, Joanna. — Virou-se para entrar.
— Ei, espere um pouco! — exclamou Joanna.
Carol voltou-se.
— Sim? — disse.
Joanna desejou que tanto o canteiro quanto a cerca não estivessem ali, para que ela pudesse aproximar-se mais, ou então, diabo, que Carol viesse mais para perto. O que poderia haver de tão importante naquela cozinha iluminada por luz fluorescente, com panelas de cobre penduradas?
— Walter vai falar com Ted hoje — disse ela, em voz alta, para a silhueta aparentemente nua de Carol. — Depois que você tiver colocado as crianças para dormir, por que não vem até aqui, tomar uma xícara de café comigo?
— Obrigada, eu gostaria — disse Carol —, mas é que tenho de encerar o chão da sala de visitas.
— Hoje à noite?
— Até as aulas começarem, só posso fazer isso durante a noite.
— Bem, mas isso não poderia esperar? Faltam só três dias.
Carol sacudiu a cabeça.
— Não, eu já adiei isso por muito tempo. Está tudo arranhado, e, além do mais, Ted irá até a Associação Masculina mais tarde.
— Ele vai todas as noites?
— Quase todas.
— Deus meu! E você fica em casa trabalhando?
— Sempre há uma coisa ou outra para ser feita — disse Carol, — Sabe como é. Agora, tenho de terminar a arrumação da cozinha. Boa noite.
— Boa noite — respondeu Joanna, vendo Carol, de perfil, com um busto grande demais, entrar em sua cozinha e fechar a porta. Ela reapareceu quase instantaneamente na janela acima da pia, ajustando a torneira, apanhando alguma coisa e esfregando-a. Seu cabelo vermelho estava arrumado e brilhante. O rosto, de nariz afilado, parecia pensativo (e, maldito seja, inteligente); seus grandes seios roxos balançavam, enquanto ela esfregava algo.
Joanna retornou ao pátio. Não, ela não sabia como eram as coisas, graças a Deus. Ser como ela, uma doméstica convicta, nunca. Quem poderia criticar Ted por se aproveitar de uma bobalhona que estava pedindo para ser explorada?
Ela poderia criticá-lo, isso sim.
Walter deixou a casa, vestindo um casaco leve.
— Acho que não me demorarei mais que uma hora — disse ele.
— Essa CaroI van Stant é incrível— disse ela.
— Não pode vir tomar café comigo porque tem que encerar a sala de visitas. Ted vai para a Associação Masculina todas as noites e ela fica em casa, fazendo trabalhos domésticos.
— Meu Deus! — exclamou Walter, sacudindo a cabeça.
— Perto dela — continuou Joanna —, minha mãe parece Kate Millet (líder feminista (N. do T.)).
Ele riu.
— Até logo — disse. Beijou-lhe o rosto e saiu para o pátio.
Ela olhou novamente para sua estrela, agora mais brilhante. Mentalmente, disse para si mesma: "Comece a trabalhar, você ai", e entrou.
No sábado de manhã, os quatro saíram juntos, depois de ajustarem o cinto de segurança da camioneta nova e impecável. Joanna e Walter usavam óculos escuros; conversavam sobre lojas e compras, enquanto Pete e Kim subiam e desciam o vidro das janelas, até que Walter mandou que parassem. O dia estava claro e muito límpido, um sinal do outono. Dirigiram-se para o centro de Stepford (lojas com fachadas coloniais, belas como num cartão-postal) para usar um carnê de descontos de ferragens e artigos de farmácia; em seguida, para o sul, na Rodovia 9, até uma grande galeria nova — carnês de desconto para sapatos de Pete e Kim (que ansiedade!) e nenhum desconto para o equipamento de ginástica; depois, para leste, na Eastbridge Road, até o Mac-Donalds (big macks e milk shakes de chocolate); e um pouco mais para leste, para procurar antiguidades (uma mesa octogonal e nenhum documento antigo); e finalmente para o norte, sul, leste e oeste, até a Stepford-Anvil Road, a Cold Creek Road, Hunnicutt, Beavertail, Burgess Ridge — para mostrar a Pete e a Kim (Joanna e Walter já haviam visto tudo enquanto procuravam casa) sua nova escola, e as escolas que iriam frequentar mais tarde, um sistema de incineração não poluidor, que ninguém, do lado de fora, jamais adivinharia o que era, e as áreas para piquenique, onde havia uma piscina pública em construção. Joanna cantou Good morning, starshine a pedido de Pete, e todos cantaram a MacNamara's Band, cada um imitando um instrumento diferente na parte final. Kim vomitou, com aviso prévio suficiente, contudo, para que Walter parasse, desapertasse seu cinto de segurança e a tirasse da camioneta ainda a tempo (graças a Deus).
