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AS POSSUÍDAS / Ira Levin
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.
CONTINUA
Talvez os vidros da loja de ferragens refletissem a lua de uma forma interessante, mas não se podia dizer com certeza, não com os vidros naquela posição e com a lua onde estava. C'est la vie. Joanna perambulou pelo centro por uns momentos, estudando a curva da rua deserta na noite, a fileira de fachadas brancas de um lado e o começo da colina no outro; a biblioteca e o prédio da Sociedade Histórica. Gastou um pouco de filme com os postes de iluminação e com as latas de lixo comuns. Era apenas um filme em preto e branco, paciência. Um gato passou ao longo do caminho da biblioteca, um gato cinza-prateado, com a sombra preta do luar presa a suas patas. Atravessou a rua em direção ao estacionamento do mercado. Não, obrigada, não estamos interessados em fotografias de gatos.
Ela armou o tripé no gramado da biblioteca e tirou umas fotos das fachadas das lojas, usando uma lente de cinquenta milímetros e fazendo exposições de dez, doze e catorze segundos. Um cheiro estranho de remédio encheu o ar — vindo com a brisa às suas costas. Isso lhe trouxe alguma lembrança de sua infância, mas não conseguia saber o que era. Um xarope que havia tomado? Um brinquedo que havia possuído?
Recarregou a máquina sob a luz do luar, recolheu o tripé, recuou, atravessando a rua, buscando um ângulo favorável da biblioteca. Achou um e preparou-se. As madeiras brancas da parte lateral apresentavam faixas escuras devido ao luar. As janelas mostravam as paredes cobertas de estampas de livros, iluminadas fracamente por dentro. Focalizou com cuidado especial, começando com oito segundos e indo até dezoito segundos, aumentando a exposição um segundo a cada vez. Pelo menos uma delas deveria pegar as paredes com as prateleiras, sem contrastar demais com a parte lateral.
Foi até o carro buscar seu suéter, e olhou em volta, enquanto retornava à máquina fotográfica. O prédio da Sociedade Histórica? Não, havia muitas sombras de árvores, e, de qualquer modo, era sem graça. Mas o prédio da Associação Masculina mostrava um surpreendente ar cômico: uma casa velha e quadrada do século XIX, sólida e simétrica, estranhamente encimada por uma reluzente antena de televisão. As quatro janelas altas do segundo andar estavam profusamente iluminadas, com as persianas levantadas. Pessoas moviam-se no seu interior.
Retirou a lente de cinquenta milímetros e estava colocando uma de 135 quando feixes luminosos de um farol varreram a rua, tornando-a mais brilhante. Ela se virou e um refletor a cegou. Fechando os olhos, apertou a lente; em seguida, protegeu os olhos, semicerrando-os.
O carro parou e a luz desviou-se, reduzindo-se a uma centelha cor de laranja. Ela piscou algumas vezes, ainda vendo o brilho ofuscante.
Um carro de polícia. Ficou parado a cerca de dez metros de distância, do outro lado da rua. Uma voz de homem começou a falar suavemente do seu interior.
Ela esperou.
O carro adiantou-se, vindo parar à sua frente. O policial jovem, com um bigode castanho não-policial, sorriu para ela e disse:
— Boa noite, senhora. — Ela já o tinha visto várias vezes, uma delas na papelaria, comprando folhas de papel crepom colorido, uma de cada cor.
— Alô — disse ela, sorrindo.
Ele estava sozinho no carro; devia estar falando no rádio. Sobre ela?
— Sinto muito a respeito do farolete — disse ele. — Aquele carro lá em frente ao correio é seu?
— Sim — disse ela. — Eu não o estacionei aqui porque estava...
— Está bem, eu só queria saber. — Ele deu uma olhada para a câmara. — É uma bela câmara. De que marca é?
— É uma Pentax.
— Pentax? — Olhou para a câmara e para ela. — E a senhora consegue tirar fotografias à noite com ela?
— Variando os tempos de exposição — explicou ela.
— Ah, claro. Quanto tempo leva, numa noite como essa?
— Bem, isso depende.
Ele quis saber o que ela estava fotografando, e que filme usava. E se era fotógrafa profissional, e quanto custava uma Pentax, só por alto. E como ela se comparava às outras câmaras.
Joanna tentou não se impacientar; devia estar contente por morar em uma cidade onde um policial podia parar e conversar por alguns minutos.
Finalmente, ele sorriu e disse:
— Bem, acho melhor deixá-la continuar. Boa noite.
— Boa noite — disse ela, sorrindo.
Ele saiu, dirigindo vagarosamente. O gato cinza-prateado correu por entre a luz de seus faróis.
Ela olhou o carro por um momento, e, então, virou-se para a câmara e inspecionou a lente. Agachando-se até o visor, nivelou a máquina até enquadrar bem o prédio da Associação Masculina e apertou a cabeça do tripé na posição. Focalizou, até que a imagem da estranha casa alta, com a antena, ficasse bem nítida no visor. Duas janelas do segundo andar estavam agora às escuras; uma outra foi escurecida pela persiana, e em seguida a última.
Ela se endireitou, olhou para a casa e, depois, para as luzes traseiras do carro de polícia ao longe.
Ele transmitira uma mensagem a respeito dela, e então a enchera de perguntas, enquanto eles tomavam providências, abaixando as persianas.
