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AS POSSUÍDAS
AS POSSUÍDAS

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

AS POSSUÍDAS / Ira Levin

 

 

 

 

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.


CONTINUA

Na terceira vez em que Walter foi para a Associação Masculina, voltou cerca das nove horas e disse a Joanna que estava trazendo para casa o pessoal do Comitê de Novos Projetos, para o qual havia sido indicado na vez anterior. Algumas obras estavam sendo feitas na casa (ela podia ouvir o ruído das máquinas, ao fundo), e eles não conseguiam encontrar um canto sossegado onde pudessem se sentar e conversar.

— Ótimo — disse ela. — Vou tirar o resto da minha tralha do quarto escuro, para que vocês possam ficar à vontade.

— Não, escute — disse ele. — Fique conosco lá em cima, e participe da conversa. Alguns deles insistem em conversas-só-para-homens, mas não lhes fará mal algum ouvir uma mulher fazer comentários inteligentes. Sei que você os fará.

— Obrigada. Será que eles não se importam?

— A casa é nossa.

— Você tem certeza de que não está procurando uma garçonete?

Ele riu.

— Deus meu, não se consegue enganá-la mesmo. OK, você me pegou. Mas quero uma garçonete inteligente, está certo? Você faria isso? Poderia realmente ser muito bom.

— OK. Dê-me quinze minutos, e eu posso até mesmo ser uma garçonete inteligente e bonita; que tal isso como colaboração?

— Fantástico! Inacreditável!


Havia cinco homens. Um deles, baixo, de rosto alegre e vermelho, com cerca de sessenta anos e um bigode terminando em pontas, era Ike Mazzard, o desenhista. Joanna, apertando sua mão calorosamente, disse:

— Não estou certa se gosto de você; estragou minha adolescência com aquelas suas garotas espetaculares!

Rindo, ele respondeu:

— Você deve ter combinado muito bem com elas.

— Você apostaria nisso? — perguntou.

Os outros quatro estavam todos no final dos trinta ou já nos quarenta anos. O alto, de cabelos pretos, de uma arrogância tranquila, era Dale Coba, presidente da associação. Sorriu para ela, com os olhos verdes que a desprezavam, e disse:

— Alô, Joanna, é um prazer. — "Um dos renitentes exclusivistas", pensou ela; "as mulheres são feitas para a cama." Sua mão era suave e frouxa.

Os outros eram Anselm ou Axhelm, Sundersen, Roddenberry.

— Conheci sua mulher — disse ela a Sundersen, que era pálido e barrigudo, de aspecto nervoso. — Se é que vocês são os Sundersen do outro lado.

— Você a conheceu? Sim, somos nós. Somos os únicos em Stepford.

— Eu a convidei para uma reunião, mas ela não pôde ir.

— Ela não é muito sociável. — Os olhos de Sundersen se dirigiam para outro lugar, não para ela.

— Desculpe, mas não entendi seu primeiro nome — disse ela.

— Herb — disse ele, desviando o olhar.

Ela acompanhou todos até a sala de estar, foi para a cozinha buscar gelo e soda e os levou para Walter, no bar.

— Inteligente? Bonita? — perguntou ela, e ele sorriu em resposta. Ela voltou para a cozinha e encheu umas tigelas de batatas fritas e amendoim.

Não houve qualquer objeção por parte do círculo de homens quando ela, segurando o copo, disse:

— Posso? — e instalou-se na extremidade do sofá que Walter lhe havia reservado. Ike Mazzard e Anselm levantaram-se e os outros fizeram menção de levantar-se, com exceção de Dale Coba, que permaneceu sentado, comendo amendoins, olhando para ela por sobre a mesinha com os olhos verdes, depreciativos.

Eles estavam conversando sobre o projeto de brinquedos para o Natal e o de preservação da paisagem. O nome de Roddenberryera Frank, e ele tinha um rosto agradável, com um nariz achatado e um queixo azulado, e era um pouco gago; e Coba tinha um apelido — Diz — que ·não lhe caía bem. Eles discutiam se naquele ano não deveriam colocar decoração de Chanukah (É o equivalente judaico do Natal (N. do T.)), além de um presépio no centro, agora que havia um número considerável de judeus na cidade. Conversaram sobre ideias para novos projetos.

— Posso dizer alguma coisa? — perguntou ela.

— Claro — disseram Frank Roddenberry e Herb Sundersen.

Coba estava reclinado em sua cadeira, olhando para o teto (depreciativamente, sem dúvida), com as mãos atrás da cabeça e as pernas esticadas.