Isso arrefeceu os ânimos. Resolveram voltar através do centro de Stepford, lentamente, pois Pete disse que talvez também vomitasse. Walter mostrou o prédio branco da biblioteca e a estrutura branca da casa de campo, de duzentos anos, onde ficava a Sociedade Histórica.
Olhando para cima, através da janela do carro, Kim cuspiu um drops já bem chupado e perguntou:
— O que é aquela casa grande ali?
— É a sede da Associação Masculina — explicou Walter.
Pete esticou-se até o limite permitido por seu cinto de segurança e agachou-se para ver.
— É lá que você vai hoje à noite? — perguntou.
— É — respondeu Walter.
— Como é que se chega ali?
— Existe um caminho, mais adiante, na colina.
Eles se encontravam atrás de um caminhão em cuja carroceria ia um homem de roupa cáqui, de pé, com os braços estendidos para o lado. Seus cabelos eram castanhos, ele tinha um rosto magro, comprido, e usava óculos.
— Aquele é Gary Claybrook, não é? — perguntou Joanna.
Walter deu uma buzinada rápida e acenou com o braço para fora da janela. Seu vizinho da frente abaixou-se para olhá-los, sorriu, acenou e agarrou-se ao caminhão. Joanna sorriu e acenou. Kim gritou:
— Alô, sr. Claybrook!
Pete berrou:
— Onde está Jeremy?
— Ele não consegue ouvi-lo — disse Joanna.
— Eu queria poder dirigir um caminhão daquele jeito! — disse Pete.
Kim falou em seguida:
— Eu também!
O caminhão arrastava-se e gemia, lutando contra a curva íngreme. Gary Claybrook sorria para eles. O caminhão estava carregado até a metade com pequenas caixas.
— O que é que ele está fazendo? Serão? — perguntou Joanna.
— Não, se é que ele trabalha tanto quanto Ted me conta — disse Walter.
— Hein?
— O que é serão? — perguntou Pete.
As luzes do freio do caminhão acenderam-se; ele parou, com a seta da esquerda piscando.
Joanna explicou o que era serão.
Um carro passou voando colina abaixo, e o caminhão começou a mover-se pela pista da esquerda.
— O caminho é este? — perguntou Pete. Walter assentiu, dizendo:
— Sim, senhor, é este mesmo.
Kim abaixou mais o vidro, gritando:
— Alô, sr. Claybrook!
Ele acenou quando eles o ultrapassaram.
Pete soltou o fecho do cinto de segurança e ajoelhou no banco do carro.
— Posso ir lá qualquer dia? — perguntou, olhando para trás.
— Mm-mmm, sinto muito — disse Walter. — É proibida a entrada de crianças.
— Rapaz, que cerca enorme eles têm! — disse Pete. — Igual à do Hogan's Heroes!
— É para manter as mulheres de fora — disse Joanna, olhando para a frente, com a mão na armação de seus óculos escuros.
Walter sorriu.
— Verdade? — perguntou Pete. — É para isso que ela serve?
Pete tirou o cinto — disse Kim.
— Pete! — disse Joanna.
Dirigiram-se até a Norwood Road e então viraram à esquerda, na Wínter Hill Drive.
