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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AS REGRAS DA SEDUÇÃO
AS REGRAS DA SEDUÇÃO

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

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CAPÍTULO 10

Que diabos estava acontecendo com ele?

Hayden se fez essa pergunta na manhã seguinte. Não houve insônia dessa vez. Satisfeito e saciado, ele tinha adiado as suposições até o amanhecer. Agora analisava seu comportamento enquanto se vestia.

– Tem certeza de que quer este colete, senhor? Pensei que não gostasse da combinação deste com a sobrecasaca azul.

A pergunta de seu criado pessoal tirou Hayden do devaneio. Nicholson era tão metódico e organizado, tão racional e estável quanto o próprio Hayden. Há anos seguiam uma rotina sem perda de tempo ou movimentos desnecessários. A distração que Hayden apresentava hoje deixava Nicholson impaciente, respirando fundo.

– E a gravata, senhor? Esta é a terceira que o senhor prova e não combina. Talvez me permita...

– Nem pensar. Não sou um garoto – disse ele, puxando o pedaço de tecido mal atado do pescoço, agarrando outro e começando tudo de novo.

Olhou para seu reflexo no espelho, enquanto dava o nó. Avaliou-se com um olhar minucioso e não aprovou o que viu.

O declínio rápido e constante de sua honra o espantava. A paixão demonstrada por Alexia não o desculpava, apesar de se lembrar dela com apreço. A moça estava confusa e vulnerável e o homem que a consolara em um primeiro momento depois a seduzira.

Ele não se arrependia, embora percebesse que estava se tornando um canalha. Mesmo quando reconhecia seu pecado, uma satisfação implacável surgia. Metade de sua mente se entregava a fantasias eróticas de possuí-la de novo.

Uma tosse discreta interrompeu seus pensamentos. Nicholson exibia o colete destoante ao lado da sobrecasaca. Pareciam horríveis juntos. Hayden não conseguia se lembrar de haver escolhido nenhum dos dois.

– Como achar melhor, Nicholson.

– Muito bem, senhor.

Com confiança sublime em seu bom gosto, Nicholson devolveu o colete ao armário e pensou em uma alternativa.

Hayden tentou impor alguma ordem a seus pensamentos. Listou os fatos como lançamentos em um livro contábil. Seduzira a Srta. Welbourne. Ela o tocara e ele perdera a cabeça. Ele pretendera consolá-la e, em vez disso, se aproveitara dela. Havia tirado a virgindade de uma mulher honrada no chão de um sótão. Seu comportamento era indesculpável, desonroso, irracional e vergonhoso.

Porém, não lamentava os fatos como deveria.

– Talvez este, senhor? – perguntou Nicholson, apresentando um colete diferente.

– Pouco importa, homem.

A sequência lógica da situação era que ele perguntasse se Alexia queria ser sua amante. A paixão nunca durava, menos ainda a do tipo que levava homens sãos a cometerem loucuras. Ele se certificaria de que nada lhe faltasse. Ela teria alguma segurança e ficaria em melhor situação no final das contas.

Ainda que este fosse o resultado mais sensato e previsível dos impulsos da véspera, tinha dúvida se ela aceitaria o arranjo. Isso a faria se degradar de forma completa e explícita. A Srta. Welbourne preferiria morrer de fome a aceitar uma situação que aviltasse sua honra publicamente.

Poderia começar a tomar providências de imediato. Poderia simplesmente determinar um valor como compensação. Se apresentasse a proposta como uma forma de penitência, talvez ela não encarasse isso como pagamento por favores prestados. Mas tocar nesse assunto com ela exigiria muita diplomacia e só evitaria as piores conotações se ele parasse de assediá-la. Não estava totalmente convencido de que cumpriria essa parte.

Por fim, poderia fazer a coisa certa e se casar com ela. Costumava dizer que seria o último homem a se casar, mas não vinha se reconhecendo nos últimos tempos. Será que ela aceitaria? Ela ainda o culpava por pecados maiores do que ser um sedutor.

Ele imaginou a vida que teriam. Separados na maior parte do tempo, como na maioria dos casamentos que conhecia. Apaixonados em um primeiro momento, depois... Não conseguia se imaginar não a desejando. Isso era estranho só de pensar. De hábito, imaginava o fim antes mesmo de pensar no começo. Que diabos havia de errado com ele?

No entanto, a paixão dela poderia esfriar rápido. Talvez isso já tivesse acontecido. A realidade da relação sexual talvez a tivesse esfriado para sempre. Ela também não gostava muito dele. Eram as acusações, e não a afeição, o que normalmente acendia seus olhos quando olhava para ele.

A paixão tem seu lugar, mas é a mente que deve comandar seus atos. As emoções levam a impulsos que destroem a honra, a fortuna e a felicidade.

Riu de si mesmo. Que inferno, um passo em falso agora e provaria que seu pai estava certo.

– Senhor, gostaria que me permitisse amarrar a gravata. Esta é a última passada e, se o senhor continuar a amarrotar...

– Vá em frente, então.

Voltou-se para Nicholson de modo que este pudesse concluir a tarefa.

Uma batida na porta do quarto de vestir interrompeu a ambos. Nicholson olhou firme para o lacaio que ousava invadir o feudo do criado pessoal. O jovem estacou.

– O marquês exige sua presença no andar de baixo imediatamente, lorde Hayden.

A formalidade da intimação era peculiar, mas o mistério real era ter havido uma intimação. Seu irmão não bancava o nobre à toa.

– Onde Easterbrook espera me dar o prazer de sua presença?

– Na sala de desjejum, senhor. Ele está tomando seu café da manhã.

Às nove da manhã? Hayden ficou curioso para saber o que tinha feito seu irmão se levantar tão cedo.

Disse a Nicholson para não se apressar em dar o nó na gravata. Retardou-se ainda mais pedindo que desse um último brilho em suas botas. No fim, conseguira praticamente se manter à rotina e seu criado pessoal o ajudara a ficar apresentável.

Pronto em seu próprio ritmo e vestido para enfrentar as tarefas do dia, afofou um lenço no bolso e desceu para atender ao capricho do dia de seu irmão mais velho.

Abriu a porta e encontrou Christian comendo sem pressa seu desjejum de peixe e pão. Conforme o esperado, o marquês estava vestido informalmente, apesar de ter trocado o robe exótico por calças e um paletó leve. Mas a falta de gravata, o colarinho aberto e o desalinho do cabelo o deixavam com aparência tão inapropriada como se estivesse usando somente uma tanga.

Essa impressão devia ter muito a ver com o fato de Christian não estar sozinho na sala de desjejum. Ele tinha uma visita feminina.

– Ah, aí está você – disse Christian. – Veja quem apareceu hoje de manhã, Hayden. Tia Henrietta fez a gentileza de nos fazer uma visita. E antes do horário comercial, para não interferir no meu dia. Que alegria, tia Henrietta. Quase sempre passo minhas manhãs isolado, dormindo demais, com nada a não ser um silêncio tranquilizador para me acompanhar.

Se Henrietta percebeu o sarcasmo, não demonstrou.

– Estou grata por ter me recebido. Estou bem menos preocupada agora, depois que conversamos.

– Tia Henrietta está muito perturbada, Hayden. Houve uma tragédia na casa dela.

– Tragédia é modo de dizer, é claro...

– Não, não tente se fazer de forte, tia Henrietta. As palavras que pronunciou foram: “Estamos enfrentando uma tragédia. Como chefe da família, você tem que fazer algo.”

Ele se virou para Hayden com toda a placidez.

– Ao saber de uma crise dessas proporções, é claro que me levantei e vim tratar da questão.

– Bem, é mesmo uma tragédia – disse tia Henrietta. – Não haverá como consertar o mal que essa mulher inconstante causou.

– Mulher? – perguntou Hayden, incerto de que se mostraria tão inocente quanto tentava parecer.

– A Srta. Welbourne – explicou Christian, fechando os olhos ao bebericar o café.

Ele deixou transcorrer uma eternidade antes de voltar a falar.

– Parece que ela está abandonando suas funções – concluiu por fim.

– Sem qualquer aviso – gemeu Henrietta. – Quando disse ontem à noite que continuaria com Caroline, pressupus que estivesse simplesmente indicando que deixaria o trabalho após a apresentação de minha filha. Pensei que ela estivesse me informando de seus planos para que eu pudesse achar outra dama de companhia para o próximo verão. Hoje, no entanto, antes de pegar a carruagem, explicou que frequentaria nossa casa por enquanto, ensinando Caroline, mas que se mudaria de lá até o fim da próxima semana.

– Ela pegou a carruagem, foi o que disse? – perguntou Hayden.

– Sim, e isso é outra impertinência. Ela está indo embora no fim da semana e mesmo assim ainda tirou a folga semanal. Uma desfaçatez, eu diria. Estou estupefata. A apresentação de Caroline à sociedade será uma desgraça.

Depois de dizer isso, levantou-se e passou a rodear Easterbrook.

Christian ignorou sua angústia enquanto retirava a espinha do peixe.

– Acalme-se. Hayden está aqui. Ele dará um jeito, não é, Hayden?

– Com certeza.

Quisera ele saber como. Não imaginava que Alexia fosse se despedir.

– Por que não me disse logo, tia Henrietta? – perguntou Rothwell.

O rosto de Henrietta se transformou em uma máscara de altivez e dor.

– Achei melhor trazer o assunto para a apreciação de Easterbrook, se não se importa. Afinal, ele é o chefe da família. Você não tem tido muito tempo para nós ultimamente. Não quis ocupá-lo mais do que tenho feito.

– Ela está sendo delicada, Hayden – falou Christian, mantendo sua atenção quase toda no corte cirúrgico e elegante do peixe. – Ela receia que essa decisão da Srta. Welbourne... desculpe-me se estiver errado, tia Henrietta... tenha algo a ver com você.

O silêncio pesou sobre a sala. Christian comeu uma garfada de peixe. Henrietta enrubesceu até as sobrancelhas e, de forma afetada, olhou para fora da janela.

– Como assim, tia Henrietta? – perguntou Hayden, sabendo a resposta muito bem.

– Acho que talvez você tenha posto tudo a perder ao repreendê-la ontem. Soube que você chegou enquanto eu estava no ateliê da madame Tissot.

– Repreendê-la? – inquiriu Christian, curioso. – Você anda repreendendo a estimável Srta. Welbourne, Hayden? A mulher que vale um salário e meio e ainda o uso da carruagem?

– Henrietta me pediu...

– Que falasse com ela sobre as aulas de francês de Caroline, não que a enxotasse de casa – lamuriou-se Henrietta. – Você deve ter sido severo demais, já que ela está indo embora antes de receber o guarda-roupa que Easterbrook está comprando para ela.

O garfo de Christian parou a meio caminho da boca.

Henrietta deu um tapinha no ombro dele.

– Você foi tão gentil com ela – comentou a tia. – Era de esperar que ela demonstrasse gratidão tratando a família com mais apreço. Só o regalo de pele deve ter custado vinte libras. Por que uma mulher em sua situação precária desprezaria tanta generosidade?

– Sim, de fato – confirmou Christian com um meio sorriso direcionado só para Hayden.

Henrietta começou a andar em círculos de novo.

– O que vamos fazer? Talvez nem consigamos mantê-la como preceptora apenas, como se fôssemos uma família de comerciantes – disse, jogando as mãos para o alto. – Não há nada a se fazer. Easterbrook, você vai ter que encontrar outra preceptora para Caroline.

Easterbrook deu um sorriso maroto para o peixe.

Henrietta passou a falar como uma mulher de negócios.

– Ouso dizer que a única maneira de encontrar outra preceptora adequada agora é se a casa que a empregar tiver a maior das reputações e renome.

Easterbrook olhava fixo para a faca.

– Ela teria que viver aqui, é claro. Nada menos do que isso atrairia uma preceptora de habilidades e referências adequadas.

Easterbrook pousou os talheres do desjejum.

– Não seria melhor apaziguar a preceptora de que ainda dispõe?

– Como posso apaziguá-la? Eu nem sei por que ela está nos dispensando.

– Tenho certeza de que Hayden será capaz de descobrir o motivo e chamá-la à razão – provocou, seus olhos escuros e perscrutadores colados no irmão. – Não é verdade, Hayden?


A carruagem parou em frente à bela casa em Oxfordshire. Alexia desceu e pôs a cesta no braço.

– A vila fica a um quilômetro e meio, seguindo pela estrada – explicou ela ao cocheiro. – Você pode cuidar dos cavalos lá e descansar. Volte para me buscar daqui a três horas.

Ela andou pelo caminho de pedras entre canteiros adormecidos. A grande casa de pedra estava situada em um terreno de quase 10 hectares fora da vila de Watlington. Parecia a propriedade de uma próspera família da pequena nobreza. Era exatamente o que fora duas gerações antes, mas quilômetros de terras cultiváveis tinham sido anexadas a ela.

A porta se abriu. Roselyn correu para fora com os braços abertos, rindo de alegria. Elas se abraçaram forte.

Durante a curta viagem, Alexia carregara uma culpa considerável, que desapareceu com a cálida acolhida de Roselyn.

– Graças a Deus que você conseguiu vir, mas sua carta falava que chegaria na semana que vem – disse Rose.

– Tive uma folga inesperada e decidi não retardar minha visita. Espero que não se incomode com a surpresa.

– Essas lágrimas mostram que me incomodo?

Roselyn deu um último abraço na prima, depois recuou um passo. Ela lançou um sorriso traquina ao olhar a carruagem.