"Ora, vamos, menina, você está ficando maluca!" Olhou novamente para a casa. Eles não teriam um rádio lá em cima. E o que é que ele teve medo que ela fotografasse? Uma orgia? Prostitutas da cidade? (Ou, melhor ainda, de lá mesmo, de Stepford.) "LENTE TELESCÓPICA REVELA SEGREDO CHOCANTE. Donas-de-casa aparentemente diligentes, mantendo-se convenientemente imóveis para fotos de exposição prolongada, foram surpreendidas, no domingo à noite, a divertir-se no prédio da Associação Masculina, pela fotógrafa Joanna Drew Eberhart, moradora da Fairview Lane..."
Sorrindo, ela se agachou, melhorou o enquadramento e o foco e bateu três fotografias da casa às escuras — dez, doze e catorze segundos.
Fotografou a agência dos Correios e a silhueta de seu mastro vazio contra as nuvens enluaradas.
Estava colocando o tripé dentro do automóvel quando o carro de polícia se aproximou e reduziu a marcha.
— Espero que tenham saído todas — disse o jovem policial.
— Obrigada — respondeu ela. — Gostei da conversa! — Com isso procurava afastar a desconfiança que existia em relação a ela.
— Boa noite — disse o policial.
Um dos sócios principais da firma em que Walter trabalhava morreu de uremia, e descobriu-se que os registros mantidos por ele estavam inquietantemente errados. Walter teve de ficar na cidade por duas noites e um fim de semana, e nas noites que se seguiram só muito raramente chegava a casa antes das onze horas. Pete caiu do ônibus escolar e perdeu os dois dentes da frente. Os pais de Joanna, que seguiam para suas férias no Caribe, vieram visitá-los por três dias, avisando só na última hora. (Eles adoraram a casa e Stepford, e a mãe de Joanna ficou impressionada com Carol van Sant. "Tão serena e eficiente! Siga o exemplo dela, Joanna.")
A máquina de lavar pratos quebrou, assim como a bomba; o oitavo aniversário de Pete chegou, exigindo presentes, uma festa, favores e um bolo. Kim teve uma inflamação na garganta e precisou ficar em casa durante três dias. A menstruação de Joanna estava atrasada, mas acabou vindo, graças a Deus e à pílula.
Ela conseguiu jogar um pouco de tênis, aperfeiçoando seu jogo, mas não conseguiu igualá-lo ao de Charmaine. Já havia arrumado cerca de setenta e cinco por cento de seu quarto escuro e fez algumas ampliações da fotografia do negro e do táxi, revelou e copiou as que tirara do centro, duas das quais ficaram muito boas. Tirou algumas fotografias de Pete, Kim e Scott Chamalian brincando com o equipamento de ginástica.
Via Bobbie quase que diariamente; faziam compras juntas, e algumas vezes Bobbie trazia seus dois filhos mais jovens, Adam e Kenny, depois das aulas. Um dia, Joanna, Bobbie e Charmaine vestiram-se bem e foram até um restaurante francês em Eastbridge, para um almoço com coquetel.
Lá pelo final de outubro, Walter já estava novamente voltando a casa a tempo para o jantar, os desfalques do sócio morto já tinham sido decifrados, corrigidos e disfarçados. Tudo na casa estava funcionando, e todos estavam bem. Esculpiram uma abóbora para o Dia das Bruxas, e Pete saiu vestido de Batman banguela, sem os dentes da frente, e Kim, de Heckel ou Jeckel (ela insistia em que era os dois). (Personagens de desenhos animados. (N. do T.)). Joanna distribuiu cinquenta sacos de balas, e teve de recorrer a frutas e biscoitos; no ano seguinte ela se prepararia devidamente.
No primeiro sábado de novembro, eles ofereceram um jantar: Bobbie e Dave, Charmaine e seu marido Ed, e, da cidade, Shep e Sílvia Tackover, Don Ferrault — um dos sócios de Walter — e a esposa, Lucy. A mulher que Joanna chamou para ajudar a servir e a fazer a limpeza era da região e estava encantada por trabalhar em Stepford, para variar.
— Costumava haver tantas festas por aqui! — disse ela. — Havia sempre um bando de mulheres me disputando! Mas agora tenho de ir até Norwood, Eastbridge e até mesmo New Sharon! E eu, que detesto dirigir à noite! — Era uma mulher de cabelos brancos, gorducha e ágil, chamada Mary Migliardi. — É aquela Associação Masculina — disse, enfiando palitos nos camarões. — As festas se acabaram desde que eles começaram! Os homens saem e as mulheres ficam dentro de casa! Se o meu velho estivesse vivo, ele teria de me bater na cabeça antes que eu o deixasse juntar-se a eles!
— Mas é uma organização bem antiga, não é? — perguntou Joanna, misturando a salada com os braços esticados para não sujar o vestido.
— Está brincando? — disse Mary. — É nova. Seis ou sete anos. Isso é tudo. Antes, havia a Associação Cívica, os Alces e a Legião. — Ela enfiava os palitos nos camarões com uma rapidez de máquina. — Mas todas se fundiram assim que a associação começou a funcionar, exceto a Legião; eles ainda estão separados. Seis ou sete anos, nada mais. É só isso o que vai servir como entrada?
— Há uns enroladinhos de queijo na geladeira — disse Joanna.
Walter apareceu, muito bonito, vestindo seu paletó quadriculado, carregando o balde de gelo.
— Estamos com sorte — disse ele, indo até a geladeira. — Estão apresentando um bom filme de terror; Pete não quer nem descer. Coloquei a televisão no quarto dele. — Abriu o congelador e tirou um saco de cubos de gelo.