Ela não pretendia fazer mais nenhum trabalho doméstico por uma questão de princípios. Não que não houvesse nada para ser feito, e algumas coisas ela realmente queria fazer, como arrumar a estante de livros da sala de estar, mas não nessa noite. Não, senhor. Isso poderia muito bem esperar. Ela não era Carol van Sant e tampouco Mary Ann Stavros — que ela vira empurrando um aspirador de pó, ao baixar uma persiana no quarto de Pete.
Não, senhor. Walter entrara para a Associação Masculina; muito bem; ele precisava ir lá para participar, e teria de fazê-lo uma ou duas vezes por semana, a fim de transformá-la. Mas, enquanto ele estivesse lá (pelo menos nessa primeira vez), ela não faria nenhum trabalho doméstico além daqueles que ele faria quando ela estivesse fora, em algum lugar — o que iria acontecer na primeira noite de luar: ela iria até o centro tirar algumas fotografias, com tempos variados de exposição, das fachadas coloniais. (Os vidros irregulares da loja de ferragens talvez refletissem a lua de uma forma interessante.)
Assim, logo que Pete e Kim pegaram no sono, ela desceu até o porão, tirou algumas medidas e fez alguns planos na despensa, que iria ser sua câmara escura. Depois voltou para cima, deu uma olhada em Pete e Kim e preparou uma vodca-tônica, que bebeu na saleta. Ligou o rádio. Tocava uma melodia um tanto água-com-açúcar, mas agradável, do tipo Richard-Rodgers. Afastou cuidadosamente os contratos e as coisas de Walter do centro da escrivaninha, de onde retirou sua lente, o lápis vermelho e as provas de suas fotografias, tiradas apressadamente antes de partir da cidade. A maioria delas não era boa, como suspeitara quando as tirou — ela nunca fazia algo bem quando estava apressada —, mas encontrou uma que realmente a animou, um instantâneo de um negro bem-vestido, com uma maleta, que olhava com raiva para um táxi vazio que acabava de passar por ele. Se sua expressão fosse bem ampliada e ela escurecesse o fundo, para destacar a sombra do táxi, a fotografia poderia chamar a atenção — talvez a agência pudesse utilizá-la. Havia um bom mercado para fotografias que dramatizassem os problemas raciais.
Fez um asterisco vermelho ao lado da prova e continuou a procurar outras que fossem boas, ou pelo menos razoáveis. Lembrou-se da vodca-tônica e tomou um gole.
Às onze e meia, sentiu-se cansada e guardou suas coisas do seu lado da escrivaninha, recolocando os pertences de Walter no lugar onde estavam antes. Desligou o rádio e levou o copo para a cozinha, onde o lavou. Inspecionou as portas, apagou as luzes — à exceção da do vestíbulo — e foi para cima.
O elefante de Kim estava no chão. Ela o apanhou e enfiou-o sob o cobertor, ao lado do travesseiro; puxou então o cobertor até os ombros de Kim. Em seguida, acariciou-lhe os cachos muito suavemente.
Pete, deitado de costas, com a boca aberta, estava exatamente na mesma posição de antes, quando ela o olhara.
Esperou até que seu peito se movesse e, então, abrindo a porta um pouco mais, apagou a luz do corredor e foi para o seu quarto.
Despiu-se, enrolou os cabelos, tomou uma chuveirada, passou creme no rosto, escovou os dentes e deitou-se.
Vinte para a meia-noite. Apagou o abajur.
Deitada de costas, esticou a perna e o braço direitos. Sentia falta de Walter a seu lado, mas o espaço extra de lençol macio e fresco era bem agradável. Quantas vezes ela fora sozinha para a cama desde que haviam se casado? Não muitas: as noites em que ele estivera fora da cidade, tratando dos negócios de Marburg-Donlevy; as vezes em que ela fora para o hospital com Pete e Kim; a noite da falta de luz; o dia em que ela fora ao enterro do tio Bert — talvez vinte ou vinte e cinco vezes ao todo, em dez anos e pouco. Não era uma sensação tão desagradável. Por Deus, aquilo a fazia sentir-se novamente como Joanna Ingalis. Lembrava-se dela?