— Vocês acham que seria possível organizar algumas palestras noturnas para adultos? — perguntou ela. — Ou debates entre pais e adolescentes? Num dos auditórios da escola?

— Sobre que assuntos? — perguntou Frank Roddenberry.

— Qualquer assunto de interesse geral — disse ela. — A questão dos tóxicos, em que todos nós estamos interessados, mas que o Chronicle parece varrer para baixo do tapete; o que vem a ser o rock'n roll... não sei, qualquer coisa que fizesse com que as pessoas saíssem para ouvir e falar umas com as outras.

— Isso é interessante — disse Claude Anselm, ou Axhelm, curvando-se para a frente, cruzando as pernas e coçando a testa. Ele era magro e louro; tinha olhos brilhantes e era agitado.

— E talvez fizesse com que as mulheres saíssem também — disse ela. — Caso vocês não saibam, esta cidade é uma catástrofe para as babás.

Todos riram, e ela se sentiu bem à vontade. Sugeriu outros tópicos possíveis para os debates, e Walter acrescentou alguns, assim como Herb Sundersen. Outras ideias para novos projetos foram trazidas à baila; ela participou dessas conversas, e os homens (com exceção de Coba, maldito seja) prestaram atenção nela — Ike Mazzard, Frank, Walter, Claude e até mesmo Herb olhavam-na de frente — e assentiam e concordavam com ela, ou a interrogavam pensativamente, e ela se sentiu muito bem mesmo, enfrentando suas perguntas com inteligência e bom senso. Ao ataque, Gloria Steinem!

Para sua surpresa e embaraço, ela percebeu que Ike Mazzard fazia uns esboços dela. Sentado em sua cadeira (ao lado de Dale Coba, ainda olhando para o teto), ele desenhava com caneta azul num caderno de notas, sobre os joelhos de listras elegantes, olhando para ela e para o seu desenho.

Ike Mazzard desenhando-a!

Os homens tornaram-se silenciosos. Olhavam para as suas bebidas, mexiam os cubos de gelo.

— Ei! — disse ela, mudando de posição e sorrindo sem graça. — Não sou nenhuma garota de Ike Mazzard.

— Todas as garotas são garotas de Ike Mazzard — disse ele, sorrindo para ela e para o desenho.

Ela olhou para Walter, que sorriu, sem jeito, e sacudiu os ombros.

Olhou para Mazzard novamente e, sem mover a cabeça, para os outros homens. Eles a olharam e sorriram nervosamente.

— Bem, isto acaba com a conversa — disse ela.

— Fique à vontade, pode se mexer — disse Mazzard. Virou uma página e continuou a desenhar.

Frank disse:

— Não acho que outro campo de beisebol seja tão importante.

Joanna ouviu Kim gritar "mamãe!". Walter, porém, tocou-lhe o braço e, colocando o copo na mesa, levantou-se e passou por Claude, pedindo licença.

Os homens voltaram a falar sobre novos projetos. Ela proferiu uma palavra ou duas, movendo a cabeça, mas sempre consciente de Mazzard olhando-a e desenhando-a. Tente ser Glória Steinem enquanto Ike Mazzard está desenhando! Era um pouco de exibicionismo da parte dele; ela não era nenhuma coisa do outro mundo, nem mesmo vestindo seu longo Pucci. E por que os homens se mostravam tão tensos? Sua conversa parecia forçada e cheia de intervalos. Herb Sundersen estava até ficando vermelho.

Subitamente, ela se sentiu nua, como se Mazzard a estivesse desenhando em poses obscenas.

Cruzou as pernas; quis cruzar os braços, também, mas não o fez. "Meu Deus, Joanna, ele é só um artista exibicionista, nada mais! Você está vestida."

Walter retornou e abaixou-se perto dela.

— Era só um pesadelo — disse; e, endireitando-se, perguntou aos homens: — Alguém quer outra dose? Diz? Frank?

— Vou tomar um pouco de uísque — disse Mazzard, olhando para ela, enquanto desenhava.

— O banheiro é por ali? — perguntou Herb, levantando-se.

A conversa prosseguiu, agora mais relaxada e casual.

Novos projetos.

Velhos projetos.

Mazzard enfiou sua caneta no casaco, sorrindo.

— Ufa! — fez ela, e se abanou.