– Sempre que penso como você conseguiu obter permissão para usá-la, me delicio com um prazer travesso.

– Você está com boa aparência, Rose.

Ela realmente parecia bem. Estava usando um vestido elegante de lã, mantido quando a maior parte de seu guarda-roupa fora vendido. Seus olhos brilhantes e o tom de pele rosado indicavam que o racionamento de combustível e comida ainda não tinha causado danos a sua saúde.

– Esperar pela sua visita me alegrou e me trouxe calor ao coração, Alexia. Depois que recebi sua carta hoje de manhã, comecei a me sentir eu mesma de novo pela primeira vez em semanas.

Elas saíram caminhando de braços dados até a casa.

– Tim está lá em cima e sinto dizer que está indisposto demais para vê-la. Ele não anda se sentindo bem – explicou Rose, com a voz sem emoção na última palavra. – Irene está visitando os Mortensons em Burberry Grange. A família tem sido generosa com ela, apesar de nossa situação, da qual, é claro, todos sabem.

Alexia sentiu não ver Irene, mas não lamentou não encontrar o indisposto Timothy.

– A doença persistente do seu irmão é inconveniente. Espero que ele mostre mais resistência.

– Ele só faz lamentar o passado e recriminar o destino. Talvez com o tempo encare o presente e o futuro.

Rose vinha tratando o presente com olho clínico e senso prático. Alexia visitara aquela propriedade diversas vezes com a família enquanto todos viviam na cidade e agora percebia que faltavam alguns móveis. Rose fizera uma seleção cuidadosa, desfazendo-se de poucas peças, mas todas de boa qualidade, de forma que os cômodos não parecessem vazios.

Elas se recolheram na biblioteca. Muitos livros estavam faltando, mas não o bastante para deixar as prateleiras parecerem nuas. Alexia se perguntou por quanto tempo a venda de peças e móveis poderia ser mantida antes que a casa ficasse reduzida ao mínimo necessário.

Ela pousou a cesta ao seu lado no sofá.

– Trouxe umas coisinhas para você. Parei em algumas lojas antes de vir para cá.

Ela afastou o pano que cobria a cesta. Os presentes agora lhe pareciam bobos. Coisas não muito úteis, compradas por impulso para alegrar as primas. Seria melhor ter trazido carne.

Rose retirou os presentinhos da cesta, desembrulhando-os com grande cuidado.

– Chá! Estava preocupada de não ter nada para lhe oferecer. E sabonete perfumado – falou, levando o presente ao nariz e fechando os olhos com ar sonhador. – Um luxo agora.

Ela continuou a procurar e achou fitas novas e belos prendedores de cabelo, surpreendendo-se com cada um dos embrulhos.

– Tenho algo mais para você – anunciou Alexia. – Preciso entregar agora, para o caso de Tim decidir nos dar o prazer de sua presença.

Ela abriu a bolsa e lhe estendeu a nota de dez libras.

O rosto de Rose demonstrou sua surpresa.

– Vai lhe fazer falta – falou a moça. – Não posso aceitar.

– Você pode e deve. Isso não vem do meu salário, nem dos meus rendimentos. Descobri uma forma de ganhar algum dinheiro.

Ela descreveu a parceria com a Sra. Bramble e o chapéu que tinha feito à mão em seu quarto.

– Eu o levei para ela hoje de manhã e ela me pagou bem por ele.

Não dez libras, mas Rose não precisava saber disso.

– Você está fazendo chapéus para uma loja?

Uma reação desagradável ficou estampada no rosto de Rose.

– Em segredo.

Alexia pousou a nota no colo da prima.

– Temos que ser seletivas em relação ao nosso orgulho, Rose.

– É verdade. Toda semana escolho mais alguma coisa em relação à qual preciso deixar de ser orgulhosa – admitiu, com uma expressão séria substituindo a alegria inicial. – Você é muito afortunada por ter esse dom com chapéus, Alexia. Lastimo não possuir habilidades práticas além de saber qual poltrona ou cadeira pode ser vendida sem chamar muita atenção.

Sons vindos acima de suas cabeças indicavam que alguém se movia no andar superior.

– Vamos dar uma caminhada – propôs Roselyn. – Não está tão frio e, se ele aparecer, prefiro... Discutimos demais e hoje...

– Vai ser ótimo caminhar.

Rose saiu para pegar um xale. Levou a cesta e o dinheiro – para escondê-los, sem dúvida. Uma vez do lado de fora, saíram andando pelo caminho que dava na vila. Alexia perguntou por Irene.

– Ela se desgasta com a nova situação financeira precária – disse Rose. – É muito difícil para uma jovem compreender a injustiça. Ela reclama por ter de ajudar na limpeza e foge para a casa dos Mortensons sempre que a convidam. Tem sonhos em relação ao filho deles, que nunca se casará com ela, é claro.

Ela puxou o manto um pouco mais para perto, de modo a se proteger da umidade. Depois olhou de volta para a casa, agora não mais do que um ponto no fim do caminho.

– Tim está falando em vendê-la – anunciou. – Ele perdeu toda a esperança, toda a capacidade de lutar. É a casa da nossa família, mas ele venderia. Quando as coisas estavam mal na última vez, Benjamin achou um jeito de melhorá-las. Tim só consegue pensar em vender sem parar, até que não haja mais nada a ser vendido. Como ficaremos quando tiver acabado tudo?

– Vou continuar mandando algum dinheiro. Com os chapéus, sempre posso mandar algum. O bastante para que Tim não venda a casa, pelo menos. Se ele o fizer, a maior parte vai para pagar dívidas, de qualquer forma.

– É o que digo a ele, que pelo menos temos um teto.

Um belo teto. Uma boa casa e um lugar em seu antigo mundo. A propriedade era o último marco da riqueza que um dia tiveram. Alexia sabia tudo sobre isso, tudo sobre se agarrar a um lugar e à dignidade com unhas e dentes.

Ela esticou o braço para o de Rose. Sua prima tinha acabado de abrir a porta que levava ao passado com Benjamin. Alexia havia pensado muito nele na noite anterior. Conforme as horas se arrastaram até a aurora, sua mente tinha oscilado entre entender o que acontecera com Hayden e compreender o choque que tinha levado a seu abandono. Descobrir aquelas cartas lançara uma nova luz sobre a memória de Ben e ela estudava atenciosamente essa imagem alterada. Mas não com ódio. Talvez com o tempo a dor lhe permitisse enxergar os fatos com distanciamento, mas agora ainda não era capaz disso.

– Rose, tenho pensado em nossa época de felicidade em Cheapside.

– Queria que nunca tivéssemos saído daquela casa acolhedora. A queda não teria sido tão grande se tivéssemos continuado lá. Tim gastou dinheiro como se o poço nunca fosse secar.

– Mas Benjamin, não. E o banco estava indo muito bem antes. Durante anos, imagino. Se houve todo aquele dinheiro disponível para Tim, a mesma quantidade teria estado disponível também para Ben.

– Temos aquelas dívidas. As que herdamos de nosso pai. Eu achava que tudo tivesse sido acertado depois da guerra. Só que Ben disse que havia mais uma dívida, uma grande, que ainda precisava ser paga. Foi por isso que eu não tive uma apresentação à sociedade.

Isso poderia fazer sentido, mas não fazia. Seria muita coincidência se a grande dívida de repente fosse liquidada justo quando Ben morreu. Tim começara a gastar aos borbotões quase que imediatamente.

Contudo, Alexia se reconfortava nos fatos puros e simples. As alusões de Hayden à melancolia de Ben e às finanças dos Longworths a assombravam havia dias. Ela odiava pensar que algum problema terrível estivesse esperando por Ben na Inglaterra. Ela resistiu à ideia de que talvez, por causa disso, ele houvesse se embebedado e caído do navio. Ou talvez não caído, no fim das contas.

A história de Rose a aliviou dessa suspeita insistente. A dívida era antiga, não nova, não poderia ter causado um desânimo repentino. Eles não viviam no luxo em Cheapside, mas tinham conforto. Os piores momentos haviam ficado para trás, mesmo que grande parte do sucesso de Ben ainda fosse usada para pagar contas deixadas pela falta de bom senso do pai.

– Imagino que haja algo naqueles baús sobre isso – disse Rose.

Um arrepio percorreu a espinha de Alexia à menção dos baús. Se eles continham informações em relação à dívida, ela não encontrara nada. Tinha parado de procurar ao deparar com as cartas.

A imagem das cartas tomou sua mente. A mão, o amor, o perfume, cenas entrecortadas a invadiram, trazendo de volta um pouquinho de seu choque. As lembranças não paravam de vir, exigindo sua atenção e sofrimento.

– Vou ganhar o bastante com os chapéus para me manter, Rose. Vou sair do emprego.

Os prédios de tijolinhos da vila podiam ser vistos através das árvores e da vegetação, esperando depois da curva do caminho.

– Você vendeu um chapéu, Alexia. Não se apresse. Odeio a ideia de ver você empregada, ainda mais na família daquele homem, mas é um lar e lhe dá segurança e...

– Estou confiante de poder me manter. No entanto, talvez esta seja a última vez que use a carruagem.

A expressão de Rose mostrou sua tristeza.

– Então talvez demore muito para que nos vejamos outra vez – falou.

– Não será tão fácil, mas vou encontrar um jeito.

– Talvez eu mesma encontre.

Alexia parou de andar.

– O que quer dizer?

Rose a encarou.

– Não vou conseguir viver assim para sempre – começou Rose. – Com o comportamento de Tim, as coisas só vão piorar. Pode ser que nem tenhamos a opção de manter a casa. Talvez seja a hora de eu fazer chapéus também, por assim dizer.

– Você disse que não tinha habilidade para isso.

– A natureza dá a toda mulher algo que se pode vender, Alexia.

Elas se entreolharam. Rose adotou uma expressão solene e determinada, uma expressão que desafiava a prima a censurá-la ou recriminá-la.

Não haveria repreensões. Ela perdera todo o direito a censuras na véspera, quando se entregara a um homem no chão de um sótão. De qualquer forma, Rose só estava especulando. Tudo não passava da ideia de uma mulher que se via diante de um futuro negro. Alexia entendia essa situação e a forma como poderia afetar o pensamento.

Recomeçaram a andar para a vila. Após alguns passos, o silêncio se rompeu. O trotar de cavalos chegou até elas, ficando cada vez mais nítido, como quando uma tempestade se aproxima.

Uma carruagem luxuosa virou a curva e rumou em sua direção. Elas saíram da frente do veículo, que passou com pressa. Alexia notou o timbre na porta.

A expressão de Rose endureceu.

– Parece que Easterbrook finalmente resolveu dar o ar da graça no condado. Não posso culpá-lo pelas trapalhadas do irmão, mas meu respeito pela família toda ficou comprometido. Preferiria que ele tivesse ficado na cidade. Graças a Deus que nunca recebe hóspedes em casa, senão Irene ficaria insuportável.


Alexia aproveitou ao máximo as poucas horas com Rose. Passearam pela vila, viram lojas e depois voltaram para casa, tomaram chá e fizeram confidências.

A maior confidência, no entanto, não foi contada. Rose nunca poderia saber o que havia ocorrido com Hayden. De certa forma, a lembrança daquele momento tinha estragado a visita. Estar de volta à família que ele arruinara, perceber os detalhes das suas finanças precárias, tinha aumentado a vergonha de Alexia diante de sua fraqueza. Como podia ter esquecido o que Hayden fizera com essa família? Como ela podia tê-lo tratado como alguém diferente do inimigo que era?

Ela se despediu no início da tarde, logo depois que a carruagem voltou.

– Vamos nos ver de novo, Rose – prometeu, dando um beijo na prima. – Volto para visitá-la assim que puder.

– Depois que você se assentar, escreva e me diga qual o seu endereço. Talvez eu vá visitá-la e veja quanto valho.

Alexia desejou que Rose não fizesse mais alusões a ir para a cidade vender seu corpo. Isso fazia a questão soar como mais do que uma ameaça infundada dita em um momento de nervosismo. Alexia não poderia ter deixado a menção passar sem conseguir que a prima lhe garantisse não estar de fato contemplando aquela possibilidade.

Quando a carruagem começou a viagem de volta, ela ficou pensando em um modo de ajudar seus primos. A Sra. Bramble pagara duas libras pelo chapéu e combinara pagar cinco pelos que fossem encomendados. Se pudesse fazê-los durante o dia, e não somente à noite, se suas criações tivessem pedidos suficientes, se ela obtivesse a renda desse ano e conseguisse comprar bastante material... daria para sustentar a si mesma e ainda aos Longworths?

Não poderia manter um estilo de vida luxuoso, mas nenhum deles se apegaria a isso agora. Alexia tinha deixado de lado os sonhos de viver no luxo havia muito tempo e com certeza Rose perceberia que uma vida simples porém virtuosa era preferível a ter de se entregar ao pecado da luxúria.

Ela olhou pela janela, para a paisagem do campo que ficava para trás. Seu coração estava pesado, numa inquietação silenciosa. Ela se lembrou da luz tristonha nos olhos de Rose ao se entreolharem no caminho para a vila.

Havia uma alternativa. Por alguma razão que ela não sabia dizer, suspeitava que Hayden lhe ofereceria uma posição especial se ela lhe desse o mínimo encorajamento. Ele tinha chegado perto disso no porão, mas ela não quisera ouvir a proposta que estragaria para sempre o que tinha acabado de acontecer.