Perguntou-se se Walter estaria enchendo a cara. Aquilo que havia no caminhão em que Gary Claybrook viajava era bebida (ou as caixas seriam muito pequenas para bebidas?). Mas Walter fora no carro de Vic Stavros: então, que enchesse a cara. Não que isso fosse provável; ele o fazia muito raramente. E se Vic Stavros tomasse um porre? As curvas fechadas da Norwood Road... droga, por que se preocupar?
A cama se sacudia. Ela estava no escuro, olhando para a escuridão da porta aberta do banheiro e o brilho das maçanetas do armário, e a cama continuava se sacudindo, num ritmo lento e contínuo, cada movimento acompanhado de um fraco ranger de molas; de novo, outra vez, e ainda uma vez. Era Walter que se sacudia! Ele estava com febre! Ou seria delirium tremens? Ela se virou e, apoiada em um braço, fitou-o, tentando alcançar sua testa. O branco de seus olhos a olhou e desviou-se imediatamente; ele se voltou para o outro lado. A elevação do cobertor, na altura da sua virilha, desapareceu, sendo substituída pela forma de seus quadris. A cama imobilizou-se.
Será que ele estava se masturbando?
Ela não sabia o que dizer.
Sentou-se.
— Pensei que você estivesse com delirium tremens — disse ela. — Ou com febre.
Ele permanecia imóvel.
— Não quis acordá-la — disse ele. — Já são mais de duas horas.
Ela ficou sentada, prendendo a respiração.
Ele continuava imóvel a seu lado, sem dizer nada.
Joanna olhou para o quarto, para as janelas e os móveis na penumbra da luz fraca da arandela do banheiro de Pete e Kim. Ajeitou o cabelo e passou a mão no ventre.
— Você poderia ter me acordado — disse ela. — Eu não teria me importado.
Ele não disse nada.
— Puxa, você não precisa fazer isso! — insistiu ela.
É que eu não queria acordá-la — repetiu ele. — Você estava dormindo tão profundamente!
— Bem, da próxima vez, acorde-me.
Ele se virou. Nenhuma elevação.
— Você...
— Não...
— Ah! Bem — Bem — sorriu para ele —, estou acordada agora. — Deitou-se ao seu lado, voltou-se para ele e pôs o braço à sua volta; ele se virou. Abraçaram-se. Ele estava com gosto de uísque.
Acabou sendo uma das melhores vezes para eles — para Joanna, pelo menos.
— Puxa — disse ela, voltando do banheiro —, ainda estou fraca!
Ele sorriu para ela, sentado na cama, fumando.
Ela se deitou, aninhando-se confortavelmente em seus braços, colocando a mão dele sobre o seio.
— O que fizeram eles? — perguntou. — Passaram filmes pornográficos ou algo semelhante?
Walter sorriu.
— Não tenho tanta sorte. — Colocou seu cigarro nos lábios dela e ela deu uma tragada. — Eles me levaram oito e meio no pôquer e encheram meus ouvidos com as más intenções do Departamento de Zoneamento, que quer refazer a Eastbridge Road.
— Tive medo que você estivesse enchendo a cara.
— Eu? Dois uísques. Eles não são de beber muito. E você, o que fez?
Ela lhe contou, e também a respeito de suas esperanças com relação à fotografia do negro. Ele lhe falou sobre alguns dos homens que conhecera: o pediatra recomendado pelos Van Sants e pelos Claybrooks; o desenhista, que era a maior celebridade de Stepford; dois advogados, um psiquiatra, o chefe de polícia e o gerente do Mercado Central.
— O psiquiatra deveria ser a favor da admissão de mulheres — comentou ela.
— E é — disse Walter. — E o dr. Verry também. Não sondei nenhum dos outros: não queria me destacar como um ativista logo em minha primeira visita.
— Quando é que você vai de novo? — perguntou ela, temendo repentinamente (por quê?) que ele respondesse "amanhã".
