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CAPÍTULO 14
– Acho que posso dizer que volto para Londres uma mulher diferente – disse Alexia quando a carruagem entrou na cidade.
Ela se referia às descobertas de seu corpo, supôs Hayden. Ela não reclamava de nada, se ele a arrebatava com força ou fazia amor devagar. Sua alegre concordância o fazia notar quão ousada ela estava preparada para ser. Muito ousada, se os últimos dias podiam ser considerados uma indicação.
Sua esposa cortesã parecia totalmente saciada, mas não tão mudada. Ela sorrira com malícia ao fazer aquele comentário, mas ele não vira nenhum traço particular, um olhar intencional que indicasse uma referência a mais do que a transformação sexual.
Quanto você está mudada, querida esposa? Quando o relaxamento chegava e ele caía sobre ela, tão exausto que perdia contato com a própria alma, ela também sentia um contentamento tão forte, tão intenso, que necessitaria de uma oração ou um poema? Ela vivenciava a ânsia inominável, que urgia para penetrar nos pensamentos do outro e conhecê-lo a fundo, da forma como seus corpos e seu suor docemente prometiam?
Ela estava linda. Muito doce. Muito calorosa. Contudo, a paixão deles o fizera aprender algumas lições também. Havia olhado no fundo daqueles olhos violeta ao penetrar nela. Havia avistado mais longe, onde as sombras tentavam ocultar os pensamentos dela. Em sua ânsia de conhecê-la, vira mais do que ela queria. No final, sempre surgia um muro afastando-o.
Havia quilômetros a percorrer por trás daquele muro.
– Espero que sua tia já tenha se mudado para a casa de Easterbrook – disse ela.
– Eu não estranharia se meu irmão estivesse se recusando a sair de seus aposentos.
– Você quer dizer que ele vai se arrepender desse arranjo?
– Ele suspeita que, uma vez refestelada na casa dele, será impossível retirar tia Henrietta de lá.
– Então é estranho que a tenha convidado para morar lá somente para nos acomodar. Ele sabe que você fez um mau negócio com esse casamento.
– Acho que ele quis tornar as coisas mais fáceis para você.
Ele pegou sua mão e a beijou.
– Quanto ao mau negócio, se os cavalheiros comentassem sobre o lado carnal de seus casamentos, meu irmão e meus amigos ficariam com inveja de minha escolha.
– Fico feliz de você estar satisfeito, Hayden.
Ele olhou em seus olhos. Não conseguia enxergar profundamente neles agora. À luz do dia, Alexia seria sua companheira, cuidando de seu conforto, dando-lhe filhos e, a menos que outro homem roubasse seu coração, seria fiel. A intimidade ficaria reservada para a cama, quando ela esquecia por um momento que ele era um homem a quem não amava e que a seduzira de forma inconveniente.
Não fora um mau negócio. Não mesmo. Era mais do que a maioria dos homens alcançava. E ainda... ele não podia negar que seu sentimento pela estimada Srta. Welbourne crescera nas últimas semanas, e não era só seu corpo que se aquecia em seus abraços.
Uma faísca conspiratória de alegria surgiu nos olhos de Falkner, algo incomum em alguem que demonstrava tanto autocontrole.
– Bem-vinda ao lar, senhora.
Lar. Só o fato de entrar na casa já a confortou, como vestir um xale velho e muito usado. Os ventos da vida a haviam fustigado nas últimas semanas. Os dias em Kent quase a assustaram, por serem tão cheios de novas experiências e de uma intimidade inesperada.
Voltava àquela casa como dona, e não como a prima pobre ou a preceptora. Mesmo no âmbito familiar, haveria diferenças. Elas eram visíveis nas reverências dos empregados.
Hayden a acompanhou até a biblioteca.
– Deveríamos fazer uma visita a Easterbrook logo – disse ela. – Preciso continuar a orientar Caroline.
– Não é mais sua função. Cabe a você decidir se quer continuar.
– Pensei que você tinha ido a Oxford naquele dia principalmente para garantir que as aulas de Caroline se concluíssem.
– O colar que levei tinha sido retirado do cofre na noite anterior, Alexia. Teríamos tido aquela conversa mesmo que você não houvesse dito a Henrietta que pretendia deixar esta casa.
Ele a desarmava quando dizia coisas assim. Era gentil da parte dele deixar o restante de fora e não dizer que o que tinha levado à conversa eram os acontecimentos do sótão. Ela não tinha certeza de querer que a verdade ficasse obscurecida. Com frequência ela perdia contato com a realidade quando estavam na cama, mas seria tolice permitir que a ilusão infectasse seus dias.
– Gostaria de continuar a dar aulas para Caroline. Ela não terá tempo para se acostumar com os hábitos e humores de uma nova preceptora.
– Vamos até lá hoje à tarde, então. Você poderá falar com Caroline e eu verei se meus irmãos estão sobrevivendo à invasão de Henrietta.
– Isso pode esperar até amanhã.
– Devo ir com você nesta primeira visita e preciso estar no centro financeiro amanhã. Tenho que resolver alguns negócios. Já os deixei de lado por muito tempo.
Era isso que ocupava sua cabeça quando ficava tão pensativo em seus braços? Enquanto o corpo dele se dissolvia no dela em completa satisfação e sua respiração invadia seu ser, ele estava pensando nos negócios? Talvez. A impressão de que as mentes deles estavam unidas como seus corpos talvez tivesse sido gerada somente por sua própria falta de individualidade.
Levaria um tempo até que ela percebesse as verdades de seu casamento e descobrisse o que era real e o que não era. Naquele momento, a referência aos negócios anunciava uma mudança. Dali em diante, teriam vidas separadas. O companheirismo que compartilharam em Kent não continuaria.
Ela não esperava por isso. Não era assim que os casais realmente viviam. Mas estava feliz por ter a oportunidade de conhecê-lo melhor. Por aprender algo do homem que havia nele.
Esse homem oculto não era tão diferente daquele que o mundo via, apenas mais complicado. Ele ria das piadas dela mesmo que não fossem tão engraçadas. Tratava-a com doçura mesmo quando comandava suas atividades do dia e sua paixão durante a noite. Na cama eles despertavam um ardor que de forma alguma o enfraquecia, que na verdade aumentava a força que a fazia tremer. Ele a envolvera em uma segurança que ela nunca havia experimentado antes. Ela acreditava cada vez mais na promessa que ele fizera na igreja, de que estaria segura com ele.
Falkner entrou na biblioteca carregando uma pilha de cartas cuidadosamente atadas com fitas.
– Isso foi enviado por lorde Easterbrook ontem – explicou ele.
Hayden desatou as fitas e deu uma olhada nas cartas.
– Falkner, chegou alguma carta para mim enquanto estava fora? – perguntou Alexia.
– Não, senhora.
O coração dela se partiu com um suspiro longo e triste. Entendia que seus primos ficassem zangados. Não previa uma aceitação rápida. No entanto, não esperava ser ignorada. Teria preferido receber uma carta cheia de acusações e fúria ao silêncio total. Eles agiam como se ela estivesse morta.
Ela não precisara lidar com essa perda em Kent. Hayden cuidara para que ela não tivesse muito tempo para pensar.
Ele estava próximo de uma mesa agora. A luz que entrava pela janela ao norte banhava o rosto dele com suavidade. Seu coração falhou uma batida ao olhar para ele e lembranças sensuais fluíram por sua cabeça.
– Eles se aproximarão de novo. Dê-lhes um tempo – consolou-a, sem tirar os olhos da carta que lia.
Ele nem precisava olhar para ela para entender o que estava pensando.
– Acho que devo escrever de novo.
– Preferia que não o fizesse, Alexia. Não gosto da ideia de tê-la implorando o perdão de seus primos por ter se casado com o terrível lorde Hayden.
Ele não estava dando ordens, mas agia como um marido que instruía a esposa sobre o comportamento que esperava dela. Uma boa esposa obedeceria e ela havia se comprometido a sê-lo. Contudo, não previra que ele fosse interferir em um assunto particular.
Alexia não discutiu, apesar de perceber que ele estaria aberto a ouvir objeções. Ela não explicou que não tinha implorado nem pretendia implorar o perdão deles. Sua demonstração de autoridade de marido a deixara pouco inclinada a aplacar seu orgulho ferido.
Quando a pedira em casamento, ele prometera que não iria se meter em suas amizades. Seus primos eram seus amigos mais chegados. Ela faria com que Hayden cumprisse a promessa.
Não iria esperar que seus primos tomassem a iniciativa de contatá-la. Se o fizesse, talvez eles nunca mais se reaproximassem.
Encontraram Henrietta bem instalada na casa de Easterbrook. A maneira como ela os saudou indicou que não era uma convidada, mas a dona da casa.
Ela os recebeu na sala de estar. Deu uma boa olhada em Alexia, depois deu um sorriso de mulher para mulher.
– Parece que o casamento combina bem com você, querida.
Alexia sentiu seu rosto enrubescer.
– Combina comigo bastante bem, sim.
Hayden se afastou, deixando-a sofrer o exame de Henrietta sozinha. A chegada de Caroline abrandou a curiosidade da mãe, mas não suspendeu o interrogatório.
– Você achou Kent agradável?
– É uma bela propriedade.
O olhar de Henrietta se moveu na direção de Hayden, que andava ao longo da fila de janelas.
– Ele parece muito satisfeito.
Caroline olhou para ele também.
– Ele parece mesmo, não? Nem de perto tão assustador quanto antes.
– Dizem que só Vênus para domesticar Marte – falou Henrietta baixinho.
Caroline franziu o cenho, confusa com a alusão. Alexia perdeu a paciência com as insinuações de Henrietta.
– Não sou nenhuma Vênus e ele é inteligente demais para ser comparado a Marte. Se você percebeu contentamento, fico feliz. Assumo minhas funções de esposa com muita seriedade, como certamente você também o fez.
– Eu apreciava minhas funções, Alexia, e sinto falta da alegria que elas me proporcionavam.
– Espero apreciá-las também – disse Caroline. – Aprendi muito sobre o planejamento de jantares enquanto você esteve fora. Vou me divertir muito quando for uma anfitriã.
As sobrancelhas da jovem se ergueram.
– Mas vocês receberam convidados em Kent? – perguntou Caroline.
– Estamos falando de outras funções, querida – disse Henrietta.
– Sua mãe lhe explicará no momento certo – reconfortou-a Alexia. – Agora temos que combinar quando virei para lhe dar aulas.
Caroline torceu o nariz. Henrietta começou a sugerir um cronograma com o qual nenhuma das duas parecia concordar. Hayden, sem dúvida percebendo que a conversa sobre como ele estava satisfeito tinha se esgotado, se aproximou.
Começavam a fazer progressos em estabelecer um planejamento quando Easterbrook chegou. A aparência dele espantou Alexia. Não usava colete nem gravata e sua sobrecasaca estava desabotoada, revelando a camisa branca. Sua falta de trajes apropriados teria parecido comum, não fosse pelo corte impecável e o tecido de qualidade das roupas que vestia.
Hayden não reagiu – a informalidade do irmão não o surpreendia –, mas Henrietta revirou os olhos.
– Realmente, Easterbrook, pensei que tínhamos entrado em um acordo ontem à noite de que não iria ficar circulando pela casa com pouca roupa – disse ela.
O autocontrole de Easterbrook permaneceu inabalado.
– Você expressou sua opinião sobre o assunto. Mas isso não quer dizer que eu tenha concordado.
– Você está constrangendo Alexia, recebendo-a desse jeito.
– Está se sentindo constrangida ou insultada, Alexia? Devo-lhe desculpas?
– Esta é a sua casa, senhor. Eu não ousaria ficar constrangida ou insultada.
– Resposta admirável. Quisera que todas as mulheres fossem tão sensíveis e compreensivas.
Henrietta expressou falta de sensibilidade e compreensão ao sacudir a cabeça com desânimo. Easterbrook e Hayden se afastaram para uma conversa particular. Alexia trouxe Henrietta e Caroline de volta a seus planos.
– Onde está o relicário, Henrietta querida?
Era a voz absolutamente calma de Easterbrook que chegava até elas.
Henrietta se virou para onde ele e Hayden estavam, perto de uma mesa. Alexia se lembrava do relicário cravejado de pedras que ocupava lugar de honra ali.
– Este cômodo tem uma decoração clássica e o relicário é gótico. Não combinava, então o levei para a biblioteca.
Uma mulher mais esperta teria se encolhido apenas com o olhar que Easterbrook dirigiu a Henrietta, mas sua tia respondeu com um de seus sorrisos sonhadores.
Hayden saiu da sala de visitas. Voltou um pouco depois, carregando o relicário. Levou-o para Henrietta.
– Posso sugerir que o coloque de volta no lugar? Christian tem um apreço especial por ele. Tenho certeza de que não sabia disso quando o retirou daqui.
Henrietta parecia pronta para retrucar, mas a expressão séria de Hayden a deteve. Ela olhou para Easterbrook, que a mirava como a uma raposa medindo o tamanho de uma galinha que cruzava desavisada seu caminho.
Alexia caminhou até o relicário.
– Permita-me que...
– Não – disse Hayden.
Henrietta encarou os dois sobrinhos. Levantou-se e pegou o relicário. Fazendo-se de magoada, rejeitada, submissa, mas não intimidada, rapidamente passou por Easterbrook e pôs o relicário sobre a mesa. Depois se encaminhou para a porta, com o nariz empinado.
– Venha comigo, Caroline. Alexia, nos encontraremos quando vier nos visitar amanhã.
Perplexa com o que tinha acabado de acontecer, Caroline se juntou à mãe. Depois que a porta se fechou atrás delas, Easterbrook foi até o relicário e o ajeitou no centro da mesa.
– Você me conseguiu uma semana de paz, Hayden, não mais que isso – suspirou resignado. – Elliot não fica mais em casa. Foge para as bibliotecas durante o dia e para o apartamento de alguma mulher da vida durante a noite. Fiquei só eu. E ela.
– Vamos procurar outra casa – disse Hayden. – É visível que ela o deixa exasperado.
– Sobreviverei. Sua esposa vai nos visitar com frequência no futuro e espero que, logo que a temporada de apresentações das jovens comece, Henrietta se distraia e me deixe em paz.
– Prometo vir visitar sempre – disse Alexia.
– Muito bom – afirmou ele e em seguida deixou de lado os planos de Henrietta. – Meu irmão parece bem-disposto, Alexia. Espero que ele tenha se comportado bem e que a satisfação seja mútua. Somos de uma família que tem motivos para acreditar que as alegrias iniciais do leito nupcial são tudo o que garante uma boa condição matrimonial tanto para o homem quanto para a mulher.
Hayden suspirou e balançou a cabeça.
– É preciso deixar que ela teste a água e se acostume com a temperatura, Christian. Ver você vestido assim foi bastante por um dia. Foi bom você não ter aparecido de robe.
Easterbrook examinou suas roupas.
– Eu teria me arrumado para receber sua esposa, caso isso não desse uma vitória a Henrietta.
– Entendo perfeitamente – disse Alexia. – Sou conhecida por negar uma ou duas vitórias a certas pessoas.
– Tenho certeza de que sim. É por esse motivo que a vi com benevolência desde o primeiro momento – disse, sentando-se na cadeira antes ocupada por Henrietta. – Várias outras cartas chegaram para você hoje, Hayden. Devem ser de quem não leu o anúncio discreto publicado na semana passada. Mas acho que o boato circulou entre as mulheres rapidamente, já que o lote enviado anteriormente continha muitos convites. Henrietta relatou que há muita curiosidade pela dama que teve sucesso na empreitada em que tantas falharam.
– Todos a conhecerão em breve. Vamos aceitar a maior parte dos convites.
– A ideia de ser avaliada a assusta, Alexia? – questionou o marquês.
– Um pouco. Mas é melhor passar por isso logo.
– Bastante sensato. Ela é realmente muito equilibrada, Hayden. Em uma cidade cheia de frivolidade feminina mesmo entre os homens, ela é uma lufada de brisa refrescante.
Eles ficaram um pouco mais. Os homens conversaram sobre política e esporte. A conversa fluía em torno dela. Ela considerou que Easterbrook estava prolongando a recepção por sua causa, para que se sentisse bem-vinda. Ou talvez não se incomodasse com sua companhia por achá-la sensata.
Fora um elogio, vindo de um homem que não perdia tempo com falsidades. Contudo, não era o tipo de comentário que a maioria das mulheres apreciava ouvir.
Sensata. Não bonita ou encantadora ou inteligente. Sensata. Que palavra sem graça. Sim, aqui estou, a pequena sensata. Um bastião do senso prático. Uma cidadela de sobriedade. Até mesmo a paixão que vivencio com esse novo marido é uma questão de aceitar o que não posso mudar. Estamos ambos fazendo o máximo para que um casamento decretado por um impulso tolo e por um pragmatismo frio dê certo.
Ela olhou para Hayden, que parecia sem pressa de ir embora. Certamente gostava de conversar com o irmão.
Ele sentiu o olhar de Alexia e voltou-se para ela. A doçura suavizou sua sobriedade e seus olhos refletiram as lembranças dos momentos íntimos.
Por uns poucos doces instantes, a vida que tinham à noite se intrometeu no dia e ela não se sentiu nem um pouco sensata.
Hayden não se recolheu junto com ela naquela noite. Ela o deixou na biblioteca, escrevendo uma carta. Joan, que esperava por ela no quarto de dormir, chegara de Kent no meio do dia para trabalhar como sua criada pessoal. Alexia decidira que seria tolice procurar por outra criada se já encontrara uma que a agradava. A moça estava muito animada com suas novas funções e a oportunidade de morar na cidade grande.
Joan a ajudou a vestir a camisola, e então penteou seus cabelos. Depois disso, Alexia a dispensou e se deitou.
Aquele quarto nunca fora usado em todos os anos em que vivera naquela casa. Rose não o ocupara, reservando-o para a futura esposa de Benjamin, depois para a de Timothy. O cômodo tinha ligação com os aposentos do dono da casa, que agora era Hayden.
Olhou para o tecido marfim drapejado que pendia acima dela. Prometera a Hayden que os pensamentos sobre seus primos não invadiriam suas noites, mas o marido não estava lá naquele momento. Os eventos da última semana tinham suspendido suas reflexões, porém agora ela estava sozinha de novo. No passado, imaginara-se deitada em sua cama esperando por um homem diferente, e a lembrança de Ben a invadiu em ondas cada vez mais vívidas.
Tais memórias eram fruto de nada mais que seus pensamentos em um primo. As emoções em relação a Ben haviam se alterado desde que lera as cartas no sótão. Pensar que tinha sido uma de suas muitas conquistas a magoava. Nunca suspeitara que a insistência dele em relação à discrição fosse porque não queria que seus irmãos soubessem que havia se comportado de forma desonrosa com ela.
No entanto, foi o que ocorreu. Seu orgulho gostaria de acreditar que ela fora seu amor verdadeiro, sua futura esposa, e que as cartas vinham de uma mulher que apenas satisfizera as necessidades dele até que se casasse. Hayden até mesmo sugerira que era esse o caso. A garota romântica em seu coração se agarraria a essa explicação por anos. Alexia Welbourne, a mulher que aprendera bem demais as verdades nuas e cruas do mundo, estava menos inclinada a ser tão generosa.
Entretanto, essa mulher não poderia exorcizar as lembranças de Ben completamente. Voltara a pensar nele ao atravessar a porta, mas não com saudade ou anseio por sua presença. Agora reavaliava suas recentes preocupações a respeito dele. A lembrança do primo permanecia vagamente incompleta então, e quanto a assuntos essenciais.
Ela o viu de novo ao beijá-la antes de partir para a Grécia. Tinha sido só atração o que sentira por ele? Ela percebera quanto Ben ansiava por partir, mas sufocara esse pensamento. Agora ele ressurgia em sua mente, liberado da mentira. Ela analisou seu sorriso e ouviu suas garantias. Também viu outra emoção no fundo dos olhos dele.
Alívio. Ele estava feliz por se afastar. Dela? Não, ela não seria tão importante assim. Ben poderia ter se livrado dela sem ir para a Grécia.
Ficara aliviado de deixar a Inglaterra e desanimado de voltar. Hayden acreditava que Ben fora descuidado no navio por causa dessa melancolia. Tão descuidado que acabara caindo no mar.
Fechou os olhos para tentar reter as lágrimas que começavam a queimar. Ela o amara intensamente, como namorada, noiva ou prima. Não queria pensar nele tão infeliz, tão desesperado que...
Por causa dela? Seria terrível imaginar que seu envolvimento com ela o tornara tão infeliz. Com certeza tinha sido outra coisa, mais importante.
Quisera ter lido aquelas cartas com mais cuidado e descoberto algo além do que a prova de haver outra mulher na vida dele. Quisera não ter ignorado os outros papéis. Ela abrira o baú à procura de uma resposta para a pergunta que a atormentava agora. Precipitara-se ao se agarrar à crença de que nunca mudara e, ao sentir aquele perfume nas cartas, ficara distraída demais para se lembrar da sua meta.
Ela esfregou os olhos, secando as lágrimas que tinham escorrido para seus lábios cerrados. Piscou mais forte e olhou de novo para a noite.
Hayden estava de pé ao lado da cama. A luz de um pequeno abajur longe deles criava um halo ao redor de sua silhueta. Ela se espantou ao vê-lo. Não o tinha ouvido entrar.
Conforme as sombras ficaram mais vivas, com brilhos avermelhados, ela viu que ele usava um robe largo, amarrado de forma descuidada. O tecido era escuro e caía com suavidade.
– Você estava chorando.
– Não, não estava. De verdade.
Não era de todo mentira. Não tinha havido tantas lágrimas assim, a ponto de serem consideradas choro.
Ele abriu o robe. A luz tênue destacou os ângulos duros de seu corpo e rosto. O espanto dela diante da beleza do marido obscureceu os pensamentos que tinham preenchido a última hora.
Ele se juntou a ela na cama. Puxou-a para mais perto e olhou para baixo. Um leve estremecimento de excitação pelo que estava por vir percorreu todo o corpo dela.
Ele não a beijou. A mão dele se manteve no quadril dela exercendo a pressão firme que expressava tanto sobre ele. Ele não agarrava nem apertava. Nem tinha que fazê-lo. Essa pegada mais suave era também mais eficiente em demonstrar quanto ele acreditava possuí-la.
– Por que estava chorando?
Ele não deveria pedir uma resposta dessas. Não importava para ele.
– Você disse que havia assuntos sobre os quais não falaríamos à noite, Hayden. Acredito que seja uma boa regra.
A cabeça dele se virou levemente. Ele voltou o olhar para o vazio.
– Vou comprar ou alugar outra casa. A oeste do parque, se necessário. Imaginava que viver aqui seria um erro.
– Por favor, não faça isso. Por favor. Não é a casa. A saudade virá de vez em quando, aonde quer que eu vá.
A atenção de Hayden se voltou para Alexia, como se ela tivesse dito algo importante. A mão dele acariciou a coxa e a perna dela. Com movimentos longos, ele puxou a camisola da esposa para cima.
– Talvez eu devesse deixá-la com sua nostalgia esta noite... mas acho que não.
Ele acreditava estar competindo pela atenção dela? Por isso seu beijo tinha sido tão longo, tão íntimo, tão perfeito para deixá-la sem fôlego? Ela não pôde ignorar a nova e sutil dureza na forma como a segurou. O beijo dele foi mais direto do que lisonjeiro. Ele a dominou como na carruagem, quando havia insistido até que o corpo dela admitiu que a paixão deles não era um mero dever.
Ela cedeu sem resistências. Ela queria. Tinha ficado tão solitária em seus pensamentos, tão apartada das pessoas e do amor que dera algum significado a sua existência. A intimidade a seduziu mais do que o prazer.
A pele de Hayden pressionou a de Alexia quando ele afundou o rosto em seus cabelos. A respiração dele a penetrou, incitando-a tanto quanto suas carícias. Ele levantou os braços dela e puxou a camisola, depois a deitou de costas de novo, nua ao lado dele.
Ela amava a forma como a mão dele se movia. Fechou os olhos para saborear a sensação dos trajetos lentos e confiantes que ele traçava por seu corpo. Cada centímetro dela ansiava por experimentar aquele calor, para ficar mais vivo sob esse toque.
Ele afastou as pernas dela e moveu-se para cima, posicionando-se entre suas coxas. O corpo dela instintivamente se mexeu para aceitá-lo, mas uma ponta de decepção se intrometeu em sua excitação. Seria rápido esta noite. Tivera esperanças de...
Ele não aceitou a oferta que o corpo dela fez. Retirou as mãos da esposa dos ombros dele e as pôs de cada lado da cabeça de Alexia. A ausência de abraço acrescentou uma nota de vulnerabilidade. Seus seios se elevaram, completamente expostos, tão sensíveis que o ar fazia cócegas neles.
Ele não chegou a pedir que ela ficasse naquela posição, mas Alexia entendeu que ele esperava que ela ficasse. Ele parecera satisfeito em Kent quando ela participou, mas hoje queria que só aceitasse. Não achava que era a generosidade que o motivava agora, assim como não fora na carruagem.
Um beijo na parte lateral do seu seio ocultou o vago ressentimento que estava se formando. A cálida pressão dos lábios dele e o toque tremulante de seu cabelo ao mergulhar a cabeça a entorpeceram. O que quer que ele quisesse provar a Alexia, havia beleza nisso. A forma como beijava todo o seu seio fazia com que ela se sentisse especial, bem como possuída.
Logo a melodia que pedia mais sussurrou na cabeça dela enquanto seu corpo sabia o que se aproximava. Ele esperou até que ela estivesse pronta. A expectativa dela virou uma aflição excruciante antes que os dedos dele substituíssem sua boca e ele circundasse seu mamilo com carícias vagarosas.
Ele esfregou o bico de seu seio. Tudo nela gemeu de alívio e desejo. Ele insistiu até que um caos de prazer e frustração a preenchesse. O peso dele impedia que o baixo ventre dela se movesse, negando-lhe até mesmo o pequeno consolo que a possibilidade de erguer o quadril lhe daria.
Ele passou a língua pelo outro mamilo, criando uma sensação deliciosa de suportar. Ele a lambeu com suavidade, multiplicando as pulsações arrepiantes embaixo até que elas formassem um fluxo contínuo e maravilhoso de tortura. O toque dele em seu outro seio a levou ao delírio. Ela arqueou as costas sem inibição, implorando que ele continuasse para sempre.
Ele a levara ao ponto em que apenas o desejo carnal existia. Sua mente se nublou para tudo o que não fosse a forma como ele a excitava e ela precisava disso, queria mais. Essa melodia a penetrou fisicamente. Pulsava em sua cabeça e em seu sangue e doía entre as pernas, onde seu sexo esperava, vazio e incompleto, formigando e latejando.
Ele se mexeu e ela sentiu a umidade entre eles, o líquido que escorria de dentro dela. Ela tentou escorregar sob Hayden, para que ele pudesse entrar.
– Não se mexa.
Era ele que se movia mais para baixo. Foi descendo, percorrendo o caminho com beijos quentes. Parou um instante ao passar pela cintura dela, mas continuou a descer. Não planejara fazer isso.
O calor da boca dele em seu púbis a espantou. Beijos eletrizantes na parte interna das coxas fizeram com que Alexia perdesse o fôlego. Ela olhou para seu corpo, para a forma escandalosa como Hayden agora estava tão baixo, tão próximo... Olhou para o pequeno abajur. Era provável que ele a estivesse vendo.
Ele a tocou com cuidado, com precisão. Lampejos celestiais de prazer sobrepujaram seu espanto.
– Pretendo beijá-la aqui também. Você quer negociar, Alexia? Você pode se recusar.
Beijá-la ali? O instinto de detê-lo, de se cobrir com as mãos, foi demolido por outras carícias. A sensação tomou o corpo dela por inteiro. Seu quadril se elevou, oferecendo-se.
Ele não a beijou. Não de verdade. Mas o que quer que estivesse fazendo com a boca e a língua criavam um prazer tão profundo, tão surpreendente, que ela gemia. O gozo cresceu aos poucos e a sacudiu de maneira tão violenta que ela gritou, rompendo o silêncio da noite.
Ele se juntou a ela antes que seu grito cessasse, virando-a de maneira que ela encarasse o colchão e cobrindo-a com o próprio corpo. Ele não perguntou se ela aceitava essa parte. Cobriu-a com seu corpo de uma forma que nenhuma parte dela ficasse intocada. Ninguém poderia duvidar de seu domínio naquele momento. As estocadas dele mantiveram os tremores do prazer de Alexia ecoando quando gozaram juntos. Ambos pulsavam quando ele ejaculou.
Hayden não se moveu por um longo tempo. Ela sentia a respiração ofegante dele em seu cabelo e em seus ombros e o peso dele em seu quadril. Sutilmente, ele foi relaxando os braços, que sustentavam seu peso sobre ela, e aproximando-se em um abraço. Ela estava exausta demais para se importar com a sujeição que sentia estando sob ele. Não tinha medo. Nunca ficava com medo. Nem se sentia usada de maneira indigna. Não havia nada de frio nem de indiferente no desejo dele.
Ele deu um beijo nas costas dela, entre as escápulas.
– Continuaremos nesta casa, se você quiser.
Depois ele se foi, deixando o quarto com o robe flutuando em torno em si.
Ela se virou para se deitar de costas. Ainda não se recuperara, mas percebeu que ali acontecera mais do que aprender novos prazeres.
Talvez estivesse enganada acerca do calor, do... carinho que sentira nele. Talvez esta noite não passasse de um teste, para ver se a história dela naquela casa interferiria no que ele esperava obter.
CAPÍTULO 15
A brisa da primavera emanava perfumes revigorantes conforme Hayden ia andando pelo centro financeiro de Londres. Ergueu o rosto em direção ao sol brilhante, observando sua posição. O astro começara sua inútil tentativa anual de combater a umidade eterna da cidade.
Parou diante da fileira imponente de fachadas clássicas que compreendia o Banco da Inglaterra, na Threadneedle Street. Ia ali com frequência para tratar de negócios, mas naquele dia não cuidaria de negócios comuns. Entre as cartas que esperavam seu retorno de Kent estava uma de Hugh Lawson, um assistente de caixa do banco.
Lawson era um jovem ambicioso que bajulava Hayden na esperança de ser incluído em sociedades de investimentos promissoras. A carta de Lawson vinha em resposta a uma indagação do próprio Hayden. Sim, o cavalheiro em questão mantivera uma conta particular no Banco da Inglaterra, escrevera ele. Se lorde Hayden fizesse uma visita ao banco, Lawson tentaria dirimir quaisquer outras dúvidas.
Depois de deixar Alexia na véspera, tinha pensado por um instante em não fazer essa visita. A paixão tinha formas de obscurecer a realidade.
Ela estava chorando em silêncio quando ele entrou no quarto. Por causa da rejeição do primo? Ela passara a possuir uma fortuna considerável ao se casar com ele, além de posição social e segurança. Descobrira o prazer físico e parecia feliz com seu poder. Porém, perdera o amor da família.
E o pior, ele sentira outra presença no quarto, que imaginara ser Ben, o motivo do choro. As cartas no sótão haviam maculado as lembranças de Ben, mas as mulheres tinham o hábito de amar canalhas mesmo quando descobriam a verdade.
Ele havia se incomodado mais do que deveria com aquela intromissão no quarto. Mais do que nunca, tinha se empenhado em fazer uso do poder que o prazer lhe dava. Levara Alexia a um mundo diferente, um mundo que os Longworths não invadiam.
Nenhum fantasma pairava em torno daquela cama quando ele saiu. Mas se tivesse ficado mais tempo, talvez... Um espectro teria conseguido se esgueirar de novo, tornando o ar carregado de saudade e sofrimento?
Em caso positivo, não teria sido totalmente por culpa de Alexia. Não era apenas seu amor eterno por Ben que o mantinha em suas vidas.
Pairavam no ar perguntas sobre Ben que exigiam respostas. Um instinto o advertiu que um homem ajuizado deixaria isso de lado, mas sua negligência na noite da morte do amigo era uma culpa que implorava por mais informações.
Percorreu o caminho entre os escritórios com tetos de abóbadas altas do banco e desceu alguns degraus. Lawson o recebeu em uma sala pequena e sóbria localizada abaixo da área pública do banco.
Lawson tinha um ar conspiratório ao fechar a porta. Não era permitido discutir os negócios de um cliente com outro, mesmo que um deles já estivesse morto. Hayden ficou feliz com a exceção, mas nunca mais confiaria tanto assim em Lawson.
– Benjamin Longworth de fato tinha uma conta aqui, conforme o senhor perguntou. Na verdade, ela ainda existe e há um valor considerável depositado nela. Seus herdeiros não devem estar cientes da existência dessa conta.
Isso significava que os registros de Ben dessa conta não estavam entre os documentos que Timothy recebera após sua morte.
– Era uma conta polpuda?
– Variava. Um valor alto entrava, mas depois saía. Parecia muito com contas de comerciantes, como importadores. Nessas contas, o dinheiro é depositado e depois retirado para pagar letras de câmbio ou coisa parecida.
– Qual o valor dessas retiradas?
Lawson deu de ombros.
– Algo entre cem e mil libras de uma só vez.
– Saques?
– No início, sim. Depois apenas pagamento de notas promissórias.
– Gostaria de ver os registros.
Lawson já tinha passado dos limites. Agora sua expressão deixava claro que hesitava em dar mais esse passo.
– Tenho indícios que levam a acreditar que Longworth estava com problemas financeiros. Como seu amigo, gostaria de pôr minha cabeça no travesseiro e descansar, tendo certeza de que ele não estava passando por tais problemas – disse Hayden. – Seria um grande favor de sua parte. Um favor impossível de recompensar, apesar de que eu tentaria com todas as minhas forças.
A expressão de Lawson se desanuviou. Se tinha hipotecado sua honra e seu futuro, queria se assegurar de que no fim receberia créditos para compensar esses débitos. Ora, ele era bancário.
Ele pegou um fino livro contábil de uma pilha sobre a mesa. Colocou-o em cima dos outros e saiu da sala.
Quando a porta se fechou, Hayden pegou o livro. O primeiro depósito de Ben na conta fora há anos, cerca de seis meses após a compra da sociedade no banco de Darfield. Quantias pequenas de início, depois maiores.
Percorreu com o dedo a coluna de depósitos, somando mentalmente. Por quatro anos, Ben escondera mais de cinquenta mil no Banco da Inglaterra. Era dali que deveria vir o dinheiro, depois que ele falsificava as assinaturas e liquidava os títulos das vítimas. Era muito mais do que Darfield e ele imaginavam. Darfield ainda estava ocupado rastreando todas as vendas e determinando quais eram fraudes. Se esta conta fosse uma indicação, o pobre homem teria uma apoplexia.
Seis meses de registros da conta: começou uma série de saques, uma longa lista de retiradas. Algumas transferiam o dinheiro de volta para sua conta no Darfield e Longworth, pois assim, supunha-se, ele poderia pagar rendimentos aos clientes desavisados e eles nunca saberiam que o principal em suas contas não mais existia. Algumas retiradas iam para pessoas físicas e outras para contas em bancos regionais em Bristol e York.
Ele examinou atentamente os saques. No meio da lista, surgiu um novo nome que chamou sua atenção e deixou todos os outros insignificantes. Uma série de transferências tinha sido feita para um indivíduo a intervalos regulares, mas com muita frequência para serem pagamentos de rendimentos. Depois, um ano antes da morte de Ben, elas pararam. Contudo, a exatos intervalos de dois meses, e sempre no mesmo dia, o dinheiro continuou a ser retirado, somente em espécie.
O padrão ficou muito claro para ele, continuando até o mês em que Ben foi para a Grécia. A intuição que o advertira a deixar isso de lado zombou impiedosamente dele dentro de sua cabeça.
Era pior do que pensava. Ben tinha sido chantageado e as quantias haviam aumentado em seu último ano na Inglaterra. E o próprio Hayden apresentara Ben ao homem que extorquira dinheiro dele.
– É um pouco tarde para pedir minha opinião – disse Phaedra. – Você ainda terá um vínculo com ele, não importa o que eu diga.
Você não pediu meu conselho antes de concordar em se casar com ele, então por que pedir agora?, era o que seu tom dizia.
Alexia queria saber o que Phaedra achava dele, porque ela mesma já não sabia o que pensar. Sua visão estava confusa. De noite, quando seus corpos se uniam e se fundiam, ela vivenciava uma intimidade tão completa, tão nítida, que isso a atemorizava. Suas noites começavam a parecer mais reais do que seus dias.
– Não percebi que vocês se conheciam. Achei que os estava apresentando naquele dia, do lado de fora do depósito. Você só se referiu a ele como sendo frio, por isso perguntei por que tinha essa opinião.
– Eu não o conhecia. Mas a gente ouve comentários. E você há de convir que ele não parece muito acolhedor por natureza.
Elas estavam sentadas na excêntrica sala de visitas de Phaedra. Alexia nunca chegara a uma conclusão a respeito do modo como o cômodo era decorado. O tecido cor de safira do sofá parecia bem desgastado, mas xales jogados descuidadamente sobre ele davam uma aparência de luxo mesmo assim. Os móveis eram uma mistura de acabamentos e estilos, porém dispostos com a intenção de agradar aos olhos com sua desordem eclética. Dois gatos vagavam à vontade, um preto e um do mais puro branco. O branco tinha o hábito de pular no colo de Alexia e agora estava enroscado lá, soltando pelos em seu casaco marrom.
Livros se espalhavam sobre duas mesas ao lado do sofá. Gravuras de Piranesi exibindo estranhas escadas decoravam as paredes. Apenas uma pequena aquarela à esquerda parecia o tipo de obra de arte que as pessoas normalmente comprariam. Pinceladas coloridas cristalinas mostravam a paisagem de uma montanha, descendo até um lago.
– Eu não poria muita fé em boatos, nem em um autocontrole que é apenas resultado da criação – disse Alexia.
– Então presumo que você não o ache frio e que superou a aversão que o comportamento dele em relação a seus primos causou – disse Phaedra. – Fico feliz de ouvir isso. Uma mulher casada não tem a opção de discordar sexualmente, portanto ajuda bastante se ela gostar.
Só mesmo Phaedra para começar a falar nesse assunto como se fosse a coisa mais normal do mundo, porém Alexia ficou aliviada por ela ter tocado no tema. Sentira muito a falta da amizade tranquila de Rose nos últimos dias. Uma mulher precisa ter uma amiga para fazer confidências eventualmente.
– Acho que gosto até demais – disse ela. E superei a aversão bem demais. Completamente demais, talvez.
– Que coisa estranha de se dizer. Espero que não se atenha à ideia estúpida de que o prazer é pecado.
– Não.
Não pecado. Só... perigoso. Ela não poderia explicar isso a Phaedra. Não tinha palavras para descrever. Mas, às vezes, quando se abandonava nos braços de Hayden, sentia que oferecia a ele uma parte de sua alma.
– Só me pergunto se é normal gostar dessas coisas com uma pessoa a quem não se ama.
– Se os homens podem, por que não as mulheres?
Por que não, de fato? Alexia não podia negar que a pergunta fazia sentido. Duvidava que Hayden se preocupasse por ele estar tendo prazer demais.
Phaedra mudou de posição no sofá, virando o corpo inteiro e puxando uma das pernas para cima. Era a imagem de uma mulher que se preparava para uma boa fofoca.
– Como você perguntou por que eu disse que ele era frio, vou lhe contar que isso não se deve apenas ao humor severo que ele mostra para o mundo. Conheço uma de suas amantes do passado.
– A amante o chamou de frio?
– Ela disse que ele era bom de cama, mas que permanecia distante. Ela compartilhava prazer com o homem que o mundo vê, que é raramente cálido, vamos admitir. Normalmente, na cama, surge outro homem.
Alexia entendia isso. Ela sentira o outro homem surgir de dentro dele e ficava orgulhosa por Hayden ter sido menos reservado com ela de que com a amante que Phaedra conhecia.
– Imagino que ele tenha tido muitas amantes.
Sem dúvida teria mais amantes no futuro. Ele não negara isso. Não havia perigo para ele na intimidade que compartilhavam.
Phaedra deu de ombros.
– Isso é muito comum. Minha amiga disse que ele era um pouco estranho a esse respeito. Ele poderia seduzir quem quisesse apenas com aquela cara dele. Mas, em vez disso, sempre se certificava de deixar bem claro o que as mulheres ganhariam com isso e o que nunca teriam. O acordo era confortável, porém faltava o mínimo de ilusão romântica. Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais, sabe? Todas nós gostamos.
Ele fizera um acordo bem explícito com ela também. Tão explícito que ela imaginara que ele estivesse fazendo uma proposta para que se tornasse sua amante, e não sua mulher.
Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais. Era isso que ela estava fazendo? Fingindo que havia mais? Talvez a proximidade, a sensação de vínculo, fosse uma ilusão criada por seu coração para poupá-la da verdade nua e crua de que ela era uma cortesã em seu casamento.
– A condição mais estranha dessa proteção – continuou Phaedra – foi sua insistência em que as amantes fossem examinadas por seu médico primeiro. Ele não seduzia antes e negociava depois.
Ela pegou um bolinho na bandeja em cima da mesa e o ofereceu a Alexia.
– Isso não seria comum em um homem tomado pela emoção, não é? – continuou Phaedra. – É a precaução lógica, mas também calculada friamente.
Alexia aceitou o bolo porque sabia que Phaedra os tinha feito com as próprias mãos. Ela não tinha criados, nem mesmo para fazer a faxina, apesar de sua renda permitir esse gasto.
– Como você vê, venho me informando sobre ele desde que me disse que iam se casar – disse Phaedra. – Também soube de excentricidades no histórico familiar.
– Que excentricidades?
Os olhos de Phaedra se arregalaram antes de dar outra mordida no bolo. Alexia riu de sua expressão cômica. Phaedra riu também, cuspindo uma chuva de migalhas de bolo sobre seu vestido.
Ela afastou as migalhas com a mão.
– Como disse, esta é uma conversa que deveríamos ter tido antes do casamento. Você não sabe nada sobre ele.
– Sei o bastante – murmurou ela, examinando o bolo.
O riso de Phaedra tinha um tom sarcástico.
– Os efeitos do seu desvirginamento são deliciosos, Alexia. Você imaginava que o prazer venceria o seu senso prático? Um homem a seduz e você perde a cabeça? Daqui a pouco vai dizer que se apaixonou e não se importa com quem ou o que ele é.
– Pode zombar quanto quiser, mas não me acuse de ser uma tola romântica. Não perguntei sobre o passado da família dele. Não há uma forma educada de se fazer isso.
– Há uma história que valia a pena conhecer, talvez. Dizem que a mãe dele passava dias e até semanas sem sair do quarto. Talvez ela sofresse de uma grave melancolia. Contudo, soube que tinha talento literário e acho mais provável que ela tenha se perdido na arte. Nos últimos anos de sua vida, se retirou completamente para a casa de campo deles. Alguns acham que ela ficou louca. Quase sempre é por essa razão que um membro da família se torna recluso.
– Não acredito que o sangue de Hayden tenha ficado maculado desse jeito. Ele teria me contado, me advertido.
Phaedra limpou mais algumas migalhas de cima do vestido.
– Talvez não seja sangue ruim, então não achou que precisasse lhe contar. Mas é um assunto que voltou à baila agora que Easterbrook está ficando excêntrico. Os que fazem essas especulações acreditam que ela enlouqueceu e que um dia Easterbrook também ficará louco. Há outras explicações para como e quando ela desapareceu e pretendo lhe contar uma delas.
– Quais seriam essas explicações?
– Devoção à sua arte, dizem alguns. A necessidade de gritar ao mundo e criar se tornaram tão intensas que ela se retirou da sociedade. Outras pessoas com temperamento artístico defendem essa explicação.
– Você não expôs essa explicação com muita convicção.
– Uma mulher não precisa se tornar eremita para ser escritora. Nem tem que se afastar totalmente da sociedade. Essa ausência foi completa e permanente.
– Qual a explicação que você defende, então?
– Nenhuma que se encaixe nos poucos fatos que conheço. Pode ter sido uma doença. Sífilis, por exemplo.
Alexia olhou fixamente para ela. Phaedra entendeu mal a estupefação.
– Isso é...
– Sei o que é. Não sou criança.
– Isso explicaria a exigência do exame médico por Rothwell. Ele teria um temor maior do que os outros homens se tivesse visto os efeitos da doença tão de perto. Ele podia desejar uma mulher, mas não faria nada até saber que o ato não o mataria.
Exceto por uma vez, no chão de um sótão, ele tinha agido sem saber. Ele não poderia ter certeza de que ela era virgem. Não havia calculado os riscos naquele dia. Ela tentou ordenar isso em sua cabeça.
– E o pai dele?
– Não ouvi nada a respeito dele. A doença pode ter se desenvolvido devagar e só se manifestado próximo da morte. Mas existe um furo nessa teoria, o que torna a última mais plausível. Ela pode ter se afastado da sociedade por ordem do marido, não por livre e espontânea vontade, e ter sido mandada para a casa de campo como uma forma de prisão.
– Aylesbury Abbey dificilmente pode ser chamada de prisão.
– Qualquer lugar se torna uma prisão se a pessoa for confinada lá, privada da liberdade de ir e vir. Com o poder que o marido tinha, se ele quisesse afastá-la do mundo, ele poderia fazer isso.
– Tenho certeza de que você está errada. Não teria havido motivo para essa dureza toda.
Phaedra olhou para ela como se a amiga fosse uma criança ignorante das verdades da vida.
– Há um bom motivo. Acontece o tempo todo. Um marido faria isso se a esposa tivesse outro homem.
– Acho mais provável que ela quisesse escrever em paz. Você deveria se dedicar à literatura também, Phaedra, pois é capaz de fantasiar bastante em cima da preferência de uma pobre mulher por privacidade e ar do campo.
Phaedra se levantou e pegou uma pasta grande que se apoiava na parede.
– Talvez esteja certa, mas não deixe que o prazer a cegue com seu novo marido. Dizem que o último marquês podia ser rígido, duro e severo, e que isso convinha a ele. Alguns dizem que lorde Hayden tem muito da personalidade do pai.
Ela se sentou e abriu a pasta no colo.
– Agora dê uma olhada nestes desenhos comigo. Um novo amigo os fez e acho que ele demonstra grande talento.
Quando Alexia voltou para a Hill Street, Falkner a informou que Hayden não jantaria em casa. Nenhuma explicação foi dada, nem ela perguntou. Contudo, ficou imaginando por onde seu marido andaria nessa noite. Naquelas circunstâncias, preferia ter feito seus próprios planos, de forma que seu direito a uma vida em separado também fosse exercido.
Com tempo para si mesma, se recolheu cedo, mas não para seus aposentos. Em vez disso, se aventurou até seu antigo quarto. Apesar de suas roupas e artigos de higiene terem sido apanhados, ainda não dera instruções para que retirassem seus outros pertences de lá.
O quarto se mostrou estranho no começo. Parecia que ela se ausentara por um ano. Ao caminhar para lá e para cá, tocando em alguns livros e no papel de carta que esperava a caneta, o espaço se aqueceu com sua presença.
Uma cesta grande chamou sua atenção. Enfurnada debaixo da escrivaninha, ela guardava seus aviamentos.
Recebera um pedido da Sra. Bramble logo depois de ficar noiva e tinha feito o chapéu antes do casamento, para cumprir com a obrigação. O trabalho a deleitara. Concentrar-se na tarefa a havia ajudado a apaziguar suas emoções desencontradas naquela semana.
Levantou a cesta do chão e mexeu nas fitas e linhas de costura. Foi até o guarda-roupa e achou um pouco da palhinha que havia comprado no depósito. Não precisava mais confeccionar seus próprios chapéus, mas talvez em noites como esta fosse bom se ocupar com alguma coisa. Isso evitaria a sensação de estar apenas à espera de que algo interessante acontecesse.
Entregou-se com prazer ao trabalho. Decidir o molde da copa, ousar uma inovação na aba, escolher as cores – tudo isso deixava seu coração mais leve.
Forçou-se a parar perto da meia-noite. Ao voltar para seu quarto de dormir, ouviu vagos sons que indicavam que Hayden estava em casa. Não tinha sido uma noite muito interessante na cidade.
Uma sensação de alívio a invadiu. A reação foi tão nítida, tão intensa, que Alexia prendeu a respiração. Fechou os olhos e encarou suas emoções com franqueza. As implicações delas não eram boa notícia.
Seu coração tinha parado de bater, esperando para saber quando ele voltara, perguntando-se se era mesmo ele. Phaedra dissera que ele havia tido amantes. Era inevitável que chegasse o dia em que teria outra. Em seu íntimo, Alexia temia que ele já houvesse arrumado outra ou não tivesse rompido com quem quer que fosse sua amante antes de se casarem.
A tristeza do alívio, a forma como massacrava seu coração, indicava que isso fazia diferença para ela. Ela poderia até saber da possibilidade, mas não queria que acontecesse. Não era uma reação sensata, de forma alguma. Já desistira de se ressentir ou de lutar contra as verdades da vida. Quando não se pode mudar algo, quando não se pode vencer, a rebeldia só leva a mais infelicidade.
Contudo, se rebelava agora. O coração dela se rebelava. Não conseguiria aquietá-lo. Não queria que Hayden demonstrasse paixão por outra mulher. Imaginá-lo fazendo isso fez com que seu estômago ficasse embrulhado.
Despiu-se sozinha, pois tinha dito a Joan que não a aguardasse. Deitou-se na cama e esperou que a porta se abrisse.
O quarto caiu no mais completo silêncio. A casa inteira silenciou. Ocorreu-lhe que Hayden poderia ter vindo a seu quarto mais cedo e não a encontrado. O chapéu a distraíra tanto que ela perdera a noção do tempo.
Levantou-se e vestiu o robe. Descalça, percorreu o corredor de ligação entre seus aposentos e os do marido. A porta estava aberta. Ela espiou para dentro do quarto de Hayden.
Um abajur mínimo estava aceso, aumentando um pouco a parca iluminação que penetrava através das cortinas semiabertas. Era luz suficiente para ela ver que ele estava na cama, mas não para saber se estava dormindo. Ele estava deitado de costas, com as mãos por trás da cabeça, e os braços dobrados por sobre o monte de travesseiros, deixando entrever a parte superior do seu dorso.
A posição tensionava os músculos dos seus braços, definindo sua força.
Ela deu uma olhada no quarto. Nada tinha sido mexido. Os móveis permaneciam exatamente como antes. Mas não restava nada de Timothy ali. Era como se o primo nunca tivesse posto o pé naquele cômodo. Sem mudar nada, Hayden tinha tornado o quarto todo seu, simplesmente por ocupá-lo.
Ele se mexeu, espantando-a, e se levantou, apoiando o peso em um braço. Ela se sentiu uma invasora.
– Desculpe. Não queria acordá-lo.
– Não estava dormindo. Estava cultivando meu mau humor.