Ela já estava maculada. Arruinada, se algum dos empregados os tivesse ouvido. A segurança oferecida por um breve caso com Hayden excederia em muito qualquer conforto que ela pudesse dar a si mesma. Não possuía nem a beleza extraordinária de Rose nem o estilo impactante de Phaedra. Ela era a mais comum das mulheres, porém tinha chamado a atenção de lorde Hayden.

Ela pesou os prós e contras da situação. Caso se tornasse amante dele, Rose e Irene ainda teriam a chance de manter alguma dignidade. Ela não poderia se apresentar ao lado das primas na sociedade, mas conseguiria ganhar dinheiro o bastante para devolver-lhes uma vida digna por um tempo. Elas eram encantadoras e talvez só isso já fosse suficiente para gerar propostas de casamento.

Sendo prática e pondo o sentimento de lado, era possível ver quem tinha mais chances de conseguir um futuro honrado e virtuoso. Das três, ela era a menos provável de alcançar isso.

Além do mais, não seria horrível se tornar amante de Hayden. Ele já tinha mostrado isso. Se pensasse apenas no prazer, ela poderia ser capaz de ignorar que negociaria seu corpo com um homem a quem nunca amaria.

A carruagem dobrou uma curva, tirando-a de seus pensamentos. Ela percebeu o cruzamento em que se entrava na estrada para Londres. A carruagem contudo não tinha virado para o sul; eles estavam rumando para o norte.

Ela abriu a janela e chamou o cocheiro. Ele parou a carruagem e se voltou para olhar para ela pela abertura.

– As indicações da estrada são claras, senhor. Estamos indo na direção errada – afirmou ela.

– O patrão disse para levá-la para Aylesbury Abbey depois que acabasse a visita à sua prima.

– Houve algum mal-entendido, tenho certeza.

Ele balançou a cabeça.

– Eles fizeram uma parada em Watlington e ele viu a carruagem. Depois me disse para levá-la lá.

– Não está em meus planos visitar Easterbrook hoje. Dê meia-volta nesta carruagem e...

– Não foi o marquês quem falou comigo, foi lorde Hayden.

Ela vira a carruagem passar correndo e um perfil indistinto dentro dela. De todos os dias para Hayden decidir sair de Londres, ela poderia passar muito bem sem ele ter escolhido justamente este.

– Recuso-me a atender aos caprichos de lorde Hayden. Leve-me de volta para Londres ou isso será nada mais nada menos do que um sequestro.

– A senhorita pode explicar tudo isso para quem quer que queira escutar. É empregada da família e come na mesa deles. Agora entre na carruagem e sente-se. Para uma mulher sequestrada, a senhorita parece bem confortável.

Ele se virou e bateu com o chicote. Todos os pensamentos sobre os Long­worths abandonaram a mente de Alexia, que se encheu das palavras duras que iria despejar em cima de Hayden muito em breve.

Por sobre sua indignação, sussurrou uma voz silenciosa. Era uma voz triste, vinda da alma que entendia bem demais o mundo. Por que não?, disse a voz. Você não tem mais nada de valioso a perder.


CAPÍTULO 11

Alexia calculou que Aylesbury Abbey tinha mais de cem cômodos. O antigo mosteiro fora demolido e substituído por uma edificação de pedra maciça.

Os olhos dela se voltaram para apreciar o pórtico elevado, ao estilo do arquiteto italiano Andrea Palladio, e as alas extensas. Controlou-se para não ficar boquiaberta.

Um dos criados de Aylesbury a ajudou a descer. Ela se dirigiu ao cocheiro:

– Não vá para os estábulos. Vou voltar logo e vamos para a cidade em seguida.

Ela e o criado subiram os degraus, entraram e começaram a serpentear pelos corredores. Foi envolvida por um luxo contido e matizes saturados, semelhantes a caixas de joias trabalhadas com bom gosto. Proporções perfeitas marcavam todos os cômodos e lindos trabalhos feitos à mão ressaltavam cada detalhe.

Hayden esperava na biblioteca, um lugar que tinha de comprimento o dobro da largura e da altura. Apesar de haver sofás confortáveis e poltronas de leitura, detalhes como os lambris de mogno, as molduras entalhadas, as vigas sólidas, uma ampla lareira e os quadros com paisagens identificavam o cômodo como parte de uma majestosa casa de campo.

– Você está retardando minha volta para a cidade – disse ela. – Foi uma coincidência infeliz ter decidido visitar a sede da família hoje e saber que eu estava lá.

– Coincidência nenhuma. Eu a segui. O cocheiro comentou seus planos com o mordomo e...

– Você investigou? E me seguiu? E por que teria de fazer essa viagem, se eu estaria de volta à noite?

– Fui compelido por uma conversa. Uma conversa que deveria ter acontecido há muito tempo.

– Acredite em mim, você não vai querer ter conversa alguma comigo hoje. Acabo de voltar da casa dos meus primos.

Ele expirou com força. Ao falar de novo, seu tom foi quase gentil, mas a firmeza também se fez sentir.

– Sei que você nunca me perdoará pela mudança de sorte na vida deles. Contudo, os Longworths não fazem parte da conversa que tenho em mente.

Então a conversa era justamente a que ela previra.

– Não quer se sentar? – convidou Hayden.

– Prefiro ficar de pé. Diga o que tem a dizer. Vamos logo com essa conversa, para que eu possa ir embora.

Ele caminhou até ela.

– Tia Henrietta visitou Easterbrook hoje. Ela o acordou cedo para reclamar sobre seus planos de deixar a casa. Ela acredita que precise recorrer a ele para encontrar uma nova preceptora.

Alexia se enganara. Ele não pediria que ela fosse sua amante. Sua chance tinha sido desperdiçada na véspera. Agora ela era apenas a criada com planos inconvenientes e ele era somente o lacaio de Easterbrook.

Ela se afastou, um passo atrás do outro.

– O motivo da visita de sua tia a Easterbrook é problema dele e talvez seu. Não é meu.

Ambos pararam, já em outra posição na magnífica biblioteca, mas mantendo a mesma distância entre si.

– Meu irmão insiste muito em que você seja convencida a ficar.

– Ele enviou o homem errado para esta tarefa. Mas ele não sabe disso.

– Na verdade, acho que ele desconfia.

– Então ele é um tanto estúpido por enviá-lo. Contudo, se é o motivo deste sequestro...

– Não se pode falar em sequestro, Alexia, apenas de desvio.

– Pode informá-lo que fez seu dever, mas a moça, ao saber de sua missão, manteve-se irredutível, apesar de ter ficado aliviada.

Ele andou de novo, mas não na direção dela. Dirigiu-se pensativo para as estantes.

– Você esperava uma proposta quando chegou aqui, não?

Como tudo tinha ficado tão confuso? Ela se insultara com o fato de ele não a querer como amante, a despeito de saber que a oferta seria a maior das ofensas.

– Uma coisa é certa. Há regras para a sedução, não é mesmo? Para os cavalheiros, pelo menos. Ou talvez você só me veja como um meio de se aliviar, como os homens de sua posição fazem com as criadas.

– Não posso culpá-la por pensar o pior de mim e pode me censurar na hora certa. No momento, só peço que reconsidere sua decisão de deixar a casa de minha tia.

– Tenho certeza de que descobrirá que ela pode ser facilmente convencida do contrário.

– Ela pode estar preocupada somente consigo própria, mas minha preocupa­ção é com você. Sua decisão é insensata.

– Refleti sobre ela com cuidado.

– Você ficará vulnerável e sozinha.

– Já estou. Você, mais do que ninguém, sabe disso. Viu de imediato.

Ele parou de andar abruptamente.

– O que quer dizer com isso?

– Se você tivesse frequentado a casa de minha família, se meu pai o tivesse recebido e minha mãe o encontrasse nas festas, se eu ainda fosse a prima pobre na casa dos Longworths, teria feito o que fez?

Surpresa e embaraço passaram pelo rosto de lorde Rothwell. Depois, ele assumiu a rigidez que com tanta frequência mascarava seus pensamentos.

Foi suficiente para que ela desse vazão a seu orgulho ferido.

– Há regras para a sedução, como eu disse. Ao passar à condição de empregada, perdi a proteção das melhores regras, as que são reservadas às filhas de boa família. Eis a verdade. Se eu fosse uma mulher digna das regras mais severas, não acredito que tivesse me notado. Foi a minha queda que me tornou interessante, o fato de ter sido jogada para fora das exigências da honra estrita. Você é um homem inteligente, com hábitos organizados e eficientes. Duvido que desperdice seu desejo com damas que as regras tornam inacessíveis.

– Está certo, sou um canalha. Agora vamos voltar à sua decisão de deixar a casa. Pelo menos tem dinheiro bastante para alugar um quarto para dormir?

– Acha que seria burra o suficiente para tomar essa decisão se não tivesse?

– Quando o que tem acabar, quem vai sustentá-la?

– Vou me sustentar sozinha, estou recorrendo a uma de minhas opções. A primeira, ser preceptora, não se adequou a mim.

A surpresa ficou evidente por trás do rosto impassível de lorde Rothwell.

– Já que não sabe roubar, resta a opção dos chapéus – deduziu ele. – Está se empregando em uma loja?

– Talvez eu esteja contemplando a outra opção no momento. Há outra ainda. Talvez não seja o único homem a me assediar e eu tenha aceitado a proteção de outro.

Ela o confundia de novo.

– Não acredito nisso.

– É claro que não acredita. Não sou o tipo de mulher que encantaria vários homens ao mesmo tempo. Aliás, não sou do tipo que encantaria nem um, o que lança uma luz desagradável aos acontecimentos recentes.

– Não acredito porque isso não é de sua natureza.

– Talvez seja. Sempre pressupus que seria horrível ser beijada por um homem a quem não amo, mas estava errada. Descobri que amor e paixão não são a mesma coisa.

Ela recebeu uma olhada profunda e direta, do tipo que a teria enrubescido pouco tempo atrás. Hoje, contudo, não temia este homem como no passado. Os acontecimentos da véspera os tinham posto em pé de igualdade.

– Você veio aqui pensando que eu iria lhe fazer uma proposta, mas entrou na casa ainda assim – disse ele. – Você temia escutar isso, mas pretendia ouvir. Desejava considerar essa possibilidade, não?

Demorou um momento até que ela pudesse arrancar a resposta da garganta.

– Sim.

– Por causa do prazer?

– Por causa do dinheiro. Uma mulher encarando um futuro incerto, uma mulher vendo sua família carente de tudo consideraria qualquer coisa.

– Não faria mais sentido se casar? A maioria das mulheres consideraria isso primeiro.

– Então me arrume um homem bom o bastante para querer se casar com uma mulher da minha idade, condição social, fortuna e virtude maculada.

– Você se casaria por interesse? Achei que não. Não estava na sua lista.

Não, não estava. Deveria ter estado, por mais improvável que essa opção fosse. Ela sempre descartara tal hipótese, dizendo-a impossível, mas, na verdade, tinha sido contra casar-se por interesse por um dia ter acreditado que teria muito mais.

– Eu procuraria este homem para você, mas sempre há uma boa chance de você não ligar para ele – disse ele.

– Então eu terei muito em comum com muitas das outras mulheres casadas. Mas estamos falando coisas sem sentido e minha carruagem está me esperando.

Ela deu meia-volta e andou em direção à porta.

Com alguns passos, ele bloqueou o caminho dela.

– Na verdade, minha carruagem está esperando e vai esperar um pouco mais.

– A carruagem de Easterbrook, para sermos mais específicos.

– Não sua, de qualquer forma.

– Minha por hoje.

– Somente porque eu a estava despindo na mente enquanto negociávamos.

– Então no futuro deve limpar a mente antes de negociar.

– É um excelente conselho, Alexia. Considerando o rumo que esta conversa tomou, um conselho bem oportuno.

– Não há nada para negociarmos.

– Você acabou de dizer que uma proposta seria bem-vinda.

Para uma biblioteca tão grande, de repente ela pareceu muito pequena. Mesmo assim, a porta estava longe. Ela tentou manter a postura sem rodeios, mas o chão debaixo dela oscilou.

– Não perca seu tempo, a menos que queira me dar carta branca.

Ele sorriu em silêncio e se aproximou ainda mais.

– Isso seria imprudente. Eu nunca arriscaria a ruína.

– Não, é provável que não. Espero que antes de negociar, você faça os cálculos dos custos de maneira precisa.

– Sempre. Portanto, estou ciente de que sua falta de afeição por mim exige algumas melhorias na oferta.

Ele fez um gesto como se estivesse refletindo sobre o assunto.

– Uma casa só sua. Um exército de criados e um cozinheiro. Uma carruagem com um par de alazões, apenas para seu uso, e, é claro, um novo guarda-roupa. O que lhe parece? – ofereceu.

Ela olhou para ele. O choque dela o divertiu. Ele levou a mão sob o queixo da moça, sugerindo que deveria fechar a boca.

– Ah! E joias, é claro. Isso para começar.

Ele retirou uma bolsa de veludo de dentro do casaco, levantou uma das mãos dela e esvaziou o conteúdo em sua palma.

Um colar de rubis e ouro escorreu por entre os dedos de Alexia. O brilho a hipnotizou. Ela não conseguiu se mover.

– São de verdade?

– Existem regras, como você disse. Uma delas é que um cavalheiro não dá joias falsas a uma dama.

– Posso ficar com ele, não importa o que aconteça no futuro?

– Sim.

– A casa e a carruagem também?

– As joias e o guarda-roupa serão seus. A casa e a carruagem serão minhas, mas às suas ordens.