— Mary acaba de me contar que a Associação Masculina é recente — disse Joanna.
— Não é recente — retrucou Walter, rasgando o saco. Havia no seu maxilar um pedacinho de lenço de papel grudado em um ponto de sangue coagulado.
— Seis ou sete anos — continuou Mary.
— Em nossa terra, isso já é coisa antiga!
— Pensei que remontasse ao tempo dos puritanos.
— O que lhe deu essa ideia? — perguntou Walter, despejando os cubos de gelo dentro do balde.
— Não sei — disse, enquanto mexia a salada. — Da maneira como está organizada, e aquela casa velha...
— Aquela era a casa dos Terhune — disse Mary, cobrindo o prato de camarões com um plástico. — Eles a conseguiram por uma ninharia. Foi leiloada por uma questão de impostos, e ninguém mais ofereceu lances.
A festa foi um desastre. Lucy Ferrault era alérgica a alguma coisa e não parou de espirrar; Sylvia estava preocupada; Bobbie, com quem Joanna tinha contado como atração da conversa, estava com laringite. Charmaine parecia uma vamp, provocante e convidativa, vestindo um longo de seda branca, aberto até o umbigo. Dave e Shep foram provocados e aceitaram o convite. Walter (maldito seja!) conversava sobre direito com Don Ferrault, a um canto. Ed Wimperis — grande, sensual, bem-vestido, bronzeado — falava sobre televisão, agarrando o braço de Joanna e explicando vagarosamente e com palavras escolhidas por que os cassetes iriam transformar tudo. Na mesa de jantar, Sylvia descuidou-se e começou a descompor as comunidades suburbanas, que se enriqueciam investindo na indústria leve, fortalecendo-se ao mesmo tempo com planos de urbanização de dois a quatro acres. Ed Wimperis derramou seu vinho. Joanna tentou entabular uma conversa ligeira e Bobbie cortou-a valentemente, para explicar, engasgando-se, como sua laringite havia surgido: ela gravara umas fitas para um amigo de Dave, "que pensa que é um maldito 'Enry 'Igins"[4]. Entretanto, Charmaine, que conhecia o homem e havia gravado para ele, interrompeu-a com um "nunca faça piadas sobre as atividades de um Capricórnio; eles produzem", e prosseguiu fazendo uma análise sobre o signo de cada um dos presentes, e monopolizou as atenções. O assado tinha passado do ponto, e Walter teve algum trabalho para cortá-lo em fatias. O souflé cresceu, mas não tanto como devia — conforme Mary havia comentado enquanto servia. Lucy Ferrault espirrava.
— Nunca mais — disse Joanna, apagando as luzes de fora.
Walter disse, bocejando: — Vale também para mim.
— Agora, escute aqui, você— disse ela. — Como é que pôde ficar ali de pé, conversando com Don, enquanto três mulheres estavam sentadas no sofá, como pedras?
Sylvia telefonou para pedir desculpas — ela havia sido preterida numa promoção que sabia muito bem que merecia —, e Charmaine ligou para dizer que haviam se divertido muito e para adiar o tênis de terça-feira.
— Ed encasquetou com algo — disse ela. — Ele vai tirar alguns dias de férias, e nós vamos deixar Merrill com os Da Costa, você tem sorte de não os conhecer, e eu e ele vamos "redescobrir um ao outro"! Isso quer dizer que ele vai ficar me perseguindo em volta da cama. E minha maldita menstruação está atrasada uma semana.
— Por que não deixa que ele a pegue? — perguntou Joanna.
— Ah, Deus meu! — respondeu Charmaine.
— Olhe, eu simplesmente não gosto que enfiem um pau enorme dentro de mim, mais nada. Jamais gostei e jamais gostarei. Também não sou lésbica, porque já tentei e não achei nada interessante. Simplesmente não me interesso por sexo. E acho que nenhuma mulher se interessa de verdade, nem mesmo as de Peixes. Você se interessa?
— Bem, não sou ninfomaníaca — disse Joanna —, mas certamente que me interesso.
— Realmente, ou você só sente que deve estar interessada?
— Realmente.
— Bem, que tal marcarmos para quinta-feira? Ele tem uma conferência da qual não pode escapar, graças a Deus.
— OK, quinta-feira, a menos que aconteça algo.
— Não deixe que nada aconteça.
— Está ficando frio.
— Vestiremos suéteres.
Ela compareceu a uma reunião da Associação de Pais e Mestres. As professoras de Pete e Kim, a srta. Turner e a srta. Gair, estavam presentes, mulheres de meia-idade, simpáticas, e com muito boa vontade para responder às perguntas sobre métodos de ensino e sobre como ia o programa de transporte em ônibus. Pouca gente fora à reunião; além do grupo de professoras no fundo do auditório, só havia nove mulheres e cerca de uma dúzia de homens. A presidente da associação era uma loura atraente, chamada sra. Hollingsworth, que conduzia os trabalhos com uma eficiência tranquila e sorridente.
Ela comprou roupas de inverno para Pete e Kim e dois pares de calças de lã para si mesma. Fez ampliações espetaculares de "Fora de serviço" e "A Biblioteca de Stepford", e levou Pete e Kim para ver o dr. Coe, o dentista.
— Nós tínhamos marcado? — perguntou Charmaine, deixando-a entrar em casa.
— Claro que sim — respondeu ela. — Eu disse que estava combinado, caso nada acontecesse.
Charmaine fechou a porta e sorriu para ela. Vestia um avental sobre a blusa e a calça.