Uma invasora, por certo. Ela começou a recuar.
– O que você quer, Alexia?
Era uma pergunta para a qual ela não tinha resposta.
– Venha aqui.
Ela desejou que ele lhe permitisse retirar-se suavemente. Andou até a cama.
Ele ergueu a mão em sua direção, segurou seu braço e a guiou até ele. Após lutar um pouco com os lençóis, conseguiu trazê-la para junto de si. Deitou-se com um braço em volta dela, olhando para o drapeado acima da cama, tal como estivera fazendo quando ela chegou.
Ela logo percebeu que ele não pretendia fazer amor. Nem tinha ido a seu quarto mais cedo. Ele não a havia procurado porque não a queria naquela noite. Talvez tivesse se encontrado com uma amante. Uma das que já tivessem se consultado com o médico meses atrás.
A ideia a incomodou menos dessa vez, apesar de ainda a perturbar. Talvez a diferença fosse o contentamento com o modo familiar como o braço dele a enlaçava. Era muito agradável ser segura assim, sem expectativas no ar nem o desejo saciado criando uma névoa egoísta.
Eles nunca tinham feito isso antes. Sempre houvera um ponto após a relação sexual, um momento específico, em que a paixão evaporava. Ele sempre ia embora para se deitar em sua própria cama. Ela se perguntou se, como ela, Hayden notava o conforto suave desse abraço.
– Você não estava em casa quando saí esta tarde – disse ele. – Eu teria explicado meus planos hoje, já que foi a primeira vez em que saí sozinho à noite desde que voltamos de Kent.
Hoje, mas não no futuro. Suas intenções tinham sido gentis, mas também a informavam como os avisos eram dados.
– Foi muita gentileza sua querer explicar esta primeira vez, mas sei que muitas vezes ficaremos cada um para o seu lado à noite, como fazemos de dia.
Ele riu baixinho. Ela gostou daquele som e da prova de que o mau humor estava se dissolvendo, mas não fez ideia do que ele tinha achado engraçado.
– Tem um homem da Bavária. Organizaram um jantar para ele. Só para homens. Bebemos e falamos de caçada, mas o motivo real era discutir negócios.
– Você não precisa se explicar. Sou muito aberta. De verdade.
– Não quero que você fique pensando que fui procurar uma amante logo depois do casamento. Deveria ter me lembrado de que você é sensata demais para ser ciumenta, principalmente quando não há indícios.
Ela ficou feliz por estar escuro e ele não poder ver que ela enrubescera. Perguntou-se se seria tão sensata no futuro, quando houvesse indícios. Temia que não, considerando como sua descrição da noite aliviara suas preocupações.
Alexia se virou e se apoiou em um cotovelo, para ver o rosto dele.
– Hoje encomendei aquele vestido de noite de preço exorbitante que você queria. Madame Tissot quase chorou de alegria com o que vai ganhar com isso.
– Que cor é o vestido?
– Uma cor incomum. Parece marfim à luz da lareira.
– Parece uma cor que ficaria bem acompanhada de diamantes.
– Não sei.
De fato não sabia se já tinha visto diamantes de verdade.
– Você vai ver.
Ele dera a entender que compraria diamantes para ela. Isso a alegrou, como faria com qualquer mulher.
– Você disse que estava cultivando seu mau humor. Não correu tudo bem no jantar?
Ele não respondeu. Agora ela realmente fora intrometida. Tinha abusado da melhora de seu humor.
Ele apertou o ombro dela, fazendo com que voltasse a deitar a cabeça no travesseiro.
– Foi outra coisa que provocou meu mau humor. Uma visita profissional que não pôde ser evitada. Periga o meu humor ficar ainda pior nos próximos dias. Se eu não a procurar, seria melhor me deixar quieto.
Ele começou a desatar as fitas de seu robe.
– Mas hoje estou feliz que tenha vindo.
– Fale-me de sua família – pediu ela.
Seus sentidos captaram ao longe a frase dela. Eles não conversavam muito na cama, mas dessa vez fora diferente desde o início. Deve ter sido por isso que a pergunta reverberou no silêncio de forma natural, retirando-o de seu estado de relaxamento satisfeito. Porém, metade da mente dele permaneceu suspensa na quietude do contentamento sexual. Ele não voltaria à realidade por completo até que fosse obrigado a isso. Havia aborrecimentos a esperar por ele; ele os encararia quando fosse preciso, mas não agora.
Ele se ajeitou de forma que seu peso não a esmagasse. Não houve práticas diferentes naquela noite. Nenhuma iniciação. Hayden se perguntou se ela notara que ele tinha demorado um pouco mais porque a preocupação ficara em sua cabeça, chegando a afetar seu desejo em um primeiro momento.
– Tenho muitos primos. Você os conhecerá em breve.
Ela sutilmente arqueou seu corpo ao longo do dele, fazendo-o notar mais uma vez sua materialidade, seu toque. Depois do amor, era fácil esquecer-se de seus corpos por um tempo.
– E seus irmãos e seus pais?
– Você já conheceu meus irmãos.
Ele pensou em parar por aí, mas talvez ela merecesse algumas explicações. Logo as damas da sociedade estariam enchendo os ouvidos dela. Talvez isso já tivesse acontecido.
– Eu o invejo por eles. Tive um irmão que morreu jovem, um ano antes da minha mãe. Gostaria de ter crescido menos sozinha.
– Fizemos alianças úteis. Não contra a minha mãe, que era muito gentil.
Ela não estava tentando arrancar informações dele, mas ele imaginava que ela ouvira alguns boatos. Não gostava da ideia de que ela tivesse formado uma imagem da mãe dele que não fosse verdadeira. Se elas tivessem se conhecido, provavelmente teriam se simpatizado de imediato.
– Ela era um pouco excêntrica e tinha a capacidade de se fechar com seus próprios pensamentos por longos períodos. Em seus últimos anos de vida, deixou de vir à cidade.
– Ouvi dizer que ela era escritora.
Sim, alguém já tinha contado casos sobre ela.
– Uma boa escritora. Mas meu pai não deixou que ela publicasse seus livros. Ele não achava apropriado.
– Revelador demais, talvez? Em prosa ou poesia, seus textos a teriam exposto ao mundo.
E talvez o tivessem exposto também. A frieza, a rigidez e a cruel satisfação que tinha com a infelicidade dela. Este fora seu verdadeiro temor.
Uma lembrança ressurgiu, uma memória que sua mente tentava evitar. De um cômodo escuro e uma mulher sentada à mesa, com a pena na mão, curvada sobre o papel. Seus olhos ficavam sempre vivos quando escrevia essas folhas. Vivos e sãos com a alegria de visitar um mundo melhor.
Olhe para ela, garoto. Nunca se esqueça do que vê. Essa infelicidade é resultado dos impulsos irracionais que as emoções provocam.
Ele leu aquelas folhas antes de morrer. Encontrou poemas belos e otimistas, que revelavam a mãe de uma maneira que seu distanciamento negara a ele. Por um longo e terrível momento, odiara o homem que silenciara aquela voz.
– Ela se retirou do mundo, e de nós, mas não enlouqueceu. Não se preocupe. O sangue da família não traz essa mácula.
Alexia não protestou nem se defendeu dizendo que nunca pensara nessa possibilidade. Não falou nada. Talvez o tom seco a tivesse silenciado.
Só se virou em seus braços e pousou um beijo suave em sua testa.
CAPÍTULO 16
Suttonly recebeu Hayden em seu espaçoso quarto de vestir. Ele compartilhava charutos e confidências com seus amigos mais próximos naquele lugar, sob um teto decorado com cornijas douradas e pinturas em relevo que retratavam ninfas e sátiros.
– Está cedo, Rothwell. Pela hora, imagino que tenha vindo a negócios.
– Sim.
– Houve algum problema quanto ao novo investimento das Américas?
Hayden se sentou em um sofá enorme e confortável. O cômodo o lembrava de outras visitas, anos atrás, antes de o amigo ter herdado o título. Este quarto de vestir fora o covil particular de Suttonly, para onde trazia companheiros para longas noites de carteado e bebida.
– Vim falar sobre Benjamin Longworth. Tive motivos para examinar as finanças de Ben quando ele morreu. Ao ajudar o banco a avaliar a fortuna e as dívidas de Tim, sua fonte, o legado de Benjamin, surgiu também.
– Timothy Longworth se dizia banqueiro. Ele deveria ser capaz de avaliar tudo por si só.
Hayden ignorou a verdade nessa resposta.
– Ontem soube que Ben tinha uma conta no Banco da Inglaterra.
– Essa é ótima. Ele não confiava no próprio banco para guardar seu dinheiro, mas esperava que todos nós confiássemos.
– Era uma conta especial, com um objetivo especial. O dinheiro entrava por pouco tempo e depois saía. Em alguns casos, ele também aceitou títulos. E fez transferências para várias pessoas. Inclusive você.
Um sorriso lânguido expressou o divertimento deturpado de Suttonly.
– Pode bisbilhotar as finanças de Longworth quanto quiser, Rothwell, mas não venha mexer nas minhas.
Hayden se levantou do sofá. Caminhou rente a paredes cobertas de estantes de jacarandá dispondo coleções de pedras e plumagens. Suttonly fora naturalista no tempo da faculdade, mas esses interesses tinham sido abandonados e substituídos por prazeres londrinos havia muito tempo.
Ele pegou uma pedra estriada de vermelho trazida de uma visita ao parque nacional de Lake District em uma das férias.
– Há alguns anos você manteve títulos no banco Darfield e Longworth, não?
– Uma pequena quantia. Foi um gesto de amizade, para ajudar o amigo de um amigo. Não era um valor significativo.
– Os registros dizem que esses títulos foram logo vendidos.
– Decidi que não tinha obrigação de ajudar um amigo de um amigo se o considerasse um homem tedioso. Sim, eu os liquidei.
– E, no entanto, nos anos seguintes, Ben lhe deu dinheiro em particular.
– Era dinheiro particular para pagar uma dívida particular.
– Eram só as transferências? Ou os títulos iam para você também?
– Você acha sensato trilhar esse caminho, Rothwell? Bisbilhotar os negócios de dois velhos amigos?
Ele tinha certeza de que era insensato. Também sabia que precisava concluir a nova imagem de Benjamin que se formava em sua mente. Por enquanto ainda era um esboço, uma caricatura de um criminoso avarento e desesperado. Ele quase não reconhecia esse rosto.
– Os títulos que você liquidou somavam mil libras. As transferências, cinco mil. Mais dinheiro foi retirado em notas, a intervalos regulares. Mais de quinze mil no total.
Um suspiro fundo de tédio acolheu essas informações.
– Não compartilho sua fascinação por números. Quem se importa?
– Tenho motivos para me importar.
– Que pena que ele faleceu e não pode matar sua curiosidade.
Uma nova nota pontuava o tom indolente. Um contentamento presunçoso. Isso fez com que Hayden tirasse os olhos da coleção de pedras e se voltasse para o amigo.
A atitude de Suttonly demonstrava falta de consideração. Seu rosto permanecia alvo, mas seus olhos flamejavam. A raiva se refletia neles, assim como a precaução e uma astúcia perturbadoramente alerta.
Suttonly mantinha a placidez naqueles olhos reveladores, talvez inconsciente de que continham todas as respostas que Hayden buscava. Ou talvez quisesse que alguém soubesse como ele tinha sido esperto após descobrir o roubo.
– Peço desculpas, Rothwell. Tenho um dia cheio hoje.
Ele se levantou e andou até a porta.
– Meu criado vai acompanhá-lo.
– De quanto era essa dívida? – perguntou Hayden. – Quanto ele lhe devia?
Suttonly parou e se virou. O orgulho venceu a prudência após uma breve batalha.
– De certa forma, pode-se dizer que ele me devia a vida.
Hayden se levantou da cama em suas salas do centro financeiro e, com os olhos injetados, cambaleou até a pia. Ele nem olhou para o espelho em cima dela.
Chegara ali havia três dias, após o encontro com Suttonly. Ou já fazia quatro dias? Tinha perdido a noção do tempo. Diante da constatação de que Suttonly descobrira a fraude de Ben e o obrigara a pagar, da certeza de que Ben tivera um bom motivo para temer voltar para a Inglaterra, Hayden tinha se retirado para seu lar silencioso e particular. Seu assistente cuidava de sua alimentação, mas ele não lhe dera quaisquer outras ordens. No mais, passava horas sem conta com seus cálculos e só dormia quando o cansaço o dominava.
A luz prateada da aurora ficou branca quando os primeiros raios de sol atingiram a janela. A claridade repentina o colocou em um estado de alerta inoportuno. A verdade surgiu das sombras de sua mente, não mais obscurecida pela exaustão ou pela distração. Ela o rasgava por dentro como uma faca quente.
Ele deixara Ben morrer. A suspeita disso o assombrara durante anos. Olhando para trás, os detalhes daquela noite eram gritantes.
Ele deveria tê-lo escutado. Deveria tê-lo detido. Deveria ter pegado Ben à força se necessário e o carregado para fora do convés. Em vez disso, permitira que a raiva pela implicância de Ben o deixasse cego e surdo, e se afastara.
Ben tinha feito aquilo de propósito. Ele já planejara tudo. E não tinha dito a verdade. Não acreditara que encontraria ajuda se confessasse, apenas censura e o caminho da forca. Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica.
A raiva o estava fazendo perder a cabeça. Raiva de si mesmo e de Benjamin e também das circunstâncias que tornaram tudo tão lamentavelmente irônico.
Arrancou a camisa, curvou-se na pia e jogou água no rosto. A água escorreu pelo peito, atingindo a longa cicatriz. Uma lembrança dolorosa o perpassou, dor e medo enquanto uma lâmina cortava. Aquela casa não muito maior do que este quarto, e quase tão escura quanto. Ser irmão de um lorde inglês não significava nada para os soldados turcos que se divertiam com ele.
Se não fosse pelo heroísmo louco e impulsivo de Ben, ele teria morrido naquela casa da área rural. Devagar. Mas eles já tinham usurpado sua juventude quando Ben pulou pela janela.
Botou a camisa de volta e se dirigiu imediatamente para a mesa na sala ao lado. Fugiu para a pureza sublime dos cálculos como um usuário de ópio em busca de escape. Agarrar-se ao divino desígnio da criação o mergulhava em uma existência paralela, separada do mundo da dor física e das emoções caóticas que tornavam a vida profana demais.
Alexia bateu de leve com a ponta da carta no tampo da escrivaninha. A longa ausência de Hayden a preocupava. Tentou não pensar em onde e com quem ele poderia estar. Tentou ver isso não como abandono ou traição, mesmo que fosse mais doloroso por ter acontecido depois daquela noite tranquila juntos.
Sua perturbação crescente era por causa da carta em suas mãos. Rose escrevera. Finalmente. O bilhete parecia se dirigir a um conhecido distante. Falava de assuntos corriqueiros e não mencionava seus desentendimentos. Todavia, o contato tinha sido feito e Alexia não queria deixar que a porta se fechasse antes que tivesse a chance de passar por ela e tentar retomar a amizade com seus primos.
A boa esposa queria contar ao marido. Pegar a carruagem e deixar a cidade não seria ideal. Duvidava que Hayden achasse que ela poderia sumir por dias quando bem entendesse, sem o conhecimento ou a permissão dele.
Uma pergunta discreta a Falkner naquela manhã não tinha fornecido qualquer informação. Ninguém na casa fazia ideia de para onde Hayden tinha ido. Seu criado particular dissera que ele não tinha feito malas e que pegara o cavalo e não a carruagem. Ele estava em algum lugar em Londres, talvez aliviando o mau humor com alguém mais experiente do que sua mulher.
Abriu a carta e releu as frases contidas de Rose. Poderia simplesmente responder à carta. Com uma troca de correspondências educada, talvez conseguisse se reaproximar em alguns meses. Não queria esperar tanto tempo. Queria ver Rose e ter certeza de que seus primos não tinham se afastado dela para sempre.
Deixou o cômodo e chamou a carruagem. Tentaria encontrar Hayden e falar com ele sobre isso. Caso ele se mostrasse esquivo, faria a viagem até Oxfordshire sem a permissão dele.
Ela deu seu cartão ao criado e pediu para ver o marquês ou lorde Elliot Rothwell. Pouco tempo depois, foi levada à presença do último, que esperava na biblioteca.
– Christian não está recebendo visitas hoje – explicou Elliot. – Mas sempre me dá muita satisfação quando nos visita.
– Vim pedir a ajuda de vocês – explicou ela. – Gostaria de mandar uma mensagem para Hayden e pensei que talvez vocês soubessem como fazer isso.
Elliot assumiu uma expressão de curiosidade e espanto.
– Desculpe-me, mas não sei da agenda diária do meu irmão. Talvez seu criado pessoal...
– Ele saiu há três dias e não voltou. Tenho certeza de que está em Londres.
Ela tentava manter um tom despreocupado e esperava que seu rosto não demonstrasse embaraço.
– É importante para mim pelo menos tentar informá-lo de um assunto que exige que eu deixe Londres por um ou dois dias.
Elliot franziu a testa.
– Você disse três dias?
Sua atenção se concentrou nos próprios pensamentos.
– Sei o que você está pensando.
A ruga em sua testa sumiu, mas os olhos permaneceram preocupados.
– Quando meu irmão tinha amantes, não ficava com elas. Nunca. Nem estava envolvido com ninguém nas semanas anteriores ao casamento.
Ela apreciou sua franqueza. Sentiu um profundo alívio, mas uma pontada de medo tornou isso irrelevante.
– Só fiquei pensando... Seria possível que ele estivesse ferido ou...
– Não é provável. Sua carruagem está aí fora? Vamos então – chamou, atravessando a soleira decidido. – Vou falar com seu criado pessoal e depois a levarei até ele.
Ela correu até o cunhado.
– Na verdade eu só quero lhe enviar um bilhete.
– Se ele foi para onde eu imagino, isso pode não ser suficiente. Confie em mim.
– Você parece um prisioneiro em uma cela, Hayden.
A voz de Elliot soou como um canhão no silêncio. Ela o retirou de uma concentração tão intensa que seu maxilar doeu ao relaxar. Olhou para a janela do lado sul, que mostrava a posição do sol. Já passava do meio-dia.
Elliot carregava casacos e bagagens. Ele os levou para o quarto.
– Você não trocou de roupa nem para dormir, pelo que vejo. Não chegava a esse extremo fazia muito tempo. Anos. Desde aquele transe logo depois que voltou da Grécia.
A realidade entrou pela porta junto com Elliot. Precisava recolocar o mundo em seu eixo para compreender a invasão. Enquanto seu irmão permanecia no quarto, Hayden começou a reajustar seus sentidos recém-despertos. Sentia-se como um homem levantando-se da cama após um longo acesso de febre.
Olhou para o peito e percebeu como sua camisa estava suja.
– Foi Christian que o mandou aqui?
– Não – respondeu Elliot, ressurgindo do quarto. – Outra pessoa me alertou de seu desaparecimento – falou, indicando a porta.
Hayden a abriu. Alexia aguardava na antessala. Ele fechou a porta antes que a esposa o visse.
– Você não podia ter se dado o trabalho de enviar-lhe um bilhete? – perguntou Elliot. – Você a deixou imaginando que seu corpo poderia estar no fundo do Tâmisa ou que teria tirado uma semana em algum bordel.
– Não faço retiros em bordéis.
– Ela não sabe disso.
Demonstrando mais raiva do que Hayden via há anos, Elliot caminhou a passos largos para a porta.
– Vou deixá-los a sós. Se eu ficar, pode ser que eu queira saber o que causou isso. Talvez ela fique aliviada demais ou seja ignorante demais para se fazer a mesma pergunta.
– Você não ia querer saber. É por isso que gosto de você, Elliot. Você não me elogia nem critica. Você me traz camisas limpas, mas está preparado para me deixar sozinho com minha única forma de embriaguez.
– Não o critico, pois conheço bem demais essa bebida que o atrai. Isso não quer dizer que não fique preocupado quando você mergulha tão fundo nisso, Hayden.
Ele saiu, deixando a porta aberta. Alexia olhou para dentro. A expressão dela se desfez ao ver a aparência dele. Ela passou pelo criado, entrou e fechou a porta.
Deu-lhe uma boa olhada, da cabeça aos pés. Ele ficou bem ciente de como parecia nojento.
– Seu criado pessoal queria vir, mas Elliot o proibiu. Achei o pedido dele peculiar. Mal sabia que ele já imaginava o que iria encontrar – falou ela, depois fez um gesto mostrando o cômodo. – Contudo, ele previu as coisas de que você iria precisar. Imagino que tenha uma navalha aqui. Ou devo pedir que o criado chame um barbeiro?
Hayden passou a mão no rosto e sentiu a barba por fazer. Alexia andava pelo quarto, invadindo seu santuário particular.
– Gostaria de saber notícias do mundo, marido? Coisas impressionantes aconteceram enquanto você bancava o eremita. Escândalos, guerra e grandes descobertas.
Seu tom beirava a reprimenda.
– O que houve, Hayden? O que está fazendo aqui?
Ele se retirou para o quarto e despiu a camisa enxovalhada. Começou a se lavar e deu uma espiada no selvagem que se refletia no espelho. Elliot estava certo. Nunca tinha sido tão ruim nesses anos todos. Da última vez, quando voltara da Grécia, tinha sido pela mesma razão, e ele havia encontrado alguma paz. Forjara ambiguidades e mentiras suficientes sobre as lembranças daquela noite para se permitir algum perdão. Por mais estranho que fosse, dessa vez era a sinceridade que oferecia mais alívio.
Alexia o seguiu e se empoleirou na cama, esperando. Não disse nem uma palavra enquanto ele lavava o rosto e o torso na água que há muito esfriara. As gotas frias o trouxeram de volta à realidade.
Hayden encontrou a navalha na prateleira da pia e começou a se preparar para fazer a barba. Podia ver a expressão interrogativa dela pelo espelho.
Alexia esperava por uma resposta para a pergunta. O que ele estava fazendo ali? Não podia culpá-la por se preocupar, mas isso não significava que precisasse se sentir obrigado a dar explicações.
– Meus irmãos e eu herdamos a capacidade de minha mãe de nos refugiarmos em nossos pensamentos – disse ele ao testar a lâmina da navalha. – Fazemos isso de vez em quando, cada um à sua maneira.
– Por dias a fio?
– Não é comum. Várias horas, no máximo.
– Isso não foi várias horas.
– Às vezes acontece. Não é nem perigoso nem extraordinário.
– Foi o mau humor de que falou que causou isso, não?
Ele fez uma pausa em seus preparativos. Supôs que isso seria inevitável. As pessoas casadas mostravam uma aliança formal diante do mundo, mas era impossível evitar a completa familiaridade que surgia no leito matrimonial. As intimidades físicas os expunham um ao outro de uma forma espiritual, a menos que houvesse um esforço para impedir isso. Sua curiosidade era compreensível. Ele mesmo se perguntava o que residia naqueles domínios longínquos.
– Sim, aquele humor provocou isso. Mas meu recolhimento dispersou aquele humor, então foi bom.
– Você me advertiu de que eu deveria deixá-lo em paz. Está com raiva por seu irmão ter me trazido aqui?
– Não.
Não mesmo. Mas estaria melhor se ela não o visse naquele estado. Suspeitava que parecesse muito fraco.
– Sua mãe escrevia quando se encontrava nesse estado. O que você faz?
Ele pegou a navalha.
– Tem uma mesa e uma escrivaninha na sala ao lado, perto da janela. Meu trabalho está lá.
Ela foi até o local indicado para ver do que se tratava. Ele fez a barba, depois tomou um banho e se vestiu. Quando surgiu do quarto de dormir, ela ainda examinava as folhas com anotações matemáticas.
– Não entendo a maior parte, é claro – disse ela. – É como um idioma em que se conhecem as palavras, mas não se consegue ler as frases.
– Como qualquer idioma, pode haver poesia aí.
– Já me senti assim às vezes.
Ela pousou as folhas na mesa.
– Se uma poesia infinita o aguarda nestes cômodos, talvez estranho seja o fato de você chegar a sair daqui.
– Gosto demais do mundo dos sentidos para abrir mão dele por muito tempo.
Ele gostou da forma como ela assentiu, como se fizesse total sentido. Hayden não duvidava de que ela também entendia a disciplina exigida para sair de um reino e ir para o outro e como as circunstâncias podiam derrubá-lo às vezes.
Seu dia começara em um estado de consciência rarefeito, mas agora estava completamente normal e físico. A única nota destoante era a presença de Alexia naquele escritório.
– Você foi procurar Elliot porque estava preocupada?
– Só queria lhe mandar um bilhete. Pensei que ele poderia saber como fazer isso.
Um pequeno desapontamento o atingiu. Ela não havia especulado sobre o pior ou se preocupara com ele. Nem o teria questionado em sua volta. Não esperava nada dele, menos ainda explicações.
– Que bilhete?
Sua postura se empertigou de forma sutil. Seus olhos refletiram as luzes baixas e raivosas que ele vira muitas vezes desde que se conheceram. Isso só podia ter um significado.
– Rose me escreveu. Pretendo fazer uma rápida viagem para vê-la. Achei que deveria avisá-lo, para você não pensar que eu era impertinente.
– Você escreveu para eles de novo, Alexia?
– Sim. Duas vezes.
– Você me desobedeceu. Sua preocupação em ser impertinente é um pouco tardia.
– Não desobedeci, se lembrarmos exatamente o que você falou. Não fui desleal com você em minhas curtas cartas a eles. De fato, nem mencionei seu nome. Você me prometeu, quando me pediu em casamento, que não interferiria em minhas amizades. Levei sua promessa a sério.
Uma irritação pulsou em suas têmporas, e não apenas porque Alexia havia interpretado as palavras dele a seu bel-prazer. Duvidava que ela pudesse se encontrar com os Longworths, ou mesmo pensar neles, sem odiá-lo. Dali a cinquenta anos, a mera alusão àquele nome provavelmente ainda causaria essa expressão nos olhos dela.
– Sua prima a convidou para uma visita?
– Seria melhor esperar sentada por isso. Pelo menos ela admitiu que ainda estou viva, então eu vou de qualquer forma. Se ela se recusar a me ver, não haverá o que fazer. Mas não acho que ela faria tal coisa.
Esse encontro era inevitável. Algum dia, Alexia ia querer vê-los. Ele não desejava negar isso a ela, mas não lhes concederia uma liberdade total a ponto de influenciá-la contra ele.
– Não proibirei essa viagem, Alexia, mas vou com você. Vamos até Aylesbury Abbey por alguns dias e você poderá ir ver sua prima enquanto estivermos por lá.
CAPÍTULO 17
Uma névoa úmida pairava sobre a cidade de Oxford, criando uma aquarela de tons indistintos e embaciados. Universitários caminhavam em pequenos grupos por entre os antigos prédios de pedra, seus rostos jovens exibindo uma alegria e uma vivacidade que pareciam inapropriadas em meio à arquitetura formal das faculdades.
A carruagem de Hayden subiu a St. Gilles’ Street, deixando o território da universidade para trás. Ali, lojas e hospedarias se enfileiravam como em outras cidades do interior e os modos eram menos refinados. Pararam do outro lado da rua que dava na St. Giles’ Church.
Alexia começou a se mexer. A mão de Hayden cobriu com firmeza a maçaneta da porta, detendo-a.
– Ficaremos esperando na carruagem até ela chegar.
– Prefiro esperar na igreja. Não quero que ela vá embora se o vir.
– Se ela pediu para se encontrar aqui e não na casa dela, se está pagando pelo transporte para chegar até aqui, ela não irá embora. Não é a minha intromissão que ela teme, mas a do irmão.
Alexia ficou em dúvida. Rose respondera rapidamente à carta sugerindo o encontro. Talvez imaginasse que, caso não concordasse, Alexia iria bater à sua porta. Esse era o plano. Alexia lhe enviara uma mensagem ao chegar a Aylesbury Abbey, pedindo para ser recebida, mas estava pronta para se arriscar a fazer uma visita, mesmo que desse com a cara na porta.
Espiou pela janela, esperando pela aproximação da carruagem alugada que Rose teria pagado com dificuldade.
– Você me permitiria pelo menos saudá-la em particular?
– O cocheiro vai ajudá-la a descer. Talvez ela nem perceba que estou aqui.
Eles conversavam num tom frio. Na véspera, quando a resposta de Rose chegara a Aylesbury Abbey, tinham discutido sobre Hayden acompanhá-la a Oxford. Ela elencara os motivos sensatos por que ele não precisaria nem deveria ir. Ele fora inflexível.
Nenhum dos dois levantou a voz, mas o ar ficou cheio de raiva silenciosa. A discussão se concentrou em sua segurança e proteção, mas ela suspeitou que o problema fosse outro. A situação dos primos continuava a ser uma ferida aberta entre eles. Hayden não estava nada satisfeito com sua atitude.
Encontrava-se sentado com ela, ostentando a expressão distante que fazia o mundo considerá-lo frio. O distanciamento de Hayden causava preocupação no coração de Alexia.
– Se seus irmãos tivessem se afastado de você por causa da escolha da noiva, você não tentaria se aproximar deles de novo?
– Isso dependeria do que eles esperassem que eu fizesse e do que me custaria esse compromisso.
– Não me custa nada tentar essa reaproximação.
– Nem me custaria nada tentar a tal reaproximação com meus irmãos.
O significado do que ele dizia começou a fazer sentido na mente de Alexia. Ele não estava prevendo que ela seria obrigada a pagar um preço como condição de se reaproximar dos primos: acreditava que as expectativas dos Longworths tinham a ver com ele e comprometeriam a lealdade de Alexia para com o “terrível lorde Hayden”.
Um silêncio se fez entre eles, um silêncio pesado pela raiva que ele não demonstrou. Ela temia que, se dissesse algo, ele ordenasse ao cocheiro que fossem embora.
Um humilde cabriolé parou na frente da igreja. Rose desceu. Usava o casaco adornado de pele que Alexia tinha tomado emprestado para a primeira visita à casa de Easterbrook. Não percebeu a presença da elegante carruagem do outro lado da rua e andou em direção à igreja, desaparecendo por sua portada.
O cocheiro abriu a porta da carruagem e desdobrou os degraus. Alexia olhou para fora. Poderia caminhar livremente até Rose. Seu coração estava alegre pela perspectiva do encontro, mas ela também se sentia confusa, o que obscurecia sua felicidade.
Ela hesitou ao tomar a mão do cocheiro. Haveria um custo? Um acordo? Abraçar seus primos de novo traria algum pesar para sua nova vida?
O distanciamento e a raiva de Hayden a faziam sofrer. Uma dor física, lá dentro do coração. Sentia frio, como se o calor que a banhara tivesse sido retirado. Não percebera a importância dele, mas agora sua falta a assustava.
Ela olhou para Hayden. Quando esse calor tinha transbordado das horas noturnas, invadindo seu dia? Quando ela havia começado a esperar por ele com tanta ansiedade e encontrado tanto conforto e paz em um simples abraço? Ele não a havia procurado na noite anterior e o desapontamento dela fora intenso, ela ficara tão triste que não sabia o que fazer a respeito.
Também não sabia o que fazer com o misto de emoções que a assaltava agora. Não sabia como escapar disso. Temia que saltar da carruagem trouxesse o perigo de perder algo importante.
Um calor cobriu sua mão. A luva de Hayden estava pousada sobre a dela em um gesto de consolo e posse. Ela olhou para seu perfil. Ele também olhava perdido pela porta aberta.
Ele levou a mão dela até a boca e a beijou. Então a passou para o cocheiro.
Rose esperava logo depois da portada, oculta nas sombras da igreja antiga. Espiava a carruagem atrás de seu cabriolé.
– Ele está lá?
A pergunta dela rompeu o silêncio da igreja.
– Isso importa? Estou aqui agora. Só eu. Nenhum homem entre nós. Você está linda hoje, Rose. Mas, também, você está sempre linda.
A atenção de Rose escapou para ela. As duas se encararam na pouca luz da igreja. Alexia desejava muito se aproximar. Desejava desesperadamente que tudo ficasse bem com Rose pelo menos.
– Você também está muito bonita, Alexia. Apesar da afronta que seu acompanhante me causa, eis o que pensei quando você se aproximou: pelo menos ele está cuidando bem dela e ela está satisfeita com a situação.
– Preferiria que não estivesse satisfeita, Rose? Amoleceria seu coração se eu estivesse sofrendo?
– Sim.
Um longo suspiro seguiu a dura resposta.
– Não, não é verdade. Houve momentos em que a amaldiçoei por sua traição – admitiu ela, rindo com tristeza. – Mas imaginar você infeliz não me traz satisfação. Teria sofrido ainda mais se ele a tivesse destruído também e de uma forma tão definitiva.
Ela soava mais como a amiga querida do que como a prima vingativa. Alexia a perdoou pelos insultos a Hayden. Rose só conhecia o homem público, o homem que sabia ser frio.
– Posso abraçá-la, Rose? Senti muitas saudades.
Um instante se passou, fazendo surgir uma dor física em Alexia. Talvez Rose sentisse o mesmo. De repente, caíram nos braços uma da outra, primeiro chorando, depois rindo quando seus chapéus bateram um no outro.
Alexia fechou os olhos e inspirou com profundo contentamento. Todo o seu ser se alegrou com o contato e o amor.
Sentaram-se em um banco no fundo da igreja.
– Peço perdão por tê-la feito vir a este lugar frio e úmido – disse Rose. – Mas Timothy...
– Ele ainda está doente?
– Ele anda doente com tanta frequência que talvez pudesse ser considerado inválido. Mas às vezes fica melhor. Confesso que prefiro quando está doente.
– Espero que ele não seja cruel.
– Não cruel, só... triste. E com raiva. Não sei o que poderia acontecer se você fosse à nossa casa. Ele ficou furioso com a notícia de seu casamento. Ele disse coisas horríveis. Se soubesse que vim encontrá-la...
– Sou muito grata por você ter vindo, Rose. Tenho estado muito só desde que você foi embora de Londres. Nenhuma amiga pode substituir aquela a quem vejo como minha irmã.
Rose entrelaçou os dedos nos dela.
– Vim porque somos como irmãs, mas também para me certificar de que esse casamento foi de sua vontade. Timothy diz que Rothwell deve ter... Que o patife a importunou. O casamento repentino, sua dependência dele, bem, Tim conta uma história assustadora.
Porém, não uma história verdadeira. Ela não tinha esperanças de que perdoassem Hayden, mas não permitiria que a imaginação fértil deles culpasse seu marido por crimes que não cometera.
– Rose, fui descuidada com minha virtude. Mas não porque ele tenha me importunado. Admito que sucumbi à fascinação da paixão, provavelmente porque tinha tão pouca experiência nisso.
– Se houve fascinação, foi provocada. Suponho que devo dar algum crédito a ele por fazer a coisa certa após a sedução. Ele poderia tê-la abandonado desonrada. Sem condições de ser preceptora da prima, sem renda ou proteção.
Alexia nada disse. Se Rose admitia que Hayden se comportara com honra, não queria demovê-la dessa conclusão.
– Mas se casar com um homem desses, Alexia! Ligar-se a um homem sem piedade... – falou, fazendo cara de desgosto. – Dividir a cama com um homem quando não há amor...
– É menos ruim do que parece. Amor nunca foi um requisito para o casamento e agora entendo o motivo.
– É bom saber. Tenho pensado se a intimidade nesses termos é tolerável.
Alexia não gostou do que ouviu. Rose parecia ainda contemplar a hipótese escandalosa de se tornar cortesã.
Como se sua alusão profanasse a igreja, Rose parou.
– Vamos dar uma volta pelo pátio. É só sairmos por aquela porta.
A névoa no pátio não representava uma melhoria em relação à umidade dentro da igreja. Elas andaram uma ao lado da outra, passando por plantas dispersas e fileiras de sepulturas.
– Como Irene tem passado? – perguntou Alexia.
– Dei-lhe um tapa na semana passada. Ela estava amuada e agindo como criança. Perdi a paciência e bati nela. Odiei-me durante dias. Faz pouco tempo que ela voltou a falar comigo.
– Aposto que ela agiu de forma menos infantil nos dias seguintes.
Rose riu.
– Ah, sim. E não se pode lamentar se a pessoa está calada por constrangimento. Tento me lembrar que deve ser mais difícil para ela. Irene não conheceu muito mais do que luxo na vida.
– Gostaria de ter permissão para ajudá-la.
Ela abordou o assunto com cuidado e esperou pela reação de Rose.
– Timothy jamais permitirá. Aceitar caridade de Rothwell, além de tudo o mais... Isso o mandaria para o túmulo e temo que nos levaria junto com ele.
– Você fala como se ele tivesse enlouquecido. Tenho certeza de que ele não é perigoso.
– A amargura pode virar a cabeça das pessoas e temo que esteja virando a dele. Ele até culpou Ben por tudo isso. Ben, que está morto há tempos. Se isso não sugere um indício de loucura, não sei o que significa.
– Como ele pode culpar Ben? Imagino que Hayden talvez não tivesse sido tão duro se Ben ainda estivesse vivo, mas...
– Ele diz que teríamos renda suficiente para passar por isso se Ben não houvesse mandado todo o dinheiro para Bristol. Veja como ele está irracional. Ben pagou uma das dívidas do nosso pai. Comportou-se com dignidade, mas agora Tim o culpa.
Ela passou um braço pela cintura de Alexia.
– Vamos usar o tempo que nos resta com uma conversa agradável. Conte-me sobre suas novas sedas e joias. Posso odiar o marido que as comprou para você, mas fico feliz que tenha sido finalmente gratificada. Vou concebê-las em minha imaginação e experimentá-las em minha mente.
– Tenho que ir se quiser estar em casa antes do cair da noite – disse Rose.
Elas se sentaram em um banco no pátio. O frio há muito tinha endurecido os dedos de Alexia, mas ela não queria pôr fim ao encontro. A última hora tinha lhe relembrado os velhos tempos, com uma conversa casual sobre assuntos corriqueiros.
Elas voltaram para a porta lateral da igreja. Hayden ficara esperando na carruagem todo esse tempo. Ela não achava que o encontraria de melhor humor na volta.
Quando entraram na igreja, Alexia tentou de novo oferecer ajuda.
– Entendo que você não possa aceitar nada de meu marido. Mas e um pouco de dinheiro meu? Nosso acordo matrimonial me garantiu minha antiga renda. Também andei pensando em retomar a confecção de chapéus, de forma muito discreta. Gostaria que eventualmente aceitasse umas poucas libras vindas do meu próprio dinheiro, não do dele.
Rose parou na portada da frente. Inclinou-se e beijou a face de Alexia.
– É tudo da mesma fonte, não é? Seu dinheiro é dele. Você seria discreta o suficiente para ele não saber? Não, querida prima, não vamos confiar em engodos que podem expô-la à raiva de seu marido. Você e eu seremos amigas se as circunstâncias permitirem, mas não aceitarei seu dinheiro.
Abriram a portada e saíram. Rose parou imediatamente, olhando fixamente para a frente.
A carruagem de Hayden tinha mudado de lugar e agora esperava bem no fim do curto caminho de pedra que levava até a igreja. Hayden estava de pé ao lado dela, matando tempo. O cabriolé de Rose se fora.
Ele andou até elas.
– Srta. Longworth, talvez eu tenha sido ousado demais. Seu cocheiro estava ficando impaciente e queria ir procurá-la. Para não serem perturbadas, paguei o homem e o dispensei.
Rose parecia prestes a agredi-lo fisicamente. Ela lançava chamas com os olhos para Hayden.
Alexia olhou firmemente para ele por alguns momentos.
– Talvez fosse mais sensato permitir que o homem procurasse minha prima. Ela poderia ter decidido por si mesma o que fazer.
– Sabia como esse encontro era importante para você, minha querida. Quis dar-lhes tempo suficiente para conversar.
Hayden fez um gesto indicando a carruagem.
– Vamos pernoitar em Aylesbury Abbey hoje, Srta. Longworth. Vamos levá-la em casa.
– Sou obrigada a declinar.
– Fica no caminho e não será inconveniente para nós de forma alguma.
– Não é a sua conveniência que força a minha recusa.
– Nada força a sua recusa, além de orgulho, Srta. Longworth. Posso me sentar com o cocheiro, se isso fizer com que aceite a oferta.
Eles esperaram enquanto Rose pensava. Alexia podia vê-la pesar as opções, avaliando se poderia alugar outro cabriolé na cidade, considerando a oferta de Hayden.
– Ele não vai ficar dentro da carruagem com você – sussurrou Alexia. – E teremos um pouco mais de tempo juntas.
Com relutância, Rose permitiu que Alexia a ajudasse a subir na carruagem. Hayden fechou a porta e subiu ao lado do cocheiro.
Foi um percurso longo e silencioso até a casa dos Longworths. Rose se recusou a conversar. Ficou olhando para o teto da carruagem, como se percebesse o homem cuja presença pairava sobre elas.
Alexia ensaiou na mente a reprimenda que faria ao marido, mas no meio do caminho perdeu a vontade de fazer isso. Ele só quisera ser gentil, desejando que elas tivessem o máximo de tempo possível juntas. Com certeza Rose iria entender isso, se conseguisse ver mais do que a mágoa.
Era pedir demais. Uma família que contava tostões dificilmente seria gentil com o homem responsável por sua pobreza.
Quando se aproximaram do caminho para a casa, Rose abriu a porta da carruagem e pediu que parassem. Sem cerimônia, chutou os degraus e desceu. Ela já estava a meio caminho de casa quando Hayden saltou.
– Ela não quer que Timothy veja a carruagem – explicou Alexia. – Ele tornaria sua vida um inferno se soubesse que veio conosco.
– Entendo – disse ele.
Ficou observando enquanto Rose dobrava uma curva e desaparecia no caminho. Fechou a porta.
– Espere aqui. Pegue um cobertor e se aqueça. Não devo demorar muito.
– Demorar muito onde?
Ele apontou para o telhado visível por entre as árvores.
– Lá. Tenho assuntos para tratar com Timothy Longworth.
Esperou à porta. Em algum momento, eles abririam. Se não abrissem, entraria sem convite.
A porta finalmente se abriu. O rosto de Rose apareceu, pálido e preocupado.
– Vá embora. Por favor, vá. O senhor não tem o direito...
– Vim para ver seu irmão, Srta. Longworth. É do interesse dele e do seu que ele saiba o que tenho a dizer.
– Ele nunca falará com o senhor. Agora vá.
Ela começou a fechar a porta. Ele a segurou.
– Diga-lhe que Benjamin deixou pelo menos uma conta bancária que não estava entre os documentos dele. Sei onde é.
Rose pareceu incrédula, mas abriu a porta e permitiu que ele entrasse. Levou-o à sala de estar e depois saiu.
– Você vai queimar no inferno.
Olhou para o lugar de onde vinha a jovem voz que o amaldiçoava. Irene estava parada na soleira, com uma expressão petulante.
– Você arruinou minha vida. Sua prima dormiu na minha cama e será apresentada à sociedade e eu, não. Nunca me casarei, já que não tenho dinheiro e...
As lágrimas começaram a jorrar, interrompendo a briga. Ela secou os olhos em vão e continuou a fazer as acusações às cegas.
– Rose disse que Alexia teve motivos para se casar com você, mas não consigo pensar em um motivo bom o bastante. Eu a odeio por ter feito isso. Poderia ser qualquer outro homem. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você. Ela...
– Já chega, Irene.
A repreensão de Rose pegou Irene de surpresa. Não tinha percebido a chegada da irmã mais velha à porta da sala de visitas. Ela deu meia-volta e encarou a expressão severa de Rose.
Recomeçou a chorar, de raiva e frustração.
– Ele... ele...
– Não cabe a uma criança repreendê-lo e no momento ele é um convidado nesta casa. Vá para seu quarto agora.
Irene saiu correndo. Rose entrou pela porta e não se desculpou pela irmã. Hayden supôs que ela concordasse com cada palavra impertinente.
– Timothy descerá em breve. Pode se ocupar até a chegada dele?
– Certamente.
– Então o deixarei à vontade.
Ocupou-se pensando no que Rose e Alexia tinham conversado durante aquelas horas na igreja. Duvidava de que sua esposa o tivesse defendido de todas as acusações. Havia uma verdade no ataque imaturo de Irene. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você.
Não tinha obrigação de promover reconciliações, mas reduziria o estrago, se pudesse. Para o bem de Alexia, ele o faria, e por Rose e Irene. As damas não sabiam que Timothy era um criminoso, e o mais provável era que nunca viessem a saber. Elas não tinham ideia de como Tim havia causado o sofrimento da família e quão perto estivera do enforcamento.
Quando Longworth entrou na sala de visitas, não pareceu que seu atraso se devera ao tempo gasto arrumando-se. Ao contrário da aparência arrojada do último encontro formal entre os dois, ele parecia desleixado. Gravata torta e olhos embotados, ele andava de uma forma lenta e deliberada, típica de um bêbado, tentando não tropeçar.
– Rothwell.
– Que bom que arranjou tempo para me receber, Longworth. Está sóbrio o suficiente para entender o que tenho a dizer?
Longworth deu uma gargalhada.
– Mesmas palavras, mesmo homem, mesma resposta, Rothwell: sóbrio até demais, maldição.
Difícil de acreditar. Mas pelo menos não estava bêbado demais, que era o que importava.
– Ouvi uma confusão aqui embaixo há pouco. Era Irene gritando com você?
– Ela me culpa por arruinar a vida dela. Minha esposa também. Você mentiu para elas.
– Você me disse para mentir, lembra-se? Você disse para arrumar alguma mentira que as impedisse de saber a verdade – recordou, fazendo uma careta. – Achei que era melhor que elas odiassem a você, e não a mim.
– Quero que conte a verdade a Alexia.
– Está lhe causando problemas, não é? Sinto muito, não posso fazer isso. Ela encontraria um jeito de Rose saber. Você também não pode contar a ela, não é? Deu sua palavra de honra, se bem me lembro. Vai me perdoar, mas não serei solidário com seu problema.
Hayden não esperava nada diferente de Longworth, porém a recusa lhe deu vontade de socar aquele homem.
– Rose disse que você desencavou uma conta bancária para me obrigar a recebê-lo – foi dizendo Longworth enquanto se esparramava no sofá. – Tem dinheiro lá?
– Algum. Não o bastante.
– É claro que não. Nunca haverá o bastante. É a minha punição, não é? Nunca conseguir sair desta situação.
– Com esforço, você poderia, sim. Se não sucumbisse à doença de bom grado, você conseguiria.
– Não me venha com sermões. Rose faz isso por cinco homens. Onde é a conta?
– No Banco da Inglaterra.
– É estranho que não houvesse extratos nos documentos financeiros dele.
– Não tão estranho, considerando o uso que ele fazia da conta. Você aprendeu seu estratagema com Ben, como descobri. Ele fez isso por um longo tempo. Era nessa conta que ele colocava o dinheiro que roubava.
Longworth coçou a orelha.
– Sempre quis saber onde ele depositava o dinheiro. Mas deveria ter muito. Mais do que o suficiente.
– Ele gastou algum e também pagou os rendimentos que devia às vítimas, como você fez. Houve outras transferências de natureza particular. Restaram três mil. Deve ajudar.
Longworth assentiu de olhos fechados e entregue a divagações. Hayden se perguntou se ele teria caído do sono. No entanto, ele abriu os olhos.
– O gim está deixando minha cabeça meio confusa, mas isso não faz sentido.
– Como assim?
– Se você sabe que ele estava fazendo isso, então também sabe que títulos ele vendeu. Por que me deixaria ficar com os três mil? Por que não devolve o dinheiro para essas pessoas?
– A conta está no nome de Ben e você é o herdeiro dele. Não posso evitar que fique com o dinheiro, mesmo que queira. Quanto às vítimas, vou ressarci-las, para proteger meu nome.
Longworth assobiou.
– Muito dinheiro. Então você vai cobrir as dívidas criminosas de Ben, mas não as minhas.
– Como Ben está morto, não pode cobri-las. Além disso, ele era meu amigo e você não é.
– Ainda assim, deveria ter muito mais do que três mil. Tentei resolver isso depois que ele morreu, mas fiquei empacado cobrindo os rendimentos de seus esquemas anteriores. Tive uma boa ideia da magnitude de seus crimes, por assim dizer. Parece estranho o saldo da conta não ser maior.
Hayden sabia bem para onde tanto dinheiro tinha ido. Tinha aumentado a fortuna de Suttonly.
– Acredito que você não encontrará outros tesouros escondidos. Houve transferências para bancos em Bristol e York, uma boa quantia por um tempo, porém as contas não estavam em seu nome.
O desapontamento de Tim ficou patente.
– O dinheiro que foi para Bristol pagou uma das dívidas do nosso pai, então não existe mais. Quem ficou com o dinheiro em York?
– Um tal Sr. Keiller. Ben liquidou seus títulos logo, como mostra a contabilidade. Ele foi uma das primeiras vítimas, mas parece que Ben ressarciu o homem de todo o dinheiro roubado.
Longworth caiu em outra divagação, desta vez enquanto olhava para o tapete. Ele ressurgiu de seus pensamentos dando de ombros, de forma resignada.
– Então só me restaram três mil.
– Por causa de suas irmãs, sinto muito não haver mais.
Hayden enfiou a mão no bolso de seu colete e retirou um pedacinho de papel.
– Aqui estão os dados da conta no Banco da Inglaterra. Vai lhe poupar tempo. Colocou o papel em cima da mesa e andou até a porta.
– É estranho você ter se casado com Alexia – disse Longworth com displicência. – Foi para fazer a coisa certa, imagino, mas isso é ainda mais estranho. Ela não é uma mulher que vire a cabeça de um homem, muito menos a sua. Alguém como você não tem que seduzir preceptoras. Ben a achava bonita, mas eu a acho sem graça.
Hayden parou e voltou até Longworth. O impulso de esmurrar o homem ressurgiu.
– Duvido que você reconheça o valor de uma pessoa além de seus bens financeiros.
Longworth reagiu com um esgar.
– Antes eu tivesse jogado Rose em seus braços. Teria ficado com uma mulher bonita ao fazer a coisa certa e eu teria ficado com um cunhado rico.
Ele riu da própria esperteza. Hayden deixou a sala de estar enojado. Ao achar o caminho da porta, passou pela biblioteca e avistou a cabeça dourada da Srta. Longworth curvada sobre um livro. Ele voltou atrás e entrou sem ser anunciado.
– Srta. Longworth, acabei de contar a seu irmão que há três mil libras em uma conta no Banco da Inglaterra em nome de Benjamin. Como seu herdeiro, seu irmão pode sacar o dinheiro. Contudo, como ele está sempre indisposto, é melhor que a senhorita se informe das intenções dele em relação à quantia.
A Srta. Longworth fechou o livro sem olhar para ele.
– Obrigada por me contar, lorde Hayden. Envidarei todos os meus esforços para que ele gaste esse dinheiro de forma ajuizada.