Seria melhor poder ficar com a casa quando Hayden se cansasse da companhia dela, mas seria pedir demais. De qualquer forma, só as joias já seriam meio caminho andado para garantir seu futuro e cuidar para que Rose e Irene tivessem uma segunda chance.

– E em contrapartida por essa generosidade...?

– Você será só minha pelo tempo que eu determinar.

– Preciso de uma resposta mais específica. Já ouvi falar de coisas que não valeriam nem todas as joias da Inglaterra.

Ele pegou o colar e deu um passo para trás de Alexia para prendê-lo no pescoço dela.

– Está insinuando que talvez eu seja um pervertido, Alexia?

– Lógico que não, mas até agora você não se casou e eu pensei que talvez...

– Poderíamos chamar advogados e redigir um contrato. Um contrato que liste minhas preferências e a sua concordância ou discordância a esse respeito, ato por ato.

– Só pensei que você está sendo muito generoso com alguém como eu e que pode estar havendo algum mal-entendido...

– Você se deprecia com muita facilidade. Quanto ao que vai acontecer na cama, negociaremos tudo com a mesma honestidade com que estamos falando agora.

Ela sentia a joia no pescoço. Viu-a brilhar embaixo do seu rosto em um espelho do outro lado da sala. Sentiu-se muito mais sofisticada e bonita do que há poucos minutos. A sombra escura de Hayden pairava por trás dela no reflexo, mas ele olhava para ela, não para a imagem no espelho.

– Então, em troca, serei sua amante.

As mãos dele circundaram a cintura dela. A cabeça dele pendeu. O calor dos lábios dele encontrou o pescoço dela.

– Sim, e você também ajudará com os toques finais em Caroline.

Ela engasgou quando os beijos dele lhe fizeram cócegas. Nela toda. Foi acometida pelo pensamento chocante que o beijo de um homem provocava uma sensação mais excitante quando se estava usando joias que valiam várias centenas de libras.

– Sua tia dificilmente concordará com isso se eu virar sua amante.

Ele beijou sua nuca e um arrepio desceu em espiral até o machucado que ainda latejava.

– Ela com certeza não aceitaria você nessas condições. Mas não estou falando de uma proposta qualquer. Estou falando de casamento.

Mais chocada do que quando vira o colar, ela olhou para sua cabeça pendida no espelho. Ela se afastou e virou-se para ele.

– Casamento? Por quê?

Ele riu e começou a abraçá-la. Ela escapou de suas mãos.

– Você estava certa. Se você ainda estivesse morando com os Longworths, se tivesse um pai ou uma família, se não estivesse sozinha, vulnerável e pobre, eu nunca a teria seduzido. Eu até gostaria, mas essas proteções teriam me impedido.

– Então agora concluiu que as melhores regras se aplicam a mim também e fez a proposta obrigatória. Confesso que pensei que você tinha mais... independência.

– Não se trata apenas de regras. Sua natureza franca, que provavelmente deve ter afastado a maioria dos homens, combina comigo. Somos muito parecidos em nosso modo sensato. Saberemos como contar um com o outro e nos trataremos com mais honestidade também.

Ele estava discriminando o que ela trazia para esse casamento. A lista a surpreendeu por ser muito parca.

– Você ganha muito pouco com isso. Você não precisa de uma esposa. Se decidiu ter uma, deveria achar uma moça rica, elegante ou bonita.

– Do seu jeito, você tem essas três qualidades.

O elogio a desarmou, como tinha acontecido no dia em que se beijaram no teatro. Ele dissera isso para aliviar a estranheza da situação, mas seu coração se alegrou de qualquer forma.

Foi o pulo de amante para esposa que a confundira. Ela já tinha aceitado a primeira situação. Ele não precisava fazer a segunda proposta.

– Por que não se aproveitou de sua vantagem?

– Tento não ser cruel, mesmo quando uma bela dama quer dar permissão para isso. Comportei-me mal com você, mas não serei responsável por sua queda final. Quero você. Nesses casos, um cavalheiro propõe casamento.

– Esse desejo, por mais peculiar que seja, passará.

– Se passar, terei uma esposa que não esperará que eu minta para ela.

Ela deveria estar entusiasmada. Um homem rico e bonito de uma das melhores famílias da Inglaterra tinha acabado de lhe propor casamento. A alegria queria tomar conta dela, mas não conseguia achar uma âncora no seu coração.

Ser a amante seria algo por tempo limitado. Não era irrevogável. Como ela dissera a Hayden naquele dia em que ele visitou a casa, era uma forma honesta de comércio.

Ser sua esposa, ao contrário, era para a vida inteira. Para sempre. Mesmo assim, ela deveria agarrar essa oportunidade de ter segurança. Não deveria perder a chance. No fundo do seu coração, a garota ávida por romance e paixão a mirava, consternada. Uma coisa era aceitar que provavelmente nunca mais experimentaria esses sentimentos. Outra era dar um passo que tornaria isso impossível para sempre.

Este também não seria um casamento prático. Ele era Hayden Rothwell. Ela ouvia a voz lúgubre de Timothy condenando-a. Via Rose virando as costas para ela. Ela não conseguiria ajudá-los se fizesse isso; Rose não aceitaria um centavo da esposa de Rothwell.

Ele a observava com atenção enquanto suas reações se seguiam. Alexia suspeitou de que ele saberia de sua decisão antes mesmo que ela fosse dita. Depois de um olhar longo e final no espelho, ela abriu o fecho do colar.

Estava prestes a fazer a coisa mais insensata de sua vida.

Ela se afastou e colocou o colar no consolo da lareira.

– É uma oferta maravilhosa para qualquer mulher, mas não posso aceitá-la. Como disse quando entrei, hoje não era um bom dia para essa conversa.

– Mas era o dia de lhe fazer a proposta, e eu o aproveitei.

– Talvez sim. Tinha começado a pensar no aspecto prático dessa situação depois que deixei Rose hoje.

– Você é uma mulher surpreendente, Alexia.

Como uma ponta de raiva se fazia presente na afirmação, ela não soou como um elogio.

– Os Longworths vão ficar em uma situação bem melhor se você se casar comigo.

– Você sabe bem como usar seus trunfos quando quer. Contudo, está errado. Eles nunca me perdoarão se eu me casar com você. Eles nunca falarão comigo de novo.

– Eles vão se acostumar. Mas não se trata deles. Trata-se de mim e de você.

– Eles são a família que me resta.

Ele deixou que ela passasse por ele rumo à porta. Sua voz a seguiu.

– Não é só porque eles são sua família. Tem ele também. Eles são sua ligação com Benjamin. Apesar do que descobriu ontem, ainda o traz no coração.

A acusação dele fez com que sua garganta queimasse. Ela não poderia negar que, apesar da nova distância e das novas verdades, a memória de Ben ainda tocava algo bem no fundo dela.

– E isso é errado?

Ela se preparou para receber uma resposta rude, a mesma que sua própria mente lhe dava em silêncio. Sim, era errado. Ela era uma imbecil.

Ao contrário, ele sorriu com uma doçura cálida que a tocou.

– Não, não é errado, Alexia. É muito... romântico.

Uma clareza límpida a penetrou, como se ela houvesse acabado de despertar e piscasse para afastar os últimos resquícios de sonolência.

Era romântico. Irremediavelmente romântico. Um homem bonito e dono de uma riqueza considerável tinha acabado de pedi-la em casamento e não havia muitos bons motivos para que qualquer mulher recusasse sua proposta. Para alguém em sua situação – pobre, sem teto, sem planos e desonrada –, não havia nem um único motivo que não soasse como poesia barata.

– Você está certo, Hayden. Às vezes me esqueço de mim mesma e mergulho no sentimentalismo.

Ela fez um gesto em direção ao consolo da lareira.

– Promete que é meu, para fazer o que quiser?

– Todas as joias serão suas. Provavelmente haverá outras.

Se eu estiver satisfeito. Ele não disse isso, mas ela ouviu. As negociações para se tornar sua esposa não eram muito diferentes das para se tornar sua amante, se vissem a situação de frente.

– Também haverá um acordo, é claro – disse ele de forma simples, apesar de sua expressão revelar a consciência de que ela havia reaberto as negociações.

– Não tenho nada a oferecer para um acordo.

– Eu a sustentarei. Vivo ou morto, você nunca mais contará tostões.

Nunca mais. A fascinação de ter segurança eterna obteve o efeito pretendido. Ele oferecia a segurança e a paz que ela não experimentava desde que era jovem demais para entender a proximidade da pobreza.

– Imagino que teremos o tipo normal de casamento, desses que vejo na sociedade culta? – perguntou ela.

– Não estarei muito por perto, se é o que teme.

Exceto de noite. Por mais estranho que parecesse, essa parte do casamento parecia a menos onerosa e perigosa. Com o tempo, ele procuraria o prazer em outro lugar também, como era normal nos casamentos aristocráticos. O que também poderia valer para ela, se um dia se apaixonasse de novo.

– Você terá seus próprios amigos e sua própria vida – anunciou ele.

Ele se aproximou para responder a uma pergunta que seus pensamentos rápidos ainda não tinham considerado.

– Até mesmo Phaedra? Não quero que me proíba...

– Até a Srta. Blair. Não aprovo que os homens se metam nos interesses e nos amigos da esposa.

Ela pesou as obrigações e contrapartidas desse casamento. A balança pendeu tanto a seu favor que não poderia negar. Se uma mulher quisesse um casamento prático, o melhor partido seria lorde Hayden Rothwell. Isso era tão óbvio que até mesmo Rose daria o braço a torcer um dia.

Ela silenciou as últimas objeções sussurradas pela garota tola dentro dela. Deu um profundo suspiro, voltou para o consolo da lareira e pegou o colar.

– Aceito sua proposta, Hayden. Vou me casar com você.


CAPÍTULO 12

Levaram pouco tempo para voltar à cidade, como ocorria normalmente com um coche com duas parelhas e um brasão na porta. Hayden levou Alexia de volta com ele, apesar de conjecturar que ela preferiria fazê-lo sozinha. Passou o tempo todo pensando no que o casamento com aquela mulher significaria. A expressão dela sugeria que seus pensamentos também estavam no futuro.

Ele estava fazendo a coisa certa, não havia como negar, mas não podia evitar a ideia de que estava ou repetindo a história ou cumprindo o destino. Às vezes a coisa certa não era a melhor a se fazer. Apesar de estar demonstrando a honra que seu pai pregava, imaginava se também não estaria se tornando a prova do que o pai dizia sobre o impulso da paixão e o sofrimento que ela gerava.

A mãe de Hayden não tinha se casado com o homem que amava, aceitara a proposta do primeiro pretendente que a encantara com poder e riqueza. Dez anos depois, após ter dado três filhos ao marido, ela lhe pedira para ser liberada para procurar o oficial do exército por quem sempre fora apaixonada. O último traço de carinho que restava no casamento morreu no dia em que ele recusou.

Ela achou um jeito de procurá-lo de qualquer forma, é claro. Em resposta, o marido tomou providências para que o amante dela fosse transferido para uma colônia distante, onde morreu de febre. A partir desse dia, o casamento deles se transformou em uma pedra de gelo.

Ele podia ouvir o pai entoando suas lições nos jantares, os quais a mãe deixara de frequentar. O romance é uma invenção dos poetas. É um teatro concebido para tornar as necessidades básicas dos homens mais aceitáveis para as mulheres. Desempenhe o papel se precisar, mas não tenha ilusões de que esses sentimentos duram ou realmente têm importância. Ele não sabia se os filhos imaginavam todo o drama de seus pais ou mesmo se sabiam o nome do amante a quem ela se devotava em seu isolamento.

É claro que Alexia não era uma garota ingênua de 16 anos aceitando a proposta com brilho nos olhos. Ela possuía uma honestidade que deveria poupá-los da pior das tempestades matrimoniais.

E, se algum dia ela se apaixonasse de novo e tentasse reaver a ilusão que conhecera com Ben... Sua reação à ideia o surpreendeu. Por baixo da generosidade que ele pensava ter, por baixo da compreensão de que poderia aceitar esse tipo de acordo, um instinto primitivo travou seu maxilar.

Ele domou a fera recolhendo-se na mais lógica das deliberações. Voltou sua mente para números e para como iria combinar o acordo. Ele estava refletindo sobre a magnitude da mesada dela quando Alexia desviou o olhar da paisagem do campo do lado de fora para ele.

– Havia uma dívida vultosa – disse ela. – Você me perguntou no parque por que Ben não tinha aproveitado o sucesso. Rose me contou hoje que havia uma grande dívida final a pagar, herdada do pai dele.

Ele olhou para o outro lado da carruagem e uma sombra velou o futuro. Ela acabara de ficar noiva. Estava sentada junto de seu futuro marido. Sua mente, contudo, estivera fixada nos Longworths. Talvez estivesse ensaiando o que diria para aproximar os primos. Nada do que ele gostaria de ouvir, isso era certo.

– Bem, isso explica tudo, então.

– É meio estranho que a dívida tenha se acabado quando Ben morreu. Ela não teria que ter sido herdada por Timothy?

– O saldo talvez fosse tão pequeno que o credor perdoou o restante quando Ben morreu. Ou talvez não fosse uma dívida passível de ser cobrada e Ben só a tivesse pagado por nobreza, não por necessidade legal.

– Isso seria bem o estilo de Ben. Ele era o mais honrado dos homens.

– Um modelo de virtude.

Ele procurou disfarçar o tom sarcástico que ameaçava macular sua frase.