Coba levantou a cabeça, ainda com as mãos cruzadas na nuca, e olhou, com o queixo contra o peito, para o caderno de notas no joelho de Mazzard, que virou as páginas, olhando para Coba. Este balançou a cabeça e disse:

— Você nunca pára de me surpreender.

— Posso ver? — perguntou ela.

— Claro! — disse Mazzard, meio levantado, sorrindo e estendendo o caderno aberto para ela.

Walter olhou também, e Frank esticou-se para ver.

Retratos dela. Havia páginas e mais páginas deles, pequenos e preciosos — e lisonjeiros —, como a obra de Mazzard sempre havia sido. Rostos inteiros, meio corpo, perfis; sorrindo, séria, falando, franzindo a testa.

— Estão lindos! — disse Walter, e Frank acrescentou: — Ótimo, Ike!

Claude e Herb aproximaram-se por trás do sofá.

Ela folheou de novo o caderno.

— Eles estão maravilhosos — disse. — Gostaria de poder dizer que estão absolutamente corretos.

— Mas estão! — disse Mazzard.

— Obrigada. — Ela lhe devolveu o caderno e ele o colocou sobre os joelhos, virando as páginas e pegando sua caneta. Escreveu algo numa página, arrancou-a e deu-a a ela.

Era um meio-corpo em que ela estava séria, com a conhecida assinatura sem maiúsculas, ike mazzard. Ela o mostrou a Walter, que disse:

— Obrigado, Ike.

— O prazer foi meu.

Ela sorriu para Mazzard.

— Obrigada — disse. — Eu o perdôo por ter estragado minha adolescência. — Sorriu para todos.

— Alguém quer café?

Todos aceitaram, com exceção de Claude, que preferiu chá.

Joanna foi para a cozinha e colocou o desenho num descanso em cima da geladeira. Um desenho de Ike Mazzard, dela! Quem iria imaginar, lá em casa, quando tinha onze ou doze anos, lendo os Journals e Companions da mãe? Era tolice dela ficar tão cheia de si sobre o fato. Fora gentileza de Mazzard fazê-lo.

Sorrindo, colocou um pouco de água na cafeteira, ligou-a na tomada, encaixou o coador e juntou umas colheradas de café. Ajustou a parte superior, apertou com força a tampa de plástico na lata de café e virou-se. Coba olhava-a, encostado na porta, de braços cruzados, com o ombro no batente.

Estava muito calmo, em sua camisa de gola alta, cor de jade (combinando com os olhos, naturalmente), e seu terno cinza de veludo cotelê.

Sorriu para ela e disse:

— Gosto de ver as mulheres no desempenho de pequenas tarefas domésticas.

— Você veio para a cidade certa — disse ela. Colocou a colher na pia e guardou a lata de café na geladeira.

Coba continuou olhando.

Ela desejou que Walter estivesse lá.

— Você não me parece particularmente tonto[3] disse ela, retirando uma panela para o chá de Claude. — Por que é que eles o chamam de Diz?

— Já trabalhei na Disneylândia — disse ele.

Ela riu, indo para a pia.

— Duvido — disse ela.

— É verdade. — Ela voltou-se e o encarou.

— Você não acredita em mim? — ele perguntou.

— Não — respondeu ela.

— Por que não?

Ela pensou, e a resposta lhe ocorreu.

— Por que não? — insistiu ele. — Diga-me.

Para o inferno com ele; ela diria, sim.

— Você não me parece ser o tipo de pessoa que gosta de fazer os outros felizes.

Sem dúvida alguma ela torpedeara para sempre a admissão das mulheres na abençoada e sacrossanta Associação Masculina.

Coba olhou para ela depreciativamente.

— Você sabe tão pouco! — disse ele.

Sorriu, deixou o canto, virou-se e foi embora.

— Não sou muito fanática pelo el presidente — disse ela, despindo-se, e Walter respondeu:

— Nem eu. Ele é frio como gelo. Mas não ficará eternamente no cargo.

— É melhor que não fique — disse ela. — Ou as mulheres jamais entrarão. Quando serão as eleições?

— Logo depois do início do ano.

— O que é que ele faz?

— Trabalha com Burnham-Massey, na Rodovia 9. Claude também.

— Ah, escute, qual é o sobrenome dele?

— De Claude? Axhelm.

Kim começou a chorar. Estava ardendo de febre; ficaram acordados até depois das três, tomando sua temperatura (trinta e nove graus e quatro décimos, no início), lendo o dr. Spock, chamando o dr. Verry e providenciando-lhe banhos frios e fricções com álcool.


Bobbie achou uma que estava viva.