CONTINUA
CAPÍTULO 14
– Acho que posso dizer que volto para Londres uma mulher diferente – disse Alexia quando a carruagem entrou na cidade.
Ela se referia às descobertas de seu corpo, supôs Hayden. Ela não reclamava de nada, se ele a arrebatava com força ou fazia amor devagar. Sua alegre concordância o fazia notar quão ousada ela estava preparada para ser. Muito ousada, se os últimos dias podiam ser considerados uma indicação.
Sua esposa cortesã parecia totalmente saciada, mas não tão mudada. Ela sorrira com malícia ao fazer aquele comentário, mas ele não vira nenhum traço particular, um olhar intencional que indicasse uma referência a mais do que a transformação sexual.
Quanto você está mudada, querida esposa? Quando o relaxamento chegava e ele caía sobre ela, tão exausto que perdia contato com a própria alma, ela também sentia um contentamento tão forte, tão intenso, que necessitaria de uma oração ou um poema? Ela vivenciava a ânsia inominável, que urgia para penetrar nos pensamentos do outro e conhecê-lo a fundo, da forma como seus corpos e seu suor docemente prometiam?
Ela estava linda. Muito doce. Muito calorosa. Contudo, a paixão deles o fizera aprender algumas lições também. Havia olhado no fundo daqueles olhos violeta ao penetrar nela. Havia avistado mais longe, onde as sombras tentavam ocultar os pensamentos dela. Em sua ânsia de conhecê-la, vira mais do que ela queria. No final, sempre surgia um muro afastando-o.
Havia quilômetros a percorrer por trás daquele muro.
– Espero que sua tia já tenha se mudado para a casa de Easterbrook – disse ela.
– Eu não estranharia se meu irmão estivesse se recusando a sair de seus aposentos.
– Você quer dizer que ele vai se arrepender desse arranjo?
– Ele suspeita que, uma vez refestelada na casa dele, será impossível retirar tia Henrietta de lá.
– Então é estranho que a tenha convidado para morar lá somente para nos acomodar. Ele sabe que você fez um mau negócio com esse casamento.
– Acho que ele quis tornar as coisas mais fáceis para você.
Ele pegou sua mão e a beijou.
– Quanto ao mau negócio, se os cavalheiros comentassem sobre o lado carnal de seus casamentos, meu irmão e meus amigos ficariam com inveja de minha escolha.
– Fico feliz de você estar satisfeito, Hayden.
Ele olhou em seus olhos. Não conseguia enxergar profundamente neles agora. À luz do dia, Alexia seria sua companheira, cuidando de seu conforto, dando-lhe filhos e, a menos que outro homem roubasse seu coração, seria fiel. A intimidade ficaria reservada para a cama, quando ela esquecia por um momento que ele era um homem a quem não amava e que a seduzira de forma inconveniente.
Não fora um mau negócio. Não mesmo. Era mais do que a maioria dos homens alcançava. E ainda... ele não podia negar que seu sentimento pela estimada Srta. Welbourne crescera nas últimas semanas, e não era só seu corpo que se aquecia em seus abraços.
Uma faísca conspiratória de alegria surgiu nos olhos de Falkner, algo incomum em alguem que demonstrava tanto autocontrole.
– Bem-vinda ao lar, senhora.
Lar. Só o fato de entrar na casa já a confortou, como vestir um xale velho e muito usado. Os ventos da vida a haviam fustigado nas últimas semanas. Os dias em Kent quase a assustaram, por serem tão cheios de novas experiências e de uma intimidade inesperada.
Voltava àquela casa como dona, e não como a prima pobre ou a preceptora. Mesmo no âmbito familiar, haveria diferenças. Elas eram visíveis nas reverências dos empregados.
Hayden a acompanhou até a biblioteca.
– Deveríamos fazer uma visita a Easterbrook logo – disse ela. – Preciso continuar a orientar Caroline.
– Não é mais sua função. Cabe a você decidir se quer continuar.
– Pensei que você tinha ido a Oxford naquele dia principalmente para garantir que as aulas de Caroline se concluíssem.
– O colar que levei tinha sido retirado do cofre na noite anterior, Alexia. Teríamos tido aquela conversa mesmo que você não houvesse dito a Henrietta que pretendia deixar esta casa.
Ele a desarmava quando dizia coisas assim. Era gentil da parte dele deixar o restante de fora e não dizer que o que tinha levado à conversa eram os acontecimentos do sótão. Ela não tinha certeza de querer que a verdade ficasse obscurecida. Com frequência ela perdia contato com a realidade quando estavam na cama, mas seria tolice permitir que a ilusão infectasse seus dias.
– Gostaria de continuar a dar aulas para Caroline. Ela não terá tempo para se acostumar com os hábitos e humores de uma nova preceptora.
– Vamos até lá hoje à tarde, então. Você poderá falar com Caroline e eu verei se meus irmãos estão sobrevivendo à invasão de Henrietta.
– Isso pode esperar até amanhã.
– Devo ir com você nesta primeira visita e preciso estar no centro financeiro amanhã. Tenho que resolver alguns negócios. Já os deixei de lado por muito tempo.
Era isso que ocupava sua cabeça quando ficava tão pensativo em seus braços? Enquanto o corpo dele se dissolvia no dela em completa satisfação e sua respiração invadia seu ser, ele estava pensando nos negócios? Talvez. A impressão de que as mentes deles estavam unidas como seus corpos talvez tivesse sido gerada somente por sua própria falta de individualidade.
Levaria um tempo até que ela percebesse as verdades de seu casamento e descobrisse o que era real e o que não era. Naquele momento, a referência aos negócios anunciava uma mudança. Dali em diante, teriam vidas separadas. O companheirismo que compartilharam em Kent não continuaria.
Ela não esperava por isso. Não era assim que os casais realmente viviam. Mas estava feliz por ter a oportunidade de conhecê-lo melhor. Por aprender algo do homem que havia nele.
Esse homem oculto não era tão diferente daquele que o mundo via, apenas mais complicado. Ele ria das piadas dela mesmo que não fossem tão engraçadas. Tratava-a com doçura mesmo quando comandava suas atividades do dia e sua paixão durante a noite. Na cama eles despertavam um ardor que de forma alguma o enfraquecia, que na verdade aumentava a força que a fazia tremer. Ele a envolvera em uma segurança que ela nunca havia experimentado antes. Ela acreditava cada vez mais na promessa que ele fizera na igreja, de que estaria segura com ele.
Falkner entrou na biblioteca carregando uma pilha de cartas cuidadosamente atadas com fitas.
– Isso foi enviado por lorde Easterbrook ontem – explicou ele.
Hayden desatou as fitas e deu uma olhada nas cartas.
– Falkner, chegou alguma carta para mim enquanto estava fora? – perguntou Alexia.
– Não, senhora.
O coração dela se partiu com um suspiro longo e triste. Entendia que seus primos ficassem zangados. Não previa uma aceitação rápida. No entanto, não esperava ser ignorada. Teria preferido receber uma carta cheia de acusações e fúria ao silêncio total. Eles agiam como se ela estivesse morta.
Ela não precisara lidar com essa perda em Kent. Hayden cuidara para que ela não tivesse muito tempo para pensar.
Ele estava próximo de uma mesa agora. A luz que entrava pela janela ao norte banhava o rosto dele com suavidade. Seu coração falhou uma batida ao olhar para ele e lembranças sensuais fluíram por sua cabeça.
– Eles se aproximarão de novo. Dê-lhes um tempo – consolou-a, sem tirar os olhos da carta que lia.
Ele nem precisava olhar para ela para entender o que estava pensando.
– Acho que devo escrever de novo.
– Preferia que não o fizesse, Alexia. Não gosto da ideia de tê-la implorando o perdão de seus primos por ter se casado com o terrível lorde Hayden.
Ele não estava dando ordens, mas agia como um marido que instruía a esposa sobre o comportamento que esperava dela. Uma boa esposa obedeceria e ela havia se comprometido a sê-lo. Contudo, não previra que ele fosse interferir em um assunto particular.
Alexia não discutiu, apesar de perceber que ele estaria aberto a ouvir objeções. Ela não explicou que não tinha implorado nem pretendia implorar o perdão deles. Sua demonstração de autoridade de marido a deixara pouco inclinada a aplacar seu orgulho ferido.
Quando a pedira em casamento, ele prometera que não iria se meter em suas amizades. Seus primos eram seus amigos mais chegados. Ela faria com que Hayden cumprisse a promessa.
Não iria esperar que seus primos tomassem a iniciativa de contatá-la. Se o fizesse, talvez eles nunca mais se reaproximassem.
Encontraram Henrietta bem instalada na casa de Easterbrook. A maneira como ela os saudou indicou que não era uma convidada, mas a dona da casa.
Ela os recebeu na sala de estar. Deu uma boa olhada em Alexia, depois deu um sorriso de mulher para mulher.
– Parece que o casamento combina bem com você, querida.
Alexia sentiu seu rosto enrubescer.
– Combina comigo bastante bem, sim.
Hayden se afastou, deixando-a sofrer o exame de Henrietta sozinha. A chegada de Caroline abrandou a curiosidade da mãe, mas não suspendeu o interrogatório.
– Você achou Kent agradável?
– É uma bela propriedade.
O olhar de Henrietta se moveu na direção de Hayden, que andava ao longo da fila de janelas.
– Ele parece muito satisfeito.
Caroline olhou para ele também.
– Ele parece mesmo, não? Nem de perto tão assustador quanto antes.
– Dizem que só Vênus para domesticar Marte – falou Henrietta baixinho.
Caroline franziu o cenho, confusa com a alusão. Alexia perdeu a paciência com as insinuações de Henrietta.
– Não sou nenhuma Vênus e ele é inteligente demais para ser comparado a Marte. Se você percebeu contentamento, fico feliz. Assumo minhas funções de esposa com muita seriedade, como certamente você também o fez.
– Eu apreciava minhas funções, Alexia, e sinto falta da alegria que elas me proporcionavam.
– Espero apreciá-las também – disse Caroline. – Aprendi muito sobre o planejamento de jantares enquanto você esteve fora. Vou me divertir muito quando for uma anfitriã.
As sobrancelhas da jovem se ergueram.
– Mas vocês receberam convidados em Kent? – perguntou Caroline.
– Estamos falando de outras funções, querida – disse Henrietta.
– Sua mãe lhe explicará no momento certo – reconfortou-a Alexia. – Agora temos que combinar quando virei para lhe dar aulas.
Caroline torceu o nariz. Henrietta começou a sugerir um cronograma com o qual nenhuma das duas parecia concordar. Hayden, sem dúvida percebendo que a conversa sobre como ele estava satisfeito tinha se esgotado, se aproximou.
Começavam a fazer progressos em estabelecer um planejamento quando Easterbrook chegou. A aparência dele espantou Alexia. Não usava colete nem gravata e sua sobrecasaca estava desabotoada, revelando a camisa branca. Sua falta de trajes apropriados teria parecido comum, não fosse pelo corte impecável e o tecido de qualidade das roupas que vestia.
Hayden não reagiu – a informalidade do irmão não o surpreendia –, mas Henrietta revirou os olhos.
– Realmente, Easterbrook, pensei que tínhamos entrado em um acordo ontem à noite de que não iria ficar circulando pela casa com pouca roupa – disse ela.
O autocontrole de Easterbrook permaneceu inabalado.
– Você expressou sua opinião sobre o assunto. Mas isso não quer dizer que eu tenha concordado.
– Você está constrangendo Alexia, recebendo-a desse jeito.
– Está se sentindo constrangida ou insultada, Alexia? Devo-lhe desculpas?
– Esta é a sua casa, senhor. Eu não ousaria ficar constrangida ou insultada.
– Resposta admirável. Quisera que todas as mulheres fossem tão sensíveis e compreensivas.
Henrietta expressou falta de sensibilidade e compreensão ao sacudir a cabeça com desânimo. Easterbrook e Hayden se afastaram para uma conversa particular. Alexia trouxe Henrietta e Caroline de volta a seus planos.
– Onde está o relicário, Henrietta querida?
Era a voz absolutamente calma de Easterbrook que chegava até elas.
Henrietta se virou para onde ele e Hayden estavam, perto de uma mesa. Alexia se lembrava do relicário cravejado de pedras que ocupava lugar de honra ali.
– Este cômodo tem uma decoração clássica e o relicário é gótico. Não combinava, então o levei para a biblioteca.
Uma mulher mais esperta teria se encolhido apenas com o olhar que Easterbrook dirigiu a Henrietta, mas sua tia respondeu com um de seus sorrisos sonhadores.
Hayden saiu da sala de visitas. Voltou um pouco depois, carregando o relicário. Levou-o para Henrietta.
– Posso sugerir que o coloque de volta no lugar? Christian tem um apreço especial por ele. Tenho certeza de que não sabia disso quando o retirou daqui.
Henrietta parecia pronta para retrucar, mas a expressão séria de Hayden a deteve. Ela olhou para Easterbrook, que a mirava como a uma raposa medindo o tamanho de uma galinha que cruzava desavisada seu caminho.
Alexia caminhou até o relicário.
– Permita-me que...
– Não – disse Hayden.
Henrietta encarou os dois sobrinhos. Levantou-se e pegou o relicário. Fazendo-se de magoada, rejeitada, submissa, mas não intimidada, rapidamente passou por Easterbrook e pôs o relicário sobre a mesa. Depois se encaminhou para a porta, com o nariz empinado.
– Venha comigo, Caroline. Alexia, nos encontraremos quando vier nos visitar amanhã.
Perplexa com o que tinha acabado de acontecer, Caroline se juntou à mãe. Depois que a porta se fechou atrás delas, Easterbrook foi até o relicário e o ajeitou no centro da mesa.
– Você me conseguiu uma semana de paz, Hayden, não mais que isso – suspirou resignado. – Elliot não fica mais em casa. Foge para as bibliotecas durante o dia e para o apartamento de alguma mulher da vida durante a noite. Fiquei só eu. E ela.
– Vamos procurar outra casa – disse Hayden. – É visível que ela o deixa exasperado.
– Sobreviverei. Sua esposa vai nos visitar com frequência no futuro e espero que, logo que a temporada de apresentações das jovens comece, Henrietta se distraia e me deixe em paz.
– Prometo vir visitar sempre – disse Alexia.
– Muito bom – afirmou ele e em seguida deixou de lado os planos de Henrietta. – Meu irmão parece bem-disposto, Alexia. Espero que ele tenha se comportado bem e que a satisfação seja mútua. Somos de uma família que tem motivos para acreditar que as alegrias iniciais do leito nupcial são tudo o que garante uma boa condição matrimonial tanto para o homem quanto para a mulher.
Hayden suspirou e balançou a cabeça.
– É preciso deixar que ela teste a água e se acostume com a temperatura, Christian. Ver você vestido assim foi bastante por um dia. Foi bom você não ter aparecido de robe.
Easterbrook examinou suas roupas.
– Eu teria me arrumado para receber sua esposa, caso isso não desse uma vitória a Henrietta.
– Entendo perfeitamente – disse Alexia. – Sou conhecida por negar uma ou duas vitórias a certas pessoas.
– Tenho certeza de que sim. É por esse motivo que a vi com benevolência desde o primeiro momento – disse, sentando-se na cadeira antes ocupada por Henrietta. – Várias outras cartas chegaram para você hoje, Hayden. Devem ser de quem não leu o anúncio discreto publicado na semana passada. Mas acho que o boato circulou entre as mulheres rapidamente, já que o lote enviado anteriormente continha muitos convites. Henrietta relatou que há muita curiosidade pela dama que teve sucesso na empreitada em que tantas falharam.
– Todos a conhecerão em breve. Vamos aceitar a maior parte dos convites.
– A ideia de ser avaliada a assusta, Alexia? – questionou o marquês.
– Um pouco. Mas é melhor passar por isso logo.
– Bastante sensato. Ela é realmente muito equilibrada, Hayden. Em uma cidade cheia de frivolidade feminina mesmo entre os homens, ela é uma lufada de brisa refrescante.
Eles ficaram um pouco mais. Os homens conversaram sobre política e esporte. A conversa fluía em torno dela. Ela considerou que Easterbrook estava prolongando a recepção por sua causa, para que se sentisse bem-vinda. Ou talvez não se incomodasse com sua companhia por achá-la sensata.
Fora um elogio, vindo de um homem que não perdia tempo com falsidades. Contudo, não era o tipo de comentário que a maioria das mulheres apreciava ouvir.
Sensata. Não bonita ou encantadora ou inteligente. Sensata. Que palavra sem graça. Sim, aqui estou, a pequena sensata. Um bastião do senso prático. Uma cidadela de sobriedade. Até mesmo a paixão que vivencio com esse novo marido é uma questão de aceitar o que não posso mudar. Estamos ambos fazendo o máximo para que um casamento decretado por um impulso tolo e por um pragmatismo frio dê certo.
Ela olhou para Hayden, que parecia sem pressa de ir embora. Certamente gostava de conversar com o irmão.
Ele sentiu o olhar de Alexia e voltou-se para ela. A doçura suavizou sua sobriedade e seus olhos refletiram as lembranças dos momentos íntimos.
Por uns poucos doces instantes, a vida que tinham à noite se intrometeu no dia e ela não se sentiu nem um pouco sensata.
Hayden não se recolheu junto com ela naquela noite. Ela o deixou na biblioteca, escrevendo uma carta. Joan, que esperava por ela no quarto de dormir, chegara de Kent no meio do dia para trabalhar como sua criada pessoal. Alexia decidira que seria tolice procurar por outra criada se já encontrara uma que a agradava. A moça estava muito animada com suas novas funções e a oportunidade de morar na cidade grande.
Joan a ajudou a vestir a camisola, e então penteou seus cabelos. Depois disso, Alexia a dispensou e se deitou.
Aquele quarto nunca fora usado em todos os anos em que vivera naquela casa. Rose não o ocupara, reservando-o para a futura esposa de Benjamin, depois para a de Timothy. O cômodo tinha ligação com os aposentos do dono da casa, que agora era Hayden.
Olhou para o tecido marfim drapejado que pendia acima dela. Prometera a Hayden que os pensamentos sobre seus primos não invadiriam suas noites, mas o marido não estava lá naquele momento. Os eventos da última semana tinham suspendido suas reflexões, porém agora ela estava sozinha de novo. No passado, imaginara-se deitada em sua cama esperando por um homem diferente, e a lembrança de Ben a invadiu em ondas cada vez mais vívidas.
Tais memórias eram fruto de nada mais que seus pensamentos em um primo. As emoções em relação a Ben haviam se alterado desde que lera as cartas no sótão. Pensar que tinha sido uma de suas muitas conquistas a magoava. Nunca suspeitara que a insistência dele em relação à discrição fosse porque não queria que seus irmãos soubessem que havia se comportado de forma desonrosa com ela.
No entanto, foi o que ocorreu. Seu orgulho gostaria de acreditar que ela fora seu amor verdadeiro, sua futura esposa, e que as cartas vinham de uma mulher que apenas satisfizera as necessidades dele até que se casasse. Hayden até mesmo sugerira que era esse o caso. A garota romântica em seu coração se agarraria a essa explicação por anos. Alexia Welbourne, a mulher que aprendera bem demais as verdades nuas e cruas do mundo, estava menos inclinada a ser tão generosa.
Entretanto, essa mulher não poderia exorcizar as lembranças de Ben completamente. Voltara a pensar nele ao atravessar a porta, mas não com saudade ou anseio por sua presença. Agora reavaliava suas recentes preocupações a respeito dele. A lembrança do primo permanecia vagamente incompleta então, e quanto a assuntos essenciais.
Ela o viu de novo ao beijá-la antes de partir para a Grécia. Tinha sido só atração o que sentira por ele? Ela percebera quanto Ben ansiava por partir, mas sufocara esse pensamento. Agora ele ressurgia em sua mente, liberado da mentira. Ela analisou seu sorriso e ouviu suas garantias. Também viu outra emoção no fundo dos olhos dele.
Alívio. Ele estava feliz por se afastar. Dela? Não, ela não seria tão importante assim. Ben poderia ter se livrado dela sem ir para a Grécia.
Ficara aliviado de deixar a Inglaterra e desanimado de voltar. Hayden acreditava que Ben fora descuidado no navio por causa dessa melancolia. Tão descuidado que acabara caindo no mar.
Fechou os olhos para tentar reter as lágrimas que começavam a queimar. Ela o amara intensamente, como namorada, noiva ou prima. Não queria pensar nele tão infeliz, tão desesperado que...
Por causa dela? Seria terrível imaginar que seu envolvimento com ela o tornara tão infeliz. Com certeza tinha sido outra coisa, mais importante.
Quisera ter lido aquelas cartas com mais cuidado e descoberto algo além do que a prova de haver outra mulher na vida dele. Quisera não ter ignorado os outros papéis. Ela abrira o baú à procura de uma resposta para a pergunta que a atormentava agora. Precipitara-se ao se agarrar à crença de que nunca mudara e, ao sentir aquele perfume nas cartas, ficara distraída demais para se lembrar da sua meta.
Ela esfregou os olhos, secando as lágrimas que tinham escorrido para seus lábios cerrados. Piscou mais forte e olhou de novo para a noite.
Hayden estava de pé ao lado da cama. A luz de um pequeno abajur longe deles criava um halo ao redor de sua silhueta. Ela se espantou ao vê-lo. Não o tinha ouvido entrar.
Conforme as sombras ficaram mais vivas, com brilhos avermelhados, ela viu que ele usava um robe largo, amarrado de forma descuidada. O tecido era escuro e caía com suavidade.
– Você estava chorando.
– Não, não estava. De verdade.
Não era de todo mentira. Não tinha havido tantas lágrimas assim, a ponto de serem consideradas choro.
Ele abriu o robe. A luz tênue destacou os ângulos duros de seu corpo e rosto. O espanto dela diante da beleza do marido obscureceu os pensamentos que tinham preenchido a última hora.
Ele se juntou a ela na cama. Puxou-a para mais perto e olhou para baixo. Um leve estremecimento de excitação pelo que estava por vir percorreu todo o corpo dela.
Ele não a beijou. A mão dele se manteve no quadril dela exercendo a pressão firme que expressava tanto sobre ele. Ele não agarrava nem apertava. Nem tinha que fazê-lo. Essa pegada mais suave era também mais eficiente em demonstrar quanto ele acreditava possuí-la.
– Por que estava chorando?
Ele não deveria pedir uma resposta dessas. Não importava para ele.
– Você disse que havia assuntos sobre os quais não falaríamos à noite, Hayden. Acredito que seja uma boa regra.
A cabeça dele se virou levemente. Ele voltou o olhar para o vazio.
– Vou comprar ou alugar outra casa. A oeste do parque, se necessário. Imaginava que viver aqui seria um erro.
– Por favor, não faça isso. Por favor. Não é a casa. A saudade virá de vez em quando, aonde quer que eu vá.
A atenção de Hayden se voltou para Alexia, como se ela tivesse dito algo importante. A mão dele acariciou a coxa e a perna dela. Com movimentos longos, ele puxou a camisola da esposa para cima.
– Talvez eu devesse deixá-la com sua nostalgia esta noite... mas acho que não.
Ele acreditava estar competindo pela atenção dela? Por isso seu beijo tinha sido tão longo, tão íntimo, tão perfeito para deixá-la sem fôlego? Ela não pôde ignorar a nova e sutil dureza na forma como a segurou. O beijo dele foi mais direto do que lisonjeiro. Ele a dominou como na carruagem, quando havia insistido até que o corpo dela admitiu que a paixão deles não era um mero dever.
Ela cedeu sem resistências. Ela queria. Tinha ficado tão solitária em seus pensamentos, tão apartada das pessoas e do amor que dera algum significado a sua existência. A intimidade a seduziu mais do que o prazer.
A pele de Hayden pressionou a de Alexia quando ele afundou o rosto em seus cabelos. A respiração dele a penetrou, incitando-a tanto quanto suas carícias. Ele levantou os braços dela e puxou a camisola, depois a deitou de costas de novo, nua ao lado dele.
Ela amava a forma como a mão dele se movia. Fechou os olhos para saborear a sensação dos trajetos lentos e confiantes que ele traçava por seu corpo. Cada centímetro dela ansiava por experimentar aquele calor, para ficar mais vivo sob esse toque.
Ele afastou as pernas dela e moveu-se para cima, posicionando-se entre suas coxas. O corpo dela instintivamente se mexeu para aceitá-lo, mas uma ponta de decepção se intrometeu em sua excitação. Seria rápido esta noite. Tivera esperanças de...
Ele não aceitou a oferta que o corpo dela fez. Retirou as mãos da esposa dos ombros dele e as pôs de cada lado da cabeça de Alexia. A ausência de abraço acrescentou uma nota de vulnerabilidade. Seus seios se elevaram, completamente expostos, tão sensíveis que o ar fazia cócegas neles.
Ele não chegou a pedir que ela ficasse naquela posição, mas Alexia entendeu que ele esperava que ela ficasse. Ele parecera satisfeito em Kent quando ela participou, mas hoje queria que só aceitasse. Não achava que era a generosidade que o motivava agora, assim como não fora na carruagem.
Um beijo na parte lateral do seu seio ocultou o vago ressentimento que estava se formando. A cálida pressão dos lábios dele e o toque tremulante de seu cabelo ao mergulhar a cabeça a entorpeceram. O que quer que ele quisesse provar a Alexia, havia beleza nisso. A forma como beijava todo o seu seio fazia com que ela se sentisse especial, bem como possuída.
Logo a melodia que pedia mais sussurrou na cabeça dela enquanto seu corpo sabia o que se aproximava. Ele esperou até que ela estivesse pronta. A expectativa dela virou uma aflição excruciante antes que os dedos dele substituíssem sua boca e ele circundasse seu mamilo com carícias vagarosas.
Ele esfregou o bico de seu seio. Tudo nela gemeu de alívio e desejo. Ele insistiu até que um caos de prazer e frustração a preenchesse. O peso dele impedia que o baixo ventre dela se movesse, negando-lhe até mesmo o pequeno consolo que a possibilidade de erguer o quadril lhe daria.
Ele passou a língua pelo outro mamilo, criando uma sensação deliciosa de suportar. Ele a lambeu com suavidade, multiplicando as pulsações arrepiantes embaixo até que elas formassem um fluxo contínuo e maravilhoso de tortura. O toque dele em seu outro seio a levou ao delírio. Ela arqueou as costas sem inibição, implorando que ele continuasse para sempre.
Ele a levara ao ponto em que apenas o desejo carnal existia. Sua mente se nublou para tudo o que não fosse a forma como ele a excitava e ela precisava disso, queria mais. Essa melodia a penetrou fisicamente. Pulsava em sua cabeça e em seu sangue e doía entre as pernas, onde seu sexo esperava, vazio e incompleto, formigando e latejando.
Ele se mexeu e ela sentiu a umidade entre eles, o líquido que escorria de dentro dela. Ela tentou escorregar sob Hayden, para que ele pudesse entrar.
– Não se mexa.
Era ele que se movia mais para baixo. Foi descendo, percorrendo o caminho com beijos quentes. Parou um instante ao passar pela cintura dela, mas continuou a descer. Não planejara fazer isso.
O calor da boca dele em seu púbis a espantou. Beijos eletrizantes na parte interna das coxas fizeram com que Alexia perdesse o fôlego. Ela olhou para seu corpo, para a forma escandalosa como Hayden agora estava tão baixo, tão próximo... Olhou para o pequeno abajur. Era provável que ele a estivesse vendo.
Ele a tocou com cuidado, com precisão. Lampejos celestiais de prazer sobrepujaram seu espanto.
– Pretendo beijá-la aqui também. Você quer negociar, Alexia? Você pode se recusar.
Beijá-la ali? O instinto de detê-lo, de se cobrir com as mãos, foi demolido por outras carícias. A sensação tomou o corpo dela por inteiro. Seu quadril se elevou, oferecendo-se.
Ele não a beijou. Não de verdade. Mas o que quer que estivesse fazendo com a boca e a língua criavam um prazer tão profundo, tão surpreendente, que ela gemia. O gozo cresceu aos poucos e a sacudiu de maneira tão violenta que ela gritou, rompendo o silêncio da noite.
Ele se juntou a ela antes que seu grito cessasse, virando-a de maneira que ela encarasse o colchão e cobrindo-a com o próprio corpo. Ele não perguntou se ela aceitava essa parte. Cobriu-a com seu corpo de uma forma que nenhuma parte dela ficasse intocada. Ninguém poderia duvidar de seu domínio naquele momento. As estocadas dele mantiveram os tremores do prazer de Alexia ecoando quando gozaram juntos. Ambos pulsavam quando ele ejaculou.
Hayden não se moveu por um longo tempo. Ela sentia a respiração ofegante dele em seu cabelo e em seus ombros e o peso dele em seu quadril. Sutilmente, ele foi relaxando os braços, que sustentavam seu peso sobre ela, e aproximando-se em um abraço. Ela estava exausta demais para se importar com a sujeição que sentia estando sob ele. Não tinha medo. Nunca ficava com medo. Nem se sentia usada de maneira indigna. Não havia nada de frio nem de indiferente no desejo dele.
Ele deu um beijo nas costas dela, entre as escápulas.
– Continuaremos nesta casa, se você quiser.
Depois ele se foi, deixando o quarto com o robe flutuando em torno em si.
Ela se virou para se deitar de costas. Ainda não se recuperara, mas percebeu que ali acontecera mais do que aprender novos prazeres.
Talvez estivesse enganada acerca do calor, do... carinho que sentira nele. Talvez esta noite não passasse de um teste, para ver se a história dela naquela casa interferiria no que ele esperava obter.
CAPÍTULO 15
A brisa da primavera emanava perfumes revigorantes conforme Hayden ia andando pelo centro financeiro de Londres. Ergueu o rosto em direção ao sol brilhante, observando sua posição. O astro começara sua inútil tentativa anual de combater a umidade eterna da cidade.
Parou diante da fileira imponente de fachadas clássicas que compreendia o Banco da Inglaterra, na Threadneedle Street. Ia ali com frequência para tratar de negócios, mas naquele dia não cuidaria de negócios comuns. Entre as cartas que esperavam seu retorno de Kent estava uma de Hugh Lawson, um assistente de caixa do banco.
Lawson era um jovem ambicioso que bajulava Hayden na esperança de ser incluído em sociedades de investimentos promissoras. A carta de Lawson vinha em resposta a uma indagação do próprio Hayden. Sim, o cavalheiro em questão mantivera uma conta particular no Banco da Inglaterra, escrevera ele. Se lorde Hayden fizesse uma visita ao banco, Lawson tentaria dirimir quaisquer outras dúvidas.
Depois de deixar Alexia na véspera, tinha pensado por um instante em não fazer essa visita. A paixão tinha formas de obscurecer a realidade.
Ela estava chorando em silêncio quando ele entrou no quarto. Por causa da rejeição do primo? Ela passara a possuir uma fortuna considerável ao se casar com ele, além de posição social e segurança. Descobrira o prazer físico e parecia feliz com seu poder. Porém, perdera o amor da família.
E o pior, ele sentira outra presença no quarto, que imaginara ser Ben, o motivo do choro. As cartas no sótão haviam maculado as lembranças de Ben, mas as mulheres tinham o hábito de amar canalhas mesmo quando descobriam a verdade.
Ele havia se incomodado mais do que deveria com aquela intromissão no quarto. Mais do que nunca, tinha se empenhado em fazer uso do poder que o prazer lhe dava. Levara Alexia a um mundo diferente, um mundo que os Longworths não invadiam.
Nenhum fantasma pairava em torno daquela cama quando ele saiu. Mas se tivesse ficado mais tempo, talvez... Um espectro teria conseguido se esgueirar de novo, tornando o ar carregado de saudade e sofrimento?
Em caso positivo, não teria sido totalmente por culpa de Alexia. Não era apenas seu amor eterno por Ben que o mantinha em suas vidas.
Pairavam no ar perguntas sobre Ben que exigiam respostas. Um instinto o advertiu que um homem ajuizado deixaria isso de lado, mas sua negligência na noite da morte do amigo era uma culpa que implorava por mais informações.
Percorreu o caminho entre os escritórios com tetos de abóbadas altas do banco e desceu alguns degraus. Lawson o recebeu em uma sala pequena e sóbria localizada abaixo da área pública do banco.
Lawson tinha um ar conspiratório ao fechar a porta. Não era permitido discutir os negócios de um cliente com outro, mesmo que um deles já estivesse morto. Hayden ficou feliz com a exceção, mas nunca mais confiaria tanto assim em Lawson.
– Benjamin Longworth de fato tinha uma conta aqui, conforme o senhor perguntou. Na verdade, ela ainda existe e há um valor considerável depositado nela. Seus herdeiros não devem estar cientes da existência dessa conta.
Isso significava que os registros de Ben dessa conta não estavam entre os documentos que Timothy recebera após sua morte.
– Era uma conta polpuda?
– Variava. Um valor alto entrava, mas depois saía. Parecia muito com contas de comerciantes, como importadores. Nessas contas, o dinheiro é depositado e depois retirado para pagar letras de câmbio ou coisa parecida.
– Qual o valor dessas retiradas?
Lawson deu de ombros.
– Algo entre cem e mil libras de uma só vez.
– Saques?
– No início, sim. Depois apenas pagamento de notas promissórias.
– Gostaria de ver os registros.
Lawson já tinha passado dos limites. Agora sua expressão deixava claro que hesitava em dar mais esse passo.
– Tenho indícios que levam a acreditar que Longworth estava com problemas financeiros. Como seu amigo, gostaria de pôr minha cabeça no travesseiro e descansar, tendo certeza de que ele não estava passando por tais problemas – disse Hayden. – Seria um grande favor de sua parte. Um favor impossível de recompensar, apesar de que eu tentaria com todas as minhas forças.
A expressão de Lawson se desanuviou. Se tinha hipotecado sua honra e seu futuro, queria se assegurar de que no fim receberia créditos para compensar esses débitos. Ora, ele era bancário.
Ele pegou um fino livro contábil de uma pilha sobre a mesa. Colocou-o em cima dos outros e saiu da sala.
Quando a porta se fechou, Hayden pegou o livro. O primeiro depósito de Ben na conta fora há anos, cerca de seis meses após a compra da sociedade no banco de Darfield. Quantias pequenas de início, depois maiores.
Percorreu com o dedo a coluna de depósitos, somando mentalmente. Por quatro anos, Ben escondera mais de cinquenta mil no Banco da Inglaterra. Era dali que deveria vir o dinheiro, depois que ele falsificava as assinaturas e liquidava os títulos das vítimas. Era muito mais do que Darfield e ele imaginavam. Darfield ainda estava ocupado rastreando todas as vendas e determinando quais eram fraudes. Se esta conta fosse uma indicação, o pobre homem teria uma apoplexia.
Seis meses de registros da conta: começou uma série de saques, uma longa lista de retiradas. Algumas transferiam o dinheiro de volta para sua conta no Darfield e Longworth, pois assim, supunha-se, ele poderia pagar rendimentos aos clientes desavisados e eles nunca saberiam que o principal em suas contas não mais existia. Algumas retiradas iam para pessoas físicas e outras para contas em bancos regionais em Bristol e York.
Ele examinou atentamente os saques. No meio da lista, surgiu um novo nome que chamou sua atenção e deixou todos os outros insignificantes. Uma série de transferências tinha sido feita para um indivíduo a intervalos regulares, mas com muita frequência para serem pagamentos de rendimentos. Depois, um ano antes da morte de Ben, elas pararam. Contudo, a exatos intervalos de dois meses, e sempre no mesmo dia, o dinheiro continuou a ser retirado, somente em espécie.
O padrão ficou muito claro para ele, continuando até o mês em que Ben foi para a Grécia. A intuição que o advertira a deixar isso de lado zombou impiedosamente dele dentro de sua cabeça.
Era pior do que pensava. Ben tinha sido chantageado e as quantias haviam aumentado em seu último ano na Inglaterra. E o próprio Hayden apresentara Ben ao homem que extorquira dinheiro dele.
– É um pouco tarde para pedir minha opinião – disse Phaedra. – Você ainda terá um vínculo com ele, não importa o que eu diga.
Você não pediu meu conselho antes de concordar em se casar com ele, então por que pedir agora?, era o que seu tom dizia.
Alexia queria saber o que Phaedra achava dele, porque ela mesma já não sabia o que pensar. Sua visão estava confusa. De noite, quando seus corpos se uniam e se fundiam, ela vivenciava uma intimidade tão completa, tão nítida, que isso a atemorizava. Suas noites começavam a parecer mais reais do que seus dias.
– Não percebi que vocês se conheciam. Achei que os estava apresentando naquele dia, do lado de fora do depósito. Você só se referiu a ele como sendo frio, por isso perguntei por que tinha essa opinião.
– Eu não o conhecia. Mas a gente ouve comentários. E você há de convir que ele não parece muito acolhedor por natureza.
Elas estavam sentadas na excêntrica sala de visitas de Phaedra. Alexia nunca chegara a uma conclusão a respeito do modo como o cômodo era decorado. O tecido cor de safira do sofá parecia bem desgastado, mas xales jogados descuidadamente sobre ele davam uma aparência de luxo mesmo assim. Os móveis eram uma mistura de acabamentos e estilos, porém dispostos com a intenção de agradar aos olhos com sua desordem eclética. Dois gatos vagavam à vontade, um preto e um do mais puro branco. O branco tinha o hábito de pular no colo de Alexia e agora estava enroscado lá, soltando pelos em seu casaco marrom.
Livros se espalhavam sobre duas mesas ao lado do sofá. Gravuras de Piranesi exibindo estranhas escadas decoravam as paredes. Apenas uma pequena aquarela à esquerda parecia o tipo de obra de arte que as pessoas normalmente comprariam. Pinceladas coloridas cristalinas mostravam a paisagem de uma montanha, descendo até um lago.
– Eu não poria muita fé em boatos, nem em um autocontrole que é apenas resultado da criação – disse Alexia.
– Então presumo que você não o ache frio e que superou a aversão que o comportamento dele em relação a seus primos causou – disse Phaedra. – Fico feliz de ouvir isso. Uma mulher casada não tem a opção de discordar sexualmente, portanto ajuda bastante se ela gostar.
Só mesmo Phaedra para começar a falar nesse assunto como se fosse a coisa mais normal do mundo, porém Alexia ficou aliviada por ela ter tocado no tema. Sentira muito a falta da amizade tranquila de Rose nos últimos dias. Uma mulher precisa ter uma amiga para fazer confidências eventualmente.
– Acho que gosto até demais – disse ela. E superei a aversão bem demais. Completamente demais, talvez.
– Que coisa estranha de se dizer. Espero que não se atenha à ideia estúpida de que o prazer é pecado.
– Não.
Não pecado. Só... perigoso. Ela não poderia explicar isso a Phaedra. Não tinha palavras para descrever. Mas, às vezes, quando se abandonava nos braços de Hayden, sentia que oferecia a ele uma parte de sua alma.
– Só me pergunto se é normal gostar dessas coisas com uma pessoa a quem não se ama.
– Se os homens podem, por que não as mulheres?
Por que não, de fato? Alexia não podia negar que a pergunta fazia sentido. Duvidava que Hayden se preocupasse por ele estar tendo prazer demais.
Phaedra mudou de posição no sofá, virando o corpo inteiro e puxando uma das pernas para cima. Era a imagem de uma mulher que se preparava para uma boa fofoca.
– Como você perguntou por que eu disse que ele era frio, vou lhe contar que isso não se deve apenas ao humor severo que ele mostra para o mundo. Conheço uma de suas amantes do passado.
– A amante o chamou de frio?
– Ela disse que ele era bom de cama, mas que permanecia distante. Ela compartilhava prazer com o homem que o mundo vê, que é raramente cálido, vamos admitir. Normalmente, na cama, surge outro homem.
Alexia entendia isso. Ela sentira o outro homem surgir de dentro dele e ficava orgulhosa por Hayden ter sido menos reservado com ela de que com a amante que Phaedra conhecia.
– Imagino que ele tenha tido muitas amantes.
Sem dúvida teria mais amantes no futuro. Ele não negara isso. Não havia perigo para ele na intimidade que compartilhavam.
Phaedra deu de ombros.
– Isso é muito comum. Minha amiga disse que ele era um pouco estranho a esse respeito. Ele poderia seduzir quem quisesse apenas com aquela cara dele. Mas, em vez disso, sempre se certificava de deixar bem claro o que as mulheres ganhariam com isso e o que nunca teriam. O acordo era confortável, porém faltava o mínimo de ilusão romântica. Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais, sabe? Todas nós gostamos.
Ele fizera um acordo bem explícito com ela também. Tão explícito que ela imaginara que ele estivesse fazendo uma proposta para que se tornasse sua amante, e não sua mulher.
Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais. Era isso que ela estava fazendo? Fingindo que havia mais? Talvez a proximidade, a sensação de vínculo, fosse uma ilusão criada por seu coração para poupá-la da verdade nua e crua de que ela era uma cortesã em seu casamento.
– A condição mais estranha dessa proteção – continuou Phaedra – foi sua insistência em que as amantes fossem examinadas por seu médico primeiro. Ele não seduzia antes e negociava depois.
Ela pegou um bolinho na bandeja em cima da mesa e o ofereceu a Alexia.
– Isso não seria comum em um homem tomado pela emoção, não é? – continuou Phaedra. – É a precaução lógica, mas também calculada friamente.
Alexia aceitou o bolo porque sabia que Phaedra os tinha feito com as próprias mãos. Ela não tinha criados, nem mesmo para fazer a faxina, apesar de sua renda permitir esse gasto.
– Como você vê, venho me informando sobre ele desde que me disse que iam se casar – disse Phaedra. – Também soube de excentricidades no histórico familiar.
– Que excentricidades?
Os olhos de Phaedra se arregalaram antes de dar outra mordida no bolo. Alexia riu de sua expressão cômica. Phaedra riu também, cuspindo uma chuva de migalhas de bolo sobre seu vestido.
Ela afastou as migalhas com a mão.
– Como disse, esta é uma conversa que deveríamos ter tido antes do casamento. Você não sabe nada sobre ele.
– Sei o bastante – murmurou ela, examinando o bolo.
O riso de Phaedra tinha um tom sarcástico.
– Os efeitos do seu desvirginamento são deliciosos, Alexia. Você imaginava que o prazer venceria o seu senso prático? Um homem a seduz e você perde a cabeça? Daqui a pouco vai dizer que se apaixonou e não se importa com quem ou o que ele é.
– Pode zombar quanto quiser, mas não me acuse de ser uma tola romântica. Não perguntei sobre o passado da família dele. Não há uma forma educada de se fazer isso.
– Há uma história que valia a pena conhecer, talvez. Dizem que a mãe dele passava dias e até semanas sem sair do quarto. Talvez ela sofresse de uma grave melancolia. Contudo, soube que tinha talento literário e acho mais provável que ela tenha se perdido na arte. Nos últimos anos de sua vida, se retirou completamente para a casa de campo deles. Alguns acham que ela ficou louca. Quase sempre é por essa razão que um membro da família se torna recluso.
– Não acredito que o sangue de Hayden tenha ficado maculado desse jeito. Ele teria me contado, me advertido.
Phaedra limpou mais algumas migalhas de cima do vestido.
– Talvez não seja sangue ruim, então não achou que precisasse lhe contar. Mas é um assunto que voltou à baila agora que Easterbrook está ficando excêntrico. Os que fazem essas especulações acreditam que ela enlouqueceu e que um dia Easterbrook também ficará louco. Há outras explicações para como e quando ela desapareceu e pretendo lhe contar uma delas.
– Quais seriam essas explicações?
– Devoção à sua arte, dizem alguns. A necessidade de gritar ao mundo e criar se tornaram tão intensas que ela se retirou da sociedade. Outras pessoas com temperamento artístico defendem essa explicação.
– Você não expôs essa explicação com muita convicção.
– Uma mulher não precisa se tornar eremita para ser escritora. Nem tem que se afastar totalmente da sociedade. Essa ausência foi completa e permanente.
– Qual a explicação que você defende, então?
– Nenhuma que se encaixe nos poucos fatos que conheço. Pode ter sido uma doença. Sífilis, por exemplo.
Alexia olhou fixamente para ela. Phaedra entendeu mal a estupefação.
– Isso é...
– Sei o que é. Não sou criança.
– Isso explicaria a exigência do exame médico por Rothwell. Ele teria um temor maior do que os outros homens se tivesse visto os efeitos da doença tão de perto. Ele podia desejar uma mulher, mas não faria nada até saber que o ato não o mataria.
Exceto por uma vez, no chão de um sótão, ele tinha agido sem saber. Ele não poderia ter certeza de que ela era virgem. Não havia calculado os riscos naquele dia. Ela tentou ordenar isso em sua cabeça.
– E o pai dele?
– Não ouvi nada a respeito dele. A doença pode ter se desenvolvido devagar e só se manifestado próximo da morte. Mas existe um furo nessa teoria, o que torna a última mais plausível. Ela pode ter se afastado da sociedade por ordem do marido, não por livre e espontânea vontade, e ter sido mandada para a casa de campo como uma forma de prisão.
– Aylesbury Abbey dificilmente pode ser chamada de prisão.
– Qualquer lugar se torna uma prisão se a pessoa for confinada lá, privada da liberdade de ir e vir. Com o poder que o marido tinha, se ele quisesse afastá-la do mundo, ele poderia fazer isso.
– Tenho certeza de que você está errada. Não teria havido motivo para essa dureza toda.
Phaedra olhou para ela como se a amiga fosse uma criança ignorante das verdades da vida.
– Há um bom motivo. Acontece o tempo todo. Um marido faria isso se a esposa tivesse outro homem.
– Acho mais provável que ela quisesse escrever em paz. Você deveria se dedicar à literatura também, Phaedra, pois é capaz de fantasiar bastante em cima da preferência de uma pobre mulher por privacidade e ar do campo.
Phaedra se levantou e pegou uma pasta grande que se apoiava na parede.
– Talvez esteja certa, mas não deixe que o prazer a cegue com seu novo marido. Dizem que o último marquês podia ser rígido, duro e severo, e que isso convinha a ele. Alguns dizem que lorde Hayden tem muito da personalidade do pai.
Ela se sentou e abriu a pasta no colo.
– Agora dê uma olhada nestes desenhos comigo. Um novo amigo os fez e acho que ele demonstra grande talento.
Quando Alexia voltou para a Hill Street, Falkner a informou que Hayden não jantaria em casa. Nenhuma explicação foi dada, nem ela perguntou. Contudo, ficou imaginando por onde seu marido andaria nessa noite. Naquelas circunstâncias, preferia ter feito seus próprios planos, de forma que seu direito a uma vida em separado também fosse exercido.
Com tempo para si mesma, se recolheu cedo, mas não para seus aposentos. Em vez disso, se aventurou até seu antigo quarto. Apesar de suas roupas e artigos de higiene terem sido apanhados, ainda não dera instruções para que retirassem seus outros pertences de lá.
O quarto se mostrou estranho no começo. Parecia que ela se ausentara por um ano. Ao caminhar para lá e para cá, tocando em alguns livros e no papel de carta que esperava a caneta, o espaço se aqueceu com sua presença.
Uma cesta grande chamou sua atenção. Enfurnada debaixo da escrivaninha, ela guardava seus aviamentos.
Recebera um pedido da Sra. Bramble logo depois de ficar noiva e tinha feito o chapéu antes do casamento, para cumprir com a obrigação. O trabalho a deleitara. Concentrar-se na tarefa a havia ajudado a apaziguar suas emoções desencontradas naquela semana.
Levantou a cesta do chão e mexeu nas fitas e linhas de costura. Foi até o guarda-roupa e achou um pouco da palhinha que havia comprado no depósito. Não precisava mais confeccionar seus próprios chapéus, mas talvez em noites como esta fosse bom se ocupar com alguma coisa. Isso evitaria a sensação de estar apenas à espera de que algo interessante acontecesse.
Entregou-se com prazer ao trabalho. Decidir o molde da copa, ousar uma inovação na aba, escolher as cores – tudo isso deixava seu coração mais leve.
Forçou-se a parar perto da meia-noite. Ao voltar para seu quarto de dormir, ouviu vagos sons que indicavam que Hayden estava em casa. Não tinha sido uma noite muito interessante na cidade.
Uma sensação de alívio a invadiu. A reação foi tão nítida, tão intensa, que Alexia prendeu a respiração. Fechou os olhos e encarou suas emoções com franqueza. As implicações delas não eram boa notícia.
Seu coração tinha parado de bater, esperando para saber quando ele voltara, perguntando-se se era mesmo ele. Phaedra dissera que ele havia tido amantes. Era inevitável que chegasse o dia em que teria outra. Em seu íntimo, Alexia temia que ele já houvesse arrumado outra ou não tivesse rompido com quem quer que fosse sua amante antes de se casarem.
A tristeza do alívio, a forma como massacrava seu coração, indicava que isso fazia diferença para ela. Ela poderia até saber da possibilidade, mas não queria que acontecesse. Não era uma reação sensata, de forma alguma. Já desistira de se ressentir ou de lutar contra as verdades da vida. Quando não se pode mudar algo, quando não se pode vencer, a rebeldia só leva a mais infelicidade.
Contudo, se rebelava agora. O coração dela se rebelava. Não conseguiria aquietá-lo. Não queria que Hayden demonstrasse paixão por outra mulher. Imaginá-lo fazendo isso fez com que seu estômago ficasse embrulhado.
Despiu-se sozinha, pois tinha dito a Joan que não a aguardasse. Deitou-se na cama e esperou que a porta se abrisse.
O quarto caiu no mais completo silêncio. A casa inteira silenciou. Ocorreu-lhe que Hayden poderia ter vindo a seu quarto mais cedo e não a encontrado. O chapéu a distraíra tanto que ela perdera a noção do tempo.
Levantou-se e vestiu o robe. Descalça, percorreu o corredor de ligação entre seus aposentos e os do marido. A porta estava aberta. Ela espiou para dentro do quarto de Hayden.
Um abajur mínimo estava aceso, aumentando um pouco a parca iluminação que penetrava através das cortinas semiabertas. Era luz suficiente para ela ver que ele estava na cama, mas não para saber se estava dormindo. Ele estava deitado de costas, com as mãos por trás da cabeça, e os braços dobrados por sobre o monte de travesseiros, deixando entrever a parte superior do seu dorso.
A posição tensionava os músculos dos seus braços, definindo sua força.
Ela deu uma olhada no quarto. Nada tinha sido mexido. Os móveis permaneciam exatamente como antes. Mas não restava nada de Timothy ali. Era como se o primo nunca tivesse posto o pé naquele cômodo. Sem mudar nada, Hayden tinha tornado o quarto todo seu, simplesmente por ocupá-lo.
Ele se mexeu, espantando-a, e se levantou, apoiando o peso em um braço. Ela se sentiu uma invasora.
– Desculpe. Não queria acordá-lo.
– Não estava dormindo. Estava cultivando meu mau humor.
Uma invasora, por certo. Ela começou a recuar.