Era de seu interesse agora deixar que ela soubesse a verdade sobre Benjamin. No entanto, bastava relembrar suas lágrimas no sótão para ter certeza de que ela não descobriria isso pela boca dele. Sua palavra de honra a Timothy ficaria comprometida, mas outra razão o impedia. Não queria vê-la sofrendo novamente.

– Alexia, temos que tomar algumas decisões a respeito desse casamento.

– Um casamento rápido, eu acho. Uma cerimônia íntima, com um anúncio simples, se não se importar. Todos saberão que você só se casaria com uma preceptora pobretona para manter sua honra. Seria de mau gosto fazer um casamento teatral e de grandes proporções.

– Faremos assim, se preferir. Entretanto, vamos dar um baile para a apresentação de Caroline à sociedade e você vai encomendar um vestido de preço exorbitante para a ocasião.

– Para compensar o casamento simples?

Sim, e para compensá-la por não ter tido uma apresentação à sociedade e por todos os mimos e alegrias femininos que lhe tinham sido negados.

– Será uma forma conveniente de apresentá-la a todos os meus amigos.

Ela deu um sorriso sem convicção. A ideia de encarar os amigos dele a trouxe de volta a suas contemplações particulares. Ela só voltou à realidade quando entraram em Londres.

– Estamos nesta carruagem há horas, mas você nem tentou me beijar.

– Você estava esperando por uma grande sedução todo esse tempo?

A tentação o havia atiçado durante todo o caminho, mas ele não daria o braço a torcer. A paixão pode ser passageira e não importar de verdade, mas no momento o dominava mais do que Hayden pensava ser possível.

– Pensei que deveria esperar até nos casarmos – falou ele.

Isso a divertiu.

– Então agora sou pura de novo, até o casamento? É uma hipocrisia charmosa, mas agradeço por se importar com minha dignidade.

– Como você pediu um casamento rápido, não vou precisar esperar muito. Posso aguentar e ser magnânimo.

Ela riu. A luz do pôr do sol inundou seu rosto. Seu brilho dourado eliminou as sombras de preocupação que tinham obscurecido seus olhos o dia todo.


Ele não a levou de volta para a Hill Street. Em vez disso, levou-a para Easterbrook. Ela não perguntou o motivo. Ele não era um homem a quem se questionasse as pequenas decisões.

Ele a acomodou na sala de visitas onde haviam negociado o uso da carruagem.

– Dei instruções para o preparo de uma ceia – disse ele. – Também mandei chamar meus irmãos.

– Você pretende fazer um anúncio grandioso.

– Com certeza.

– Não seria mais prudente informá-los em particular?

– Prudência nunca foi uma característica do meu comportamento com você e não vejo motivo para não trazer o assunto à baila com meus irmãos. Ou você quer dizer que assim não veria sua estupefação? Garanto que qualquer choque que revelem não terá nada a ver com você.

Ele parecia muito relaxado. Quase aliviado. A ideia de surpreender os irmãos o deleitava.

Um homem de cerca de 25 anos entrou na sala alguns minutos mais tarde. Não tinham sido apresentados, mas ela o reconheceu como sendo lorde Elliot Rothwell, o jovem autor de um famoso livro sobre os últimos anos do exército romano na Grã-Bretanha.

Ele não tinha a aparência de um intelectual, apesar de ser fácil imaginar seus olhos escuros e meditativos sendo levados pela distração total que tais empreendimentos induziriam. Talvez fosse o cuidado com que se vestia que parecesse incompatível com a fonte de sua fama. Sua sobrecasaca cinza com fila dupla de botões, que chegava à altura dos joelhos e tinha bom caimento, estava na última moda. O corte em camadas de seu cabelo escuro e espesso era o de um rapaz elegante.

Hayden a apresentou. Os modos de Elliot mostravam mais presença do que seu semblante prometia. Seu sorriso a deixou à vontade. Ele perguntou notícias da tia, mas Hayden interrompeu.

– Elliot, a Srta. Welbourne aceitou minha proposta de casamento.

A surpresa de Elliot foi perceptível, mas breve.

– Isso é maravilhoso. Anseio pelo dia em que poderei me dirigir à senhorita como a uma irmã, Srta. Welbourne. Já começou a pensar nos detalhes, Hayden?

– Vamos nos casar assim que providenciar os documentos.

– Então vou precisar permanecer na cidade pela próxima quinzena. Já contou para Christian?

– Pedi que ele descesse para eu contar.

– Não acho que ele vá atender ao pedido. Teve um dia daqueles.

– Se ele não vier até aqui, eu vou lá. Não vou permitir que ele saiba do meu noivado pelos comentários dos criados. Você pode fazer companhia à Srta. Welbourne, Elliot?

Ele a deixou aos cuidados do irmão mais novo, que tentou achar assuntos triviais suficientes para encher o tempo. Elliot a examinava como um homem que acabara de encontrar uma borboleta e estava tentando definir que tipo de espécime ela era.

– Ele a seduziu?

A pergunta a deixou boquiaberta. A postura que tinha assumido como uma armadura para sobreviver a essa visita de repente pareceu fina como papel.

– Considerando a precipitação de nossas núpcias iminentes e o fato de o senhor e eu nunca termos nos encontrado, não posso culpá-lo por imaginar isso. No entanto, não esperava que a pergunta fosse feita de maneira tão direta.

– Notável.

De repente ele achava o espécime muito interessante.

– Percebi que não sou o que esperava, nessas circunstâncias ou em qualquer outra.

– Não tinha expectativas, além de esperar que ele nunca se casasse. Não é a escolha da noiva que considero notável, é a prova de que ele tenha feito algo impetuoso. Há quatro ou cinco anos, seria normal, mas agora... é surpreendente.

– O senhor não parece insatisfeito.

– Nem um pouco. Pressupondo, é claro, que a senhorita não o faça se arrepender para sempre deste momento de loucura.

Este homem tinha percorrido um caminho peculiar para chegar a um pedido, mas eles estavam em pontos opostos desse cruzamento. Ele pedia algo que nem mesmo Hayden havia abordado depois de declarar que esperava sua fidelidade pelo tempo que quisesse, o que significava que não esperava por isso para sempre.

E ela aceitara a proposta de casamento sem pesar totalmente as obrigações que viriam a reboque. Agora elas espreitavam. A verdade nua de sua decisão a pressionava.

Seria um casamento. Significaria o para sempre que ela rejeitara de início. Ela devia a ele mais do que uma fidelidade temporária e o direito ao seu corpo. Ser uma esposa significava muito mais do que isso.

Ela pensou na sua resposta à questão que Elliot levantara. Suas palavras seriam importantes, para si mesma e para ele. Vasculhou seu coração para descobrir o que poderia prometer de forma honesta.

– Tentarei ser uma boa esposa, se foi isso o que quis dizer.

Parecia muito pouco, mas seu coração batera pesado, como se tivesse se comprometido com um objetivo enorme.

O sorriso de aprovação dele a animou de um jeito bobo, no entanto sua postura se recusou a se recompor. Ela permaneceria atenta às mudanças que esperavam por ela. A franqueza de Elliot tinha estabelecido um vínculo entre eles; ela sentia que esse irmão poderia se tornar um aliado e um amigo nos anos futuros.

– Por que disse que seu irmão poderia ter agido de forma impetuosa anos atrás, mas não agora?

– Ele teve várias vidas diferentes. Existe a que se vê, sensata, eficiente e um pouco rígida, uma vida em que seria improvável que seduzisse a Srta. Welbourne. Mas tem outra que ele vive toda manhã. A senhorita a conhecerá em breve – riu ele, depois falou com sinceridade: – Não é totalmente deste mundo, essa vida, e deve se certificar para que ele não se perca nela.

– O senhor parece estar falando de alguém cujos momentos de loucura são a regra, não a exceção. Por favor, não me assuste.

– É um tipo de loucura, imagino, mas ele a controla. Teve também a vida que levou na juventude. Zeloso, tedioso e correto. O mesmo aconteceu com Christian. Eles foram dois soldados sob o comando do marechal.

– Que foi o seu pai.

Ele assentiu.

– Nosso pai não ouvia argumentos. Ele moldou seus filhos, mas, quando faleceu, os moldes de repente se despedaçaram. Diante da liberdade de serem eles mesmos, meus irmãos não pareceram saber quem eram. Hayden tentou ser o galã da cidade, depois o político extremista, depois outras identidades. Por fim, descobriu a identidade que se vê agora.

– De todas que poderia ter escolhido, por que esta?

– A verdadeira natureza de uma pessoa vence no fim, e este é ele.

Elliot encolheu os ombros.

– Ir para a Grécia pode ter feito isso – arriscou ele. – A decisão foi precipitada, cheia de ideais românticos e pouco senso prático. Talvez a realidade da batalha tenha lhe ensinado o custo dos sentimentos. Eu não saberia dizer. Ele não fala sobre isso com ninguém.

Não era verdade. Ele tinha falado sobre isso com ela, um pouco.

– Seu relato fala da jornada de seus irmãos para descobrirem suas próprias identidades. O senhor foi poupado?

– Por ser o mais novo, foi mais fácil escapar de meu pai. Aprendi a me esconder na biblioteca.

Onde ainda se escondia. Ela se perguntou se ele tinha escapado tanto quanto imaginava.

– Chega de falar sobre meu irmão. Você o conhecerá bem demais em breve. Fale-me da senhorita. Como acabou sendo preceptora de minha prima?

Ela não se importava de ter aquele homem observador analisando sua vida. Ela começou a contar a história. Considerando todos os detalhes que pretendia deixar de fora, seria um longo relato.


A sala de estar de Christian estava às escuras, mas um abajur brilhava no quarto. Quando Hayden andou nessa direção, algo se moveu perto dele em um canto. Ele parou e espiou as sombras mais profundas do cômodo. Christian estava sentado em uma cadeira de braços, muito empertigado para estar dormindo. Pelo que Hayden conhecia do irmão, ele devia ter passado o dia todo lá.

– Você está bêbado? – perguntou Hayden.

– Sóbrio até demais, na verdade.

O tom de Christian refletia uma distração profunda e muita irritação por ter sido perturbado.

Hayden nunca soubera o que fazer quando o irmão ficava assim. As escapadas de Christian do mundo eram breves, mas perturbadoramente intensas. Ele não trabalhava com fórmulas ou lia documentos nesses momentos em que saía do ar. Parecia não fazer absolutamente nada.

– Pedi ao mordomo para preparar uma ceia. Desça e junte-se a nós.

– Acho que não.

– Não é saudável se entregar à melancolia assim.

– É a melancolia que o faz mergulhar nos números, Hayden? Ou Elliot em suas bibliotecas? Não andei visitando câmaras escuras em minha mente, se é o que teme.

Como se ele fosse acreditar. A escuridão transbordava dele, tornando o ar pesado. Hayden andou mais para dentro do quarto, acendeu a luz e voltou.

Seu irmão ficou visível. Christian não estava de robe, como Hayden esperava, nem despenteado. Ao contrário, estava impecável e usava suas melhores roupas. Sua expressão não mostrava os efeitos negativos dessa estranha vigília. Seu semblante parecia mais crispado, mais alerta do que Hayden vira nos últimos meses.

Ele apontou para o casaco.

– Pretende sair hoje à noite?

– Não.

– Gostaria que você não agisse de forma tão peculiar às vezes, Christian. Você é jovem demais para ser tão excêntrico.

– E você é jovem demais para ser emocionalmente abstrato.

Que diabos ele estava querendo dizer? Hayden desligou o abajur.

– Agradeceria se você descesse para cear. Ou talvez apenas alguns minutos, se for tudo o que possa nos conceder. A Srta. Welbourne está aqui e gostaria que a acolhesse no seio de nossa família.

A atenção encrespou a rigidez. Christian não se moveu, mas voltou totalmente para a realidade.

– Você vai se casar com essa mulher?

– Parece que sim.

– Não esteve vigilante o bastante, não é?

– Parece que não.

– Muito decente da sua parte. A única coisa a fazer, é claro.

Havia outras opções, ambos sabiam disso.

– Sempre soube que você se casaria com uma mulher como ela.

– É claro.

– Apesar de ter esperanças... Bem, vamos lá encontrá-la. Por coincidência, já estou vestido para isso.

O marquês se levantou.

– Eu previa alguma necessidade de parecer civilizado. Não pensei que fosse essa a razão, contudo.

Eles seguiram para a escada juntos.

– Quais eram as suas esperanças? – perguntou Hayden.

A expressão de Christian se obscureceu, como se tivesse achado a pergunta muito ousada. Depois clareou por um instante.

– Ah, você se refere ao comentário que acabei de fazer. Era uma esperança muito tênue e não era importante.

– Estou curioso de todo jeito.

Christian deu de ombros.

– Tinha esperança de que você se apaixonasse, Hayden. Mas é melhor assim. Menos perigoso.


Ela não ficou totalmente na berlinda na sala de visitas. Depois dos votos de felicidades e de uma bênção de aprovação por parte de Easterbrook, os irmãos conversaram entre si enquanto esperavam o chamado para a ceia.

Quinze minutos após a volta de Hayden com o irmão, chegou outra convidada. Henrietta entrou ventando, usando um vestido formal de jantar de tule azul e seda. Seu rosto reluzia de satisfação por baixo das plumas de ave-do-paraíso que adornavam o turbante rosa que Alexia tinha permitido que ela comprasse na semana anterior.

Ela mirou Easterbrook na entrada, sem olhar para mais ninguém. A meio caminho, avistou Alexia pelo canto do olho. Sua confusão se fez sentir, mas Henrietta não era mulher para ser contida.