— Pelo menos é o que parece, comparada ao resto dessas lesmas — disse sua voz rouquenha ao telefone. — Seu nome é Charmaine Wimperis; se você cerrar os olhos um pouco, ela se transforma em Rachel Welch. Eles moram em Burgess Ridge, numa casa moderna, de duzentos mil dólares; ela tem uma empregada e um jardineiro e, escute só, uma quadra de tênis.

— Verdade?

— Eu sabia que isso iria tirá-la da fossa. Você está convidada para jogar e para almoçar também. Vou apanhá-la por volta das onze e meia.

— Hoje? Não posso! Kim ainda está em casa.

— Ainda?

— Será que não dá para ser quarta-feira? Ou quinta, só para garantir.

— Quarta-feira — disse Bobbie. — Vou combinar com ela e telefono novamente.


Vam! Pum! Bam! Charmaine jogava bem; bem demais; a bola vinha zunindo, direto e com força, primeiro para um lado da quadra e, em seguida, para o outro; ela mantinha-a correndo de um lado para o outro, e deu uma bem no fundo da quadra, que ela quase não conseguiu rebater. Correu atrás dela, mas Charmaine a bombardeou no canto esquerdo da rede — inalcançável —, e ganhou o set, 6 x 3, e o jogo. Depois de ter ganho o primeiro set por 6 x 2.

— Meu Deus, chega! — disse Joanna. — Rapaz, que vexame!

— Mais um — gritou Charmaine, recuando até a linha de saque. — Vamos, mais um.

— Não posso! Desse jeito, não vou conseguir andar amanhã. — Apanhou a bola. — Vamos, Bobbie, jogue você.

Bobbie, que estava sentada de pernas cruzadas, na grama, do lado de fora da cerca de tela, com a cabeça em frente a um refletor solar, disse:

— Não jogo desde os meus tempos de acampamento, por Deus!

— Só um set, então — gritou Charmaine. — Mais um set, Joanna.

— Está bem, mais um.

Charmaine ganhou.

— Você me matou. Estava ótimo — disse Joanna, enquanto saíam juntas da quadra. — Obrigada.

Charmaine, enxugando cuidadosamente o rosto de maçãs salientes com a extremidade da toalha, disse:

— Você só precisa praticar, mais nada. Tem um saque de primeira classe.

— Grande consolo!

— Você virá jogar com frequência? Tudo o que tenho no momento são dois adolescentes, ambos com ereções permanentes.

— Mande-os para a minha casa — disse Bobbie, levantando-se do chão.

Elas andaram pelo caminho de pedra em direção à casa.

— A quadra é espetacular — disse Joanna, enxugando o braço.

— Então use-a — disse Charmaine. — Eu costumava jogar todos os dias com Ginnie Fisher, você a conhece?, mas ela me deixou na mão. Não faça como ela, está bem? Que tal amanhã?

— Ah, eu não poderia!

Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol da Cinzano, e a empregada, uma mulher de cabelos ligeiramente grisalhos, chamada Nettie, trouxe-lhes uma jarra de bloody-mary e uma tigela com patê de pepino e bolachas. — Ela é maravilhosa — disse Charmaine. — Uma alemã de Virgem. Se eu lhe pedisse para lamber meus sapatos, ela o faria. E você, o que é, Joanna.

— Uma americana de Touro.

— Se você lhe pedir para lamber seus sapatos, da cospe no seu olho — disse Bobbie. — Você não acredita mesmo nessas coisas, não é?

— Claro que acredito — disse Charmaine, servindo a bebida. — Você também acreditaria, se encarasse isso com a mente aberta. — Joanna olhou-a, semicerrando os olhos; não, não era Rachel Welch, mas estava bem próxima. — Foi por isso que Ginnie Fisher me deixou na mão — disse ela. — Ela é de Gêmeos, eles mudam a todo momento. Os taurinos são estáveis e leais. Um brinde ao tênis.

Joanna disse:

— Este Touro aqui, em particular, possui uma casa e dois filhos, e nenhuma Virgem alemã.

Charmaine tinha um filho de nove anos chamado Merril. Seu marido, Ed, era produtor de televisão. Haviam-se mudado para Stepford em julho. Sim, Ed fazia parte da Associação Masculina, e, não, Charmaine não se incomodava com a injustiça entre os sexos.

— Qualquer coisa que o faça sair de noite está muito bem para mim — disse ela. — Ele é de Áries e eu sou de Escorpião.