– O que você quer, Alexia?
Era uma pergunta para a qual ela não tinha resposta.
– Venha aqui.
Ela desejou que ele lhe permitisse retirar-se suavemente. Andou até a cama.
Ele ergueu a mão em sua direção, segurou seu braço e a guiou até ele. Após lutar um pouco com os lençóis, conseguiu trazê-la para junto de si. Deitou-se com um braço em volta dela, olhando para o drapeado acima da cama, tal como estivera fazendo quando ela chegou.
Ela logo percebeu que ele não pretendia fazer amor. Nem tinha ido a seu quarto mais cedo. Ele não a havia procurado porque não a queria naquela noite. Talvez tivesse se encontrado com uma amante. Uma das que já tivessem se consultado com o médico meses atrás.
A ideia a incomodou menos dessa vez, apesar de ainda a perturbar. Talvez a diferença fosse o contentamento com o modo familiar como o braço dele a enlaçava. Era muito agradável ser segura assim, sem expectativas no ar nem o desejo saciado criando uma névoa egoísta.
Eles nunca tinham feito isso antes. Sempre houvera um ponto após a relação sexual, um momento específico, em que a paixão evaporava. Ele sempre ia embora para se deitar em sua própria cama. Ela se perguntou se, como ela, Hayden notava o conforto suave desse abraço.
– Você não estava em casa quando saí esta tarde – disse ele. – Eu teria explicado meus planos hoje, já que foi a primeira vez em que saí sozinho à noite desde que voltamos de Kent.
Hoje, mas não no futuro. Suas intenções tinham sido gentis, mas também a informavam como os avisos eram dados.
– Foi muita gentileza sua querer explicar esta primeira vez, mas sei que muitas vezes ficaremos cada um para o seu lado à noite, como fazemos de dia.
Ele riu baixinho. Ela gostou daquele som e da prova de que o mau humor estava se dissolvendo, mas não fez ideia do que ele tinha achado engraçado.
– Tem um homem da Bavária. Organizaram um jantar para ele. Só para homens. Bebemos e falamos de caçada, mas o motivo real era discutir negócios.
– Você não precisa se explicar. Sou muito aberta. De verdade.
– Não quero que você fique pensando que fui procurar uma amante logo depois do casamento. Deveria ter me lembrado de que você é sensata demais para ser ciumenta, principalmente quando não há indícios.
Ela ficou feliz por estar escuro e ele não poder ver que ela enrubescera. Perguntou-se se seria tão sensata no futuro, quando houvesse indícios. Temia que não, considerando como sua descrição da noite aliviara suas preocupações.
Alexia se virou e se apoiou em um cotovelo, para ver o rosto dele.
– Hoje encomendei aquele vestido de noite de preço exorbitante que você queria. Madame Tissot quase chorou de alegria com o que vai ganhar com isso.
– Que cor é o vestido?
– Uma cor incomum. Parece marfim à luz da lareira.
– Parece uma cor que ficaria bem acompanhada de diamantes.
– Não sei.
De fato não sabia se já tinha visto diamantes de verdade.
– Você vai ver.
Ele dera a entender que compraria diamantes para ela. Isso a alegrou, como faria com qualquer mulher.
– Você disse que estava cultivando seu mau humor. Não correu tudo bem no jantar?
Ele não respondeu. Agora ela realmente fora intrometida. Tinha abusado da melhora de seu humor.
Ele apertou o ombro dela, fazendo com que voltasse a deitar a cabeça no travesseiro.
– Foi outra coisa que provocou meu mau humor. Uma visita profissional que não pôde ser evitada. Periga o meu humor ficar ainda pior nos próximos dias. Se eu não a procurar, seria melhor me deixar quieto.
Ele começou a desatar as fitas de seu robe.
– Mas hoje estou feliz que tenha vindo.
– Fale-me de sua família – pediu ela.
Seus sentidos captaram ao longe a frase dela. Eles não conversavam muito na cama, mas dessa vez fora diferente desde o início. Deve ter sido por isso que a pergunta reverberou no silêncio de forma natural, retirando-o de seu estado de relaxamento satisfeito. Porém, metade da mente dele permaneceu suspensa na quietude do contentamento sexual. Ele não voltaria à realidade por completo até que fosse obrigado a isso. Havia aborrecimentos a esperar por ele; ele os encararia quando fosse preciso, mas não agora.
Ele se ajeitou de forma que seu peso não a esmagasse. Não houve práticas diferentes naquela noite. Nenhuma iniciação. Hayden se perguntou se ela notara que ele tinha demorado um pouco mais porque a preocupação ficara em sua cabeça, chegando a afetar seu desejo em um primeiro momento.
– Tenho muitos primos. Você os conhecerá em breve.
Ela sutilmente arqueou seu corpo ao longo do dele, fazendo-o notar mais uma vez sua materialidade, seu toque. Depois do amor, era fácil esquecer-se de seus corpos por um tempo.
– E seus irmãos e seus pais?
– Você já conheceu meus irmãos.
Ele pensou em parar por aí, mas talvez ela merecesse algumas explicações. Logo as damas da sociedade estariam enchendo os ouvidos dela. Talvez isso já tivesse acontecido.
– Eu o invejo por eles. Tive um irmão que morreu jovem, um ano antes da minha mãe. Gostaria de ter crescido menos sozinha.
– Fizemos alianças úteis. Não contra a minha mãe, que era muito gentil.
Ela não estava tentando arrancar informações dele, mas ele imaginava que ela ouvira alguns boatos. Não gostava da ideia de que ela tivesse formado uma imagem da mãe dele que não fosse verdadeira. Se elas tivessem se conhecido, provavelmente teriam se simpatizado de imediato.
– Ela era um pouco excêntrica e tinha a capacidade de se fechar com seus próprios pensamentos por longos períodos. Em seus últimos anos de vida, deixou de vir à cidade.
– Ouvi dizer que ela era escritora.
Sim, alguém já tinha contado casos sobre ela.
– Uma boa escritora. Mas meu pai não deixou que ela publicasse seus livros. Ele não achava apropriado.
– Revelador demais, talvez? Em prosa ou poesia, seus textos a teriam exposto ao mundo.
E talvez o tivessem exposto também. A frieza, a rigidez e a cruel satisfação que tinha com a infelicidade dela. Este fora seu verdadeiro temor.
Uma lembrança ressurgiu, uma memória que sua mente tentava evitar. De um cômodo escuro e uma mulher sentada à mesa, com a pena na mão, curvada sobre o papel. Seus olhos ficavam sempre vivos quando escrevia essas folhas. Vivos e sãos com a alegria de visitar um mundo melhor.
Olhe para ela, garoto. Nunca se esqueça do que vê. Essa infelicidade é resultado dos impulsos irracionais que as emoções provocam.
Ele leu aquelas folhas antes de morrer. Encontrou poemas belos e otimistas, que revelavam a mãe de uma maneira que seu distanciamento negara a ele. Por um longo e terrível momento, odiara o homem que silenciara aquela voz.
– Ela se retirou do mundo, e de nós, mas não enlouqueceu. Não se preocupe. O sangue da família não traz essa mácula.
Alexia não protestou nem se defendeu dizendo que nunca pensara nessa possibilidade. Não falou nada. Talvez o tom seco a tivesse silenciado.
Só se virou em seus braços e pousou um beijo suave em sua testa.
CAPÍTULO 16
Suttonly recebeu Hayden em seu espaçoso quarto de vestir. Ele compartilhava charutos e confidências com seus amigos mais próximos naquele lugar, sob um teto decorado com cornijas douradas e pinturas em relevo que retratavam ninfas e sátiros.
– Está cedo, Rothwell. Pela hora, imagino que tenha vindo a negócios.
– Sim.
– Houve algum problema quanto ao novo investimento das Américas?
Hayden se sentou em um sofá enorme e confortável. O cômodo o lembrava de outras visitas, anos atrás, antes de o amigo ter herdado o título. Este quarto de vestir fora o covil particular de Suttonly, para onde trazia companheiros para longas noites de carteado e bebida.
– Vim falar sobre Benjamin Longworth. Tive motivos para examinar as finanças de Ben quando ele morreu. Ao ajudar o banco a avaliar a fortuna e as dívidas de Tim, sua fonte, o legado de Benjamin, surgiu também.
– Timothy Longworth se dizia banqueiro. Ele deveria ser capaz de avaliar tudo por si só.
Hayden ignorou a verdade nessa resposta.
– Ontem soube que Ben tinha uma conta no Banco da Inglaterra.
– Essa é ótima. Ele não confiava no próprio banco para guardar seu dinheiro, mas esperava que todos nós confiássemos.
– Era uma conta especial, com um objetivo especial. O dinheiro entrava por pouco tempo e depois saía. Em alguns casos, ele também aceitou títulos. E fez transferências para várias pessoas. Inclusive você.
Um sorriso lânguido expressou o divertimento deturpado de Suttonly.
– Pode bisbilhotar as finanças de Longworth quanto quiser, Rothwell, mas não venha mexer nas minhas.
Hayden se levantou do sofá. Caminhou rente a paredes cobertas de estantes de jacarandá dispondo coleções de pedras e plumagens. Suttonly fora naturalista no tempo da faculdade, mas esses interesses tinham sido abandonados e substituídos por prazeres londrinos havia muito tempo.
Ele pegou uma pedra estriada de vermelho trazida de uma visita ao parque nacional de Lake District em uma das férias.
– Há alguns anos você manteve títulos no banco Darfield e Longworth, não?
– Uma pequena quantia. Foi um gesto de amizade, para ajudar o amigo de um amigo. Não era um valor significativo.
– Os registros dizem que esses títulos foram logo vendidos.
– Decidi que não tinha obrigação de ajudar um amigo de um amigo se o considerasse um homem tedioso. Sim, eu os liquidei.
– E, no entanto, nos anos seguintes, Ben lhe deu dinheiro em particular.
– Era dinheiro particular para pagar uma dívida particular.
– Eram só as transferências? Ou os títulos iam para você também?
– Você acha sensato trilhar esse caminho, Rothwell? Bisbilhotar os negócios de dois velhos amigos?
Ele tinha certeza de que era insensato. Também sabia que precisava concluir a nova imagem de Benjamin que se formava em sua mente. Por enquanto ainda era um esboço, uma caricatura de um criminoso avarento e desesperado. Ele quase não reconhecia esse rosto.
– Os títulos que você liquidou somavam mil libras. As transferências, cinco mil. Mais dinheiro foi retirado em notas, a intervalos regulares. Mais de quinze mil no total.
Um suspiro fundo de tédio acolheu essas informações.
– Não compartilho sua fascinação por números. Quem se importa?
– Tenho motivos para me importar.
– Que pena que ele faleceu e não pode matar sua curiosidade.
Uma nova nota pontuava o tom indolente. Um contentamento presunçoso. Isso fez com que Hayden tirasse os olhos da coleção de pedras e se voltasse para o amigo.
A atitude de Suttonly demonstrava falta de consideração. Seu rosto permanecia alvo, mas seus olhos flamejavam. A raiva se refletia neles, assim como a precaução e uma astúcia perturbadoramente alerta.
Suttonly mantinha a placidez naqueles olhos reveladores, talvez inconsciente de que continham todas as respostas que Hayden buscava. Ou talvez quisesse que alguém soubesse como ele tinha sido esperto após descobrir o roubo.
– Peço desculpas, Rothwell. Tenho um dia cheio hoje.
Ele se levantou e andou até a porta.
– Meu criado vai acompanhá-lo.
– De quanto era essa dívida? – perguntou Hayden. – Quanto ele lhe devia?
Suttonly parou e se virou. O orgulho venceu a prudência após uma breve batalha.
– De certa forma, pode-se dizer que ele me devia a vida.
Hayden se levantou da cama em suas salas do centro financeiro e, com os olhos injetados, cambaleou até a pia. Ele nem olhou para o espelho em cima dela.
Chegara ali havia três dias, após o encontro com Suttonly. Ou já fazia quatro dias? Tinha perdido a noção do tempo. Diante da constatação de que Suttonly descobrira a fraude de Ben e o obrigara a pagar, da certeza de que Ben tivera um bom motivo para temer voltar para a Inglaterra, Hayden tinha se retirado para seu lar silencioso e particular. Seu assistente cuidava de sua alimentação, mas ele não lhe dera quaisquer outras ordens. No mais, passava horas sem conta com seus cálculos e só dormia quando o cansaço o dominava.
A luz prateada da aurora ficou branca quando os primeiros raios de sol atingiram a janela. A claridade repentina o colocou em um estado de alerta inoportuno. A verdade surgiu das sombras de sua mente, não mais obscurecida pela exaustão ou pela distração. Ela o rasgava por dentro como uma faca quente.
Ele deixara Ben morrer. A suspeita disso o assombrara durante anos. Olhando para trás, os detalhes daquela noite eram gritantes.
Ele deveria tê-lo escutado. Deveria tê-lo detido. Deveria ter pegado Ben à força se necessário e o carregado para fora do convés. Em vez disso, permitira que a raiva pela implicância de Ben o deixasse cego e surdo, e se afastara.
Ben tinha feito aquilo de propósito. Ele já planejara tudo. E não tinha dito a verdade. Não acreditara que encontraria ajuda se confessasse, apenas censura e o caminho da forca. Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica.
A raiva o estava fazendo perder a cabeça. Raiva de si mesmo e de Benjamin e também das circunstâncias que tornaram tudo tão lamentavelmente irônico.
Arrancou a camisa, curvou-se na pia e jogou água no rosto. A água escorreu pelo peito, atingindo a longa cicatriz. Uma lembrança dolorosa o perpassou, dor e medo enquanto uma lâmina cortava. Aquela casa não muito maior do que este quarto, e quase tão escura quanto. Ser irmão de um lorde inglês não significava nada para os soldados turcos que se divertiam com ele.
Se não fosse pelo heroísmo louco e impulsivo de Ben, ele teria morrido naquela casa da área rural. Devagar. Mas eles já tinham usurpado sua juventude quando Ben pulou pela janela.
Botou a camisa de volta e se dirigiu imediatamente para a mesa na sala ao lado. Fugiu para a pureza sublime dos cálculos como um usuário de ópio em busca de escape. Agarrar-se ao divino desígnio da criação o mergulhava em uma existência paralela, separada do mundo da dor física e das emoções caóticas que tornavam a vida profana demais.
Alexia bateu de leve com a ponta da carta no tampo da escrivaninha. A longa ausência de Hayden a preocupava. Tentou não pensar em onde e com quem ele poderia estar. Tentou ver isso não como abandono ou traição, mesmo que fosse mais doloroso por ter acontecido depois daquela noite tranquila juntos.
Sua perturbação crescente era por causa da carta em suas mãos. Rose escrevera. Finalmente. O bilhete parecia se dirigir a um conhecido distante. Falava de assuntos corriqueiros e não mencionava seus desentendimentos. Todavia, o contato tinha sido feito e Alexia não queria deixar que a porta se fechasse antes que tivesse a chance de passar por ela e tentar retomar a amizade com seus primos.
A boa esposa queria contar ao marido. Pegar a carruagem e deixar a cidade não seria ideal. Duvidava que Hayden achasse que ela poderia sumir por dias quando bem entendesse, sem o conhecimento ou a permissão dele.
Uma pergunta discreta a Falkner naquela manhã não tinha fornecido qualquer informação. Ninguém na casa fazia ideia de para onde Hayden tinha ido. Seu criado particular dissera que ele não tinha feito malas e que pegara o cavalo e não a carruagem. Ele estava em algum lugar em Londres, talvez aliviando o mau humor com alguém mais experiente do que sua mulher.
Abriu a carta e releu as frases contidas de Rose. Poderia simplesmente responder à carta. Com uma troca de correspondências educada, talvez conseguisse se reaproximar em alguns meses. Não queria esperar tanto tempo. Queria ver Rose e ter certeza de que seus primos não tinham se afastado dela para sempre.
Deixou o cômodo e chamou a carruagem. Tentaria encontrar Hayden e falar com ele sobre isso. Caso ele se mostrasse esquivo, faria a viagem até Oxfordshire sem a permissão dele.
Ela deu seu cartão ao criado e pediu para ver o marquês ou lorde Elliot Rothwell. Pouco tempo depois, foi levada à presença do último, que esperava na biblioteca.
– Christian não está recebendo visitas hoje – explicou Elliot. – Mas sempre me dá muita satisfação quando nos visita.
– Vim pedir a ajuda de vocês – explicou ela. – Gostaria de mandar uma mensagem para Hayden e pensei que talvez vocês soubessem como fazer isso.
Elliot assumiu uma expressão de curiosidade e espanto.
– Desculpe-me, mas não sei da agenda diária do meu irmão. Talvez seu criado pessoal...
– Ele saiu há três dias e não voltou. Tenho certeza de que está em Londres.
Ela tentava manter um tom despreocupado e esperava que seu rosto não demonstrasse embaraço.
– É importante para mim pelo menos tentar informá-lo de um assunto que exige que eu deixe Londres por um ou dois dias.
Elliot franziu a testa.
– Você disse três dias?
Sua atenção se concentrou nos próprios pensamentos.
– Sei o que você está pensando.
A ruga em sua testa sumiu, mas os olhos permaneceram preocupados.
– Quando meu irmão tinha amantes, não ficava com elas. Nunca. Nem estava envolvido com ninguém nas semanas anteriores ao casamento.
Ela apreciou sua franqueza. Sentiu um profundo alívio, mas uma pontada de medo tornou isso irrelevante.
– Só fiquei pensando... Seria possível que ele estivesse ferido ou...
– Não é provável. Sua carruagem está aí fora? Vamos então – chamou, atravessando a soleira decidido. – Vou falar com seu criado pessoal e depois a levarei até ele.
Ela correu até o cunhado.
– Na verdade eu só quero lhe enviar um bilhete.
– Se ele foi para onde eu imagino, isso pode não ser suficiente. Confie em mim.
– Você parece um prisioneiro em uma cela, Hayden.
A voz de Elliot soou como um canhão no silêncio. Ela o retirou de uma concentração tão intensa que seu maxilar doeu ao relaxar. Olhou para a janela do lado sul, que mostrava a posição do sol. Já passava do meio-dia.
Elliot carregava casacos e bagagens. Ele os levou para o quarto.
– Você não trocou de roupa nem para dormir, pelo que vejo. Não chegava a esse extremo fazia muito tempo. Anos. Desde aquele transe logo depois que voltou da Grécia.
A realidade entrou pela porta junto com Elliot. Precisava recolocar o mundo em seu eixo para compreender a invasão. Enquanto seu irmão permanecia no quarto, Hayden começou a reajustar seus sentidos recém-despertos. Sentia-se como um homem levantando-se da cama após um longo acesso de febre.
Olhou para o peito e percebeu como sua camisa estava suja.
– Foi Christian que o mandou aqui?
– Não – respondeu Elliot, ressurgindo do quarto. – Outra pessoa me alertou de seu desaparecimento – falou, indicando a porta.
Hayden a abriu. Alexia aguardava na antessala. Ele fechou a porta antes que a esposa o visse.
– Você não podia ter se dado o trabalho de enviar-lhe um bilhete? – perguntou Elliot. – Você a deixou imaginando que seu corpo poderia estar no fundo do Tâmisa ou que teria tirado uma semana em algum bordel.
– Não faço retiros em bordéis.
– Ela não sabe disso.
Demonstrando mais raiva do que Hayden via há anos, Elliot caminhou a passos largos para a porta.
– Vou deixá-los a sós. Se eu ficar, pode ser que eu queira saber o que causou isso. Talvez ela fique aliviada demais ou seja ignorante demais para se fazer a mesma pergunta.
– Você não ia querer saber. É por isso que gosto de você, Elliot. Você não me elogia nem critica. Você me traz camisas limpas, mas está preparado para me deixar sozinho com minha única forma de embriaguez.
– Não o critico, pois conheço bem demais essa bebida que o atrai. Isso não quer dizer que não fique preocupado quando você mergulha tão fundo nisso, Hayden.
Ele saiu, deixando a porta aberta. Alexia olhou para dentro. A expressão dela se desfez ao ver a aparência dele. Ela passou pelo criado, entrou e fechou a porta.
Deu-lhe uma boa olhada, da cabeça aos pés. Ele ficou bem ciente de como parecia nojento.
– Seu criado pessoal queria vir, mas Elliot o proibiu. Achei o pedido dele peculiar. Mal sabia que ele já imaginava o que iria encontrar – falou ela, depois fez um gesto mostrando o cômodo. – Contudo, ele previu as coisas de que você iria precisar. Imagino que tenha uma navalha aqui. Ou devo pedir que o criado chame um barbeiro?
Hayden passou a mão no rosto e sentiu a barba por fazer. Alexia andava pelo quarto, invadindo seu santuário particular.
– Gostaria de saber notícias do mundo, marido? Coisas impressionantes aconteceram enquanto você bancava o eremita. Escândalos, guerra e grandes descobertas.
Seu tom beirava a reprimenda.
– O que houve, Hayden? O que está fazendo aqui?
Ele se retirou para o quarto e despiu a camisa enxovalhada. Começou a se lavar e deu uma espiada no selvagem que se refletia no espelho. Elliot estava certo. Nunca tinha sido tão ruim nesses anos todos. Da última vez, quando voltara da Grécia, tinha sido pela mesma razão, e ele havia encontrado alguma paz. Forjara ambiguidades e mentiras suficientes sobre as lembranças daquela noite para se permitir algum perdão. Por mais estranho que fosse, dessa vez era a sinceridade que oferecia mais alívio.
Alexia o seguiu e se empoleirou na cama, esperando. Não disse nem uma palavra enquanto ele lavava o rosto e o torso na água que há muito esfriara. As gotas frias o trouxeram de volta à realidade.
Hayden encontrou a navalha na prateleira da pia e começou a se preparar para fazer a barba. Podia ver a expressão interrogativa dela pelo espelho.
Alexia esperava por uma resposta para a pergunta. O que ele estava fazendo ali? Não podia culpá-la por se preocupar, mas isso não significava que precisasse se sentir obrigado a dar explicações.
– Meus irmãos e eu herdamos a capacidade de minha mãe de nos refugiarmos em nossos pensamentos – disse ele ao testar a lâmina da navalha. – Fazemos isso de vez em quando, cada um à sua maneira.
– Por dias a fio?
– Não é comum. Várias horas, no máximo.
– Isso não foi várias horas.
– Às vezes acontece. Não é nem perigoso nem extraordinário.
– Foi o mau humor de que falou que causou isso, não?
Ele fez uma pausa em seus preparativos. Supôs que isso seria inevitável. As pessoas casadas mostravam uma aliança formal diante do mundo, mas era impossível evitar a completa familiaridade que surgia no leito matrimonial. As intimidades físicas os expunham um ao outro de uma forma espiritual, a menos que houvesse um esforço para impedir isso. Sua curiosidade era compreensível. Ele mesmo se perguntava o que residia naqueles domínios longínquos.
– Sim, aquele humor provocou isso. Mas meu recolhimento dispersou aquele humor, então foi bom.
– Você me advertiu de que eu deveria deixá-lo em paz. Está com raiva por seu irmão ter me trazido aqui?
– Não.
Não mesmo. Mas estaria melhor se ela não o visse naquele estado. Suspeitava que parecesse muito fraco.
– Sua mãe escrevia quando se encontrava nesse estado. O que você faz?
Ele pegou a navalha.
– Tem uma mesa e uma escrivaninha na sala ao lado, perto da janela. Meu trabalho está lá.
Ela foi até o local indicado para ver do que se tratava. Ele fez a barba, depois tomou um banho e se vestiu. Quando surgiu do quarto de dormir, ela ainda examinava as folhas com anotações matemáticas.
– Não entendo a maior parte, é claro – disse ela. – É como um idioma em que se conhecem as palavras, mas não se consegue ler as frases.
– Como qualquer idioma, pode haver poesia aí.
– Já me senti assim às vezes.
Ela pousou as folhas na mesa.
– Se uma poesia infinita o aguarda nestes cômodos, talvez estranho seja o fato de você chegar a sair daqui.
– Gosto demais do mundo dos sentidos para abrir mão dele por muito tempo.
Ele gostou da forma como ela assentiu, como se fizesse total sentido. Hayden não duvidava de que ela também entendia a disciplina exigida para sair de um reino e ir para o outro e como as circunstâncias podiam derrubá-lo às vezes.
Seu dia começara em um estado de consciência rarefeito, mas agora estava completamente normal e físico. A única nota destoante era a presença de Alexia naquele escritório.
– Você foi procurar Elliot porque estava preocupada?
– Só queria lhe mandar um bilhete. Pensei que ele poderia saber como fazer isso.
Um pequeno desapontamento o atingiu. Ela não havia especulado sobre o pior ou se preocupara com ele. Nem o teria questionado em sua volta. Não esperava nada dele, menos ainda explicações.
– Que bilhete?
Sua postura se empertigou de forma sutil. Seus olhos refletiram as luzes baixas e raivosas que ele vira muitas vezes desde que se conheceram. Isso só podia ter um significado.
– Rose me escreveu. Pretendo fazer uma rápida viagem para vê-la. Achei que deveria avisá-lo, para você não pensar que eu era impertinente.
– Você escreveu para eles de novo, Alexia?
– Sim. Duas vezes.
– Você me desobedeceu. Sua preocupação em ser impertinente é um pouco tardia.
– Não desobedeci, se lembrarmos exatamente o que você falou. Não fui desleal com você em minhas curtas cartas a eles. De fato, nem mencionei seu nome. Você me prometeu, quando me pediu em casamento, que não interferiria em minhas amizades. Levei sua promessa a sério.
Uma irritação pulsou em suas têmporas, e não apenas porque Alexia havia interpretado as palavras dele a seu bel-prazer. Duvidava que ela pudesse se encontrar com os Longworths, ou mesmo pensar neles, sem odiá-lo. Dali a cinquenta anos, a mera alusão àquele nome provavelmente ainda causaria essa expressão nos olhos dela.
– Sua prima a convidou para uma visita?
– Seria melhor esperar sentada por isso. Pelo menos ela admitiu que ainda estou viva, então eu vou de qualquer forma. Se ela se recusar a me ver, não haverá o que fazer. Mas não acho que ela faria tal coisa.
Esse encontro era inevitável. Algum dia, Alexia ia querer vê-los. Ele não desejava negar isso a ela, mas não lhes concederia uma liberdade total a ponto de influenciá-la contra ele.
– Não proibirei essa viagem, Alexia, mas vou com você. Vamos até Aylesbury Abbey por alguns dias e você poderá ir ver sua prima enquanto estivermos por lá.
CAPÍTULO 17
Uma névoa úmida pairava sobre a cidade de Oxford, criando uma aquarela de tons indistintos e embaciados. Universitários caminhavam em pequenos grupos por entre os antigos prédios de pedra, seus rostos jovens exibindo uma alegria e uma vivacidade que pareciam inapropriadas em meio à arquitetura formal das faculdades.
A carruagem de Hayden subiu a St. Gilles’ Street, deixando o território da universidade para trás. Ali, lojas e hospedarias se enfileiravam como em outras cidades do interior e os modos eram menos refinados. Pararam do outro lado da rua que dava na St. Giles’ Church.
Alexia começou a se mexer. A mão de Hayden cobriu com firmeza a maçaneta da porta, detendo-a.
– Ficaremos esperando na carruagem até ela chegar.
– Prefiro esperar na igreja. Não quero que ela vá embora se o vir.
– Se ela pediu para se encontrar aqui e não na casa dela, se está pagando pelo transporte para chegar até aqui, ela não irá embora. Não é a minha intromissão que ela teme, mas a do irmão.
Alexia ficou em dúvida. Rose respondera rapidamente à carta sugerindo o encontro. Talvez imaginasse que, caso não concordasse, Alexia iria bater à sua porta. Esse era o plano. Alexia lhe enviara uma mensagem ao chegar a Aylesbury Abbey, pedindo para ser recebida, mas estava pronta para se arriscar a fazer uma visita, mesmo que desse com a cara na porta.
Espiou pela janela, esperando pela aproximação da carruagem alugada que Rose teria pagado com dificuldade.
– Você me permitiria pelo menos saudá-la em particular?
– O cocheiro vai ajudá-la a descer. Talvez ela nem perceba que estou aqui.
Eles conversavam num tom frio. Na véspera, quando a resposta de Rose chegara a Aylesbury Abbey, tinham discutido sobre Hayden acompanhá-la a Oxford. Ela elencara os motivos sensatos por que ele não precisaria nem deveria ir. Ele fora inflexível.
Nenhum dos dois levantou a voz, mas o ar ficou cheio de raiva silenciosa. A discussão se concentrou em sua segurança e proteção, mas ela suspeitou que o problema fosse outro. A situação dos primos continuava a ser uma ferida aberta entre eles. Hayden não estava nada satisfeito com sua atitude.
Encontrava-se sentado com ela, ostentando a expressão distante que fazia o mundo considerá-lo frio. O distanciamento de Hayden causava preocupação no coração de Alexia.
– Se seus irmãos tivessem se afastado de você por causa da escolha da noiva, você não tentaria se aproximar deles de novo?
– Isso dependeria do que eles esperassem que eu fizesse e do que me custaria esse compromisso.
– Não me custa nada tentar essa reaproximação.
– Nem me custaria nada tentar a tal reaproximação com meus irmãos.
O significado do que ele dizia começou a fazer sentido na mente de Alexia. Ele não estava prevendo que ela seria obrigada a pagar um preço como condição de se reaproximar dos primos: acreditava que as expectativas dos Longworths tinham a ver com ele e comprometeriam a lealdade de Alexia para com o “terrível lorde Hayden”.
Um silêncio se fez entre eles, um silêncio pesado pela raiva que ele não demonstrou. Ela temia que, se dissesse algo, ele ordenasse ao cocheiro que fossem embora.
Um humilde cabriolé parou na frente da igreja. Rose desceu. Usava o casaco adornado de pele que Alexia tinha tomado emprestado para a primeira visita à casa de Easterbrook. Não percebeu a presença da elegante carruagem do outro lado da rua e andou em direção à igreja, desaparecendo por sua portada.
O cocheiro abriu a porta da carruagem e desdobrou os degraus. Alexia olhou para fora. Poderia caminhar livremente até Rose. Seu coração estava alegre pela perspectiva do encontro, mas ela também se sentia confusa, o que obscurecia sua felicidade.
Ela hesitou ao tomar a mão do cocheiro. Haveria um custo? Um acordo? Abraçar seus primos de novo traria algum pesar para sua nova vida?
O distanciamento e a raiva de Hayden a faziam sofrer. Uma dor física, lá dentro do coração. Sentia frio, como se o calor que a banhara tivesse sido retirado. Não percebera a importância dele, mas agora sua falta a assustava.
Ela olhou para Hayden. Quando esse calor tinha transbordado das horas noturnas, invadindo seu dia? Quando ela havia começado a esperar por ele com tanta ansiedade e encontrado tanto conforto e paz em um simples abraço? Ele não a havia procurado na noite anterior e o desapontamento dela fora intenso, ela ficara tão triste que não sabia o que fazer a respeito.
Também não sabia o que fazer com o misto de emoções que a assaltava agora. Não sabia como escapar disso. Temia que saltar da carruagem trouxesse o perigo de perder algo importante.
Um calor cobriu sua mão. A luva de Hayden estava pousada sobre a dela em um gesto de consolo e posse. Ela olhou para seu perfil. Ele também olhava perdido pela porta aberta.
Ele levou a mão dela até a boca e a beijou. Então a passou para o cocheiro.
Rose esperava logo depois da portada, oculta nas sombras da igreja antiga. Espiava a carruagem atrás de seu cabriolé.
– Ele está lá?
A pergunta dela rompeu o silêncio da igreja.
– Isso importa? Estou aqui agora. Só eu. Nenhum homem entre nós. Você está linda hoje, Rose. Mas, também, você está sempre linda.
A atenção de Rose escapou para ela. As duas se encararam na pouca luz da igreja. Alexia desejava muito se aproximar. Desejava desesperadamente que tudo ficasse bem com Rose pelo menos.
– Você também está muito bonita, Alexia. Apesar da afronta que seu acompanhante me causa, eis o que pensei quando você se aproximou: pelo menos ele está cuidando bem dela e ela está satisfeita com a situação.
– Preferiria que não estivesse satisfeita, Rose? Amoleceria seu coração se eu estivesse sofrendo?
– Sim.
Um longo suspiro seguiu a dura resposta.
– Não, não é verdade. Houve momentos em que a amaldiçoei por sua traição – admitiu ela, rindo com tristeza. – Mas imaginar você infeliz não me traz satisfação. Teria sofrido ainda mais se ele a tivesse destruído também e de uma forma tão definitiva.
Ela soava mais como a amiga querida do que como a prima vingativa. Alexia a perdoou pelos insultos a Hayden. Rose só conhecia o homem público, o homem que sabia ser frio.
– Posso abraçá-la, Rose? Senti muitas saudades.
Um instante se passou, fazendo surgir uma dor física em Alexia. Talvez Rose sentisse o mesmo. De repente, caíram nos braços uma da outra, primeiro chorando, depois rindo quando seus chapéus bateram um no outro.
Alexia fechou os olhos e inspirou com profundo contentamento. Todo o seu ser se alegrou com o contato e o amor.
Sentaram-se em um banco no fundo da igreja.
– Peço perdão por tê-la feito vir a este lugar frio e úmido – disse Rose. – Mas Timothy...
– Ele ainda está doente?
– Ele anda doente com tanta frequência que talvez pudesse ser considerado inválido. Mas às vezes fica melhor. Confesso que prefiro quando está doente.
– Espero que ele não seja cruel.
– Não cruel, só... triste. E com raiva. Não sei o que poderia acontecer se você fosse à nossa casa. Ele ficou furioso com a notícia de seu casamento. Ele disse coisas horríveis. Se soubesse que vim encontrá-la...
– Sou muito grata por você ter vindo, Rose. Tenho estado muito só desde que você foi embora de Londres. Nenhuma amiga pode substituir aquela a quem vejo como minha irmã.
Rose entrelaçou os dedos nos dela.
– Vim porque somos como irmãs, mas também para me certificar de que esse casamento foi de sua vontade. Timothy diz que Rothwell deve ter... Que o patife a importunou. O casamento repentino, sua dependência dele, bem, Tim conta uma história assustadora.
Porém, não uma história verdadeira. Ela não tinha esperanças de que perdoassem Hayden, mas não permitiria que a imaginação fértil deles culpasse seu marido por crimes que não cometera.
– Rose, fui descuidada com minha virtude. Mas não porque ele tenha me importunado. Admito que sucumbi à fascinação da paixão, provavelmente porque tinha tão pouca experiência nisso.
– Se houve fascinação, foi provocada. Suponho que devo dar algum crédito a ele por fazer a coisa certa após a sedução. Ele poderia tê-la abandonado desonrada. Sem condições de ser preceptora da prima, sem renda ou proteção.
Alexia nada disse. Se Rose admitia que Hayden se comportara com honra, não queria demovê-la dessa conclusão.
– Mas se casar com um homem desses, Alexia! Ligar-se a um homem sem piedade... – falou, fazendo cara de desgosto. – Dividir a cama com um homem quando não há amor...
– É menos ruim do que parece. Amor nunca foi um requisito para o casamento e agora entendo o motivo.
– É bom saber. Tenho pensado se a intimidade nesses termos é tolerável.
Alexia não gostou do que ouviu. Rose parecia ainda contemplar a hipótese escandalosa de se tornar cortesã.
Como se sua alusão profanasse a igreja, Rose parou.
– Vamos dar uma volta pelo pátio. É só sairmos por aquela porta.
A névoa no pátio não representava uma melhoria em relação à umidade dentro da igreja. Elas andaram uma ao lado da outra, passando por plantas dispersas e fileiras de sepulturas.
– Como Irene tem passado? – perguntou Alexia.
– Dei-lhe um tapa na semana passada. Ela estava amuada e agindo como criança. Perdi a paciência e bati nela. Odiei-me durante dias. Faz pouco tempo que ela voltou a falar comigo.
– Aposto que ela agiu de forma menos infantil nos dias seguintes.
Rose riu.
– Ah, sim. E não se pode lamentar se a pessoa está calada por constrangimento. Tento me lembrar que deve ser mais difícil para ela. Irene não conheceu muito mais do que luxo na vida.
– Gostaria de ter permissão para ajudá-la.
Ela abordou o assunto com cuidado e esperou pela reação de Rose.
– Timothy jamais permitirá. Aceitar caridade de Rothwell, além de tudo o mais... Isso o mandaria para o túmulo e temo que nos levaria junto com ele.
– Você fala como se ele tivesse enlouquecido. Tenho certeza de que ele não é perigoso.
– A amargura pode virar a cabeça das pessoas e temo que esteja virando a dele. Ele até culpou Ben por tudo isso. Ben, que está morto há tempos. Se isso não sugere um indício de loucura, não sei o que significa.
– Como ele pode culpar Ben? Imagino que Hayden talvez não tivesse sido tão duro se Ben ainda estivesse vivo, mas...
– Ele diz que teríamos renda suficiente para passar por isso se Ben não houvesse mandado todo o dinheiro para Bristol. Veja como ele está irracional. Ben pagou uma das dívidas do nosso pai. Comportou-se com dignidade, mas agora Tim o culpa.
Ela passou um braço pela cintura de Alexia.
– Vamos usar o tempo que nos resta com uma conversa agradável. Conte-me sobre suas novas sedas e joias. Posso odiar o marido que as comprou para você, mas fico feliz que tenha sido finalmente gratificada. Vou concebê-las em minha imaginação e experimentá-las em minha mente.
– Tenho que ir se quiser estar em casa antes do cair da noite – disse Rose.
Elas se sentaram em um banco no pátio. O frio há muito tinha endurecido os dedos de Alexia, mas ela não queria pôr fim ao encontro. A última hora tinha lhe relembrado os velhos tempos, com uma conversa casual sobre assuntos corriqueiros.
Elas voltaram para a porta lateral da igreja. Hayden ficara esperando na carruagem todo esse tempo. Ela não achava que o encontraria de melhor humor na volta.
Quando entraram na igreja, Alexia tentou de novo oferecer ajuda.
– Entendo que você não possa aceitar nada de meu marido. Mas e um pouco de dinheiro meu? Nosso acordo matrimonial me garantiu minha antiga renda. Também andei pensando em retomar a confecção de chapéus, de forma muito discreta. Gostaria que eventualmente aceitasse umas poucas libras vindas do meu próprio dinheiro, não do dele.
Rose parou na portada da frente. Inclinou-se e beijou a face de Alexia.
– É tudo da mesma fonte, não é? Seu dinheiro é dele. Você seria discreta o suficiente para ele não saber? Não, querida prima, não vamos confiar em engodos que podem expô-la à raiva de seu marido. Você e eu seremos amigas se as circunstâncias permitirem, mas não aceitarei seu dinheiro.
Abriram a portada e saíram. Rose parou imediatamente, olhando fixamente para a frente.
A carruagem de Hayden tinha mudado de lugar e agora esperava bem no fim do curto caminho de pedra que levava até a igreja. Hayden estava de pé ao lado dela, matando tempo. O cabriolé de Rose se fora.
Ele andou até elas.
– Srta. Longworth, talvez eu tenha sido ousado demais. Seu cocheiro estava ficando impaciente e queria ir procurá-la. Para não serem perturbadas, paguei o homem e o dispensei.
Rose parecia prestes a agredi-lo fisicamente. Ela lançava chamas com os olhos para Hayden.
Alexia olhou firmemente para ele por alguns momentos.
– Talvez fosse mais sensato permitir que o homem procurasse minha prima. Ela poderia ter decidido por si mesma o que fazer.
– Sabia como esse encontro era importante para você, minha querida. Quis dar-lhes tempo suficiente para conversar.
Hayden fez um gesto indicando a carruagem.
– Vamos pernoitar em Aylesbury Abbey hoje, Srta. Longworth. Vamos levá-la em casa.
– Sou obrigada a declinar.
– Fica no caminho e não será inconveniente para nós de forma alguma.
– Não é a sua conveniência que força a minha recusa.
– Nada força a sua recusa, além de orgulho, Srta. Longworth. Posso me sentar com o cocheiro, se isso fizer com que aceite a oferta.
Eles esperaram enquanto Rose pensava. Alexia podia vê-la pesar as opções, avaliando se poderia alugar outro cabriolé na cidade, considerando a oferta de Hayden.
– Ele não vai ficar dentro da carruagem com você – sussurrou Alexia. – E teremos um pouco mais de tempo juntas.
Com relutância, Rose permitiu que Alexia a ajudasse a subir na carruagem. Hayden fechou a porta e subiu ao lado do cocheiro.
Foi um percurso longo e silencioso até a casa dos Longworths. Rose se recusou a conversar. Ficou olhando para o teto da carruagem, como se percebesse o homem cuja presença pairava sobre elas.
Alexia ensaiou na mente a reprimenda que faria ao marido, mas no meio do caminho perdeu a vontade de fazer isso. Ele só quisera ser gentil, desejando que elas tivessem o máximo de tempo possível juntas. Com certeza Rose iria entender isso, se conseguisse ver mais do que a mágoa.
Era pedir demais. Uma família que contava tostões dificilmente seria gentil com o homem responsável por sua pobreza.
Quando se aproximaram do caminho para a casa, Rose abriu a porta da carruagem e pediu que parassem. Sem cerimônia, chutou os degraus e desceu. Ela já estava a meio caminho de casa quando Hayden saltou.
– Ela não quer que Timothy veja a carruagem – explicou Alexia. – Ele tornaria sua vida um inferno se soubesse que veio conosco.
– Entendo – disse ele.
Ficou observando enquanto Rose dobrava uma curva e desaparecia no caminho. Fechou a porta.
– Espere aqui. Pegue um cobertor e se aqueça. Não devo demorar muito.
– Demorar muito onde?
Ele apontou para o telhado visível por entre as árvores.
– Lá. Tenho assuntos para tratar com Timothy Longworth.
Esperou à porta. Em algum momento, eles abririam. Se não abrissem, entraria sem convite.
A porta finalmente se abriu. O rosto de Rose apareceu, pálido e preocupado.
– Vá embora. Por favor, vá. O senhor não tem o direito...
– Vim para ver seu irmão, Srta. Longworth. É do interesse dele e do seu que ele saiba o que tenho a dizer.
– Ele nunca falará com o senhor. Agora vá.
Ela começou a fechar a porta. Ele a segurou.
– Diga-lhe que Benjamin deixou pelo menos uma conta bancária que não estava entre os documentos dele. Sei onde é.
Rose pareceu incrédula, mas abriu a porta e permitiu que ele entrasse. Levou-o à sala de estar e depois saiu.
– Você vai queimar no inferno.
Olhou para o lugar de onde vinha a jovem voz que o amaldiçoava. Irene estava parada na soleira, com uma expressão petulante.
– Você arruinou minha vida. Sua prima dormiu na minha cama e será apresentada à sociedade e eu, não. Nunca me casarei, já que não tenho dinheiro e...
As lágrimas começaram a jorrar, interrompendo a briga. Ela secou os olhos em vão e continuou a fazer as acusações às cegas.
– Rose disse que Alexia teve motivos para se casar com você, mas não consigo pensar em um motivo bom o bastante. Eu a odeio por ter feito isso. Poderia ser qualquer outro homem. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você. Ela...
– Já chega, Irene.
A repreensão de Rose pegou Irene de surpresa. Não tinha percebido a chegada da irmã mais velha à porta da sala de visitas. Ela deu meia-volta e encarou a expressão severa de Rose.
Recomeçou a chorar, de raiva e frustração.
– Ele... ele...
– Não cabe a uma criança repreendê-lo e no momento ele é um convidado nesta casa. Vá para seu quarto agora.
Irene saiu correndo. Rose entrou pela porta e não se desculpou pela irmã. Hayden supôs que ela concordasse com cada palavra impertinente.
– Timothy descerá em breve. Pode se ocupar até a chegada dele?
– Certamente.
– Então o deixarei à vontade.
Ocupou-se pensando no que Rose e Alexia tinham conversado durante aquelas horas na igreja. Duvidava de que sua esposa o tivesse defendido de todas as acusações. Havia uma verdade no ataque imaturo de Irene. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você.
Não tinha obrigação de promover reconciliações, mas reduziria o estrago, se pudesse. Para o bem de Alexia, ele o faria, e por Rose e Irene. As damas não sabiam que Timothy era um criminoso, e o mais provável era que nunca viessem a saber. Elas não tinham ideia de como Tim havia causado o sofrimento da família e quão perto estivera do enforcamento.
Quando Longworth entrou na sala de visitas, não pareceu que seu atraso se devera ao tempo gasto arrumando-se. Ao contrário da aparência arrojada do último encontro formal entre os dois, ele parecia desleixado. Gravata torta e olhos embotados, ele andava de uma forma lenta e deliberada, típica de um bêbado, tentando não tropeçar.
– Rothwell.
– Que bom que arranjou tempo para me receber, Longworth. Está sóbrio o suficiente para entender o que tenho a dizer?
Longworth deu uma gargalhada.
– Mesmas palavras, mesmo homem, mesma resposta, Rothwell: sóbrio até demais, maldição.
Difícil de acreditar. Mas pelo menos não estava bêbado demais, que era o que importava.
– Ouvi uma confusão aqui embaixo há pouco. Era Irene gritando com você?
– Ela me culpa por arruinar a vida dela. Minha esposa também. Você mentiu para elas.
– Você me disse para mentir, lembra-se? Você disse para arrumar alguma mentira que as impedisse de saber a verdade – recordou, fazendo uma careta. – Achei que era melhor que elas odiassem a você, e não a mim.
– Quero que conte a verdade a Alexia.
– Está lhe causando problemas, não é? Sinto muito, não posso fazer isso. Ela encontraria um jeito de Rose saber. Você também não pode contar a ela, não é? Deu sua palavra de honra, se bem me lembro. Vai me perdoar, mas não serei solidário com seu problema.
Hayden não esperava nada diferente de Longworth, porém a recusa lhe deu vontade de socar aquele homem.
– Rose disse que você desencavou uma conta bancária para me obrigar a recebê-lo – foi dizendo Longworth enquanto se esparramava no sofá. – Tem dinheiro lá?
– Algum. Não o bastante.
– É claro que não. Nunca haverá o bastante. É a minha punição, não é? Nunca conseguir sair desta situação.
– Com esforço, você poderia, sim. Se não sucumbisse à doença de bom grado, você conseguiria.
– Não me venha com sermões. Rose faz isso por cinco homens. Onde é a conta?
– No Banco da Inglaterra.
– É estranho que não houvesse extratos nos documentos financeiros dele.
– Não tão estranho, considerando o uso que ele fazia da conta. Você aprendeu seu estratagema com Ben, como descobri. Ele fez isso por um longo tempo. Era nessa conta que ele colocava o dinheiro que roubava.
Longworth coçou a orelha.
– Sempre quis saber onde ele depositava o dinheiro. Mas deveria ter muito. Mais do que o suficiente.
– Ele gastou algum e também pagou os rendimentos que devia às vítimas, como você fez. Houve outras transferências de natureza particular. Restaram três mil. Deve ajudar.
Longworth assentiu de olhos fechados e entregue a divagações. Hayden se perguntou se ele teria caído do sono. No entanto, ele abriu os olhos.
– O gim está deixando minha cabeça meio confusa, mas isso não faz sentido.
– Como assim?
– Se você sabe que ele estava fazendo isso, então também sabe que títulos ele vendeu. Por que me deixaria ficar com os três mil? Por que não devolve o dinheiro para essas pessoas?
– A conta está no nome de Ben e você é o herdeiro dele. Não posso evitar que fique com o dinheiro, mesmo que queira. Quanto às vítimas, vou ressarci-las, para proteger meu nome.
Longworth assobiou.
– Muito dinheiro. Então você vai cobrir as dívidas criminosas de Ben, mas não as minhas.
– Como Ben está morto, não pode cobri-las. Além disso, ele era meu amigo e você não é.
– Ainda assim, deveria ter muito mais do que três mil. Tentei resolver isso depois que ele morreu, mas fiquei empacado cobrindo os rendimentos de seus esquemas anteriores. Tive uma boa ideia da magnitude de seus crimes, por assim dizer. Parece estranho o saldo da conta não ser maior.
Hayden sabia bem para onde tanto dinheiro tinha ido. Tinha aumentado a fortuna de Suttonly.
– Acredito que você não encontrará outros tesouros escondidos. Houve transferências para bancos em Bristol e York, uma boa quantia por um tempo, porém as contas não estavam em seu nome.
O desapontamento de Tim ficou patente.
– O dinheiro que foi para Bristol pagou uma das dívidas do nosso pai, então não existe mais. Quem ficou com o dinheiro em York?
– Um tal Sr. Keiller. Ben liquidou seus títulos logo, como mostra a contabilidade. Ele foi uma das primeiras vítimas, mas parece que Ben ressarciu o homem de todo o dinheiro roubado.
Longworth caiu em outra divagação, desta vez enquanto olhava para o tapete. Ele ressurgiu de seus pensamentos dando de ombros, de forma resignada.
– Então só me restaram três mil.
– Por causa de suas irmãs, sinto muito não haver mais.
Hayden enfiou a mão no bolso de seu colete e retirou um pedacinho de papel.
– Aqui estão os dados da conta no Banco da Inglaterra. Vai lhe poupar tempo. Colocou o papel em cima da mesa e andou até a porta.
– É estranho você ter se casado com Alexia – disse Longworth com displicência. – Foi para fazer a coisa certa, imagino, mas isso é ainda mais estranho. Ela não é uma mulher que vire a cabeça de um homem, muito menos a sua. Alguém como você não tem que seduzir preceptoras. Ben a achava bonita, mas eu a acho sem graça.
Hayden parou e voltou até Longworth. O impulso de esmurrar o homem ressurgiu.
– Duvido que você reconheça o valor de uma pessoa além de seus bens financeiros.
Longworth reagiu com um esgar.
– Antes eu tivesse jogado Rose em seus braços. Teria ficado com uma mulher bonita ao fazer a coisa certa e eu teria ficado com um cunhado rico.
Ele riu da própria esperteza. Hayden deixou a sala de estar enojado. Ao achar o caminho da porta, passou pela biblioteca e avistou a cabeça dourada da Srta. Longworth curvada sobre um livro. Ele voltou atrás e entrou sem ser anunciado.
– Srta. Longworth, acabei de contar a seu irmão que há três mil libras em uma conta no Banco da Inglaterra em nome de Benjamin. Como seu herdeiro, seu irmão pode sacar o dinheiro. Contudo, como ele está sempre indisposto, é melhor que a senhorita se informe das intenções dele em relação à quantia.
A Srta. Longworth fechou o livro sem olhar para ele.
– Obrigada por me contar, lorde Hayden. Envidarei todos os meus esforços para que ele gaste esse dinheiro de forma ajuizada.
CONTINUA
CAPÍTULO 14
– Acho que posso dizer que volto para Londres uma mulher diferente – disse Alexia quando a carruagem entrou na cidade.