– Que gentileza sua me convidar, Easterbrook. Depois desta manhã, pensei que talvez... Fiquei muito satisfeita de receber seu pedido para vir, apesar de surpresa por o convite ser para esta noite. Tão em cima da hora... Bem, estou aqui, agradecida e aliviada.

A acolhida de Easterbrook foi feita em tom formal. Alexia teve a sensação de que a frieza não era tanto por sua tia, mas pelo crescimento inesperado do grupo.

Quando Henrietta se dirigiu a Alexia, o fez em tom indulgente.

– Fico feliz que meu sobrinho a tenha encontrado. Acredito que não haverá mais essa conversa de você nos deixar. Que generoso da parte de Easterbrook permitir que você ficasse para participar da festinha também. Pode levar minha carruagem de volta quando a refeição acabar. Tenho certeza de que meus sobrinhos providenciarão um meio para minha volta.

Hayden pegou a mão da tia entre as suas.

– Tia Henrietta, esta não será uma festinha, mas uma pequena celebração, e a presença da Srta. Welbourne é essencial. Ela e eu ficamos noivos esta tarde.

Henrietta sorriu para ele de forma sonhadora. Muito devagar, sua boca se enrijeceu e seus olhos ficaram frios como gelo. Um silêncio mortal pairou por alguns longos momentos.

– Que maravilha, Hayden. Desejo-lhes toda a felicidade.

– É magnífico, não é? Não poderia estar mais satisfeito – disse Easterbrook, oferecendo o braço para a tia. – Vamos descer. Espero que a entrada não seja um prato frio. Detesto.


Henrietta não estava nada feliz. Não se dirigiu a Alexia durante a refeição, mas mandou alguns olhares chispantes por cima da mesa. Hayden leu os insultos. Jezebel alcoviteira. Aventureira astuta. E, mais do que tudo, traidora.

A boca de Henrietta se franziu em desdém quando ele descreveu a cerimônia rápida e íntima, mas Christian e Elliot agiram como se fosse perfeitamente normal que o irmão de um marquês se casasse dessa forma.

– Aonde vão morar? – perguntou Elliot, levantando um problema que os casamentos rápidos apresentavam.

– Em minha felicidade com o sim da Srta. Welbourne, não pensei nisso ainda. Vou visitar corretores amanhã.

– Estamos na época de apresentações das jovens à sociedade. Não vai conseguir alugar nada do seu gosto – disse Elliot.

– Há sempre a opção de morarem aqui, se quiserem – disse Christian, emergindo de um longo período em que só ficara observando.

Continuou bebendo vinho, indiferente ao silêncio de estupefação que se seguiu à sua tranquila declaração.

Henrietta parecia pronta para despertar do choque pela injustiça.

– Acho que a Srta. Welbourne preferiria ter a própria casa – sugeriu ela, com a voz falhada pelo espanto.

– É verdade, Srta. Welbourne? – perguntou Christian. – Preferiria ter sua própria casa logo? Digamos, uma casa como a de Hill Street, onde vive agora?

– Ficarei contente com o que Hayden escolher. Uma casa como a de Hill Street seria mais do que adequada.

– A solução é clara, então. Hayden deve fixar residência naquela casa, em vez de vir para cá.

– O quê? – gritou Henrietta. – Easterbrook, não há espaço o bastante. Se tivesse ido me visitar, teria visto com seus próprios olhos. Por que não deixamos como está e...

– A casa tem mais de vinte cômodos. Meu irmão logo achará uma casa melhor para sua noiva, mas ela é adequada por ora. A Srta. Welbourne concordou.

O rosto de Henrietta enrubesceu.

– A casa é minha, deixe-me refrescar sua memória.

– Mas você permitiria que eles vivessem lá, não é mesmo? Em nome de toda a gentileza que Hayden demonstrou para com vocês. E como um favor especial para mim.

Hayden virou a cabeça para Alexia e falou baixinho:

– Você quer isso? Se não, fale agora.

– É a minha casa – sussurrou ela. – Ficaria feliz de continuar lá.

Henrietta não ignorou o perigo no tom aveludado que Easterbrook usou. Tentou engolir o desapontamento, com extrema dificuldade pelo esforço.

– Suponho que possamos dar um jeito de abrigar a todos pelos próximos meses.

– Acho que seria melhor se você e Caroline se retirassem – disse Christian. – Se meu irmão quisesse morar com parentes, teria aceitado minha oferta de virem morar aqui.

– Senhor, não é necessário – disse Alexia. – Não quero viver lá se isso for causar inconvenientes para sua tia.

Christian pediu mais vinho. Olhou para seu cálice cheio por um longo minuto.

– Minha tia não seria despejada sem ter para onde ir. Você e Caroline virão morar aqui, tia Henrietta.

Todos olharam para ele como se tivesse anunciado a invasão dos franceses.

– Vamos mesmo? Oh, meu Deus, estou boquiaberta. Você é muito bom, Easterbrook. Isso vai transformar a apresentação de Caroline à sociedade em um enorme sucesso. E ela vai ter a oportunidade de realmente conhecer você e Elliot. Não sei como expressar minhas emoções...

– Sim, sim. Estou feliz que tenha ficado satisfeita.

Ah, e como! Hayden viu o triunfo subjacente às lágrimas de gratidão de Henrietta. Não houve mais chispas para Alexia. A preceptora não era mais uma mulher indigna ficando melhor do que merecia, mas uma cúmplice cujas estratégias tinham alcançado o impossível.

Christian ignorou Henrietta pelo resto da refeição. Ele teria que desenvolver essa habilidade cada vez mais dali em diante.


CAPÍTULO 13

As damas de Hill Street desceram da carruagem em frente à igreja de Saint Martin. Alexia elevou o olhar para o pórtico. Naquela manhã, suas colunas pareciam sujas e as sombras por trás delas se mostravam ameaçadoras.

– Por que você e Caroline não seguem adiante? – sugeriu ela a Henrietta. – Vou tomar um pouco de ar um instante e depois as encontro.

Caroline deu um sorriso largo.

– Você está um pouco inquieta, não é? Ouvi dizer que algumas garotas dão meia-volta e fogem. Houve um caso desses dois anos atrás...

– Já chega – disse Henrietta, mordendo as próprias bochechas e semicerrando os olhos. – Tenho certeza de que a Srta. Welbourne não está nem inquieta nem com medo, muito menos pensando em fugir. Ela só quer tomar um pouco de ar. Venha comigo.

Elas subiram as escadas, ficando cada vez menores até que as sombras do pórtico as engoliram.

O olhar de Alexia vagava por todos os lugares, das escadas até a rua, na esperança de ver o que seu coração sabia que não estaria lá.

Escrevera para Rose e Timothy havia uma semana, dois dias depois da ceia com Easterbrook. Tinha sido difícil. A lógica para aceitar o casamento parecera menos racional quando ela tentara pôr em palavras.

Contudo, ela também negara o impulso de suplicar o perdão deles. Hayden tinha prejudicado os Longworths da forma mais dolorosa, mas o fato de Alexia haver aceitado sua proposta complicara o dever de lealdade dela para com a família. Se ela ia se casar com o homem, não poderia reprovar seu caráter em uma carta escrita após o noivado.

Em vez de despejar uma longa lista de desculpas, escrevera uma carta breve, explicando sua decisão em poucas frases. Ela pedia que eles comparecessem ao casamento e que Timothy a conduzisse ao altar. Oferecia-se para mandar uma carruagem buscá-los. Até prometia encontrar um lugar para eles se hospedarem na cidade por alguns dias.

Não houve resposta. Não chegara nenhum pedido para mandar a carruagem. No quarto dia, ela havia aceitado o fato de que eles nem mesmo iriam reconhecer o casamento dela. Mesmo assim, ao se preparar naquela manhã, ouvira as vozes familiares deles na casa, na esperança de que fossem surpreendê-la no último minuto.

A escadaria livre e o pórtico vazio mostravam que tudo não passara de uma fantasia pueril. Ela faria tudo completamente sozinha.

Tentou esconder a tristeza por baixo das outras emoções que a tomavam. Defini-la como inquieta não fazia justiça para descrever seu estado naquele dia. O pânico se avolumava cada vez que pensava no passo que estava dando. Fugir estava fora de questão.

Uma figura apareceu entre as colunas acima. Um homem andou em sua direção.

– Posso ter a honra de acompanhá-la, Srta. Welbourne? – perguntou Elliot.

– Acho que sim.

Começaram a subir os degraus. A meio caminho, outra figura surgiu ao lado dela. Elliot olhou para a roupa negra esvoaçante e o cabelo ruivo solto ao vento, depois olhou de novo, por mais tempo.

Alexia parou e aceitou o abraço e o beijo de Phaedra Blair. Phaedra e Elliot avaliaram um ao outro enquanto Alexia os apresentava.

– Seus primos não foram capazes de engolir a raiva, pelo que vejo – disse Phaedra.

– Não, e com isso fico ainda mais agradecida por você ter vindo.

– Se não aprovo essas uniões, é opinião só minha. Sei que meu caminho não é adequado para a maioria das mulheres. Então,vamos lá.

Ela pegou Alexia pela mão e a incitou a seguir em frente.

– A senhorita pretende conduzi-la ao altar? – perguntou Elliot.

– É uma ideia interessante. Seria um simbolismo preferível à prática comum. Entretanto, só caminharei junto com ela, se concordar. Ela entra nesta igreja sem depender de homem algum, então nenhum homem deve entregá-la a outro. Ela vai abrir mão da liberdade por sua própria vontade, para o bem ou para o mal, e é uma pena que a igreja não esteja cheia de gente para ver quanto isso é verdade.

Elliot recuou em silêncio, estupefato. Phaedra caminhou ao lado da noiva, com seu vestido flutuando na brisa como uma deusa grega da noite.

Easterbrook, Caroline e Henrietta esperavam dentro da igreja com um pequeno grupo de convidados. Hayden estava de pé próximo ao altar, ao lado de um jovem que Alexia não conhecia.

– Meu Deus! – sussurrou Phaedra. – O conde de Chalgrove veio até a cidade para acompanhar o noivo. E esse tipo afetado, com ar cansado e cabelo louro, é o visconde Suttonly. A lista de convidados pode ser curta, mas o sangue de suas testemunhas é bem azul.

Ao andar pela nave entre seus dois acompanhantes, o coração de Alexia bateu mais forte. Sua mente corria veloz para realizar um cômputo final.

Poderia estar cometendo um terrível erro, um erro que toda a segurança do mundo jamais contrabalançaria. O que sabia do homem que a esperava adiante? Ele demonstrara alguma gentileza e doçura, conseguia fazê-la gemer de prazer, mas ela também testemunhara sua crueldade – que poderia estar esperando por ela no futuro.

Phaedra e Elliot a deixaram no final da nave. O padre assumiu sua posição. Hayden veio até ela e lhe ofereceu o braço. Ela o agarrou com toda a força.

– Você parece assustada – disse ele.

– Assustada, não – mentiu ela. – Só muito atenta, muito viva.

– Quando eu era garoto, às vezes pegava uma estrada desconhecida, sem saber aonde iria me levar. A sensação de aventura era semelhante à que estou vivenciando hoje.

Ele começou a guiá-la até o padre.

– Acho que seremos bons companheiros nesta jornada, Alexia. Prometo que estará a salvo comigo.


Partiram da casa de Easterbrook após um desjejum de casamento. A carruagem não os levou para a Hill Street, mas para uma propriedade que Hayden possuía em Kent.

– Sua tia já estava fazendo as malas ontem – disse Alexia quando a carruagem seguia pelo campo. – Caroline está muito animada com a mudança de residência e prometeu estudar bastante francês e praticar dança enquanto eu estiver fora.

– Meu irmão imagina que Henrietta se mudará em dois dias, agora que conseguiu o que queria.

– Easterbrook foi muito gentil em fazer a vontade dela. Acho que ele é uma pessoa interessante. Um centro silencioso que observa e espera. Sim, é isso que ele é. Ele está esperando por algo. É perceptível.

Ela parecia charmosa com sua expressão séria ao tentar juntar suas lembranças para compreender o mistério que era Christian. Ao citar a fonte da tristeza de Christian, também tinha sido bem-sucedida em uma área que Hayden falhava há anos. A eterna distração de seu irmão mais velho era realmente semelhante à de alguém que espera por notícias.

Alexia usava um traje de viagem das pequenas encomendas que fizera a madame Tissot. O azul-celeste combinava com sua tez clara. O vestido de noiva tinha vindo do mesmo lugar. Teria que encomendar um guarda-roupa maior ao voltar para a cidade.

Ela parecera tão amedrontada, tão incerta ao vir ao encontro dele na igreja. Perguntas tremulavam nela como a luz que atingia a seda do vestido que usava.

Sua vulnerabilidade o tocou e também cristalizou suas próprias perguntas. Sentiu-se mais sedutor na igreja do que no sótão, atraindo-a com dinheiro e joias e afastando-a do autodomínio que lhe dera força.

– Fico feliz por morarmos naquela casa – disse ela. – Minha vida e meu círculo de amizade provavelmente mudarão muito nos próximos meses. Será reconfortante voltar ao fim do dia para os cômodos e corredores tão familiares.

Ele estava feliz por ela estar satisfeita, mas se perguntava se a escolha da casa tinha sido sensata. Havia fantasmas entre aquelas paredes e mais lembranças do que ele sabia. Talvez tivesse sido melhor alugar uma choupana.

– Você informou seus primos a respeito do casamento?

Ele enfiava uma vara no rio para definir sua profundidade e correnteza.