— Puxa, sinto muito, Joanna. Eu me esqueci completamente.
— Está bem, vá trocar de roupa.
— Não vamos poder jogar. Tenho muito trabalho para fazer.
— Trabalho?
— Trabalho doméstico.
Joanna olhou para ela.
— Nós mandamos Nettie embora — disse Charmaine. — É absolutamente incrível como ela conseguia disfarçar um trabalho tão relaxado! O lugar parece estar limpo, à primeira vista, mas, menina, vá olhar nos cantos. Ontem, limpei a cozinha e a sala de jantar, mas ainda tenho de arrumar todos os outros quartos. Ed não é obrigado a viver numa casa suja,
Joanna disse, olhando para ela:
— OK, a piada foi engraçada.
— Não estou brincando. Ed é um sujeito formidável, e eu estava sendo preguiçosa e egoísta. Não vou mais jogar tênis, e nem ler mais aqueles livros de astrologia. De agora em diante, vou agir direito com Ed e com Merrill. Tenho sorte de ter um marido e um filho tão maravilhosos!
Joanna olhou para a raquete coberta em sua mãe e para Charmaine.
— Está ótimo — disse e sorriu. — Mas honestamente não acredito que você vá desistir do tênis.
— Dê uma olhada — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— Vá olhar — insistiu Charmaine.
Joanna virou-se, entrou na sala de estar e atravessou-a em direção às portas de vidro. Correu uma para o lado, ouvindo Charmaine atrás de si, e saiu para o terraço. Cruzou o terraço e olhou para baixo, ao longo do gramado atravessado pelo caminho de pedras.
Um caminhão carregado de cercas de arame estava parado sobre a grama marcada pelos pneus, ao lado da quadra de tênis. Dois lados da cerca da quadra já tinham sido removidos, e os outros dois estavam jogados na grama, um longo e um curto. Dois homens ajoelhados trabalhavam no lado comprido, com cortadores de alças longas. Eles levantavam as alças ao mesmo tempo, e seguiam-se sons de estalidos. No centro da quadra, havia um monte de terra escura; a rede e os postes não se achavam mais lá.
— Ed quer um campo de golfe — explicou Charmaine, aproximando-se de Joanna.
— Mas essa é uma quadra de terra. — disse Joanna, virando-se para ela.
— É o único lugar nivelado que temos — disse Charmaine.
— Meu Deus! — exclamou Joanna, olhando para os homens que trabalhavam com os cortadores. — Isso é uma loucura, Charmaine!
— Ed joga golfe, ele não joga tênis — disse Charmaine.
Joanna olhou para ela.
— O que é que ele fez com você? Hipnotizou-a?
— Não seja boba — disse Charmaine, sorrindo. — Ele é um sujeito maravilhoso e eu, uma mulher de sorte, que devia ser grata a ele. Você quer ficar um pouco? Posso fazer-lhe um café. Estou arrumando o quarto de Merrill, mas podemos conversar enquanto trabalho.
— Está bem. — Joanna balançou a cabeça e disse:
— Não, não, eu... — Afastou-se de Charmaine, olhando para ela. — Não, também tenho de fazer algumas coisas. — Virou-se e atravessou o terraço rapidamente.
— Sinto muito ter esquecido de lhe telefonar — disse Charmaine, seguindo-a pela sala de estar.
— Não tem importância — disse Joanna, andando depressa. Em seguida, voltou-se, segurando a raquete à sua frente, com ambas as mãos: — Eu a verei daqui a alguns dias, OK?
— Sim — respondeu Charmaine, sorrindo. — Telefone-me, por favor, e dê lembranças minhas a Walter.
Bobbie foi até lá para ver com seus próprios olhos, e telefonou para comentar a visita.
— Ela estava trocando os móveis do quarto. E eles acabaram de mudar-se em julho. Como o lugar podia estar tão sujo?
— Não vai durar — disse Joanna. — Não pode durar, as pessoas não se transformam assim.
— Não se transformam? Neste lugar?
— O que quer dizer?
— Cale a boca, Kenny! Dê esse negócio para ele! Escute, Joanna, quero conversar com você. Podemos almoçar juntas amanhã?
— Sim.
— Vou apanhá-la por volta de meio-dia. Eu já disse: dê-lhe isso! OK? Meio-dia, nada especial.
— Está bem. Kim! Você está molhando toda a...
Walter não se surpreendeu muito quando soube da mudança de Charmaine.
— Ed deve ter-lhe ditado as regras do jogo — disse ele, enrolando um garfo de espaguete contra uma colher. — Acho que ele não ganha o suficiente para manter esse tipo de vida. Uma empregada deve custar pelo menos cem dólares por semana hoje em dia.
— Mas toda a sua atitude mudou — disse Joanna. — Era de se esperar que ela estivesse reclamando.
— Vocês sabem qual é a mesada de Jeremy? — perguntou Pete.
— Ele é dois anos mais velho do que você — respondeu Walter.
— Isso vai parecer loucura, mas quero que você me ouça sem rir, porque estou certa, ou, então, estou com alguns parafusos a menos e vou precisar de consolo. — Bobbie beliscava o pão do seu cheeseburger.
Joanna, olhando-a, engoliu um pedaço de cheeseburger e disse:
— Está bem, continue.
Elas estavam no McDonald's, na Eastbridge Road, comendo dentro do carro.
Bobbie deu uma pequena dentada no seu cheeseburger, mastigou e engoliu.