Ela se referia às descobertas de seu corpo, supôs Hayden. Ela não reclamava de nada, se ele a arrebatava com força ou fazia amor devagar. Sua alegre concordância o fazia notar quão ousada ela estava preparada para ser. Muito ousada, se os últimos dias podiam ser considerados uma indicação.
Sua esposa cortesã parecia totalmente saciada, mas não tão mudada. Ela sorrira com malícia ao fazer aquele comentário, mas ele não vira nenhum traço particular, um olhar intencional que indicasse uma referência a mais do que a transformação sexual.
Quanto você está mudada, querida esposa? Quando o relaxamento chegava e ele caía sobre ela, tão exausto que perdia contato com a própria alma, ela também sentia um contentamento tão forte, tão intenso, que necessitaria de uma oração ou um poema? Ela vivenciava a ânsia inominável, que urgia para penetrar nos pensamentos do outro e conhecê-lo a fundo, da forma como seus corpos e seu suor docemente prometiam?
Ela estava linda. Muito doce. Muito calorosa. Contudo, a paixão deles o fizera aprender algumas lições também. Havia olhado no fundo daqueles olhos violeta ao penetrar nela. Havia avistado mais longe, onde as sombras tentavam ocultar os pensamentos dela. Em sua ânsia de conhecê-la, vira mais do que ela queria. No final, sempre surgia um muro afastando-o.
Havia quilômetros a percorrer por trás daquele muro.
– Espero que sua tia já tenha se mudado para a casa de Easterbrook – disse ela.
– Eu não estranharia se meu irmão estivesse se recusando a sair de seus aposentos.
– Você quer dizer que ele vai se arrepender desse arranjo?
– Ele suspeita que, uma vez refestelada na casa dele, será impossível retirar tia Henrietta de lá.
– Então é estranho que a tenha convidado para morar lá somente para nos acomodar. Ele sabe que você fez um mau negócio com esse casamento.
– Acho que ele quis tornar as coisas mais fáceis para você.
Ele pegou sua mão e a beijou.
– Quanto ao mau negócio, se os cavalheiros comentassem sobre o lado carnal de seus casamentos, meu irmão e meus amigos ficariam com inveja de minha escolha.
– Fico feliz de você estar satisfeito, Hayden.
Ele olhou em seus olhos. Não conseguia enxergar profundamente neles agora. À luz do dia, Alexia seria sua companheira, cuidando de seu conforto, dando-lhe filhos e, a menos que outro homem roubasse seu coração, seria fiel. A intimidade ficaria reservada para a cama, quando ela esquecia por um momento que ele era um homem a quem não amava e que a seduzira de forma inconveniente.
Não fora um mau negócio. Não mesmo. Era mais do que a maioria dos homens alcançava. E ainda... ele não podia negar que seu sentimento pela estimada Srta. Welbourne crescera nas últimas semanas, e não era só seu corpo que se aquecia em seus abraços.
Uma faísca conspiratória de alegria surgiu nos olhos de Falkner, algo incomum em alguem que demonstrava tanto autocontrole.
– Bem-vinda ao lar, senhora.
Lar. Só o fato de entrar na casa já a confortou, como vestir um xale velho e muito usado. Os ventos da vida a haviam fustigado nas últimas semanas. Os dias em Kent quase a assustaram, por serem tão cheios de novas experiências e de uma intimidade inesperada.
Voltava àquela casa como dona, e não como a prima pobre ou a preceptora. Mesmo no âmbito familiar, haveria diferenças. Elas eram visíveis nas reverências dos empregados.
Hayden a acompanhou até a biblioteca.
– Deveríamos fazer uma visita a Easterbrook logo – disse ela. – Preciso continuar a orientar Caroline.
– Não é mais sua função. Cabe a você decidir se quer continuar.
– Pensei que você tinha ido a Oxford naquele dia principalmente para garantir que as aulas de Caroline se concluíssem.
– O colar que levei tinha sido retirado do cofre na noite anterior, Alexia. Teríamos tido aquela conversa mesmo que você não houvesse dito a Henrietta que pretendia deixar esta casa.
Ele a desarmava quando dizia coisas assim. Era gentil da parte dele deixar o restante de fora e não dizer que o que tinha levado à conversa eram os acontecimentos do sótão. Ela não tinha certeza de querer que a verdade ficasse obscurecida. Com frequência ela perdia contato com a realidade quando estavam na cama, mas seria tolice permitir que a ilusão infectasse seus dias.
– Gostaria de continuar a dar aulas para Caroline. Ela não terá tempo para se acostumar com os hábitos e humores de uma nova preceptora.
– Vamos até lá hoje à tarde, então. Você poderá falar com Caroline e eu verei se meus irmãos estão sobrevivendo à invasão de Henrietta.
– Isso pode esperar até amanhã.
– Devo ir com você nesta primeira visita e preciso estar no centro financeiro amanhã. Tenho que resolver alguns negócios. Já os deixei de lado por muito tempo.
Era isso que ocupava sua cabeça quando ficava tão pensativo em seus braços? Enquanto o corpo dele se dissolvia no dela em completa satisfação e sua respiração invadia seu ser, ele estava pensando nos negócios? Talvez. A impressão de que as mentes deles estavam unidas como seus corpos talvez tivesse sido gerada somente por sua própria falta de individualidade.
Levaria um tempo até que ela percebesse as verdades de seu casamento e descobrisse o que era real e o que não era. Naquele momento, a referência aos negócios anunciava uma mudança. Dali em diante, teriam vidas separadas. O companheirismo que compartilharam em Kent não continuaria.
Ela não esperava por isso. Não era assim que os casais realmente viviam. Mas estava feliz por ter a oportunidade de conhecê-lo melhor. Por aprender algo do homem que havia nele.
Esse homem oculto não era tão diferente daquele que o mundo via, apenas mais complicado. Ele ria das piadas dela mesmo que não fossem tão engraçadas. Tratava-a com doçura mesmo quando comandava suas atividades do dia e sua paixão durante a noite. Na cama eles despertavam um ardor que de forma alguma o enfraquecia, que na verdade aumentava a força que a fazia tremer. Ele a envolvera em uma segurança que ela nunca havia experimentado antes. Ela acreditava cada vez mais na promessa que ele fizera na igreja, de que estaria segura com ele.
Falkner entrou na biblioteca carregando uma pilha de cartas cuidadosamente atadas com fitas.
– Isso foi enviado por lorde Easterbrook ontem – explicou ele.
Hayden desatou as fitas e deu uma olhada nas cartas.
– Falkner, chegou alguma carta para mim enquanto estava fora? – perguntou Alexia.
– Não, senhora.
O coração dela se partiu com um suspiro longo e triste. Entendia que seus primos ficassem zangados. Não previa uma aceitação rápida. No entanto, não esperava ser ignorada. Teria preferido receber uma carta cheia de acusações e fúria ao silêncio total. Eles agiam como se ela estivesse morta.
Ela não precisara lidar com essa perda em Kent. Hayden cuidara para que ela não tivesse muito tempo para pensar.
Ele estava próximo de uma mesa agora. A luz que entrava pela janela ao norte banhava o rosto dele com suavidade. Seu coração falhou uma batida ao olhar para ele e lembranças sensuais fluíram por sua cabeça.
– Eles se aproximarão de novo. Dê-lhes um tempo – consolou-a, sem tirar os olhos da carta que lia.
Ele nem precisava olhar para ela para entender o que estava pensando.
– Acho que devo escrever de novo.
– Preferia que não o fizesse, Alexia. Não gosto da ideia de tê-la implorando o perdão de seus primos por ter se casado com o terrível lorde Hayden.
Ele não estava dando ordens, mas agia como um marido que instruía a esposa sobre o comportamento que esperava dela. Uma boa esposa obedeceria e ela havia se comprometido a sê-lo. Contudo, não previra que ele fosse interferir em um assunto particular.
Alexia não discutiu, apesar de perceber que ele estaria aberto a ouvir objeções. Ela não explicou que não tinha implorado nem pretendia implorar o perdão deles. Sua demonstração de autoridade de marido a deixara pouco inclinada a aplacar seu orgulho ferido.
Quando a pedira em casamento, ele prometera que não iria se meter em suas amizades. Seus primos eram seus amigos mais chegados. Ela faria com que Hayden cumprisse a promessa.
Não iria esperar que seus primos tomassem a iniciativa de contatá-la. Se o fizesse, talvez eles nunca mais se reaproximassem.
Encontraram Henrietta bem instalada na casa de Easterbrook. A maneira como ela os saudou indicou que não era uma convidada, mas a dona da casa.
Ela os recebeu na sala de estar. Deu uma boa olhada em Alexia, depois deu um sorriso de mulher para mulher.
– Parece que o casamento combina bem com você, querida.
Alexia sentiu seu rosto enrubescer.
– Combina comigo bastante bem, sim.
Hayden se afastou, deixando-a sofrer o exame de Henrietta sozinha. A chegada de Caroline abrandou a curiosidade da mãe, mas não suspendeu o interrogatório.
– Você achou Kent agradável?
– É uma bela propriedade.
O olhar de Henrietta se moveu na direção de Hayden, que andava ao longo da fila de janelas.
– Ele parece muito satisfeito.
Caroline olhou para ele também.
– Ele parece mesmo, não? Nem de perto tão assustador quanto antes.
– Dizem que só Vênus para domesticar Marte – falou Henrietta baixinho.
Caroline franziu o cenho, confusa com a alusão. Alexia perdeu a paciência com as insinuações de Henrietta.
– Não sou nenhuma Vênus e ele é inteligente demais para ser comparado a Marte. Se você percebeu contentamento, fico feliz. Assumo minhas funções de esposa com muita seriedade, como certamente você também o fez.
– Eu apreciava minhas funções, Alexia, e sinto falta da alegria que elas me proporcionavam.
– Espero apreciá-las também – disse Caroline. – Aprendi muito sobre o planejamento de jantares enquanto você esteve fora. Vou me divertir muito quando for uma anfitriã.
As sobrancelhas da jovem se ergueram.
– Mas vocês receberam convidados em Kent? – perguntou Caroline.
– Estamos falando de outras funções, querida – disse Henrietta.
– Sua mãe lhe explicará no momento certo – reconfortou-a Alexia. – Agora temos que combinar quando virei para lhe dar aulas.
Caroline torceu o nariz. Henrietta começou a sugerir um cronograma com o qual nenhuma das duas parecia concordar. Hayden, sem dúvida percebendo que a conversa sobre como ele estava satisfeito tinha se esgotado, se aproximou.
Começavam a fazer progressos em estabelecer um planejamento quando Easterbrook chegou. A aparência dele espantou Alexia. Não usava colete nem gravata e sua sobrecasaca estava desabotoada, revelando a camisa branca. Sua falta de trajes apropriados teria parecido comum, não fosse pelo corte impecável e o tecido de qualidade das roupas que vestia.
Hayden não reagiu – a informalidade do irmão não o surpreendia –, mas Henrietta revirou os olhos.
– Realmente, Easterbrook, pensei que tínhamos entrado em um acordo ontem à noite de que não iria ficar circulando pela casa com pouca roupa – disse ela.
O autocontrole de Easterbrook permaneceu inabalado.
– Você expressou sua opinião sobre o assunto. Mas isso não quer dizer que eu tenha concordado.
– Você está constrangendo Alexia, recebendo-a desse jeito.
– Está se sentindo constrangida ou insultada, Alexia? Devo-lhe desculpas?
– Esta é a sua casa, senhor. Eu não ousaria ficar constrangida ou insultada.
– Resposta admirável. Quisera que todas as mulheres fossem tão sensíveis e compreensivas.
Henrietta expressou falta de sensibilidade e compreensão ao sacudir a cabeça com desânimo. Easterbrook e Hayden se afastaram para uma conversa particular. Alexia trouxe Henrietta e Caroline de volta a seus planos.
– Onde está o relicário, Henrietta querida?
Era a voz absolutamente calma de Easterbrook que chegava até elas.
Henrietta se virou para onde ele e Hayden estavam, perto de uma mesa. Alexia se lembrava do relicário cravejado de pedras que ocupava lugar de honra ali.
– Este cômodo tem uma decoração clássica e o relicário é gótico. Não combinava, então o levei para a biblioteca.
Uma mulher mais esperta teria se encolhido apenas com o olhar que Easterbrook dirigiu a Henrietta, mas sua tia respondeu com um de seus sorrisos sonhadores.
Hayden saiu da sala de visitas. Voltou um pouco depois, carregando o relicário. Levou-o para Henrietta.
– Posso sugerir que o coloque de volta no lugar? Christian tem um apreço especial por ele. Tenho certeza de que não sabia disso quando o retirou daqui.
Henrietta parecia pronta para retrucar, mas a expressão séria de Hayden a deteve. Ela olhou para Easterbrook, que a mirava como a uma raposa medindo o tamanho de uma galinha que cruzava desavisada seu caminho.
Alexia caminhou até o relicário.
– Permita-me que...
– Não – disse Hayden.
Henrietta encarou os dois sobrinhos. Levantou-se e pegou o relicário. Fazendo-se de magoada, rejeitada, submissa, mas não intimidada, rapidamente passou por Easterbrook e pôs o relicário sobre a mesa. Depois se encaminhou para a porta, com o nariz empinado.
– Venha comigo, Caroline. Alexia, nos encontraremos quando vier nos visitar amanhã.
Perplexa com o que tinha acabado de acontecer, Caroline se juntou à mãe. Depois que a porta se fechou atrás delas, Easterbrook foi até o relicário e o ajeitou no centro da mesa.
– Você me conseguiu uma semana de paz, Hayden, não mais que isso – suspirou resignado. – Elliot não fica mais em casa. Foge para as bibliotecas durante o dia e para o apartamento de alguma mulher da vida durante a noite. Fiquei só eu. E ela.
– Vamos procurar outra casa – disse Hayden. – É visível que ela o deixa exasperado.
– Sobreviverei. Sua esposa vai nos visitar com frequência no futuro e espero que, logo que a temporada de apresentações das jovens comece, Henrietta se distraia e me deixe em paz.
– Prometo vir visitar sempre – disse Alexia.
– Muito bom – afirmou ele e em seguida deixou de lado os planos de Henrietta. – Meu irmão parece bem-disposto, Alexia. Espero que ele tenha se comportado bem e que a satisfação seja mútua. Somos de uma família que tem motivos para acreditar que as alegrias iniciais do leito nupcial são tudo o que garante uma boa condição matrimonial tanto para o homem quanto para a mulher.
Hayden suspirou e balançou a cabeça.
– É preciso deixar que ela teste a água e se acostume com a temperatura, Christian. Ver você vestido assim foi bastante por um dia. Foi bom você não ter aparecido de robe.
Easterbrook examinou suas roupas.
– Eu teria me arrumado para receber sua esposa, caso isso não desse uma vitória a Henrietta.
– Entendo perfeitamente – disse Alexia. – Sou conhecida por negar uma ou duas vitórias a certas pessoas.
– Tenho certeza de que sim. É por esse motivo que a vi com benevolência desde o primeiro momento – disse, sentando-se na cadeira antes ocupada por Henrietta. – Várias outras cartas chegaram para você hoje, Hayden. Devem ser de quem não leu o anúncio discreto publicado na semana passada. Mas acho que o boato circulou entre as mulheres rapidamente, já que o lote enviado anteriormente continha muitos convites. Henrietta relatou que há muita curiosidade pela dama que teve sucesso na empreitada em que tantas falharam.
– Todos a conhecerão em breve. Vamos aceitar a maior parte dos convites.
– A ideia de ser avaliada a assusta, Alexia? – questionou o marquês.
– Um pouco. Mas é melhor passar por isso logo.
– Bastante sensato. Ela é realmente muito equilibrada, Hayden. Em uma cidade cheia de frivolidade feminina mesmo entre os homens, ela é uma lufada de brisa refrescante.
Eles ficaram um pouco mais. Os homens conversaram sobre política e esporte. A conversa fluía em torno dela. Ela considerou que Easterbrook estava prolongando a recepção por sua causa, para que se sentisse bem-vinda. Ou talvez não se incomodasse com sua companhia por achá-la sensata.
Fora um elogio, vindo de um homem que não perdia tempo com falsidades. Contudo, não era o tipo de comentário que a maioria das mulheres apreciava ouvir.
Sensata. Não bonita ou encantadora ou inteligente. Sensata. Que palavra sem graça. Sim, aqui estou, a pequena sensata. Um bastião do senso prático. Uma cidadela de sobriedade. Até mesmo a paixão que vivencio com esse novo marido é uma questão de aceitar o que não posso mudar. Estamos ambos fazendo o máximo para que um casamento decretado por um impulso tolo e por um pragmatismo frio dê certo.
Ela olhou para Hayden, que parecia sem pressa de ir embora. Certamente gostava de conversar com o irmão.
Ele sentiu o olhar de Alexia e voltou-se para ela. A doçura suavizou sua sobriedade e seus olhos refletiram as lembranças dos momentos íntimos.
Por uns poucos doces instantes, a vida que tinham à noite se intrometeu no dia e ela não se sentiu nem um pouco sensata.
Hayden não se recolheu junto com ela naquela noite. Ela o deixou na biblioteca, escrevendo uma carta. Joan, que esperava por ela no quarto de dormir, chegara de Kent no meio do dia para trabalhar como sua criada pessoal. Alexia decidira que seria tolice procurar por outra criada se já encontrara uma que a agradava. A moça estava muito animada com suas novas funções e a oportunidade de morar na cidade grande.
Joan a ajudou a vestir a camisola, e então penteou seus cabelos. Depois disso, Alexia a dispensou e se deitou.
Aquele quarto nunca fora usado em todos os anos em que vivera naquela casa. Rose não o ocupara, reservando-o para a futura esposa de Benjamin, depois para a de Timothy. O cômodo tinha ligação com os aposentos do dono da casa, que agora era Hayden.
Olhou para o tecido marfim drapejado que pendia acima dela. Prometera a Hayden que os pensamentos sobre seus primos não invadiriam suas noites, mas o marido não estava lá naquele momento. Os eventos da última semana tinham suspendido suas reflexões, porém agora ela estava sozinha de novo. No passado, imaginara-se deitada em sua cama esperando por um homem diferente, e a lembrança de Ben a invadiu em ondas cada vez mais vívidas.
Tais memórias eram fruto de nada mais que seus pensamentos em um primo. As emoções em relação a Ben haviam se alterado desde que lera as cartas no sótão. Pensar que tinha sido uma de suas muitas conquistas a magoava. Nunca suspeitara que a insistência dele em relação à discrição fosse porque não queria que seus irmãos soubessem que havia se comportado de forma desonrosa com ela.
No entanto, foi o que ocorreu. Seu orgulho gostaria de acreditar que ela fora seu amor verdadeiro, sua futura esposa, e que as cartas vinham de uma mulher que apenas satisfizera as necessidades dele até que se casasse. Hayden até mesmo sugerira que era esse o caso. A garota romântica em seu coração se agarraria a essa explicação por anos. Alexia Welbourne, a mulher que aprendera bem demais as verdades nuas e cruas do mundo, estava menos inclinada a ser tão generosa.
Entretanto, essa mulher não poderia exorcizar as lembranças de Ben completamente. Voltara a pensar nele ao atravessar a porta, mas não com saudade ou anseio por sua presença. Agora reavaliava suas recentes preocupações a respeito dele. A lembrança do primo permanecia vagamente incompleta então, e quanto a assuntos essenciais.
Ela o viu de novo ao beijá-la antes de partir para a Grécia. Tinha sido só atração o que sentira por ele? Ela percebera quanto Ben ansiava por partir, mas sufocara esse pensamento. Agora ele ressurgia em sua mente, liberado da mentira. Ela analisou seu sorriso e ouviu suas garantias. Também viu outra emoção no fundo dos olhos dele.
Alívio. Ele estava feliz por se afastar. Dela? Não, ela não seria tão importante assim. Ben poderia ter se livrado dela sem ir para a Grécia.
Ficara aliviado de deixar a Inglaterra e desanimado de voltar. Hayden acreditava que Ben fora descuidado no navio por causa dessa melancolia. Tão descuidado que acabara caindo no mar.
Fechou os olhos para tentar reter as lágrimas que começavam a queimar. Ela o amara intensamente, como namorada, noiva ou prima. Não queria pensar nele tão infeliz, tão desesperado que...
Por causa dela? Seria terrível imaginar que seu envolvimento com ela o tornara tão infeliz. Com certeza tinha sido outra coisa, mais importante.
Quisera ter lido aquelas cartas com mais cuidado e descoberto algo além do que a prova de haver outra mulher na vida dele. Quisera não ter ignorado os outros papéis. Ela abrira o baú à procura de uma resposta para a pergunta que a atormentava agora. Precipitara-se ao se agarrar à crença de que nunca mudara e, ao sentir aquele perfume nas cartas, ficara distraída demais para se lembrar da sua meta.
Ela esfregou os olhos, secando as lágrimas que tinham escorrido para seus lábios cerrados. Piscou mais forte e olhou de novo para a noite.
Hayden estava de pé ao lado da cama. A luz de um pequeno abajur longe deles criava um halo ao redor de sua silhueta. Ela se espantou ao vê-lo. Não o tinha ouvido entrar.
Conforme as sombras ficaram mais vivas, com brilhos avermelhados, ela viu que ele usava um robe largo, amarrado de forma descuidada. O tecido era escuro e caía com suavidade.
– Você estava chorando.
– Não, não estava. De verdade.
Não era de todo mentira. Não tinha havido tantas lágrimas assim, a ponto de serem consideradas choro.
Ele abriu o robe. A luz tênue destacou os ângulos duros de seu corpo e rosto. O espanto dela diante da beleza do marido obscureceu os pensamentos que tinham preenchido a última hora.
Ele se juntou a ela na cama. Puxou-a para mais perto e olhou para baixo. Um leve estremecimento de excitação pelo que estava por vir percorreu todo o corpo dela.
Ele não a beijou. A mão dele se manteve no quadril dela exercendo a pressão firme que expressava tanto sobre ele. Ele não agarrava nem apertava. Nem tinha que fazê-lo. Essa pegada mais suave era também mais eficiente em demonstrar quanto ele acreditava possuí-la.
– Por que estava chorando?
Ele não deveria pedir uma resposta dessas. Não importava para ele.
– Você disse que havia assuntos sobre os quais não falaríamos à noite, Hayden. Acredito que seja uma boa regra.
A cabeça dele se virou levemente. Ele voltou o olhar para o vazio.
– Vou comprar ou alugar outra casa. A oeste do parque, se necessário. Imaginava que viver aqui seria um erro.
– Por favor, não faça isso. Por favor. Não é a casa. A saudade virá de vez em quando, aonde quer que eu vá.
A atenção de Hayden se voltou para Alexia, como se ela tivesse dito algo importante. A mão dele acariciou a coxa e a perna dela. Com movimentos longos, ele puxou a camisola da esposa para cima.
– Talvez eu devesse deixá-la com sua nostalgia esta noite... mas acho que não.
Ele acreditava estar competindo pela atenção dela? Por isso seu beijo tinha sido tão longo, tão íntimo, tão perfeito para deixá-la sem fôlego? Ela não pôde ignorar a nova e sutil dureza na forma como a segurou. O beijo dele foi mais direto do que lisonjeiro. Ele a dominou como na carruagem, quando havia insistido até que o corpo dela admitiu que a paixão deles não era um mero dever.
Ela cedeu sem resistências. Ela queria. Tinha ficado tão solitária em seus pensamentos, tão apartada das pessoas e do amor que dera algum significado a sua existência. A intimidade a seduziu mais do que o prazer.
A pele de Hayden pressionou a de Alexia quando ele afundou o rosto em seus cabelos. A respiração dele a penetrou, incitando-a tanto quanto suas carícias. Ele levantou os braços dela e puxou a camisola, depois a deitou de costas de novo, nua ao lado dele.
Ela amava a forma como a mão dele se movia. Fechou os olhos para saborear a sensação dos trajetos lentos e confiantes que ele traçava por seu corpo. Cada centímetro dela ansiava por experimentar aquele calor, para ficar mais vivo sob esse toque.
Ele afastou as pernas dela e moveu-se para cima, posicionando-se entre suas coxas. O corpo dela instintivamente se mexeu para aceitá-lo, mas uma ponta de decepção se intrometeu em sua excitação. Seria rápido esta noite. Tivera esperanças de...
Ele não aceitou a oferta que o corpo dela fez. Retirou as mãos da esposa dos ombros dele e as pôs de cada lado da cabeça de Alexia. A ausência de abraço acrescentou uma nota de vulnerabilidade. Seus seios se elevaram, completamente expostos, tão sensíveis que o ar fazia cócegas neles.
Ele não chegou a pedir que ela ficasse naquela posição, mas Alexia entendeu que ele esperava que ela ficasse. Ele parecera satisfeito em Kent quando ela participou, mas hoje queria que só aceitasse. Não achava que era a generosidade que o motivava agora, assim como não fora na carruagem.
Um beijo na parte lateral do seu seio ocultou o vago ressentimento que estava se formando. A cálida pressão dos lábios dele e o toque tremulante de seu cabelo ao mergulhar a cabeça a entorpeceram. O que quer que ele quisesse provar a Alexia, havia beleza nisso. A forma como beijava todo o seu seio fazia com que ela se sentisse especial, bem como possuída.
Logo a melodia que pedia mais sussurrou na cabeça dela enquanto seu corpo sabia o que se aproximava. Ele esperou até que ela estivesse pronta. A expectativa dela virou uma aflição excruciante antes que os dedos dele substituíssem sua boca e ele circundasse seu mamilo com carícias vagarosas.
Ele esfregou o bico de seu seio. Tudo nela gemeu de alívio e desejo. Ele insistiu até que um caos de prazer e frustração a preenchesse. O peso dele impedia que o baixo ventre dela se movesse, negando-lhe até mesmo o pequeno consolo que a possibilidade de erguer o quadril lhe daria.
Ele passou a língua pelo outro mamilo, criando uma sensação deliciosa de suportar. Ele a lambeu com suavidade, multiplicando as pulsações arrepiantes embaixo até que elas formassem um fluxo contínuo e maravilhoso de tortura. O toque dele em seu outro seio a levou ao delírio. Ela arqueou as costas sem inibição, implorando que ele continuasse para sempre.
Ele a levara ao ponto em que apenas o desejo carnal existia. Sua mente se nublou para tudo o que não fosse a forma como ele a excitava e ela precisava disso, queria mais. Essa melodia a penetrou fisicamente. Pulsava em sua cabeça e em seu sangue e doía entre as pernas, onde seu sexo esperava, vazio e incompleto, formigando e latejando.
Ele se mexeu e ela sentiu a umidade entre eles, o líquido que escorria de dentro dela. Ela tentou escorregar sob Hayden, para que ele pudesse entrar.
– Não se mexa.
Era ele que se movia mais para baixo. Foi descendo, percorrendo o caminho com beijos quentes. Parou um instante ao passar pela cintura dela, mas continuou a descer. Não planejara fazer isso.
O calor da boca dele em seu púbis a espantou. Beijos eletrizantes na parte interna das coxas fizeram com que Alexia perdesse o fôlego. Ela olhou para seu corpo, para a forma escandalosa como Hayden agora estava tão baixo, tão próximo... Olhou para o pequeno abajur. Era provável que ele a estivesse vendo.
Ele a tocou com cuidado, com precisão. Lampejos celestiais de prazer sobrepujaram seu espanto.
– Pretendo beijá-la aqui também. Você quer negociar, Alexia? Você pode se recusar.
Beijá-la ali? O instinto de detê-lo, de se cobrir com as mãos, foi demolido por outras carícias. A sensação tomou o corpo dela por inteiro. Seu quadril se elevou, oferecendo-se.
Ele não a beijou. Não de verdade. Mas o que quer que estivesse fazendo com a boca e a língua criavam um prazer tão profundo, tão surpreendente, que ela gemia. O gozo cresceu aos poucos e a sacudiu de maneira tão violenta que ela gritou, rompendo o silêncio da noite.
Ele se juntou a ela antes que seu grito cessasse, virando-a de maneira que ela encarasse o colchão e cobrindo-a com o próprio corpo. Ele não perguntou se ela aceitava essa parte. Cobriu-a com seu corpo de uma forma que nenhuma parte dela ficasse intocada. Ninguém poderia duvidar de seu domínio naquele momento. As estocadas dele mantiveram os tremores do prazer de Alexia ecoando quando gozaram juntos. Ambos pulsavam quando ele ejaculou.
Hayden não se moveu por um longo tempo. Ela sentia a respiração ofegante dele em seu cabelo e em seus ombros e o peso dele em seu quadril. Sutilmente, ele foi relaxando os braços, que sustentavam seu peso sobre ela, e aproximando-se em um abraço. Ela estava exausta demais para se importar com a sujeição que sentia estando sob ele. Não tinha medo. Nunca ficava com medo. Nem se sentia usada de maneira indigna. Não havia nada de frio nem de indiferente no desejo dele.
Ele deu um beijo nas costas dela, entre as escápulas.
– Continuaremos nesta casa, se você quiser.
Depois ele se foi, deixando o quarto com o robe flutuando em torno em si.
Ela se virou para se deitar de costas. Ainda não se recuperara, mas percebeu que ali acontecera mais do que aprender novos prazeres.
Talvez estivesse enganada acerca do calor, do... carinho que sentira nele. Talvez esta noite não passasse de um teste, para ver se a história dela naquela casa interferiria no que ele esperava obter.
CAPÍTULO 15
A brisa da primavera emanava perfumes revigorantes conforme Hayden ia andando pelo centro financeiro de Londres. Ergueu o rosto em direção ao sol brilhante, observando sua posição. O astro começara sua inútil tentativa anual de combater a umidade eterna da cidade.
Parou diante da fileira imponente de fachadas clássicas que compreendia o Banco da Inglaterra, na Threadneedle Street. Ia ali com frequência para tratar de negócios, mas naquele dia não cuidaria de negócios comuns. Entre as cartas que esperavam seu retorno de Kent estava uma de Hugh Lawson, um assistente de caixa do banco.
Lawson era um jovem ambicioso que bajulava Hayden na esperança de ser incluído em sociedades de investimentos promissoras. A carta de Lawson vinha em resposta a uma indagação do próprio Hayden. Sim, o cavalheiro em questão mantivera uma conta particular no Banco da Inglaterra, escrevera ele. Se lorde Hayden fizesse uma visita ao banco, Lawson tentaria dirimir quaisquer outras dúvidas.
Depois de deixar Alexia na véspera, tinha pensado por um instante em não fazer essa visita. A paixão tinha formas de obscurecer a realidade.
Ela estava chorando em silêncio quando ele entrou no quarto. Por causa da rejeição do primo? Ela passara a possuir uma fortuna considerável ao se casar com ele, além de posição social e segurança. Descobrira o prazer físico e parecia feliz com seu poder. Porém, perdera o amor da família.
E o pior, ele sentira outra presença no quarto, que imaginara ser Ben, o motivo do choro. As cartas no sótão haviam maculado as lembranças de Ben, mas as mulheres tinham o hábito de amar canalhas mesmo quando descobriam a verdade.
Ele havia se incomodado mais do que deveria com aquela intromissão no quarto. Mais do que nunca, tinha se empenhado em fazer uso do poder que o prazer lhe dava. Levara Alexia a um mundo diferente, um mundo que os Longworths não invadiam.
Nenhum fantasma pairava em torno daquela cama quando ele saiu. Mas se tivesse ficado mais tempo, talvez... Um espectro teria conseguido se esgueirar de novo, tornando o ar carregado de saudade e sofrimento?
Em caso positivo, não teria sido totalmente por culpa de Alexia. Não era apenas seu amor eterno por Ben que o mantinha em suas vidas.
Pairavam no ar perguntas sobre Ben que exigiam respostas. Um instinto o advertiu que um homem ajuizado deixaria isso de lado, mas sua negligência na noite da morte do amigo era uma culpa que implorava por mais informações.
Percorreu o caminho entre os escritórios com tetos de abóbadas altas do banco e desceu alguns degraus. Lawson o recebeu em uma sala pequena e sóbria localizada abaixo da área pública do banco.
Lawson tinha um ar conspiratório ao fechar a porta. Não era permitido discutir os negócios de um cliente com outro, mesmo que um deles já estivesse morto. Hayden ficou feliz com a exceção, mas nunca mais confiaria tanto assim em Lawson.
– Benjamin Longworth de fato tinha uma conta aqui, conforme o senhor perguntou. Na verdade, ela ainda existe e há um valor considerável depositado nela. Seus herdeiros não devem estar cientes da existência dessa conta.
Isso significava que os registros de Ben dessa conta não estavam entre os documentos que Timothy recebera após sua morte.
– Era uma conta polpuda?
– Variava. Um valor alto entrava, mas depois saía. Parecia muito com contas de comerciantes, como importadores. Nessas contas, o dinheiro é depositado e depois retirado para pagar letras de câmbio ou coisa parecida.
– Qual o valor dessas retiradas?
Lawson deu de ombros.
– Algo entre cem e mil libras de uma só vez.
– Saques?
– No início, sim. Depois apenas pagamento de notas promissórias.
– Gostaria de ver os registros.
Lawson já tinha passado dos limites. Agora sua expressão deixava claro que hesitava em dar mais esse passo.
– Tenho indícios que levam a acreditar que Longworth estava com problemas financeiros. Como seu amigo, gostaria de pôr minha cabeça no travesseiro e descansar, tendo certeza de que ele não estava passando por tais problemas – disse Hayden. – Seria um grande favor de sua parte. Um favor impossível de recompensar, apesar de que eu tentaria com todas as minhas forças.
A expressão de Lawson se desanuviou. Se tinha hipotecado sua honra e seu futuro, queria se assegurar de que no fim receberia créditos para compensar esses débitos. Ora, ele era bancário.
Ele pegou um fino livro contábil de uma pilha sobre a mesa. Colocou-o em cima dos outros e saiu da sala.
Quando a porta se fechou, Hayden pegou o livro. O primeiro depósito de Ben na conta fora há anos, cerca de seis meses após a compra da sociedade no banco de Darfield. Quantias pequenas de início, depois maiores.
Percorreu com o dedo a coluna de depósitos, somando mentalmente. Por quatro anos, Ben escondera mais de cinquenta mil no Banco da Inglaterra. Era dali que deveria vir o dinheiro, depois que ele falsificava as assinaturas e liquidava os títulos das vítimas. Era muito mais do que Darfield e ele imaginavam. Darfield ainda estava ocupado rastreando todas as vendas e determinando quais eram fraudes. Se esta conta fosse uma indicação, o pobre homem teria uma apoplexia.
Seis meses de registros da conta: começou uma série de saques, uma longa lista de retiradas. Algumas transferiam o dinheiro de volta para sua conta no Darfield e Longworth, pois assim, supunha-se, ele poderia pagar rendimentos aos clientes desavisados e eles nunca saberiam que o principal em suas contas não mais existia. Algumas retiradas iam para pessoas físicas e outras para contas em bancos regionais em Bristol e York.
Ele examinou atentamente os saques. No meio da lista, surgiu um novo nome que chamou sua atenção e deixou todos os outros insignificantes. Uma série de transferências tinha sido feita para um indivíduo a intervalos regulares, mas com muita frequência para serem pagamentos de rendimentos. Depois, um ano antes da morte de Ben, elas pararam. Contudo, a exatos intervalos de dois meses, e sempre no mesmo dia, o dinheiro continuou a ser retirado, somente em espécie.
O padrão ficou muito claro para ele, continuando até o mês em que Ben foi para a Grécia. A intuição que o advertira a deixar isso de lado zombou impiedosamente dele dentro de sua cabeça.
Era pior do que pensava. Ben tinha sido chantageado e as quantias haviam aumentado em seu último ano na Inglaterra. E o próprio Hayden apresentara Ben ao homem que extorquira dinheiro dele.
– É um pouco tarde para pedir minha opinião – disse Phaedra. – Você ainda terá um vínculo com ele, não importa o que eu diga.
Você não pediu meu conselho antes de concordar em se casar com ele, então por que pedir agora?, era o que seu tom dizia.
Alexia queria saber o que Phaedra achava dele, porque ela mesma já não sabia o que pensar. Sua visão estava confusa. De noite, quando seus corpos se uniam e se fundiam, ela vivenciava uma intimidade tão completa, tão nítida, que isso a atemorizava. Suas noites começavam a parecer mais reais do que seus dias.
– Não percebi que vocês se conheciam. Achei que os estava apresentando naquele dia, do lado de fora do depósito. Você só se referiu a ele como sendo frio, por isso perguntei por que tinha essa opinião.
– Eu não o conhecia. Mas a gente ouve comentários. E você há de convir que ele não parece muito acolhedor por natureza.
Elas estavam sentadas na excêntrica sala de visitas de Phaedra. Alexia nunca chegara a uma conclusão a respeito do modo como o cômodo era decorado. O tecido cor de safira do sofá parecia bem desgastado, mas xales jogados descuidadamente sobre ele davam uma aparência de luxo mesmo assim. Os móveis eram uma mistura de acabamentos e estilos, porém dispostos com a intenção de agradar aos olhos com sua desordem eclética. Dois gatos vagavam à vontade, um preto e um do mais puro branco. O branco tinha o hábito de pular no colo de Alexia e agora estava enroscado lá, soltando pelos em seu casaco marrom.
Livros se espalhavam sobre duas mesas ao lado do sofá. Gravuras de Piranesi exibindo estranhas escadas decoravam as paredes. Apenas uma pequena aquarela à esquerda parecia o tipo de obra de arte que as pessoas normalmente comprariam. Pinceladas coloridas cristalinas mostravam a paisagem de uma montanha, descendo até um lago.
– Eu não poria muita fé em boatos, nem em um autocontrole que é apenas resultado da criação – disse Alexia.
– Então presumo que você não o ache frio e que superou a aversão que o comportamento dele em relação a seus primos causou – disse Phaedra. – Fico feliz de ouvir isso. Uma mulher casada não tem a opção de discordar sexualmente, portanto ajuda bastante se ela gostar.
Só mesmo Phaedra para começar a falar nesse assunto como se fosse a coisa mais normal do mundo, porém Alexia ficou aliviada por ela ter tocado no tema. Sentira muito a falta da amizade tranquila de Rose nos últimos dias. Uma mulher precisa ter uma amiga para fazer confidências eventualmente.
– Acho que gosto até demais – disse ela. E superei a aversão bem demais. Completamente demais, talvez.
– Que coisa estranha de se dizer. Espero que não se atenha à ideia estúpida de que o prazer é pecado.
– Não.
Não pecado. Só... perigoso. Ela não poderia explicar isso a Phaedra. Não tinha palavras para descrever. Mas, às vezes, quando se abandonava nos braços de Hayden, sentia que oferecia a ele uma parte de sua alma.
– Só me pergunto se é normal gostar dessas coisas com uma pessoa a quem não se ama.
– Se os homens podem, por que não as mulheres?
Por que não, de fato? Alexia não podia negar que a pergunta fazia sentido. Duvidava que Hayden se preocupasse por ele estar tendo prazer demais.
Phaedra mudou de posição no sofá, virando o corpo inteiro e puxando uma das pernas para cima. Era a imagem de uma mulher que se preparava para uma boa fofoca.
– Como você perguntou por que eu disse que ele era frio, vou lhe contar que isso não se deve apenas ao humor severo que ele mostra para o mundo. Conheço uma de suas amantes do passado.
– A amante o chamou de frio?
– Ela disse que ele era bom de cama, mas que permanecia distante. Ela compartilhava prazer com o homem que o mundo vê, que é raramente cálido, vamos admitir. Normalmente, na cama, surge outro homem.
Alexia entendia isso. Ela sentira o outro homem surgir de dentro dele e ficava orgulhosa por Hayden ter sido menos reservado com ela de que com a amante que Phaedra conhecia.
– Imagino que ele tenha tido muitas amantes.
Sem dúvida teria mais amantes no futuro. Ele não negara isso. Não havia perigo para ele na intimidade que compartilhavam.
Phaedra deu de ombros.
– Isso é muito comum. Minha amiga disse que ele era um pouco estranho a esse respeito. Ele poderia seduzir quem quisesse apenas com aquela cara dele. Mas, em vez disso, sempre se certificava de deixar bem claro o que as mulheres ganhariam com isso e o que nunca teriam. O acordo era confortável, porém faltava o mínimo de ilusão romântica. Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais, sabe? Todas nós gostamos.
Ele fizera um acordo bem explícito com ela também. Tão explícito que ela imaginara que ele estivesse fazendo uma proposta para que se tornasse sua amante, e não sua mulher.
Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais. Era isso que ela estava fazendo? Fingindo que havia mais? Talvez a proximidade, a sensação de vínculo, fosse uma ilusão criada por seu coração para poupá-la da verdade nua e crua de que ela era uma cortesã em seu casamento.
– A condição mais estranha dessa proteção – continuou Phaedra – foi sua insistência em que as amantes fossem examinadas por seu médico primeiro. Ele não seduzia antes e negociava depois.
Ela pegou um bolinho na bandeja em cima da mesa e o ofereceu a Alexia.
– Isso não seria comum em um homem tomado pela emoção, não é? – continuou Phaedra. – É a precaução lógica, mas também calculada friamente.
Alexia aceitou o bolo porque sabia que Phaedra os tinha feito com as próprias mãos. Ela não tinha criados, nem mesmo para fazer a faxina, apesar de sua renda permitir esse gasto.
– Como você vê, venho me informando sobre ele desde que me disse que iam se casar – disse Phaedra. – Também soube de excentricidades no histórico familiar.
– Que excentricidades?
Os olhos de Phaedra se arregalaram antes de dar outra mordida no bolo. Alexia riu de sua expressão cômica. Phaedra riu também, cuspindo uma chuva de migalhas de bolo sobre seu vestido.
Ela afastou as migalhas com a mão.
– Como disse, esta é uma conversa que deveríamos ter tido antes do casamento. Você não sabe nada sobre ele.
– Sei o bastante – murmurou ela, examinando o bolo.
O riso de Phaedra tinha um tom sarcástico.
– Os efeitos do seu desvirginamento são deliciosos, Alexia. Você imaginava que o prazer venceria o seu senso prático? Um homem a seduz e você perde a cabeça? Daqui a pouco vai dizer que se apaixonou e não se importa com quem ou o que ele é.
– Pode zombar quanto quiser, mas não me acuse de ser uma tola romântica. Não perguntei sobre o passado da família dele. Não há uma forma educada de se fazer isso.
– Há uma história que valia a pena conhecer, talvez. Dizem que a mãe dele passava dias e até semanas sem sair do quarto. Talvez ela sofresse de uma grave melancolia. Contudo, soube que tinha talento literário e acho mais provável que ela tenha se perdido na arte. Nos últimos anos de sua vida, se retirou completamente para a casa de campo deles. Alguns acham que ela ficou louca. Quase sempre é por essa razão que um membro da família se torna recluso.
– Não acredito que o sangue de Hayden tenha ficado maculado desse jeito. Ele teria me contado, me advertido.
Phaedra limpou mais algumas migalhas de cima do vestido.
– Talvez não seja sangue ruim, então não achou que precisasse lhe contar. Mas é um assunto que voltou à baila agora que Easterbrook está ficando excêntrico. Os que fazem essas especulações acreditam que ela enlouqueceu e que um dia Easterbrook também ficará louco. Há outras explicações para como e quando ela desapareceu e pretendo lhe contar uma delas.
– Quais seriam essas explicações?
– Devoção à sua arte, dizem alguns. A necessidade de gritar ao mundo e criar se tornaram tão intensas que ela se retirou da sociedade. Outras pessoas com temperamento artístico defendem essa explicação.
– Você não expôs essa explicação com muita convicção.
– Uma mulher não precisa se tornar eremita para ser escritora. Nem tem que se afastar totalmente da sociedade. Essa ausência foi completa e permanente.
– Qual a explicação que você defende, então?
– Nenhuma que se encaixe nos poucos fatos que conheço. Pode ter sido uma doença. Sífilis, por exemplo.
Alexia olhou fixamente para ela. Phaedra entendeu mal a estupefação.
– Isso é...
– Sei o que é. Não sou criança.
– Isso explicaria a exigência do exame médico por Rothwell. Ele teria um temor maior do que os outros homens se tivesse visto os efeitos da doença tão de perto. Ele podia desejar uma mulher, mas não faria nada até saber que o ato não o mataria.
Exceto por uma vez, no chão de um sótão, ele tinha agido sem saber. Ele não poderia ter certeza de que ela era virgem. Não havia calculado os riscos naquele dia. Ela tentou ordenar isso em sua cabeça.
– E o pai dele?
– Não ouvi nada a respeito dele. A doença pode ter se desenvolvido devagar e só se manifestado próximo da morte. Mas existe um furo nessa teoria, o que torna a última mais plausível. Ela pode ter se afastado da sociedade por ordem do marido, não por livre e espontânea vontade, e ter sido mandada para a casa de campo como uma forma de prisão.
– Aylesbury Abbey dificilmente pode ser chamada de prisão.
– Qualquer lugar se torna uma prisão se a pessoa for confinada lá, privada da liberdade de ir e vir. Com o poder que o marido tinha, se ele quisesse afastá-la do mundo, ele poderia fazer isso.
– Tenho certeza de que você está errada. Não teria havido motivo para essa dureza toda.
Phaedra olhou para ela como se a amiga fosse uma criança ignorante das verdades da vida.
– Há um bom motivo. Acontece o tempo todo. Um marido faria isso se a esposa tivesse outro homem.
– Acho mais provável que ela quisesse escrever em paz. Você deveria se dedicar à literatura também, Phaedra, pois é capaz de fantasiar bastante em cima da preferência de uma pobre mulher por privacidade e ar do campo.
Phaedra se levantou e pegou uma pasta grande que se apoiava na parede.
– Talvez esteja certa, mas não deixe que o prazer a cegue com seu novo marido. Dizem que o último marquês podia ser rígido, duro e severo, e que isso convinha a ele. Alguns dizem que lorde Hayden tem muito da personalidade do pai.
Ela se sentou e abriu a pasta no colo.
– Agora dê uma olhada nestes desenhos comigo. Um novo amigo os fez e acho que ele demonstra grande talento.
Quando Alexia voltou para a Hill Street, Falkner a informou que Hayden não jantaria em casa. Nenhuma explicação foi dada, nem ela perguntou. Contudo, ficou imaginando por onde seu marido andaria nessa noite. Naquelas circunstâncias, preferia ter feito seus próprios planos, de forma que seu direito a uma vida em separado também fosse exercido.
Com tempo para si mesma, se recolheu cedo, mas não para seus aposentos. Em vez disso, se aventurou até seu antigo quarto. Apesar de suas roupas e artigos de higiene terem sido apanhados, ainda não dera instruções para que retirassem seus outros pertences de lá.
O quarto se mostrou estranho no começo. Parecia que ela se ausentara por um ano. Ao caminhar para lá e para cá, tocando em alguns livros e no papel de carta que esperava a caneta, o espaço se aqueceu com sua presença.
Uma cesta grande chamou sua atenção. Enfurnada debaixo da escrivaninha, ela guardava seus aviamentos.
Recebera um pedido da Sra. Bramble logo depois de ficar noiva e tinha feito o chapéu antes do casamento, para cumprir com a obrigação. O trabalho a deleitara. Concentrar-se na tarefa a havia ajudado a apaziguar suas emoções desencontradas naquela semana.
Levantou a cesta do chão e mexeu nas fitas e linhas de costura. Foi até o guarda-roupa e achou um pouco da palhinha que havia comprado no depósito. Não precisava mais confeccionar seus próprios chapéus, mas talvez em noites como esta fosse bom se ocupar com alguma coisa. Isso evitaria a sensação de estar apenas à espera de que algo interessante acontecesse.
Entregou-se com prazer ao trabalho. Decidir o molde da copa, ousar uma inovação na aba, escolher as cores – tudo isso deixava seu coração mais leve.
Forçou-se a parar perto da meia-noite. Ao voltar para seu quarto de dormir, ouviu vagos sons que indicavam que Hayden estava em casa. Não tinha sido uma noite muito interessante na cidade.
Uma sensação de alívio a invadiu. A reação foi tão nítida, tão intensa, que Alexia prendeu a respiração. Fechou os olhos e encarou suas emoções com franqueza. As implicações delas não eram boa notícia.
Seu coração tinha parado de bater, esperando para saber quando ele voltara, perguntando-se se era mesmo ele. Phaedra dissera que ele havia tido amantes. Era inevitável que chegasse o dia em que teria outra. Em seu íntimo, Alexia temia que ele já houvesse arrumado outra ou não tivesse rompido com quem quer que fosse sua amante antes de se casarem.
A tristeza do alívio, a forma como massacrava seu coração, indicava que isso fazia diferença para ela. Ela poderia até saber da possibilidade, mas não queria que acontecesse. Não era uma reação sensata, de forma alguma. Já desistira de se ressentir ou de lutar contra as verdades da vida. Quando não se pode mudar algo, quando não se pode vencer, a rebeldia só leva a mais infelicidade.
Contudo, se rebelava agora. O coração dela se rebelava. Não conseguiria aquietá-lo. Não queria que Hayden demonstrasse paixão por outra mulher. Imaginá-lo fazendo isso fez com que seu estômago ficasse embrulhado.
Despiu-se sozinha, pois tinha dito a Joan que não a aguardasse. Deitou-se na cama e esperou que a porta se abrisse.
O quarto caiu no mais completo silêncio. A casa inteira silenciou. Ocorreu-lhe que Hayden poderia ter vindo a seu quarto mais cedo e não a encontrado. O chapéu a distraíra tanto que ela perdera a noção do tempo.
Levantou-se e vestiu o robe. Descalça, percorreu o corredor de ligação entre seus aposentos e os do marido. A porta estava aberta. Ela espiou para dentro do quarto de Hayden.
Um abajur mínimo estava aceso, aumentando um pouco a parca iluminação que penetrava através das cortinas semiabertas. Era luz suficiente para ela ver que ele estava na cama, mas não para saber se estava dormindo. Ele estava deitado de costas, com as mãos por trás da cabeça, e os braços dobrados por sobre o monte de travesseiros, deixando entrever a parte superior do seu dorso.
A posição tensionava os músculos dos seus braços, definindo sua força.
Ela deu uma olhada no quarto. Nada tinha sido mexido. Os móveis permaneciam exatamente como antes. Mas não restava nada de Timothy ali. Era como se o primo nunca tivesse posto o pé naquele cômodo. Sem mudar nada, Hayden tinha tornado o quarto todo seu, simplesmente por ocupá-lo.
Ele se mexeu, espantando-a, e se levantou, apoiando o peso em um braço. Ela se sentiu uma invasora.
– Desculpe. Não queria acordá-lo.
– Não estava dormindo. Estava cultivando meu mau humor.
Uma invasora, por certo. Ela começou a recuar.
– O que você quer, Alexia?