— Ah, bem — disse Bobbie, e colocou uma bolacha cheia de patê na boca.

— É uma combinação muito ruim — disse Charmaine. — Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora!

— Mas em que sentido? — perguntou Joanna.

Isso foi um erro. Charmaine discorreu longamente sobre as várias incompatibilidades existentes entre Ed e ela: sociais, emocionais e, sobretudo, sexuais. Nettie serviu-Ihes uma lagosta à Newburg e batatas à Julienne.

— Ai, meus quadris! — gemeu Bobbie, servindo-se de lagosta.

Charmaine prosseguiu, com detalhes eróticos. Ed era um demônio sexual, com ideias realmente estranhas.

— Ele mandou fazer uma roupa de borracha para mim na Inglaterra, que Deus sabe quanto custou. Pergunto a vocês: borracha? "Vista isso na sua secretária", eu lhe disse. "Você não vai me fazer entrar nisso aí." Havia zíperes e cadeados por toda parte. Você não pode trancar um Escorpião. Virgem, sim, a qualquer hora, elas são feitas para servir. Mas o negócio de Escorpião é seguir o seu próprio caminho.

— Se Ed soubesse então o que você sabe agora! — disse Joanna.

— Não teria feito a menor diferença — disse Charmaine. — Ele é louco por mim. Ariano típico.

Nettie trouxe tortas de framboesa e café. Bobbie gemeu. Charmaine contou-lhes sobre outros maníacos que conhecera. Havia sido modelo e conhecera vários.

Acompanhou-as até o carro de Bobbie.

— Agora, escute — disse para Joanna. — Sei que você está ocupada, mas em qualquer ocasião em que dispuser de tempo livre, a qualquer hora, apareça por aqui. Não precisa nem telefonar; estou quase sempre aqui.

— Obrigada, eu virei — disse Joanna. — E obrigada por hoje. — Foi ótimo.

— A qualquer hora — disse Charmaine. Inclinou-se na janela. — E olhem, vocês duas, será que me fariam um favor? Leiam Os signos solares, de Linda Goodman. Vocês vão ver como ela está certa. Eles têm esse livro na Farmácia Central, em brochura. Leiam, por favor!

Elas acederam, sorrindo, e prometeram que leriam.

— Tchau!— exclamou, acenando, enquanto elas se afastavam.

— Bem — disse Bobbie, fazendo a curva da entrada lateral—, ela pode não constituir o material ideal para a Organização Nacional de Mulheres, mas pelo menos não está apaixonada pelo aspirador de pó.

Meu Deus, como ela é bonita! — disse Joanna.

— Não é? Mesmo para este lugar, você tem de admitir, elas são bonitas, apesar de não pensarem da mesma forma. Menina, que casamento! Que tal aquele negócio de roupa de borracha, hem? E eu que imaginava que Dave tinha ideias estranhas!

— Dave? — perguntou Joanna, olhando-a.

Bobbie sorriu de lado.

— De mim, você não vai arrancar confissão alguma — disse ela. — Sou de Leão, e o nosso negócio é mudar de assunto. Você e Walter querem ir ao cinema sábado à noite?


Eles haviam comprado a casa de um casal chamado Pilgrim, que havia morado nela somente por dois meses e mudado para o Canadá. Os Pilgrims a haviam comprado de uma tal sra. McGrath. A maior parte do lixo havia sido deixada pela sra. McGrath, num quarto. Na realidade, não era justo chamá-lo de lixo: havia duas poltronas coloniais em bom estado, que Walter iria mandar estofar algum dia. E uma série completa de vinte volumes do Livro do conhecimento, que já estava na estante do quarto de Pete. Havia também caixas e pequenos montes de ferramentas e acessórios, que, se não eram verdadeiros achados, poderiam pelo menos vir a ser de alguma utilidade, mais tarde. A sra. McGrath tinha guardado as coisas com cuidado.

Joanna transferira tudo o que não era lixo de verdade para um canto afastado do porão, antes de o encanador instalar a pia. Agora, ela estava removendo o que restara — latas de tinta, telhas de amianto e montes de cascalho —, enquanto Walter martelava num balcão de madeira compensada e Pete ia lhe passando os pregos. Kim havia ido à biblioteca com as meninas dos Van Sants e Carol.

Joanna desfez um embrulho de jornal amarelado e lá dentro achou um pincel de três centímetros de largura, com os pêlos meio endurecidos, mas ainda flexíveis. Começou a reenrolá-lo no jornal, uma meia página do Chronicle, quando as palavras "Clube Feminino ouve autora" chamaram sua atenção. Ela virou o jornal de lado e olhou-o.