— Saiu um artigo na Time, há algumas semanas — disse ela. — Eu o procurei, mas acho que joguei a revista fora. — Olhou para Joanna. — O índice de criminalidade em El Paso, no Texas, é muito baixo. Acho que era EI Paso. Bom, de qualquer maneira, em algum lugar do Texas, eles têm um índice de criminalidade muito baixo, muito mais baixo que em qualquer outro lugar do Texas: a razão disso é que há um composto químico no solo que se mistura com água e que tranquiliza todo mundo, diminuindo a tensão. Essa é a verdade.
— Acho que me lembro — assentiu Joanna, segurando o seu cheeseburger.
— Joanna — disse Bobbie. — Acho que há qualquer coisa aqui em Stepford. É possível, não é? Todas essas estranhas fábricas na Rodovia 9... eletrônica, computadores, lixo espacial, e o riacho de Stepford correndo bem atrás delas, sabe lá que tipo de coisas eles jogam no meio ambiente?
— O que você quer dizer? — perguntou Joanna.
— Pense só um pouco — disse Bobbie. Esticou a mão livre e mostrou o dedo mínimo. — Charmaine transformou-se numa hausfrau. — Esticou então o anular. — Aquela mulher com quem você falou, aquela que foi a presidente do clube, mudou, não foi, em relação ao que quer que tenha sido antes? — Joanna concordou. Bobbie esticou o dedo seguinte. — A mulher com quem Charmaine jogava tênis antes de você; ela mudou, também.
Charmaine nos contou.
Joanna franziu o cenho. Tirou uma batata frita do saco que estava entre as duas.
— Você acha que é por causa de algum reagente químico? — perguntou ela.
Bobbie anuiu.
— Ou é algo proveniente de uma daquelas fábricas, ou simplesmente algo que está à nossa volta, como em EI Paso, ou onde quer que seja. — Pegou um café, no painel do automóvel. — Tem de ser isso. Não pode ser coincidência o fato de todas as mulheres de Stepford serem do jeito que são. E algumas daquelas de quem falamos devem ter pertencido àquele clube. Há alguns anos, estavam aplaudindo Betty Friedan, e veja só como estão agora. Elas também mudaram.
Joanna comeu a batata frita, deu uma dentada em seu cheeseburger e tomou um gole de café.
— Alguma coisa há — disse Bobbie. — No chão, na água, no ar, não sei. Faz com que as mulheres se interessem por trabalho doméstico e nada mais. Quem pode saber qual o efeito desses reagentes químicos? Nem mesmo os ganhadores de prêmios Nobel sabem muito bem. Talvez seja uma espécie de efeito hormonal; isso explicaria esses seios fantásticos. Você deve ter notado.
— Certamente que sim — disse Joanna. — Cada vez que piso no mercado, sinto-me pré-adolescente.
— Por Deus, eu também! — disse Bobbie. Colocou a xícara de café sobre o painel e pegou algumas batatas fritas do saco. — Bem...
— Suponho que seja possível— disse Joanna. — Mas parece tão fantástico! — Apanhou seu café do painel; ele havia embaçado o pára-brisas.
— Não mais fantástico do que em El Paso — disse Bobbie.
— Muito mais, porque só as mulheres são afetadas. O que é que Dave pensa disso?
— Eu ainda não disse nada a ele. Achei melhor falar com você primeiro.
Joanna tomou um gole de café.
— Bem, está dentro do campo das probabilidades — disse ela. — Não me parece nenhuma loucura da sua parte. O que devemos fazer é escrever uma carta bem equilibrada para o governo. Mas endereçada a quem? Ao Departamento de Saúde? À Comissão de Meio Ambiente? A qualquer agência que tenha autoridade para investigar o assunto. Podemos descobrir isso na biblioteca.
Bobbie sacudiu a cabeça.
— Hum... — fez ela. — Já trabalhei para uma repartição do governo; esqueça isso. Acho que a única coisa a fazer é nos mudarmos. E então, sim, começar a mandar cartas.
Joanna olhou para ela.
— É isso mesmo — afirmou Bobbie. — Seja o que for que transformou Charmaine numa hausfrau, não vai precisar ter nenhum trabalho a mais comigo. Ou com você.
— Ora, vamos! — disse Joanna.
— Existe alguma coisa aqui, Joanna! Não estou brincando! Isto aqui é a Zumbilândia! E Charmaine mudou-se em julho, eu me mudei em agosto e você, em setembro!
— Está certo, não precisa gritar.
Bobbie deu uma grande dentada em seu cheeseburger. Joanna tomou um gole de café e franziu o cenho.
— Mesmo que eu esteja errada — disse Bobbie, com a boca cheia —, mesmo que não haja produto algum fazendo algo — engoliu —, você gostaria mesmo de continuar a viver aqui? Atualmente, cada uma de nós possui uma amiga, você depois de dois meses e eu depois de três. É esta a ideia que você faz de uma comunidade ideal? Quando fui a Norwood, pentear meu cabelo para sua festa, vi uma dúzia de mulheres apressadas, relaxadas, irritadas, vivas; me deu vontade de abraçar todas elas!
— Arranje amigas em Norwood — disse Joanna, sorrindo. — Você tem carro.
— Você é tão independente! — Bobbie apanhou o café no painel. — Vou pedir a Dave para nos mudarmos. Venderemos a casa aqui e compraremos outra em Norwood ou em Eastbridge; isso vai nos dar algumas dores de cabeça, trabalho e despesas com a mudança. Por isso, se ele insistir, ponho minhas joias no prego.