Era uma pergunta para a qual ela não tinha resposta.
– Venha aqui.
Ela desejou que ele lhe permitisse retirar-se suavemente. Andou até a cama.
Ele ergueu a mão em sua direção, segurou seu braço e a guiou até ele. Após lutar um pouco com os lençóis, conseguiu trazê-la para junto de si. Deitou-se com um braço em volta dela, olhando para o drapeado acima da cama, tal como estivera fazendo quando ela chegou.
Ela logo percebeu que ele não pretendia fazer amor. Nem tinha ido a seu quarto mais cedo. Ele não a havia procurado porque não a queria naquela noite. Talvez tivesse se encontrado com uma amante. Uma das que já tivessem se consultado com o médico meses atrás.
A ideia a incomodou menos dessa vez, apesar de ainda a perturbar. Talvez a diferença fosse o contentamento com o modo familiar como o braço dele a enlaçava. Era muito agradável ser segura assim, sem expectativas no ar nem o desejo saciado criando uma névoa egoísta.
Eles nunca tinham feito isso antes. Sempre houvera um ponto após a relação sexual, um momento específico, em que a paixão evaporava. Ele sempre ia embora para se deitar em sua própria cama. Ela se perguntou se, como ela, Hayden notava o conforto suave desse abraço.
– Você não estava em casa quando saí esta tarde – disse ele. – Eu teria explicado meus planos hoje, já que foi a primeira vez em que saí sozinho à noite desde que voltamos de Kent.
Hoje, mas não no futuro. Suas intenções tinham sido gentis, mas também a informavam como os avisos eram dados.
– Foi muita gentileza sua querer explicar esta primeira vez, mas sei que muitas vezes ficaremos cada um para o seu lado à noite, como fazemos de dia.
Ele riu baixinho. Ela gostou daquele som e da prova de que o mau humor estava se dissolvendo, mas não fez ideia do que ele tinha achado engraçado.
– Tem um homem da Bavária. Organizaram um jantar para ele. Só para homens. Bebemos e falamos de caçada, mas o motivo real era discutir negócios.
– Você não precisa se explicar. Sou muito aberta. De verdade.
– Não quero que você fique pensando que fui procurar uma amante logo depois do casamento. Deveria ter me lembrado de que você é sensata demais para ser ciumenta, principalmente quando não há indícios.
Ela ficou feliz por estar escuro e ele não poder ver que ela enrubescera. Perguntou-se se seria tão sensata no futuro, quando houvesse indícios. Temia que não, considerando como sua descrição da noite aliviara suas preocupações.
Alexia se virou e se apoiou em um cotovelo, para ver o rosto dele.
– Hoje encomendei aquele vestido de noite de preço exorbitante que você queria. Madame Tissot quase chorou de alegria com o que vai ganhar com isso.
– Que cor é o vestido?
– Uma cor incomum. Parece marfim à luz da lareira.
– Parece uma cor que ficaria bem acompanhada de diamantes.
– Não sei.
De fato não sabia se já tinha visto diamantes de verdade.
– Você vai ver.
Ele dera a entender que compraria diamantes para ela. Isso a alegrou, como faria com qualquer mulher.
– Você disse que estava cultivando seu mau humor. Não correu tudo bem no jantar?
Ele não respondeu. Agora ela realmente fora intrometida. Tinha abusado da melhora de seu humor.
Ele apertou o ombro dela, fazendo com que voltasse a deitar a cabeça no travesseiro.
– Foi outra coisa que provocou meu mau humor. Uma visita profissional que não pôde ser evitada. Periga o meu humor ficar ainda pior nos próximos dias. Se eu não a procurar, seria melhor me deixar quieto.
Ele começou a desatar as fitas de seu robe.
– Mas hoje estou feliz que tenha vindo.
– Fale-me de sua família – pediu ela.
Seus sentidos captaram ao longe a frase dela. Eles não conversavam muito na cama, mas dessa vez fora diferente desde o início. Deve ter sido por isso que a pergunta reverberou no silêncio de forma natural, retirando-o de seu estado de relaxamento satisfeito. Porém, metade da mente dele permaneceu suspensa na quietude do contentamento sexual. Ele não voltaria à realidade por completo até que fosse obrigado a isso. Havia aborrecimentos a esperar por ele; ele os encararia quando fosse preciso, mas não agora.
Ele se ajeitou de forma que seu peso não a esmagasse. Não houve práticas diferentes naquela noite. Nenhuma iniciação. Hayden se perguntou se ela notara que ele tinha demorado um pouco mais porque a preocupação ficara em sua cabeça, chegando a afetar seu desejo em um primeiro momento.
– Tenho muitos primos. Você os conhecerá em breve.
Ela sutilmente arqueou seu corpo ao longo do dele, fazendo-o notar mais uma vez sua materialidade, seu toque. Depois do amor, era fácil esquecer-se de seus corpos por um tempo.
– E seus irmãos e seus pais?
– Você já conheceu meus irmãos.
Ele pensou em parar por aí, mas talvez ela merecesse algumas explicações. Logo as damas da sociedade estariam enchendo os ouvidos dela. Talvez isso já tivesse acontecido.
– Eu o invejo por eles. Tive um irmão que morreu jovem, um ano antes da minha mãe. Gostaria de ter crescido menos sozinha.
– Fizemos alianças úteis. Não contra a minha mãe, que era muito gentil.
Ela não estava tentando arrancar informações dele, mas ele imaginava que ela ouvira alguns boatos. Não gostava da ideia de que ela tivesse formado uma imagem da mãe dele que não fosse verdadeira. Se elas tivessem se conhecido, provavelmente teriam se simpatizado de imediato.
– Ela era um pouco excêntrica e tinha a capacidade de se fechar com seus próprios pensamentos por longos períodos. Em seus últimos anos de vida, deixou de vir à cidade.
– Ouvi dizer que ela era escritora.
Sim, alguém já tinha contado casos sobre ela.
– Uma boa escritora. Mas meu pai não deixou que ela publicasse seus livros. Ele não achava apropriado.
– Revelador demais, talvez? Em prosa ou poesia, seus textos a teriam exposto ao mundo.
E talvez o tivessem exposto também. A frieza, a rigidez e a cruel satisfação que tinha com a infelicidade dela. Este fora seu verdadeiro temor.
Uma lembrança ressurgiu, uma memória que sua mente tentava evitar. De um cômodo escuro e uma mulher sentada à mesa, com a pena na mão, curvada sobre o papel. Seus olhos ficavam sempre vivos quando escrevia essas folhas. Vivos e sãos com a alegria de visitar um mundo melhor.
Olhe para ela, garoto. Nunca se esqueça do que vê. Essa infelicidade é resultado dos impulsos irracionais que as emoções provocam.
Ele leu aquelas folhas antes de morrer. Encontrou poemas belos e otimistas, que revelavam a mãe de uma maneira que seu distanciamento negara a ele. Por um longo e terrível momento, odiara o homem que silenciara aquela voz.
– Ela se retirou do mundo, e de nós, mas não enlouqueceu. Não se preocupe. O sangue da família não traz essa mácula.
Alexia não protestou nem se defendeu dizendo que nunca pensara nessa possibilidade. Não falou nada. Talvez o tom seco a tivesse silenciado.
Só se virou em seus braços e pousou um beijo suave em sua testa.
CAPÍTULO 16
Suttonly recebeu Hayden em seu espaçoso quarto de vestir. Ele compartilhava charutos e confidências com seus amigos mais próximos naquele lugar, sob um teto decorado com cornijas douradas e pinturas em relevo que retratavam ninfas e sátiros.
– Está cedo, Rothwell. Pela hora, imagino que tenha vindo a negócios.
– Sim.
– Houve algum problema quanto ao novo investimento das Américas?
Hayden se sentou em um sofá enorme e confortável. O cômodo o lembrava de outras visitas, anos atrás, antes de o amigo ter herdado o título. Este quarto de vestir fora o covil particular de Suttonly, para onde trazia companheiros para longas noites de carteado e bebida.
– Vim falar sobre Benjamin Longworth. Tive motivos para examinar as finanças de Ben quando ele morreu. Ao ajudar o banco a avaliar a fortuna e as dívidas de Tim, sua fonte, o legado de Benjamin, surgiu também.
– Timothy Longworth se dizia banqueiro. Ele deveria ser capaz de avaliar tudo por si só.
Hayden ignorou a verdade nessa resposta.
– Ontem soube que Ben tinha uma conta no Banco da Inglaterra.
– Essa é ótima. Ele não confiava no próprio banco para guardar seu dinheiro, mas esperava que todos nós confiássemos.
– Era uma conta especial, com um objetivo especial. O dinheiro entrava por pouco tempo e depois saía. Em alguns casos, ele também aceitou títulos. E fez transferências para várias pessoas. Inclusive você.
Um sorriso lânguido expressou o divertimento deturpado de Suttonly.
– Pode bisbilhotar as finanças de Longworth quanto quiser, Rothwell, mas não venha mexer nas minhas.
Hayden se levantou do sofá. Caminhou rente a paredes cobertas de estantes de jacarandá dispondo coleções de pedras e plumagens. Suttonly fora naturalista no tempo da faculdade, mas esses interesses tinham sido abandonados e substituídos por prazeres londrinos havia muito tempo.
Ele pegou uma pedra estriada de vermelho trazida de uma visita ao parque nacional de Lake District em uma das férias.
– Há alguns anos você manteve títulos no banco Darfield e Longworth, não?
– Uma pequena quantia. Foi um gesto de amizade, para ajudar o amigo de um amigo. Não era um valor significativo.
– Os registros dizem que esses títulos foram logo vendidos.
– Decidi que não tinha obrigação de ajudar um amigo de um amigo se o considerasse um homem tedioso. Sim, eu os liquidei.
– E, no entanto, nos anos seguintes, Ben lhe deu dinheiro em particular.
– Era dinheiro particular para pagar uma dívida particular.
– Eram só as transferências? Ou os títulos iam para você também?
– Você acha sensato trilhar esse caminho, Rothwell? Bisbilhotar os negócios de dois velhos amigos?
Ele tinha certeza de que era insensato. Também sabia que precisava concluir a nova imagem de Benjamin que se formava em sua mente. Por enquanto ainda era um esboço, uma caricatura de um criminoso avarento e desesperado. Ele quase não reconhecia esse rosto.
– Os títulos que você liquidou somavam mil libras. As transferências, cinco mil. Mais dinheiro foi retirado em notas, a intervalos regulares. Mais de quinze mil no total.
Um suspiro fundo de tédio acolheu essas informações.
– Não compartilho sua fascinação por números. Quem se importa?
– Tenho motivos para me importar.
– Que pena que ele faleceu e não pode matar sua curiosidade.
Uma nova nota pontuava o tom indolente. Um contentamento presunçoso. Isso fez com que Hayden tirasse os olhos da coleção de pedras e se voltasse para o amigo.
A atitude de Suttonly demonstrava falta de consideração. Seu rosto permanecia alvo, mas seus olhos flamejavam. A raiva se refletia neles, assim como a precaução e uma astúcia perturbadoramente alerta.
Suttonly mantinha a placidez naqueles olhos reveladores, talvez inconsciente de que continham todas as respostas que Hayden buscava. Ou talvez quisesse que alguém soubesse como ele tinha sido esperto após descobrir o roubo.
– Peço desculpas, Rothwell. Tenho um dia cheio hoje.
Ele se levantou e andou até a porta.
– Meu criado vai acompanhá-lo.
– De quanto era essa dívida? – perguntou Hayden. – Quanto ele lhe devia?
Suttonly parou e se virou. O orgulho venceu a prudência após uma breve batalha.
– De certa forma, pode-se dizer que ele me devia a vida.
Hayden se levantou da cama em suas salas do centro financeiro e, com os olhos injetados, cambaleou até a pia. Ele nem olhou para o espelho em cima dela.
Chegara ali havia três dias, após o encontro com Suttonly. Ou já fazia quatro dias? Tinha perdido a noção do tempo. Diante da constatação de que Suttonly descobrira a fraude de Ben e o obrigara a pagar, da certeza de que Ben tivera um bom motivo para temer voltar para a Inglaterra, Hayden tinha se retirado para seu lar silencioso e particular. Seu assistente cuidava de sua alimentação, mas ele não lhe dera quaisquer outras ordens. No mais, passava horas sem conta com seus cálculos e só dormia quando o cansaço o dominava.
A luz prateada da aurora ficou branca quando os primeiros raios de sol atingiram a janela. A claridade repentina o colocou em um estado de alerta inoportuno. A verdade surgiu das sombras de sua mente, não mais obscurecida pela exaustão ou pela distração. Ela o rasgava por dentro como uma faca quente.
Ele deixara Ben morrer. A suspeita disso o assombrara durante anos. Olhando para trás, os detalhes daquela noite eram gritantes.
Ele deveria tê-lo escutado. Deveria tê-lo detido. Deveria ter pegado Ben à força se necessário e o carregado para fora do convés. Em vez disso, permitira que a raiva pela implicância de Ben o deixasse cego e surdo, e se afastara.
Ben tinha feito aquilo de propósito. Ele já planejara tudo. E não tinha dito a verdade. Não acreditara que encontraria ajuda se confessasse, apenas censura e o caminho da forca. Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica.
A raiva o estava fazendo perder a cabeça. Raiva de si mesmo e de Benjamin e também das circunstâncias que tornaram tudo tão lamentavelmente irônico.
Arrancou a camisa, curvou-se na pia e jogou água no rosto. A água escorreu pelo peito, atingindo a longa cicatriz. Uma lembrança dolorosa o perpassou, dor e medo enquanto uma lâmina cortava. Aquela casa não muito maior do que este quarto, e quase tão escura quanto. Ser irmão de um lorde inglês não significava nada para os soldados turcos que se divertiam com ele.
Se não fosse pelo heroísmo louco e impulsivo de Ben, ele teria morrido naquela casa da área rural. Devagar. Mas eles já tinham usurpado sua juventude quando Ben pulou pela janela.
Botou a camisa de volta e se dirigiu imediatamente para a mesa na sala ao lado. Fugiu para a pureza sublime dos cálculos como um usuário de ópio em busca de escape. Agarrar-se ao divino desígnio da criação o mergulhava em uma existência paralela, separada do mundo da dor física e das emoções caóticas que tornavam a vida profana demais.
Alexia bateu de leve com a ponta da carta no tampo da escrivaninha. A longa ausência de Hayden a preocupava. Tentou não pensar em onde e com quem ele poderia estar. Tentou ver isso não como abandono ou traição, mesmo que fosse mais doloroso por ter acontecido depois daquela noite tranquila juntos.
Sua perturbação crescente era por causa da carta em suas mãos. Rose escrevera. Finalmente. O bilhete parecia se dirigir a um conhecido distante. Falava de assuntos corriqueiros e não mencionava seus desentendimentos. Todavia, o contato tinha sido feito e Alexia não queria deixar que a porta se fechasse antes que tivesse a chance de passar por ela e tentar retomar a amizade com seus primos.
A boa esposa queria contar ao marido. Pegar a carruagem e deixar a cidade não seria ideal. Duvidava que Hayden achasse que ela poderia sumir por dias quando bem entendesse, sem o conhecimento ou a permissão dele.
Uma pergunta discreta a Falkner naquela manhã não tinha fornecido qualquer informação. Ninguém na casa fazia ideia de para onde Hayden tinha ido. Seu criado particular dissera que ele não tinha feito malas e que pegara o cavalo e não a carruagem. Ele estava em algum lugar em Londres, talvez aliviando o mau humor com alguém mais experiente do que sua mulher.
Abriu a carta e releu as frases contidas de Rose. Poderia simplesmente responder à carta. Com uma troca de correspondências educada, talvez conseguisse se reaproximar em alguns meses. Não queria esperar tanto tempo. Queria ver Rose e ter certeza de que seus primos não tinham se afastado dela para sempre.
Deixou o cômodo e chamou a carruagem. Tentaria encontrar Hayden e falar com ele sobre isso. Caso ele se mostrasse esquivo, faria a viagem até Oxfordshire sem a permissão dele.
Ela deu seu cartão ao criado e pediu para ver o marquês ou lorde Elliot Rothwell. Pouco tempo depois, foi levada à presença do último, que esperava na biblioteca.
– Christian não está recebendo visitas hoje – explicou Elliot. – Mas sempre me dá muita satisfação quando nos visita.
– Vim pedir a ajuda de vocês – explicou ela. – Gostaria de mandar uma mensagem para Hayden e pensei que talvez vocês soubessem como fazer isso.
Elliot assumiu uma expressão de curiosidade e espanto.
– Desculpe-me, mas não sei da agenda diária do meu irmão. Talvez seu criado pessoal...
– Ele saiu há três dias e não voltou. Tenho certeza de que está em Londres.
Ela tentava manter um tom despreocupado e esperava que seu rosto não demonstrasse embaraço.
– É importante para mim pelo menos tentar informá-lo de um assunto que exige que eu deixe Londres por um ou dois dias.
Elliot franziu a testa.
– Você disse três dias?
Sua atenção se concentrou nos próprios pensamentos.
– Sei o que você está pensando.
A ruga em sua testa sumiu, mas os olhos permaneceram preocupados.
– Quando meu irmão tinha amantes, não ficava com elas. Nunca. Nem estava envolvido com ninguém nas semanas anteriores ao casamento.
Ela apreciou sua franqueza. Sentiu um profundo alívio, mas uma pontada de medo tornou isso irrelevante.
– Só fiquei pensando... Seria possível que ele estivesse ferido ou...
– Não é provável. Sua carruagem está aí fora? Vamos então – chamou, atravessando a soleira decidido. – Vou falar com seu criado pessoal e depois a levarei até ele.
Ela correu até o cunhado.
– Na verdade eu só quero lhe enviar um bilhete.
– Se ele foi para onde eu imagino, isso pode não ser suficiente. Confie em mim.
– Você parece um prisioneiro em uma cela, Hayden.
A voz de Elliot soou como um canhão no silêncio. Ela o retirou de uma concentração tão intensa que seu maxilar doeu ao relaxar. Olhou para a janela do lado sul, que mostrava a posição do sol. Já passava do meio-dia.
Elliot carregava casacos e bagagens. Ele os levou para o quarto.
– Você não trocou de roupa nem para dormir, pelo que vejo. Não chegava a esse extremo fazia muito tempo. Anos. Desde aquele transe logo depois que voltou da Grécia.
A realidade entrou pela porta junto com Elliot. Precisava recolocar o mundo em seu eixo para compreender a invasão. Enquanto seu irmão permanecia no quarto, Hayden começou a reajustar seus sentidos recém-despertos. Sentia-se como um homem levantando-se da cama após um longo acesso de febre.
Olhou para o peito e percebeu como sua camisa estava suja.
– Foi Christian que o mandou aqui?
– Não – respondeu Elliot, ressurgindo do quarto. – Outra pessoa me alertou de seu desaparecimento – falou, indicando a porta.
Hayden a abriu. Alexia aguardava na antessala. Ele fechou a porta antes que a esposa o visse.
– Você não podia ter se dado o trabalho de enviar-lhe um bilhete? – perguntou Elliot. – Você a deixou imaginando que seu corpo poderia estar no fundo do Tâmisa ou que teria tirado uma semana em algum bordel.
– Não faço retiros em bordéis.
– Ela não sabe disso.
Demonstrando mais raiva do que Hayden via há anos, Elliot caminhou a passos largos para a porta.
– Vou deixá-los a sós. Se eu ficar, pode ser que eu queira saber o que causou isso. Talvez ela fique aliviada demais ou seja ignorante demais para se fazer a mesma pergunta.
– Você não ia querer saber. É por isso que gosto de você, Elliot. Você não me elogia nem critica. Você me traz camisas limpas, mas está preparado para me deixar sozinho com minha única forma de embriaguez.
– Não o critico, pois conheço bem demais essa bebida que o atrai. Isso não quer dizer que não fique preocupado quando você mergulha tão fundo nisso, Hayden.
Ele saiu, deixando a porta aberta. Alexia olhou para dentro. A expressão dela se desfez ao ver a aparência dele. Ela passou pelo criado, entrou e fechou a porta.
Deu-lhe uma boa olhada, da cabeça aos pés. Ele ficou bem ciente de como parecia nojento.
– Seu criado pessoal queria vir, mas Elliot o proibiu. Achei o pedido dele peculiar. Mal sabia que ele já imaginava o que iria encontrar – falou ela, depois fez um gesto mostrando o cômodo. – Contudo, ele previu as coisas de que você iria precisar. Imagino que tenha uma navalha aqui. Ou devo pedir que o criado chame um barbeiro?
Hayden passou a mão no rosto e sentiu a barba por fazer. Alexia andava pelo quarto, invadindo seu santuário particular.
– Gostaria de saber notícias do mundo, marido? Coisas impressionantes aconteceram enquanto você bancava o eremita. Escândalos, guerra e grandes descobertas.
Seu tom beirava a reprimenda.
– O que houve, Hayden? O que está fazendo aqui?
Ele se retirou para o quarto e despiu a camisa enxovalhada. Começou a se lavar e deu uma espiada no selvagem que se refletia no espelho. Elliot estava certo. Nunca tinha sido tão ruim nesses anos todos. Da última vez, quando voltara da Grécia, tinha sido pela mesma razão, e ele havia encontrado alguma paz. Forjara ambiguidades e mentiras suficientes sobre as lembranças daquela noite para se permitir algum perdão. Por mais estranho que fosse, dessa vez era a sinceridade que oferecia mais alívio.
Alexia o seguiu e se empoleirou na cama, esperando. Não disse nem uma palavra enquanto ele lavava o rosto e o torso na água que há muito esfriara. As gotas frias o trouxeram de volta à realidade.
Hayden encontrou a navalha na prateleira da pia e começou a se preparar para fazer a barba. Podia ver a expressão interrogativa dela pelo espelho.
Alexia esperava por uma resposta para a pergunta. O que ele estava fazendo ali? Não podia culpá-la por se preocupar, mas isso não significava que precisasse se sentir obrigado a dar explicações.
– Meus irmãos e eu herdamos a capacidade de minha mãe de nos refugiarmos em nossos pensamentos – disse ele ao testar a lâmina da navalha. – Fazemos isso de vez em quando, cada um à sua maneira.
– Por dias a fio?
– Não é comum. Várias horas, no máximo.
– Isso não foi várias horas.
– Às vezes acontece. Não é nem perigoso nem extraordinário.
– Foi o mau humor de que falou que causou isso, não?
Ele fez uma pausa em seus preparativos. Supôs que isso seria inevitável. As pessoas casadas mostravam uma aliança formal diante do mundo, mas era impossível evitar a completa familiaridade que surgia no leito matrimonial. As intimidades físicas os expunham um ao outro de uma forma espiritual, a menos que houvesse um esforço para impedir isso. Sua curiosidade era compreensível. Ele mesmo se perguntava o que residia naqueles domínios longínquos.
– Sim, aquele humor provocou isso. Mas meu recolhimento dispersou aquele humor, então foi bom.
– Você me advertiu de que eu deveria deixá-lo em paz. Está com raiva por seu irmão ter me trazido aqui?
– Não.
Não mesmo. Mas estaria melhor se ela não o visse naquele estado. Suspeitava que parecesse muito fraco.
– Sua mãe escrevia quando se encontrava nesse estado. O que você faz?
Ele pegou a navalha.
– Tem uma mesa e uma escrivaninha na sala ao lado, perto da janela. Meu trabalho está lá.
Ela foi até o local indicado para ver do que se tratava. Ele fez a barba, depois tomou um banho e se vestiu. Quando surgiu do quarto de dormir, ela ainda examinava as folhas com anotações matemáticas.
– Não entendo a maior parte, é claro – disse ela. – É como um idioma em que se conhecem as palavras, mas não se consegue ler as frases.
– Como qualquer idioma, pode haver poesia aí.
– Já me senti assim às vezes.
Ela pousou as folhas na mesa.
– Se uma poesia infinita o aguarda nestes cômodos, talvez estranho seja o fato de você chegar a sair daqui.
– Gosto demais do mundo dos sentidos para abrir mão dele por muito tempo.
Ele gostou da forma como ela assentiu, como se fizesse total sentido. Hayden não duvidava de que ela também entendia a disciplina exigida para sair de um reino e ir para o outro e como as circunstâncias podiam derrubá-lo às vezes.
Seu dia começara em um estado de consciência rarefeito, mas agora estava completamente normal e físico. A única nota destoante era a presença de Alexia naquele escritório.
– Você foi procurar Elliot porque estava preocupada?
– Só queria lhe mandar um bilhete. Pensei que ele poderia saber como fazer isso.
Um pequeno desapontamento o atingiu. Ela não havia especulado sobre o pior ou se preocupara com ele. Nem o teria questionado em sua volta. Não esperava nada dele, menos ainda explicações.
– Que bilhete?
Sua postura se empertigou de forma sutil. Seus olhos refletiram as luzes baixas e raivosas que ele vira muitas vezes desde que se conheceram. Isso só podia ter um significado.
– Rose me escreveu. Pretendo fazer uma rápida viagem para vê-la. Achei que deveria avisá-lo, para você não pensar que eu era impertinente.
– Você escreveu para eles de novo, Alexia?
– Sim. Duas vezes.
– Você me desobedeceu. Sua preocupação em ser impertinente é um pouco tardia.
– Não desobedeci, se lembrarmos exatamente o que você falou. Não fui desleal com você em minhas curtas cartas a eles. De fato, nem mencionei seu nome. Você me prometeu, quando me pediu em casamento, que não interferiria em minhas amizades. Levei sua promessa a sério.
Uma irritação pulsou em suas têmporas, e não apenas porque Alexia havia interpretado as palavras dele a seu bel-prazer. Duvidava que ela pudesse se encontrar com os Longworths, ou mesmo pensar neles, sem odiá-lo. Dali a cinquenta anos, a mera alusão àquele nome provavelmente ainda causaria essa expressão nos olhos dela.
– Sua prima a convidou para uma visita?
– Seria melhor esperar sentada por isso. Pelo menos ela admitiu que ainda estou viva, então eu vou de qualquer forma. Se ela se recusar a me ver, não haverá o que fazer. Mas não acho que ela faria tal coisa.
Esse encontro era inevitável. Algum dia, Alexia ia querer vê-los. Ele não desejava negar isso a ela, mas não lhes concederia uma liberdade total a ponto de influenciá-la contra ele.
– Não proibirei essa viagem, Alexia, mas vou com você. Vamos até Aylesbury Abbey por alguns dias e você poderá ir ver sua prima enquanto estivermos por lá.
CAPÍTULO 17
Uma névoa úmida pairava sobre a cidade de Oxford, criando uma aquarela de tons indistintos e embaciados. Universitários caminhavam em pequenos grupos por entre os antigos prédios de pedra, seus rostos jovens exibindo uma alegria e uma vivacidade que pareciam inapropriadas em meio à arquitetura formal das faculdades.
A carruagem de Hayden subiu a St. Gilles’ Street, deixando o território da universidade para trás. Ali, lojas e hospedarias se enfileiravam como em outras cidades do interior e os modos eram menos refinados. Pararam do outro lado da rua que dava na St. Giles’ Church.
Alexia começou a se mexer. A mão de Hayden cobriu com firmeza a maçaneta da porta, detendo-a.
– Ficaremos esperando na carruagem até ela chegar.
– Prefiro esperar na igreja. Não quero que ela vá embora se o vir.
– Se ela pediu para se encontrar aqui e não na casa dela, se está pagando pelo transporte para chegar até aqui, ela não irá embora. Não é a minha intromissão que ela teme, mas a do irmão.
Alexia ficou em dúvida. Rose respondera rapidamente à carta sugerindo o encontro. Talvez imaginasse que, caso não concordasse, Alexia iria bater à sua porta. Esse era o plano. Alexia lhe enviara uma mensagem ao chegar a Aylesbury Abbey, pedindo para ser recebida, mas estava pronta para se arriscar a fazer uma visita, mesmo que desse com a cara na porta.
Espiou pela janela, esperando pela aproximação da carruagem alugada que Rose teria pagado com dificuldade.
– Você me permitiria pelo menos saudá-la em particular?
– O cocheiro vai ajudá-la a descer. Talvez ela nem perceba que estou aqui.
Eles conversavam num tom frio. Na véspera, quando a resposta de Rose chegara a Aylesbury Abbey, tinham discutido sobre Hayden acompanhá-la a Oxford. Ela elencara os motivos sensatos por que ele não precisaria nem deveria ir. Ele fora inflexível.
Nenhum dos dois levantou a voz, mas o ar ficou cheio de raiva silenciosa. A discussão se concentrou em sua segurança e proteção, mas ela suspeitou que o problema fosse outro. A situação dos primos continuava a ser uma ferida aberta entre eles. Hayden não estava nada satisfeito com sua atitude.
Encontrava-se sentado com ela, ostentando a expressão distante que fazia o mundo considerá-lo frio. O distanciamento de Hayden causava preocupação no coração de Alexia.
– Se seus irmãos tivessem se afastado de você por causa da escolha da noiva, você não tentaria se aproximar deles de novo?
– Isso dependeria do que eles esperassem que eu fizesse e do que me custaria esse compromisso.
– Não me custa nada tentar essa reaproximação.
– Nem me custaria nada tentar a tal reaproximação com meus irmãos.
O significado do que ele dizia começou a fazer sentido na mente de Alexia. Ele não estava prevendo que ela seria obrigada a pagar um preço como condição de se reaproximar dos primos: acreditava que as expectativas dos Longworths tinham a ver com ele e comprometeriam a lealdade de Alexia para com o “terrível lorde Hayden”.
Um silêncio se fez entre eles, um silêncio pesado pela raiva que ele não demonstrou. Ela temia que, se dissesse algo, ele ordenasse ao cocheiro que fossem embora.
Um humilde cabriolé parou na frente da igreja. Rose desceu. Usava o casaco adornado de pele que Alexia tinha tomado emprestado para a primeira visita à casa de Easterbrook. Não percebeu a presença da elegante carruagem do outro lado da rua e andou em direção à igreja, desaparecendo por sua portada.
O cocheiro abriu a porta da carruagem e desdobrou os degraus. Alexia olhou para fora. Poderia caminhar livremente até Rose. Seu coração estava alegre pela perspectiva do encontro, mas ela também se sentia confusa, o que obscurecia sua felicidade.
Ela hesitou ao tomar a mão do cocheiro. Haveria um custo? Um acordo? Abraçar seus primos de novo traria algum pesar para sua nova vida?
O distanciamento e a raiva de Hayden a faziam sofrer. Uma dor física, lá dentro do coração. Sentia frio, como se o calor que a banhara tivesse sido retirado. Não percebera a importância dele, mas agora sua falta a assustava.
Ela olhou para Hayden. Quando esse calor tinha transbordado das horas noturnas, invadindo seu dia? Quando ela havia começado a esperar por ele com tanta ansiedade e encontrado tanto conforto e paz em um simples abraço? Ele não a havia procurado na noite anterior e o desapontamento dela fora intenso, ela ficara tão triste que não sabia o que fazer a respeito.
Também não sabia o que fazer com o misto de emoções que a assaltava agora. Não sabia como escapar disso. Temia que saltar da carruagem trouxesse o perigo de perder algo importante.
Um calor cobriu sua mão. A luva de Hayden estava pousada sobre a dela em um gesto de consolo e posse. Ela olhou para seu perfil. Ele também olhava perdido pela porta aberta.
Ele levou a mão dela até a boca e a beijou. Então a passou para o cocheiro.
Rose esperava logo depois da portada, oculta nas sombras da igreja antiga. Espiava a carruagem atrás de seu cabriolé.
– Ele está lá?
A pergunta dela rompeu o silêncio da igreja.
– Isso importa? Estou aqui agora. Só eu. Nenhum homem entre nós. Você está linda hoje, Rose. Mas, também, você está sempre linda.
A atenção de Rose escapou para ela. As duas se encararam na pouca luz da igreja. Alexia desejava muito se aproximar. Desejava desesperadamente que tudo ficasse bem com Rose pelo menos.
– Você também está muito bonita, Alexia. Apesar da afronta que seu acompanhante me causa, eis o que pensei quando você se aproximou: pelo menos ele está cuidando bem dela e ela está satisfeita com a situação.
– Preferiria que não estivesse satisfeita, Rose? Amoleceria seu coração se eu estivesse sofrendo?
– Sim.
Um longo suspiro seguiu a dura resposta.
– Não, não é verdade. Houve momentos em que a amaldiçoei por sua traição – admitiu ela, rindo com tristeza. – Mas imaginar você infeliz não me traz satisfação. Teria sofrido ainda mais se ele a tivesse destruído também e de uma forma tão definitiva.
Ela soava mais como a amiga querida do que como a prima vingativa. Alexia a perdoou pelos insultos a Hayden. Rose só conhecia o homem público, o homem que sabia ser frio.
– Posso abraçá-la, Rose? Senti muitas saudades.
Um instante se passou, fazendo surgir uma dor física em Alexia. Talvez Rose sentisse o mesmo. De repente, caíram nos braços uma da outra, primeiro chorando, depois rindo quando seus chapéus bateram um no outro.
Alexia fechou os olhos e inspirou com profundo contentamento. Todo o seu ser se alegrou com o contato e o amor.
Sentaram-se em um banco no fundo da igreja.
– Peço perdão por tê-la feito vir a este lugar frio e úmido – disse Rose. – Mas Timothy...
– Ele ainda está doente?
– Ele anda doente com tanta frequência que talvez pudesse ser considerado inválido. Mas às vezes fica melhor. Confesso que prefiro quando está doente.
– Espero que ele não seja cruel.
– Não cruel, só... triste. E com raiva. Não sei o que poderia acontecer se você fosse à nossa casa. Ele ficou furioso com a notícia de seu casamento. Ele disse coisas horríveis. Se soubesse que vim encontrá-la...
– Sou muito grata por você ter vindo, Rose. Tenho estado muito só desde que você foi embora de Londres. Nenhuma amiga pode substituir aquela a quem vejo como minha irmã.
Rose entrelaçou os dedos nos dela.
– Vim porque somos como irmãs, mas também para me certificar de que esse casamento foi de sua vontade. Timothy diz que Rothwell deve ter... Que o patife a importunou. O casamento repentino, sua dependência dele, bem, Tim conta uma história assustadora.
Porém, não uma história verdadeira. Ela não tinha esperanças de que perdoassem Hayden, mas não permitiria que a imaginação fértil deles culpasse seu marido por crimes que não cometera.
– Rose, fui descuidada com minha virtude. Mas não porque ele tenha me importunado. Admito que sucumbi à fascinação da paixão, provavelmente porque tinha tão pouca experiência nisso.
– Se houve fascinação, foi provocada. Suponho que devo dar algum crédito a ele por fazer a coisa certa após a sedução. Ele poderia tê-la abandonado desonrada. Sem condições de ser preceptora da prima, sem renda ou proteção.
Alexia nada disse. Se Rose admitia que Hayden se comportara com honra, não queria demovê-la dessa conclusão.
– Mas se casar com um homem desses, Alexia! Ligar-se a um homem sem piedade... – falou, fazendo cara de desgosto. – Dividir a cama com um homem quando não há amor...
– É menos ruim do que parece. Amor nunca foi um requisito para o casamento e agora entendo o motivo.
– É bom saber. Tenho pensado se a intimidade nesses termos é tolerável.
Alexia não gostou do que ouviu. Rose parecia ainda contemplar a hipótese escandalosa de se tornar cortesã.
Como se sua alusão profanasse a igreja, Rose parou.
– Vamos dar uma volta pelo pátio. É só sairmos por aquela porta.
A névoa no pátio não representava uma melhoria em relação à umidade dentro da igreja. Elas andaram uma ao lado da outra, passando por plantas dispersas e fileiras de sepulturas.
– Como Irene tem passado? – perguntou Alexia.
– Dei-lhe um tapa na semana passada. Ela estava amuada e agindo como criança. Perdi a paciência e bati nela. Odiei-me durante dias. Faz pouco tempo que ela voltou a falar comigo.
– Aposto que ela agiu de forma menos infantil nos dias seguintes.
Rose riu.
– Ah, sim. E não se pode lamentar se a pessoa está calada por constrangimento. Tento me lembrar que deve ser mais difícil para ela. Irene não conheceu muito mais do que luxo na vida.
– Gostaria de ter permissão para ajudá-la.
Ela abordou o assunto com cuidado e esperou pela reação de Rose.
– Timothy jamais permitirá. Aceitar caridade de Rothwell, além de tudo o mais... Isso o mandaria para o túmulo e temo que nos levaria junto com ele.
– Você fala como se ele tivesse enlouquecido. Tenho certeza de que ele não é perigoso.
– A amargura pode virar a cabeça das pessoas e temo que esteja virando a dele. Ele até culpou Ben por tudo isso. Ben, que está morto há tempos. Se isso não sugere um indício de loucura, não sei o que significa.
– Como ele pode culpar Ben? Imagino que Hayden talvez não tivesse sido tão duro se Ben ainda estivesse vivo, mas...
– Ele diz que teríamos renda suficiente para passar por isso se Ben não houvesse mandado todo o dinheiro para Bristol. Veja como ele está irracional. Ben pagou uma das dívidas do nosso pai. Comportou-se com dignidade, mas agora Tim o culpa.
Ela passou um braço pela cintura de Alexia.
– Vamos usar o tempo que nos resta com uma conversa agradável. Conte-me sobre suas novas sedas e joias. Posso odiar o marido que as comprou para você, mas fico feliz que tenha sido finalmente gratificada. Vou concebê-las em minha imaginação e experimentá-las em minha mente.
– Tenho que ir se quiser estar em casa antes do cair da noite – disse Rose.
Elas se sentaram em um banco no pátio. O frio há muito tinha endurecido os dedos de Alexia, mas ela não queria pôr fim ao encontro. A última hora tinha lhe relembrado os velhos tempos, com uma conversa casual sobre assuntos corriqueiros.
Elas voltaram para a porta lateral da igreja. Hayden ficara esperando na carruagem todo esse tempo. Ela não achava que o encontraria de melhor humor na volta.
Quando entraram na igreja, Alexia tentou de novo oferecer ajuda.
– Entendo que você não possa aceitar nada de meu marido. Mas e um pouco de dinheiro meu? Nosso acordo matrimonial me garantiu minha antiga renda. Também andei pensando em retomar a confecção de chapéus, de forma muito discreta. Gostaria que eventualmente aceitasse umas poucas libras vindas do meu próprio dinheiro, não do dele.
Rose parou na portada da frente. Inclinou-se e beijou a face de Alexia.
– É tudo da mesma fonte, não é? Seu dinheiro é dele. Você seria discreta o suficiente para ele não saber? Não, querida prima, não vamos confiar em engodos que podem expô-la à raiva de seu marido. Você e eu seremos amigas se as circunstâncias permitirem, mas não aceitarei seu dinheiro.
Abriram a portada e saíram. Rose parou imediatamente, olhando fixamente para a frente.
A carruagem de Hayden tinha mudado de lugar e agora esperava bem no fim do curto caminho de pedra que levava até a igreja. Hayden estava de pé ao lado dela, matando tempo. O cabriolé de Rose se fora.
Ele andou até elas.
– Srta. Longworth, talvez eu tenha sido ousado demais. Seu cocheiro estava ficando impaciente e queria ir procurá-la. Para não serem perturbadas, paguei o homem e o dispensei.
Rose parecia prestes a agredi-lo fisicamente. Ela lançava chamas com os olhos para Hayden.
Alexia olhou firmemente para ele por alguns momentos.
– Talvez fosse mais sensato permitir que o homem procurasse minha prima. Ela poderia ter decidido por si mesma o que fazer.
– Sabia como esse encontro era importante para você, minha querida. Quis dar-lhes tempo suficiente para conversar.
Hayden fez um gesto indicando a carruagem.
– Vamos pernoitar em Aylesbury Abbey hoje, Srta. Longworth. Vamos levá-la em casa.
– Sou obrigada a declinar.
– Fica no caminho e não será inconveniente para nós de forma alguma.
– Não é a sua conveniência que força a minha recusa.
– Nada força a sua recusa, além de orgulho, Srta. Longworth. Posso me sentar com o cocheiro, se isso fizer com que aceite a oferta.
Eles esperaram enquanto Rose pensava. Alexia podia vê-la pesar as opções, avaliando se poderia alugar outro cabriolé na cidade, considerando a oferta de Hayden.
– Ele não vai ficar dentro da carruagem com você – sussurrou Alexia. – E teremos um pouco mais de tempo juntas.
Com relutância, Rose permitiu que Alexia a ajudasse a subir na carruagem. Hayden fechou a porta e subiu ao lado do cocheiro.
Foi um percurso longo e silencioso até a casa dos Longworths. Rose se recusou a conversar. Ficou olhando para o teto da carruagem, como se percebesse o homem cuja presença pairava sobre elas.
Alexia ensaiou na mente a reprimenda que faria ao marido, mas no meio do caminho perdeu a vontade de fazer isso. Ele só quisera ser gentil, desejando que elas tivessem o máximo de tempo possível juntas. Com certeza Rose iria entender isso, se conseguisse ver mais do que a mágoa.
Era pedir demais. Uma família que contava tostões dificilmente seria gentil com o homem responsável por sua pobreza.
Quando se aproximaram do caminho para a casa, Rose abriu a porta da carruagem e pediu que parassem. Sem cerimônia, chutou os degraus e desceu. Ela já estava a meio caminho de casa quando Hayden saltou.
– Ela não quer que Timothy veja a carruagem – explicou Alexia. – Ele tornaria sua vida um inferno se soubesse que veio conosco.
– Entendo – disse ele.
Ficou observando enquanto Rose dobrava uma curva e desaparecia no caminho. Fechou a porta.
– Espere aqui. Pegue um cobertor e se aqueça. Não devo demorar muito.
– Demorar muito onde?
Ele apontou para o telhado visível por entre as árvores.
– Lá. Tenho assuntos para tratar com Timothy Longworth.
Esperou à porta. Em algum momento, eles abririam. Se não abrissem, entraria sem convite.
A porta finalmente se abriu. O rosto de Rose apareceu, pálido e preocupado.
– Vá embora. Por favor, vá. O senhor não tem o direito...
– Vim para ver seu irmão, Srta. Longworth. É do interesse dele e do seu que ele saiba o que tenho a dizer.
– Ele nunca falará com o senhor. Agora vá.
Ela começou a fechar a porta. Ele a segurou.
– Diga-lhe que Benjamin deixou pelo menos uma conta bancária que não estava entre os documentos dele. Sei onde é.
Rose pareceu incrédula, mas abriu a porta e permitiu que ele entrasse. Levou-o à sala de estar e depois saiu.
– Você vai queimar no inferno.
Olhou para o lugar de onde vinha a jovem voz que o amaldiçoava. Irene estava parada na soleira, com uma expressão petulante.
– Você arruinou minha vida. Sua prima dormiu na minha cama e será apresentada à sociedade e eu, não. Nunca me casarei, já que não tenho dinheiro e...
As lágrimas começaram a jorrar, interrompendo a briga. Ela secou os olhos em vão e continuou a fazer as acusações às cegas.
– Rose disse que Alexia teve motivos para se casar com você, mas não consigo pensar em um motivo bom o bastante. Eu a odeio por ter feito isso. Poderia ser qualquer outro homem. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você. Ela...
– Já chega, Irene.
A repreensão de Rose pegou Irene de surpresa. Não tinha percebido a chegada da irmã mais velha à porta da sala de visitas. Ela deu meia-volta e encarou a expressão severa de Rose.
Recomeçou a chorar, de raiva e frustração.
– Ele... ele...
– Não cabe a uma criança repreendê-lo e no momento ele é um convidado nesta casa. Vá para seu quarto agora.
Irene saiu correndo. Rose entrou pela porta e não se desculpou pela irmã. Hayden supôs que ela concordasse com cada palavra impertinente.
– Timothy descerá em breve. Pode se ocupar até a chegada dele?
– Certamente.
– Então o deixarei à vontade.
Ocupou-se pensando no que Rose e Alexia tinham conversado durante aquelas horas na igreja. Duvidava de que sua esposa o tivesse defendido de todas as acusações. Havia uma verdade no ataque imaturo de Irene. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você.
Não tinha obrigação de promover reconciliações, mas reduziria o estrago, se pudesse. Para o bem de Alexia, ele o faria, e por Rose e Irene. As damas não sabiam que Timothy era um criminoso, e o mais provável era que nunca viessem a saber. Elas não tinham ideia de como Tim havia causado o sofrimento da família e quão perto estivera do enforcamento.
Quando Longworth entrou na sala de visitas, não pareceu que seu atraso se devera ao tempo gasto arrumando-se. Ao contrário da aparência arrojada do último encontro formal entre os dois, ele parecia desleixado. Gravata torta e olhos embotados, ele andava de uma forma lenta e deliberada, típica de um bêbado, tentando não tropeçar.
– Rothwell.
– Que bom que arranjou tempo para me receber, Longworth. Está sóbrio o suficiente para entender o que tenho a dizer?
Longworth deu uma gargalhada.
– Mesmas palavras, mesmo homem, mesma resposta, Rothwell: sóbrio até demais, maldição.
Difícil de acreditar. Mas pelo menos não estava bêbado demais, que era o que importava.
– Ouvi uma confusão aqui embaixo há pouco. Era Irene gritando com você?
– Ela me culpa por arruinar a vida dela. Minha esposa também. Você mentiu para elas.
– Você me disse para mentir, lembra-se? Você disse para arrumar alguma mentira que as impedisse de saber a verdade – recordou, fazendo uma careta. – Achei que era melhor que elas odiassem a você, e não a mim.
– Quero que conte a verdade a Alexia.
– Está lhe causando problemas, não é? Sinto muito, não posso fazer isso. Ela encontraria um jeito de Rose saber. Você também não pode contar a ela, não é? Deu sua palavra de honra, se bem me lembro. Vai me perdoar, mas não serei solidário com seu problema.
Hayden não esperava nada diferente de Longworth, porém a recusa lhe deu vontade de socar aquele homem.
– Rose disse que você desencavou uma conta bancária para me obrigar a recebê-lo – foi dizendo Longworth enquanto se esparramava no sofá. – Tem dinheiro lá?
– Algum. Não o bastante.
– É claro que não. Nunca haverá o bastante. É a minha punição, não é? Nunca conseguir sair desta situação.
– Com esforço, você poderia, sim. Se não sucumbisse à doença de bom grado, você conseguiria.
– Não me venha com sermões. Rose faz isso por cinco homens. Onde é a conta?
– No Banco da Inglaterra.
– É estranho que não houvesse extratos nos documentos financeiros dele.
– Não tão estranho, considerando o uso que ele fazia da conta. Você aprendeu seu estratagema com Ben, como descobri. Ele fez isso por um longo tempo. Era nessa conta que ele colocava o dinheiro que roubava.
Longworth coçou a orelha.
– Sempre quis saber onde ele depositava o dinheiro. Mas deveria ter muito. Mais do que o suficiente.
– Ele gastou algum e também pagou os rendimentos que devia às vítimas, como você fez. Houve outras transferências de natureza particular. Restaram três mil. Deve ajudar.
Longworth assentiu de olhos fechados e entregue a divagações. Hayden se perguntou se ele teria caído do sono. No entanto, ele abriu os olhos.
– O gim está deixando minha cabeça meio confusa, mas isso não faz sentido.
– Como assim?
– Se você sabe que ele estava fazendo isso, então também sabe que títulos ele vendeu. Por que me deixaria ficar com os três mil? Por que não devolve o dinheiro para essas pessoas?
– A conta está no nome de Ben e você é o herdeiro dele. Não posso evitar que fique com o dinheiro, mesmo que queira. Quanto às vítimas, vou ressarci-las, para proteger meu nome.
Longworth assobiou.
– Muito dinheiro. Então você vai cobrir as dívidas criminosas de Ben, mas não as minhas.
– Como Ben está morto, não pode cobri-las. Além disso, ele era meu amigo e você não é.
– Ainda assim, deveria ter muito mais do que três mil. Tentei resolver isso depois que ele morreu, mas fiquei empacado cobrindo os rendimentos de seus esquemas anteriores. Tive uma boa ideia da magnitude de seus crimes, por assim dizer. Parece estranho o saldo da conta não ser maior.
Hayden sabia bem para onde tanto dinheiro tinha ido. Tinha aumentado a fortuna de Suttonly.
– Acredito que você não encontrará outros tesouros escondidos. Houve transferências para bancos em Bristol e York, uma boa quantia por um tempo, porém as contas não estavam em seu nome.
O desapontamento de Tim ficou patente.
– O dinheiro que foi para Bristol pagou uma das dívidas do nosso pai, então não existe mais. Quem ficou com o dinheiro em York?
– Um tal Sr. Keiller. Ben liquidou seus títulos logo, como mostra a contabilidade. Ele foi uma das primeiras vítimas, mas parece que Ben ressarciu o homem de todo o dinheiro roubado.
Longworth caiu em outra divagação, desta vez enquanto olhava para o tapete. Ele ressurgiu de seus pensamentos dando de ombros, de forma resignada.
– Então só me restaram três mil.
– Por causa de suas irmãs, sinto muito não haver mais.
Hayden enfiou a mão no bolso de seu colete e retirou um pedacinho de papel.
– Aqui estão os dados da conta no Banco da Inglaterra. Vai lhe poupar tempo. Colocou o papel em cima da mesa e andou até a porta.
– É estranho você ter se casado com Alexia – disse Longworth com displicência. – Foi para fazer a coisa certa, imagino, mas isso é ainda mais estranho. Ela não é uma mulher que vire a cabeça de um homem, muito menos a sua. Alguém como você não tem que seduzir preceptoras. Ben a achava bonita, mas eu a acho sem graça.
Hayden parou e voltou até Longworth. O impulso de esmurrar o homem ressurgiu.
– Duvido que você reconheça o valor de uma pessoa além de seus bens financeiros.
Longworth reagiu com um esgar.
– Antes eu tivesse jogado Rose em seus braços. Teria ficado com uma mulher bonita ao fazer a coisa certa e eu teria ficado com um cunhado rico.
Ele riu da própria esperteza. Hayden deixou a sala de estar enojado. Ao achar o caminho da porta, passou pela biblioteca e avistou a cabeça dourada da Srta. Longworth curvada sobre um livro. Ele voltou atrás e entrou sem ser anunciado.
– Srta. Longworth, acabei de contar a seu irmão que há três mil libras em uma conta no Banco da Inglaterra em nome de Benjamin. Como seu herdeiro, seu irmão pode sacar o dinheiro. Contudo, como ele está sempre indisposto, é melhor que a senhorita se informe das intenções dele em relação à quantia.
A Srta. Longworth fechou o livro sem olhar para ele.
– Obrigada por me contar, lorde Hayden. Envidarei todos os meus esforços para que ele gaste esse dinheiro de forma ajuizada.
CONTINUA
CAPÍTULO 14
– Acho que posso dizer que volto para Londres uma mulher diferente – disse Alexia quando a carruagem entrou na cidade.