— Não sei. Escute, não vou fazer daquilo a minha vida, como Ted e Vic. Irei dentro de uma semana, mais ou menos, acho eu; não sei. Na verdade, aquilo lá é meio provinciano.
Ela sorriu e aproximou-se mais dele.
Joanna já tinha descido cerca de um terço da escada, tateando com os pés e carregando o cesto de roupas na altura do rosto por causa do maldito corrimão, quando — imagine só — o telefone duplamente maldito tocou.
Não podia abaixar o cesto, pois cairia, e não havia espaço suficiente para que ela se virasse e voltasse para cima; assim, continuou descendo devagar, tateando com o pé e dizendo mentalmente "já vou, já vou" para a insistente campainha do telefone.
Chegou embaixo, colocou o cesto no chão e foi tropeçando até a escrivaninha da saleta.
— Alô — disse ela, expressando o que sentia, sem acrescentar gentileza alguma.
— Alô, é Joanna Eberhart quem está falando? — A voz era alta, alegre e roufenha; parecia com a de Peggy Clavenger. Mas Peggy Clavenger estava no Paris Match desde a última vez em que ouvira falar dela. Nem mesmo sabia se ela havia se casado, muito menos onde morava.
— Sim. Quem está falando?
— Nós ainda não fomos apresentadas formalmente — disse a voz, que não era de Peggy Clavenger —, mas eu o farei agora mesmo. Bobbie, eu gostaria de apresentá-la a Joanna Eberhart. Joanna, eu gostaria que você conhecesse Bobbie Markowe — "Kowe". Bobbie já mora aqui, nesta terra de Ajax, há cinco semanas, e gostaria de conhecer a fotógrafa amadora interessada em política e no Movimento de Liberação da Mulher. Esta é você, Joanna, de acordo com o Stepford Chronicle, ou Doente Crônico, dependendo de seu conceito de jornalismo. Será que eles a descreveram com precisão? É verdade que você não está mesmo interessada em saber se os sabões cor-de-rosa são melhores do que os sabões azuis ou vice-versa? Será que nem mesmo o melhor lustra-móveis a excita? Alô? Você ainda está aí, Joanna? Alô?
— Alô — disse Joanna. — Sim, estou aqui ainda. E como! Alô! Puxa, vale a pena mesmo fazer propaganda!
— Que ótimo ver uma cozinha bagunçada! — disse Bobbie. — Não chega a se comparar com a minha. Você não tem marcas de mãos com pasta de amendoim nos armários, mas está bem, está muito bem. Parabéns!
— Eu poderia lhe mostrar alguns banheiros caindo aos pedaços, se você quisesse — disse Joanna.
— Obrigada. Só quero tomar café.
— Serve solúvel?
— Você quer dizer que existe algo mais?
Ela era baixa, tinha um grande traseiro, vestia blusa de malha azul com um Snoopy desenhado, jeans e sandálias. Sua boca era grande e seus dentes, de um branco fora do comum. Tinha olhos azuis e grandes, que devoravam tudo, e cabelos escuros, curtos e irregulares. Mãos pequenas e dedões dos pés sujos. E um marido chamado Dave, que era corretor da Bolsa; três filhos, de dez, oito e seis anos. Um velho cão pastor inglês e um corgi (Pequeno cão do País de Gales (N. do T.)). Parecia ser um pouco mais jovem que Joanna, devendo ter trinta e dois ou trinta e três anos no máximo. Bebeu duas xícaras de café, comeu um biscoito e falou a Joanna sobre as mulheres de Fox Hollow Lane.
— Estou começando a achar que existe um concurso nacional do qual ainda não ouvi falar — disse ela, lambendo o chocolate da ponta dos dedos. — Um milhão de dólares e Paul Newman para a casa mais limpa até o próximo Natal. Quero dizer que é só esfrega, esfrega, esfrega; encera, encera, encera...
— É a mesma coisa por aqui — disse Joanna. — Até durante a noite. E todos os homens...
— A Associação Masculina! — gritou Bobbie.