— Você acha que ele vai concordar?
— É melhor que concorde, senão sua vida vai se tornar insuportável. Eu quis comprar uma casa em Norwood desde o princípio, mas ele disse que lá havia WASP'S[5] demais. Bem prefiro ser mordida por vespas[6] a ser envenenada pelo que quer que haja por aqui. Assim, você vai ficar sem nenhuma amiga em pouco tempo, a menos que fale com Walter.
— Sobre mudança?
Bobbie anuiu. Tomou um gole de café, olhando para Joanna.
Joanna sacudiu a cabeça.
— Eu não poderia lhe pedir que nos mudássemos novamente — disse ela.
— Por que não? Ele quer que você seja feliz, não?
— Não me sinto nada infeliz. E acabo de terminar o quarto escuro.
— OK, vá ficando. Você vai acabar como sua vizinha.
Bobbie, não pode ser um reagente químico. Quero dizer, poderia ser, mas honestamente não acredito nisso. Sinceramente.
Conversaram a esse respeito enquanto terminavam de comer, e tomaram a Eastbridge Road e entraram na Rodovia 9. Passaram pela galeria de lojas, pelas lojas de antiguidades, e chegaram às fábricas.
— Ala dos Envenenadores — disse Bobbie.
Joanna olhou para os edifícios modernos e baixos, impecáveis, afastados da estrada e separados uns dos outros por largas faixas de gramado: Sistemas Óticos Ulitz (onde trabalhava Herb Sundersen), CompuTech (Vic Stavros, ou será que ele trabalhava na Instatron?), Produtos Bioquímicas Stevenson, Computadores Haig-Darling e Microtécnica Burnham-Massey (Dale Coba e Claude Axhelm), Instatron e Reed & Saunders (Bill McCormic... como estaria Marge?), Eletrônica Vesey e AmeriChem-Willis.
— Aposto cinco dólares que é pesquisa com gás paralisante.
— Numa área habitada?
— Por que não? Com aquela gangue em Washington?
— Ora, vamos, Bobbie!
Walter notou que alguma coisa a perturbava, e perguntou o que era. Ela disse:
— Você tem de trabalhar nesse acordo Koblenz?
— Tenho, o fim de semana inteiro. Vamos, o que há? — insistiu ele..
Assim, enquanto ela limpava os pratos e os colocava na lavadora, falou-lhe do desejo de Bobbie de se mudar e de sua teoria a respeito de EI Paso.
— Isso me parece muito exagerado — disse ele.
— A mim também. Entretanto, as mulheres realmente se transformam por aqui, e transformam-se em algo desgraçadamente monótono. Se Bobbie se mudar, e se Charmaine não retornar à sua antiga personalidade...
— Você quer se mudar? — perguntou ele.
Ela o olhou, insegura. Os olhos dele, muito azuis, esperando por sua resposta, não davam nenhuma indicação sobre seus sentimentos.
— Não — respondeu. — Não agora, que já estamos instalados. A casa é boa, mas ... sim, tenho certeza de que seria mais feliz em Eastbridge ou Norwood. Desejaria que tivéssemos dado uma olhada por lá.
— Eis aí uma resposta inequívoca — disse ele, sorrindo. — Sim e não.
— Bem, quarenta por cento sim e sessenta por, cento não — disse ela.
Ele se endireitou, erguendo-se do balcão sobre o qual estava reclinado.
— Está bem — disse ele. — Se o sim atingir cem por cento, nós nos mudamos.
— Você o faria? — perguntou ela.
— Claro, se você se sentisse realmente infeliz.
Mas não durante o ano letivo.
— Não, não, claro que não.
— Mas poderíamos ir no próximo verão. Acho que não perderíamos nada, com exceção de tempo e do dinheiro da mudança.
— Foi isso o que Bobbie disse.
— Assim, é somente uma questão de você se decidir. — Ele olhou para o relógio e saiu da cozinha.
— Walter? — chamou ela, enxugando as mãos em uma toalha.
— Sim?
Ela foi até onde podia vê-lo, em pé no corredor.
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Sinto-me bem melhor.
— É você quem tem de ficar aqui o dia inteiro e não eu — disse ele, sorrindo, e dirigiu-se para a saleta.
Ela o acompanhou com o olhar, e então virou-se e deu uma espiada, através do vidro redondo, na sala de visitas. Pete e Kim estavam sentados no chão, vendo televisão — surpreendentemente, o presidente Kennedy e o presidente Johnson; não, eram bonecos. Ela olhou um pouco e voltou para a pia, onde limpou os pratos restantes.
Dave também estava disposto a mudar-se no final do ano letivo.
— Ele cedeu tão facilmente que eu quase caí para trás — disse Bobbie ao telefone, na manhã seguinte. — Só espero que consigamos fazê-lo até junho.
— Passe a beber água mineral— disse Joanna.
— E você acha que não pensei nisso? Acabei de mandar Dave trazer algumas garrafas.
Joanna riu.
— Pode rir — disse Bobbie. — Por alguns cents diários a mais, prefiro estar segura a ficar arrependida. Vou escrever para o Departamento de Saúde. O problema é como fazê-lo sem parecer uma velhinha maluca. Você quer me ajudar?
— Claro — disse Joanna. — Dê um pulo até aqui mais tarde. Walter está redigindo um acordo de crédito; talvez ele nos empreste alguns "outrossins".