— Pelo amor de Deus! — exclamou.

Pete olhou-a, e Walter, martelando, perguntou:

— O que é?

Joanna tirou o pincel do jornal e, segurando a meia página aberta com as duas mãos, leu.

Walter parou de martelar, virou-se e olhou para ela.

— O que foi? — perguntou.

Ela leu por mais um momento e olhou para ele; olhou para o jornal e novamente para ele.

— Aqui havia um Clube Feminino — disse—, Betty Friedan falou para as sócias. E Kit Sundersen era a presidente. As mulheres de Dale Coba e Frank Roddenberry eram conselheiras.

— Não está brincando? — perguntou ele.

Ela olhou para o jornal e leu:

— "Betty Friedan, a autora de A mística feminina, discursou para os membros do Clube Feminino de Stepford, terça-feira à noite, na casa da Fairview Lane, da sra. Herbert Sundersen, a presidente do clube. Mais de cinquenta mulheres aplaudiram a sra. Friedan, enquanto ela falava sobre as injustiças e frustrações que acometem a dona-de-casa moderna ... "— Olhou para ele.

— Posso martelar um pouco? — perguntou Pete.

Walter entregou-lhe o martelo.

— Quando foi isso? — perguntou.

Ela olhou para o jornal.

— Aqui não diz, é a metade de baixo — disse ela. — Há uma fotografia das conselheiras: "Sra. Steven Margolias, sra. Dale Coba, a autora Betty Friedan, sra. Herbert Sundersen, sra. Frank Roddenberrye e sra. Duane T. Anderson". — Abriu a meia página do jornal na sua direção, e ele se aproximou e segurou um lado.

— Isso é o fim — disse ele, olhando para a fotografia e para o artigo.

— Eu falei com Kit Sundersen — disse Joanna. — Ela não disse uma só palavra a esse respeito. Não tinha tempo para reuniões. Como todas as outras.

— Isso deve ter sido há seis ou sete anos — disse ele, passando o dedo pela borda do papel amarelado.

— Ou mais. A mística foi publicada quando eu ainda estava trabalhando. Andreas deu-me sua prova na revisão, lembra-se?

Ele anuiu, e, virando-se para Pete, que martelava vigorosamente o topo do balcão, disse:

— Ei, devagar! Você vai fazer meias-luas. — Retornou ao jornal. — Não é incrível? Deve ter-se dissolvido, simplesmente.

— Com cinquenta sócias? — comentou ela. — Mais de cinquenta aplaudindo e não vaiando Friedan?

— Bem, não existe mais, não é? — disse ele, largando o jornal. — A menos que elas tenham a pior diretora de publicidade do mundo. Vou perguntar a Herb o que aconteceu, na próxima vez em que o encontrar. — Retornou a Pete: — Puxa, este é um trabalho de primeira!

Ela olhou o jornal e balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Quem eram as sócias? Elas não podem, todas, ter-se mudado.

— Ora, vamos, você não falou com todas as mulheres da cidade!

— Bobbie falou com quase todas. — Dobrou o jornal várias vezes e colocou-o na caixa do seu equipamento. O pincel estava lá. Ela o apanhou. — Está precisando de um pincel? — perguntou.

Walter virou-se e olhou para ela.

— Você não está esperando que eu vá pintar essas coisas, está?

— Não, não. Ele estava embrulhado no jornal.

— Ah — disse ele, voltando-se para o balcão.

Ela largou o pincel e agachou-se para juntar o cascalho.

— Como é que ela pode ter deixado de mencionar isso? — disse ela. — Ela era a presidente.


Assim que Bobbie e Dave entraram no carro, ela lhes contou.

— Você tem certeza de que não é um, desses jornais que eles imprimem nos parques de diversão? — indagou Bobbie. — Fred Smith dorme com Elizabeth Taylor?

— É o Doente Crônico — disse Joanna. — A metade inferior da primeira página. Olhem aqui, se vocês conseguirem enxergar.

Entregou-Ihes o jornal, e eles o abriram; Walter acendeu a luz do teto.

Dave disse:

— Você poderia ter ganho um bom dinheiro se tivesse apostado comigo primeiro e só depois mostrado o jornal.

— Não pensei nisso — disse ela.

— Mais de cinquenta mulheres! — comentou Bobbie. — Quem diabo eram elas? Que aconteceu?