Conversaram a esse respeito — sobre a antiquada injustiça em matéria de sexo, verdadeira injustiça, numa cidade sem nenhuma organização feminina, nem mesmo uma liga de eleitoras.
— Acredite-me, passei esse lugar a pente fino — disse Bobbie. — Existe o Clube de Jardinagem e uns poucos grupos de velhas carolas, para os quais eu não poderia me candidatar mesmo, pois Markowe quer dizer "o que se move em escala ascendente", e vem de Markowitz. E existe a Sociedade Histórica, absolutamente sem diferenças de sexo. Dê um pulo até lá para cumprimentar o pessoal. Cadáveres em posição de gente viva.
Dave pertencia à Associação Masculina e, como Walter, acreditava poder mudá-la de dentro para fora. Bobbie, porém, duvidava disso.
— Você vai ver, teremos de nos acorrentar à cerca antes que algo aconteça. O que é que você acha daquela cerca? A gente poderia imaginar que eles estão refinando ópio!
Conversaram sobre a possibilidade de organizar uma reunião com algumas de suas vizinhas, uma sessão para sacudi-las e fazerem-nas ver que havia papéis mais ativos a serem desempenhados na vida da cidade; concordaram, entretanto, em que as mulheres que haviam conhecido não iriam receber bem nem mesmo o menor passo rumo à sua independência. Falaram sobre a Organização Nacional das Mulheres, da qual ambas faziam parte, e sobre as fotografias de Joanna.
— São ótimas — disse Bobbie, olhando para as quatro ampliações emolduradas que Joanna havia pendurado na saleta. — São fabulosas mesmo!
Joanna agradeceu.
— Fotógrafa amadora! Pensei que você usasse a Polaroide das crianças! Estas estão maravilhosas!
— Agora que Kim está no jardim de infância é que vou começar a trabalhar de fato — disse Joanna.
Acompanhou Bobbie até o carro.
— Não, maldição! — disse Bobbie. — Pelo menos temos de tentar. Vamos falar com essas bausfraus (“Donas-de-casa”. Em alemão no original. (N. do E.)), deve haver algumas que se ressentem um pouquinho da situação. O que é que você acha? Não seria bom se conseguíssemos reunir um grupo e, talvez, até mesmo abrir aqui uma sede da Organização Nacional de Mulheres e, mais tarde, dar um tranco na Associação Masculina? Dave e Walter estão se iludindo; aquilo lá não vai mudar, a menos que se force isso; organizações de gente com barriga cheia nunca mudam. O que acha, Joanna? Vamos perguntar por aí.
Joanna anuiu:
— Devíamos mesmo — disse ela. — Nenhuma delas deve estar tão feliz quanto aparenta.
Foi falar com Carol van Sant.
— Ah, não, Joanna — disse Carol. — Isso não parece o tipo de coisa pela qual eu me interessaria. Mas obrigada por me procurar. — Estava limpando a divisória de plástico no quarto de Stacy e Allison, secando uma parte das dobras sanfonadas com movimentos descendentes, firmes, usando uma grande esponja amarela.
— Seria somente por algumas horas — explicou Joanna. — Durante a noite ou, então, no horário das aulas, se for mais conveniente para todas.
Carol, agachando-se para secar a parte inferior da divisória, disse:
— Lamento, mas é que simplesmente não tenho muito tempo para esse tipo de coisa.
Joanna fitou-a um momento:
— Não a perturba o fato de a única organização de Stepford, em termos de projetos para a comunidade, ser interditada às mulheres? Isso não lhe parece um pouco arcaico?
— Ar-cai-co? — perguntou Carol, espremendo a esponja num balde de água com espuma.
Joanna olhou-a.
— Atrasado, antiquado — disse ela.
Carol espremeu a esponja no balde.
— Não, não me parece arcaico. — Levantou-se para alcançar as dobras seguintes. — Ted está mais preparado do que eu para esse tipo de coisa — acrescentou, principiando a secar as dobras com golpes firmes, cada um completando impecavelmente o anterior. — E os homens precisam de um lugar onde possam descansar e tomar um drinque ou dois.