Ela se referia às descobertas de seu corpo, supôs Hayden. Ela não reclamava de nada, se ele a arrebatava com força ou fazia amor devagar. Sua alegre concordância o fazia notar quão ousada ela estava preparada para ser. Muito ousada, se os últimos dias podiam ser considerados uma indicação.
Sua esposa cortesã parecia totalmente saciada, mas não tão mudada. Ela sorrira com malícia ao fazer aquele comentário, mas ele não vira nenhum traço particular, um olhar intencional que indicasse uma referência a mais do que a transformação sexual.
Quanto você está mudada, querida esposa? Quando o relaxamento chegava e ele caía sobre ela, tão exausto que perdia contato com a própria alma, ela também sentia um contentamento tão forte, tão intenso, que necessitaria de uma oração ou um poema? Ela vivenciava a ânsia inominável, que urgia para penetrar nos pensamentos do outro e conhecê-lo a fundo, da forma como seus corpos e seu suor docemente prometiam?
Ela estava linda. Muito doce. Muito calorosa. Contudo, a paixão deles o fizera aprender algumas lições também. Havia olhado no fundo daqueles olhos violeta ao penetrar nela. Havia avistado mais longe, onde as sombras tentavam ocultar os pensamentos dela. Em sua ânsia de conhecê-la, vira mais do que ela queria. No final, sempre surgia um muro afastando-o.
Havia quilômetros a percorrer por trás daquele muro.
– Espero que sua tia já tenha se mudado para a casa de Easterbrook – disse ela.
– Eu não estranharia se meu irmão estivesse se recusando a sair de seus aposentos.
– Você quer dizer que ele vai se arrepender desse arranjo?
– Ele suspeita que, uma vez refestelada na casa dele, será impossível retirar tia Henrietta de lá.
– Então é estranho que a tenha convidado para morar lá somente para nos acomodar. Ele sabe que você fez um mau negócio com esse casamento.
– Acho que ele quis tornar as coisas mais fáceis para você.
Ele pegou sua mão e a beijou.
– Quanto ao mau negócio, se os cavalheiros comentassem sobre o lado carnal de seus casamentos, meu irmão e meus amigos ficariam com inveja de minha escolha.
– Fico feliz de você estar satisfeito, Hayden.
Ele olhou em seus olhos. Não conseguia enxergar profundamente neles agora. À luz do dia, Alexia seria sua companheira, cuidando de seu conforto, dando-lhe filhos e, a menos que outro homem roubasse seu coração, seria fiel. A intimidade ficaria reservada para a cama, quando ela esquecia por um momento que ele era um homem a quem não amava e que a seduzira de forma inconveniente.
Não fora um mau negócio. Não mesmo. Era mais do que a maioria dos homens alcançava. E ainda... ele não podia negar que seu sentimento pela estimada Srta. Welbourne crescera nas últimas semanas, e não era só seu corpo que se aquecia em seus abraços.
Uma faísca conspiratória de alegria surgiu nos olhos de Falkner, algo incomum em alguem que demonstrava tanto autocontrole.
– Bem-vinda ao lar, senhora.
Lar. Só o fato de entrar na casa já a confortou, como vestir um xale velho e muito usado. Os ventos da vida a haviam fustigado nas últimas semanas. Os dias em Kent quase a assustaram, por serem tão cheios de novas experiências e de uma intimidade inesperada.
Voltava àquela casa como dona, e não como a prima pobre ou a preceptora. Mesmo no âmbito familiar, haveria diferenças. Elas eram visíveis nas reverências dos empregados.
Hayden a acompanhou até a biblioteca.
– Deveríamos fazer uma visita a Easterbrook logo – disse ela. – Preciso continuar a orientar Caroline.
– Não é mais sua função. Cabe a você decidir se quer continuar.
– Pensei que você tinha ido a Oxford naquele dia principalmente para garantir que as aulas de Caroline se concluíssem.
– O colar que levei tinha sido retirado do cofre na noite anterior, Alexia. Teríamos tido aquela conversa mesmo que você não houvesse dito a Henrietta que pretendia deixar esta casa.
Ele a desarmava quando dizia coisas assim. Era gentil da parte dele deixar o restante de fora e não dizer que o que tinha levado à conversa eram os acontecimentos do sótão. Ela não tinha certeza de querer que a verdade ficasse obscurecida. Com frequência ela perdia contato com a realidade quando estavam na cama, mas seria tolice permitir que a ilusão infectasse seus dias.
– Gostaria de continuar a dar aulas para Caroline. Ela não terá tempo para se acostumar com os hábitos e humores de uma nova preceptora.
– Vamos até lá hoje à tarde, então. Você poderá falar com Caroline e eu verei se meus irmãos estão sobrevivendo à invasão de Henrietta.
– Isso pode esperar até amanhã.
– Devo ir com você nesta primeira visita e preciso estar no centro financeiro amanhã. Tenho que resolver alguns negócios. Já os deixei de lado por muito tempo.
Era isso que ocupava sua cabeça quando ficava tão pensativo em seus braços? Enquanto o corpo dele se dissolvia no dela em completa satisfação e sua respiração invadia seu ser, ele estava pensando nos negócios? Talvez. A impressão de que as mentes deles estavam unidas como seus corpos talvez tivesse sido gerada somente por sua própria falta de individualidade.
Levaria um tempo até que ela percebesse as verdades de seu casamento e descobrisse o que era real e o que não era. Naquele momento, a referência aos negócios anunciava uma mudança. Dali em diante, teriam vidas separadas. O companheirismo que compartilharam em Kent não continuaria.
Ela não esperava por isso. Não era assim que os casais realmente viviam. Mas estava feliz por ter a oportunidade de conhecê-lo melhor. Por aprender algo do homem que havia nele.
Esse homem oculto não era tão diferente daquele que o mundo via, apenas mais complicado. Ele ria das piadas dela mesmo que não fossem tão engraçadas. Tratava-a com doçura mesmo quando comandava suas atividades do dia e sua paixão durante a noite. Na cama eles despertavam um ardor que de forma alguma o enfraquecia, que na verdade aumentava a força que a fazia tremer. Ele a envolvera em uma segurança que ela nunca havia experimentado antes. Ela acreditava cada vez mais na promessa que ele fizera na igreja, de que estaria segura com ele.
Falkner entrou na biblioteca carregando uma pilha de cartas cuidadosamente atadas com fitas.
– Isso foi enviado por lorde Easterbrook ontem – explicou ele.
Hayden desatou as fitas e deu uma olhada nas cartas.
– Falkner, chegou alguma carta para mim enquanto estava fora? – perguntou Alexia.
– Não, senhora.
O coração dela se partiu com um suspiro longo e triste. Entendia que seus primos ficassem zangados. Não previa uma aceitação rápida. No entanto, não esperava ser ignorada. Teria preferido receber uma carta cheia de acusações e fúria ao silêncio total. Eles agiam como se ela estivesse morta.
Ela não precisara lidar com essa perda em Kent. Hayden cuidara para que ela não tivesse muito tempo para pensar.
Ele estava próximo de uma mesa agora. A luz que entrava pela janela ao norte banhava o rosto dele com suavidade. Seu coração falhou uma batida ao olhar para ele e lembranças sensuais fluíram por sua cabeça.
– Eles se aproximarão de novo. Dê-lhes um tempo – consolou-a, sem tirar os olhos da carta que lia.
Ele nem precisava olhar para ela para entender o que estava pensando.
– Acho que devo escrever de novo.
– Preferia que não o fizesse, Alexia. Não gosto da ideia de tê-la implorando o perdão de seus primos por ter se casado com o terrível lorde Hayden.
Ele não estava dando ordens, mas agia como um marido que instruía a esposa sobre o comportamento que esperava dela. Uma boa esposa obedeceria e ela havia se comprometido a sê-lo. Contudo, não previra que ele fosse interferir em um assunto particular.
Alexia não discutiu, apesar de perceber que ele estaria aberto a ouvir objeções. Ela não explicou que não tinha implorado nem pretendia implorar o perdão deles. Sua demonstração de autoridade de marido a deixara pouco inclinada a aplacar seu orgulho ferido.
Quando a pedira em casamento, ele prometera que não iria se meter em suas amizades. Seus primos eram seus amigos mais chegados. Ela faria com que Hayden cumprisse a promessa.
Não iria esperar que seus primos tomassem a iniciativa de contatá-la. Se o fizesse, talvez eles nunca mais se reaproximassem.
Encontraram Henrietta bem instalada na casa de Easterbrook. A maneira como ela os saudou indicou que não era uma convidada, mas a dona da casa.
Ela os recebeu na sala de estar. Deu uma boa olhada em Alexia, depois deu um sorriso de mulher para mulher.
– Parece que o casamento combina bem com você, querida.
Alexia sentiu seu rosto enrubescer.
– Combina comigo bastante bem, sim.
Hayden se afastou, deixando-a sofrer o exame de Henrietta sozinha. A chegada de Caroline abrandou a curiosidade da mãe, mas não suspendeu o interrogatório.
– Você achou Kent agradável?
– É uma bela propriedade.
O olhar de Henrietta se moveu na direção de Hayden, que andava ao longo da fila de janelas.
– Ele parece muito satisfeito.
Caroline olhou para ele também.
– Ele parece mesmo, não? Nem de perto tão assustador quanto antes.
– Dizem que só Vênus para domesticar Marte – falou Henrietta baixinho.
Caroline franziu o cenho, confusa com a alusão. Alexia perdeu a paciência com as insinuações de Henrietta.
– Não sou nenhuma Vênus e ele é inteligente demais para ser comparado a Marte. Se você percebeu contentamento, fico feliz. Assumo minhas funções de esposa com muita seriedade, como certamente você também o fez.
– Eu apreciava minhas funções, Alexia, e sinto falta da alegria que elas me proporcionavam.
– Espero apreciá-las também – disse Caroline. – Aprendi muito sobre o planejamento de jantares enquanto você esteve fora. Vou me divertir muito quando for uma anfitriã.
As sobrancelhas da jovem se ergueram.
– Mas vocês receberam convidados em Kent? – perguntou Caroline.
– Estamos falando de outras funções, querida – disse Henrietta.
– Sua mãe lhe explicará no momento certo – reconfortou-a Alexia. – Agora temos que combinar quando virei para lhe dar aulas.
Caroline torceu o nariz. Henrietta começou a sugerir um cronograma com o qual nenhuma das duas parecia concordar. Hayden, sem dúvida percebendo que a conversa sobre como ele estava satisfeito tinha se esgotado, se aproximou.
Começavam a fazer progressos em estabelecer um planejamento quando Easterbrook chegou. A aparência dele espantou Alexia. Não usava colete nem gravata e sua sobrecasaca estava desabotoada, revelando a camisa branca. Sua falta de trajes apropriados teria parecido comum, não fosse pelo corte impecável e o tecido de qualidade das roupas que vestia.
Hayden não reagiu – a informalidade do irmão não o surpreendia –, mas Henrietta revirou os olhos.
– Realmente, Easterbrook, pensei que tínhamos entrado em um acordo ontem à noite de que não iria ficar circulando pela casa com pouca roupa – disse ela.
O autocontrole de Easterbrook permaneceu inabalado.
– Você expressou sua opinião sobre o assunto. Mas isso não quer dizer que eu tenha concordado.
– Você está constrangendo Alexia, recebendo-a desse jeito.
– Está se sentindo constrangida ou insultada, Alexia? Devo-lhe desculpas?
– Esta é a sua casa, senhor. Eu não ousaria ficar constrangida ou insultada.
– Resposta admirável. Quisera que todas as mulheres fossem tão sensíveis e compreensivas.
Henrietta expressou falta de sensibilidade e compreensão ao sacudir a cabeça com desânimo. Easterbrook e Hayden se afastaram para uma conversa particular. Alexia trouxe Henrietta e Caroline de volta a seus planos.
– Onde está o relicário, Henrietta querida?
Era a voz absolutamente calma de Easterbrook que chegava até elas.
Henrietta se virou para onde ele e Hayden estavam, perto de uma mesa. Alexia se lembrava do relicário cravejado de pedras que ocupava lugar de honra ali.
– Este cômodo tem uma decoração clássica e o relicário é gótico. Não combinava, então o levei para a biblioteca.
Uma mulher mais esperta teria se encolhido apenas com o olhar que Easterbrook dirigiu a Henrietta, mas sua tia respondeu com um de seus sorrisos sonhadores.
Hayden saiu da sala de visitas. Voltou um pouco depois, carregando o relicário. Levou-o para Henrietta.
– Posso sugerir que o coloque de volta no lugar? Christian tem um apreço especial por ele. Tenho certeza de que não sabia disso quando o retirou daqui.
Henrietta parecia pronta para retrucar, mas a expressão séria de Hayden a deteve. Ela olhou para Easterbrook, que a mirava como a uma raposa medindo o tamanho de uma galinha que cruzava desavisada seu caminho.
Alexia caminhou até o relicário.
– Permita-me que...
– Não – disse Hayden.
Henrietta encarou os dois sobrinhos. Levantou-se e pegou o relicário. Fazendo-se de magoada, rejeitada, submissa, mas não intimidada, rapidamente passou por Easterbrook e pôs o relicário sobre a mesa. Depois se encaminhou para a porta, com o nariz empinado.
– Venha comigo, Caroline. Alexia, nos encontraremos quando vier nos visitar amanhã.
Perplexa com o que tinha acabado de acontecer, Caroline se juntou à mãe. Depois que a porta se fechou atrás delas, Easterbrook foi até o relicário e o ajeitou no centro da mesa.
– Você me conseguiu uma semana de paz, Hayden, não mais que isso – suspirou resignado. – Elliot não fica mais em casa. Foge para as bibliotecas durante o dia e para o apartamento de alguma mulher da vida durante a noite. Fiquei só eu. E ela.
– Vamos procurar outra casa – disse Hayden. – É visível que ela o deixa exasperado.
– Sobreviverei. Sua esposa vai nos visitar com frequência no futuro e espero que, logo que a temporada de apresentações das jovens comece, Henrietta se distraia e me deixe em paz.
– Prometo vir visitar sempre – disse Alexia.
– Muito bom – afirmou ele e em seguida deixou de lado os planos de Henrietta. – Meu irmão parece bem-disposto, Alexia. Espero que ele tenha se comportado bem e que a satisfação seja mútua. Somos de uma família que tem motivos para acreditar que as alegrias iniciais do leito nupcial são tudo o que garante uma boa condição matrimonial tanto para o homem quanto para a mulher.
Hayden suspirou e balançou a cabeça.
– É preciso deixar que ela teste a água e se acostume com a temperatura, Christian. Ver você vestido assim foi bastante por um dia. Foi bom você não ter aparecido de robe.
Easterbrook examinou suas roupas.
– Eu teria me arrumado para receber sua esposa, caso isso não desse uma vitória a Henrietta.
– Entendo perfeitamente – disse Alexia. – Sou conhecida por negar uma ou duas vitórias a certas pessoas.
– Tenho certeza de que sim. É por esse motivo que a vi com benevolência desde o primeiro momento – disse, sentando-se na cadeira antes ocupada por Henrietta. – Várias outras cartas chegaram para você hoje, Hayden. Devem ser de quem não leu o anúncio discreto publicado na semana passada. Mas acho que o boato circulou entre as mulheres rapidamente, já que o lote enviado anteriormente continha muitos convites. Henrietta relatou que há muita curiosidade pela dama que teve sucesso na empreitada em que tantas falharam.
– Todos a conhecerão em breve. Vamos aceitar a maior parte dos convites.
– A ideia de ser avaliada a assusta, Alexia? – questionou o marquês.
– Um pouco. Mas é melhor passar por isso logo.
– Bastante sensato. Ela é realmente muito equilibrada, Hayden. Em uma cidade cheia de frivolidade feminina mesmo entre os homens, ela é uma lufada de brisa refrescante.
Eles ficaram um pouco mais. Os homens conversaram sobre política e esporte. A conversa fluía em torno dela. Ela considerou que Easterbrook estava prolongando a recepção por sua causa, para que se sentisse bem-vinda. Ou talvez não se incomodasse com sua companhia por achá-la sensata.
Fora um elogio, vindo de um homem que não perdia tempo com falsidades. Contudo, não era o tipo de comentário que a maioria das mulheres apreciava ouvir.
Sensata. Não bonita ou encantadora ou inteligente. Sensata. Que palavra sem graça. Sim, aqui estou, a pequena sensata. Um bastião do senso prático. Uma cidadela de sobriedade. Até mesmo a paixão que vivencio com esse novo marido é uma questão de aceitar o que não posso mudar. Estamos ambos fazendo o máximo para que um casamento decretado por um impulso tolo e por um pragmatismo frio dê certo.
Ela olhou para Hayden, que parecia sem pressa de ir embora. Certamente gostava de conversar com o irmão.
Ele sentiu o olhar de Alexia e voltou-se para ela. A doçura suavizou sua sobriedade e seus olhos refletiram as lembranças dos momentos íntimos.
Por uns poucos doces instantes, a vida que tinham à noite se intrometeu no dia e ela não se sentiu nem um pouco sensata.
Hayden não se recolheu junto com ela naquela noite. Ela o deixou na biblioteca, escrevendo uma carta. Joan, que esperava por ela no quarto de dormir, chegara de Kent no meio do dia para trabalhar como sua criada pessoal. Alexia decidira que seria tolice procurar por outra criada se já encontrara uma que a agradava. A moça estava muito animada com suas novas funções e a oportunidade de morar na cidade grande.
Joan a ajudou a vestir a camisola, e então penteou seus cabelos. Depois disso, Alexia a dispensou e se deitou.
Aquele quarto nunca fora usado em todos os anos em que vivera naquela casa. Rose não o ocupara, reservando-o para a futura esposa de Benjamin, depois para a de Timothy. O cômodo tinha ligação com os aposentos do dono da casa, que agora era Hayden.
Olhou para o tecido marfim drapejado que pendia acima dela. Prometera a Hayden que os pensamentos sobre seus primos não invadiriam suas noites, mas o marido não estava lá naquele momento. Os eventos da última semana tinham suspendido suas reflexões, porém agora ela estava sozinha de novo. No passado, imaginara-se deitada em sua cama esperando por um homem diferente, e a lembrança de Ben a invadiu em ondas cada vez mais vívidas.
Tais memórias eram fruto de nada mais que seus pensamentos em um primo. As emoções em relação a Ben haviam se alterado desde que lera as cartas no sótão. Pensar que tinha sido uma de suas muitas conquistas a magoava. Nunca suspeitara que a insistência dele em relação à discrição fosse porque não queria que seus irmãos soubessem que havia se comportado de forma desonrosa com ela.
No entanto, foi o que ocorreu. Seu orgulho gostaria de acreditar que ela fora seu amor verdadeiro, sua futura esposa, e que as cartas vinham de uma mulher que apenas satisfizera as necessidades dele até que se casasse. Hayden até mesmo sugerira que era esse o caso. A garota romântica em seu coração se agarraria a essa explicação por anos. Alexia Welbourne, a mulher que aprendera bem demais as verdades nuas e cruas do mundo, estava menos inclinada a ser tão generosa.
Entretanto, essa mulher não poderia exorcizar as lembranças de Ben completamente. Voltara a pensar nele ao atravessar a porta, mas não com saudade ou anseio por sua presença. Agora reavaliava suas recentes preocupações a respeito dele. A lembrança do primo permanecia vagamente incompleta então, e quanto a assuntos essenciais.
Ela o viu de novo ao beijá-la antes de partir para a Grécia. Tinha sido só atração o que sentira por ele? Ela percebera quanto Ben ansiava por partir, mas sufocara esse pensamento. Agora ele ressurgia em sua mente, liberado da mentira. Ela analisou seu sorriso e ouviu suas garantias. Também viu outra emoção no fundo dos olhos dele.
Alívio. Ele estava feliz por se afastar. Dela? Não, ela não seria tão importante assim. Ben poderia ter se livrado dela sem ir para a Grécia.
Ficara aliviado de deixar a Inglaterra e desanimado de voltar. Hayden acreditava que Ben fora descuidado no navio por causa dessa melancolia. Tão descuidado que acabara caindo no mar.
Fechou os olhos para tentar reter as lágrimas que começavam a queimar. Ela o amara intensamente, como namorada, noiva ou prima. Não queria pensar nele tão infeliz, tão desesperado que...
Por causa dela? Seria terrível imaginar que seu envolvimento com ela o tornara tão infeliz. Com certeza tinha sido outra coisa, mais importante.
Quisera ter lido aquelas cartas com mais cuidado e descoberto algo além do que a prova de haver outra mulher na vida dele. Quisera não ter ignorado os outros papéis. Ela abrira o baú à procura de uma resposta para a pergunta que a atormentava agora. Precipitara-se ao se agarrar à crença de que nunca mudara e, ao sentir aquele perfume nas cartas, ficara distraída demais para se lembrar da sua meta.
Ela esfregou os olhos, secando as lágrimas que tinham escorrido para seus lábios cerrados. Piscou mais forte e olhou de novo para a noite.
Hayden estava de pé ao lado da cama. A luz de um pequeno abajur longe deles criava um halo ao redor de sua silhueta. Ela se espantou ao vê-lo. Não o tinha ouvido entrar.
Conforme as sombras ficaram mais vivas, com brilhos avermelhados, ela viu que ele usava um robe largo, amarrado de forma descuidada. O tecido era escuro e caía com suavidade.
– Você estava chorando.
– Não, não estava. De verdade.
Não era de todo mentira. Não tinha havido tantas lágrimas assim, a ponto de serem consideradas choro.
Ele abriu o robe. A luz tênue destacou os ângulos duros de seu corpo e rosto. O espanto dela diante da beleza do marido obscureceu os pensamentos que tinham preenchido a última hora.
Ele se juntou a ela na cama. Puxou-a para mais perto e olhou para baixo. Um leve estremecimento de excitação pelo que estava por vir percorreu todo o corpo dela.
Ele não a beijou. A mão dele se manteve no quadril dela exercendo a pressão firme que expressava tanto sobre ele. Ele não agarrava nem apertava. Nem tinha que fazê-lo. Essa pegada mais suave era também mais eficiente em demonstrar quanto ele acreditava possuí-la.
– Por que estava chorando?
Ele não deveria pedir uma resposta dessas. Não importava para ele.
– Você disse que havia assuntos sobre os quais não falaríamos à noite, Hayden. Acredito que seja uma boa regra.
A cabeça dele se virou levemente. Ele voltou o olhar para o vazio.
– Vou comprar ou alugar outra casa. A oeste do parque, se necessário. Imaginava que viver aqui seria um erro.
– Por favor, não faça isso. Por favor. Não é a casa. A saudade virá de vez em quando, aonde quer que eu vá.
A atenção de Hayden se voltou para Alexia, como se ela tivesse dito algo importante. A mão dele acariciou a coxa e a perna dela. Com movimentos longos, ele puxou a camisola da esposa para cima.
– Talvez eu devesse deixá-la com sua nostalgia esta noite... mas acho que não.
Ele acreditava estar competindo pela atenção dela? Por isso seu beijo tinha sido tão longo, tão íntimo, tão perfeito para deixá-la sem fôlego? Ela não pôde ignorar a nova e sutil dureza na forma como a segurou. O beijo dele foi mais direto do que lisonjeiro. Ele a dominou como na carruagem, quando havia insistido até que o corpo dela admitiu que a paixão deles não era um mero dever.
Ela cedeu sem resistências. Ela queria. Tinha ficado tão solitária em seus pensamentos, tão apartada das pessoas e do amor que dera algum significado a sua existência. A intimidade a seduziu mais do que o prazer.
A pele de Hayden pressionou a de Alexia quando ele afundou o rosto em seus cabelos. A respiração dele a penetrou, incitando-a tanto quanto suas carícias. Ele levantou os braços dela e puxou a camisola, depois a deitou de costas de novo, nua ao lado dele.
Ela amava a forma como a mão dele se movia. Fechou os olhos para saborear a sensação dos trajetos lentos e confiantes que ele traçava por seu corpo. Cada centímetro dela ansiava por experimentar aquele calor, para ficar mais vivo sob esse toque.
Ele afastou as pernas dela e moveu-se para cima, posicionando-se entre suas coxas. O corpo dela instintivamente se mexeu para aceitá-lo, mas uma ponta de decepção se intrometeu em sua excitação. Seria rápido esta noite. Tivera esperanças de...
Ele não aceitou a oferta que o corpo dela fez. Retirou as mãos da esposa dos ombros dele e as pôs de cada lado da cabeça de Alexia. A ausência de abraço acrescentou uma nota de vulnerabilidade. Seus seios se elevaram, completamente expostos, tão sensíveis que o ar fazia cócegas neles.
Ele não chegou a pedir que ela ficasse naquela posição, mas Alexia entendeu que ele esperava que ela ficasse. Ele parecera satisfeito em Kent quando ela participou, mas hoje queria que só aceitasse. Não achava que era a generosidade que o motivava agora, assim como não fora na carruagem.
Um beijo na parte lateral do seu seio ocultou o vago ressentimento que estava se formando. A cálida pressão dos lábios dele e o toque tremulante de seu cabelo ao mergulhar a cabeça a entorpeceram. O que quer que ele quisesse provar a Alexia, havia beleza nisso. A forma como beijava todo o seu seio fazia com que ela se sentisse especial, bem como possuída.
Logo a melodia que pedia mais sussurrou na cabeça dela enquanto seu corpo sabia o que se aproximava. Ele esperou até que ela estivesse pronta. A expectativa dela virou uma aflição excruciante antes que os dedos dele substituíssem sua boca e ele circundasse seu mamilo com carícias vagarosas.
Ele esfregou o bico de seu seio. Tudo nela gemeu de alívio e desejo. Ele insistiu até que um caos de prazer e frustração a preenchesse. O peso dele impedia que o baixo ventre dela se movesse, negando-lhe até mesmo o pequeno consolo que a possibilidade de erguer o quadril lhe daria.
Ele passou a língua pelo outro mamilo, criando uma sensação deliciosa de suportar. Ele a lambeu com suavidade, multiplicando as pulsações arrepiantes embaixo até que elas formassem um fluxo contínuo e maravilhoso de tortura. O toque dele em seu outro seio a levou ao delírio. Ela arqueou as costas sem inibição, implorando que ele continuasse para sempre.
Ele a levara ao ponto em que apenas o desejo carnal existia. Sua mente se nublou para tudo o que não fosse a forma como ele a excitava e ela precisava disso, queria mais. Essa melodia a penetrou fisicamente. Pulsava em sua cabeça e em seu sangue e doía entre as pernas, onde seu sexo esperava, vazio e incompleto, formigando e latejando.
Ele se mexeu e ela sentiu a umidade entre eles, o líquido que escorria de dentro dela. Ela tentou escorregar sob Hayden, para que ele pudesse entrar.
– Não se mexa.
Era ele que se movia mais para baixo. Foi descendo, percorrendo o caminho com beijos quentes. Parou um instante ao passar pela cintura dela, mas continuou a descer. Não planejara fazer isso.
O calor da boca dele em seu púbis a espantou. Beijos eletrizantes na parte interna das coxas fizeram com que Alexia perdesse o fôlego. Ela olhou para seu corpo, para a forma escandalosa como Hayden agora estava tão baixo, tão próximo... Olhou para o pequeno abajur. Era provável que ele a estivesse vendo.
Ele a tocou com cuidado, com precisão. Lampejos celestiais de prazer sobrepujaram seu espanto.
– Pretendo beijá-la aqui também. Você quer negociar, Alexia? Você pode se recusar.
Beijá-la ali? O instinto de detê-lo, de se cobrir com as mãos, foi demolido por outras carícias. A sensação tomou o corpo dela por inteiro. Seu quadril se elevou, oferecendo-se.
Ele não a beijou. Não de verdade. Mas o que quer que estivesse fazendo com a boca e a língua criavam um prazer tão profundo, tão surpreendente, que ela gemia. O gozo cresceu aos poucos e a sacudiu de maneira tão violenta que ela gritou, rompendo o silêncio da noite.
Ele se juntou a ela antes que seu grito cessasse, virando-a de maneira que ela encarasse o colchão e cobrindo-a com o próprio corpo. Ele não perguntou se ela aceitava essa parte. Cobriu-a com seu corpo de uma forma que nenhuma parte dela ficasse intocada. Ninguém poderia duvidar de seu domínio naquele momento. As estocadas dele mantiveram os tremores do prazer de Alexia ecoando quando gozaram juntos. Ambos pulsavam quando ele ejaculou.
Hayden não se moveu por um longo tempo. Ela sentia a respiração ofegante dele em seu cabelo e em seus ombros e o peso dele em seu quadril. Sutilmente, ele foi relaxando os braços, que sustentavam seu peso sobre ela, e aproximando-se em um abraço. Ela estava exausta demais para se importar com a sujeição que sentia estando sob ele. Não tinha medo. Nunca ficava com medo. Nem se sentia usada de maneira indigna. Não havia nada de frio nem de indiferente no desejo dele.
Ele deu um beijo nas costas dela, entre as escápulas.
– Continuaremos nesta casa, se você quiser.
Depois ele se foi, deixando o quarto com o robe flutuando em torno em si.
Ela se virou para se deitar de costas. Ainda não se recuperara, mas percebeu que ali acontecera mais do que aprender novos prazeres.
Talvez estivesse enganada acerca do calor, do... carinho que sentira nele. Talvez esta noite não passasse de um teste, para ver se a história dela naquela casa interferiria no que ele esperava obter.
CAPÍTULO 15
A brisa da primavera emanava perfumes revigorantes conforme Hayden ia andando pelo centro financeiro de Londres. Ergueu o rosto em direção ao sol brilhante, observando sua posição. O astro começara sua inútil tentativa anual de combater a umidade eterna da cidade.
Parou diante da fileira imponente de fachadas clássicas que compreendia o Banco da Inglaterra, na Threadneedle Street. Ia ali com frequência para tratar de negócios, mas naquele dia não cuidaria de negócios comuns. Entre as cartas que esperavam seu retorno de Kent estava uma de Hugh Lawson, um assistente de caixa do banco.
Lawson era um jovem ambicioso que bajulava Hayden na esperança de ser incluído em sociedades de investimentos promissoras. A carta de Lawson vinha em resposta a uma indagação do próprio Hayden. Sim, o cavalheiro em questão mantivera uma conta particular no Banco da Inglaterra, escrevera ele. Se lorde Hayden fizesse uma visita ao banco, Lawson tentaria dirimir quaisquer outras dúvidas.
Depois de deixar Alexia na véspera, tinha pensado por um instante em não fazer essa visita. A paixão tinha formas de obscurecer a realidade.
Ela estava chorando em silêncio quando ele entrou no quarto. Por causa da rejeição do primo? Ela passara a possuir uma fortuna considerável ao se casar com ele, além de posição social e segurança. Descobrira o prazer físico e parecia feliz com seu poder. Porém, perdera o amor da família.
E o pior, ele sentira outra presença no quarto, que imaginara ser Ben, o motivo do choro. As cartas no sótão haviam maculado as lembranças de Ben, mas as mulheres tinham o hábito de amar canalhas mesmo quando descobriam a verdade.
Ele havia se incomodado mais do que deveria com aquela intromissão no quarto. Mais do que nunca, tinha se empenhado em fazer uso do poder que o prazer lhe dava. Levara Alexia a um mundo diferente, um mundo que os Longworths não invadiam.
Nenhum fantasma pairava em torno daquela cama quando ele saiu. Mas se tivesse ficado mais tempo, talvez... Um espectro teria conseguido se esgueirar de novo, tornando o ar carregado de saudade e sofrimento?
Em caso positivo, não teria sido totalmente por culpa de Alexia. Não era apenas seu amor eterno por Ben que o mantinha em suas vidas.
Pairavam no ar perguntas sobre Ben que exigiam respostas. Um instinto o advertiu que um homem ajuizado deixaria isso de lado, mas sua negligência na noite da morte do amigo era uma culpa que implorava por mais informações.
Percorreu o caminho entre os escritórios com tetos de abóbadas altas do banco e desceu alguns degraus. Lawson o recebeu em uma sala pequena e sóbria localizada abaixo da área pública do banco.
Lawson tinha um ar conspiratório ao fechar a porta. Não era permitido discutir os negócios de um cliente com outro, mesmo que um deles já estivesse morto. Hayden ficou feliz com a exceção, mas nunca mais confiaria tanto assim em Lawson.
– Benjamin Longworth de fato tinha uma conta aqui, conforme o senhor perguntou. Na verdade, ela ainda existe e há um valor considerável depositado nela. Seus herdeiros não devem estar cientes da existência dessa conta.
Isso significava que os registros de Ben dessa conta não estavam entre os documentos que Timothy recebera após sua morte.
– Era uma conta polpuda?
– Variava. Um valor alto entrava, mas depois saía. Parecia muito com contas de comerciantes, como importadores. Nessas contas, o dinheiro é depositado e depois retirado para pagar letras de câmbio ou coisa parecida.
– Qual o valor dessas retiradas?
Lawson deu de ombros.
– Algo entre cem e mil libras de uma só vez.
– Saques?
– No início, sim. Depois apenas pagamento de notas promissórias.
– Gostaria de ver os registros.
Lawson já tinha passado dos limites. Agora sua expressão deixava claro que hesitava em dar mais esse passo.
– Tenho indícios que levam a acreditar que Longworth estava com problemas financeiros. Como seu amigo, gostaria de pôr minha cabeça no travesseiro e descansar, tendo certeza de que ele não estava passando por tais problemas – disse Hayden. – Seria um grande favor de sua parte. Um favor impossível de recompensar, apesar de que eu tentaria com todas as minhas forças.
A expressão de Lawson se desanuviou. Se tinha hipotecado sua honra e seu futuro, queria se assegurar de que no fim receberia créditos para compensar esses débitos. Ora, ele era bancário.
Ele pegou um fino livro contábil de uma pilha sobre a mesa. Colocou-o em cima dos outros e saiu da sala.
Quando a porta se fechou, Hayden pegou o livro. O primeiro depósito de Ben na conta fora há anos, cerca de seis meses após a compra da sociedade no banco de Darfield. Quantias pequenas de início, depois maiores.
Percorreu com o dedo a coluna de depósitos, somando mentalmente. Por quatro anos, Ben escondera mais de cinquenta mil no Banco da Inglaterra. Era dali que deveria vir o dinheiro, depois que ele falsificava as assinaturas e liquidava os títulos das vítimas. Era muito mais do que Darfield e ele imaginavam. Darfield ainda estava ocupado rastreando todas as vendas e determinando quais eram fraudes. Se esta conta fosse uma indicação, o pobre homem teria uma apoplexia.
Seis meses de registros da conta: começou uma série de saques, uma longa lista de retiradas. Algumas transferiam o dinheiro de volta para sua conta no Darfield e Longworth, pois assim, supunha-se, ele poderia pagar rendimentos aos clientes desavisados e eles nunca saberiam que o principal em suas contas não mais existia. Algumas retiradas iam para pessoas físicas e outras para contas em bancos regionais em Bristol e York.
Ele examinou atentamente os saques. No meio da lista, surgiu um novo nome que chamou sua atenção e deixou todos os outros insignificantes. Uma série de transferências tinha sido feita para um indivíduo a intervalos regulares, mas com muita frequência para serem pagamentos de rendimentos. Depois, um ano antes da morte de Ben, elas pararam. Contudo, a exatos intervalos de dois meses, e sempre no mesmo dia, o dinheiro continuou a ser retirado, somente em espécie.
O padrão ficou muito claro para ele, continuando até o mês em que Ben foi para a Grécia. A intuição que o advertira a deixar isso de lado zombou impiedosamente dele dentro de sua cabeça.
Era pior do que pensava. Ben tinha sido chantageado e as quantias haviam aumentado em seu último ano na Inglaterra. E o próprio Hayden apresentara Ben ao homem que extorquira dinheiro dele.
– É um pouco tarde para pedir minha opinião – disse Phaedra. – Você ainda terá um vínculo com ele, não importa o que eu diga.
Você não pediu meu conselho antes de concordar em se casar com ele, então por que pedir agora?, era o que seu tom dizia.
Alexia queria saber o que Phaedra achava dele, porque ela mesma já não sabia o que pensar. Sua visão estava confusa. De noite, quando seus corpos se uniam e se fundiam, ela vivenciava uma intimidade tão completa, tão nítida, que isso a atemorizava. Suas noites começavam a parecer mais reais do que seus dias.
– Não percebi que vocês se conheciam. Achei que os estava apresentando naquele dia, do lado de fora do depósito. Você só se referiu a ele como sendo frio, por isso perguntei por que tinha essa opinião.
– Eu não o conhecia. Mas a gente ouve comentários. E você há de convir que ele não parece muito acolhedor por natureza.
Elas estavam sentadas na excêntrica sala de visitas de Phaedra. Alexia nunca chegara a uma conclusão a respeito do modo como o cômodo era decorado. O tecido cor de safira do sofá parecia bem desgastado, mas xales jogados descuidadamente sobre ele davam uma aparência de luxo mesmo assim. Os móveis eram uma mistura de acabamentos e estilos, porém dispostos com a intenção de agradar aos olhos com sua desordem eclética. Dois gatos vagavam à vontade, um preto e um do mais puro branco. O branco tinha o hábito de pular no colo de Alexia e agora estava enroscado lá, soltando pelos em seu casaco marrom.
Livros se espalhavam sobre duas mesas ao lado do sofá. Gravuras de Piranesi exibindo estranhas escadas decoravam as paredes. Apenas uma pequena aquarela à esquerda parecia o tipo de obra de arte que as pessoas normalmente comprariam. Pinceladas coloridas cristalinas mostravam a paisagem de uma montanha, descendo até um lago.
– Eu não poria muita fé em boatos, nem em um autocontrole que é apenas resultado da criação – disse Alexia.
– Então presumo que você não o ache frio e que superou a aversão que o comportamento dele em relação a seus primos causou – disse Phaedra. – Fico feliz de ouvir isso. Uma mulher casada não tem a opção de discordar sexualmente, portanto ajuda bastante se ela gostar.
Só mesmo Phaedra para começar a falar nesse assunto como se fosse a coisa mais normal do mundo, porém Alexia ficou aliviada por ela ter tocado no tema. Sentira muito a falta da amizade tranquila de Rose nos últimos dias. Uma mulher precisa ter uma amiga para fazer confidências eventualmente.
– Acho que gosto até demais – disse ela. E superei a aversão bem demais. Completamente demais, talvez.
– Que coisa estranha de se dizer. Espero que não se atenha à ideia estúpida de que o prazer é pecado.
– Não.
Não pecado. Só... perigoso. Ela não poderia explicar isso a Phaedra. Não tinha palavras para descrever. Mas, às vezes, quando se abandonava nos braços de Hayden, sentia que oferecia a ele uma parte de sua alma.
– Só me pergunto se é normal gostar dessas coisas com uma pessoa a quem não se ama.
– Se os homens podem, por que não as mulheres?
Por que não, de fato? Alexia não podia negar que a pergunta fazia sentido. Duvidava que Hayden se preocupasse por ele estar tendo prazer demais.
Phaedra mudou de posição no sofá, virando o corpo inteiro e puxando uma das pernas para cima. Era a imagem de uma mulher que se preparava para uma boa fofoca.
– Como você perguntou por que eu disse que ele era frio, vou lhe contar que isso não se deve apenas ao humor severo que ele mostra para o mundo. Conheço uma de suas amantes do passado.
– A amante o chamou de frio?
– Ela disse que ele era bom de cama, mas que permanecia distante. Ela compartilhava prazer com o homem que o mundo vê, que é raramente cálido, vamos admitir. Normalmente, na cama, surge outro homem.
Alexia entendia isso. Ela sentira o outro homem surgir de dentro dele e ficava orgulhosa por Hayden ter sido menos reservado com ela de que com a amante que Phaedra conhecia.
– Imagino que ele tenha tido muitas amantes.
Sem dúvida teria mais amantes no futuro. Ele não negara isso. Não havia perigo para ele na intimidade que compartilhavam.
Phaedra deu de ombros.
– Isso é muito comum. Minha amiga disse que ele era um pouco estranho a esse respeito. Ele poderia seduzir quem quisesse apenas com aquela cara dele. Mas, em vez disso, sempre se certificava de deixar bem claro o que as mulheres ganhariam com isso e o que nunca teriam. O acordo era confortável, porém faltava o mínimo de ilusão romântica. Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais, sabe? Todas nós gostamos.
Ele fizera um acordo bem explícito com ela também. Tão explícito que ela imaginara que ele estivesse fazendo uma proposta para que se tornasse sua amante, e não sua mulher.
Até mesmo as cortesãs gostam de fingir que existe mais. Era isso que ela estava fazendo? Fingindo que havia mais? Talvez a proximidade, a sensação de vínculo, fosse uma ilusão criada por seu coração para poupá-la da verdade nua e crua de que ela era uma cortesã em seu casamento.
– A condição mais estranha dessa proteção – continuou Phaedra – foi sua insistência em que as amantes fossem examinadas por seu médico primeiro. Ele não seduzia antes e negociava depois.
Ela pegou um bolinho na bandeja em cima da mesa e o ofereceu a Alexia.
– Isso não seria comum em um homem tomado pela emoção, não é? – continuou Phaedra. – É a precaução lógica, mas também calculada friamente.
Alexia aceitou o bolo porque sabia que Phaedra os tinha feito com as próprias mãos. Ela não tinha criados, nem mesmo para fazer a faxina, apesar de sua renda permitir esse gasto.
– Como você vê, venho me informando sobre ele desde que me disse que iam se casar – disse Phaedra. – Também soube de excentricidades no histórico familiar.
– Que excentricidades?
Os olhos de Phaedra se arregalaram antes de dar outra mordida no bolo. Alexia riu de sua expressão cômica. Phaedra riu também, cuspindo uma chuva de migalhas de bolo sobre seu vestido.
Ela afastou as migalhas com a mão.
– Como disse, esta é uma conversa que deveríamos ter tido antes do casamento. Você não sabe nada sobre ele.
– Sei o bastante – murmurou ela, examinando o bolo.
O riso de Phaedra tinha um tom sarcástico.
– Os efeitos do seu desvirginamento são deliciosos, Alexia. Você imaginava que o prazer venceria o seu senso prático? Um homem a seduz e você perde a cabeça? Daqui a pouco vai dizer que se apaixonou e não se importa com quem ou o que ele é.
– Pode zombar quanto quiser, mas não me acuse de ser uma tola romântica. Não perguntei sobre o passado da família dele. Não há uma forma educada de se fazer isso.
– Há uma história que valia a pena conhecer, talvez. Dizem que a mãe dele passava dias e até semanas sem sair do quarto. Talvez ela sofresse de uma grave melancolia. Contudo, soube que tinha talento literário e acho mais provável que ela tenha se perdido na arte. Nos últimos anos de sua vida, se retirou completamente para a casa de campo deles. Alguns acham que ela ficou louca. Quase sempre é por essa razão que um membro da família se torna recluso.
– Não acredito que o sangue de Hayden tenha ficado maculado desse jeito. Ele teria me contado, me advertido.
Phaedra limpou mais algumas migalhas de cima do vestido.
– Talvez não seja sangue ruim, então não achou que precisasse lhe contar. Mas é um assunto que voltou à baila agora que Easterbrook está ficando excêntrico. Os que fazem essas especulações acreditam que ela enlouqueceu e que um dia Easterbrook também ficará louco. Há outras explicações para como e quando ela desapareceu e pretendo lhe contar uma delas.
– Quais seriam essas explicações?
– Devoção à sua arte, dizem alguns. A necessidade de gritar ao mundo e criar se tornaram tão intensas que ela se retirou da sociedade. Outras pessoas com temperamento artístico defendem essa explicação.
– Você não expôs essa explicação com muita convicção.
– Uma mulher não precisa se tornar eremita para ser escritora. Nem tem que se afastar totalmente da sociedade. Essa ausência foi completa e permanente.
– Qual a explicação que você defende, então?
– Nenhuma que se encaixe nos poucos fatos que conheço. Pode ter sido uma doença. Sífilis, por exemplo.
Alexia olhou fixamente para ela. Phaedra entendeu mal a estupefação.
– Isso é...
– Sei o que é. Não sou criança.
– Isso explicaria a exigência do exame médico por Rothwell. Ele teria um temor maior do que os outros homens se tivesse visto os efeitos da doença tão de perto. Ele podia desejar uma mulher, mas não faria nada até saber que o ato não o mataria.
Exceto por uma vez, no chão de um sótão, ele tinha agido sem saber. Ele não poderia ter certeza de que ela era virgem. Não havia calculado os riscos naquele dia. Ela tentou ordenar isso em sua cabeça.
– E o pai dele?
– Não ouvi nada a respeito dele. A doença pode ter se desenvolvido devagar e só se manifestado próximo da morte. Mas existe um furo nessa teoria, o que torna a última mais plausível. Ela pode ter se afastado da sociedade por ordem do marido, não por livre e espontânea vontade, e ter sido mandada para a casa de campo como uma forma de prisão.
– Aylesbury Abbey dificilmente pode ser chamada de prisão.
– Qualquer lugar se torna uma prisão se a pessoa for confinada lá, privada da liberdade de ir e vir. Com o poder que o marido tinha, se ele quisesse afastá-la do mundo, ele poderia fazer isso.
– Tenho certeza de que você está errada. Não teria havido motivo para essa dureza toda.
Phaedra olhou para ela como se a amiga fosse uma criança ignorante das verdades da vida.
– Há um bom motivo. Acontece o tempo todo. Um marido faria isso se a esposa tivesse outro homem.
– Acho mais provável que ela quisesse escrever em paz. Você deveria se dedicar à literatura também, Phaedra, pois é capaz de fantasiar bastante em cima da preferência de uma pobre mulher por privacidade e ar do campo.
Phaedra se levantou e pegou uma pasta grande que se apoiava na parede.
– Talvez esteja certa, mas não deixe que o prazer a cegue com seu novo marido. Dizem que o último marquês podia ser rígido, duro e severo, e que isso convinha a ele. Alguns dizem que lorde Hayden tem muito da personalidade do pai.
Ela se sentou e abriu a pasta no colo.
– Agora dê uma olhada nestes desenhos comigo. Um novo amigo os fez e acho que ele demonstra grande talento.
Quando Alexia voltou para a Hill Street, Falkner a informou que Hayden não jantaria em casa. Nenhuma explicação foi dada, nem ela perguntou. Contudo, ficou imaginando por onde seu marido andaria nessa noite. Naquelas circunstâncias, preferia ter feito seus próprios planos, de forma que seu direito a uma vida em separado também fosse exercido.
Com tempo para si mesma, se recolheu cedo, mas não para seus aposentos. Em vez disso, se aventurou até seu antigo quarto. Apesar de suas roupas e artigos de higiene terem sido apanhados, ainda não dera instruções para que retirassem seus outros pertences de lá.
O quarto se mostrou estranho no começo. Parecia que ela se ausentara por um ano. Ao caminhar para lá e para cá, tocando em alguns livros e no papel de carta que esperava a caneta, o espaço se aqueceu com sua presença.
Uma cesta grande chamou sua atenção. Enfurnada debaixo da escrivaninha, ela guardava seus aviamentos.
Recebera um pedido da Sra. Bramble logo depois de ficar noiva e tinha feito o chapéu antes do casamento, para cumprir com a obrigação. O trabalho a deleitara. Concentrar-se na tarefa a havia ajudado a apaziguar suas emoções desencontradas naquela semana.
Levantou a cesta do chão e mexeu nas fitas e linhas de costura. Foi até o guarda-roupa e achou um pouco da palhinha que havia comprado no depósito. Não precisava mais confeccionar seus próprios chapéus, mas talvez em noites como esta fosse bom se ocupar com alguma coisa. Isso evitaria a sensação de estar apenas à espera de que algo interessante acontecesse.
Entregou-se com prazer ao trabalho. Decidir o molde da copa, ousar uma inovação na aba, escolher as cores – tudo isso deixava seu coração mais leve.
Forçou-se a parar perto da meia-noite. Ao voltar para seu quarto de dormir, ouviu vagos sons que indicavam que Hayden estava em casa. Não tinha sido uma noite muito interessante na cidade.
Uma sensação de alívio a invadiu. A reação foi tão nítida, tão intensa, que Alexia prendeu a respiração. Fechou os olhos e encarou suas emoções com franqueza. As implicações delas não eram boa notícia.
Seu coração tinha parado de bater, esperando para saber quando ele voltara, perguntando-se se era mesmo ele. Phaedra dissera que ele havia tido amantes. Era inevitável que chegasse o dia em que teria outra. Em seu íntimo, Alexia temia que ele já houvesse arrumado outra ou não tivesse rompido com quem quer que fosse sua amante antes de se casarem.
A tristeza do alívio, a forma como massacrava seu coração, indicava que isso fazia diferença para ela. Ela poderia até saber da possibilidade, mas não queria que acontecesse. Não era uma reação sensata, de forma alguma. Já desistira de se ressentir ou de lutar contra as verdades da vida. Quando não se pode mudar algo, quando não se pode vencer, a rebeldia só leva a mais infelicidade.
Contudo, se rebelava agora. O coração dela se rebelava. Não conseguiria aquietá-lo. Não queria que Hayden demonstrasse paixão por outra mulher. Imaginá-lo fazendo isso fez com que seu estômago ficasse embrulhado.
Despiu-se sozinha, pois tinha dito a Joan que não a aguardasse. Deitou-se na cama e esperou que a porta se abrisse.
O quarto caiu no mais completo silêncio. A casa inteira silenciou. Ocorreu-lhe que Hayden poderia ter vindo a seu quarto mais cedo e não a encontrado. O chapéu a distraíra tanto que ela perdera a noção do tempo.
Levantou-se e vestiu o robe. Descalça, percorreu o corredor de ligação entre seus aposentos e os do marido. A porta estava aberta. Ela espiou para dentro do quarto de Hayden.
Um abajur mínimo estava aceso, aumentando um pouco a parca iluminação que penetrava através das cortinas semiabertas. Era luz suficiente para ela ver que ele estava na cama, mas não para saber se estava dormindo. Ele estava deitado de costas, com as mãos por trás da cabeça, e os braços dobrados por sobre o monte de travesseiros, deixando entrever a parte superior do seu dorso.
A posição tensionava os músculos dos seus braços, definindo sua força.
Ela deu uma olhada no quarto. Nada tinha sido mexido. Os móveis permaneciam exatamente como antes. Mas não restava nada de Timothy ali. Era como se o primo nunca tivesse posto o pé naquele cômodo. Sem mudar nada, Hayden tinha tornado o quarto todo seu, simplesmente por ocupá-lo.
Ele se mexeu, espantando-a, e se levantou, apoiando o peso em um braço. Ela se sentiu uma invasora.
– Desculpe. Não queria acordá-lo.
– Não estava dormindo. Estava cultivando meu mau humor.
Uma invasora, por certo. Ela começou a recuar.
– O que você quer, Alexia?