Ela fez uma colagem de folhas de outono com Pete e Kim, ajudou Walter a colocar as janelas contra tempestades, e encontrou-o na cidade para um jantar de sócios e esposas, hipocrisia costumeira de elogios mútuos, em tom falsamente amistoso. Veio um cheque da agência: duzentos dólares por terem utilizado quatro vezes sua melhor fotografia.
Encontrou-se com Marge McCormick no mercado — sim, ela tinha tido uma virose, mas estava muito bem agora, obrigada —, com Frank Roddenberry na loja de ferragens — "Alô, Joanna, como v-vai v-você?" — e com a mulher do Comitê de Boas-Vindas, bem do lado de fora.
— Uma família de negros mudou-se para Gwendolyn Lane. Mas acho isso bom, você não acha?
— Sim, acho.
— Pronta para o inverno?
— Agora estou. — Sorrindo, mostrou-lhe um saco de comida para passarinhos que acabara de comprar.
— Está muito bonito aqui! — disse a mulher do Comitê de Boas-Vindas. — Você é fotógrafa amadora, não é? Deve se esbaldar.
Telefonou para Charmaine e convidou-a para almoçar.
— Não posso, Joanna, sinto muito — disse Charmaine. — Tenho tanto o que fazer aqui em casa! Sabe como é...
Claude Axhelm apareceu num sábado à tarde — para vê-la, e não a Walter. Ele trazia uma pasta.
— Eu tenho esse projeto, no qual trabalho nas horas vagas — disse ele, andando em volta da cozinha, enquanto ela lhe preparava uma xícara de chá. — Provavelmente, você já ouviu falar dele. Peço às pessoas que gravem uma relação de palavras e sílabas para mim. Os homens o fazem lá em cima, no prédio, e as mulheres, em suas casas.
— Ah, sim — disse ela.
— Eles me contam onde nasceram, e todos os lugares em que moraram e por quanto tempo. — Ele andava à volta, tocando os puxadores dos armários. — Vou alimentar um computador com tudo isso depois, cada fita com seus dados geográficos. Com amostras suficientes, poderei alimentar o computador. — Correu seu dedo ao longo da aresta de uma olhando para ela com os olhos brilhantes. — Mesmo com uma fita muito curta, umas poucas palavras ou uma frase, o computador será capaz de apresentar um perfil geográfico dessa pessoa, do lugar onde nasceu e viveu. Uma espécie de Henry Higgins eletrônico; mas não para exibição simplesmente, acho que será útil em investigações policiais.
Joanna disse:
— Minha amiga Bobbie Markowe...
— A mulher de Dave, claro.
—... apanhou uma laringite gravando para você.
— Porque ela gravou depressa — disse Claude. — Fez a coisa toda em duas noites. Você não precisa fazê-lo tão rapidamente assim. Eu deixo o gravador; pode levar o tempo que quiser. Você o faria? Seria uma grande ajuda para mim.
Walter entrou, vindo do pátio; tinha estado queimando folhas lá fora, com Pete e Kim. Ele e Claude disseram "alô" um para o outro e apertaram-se as mãos.
— Sinto muito — disse ele para Joanna. — Eu devia tê-la avisado de que Claude viria conversar com você. Acha que vai poder ajudá-lo?
— Tenho tão pouco tempo disponível! — desculpou-se ela.
— Faça-o nos momentos livres — disse Claude. — Não me importo que leve algumas semanas.
— Bem, se você não se importar de deixar o gravador aqui tanto tempo! ...
— E em troca você recebe um presente — disse Claude, abrindo sua pasta sobre a mesa. — Vou deixar uma fita extra, para que você grave canções de ninar ou qualquer outra coisa que você goste de cantar para as crianças, e eu passo tudo para um disco. Se você sair uma noite, a babá pode tocar o disco.
— Ah, seria ótimo! — disse ela.
— Você poderia cantar The goodnight song e Good morning starshine — sugeriu Walter.
— O que você quiser — disse Claude. — Quanto mais, melhor.
— Vou voltar lá para fora — disse Walter. — O fogo ainda está aceso. Até a vista, Claude.
— Certo — respondeu Claude.
Joanna serviu chá para Claude, e ele lhe mostrou como carregar e usar o gravador, que era bem bonito no seu estojo de couro preto. Deu-lhe oito caixas amarelas com as fitas, e um fichário.
— Deus meu, quanta coisa! — exclamou ela, folheando as páginas amarrotadas e emendadas, datilografadas em colunas triplas.
— Isso vai rápido — explicou Claude. — Basta dizer cada palavra claramente, com sua voz normal, e fazer um intervalo antes da próxima. E preste atenção, para que a agulha fique sempre no vermelho. Você quer treinar?
O jantar de Ação de Graças foi com o irmão de Walter, Dan, e sua família. Organizado pela mãe deles, tinha o propósito de reconciliação — os irmãos não se falavam havia um ano, por causa de uma briga sobre a propriedade do pai —, mas a discussão desencadeou-se de novo, e a raiva cresceu, na medida em que a propriedade em questão se valorizara. Walter e Dan gritaram, a mãe gritou mais alto, e Joanna teve de inventar desculpas complicadas para Pete e Kim, no carro, quando voltaram para casa.
Ela tirou fotografias do filho mais velho de Bobbie, Jonathan, trabalhando com seu microscópio, e de homens de chapéu de palha podando árvores na Norwood Road. Estava tentando conseguir uma coleção de pelo menos uma dúzia de fotos de primeira qualidade — para convencer a agência a contratá-la.