— E as mulheres, não?
— Não, não tanto. — Carol sacudiu a cabeça de cabelos vermelhos, bem arrumados como num comercial de xampu, sem se desviar da limpeza. — Sinto muito, Joanna. Simplesmente não tenho tempo para reuniões.
— OK — disse Joanna. — Se mudar de ideia avise-me.
— Você se incomodaria se eu não a acompanhasse até lá embaixo?
— Não, claro que não.
Ela falou com Barbara Chamalian, do outro lado da casa dos Van Sants.
— Obrigada, mas não sei como poderia me arranjar — disse Barbara. Era uma mulher de queixo quadrado, cabelos castanhos, e usava um confortável vestido cor-de-rosa, que moldava um corpo excepcionalmente bonito. — Lloyd fica muito tempo na cidade e, à noite, gosta de ir até a Associação Masculina. Eu detestaria ter de pagar uma babá só para...
— Poderia ir no horário da escola — disse Joanna.
— Não — disse Barbara. — Acho melhor você não contar comigo. — Sorriu, um sorriso amplo e atraente ... — Mas estou contente por tê-la conhecido. Gostaria de entrar e sentar-se um pouco? Estou passando roupa.
— Não, obrigada — disse Joanna. — Quero falar com mais algumas mulheres.
Falou com Marge McCormick ("Francamente, acho que não estaria interessada nisso"), Kit Sundersen ("Receio não ter tempo; sinto muito, sra. Eberhart") e Dona Claybrook ("É uma boa ideia, mas estou tão ocupada estes dias! Mesmo assim, obrigada por convidar-me").
Encontrou Mary Ann Stavros numa ala do Mercado Central.
— Não, acho que não tenho tempo para algo desse tipo. Há tanta coisa para fazer em casa! Você bem sabe.
— Mas você sai algumas vezes, não? — perguntou Joanna.
— Claro que sim — disse Mary Ann. — Estou saindo agora, não estou?
— Eu quero dizer sair. Para relaxar.
Mary Ann sorriu e sacudiu a cabeça, balançando as camadas de seus cabelos louros e lisos.
— Não, não frequentemente — disse ela. — Não tenho necessidade de lazer. Até a vista. — E foi embora, empurrando seu carrinho de compras; parou, pegou uma lata numa prateleira, examinou-a, colocou-a no carrinho e prosseguiu.
Joanna seguiu-a com o olhar, procurando observar depois o carrinho de uma outra mulher, que passara vagarosamente por elas. "Meu Deus", pensou, "até mesmo os seus carrinhos elas enchem ordenadamente!” Olhou para o seu: um amontoado de pacotes, latas e potes. Um sentimento de culpa impeliu-a a arrumá-lo, mas quero me danar se vou arrumá-lo!”, pensou ela; agarrou uma caixa de sabão em pó da prateleira e atirou-a dentro do carrinho. Nem mesmo precisava da maldita coisa!
Falou com a mãe de um dos colegas de Kim, na sala de espera do consultório do dr. Verry, com Yvonne Weisgalt, do outro lado da casa dos Stavros, e com Jill Burke, na casa seguinte. Todas se recusaram: ou tinham muito pouco tempo ou muito pouco interesse em reunir-se com as outras mulheres, e falar sobre as experiências que compartilhavam.
Bobbie teve mais azar ainda, considerando-se que falou com o dobro de mulheres.
— Uma adepta — disse ela a Joanna. — Viúva de oitenta e cinco anos, que me arrastou pela sua porta adentro e me manteve prisioneira de um chuveiro de saliva por uma hora inteira. A qualquer momento que nós estejamos prontas para atacar a Associação Masculina, Eda Mae Hamilton estará preparada e disposta.
— É melhor mantermos contato com ela — disse Joanna.
— Ah, não, ainda não terminamos!