Era uma pergunta para a qual ela não tinha resposta.
– Venha aqui.
Ela desejou que ele lhe permitisse retirar-se suavemente. Andou até a cama.
Ele ergueu a mão em sua direção, segurou seu braço e a guiou até ele. Após lutar um pouco com os lençóis, conseguiu trazê-la para junto de si. Deitou-se com um braço em volta dela, olhando para o drapeado acima da cama, tal como estivera fazendo quando ela chegou.
Ela logo percebeu que ele não pretendia fazer amor. Nem tinha ido a seu quarto mais cedo. Ele não a havia procurado porque não a queria naquela noite. Talvez tivesse se encontrado com uma amante. Uma das que já tivessem se consultado com o médico meses atrás.
A ideia a incomodou menos dessa vez, apesar de ainda a perturbar. Talvez a diferença fosse o contentamento com o modo familiar como o braço dele a enlaçava. Era muito agradável ser segura assim, sem expectativas no ar nem o desejo saciado criando uma névoa egoísta.
Eles nunca tinham feito isso antes. Sempre houvera um ponto após a relação sexual, um momento específico, em que a paixão evaporava. Ele sempre ia embora para se deitar em sua própria cama. Ela se perguntou se, como ela, Hayden notava o conforto suave desse abraço.
– Você não estava em casa quando saí esta tarde – disse ele. – Eu teria explicado meus planos hoje, já que foi a primeira vez em que saí sozinho à noite desde que voltamos de Kent.
Hoje, mas não no futuro. Suas intenções tinham sido gentis, mas também a informavam como os avisos eram dados.
– Foi muita gentileza sua querer explicar esta primeira vez, mas sei que muitas vezes ficaremos cada um para o seu lado à noite, como fazemos de dia.
Ele riu baixinho. Ela gostou daquele som e da prova de que o mau humor estava se dissolvendo, mas não fez ideia do que ele tinha achado engraçado.
– Tem um homem da Bavária. Organizaram um jantar para ele. Só para homens. Bebemos e falamos de caçada, mas o motivo real era discutir negócios.
– Você não precisa se explicar. Sou muito aberta. De verdade.
– Não quero que você fique pensando que fui procurar uma amante logo depois do casamento. Deveria ter me lembrado de que você é sensata demais para ser ciumenta, principalmente quando não há indícios.
Ela ficou feliz por estar escuro e ele não poder ver que ela enrubescera. Perguntou-se se seria tão sensata no futuro, quando houvesse indícios. Temia que não, considerando como sua descrição da noite aliviara suas preocupações.
Alexia se virou e se apoiou em um cotovelo, para ver o rosto dele.
– Hoje encomendei aquele vestido de noite de preço exorbitante que você queria. Madame Tissot quase chorou de alegria com o que vai ganhar com isso.
– Que cor é o vestido?
– Uma cor incomum. Parece marfim à luz da lareira.
– Parece uma cor que ficaria bem acompanhada de diamantes.
– Não sei.
De fato não sabia se já tinha visto diamantes de verdade.
– Você vai ver.
Ele dera a entender que compraria diamantes para ela. Isso a alegrou, como faria com qualquer mulher.
– Você disse que estava cultivando seu mau humor. Não correu tudo bem no jantar?
Ele não respondeu. Agora ela realmente fora intrometida. Tinha abusado da melhora de seu humor.
Ele apertou o ombro dela, fazendo com que voltasse a deitar a cabeça no travesseiro.
– Foi outra coisa que provocou meu mau humor. Uma visita profissional que não pôde ser evitada. Periga o meu humor ficar ainda pior nos próximos dias. Se eu não a procurar, seria melhor me deixar quieto.
Ele começou a desatar as fitas de seu robe.
– Mas hoje estou feliz que tenha vindo.
– Fale-me de sua família – pediu ela.
Seus sentidos captaram ao longe a frase dela. Eles não conversavam muito na cama, mas dessa vez fora diferente desde o início. Deve ter sido por isso que a pergunta reverberou no silêncio de forma natural, retirando-o de seu estado de relaxamento satisfeito. Porém, metade da mente dele permaneceu suspensa na quietude do contentamento sexual. Ele não voltaria à realidade por completo até que fosse obrigado a isso. Havia aborrecimentos a esperar por ele; ele os encararia quando fosse preciso, mas não agora.
Ele se ajeitou de forma que seu peso não a esmagasse. Não houve práticas diferentes naquela noite. Nenhuma iniciação. Hayden se perguntou se ela notara que ele tinha demorado um pouco mais porque a preocupação ficara em sua cabeça, chegando a afetar seu desejo em um primeiro momento.
– Tenho muitos primos. Você os conhecerá em breve.
Ela sutilmente arqueou seu corpo ao longo do dele, fazendo-o notar mais uma vez sua materialidade, seu toque. Depois do amor, era fácil esquecer-se de seus corpos por um tempo.
– E seus irmãos e seus pais?
– Você já conheceu meus irmãos.
Ele pensou em parar por aí, mas talvez ela merecesse algumas explicações. Logo as damas da sociedade estariam enchendo os ouvidos dela. Talvez isso já tivesse acontecido.
– Eu o invejo por eles. Tive um irmão que morreu jovem, um ano antes da minha mãe. Gostaria de ter crescido menos sozinha.
– Fizemos alianças úteis. Não contra a minha mãe, que era muito gentil.
Ela não estava tentando arrancar informações dele, mas ele imaginava que ela ouvira alguns boatos. Não gostava da ideia de que ela tivesse formado uma imagem da mãe dele que não fosse verdadeira. Se elas tivessem se conhecido, provavelmente teriam se simpatizado de imediato.
– Ela era um pouco excêntrica e tinha a capacidade de se fechar com seus próprios pensamentos por longos períodos. Em seus últimos anos de vida, deixou de vir à cidade.
– Ouvi dizer que ela era escritora.
Sim, alguém já tinha contado casos sobre ela.
– Uma boa escritora. Mas meu pai não deixou que ela publicasse seus livros. Ele não achava apropriado.
– Revelador demais, talvez? Em prosa ou poesia, seus textos a teriam exposto ao mundo.
E talvez o tivessem exposto também. A frieza, a rigidez e a cruel satisfação que tinha com a infelicidade dela. Este fora seu verdadeiro temor.
Uma lembrança ressurgiu, uma memória que sua mente tentava evitar. De um cômodo escuro e uma mulher sentada à mesa, com a pena na mão, curvada sobre o papel. Seus olhos ficavam sempre vivos quando escrevia essas folhas. Vivos e sãos com a alegria de visitar um mundo melhor.
Olhe para ela, garoto. Nunca se esqueça do que vê. Essa infelicidade é resultado dos impulsos irracionais que as emoções provocam.
Ele leu aquelas folhas antes de morrer. Encontrou poemas belos e otimistas, que revelavam a mãe de uma maneira que seu distanciamento negara a ele. Por um longo e terrível momento, odiara o homem que silenciara aquela voz.
– Ela se retirou do mundo, e de nós, mas não enlouqueceu. Não se preocupe. O sangue da família não traz essa mácula.
Alexia não protestou nem se defendeu dizendo que nunca pensara nessa possibilidade. Não falou nada. Talvez o tom seco a tivesse silenciado.
Só se virou em seus braços e pousou um beijo suave em sua testa.
CAPÍTULO 16
Suttonly recebeu Hayden em seu espaçoso quarto de vestir. Ele compartilhava charutos e confidências com seus amigos mais próximos naquele lugar, sob um teto decorado com cornijas douradas e pinturas em relevo que retratavam ninfas e sátiros.
– Está cedo, Rothwell. Pela hora, imagino que tenha vindo a negócios.
– Sim.
– Houve algum problema quanto ao novo investimento das Américas?
Hayden se sentou em um sofá enorme e confortável. O cômodo o lembrava de outras visitas, anos atrás, antes de o amigo ter herdado o título. Este quarto de vestir fora o covil particular de Suttonly, para onde trazia companheiros para longas noites de carteado e bebida.
– Vim falar sobre Benjamin Longworth. Tive motivos para examinar as finanças de Ben quando ele morreu. Ao ajudar o banco a avaliar a fortuna e as dívidas de Tim, sua fonte, o legado de Benjamin, surgiu também.
– Timothy Longworth se dizia banqueiro. Ele deveria ser capaz de avaliar tudo por si só.
Hayden ignorou a verdade nessa resposta.
– Ontem soube que Ben tinha uma conta no Banco da Inglaterra.
– Essa é ótima. Ele não confiava no próprio banco para guardar seu dinheiro, mas esperava que todos nós confiássemos.
– Era uma conta especial, com um objetivo especial. O dinheiro entrava por pouco tempo e depois saía. Em alguns casos, ele também aceitou títulos. E fez transferências para várias pessoas. Inclusive você.
Um sorriso lânguido expressou o divertimento deturpado de Suttonly.
– Pode bisbilhotar as finanças de Longworth quanto quiser, Rothwell, mas não venha mexer nas minhas.
Hayden se levantou do sofá. Caminhou rente a paredes cobertas de estantes de jacarandá dispondo coleções de pedras e plumagens. Suttonly fora naturalista no tempo da faculdade, mas esses interesses tinham sido abandonados e substituídos por prazeres londrinos havia muito tempo.
Ele pegou uma pedra estriada de vermelho trazida de uma visita ao parque nacional de Lake District em uma das férias.
– Há alguns anos você manteve títulos no banco Darfield e Longworth, não?
– Uma pequena quantia. Foi um gesto de amizade, para ajudar o amigo de um amigo. Não era um valor significativo.
– Os registros dizem que esses títulos foram logo vendidos.
– Decidi que não tinha obrigação de ajudar um amigo de um amigo se o considerasse um homem tedioso. Sim, eu os liquidei.
– E, no entanto, nos anos seguintes, Ben lhe deu dinheiro em particular.
– Era dinheiro particular para pagar uma dívida particular.
– Eram só as transferências? Ou os títulos iam para você também?
– Você acha sensato trilhar esse caminho, Rothwell? Bisbilhotar os negócios de dois velhos amigos?
Ele tinha certeza de que era insensato. Também sabia que precisava concluir a nova imagem de Benjamin que se formava em sua mente. Por enquanto ainda era um esboço, uma caricatura de um criminoso avarento e desesperado. Ele quase não reconhecia esse rosto.
– Os títulos que você liquidou somavam mil libras. As transferências, cinco mil. Mais dinheiro foi retirado em notas, a intervalos regulares. Mais de quinze mil no total.
Um suspiro fundo de tédio acolheu essas informações.
– Não compartilho sua fascinação por números. Quem se importa?
– Tenho motivos para me importar.
– Que pena que ele faleceu e não pode matar sua curiosidade.
Uma nova nota pontuava o tom indolente. Um contentamento presunçoso. Isso fez com que Hayden tirasse os olhos da coleção de pedras e se voltasse para o amigo.
A atitude de Suttonly demonstrava falta de consideração. Seu rosto permanecia alvo, mas seus olhos flamejavam. A raiva se refletia neles, assim como a precaução e uma astúcia perturbadoramente alerta.
Suttonly mantinha a placidez naqueles olhos reveladores, talvez inconsciente de que continham todas as respostas que Hayden buscava. Ou talvez quisesse que alguém soubesse como ele tinha sido esperto após descobrir o roubo.
– Peço desculpas, Rothwell. Tenho um dia cheio hoje.
Ele se levantou e andou até a porta.
– Meu criado vai acompanhá-lo.
– De quanto era essa dívida? – perguntou Hayden. – Quanto ele lhe devia?
Suttonly parou e se virou. O orgulho venceu a prudência após uma breve batalha.
– De certa forma, pode-se dizer que ele me devia a vida.
Hayden se levantou da cama em suas salas do centro financeiro e, com os olhos injetados, cambaleou até a pia. Ele nem olhou para o espelho em cima dela.
Chegara ali havia três dias, após o encontro com Suttonly. Ou já fazia quatro dias? Tinha perdido a noção do tempo. Diante da constatação de que Suttonly descobrira a fraude de Ben e o obrigara a pagar, da certeza de que Ben tivera um bom motivo para temer voltar para a Inglaterra, Hayden tinha se retirado para seu lar silencioso e particular. Seu assistente cuidava de sua alimentação, mas ele não lhe dera quaisquer outras ordens. No mais, passava horas sem conta com seus cálculos e só dormia quando o cansaço o dominava.
A luz prateada da aurora ficou branca quando os primeiros raios de sol atingiram a janela. A claridade repentina o colocou em um estado de alerta inoportuno. A verdade surgiu das sombras de sua mente, não mais obscurecida pela exaustão ou pela distração. Ela o rasgava por dentro como uma faca quente.
Ele deixara Ben morrer. A suspeita disso o assombrara durante anos. Olhando para trás, os detalhes daquela noite eram gritantes.
Ele deveria tê-lo escutado. Deveria tê-lo detido. Deveria ter pegado Ben à força se necessário e o carregado para fora do convés. Em vez disso, permitira que a raiva pela implicância de Ben o deixasse cego e surdo, e se afastara.
Ben tinha feito aquilo de propósito. Ele já planejara tudo. E não tinha dito a verdade. Não acreditara que encontraria ajuda se confessasse, apenas censura e o caminho da forca. Agora falou igual ao seu pai. Fazendo julgamentos, com sua superioridade lógica.
A raiva o estava fazendo perder a cabeça. Raiva de si mesmo e de Benjamin e também das circunstâncias que tornaram tudo tão lamentavelmente irônico.
Arrancou a camisa, curvou-se na pia e jogou água no rosto. A água escorreu pelo peito, atingindo a longa cicatriz. Uma lembrança dolorosa o perpassou, dor e medo enquanto uma lâmina cortava. Aquela casa não muito maior do que este quarto, e quase tão escura quanto. Ser irmão de um lorde inglês não significava nada para os soldados turcos que se divertiam com ele.
Se não fosse pelo heroísmo louco e impulsivo de Ben, ele teria morrido naquela casa da área rural. Devagar. Mas eles já tinham usurpado sua juventude quando Ben pulou pela janela.
Botou a camisa de volta e se dirigiu imediatamente para a mesa na sala ao lado. Fugiu para a pureza sublime dos cálculos como um usuário de ópio em busca de escape. Agarrar-se ao divino desígnio da criação o mergulhava em uma existência paralela, separada do mundo da dor física e das emoções caóticas que tornavam a vida profana demais.
Alexia bateu de leve com a ponta da carta no tampo da escrivaninha. A longa ausência de Hayden a preocupava. Tentou não pensar em onde e com quem ele poderia estar. Tentou ver isso não como abandono ou traição, mesmo que fosse mais doloroso por ter acontecido depois daquela noite tranquila juntos.
Sua perturbação crescente era por causa da carta em suas mãos. Rose escrevera. Finalmente. O bilhete parecia se dirigir a um conhecido distante. Falava de assuntos corriqueiros e não mencionava seus desentendimentos. Todavia, o contato tinha sido feito e Alexia não queria deixar que a porta se fechasse antes que tivesse a chance de passar por ela e tentar retomar a amizade com seus primos.
A boa esposa queria contar ao marido. Pegar a carruagem e deixar a cidade não seria ideal. Duvidava que Hayden achasse que ela poderia sumir por dias quando bem entendesse, sem o conhecimento ou a permissão dele.
Uma pergunta discreta a Falkner naquela manhã não tinha fornecido qualquer informação. Ninguém na casa fazia ideia de para onde Hayden tinha ido. Seu criado particular dissera que ele não tinha feito malas e que pegara o cavalo e não a carruagem. Ele estava em algum lugar em Londres, talvez aliviando o mau humor com alguém mais experiente do que sua mulher.
Abriu a carta e releu as frases contidas de Rose. Poderia simplesmente responder à carta. Com uma troca de correspondências educada, talvez conseguisse se reaproximar em alguns meses. Não queria esperar tanto tempo. Queria ver Rose e ter certeza de que seus primos não tinham se afastado dela para sempre.
Deixou o cômodo e chamou a carruagem. Tentaria encontrar Hayden e falar com ele sobre isso. Caso ele se mostrasse esquivo, faria a viagem até Oxfordshire sem a permissão dele.
Ela deu seu cartão ao criado e pediu para ver o marquês ou lorde Elliot Rothwell. Pouco tempo depois, foi levada à presença do último, que esperava na biblioteca.
– Christian não está recebendo visitas hoje – explicou Elliot. – Mas sempre me dá muita satisfação quando nos visita.
– Vim pedir a ajuda de vocês – explicou ela. – Gostaria de mandar uma mensagem para Hayden e pensei que talvez vocês soubessem como fazer isso.
Elliot assumiu uma expressão de curiosidade e espanto.
– Desculpe-me, mas não sei da agenda diária do meu irmão. Talvez seu criado pessoal...
– Ele saiu há três dias e não voltou. Tenho certeza de que está em Londres.
Ela tentava manter um tom despreocupado e esperava que seu rosto não demonstrasse embaraço.
– É importante para mim pelo menos tentar informá-lo de um assunto que exige que eu deixe Londres por um ou dois dias.
Elliot franziu a testa.
– Você disse três dias?
Sua atenção se concentrou nos próprios pensamentos.
– Sei o que você está pensando.
A ruga em sua testa sumiu, mas os olhos permaneceram preocupados.
– Quando meu irmão tinha amantes, não ficava com elas. Nunca. Nem estava envolvido com ninguém nas semanas anteriores ao casamento.
Ela apreciou sua franqueza. Sentiu um profundo alívio, mas uma pontada de medo tornou isso irrelevante.
– Só fiquei pensando... Seria possível que ele estivesse ferido ou...
– Não é provável. Sua carruagem está aí fora? Vamos então – chamou, atravessando a soleira decidido. – Vou falar com seu criado pessoal e depois a levarei até ele.
Ela correu até o cunhado.
– Na verdade eu só quero lhe enviar um bilhete.
– Se ele foi para onde eu imagino, isso pode não ser suficiente. Confie em mim.
– Você parece um prisioneiro em uma cela, Hayden.
A voz de Elliot soou como um canhão no silêncio. Ela o retirou de uma concentração tão intensa que seu maxilar doeu ao relaxar. Olhou para a janela do lado sul, que mostrava a posição do sol. Já passava do meio-dia.
Elliot carregava casacos e bagagens. Ele os levou para o quarto.
– Você não trocou de roupa nem para dormir, pelo que vejo. Não chegava a esse extremo fazia muito tempo. Anos. Desde aquele transe logo depois que voltou da Grécia.
A realidade entrou pela porta junto com Elliot. Precisava recolocar o mundo em seu eixo para compreender a invasão. Enquanto seu irmão permanecia no quarto, Hayden começou a reajustar seus sentidos recém-despertos. Sentia-se como um homem levantando-se da cama após um longo acesso de febre.
Olhou para o peito e percebeu como sua camisa estava suja.
– Foi Christian que o mandou aqui?
– Não – respondeu Elliot, ressurgindo do quarto. – Outra pessoa me alertou de seu desaparecimento – falou, indicando a porta.
Hayden a abriu. Alexia aguardava na antessala. Ele fechou a porta antes que a esposa o visse.
– Você não podia ter se dado o trabalho de enviar-lhe um bilhete? – perguntou Elliot. – Você a deixou imaginando que seu corpo poderia estar no fundo do Tâmisa ou que teria tirado uma semana em algum bordel.
– Não faço retiros em bordéis.
– Ela não sabe disso.
Demonstrando mais raiva do que Hayden via há anos, Elliot caminhou a passos largos para a porta.
– Vou deixá-los a sós. Se eu ficar, pode ser que eu queira saber o que causou isso. Talvez ela fique aliviada demais ou seja ignorante demais para se fazer a mesma pergunta.
– Você não ia querer saber. É por isso que gosto de você, Elliot. Você não me elogia nem critica. Você me traz camisas limpas, mas está preparado para me deixar sozinho com minha única forma de embriaguez.
– Não o critico, pois conheço bem demais essa bebida que o atrai. Isso não quer dizer que não fique preocupado quando você mergulha tão fundo nisso, Hayden.
Ele saiu, deixando a porta aberta. Alexia olhou para dentro. A expressão dela se desfez ao ver a aparência dele. Ela passou pelo criado, entrou e fechou a porta.
Deu-lhe uma boa olhada, da cabeça aos pés. Ele ficou bem ciente de como parecia nojento.
– Seu criado pessoal queria vir, mas Elliot o proibiu. Achei o pedido dele peculiar. Mal sabia que ele já imaginava o que iria encontrar – falou ela, depois fez um gesto mostrando o cômodo. – Contudo, ele previu as coisas de que você iria precisar. Imagino que tenha uma navalha aqui. Ou devo pedir que o criado chame um barbeiro?
Hayden passou a mão no rosto e sentiu a barba por fazer. Alexia andava pelo quarto, invadindo seu santuário particular.
– Gostaria de saber notícias do mundo, marido? Coisas impressionantes aconteceram enquanto você bancava o eremita. Escândalos, guerra e grandes descobertas.
Seu tom beirava a reprimenda.
– O que houve, Hayden? O que está fazendo aqui?
Ele se retirou para o quarto e despiu a camisa enxovalhada. Começou a se lavar e deu uma espiada no selvagem que se refletia no espelho. Elliot estava certo. Nunca tinha sido tão ruim nesses anos todos. Da última vez, quando voltara da Grécia, tinha sido pela mesma razão, e ele havia encontrado alguma paz. Forjara ambiguidades e mentiras suficientes sobre as lembranças daquela noite para se permitir algum perdão. Por mais estranho que fosse, dessa vez era a sinceridade que oferecia mais alívio.
Alexia o seguiu e se empoleirou na cama, esperando. Não disse nem uma palavra enquanto ele lavava o rosto e o torso na água que há muito esfriara. As gotas frias o trouxeram de volta à realidade.
Hayden encontrou a navalha na prateleira da pia e começou a se preparar para fazer a barba. Podia ver a expressão interrogativa dela pelo espelho.
Alexia esperava por uma resposta para a pergunta. O que ele estava fazendo ali? Não podia culpá-la por se preocupar, mas isso não significava que precisasse se sentir obrigado a dar explicações.
– Meus irmãos e eu herdamos a capacidade de minha mãe de nos refugiarmos em nossos pensamentos – disse ele ao testar a lâmina da navalha. – Fazemos isso de vez em quando, cada um à sua maneira.
– Por dias a fio?
– Não é comum. Várias horas, no máximo.
– Isso não foi várias horas.
– Às vezes acontece. Não é nem perigoso nem extraordinário.
– Foi o mau humor de que falou que causou isso, não?
Ele fez uma pausa em seus preparativos. Supôs que isso seria inevitável. As pessoas casadas mostravam uma aliança formal diante do mundo, mas era impossível evitar a completa familiaridade que surgia no leito matrimonial. As intimidades físicas os expunham um ao outro de uma forma espiritual, a menos que houvesse um esforço para impedir isso. Sua curiosidade era compreensível. Ele mesmo se perguntava o que residia naqueles domínios longínquos.
– Sim, aquele humor provocou isso. Mas meu recolhimento dispersou aquele humor, então foi bom.
– Você me advertiu de que eu deveria deixá-lo em paz. Está com raiva por seu irmão ter me trazido aqui?
– Não.
Não mesmo. Mas estaria melhor se ela não o visse naquele estado. Suspeitava que parecesse muito fraco.
– Sua mãe escrevia quando se encontrava nesse estado. O que você faz?
Ele pegou a navalha.
– Tem uma mesa e uma escrivaninha na sala ao lado, perto da janela. Meu trabalho está lá.
Ela foi até o local indicado para ver do que se tratava. Ele fez a barba, depois tomou um banho e se vestiu. Quando surgiu do quarto de dormir, ela ainda examinava as folhas com anotações matemáticas.
– Não entendo a maior parte, é claro – disse ela. – É como um idioma em que se conhecem as palavras, mas não se consegue ler as frases.
– Como qualquer idioma, pode haver poesia aí.
– Já me senti assim às vezes.
Ela pousou as folhas na mesa.
– Se uma poesia infinita o aguarda nestes cômodos, talvez estranho seja o fato de você chegar a sair daqui.
– Gosto demais do mundo dos sentidos para abrir mão dele por muito tempo.
Ele gostou da forma como ela assentiu, como se fizesse total sentido. Hayden não duvidava de que ela também entendia a disciplina exigida para sair de um reino e ir para o outro e como as circunstâncias podiam derrubá-lo às vezes.
Seu dia começara em um estado de consciência rarefeito, mas agora estava completamente normal e físico. A única nota destoante era a presença de Alexia naquele escritório.
– Você foi procurar Elliot porque estava preocupada?
– Só queria lhe mandar um bilhete. Pensei que ele poderia saber como fazer isso.
Um pequeno desapontamento o atingiu. Ela não havia especulado sobre o pior ou se preocupara com ele. Nem o teria questionado em sua volta. Não esperava nada dele, menos ainda explicações.
– Que bilhete?
Sua postura se empertigou de forma sutil. Seus olhos refletiram as luzes baixas e raivosas que ele vira muitas vezes desde que se conheceram. Isso só podia ter um significado.
– Rose me escreveu. Pretendo fazer uma rápida viagem para vê-la. Achei que deveria avisá-lo, para você não pensar que eu era impertinente.
– Você escreveu para eles de novo, Alexia?
– Sim. Duas vezes.
– Você me desobedeceu. Sua preocupação em ser impertinente é um pouco tardia.
– Não desobedeci, se lembrarmos exatamente o que você falou. Não fui desleal com você em minhas curtas cartas a eles. De fato, nem mencionei seu nome. Você me prometeu, quando me pediu em casamento, que não interferiria em minhas amizades. Levei sua promessa a sério.
Uma irritação pulsou em suas têmporas, e não apenas porque Alexia havia interpretado as palavras dele a seu bel-prazer. Duvidava que ela pudesse se encontrar com os Longworths, ou mesmo pensar neles, sem odiá-lo. Dali a cinquenta anos, a mera alusão àquele nome provavelmente ainda causaria essa expressão nos olhos dela.
– Sua prima a convidou para uma visita?
– Seria melhor esperar sentada por isso. Pelo menos ela admitiu que ainda estou viva, então eu vou de qualquer forma. Se ela se recusar a me ver, não haverá o que fazer. Mas não acho que ela faria tal coisa.
Esse encontro era inevitável. Algum dia, Alexia ia querer vê-los. Ele não desejava negar isso a ela, mas não lhes concederia uma liberdade total a ponto de influenciá-la contra ele.
– Não proibirei essa viagem, Alexia, mas vou com você. Vamos até Aylesbury Abbey por alguns dias e você poderá ir ver sua prima enquanto estivermos por lá.
CAPÍTULO 17
Uma névoa úmida pairava sobre a cidade de Oxford, criando uma aquarela de tons indistintos e embaciados. Universitários caminhavam em pequenos grupos por entre os antigos prédios de pedra, seus rostos jovens exibindo uma alegria e uma vivacidade que pareciam inapropriadas em meio à arquitetura formal das faculdades.
A carruagem de Hayden subiu a St. Gilles’ Street, deixando o território da universidade para trás. Ali, lojas e hospedarias se enfileiravam como em outras cidades do interior e os modos eram menos refinados. Pararam do outro lado da rua que dava na St. Giles’ Church.
Alexia começou a se mexer. A mão de Hayden cobriu com firmeza a maçaneta da porta, detendo-a.
– Ficaremos esperando na carruagem até ela chegar.
– Prefiro esperar na igreja. Não quero que ela vá embora se o vir.
– Se ela pediu para se encontrar aqui e não na casa dela, se está pagando pelo transporte para chegar até aqui, ela não irá embora. Não é a minha intromissão que ela teme, mas a do irmão.
Alexia ficou em dúvida. Rose respondera rapidamente à carta sugerindo o encontro. Talvez imaginasse que, caso não concordasse, Alexia iria bater à sua porta. Esse era o plano. Alexia lhe enviara uma mensagem ao chegar a Aylesbury Abbey, pedindo para ser recebida, mas estava pronta para se arriscar a fazer uma visita, mesmo que desse com a cara na porta.
Espiou pela janela, esperando pela aproximação da carruagem alugada que Rose teria pagado com dificuldade.
– Você me permitiria pelo menos saudá-la em particular?
– O cocheiro vai ajudá-la a descer. Talvez ela nem perceba que estou aqui.
Eles conversavam num tom frio. Na véspera, quando a resposta de Rose chegara a Aylesbury Abbey, tinham discutido sobre Hayden acompanhá-la a Oxford. Ela elencara os motivos sensatos por que ele não precisaria nem deveria ir. Ele fora inflexível.
Nenhum dos dois levantou a voz, mas o ar ficou cheio de raiva silenciosa. A discussão se concentrou em sua segurança e proteção, mas ela suspeitou que o problema fosse outro. A situação dos primos continuava a ser uma ferida aberta entre eles. Hayden não estava nada satisfeito com sua atitude.
Encontrava-se sentado com ela, ostentando a expressão distante que fazia o mundo considerá-lo frio. O distanciamento de Hayden causava preocupação no coração de Alexia.
– Se seus irmãos tivessem se afastado de você por causa da escolha da noiva, você não tentaria se aproximar deles de novo?
– Isso dependeria do que eles esperassem que eu fizesse e do que me custaria esse compromisso.
– Não me custa nada tentar essa reaproximação.
– Nem me custaria nada tentar a tal reaproximação com meus irmãos.
O significado do que ele dizia começou a fazer sentido na mente de Alexia. Ele não estava prevendo que ela seria obrigada a pagar um preço como condição de se reaproximar dos primos: acreditava que as expectativas dos Longworths tinham a ver com ele e comprometeriam a lealdade de Alexia para com o “terrível lorde Hayden”.
Um silêncio se fez entre eles, um silêncio pesado pela raiva que ele não demonstrou. Ela temia que, se dissesse algo, ele ordenasse ao cocheiro que fossem embora.
Um humilde cabriolé parou na frente da igreja. Rose desceu. Usava o casaco adornado de pele que Alexia tinha tomado emprestado para a primeira visita à casa de Easterbrook. Não percebeu a presença da elegante carruagem do outro lado da rua e andou em direção à igreja, desaparecendo por sua portada.
O cocheiro abriu a porta da carruagem e desdobrou os degraus. Alexia olhou para fora. Poderia caminhar livremente até Rose. Seu coração estava alegre pela perspectiva do encontro, mas ela também se sentia confusa, o que obscurecia sua felicidade.
Ela hesitou ao tomar a mão do cocheiro. Haveria um custo? Um acordo? Abraçar seus primos de novo traria algum pesar para sua nova vida?
O distanciamento e a raiva de Hayden a faziam sofrer. Uma dor física, lá dentro do coração. Sentia frio, como se o calor que a banhara tivesse sido retirado. Não percebera a importância dele, mas agora sua falta a assustava.
Ela olhou para Hayden. Quando esse calor tinha transbordado das horas noturnas, invadindo seu dia? Quando ela havia começado a esperar por ele com tanta ansiedade e encontrado tanto conforto e paz em um simples abraço? Ele não a havia procurado na noite anterior e o desapontamento dela fora intenso, ela ficara tão triste que não sabia o que fazer a respeito.
Também não sabia o que fazer com o misto de emoções que a assaltava agora. Não sabia como escapar disso. Temia que saltar da carruagem trouxesse o perigo de perder algo importante.
Um calor cobriu sua mão. A luva de Hayden estava pousada sobre a dela em um gesto de consolo e posse. Ela olhou para seu perfil. Ele também olhava perdido pela porta aberta.
Ele levou a mão dela até a boca e a beijou. Então a passou para o cocheiro.
Rose esperava logo depois da portada, oculta nas sombras da igreja antiga. Espiava a carruagem atrás de seu cabriolé.
– Ele está lá?
A pergunta dela rompeu o silêncio da igreja.
– Isso importa? Estou aqui agora. Só eu. Nenhum homem entre nós. Você está linda hoje, Rose. Mas, também, você está sempre linda.
A atenção de Rose escapou para ela. As duas se encararam na pouca luz da igreja. Alexia desejava muito se aproximar. Desejava desesperadamente que tudo ficasse bem com Rose pelo menos.
– Você também está muito bonita, Alexia. Apesar da afronta que seu acompanhante me causa, eis o que pensei quando você se aproximou: pelo menos ele está cuidando bem dela e ela está satisfeita com a situação.
– Preferiria que não estivesse satisfeita, Rose? Amoleceria seu coração se eu estivesse sofrendo?
– Sim.
Um longo suspiro seguiu a dura resposta.
– Não, não é verdade. Houve momentos em que a amaldiçoei por sua traição – admitiu ela, rindo com tristeza. – Mas imaginar você infeliz não me traz satisfação. Teria sofrido ainda mais se ele a tivesse destruído também e de uma forma tão definitiva.
Ela soava mais como a amiga querida do que como a prima vingativa. Alexia a perdoou pelos insultos a Hayden. Rose só conhecia o homem público, o homem que sabia ser frio.
– Posso abraçá-la, Rose? Senti muitas saudades.
Um instante se passou, fazendo surgir uma dor física em Alexia. Talvez Rose sentisse o mesmo. De repente, caíram nos braços uma da outra, primeiro chorando, depois rindo quando seus chapéus bateram um no outro.
Alexia fechou os olhos e inspirou com profundo contentamento. Todo o seu ser se alegrou com o contato e o amor.
Sentaram-se em um banco no fundo da igreja.
– Peço perdão por tê-la feito vir a este lugar frio e úmido – disse Rose. – Mas Timothy...
– Ele ainda está doente?
– Ele anda doente com tanta frequência que talvez pudesse ser considerado inválido. Mas às vezes fica melhor. Confesso que prefiro quando está doente.
– Espero que ele não seja cruel.
– Não cruel, só... triste. E com raiva. Não sei o que poderia acontecer se você fosse à nossa casa. Ele ficou furioso com a notícia de seu casamento. Ele disse coisas horríveis. Se soubesse que vim encontrá-la...
– Sou muito grata por você ter vindo, Rose. Tenho estado muito só desde que você foi embora de Londres. Nenhuma amiga pode substituir aquela a quem vejo como minha irmã.
Rose entrelaçou os dedos nos dela.
– Vim porque somos como irmãs, mas também para me certificar de que esse casamento foi de sua vontade. Timothy diz que Rothwell deve ter... Que o patife a importunou. O casamento repentino, sua dependência dele, bem, Tim conta uma história assustadora.
Porém, não uma história verdadeira. Ela não tinha esperanças de que perdoassem Hayden, mas não permitiria que a imaginação fértil deles culpasse seu marido por crimes que não cometera.
– Rose, fui descuidada com minha virtude. Mas não porque ele tenha me importunado. Admito que sucumbi à fascinação da paixão, provavelmente porque tinha tão pouca experiência nisso.
– Se houve fascinação, foi provocada. Suponho que devo dar algum crédito a ele por fazer a coisa certa após a sedução. Ele poderia tê-la abandonado desonrada. Sem condições de ser preceptora da prima, sem renda ou proteção.
Alexia nada disse. Se Rose admitia que Hayden se comportara com honra, não queria demovê-la dessa conclusão.
– Mas se casar com um homem desses, Alexia! Ligar-se a um homem sem piedade... – falou, fazendo cara de desgosto. – Dividir a cama com um homem quando não há amor...
– É menos ruim do que parece. Amor nunca foi um requisito para o casamento e agora entendo o motivo.
– É bom saber. Tenho pensado se a intimidade nesses termos é tolerável.
Alexia não gostou do que ouviu. Rose parecia ainda contemplar a hipótese escandalosa de se tornar cortesã.
Como se sua alusão profanasse a igreja, Rose parou.
– Vamos dar uma volta pelo pátio. É só sairmos por aquela porta.
A névoa no pátio não representava uma melhoria em relação à umidade dentro da igreja. Elas andaram uma ao lado da outra, passando por plantas dispersas e fileiras de sepulturas.
– Como Irene tem passado? – perguntou Alexia.
– Dei-lhe um tapa na semana passada. Ela estava amuada e agindo como criança. Perdi a paciência e bati nela. Odiei-me durante dias. Faz pouco tempo que ela voltou a falar comigo.
– Aposto que ela agiu de forma menos infantil nos dias seguintes.
Rose riu.
– Ah, sim. E não se pode lamentar se a pessoa está calada por constrangimento. Tento me lembrar que deve ser mais difícil para ela. Irene não conheceu muito mais do que luxo na vida.
– Gostaria de ter permissão para ajudá-la.
Ela abordou o assunto com cuidado e esperou pela reação de Rose.
– Timothy jamais permitirá. Aceitar caridade de Rothwell, além de tudo o mais... Isso o mandaria para o túmulo e temo que nos levaria junto com ele.
– Você fala como se ele tivesse enlouquecido. Tenho certeza de que ele não é perigoso.
– A amargura pode virar a cabeça das pessoas e temo que esteja virando a dele. Ele até culpou Ben por tudo isso. Ben, que está morto há tempos. Se isso não sugere um indício de loucura, não sei o que significa.
– Como ele pode culpar Ben? Imagino que Hayden talvez não tivesse sido tão duro se Ben ainda estivesse vivo, mas...
– Ele diz que teríamos renda suficiente para passar por isso se Ben não houvesse mandado todo o dinheiro para Bristol. Veja como ele está irracional. Ben pagou uma das dívidas do nosso pai. Comportou-se com dignidade, mas agora Tim o culpa.
Ela passou um braço pela cintura de Alexia.
– Vamos usar o tempo que nos resta com uma conversa agradável. Conte-me sobre suas novas sedas e joias. Posso odiar o marido que as comprou para você, mas fico feliz que tenha sido finalmente gratificada. Vou concebê-las em minha imaginação e experimentá-las em minha mente.
– Tenho que ir se quiser estar em casa antes do cair da noite – disse Rose.
Elas se sentaram em um banco no pátio. O frio há muito tinha endurecido os dedos de Alexia, mas ela não queria pôr fim ao encontro. A última hora tinha lhe relembrado os velhos tempos, com uma conversa casual sobre assuntos corriqueiros.
Elas voltaram para a porta lateral da igreja. Hayden ficara esperando na carruagem todo esse tempo. Ela não achava que o encontraria de melhor humor na volta.
Quando entraram na igreja, Alexia tentou de novo oferecer ajuda.
– Entendo que você não possa aceitar nada de meu marido. Mas e um pouco de dinheiro meu? Nosso acordo matrimonial me garantiu minha antiga renda. Também andei pensando em retomar a confecção de chapéus, de forma muito discreta. Gostaria que eventualmente aceitasse umas poucas libras vindas do meu próprio dinheiro, não do dele.
Rose parou na portada da frente. Inclinou-se e beijou a face de Alexia.
– É tudo da mesma fonte, não é? Seu dinheiro é dele. Você seria discreta o suficiente para ele não saber? Não, querida prima, não vamos confiar em engodos que podem expô-la à raiva de seu marido. Você e eu seremos amigas se as circunstâncias permitirem, mas não aceitarei seu dinheiro.
Abriram a portada e saíram. Rose parou imediatamente, olhando fixamente para a frente.
A carruagem de Hayden tinha mudado de lugar e agora esperava bem no fim do curto caminho de pedra que levava até a igreja. Hayden estava de pé ao lado dela, matando tempo. O cabriolé de Rose se fora.
Ele andou até elas.
– Srta. Longworth, talvez eu tenha sido ousado demais. Seu cocheiro estava ficando impaciente e queria ir procurá-la. Para não serem perturbadas, paguei o homem e o dispensei.
Rose parecia prestes a agredi-lo fisicamente. Ela lançava chamas com os olhos para Hayden.
Alexia olhou firmemente para ele por alguns momentos.
– Talvez fosse mais sensato permitir que o homem procurasse minha prima. Ela poderia ter decidido por si mesma o que fazer.
– Sabia como esse encontro era importante para você, minha querida. Quis dar-lhes tempo suficiente para conversar.
Hayden fez um gesto indicando a carruagem.
– Vamos pernoitar em Aylesbury Abbey hoje, Srta. Longworth. Vamos levá-la em casa.
– Sou obrigada a declinar.
– Fica no caminho e não será inconveniente para nós de forma alguma.
– Não é a sua conveniência que força a minha recusa.
– Nada força a sua recusa, além de orgulho, Srta. Longworth. Posso me sentar com o cocheiro, se isso fizer com que aceite a oferta.
Eles esperaram enquanto Rose pensava. Alexia podia vê-la pesar as opções, avaliando se poderia alugar outro cabriolé na cidade, considerando a oferta de Hayden.
– Ele não vai ficar dentro da carruagem com você – sussurrou Alexia. – E teremos um pouco mais de tempo juntas.
Com relutância, Rose permitiu que Alexia a ajudasse a subir na carruagem. Hayden fechou a porta e subiu ao lado do cocheiro.
Foi um percurso longo e silencioso até a casa dos Longworths. Rose se recusou a conversar. Ficou olhando para o teto da carruagem, como se percebesse o homem cuja presença pairava sobre elas.
Alexia ensaiou na mente a reprimenda que faria ao marido, mas no meio do caminho perdeu a vontade de fazer isso. Ele só quisera ser gentil, desejando que elas tivessem o máximo de tempo possível juntas. Com certeza Rose iria entender isso, se conseguisse ver mais do que a mágoa.
Era pedir demais. Uma família que contava tostões dificilmente seria gentil com o homem responsável por sua pobreza.
Quando se aproximaram do caminho para a casa, Rose abriu a porta da carruagem e pediu que parassem. Sem cerimônia, chutou os degraus e desceu. Ela já estava a meio caminho de casa quando Hayden saltou.
– Ela não quer que Timothy veja a carruagem – explicou Alexia. – Ele tornaria sua vida um inferno se soubesse que veio conosco.
– Entendo – disse ele.
Ficou observando enquanto Rose dobrava uma curva e desaparecia no caminho. Fechou a porta.
– Espere aqui. Pegue um cobertor e se aqueça. Não devo demorar muito.
– Demorar muito onde?
Ele apontou para o telhado visível por entre as árvores.
– Lá. Tenho assuntos para tratar com Timothy Longworth.
Esperou à porta. Em algum momento, eles abririam. Se não abrissem, entraria sem convite.
A porta finalmente se abriu. O rosto de Rose apareceu, pálido e preocupado.
– Vá embora. Por favor, vá. O senhor não tem o direito...
– Vim para ver seu irmão, Srta. Longworth. É do interesse dele e do seu que ele saiba o que tenho a dizer.
– Ele nunca falará com o senhor. Agora vá.
Ela começou a fechar a porta. Ele a segurou.
– Diga-lhe que Benjamin deixou pelo menos uma conta bancária que não estava entre os documentos dele. Sei onde é.
Rose pareceu incrédula, mas abriu a porta e permitiu que ele entrasse. Levou-o à sala de estar e depois saiu.
– Você vai queimar no inferno.
Olhou para o lugar de onde vinha a jovem voz que o amaldiçoava. Irene estava parada na soleira, com uma expressão petulante.
– Você arruinou minha vida. Sua prima dormiu na minha cama e será apresentada à sociedade e eu, não. Nunca me casarei, já que não tenho dinheiro e...
As lágrimas começaram a jorrar, interrompendo a briga. Ela secou os olhos em vão e continuou a fazer as acusações às cegas.
– Rose disse que Alexia teve motivos para se casar com você, mas não consigo pensar em um motivo bom o bastante. Eu a odeio por ter feito isso. Poderia ser qualquer outro homem. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você. Ela...
– Já chega, Irene.
A repreensão de Rose pegou Irene de surpresa. Não tinha percebido a chegada da irmã mais velha à porta da sala de visitas. Ela deu meia-volta e encarou a expressão severa de Rose.
Recomeçou a chorar, de raiva e frustração.
– Ele... ele...
– Não cabe a uma criança repreendê-lo e no momento ele é um convidado nesta casa. Vá para seu quarto agora.
Irene saiu correndo. Rose entrou pela porta e não se desculpou pela irmã. Hayden supôs que ela concordasse com cada palavra impertinente.
– Timothy descerá em breve. Pode se ocupar até a chegada dele?
– Certamente.
– Então o deixarei à vontade.
Ocupou-se pensando no que Rose e Alexia tinham conversado durante aquelas horas na igreja. Duvidava de que sua esposa o tivesse defendido de todas as acusações. Havia uma verdade no ataque imaturo de Irene. Ela não o perdoará, não de verdade, nunca. Ela nos ama, não a você.
Não tinha obrigação de promover reconciliações, mas reduziria o estrago, se pudesse. Para o bem de Alexia, ele o faria, e por Rose e Irene. As damas não sabiam que Timothy era um criminoso, e o mais provável era que nunca viessem a saber. Elas não tinham ideia de como Tim havia causado o sofrimento da família e quão perto estivera do enforcamento.
Quando Longworth entrou na sala de visitas, não pareceu que seu atraso se devera ao tempo gasto arrumando-se. Ao contrário da aparência arrojada do último encontro formal entre os dois, ele parecia desleixado. Gravata torta e olhos embotados, ele andava de uma forma lenta e deliberada, típica de um bêbado, tentando não tropeçar.
– Rothwell.
– Que bom que arranjou tempo para me receber, Longworth. Está sóbrio o suficiente para entender o que tenho a dizer?
Longworth deu uma gargalhada.
– Mesmas palavras, mesmo homem, mesma resposta, Rothwell: sóbrio até demais, maldição.
Difícil de acreditar. Mas pelo menos não estava bêbado demais, que era o que importava.
– Ouvi uma confusão aqui embaixo há pouco. Era Irene gritando com você?
– Ela me culpa por arruinar a vida dela. Minha esposa também. Você mentiu para elas.
– Você me disse para mentir, lembra-se? Você disse para arrumar alguma mentira que as impedisse de saber a verdade – recordou, fazendo uma careta. – Achei que era melhor que elas odiassem a você, e não a mim.
– Quero que conte a verdade a Alexia.
– Está lhe causando problemas, não é? Sinto muito, não posso fazer isso. Ela encontraria um jeito de Rose saber. Você também não pode contar a ela, não é? Deu sua palavra de honra, se bem me lembro. Vai me perdoar, mas não serei solidário com seu problema.
Hayden não esperava nada diferente de Longworth, porém a recusa lhe deu vontade de socar aquele homem.
– Rose disse que você desencavou uma conta bancária para me obrigar a recebê-lo – foi dizendo Longworth enquanto se esparramava no sofá. – Tem dinheiro lá?
– Algum. Não o bastante.
– É claro que não. Nunca haverá o bastante. É a minha punição, não é? Nunca conseguir sair desta situação.
– Com esforço, você poderia, sim. Se não sucumbisse à doença de bom grado, você conseguiria.
– Não me venha com sermões. Rose faz isso por cinco homens. Onde é a conta?
– No Banco da Inglaterra.
– É estranho que não houvesse extratos nos documentos financeiros dele.
– Não tão estranho, considerando o uso que ele fazia da conta. Você aprendeu seu estratagema com Ben, como descobri. Ele fez isso por um longo tempo. Era nessa conta que ele colocava o dinheiro que roubava.
Longworth coçou a orelha.
– Sempre quis saber onde ele depositava o dinheiro. Mas deveria ter muito. Mais do que o suficiente.
– Ele gastou algum e também pagou os rendimentos que devia às vítimas, como você fez. Houve outras transferências de natureza particular. Restaram três mil. Deve ajudar.
Longworth assentiu de olhos fechados e entregue a divagações. Hayden se perguntou se ele teria caído do sono. No entanto, ele abriu os olhos.
– O gim está deixando minha cabeça meio confusa, mas isso não faz sentido.
– Como assim?
– Se você sabe que ele estava fazendo isso, então também sabe que títulos ele vendeu. Por que me deixaria ficar com os três mil? Por que não devolve o dinheiro para essas pessoas?
– A conta está no nome de Ben e você é o herdeiro dele. Não posso evitar que fique com o dinheiro, mesmo que queira. Quanto às vítimas, vou ressarci-las, para proteger meu nome.
Longworth assobiou.
– Muito dinheiro. Então você vai cobrir as dívidas criminosas de Ben, mas não as minhas.
– Como Ben está morto, não pode cobri-las. Além disso, ele era meu amigo e você não é.
– Ainda assim, deveria ter muito mais do que três mil. Tentei resolver isso depois que ele morreu, mas fiquei empacado cobrindo os rendimentos de seus esquemas anteriores. Tive uma boa ideia da magnitude de seus crimes, por assim dizer. Parece estranho o saldo da conta não ser maior.
Hayden sabia bem para onde tanto dinheiro tinha ido. Tinha aumentado a fortuna de Suttonly.
– Acredito que você não encontrará outros tesouros escondidos. Houve transferências para bancos em Bristol e York, uma boa quantia por um tempo, porém as contas não estavam em seu nome.
O desapontamento de Tim ficou patente.
– O dinheiro que foi para Bristol pagou uma das dívidas do nosso pai, então não existe mais. Quem ficou com o dinheiro em York?
– Um tal Sr. Keiller. Ben liquidou seus títulos logo, como mostra a contabilidade. Ele foi uma das primeiras vítimas, mas parece que Ben ressarciu o homem de todo o dinheiro roubado.
Longworth caiu em outra divagação, desta vez enquanto olhava para o tapete. Ele ressurgiu de seus pensamentos dando de ombros, de forma resignada.
– Então só me restaram três mil.
– Por causa de suas irmãs, sinto muito não haver mais.
Hayden enfiou a mão no bolso de seu colete e retirou um pedacinho de papel.
– Aqui estão os dados da conta no Banco da Inglaterra. Vai lhe poupar tempo. Colocou o papel em cima da mesa e andou até a porta.
– É estranho você ter se casado com Alexia – disse Longworth com displicência. – Foi para fazer a coisa certa, imagino, mas isso é ainda mais estranho. Ela não é uma mulher que vire a cabeça de um homem, muito menos a sua. Alguém como você não tem que seduzir preceptoras. Ben a achava bonita, mas eu a acho sem graça.
Hayden parou e voltou até Longworth. O impulso de esmurrar o homem ressurgiu.
– Duvido que você reconheça o valor de uma pessoa além de seus bens financeiros.
Longworth reagiu com um esgar.
– Antes eu tivesse jogado Rose em seus braços. Teria ficado com uma mulher bonita ao fazer a coisa certa e eu teria ficado com um cunhado rico.
Ele riu da própria esperteza. Hayden deixou a sala de estar enojado. Ao achar o caminho da porta, passou pela biblioteca e avistou a cabeça dourada da Srta. Longworth curvada sobre um livro. Ele voltou atrás e entrou sem ser anunciado.
– Srta. Longworth, acabei de contar a seu irmão que há três mil libras em uma conta no Banco da Inglaterra em nome de Benjamin. Como seu herdeiro, seu irmão pode sacar o dinheiro. Contudo, como ele está sempre indisposto, é melhor que a senhorita se informe das intenções dele em relação à quantia.
A Srta. Longworth fechou o livro sem olhar para ele.
– Obrigada por me contar, lorde Hayden. Envidarei todos os meus esforços para que ele gaste esse dinheiro de forma ajuizada.