A primeira neve caiu numa noite em que Walter estava na Associação Masculina. Ela a olhava da janela da saleta: um ralo pó branco resplandecente, caindo em espirais sob a luz do poste, na calçada. Nada que fosse muito significativo. Entretanto, iria nevar mais. Diversão, boas fotografias — e as incômodas botas e capas.
Do outro lado da rua, na janela da sala de estar dos Claybrooks, Donna Claybrook estava sentada, polindo o que parecia ser um troféu de atletismo, esfregando-o com movimentos seguros e mecânicos. Joanna olhou-a e balançou a cabeça. "Elas nunca param, essas esposas de Stepford", pensou.
Parecia a primeira estrofe de um poema.
"Elas nunca param, essas esposas de Stepford. Elas não sei o quê por toda a vida."
Trabalham como robôs. Sim, é isso.
"Trabalham como robôs por toda a vida."
Sorriu. Ia tentar mandar aquilo para o Chronicle.
Foi até a escrivaninha, sentou-se e pegou a caneta que havia deixado como marcador, na página datilografada. Reparou por um momento no silêncio do segundo andar e ligou o gravador. Com o dedo na página, inclinou-se em direção ao microfone, encostado na moldura do desenho que Ike Mazzard fizera dela.
— Tomador. Toma. Tomando — disse ela. — Talco. Talento. Talentoso. Falar. Falador. Falante. Falando. Fala.
SEGUNDA PARTE
Decidiu que só se mudaria se achasse uma casa absolutamente perfeita; uma que, além de contar com o número certo de quartos, de bom tamanho, não necessitasse praticamente de redecoração e que já possuísse uma câmara escura ou algo bem parecido. E não poderia custar mais do que aquilo que haviam pago (e que ainda poderiam reaver, disso Walter estava seguro) pela casa, de Stepford.
Uma exigência e tanto, e ela não estava disposta a perder muito tempo com isso. Entretanto, numa brilhante manhã no início de dezembro, ela saiu à procura da casa, com Bobbie.
Bobbie saía à procura de casas todas as manhãs, em Norwood, Eastbridge e New Sharon. Tão logo achasse algo adequado — e era bem mais flexível em suas exigências do que Joanna —, pressionaria Dave para uma mudança imediata, a despeito de os meninos terem de trocar de escola no meio do ano.
— É melhor que eles tenham algumas interrupções nas suas vidas do que uma mãe zumbi — disse ela.
De fato, ela estava bebendo água mineral, e não comia nenhum produto da região.
— Você sabe, já é possível comprar oxigênio engarrafado — disse Joanna.
— Azar seu. Já posso vê-la comparando Ajax ao seu produto de limpeza atual.
Essas expedições convenceram Joanna a procurar mais seriamente; as mulheres que conheceram — donas-de-casa de Eastbridge e uma corretora de imóveis chamada Kirgassa — eram vivas, alegres e espirituosas, resultando, por contraste, a apatia das mulheres de Stepford. E Eastbridge oferecia um grande número de atividades comunitárias para mulheres, para homens, e para mulheres e homens. Havia até mesmo uma sede da Organização Nacional de Mulheres em formação.
— Por que vocês não vieram procurar aqui em primeiro lugar? — perguntou Kirgassa, pilotando seu carro numa estrada em ziguezague, a uma velocidade apavorante.
— Meu marido tinha ouvido falar de... — Joanna agarrou-se ao bando, olhando para a estrada e pisando em freios imaginários.
— Aquilo lá está morto. Temos mais vida aqui.
— Entretanto, gostaríamos de poder voltar lá, para empacotar as coisas — disse Bobbie, do assento traseiro.
Kirgassa riu grotescamente.
— Posso dirigir de olhos vendados nessas estradas — disse ela. — Quero lhes mostrar mais dois lugares depois deste.
Na volta para Stepford, Bobbie disse:
— Esse é o negócio ideal para mim. Vou ser corretora; acabei de decidir. Você sai, conhece as pessoas e pode olhar dentro do armário de todo mundo. E pode estabelecer o seu próprio horário de trabalho. Estou falando sério, vou descobrir quais são os requisitos.
Receberam uma carta de duas páginas do Departamento de Saúde. Garantiam que o interesse delas pela proteção do meio ambiente era compartilhado por ambos os governos, o estadual e o municipal. As instalações industriais de todo o Estado estavam sujeitas a rigorosos regulamentos antipoluição, que eram discriminados um a um. Eles eram cumpridos não só através de inspeções frequentes das instalações propriamente ditas, mas também por uma análise regular de amostras do solo, da água e do ar. Não havia o menor indício de poluição nociva na área de Stepford, nem da presença de qualquer reagente químico natural que pudesse produzir um efeito tranquilizante ou depressivo. Elas podiam ficar certas de que sua preocupação era infundada, mas, mesmo assim, eles agradeciam a carta.
— Quanta besteira — disse Bobbie, e continuou fiel à água mineral. Levava sempre uma garrafa térmica com café, quando visitava Joanna.
Walter estava deitado de lado, virado de costas para ela, quando Joanna saiu do banheiro. Ela se sentou na cama, apagou o abajur e deitou-se sob o cobertor. Ficou deitada de costas, vendo o teto tomar forma acima dela.
— Walter.
— Hum.
— Valeu alguma coisa? — perguntou ela. — Para você?
— Claro que sim — respondeu ele. — E para você, não.
— Sim.
Ele nada mais falou.
— Tenho a impressão de que não tem sido bom para você — disse ela. — Nessas poucas vezes, ultimamente.
— Não. Tem sido bom. Como sempre foi.