— É isso· o que eu quero saber — disse Joanna. — E por que Kit Sundersen não me contou coisa alguma? Vou falar com ela amanhã.

Foram até Eastbridge e ficaram na fila para a sessão das nove de um filme inglês, impróprio para menores de dezoito anos. Os casais da fila, alegres e conversadores, riam, em grupos de quatro ou seis.

Nenhum deles era conhecido, exceto um casal de velhos da Sociedade Histórica, que Bobbie reconheceu; e o rapaz dos McCormicks, de dezessete anos, com a namorada, de mãos dadas solenemente, tentando aparentar dezoito anos.

O filme, todos concordaram, foi muito bom. Depois, voltaram para a casa de Bobbie e Dave, que estava caótica, com os meninos ainda acordados e o cachorro pulando por toda parte. Quando Bobbie e Dave se livraram da babá, dos meninos e do cachorro, tomaram café e comeram torta de queijo, na sala de estar, varrida por um furacão.

— Eu sabia que não era singularmente irresistível — disse Joanna, olhando para o desenho de Bobbie feito por Ike Mazzard, encaixado na moldura da fotografia de cima da lareira.

— Você não sabia que todas as garotas são garotas de Ike Mazzard? — perguntou Bobbie, prendendo o desenho mais firmemente no canto da moldura, fazendo com que ele ficasse mais torto do que já estava. — Puxa, eu desejaria poder ser a metade disso!

— Você está muito bem desse jeito — disse Dave, de pé atrás delas.

— Ele não é um amor? — disse Bobbie para Joanna. Ela se virou e beijou o rosto de Dave.

— Mesmo assim, amanhã ainda é o seu domingo de levantar cedo — disse ela.


— Joanna Eberhart — disse Kit Sundersen, e sorriu. — Como vai você? Não quer entrar?

— Sim, gostaria — respondeu Joanna. — Se você dispuser de alguns minutos...

— Claro que sim, entre.

Kit era uma mulher bonita, de cabelos pretos e covinhas, e parecia só ligeiramente mais velha do que na fotografia nada lisonjeira do Chronicle. Cerca de trinta e três anos, calculou Joanna, enquanto entrava no hall. O chão, de vinil cor de marfim, imitando mármore, brilhava como se estivesse recoberto por uma camada plástica, como nos comerciais. Da sala de estar, vinham os ruídos de um jogo de beisebol.

— Herb está lá dentro com Gary Claybrook — disse Kit, fechando a porta da frente. — Quer dar um alô para eles?

Joanna foi até o arco da sala de estar e olhou para dentro: Herb e Gary estavam sentados no sofá, vendo a grande televisão colorida, do outro lado da sala. Gary segurava a metade de um sanduíche e mastigava. Havia, em frente a eles, num banquinho, um prato com sanduíches e duas latas de cerveja. A sala era bege, marrom e verde; colonial, imaculada. Joanna esperou que um jogador recuado agarrasse a bola e disse:

— Olá!

Herb e Gary viraram-se e sorriram.

— Olá, Joanna — disseram. Gary continuou: — Como vai? — Herb perguntou: — Walter está aqui também?

— Vou bem. Não, ele não está. Só vim para conversar com Kit. O jogo está bom?

Herb desviou o olhar, e Gary disse:

— Muito.

Kit, que estava a seu lado, recendendo ao mesmo perfume da mãe de Walter, disse:

— Venha, vamos até a cozinha.

— Divirtam-se — disse ela para Herb e Gary. Este, que estava dando uma dentada em seu sanduíche, sorriu com os olhos, através dos óculos, e Herb olhou para ela, dizendo:

— Obrigado, estamos nos divertindo.

Ela seguiu Kit.

— Gostaria de tomar café? — perguntou Kit.

— Não, obrigada.

Joanna seguiu Kit até a cozinha, que cheirava a café. Estava imaculada, é claro — exceto pela secadora aberta, as roupas e o cesto de roupas em cima da mesa. No visor redondo da máquina de lavar, a espuma se agitava. O chão continuava parecendo plastificado.

— Está bem ali no fogão — disse Kit. — Não vai dar trabalho algum.

— Bem, nesse caso...

Joanna sentou-se a uma mesa verde, redonda, enquanto Kit retirava uma xícara e um pires de um armário impecavelmente arrumado; todas as xícaras estavam penduradas em ganchos e os pratos colocados nas prateleiras.