Passaram uma semana indo juntas falar com as mulheres, seguindo a teoria (de Bobbie) de que as duas, falando de ambiguidades planejadas, poderiam criar a sugestão encorajadora de uma falange de mulheres com lugar para mais uma. Não deu certo.
— Meu Deus! — disse Bobbie, entrando perigosamente com o carro pela Short Ridge Hill acima. — Algo de podre está acontecendo por aqui! Estamos numa cidade esquecida pelo tempo!
Uma tarde, Joanna deixou Pete e Kim aos cuidados de Melina Stavros, de dezesseis anos de idade, e tomou o trem para a cidade, onde se encontrou com Walter e seus amigos Shep e Sylvia Tackover, num restaurante italiano, situado no bairro dos teatros. Foi bom ver Shep e Sylvia de novo; eles formavam um casal brilhante, feio e cheio de energia, que havia sobrevivido a vários golpes rudes, inclusive a morte por afogamento de um filho de quatro anos de idade. Também era bom estar novamente na cidade. Joanna devorava o colorido e a agitação do movimentado restaurante.
Ela e Walter falaram entusiasticamente sobre a beleza e a tranquilidade de Stepford, e sobre as vantagens de morar em casa e não em apartamento. Ela nada disse a respeito de como as mulheres de Stepford se concentravam no lar, ou sobre a ausência de atividade extradoméstica. Seria vaidade, supôs; e falta de vontade de tornar-se objeto de comiseração, mesmo para Shep e Sylvia. Falou-lhes sobre Bobbie e do quanto era divertida, e sobre as escolas de Stepford, boas e sem muita gente. Walter não trouxe à baila a Associação Masculina, e tampouco ela. Sylvia, que era da Administração de Habitação e Desenvolvimento da cidade, teria tido um ataque.
Contudo, enquanto caminhavam para o teatro, Sylvia deu-lhe um olhar perspicaz e observador, e perguntou:
— Uma adaptação difícil?
— De certa forma — respondeu Joanna.
— Você vai superá-la — disse Sylvia, sorrindo para ela.
— Como vai a fotografia? Deve ser muito bom para você lá, encarando tudo com um novo olhar.
— Ainda não fiz droga nenhuma — disse ela. — Bobbie e eu estivemos percorrendo as redondezas, tentando incentivar algumas atividades feministas. Para dizer a verdade, aquilo lá é meio atrasado.
— Percorrer e incentivar não é trabalho seu — disse Sylvia. — Fotografar, sim, ou pelo menos deveria ser.
— Eu sei. Qualquer dia desses o bombeiro irá instalar a pia na câmara escura.
— Walter parece estar muito bem.
— Sim, está. Na verdade, não é uma vida tão ruim!
A peça, um sucesso musical da temporada anterior, foi uma decepção. Voltando para casa de trem, depois de terem massacrado a peça, Walter colocou os óculos e começou a trabalhar em alguns papéis que tinha de rever; Joanna folheou a Time e, em seguida, ficou olhando pela janela e fumando, vendo a escuridão e uma ou outra luz que passava por ela.
Sylvia tinha razão: seu trabalho era a fotografia. Para o inferno com as mulheres de Stepford. Com exceção de Bobbie, é claro.
Os dois carros estavam na estação, e, assim, eles foram obrigados a ir para casa separados. Joanna ia na frente com a camioneta, e Walter a seguia no Toyota. O centro estava deserto como um cenário, sob os três postes iluminados — sim, ela poderia bater algumas chapas antes que a câmara escura estivesse pronta —, havia faróis e janelas iluminadas lá em cima, na Associação Masculina, e um carro parado, esperando para sair da estrada lateral que vinha de lá.
Melinda Stavros bocejava, mas sorria. Pete e Kim estavam em suas camas, dormindo profundamente.
Na sala de visitas, havia copos de leite vazios e pratos na mesinha do abajur; bolas de papel amassado no sofá e no chão, à sua frente, e uma garrafa de refrigerante vazia entre as bolinhas de papel.
"Pelo menos, elas não transmitem a doença para as filhas", pensou Joanna.