A velha tensão a percorreu. Uma falsa passividade tomou sua expressão.

– Escrevi a eles. Não houve resposta. Será como previ, eu acho. Talvez, com o tempo...

Ele pegou sua mão e a puxou para si. Segurou sua cintura e sentou-a em seu colo. A aba do chapéu de Alexia espetou seu rosto e ele desatou as fitas que o prendiam, colocando-o de lado.

Com suavidade, percorreu os traços do rosto dela. Alexia Welbourne, prima dos Longworths, permanecia distante dele, mas seu toque despertava uma mulher diferente, uma que existia apenas quando estava a sós com ele. O desejo de possuí-la o balançou, mas ele não deixaria por menos.

– Ajudaremos seus primos conforme eles permitam – disse ele.

Pequenas chamas se acenderam nos olhos que o observavam. Um homem sábio recuaria neste dia mais do que em qualquer outro.

Ela não exprimiu acusação alguma, mas elas estavam lá de qualquer forma.

– Há alguns detalhes na ruína de seu primo que você desconhece – disse ele, reagindo ao impulso de se proteger das chamas, apesar de que nunca seria totalmente capaz disso.

Ela franziu o cenho.

– Mas o quê?

– Não sou eu que vou lhe contar. Só estou dizendo que há mais detalhes por trás das aparências.

– Isso é convenientemente vago, Hayden. Acho que, se houvesse mais alguma coisa a saber, você já teria me contado a esta altura.

Ele a beijou, silenciando seu ceticismo, abandonando a urgência fútil de aplacar a raiva de dentro dela. Ele prolongou o beijo, provando e desejando, entregando-se ao desejo mostrado pela ereção que se avolumava, até sentir que o estremecimento dela afogava o velho ressentimento.

– Não vamos falar sobre isso agora – disse ele. – Não posso ordenar seu perdão, mas quando eu a beijar, não quero sua amargura entre nós. Quero que deixe os Longworths do lado de fora da porta quando você e eu nos encontrarmos na cama.

Ela parecia refletir sobre seu pedido. As pontas dos dedos dela roçaram devagar o rosto dele. O leve toque o hipnotizou a ponto de fazê-lo perder a noção da realidade.

– Não penso em nada quando você me beija, então serei perfeitamente capaz de esquecer meus primos enquanto estiver cumprindo meus deveres de esposa.

Ela fez uma pausa.

– Todos os primos.

Ele a beijou com ardor para se certificar de que era verdade. Desabotoou o casaco e acariciou seus seios, determinado a provar que, no prazer, ela pertencia só a ele.


Ela não tinha querido lançar um desafio, mas ele reagira como se fosse. Os beijos longos e demorados, o toque devastador em seu corpo a levaram à loucura. Mesmo o balançar da carruagem era sensual, um ritmo que fazia eco à pulsação do desejo que crescia a cada quilômetro percorrido.

Ele não tentou desnudá-la, mas ela desejou que ele o fizesse. Seus seios ficaram tão sensíveis ao toque sutil das pontas de seus dedos que ela quis rasgar as roupas que escudavam sua pele. Sua atenção se concentrava nas sensações. Elas percorriam seu corpo em fluxos de deleite, direcionando-se para entre suas pernas, despertando de novo a ânsia física pela completude.

Ele beijou seu pescoço, seu colo, seus seios, com um ardor controlado, mas com sua potência palpável. As lembranças da dor ficaram insignificantes.

O toque dele foi se tornando menos suave, refletindo a tensão que ela sentia nele. As carícias tomavam seus seios de forma possessiva, pedindo mais dela. Lanças de fogo atingiam sua vulva e sua mente.

Mais. A ânsia incansável se intensificou tanto que ela quis gritar. Seu corpo doía com uma tortura aguda e a mente gritava de frustração.

Ele pressionou a mão em seu quadril balouçante.

– Está se sentindo disposta, Alexia?

– Se você quiser.

A mão dele deslizou para sua barriga, fazendo uma firme pressão sobre seu ventre.

– Não lhe perguntei se está pronta para cumprir seus deveres matrimoniais nesta carruagem, apenas se estava disposta.

Ele elevou o olhar para ela. Sua expressão a fez perder o fôlego.

– Não será por obrigação que você virá a mim. Essa é uma mentira que não viveremos. Você me aceitará por causa disto.

Ele a pressionou suavemente e um calor agradável se espalhou por seu baixo ventre.

– E disto.

Ele se abaixou e beijou seus seios. Acariciou mais para baixo, pressionando sua coxa e a perna, depois mais para cima de novo, por baixo da saia.

– E disto.

A sensação da mão dele em sua pele nua a hipnotizou. O brilho confiante em seus olhos, os traços duros e sensuais em seu rosto a deixaram sem ar. O corpo dela soube de imediato o que ele queria dizer e começou a pulsar de expectativa. Sua carícia, que subia e descia lentamente, a provocava sem dó.

Ela reprimiu um gemido, mas um grito ressoava por seu corpo. A sensação intensa se repetia cada vez mais, conduzindo-a ao abandono.

Ela levou o quadril em direção à coxa dele.

– Afaste as pernas.

Ela não obedeceu. A necessidade era quase dolorosa. Sua própria loucura a assustava.

Ele pressionou o joelho dela, ordenando e encorajando.

– Faça o que eu digo.

Suas pernas se afastaram mesmo sem querer. Ela sentiu melhor o toque dele. Bem demais. Estocadas lentas a fizeram tremer. Estocadas rápidas atingiram um lugar de incrível sensibilidade. Não viu mais nada, com uma sombra obscurecendo a ele e a si mesma e todo o seu corpo, exceto onde as carícias se concentravam. O pedido por mais virou uma ordem desesperada e crescente.

Apelos invadiram sua mente. Perdeu a cabeça e o controle do corpo e não se importou com isso. Ela ia perder as forças de qualquer forma, então se abandonou à maravilhosa angústia.

Um calor pressionou suas têmporas. O abraço dele a cingiu, sustentando-a. A carícia mudou, tornando-se pior, melhor, assustadora, excruciante. Ela mergulhou mais fundo na insanidade do prazer. De repente, a sensação foi multiplicada por dez. Atingiu um crescendo de perfeição espantosa, depois se partiu numa explosão, banhando-a em uma chuva de beleza.

O alívio a surpreendeu. Ela o aceitou perfeitamente estática, espantada com o arrebatamento sobrenatural dessa experiência física. Manteve os olhos fechados e permaneceu nos últimos resquícios das ondas de prazer que batiam em seu baixo ventre.

Finalmente abriu os olhos. Hayden a segurava perto dele, com a cabeça dela pousada em seu ombro. Ele parecia incrivelmente bonito, olhando para o nada com olhos febris. Sua força dominava todo o corpo e o espírito dela, ainda mais porque o entorpecimento a deixara fraca.

Ele olhou para Alexia com um olhar sincero que demonstrava quanto estava ciente do que lhe proporcionara. O corpo dela reagiu com um tremor. Sempre fora assim entre eles, desde o início, mesmo na volta de reconhecimento pela casa.

Ela teve dúvida se seria capaz de olhar de novo para ele e não ter essa sensação.


Ela não se recuperou totalmente daquele toque. Ele a manteve junto dele pelo restante do dia. Conversaram de forma casual, sem objetivo, sem propósito. A sensualidade enchia o ar. Por vezes ele a acariciava. O trajeto lento e lânguido de sua mão a manteve excitada o bastante para que uma deliciosa expectativa a tocasse de leve. A melodia agora era só um sussurro, mas não desaparecia.

A chegada a seu destino os fez se separarem. Ao se recompor no assento diante dele, ela deu uma espiada na casa que se aproximava. Não se surpreen-deu com seus traços clássicos, que exibiam uma pureza que não se via com frequência. As seis colunas enfileiradas em frente à entrada não ficavam sobre a escada, mas ao nível do solo. A altura e a tamanho não espantavam. Não parecia ser uma casa especialmente grande, porém suas proporções perfeitas davam a ela um ar majestoso de que a maior das pilastras careceria.

– Ficou pronta há pouco tempo – disse ele.

– Então você mesmo a construiu.

Ela o reconhecia no projeto. Cada medida havia sido calculada com cuidado. Contudo, a estrutura possuía uma clareza, uma legibilidade na forma como tinha sido disposta. Hayden, o homem, não tinha isso. Pelo menos, não para ela.

– O projeto foi seu também?

– Não, mas o arquiteto pensava parecido comigo e aceitou bem minhas sugestões.

Os criados estavam à espera para conhecer a nova patroa. Hayden deu instruções à Sra. Drew, a governanta, de que sua noiva deveria ser acomodada nos seus aposentos antes de fazer uma visita de reconhecimento pela casa.

Seus aposentos ocupavam todo o fundo da casa, em uma série de cômodos arejados e cheios de luz, decorados em tons intensos de amarelo, azul e verde. Ela olhou para fora por uma janela em sua sala de estar. Embaixo ficava um amplo jardim rodeado pelas outras alas da construção. A casa enganava em tamanho. O restante dela, formando um quadrado em torno do jardim central, a tornava muito grande, de fato.

Joan, a moça designada para ser sua criada pessoal, começou a abrir as malas no quarto de vestir. Alexia fez o possível para afastar logo a estranheza inicial. O baú estava quase vazio quando uma porta lateral se abriu e Hayden entrou. Alexia percebeu uma passagem estreita que ela supôs conduzir aos aposentos dele.

Ele sorriu gentilmente para Joan, em um comando sem palavras. Engolindo uma risadinha, ela abandonou o baú aberto e saiu rapidamente.

Ele também não disse nada a Alexia, mas ela entendeu o motivo de sua intrusão. A sensualidade da viagem de carruagem voltara com ele e o desejo aprofundava o azul de seus olhos.

– É uma bela casa – disse ela enquanto se encaminhavam para o quarto.

– Fico feliz que tenha gostado.

Ela parou perto da janela e olhou para baixo novamente.

– Nunca imaginei que um jardim pudesse ser tão magnífico no verão.

As mãos dele circundaram sua cintura.

– Vou dizer ao jardineiro que faça algumas mudanças e coloque novas plantas este ano. Rosas, eu acho. E um canteiro grande de violetas.

– Você tem fortuna própria, e ela não é pouca, não é? Parece que me esqueci de perguntar sobre isso em todas as minhas negociações. Deveria ter imaginado pelos indícios. O colar, por exemplo...

Um beijo no pescoço fez com que as últimas palavras desaparecessem em um longo suspiro. O calor desse beijo, a seda do cabelo em seu maxilar, a potência tão perto dela... em um instante seu corpo voltou ao estado de excitação que a levara ao gozo maravilhoso, mostrando que estava mais uma vez percorrendo o mesmo caminho.

– O colar pertenceu à minha mãe. Minha fortuna não é pouca e fico feliz por você ter se esquecido de perguntar.

– Você não se preocupa de eu não ser capaz de administrar residências desse tamanho?

Ele acariciou as costas dela. Ela sentiu que os fechos do seu vestido começavam a se soltar.

– Não duvido que você seja capaz de administrar o que quer que queira. Exceto a mim, é claro. Seria um erro tentar fazer isso. Se eu quisesse me casar com uma mulher do tipo de minha tia, teria escolhido a noiva entre as centenas de mulheres que conheço e já teria me casado há tempos.

Ele se afastou. Ela se virou para ele, que despia o casaco. Ele o jogou sobre uma cadeira, depois se sentou para tirar as botas. Ela observou, sentindo-se estranha. Depois andou até outra cadeira e começou a se despir também.

A expectativa do prazer a rasgava por dentro, mas a luz do dia a deixava insegura. Ela imaginara que ele a procuraria à noite, no escuro, quase invisível. No mínimo, pensou que naquele dia ele a mergulharia em prazer até que ela se encontrasse por baixo dele de novo. Como no sótão. Em vez disso, eles tinham começado esse ritual deliberado de se despirem.

Ela apoiou um pé na cadeira e desenrolou a meia de seda, ciente do homem a curta distância. Para ser honesta e dar voz à menina escondida e silenciosa dentro dela, achava isso uma atitude calculada e sem graça. Aqueles atos poderiam até se tornar comuns e rotineiros com o passar do tempo, mas aquele era o dia do seu casamento. Em sua imaginação, supunha que haveria mais do que direitos matrimoniais e prazer carnal naquele dia. Teria sido mais fácil e menos inquietante se ele a tivesse despido lá na janela, enquanto se beijavam.

Uma pontada aguda a atingiu. Ela não tinha enrolado a meia de seda até o pé com cuidado, mas puxara com muita força. A seda fina se rasgou embaixo de seus dedos recurvados.

Ela olhou fixo para a meia rasgada na mão, surpresa por ter sido tão descuidada. Era a meia mais fina que já tinha usado. Seu cérebro calculou o preço para comprar outra.

– Vamos pedir que a criada vá comprar meias novas na cidade próxima – disse Hayden.

Ela olhou para a cadeira dele. Hayden não tinha se despido muito. Estava sentando confortavelmente usando calça e camisa, com o cotovelo apoiado no braço da cadeira. O polegar e o indicador seguravam o queixo em uma pose casual.

Ele a estava observando despir-se. Ela olhou para a perna nua, ainda apoiada na almofada. Sua blusa se acumulava em torno das coxas, por pouco cobrindo as partes íntimas. Ela suspeitava que ele pudesse ver seus mamilos escuros e os pelos pubianos através do tecido fino.

Prosseguir pareceu-lhe muito escandaloso. Ele sorriu devagar, reconhecendo a repentina desvantagem dela. Ele parecia muito atraente e absurdamente lindo.