— Agora está tudo calmo e tranquilo — disse Kit, fechando o armário e caminhando em direção ao fogão. Seu corpo, num vestido azul-celeste, curto, era quase tão espetacular quanto o de Charmaine. — As crianças estão na casa de Gary e Donna. Estou lavando a roupa de Marge McCormick. Ela está com um vírus qualquer e quase não pode se mexer.

— Ah, que pena! — disse Joanna.

Kit tirou com as pontas dos dedos a tampa da cafeteira e serviu o café.

— Tenho certeza de que ela estará como nova num dia ou dois. Como é que você prefere o café, Joanna?

— Com leite e sem açúcar, por favor.

Kit levou a xícara e o pires até a geladeira.

— Se é novamente a respeito daquela reunião — disse ela —, receio que ainda esteja terrivelmente ocupada.

— Não é isso — disse Joanna. Viu Kit abrir a geladeira. — Eu só queria saber o que aconteceu ao Clube Feminino.

Kit permaneceu em frente ao refrigerador aberto, de costas para Joanna.

— O Clube Feminino? Puxa, aquilo foi há anos. Dissolveu-se.

— Por quê? — perguntou Joanna.

Kit fechou a geladeira e abriu uma gaveta ao lado dela.

— Algumas mulheres mudaram-se — fechou a gaveta e virou-se, colocando uma colher no pires —, e o restante de nós simplesmente perdeu o interesse. Pelo menos, eu perdi. — Foi até a mesa, olhando para a xícara. — Ele não estava produzindo nada de útil. Após algum tempo, as reuniões tornaram-se monótonas. — Colocou a xícara e o pires sobre a mesa e empurrou-os para perto de Joanna. — Está com leite suficiente? — perguntou.

— Sim, está ótimo — respondeu Joanna. — Obrigada. Por que você não me contou nada a esse respeito quando estive aqui da outra vez?

Kit sorriu, aprofundando as suas covinhas.

— Você não me perguntou. Se tivesse perguntado, eu teria respondido. Não é nenhum segredo. Aceita um pedaço de bolo ou alguns biscoitos?

— Não, obrigada — disse Joanna.

— Vou dobrar estas coisas — disse Kit, afastando-se da mesa.

Joanna viu-a fechar a secadora e pegar algo branco da pilha de roupas sobre ela. Era uma camisa de malha.

— O que há de errado com Bill McCormick? Ele não sabe usar uma máquina de lavar? Pensei que ele fosse um dos nossos cérebros em engenharia espacial.

— Ele está cuidando de Marge — disse Kit, dobrando a camisa de malha. — Essas roupas ficaram bonitas e bem brancas, não é? — Ela colocou a camisa de malha na cesta de roupas, sorrindo.

Como uma atriz, num comercial.

Era isso o que ela era, pressentiu Joanna subitamente.

Era isso o que todas elas eram, todas as esposas de Stepford; atrizes de anúncios, felizes com detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de donas-de-casa suburbanas de maneira pouco convincente, boa demais para ser real.

— Kit — disse Joanna.

Kit fitou-a.

— Você devia ser bem jovem quando foi presidente do clube. O que mostra que é inteligente e tem uma certa motivação. Sente-se feliz agora? Diga-me a verdade. Você acha que está vivendo uma vida plena?

Kit olhou para ela e anuiu.

— Sim, estou feliz. Sinto que tenho uma vida bastante plena e realizada. O trabalho de Herb é importante, e ele não poderia fazê-lo tão bem se não fosse por mim. Somos uma unidade, estamos criando uma família, fazendo pesquisas em ótica, mantendo uma casa limpa e confortável e trabalhando para a comunidade.

— Através da Associação Masculina?

— Sim.

— As reuniões do Clube Feminino eram mais chatas do que o trabalho doméstico?

Kit franziu o cenho.

— Não. Mas não eram tão úteis quanto o trabalho doméstico. Você não está tomando o seu café. Há algo errado com ele?

— Não. Eu estava esperando que esfriasse.

Ela ergueu a xícara.

— Ah! — exclamou Kit, e, sorrindo, voltou-se para suas roupas e dobrou algo.

Joanna olhou-a. Será que devia perguntar quem eram as outras mulheres? Não, elas seriam como Kit; e que diferença isso iria fazer? Ela bebeu um gole. O café estava forte e saboroso, como não tomava havia muito tempo.

— Como vão seus filhos? — perguntou Kit.

— Muito bem — respondeu ela.

Ia perguntar qual era a marca do café, mas conteve-se e bebeu mais um pouco.

 


                                             CONTINUA