Sentindo sua face enrubescer, ela colocou de lado a meia rasgada. Pôs o pé descalço no chão e apoiou o outro na almofada. De repente, esse desnudar não era mais comum e familiar, mas possuía um poder sedutor. A cama esperava logo ali e ambos sabiam o que mais os aguardava. O silêncio zumbia com o que iria ocorrer.

Ela baixou a meia. Ao chegar ao pé, tinha percebido algo importante. Algo que lhe ocorrera como um brilhante insight, o tipo de verdade que ninguém conta.

Era isso que esse homem queria, e muito pouco mais. Ele dissera isso quando a pedira em casamento. Ser uma boa esposa significava, em primeiro lugar, ser acolhedora e sensual na cama. Se ela o satisfizesse lá, teria uma vida boa. Caso contrário, não passaria de uma intrusa meramente tolerada no mundo dele.

Ela se curvou para puxar a meia do pé. Percebeu, então, que a posição fazia com que a blusa subisse muito nas costas, expondo seu traseiro. Ela deu uma olhada na direção dele.

A expressão de Hayden tinha ficado intensa.

Ela pôs o pé no chão e o encarou.

– Ninguém nos conta o que nossos maridos vão querer olhar.

– Na verdade, não é um costume comum entre maridos e mulheres.

– Então os maridos olham, mas não suas mulheres?

– Algo nesse sentido.

– Parece que vai ser diferente entre nós.

– Vai ser do jeito que você quiser que seja, Alexia. Podemos fechar as cortinas. Podemos nos esconder no quarto de vestir e você pode se envolver em um vestido difícil de despir. Você pode ser envergonhada e delicada.

Ele permitiria isso, mas preferiria que ela não ficasse envergonhada. Ele começara as coisas de forma diferente neste dia por um motivo. Não havia nada entre eles a não ser paixão, afinal. Era o único motivo para ela estar ali.

– Não vou ficar me escondendo, Hayden. Nem agir como se estivesse envergonhada ou fosse delicada. Estava preparada para ser sua amante, mas você me fez sua esposa. Parece injusto que sacrifique seu prazer para fazer a coisa certa.

– Não pretendo sacrificar muito, mesmo que queira ser envergonhada de início. Tenho todo o tempo do mundo para lhe ensinar tudo sobre prazer.

Isso certamente deixava suas intenções às claras.

– Parece que você gostaria que eu fosse sua amante e sua esposa. Uma esposa cortesã, por assim dizer.

Ela recebeu um sorriso charmoso por isso.

– Eu não teria posto nesses termos, mas é uma sugestão tentadora.

Os olhos dele continham calor suficiente para mostrar que contemplava as possibilidades. A confiança dela se esvaiu rapidamente. Dizer uma coisa dessas tinha sido muito ousado.

– Você disse que negociaríamos os detalhes. Suponho que sua promessa sobre isso ainda esteja de pé – acrescentou ela.

– Com certeza. Bem agora, por exemplo, quero que tire essa blusa. Mas você pode negociar.

Tirar a blusa. Ela olhou para a roupa. Se a tirasse, ficaria completamente nua à luz do dia.

– Seria uma coisa pequena para uma mulher tão ousada quanto você – disse ele. – Insignificante para uma mulher que se recusa a se esconder e ser tímida. Para uma esposa cortesã, seria a oportunidade bem-vinda de exibir toda a sua beleza.

Ele a estava provocando, desafiando-a.

Excitando-a.

Ficar ali quase nua fez seu sangue correr mais rápido e seu corpo formigar de expectativa.

Era realmente uma coisa pequena. Não havia muito que já não estivesse visível. Mesmo assim, seu rosto queimava quando puxou a blusa para cima. Estava muito envergonhada ao deslizar as mangas pelos braços. O tecido roçou seu corpo ao cair no chão. Ela olhou para baixo espantada com sua nudez total.

– Você é uma mulher maravilhosa, Alexia. E muito bonita.

Ele se levantou e andou em sua direção. Sua expressão fez o coração dela pular. Começou a se cobrir com os braços, mas era tarde demais. Ele a puxou para um abraço apertado, enterrou os dedos em seus cabelos, segurou sua cabeça com firmeza e a beijou furiosamente.

Foi um beijo incrível, abertamente apaixonado e francamente possessivo. O beijo ficou a um passo de ser violento, mas também deixou clara sua confiança em ser correspondido, e ela não conseguiu se controlar. Ao buscar sua boca, as mãos dele se moviam por sua pele, toda ela, tocando a carne virgem não acostumada à exposição e a carícias. Ele abriu novos caminhos de excitação nas suas costas e nos ombros, descendo pelo quadril e pelas nádegas, até chegar à parte interna de suas coxas, completamente úmida.

A espiral de desejo a tomou como em um transe. Sua nudez tornava-o ainda mais erótico. O corpo dela amou cada palpitação. A necessidade de ter mais começou a entoar sua melodia na cabeça de Alexia.

A palma da mão dele se fechou no seio dela e o prazer ficou ainda mais delicioso. O braço dele a arqueou na sua direção, levantando-a para que ele pudesse cobrir seu pescoço e seus ombros com beijos firmes e quentes. Um delírio de desejo e alívio a venceu. Ela não percebeu que eles tinham se mexido até que ele suavemente empurrou seus ombros e ela caiu flutuando na cama.

Ele arrancou o restante das próprias roupas sem fazer nenhuma pausa nem se afastar de Alexia. Os olhos dele se inflamaram, assim como sua boca e suas mãos. Ela estava lá, deitada sob a carícia de seus olhos, observando o corpo dele emergir da camisa, fascinada com a maneira como seus músculos respondiam a seus movimentos. Até então só tinha visto homens desnudos em obras de arte e ficou surpresa com quanto essas esculturas e pinturas eram semelhantes à realidade em sua percepção da rigidez do corpo de um homem.

Seu olhar chegou a uma cicatriz que maculava a perfeição. Muito longa, mas surpreendentemente fina, ela traçava uma linha que ia do ombro direito ao quadril esquerdo, como se meio X tivesse sido desenhado em seu dorso.

– É um ferimento de guerra. Tem outro igual nas minhas costas.

– Pelo menos parece que não foi muito profundo.

– Não foi com a intenção de matar.

Ele começou a abrir a calça, mas parou.

– Quão ousada se sente?

– Ousada o bastante.

Muito ousada, na verdade. O desejo a transformava em outra pessoa, impulsiva e livre. Seu corpo esperava por ele, a sensibilidade no auge. Seu peito arfava e ela não podia esperar até que ele tocasse seu peito e o chupasse mais uma vez. Tinha ultrapassado a linha da decência e se sentia muito segura.

Estava também muito errada. Uma parte do corpo masculino os artistas não retratavam com muita exatidão. Mas também ela nunca tinha visto uma estátua em que o homem estivesse com o membro em riste.

Ele se ajoelhou na cama, pairando sobre ela, e a beijou de novo. Sua língua brincava em seus dentes e lábios, convidando-a a participar. Devagar no início, Alexia começou a tocar a língua dele com a dela, depois as laterais da boca e o palato. A intimidade disso a surpreendeu. Uma parte dela estava dentro dele.

Ele baixou a cabeça e lambeu o mamilo dela. Alexia travou os dentes e suas costas se arquearam, oferecendo-se, querendo. Imagens escandalosas entraram em sua cabeça: ele fazendo isso nela toda, cada pedacinho de sua pele sendo lambido assim.

Ela segurou os ombros dele para se conter, mas foi inútil. Algo tinha mudado, deixando-a sem controle. A experiência na carruagem havia mudado o desejo, aprofundando-o. O mais agora fazia sentido e a urgência crescente, o desespero, tinha uma meta.

A forma como apertava seus seios com a boca e a mão a fez gemer. Ela achava que as sensações não poderiam aumentar, mas elas aumentavam cada vez mais, até tomá-la por completo. Ela espalmou as mãos no peito dele. A cicatriz era uma linha fina, mas senti-la desviou sua atenção. Como se fosse um obstáculo a que ela se entregasse por inteiro, a cicatriz a lembrava de quem ela veria se abrisse os olhos.

Ele estava na cabeça dela. Seu rosto e seu cheiro compartilhavam o mistério obscuro que a transformava. A voz dele falou na névoa atemporal enquanto ele alcançava a parte baixa de seu corpo, para acariciar o calor entre as coxas dela, para deixá-la pronta. Esta noite vamos aproveitar a presença um do outro bem devagar, mas agora tenho que possuí-la.

Dessa vez não doeu. Não muito. A força dele penetrando-a satisfez a ânsia dela. Tê-lo dominando seu corpo a excitava mais do que assustava. Quando ele se mexeu foi gostoso, um ritmo de alívio que apagou a dor, preencheu o vazio e despertou um novo desejo, um desejo selvagem e determinado, que foi aos poucos tomando-a tão completamente que ela se pegou gritando quando suas estocadas ficaram mais fortes.

Não bastou. Um desespero enlouquecido a dominou, como o da carruagem, só que pior, porque ela sabia o que buscava e sua essência implorava por isso.

Ele mudou de posição. Deslizou a mão entre os corpos deles. Seu toque a ajudou a alcançar o ápice e cair, cair, cair cega de satisfação.


Diamantes, decidiu ele. Ametistas seriam previsíveis demais.

Foi o primeiro pensamento são que lhe ocorreu depois, enquanto ouvia a respiração dela e sua mente voltava à razão.

Ele a abraçava pela cintura. Alexia ainda estava sonolenta, com os olhos fechados e os lábios levemente entreabertos. O êxtase a tinha amolecido. Agora que a sensata Srta. Welbourne tinha perdido os sentidos, conseguia enxergar a menina nela.

Como se o olhar do marido tivesse penetrado em seus sonhos, os cílios dela se moveram e seus olhos se abriram. Foi como se suas almas reconhecessem a força do que tinham vivido. Então, o dia começou a chegar, criando uma pequena distância entre eles.

Se isso era um indício de como as coisas seriam, ele era muito afortunado por tê-la escolhido como esposa. Ela era tão sincera em sua paixão quanto ao falar. Ela podia ter ressentimentos em relação a ele, mas não negava o desejo. Isso era raro.

– Você monta a cavalo? – perguntou ele, afastando-se dela o bastante para ver seu corpo.

Ele a acariciava correndo o dedo por sua pele, fazendo-a enrubescer. Ela não era tão ousada depois que a loucura da excitação passava.

– Eu costumava montar quando era criança. Meu pai tinha uma boa criação de cavalos antes de falir.

Falir. A palavra ficou no ar. Ela a pronunciara de forma calma, sem amargura, mas era uma palavra que tinha o poder de erigir muros de pedra em torno dela.

Alexia vivenciara isso antes. A ruína de Timothy Longworth devia ter sido como reviver um pesadelo.

– Aposta em jogos de azar? – perguntou ele.

Ela balançou a cabeça, negando, depois olhou para o próprio corpo. Enrubesceu e fechou os olhos. Recolheu-se dentro de si para que sua nudez não parecesse tão escandalosa para ela. Como as mulheres podiam ser interessantes, principalmente esta.

Ele puxou uma manta para cobri-los.

– Bebida?

– Investimentos. A promessa de riqueza incalculável. As coisas pelas quais você é famoso, mas faltou-lhe sorte ou bom senso. O pai de Benjamin o atraiu para os negócios e eles afundaram juntos.

– Não sobrou nada para você quando ele faleceu?

– A terra ficou para um primo e a mulher dele não me queria na casa. Escrevi para Benjamin, na esperança de que ficassem comigo por causa do papel do pai nisso tudo. Eles me aceitaram não por culpa, mas por bondade.

Os cantos erguidos de sua boca rosada, escurecida por ter sido beijada com força ao longo de uma hora, demonstravam sua satisfação. Ela ainda não abrira os olhos. Não rejeitava o prazer, mas talvez quisesse negar o homem que o proporcionava.

– Quebramos a regra – disse ela. – Não estava previsto falar deles na nossa cama.

– É verdade. E foram as minhas perguntas que levaram a isso.

Ele não cometeria esse erro de novo. Mas não se arrependia de tê-lo cometido dessa vez. Agora compreendia melhor a devoção de Alexia a eles.

A luz do dia e a conversa tinham afastado a satisfação latente. Ela apenas aturava a presença dele ao seu lado agora. Ele afastou os lençóis e pulou da cama.

– Chame sua criada particular. Peça que ela lhe prepare um banho, se quiser. Vou mostrar-lhe a casa depois do jantar. Daremos uma volta a cavalo pela propriedade amanhã.

Ele deixou suas roupas para que o criado pegasse mais tarde e rumou para seus aposentos, passando pelo quarto de vestir. As breves revelações dela fizeram com que ele se detivesse um instante antes de sair.

– Alexia, a liberdade em sua paixão me agrada. Não sou um homem que considere uma virtude a timidez de uma mulher. No entanto, você não é obrigada a concordar com tudo.

Ele quase saiu depois de dizer isso.

– Nem deve se sentir na obrigação de me pagar nada comportando-se como uma esposa cortesã.

Ela se sentou, puxando o lençol para cobrir o corpo. Olhou direto em seus olhos, da forma sincera que ele admirava.

– Você não está apaixonado por mim nem eu por você. Mas isto... – falou, olhando de relance para a cama. – Isto é uma alegria e talvez o que compartilhamos aqui seja uma boa base para um casamento. Enquanto durar, eu seria uma boba se fingisse que não é real.

 


CONTINUA